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Lei contra o Abuso de Autoridade


(Lei 13.869/2019)

Diretrizes de atuação de
Polícia Judiciária

Marcelo de Lima Lessa


Rafael Francisco Marcondes de Moraes
Benedito Ignácio Giudice
2ª edição
2022
2
POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO

LEI CONTRA O ABUSO AUTORIDADE (LEI 13.869/2019):


Diretrizes de atuação de Polícia Judiciária

ACADEMIA DE POLÍCIA
"Dr. Coriolano Nogueira Cobra"
2022

3
Copyright © Academia de Polícia "Dr. Coriolano Nogueira Cobra"
ACADEPOL (2022)
Direitos morais reservados aos autores, direitos patrimoniais cedidos à Academia de Polícia "Dr.
Coriolano Nogueira Cobra"

Proibida a duplicação, captação, distribuição ou a reprodução total ou


parcial desta obra sem citação ou autorização do detentor dos direitos
autorais (Lei 9.610/1998)

Ficha Catalográfica

LESSA, Marcelo de Lima; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; GIUDICE,


Benedito Ignácio. Lei contra o Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019): diretrizes de
atuação de Polícia Judiciária. 2ª ed. São Paulo: Academia de Polícia “Dr. Coriolano
Nogueira Cobra”, 2022.
Inclui Bibliografia.
1. Polícia Judiciária. 2. Abuso de Autoridade. 3. Investigação criminal. 4. Delegado de
Polícia 5. Inquérito Policial. I. Academia de Polícia Dr. Coriolano Nogueira Cobra.

4
SOBRE OS AUTORES

MARCELO DE LIMA LESSA


Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Professor concursado da Academia de Polícia “Dr.
Coriolano Nogueira Cobra” (ACADEPOL). Graduado em Gerenciamento de Crises e Negociação
de Reféns pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) e em Controle e Resolução de Conflitos e
Situações de Crise com Reféns pelo Ministério da Justiça. Atuou no Grupo de Operações Especiais
(GOE), no Grupo Especial de Reação (GER) e no Grupo Armado de Repressão a Roubos (GARRA)
da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

RAFAEL FRANCISCO MARCONDES DE MORAES


Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal
pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado pela Faculdade de Direito de Sorocaba (FADI).
Professor concursado da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra” de São Paulo
(ACADEPOL). Docente e palestrante em cursos de graduação e pós-graduação. Foi Escrivão de
Polícia e Oficial de Promotoria. Autor de livros e artigos jurídicos.

BENEDITO IGNÁCIO GIUDICE


Delegado de Polícia do Estado de São Paulo aposentado. Especialista em Polícia Judiciária e
Sistema de Justiça Criminal. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior da Magistratura.
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas
Unidas. Professor da Universidade Anhanguera. Professor concursado da Universidade São
Francisco. Professor concursado da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”
(ACADEPOL).

5
NOTA DOS AUTORES E AGRADECIMENTOS

No dia 19 de novembro de 2019 ministramos o Seminário “Polícia Judiciária e a Nova Lei


de Abuso de Autoridade” na Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, a estimada
ACADEPOL da Polícia Civil Paulista e compartilhamos com o público presente estudos e reflexões
sobre a Lei Federal nº 13.869/2019, prestes a entrar em vigor na ocasião, resultando na aprovação
de enunciados que sumulam interpretações e posicionamentos atinentes ao novel diploma legal.

No aludido evento e também em outros encontros e debates com colegas, policiais civis,
alunos e profissionais de outras instituições, verificamos o interesse e a relevância no sentido de que
os entendimentos fossem compilados de maneira didática, com o propósito de melhor difusão e
compreensão do tema, circunstâncias que ensejaram o desenvolvimento da presente obra, nesta
edição revisada e atualizada a partir dos conhecimentos e dos trabalhos até então produzidos,
inclusive com os aspectos concernentes à Lei Federal nº 14.321/2022, que inseriu o ilícito penal de
violência institucional no artigo 15-A da Lei nº 13.869/2019.

Pelo incentivo e apoio na produção desta obra, agradecemos a Academia da Polícia e o seu
corpo docente e administrativo, assim como a Polícia Civil do Estado de São Paulo e seus
Delegados de Polícia e funcionários, e esperamos que os pontos tratados sejam úteis e auxiliem na
justa aplicação do ordenamento.

São Paulo, outono de 2022.

MARCELO DE LIMA LESSA

RAFAEL FRANCISCO MARCONDES DE MORAES

BENEDITO IGNÁCIO GIUDICE

6
APRESENTAÇÃO

A Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra” (ACADEPOL), atenta às alterações


legislativas e às suas repercussões pragmáticas, sobretudo àquelas atinentes às atividades de Polícia
Judiciária, fomenta a permanente pesquisa acadêmica e a produção doutrinária.
No desempenho de sua função como Casa de Ensino e diante da edição da Lei Federal nº
13.869/2019, a nova Lei contra o Abuso de Autoridade, incentivou a edição desta obra, da lavra dos
Professores Marcelo de Lima Lessa, Rafael Francisco Marcondes de Moraes e Benedito Ignácio
Giudice, docentes desta Academia de Polícia e representantes de distintas gerações, com
experiências profissionais e acadêmicas diferenciadas e complementares, fatores que ensejaram
uma rica e variada perspectiva sobre os reflexos do diploma legal.
O trabalho é fruto de estudos e debates dos quais os autores participaram com dedicação, a
partir do Seminário “Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade”, promovido por esta
ACADEPOL.
O livro destaca a incidência das garantias fundamentais na etapa extrajudicial do processo
penal, fase primordial da atividade de Polícia Judiciária, com ênfase na abordagem dos tipos penais
de maior interesse policial e nos correlatos apontamentos em cada tópico tratado, à luz das posições
da literatura jurídica e da jurisprudência.
Analisa pontos da legislação atualizados com as inovações pertinentes, notadamente com a
Lei Federal nº 14.321/2022, que introduziu o crime de violência institucional na Lei contra o Abuso
de Autoridade, e formula diretrizes de atuação para os dispositivos comentados.
Com satisfação, apresentamos a nova edição da obra, para que sirva de orientação nos
desafios e na consecução da investigação criminal com profissionalismo, qualidade e respeito aos
compromissos constitucionais.

PEDRO LUIZ DE FREITAS BANIETTI


Delegado de Polícia
Diretor da Academia de Polícia

7
SUMARIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................................ 7
1 PANORAMA GERAL DA LEI Nº 13.869/2019 .......................................................................................... 10
2 SUJEITOS ATIVOS ...................................................................................................................................... 11
2.1 Agentes públicos com foro por prerrogativa de função ........................................................................ 12
2.2 Atribuição investigatória criminal de abuso de autoridade praticado por policiais militares ................ 13
3 SUJEITOS PASSIVOS ................................................................................................................................. 15
4 ELEMENTO SUBJETIVO .......................................................................................................................... 16
5 AÇÃO PENAL ............................................................................................................................................. 20
6 EFEITOS DA CONDENAÇÃO ................................................................................................................... 20
7 PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS ...................................................................................................... 20
8 SANÇÕES CIVIS E ADMINISTRATIVAS ................................................................................................ 21
9 SANÇÕES CRIMINAIS .............................................................................................................................. 21
10 TIPOS PENAIS DE INTERESSE POLICIAL ........................................................................................... 22
10.1 Decretação de medida privativa de liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais
e figuras equiparadas (art. 9º) ...................................................................................................................... 22
10.1.1 Decretação de medida privativa de liberdade em desconformidade com a lei (art.9º, caput) ..... 22
10.1.2 Figuras equiparadas e relaxamento da prisão em flagrante ......................................................... 28
10.2 Decretação de condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem
prévia intimação de comparecimento ao juízo (art. 10) .............................................................................. 29
10.3 Omissão de comunicação de prisão à autoridade judiciária e outras condutas equiparadas (art. 12) . 31
10.3.1 Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo
legal (art. 12, caput): ............................................................................................................................... 31
10.3.2 Deixar de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à
autoridade judiciária que a decretou (art. 12, p.u., inciso I).................................................................... 33
10.3.3 Deixar de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à
sua família ou à pessoa por ela indicada (art. 12, parágrafo único, inciso II) ......................................... 33
10.3.4 Deixar de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada pela
autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas (art. 12, parágrafo único,
inciso III) ................................................................................................................................................ 34
10.3.5 Prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva,
de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar
o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o
prazo judicial ou legal (art. 12, parágrafo único, inciso IV) ................................................................... 35
10.4 Atos de constrangimento ilícito a preso ou detento e condutas equiparadas (art. 13) ......................... 36
10.4.1 Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua
capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública (art.
13, I) ........................................................................................................................................................ 37
10.4.2 Submeter preso ou detento a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei (art.
13, II) ...................................................................................................................................................... 40
10.4.3 Constranger preso ou detento a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro (art. 13, III) 51
10.5 Constrangimento a depoimento de pessoa impedida e figuras equiparadas (art. 15) .......................... 54
10.6 Violência institucional (art. 15-A) ....................................................................................................... 56
10.7 Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso e figura equiparada (art. 16) .............. 61
10.8 Submeter preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo em caso de
flagrante ou, assistido, assim o consentir (art. 18) ...................................................................................... 63
10.8.1 Abrangência do vocábulo “preso” ............................................................................................... 63
10.8.2 Limitação ao interrogatório de mérito ......................................................................................... 64
10.8.3 Conteúdo do elemento normativo “repouso noturno” ................................................................. 65
10.8.4 Interrogatório de mérito do preso em flagrante delito ................................................................. 66
10.8.5 Natureza da assistência para o interrogatório policial ................................................................. 66
10.8.6 Hipóteses cotidianas .................................................................................................................... 67
10.8.7. Filmagem do interrogatório ........................................................................................................ 70
10.9 Impedimento ou retardamento injustificado de envio de pleito de preso à Autoridade Judicial (art. 19)
..................................................................................................................................................................... 71
10.10 Impedir, sem justa causa, entrevista pessoal e reservada de preso com seu advogado e condutas
equiparadas (art. 20) .................................................................................................................................... 72
8
10.11 Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento e condutas equiparadas
(art. 21) ........................................................................................................................................................ 73
10.12 Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, em imóvel
alheio ou suas dependências e condutas equiparadas (art. 22) .................................................................... 77
10.13 Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de
coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente
alguém ou agravar-lhe a responsabilidade e condutas equiparadas (art. 23)............................................... 80
10.14 Constranger funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para
tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, para fins de fraude (art. 24) ............................................. 81
10.15 Obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente
ilícito (art. 25).............................................................................................................................................. 83
10.16 Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa,
em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração
administrativa (art. 27). ............................................................................................................................... 89
10.17 Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir,
expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado (art.
28) ............................................................................................................................................................... 92
10.18 Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo, com o fim
de prejudicar interesse de investigado (art. 29) ........................................................................................... 92
10.19 Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou
contra quem sabe inocente (art. 30) ............................................................................................................ 93
10.20 Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou
fiscalizado e condutas equiparadas (art. 31)................................................................................................ 95
10.21 Negar acesso ou aferição de cópia de autos de investigação (art. 32) ............................................... 96
10.22 Exigir informação ou cumprimento de obrigação sem amparo legal e conduta equiparada (art. 33)
................................................................................................................................................................... 102
10.22.1 Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer,
sem expresso amparo legal (art. 33, caput)........................................................................................... 102
10.22.2 Figura equiparada para quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de
agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido (art. 33,
parágrafo único) .................................................................................................................................... 107
10.23 Antecipar atribuição de culpa antes da conclusão de apuração ou acusação (art. 38) ...................... 112
11 LEGISLAÇÃO ESPECIAL ALTERADA ................................................................................................. 116
11.1 Lei de Prisão Temporária.................................................................................................................... 117
11.2 Lei de Interceptação Telefônica.......................................................................................................... 117
11.3 Estatuto da Criança e do Adolescente ................................................................................................ 118
11.4 Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.............................................................. 119
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 122
ANEXO A ..................................................................................................................................................... 128
Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei
13.869/2019).................................................................................................................................................. 128
ANEXO B ..................................................................................................................................................... 130
Resolução nº 2, de 8 de novembro de 2017, do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC)
....................................................................................................................................................................... 130
ANEXO C ..................................................................................................................................................... 131
Enunciados aprovados no I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo:
Repercussões da Lei 12.830/13 na Investigação Criminal ............................................................................ 131
ANEXO D ..................................................................................................................................................... 133
Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 13.964/2019 ("Pacote Anticrime") ............. 133
ANEXO E...................................................................................................................................................... 134
Enunciados aprovados no Webinário Polícia Judiciária e o Acordo de Não Persecução Penal .................... 134
ANEXO F ...................................................................................................................................................... 135
Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 14.321/2022 (violência institucional) ........ 135
ANEXO G ..................................................................................................................................................... 136
Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 14.344/2022 (Henry Borel) ........................ 136

9
1 PANORAMA GERAL DA LEI Nº 13.869/2019

A Lei Federal n° 13.869, de 5 de setembro de 2019, batizada “Nova Lei de Abuso de


Autoridade”, cuida dos crimes de abuso de autoridade, em substituição à Lei nº 4.898/1965.
O novo diploma, com vigência a partir do dia 03 de janeiro de 2020 conforme seu artigo 45,
que estabeleceu vacatio legis de 120 dias, contados na forma da Lei Complementar nº 95/1998 (art.
8º, § 1º), foi objeto de nova publicação em 27 de setembro de 2019, após veto presidencial de 19 de
seus dispositivos e derrubada de 10 deles pelo Congresso Nacional.
Em suma, a Lei nº 13.869/2019 revogou a Lei nº 4.898/1965, que disciplinava as infrações
de abuso de autoridade, assim como a majorante da violação de domicílio por funcionário público e
o delito de abuso de poder antes previstos nos artigos 150, § 2º e 350 do Código Penal.
A Nova Lei de Abuso de Autoridade veicula 23 novas infrações penais em seu corpo e ainda
insere o artigo 7º-B no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº
8.906/1994), criminalizando a violação de algumas prerrogativas advocatícias. Do total de 24
infrações penais criadas, 11 são de menor potencial ofensivo, porquanto a pena cominada não
suplanta 2 anos (Lei nº 9.099/95, art. 61).
Ademais, o novo diploma legal promoveu alterações pontuais em algumas leis
extravagantes.
Na Lei de Prisão Temporária (Lei nº 7.960/89), acrescentou o § 4º-A no artigo 2º, para que
conste o período de duração da custódia cautelar no mandado prisional.
Já na Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/1996), modificou a redação do crime de
interceptação ilícita do artigo 10, inserindo a escuta ambiental como objeto de reserva absoluta de
jurisdição, a reclamar autorização judicial.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) também foi alterado pela nova
lei, com acréscimo do artigo 227-A, de modo a condicionar efeitos da condenação à reincidência
para crimes do ECA praticados com abuso de autoridade.
A Lei nº 13.869/2019 representa mais um diploma que intensifica a incidência das garantias
processuais penais integrantes do “princípio-síntese” do devido processo legal1 desde a etapa
extrajudicial do processo penal materializada no inquérito policial, derivação intitulada devida
investigação legal2 ou devida investigação criminal3, superando rótulos obsoletos como

1
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 39-40.
2
BALDAN, Édson Luís. Devida investigação legal como derivação do devido processo legal e como garantia
fundamental do imputado. In: KHALED JR., Salah (coord.). Sistema penal e poder punitivo: estudos em homenagem
ao prof. Aury Lopes Jr. Florianópolis: Empório do Direito, 2015, p.165.
10
“inquisitório” e “sigiloso” substituídos, respectivamente, por procedimento apuratório (com
contraditório possível)4 e de publicidade restringível5, sob a premissa de que o desrespeito às
cláusulas gerais do devido processo e da dignidade humana inviabiliza e macula a consecução da
Justiça Criminal.
Interessante adiantar que a nova Lei de Abuso de Autoridade não criminaliza diretamente
algumas condutas imbuídas de violência, sobretudo física ou psicológica, antes punidas pela ora
revogada Lei nº 4.898/1965, as quais permanecem objeto de outras infrações penais, sobretudo do
Código Penal (violência arbitrária, concussão, sequestro, entre outros) e da Lei de Tortura (Lei
Federal n° 9.455/1997).

2 SUJEITOS ATIVOS

A nova Lei serve para o agente público, servidor ou não, mas que no exercício das suas
funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído, consoante disposto
em seu artigo 1º.
A Lei nº 13.869/2019 coíbe o abuso da autoridade, consistente no direito ou poder de se
fazer obedecer6 conferido aos representantes do Estado que, como agentes da lei, são
compromissados com a atuação nos limites outorgados pelo ordenamento e, para tanto, sujeitam-se
à responsabilização diante do uso ilegítimo dos poderes (atribuições) que lhes são conferidos para o
desempenho regular dos serviços públicos.
São sujeitos ativos dos novos delitos de abuso de autoridade quaisquer agentes públicos,
servidores ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se
limitando, conforme elencado no artigo 2º do novel diploma: servidores públicos e militares ou
pessoas a eles equiparadas; membros do Poder Legislativo; membros do Poder Executivo; membros
do Poder Judiciário; membros do Ministério Público; membros dos tribunais ou conselhos de
contas.
3
COELHO, Emerson Ghirardelli. Investigação criminal constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2017, p. 47-48.
4
HOFFMANN, Henrique. Inquérito policial tem sido conceituado de forma equivocada. Revista Consultor Jurídico, 21
fev. 2017; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa
na investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 156-162; SEGARRA, Gabriela. Repensando o modelo de
inquérito policial moderno: rompimento com a inquisitoriedade. In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO,
Araceli Martins (Org.). Direito policial: temas atuais. Salvador: JusPodivm, 2021, p.149-165; CARACHO, Bruna
Caroline Biruel. O inquérito policial como instrumento de garantia e efetivação dos direitos humanos. In: IBRAHIN,
Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Direito policial: temas atuais. Salvador: JusPodivm, 2021,
p.79-98; LESSA, Marcelo de Lima; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; SAYEG, Ronaldo. Inquérito policial:
150 anos de resiliência. Consultor Jurídico, São Paulo, 11 nov. 2021.
5
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p.205-210.
6
HOUAISS, Antônio (1915-1999) e VILLAR, Mauro de Salles (1939-). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Objetiva: 2001, p.226.
11
Logo, todo aquele que exercer, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função em órgão ou entidade acima mencionada, estará sujeito às penas dos crimes de
abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19, art. 2º, parágrafo único).

2.1 Agentes públicos com foro por prerrogativa de função

Em que pese sinalizar um grande rol de agentes estatais, não se olvida que vários tipos
penais da nova lei de abuso de autoridade concentram-se em atribuições legais das instituições de
polícia judiciária, como já ocorria na Lei nº 4.898/1965 revogada, conquanto também veicule
infrações penais que afetam outros agentes públicos, notadamente do Poder Judiciário.
Nesse contexto, importa recordar que, tratando-se de servidor público com foro por
prerrogativa de função, conhecido como “foro privilegiado”, eventual suspeita de prática de abuso
de autoridade será remetida ao órgão competente.
Na hipótese dos Juízes de Direito, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei
Complementar nº 35/1979), assim estabelece no parágrafo único de seu artigo 33:

Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do


magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal
ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

Por sua vez, quanto aos agentes do órgão de acusação pública, a Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público (Lei Federal nº 8.625/1993), prevê em seu artigo 41, parágrafo único:

Quando no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de
membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá,
imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos autos ao Procurador-Geral de
Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.

Portanto, se a suspeita de cometimento de delito de abuso de autoridade recair sobre


Autoridade Judicial, Agente Ministerial ou quaisquer outros servidores com foro por prerrogativa de
função, o expediente será direcionado ao órgão com atribuição para investigar os fatos 7.

7
Outrossim, no tocante à comunicação da instauração de inquérito policial contra pessoa com prerrogativa de função, a
Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo publicou o Comunicado CG nº 2.094/2010, em que
recomenda aos Magistrados que encaminhem ao Tribunal qualquer representação ou notícia de crime cuja autoria seja
atribuída à autoridade detentora de foro por prerrogativa de função.
12
2.2 Atribuição investigatória criminal de abuso de autoridade praticado por policiais militares

A alteração promovida pela Lei Federal nº 13.491/2017 no Código Penal Militar (Decreto-
lei nº 1.001/1969) acarretou opinião no sentido de entender ser competência da Justiça Militar
Estadual e correlata atribuição investigativa criminal da corregedoria da instituição miliciana
estadual a apuração das infrações da legislação penal especial cometidas por policiais militares, em
especial dos delitos de abuso de autoridade.
Preliminarmente, trata-se de entendimento não sedimentado pelo Poder Judiciário, de modo
que, enquanto não houver mudança de orientação, prevalece a posição exarada na Súmula nº 172 do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a seguir reproduzida:

Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade,
ainda que praticado em serviço.

Outrossim, enquanto mantida a jurisprudência, notadamente dos Tribunais Superiores, a


direção permanece sendo a veiculada na Resolução nº 02/2017, do Conselho Nacional dos Chefes
de Polícia Civil (CONCPC), elaborada após o advento da referida Lei nº 13.491/2017 e que assim
dispõe em seu artigo 1º:

Considerar atribuição da Polícia Civil e da Polícia Federal, segundo o caso, investigar os


crimes dolosos contra a vida e os crimes previstos na legislação comum praticados por
militares contra civis, sendo de competência da Justiça Militar Estadual somente os crimes
expressamente previstos no Código Penal Militar, quando praticados em serviço ou em
razão deste.

Ressalta-se que a Lei nº 13.491/2017, a pretexto de estabelecer a Justiça Castrense para


situações envolvendo homicídios cometidos por militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e
Aeronáutica), que consistia no único propósito do respectivo Projeto de Lei, conferiu novo texto ao
inciso II do artigo 9º do diploma, que dispõe serem crimes militares em tempo de paz, além dos
delitos previstos no Código Penal Militar como estipulava a redação anterior, também aqueles
previstos “na legislação penal”, dando margem a uma indevida interpretação ampliativa da
competência da Justiça Militar para julgar os demais delitos não previstos no Código Penal
Castrense, cuja hermenêutica dominante até então referenda como competência da Justiça Comum.
A mencionada interpretação da aludida modificação legislativa tem sido considerada um
grave retrocesso pela doutrina processual penal8, na contramão da tendência internacional de

8
LOPES JUNIOR, Aury. Lei 13.491/17 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 20 out. 2017; HOFFMANN, Henrique; BARBOSA, Ruchester Marreiros. Ampliação de
competência militar é inconstitucional e inconvencional. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 28 nov. 2017;
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Juspodivm: Salvador, 2018, p.
13
restringir as atribuições de Justiças Militares, sobretudo por serem compostas majoritariamente por
juízes não de direito e civis mas por oficiais milicianos, julgando seus pares, ensejando violação à
imparcialidade, ao juiz natural e ao tratamento isonômico entre particulares e agentes estatais, na
medida em que decidirão sobre fatos criminosos como tortura e abuso de autoridade entre tantos
outros perpetrados por policiais militares contra civis e um filtro constitucional e convencional,
somado a uma interpretação conforme a Carta Magna do dispositivo modificado limita à Justiça
Militar os fatos que ofendam bens jurídicos concernentes à administração castrense, motivos pelos
quais há também a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.804 em face da citada Lei nº
13.491/17, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido colaciona-se trecho de recente decisão exarada pelo Juizado Especial Criminal
da Barra Funda da Capital, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que manteve na Justiça
Comum apuração de crime de abuso de autoridade perpetrado por Policial Militar, julgando
inconstitucional e inconvencional a aludida modificação no Código Penal Castrense9:
[...]
A ampliação desmedida da competência castrense acaba por furtar questões que não
guardam pertinência com os interesses e bens jurídicos militares da apreciação pela Justiça
Comum, a quem caberia originariamente apreciar causas alheias aos interesses tipicamente
militares, contrariando, dessa forma, a lógica constitucional e ferindo, por conseguinte, o
princípio do juiz natural.
Vulnera-se, ainda, a isonomia, na medida em que crimes idênticos, na prática, acabam
sendo julgados por Justiças distintas pelo simples fato de terem sido cometidos por pessoa
com uma qualidade especial a de ser militar, criando um privilégio onde a Constituição
Federal não previu.
[...]
Sendo assim, por todo o exposto, entendo ser materialmente inconstitucional a alteração
promovida no art. 9º, inciso II, do CPM, a qual ampliou demasiadamente a competência da
Justiça Especializada castrense para abranger delitos comuns e sem pertinência com os
interesses tipicamente militares, subtraindo, indevidamente, parte da competência da Justiça
Comum e violando, por conseguinte, o princípio do juiz natural.
[...]
Assim, a apreciação pela Justiça Militar, de cunho especializado, de questões alheias a bens
jurídicos tipicamente militares, afrontaria a independência e imparcialidade necessárias à
análise jurisdicional, eis que a competência dessa Justiça deve se restringir ao julgamento
de crimes envolvendo violação à hierarquia, disciplina militar e outros valores tipicamente
castrenses.
No caso do abuso de anterioridade, aqui ainda aplicada a Lei nº 4.898/65, uma vez que a
novel legislação Lei nº. 13.869/19 encontra e-sem período de vacatio legis e, por ser mais
gravosa. não poderia retroagir, tutela, em seus arts. 3º e 4º, direitos fundamentais
estipulados no art. 5º da Constituição Federal, os quais, em última análise, são protetivos da
orientação valorativo-constitucional da dignidade da pessoa humana prevista no art. 1º, inc.
III da CF/88, na medida em que pune-se a autoridade pública que, a partir dos
comportamentos que disciplina, transforma o indivíduo não em sujeito de direito, mas sim
em objeto de intervenção do poder ilimitado do Estado.

307-308; MACHADO, Leonardo Marcondes. Lei 13.491/2017: o Brasil na contramão da democracia e dos direitos
humanos. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Ano 25, nº 300, novembro/2017, p. 7-8; IBRAHIN, Francini
Imene Dias. A inconvencionalidade da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por
militares nos casos de vítima civil. In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Direito
policial: temas atuais. Salvador: JusPodivm, 2021, p.131-147.
9
TJSP, JECrim Barra Funda, Processo 1506694-91.2019.8.26.0050, Juiz de Direito Ulisses Augusto Pascolati Junior, j.
04/10/2019.

14
Por derradeiro, o aludido entendimento é reforçado pelo Código de Processo Penal Militar
(Decreto-lei nº 1.002/1969), que em seu artigo 6º restringe à Justiça Militar Estadual os delitos
previstos na Lei Penal Militar cometidos por servidores Policiais Militares.

3 SUJEITOS PASSIVOS

O sujeito passivo imediato dos crimes de abuso de autoridade é o Estado, que titula a
administração pública. Já o sujeito passivo mediato, é o titular da garantia individual lesada.
Destaca-se que a nova Lei de Abuso de Autoridade, em seus dispositivos, emprega
expressões como “investigado”, “detento” e “preso”, sendo estas duas últimas, de acordo com o
sistema internacional de proteção à pessoa humana10, detentoras de conceitos técnicos distintos, a
saber:
a) “captura”: ato de deter pessoa por suspeita da prática de infração. É o “esteja preso”,
emprestado por qualquer agente da autoridade;
b) “detido” (sinônimo de “detento”): pessoa privada da liberdade, exceto por condenação.
Trata-se do “conduzido” e/ou detido em flagrante delito por decreto exarado pelo Delegado de
Polícia via lavratura do auto prisional, após análise jurídica do contexto fático.
c) “preso”: pessoa privada da liberdade em consequência de condenação que, por
interpretação extensiva abarca o “preso” por ordem judicial, temporária ou preventiva;
d) “detenção”: condição das pessoas detidas nos termos acima referidos (privação precária
de liberdade, ainda que momentânea e detenção em flagrante delito);
e) “prisão”: condição das pessoas presas (condenadas) nos termos acima referidos. Por uma
interpretação extensiva, abrange o “preso” por ordem judicial, temporária ou preventiva.
Destarte, buscando um melhor entendimento do propósito dos novos tipos penais, cada
expressão será analisada sob um olhar técnico, a fim de identificar a vontade do legislador,
sobretudo para especificar o sujeito passivo, salvo nas condutas criminalizadas em que, por
obviedade ou pela força dos princípios gerais do Direito, o manto da lei, de uma só vez, cubra
“investigados”, “detentos” e “presos”. Referidas ressalvas são relevantes mormente para evitar a
banalização e interpretações levianas e generalizadas.

10
Resolução n° 43/173, de 9 de dezembro de 1988 da Organização das Nações Unidas (ONU).
15
4 ELEMENTO SUBJETIVO

O novo diploma legal estabelece que o crime de abuso só ocorrerá se praticado pelo agente
com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou,
ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (por exemplo, a arbitrariedade), nos expressos
comandos do artigo 1º, § 1º da Lei nº 13.869/2019:

As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas
pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Destarte, exige-se o denominado “dolo específico”, não existindo, sequer em tese, a figura
culposa dos tipos penais. O agente precisa estar claro, visível e integralmente imbuído dos
propósitos especificados na norma criminal (além do “especial fim de agir”), sob pena do delito não
existir, podendo, se muito, apenas dar azo a uma eventual falta disciplinar residual, caso prevista em
lei para sanção funcional11.
Assim, os órgãos estatais de persecução deverão cercar-se de elementos concretos para
imputar um crime de abuso de autoridade a alguém. Não basta a mera repetição do texto em tese
infringido, sendo indispensável a descrição fundamentada do comportamento a que se busca
punição, acrescida de elementos idôneos que demonstrem, minimamente, a presença do elemento
subjetivo (dolo específico) e do especial fim de agir, sob pena de, hipoteticamente, também
incorrerem em crime da própria nova Lei de Abuso (artigo 30), por ausência de justa causa
fundamentada.
Somado ao dolo específico, o § 2º do artigo 1º da Lei nº 13.869/2019 estabelece que “a
divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de
autoridade”.
Portanto, a mera divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas
não autoriza a caracterização de delito de abuso de autoridade, haja vista a independência técnico-
jurídica assegurada a determinados agentes públicos, a qual, é bom enfatizar, só existe se o ato
decisório estatal for devidamente motivado.
Nesse contexto, a inerente independência técnico-jurídica dos Delegados de Polícia
consiste em necessária prerrogativa garantida pela autonomia intelectual para interpretar o
ordenamento jurídico e decidir, com imparcialidade12 e isenção, de modo fundamentado.13

11
LESSA, Marcelo de Lima. O Dolo Específico dos Crimes de Nova Lei de Abuso de Autoridade. Teresina, Jus
Navigandi, 2 out. 2019.
12
A imparcialidade do Delegado de Polícia impõe uma atuação equidistante dos sujeitos parciais da etapa judicial do
processo (acusação e defesa), sem vinculação e repelindo um caráter de mera unidirecionalidade da investigação
policial. CASTRO, Therezinha Souza Costa de. A independência funcional do(a) delegado(a) de polícia: vigiar e punir
ou server e proteger? In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Direito policial: temas
atuais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 571-591.
16
Não há como dissociar a interpretação jurídica dos fatos apurados da atuação da autoridade
investigante, por se tratar de característica ínsita ao cumprimento de suas funções e à conclusão
satisfatória da investigação policial14.
Anota-se que, nos atos de polícia judiciária, há dois enfoques principais da independência
técnico-jurídica do Delegado de Polícia:
1º) Em relação à condução da investigação: sob esse enfoque, o Delegado de Polícia
formula um juízo de prognose15, consubstanciado em um olhar para frente diante do que já foi
angariado, objetivando a verdade possível e ditando o rumo das providências consoante
circunstâncias de cada caso e a ordem cronológica com que os elementos são obtidos, tais como a
diligência a ser empregada, o momento para execução, as técnicas operacionais adequadas ou a
formulação e a verificação de hipóteses fáticas.
2º) Em relação aos juízos de caráter jurídico: trata-se de enfoque que revela a expressão
do pensamento e do entendimento à luz do direito, representada por um juízo de diagnose16,
cuidando-se de um olhar para trás, considerando os dados e circunstâncias apuradas até então, com
grau de flexibilidade por admitir a adoção de uma solução dentre uma gama de medidas
juridicamente autorizadas, tais como a classificação e o enquadramento legal em boletins de
ocorrência que registrem notícias de fatos potencialmente ilícitos (notitia criminis), termos
circunstanciados (quando reputar caso que caracterize infração de menor potencial ofensivo),
portarias de instauração de inquérito policial, representações por medidas cautelares, decisões de
indiciamentos (nestas incluídas as decretações de custódia via auto de prisão em flagrante) ou
relatórios finais.
Logo, decidir sem fundamentar aumenta o risco em desfavor do operador do Direito, visto
que o ato por ele emitido estará comprometido e, aí sim, passível de reprimenda administrativa e
criminal. Essa máxima rechaça o famigerado “delito de hermenêutica”17, isto é, aquele ilícito em
tese punido em razão de mera divergência exegética.

13
No Estado de São Paulo, a inerente independência técnico-jurídica dos Delegados de Polícia é prevista em atos
normativos como a Portaria DGP-18/98 e pela Recomendação DGP-1/05, e garantida pela autonomia intelectual para
interpretar o ordenamento jurídico e decidir, com imparcialidade e isenção, de modo fundamentado. MORAES, Rafael
Francisco Marcondes de; LESSA, Marcelo de Lima; SAYEG, Ronaldo Augusto Comar Marão. Independência técnico-
jurídica do delegado de polícia e ilícito de hermenêutica. São Paulo, Consultor Jurídico, 15 mar. 2022. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2022-mar-15/opiniao-independencia-tecnico-juridica-delegado-policia>. Acesso em: 16 mar.
2022.
14
PEREIRA, Eliomar da Silva. Teoria da investigação criminal. 2ª ed. São Paulo: Almedina, 2019, p. 398.
15
HOFFMANN, Henrique. Juízos de prognose e diagnose do delegado. In: HOFFMANN, Henrique; et al. Polícia
judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 50-51.
16
HOFFMANN, Henrique. Juízos de prognose e diagnose do delegado. In: HOFFMANN, Henrique; et al. Polícia
judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 51-52.
17
A expressão “crime de hermenêutica” consta ter sido cunhada por Rui Barbosa, por ocasião da defesa técnica de
Autoridade Judicial que se recusou a cumprir disposições da legislação gaúcha por considerá-las inconstitucionais e
que, por isso, acabou processado e condenado pelo artigo 226, do Código Penal de 1890, que punia a conduta de
“exceder os limites das funções próprias do emprego”. BADARÓ, Gustavo Henrique; BREDA, Juliano (Coord.).
Comentários à lei de abuso de autoridade: Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. São Paulo: Thomson Reuters
17
Portanto, se o Delegado de Polícia possui o múnus de decidir sobre a liberdade e outros
direitos fundamentais dos cidadãos, suprimir ou atentar contra sua convicção jurídica motivada
representa infligir uma atuação sob a espada de Dâmocles, com permanente e ilegítima pressão de
ser censurado indevidamente18.
Enfim, os dois pontos inéditos, a previsão da necessidade de dolo específico e a ressalva
sobre a divergência na interpretação da norma, expressos nos §§ 1º e 2º do artigo 1º da Lei
13.869/2019, são salutares filtros e devidas cautelas que o legislador adotou para assegurar a
escorreita atuação das instituições públicas e proteger operadores que, de maneira legítima, atuam
na tutela da sociedade e dos direitos fundamentais de toda coletividade.
Ressalta-se também que, a despeito dos citados postulados consolidados na Lei nº
13.869/2019, o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 304, § 1o, estabelece que a recolha
do conduzido à prisão só será ultimada se, contra ele, pesar fundada suspeita, cuja avaliação, desde
1941, é realizada pela Autoridade Policial, de maneira técnica e fundamentada. Assim, os
Delegados de Polícia sempre foram detentores de independência técnico-jurídica, dada a
necessidade de que, no auto constritivo, reste demonstrado o contexto probatório e temporal
carreado em desfavor do suspeito capturado, sob pena da recolha ao cárcere não ocorrer e o evento
em tese delituoso ser apurado mediante inquérito policial deflagrado por portaria.
Oportuno destacar que a mera divergência de interpretação e correlata convicção
jurídica acerca da tipificação penal dos fatos entre o Delegado de Polícia que decretou a prisão em
flagrante delito e o Juiz de Direito que recebe a comunicação instruída com o auto prisional não
constitui ilicitude nem abuso de autoridade e, portanto, não deve ensejar relaxamento da custódia
flagrancial. Cuida-se de mera reclassificação dos fatos, a implicar, no máximo, concessão de
liberdade provisória cumulada ou não com fiança ou outra medida cautelar diversa do cárcere.
A título de exemplo, cita-se hipótese de acidente de trânsito com vítima fatal causado por
motorista embriagado, em que a Autoridade Policial determine a custódia em flagrante pela prática
de homicídio culposo na direção veículo automotor qualificado pela embriaguez (CTB, artigo 302,
§ 3º) e a Autoridade Judicial, ao apreciar o auto prisional, considere que houve dolo eventual e,
assim, reclassifique o caso para homicídio doloso (CP, art. 121, caput, na forma do artigo 18, inciso
I, segunda parte). Referido raciocínio é aplicável para cenários similares, como nos casos em que o
Delegado de Polícia classifique fundamentadamente a conduta como comércio de drogas ilícitas
(Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput) ao ordenar a custódia flagrancial e o Magistrado filie-se a
interpretação jurídica divergente, posicionando-se pela subsunção do caso à infração penal de

Brasil, 2020, p. 29-30; LEITÃO JR., Joaquim. O delegado de polícia pode cometer “crime de hermenêutica”? In.:
LEITÃO JR. Joaquim; HOFFMANN, Henrique; SOUSA, Antônio Francisco (Org.). Tratado contemporâneo de polícia
judiciária. Cuiabá: Umanos Editora, 2019, p. 33-38.
18
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2020,
p.254-255.
18
porte de droga para consumo pessoal (Lei nº 11.343/2006, art. 28, caput). Não há ilegalidade, mas
mera desclassificação jurídica dos fatos.
É próprio da dinâmica processual penal que o Delegado de Polícia, seguindo sua convicção
jurídica motivada, ao interpretar a lei e avaliar fatos e provas, determine a prisão em flagrante
delito e autue o indiciado pelo enquadramento legal que reputar adequado ao caso concreto. Ao
opinarem, a acusação ou a defesa podem discordar e pleitear tipificação diversa e, por derradeiro, o
Juiz de Direito pode entender por capitulação distinta daquela decidida pela Autoridade Policial ou
aventada pelas partes, reclassificando ou desclassificando os fatos e adotando as providências
pertinentes (conversão da prisão em flagrante em preventiva ou concessão de liberdade com ou sem
medida cautelar diversa). Cada operador do Direito pode (e deve), fundamentadamente, seguir e
sustentar a classificação jurídica que considerar correta ao caso apurado19.
Em sentido similar, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), no § 8º de seu
artigo 1º, incluído pela Lei nº 14.230/2021, dispõe que “Não configura improbidade a ação ou
omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não
pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de
controle ou dos tribunais do Poder Judiciário”.

 Enunciados

Sobre o ponto em comento, foi aprovado o Enunciado nº 1 do Seminário “Polícia


Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na Academia de
Polícia20, abaixo transcrito:

Enunciado nº 1: Ao Delegado de Polícia é garantida autonomia intelectual para interpretar


o ordenamento e decidir, de modo imparcial e fundamentado, quanto ao rumo das
diligências adotadas e quanto aos juízos de tipicidade, ilicitude, culpabilidade e demais
avaliações de caráter jurídico imanentes à presidência da investigação criminal.

Já em relação à divergência de interpretação da lei na determinação da prisão em flagrante


delito, há também o Enunciado nº 1, aprovado no Seminário Polícia Judiciária e a Lei
13.964/2019 ("Pacote Anticrime")21:
Enunciado nº 1: A tipificação em sede de decretação de prisão em flagrante na audiência
de apresentação e garantias do artigo 304 do CPP impõe motivação, a fim de evitar
ilegalidade suscetível de relaxamento da custódia, ainda que sobrevenha desclassificação e
concessão de liberdade decorrentes da divergência de interpretação.

19
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Juspodivm: Salvador, 2020,
p.343-345.
20
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo no presente
trabalho.
21
Evento realizado no dia 15 de janeiro de 2020, na Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da Polícia
Civil do Estado de São Paulo, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo desta obra.
19
5 AÇÃO PENAL

A ação penal dos delitos de abuso de autoridade é pública incondicionada, mantendo-se a


ação privada subsidiária da pública, com prazo de 6 (seis) meses contados da data em que se esgotar
o prazo para o oferecimento da denúncia (Lei nº 13.869/2019, art. 3º). Ou seja, o Estado agirá de
ofício, independentemente de provocação da vítima, seguindo a regra do Código Penal (art.100).
Entretanto, é prudente que o ofendido seja instado a pronunciar-se sobre os fatos apurados, a fim de
que sejam auferidos elementos que propiciem, minimamente, a instauração da persecução penal,
civil ou administrativa.

6 EFEITOS DA CONDENAÇÃO

Constituem efeitos da condenação a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; a


inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública pelo período de 1 (um) a 5
(cinco) anos e a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Estes dois últimos efeitos são
condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos,
devendo ser declarados motivadamente na sentença (Lei nº 13.869/2019, art. 4º, I, II e III e
parágrafo único).
Vale lembrar que na Lei Orgânica da Polícia Paulista a prática do abuso de poder constitui
transgressão disciplinar (Lei Complementar nº 207/1979, art. 63, XLIV).

7 PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

A Lei nº 13.869/2019 prevê, em substituição às penas privativas de liberdade, poderão ser


aplicadas sanções restritivas de direitos, como a prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas, suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 a 6 meses,
com a perda dos vencimentos e das vantagens e a proibição de exercer funções de natureza policial
ou militar no Município em que tiver sido praticado o crime de abuso e naquele em que residir ou
trabalhar a vítima, pelo prazo de 1 a 3 anos, podendo tais penas serem aplicadas autônoma ou
cumulativamente (Lei n] 13.869/2019, art. 5º, I, II, III e parágrafo único).

20
8 SANÇÕES CIVIS E ADMINISTRATIVAS

As penas da nova Lei de Abuso de Autoridade serão aplicadas independentemente das


sanções de natureza civil ou administrativas cabíveis (Lei nº 13.869/19, art. 6º). Vale lembrar que a
punição de condutas criminalizadas, por si só, independe do julgamento civil ou administrativo.
As notícias de delitos previstos na nova Lei de Abuso de Autoridade que descreverem falta
funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração (Lei nº 13.869/19, art.
6º, p.u.), a fim de que esta, em observância à regra da oficialidade, empreste marcha à apuração
interna, até a sua conclusão.
Já as responsabilidades civil e administrativa, conquanto independam da criminal, não se
podem mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando tais questões tenham sido
decididas no juízo criminal (Lei nº 13.869/19, art. 7º).
Portanto, se, no processo penal, o agente estatal for absolvido por inexistência do abuso, por
falta de prova da existência do abuso, por falta de prova de que o agente concorreu para o abuso,
por excludente de antijuridicidade, por erro de fato ou erro de proibição, a sentença criminal
repercutirá integralmente no âmbito funcional.
Ademais, faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a
sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima
defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito, em consonância
com o artigo 8º da Lei nº 13.869/19, que acompanha a disciplina do artigo 65 do Código de
Processo Penal.
Por outro lado, a insuficiência, a deficiência ou ineficiência de provas para a condenação
criminal não repercutem na esfera administrativa, pois, para esta, a prova pode ser suficiente para
embasar uma punição menor, por falta de cumprimento do dever ou transgressão disciplinar.

9 SANÇÕES CRIMINAIS

As penas privativas de liberdade cominadas na Lei nº 13.869/19, de um modo geral, chegam


ao patamar máximo de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de detenção, que autorizam fiança extrajudicial
(CPP, art. 322). Há onze dispositivos abrangíveis pela Lei Federal n° 9.099/95 (delitos de menor
potencial ofensivo), com expressa incidência consoante artigo 39 da nova lei. Não há pena de
reclusão prevista no novel diploma.

21
10 TIPOS PENAIS DE INTERESSE POLICIAL

Para fins de otimização dos trabalhos, os tipos penais cujos vetos foram mantidos pelo
Congresso Nacional – e os estranhos as carreiras policiais – não serão objeto de análise,
remanescendo ao presente estudo apenas os que entrarão em vigor.

10.1 Decretação de medida privativa de liberdade em manifesta desconformidade com as


hipóteses legais e figuras equiparadas (art. 9º)

Redação do dispositivo:

Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as


hipóteses legais:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo
razoável, deixar de:
I – relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade
provisória, quando manifestamente cabível;
III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

10.1.1 Decretação de medida privativa de liberdade em desconformidade com a lei (art.9º, caput)

Ao mencionar “medida privativa de liberdade”, a figura penal do caput do artigo 9º da Lei nº


13.869/2019 alude à privação em sentido estrito, isto é, aquela apartada da mera captura. Refere-se
à efetivação da detenção, vale dizer, à determinação da custódia em razão da prática de uma
infração penal, pela decretação da prisão em flagrante do suspeito capturado apresentado,
considerando tratar-se da única prisão cautelar por infração penal comum ordenada
extrajudicialmente.
Embora no sistema jurídico brasileiro a expressão “detenção” seja usualmente empregada
para designar uma espécie de pena, no campo da privação provisória da liberdade, o vocábulo
“detenção” seria o mais adequado à espécie de custódia cautelar retratada na prisão em flagrante,
adotando como referência a Resolução n° 43/173, de 9 de dezembro de 1988 da Organização das
Nações Unidas (ONU), que veicula o Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as Pessoas
Sujeitas a qualquer forma de Detenção ou Prisão.
Seguindo distinções técnicas das palavras empregadas, a denominada “captura” (CPP, art.
301), executada por qualquer do povo e geralmente por agente do Delegado de Polícia, continua

22
válida e intocada. É o famoso “esteja detido” ("voz de prisão22" ou “preso em sentido amplo”),
emitido em razão da prática de infração penal aparente (CPP, art. 302). Num segundo momento é
que ocorrerá, ou não, a conversão dessa captura (a decretação da “detenção” propriamente dita),
após exame prévio de legalidade realizado pelo Delegado de Polícia na audiência de apresentação
e garantias do artigo 304 do CPP23. Sem a existência de estado flagrancial (CPP, art. 302) ou de
fundada suspeita (CPP, art. 304, § 1º), ninguém pode ser recolhido à prisão, vale dizer, não
poderá ser decretada a prisão flagrancial mediante lavratura do auto prisional.
Assim, considerando o verbo nuclear “decretar”, que significa ordenar, determinar, mandar,
estabelecer explicitamente24, podem ser sujeitos ativos da figura penal do artigo 9º, caput, da Lei nº
13.869/2019, as autoridades públicas legitimadas a ordenar formalmente a custódia de
alguém, vale dizer, o Delegado de Polícia como regra para a prisão em flagrante delito e o Juiz
de Direito para as demais prisões cautelares (preventiva e temporária).
Isso porque os demais agentes policiais (agentes da Autoridade Policial), incumbidos da
captura de suspeitos de práticas delitivas, executam medidas de privação de liberdade, não as
ordenam e, nesse sentido, tanto a revogada Lei nº 4.898/1965, em seu artigo 4º, alínea “a”, quanto o
também revogado artigo 350 do Código Penal e ainda o próprio Projeto de Lei que resultou na Lei
nº 13.869/2019, no seu vetado artigo 11 (com veto mantido pelo Congresso Nacional) estipulam
expressa distinção entre as condutas de “executar” (realizar a captura) e “ordenar” (equivalente a
decretar, determinar a prisão).
Destarte, os demais servidores policiais não figuram como sujeitos ativos do tipo penal do
caput do artigo 9º da Lei nº 13.869/2019. Caso privem a liberdade de alguém acreditando
equivocadamente estarem escorados na lei, como regra estarão albergados por erro de tipo (Código
Penal, art. 20), visto não lhes ser exigida formação jurídica para operar o Direito, razão pela qual
não há que se falar em configuração de abuso de autoridade, inclusive por ausência do elemento
subjetivo (Lei nº 13.869/19, art. 1º, § 1º). Lado outro, se houver conduta dolosa de um policial em
privar deliberada e ilegalmente a liberdade de alguém, poderá o agente estatal, como qualquer
pessoa, responder por delitos como sequestro ou cárcere privado (Código Penal, art. 148) ou

22
Registre-se que a expressão “voz de prisão” só é adotada uma vez no Código de Processo Penal, em seu artigo 307,
quando ser faz referência ao fato praticado em presença de autoridade ou contra esta no exercício de suas funções, onde
constarão do auto prisional a narração do fato, a “voz de prisão”, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das
testemunhas. Não se ignora que se trata de dispositivo defasado, de rara utilização prática e aparentemente incompatível
com a estrutura acusatória consagrada no sistema processual penal pátrio, que veda a iniciativa do Juiz de Direito na
fase de investigação (CPP, art, 3º-A) e inviabiliza ao Juiz de Direito presidir auto de prisão em flagrante, por
consubstanciar peça instauradora de inquérito policial. HOFFMANN, Henrique; MORAES, Rafael Francisco
Marcondes de. É ilegal prisão de suspeito por falso testemunho feita pela CPI. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 9
jul. 2021.
23
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; GONÇALVES, Fernando David de Melo. Consultor jurídico, São Paulo,
14 abr. 2020. Na pandemia, audiência de apresentação e garantias é imprescindível.
24
HOUAISS, Antônio (1915-1999) e VILLAR, Mauro de Salles (1939-). Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Objetiva: 2001, p. 603.
23
infrações mais graves como extorsão qualificada ou extorsão mediante sequestro (Código Penal,
arts. 158, § 3º e 159), de acordo com as circunstâncias dos casos concretos.
O referido juízo de legalidade e justa causa realizado pelo Delegado de Polícia, decorre tanto
do expresso comando do artigo 304 do CPP, por ser a “autoridade competente” como regra para
presidir a audiência de apresentação e garantias, como da independência técnico-funcional garantida
à Autoridade Policial pela autonomia intelectual para interpretar o ordenamento jurídico e decidir,
com imparcialidade e isenção, de modo fundamentado.25
Em suma, a autoridade estatal que “decreta” a prisão em flagrante, convertendo a captura em
detenção (medida formal de privação de liberdade), no regime jurídico vigente, como regra é o
Delegado de Polícia. Nessa esteira, caso a Autoridade Policial o faça “em manifesta
desconformidade com as hipóteses legais”, o delito de abuso, em tese, poderá ocorrer. “Manifesto”,
pois, é o evidente, notório e visível. Desse modo, a decretação da detenção mediante lavratura do
auto constritivo de prisão flagrancial deve estar claramente em desacordo com a vontade da lei, sob
pena do fato ser atípico penal.
E quais seriam, a rigor, tais hipóteses legais? A resposta é clara: a decretação da prisão em
flagrante delito, como espécie do gênero decisão de indiciamento, reclama não apenas a presença do
estado de flagrância delitiva, seu requisito temporal, consubstanciado em uma das modalidades
elencadas nos incisos do artigo 302 do CPP (flagrante próprio, impróprio ou presumido), mas
também e sobretudo a fundada suspeita, seu requisito probatório retratado na justa causa (fumus
commissi delicti), previsto no § 1º do artigo 304 do diploma processual penal, como suporte
indiciário a autorizar o encarceramento extrajudicial fundamentado em face dos axiomas erigidos
pela Lei Maior.26
Trata-se da avaliação do standard informativo27 necessário à custódia flagrancial, a partir
do raciocínio decisório do Delegado de Polícia28 para justificar a privação da liberdade do suspeito
capturado, tanto no âmbito de cognição vertical, afeta ao grau de profundidade da análise
probatória, quanto de cognição horizontal29, que envolve os aspectos legais, convencionais,

25
Nesse sentido há diretriz institucional da Polícia Civil Paulista, conforme Recomendação DGP-1/2005, item I:
‘Entrevistadas as partes (condutor, testemunhas presenciais ou não e o conduzido) caberá exclusivamente à Autoridade
Policial formar, soberanamente, sua convicção jurídica e, então, determinar, ou não, a lavratura do auto de prisão,
inadmitido qualquer tipo de ingerência relativamente ao enquadramento típico da conduta e à existência de estado
flagrancial”.
26
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p.
160-168.
27
MACHADO, Leonardo Marcondes. Standard informativo da prisão em flagrante. Consultor Jurídico, São Paulo, 28
jul. 2020.
28
GIAMPAOLI, Anderson Pires. Do raciocínio decisório da autoridade policial na primeira etapa de uma persecução
penal acusatória e garantista. SÃO PAULO (Estado). Arquivos da Polícia Civil - Volume 57. São Paulo: Academia de
Polícia, 2021, p.83-102.
29
CARVALHO, Tristão Antonio Borborema; LEITÃO JR., Joaquim. O nível de cognição do delegado de polícia
relativo à profundidade de análise nas deliberações em situações flagranciais. Meu site jurídico, Salvador, 21 mai. 2021.
24
constitucionais e de critérios axiológicos de justiça a serem valorados na decisão para determinar
(ou não) a prisão em flagrante.
Nesse particular, tratando-se de aparente estado de flagrância delitiva, o reconhecimento
provisório de qualquer das causas descriminantes pelo Delegado de Polícia é medida de rigor a ser
adotada, suplantando desacertada cogitação de decretação de prisão e autuação em flagrante delito,
que inclusive consubstancia ato ilegal nos casos em que os elementos coligidos indiquem a situação
justificante, agora passível de caracterizar abuso de autoridade.
Na verdade, para além de mera faculdade, constitui dever legal do Delegado de Polícia
avaliar a presença e reconhecer eventuais excludentes de ilicitude, porquanto não há crime quando o
sujeito age sob o manto da descriminante, exegese advinda da literalidade do artigo 23, caput, do
Código Penal, assim como da incidência dos princípios e garantias constitucionais da dignidade
humana, da legalidade e da presunção de não culpabilidade e mesmo do senso comum de justiça,
posição dominante na literatura jurídica contemporânea30.
Logo, cabe ao Delegado de Polícia avaliar e reconhecer, ainda que provisoriamente,
questões alusivas às excludentes de antijuridicidade (descriminantes)31 e, também, circunstâncias
envolvendo atipicidade material (princípio da insignificância ou crime de bagatela), conforme
posição doutrinária32 e jurisprudencial33. Diante da inerente independência técnico-funcional como

30
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p.730; DEZEM,
Guilherme Madeira. Curso de processo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 316; BRITO, Alexis
Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antonio Ferreira. Processo penal brasileiro. São Paulo:
Atlas, 2012, p.237-238; MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Volume IV. Campinas:
Bookseller, 1997, p. 86; MARREY, Adriano. Legítima defesa exclui possibilidade de prisão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, v. 665, 1991, p. 386-387; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito
constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 250-265; PAGLIONE, Eduardo Augusto. A prisão em flagrante e as
causas excludentes da antijuridicidade. Boletim IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, v.15, set. 2007,
p. 15-17; PAULO FILHO, Caetano. As excludentes de ilicitude na fase pré-processual e seus reflexos no direito
administrativo disciplinar. 2010. 96 p. Monografia (Curso de Especialização em Polícia Judiciária e Sistema de Justiça
Criminal do Centro de Estudos Superiores da Polícia Civil “Prof. Maurício Henrique Guimarães Pereira”) – Academia
de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, São Paulo, 2010, p. 71-72; QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Legítima
defesa e indiciamento na polícia. Campinas: Pontes Editores, 2018, p. 9-10.
31
Nesse sentido há o Enunciado nº 8 do Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado de São Paulo –
Repercussões da Lei 12.830/13 na investigação criminal: “Constitui poder-dever do Delegado de Polícia reconhecer
eventual causa de exclusão de ilicitude e, fundamentadamente, abster-se de elaborar auto de prisão em flagrante delito
em desfavor do indivíduo autor do fato meramente típico, sem prejuízo da imediata instauração de inquérito policial”.
32
CABETTE, Eduardo Luiz Santos.Princípio da insignificância e o delegado de polícia: uma abordagem com fulcro na
teoria geral do direito policial. In: LEITÃO JR. Joaquim (Org.).Tratado contemporâneo de polícia judiciária - vol. 2.
Cuiabá: Umanos Editora, 2020, p.199-208; HOFFMANN, Henrique. Aplicação do princípio da insignificância pelo
delegado de polícia. In:HOFFMANN, Henrique; et al. Investigação criminal pela polícia judiciária. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2016, p. 47-53; GARCIA, Thiago. Tudo que você precisa saber sobre delegado de polícia, lei Maria da
Penha e princípio da insignificância. São Paulo: Rideel, 2019, p. 21-29; LIMA, Murillo Ribeiro de. Princípio da
insignificância e sua aplicação pelo delegado de polícia. In: CHAVES, José Mário (Org.). Tópicos essenciais de direito
criminal. Juiz de Fora/MG: Editar, 2017, p. 205-230; MACHADO, Leonardo Marcondes. Flagrantes de bagatela: mais
um caso de prisão sem delito. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 12 fev. 2020. MORAES, Rafael Francisco
Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 250-256; MOREIRA, Carlos
Eduardo Lamas; MOREIRA, Sérgio Luís Lamas. O princípio da insignificância e sua aplicação pelo delegado de
polícia. In: BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani Celso (Coord.). Temas processuais penais da
atualidade: doutrina e prática. São Paulo: Letras jurídicas, 2016, p. 340-341; NICOLITT, André. O delegado de polícia
e o juízo de tipicidade: um olhar sob a ótica da insignificância. In: Temas para uma Perspectiva Crítica do Direito:
25
carreira jurídica qualificada pela formação policial34, tais juízos representam obrigação legal (poder-
dever) do Delegado de Polícia.
Importante destacar que, enquanto vigora a captura do suspeito apresentado, ou seja,
enquanto os fatos em tese delituosos estão sob a apreciação técnica e jurídica do Delegado de
Polícia responsável, não há que se falar em abuso, em razão da ausência de elemento subjetivo,
porquanto a privação momentânea da liberdade não pode ser confundida, sequer em tese, com
efetiva decretação de medida privativa de liberdade (detenção ou prisão em flagrante).
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao período em que um investigado sob o qual recaia
fundada imputação da prática de infração penal pretérita, permaneça sob breve custódia na
Delegacia de Polícia enquanto a Autoridade Policial representa de pronto por medidas cautelares, já
que o interesse, nesse caso, não é particular, mas público35.
Com efeito, a ausência de fundamentos sólidos e claros torna ilegal a decretação da custódia
flagrancial, enseja o denominado criptoflagrante (derivado do criptoindiciamento)36 ou flagrante

homenagem ao Professor Geraldo Prado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 130-131; FERREIRA, Wilson Luiz
Palermo. As alternativas processuais penais ao alcance do delegado de polícia diante da não configuração de um ou
mais elementos do crime: aspectos pontuais. In: BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani Celso (Coord.).
Temas processuais penais da atualidade: doutrina e prática. São Paulo: Letras jurídicas, 2016, p. 353-360; OLIVEIRA,
Daniela Lelis Botelho de. A aplicação do princípio da insignificância pelos delegados de polícia na atualidade:
panorama e reflexões. In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Direito policial: temas
atuais. Salvador: JusPodivm, 2021, p.99-119; RANGEL, Carlos Eduardo. Poder punitivo, polícia judiciária e
democracia: reflexões contemporâneas sobre a atividade de investigação criminal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2020,
p. 280; TAIPINA, Thales Flores. Flagrante e prisão. Belo Horizonte: Editora D’Placido, 2018, p.250-252. XAVIER,
Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da investigação policial. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2020, p. 330-
334.
33
O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se em julgado de Recurso em Habeas Corpus que absolveu réu em caso de
furto de bagatela, decisão unânime na qual foi louvada a atitude do Delegado de Polícia, ao reputar aplicável o princípio
da insignificância e não decretar a prisão em flagrante mas que, entretanto,na sequência do caso houve discordância de
convicção jurídica por parte do agente ministerial, que ofereceu denúncia, desencadeando a ação penal e a condenação
pelas instâncias ordinárias do Judiciário Estadual. STJ, RHC nº 126.272-MG, 6ª T., Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j.
01/06/2021.
34
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 24-25.
35
Nesse sentido há orientação dos Tribunais Superiores: STF, HC nº 107.644-SP, 1ª Turma, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, j. 06.09.2011 e STJ, RHC nº 25.475/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 16.09.2010. Cumpre
salientar que o original artigo 11 do Projeto da nova Lei de Abuso de Autoridade, que incriminava a conduta de executar
a captura, prisão (note-se a própria lei reconhecendo que são institutos diversos) ou busca e apreensão de pessoa que
não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária ou de condenado ou internado
fugitivo, foi vetado pela Presidência da República e pelo Congresso pois, se vingasse, inviabilizaria a captura e a
custódia que por vezes antecede os pedidos de prisão temporária nos casos dos autores de crimes pretéritos que são
capturados e reconhecidos dias após a ocorrência do delito.
36
Designa-se criptoindiciamento o indiciamento infundado, destituído da indispensável motivação exarada pelo
delegado de polícia, expondo os elementos que o justificam (Lei 12.830/13, art.2º, § 6º), expressão que suscita o
neologismo criptoflagrante, derivado da aglutinação do vocábulo flagrante com o antepositivo “cripto”, que significa
“oculto” ou “secreto”, para simbolizar a arbitrária e ilegal decretação de prisão em flagrante desprovida de
fundamentação e de acervo mínimo para a justa causa (fundada suspeita – requisito probatório) ou fora das hipóteses de
flagrância delitiva (requisito temporal). Moraes, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito
constitucional. Salvador: JusPodivm, p. 239-248; PAULA, Fernando Shimidt de. Criptoindiciamento. São Bernardo do
Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2018. p. 106-110.
26
obtuso37 e obsta a lavratura do auto prisional por implicar relaxamento e responsabilização por
abuso de autoridade, sem prejuízo da deflagração da correlata investigação policial.
Enfim, para afastar cogitação de abuso, o Delegado de Polícia deixará claro que o conduzido
está em flagrante delito (ou seja, que existe “crime”) e que, sobre ele, recai fundada suspeita de tê-lo
praticado. E isso deve ser promovido via fundamentação técnica e jurídica da conduta atribuída ao
sujeito apresentado no auto prisional, a fim de explicitar os requisitos legais, vale dizer, qual a
espécie de flagrância verificada (própria, imprópria ou ficta) e qual foi “fundada suspeita” erguida
contra o autuado e, por fim, quais foram as correlatas razões fáticas e jurídicas do convencimento.
Motivado o ato, não há que se questionar a decisão da Autoridade Policial, já que, como visto, a
própria Lei nº 13.869/19 estipula que a divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e
provas (entre Delegado de Polícia, Agente Ministerial, Autoridade Judicial ou quaisquer outras
carreiras jurídicas) não configura abuso de autoridade (artigo 1º, § 2º).
Para melhor ilustrar o quadro descrito, malgrado a legislação, ao se referir à prisão em
flagrante delito, não estabeleça diferenciação, há de se ressaltar que referida segregação provisória
se divide em três momentos bem distintos: 1º) abordagem, captura e condução coercitiva (“prisão-
captura”); 2º) decretação e formalização (“prisão-custódia”38, “prisão-formalização” ou prisão em
flagrante propriamente dita) e; 3º) recolhimento ao cárcere (ou “prisão-recolhimento”).39
Nessa toada, do mesmo modo que a Autoridade Policial precisa motivar o auto constritivo,
deverá fazer se decidir pela não decretação da prisão em flagrante, quando entender ausente a
situação jurídica que caracterize o flagrante. Registrará o fato em boletim de ocorrência
circunstanciado, adotando as demais providências cabíveis, inclusive em desfavor dos autores da
captura indevida, se for o caso. No Estado de São Paulo, trata-se de diretriz institucional da
Delegacia Geral de Polícia (Recomendação DGP-1/05, item XVI).
Embora a ausência de fundamentação da não determinação da prisão em flagrante não
configure crime de abuso de autoridade, é certo que a motivação é importante para elidir cogitação
de dolo do delito do delito de prevaricação (Código Penal, art. 319), porquanto justificadas as
razões decisórias, salvo em hipóteses teratológicas em manifesta contrariedade à lei, de difícil

37
Fala-se em flagrante obtuso, como alusão a uma postura rude ou tola, para retratar leitura deturpada do artigo 304 do
CPP, meramente topográfica e carente de filtro constitucional, segundo a qual o Delegado de Polícia deveria lavrar auto
de (não) prisão em flagrante em todos os casos e indiscriminadamente, a despeito de não vislumbrar respaldo legal para
a custódia ao analisar o contexto fático. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Do flagrante obtuso ou da pretensão de que o
delegado de polícia lavre auto de “não prisão” em flagrante em qualquer caso de condução de capturado. Revista
Prática Jurídica, ano XV, 176, Consulex, p. 6-16, nov. 2016.
38
SAAD, Marta. Direito ao silêncio na prisão em flagrante. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (Org.). Processo
penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, p. 435.
39
ZANOTTI, Bruno Taufner; SANTOS, Cleopas Isaías. Delegado de polícia em ação – teoria e prática no Estado
Democrático de Direito. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 348-349; MAGNO, Levy Emanuel. Curso de processo penal
didático. São Paulo: Atlas, 2013, p. 537; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito
constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 190-228.
27
demonstração, reiterando que a mera divergência de entendimentos, como visto, não pode ser
confundida com o dolo.

 Enunciado

Sobre o tópico em estudo, foi aprovado o Enunciado nº 2 do Seminário “Polícia Judiciária e


a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na Academia de Polícia 40, a
seguir reproduzido:

Enunciado nº 2: A decretação da prisão em flagrante pelo Delegado de Polícia mediante


lavratura de auto prisional, como espécie de decisão de indiciamento, demanda avaliação
do requisito temporal, previsto nas hipóteses do artigo 302 do CPP, assim como do requisito
probatório, consubstanciado na fundada suspeita do § 1º do artigo 304 do CPP, sem
prejuízo da apuração dos fatos em sede de inquérito policial instaurado via portaria na
ausência dos aludidos requisitos legais.

10.1.2 Figuras equiparadas e relaxamento da prisão em flagrante

As figuras equiparadas previstas nos incisos I a III do parágrafo único do artigo 9º da Lei nº
13.869/2019 consistem em delitos próprios, que retratam atribuições legais do Juiz de Direito e
criminalizam a conduta omissiva da Autoridade Judicial que, “dentro de prazo razoável”, deixar de
relaxar prisão manifestamente ilegal, de substituir prisão preventiva por medida cautelar diversa ou
de conceder liberdade provisória ou ainda de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando
manifestamente cabível.
Seguindo o foco deste trabalho, serão lançados breves comentários pertinentes à a atividade
de polícia judiciária sobre as referidas figuras equiparadas.
Em relação à figura do inciso I, do parágrafo único do artigo 9º, que pune a conduta da
Autoridade Judicial que deixar de relaxar prisão manifestamente ilegal em prazo razoável, oportuno
assinalar que relaxar significa diminuir a força, abrandar41 e, no universo jurídico, desconstituir42 a
prisão flagrancial ante ilicitude que a macula e a torna insubsistente. A mera divergência de
convicção jurídica acerca da tipificação penal dos fatos entre o Delegado de Polícia que decretou a
prisão em flagrante e o Juiz de Direito não consiste em ilegalidade e tecnicamente não deve ensejar
o relaxamento da custódia flagrancial. Cuida-se de mera reclassificação dos fatos, que pode apenas
implicar a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança ou outra medida cautelar diversa da

40
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se em anexo do presente
trabalho.
41
HOUAISS, Antônio (1915-1999) e VILLAR, Mauro de Salles (1939-). Dicionário Houaiss da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Objetiva: 2001, p. 2421.
42
MORAES, Maurício Zanóide de. Análise judicial da prisão em flagrante: por uma abordagem sistêmico-
constitucional. Revista do Advogado, São Paulo, v.31, n. 113, set. 2011, p. 96.
28
prisão, em respeito, acima de tudo, à independência técnico-funcional de cada uma das citadas
autoridades públicas43.
Por derradeiro, em relação ao relaxamento da prisão em flagrante diretamente pelo Delegado
de Polícia, como visto, sob um olhar técnico, a Autoridade Policial não “ratifica” nem “homologa” a
captura e sim decreta ou não a prisão em flagrante delito, de modo que não há propriamente um
“relaxamento” de uma captura pelo Delegado de Polícia. A captura de um suspeito apenas não
enseja a determinação da custódia flagrancial quando desprovida dos requisitos legais. O suspeito
capturado é apresentado ao Delegado de Polícia para as providências de polícia judiciária cabíveis,
dentre as quais a de ordenar ou não a formalização do auto prisional ou, então, determinar o registro
circunstanciado dos fatos para apuração em procedimento a ser iniciado por portaria44.
No que tange às figuras dos incisos II e III do parágrafo único do artigo 9º, oportuno
assinalar que o Delegado de Polícia pode (e deve) representar por medidas cautelares diversas da
prisão já na comunicação da prisão em flagrante (CPP, arts. 282, § 2º e 319), e nada impede que
também promova a impetração de habeas corpus se vislumbrar necessário e preenchidos os
requisitos no caso concreto45.

10.2 Decretação de condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente


descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo (art. 10)

Colaciona-se a redação da infração penal:

Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente


descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

De início, embora a norma se refira a “comparecimento ao juízo”, é certo que o instituto da


condução coercitiva, tradicionalmente, também se aplica na esfera policial, mormente quando
envolve testemunhas, ofendidos ou investigados recalcitrantes, tudo isso em analogia aos artigos
201, parágrafo único, 218 e 260, todos do Código de Processo Penal, daí a necessidade de, a título
de precaução, serem lançadas algumas ponderações a respeito, afinal o tipo penal também fala em
“investigado”, vocábulo próprio da etapa extrajudicial do processo penal.

43
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018,
p.320-323.
44
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018,
p.248-250.
45
Há caso concreto em que o Delegado de Polícia Dr. Jaime Pimentel Junior impetrou Habeas Corpus em sede de
registro policial de captura de procurado, em favor do sujeito contra quem fora expedida a ordem prisional, em virtude
da Autoridade Policial verificar fortes indícios de emprego fraudulento de dados contra o sujeito, que indicavam que a
pessoa detida não era o autor do fato delituoso, sendo a ordem concedida pelo Poder Judiciário. ALARCÓN, Pietro de
Jesús Lora; DRIGO, Leonardo Godoy. Reflexões sobre a atividade policial, a Constituição e os direitos humanos: o
caso do delegado que prestigiou a liberdade. Empório do Direito. Florianópolis, 13 set. 2019.
29
A condução coercitiva, pelo próprio nome, impõe obrigatoriedade de acatamento e, por
senso jurídico, pressupõe que a pessoa foi devidamente cientificada e não atendeu ao chamado da
autoridade.
A lei faz referência à “testemunha”, que tem como regra obrigação de depor e se calar a
verdade pode ensejar delito de falso testemunho (CPP, arts. 211 e 218 e CP, art.342) e ao
“investigado”, cuja condução coercitiva prevista no artigo 260 do CPP, quanto ao interrogatório de
mérito (sobre os fatos) foi julgada não recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal, na decisão das
Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) números 395 e 444, como
decorrência ao direito ao silêncio, que não abrangeria atos diversos do interrogatório como a
identificação e o reconhecimento.
Outrossim, conquanto não caracterizadoras do delito por ausência de previsão no tipo penal,
há cautelas a serem igualmente adotadas com relação às vítimas (CPP, art. 201, § 1º), aos peritos
(CPP, art. 278), aos adolescentes (ECA, art.187) ou quaisquer outras pessoas submetidas à medida,
a fim de que a lisura sempre paute o trabalho da polícia judiciária.
No mais, são dois os comportamentos puníveis no artigo 10 em comento: decretar condução
coercitiva “manifestamente descabida” ou decretar condução coercitiva “sem prévia intimação
de comparecimento”.
Quanto à primeira hipótese da lei, isto é, a condução coercitiva manifestamente descabida, o
Delegado de Polícia, antes de decretá-la, motivará, preferencialmente em despacho fundamentado, a
expedição do mandado nos autos do procedimento investigatório que estiver presidindo,
demonstrando a sua imprescindibilidade, lembrando a impossibilidade da medida para fins de
interrogatório de mérito do sujeito investigado que, sendo o caso, basta que seja promovido o
indiciamento indireto, sem a presença do indiciado, após regular decisão de indiciamento (Lei nº
12.830/2013, art. 2º, § 6º).
Justificada a medida de maneira formal, demonstra-se que o ato não é descabido, ou seja,
que ele é necessário, e que o comparecimento da testemunha ou do investigado consubstancia
manifesto interesse para a instrução do procedimento investigatório. Desse modo, cabe ao Delegado
de Polícia fazer uma ligação da pessoa objeto do mandado com os fatos sob apuração, a fim de
isentar-se de qualquer reprimenda.
Para a segunda hipótese (ausência de prévia intimação), torna-se obrigatória a notificação
anterior (termo tecnicamente mais adequado que “intimação”)46 da pessoa, a fim de que ela
compareça espontaneamente, o que dispensará sua condução. É importante que a Autoridade

46
Conquanto o próprio CPP por vezes trate de maneira atécnica e confunda as terminologias, a intimação consiste na
comunicação de um ato já praticado, enquanto a notificação corresponde à ciência sobre ato futuro, a ser realizado,
como uma audiência policial para instruir procedimento investigatório criminal.
30
Policial, de posse da informação que o interessado foi notificado e não compareceu, justifique a
imprescindibilidade da medida, decretando, então, a expedição do respectivo mandado.
Note-se que a lei silencia sobre o número de recusas necessárias para que o mandado possa
ser expedido. Em havendo apenas uma, a condução já se justifica. É relevante, entretanto, que a
recusa esteja clara nos autos, pois será ela que dará espeque ao mandado. Essa recalcitrância, assim,
poderá ser direta ou indireta. A direta se verifica quando o próprio interessado é pessoalmente
cientificado do ato e, sem justificar, não comparece. O Agente Policial reporta a notificação formal
em relatório, o Escrivão de Polícia certifica a ausência imotivada nos autos e o Delegado de Polícia
responsável, ante a falta injustificada, determina a emissão do mandado. Já na indireta, o policial
civil constata que o interessado está tentando se subtrair da responsabilidade de comparecer ao ato,
seja ocultando-se, seja ofertando subterfúgios por intermédio de terceiros. Nesse caso, ele informa o
ocorrido em seu relatório, o Escrivão certifica o não comparecimento e a Autoridade presidente
emite despacho em que menciona essa circunstância qual seja, a de que existem fundados indícios
de que, embora tentada a notificação pessoal do interessado, este demonstrou comportamento
recalcitrante que a torna inviável.

10.3 Omissão de comunicação de prisão à autoridade judiciária e outras condutas


equiparadas (art. 12)

O artigo 12 da Lei nº 13.869/19 veicula a seguinte redação:

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária


no prazo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à
autoridade judiciária que a decretou;
II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se
encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada;
III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa,
assinada pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das
testemunhas;
IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão
preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e
excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de
promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

10.3.1 Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo


legal (art. 12, caput):

31
O tipo penal requer dolo específico, consubstanciado na expressão “injustificadamente”. Ou
seja, não basta a ausência de comunicação judicial no prazo aludido mas, também, que ela tenha
sido praticada de maneira não justificável.
O artigo 306 do Código de Processo Penal dispõe que a prisão de qualquer pessoa e o local
onde se encontre serão comunicados “imediatamente” ao Juiz competente enquanto, no seu
parágrafo 1º, estabelece que em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão será
encaminhado ao Magistrado competente o auto de prisão em flagrante, em aparente contradição
quanto ao lapso temporal para citada comunicação.
Na prática, a remessa do auto constritivo prisional no prazo de 24 (vinte e quatro) horas
supre o que a lei determina, porquanto não ser razoável que, a cada autuação em flagrante, o
Delegado de Polícia, no próprio instante da lavratura, contate a Autoridade Judicial apenas para
cientificá-la do início da formalização do ato, cujo controle de legalidade e viabilidade, ao menos
naquele momento, não impende a ela, que será necessariamente comunicada via expediente
instruído com a documentação pertinente e apta a exercer referido controle.
O Código de Processo Penal (art. 306, § 1º) exige ainda a comunicação ao órgão ministerial
e à Defensoria Pública, caso o autuado, neste último caso, não tenha Advogado. A nova Lei de
Abuso de Autoridade, entretanto, silencia sobre a ausência dessas duas comunicações, as quais, se
não forem feitas, podem gerar irregularidades funcionais, mas não configuram o crime em tese.

 Meio de comunicação

Atualmente as comunicações de autuações em flagrante são feitas por meio eletrônico e, em


razão disso, raros são os percalços nesse sentido. Entretanto, nas hipóteses em que a Autoridade
Policial responsável precisar de se valer dos meios convencionais, ela o fará mediante ofício. Pode
ocorrer, em comarcas menores, por problemas operacionais não causados intencionalmente pela
Polícia, que o agente encarregado da comunicação física aporte no fórum após o término do plantão
judiciário e, em razão disso, a comunicação ultrapasse o prazo legal. Nesses casos é importante que
o Delegado de Polícia determine que seja lavrada certidão a respeito, consignando os percalços
verificados, cujas causas foram avessas à vontade da instituição de polícia judiciária, juntando ao
expediente de comunicação e, no plantão subsequente ou dia útil, protocolando na unidade do Poder
Judiciário.

 “Audiência de custódia”

Em São Paulo, vigora a Portaria DGP-5, de 19 de fevereiro de 2015, a qual estabelece que,
nos casos da denominada “audiência de custódia”, as diligências a ela cabíveis não elidem o
32
cumprimento do determinado no artigo 5º, LXII, da Constituição Federal, reclamando a
comunicação à Autoridade Judicial instruída com os documentos de praxe.

10.3.2 Deixar de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à


autoridade judiciária que a decretou (art. 12, p.u., inciso I)

Necessário o dolo específico, relativo à manifesta intenção de não emprestar ciência da


detenção cautelar cumprida.
A expressão “imediatamente” requer elasticidade na interpretação, dada a dinâmica da
lavratura do registro policial. Na impossibilidade de comunicação por meio eletrônico, a Autoridade
Policial determinará por intermédio de ofício na primeira oportunidade, respeitando-se, por cautela
e referência, o prazo de 24 (vinte e quatro) horas previsto para a autuação em flagrante.
Assinala-se que, enquanto o dispositivo em comento reclama a comunicação da execução da
prisão cautelar à Autoridade Judicial que a decretou, o artigo 289-A, § 3º, do CPP estabelece a
comunicação ao Magistrado do local de cumprimento da medida, este informará o Juiz que a
decretou. Sugere-se que tanto o Juízo do local do cumprimento quanto aquele responsável pela
ordem prisional sejam comunicados, de preferência por meio eletrônico (correio eletrônico
institucional, entre outros).

10.3.3 Deixar de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra
à sua família ou à pessoa por ela indicada (art. 12, parágrafo único, inciso II)

O tipo requer dolo específico, consubstanciado em, intencionalmente, não comunicar a


detenção a familiares ou pessoas indicadas pelo custodiado. O termo “imediatamente”, de igual
forma, requer sensatez na interpretação, dada as dificuldades operacionais que eventualmente
possam surgir. Sugere-se que eventuais intercorrências ou mesmo manifestação do próprio preso no
sentido de não desejar comunicar sua prisão47.
 Prisão
O tipo penal fala em “prisão” e não apenas em prisão em flagrante (detenção). Dito isso, a
prudência orienta que, em qualquer hipótese de prisão (flagrante, cautelar, captura, recaptura etc.), a
referida comunicação não seja desprezada.

47
Na Polícia Civil de São Paulo há a Portaria DGP-18/98, que assim dispõe em seu artigo 7º: “Na lavratura do auto de
prisão em flagrante, a Autoridade Policial fará constar, no instrumento flagrancial, de maneira minudente e destacada, a
comunicação ao preso dos direitos que lhe são constitucionalmente assegurados e, ainda, se este compreendeu-lhes o
significado e se desejou exercê-los.
§ 1º A comunicação do preso com seu familiar, pessoa por ele indicada ou advogado, será efetuada na forma
determinada pela autoridade policial, que deverá autuar com total presteza e máximo empenho, a fim de não frustrar a
garantia constitucionalmente assegurada”.
33
 Autuação em flagrante delito
Nos casos de flagrante delito, o Delegado de Polícia consignará no interrogatório do
indiciado se ele deseja comunicar familiar ou pessoa de preferência, ofertando dados que tornem
isso possível. Deve consignar, também, se a comunicação foi ultimada ou não e, em caso negativo,
quais foram os percalços para tanto (não localização, endereço incerto, pessoa ausente, número
telefônico desligado etc), tudo isso para fulminar eventual alegação de omissão.
 Privação de liberdade decorrente de mandado
Se a privação for decorrente de mandado judicial, usualmente é registrado um boletim de
ocorrência para formalizar a diligência. Nesse caso, será consignado no histórico que o preso foi
esclarecido dos seus direitos e que deles declinou ou desejou fazer uso, sendo emprestada ciência da
privação de liberdade à pessoa por ele indicada, seguida de nome, meio de contato e grau de
relação, familiar ou profissional.
Em tempo, algumas instituições de polícia judiciária utilizam documento chamado “Nota de
Ciência de Garantias Constitucionais”, no qual tais garantias são descritas e entregues para a ciência
do detido, que aporá sua firma a fim de legitimar o ato. Se houver recusa ou impossibilidade, duas
testemunhas instrumentárias que tiverem acompanhado o ato de entrega de ciência poderão assiná-
la.

10.3.4 Deixar de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a nota de culpa, assinada
pela autoridade, com o motivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas (art. 12,
parágrafo único, inciso III)

A expressão “preso”, aqui, refere-se claramente ao “detido” (autuado) em flagrante, haja


vista ser ele, no sistema processual penal brasileiro, o destinatário da nota de culpa (CF, art.5º,
LXIV e CPP, art. 306, § 2º).
Tipo penal igualmente pendente de dolo específico. Não basta mera negligência, sendo
exigido elemento subjetivo na conduta. É mister consignar que o atraso involuntário não configura
crime e também não anula o ato, visto ser regra no processo penal que não se declara nulo o ato se
dele não emergir prejuízo relevante em desfavor do autuado, a saber:
O atraso na entrega da nota de culpa ao investigado preso em flagrante, embora constitua
irregularidade, não determina a nulidade do ato processual regularmente válido. É princípio
basilar do processo penal a assertiva de que não se declara nulidade de ato, se dele não
resultar prejuízo comprovado para o réu, nos termos do art. 563 do Código de Processo
Penal” (STJ – RHC n° 21532/PR, j. 18.10.2007).

34
Como regra, a Autoridade Policial atentará para o horário da detenção e da entrega na nota
de culpa, auferindo-se recibo escrito do detido, em duas vias, uma das quais, arquivada na
Delegacia de Polícia.
Note-se que o Código de Processo Penal exige que a nota de culpa seja entregue ao autuado
em até 24 horas após a realização da constrição (art. 306, § 2º). Em regra, a contagem é feita da
captura. Entretanto, quando o fato for de difícil análise, seja pela complexidade do evento, seja pela
multiplicidade de autores envolvidos, a Autoridade Policial poderá considerar o prazo a partir da
decretação da prisão flagrancial, pela formalização do auto constritivo e justificando eventual atraso
de maneira fundamentada, explicitando que o prazo da custódia precedente, foi excepcionalmente
absorvido pela dinâmica do ato decisório, que envolve cinco fases distintas, a saber: a) colheita de
dados; b) análise de dados; c) seleção de opções; d) planejamento da medida e e) execução da
decisão48.

10.3.5 Prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão


preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e
excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a
soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal (art. 12, parágrafo único, inciso IV)

Novamente, exige-se dolo específico. O tipo penal só se consuma se a prolongação da


execução da pena privativa de liberdade ou emissão de alvará de soltura for prolongada ou
retardada sem motivo justo e excepcionalíssimo.
No âmbito policial, interessam o prolongamento de prisão temporária e preventiva, bem
como, o retardamento de execução de alvará de soltura e/ou soltura quando esgotado o prazo
judicial ou legal.

 Prisões (detenções)

Os Delegados de Polícia acompanharão atentamente o prazo das prisões cautelares


decretadas pelo Poder Judiciário, tanto de maneira direta, em unidade policial sob sua supervisão,
como indireta, vale dizer, em unidade prisional externa apropriada.
No Estado de São Paulo, por força do artigo 428, parágrafo único, das Normas Judiciais da
Corregedoria Geral de Justiça, expirado o prazo da prisão civil ou temporária, o preso será colocado
imediatamente em liberdade, independentemente da expedição de alvará de soltura, ressalvada, no
último caso, a decretação de sua prisão preventiva, circunstância que impedirá sua libertação.

48
LESSA, Marcelo de Lima. O poder decisório do delegado de polícia. Teresina, Jus Navigandi, Teresina, abril 2018.
35
Entretanto, entendendo o Delegado de Polícia ser desnecessária a continuidade da prisão
temporária antes do término do prazo fixado, representará ao juízo competente a revogação,
informando as diligências realizadas e as razões de tal convencimento.
Digno de nota que a Lei Federal n° 7.960/89 não condiciona a soltura do preso temporário a
um alvará judicial, motivo pelo qual a questão não é pacífica, já que a interpretação da norma
administrativa, em tese, não pode violar garantias constitucionais. O ideal, assim, é que a
Autoridade Policial verifique a rotina adotada em sua Comarca. O mais adequado é que a soltura
seja precedida de manifestação do juízo competente.
Por derradeiro, vale lembrar que as prisões preventivas não envergam prazo legal pré-
estabelecido e, portanto, as solturas devem ser mediante revogação judicial.

 Alvarás de soltura (cumprimento)

A execução de alvarás de soltura não é medida automática, pois requer consulta formal aos
sistemas eletrônicos de informação criminal e outras providências de caráter preventivo (análise de
prontuário, confirmação de dados, eventual confrontação papilar etc.) o que, involuntariamente,
pode demandar algum lapso temporal no cumprimento da ordem. Desse modo, a Autoridade
Policial consignará as ações adotadas, a fim de justificar eventual demora. Registre-se que o zelo
profissional não se confunde, sequer em tese, com o dolo exigido pelo tipo penal, pois aquele é
legitimado pelo interesse público, que não pode ser sobreposto ao particular.
No mais, se forem excepcionalmente verificadas circunstâncias que comprometam a
segurança da equipe ou da unidade policial ou prisional (rebeliões em curso ou recém debeladas,
comprometimento justificado do efetivo ou do corpo de segurança, fundada suspeita de ataque,
resgate ou fuga etc.), a Autoridade Policial responsável poderá, cautelarmente, protelar o
cumprimento do alvará de soltura (sem que isso implique abuso, já que ausente o elemento
subjetivo), justificando sempre a medida. A regra, sem prejuízo da preservação dos direitos
individuais do preso, será priorizar a segurança.

10.4 Atos de constrangimento ilícito a preso ou detento e condutas equiparadas (art. 13)

O artigo 13 da Lei nº 13.869/2019 assim dispõe:


Art. 13.Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de
sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à
violência.

36
10.4.1 Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua
capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública
(art. 13, I)

A redação legal agora fala em “preso” e “detento”. Desse modo, ao menos neste tipo penal, a
lei reconhece que se tratam de condições diversas, uma decorrente de condenação (preso) e outra da
prática de infração penal (detido/detento).
O tipo exige prática de violência, grave ameaça ou redução de capacidade de resistência (o
“exibir como troféu”), os quais não devem ser confundidos com o acompanhamento midiático
externo do transporte do preso, porquanto não ser lícito aos órgãos policiais controlarem
absolutamente os veículos de comunicação e a imprensa que casualmente se encontrem nas vias de
acesso público enquanto determinada diligência é efetuada e filmem ou fotografem o sujeito preso.
Aliás, dispositivo que expressamente criminaliza referido contexto, o artigo 14 do Projeto da nova
lei, foi vetado pela Presidência da República e o veto foi mantido pelo Congresso Nacional. O que a
lei de abuso de autoridade proíbe é o constranger o custodiado à exposição gratuita e
sensacionalista, à sua expressa revelia.
No mais, é certo que da exposição pode decorrer uma interpelação da mídia, algo que as
Autoridades Policiais, em razão da nova Lei de Abuso de Autoridade, devem se atentar, pois de uma
ação precede a outra.
Outrossim, oportuno consignar que, dentre as alterações promovidas pela nova Lei Federal
nº 13.964/2019, decorrente do conhecido “pacote anticrime”, há o artigo 3º-F do CPP, que atribui ao
“juiz de garantias”, magistrado responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e
salvaguarda dos direitos individuais (novo artigo 3º-B do CPP), assegurar o cumprimento das regras
para tratamento dos presos, impedindo ajuste entre autoridades com a imprensa para explorar a
imagem do custodiado e, no parágrafo único do dispositivo, prevê a elaboração de regulamento para
disciplinar o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso
serão transmitidas à imprensa.
Pondera-se que, se a exposição ocorrer involuntariamente e em dependência de acesso direto
e indireto não controlado, não poderão os agentes públicos ser responsabilizados, dada a
impossibilidade operacional de se administrar, de maneira absoluta, esses espaços que em regra são
públicos.

 Entrevistas de pessoas presas

No que tange à exibição do preso, a questão não demanda maiores interpretações, dada a
explicação acima ofertada. No entanto, dúvidas podem surgir no que concerne às exibições para
37
entrevistas, as quais não deixam de ser apresentações corporais à curiosidade pública, afinal o preso
está sob a custódia do Estado e, portanto, poder-se-ia alegar que ele, embora ausente a violência ou
grave ameaça, está com a sua capacidade de resistência reduzida.
Em algumas Comarcas as exibições de custodiados são disciplinadas por normas das
Corregedorias dos Presídios e das Polícias Judiciárias, as quais requerem comunicação à Autoridade
Judicial ou a colheita de manifestação escrita do preso, não se opondo à entrevista ou exposição.
Consigna-se que a lei fala em “exibição”, o que não se confunde com o fornecimento verbal
de informações que o preso queira ofertar à mídia, que em regra capta apenas a sua voz. É certo que
essas ações podem ser monitoradas pelas Autoridades Policiais, a fim de que a eventual entrevista
não se transforme em “interrogatório público”, cuja condução, por reserva legal, cabe ao Delegado
de Polícia.
As instituições de segurança pública paulista possuem normas internas a respeito do tema, a
fim de pautar a ação dos seus integrantes, nos vários escalões, motivo pelo qual, há diretrizes acerca
do padrão de conduta para entrevistas e exposições de imagem, a seguir comentadas.
Em São Paulo vigora a Resolução SSP-41, de 2 de maio de 1983, a qual, em seu artigo 2º,
dispõe que os Delegados de Polícia e Oficiais da Polícia Militar zelarão pela preservação dos
direitos a imagem e a privacidade das pessoas submetidas a investigação policial ou detidas em
razão da prática de crime ou contravenção penal, enquanto se encontrarem no recinto de repartições
policiais, a fim de que, a referidas pessoas e por extensão às suas famílias, não sejam causados
prejuízos irreparáveis, decorrentes da exposição de suas imagens ou da divulgação liminar de
circunstâncias ainda objeto de apuração. E mais, que tais pessoas somente serão fotografadas,
filmadas e/ou entrevistadas se expressamente o consentirem mediante manifestação explícita de
vontade. Trata-se de ato normativo com texto replicado pela Portaria DGP-18/97.
Em viés similar, a Portaria DGP-30, de 24 de novembro de 1997, estabelece que os
Delegados de Polícia somente autorizem entrevista ou registro de imagem de pessoa detida ou presa
mediante seu prévio consentimento por escrito, após suficientemente informada sobre seus direitos
e observadas as normas fixadas pelo Juiz Corregedor de Polícia Judiciária competente.
No mesmo passo, a Portaria DGP-18, de 25 de novembro de 1998 prevê que as Autoridades
Policiais e demais servidores zelarão pela preservação dos direitos à imagem, ao nome, à
privacidade e à intimidade das pessoas submetidas à investigação policial, detidas em razão a
prática de infração penal ou à sua disposição na condição de vítimas, em especial enquanto se
encontrarem no recinto de repartições policiais, a fim de que a elas e a seus familiares não sejam
causados prejuízos irreparáveis, decorrentes da exposição de imagem ou de divulgação liminar de
circunstância objeto de apuração. No mais, tais pessoas, após orientadas sobre seus direitos
constitucionais, somente serão fotografadas, entrevistadas ou terão suas imagens por qualquer meio
38
registradas, se expressamente o consentirem mediante manifestação explícita de vontade, por
escrito por termo devidamente assinado, observando-se ainda as correlatas normas editadas pelos
Juízos Corregedores da Polícia Judiciária das Comarcas.
No caso de exibição regular de pessoas ou coisas relacionadas aos resultados positivos das
atividades de polícia judiciária aos órgãos de comunicação social, deverá a figuração do nome e do
emblema da Polícia Civil do Estado de São Paulo ocupar posição de destaque, nos termos da
Portaria DGP-26, de 24 de julho de 2009.
Como se observa, a aferição de autorização por termo ou captação por vídeo é suficiente
para a exposição voluntária do custodiado.

 Divulgação de foto de interesse policial

No que tange à divulgação de fotos de interesse policial, isto é, de pessoas investigadas cuja
identificação seja imprescindível (autor de fatos criminosos em série, pessoa procurada e/ou
foragida etc.), não vislumbra-se irregularidade na exposição, por manifesta falta de elemento
subjetivo, visto que o tipo penal reclama a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a
si mesmo ou a terceiro ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. Nesse caso, o interesse é
notadamente público, não se confundindo com ato de mera liberalidade tendente a, de modo
intencional, macular a imagem da pessoa investigada49.

Não é demais lembrar que o artigo 20 do Código Civil (Lei Federal nº 10.406/2002) faz eco
à relativização do direito a imagem (que não é absoluto), ao assim estatuir:
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da
ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a
exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu
requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama
ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

 Uso de câmeras operacionais portáteis com gravações audiovisuais

Segundo a Polícia Militar paulista, cujos agentes são usuários do equipamento denominado
"câmera operacional portátil", como regra afixado no colete balístico dos patrulheiros durante
rondas e atendimentos no policiamento ostensivo e preventivo, não é necessária a gravação no
interior de Delegacias de Polícia a partir do momento da apresentação da ocorrência e desde que as
partes estejam sob custódia de outra instituição. Logo, em caso de encaminhamento de envolvidos
para outros destinos, como para realização de exames periciais ou de atendimento hospitalar, cuja

49
LESSA, Marcelo de Lima. Afinal, é permitida a exibição de imagem de preso ou detento após a nova Lei de Abuso de
Autoridade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6058, 1 fev. 2020. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/78894. Acesso em: 14 jul. 2021.
39
custódia retorne aos policiais militares, a gravação pela câmera será reiniciada. Se em qualquer
destas situações surgir circunstância adversa, conflituosa, suspeita de prática delituosa ou quaisquer
outras reclamações que questionem a conduta dos servidores, estes poderão iniciar o registro pela
câmera portátil, porém deverão gravar a justificativa para tal ato e seguir as normas para uso do
equipamento50. Dito isso, o Delegado de Polícia, caso julgue necessário, poderá solicitar a
observância do protocolo, de modo que a gravação seja interrompida nos ambientes de acesso
controlado (e não aberto ao público), de responsabilidade da Polícia Civil.

Tecnicamente, tal ação pelas corporações de policiamento preventivo pode ser entendida
como uma gravação ambiental exercida em ambiente público (no qual o direito a imagem é
mitigado) ou privado (na hipótese de abordagem e captura no interior de domicílio), com a ciência
(em razão de interlocução e interação como regra verbal) do suspeito. Nesse contexto, a Lei nº
13.964/19 ("Pacote Anticrime") inseriu dispositivo na Lei nº 9.296/96 (art. 10-A, § 1º), dispondo
que “não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores”, o qual, no caso, será um
policial militar. Nessa hipótese, não se reclama prévia ordem judicial.

Para o Delegado de Polícia importa a captação audiovisual obtida por câmera operacional que
sirva como subsídio para a apuração dos fatos e formação de sua convicção jurídica no caso
concreto. Poderá requisitar os registros gravados à Polícia Militar, responsável pela custódia do
conteúdo armazenado de tais documentos digitais. Nesse passo é importante que a Autoridade
Policial, quando da lavratura do auto de prisão em flagrante ou do registro de ocorrência na hipótese
de não convalidação de uma captura (não decretação da prisão flagrancial), indague ao policial que
noticia o caso se foram captadas imagens dos fatos, oportunidade em que, se positiva a resposta,
contatará o oficial competente para que seja disponibilizado o material registrado.

10.4.2 Submeter preso ou detento a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei
(art. 13, II)

Mais uma vez, a Lei emprega duas expressões, “preso” ou “detento”, reconhecendo a
distinção de significados. Tendo em vista que ambos se encontram privados da liberdade, a norma
não traz maiores dificuldades na interpretação.
Situação vexatória é aquela que humilha, causa vergonha, dor ou aflição. É a execração
pública. Já constranger significa coagir, física ou moralmente. Destarte, o preso/detento não pode

50
Regras de Emprego das COP. Disponível em: <https://www.policiamilitar.sp.gov.br/COP/Index#/regras-de-uso.>.
Acessado em 15 de jul de 2021.

40
ser submetido ao vexame público, sob pena da autoridade que o tem em custódia ser
responsabilizada.
Contudo, é necessário compreender que essa exposição deve ser precedida de dolo, isto é, de
má intenção e não em circunstâncias casuais que, eventualmente, venham a recair sobre a opinião
acerca do caráter perverso de uma prática criminosa ou pelo próprio clamor público dela decorrente.
Os agentes estatais devem zelar pela preservação do sujeito custodiado e não pela opinião coletiva
sobre as nefastas ações dele, cujo controle sobre as repercussões é impossível.
No que tange ao constrangimento, é certo que o preso/detento, legalmente, pode suportar
diversos deles, como a prisão, a contenção por algemas, os reconhecimentos, os interrogatórios, as
conduções em veículos policiais entre outros. Por outro lado, o que a norma veda é o
constrangimento não autorizado, isto é, obrigá-lo a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que
ela não manda.
O policial deve ter a disciplina consciente de interpretar o senso médio para identificar um
possível resultado vexatório ou constrangimento de natureza ilegal. Se a submissão não tiver
amparo em lei ordinária ou no poder de polícia da administração (que decorre de lei), o agente
estatal deve se abster de executar a ação, pautando sua conduta pelo bom senso e pelas regras gerais
de trato com as pessoas presas/detidas, insculpidas na Lei de Execuções Penais, em diretrizes
profissionais e na sua própria consciência.
O tipo penal em comento é deveras vago e, assim como os demais da presente lei, reclama
dolo específico. Nessa toada, ações que visem a preservar o interesse público devem ser priorizadas,
pois o foco que as move é superior ao meramente individual.
A seguir serão elencadas algumas situações que, envolvendo preso ou detento (a cautela
também deve abranger o investigado) podem ser objeto do presente delito51, mas que, devidamente
justificadas, não configuração ilícito penal:

 Métodos de busca pessoal e abordagem

Embora a lei autorize a busca pessoal, ela silencia sobre os métodos de como ela deve ser
exercida, afinal, na prática, podem surgir várias situações que escapam ao controle do agente
público, emergindo, daí, a discricionariedade do ato, que deve ser minimamente motivado,
conforme o cenário exigir.
Em regra, a busca pessoal será exercida pelo contato físico (mãos) entre o policial e o
abordado. Nesse caso, ela será direta. Entretanto, por falta de previsão legal, para a localização das
coisas a serem apreendidas, poderão ser empregados quaisquer meios lícitos, ainda que indiretos,

51
LESSA, Marcelo de Lima; MARTINS JR., Ricardo Fleck. Métodos adequados de busca pessoal, algemação e
condução de presos diante da nova lei de abuso de autoridade. Teresina, Jus Navigandi, 18 out. 2019.
41
quais sejam: métodos oculares, mecânicos (portais fixos, detectores de metais portáteis),
radioscópicos (raio-x), cães farejadores etc.
O ato de apontar armas de fogo na direção do(s) suspeito(s) não é recomendável como regra,
pois a ação objetiva apenas demonstrar força coercitiva estatal e evitar uma reação inoportuna e
indesejada, na medida em que o agente estatal não sabe com quem está lidando. Todavia, em um
cenário em que não se verifique agressão direta, a arma, preferencialmente, deve ser exibida num
ângulo de 45º, a fim de que, na hipótese de recalcitrância, o policial, antes de adotar uma medida
extrema, tenha a oportunidade de usar maior severidade e erguê-la em 90º. Seria uma transição
entre o estado de “atenção” (45º) e o de “alerta” (90º). Por outro lado, nos casos de perseguição ou
reação grave ou violenta (atual ou iminente), o policial precisa ter liberdade para agir do modo que
melhor lhe aprouver, desde que, intencionalmente, não exponha terceiros a risco.
Quanto ao uso da força por agentes de segurança pública, vale registrar a existência da
portaria interministerial nº 4226/10, a qual, com supedâneo em diversos diplomas internacionais de
proteção aos direitos humanos, traz diversas diretrizes sobre o uso legítimo da arma de fogo, em
especial, em sua diretriz nº 7 dispõe que “o ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os
procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada”. 52
Nesse contexto, serão comentadas hipóteses que podem ocorrer na prática, acrescidas,
destarte, do recomendado padrão de conduta para evitar uma responsabilização concisa. Cumpre
salientar, antes de tudo, que as buscas pessoais contra a parede, com as mãos sobre a cabeça, de
joelhos e em decúbito ventral (que poderão, genericamente, ser tachadas de “vexatórias”) são
permitidas no âmbito da Polícia Civil do Estado de São Paulo, afinal o método de execução de cada
uma delas está disciplinado no Manual Operacional do Policial Civil, instituído por um grupo de
estudos formado por ato formal da Delegacia Geral de Polícia53. Assim, quando executadas nas
conformidades seguintes, com base no poder de polícia da administração pública (buscas
preventivas ou administrativas)54 e com escora nos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal
(força indispensável e meios necessários de defesa no caso de resistência, tentativa de fuga ou
oposição à prisão), estarão como regra imunes a alegações de abuso sumário, porquanto operacional
e legalmente justificáveis, a saber:

52
Portaria interministerial nº 4226, de 31 de dezembro de 2010.
53
Portaria DGP-20, de 11-10-2000.
54
LESSA, Marcelo de Lima. Busca pessoal processual, busca pessoal preventiva e fiscalização policial: legalidade e
diferenças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5482, 5 jul. 2018. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/61753. Acesso em: 14 jul. 2021.
42
 Busca preliminar no suspeito(a)

A busca preliminar de uma pessoa suspeita é aquela feita num primeiro momento da ação
policial, para fins de diminuição de riscos e controle do cenário. Geralmente ocorre na via pública
ou no momento da detenção, ainda que em ambiente fechado. Será contra a parede (ou anteparo),
com as mãos sobre a cabeça, de joelhos ou em decúbito ventral.
Não é demais lembrar que o artigo 249 do Código de Processo Penal estabelece que “a
busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da
diligência”. Entretanto, referido dispositivo aplica-se apenas à busca preliminar, pois a íntima (pós-
detenção) pressupõe um ambiente já serenado e discreto, não demandando, assim, eventual prejuízo
em caso de espera por uma agente policial do sexo feminino.

 Busca em pessoa transgênero (transexual)

De extrema relevância tratar da abordagem a pessoa transgênero (transexual), uma vez que
se mostra tênue a linha da legalidade e do abuso, em especial em vista da falta de conhecimento
aprofundado de alguns agentes estatais em interagir tais pessoas e da população em geral quanto aos
seus deveres diante de uma abordagem policial.
Ressalta-se, ainda, que o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão (ADO nº 26)55 concedeu eficácia geral e efeito vinculante, em sua decisão, em
criminalizar condutas homotransfóbicas.
A interação com grupos vulneráveis, no qual o coletivo LGBT+ se insere, é assunto caro à
Polícia Civil do Estado de São Paulo, uma vez que sua missão constitucional não se restringe à
função de polícia judiciária e apuração de infrações penais 56, sendo ela, verdadeiramente, a de
proteger e promover os direitos humanos.
Assim, objetivando sempre privilegiar os direitos humanos no que tange à abordagem a este
coletivo, é seguida a orientação contida na cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos
Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade57, editada pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP), da seguinte forma:
As travestis e mulheres transgêneros (sexo originalmente masculino, mas que têm identidade
de gênero oposta ao seu sexo biológico) deverão ter a identificação social feminina preservada (usar
termos femininos) e, prioritariamente, deverão ser revistadas por policiais femininas. Se houver

55
STF, ADO 26, j. 13/06/2019.
56
CF, art. 144, § 4º.
57
Disponível em: https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-
publica/cartilhas/a_cartilha_policial_2013.pdf.
43
resistência ou superioridade física da abordada e isso vier a representar perigo para a policial
feminina, esta, cautelarmente, estará licenciada de revistá-la.
Os homens transgêneros (sexo originalmente feminino, mas que têm identidade de gênero
oposta ao seu sexo biológico) deverão ter a identificação masculina preservada (utilizar termos
masculinos) e, prioritariamente, deverão ser revistados por policiais femininas, haja vista a
existência de lei que regula a busca pessoal em mulheres. A sua eventual condução será feita em
separado dos homens cuja identidade de gênero estiver alinhada ao sexo biológico.
No caso de não binários, agêneros, andrógenos, gêneros fluídos ou denominação que não
seja possível definir o gênero, o policial, respeitada a segurança e a veracidade das informações
passadas pelo sujeito abordado, deve deixar à vontade para escolher quem irá abordá-lo (um policial
ou uma policial), como forma de assegurar o direito a um tratamento igualitário por parte do Estado.
O foco maior deve ser na busca minuciosa, pois na preliminar pode haver erro (falsa percepção da
realidade).
Sobre o tema, a Portaria DGP-8, de 3 de março de 2022, assim dispõe em seu artigo 2º:
Artigo 2º. A busca pessoal em travestis e transexuais observará, além dos requisitos legais,
o respeito à dignidade, sua condição e a segurança do Policial.
Parágrafo único. A revista à mulher transexual e à travesti será realizada preferencialmente
por policial feminina e a revista ao homem transexual, preferencialmente por policial
masculino.

Necessário entender que tal posicionamento como regra protegerá não só a dignidade da
pessoa transgênero abordada e, eventualmente, revistada, como também o próprio policial em uma
futura cogitação de abuso, mesmo que desarrazoada, uma vez que não há vedação legal para que
policiais femininas possam realizar buscas em pessoas de ambos os sexos biológicos (CPP, art.
244).

 Busca minuciosa (íntima) em infrator(a)

A busca minuciosa (íntima) em suspeito é aquela feita num segundo momento da custódia e
implica, em regra, a exposição da intimidade individual das pessoas. Geralmente antecede a entrada
do custodiado no cárcere, a fim de que não carregue consigo instrumentos ofensivos (armas),
michas, drogas ou objetos ilícitos. Nela, o indivíduo será despido em ambiente controlado e não
aberto a terceiros, para inspeção corporal e das vestes.
No que tange à revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho, a Lei Federal nº
13.271/2016, dispõe que as empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública,
direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e
de clientes do sexo feminino, sujeitando os infratores a pena de multa. Vale anotar que o dispositivo
que tratava da revista íntima em ambiente prisional foi vetado.

44
 Busca minuciosa (íntima) em visitante de estabelecimento prisional

Em São Paulo, o tema é disciplinado pela Lei Estadual n° 15.552/2014, que proíbe a busca
íntima em visitante de estabelecimento prisional, assim entendida como aquela que obriga a pessoa
despir-se, fazer agachamento ou dar saltos, submeter-se a exames clínicos invasivos. A regra é a
revista mecânica (scanner, detector de metal, raio-x etc.), sempre em local reservado. Em caso de
suspeita, o visitante, após ser novamente revistado, poderá ser impedido de entrar no
estabelecimento. Caso insista, será encaminhado a um ambulatório onde um médico averiguará a
suspeita mediante exame específico. Se confirmada a suspeita inicial, é feita a apresentação na
Delegacia de Polícia. Ademais, não se pode desprezar que, conquanto a norma estadual estabeleça
essa restrição, existindo fundada suspeita da posse de objeto que constitua corpo de delito (mesmo
que por parte de visitante), a regra, em tese, passa ser a do artigo 244 do Código de Processo Penal.
Na hipótese de encontro de aparelho de telefonia móvel celular, por exemplo, não se olvida do
crime do artigo 349-A do Código Penal, ocasião em que o visitante passa a ser suspeito de prática
delituosa.

 Busca pessoal contra a parede

Esse tipo de busca geralmente é realizado quando o cenário proporciona um anteparo


vertical, que pode ser uma parede, um muro, um suporte físico etc. Nele, o sujeito, levemente
imobilizado e desequilibrado, fica apoiado com as mãos acima da cabeça e mantém os braços e
pernas abertas, enquanto a busca pessoal, com apoio, é executada. É usada em situações em que o
suspeito, geralmente em menor número, se mostra colaborativo e não esboçou reação ativa. É o
padrão em casos convencionais de busca e, se realizada adequadamente (aproximação, interpelação,
aproximação e revista), estará imune a reparos, já que decorre da lei (CPP, art. 244, no caso da
busca processual) ou do poder de polícia da administração, no caso da busca preventiva ou
administrativa.

 Busca pessoal com as mãos sobre a cabeça

A regra será similar à da busca pessoal contra a parede. O perfil do interpelado é


basicamente o mesmo e o diferencial reside na inexistência de anteparo para a medida. Nesses
casos, o suspeito permanece em pé, com as pernas levemente abertas e os dedos entrelaçados sobre
a cabeça. Técnica que requer treino do policial responsável, mormente no que tange ao manuseio e
ao entrelaçamento dos dedos do abordado e à expertise de deixá-lo minimamente desequilibrado
(mas escorado) enquanto a busca pessoal se realiza. Se os fundamentos da busca processual ou
preventiva estiverem presentes, a ato é lícito e regular.

45
 Busca de joelhos

Posição adotada nos casos em que o policial tiver fundadas razões de que o revistado é, de
fato, um infrator. É adotada, também, nas hipóteses de reação ativa média, em que o abordado
denota linguagem corporal insurgente ou, ainda, quando os policiais, diante desses mesmos perfis,
estiverem em visível inferioridade numérica. A postura de joelhos otimiza a ação policial e
minimiza eventuais reações rápidas, as quais, se exercidas, serão fulminadas com toques físicos
sutis que colocarão, de pronto, o insurgente em decúbito ventral.

 Busca em decúbito ventral

Trata-se de medida como regra para abordagem de pessoa sabidamente perigosa, em que
exista reação ativa elevada (fuga propriamente dita), quando o ambiente for ermo ou houver
inferioridade numérica de policiais diante desses perfis ou cenários. Nela, o(s) abordado(s)
permanece(em) em decúbito ventral, com o(s) braço(s) aberto(s), otimizando a segurança dos
policiais, que deverão imobilizá-los com as pernas, enquanto a busca ocorre. Feito isso, a elevação
deve deter técnicas apropriadas, usando-se o peso do abordado e a dinâmica da física para erguê-lo,
não raro, já algemado.
Diante do quadro descrito, necessário lembrar que o agente público e, em especial, o policial
é um longa manus do Estado, sendo este o titular exclusivo do uso da força, razão pela qual sua
conduta enverga maior respaldo e responsabilidade, fundamento da existência de tipos penais que
tutelam a administração pública contra condutas indevidas de particulares como a desobediência, o
desacato e a resistência.
Nesta esteira, a conduta de policias, em tese, segue disciplina do direito administrativo, ou
seja, dos atos administrativos em geral, gozando seus atos de presunção relativa de legitimidade e
externados pelo poder discricionário regrado, sempre dentro do binômio conveniência e
oportunidade, agindo lastreados na lei e nos limites dela (princípio da legalidade pública).
Assim, cabe ao policial civil e aos policiais em geral, de modo discricionário, optar pelas
hipóteses básicas da busca em virtude do cenário que a ele se apresentar. Por óbvio que as hipóteses
de revista de joelhos e em decúbito ventral se mostram muito mais potencialmente constrangedoras
ao abordado mas, desde que justificadas, estarão imunes a reparos.
Não obstante, o espírito da lei não é apenas proteger a honra e dignidade dos presos (em
sentido amplo) contra eventuais abusos de maneira cega, vedando condutas operacionais corretas
que não extrapolem a legislação e punir agentes públicos que exerçam seu munus, mas sim coibir a
conduta dolosa do agente estatal em deliberadamente humilhar, execrar publicamente o preso.
Repise-se que é sempre exigível o elemento subjetivo na conduta.

46
Frisa-se que em toda ação estatal haverá uma potencial colisão de direitos fundamentais, de
modo que os interesses particulares também serão ajustados aos interesses coletivos.

 Métodos de emprego de algemas

Pode ocorrer que da busca pessoal decorra a captura do abordado. Nesses casos, o policial
procederá à algemação do indivíduo para, na sequência, conduzi-lo. As hipóteses legais estão
previstas no Decreto Federal nº 8.858/2016 que, em consonância com a Súmula Vinculante nº 11,
do STF, admite o emprego de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de
perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua
excepcionalidade por escrito, vedado o uso em mulheres presas em qualquer unidade do sistema
penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional
e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.
O mencionado Decreto nº 8.858/2016 regulamenta a Lei de Execução Penal (Lei nº
7.210/1984, art.199) e, por isso, em princípio é destinado aos presos provisórios e sentenciados. Por
analogia, pode ser aplicado como parâmetro na atividade policial e na etapa extrajudicial do
processo penal, para a algemação de pessoas abordadas e capturadas, ainda que não se trate de
custódia cautelar ou de execução de ordem prisional decorrente de condenação criminal58.
Salienta-se que a Lei Federal nº 13.060/2014 dispõe que as instituições policiais priorizem a
utilização de instrumentos de menor potencial ofensivo e menor potencial letal, com a intenção de
preservar vidas e minimizar danos à integridade das pessoas, obedecendo os princípios da
legalidade, da necessidade, da razoabilidade e da proporcionalidade para o uso racional da força,
que prestigiem a tutela da integridade física e psíquica do cidadão59.

 Uso convencional de algemas

São as hipóteses de prisão ou transporte comum, em que as algemas são colocadas, em


regra, nos pulsos do detido/preso, que permanece com as mãos voltadas para trás, dorso com dorso
e polegares elevados. Isso é necessário para trazer segurança aos policiais e aos próprios
custodiados, a fim de que o conduzido não esboce reações agressivas, como estrangulamentos,
arrebatamento de armas ou ações similares.

58
HERBELLA, Fernanda. Uso de algemas e Lei de Execução Penal. In: SÃO PAULO (Estado), Arquivos da Polícia
Civil – Vol. 55, São Paulo: Acadepol, 2017, p. 60-61.
59
OLIVEIRA, Alexandre Pinto de. A conduta policial e as técnicas de abordagem à luz da doutrina de direitos
humanos na missão constitucional da Polícia Civil. 2016. 107 p. Monografia (Processo seletivo de professor de conduta
policial e técnicas de abordagem) - Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. São Paulo, 2016, p. 14.
47
 Condução de detidos/presos em duplas

O ideal é a condução individual, menos constrangedora. Todavia, quando, por fundadas


razões de segurança geral, houver a necessidade de se conduzir dois presos/detidos juntos, com duas
algemas, o ideal é que fiquem de costas, um com o braço direito entrelaçado no direito do outro, e
as mãos, algemadas e dorso com dorso. Se for apenas um par, uma das peças móveis ficará no pulso
direito do primeiro conduzido, ao passo que a outra, no direito do segundo. Sendo três indivíduos
presos, o do meio cruza os braços e as peças remanescentes são apostas nos braços extremos dos
demais.

 Métodos de condução

O ideal é que os custodiados sejam conduzidos de maneira segura, a fim de não esboçarem
reação ou tentarem fugir. Estando eles com as mãos contidas para trás, os policiais deverão segurá-
los com a mão que não seja de saque, a fim de que possam, numa situação emergencial, reagir
contra um ataque ou emboscada. Isso otimiza, também, o posicionamento da arma do agente estatal,
que sempre ficará do lado oposto, longe do conduzido.
Em situações avaliadas como necessárias (risco de reação ou efetiva reação), os condutores
poderão usar técnicas apropriadas de imobilização em pessoas algemadas, de modo que os
custodiados tenham os movimentos comprometidos e não consigam atentar contra os agentes
estatais. Isso não corresponde a vexame ou constrangimento, mas sim, em medida emergencial e de
zelo a segurança, sempre atentando ao elemento subjetivo na conduta dos agentes públicos para
avaliar a configuração de eventual ilícito.

 Práticas a serem evitadas

O que a lei de abuso pretende vedar (vexame ou constrangimento ilegal) são as situações
tidas como excepcionais, em que o constrangimento não possui aparente amparo legal e,
operacionalmente, transpõe os limites admissíveis, pois pressupõe que o detido já está contido e
eventuais meios complementares de força são desnecessários. Em tais hipóteses, poderá emergir
uma situação vexatória (mormente em casos de exposição midiática) ou constrangimento ilícito.
Tratam-se de atitudes que, a despeito da contenção já a rigor ultimada, visem a potencializar,
de maneira descabida, a restrição física. Exemplo é a denominada little package (vulgarmente
chamada de “pacotinho”), que consiste em algemar o indivíduo deitado com as mãos para trás e
com os pés nelas presos. Não raro, essa técnica pode impedir a respiração adequada da pessoa, a
qual, em razão da elevada compressão torácica a que é submetida, poderá ser acometida de asfixia.

48
Fora isso, é uma técnica visualmente impactante em razão de potencial afronta à dignidade humana,
o que contraria os princípios do próprio Decreto Federal nº 8.858/16.
Anota-se ainda que as técnicas de constrição física extremada também devem ser evitadas,
principalmente no caso do suspeito já imobilizado. A constrição de colo não deve ser vista como
prática convencionalmente aceitável, já que a ação do braço e do antebraço (ou do joelho) na
laringe pode, a depender do caso, levar à morte, devendo o agente estatal saber o limite entre a
incapacitação temporária (visada) e a permanente (não visada no caso de necessidade de mera
imobilização de pessoa desarmada ou que não coloque a vida de outrem em perigo). O ideal é
empregar a força de maneira diferenciada (proporcional), apenas no grau necessário para vencer a
resistência ativa, oportunidade em que a imposição dela deve ser imediatamente estabilizada (freada
ou reduzida), sob pena do uso irregular dela.

 Algemas de dedos e de tornozelos

A lei não proíbe o uso de algemas de dedos e de tornozelos, as quais, dependendo do cenário
e da necessidade, poderão, de maneira motivada, ser igualmente empregadas. No caso do preso
alquebrado, não se vislumbra como regra necessidade de contê-lo pelos tornozelos, circunstância
que, na prática, será admitida apenas em hipóteses excepcionais. Tal técnica deve ser reservada aos
indivíduos perigosos e cuja possibilidade de reação ou fuga seja notória.

 Parturientes

Dúvidas podem surgir em quem pode ou não ser algemado. Pelo Decreto Federal nº
8.858/16, não podem ser algemadas mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário
nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade
hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

 Crianças

Às crianças infratoras (até 12 anos de idade incompletos) são previstas apenas medidas de
proteção e não socioeducativas. Não devem elas, portanto, como regra serem apresentadas em
unidades policiais, mas sim aos Conselhos Tutelares (ECA, arts. 105 e 136). Em São Paulo, a
Resolução SSP-72/90 (art. 5º), inclusive, disciplina nesse sentido. A regra, destarte, é não submetê-
las a busca pessoal ou algemação, salvo quando o cenário, diante de uma situação extrema (criança
notoriamente agressiva surpreendida portando arma de fogo etc.), assim exigir.

49
 Adolescentes

Adolescentes infratores (de 12 a 18 anos de idade incompletos) podem ser algemados sem
restrições, salvo aquelas previstas para as pessoas adultas. O que a lei veda, no caso dos
adolescentes, é a condução ou transporte em compartimento fechado de veículo policial, em
condições atentatórias à sua dignidade, que impliquem risco à sua integridade física ou mental
(ECA, art. 178).

 Idosos

No caso de pessoa idosa (60 anos de idade ou mais), cujas ações se enquadrem no que a lei
autoriza, também inexiste restrição específica quanto ao uso de algemas, remanescendo aos agentes
estatais, entretanto, o bom senso de empregá-las com o menor constrangimento possível. A cartilha
de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de
Vulnerabilidade60, editada pela SENASP, orienta que as pessoas idosas, quando necessário, serão
algemadas pela frente, se isso não prejudicar a segurança.

 Pessoas com deficiência

Na hipótese de pessoas com deficiência, é importante que os policiais avaliem, na prática, o


tipo de deficiência aliada à efetiva necessidade de algemação pois, se improvável o receio de fuga
ou inexistente perigo à integridade física própria ou alheia causada pelo preso ou terceiro, o ato não
será necessário.
Pessoas idosas e deficientes têm limitações físicas naturais, portanto é recomendável que os
policiais não as coloquem em posições desconfortáveis (joelhos, chão etc.) e incompatíveis com a
capacidade reativa que, seja pela idade ou pela estrutura física, não ostentem.

 Equação preventiva (cenário + conduta + justificativa)

De todo modo, é certo que o policial deve precaver-se contra possíveis imputações que lhe
queiram impingir indevidamente. Para se prevenir, sugere-se a memorização de uma equação
preventiva que, corretamente seguida, evitará dissabores no exercício de suas funções. Ela é
composta de três partes, a saber:
A avaliação do cenário deve ser nata ao policial treinado, de modo que ele, ainda que sob as
mais severas condições, tenha capacidade de sopesar qual a melhor técnica diante do cenário
enfrentado, quais sejam, busca contra a parede, busca sem anteparo e com as mãos sobre a cabeça,

60
Disponível em: https://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/seguranca-
publica/cartilhas/a_cartilha_policial_2013.pdf.
50
busca de joelhos ou busca em decúbito ventral. Ele deve possuir condições operacionais para saber
diferenciar a necessidade de cada uma, pois, logo adiante, terá que justificá-las. Esse, então, é o
primeiro passo, medir a temperatura do terreno e aplicar a melhor técnica.
A conduta vem em seguida, com a efetiva adoção das medidas operacionais necessárias,
consistentes na aproximação, na interpelação, na busca e na contenção, se cabível. O agente deve
executar a revista de maneira serena e, caso encontre resistência, deverá estar preparado para
empregar a força necessária até vencer a recalcitrância. Neste momento, o policial irá escolher a
técnica mais eficaz ao cenário apresentado, deverá dentro de sua “caixa de ferramentas” escolher a
que melhor se apresenta e, para tanto, utilizará o conhecimento adquirido ao longo de sua trajetória,
sempre com supedâneo da lei e nos limites dela. Feito isso, deve ter refrear eventuais excessos, que
poderão resvalar em abusos. Nessa fase, também é avaliada a técnica adequada de algemação, caso
seja ela exigida.
Fase final, em que o agente estatal, após a execução da diligência, deve estar preparado para
individualizar, perante a autoridade, as condições de cenário enfrentadas, a fim de justificar, em
preliminar, os motivos da espécie de busca realizada (anteparo, joelhos ou decúbito ventral). Após,
explicará sua conduta em campo, ou seja, o método a rigor adotado, de acordo com as
características do sujeito da busca. Nessa fase, entrarão detalhes como a ocorrência ou não de
resistência ou fuga, eventuais características pessoais do abordado, força necessária etc.
É importante, assim, que todo o desenrolar da ocorrência seja exposto de maneira
pormenorizada, inclusive, declinando o desenvolvimento do uso diferenciado da força, em razão de
desobediência, resistência etc., dando, assim, cor ao papel, lembrando que os documentos policiais
são frios e tem como destinatário pessoas, que, por vezes, desconhecem por total a atividade policial
e suas adversidades e peculiaridades.
Necessário documentar por escrito a conduta em campo, bem como o uso de algemas, seja
no registro de ocorrência, seja nos depoimentos colhidos, para afastar cogitação de
responsabilização futura61.

10.4.3 Constranger preso ou detento a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro (art. 13,
III)

Novamente as expressões “preso” ou “detento”. Na hipótese, aparentemente foram


empregadas de acordo com a fase da persecução penal, embora enverguem sentidos distintos.

61
Caso não sejam possíveis tais formas de documentação, prudente se faz que o policial solicite a anotação no próprio
talão da viatura, via rádio, caso esteja modulando, ou, ainda, que ele próprio anote digitalmente no talão.
51
Em parte, nada mais é do que a consagração do princípio da não autoincriminação, inerente
ao exercício do direito de defesa e sobretudo à autodefesa. Consiste no direito ao silêncio, de não
declarar nada contra si próprio, de não confessar e de não apresentar provas que o incriminem.
Abrange, ainda, ao direito de não participar, de maneira ativa, de atos probatórios que
venham a incriminá-lo, bem como de não ceder seu corpo para que seja produzida prova de caráter
incriminador.

 Direito ao silêncio

No que tange ao direito ao silêncio, mister consignar que o interrogado optou por exercê-lo,
assegurando a autodefesa negativa.

 Diligências para formação probatória

Nos casos de diligências para formação probatória, relevante que sejam precedidas de
decisão fundamentada, notificando o investigado sobre a sua participação, a qual poderá ser
acompanhada da respectiva defesa técnica, sendo lícito ao Advogado, inclusive, apresentar razões e
quesitos (EAOAB – Lei nº 8.906/94, art. 7º, XXI, alínea “a”). Nos eventos de reconstituição de fato
criminoso o investigado não pode ser compelido a dele participar e, caso o faça voluntariamente, é
prudente que a autoridade responsável assinale nos autos sua expressa manifestação de vontade.
No modelo brasileiro, há duas espécies de colaboração para a aferição de prova, a ativa e a
passiva. Na primeira, ocorre um processo coercitivo e invasivo (exige-se uma ação do sujeito
examinado). Na segunda, apenas uma ação de tolerância por parte do suspeito, cujo exame é feito
por um terceiro (médico, por exemplo) sem que, necessariamente, exista colaboração. Assim,
prevalece que o direito de não produzir provas contra si mesmo alcança apenas a colaboração
ativa, mas não a passiva, como, por exemplo, num exame clínico que em regra é visual. Ademais,
eventual obstrução deliberada de profissional médico devidamente instado pela Autoridade Policial
para proceder a exame nesses termos, poderá gerar responsabilidades62.

 Etilômetro (bafômetro)

No que tange ao denominado teste do etilômetro (“bafômetro”), em que pese o motorista


abordado possa recusar-se no âmbito criminal diante do direito à não autoincriminação, pode ser
sancionado administrativamente (CTB, art. 165-A).

62
MORAES, Elster Lamoia de. Tráfico Internacional de Drogas Ingeridas: direito à vida versus direito à não
autoincriminação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5031, 10 abr. 2017. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/55514. Acesso em: 14 jul. 2021.
52
Vale recordar que a verificação de embriaguez por álcool ou outra droga também poderá ser
obtida por outros meios lícitos, como vídeos ou provas testemunhais, de modo a configurar eventual
crime de embriaguez ao volante (CTB, art. 306, caput e § 2º).
Frisa-se que, na prática, a contraprova é um instrumento importante de defesa, a ser
consignado nos autos que o investigado foi esclarecido a respeito dela, mas ainda assim declinou.

 Reconhecimento pessoal

Outra situação que suscita solução semelhante consiste na submissão do suspeito a


reconhecimento pessoal, desde que atendidas as formalidades do artigo 226 do CPP63, notadamente
a prévia descrição pelo reconhecedor e o posicionamento de suspeito ladeado a indivíduos com
semelhanças físicas, ato que não exige comportamento ativo do investigado, tratando-se de prova
não invasiva que objetiva a comprovação visual, por parte do reconhecedor, da identidade física do
indivíduo que praticou o fato delituoso apurado.
Além das formalidades do artigo 226 do CPP, há práticas a serem evitadas no
reconhecimento, como aquela conhecida por show-up, consistente na prévia exibição de um único
suspeito, inclusive por fotografias contidas em aparelhos de telefone celular e que, caso ocorram,
devem ser consignadas para controle e exame à luz do conjunto amealhado, por serem notoriamente
sugestivos e afetarem a fiabilidade do ato64.

 Intervenção médica em caso de ingestão de drogas

Em regra, a intervenção médica em caso de ingestão de droga deve ser facultada, salvo se
objetivar preservar a integridade física do suspeito.
O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que o exame médico nesses casos assemelha-se,
efetivamente, a uma busca pessoal, com auxílio de equipamento específico, não havendo a
necessidade de um agir positivo por parte do investigado (HC 149.146, j. 27/08/2009). O principio
de não fazer prova contra si não impede que o suspeito seja submetido à investigação, sob pena de
inviabilizar buscas pessoais diretas e indiretas. Ademais, é notória a alta probabilidade de que
cápsulas contendo drogas ingeridas podem se romper no interior do organismo humano, causando a
morte da pessoa, de modo a autorizar intervenção médica para que tais objetos sejam expelidos,

63
A importância da atenção às formalidades do reconhecimento pessoal foi assentada pelo Superior Tribunal de
Justiça,no julgamento do HC nº 598.886-SC (6ª T., Rel.Min.Rogério Schietti Cruz, j. 27/10/2020, DJe 18/12/2020). Em
sentido similar: STJ, HC nº 652.284-SC, 5ª T., Rel.Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 03/05/2021.
64
MATIDA, Janaína; CECCONELLO, William Weber. Reconhecimento fotográfico e presunção de inocência. Revista
Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 7, n. 1, jan./abr. 2021, p.409-440; MACHADO, Leonardo
Marcondes; BARILLI, Raphael Jorge de Castilho. O reconhecimento de pessoas como fonte de injustiças criminais.
Consultor Jurídico, São Paulo, 16 jul. 2019.
53
protegendo o sujeito contra algo que ele próprio deu causa. Dessa maneira, o uso de procedimentos
médicos aptos a expelir drogas ingeridas se traduz em intervenção estatal em favor da integridade
física e da vida, bens tutelados pelo ordenamento jurídico vigente.
Assim, é importante a avaliação do estado de saúde do suspeito, com chancela médica se
possível, a fim de que a aferição desse tipo de diligência não seja objeto de questionamentos.
Justificadas as providências adotadas, eventual prova obtida será lícita.

 Conflito com crimes de tortura

A figura do inciso III do artigo 13 da Lei 13.869/19 pode gerar conflito com os ilícitos
penais do diploma legal que define os crimes de tortura (Lei Federal nº 9.455/1997), mormente com
o seu artigo 1º, inciso I, alínea "a", que pune a conduta de "constranger alguém com emprego de
violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter
informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa", conhecido como "tortura-
prova".
Nota-se que o delito de "tortura-prova", ao contrário daquele da nova Lei de Abuso de
Autoridade, veicula condutas mais intensas ao exigir sofrimento físico ou mental além do emprego
de violência ou grave ameaça e comina pena mais severa, de reclusão de dois a oito anos, enquanto
a figura de abuso de autoridade sanciona com um a quatro anos de detenção65.
Em sentido similar, há também a figura da "tortura-castigo", do inciso II, do mesmo artigo
1º da Lei nº 9.455/1997, que comina a mesma pena de dois a oito anos de reclusão e criminaliza a
conduta de "submeter alguém, sob sua guarda, com emprego de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de
caráter preventivo",
Destarte, vislumbra-se a necessidade de avaliação de cada caso concreto para o
enquadramento jurídico de acordo com a convicção da autoridade responsável, com aparente
aplicação subsidiária da infração penal da Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), diante
dos elementos extras contidos nos delitos de tortura (Lei nº 9.455/1997).

10.5 Constrangimento a depoimento de pessoa impedida e figuras equiparadas (art. 15)

O artigo 15 da Lei 13.869/2019 assim dispõe:

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

65
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO, Rogério. Abuso de autoridade: Lei 13.869/2019 comentada artigo por artigo.
Salvador: JusPodivm, 2019, p. 133; GRAVITOL, Ricardo. Nova lei de abuso de autoridade (Lei 13.869/2019). Jus
Navigandi,Teresina, jan.2020.

54
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:
I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a
presença de seu patrono.

O tipo penal do artigo 15, caput refere-se às pessoas impedidas de depor, nos termos do
artigo 207 do Código de Processo Penal, as quais, entretanto, se desobrigadas pela parte interessada,
poderão prestar seu testemunho se quiserem.
São exemplos de pessoas sujeitas ao sigilo profissional:
 Advogados: no processo em que atuarem ou sobre fato conhecido no exercício
profissional (EAOAB, art. 7º, XIX e Código de Ética e Disciplina da OAB – Resolução CFOAB
02/2015, arts. 35 a 38).
 Parlamentares: sobre informações recebidas ou prestadas em razão do mandato e
pessoas relacionadas (CF, art.53, § 6º e CESP, art.14, § 6º)
 Médicos: conforme Código de Ética Médica (Resolução CFM 1.931/2009, art. 73)
 Psicólogos: de acordo com o Código de Ética Profissional (Resolução CFP 10/05,
art.9º)
 Sacerdotes religiosos: sigilo decorrente do livre desenvolvimento da religião e da
liberdade de consciência e de crença (CF, art. 5º, VI)
 Jornalistas: decorre do sigilo da divulgação da fonte para exercício profissional e
liberdade de informação jornalística (CF, arts. 5º, XIV e 220,§ 1º; Código de Ética dos Jornalistas
Brasileiros, art.5º).
Já no tocante às figuras equiparadas dos incisos I (pessoa que decida exercer direito ao
silêncio) e II (pessoa que opte pela defesa técnica), tais circunstâncias devem ser consignadas no
interrogatório para encerramento do respectivo o termo lavrado.
Oportuno lembrar que é prerrogativa do Advogado assistir a seus clientes investigados
durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou
depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele
decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente (EAOAB, art. 7º, XXI)
Logo, se o interrogando condicionar sua oitiva à presença de seu defensor, o Delegado de
Polícia poderá consignar essa manifestação, assinalando que o indiciado optou por permanecer em
silêncio até receber orientação de seu advogado, sem prejuízo de posterior inquirição caso o
defensor compareça. A ausência de defesa técnica não obsta a formalização da prisão em flagrante.
É de bom alvitre parametrizar tais cenários com a aplicação da tese desenvolvida no famoso
“aviso de Miranda” (Miranda warning ou Miranda rights), segundo a qual a pessoa deve ser
advertida pelos agentes policiais já no momento de sua abordagem e captura, acerca do seu direito

55
de permanecer calado, além de acionar assistência advocatícia e de não produzir prova contra si,
reforçando a relevância de consignar manifestações do interrogado, viabilizar o contato e a presença
do Defensor, sobretudo em audiências policiais com gravação audiovisual (CPP, art.405, § 1º).
O “aviso de Miranda” tem origem em julgamento do ano de 1966 pela Corte Suprema dos
Estados Unidos da América, no caso Miranda versus Arizona, envolvendo a pessoa de Ernesto
Miranda, preso pela polícia de Phoenix e submetido a interrogatório em que confessou prática
delituosa, porém sem que fosse alertado quanto ao direito de ter um Advogado presente66. Na
decisão, firmou-se o entendimento de que não são válidas as declarações prestadas aos órgãos
policiais por uma pessoa sem que antes ela seja informada de que tem o direito de não responder,
que tudo que disser poderá ser utilizado contra ela e que tem direito a um defensor escolhido ou
nomeado67.
De igual modo, devem ser desconsideradas eventuais confissões informais para evitar o
chamado “interrogatório sub-reptício” ou travestido de entrevista, seguindo orientação
jurisprudencial (STF, Reclamação 33.711-SP, j. 11/06/2019), de maneira a avaliar todo o conjunto
probatório para decidir sobre o indiciamento, em especial na decretação de prisão em flagrante
delito.
Pontua-se orientação de que a comunicação acerca do direito ao silêncio (autodefesa
negativa) seja acompanhada do anúncio quanto ao direito de fala do interrogando, para não obstá-lo,
caso assim deseje, de prestar sua versão sobre os fatos (autodefesa positiva)68, circunstância que
implica relevante faculdade do indiciado (como regra leigo em matéria jurídica) e integrante da
garantia da ampla defesa.

10.6 Violência institucional (art. 15-A)

A Lei nº 14.321, de 31 de março de 2022, inseriu o ilícito penal do artigo 15-A na Lei de
Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), sob o nomem iuris violência institucional, com a
seguinte redação:
Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos
desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade:
I – a situação de violência; ou
II – outras situações potencialmente geradoras de sofrimento e/ou estigmatização:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

66
CARVALHO, Gabriela Ponte; DUARTE, Evandro Piza. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto
Alegre, vol. 4, n. 1, jan.-abr. 2018, p. 306-313.
67
ANSELMO, Márcio Adriano. Direito ao silêncio e sua devida interpretação. In: ANSELMO, Márcio Adriano; et al.
Investigação criminal pela polícia judiciária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 105-110; MORAES, Rafael
Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 174-179.
68
GONÇALVES, Fernando David de Melo; PEREIRA, Luis Henrique Lima. Direito de fala no inquérito policial e sua
resignificação como face da moeda autodefesa do investigado. In: SÃO PAULO (Estado). Arquivos da Polícia Civil -
Volume 57. São Paulo: Academia de Polícia, 2021, p. 11-31.
56
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos,
gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada em 2/3 (dois terços).
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida
revitimização, aplica-se a pena em dobro.

A novel figura penal de abuso é fruto do Projeto de Lei nº 5.091/2020, cuja justificação
invocou episódio de repercussão envolvendo audiência na qual o advogado de acusado de delito
sexual tratou a ofendida com extrema agressividade e não foi contido pela autoridade judicial nem
pelo agente da acusação, caso que já impulsionara a edição da Lei nº 14.245/2021, oficialmente
intitulada “Lei Mariana Ferrer”, em alusão à vítima do evento69.
O delito de violência institucional é de menor potencial ofensivo (Lei nº 9.099/1995, art. 61)
e, complementa, a título de responsabilização penal, a Lei de Depoimento Especial (Lei nº
13.431/2017, artigos 8º a 12), a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006, artigo 10-A) e a “Lei
Mariana Ferrer”, que inseriu os artigos 400-A e 474-A no CPP assim como o § 1º-A, no artigo 81,
da Lei nº 9.099/1995, que tratam, respectivamente, da audiência da vítima na instrução judicial, no
júri e no procedimento sumaríssimo, que estipulam o dever de zelar pela integridade física e
psicológica da ofendida, e vedam manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos
objeto de apuração e a utilização de linguagem, informações ou material que ofendam a dignidade
da vítima ou de testemunhas. Aludido tratamento vexatório ou humilhante, enquanto violência
processual, subespécie de violência institucional70, denota a chamada revitimização ou
vitimização secundária.
Distinto de outras infrações penais da Lei de Abuso de Autoridade, que reprimem violações
a garantias de investigados e custodiados, o delito de violência institucional destaca-se por coibir
ofensas a direitos de vítimas e testemunhas.
Como sujeito passivo, pela literalidade do caput do ilícito penal, podem figurar a vítima de
infração penal (ainda que sem violência) e a testemunha de crimes violentos. Já nas
circunstâncias dos parágrafos 1º e 2º, o legislador delimita à vítima de crimes violentos. Não há
restrição apenas à violência física (ofensa à integridade ou saúde corporal) e, ao menos em tese, é
possível sustentar incidência nas hipóteses de crimes cometidos com outras formas de violência,
como sexual, psicológica, patrimonial ou moral.
O sujeito ativo pode ser o agente público (crime próprio)71, consoante artigo 2º da Lei
13.869/19 e, notadamente, aquele incumbido do atendimento a vítimas ou testemunhas de infrações

69
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Lei 14.321/2022: a criminalização da violência institucional. São Paulo,
Consultor Jurídico, abr. 2022.
70
ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves. Violência processual e a Lei 14.245/2021. Meu site jurídico, 24 nov.2021.
71
COSTA, Adriano Sousa; FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Crime de violência institucional: abusando da
Lei contra o abuso de autoridade. São Paulo, Consultor Jurídico, 5 abr. 2022.
57
penais, como agentes de instituições policiais, periciais72, judiciárias, assim como de acusação ou de
defesa.
No tipo objetivo, a ação nuclear submeter exprime a conduta de sujeitar a procedimentos
desnecessários (inúteis ou dispensáveis), repetitivos (reiterados) ou invasivos (agressivos, com
nível mais intenso de intrusão na intimidade)73. Para inibir redundância textual, a ausência de
estrita necessidade deve se ater aos procedimentos repetitivos ou invasivos.
Já o vocábulo procedimentos, previsto no tipo penal, indica o comportamento, o modo de
atuar do agente público. Conquanto o principal objeto compreenda as audiências policiais ou
judiciais, a elas não se limita. Abrange outros atos desde as primeiras interações da vítima ou da
testemunha com agentes estatais e outras diligências como reconhecimento de pessoas, reprodução
simulada de fatos ou exames periciais, as quais devem seguir balizas normativas e protocolos
institucionais.
Para afastar a caracterização de violência institucional criminosa, torna-se ainda mais
relevante a tomada de decisão fundamentada dos métodos e providências adotadas por agentes
públicos no tratamento conferido a vítimas e testemunhas.
A conduta deve ensejar que a vítima reviva (relembre, recorde) a situação de violência
sofrida (inciso I) ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento e/ou
estigmatização (inciso II), sentimentos próprios das dores, traumas ou marcas negativas, de ordem
física ou moral, experimentados por ocasião da prática delituosa.
Há conduta omissiva na causa de aumento de pena em dois terços do parágrafo 1º, para o
agente que permitir (consentir, tolerar) a intimidação, ou seja, que não interceder contra atitude de
terceiro que provoque temor apto à revitimização. O terceiro pode ser procurador de uma das partes
(como no caso Mariana Ferrer) ou qualquer outra pessoa presente durante o procedimento, como
um familiar de um dos envolvidos, um intérprete ou mesmo uma testemunha, e poderá responder
por coação no curso do processo (Código Penal, art. 344) ou outro crime, a depender das
circunstâncias. Se houver intimidação pelo próprio agente estatal, será apenado em dobro,
consoante parágrafo 2º do novel ilícito criminal.
Sobre o elemento subjetivo, não se pode olvidar que a violência institucional criminosa
reivindica animus abutendi74, revelado no dolo específico para a configuração, que reclama do

72
Sobre a relevância e os cuidados procedimentais dos exames periciais, mormente na apuração de crimes contra a
dignidade sexual: FERREIRA, Mariana da Silva. Violência sexual contra a mulher e a importância da perícia
sexológica. In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Mulheres nas carreiras policiais:
teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2022, p.221-241.
73
ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves; CUNHA, Rogério Sanches. O crime de violência institucional. Meu site
jurídico, 04 abr. 2022.
74
COSTA, Adriano; FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Configuração de abuso de autoridade exige animus
abutendi. São Paulo, Consultor Jurídico, 30 jun. 2020.
58
agente público finalidade de prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo ou a terceiro, mero capricho
ou satisfação pessoal, na força do artigo 1º, § 1º da Lei 13.869/2019.
De igual sorte, também não caracteriza o delito a divergência interpretativa da lei ou na
avaliação fática e probatória, sobretudo em relação à decisão acerca da estrita necessidade de
promover os procedimentos pela autoridade responsável, diante da expressa vedação ao ilícito de
hermenêutica (Lei 13.869/2019, art.1º, § 2º)75.
A expressão violência institucional já ostentava previsão na Lei nº 13.431/2017 (art. 4º, IV),
diploma que trata do denominado depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou
testemunhas de violência, e no regulamentador Decreto nº 9.603/2018 (art. 5º, I), entendida como a
violência praticada por agente estatal no desempenho de função pública, em instituição de qualquer
natureza, por meio de atos comissivos ou omissivos que prejudiquem o atendimento à vítima ou
testemunha.
Com efeito, as noções de vitimização primária e secundária são oriundas da criminologia. A
primeira reveste o fenômeno que opera imediatamente após a prática delitiva e recai sobre bens
jurídicos da pessoa que foi violada de modo direto ou indireto. Já a segunda, empregada também
como sinônimo de sobrevitimização ou mesmo de revitimização, vocábulo ora reconhecido pela
legislação pátria, trata das consequências advindas do aparato estatal ao operar sem maiores
preocupações com a tutela dos direitos da pessoa ofendida, especialmente na atuação dos órgãos de
Justiça Criminal, sem prejuízo de outras áreas como saúde, educação e assistência social76.
Em sentido similar ao do tipo penal em comento, o mencionado Decreto nº 9.603/2018
conceitua revitimização como discurso ou prática institucional que submeta a vítima ou testemunha
a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou testemunhas a
reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento, estigmatização ou
exposição de sua imagem, e veicula o denominado acolhimento (ou acolhida) como
posicionamento ético do profissional, adotado durante o processo de atendimento com o objetivo de
identificar as necessidades apresentadas por vítimas ou testemunhas, de maneira a demonstrar
cuidado, responsabilização e resolutividade (art. 5º, III e IV).
Anota-se que o depoimento especial consubstancia audiência de criança ou adolescente,
perante Delegado de Polícia ou Juiz de Direito, com a finalidade de produção probatória, agregada
ao cuidado de primar pela não revitimização, pelos limites etários e psicológicos, e pela prévia
avaliação acerca da indispensabilidade dessa inquirição, por meio do cotejo com demais elementos
probatórios existentes, para preservar a saúde física e mental e o desenvolvimento moral, intelectual
75
MORETZSOHN, Fernanda; BURIN, Patrícia. Primeiras impressões sobre a violência institucional. São Paulo,
Consultor Jurídico, 8 abr. 2022; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Lei 14.321/2022: a criminalização da
violência institucional. São Paulo, Consultor Jurídico, abr. 2022.
76
ZAVATTARO, Mayra dos Santos. Depoimento especial: aspectos jurídicos e psicológicos de acordo com a Lei
13.431/2017. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018, p.47-48.
59
e social do inquirido77. É regido por protocolos que, em suma, estabelecem as seguintes posturas e
cuidados: esclarecimentos quanto aos direitos da criança ou adolescente; livre narrativa pelo menor,
com intervenção quando necessária por meio de técnicas para elucidação dos fatos; adaptação das
perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou adolescente; gravação audiovisual da
audiência, com direito de optar por ser ouvida diretamente pelo juiz e; tramitação do expediente em
segredo de justiça. Sempre que possível, o depoimento deve ser realizado uma única vez e, se
envolver menor de sete anos de idade ou violência sexual, seguirá o rito cautelar de antecipação de
prova (Lei 13.431/2017, artigos 8º, 11, § 1º e 12, e Decreto 9.603/18, artigo 22)78.
Outrossim, a Lei Maria da Penha também prevê diretrizes para a oitiva de mulher em
situação de violência doméstica e familiar voltada à não revitimização, para evitar sucessivas
inquirições sobre o mesmo fato, assim como questionamentos sobre a vida privada (Lei nº
11.340/2006, artigo 10-A)79, razão pela qual também deve receber tratamento diferenciado,
principalmente nos casos de violência sexual80.
O objetivo do tipo penal do artigo 15-A da Lei nº 13.869/2019 é inibir a revitimização
deliberada, marcada pela prática de atos desnecessários, e não criminalizar a mera inobservância de
protocolos. A figura penal não pretende incriminar a revitimização pura e simples, fenômeno
indesejado, mas que, infelizmente, consiste em decorrência natural de lembrança da prática delitiva.
A punição que almeja é do reavivar doloso, por meio de atitudes estatais sem a estrita necessidade,
observadas em procedimentos que retirem a credibilidade da vítima ou da testemunha pelo seu
modo de vida, postura que se afaste da desejada investigação criminal técnica e profissional dos
fatos apurados81.

77
SILVA, Jacqueline Valadares. O delegado de polícia como agente de promoção de direitos de crianças e adolescentes
vítimas e testemunhas de crimes violentos através da realização do depoimento especial. In: IBRAHIN, Francini Imene
Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Direito Policial. Salvador: JusPodivm, 2021, p.240; FERRAZ, Katia Borges
Rocha. Depoimento especial e os aspectos da aplicação da Lei 13.341/2017 no âmbito da investigação policial. In:
IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Mulheres nas carreiras policiais: teoria e prática.
São Paulo: Saraiva, 2022, p. 184-199; CASTELLO, Gisele Barbosa. Depoimento especial e escuta especializada:
materialização de atos pelo delegado de polícia. In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; LEITÃO JR., Joaquim;
CARVALHO, Tristão Antonio Borborema de (Org.). Prova e polícia judiciária. Leme-SP: Mizuno, 2022, p. 219-230.
78
Na Polícia Civil do Estado de São Paulo, a matéria é tratada na Portaria DGP-100/2019, que adota o planejamento da
oitiva conforme Protocolo de Polícia Judiciária para Depoimento Especial, previsto na Resolução nº 02/2019, do
Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC). Anota-se ainda que a Lei Federal nº 14.344, de 24 de maio
de 2022, conhecida como “Lei Henry Borel”, estabeleceu mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência
doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, e passou a integrar o microssistema normativo de proteção a
vítimas e testemunhas no cenário brasileiro. MORETZSOHN, Fernanda; BURIN, Patrícia. Lei Henry Borel integra
microssistema de proteção a vítimas e testemunhas. São Paulo, Consultor Jurídico. 3 jun. 2022.
79
TANOS, Malake Waked. A proteção da mulher em situações de violência doméstica e familiar e a atuação da polícia
judiciária. In: BELIATO, Araceli; IBRAHIN, Francini Imene Dias (Org.). Lei Maria da Penha no Direito Policial.
Leme-SP: Mizuno, 2021, p. 245-246; NASCIMENTO, Heloísa Lovatto. Lei 11.340/06: desafios ao estabelecimento de
ambiente seguro em sede policial no atendimento às vítimas de violência de gênero. In: Dias; BELIATO, Araceli
Martins (Org.). Direito policial: temas atuais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 189-218.
80
FOUREAUX, Rodrigo. É necessária alteração legislativa sobre depoimentos de vítimas de violência sexual. São
Paulo, Consultor Jurídico, 27 nov.2020.
81
ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves; CUNHA, Rogério Sanches. O crime de violência institucional. Meu site
jurídico, 04 abr. 2022.
60
 Enunciados

Sobre o tipo penal em comentos, foram aprovados os enunciados abaixo no Seminário


Polícia Judiciária e a Lei 14.321/2022 (violência institucional)82:

Enunciado nº 1: A tomada de decisão justificada pelo delegado de polícia acerca da


necessidade de adoção de procedimentos que envolvam vítima de infração penal ou
testemunha de crimes violentos abrange a divergência na interpretação de lei ou na
avaliação fática e probatória do artigo 1º, § 2º, da Lei 13.869/2019.

Enunciado nº 2: O delito do artigo 15-A, da Lei 13.869/2019, as disposições sobre


tratamento da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006, artigo 10-A), assim como aquelas
inseridas pela Lei Mariana Ferrer (Lei 14.245/2021, CPP, artigos 400-A e 474-A e Lei
9.099/1995, artigo 81, §1º-A) e as previstas na Lei de Depoimento Especial de crianças e
adolescentes (Lei 13.431/2017, artigo 4º, IV), integram microssistema de proteção da
dignidade procedimental de vítimas e testemunhas e funcionam como referenciais nas
decisões adotadas pelo delegado de polícia na presidência de investigações criminais.

Enunciado nº 3: O pedido formulado por defensor de investigado ao delegado de polícia


para acompanhar audiências policiais de declarações de vítima ou depoimentos de
testemunha será decidido, justificadamente, a partir da manifestação da pessoa a ser
inquirida e à luz dos direitos e garantias fundamentais envolvidos, sem prejuízo, caso
indeferido, de posterior exame dos autos, para regular exercício do direito de defesa.

Enunciado nº 4: O Delegado de Polícia avaliará a necessidade de realização de


reconhecimento de pessoa, presencial ou fotográfico, e justificará eventuais circunstâncias
ou irregularidades que prejudiquem ou inviabilizem a observância do artigo 226 do Código
de Processo Penal.

10.7 Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso e figura equiparada (art. 16)

Assim estipula o artigo 16 da Lei nº 13.869/2019:

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua
captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em
sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou
atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.

Nesta infração, a expressão “preso” refere-se também ao capturado, afinal a própria redação
do tipo penal menciona “por ocasião de sua captura”.
Consagra-se o comando do inciso LXIV do artigo 5º da Constituição Federal, o qual dispõe
que o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua captura ou por seu interrogatório
policial.

82
Evento realizado no dia 24 de maio de 2022, pela Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da Polícia
Civil do Estado de São Paulo (ACADEPOL).
61
A nova lei estabelece que o condutor identifique-se ao sujeito abordado por ocasião da
captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão. Identificar-se falsamente, por óbvio,
também é considerado crime. Ou seja, em tese, a identificação deve ser feita de pronto, pelo agente
estatal que executou a custódia.
Da mesma forma, o Delegado de Polícia, como autoridade responsável pelo interrogatório
em sede de procedimento investigatório criminal previsto em lei (inquérito policial), deve
identificar-se ao indiciado. O delito, nesse caso, é próprio, não sendo extensível aos agentes da
Autoridade Policial.
 Tarjetas
Nas ruas, a dinâmica por vezes impede que o policial, durante uma abordagem e captura,
tenha tempo hábil de serenar o ambiente e ofertar a sua identificação. Os policiais militares e
guardas civis, em regra, usam tarjetas que os identificam, ato que, de maneira geral, faz cumprir o
que a lei reclama. Já os policiais civis operam com vestes comuns e, quando fazem uso de
complementos de vestuário ou uniformes, geralmente não usam tarjetas de qualificação, salvo
constantes nos complementos de vestuário ofertados pelo Estado. Nesses exemplos, se há
identificação ostensiva de pronto, não há que se falar em configuração de ilícito, visto que, num
segundo momento e com o ambiente controlado, na Delegacia de Polícia, isso será feito. O espírito
da norma é vedar o anonimato da prisão, algo que será sanado na formalização da custódia. Assim,
esquecer-se de se identificar de pronto ou não o fazê-lo em razão da dinâmica operacional da
custódia não é ilegal, por evidente ausência de dolo específico.

 Balaclavas
Com relação às capturas executadas por grupos táticos durante operações de alto risco, não é
razoável que os seus integrantes, que normalmente fazem uso de balaclavas 83, procedam a sua
imediata retirada e identificação, já que isso pode atrapalhar a execução dos trabalhos e a própria
segurança dos envolvidos, considerando o dinamismo desses cenários. Se as instituições estatais
possuírem normas internas do uso desse equipamento de proteção individual, estas são suficientes
para justificar a ação e, caso não as possuam, a própria dinâmica do ambiente é o bastante para
legitimar a postergação da identificação, que será feita quando do registro da ação policial, logo
depois.

83
LESSA, Marcelo de Lima. O uso de balaclava em operações policiais de alto risco. Jus Navigandi, Teresina, out.
2017.

62
 Interrogatório policial

O Delegado de Polícia que preside o interrogatório do preso ou o registro de ocorrências


policiais (cumprimento de prisões cautelares, captura ou recaptura), determinará expressa menção
do nome dos responsáveis pela captura, conforme já adotado na praxe de polícia judiciária, em
consonância com o dispositivo da nova lei em comento. No que tange à autoridade responsável pelo
interrogatório, o nome do Delegado de Polícia já consta expressamente nos termos formalizados.

10.8 Submeter preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo em
caso de flagrante ou, assistido, assim o consentir (art. 18)

O artigo 18 da Lei nº 13.869/2019 veicula o seguinte tipo penal:

Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno,
salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar
declarações:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Em exame preliminar, identificam-se pontos que podem gerar dúvidas na aplicabilidade do


citado dispositivo na esfera extrajudicial, foco da figura penal, a fim de conciliar as garantias
fundamentais das pessoas custodiadas com a escorreita atuação estatal para tutelar o interesse social
na investigação de fatos delituosos, vocação constitucional das instituições de polícia judiciária.
Vislumbram-se, de início, cinco pontos controversos do referido artigo 18 da Lei 13.869/19,
a seguir abordados.

10.8.1 Abrangência do vocábulo “preso”

A primeira potencial controvérsia consiste em definir a abrangência do vocábulo “preso” na


redação do tipo penal do artigo 18. Em outras passagens, a nova Lei de Abuso de Autoridade
menciona “investigado” (arts. 10, 20, p.u., 25, p.u., 28, 29 e 31) e “detento” (art. 13), ensejando,
assim, caráter amplo ao objeto das normas, direcionando-as a situações distintas.
Destarte, para uma interpretação teleológica, adotando como paradigma a Resolução 43/173,
de 1988, da Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelece o Conjunto de Princípios para a
Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer forma de Detenção ou Prisão, a palavra “preso”
restringe-se à pessoa privada de liberdade decorrente de condenação criminal. Nesses parâmetros, a

63
figura penal do artigo 18 não miraria a pessoa meramente investigada, visto não estar “presa” e que,
a rigor, também não é tecnicamente “interrogada” e sim ouvida em “declarações”84.
No contexto descrito, o que o tipo penal pretende coibir, numa primeira avaliação, é o
interrogatório noturno de pessoa já presa, seja por condenação, seja por ordem judicial abrangendo,
assim, o preso temporário ou preventivo. Logo, seria o exemplo do custodiado que, no meio da
noite, é sorrateiramente retirado da cela para ser submetido a um interrogatório policial.
Nessa primeira discussão aventada para estabelecer o sujeito passivo da infração penal do
artigo 18 do novel diploma, ampliado genericamente o conceito de “preso”, qualquer sujeito
capturado ou detido estaria abarcado, o que não parece ser o propósito do legislador, na medida em
que não mencionou de maneira específica termos como “investigado” ou “capturado” como o fez
em outros dispositivos da nova lei. Já uma leitura em sentido mais técnico, delimita o sujeito
passivo ao indivíduo condenado ou preso por ordem judicial (custodiado preventivo ou temporário).

10.8.2 Limitação ao interrogatório de mérito

O segundo ponto que pode provocar alguma divergência encontra-se na extensão da vedação
ao interrogatório policial no repouso noturno, mais precisamente em incidir tanto na primeira parte
do ato, afeta aos dados qualificativos e à ciência do teor da imputação (“interrogatório de
qualificação”), quanto na segunda parte do interrogatório, que compreende as respostas sobre os
fatos propriamente ditos, vale dizer, sobre o mérito do evento apurado (“interrogatório de
mérito”)85.
Ressalta-se que, na etapa policial do processo penal, o interrogatório resulta da decisão de
indiciamento exarada pelo Delegado de Polícia mediante ato fundamentado (Lei 12.830/13, art. 2º,
§ 6º), em sede de despacho no curso de inquérito policial instaurado por portaria ou no corpo de
auto prisional quando proferido por ocasião da decretação de prisão em flagrante delito 86.
Nota-se que a decisão de indiciamento funciona com um filtro para a formalização dos três
atos dela resultantes, que são conhecidos pela expressão “formal indiciamento”, assim
compreendidos: a qualificação e interrogatório (CPP, arts. 6º, V e 185 e ss.), a identificação (CPP,

84
LESSA, Marcelo de Lima; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. A nova lei de abuso de autoridade (Lei
13.869/19) e os limites ao interrogatório policial do preso durante o período noturno. Teresina, Jus Navigandi, 29 nov.
2019. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/78104>. Acesso em: 04 dez. 2019.. Conquanto a nova Lei de Abuso de
Autoridade mencione que o preso assistido prestará “declarações”, a redação do legislador não parece ter adotado
nomenclatura técnica concernente ao documento da oitiva do indiciado, ao qual é reservado o auto de qualificação e
“interrogatório”, enquanto o mero investigado, como regra, é preliminarmente ouvido em termo de declarações.
Possivelmente a expressão “declarações” do artigo 18 foi lançada em sentido amplo e atécnico.
85
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 310.
86
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p.
160-168.
64
art. 6º, VIII) e a obtenção de informações sobre a vida pregressa do indiciado (CPP, art. 6º, IX)87.
Por meio dos atos derivados da decisão de indiciamento o sujeito é cientificado dos fatos contra ele
imputados e tem possibilidade de se manifestar e intentar medidas dentro do inquérito policial
(defesa endógena) ou fora dos autos investigatórios por via judicial (defesa exógena) 88, de modo
que o indiciamento deve ser visto como um marco a partir do qual sobretudo o direito de defesa
pode e deve ser exercido89.
Portanto, o interrogatório policial é precedido da decisão de indiciamento pelo Delegado de
Polícia presidente do procedimento investigatório criminal e o que a nova lei parece proibir é o
interrogatório objetivo, de mérito, afeto às perguntas sobre os fatos em si, quando promovido no
“repouso noturno” e não exatamente a qualificação e a ciência da imputação (interrogatório de
qualificação).
Assim, o direito de permanecer calado, conhecido como autodefesa negativa, está atrelado
ao interrogatório de mérito e não ao ato preliminar de qualificação pessoal, visto que a recusa ao
fornecimento de dados sobre a própria identidade pode inclusive configurar contravenção penal
(Decreto-lei nº 3.688/41, art. 68)”90. São fases distintas. Qualificar e cientificar sobre a imputação
não é proibido, sequer à noite. Aliás, esclarecer sobre os fatos imputados abrange relevante aspecto
do direito de defesa, a viabilizar o conhecimento e a participação do investigado e de sua defesa
técnica. Já o interrogatório de mérito, sobre o fato apurado (CPP, arts. 6º, V e 187, § 2º, incisos I a
VIII), envolve a proteção objeto da figura penal do artigo 18 da nova lei.

10.8.3 Conteúdo do elemento normativo “repouso noturno”

A terceira controvérsia do tipo penal do artigo 18 da Lei 13.869/19 reside na concepção do


elemento normativo “período noturno”, não estabelecido na nova lei.
Por analogia, despontam três caminhos como soluções. O primeiro é o do artigo 212 do
Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), que dispõe que os atos processuais serão realizados em
dias úteis, das 6 às 20 horas. O segundo critério, também de caráter objetivo, encontra-se no artigo
22, inciso III, da própria nova Lei de Abuso, que pune o cumprimento de mandado de busca e

87
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 103-119.
88
SAAD, Marta Cristina Cury. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004, p. 270-
271.
89
SAAD, Marta Cristina Cury. Indiciamento como ato fundamentado da autoridade policial. Boletim informativo
IBRASPP – Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal. Ano 03, nº 05, 2013, p.20.
90
EL DEBS, Aline Iacovelo. Natureza jurídica do interrogatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano
7, n. 58, 1 ago. 2002.
65
apreensão domiciliar após as 21 horas e antes das 5 horas91. Já o terceiro caminho inclina-se a um
critério psico-sociológico, alusivo aos costumes e convenções sociais, acompanhando compreensão
conferida pela literatura jurídica da mesma expressão “repouso noturno” que figura como causa de
aumento do delito de furto prevista no § 1º, do artigo 155 do Código Penal, que difere de lugar para
lugar em razão da realidade e da vida noturna de cada localidade, associado ao interstício entre o
pôr do sol e a aurora do dia subsequente92.
Como se observa, se houver pormenorizada fundamentação da autoridade responsável
inexiste delito de abuso, mormente enquanto não consolidado posicionamento sobre o conteúdo da
expressão, à luz da vedação ao famigerado ilícito de hermenêutica, expressa no § 2º, do artigo 2º, da
nova Lei 13.869/2019.

10.8.4 Interrogatório de mérito do preso em flagrante delito

O quarto ponto questionável resulta da excepcionalidade ao interrogatório policial do preso


em flagrante delito contida no artigo 18 da nova lei.
Conquanto a redação legal autorize o interrogatório extrajudicial do autuado em flagrante
ainda que no período do repouso noturno, é preciso cautela quando o indiciado manifestar o direito
de quedar-se silente ou solicitar defesa técnica, oportunidade em que o interrogatório sobre os fatos
(de mérito) será encerrado ou sobrestado, seguindo-se os demais trâmites da formalização.
Oportuno lembrar que o artigo 15, em seu parágrafo único, incisos I e II, da nova Lei de
Abuso de Autoridade criminaliza o ato de prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha
decidido exercer o direito de silêncio ou daquele que tenha optado por ser assistido por Advogado
ou Defensor Público. Logo, em tais circunstâncias, o auto de qualificação e interrogatório será
formalizado, para fins de qualificação e ciência das garantias fundamentais, vedando-se, apenas, o
interrogatório objetivo sobre os fatos imputados, constando a manifestação do interrogado de
permanecer silente e aguardar ulterior orientação de defesa técnica.

10.8.5 Natureza da assistência para o interrogatório policial

O quinto e último ponto discutível do artigo 18 da Lei 13.869/19 consiste no significado da


expressão “devidamente assistido”, também não definido no novo diploma.

91
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO, Rogério. Abuso de autoridade: Lei 13.869/2019 comentada artigo por artigo.
Salvador: JusPodivm, 2019, p. 158-163.
92
LESSA, Marcelo de Lima. Padrões sugeridos de conduta policial diante da nova lei de abuso de autoridade. Santos:
Edição do Autor, 2019, p.31; HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. Rio de
Janeiro: Forense, 1980, p. 30.
66
Uma leitura possível seria no sentido de que, se a nova lei pretendesse restringir essa
assistência a uma natureza jurídica, como sinônimo de defesa técnica, teria feito expressamente,
como no texto do citado inciso II, do parágrafo único, de seu artigo 15.
Para uma interpretação ampliativa, tal qual a antiga figura do curador nomeado para o
indiciado maior de 18 e menor de 21 anos de idade, com base no artigo 15 do CPP, usual antes da
reforma do Código Civil, que não era necessariamente um Advogado, a aludida “assistência” do
artigo 18 da nova lei de abuso poderá ser realizada por familiar ou pessoa indicada pelo preso
durante o interrogatório de mérito no período de repouso noturno, caso o interrogado deseje ofertar
sua versão, exercendo assim sua autodefesa positiva.

10.8.6 Hipóteses cotidianas

A seguir serão elencadas hipóteses rotineiras da atividade de polícia judiciária,


acompanhadas de soluções sugestivas que, de acordo com as circunstâncias de cada evento, poderão
ser adotadas e adaptadas.

1ª) Indivíduo capturado de madrugada em situação de flagrante delito no momento em que


acabara de subtrair veículo na via pública. Conduzido à delegacia para a audiência de
apresentação de garantias do artigo 304 do CPP, o Delegado de Polícia responsável considera
presentes os requisitos legais e decreta a custódia flagrancial, formalizando em auto prisional
a convalidação da captura em detenção. Nesse cenário, é vedado o interrogatório policial?

Tratando-se de captura de suspeito seguida da decretação de sua prisão em flagrante delito,


não há vedação ao interrogatório policial, na dicção do artigo 18 da Lei 13.869/19. Entretanto, o
Delegado de Polícia responsável observará os incisos I e II, do parágrafo único, do artigo 15 do
mesmo diploma quanto ao interrogatório de mérito. Logo, se o preso em flagrante delito optar por
exercer o direito ao silêncio ou por ser assistido por Advogado ou Defensor Público, o
interrogatório de mérito, frise-se, a inquirição sobre os fatos imputados não será realizada, sob pena
de caracterização de abuso.
Em tal cenário, a Autoridade Policial terá duas opções: a) Se o preso concordar em ser
ouvido e dispensar assistência jurídica: o interrogatório segue normalmente, com expressa
menção à manifestação do interrogando; b) Se o preso concordar em ser ouvido mas requerer
presença da defesa técnica: a autoridade então pode sobrestar o auto e aguardar a chegada do
defensor. Se referida medida não se apresentar viável diante, por exemplo, da perspectiva de
demora de comparecimento do defensor, será procedida a qualificação e a ciência da imputação,

67
com encerramento do auto e prosseguindo a formalização da custódia e do auto prisional. A
ausência de interrogatório de mérito não obsta a autuação em prisão em flagrante, bastando
assinalar o exercício da autodefesa negativa do indiciado no corpo do auto de qualificação e
interrogatório lavrado.

2ª) Indivíduo abordado de madrugada por policiais que, mediante pesquisa, verificam tratar-
se de pessoa procurada pela Justiça, porquanto constar como fugitivo de unidade prisional. O
sujeito é conduzido para a Delegacia de Polícia. Qual solução a ser adotada?

A captura de foragidos ou procurados não demanda a realização de interrogatório policial de


mérito mas, somente, o registro da diligência em boletim de ocorrência. Entretanto, não se olvida da
preservação dos direitos da pessoa presa.
Se o mandado pendente for de prisão temporária ou preventiva, o cumprimento será
comunicado à autoridade judicial que a decretou, nos termos do artigo 12, parágrafo único, inciso I
da nova Lei de Abuso de Autoridade, assim como ao juiz do local da captura, consoante artigo 289-
A, § 3º, do CPP. Tratando-se de simples recaptura de réu evadido (CPP, art. 684), a prisão e o local
onde se encontra serão comunicados à sua família ou pessoa por ele indicada, conforme inciso II, do
mesmo artigo 12, parágrafo único, da Lei 13.869/2019. Não há óbice de que eventual versão do
custodiado, desde que não constitua interrogatório de mérito, seja mencionada, resumidamente, no
histórico do registro policial, onde constará, também, a identificação do responsável pela captura,
em atenção ao artigo 5º, LXIV da Constituição Federal, assim como ao artigo 16, caput, da Lei
13.869/19.

3ª) Indivíduo surpreendido conduzindo veículo produto de roubo e apresentado na Delegacia


de Polícia durante a madrugada. Na repartição, a vítima do roubo comparece e reconhece
indubitavelmente o suspeito como sendo o roubador, fato delituoso praticado dias antes. Nesta
hipótese, é vedado o interrogatório no período de repouso noturno?

Na hipótese em comento, é importante destacar que, se o Delegado de Polícia decretar a


prisão em flagrante do capturado pode incorrer no crime do artigo 9º, caput, da nova Lei de Abuso
de Autoridade, porquanto ausentes os requisitos legais, em especial o requisito temporal ou
circunstancial consubstanciado nas situações dos incisos do artigo 302 do CPP, lembrando que a
decretação da custódia flagrancial também reclama a presença do requisito probatório, retratado
na fundada suspeita do artigo 304, § 1º do CPP. A ausência dos referidos requisitos legais implica
a situação denominada de criptoflagrante e eventual decretação da prisão flagrancial, como espécie
68
do gênero decisão de indiciamento, reveste-se de ilegalidade por desrespeito ao artigo 2º, § 6º, da
Lei 12.830/2013, sujeitando-se a relaxamento pela autoridade judicial (CPP, art. 310, inciso I)93.
No cenário descrito, o Delegado de Polícia responsável avaliará a necessidade ou não da
prisão temporária. Se não a reputar necessária, será elaborado registro circunstanciado dos fatos,
considerando que a autoria e a materialidade já estão apuradas, no esteio de posição do Tribunal de
Justiça Paulista (HC 258.223-3/6). Já na hipótese de entender necessário o cárcere provisório, diante
do conjunto probatório coligido (oitivas, reconhecimento pessoal positivo etc.) e da
imprescindibilidade para as investigações, representará de pronto pela prisão temporária, consoante
orientação jurisprudencial (STF, HC 107.644-SP, j.06/09/2011 e STJ, RHC 25.475-SP,
j.16/09/2010).
No tocante ao indiciamento do indivíduo em tais circunstâncias, decretada a prisão
temporária no plantão judiciário (Lei 7.960/89, art.5º) e caso decidido pelo indiciamento, o
interrogatório de mérito só poderá ser realizado se o indiciado estiver devidamente assistido e optar
por prestar sua versão dos fatos (autodefesa positiva). Do contrário, o ato será limitado à
qualificação e à ciência da imputação, preservando as garantias processuais, notadamente a
permanência em silêncio e a não autoincriminação, sem prejuízo da opção por posterior decisão de
indiciamento, a ensejar o interrogatório oportunamente, ainda que indireto e em sede de inquérito
policial deflagrado por portaria.

4ª) Hipótese similar à anterior, porém envolvendo fato pretérito de infração penal não
elencada no rol que autoriza prisão temporária

A título de exemplo, é o caso de indivíduo surpreendido conduzindo veículo furtado que,


apresentado na delegacia, verifica-se ser ele o autor da subtração, perpetrada dias antes.
Não há que se falar em flagrante delito. O sujeito conduzido não está tecnicamente preso e,
ainda que se encontre no período de repouso noturno, não haverá óbice para que, uma vez decidido
pelo seu indiciamento, seja promovido o interrogatório, asseguradas sempre as garantias do
indiciado de permanecer em silêncio e de solicitar defesa técnica para o ato.

 Enunciados
Por derradeiro, em relação ao artigo 18 da Lei nº 13.869/2019, foram aprovados os
Enunciados nº 4 e nº 5 no Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei
13.869/19)94, a seguir colacionados:

93
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018, p.
239-249.
69
Enunciado nº 4: O vocábulo “preso”, empregado no artigo 18 da Lei Federal 13.869/2019,
abrange o custodiado temporário ou preventivo e não equivale ao mero investigado que,
asseguradas as garantias fundamentais, sobretudo o direito de autodefesa e de acionar
defesa técnica, poderá ser ouvido em declarações, sem prejuízo de pronta representação
pela prisão provisória diante da suspeita de envolvimento em prática delitiva pretérita e do
preenchimento dos requisitos legais.

Enunciado nº 5: A expressão “repouso noturno”, do artigo 18 da Lei Federal 13.869/2019,


abrange período em que as pessoas ordinariamente descansam e dormem, consubstanciando
parâmetros desse elemento normativo, segundo juízo motivado do Delegado de Polícia
responsável, os costumes e convenções locais, a vedação temporal entre 21 horas de um dia
e 5 horas do dia seguinte para a execução de busca domiciliar prevista no inciso III do § 1º
do artigo 22 do mesmo diploma legal, assim como o interstício entre o pôr do sol e a aurora
do dia subsequente.

10.8.7. Filmagem do interrogatório

Não há impedimento legal para que o interrogatório policial, desde que não se trate de
conversa informal ou captação clandestina, seja filmado. Inclusive o artigo 450, § 1º do Código de
Processo Penal diz que, sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado,
ofendido e testemunhas será feito pelos meios e recursos de gravação, inclusive audiovisual.
Embora fincado no dispositivo que alude à instrução em juízo, o legislador fez referência ao
investigado e ao indiciado e, em razão disso, certa é a conclusão de que tal disposição aplica-se à
etapa extrajudicial do processo penal.
Quanto ao interrogatório, este deve obedecer os requisitos legais, mormente os de natureza
constitucional, que consagra o direito ao silêncio (ao menos quanto ao mérito). Com referência ao
direito de imagem enquanto forma de exteriorização social, este não será maculado, já que os
registros audiovisuais permanecerão sob a cautela do Estado e como regra serão apenas utilizados (e
acessados) no interesse da Justiça. O investigado, assim, pode se recusar a responder as perguntas
(autodefesa negativa), mas não a se negar a permanecer em ambiente controlado de captação
audiovisual para oitiva formal, desde que ciente disso.
Bruno Taufner Zanotti, nessa toada, ensina:
Por fim, isso não se confunde com a hipótese – lícita – de o Delegado de Polícia gravar o
interrogatório de um suposto autor do fato, garantindo os seus direitos constitucionais, uma
vez que se busca a lisura do depoimento, seja para mostrar que os policiais civis não
utilizaram de métodos ilegais para obter uma confissão, seja para mostrar que o investigado
não foi coagido, seja para garantir a preservação da integridade física do depoente 95.

Ademais, na realização do interrogatório, devem ser evitados métodos que impliquem


manipulação psicológica, engodo ou atitudes abusivas da autoridade presidente, priorizando

94
Evento realizado na Acadepol de São Paulo no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-
se como anexo no presente trabalho.
95
ZANOTTI, Bruno Taufner. SANTOS, Cleopas Isaías. Delegado de polícia em ação. Salvador. JusPodivm. 2021. p.
232.
70
técnicas que garantam melhor proteção e espontaneidade96, além da adoção de recursos que
propiciem maior fidedignidade como a gravação audiovisual de audiências policiais, tendência na
realização de oitivas na legislação pátria97.
No mais, aplica-se tal entendimento, no que for cabível, às declarações do ofendido e aos
depoimentos da testemunha.

10.9 Impedimento ou retardamento injustificado de envio de pleito de preso à Autoridade


Judicial (art. 19)

A nova Lei de Abuso de Autoridade assim dispõe em seu artigo 19:

Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade


judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de
sua custódia:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da
demora, deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para
decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.

O tipo penal em comento reforça como orientações no âmbito da atividade de polícia


judiciária que sejam consignados requerimentos (verbais ou escritos) do preso ou seu defensor e
eventual (in)deferimento se o Delegado de Polícia for a autoridade responsável pela medida, como
nas hipóteses de concessão de fiança extrajudicial, desclassificação jurídica dos fatos entre outras,
sem prejuízo da requisição de exames periciais cabíveis ou representação ou impetração de Habeas
Corpus para retificação de aparentes equívocos quando dirigidos ao Judiciário98.
Vale lembrar que, quanto ao retardo intencional de remessa do auto de prisão em flagrante
ao Judiciário, há um tipo penal específico no artigo 12 da nova lei.
Já a figura equiparada do parágrafo único do artigo 19 da Lei nº 13.869/19 destina-se
expressamente às atribuições dos Juízes de Direito.

96
Nessa linha, propõe-se a preferência por técnicas de entrevista investigativa como a metodologia PEACE
(preparation and planning, engage and explain, acount, closure and evaluate), na qual prevalece o estímulo pelo relato
livre do interrogado, originária no Reino Unido e adotada em países como Austrália, Nova Zelândia e Noruega, ao invés
de protocolos marcados por posturas abusivas como pressão psicológica ou blefes, como costumam ser apontados como
derivados do denominado método Reid, de origem estadunidense. MOSCATELLI, Lívia Yuen Ngan. Considerações
sobre a confissão e o método Reid aplicado na investigação criminal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal,
Porto Alegre, vol. 6, n. 1, p. 361-394, jan./abr. 2020.
97
Nesse sentido: Lei “Maria da Penha” (Lei 11.340/2006, art.10-A, §2º, III – Lei 13.505/17), colaboração premiada na
Lei de Repressão às Organizações Criminosa (Lei 12.850/2013, art.4º, §13) e depoimento especial de crianças e
adolescentes vítimas ou testemunhas de violência (Lei 13.431/2017, art. 12, VI).

98
Consoante citado alhures, há caso concreto em que o Delegado de Polícia Dr. Jaime Pimentel Junior impetrou Habeas
Corpus em sede de registro policial de captura de procurado, em favor do sujeito contra quem fora expedida a ordem
prisional, em virtude da Autoridade Policial verificar fortes indícios de emprego fraudulento de dados contra o sujeito,
que indicavam que a pessoa detida não era o autor do fato delituoso, sendo a ordem concedida pelo Poder Judiciário.
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora; DRIGO, Leonardo Godoy. Reflexões sobre a atividade policial, a Constituição e os
direitos humanos: o caso do delegado que prestigiou a liberdade. Empório do Direito. Florianópolis, 13 set. 2019.
71
10.10 Impedir, sem justa causa, entrevista pessoal e reservada de preso com seu advogado e
condutas equiparadas (art. 20)

O artigo 20 da Lei nº 13.869/19 possui a seguinte redação:

Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu
advogado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o investigado
de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo
razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se
durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por
videoconferência.

Neste tipo penal a expressão “preso” é empregada em sentido amplo, aplicável a qualquer
indivíduo que, ainda que momentaneamente, esteja privado da liberdade, em respeito ao espírito do
artigo 5º, inciso LV da Carta Magna e ao próprio Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil (Lei nº 8.906/1994) que, em seu artigo 7º, inciso III, estabelece como direito do Advogado
comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se
acharem “presos”, “detidos” ou “recolhidos”. Logo, referido dispositivo difere as três condições
constritivas, portanto, válido ao preso, ao réu solto ou ao investigado.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
promulgada pelo Decreto nº 678/1992, estipula em sentido similar em seu artigo 8.2,”d”, como
direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e
de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor.
O tipo penal do artigo 20 da Lei nº 13.869/19 cuida da “entrevista” do preso com seu
Defensor e não comunicação do Advogado com seu cliente, cujo impedimento doloso, doravante,
passa a ser criminalizado no artigo 7º-B, do Estatuto da OAB, infração penal incluída pelo artigo 43
da nova Lei contra o Abuso de Autoridade. Não se olvida que, na prática, pode ocorrer eventual
conflito aparente entre as duas figuras penais para a devida subsunção e classificação jurídica, a ser
dirimido pela avaliação das circunstâncias fáticas, a partir da análise do sujeito passivo da conduta.
No mais, há figura equiparada no parágrafo único do artigo 20 da Lei nº 13.869/19, que
exige que o prazo da entrevista seja razoável e, embora aluda à audiência judicial, poderá ser
questionada em âmbito policial. Com referência ao Advogado sentar-se ao lado do cliente, o
dispositivo não se aplica quando o interrogatório estiver em curso ou em caso de audiência por
videoconferência.
É certo que o delito em tela é exclusivamente doloso, pois reclama impedimento “sem justa
causa”, a qual, se demonstrada, obstará a entrevista, ao menos naquele instante, enquanto perdurar a
adversidade fundamentada.
72
De acordo com o artigo 13 da Lei Federal 8.906/1994 (EAOAB), o documento de identidade
profissional do Advogado é de uso obrigatório no exercício das suas funções, constituindo prova de
identidade civil para todos os fins. Deve ser, pois, solicitado ao causídico, antes do acesso ao cliente
(capturado/detido/preso) na Delegacia de Polícia, a fim de identificá-lo formalmente. Sem a
identificação, o acesso pode ser cautelarmente obstado, até comprovação por meios idôneos da
regular condição profissional do interessado.
Sugere-se que o Delegado de Polícia responsável, durante o interrogatório, consigne que,
antes da audiência, foi assegurada a entrevista pessoal e reservada com sua defesa técnica,
devidamente identificada. Para outras hipóteses, basta a identificação do Defensor no respectivo
registro policial lavrado.
Anota-se que o impedimento indevido de assistência advocatícia no interrogatório, enseja a
nulidade do ato e contamina os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou
derivados, direta ou indiretamente, por força do artigo 7º, inciso XXI da citada Lei nº 8.906/94
(EAOAB).
Por fim, presente justificativa plausível e excepcional, tais como incidentes carcerários, a
entrevista poderá ser sobrestada, até que a segurança seja restaurada para viabilizar a entrevista do
Defensor com o cliente preso.

10.11 Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento e condutas
equiparadas (art. 21)

Assim dispõe o artigo 21 da Lei nº 13.869/2019:

Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na mesma cela, criança ou
adolescente na companhia de maior de idade ou em ambiente inadequado, observado o
disposto na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Embora o dispositivo mencione “presos”, ele se aplica aos capturados e aos detidos, haja
vista a possibilidade destes, na etapa policial do processo penal, também poderem ser encarcerados
e conduzidos em compartimentos veiculares de constrição.
A nova Lei de Abuso de Autoridade, como visto, criminaliza a manutenção de “presos” de
ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento. São dois locais distintos. Cela é o
cárcere, o conceito é mais restrito. Espaço de confinamento é o local isolado como, por exemplo, o
compartimento constritivo de viatura policial, porão, sala diminuta etc. Custodiados de sexos
diversos devem permanecer separados. O artigo 82, § 1º, da Lei de Execução Penal (Lei nº
7.210/1984) já prevê que a mulher, separadamente, seja recolhida a estabelecimento próprio e
adequado à sua condição pessoal.
73
Anota-se, por fim, que estar na mesma sala arejada não se confunde com estar mesmo
espaço de confinamento, cuja definição, em essência, é bem mais restrita.

 Crianças
A manutenção de criança em cela com adulto já era vedada, tanto é que, em São Paulo, a
Resolução SSP-72, de 29 de outubro de 1990, em seu artigo 5º, veda a condução de crianças
surpreendidas em flagrante de ato infracional a qualquer unidade policial, as quais devem ser
apresentadas ao órgão do Conselho Tutelar local.

 Adolescente infrator
Quanto ao adolescente infrator, este, após os procedimentos policiais, será encaminhado ao
órgão do Ministério Público local. Nos casos em que a apresentação imediata for impossível, o
adolescente aguardará em dependência separada da destinada a maiores, conforme artigo 175 e
parágrafos da Lei Federal nº 8.069/1990 (ECA). A nova Lei de Abuso de Autoridade criminalizou a
inobservância desse comando legal.

 Ambiente inadequado
Com relação ao “ambiente inadequado”, vislumbra-se como sendo aquele manifestamente
insalubre, equiparado à cela forte ou cafua. A cela convencional, de ambiente gradeado e dotado de
vigilância suficiente acauteladora, própria para a custódia, não se equipara.

 Ambos os sexos
Em alusão à expressão “ambos os sexos”, podem emergir dúvidas no que toca ao homem
transgênero e à mulher transgênero. O artigo 2º do Decreto Federal n° 8.727/17, dispõe que os
órgãos e as entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em seus atos
e procedimentos, adotarão o nome social da pessoa travesti ou transgênero (transexual). Assim, por
simetria, entende-se que o gênero deve ser respeitado, inclusive no ato de colocação em celas e
espaços de constrição veiculares, objetivando preservar não apenas a pessoa custodiada mas
também os próprios agentes estatais.

 Adolescentes e mulheres
Realizada a apreensão de adolescente infrator, o Delegado de Polícia zelará para ele não
permaneça na mesma cela ou espaço de confinamento que um adulto, prevenindo eventual atentado
à integridade física do menor sob custódia do Estado.

74
Caso as dependências da Unidade não sejam arquitetonicamente adequadas, o ideal é que os
adultos fiquem no interior das celas e os adolescentes permaneçam separados, mas sempre vigiados.
Por ser doloso, o tipo penal requer intenção direta em burlar a norma, o que não se confunde com a
ocorrência de força maior, em a autoridade ou agente estatal, por razões alheias à sua vontade, não
tenha dependências acauteladoras outras. Nesse caso, será analisado o cenário e as condições
disponíveis, dentro de uma lógica de bom senso, adequando a situação concreta aos objetivos da
legislação, sem prejuízo de acionamento e necessário concurso com outros órgãos públicos
responsáveis pela tutela de crianças e adolescentes.
Não é recomendável que, no caso de ausência de outras celas, o adolescente ou a mulher seja
algemado e deixado sem vigilância. Embora o artigo 2º do Decreto Federal n° 8.858/16 admita o
emprego de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga causado pelo preso, a
locução “e” foi impropriamente lançada na redação do dispositivo, porquanto o “fundado receio de
fuga” nem sempre decorre de resistência, sobretudo nas hipóteses de infrator conhecido, suspeito de
delito grave, transporte de presos, escoltas etc. Destarte, inexistindo dependência apartada na
repartição estatal, desde que a detida ou o adolescente apreendido permaneça sob vigilância
aproximada, não se vislumbra óbice de que permaneça algemado até a remoção o mais breve
possível para outra repartição destinatária ou unidade de atendimento respectiva.

 Homens transgêneros (transexuais)


Os homens transexuais ou transgêneros (sexo originalmente feminino, que possuem
identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, ou seja, identificam-se como homens, mas
foram designados mulheres quando nasceram)99, cujo reconhecimento ocorre mediante
autodeclaração, possuem o direito de serem tratadas pelo nome social e terão a identificação
masculina preservada (empregando termos masculinos) e, prioritariamente, serão revistados por
policiais femininas, haja vista a existência de disposição legal que regula a busca pessoal em
mulheres (CPP, art.249). A sua eventual condução ou detenção será feita em separado dos homens
biológicos e a detenção ocorrerá em dependência carcerária feminina, em razão do sexo biológico
do conduzido (feminino). Isso decorre sobretudo da interpretação do Decreto Federal n° 8.727/17
(reconhecimento da identidade de gênero na administração pública federal) e da necessidade de
proteção estatal à dignidade sexual do ser humano custodiado.

 Travestis e mulheres transgêneros (transexuais)

99
Resolução CNJ nº 348/2020, art. 3º, I, "b".
75
As travestis e mulheres transexuais ou transgêneros (sexo originalmente masculino, que
possuem identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, ou seja, identificam-se como mulheres,
mas foram designadas homens quando nasceram)100, terão a identificação social feminina
preservada (emprego de termos femininos) e, prioritariamente, serão revistadas por policiais
femininas as quais, legalmente, não estão proibidas de revistar pessoas de ambos os sexos
biológicos. Se houver resistência ou superioridade física da abordada e isso representar perigo para
a policial feminina, esta, cautelarmente, estará licenciada de revistá-la. A eventual condução ou
detenção será executada em separado dos homens biológicos, dando-se preferência, no caso de
custódia ou detenção, a um ambiente apartado da mulher (haja vista o sexo biológico da mulher
transgênero) e do homem. Isso decorre da interpretação do Decreto Federal n° 8.727/17
(reconhecimento da identidade de gênero na administração pública federal) e da necessidade de
proteção estatal à dignidade sexual do ser humano custodiado.
Por derradeiro, de acordo com o artigo 7º, da Resolução nº 348/2020, do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), com a redação modificada pela Resolução CNJ nº 366/2021, a pessoa transgênero
(transexual) deve ser indagada acerca de sua preferência em relação ao local da prisão (se em
ambiente prisional masculino ou feminino), cabendo à Autoridade Judicial decidir motivadamente,
o que pode ser aplicado, por analogia, à Autoridade Policial por ocasião da determinação da
custódia em flagrante delito, observando-se as cautelas de cenário e cada caso concreto, zelando-se,
sobretudo, pela proteção estatal à dignidade sexual da pessoal transgênero presa e dos demais
indivíduos custodiados na unidade policial.
Sobre a matéria, a Portaria DGP-8/2022, que dispõe sobre o tratamento a travestis e
transexuais, no âmbito da Polícia Civil do Estado de São Paulo, assim estabelece em seu artigo 3º:
Artigo 3º. O Delegado de Polícia zelará para que as pessoas referidas nesta Portaria sejam
recolhidas em cela separada sempre que haja solicitação de quem estiver sendo preso ou
houver suspeita de haver risco à sua integridade física.
§ 1º. Nas cadeias de trânsito, não havendo cela específica, a separação de que trata o caput
poderá ser feita em espaço que atenda aos requisitos de segurança da pessoa presa, até que
haja a apresentação para audiência de custódia ou a transferência para unidade Secretaria de
Administração Penitenciária.
§ 2º. Fica assegurado o uso de vestimenta adotada pela pessoa presa, sem prejuízo das
necessárias cautelas indispensáveis à segurança em geral. § 3º. Os Departamentos de base
territorial adotarão as providências necessárias nas respectivas cadeias públicas, visando à
execução do disposto neste artigo.

Ademais, os artigos 1º e 6º da citada Portaria DGP-8/2022 veiculam disposições e definições


relacionadas ao assunto:
Artigo 1º. No atendimento a travestis e transexuais, todos os servidores da Polícia Civil
deverão indagar a pessoa se ela deseja ser tratada pelo seu nome social ou pelo nome civil.
Parágrafo único. Em havendo indicação de nome social, ele:
a) será observado como única forma de tratamento por todos os servidores da Unidade
Policial;

100
Resolução CNJ nº 348/2020, art. 3º, I, "a".
76
b) constará de todos os registros, documentos e demais atos policiais, juntamente com o
nome civil.
(...)
Artigo 6º. Para os fins desta Portaria, considera-se:
I - nome social: o prenome que corresponda à forma pela qual a pessoa se reconheça, é
identificada, reconhecida e denominada por sua comunidade e em sua inserção social;
II - identidade de gênero: é a percepção íntima que uma pessoa tem de si como sendo do
gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente do sexo
biológico. A identidade traduz o entendimento que a pessoa tem sobre ela mesma, como ela
se descreve, reconhece-se e deseja ser reconhecida socialmente. A identificação subjetiva da
pessoa, ou seja, é a forma como ela se identifica no mundo e para o mundo;
III - orientação sexual: uma referência à capacidade de cada pessoa de ter ou não uma
profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do
mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com
essas pessoas.

10.12 Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do


ocupante, em imóvel alheio ou suas dependências e condutas equiparadas (art. 22)

Assim estabelece o artigo 22 da nova Lei de Abuso de Autoridade:

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do


ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições,
sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:
I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel
ou suas dependências;
II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou
antes das 5h (cinco horas).
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados
indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou
de desastre.

O caput do artigo 22 ora em análise alude à conduta similar ao delito de violação de


domicílio majorado pela prática por funcionário público ou com abuso de poder, que era previsto no
artigo 150, § 2º do Código Penal, dispositivo revogado pela Nova Lei de Abuso de Autoridade (art.
44).
A palavra “imóvel alheio”, empregada no artigo 22 da nova lei, admite interpretação mais
ampla que o vocábulo “casa”, adotado no Código Penal (CP, art. 150) e na Lei Maior (CF, art. 5º,
XI), de modo a abranger, na linha do artigo 79 do Código Civil, qualquer edificação, desde o solo,
até construções não abertas ao público101.
Já as figuras equiparadas, dos incisos do § 1º do artigo 22 da nova lei, criminalizam as
condutas de quem coage, mediante violência ou grave ameaça, de pessoa a franquear-lhe o acesso a

101
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO, Rogério. Abuso de autoridade: Lei 13.869/2019 comentada artigo por artigo.
Salvador: JusPodivm, 2019, p.195-196; MOREIRA FILHO, Guaracy (Coord.); AZEVEDO, André Boiani e [et al].
Nova lei do abuso de autoridade comentada artigo por artigo. São Paulo: Rideel, 2019, p.74-76.
77
imóvel ou suas dependências bem como daquele que executa mandado de busca domiciliar após as
21 ou antes das 5 horas.
O § 2º do artigo 22 ressalva que não há delito se o ingresso domiciliar for para prestação de
socorro ou se houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de
situação de flagrante delito ou desastre, em atenção ao comando inserto no inciso XI, do artigo 5º da
Constituição Federal.

 Aferição da autorização

O acesso a imóvel ou suas dependências sem ordem judicial ou fora das ressalvas legais
deve ser precedido de cautela, zelando o agente policial para que a manifestação de vontade do
titular do local seja expressa e não apenas tácita.
É certo que a dinâmica das ruas dificulta essa formalização. Todavia, com os recursos
tecnológicos atuais, se oferecidos aos policiais, recomenda-se que a anuência do interessado seja
formalizada pelos meios disponíveis no momento, seja por prova testemunhal idônea, seja por
assinatura em formulário apropriado (termo de aferição de consentimento em campo102) ou mesmo
por captação audiovisual103.

 Cumprimento de mandado prisional e inviolabilidade domiciliar

O artigo 240, § 1º, "a" do CPP prevê que "proceder-se-á à busca domiciliar, quando
fundadas razões a autorizarem para prender criminosos".
Destarte, se houver informações prévias acerca da localização de investigado contra o qual
se demanda ao Poder Judiciário sua prisão cautelar (temporária ou preventiva), sugere-se que
também se represente ao juízo competente pela respectiva ordem de busca domiciliar, sem prejuízo
que a diligência também se destine a eventual apreensão de instrumentos ou objetos necessários à
comprovação do fato apurado, de acordo com as circunstâncias de cada caso (CPP, art. 240, § 1º,
alíneas "a" a "h").
102
Há modelo de formulário consuetudinário, que pode ser impresso e levado para diligências: “Termo de aferição de
Consentimento em Campo - Eu, (...), portador da cédula de identidade RG n° (...) ciente do direito constitucional de
inviolabilidade de meu domicílio, situado na Rua (...) nº (...), bairro (...), cidade (...), Estado de São Paulo, AUTORIZO
que o policial (...) e sua respectiva equipe nele adentrem, nesta data e horário (...). Assinaturas:”.
103
A 6ª Turma do STJ, ao julgar o HC nº 598.051-SP (2020/0176244-9), em 02/03/2021, decidiu que os agentes
policiais, caso necessitem ingressar em uma residência para investigar a ocorrência de fato criminoso e não tenham
ordem judicial, devem registrar a autorização do morador em vídeo e áudio (ou por escrito), a fim de aplacar dúvidas
sobre o consentimento, sob pena de nulidade da prova. Contudo, no Recurso Extraordinário interposto (RE 1.342.077),
em decisão monocrática do ministro relator Alexandre de Moraes, datada de 02/12/2021, concedeu parcial provimento e
anulou o acórdão recorrido tão somente na parte em que entendeu pela necessidade de documentação e registro
audiovisual das diligências policiais, determinando a implementação de medidas aos órgãos de segurança pública de
todas as unidades da federação.
78
A seu turno, o artigo 293 do CPP assim dispõe:
Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em
alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for
obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à
força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da
intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa
incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

No que concerne à intimação do morador que acolhe um sujeito procurado (com mandado
prisional pendente), bem como sobre a eventual necessidade de ordem judicial de busca
suplementar à de prisão para o ingresso, Guilherme Souza Nucci assim entende:

Em virtude da inviolabilidade de domicílio, que é a regra, não deve o executor, tão logo
constate o ingresso da pessoa buscada em morada alheia, invadi-la, sem qualquer vacilo.
Necessita-se intimar o morador a entregar o procurado, mostrando-lhe o mandado de
prisão. Não havendo obediência, poderá ocorrer a invasão, desde que seja à luz do dia e
acompanhado o ato por duas testemunhas. Se inexistirem testemunhas, o ingresso forçado
poderá ocorrer do mesmo modo, embora, nesse caso, possa haver maior problema para o
executor da ordem, em caso de acusação de abuso, por parte do morador. Não há
necessidade de autorização judicial (mandado de busca) para o arrombamento das portas e
ingresso forçado no ambiente, que guarda o procurado, pois o mandado de prisão e a
própria lei dão legitimidade a tal atitude 104.

Com referência ao momento de ingresso na morada, o doutrinador assim pontua:

No mais, ainda que a polícia possua mandado de prisão, expedido por autoridade judiciária,
deve invadir o domicílio do morador recalcitrante apenas durante o dia. Entretanto, caso
alguém, procurado, esconda-se na residência de pessoa que permita a entrada da autoridade
policial, durante a noite, a prisão pode regularmente ser efetivada. Caso contrário, mesmo
que a casa seja do próprio procurado, se este não concordar com a entrada dos policiais para
a prisão, resta cercar o local, impedindo a fuga, para, quando houver o alvorecer, cumprir-se
a ordem105.

Diante desse entendimento a partir do artigo 293 do CPP, não há necessidade de ordem
judicial de busca para ingresso domiciliar na hipótese de segurança de que o sujeito procurado lá
entrou ou se encontra, cumpridos os postulados operacionais e mediante captação audiovisual se
possível.

 Cumprimento de mandados de busca domiciliar

Com relação ao cumprimento de mandados judiciais de busca domiciliar a regra é similar.


Os policiais responsáveis pela execução da ordem judicial podem fazer uso de recursos

104
NUCCI, Guilherme de Souza. . Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 1072.
105
NUCCI, Guilherme de Souza. . Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 1072.

79
tecnológicos que registrem o horário da entrada bem como o da própria diligência, rechaçando
questionamentos diante da idoneidade do meio e da lisura da ação registrada.
Anota-se que, considerando o comando constitucional no sentido de que a determinação
judicial para busca domiciliar seja executada durante o dia (CF, art. 5º, XI), a orientação mais
segura consiste em que os agentes estatais atentem-se para a existência de luz solar para iniciar o
cumprimento do mandado, de maneira aliada ao período entre 5 horas da manhã e 21 horas da noite,
tendo em vista o lapso temporal ora estabelecido no inciso III, do § 1º, do artigo 22 da Nova Lei de
Abuso de Autoridade.
Outrossim, não haverá delito se o ingresso, referendando comando constitucional, for para
prestar socorro ou se existirem fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão
de situação de flagrante delito ou de desastre. Quanto à expressão “fundados indícios”, é importante
que os agentes estatais estejam de posse de dados concretos que justifiquem, primeiro perante o
Delegado de Polícia responsável, e depois na etapa judicial do processo se necessário, os motivos
fáticos que os levaram a acreditar que havia estado flagrancial delitivo para adentrar no imóvel.

 "Denúncias anônimas"

Nas hipóteses de notícias ou comunicações sem identificação da fonte ("denúncias


anônimas"), recomenda-se a realização de investigação preliminar para averiguar informações
concretas, considerando orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (RHC nº 83.501-
SP, j. 06/03/2018), segundo a qual a “denúncia anônima”, somada à fuga do suspeito, por si sós, não
representam fundadas razões a autorizar o ingresso no domicílio sem consentimento ou
determinação judicial, por inexistir referência à prévia investigação policial para verificar a
veracidade das informações recebidas.

10.13 Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado


de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de
responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade e condutas
equiparadas (art. 23)

Assim dispõe o artigo 23 da Nova Lei de Abuso de Autoridade:

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o


estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de
responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:
80
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:
I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de
diligência;
II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para
desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo.

Trata-se de figura penal derivada e qualificada da fraude processual, criminalizada no artigo


342 do Código Penal. O tipo penal do artigo 23 da nova lei reclama especial fim de agir, “com o fim
de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a
responsabilidade”.
As denominadas “provas plantadas” parecem também ser o foco do caput desse dispositivo.
Se o Delegado de Polícia verificar indícios da aludida prática fraudulenta, determinará a apuração
imparcial para a verdade atingível dos fatos para as devidas responsabilizações.
Vislumbra-se a aplicação da figura penal a cenários como a autolesão e o dano deliberado
para fins de indevida isenção de responsabilidade ou imputação a terceiro, assim como a recolha de
projéteis e estojos deflagrados, a supressão de individuais palmares e plantares de local de fato
delituoso com o escopo de eximir-se de futura responsabilidade entre outras hipóteses semelhantes.
As condutas típicas demandam a chamada disciplina consciente, responsável por regrar o
processo decisório do agente, porquanto os tipos penais são autoexplicativos e não requerem maior
esforço intelectual para interpretação.
Quanto à omissão de dados ou informações ou divulgação de dados ou informações
incompletas para desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo, trata-se de figura
equiparada a ser observada pelos responsáveis pela transcrição de medidas como interceptações
telefônicas, os quais zelarão para que os dados de interesse policial não sejam omitidos, observando
o elemento objetivo reclamado para a configuração do ilícito penal.
Sobre os cuidados na preservação do estado de lugar, de coisa ou de pessoa, relevante
também a observância das novas disposições sobre a denominada “cadeia de custódia”, prevista nos
artigos 158-A a 158-F do CPP, acrescidos pela Lei Federal nº 13.964/2019, fruto do chamado
“pacote anticrime”.

10.14 Constranger funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a


admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, para fins de fraude (art. 24)

O artigo 24 da Lei Federal nº 13.869/19 assim estabelece:

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de


instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já
tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua
apuração.

81
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à
violência.

O tipo penal do artigo 24 da nova lei também exige dolo específico, consubstanciado na
máxima “com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração” bem como
que seja perpetrado com violência ou grave ameaça.
O crime também é doloso, pois exige que implique pessoa cujo óbito já tenha ocorrido.
Nesse particular, é certo que, salvo as mortes notórias (decapitações, destruições do sistema nervoso
central etc.), não é lícito a um policial atestá-la com absoluto grau de certeza, porquanto não lhe ser
exigida formação em ciências médicas.
Na dúvida, cabe ao agente estatal socorrer a pessoa ferida, inclusive para que não se alegue
eventual omissão, prestigiando o direito à vida e à integridade física.
No Estado de São Paulo, vigora a Resolução SSP-5, de 30 de janeiro de 2013, a qual
estabelece parâmetros aos policiais que atendam ocorrências de lesões corporais graves, homicídio,
tentativa de homicídio, latrocínio e extorsão mediante sequestro com resultado morte. Nessas
hipóteses, o policial acionará, imediatamente, a equipe do resgate, SAMU ou serviço local de
emergência, para o pronto e imediato socorro (Resolução SSP-5/12). Entretanto, nas localidades
onde inexistir tais serviços ou o tempo de resposta não for adequado à situação, o policial realizará
o imediato socorro (Despacho SSP, de 20 de maio de 2013).
Diante desse último cenário, é certo que o socorro será promovido, como regra, por pessoa
leiga em ciências médicas, a qual não terá condições concretas de saber se o ferido está morto.
Logo, o estabelecimento de saúde como regra não poderá recusar o atendimento prévio, pois o
policial não é médico e não tem condições técnicas de, salvo nas mortes notórias, aferir, com
certeza, esse resultado fatal.
No tocante às hipóteses de mortes decorrentes de intervenção policial, convém lembrar a
ressalva da competência da Justiça Comum (Tribunal do Júri) e investigação pelas respectivas
instituições de polícia judiciária (Polícias Civis) mesmo quando a suspeita recair sobre militares dos
Estados (CF, arts. 5º, XXXVIII e 125, § 4º), assim como a previsão do novo artigo 14-A, do CPP,
inserido pela Lei Federal nº 13.964/2019 (“pacote anticrime”)106, que assim dispõe:

Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da
Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos
policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de
fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma
consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848,
de 7 de setembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.

106
Os parágrafos 3º, 4º e 5º, do artigo 14-A do CPP, inseridos pela Lei Federal nº 13.964/2019 ("Pacote Anticrime")
foram vetados pelo presidente da República. Contudo, tais vetos foram rejeitados pelo Congresso Nacional e a atual
redação dos dispositivos foi publicada no Diário Oficial da União em 30/04/2021.
82
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da
instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até
48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.
§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de
defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a
instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que
essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do
investigado.
§ 3º Havendo necessidade de indicação de defensor nos termos do § 2º deste artigo, a
defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública, e, nos locais em que ela não estiver
instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva competência
territorial do procedimento instaurado deverá disponibilizar profissional para
acompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa do
investigado.
§ 4º A indicação do profissional a que se refere o § 3º deste artigo deverá ser precedida de
manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o
inquérito e com atribuição para nele atuar, hipótese em que poderá ser indicado profissional
que não integre os quadros próprios da Administração.
§ 5º Na hipótese de não atuação da Defensoria Pública, os custos com o patrocínio dos
interesses dos investigados nos procedimentos de que trata este artigo correrão por conta do
orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos
investigados.
§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados
às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos
investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.

Logo, reclama-se maior atenção nas hipóteses descritas no dispositivo, sobretudo para que
seja providenciada a notificação do agente estatal para constituir defesa técnica, sem prejuízo da
subsidiária comunicação à respectiva instituição pública para indicação de defensor107.

10.15 Obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio


manifestamente ilícito (art. 25)

Redação do artigo 25 da Lei nº 13.869/2019:

Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização,


por meio manifestamente ilícito:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do
investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

O tipo penal em comento pode atingir sujeitos outros, que não apenas os policiais, inclusive
porque cita a aferição de prova em procedimento de investigação ou fiscalização.

 Prova ilícita

107
OLIVEIRA, Marcel Gomes. O direito ao contraditório diferido no inquérito policial: uma análise crítica do art.14-A
do CPP nos casos de confronto viciado. In: LEITÃO JR. Joaquim (Org.).Tratado contemporâneo de polícia judiciária -
vol. 2. Cuiabá: Umanos Editora, 2020, p.53-61.
83
Auferir prova por meio ilícito é, portanto, obtê-la em patente inobservância de normas
constitucionais ou legais, com violação de regra de direito material, vale dizer, regras que pautam os
fatos jurídicos. A confissão sob tortura é um exemplo.
Segundo o artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal “são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos”, quais sejam, aquelas auferidas com violação à intimidade, vida
privada, honra, imagem, domicílio e das comunicações, existindo a exceção da escuta telefônica
autorizada pela Justiça. De acordo com o Código de Processo Penal, em seu artigo 157 e § 1º:
são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma
fonte independente das primeiras.

Pela figura equiparada do parágrafo único do artigo 25, incorre na mesma pena aquele que
faz uso da prova em desfavor do investigado, com prévio conhecimento da sua ilicitude. Outra
figura típica dolosa que exige “prévio conhecimento” para sua configuração.
Logo, em razão da própria nova Lei de Abuso de Autoridade estabelecer que a divergência
na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não caracteriza abuso de autoridade (art. 1º,
§ 2º), o ideal é que os Delegados de Polícia, diante de provas cuja ilicitude seja objeto de
controvérsia na jurisprudência, adotem um posicionamento defensável e fundamentem a sua
decisão. Assim, devem as autoridades avaliar, tanto na audiência de apresentação e garantias do
artigo 304 do CPP, acerca da captura de um suspeito, quanto durante a presidência da investigação
criminal de um modo geral, a legitimidade com que o acervo probatório foi obtido. Se identificar
vício de licitude, redobrará a cautela e os fundamentos de atos decisórios, considerando que a Lei nº
13.869/19 criminaliza não somente a obtenção da prova espúria, mas também sua utilização
deliberada em desfavor do investigado, inclusive para lastrear eventual decretação de prisão
flagrancial.

 Acesso a dados armazenados em aparelhos eletrônicos

Com relação ao acesso de dados armazenados em aparelhos eletrônicos, mormente em


telefones celulares, a orientação jurisprudencial ainda é controversa sobre tratar-se ou não de
matéria objeto de reserva absoluta de jurisdição, de modo a reclamar ou não prévia autorização
judicial.
Até 2014, a posição encabeçada pelo Supremo Tribunal Federal no paradigmático HC
91.867-PA108, era no sentido de que o aludido acesso não demandaria prévia ordem judicial. Por

108
STF, HC nº 91.867-PA, 2ª Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, j. 24/04/2012.
84
esse entendimento, a proteção do inciso XII, do artigo 5º da Lei Maior abarcaria a comunicação dos
dados, porém não os dados em si e o depósito registral deles contidos nos dispositivos eletrônicos,
característica cada vez mais comum nos aparelhos de telefonia móvel com múltiplas
funcionalidades (smartphones), equipados com aplicativos de comunicação que permitem a troca e
o armazenamento de mensagens e arquivos de imagem, de áudio e de vídeo.
Todavia, com o advento da Lei Federal nº 12.965/2014, o conhecido “Marco Civil da
Internet”, que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede mundial de
computadores no Brasil, o debate foi redirecionado, mormente diante do artigo 7º, inciso III, do
referido diploma, que reivindica autorização judicial para o acesso às “comunicações privadas
armazenadas”.
Conquanto a redação do citado dispositivo mencione “comunicações privadas armazenadas”
e nem todos os dados e documentos contidos em um aparelho eletrônico sejam, necessariamente,
provenientes de uma “comunicação privada”, a nova disciplina conferida pela Lei nº 12.965/14
ocasionou uma alteração na orientação jurisprudencial, que começou a considerar o acesso ao
conteúdo de tais dispositivos objeto de reserva jurisdicional absoluta, com destaque para o Superior
Tribunal de Justiça, que a partir de 2016 passou a anular decisões lastreadas na obtenção de dados
armazenados em equipamentos eletrônicos sem autorização prévia do Poder Judiciário, como na
decisão do HC nº 51.531-RO109.
Contudo, o próprio Superior Tribunal de Justiça tem revelado em alguns julgados
importantes ressalvas, em especial na decisão da 6ª Turma exarada no HC nº 388.008-AP110, de
agosto de 2017, no sentido de legitimar o acesso direto e extrajudicial aos dados armazenados em
aparelho de telefonia celular quando a demora na obtenção de uma prévia ordem judicial puder
acarretar “prejuízos à investigação” ou “especialmente à vítima do delito”111. Atualmente o debate
se encontra no Supremo Tribunal Federal, na pendência da decisão do Agravo em Recurso
Extraordinário (ARE) nº 1.042.075-RJ112, que em novembro de 2017 reconheceu a existência de
repercussão geral da matéria constitucional suscitada.

109
STJ, HC nº 51.531-RO, 6ª Turma, Relator Min. Nefi Cordeiro, j. 19/04/2016.
110
STJ, HC nº 388.008-AP, 6ª Turma, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03/08/2017.
111
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Acesso a dispositivos eletrônicos e a devida investigação legal. In:
ANTONIALLI, Dennys; FRAGOSO, Nathalie (Eds.). Direitos fundamentais e processo penal na era digital – vol. II.
São Paulo: InternetLab, 2019, p. 132-157.
112
STF, ARE nº 1.042.075-RJ, Relator Ministro Dias Toffoli. Em sessão virtual de 30/10/2020 a 10/11/2020, houve
voto do relator, Ministro Dias Toffoli, pelo provimento do recurso, cassação do acórdão recorrido e retorno ao Tribunal
de origem, propondo propondo fixação de tese (tema 977 da repercussão geral): "É lícita a prova obtida pela autoridade
policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular
apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das
comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, art. 5º, incisos X e XII)“. Em seguida, votaram os
Ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, que abriram divergência, pelo desprovimento do recurso e proposta de outra
redação à tese: “O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares
apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em
elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos
85
Em apertada síntese, havia posição no sentido de que apenas a interceptação da comunicação
dos dados depende de autorização judicial (CF, art. 5º, XII), ao passo que o mero acesso de dados
registrados (CF, art. 5º, X), não. Em tais hipóteses, seria prudente às instituições de polícia
judiciária acessá-los no interesse da investigação criminal (últimas chamadas, conteúdos de
conversas etc.), a fim de que a diligência não se frustrasse e a colheita de informações tendentes a
esclarecer a autoria e a materialidade dos delitos fosse preservada113. De outra banda, também
existem as destacadas posições de que o artigo 7º, inciso III da Lei n° 12.965/14 resguarda
quaisquer dados pessoais auferidos a partir da utilização da internet, incluindo aqueles armazenados
em aparelhos de telefonia móvel celular. Os dados armazenados decorrentes de mensagens do tipo
SMS ou de aplicativos multiplataforma de mensagens instantâneas, bem como os e-mails, dizem
respeito à intimidade e à vida privada das pessoas, sendo assim invioláveis nos termos do artigo 5º,
X, da Lei Maior. Se houver prévia ordem judicial para a busca e apreensão dos aparelhos
eletrônicos, a autorização judicial específica para acesso ao conteúdo seria desnecessária114.

 Guardas Municipais

Há divergência se as Guardas Municipais podem realizar atos próprios de policiamento


ostensivo e preventivo, como abordagens e buscas pessoais e fiscalizações em veículos,
funcionando como uma “Polícia Municipal”115.
Não há como negar que, ao se depararem com suspeita de prática delitiva em estado
flagrancial, os Guardas Municipais estão respaldados a agir inclusive a título de “flagrante
facultativo” e normalmente com melhores recursos materiais e capacitação profissional se
comparados aos cidadãos particulares, ainda que sejam indivíduos que labutem como seguranças ou
vigilantes privados.
A questão denota maior divergência no tocante ao exercício de um poder de polícia e ao
correlato e eventual dever de agir dos Guardas Civis em face de situações delituosas, mormente à
luz de algumas disposições do Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei Federal nº
13.022/2014)116.

fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos (CF, art. 5º, X e XX)”. O
julgamento foi suspenso após pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes.
113
Nesse sentido: HC 91867, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, 2ª T., j. 24/04/2012 e RHC 75.800/PR, Rel. Min. Felix
Fischer, 5ª T., j. 15/09/2016, DJe 26/09/2016, quando se tratar de busca e apreensão de aparelhos celulares
judicialmente concedida.
114
Nesse sentido: REsp 1675501/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Jr., 6ª T., j.17/10/2017, DJe 27/10/2017 e RHC
77.232/SC, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T, j. 03/10/2017, DJe 16/10/2017.
115
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018,
p. 45-48.
116
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018,
p. 45-48.
86
Mencionado diploma, em seu artigo 5º, estipula competências administrativas específicas
das guardas municipais dentre as quais, notadamente: “prevenir e inibir, pela presença e vigilância,
bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os
bens, serviços e instalações municipais” (inciso II), “atuar, preventiva e permanentemente, no
território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e
instalações municipais” (inciso III), “colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança
pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social” (inciso IV); “garantir o atendimento
de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas”
(inciso XIII); e, de modo específico quanto à prisão em flagrante delito, “encaminhar ao delegado
de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando
possível e sempre que necessário” (inciso XIV).
A leitura dos incisos do artigo 5º da Lei nº 13.022/2014 permite concluir que há previsão e
comando legal para que os Guardas Municipais atuem no policiamento preventivo (de presença),
ainda que, preliminarmente, na atribuição precípua de proteção ao patrimônio municipal e, de
maneira supletiva, na prevenção criminal e na preservação da ordem pública, figurando
explicitamente como “agentes do Delegado de Polícia” diante de situações de estado flagrancial
delitivo, que desencadeiem a obrigação de abordagem e captura do suspeito e sua pronta
apresentação à Autoridade Policial, o que remete, ao menos em tese, a um dever legal e, por
consequência, ensejaria modalidade de “flagrante compulsório” ou “obrigatório”117.
De toda sorte, as controvérsias mais comuns orbitam hipóteses que se afastam propriamente
da tutela do patrimônio municipal e envolvem crimes como os da Lei de Drogas (Lei nº
11.343/2006) e do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), quando os Guardas Civis
surpreendem indivíduos na posse de substâncias ilícitas ou de armas de fogo, por exemplo.
Em 2018, houve decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou ilícita
prova auferida quando da captura em flagrante por comércio de drogas ilícitas operada por agentes
da Guarda Civil do Município de Salto118. Nessa hipótese, o Delegado de Polícia que decretou a
prisão em flagrante ao lavrar o auto constritivo, caso essa custódia se desse sob a égide da nova Lei
de Abuso, poderia ser questionado como incurso no crime do artigo 25 em comento?
Ora, se o Delegado de Polícia fundamentar o ato decisório, jamais. Embora e jurisprudência
já tenha se manifestado naquele sentido, é certo que ela está longe de ser pacífica, pois, como dito,
também existem julgados119 que, em razão do disposto no artigo 301 do CPP, consideram legítima a
captura por comércio de drogas executada por Guardas Municipais, afinal são agentes de defesa
117
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de. Prisão em flagrante delito constitucional. Salvador: JusPodivm, 2018,
p. 45-48.
118
Apelação Criminal nº 0001118- 92.2017.8.26.0526.
119
STJ, HC 426.969/SP, Rel. Ministro Reynado Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/02/2018, DJe
08/03/2018).
87
social, integrantes de instituição elencada no capítulo da Segurança Pública da Constituição Federal
(art. 144, § 8º). Portanto, quando o Delegado de Polícia estiver diante de matéria controversa, torna-
se ainda mais relevante a motivação de sua convicção jurídica, garantida pela imanente
independência técnico-funcional e preservada expressamente pelo artigo 1º, § 2º, da Lei nº
13.869/2019.

 Investigações feitas por outras instituições estatais

Pode também ocorrer que o Delegado de Polícia se depare com o resultado de investigações
realizadas por outras organizações que, fazendo às vezes de instituição de polícia judiciária,
deleguem a execução de atos operacionais a outras como, por exemplo, o cumprimento de
mandados de busca domiciliar, apresentando o produto da diligência na Delegacia de Polícia. Nesse
caso, sem entrar no mérito da atribuição constitucional dos órgãos em tese implicados, é certo que a
jurisprudência tem reconhecido que, em situações excepcionais, instituições outras poderiam
conduzir investigações criminais, a despeito de ausência de respaldo legal e constitucional. Nesses
casos, a utilização desses meios de prova pode ser questionada, afinal envolvem teses jurídicas
antagônicas mas, em contrapartida, de validade defensável.
Dito isso, o que importa é que, sem prejuízo de quem conduziu ou executou a diligência e
auferiu a prova, os Delegados de Polícia não têm a obrigação de convalidar eventuais capturas
quando entendam não haver flagrância ou fundada suspeita da prática de infração penal e assim não
decretem a custódia. Melhor dizendo, se não vislumbrarem justa causa, não há que se falar em
recolha ao cárcere, principalmente se a Autoridade Policial, para formar a sua convicção motivada,
não teve acesso ao conjunto probatório que deu causa aos fatos que lhe foram apresentados, até
porque este pode ser ilegal ou insuficiente. Não apenas o Delegado de Polícia, mas qualquer agente
estatal, não pode ser objeto de ação de improbidade administrativa ou de quaisquer outras naturezes
se decidiram de maneira fundamentada e de boa-fé120.

 Providências quando da não decretação da prisão em flagrante

No Estado de São Paulo, decidindo pela inexistência de situação jurídica caracterizadora de


flagrante delito, o Delegado de Polícia registrará o fato em boletim de ocorrência, sem emitir recibo
de entrega de preso, adotando as providências de polícia judiciária cabíveis (oitivas, apreensões,
requisição de exames periciais etc.), inclusive para eventual responsabilização dos autores de
captura indevida, se houver dolo, de acordo com diretriz institucional inserta na Recomendação
DGP-1/05 (item XVI).

120
Nesse sentido: TJRS, Processo 11300950499, 2ª Vara da Fazenda Pública.
88
 Enunciado

Acerca do artigo 25 da Nova Lei de Abuso de Autoridade em comento, foi aprovado o


Enunciado nº 6 do Seminário “Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei
13.869/2019)”, realizado na Academia de Polícia 121, abaixo transcrito:

Enunciado nº 6: A obtenção e o uso de prova cuja licitude seja objeto de controvérsia


jurisprudencial ou doutrinária estão albergados na ressalva de divergência na interpretação de
lei ou na avaliação de fatos e provas do § 2º do artigo 1º da Lei Federal 13.869/2019.

10.16 Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou


administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de
ilícito funcional ou de infração administrativa (art. 27).

Redação do tipo penal:

Art. 27.Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal


ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime,
de ilícito funcional ou de infração administrativa:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar
sumária, devidamente justificada.

A figura do artigo 27 consiste em crime próprio, porquanto só pode ser imputado a quem
tem atribuição de instaurar ou requisitar instauração de procedimento investigatório de infração
penal ou administrativa. Reclama dolo específico, consubstanciado na máxima “à falta de qualquer
indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”122.
Nesse contexto, a Lei Federal nº 13.964/2019 ("Pacote Anticrime"), acrescentou o artigo
3º-B no CPP123 que, em seu inciso IX, dispõe competir ao “juiz de garantias”, responsável pelo
controle da legalidade da investigação criminal, determinar o trancamento do inquérito policial
quando não houver fundamento razoável para a instauração ou prosseguimento da apuração.

 Sindicância ou investigação preliminar sumária

121
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo no presente
trabalho.
122
LESSA, Marcelo de Lima. Padrões sugeridos de conduta policial diante da nova lei de abuso de autoridade. Santos:
Edição do Autor, 2019; GARCIA, Thiago. Tudo que o que você precisa saber sobre: delegado de polícia, Lei Maria da
Penha e princípio da insignificância. São Paulo: Rideel, 2019, p. 475-476.
123
O artigo 3º-B do CPP e outros dispositivos, notadamente aqueles que disciplinam o “juiz das garantias” (novos
artigos 3º-A a 3º-F do CPP), tiveram a eficácia suspensa por decisão liminar exarada pelo Ministro Luiz Fux do STF,
relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, datada do dia 22/01/2020,
véspera da entrada em vigor do “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019).
89
De acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 27 em estudo, tratando-se de
sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada, não há crime.
Referido dispositivo referenda a denominada “verificação de procedência de
informações”, conhecida pela sigla "VPI", prevista no artigo 5º, § 3º, do Código de Processo Penal,
a fim de filtrar a instauração infundada de inquéritos policiais contra alguém, a falta de qualquer
indício de infração penal124.
O artigo 27 em comento fala na necessidade de “indício”, cujo conceito por ser extraído do
artigo 239 do CPP, segundo o qual “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias”. Assim, presentes tais circunstâncias, não há que se falar em infração penal.
É certo que as instituições de polícia judiciária, por vezes, deflagram investigações sobre
eventos que, conquanto ainda não identificada natureza delituosa, possuem repercussão no meio
policial como, por exemplo, as mortes suspeitas. Nesse caso, a investigação não visa esta ou aquela
pessoa (“alguém”) mas sim, o fato em si, com potencial de configurar eventual infração penal.
Diante disso, não há se que falar na configuração da infração penal do artigo 27, até por ausência de
dolo.
No âmbito da polícia judiciária, o tipo penal reflete na instauração de procedimento
investigatório de infração penal ou administrativa. Seria, destarte, o inquérito policial (e por
simetria, o termo circunstanciado) e o processo administrativo disciplinar. A verificação de
procedência de informações, a apuração preliminar e a sindicância administrativa, estas duas
últimas, atribuições da Corregedoria, estão excluídas, desde que a autoridade responsável justifique,
devidamente, a consentânea deflagração.
Dessa maneira, o Delegado de Polícia, na Portaria instauradora (tanto de inquérito quanto de
processo administrativo), reservará espaço para demonstrar, de modo inequívoco, os indícios
concretos que possui para a deflagração do procedimento contra alguém. Postura similar será
adotada nos casos de sindicância ou investigação preliminar sumária (verificação de procedência de
informações ou apuração preliminar), as quais, para não configurarem a infração penal em análise,
devem ser justificadas. É consagração do postulado da motivação, que pauta os atos estatais.
No Estado de São Paulo, a Portaria DGP-18/1998, dispõe, em seu artigo 2º e seguintes, que
o Delegado de Polícia não instaurará inquérito policial quando os fatos levados à sua consideração
não configurarem, manifestamente, qualquer ilícito penal. Igual postura adotará, em face de

124
BRANDÃO, Dayana Junqueira Cunha. A atuação da(o) delegada(o) de polícia na preservação da atividade
investigative e dos direitos e garantias do investigado: uma reflexão sobre os artigos 27 e 30 da nova lei de abuso de
autoridade. In: IBRAHIN, Francini Imene Dias; BELIATO, Araceli Martins (Org.). Direito policial: temas atuais.
Salvador: JusPodivm, 2021, p.121-130; GONÇALVES, Priscila Camargo Campos. Verificação de procedência das
informações e legalidade: regulamentação como garantia da eficiência na atividade de polícia judiciária. 2 ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2021.
90
qualquer hipótese determinante de falta de justa causa para a deflagração da investigação criminal,
indicando as razões jurídicas e fáticas em ato fundamentado125. O boletim de ocorrência que, nesses
mesmos termos, não viabilizar instauração de procedimento investigatório, será arquivado mediante
despacho fundamentado da Autoridade Policial responsável.

 Requisições
Conquanto a lei fale em “requisição”, estas devem possuir respaldo legal, como qualquer ato
estatal em homenagem à legalidade pública. Doravante, torna-se ainda mais relevante a atenção no
atendimento a requisições desprovidas da indicação de indício da prática de infração penal.
Identificada eventual requisição infundada, será objeto de manifestação e retorno para reapreciação
do requisitante, sob pena deste também incorrer na figura do artigo 27 da Nova Lei de Abuso de
Autoridade.
Na Polícia Civil de São Paulo, de acordo com o Decreto Estadual nº 39.948/95, que fixa a
estrutura básica da instituição, há previsão no sentido de que o Delegado Geral de Polícia pode
determinar a instauração de inquérito policial (art. 15, alínea “g”), que também será acompanhada
de indícios da prática de crime, sobretudo em atenção ao dispositivo da nova Lei de Abuso. Idêntico
raciocínio aplica-se à determinação (sinônimo de requisição) de instauração de sindicância (Lei
Complementar nº 207/79, art. 90) e de processo administrativo (LC nº 207/79, art. 94), cujas
determinações de instauração, pelas autoridades também elencadas na Lei Orgânica da Polícia (art.
70), devem estar escoradas em indícios de ilícito funcional ou administrativo.

 Enunciado

Em relação ao artigo 27 da Lei nº 13.869/2019 foi aprovada o Enunciado nº 10 do Seminário


“Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na
Academia de Polícia126, ora reproduzido:

Enunciado nº 10: Quando a notícia de fato não viabilizar instauração de procedimento


investigatório, o Delegado de Polícia responsável determinará a verificação da procedência
das informações a título de investigação preliminar sumária, em atenção ao artigo 5º, § 3º,

125
Em outras instituições de polícia judiciária há atos normativos que disciplinam a verificação de procedência das
informações" (VPI), do artigo 5º, § 3º, do CPP, e corroboram a necessidade de base informativa mínima para justificar a
instauração de procedimento investigatório criminal. É o caso da Polícia Federal (Instrução Normativa nº 108/2016, art.
18), da Polícia Civil do Rio de Janeiro (Portaria PCERJ nº 703/2015, item 5.3 e Resolução nº 605/1993, art. 123), da
Polícia de Goiás (Portaria Normativa nº 33/2020), da Polícia Civil do Ceará (Portaria Normativa nº 578/2013) e da
Polícia Civil da Paraíba (Portaria GAB/PCPB nº 416/DGPOL). GONÇALVES, Priscila Camargo Campos. Verificação
de procedência das informações e legalidade: regulamentação como garantia da eficiência na atividade de polícia
judiciária. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.
126
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo no presente
trabalho.
91
do CPP, sem prejuízo de ulterior acautelamento fundamentado enquanto não obtidos
elementos indiciários que denotem justa causa para deflagrar o procedimento legal cabível.

10.17 Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda
produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do
investigado ou acusado (art. 28)

Assim dispõe o artigo 28 da Lei nº 13.869/2019:

Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda
produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do
investigado ou acusado:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Anota-se que divulgar difere de levantar sigilo. Divulgar, de maneira deliberada, significa
propagar o conteúdo sem relação com a prova que se pretenda produzir (tipo objetivo). Já o
levantamento do sigilo objetiva como regra proporcionar a defesa do sujeito investigado ou
acusado.
Trata-se de crime doloso, que exige especial finalidade de agir, consubstanciada na
exposição da intimidade ou da vida privada ou na ofensa à honra ou à imagem do investigado ou
acusado.
No Estado de São Paulo, por força da Resolução SSP-142, de 9 de outubro de 2014, cabe ao
Delegado de Polícia que conduz o procedimento de interceptação telefônica, informática ou
telemática, a transcrição, nos termos da legislação vigente das comunicações gravadas em mídia
que não exijam conhecimento técnico-científico. A transcrição será realizada por policial civil
subordinado designado pela Autoridade Policial e, apenas excepcionalmente, será requisitada ao
Instituto de Criminalística. As transcrições ou análises das comunicações gravadas em mídia que
exijam conhecimentos técnico-científicos serão requisitadas ao Instituto de Criminalística para
elaboração de laudo pericial nos termos do Código de Processo Penal.
Logo, na esfera da polícia judiciária, orienta-se disciplina consciente de quem ouve e
registra em relatório as conversações legalmente captadas, zelando para que o sigilo, no caso de
conteúdo sem relação com a prova que se pretenda produzir, seja devidamente preservado.
Como o tipo penal é exclusivamente doloso, requer a comprovação de divulgação
intencional e não decorrente de mera culpa.

10.18 Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou administrativo,
com o fim de prejudicar interesse de investigado (art. 29)

O artigo 29 da Nova Lei de Abuso de Autoridade possui a seguinte redação:


92
Art. 29. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial, policial, fiscal ou
administrativo com o fim de prejudicar interesse de investigado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O tipo penal em comento exige o fim especial de “prejudicar interesse do investigado”.


Importante observar que “prestação de informação falsa” difere de “omissão de informação
relevante”, motivo pelo qual a sonegação de dados de interesse da investigação – ato omissivo e não
comissivo – em tese não enseja a aludida infração penal.
Novamente, como em tipos penais de natureza similar, sugere-se a manutenção da disciplina
consciente em zelar para que informações relevantes não sejam propagadas. O ato de sonegação é
omissivo e o “calar-se” não constitui crime, conquanto possa eventualmente caracterizar outras
infrações penais ou mesmo funcionais.
Lado outro, mentir, deliberadamente, visando prejudicar interesse do investigado em
procedimento policial, constitui o ilícito penal.

10.19 Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa
fundamentada ou contra quem sabe inocente (art. 30)

O artigo 30 da Lei nº 13.869/2019 está assim redigido:

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa
fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Trata-se de tipo penal aparentemente similar ao do artigo 27 da lei em comento, com


diferença sobretudo quanto à pena cominada mais severa, remetendo-se aos comentários lançados
naquele dispositivo neste trabalho acerca da nova previsão do artigo 3º-B, inciso IX do CPP,
acrescido pela Lei nº 13.964/2019 (“pacote anticrime”).

 Amplitude
Enquanto a figura penal do artigo 27 fala em “instaurar procedimento investigatório de
infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de
crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”, o do artigo 30 estabelece como criminosa
a conduta de “iniciar ou proceder a persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa
fundamentada ou contra quem sabe inocente”. O primeiro fala em “falta de indício” ao passo que o
segundo alude à “ausência de justa causa ou contra quem se sabe inocente”. Ou seja, buscou o
legislador reforçar as garantias dos investigados contra imputações e apurações infundadas.
Assim, por uma leitura da expressão “persecução penal” em sentido estrito, comportando a
soma da investigação (etapa extrajudicial) e da ação penal (etapa judicial), o tipo penal do artigo 30
seria direcionado à deflagração do processo judicial em si (ação penal em juízo).
93
Entretanto, sem prejuízo da interpretação restrita acima pontuada, bipartida a persecução
penal nas suas duas etapas (extrajudicial e judicial), idêntica cautela vale para a instauração (dar
início ou proceder) do inquérito policial ou de termo circunstanciado.
Levando em conta a expressão “persecução” como alusiva apenas ao procedimento
investigatório é certo que, para eximir-se de eventuais indagações indevidas, basta que o Delegado
de Polícia responsável, a exemplo dos comentários acerca do artigo 27 da nova lei, demonstre a
presença de justa causa no ato de instauração, isto é, um indicativo mínimo e sensato de
materialidade de infração penal em tese. Devem ser desprezadas, portanto, imputações baseadas em
provas ilícitas, contraditórias, sem relevância no campo penal ou sem qualquer nexo entre o fato e o
resultado. Conforme adiantado, o dispositivo prestigia a verificação da procedência das informações
como filtro para a instauração de procedimentos investigatórios previsto no artigo 5º, § 3º, do CPP.

 Pessoa sabidamente inocente

Com relação à pessoa “sabidamente inocente”, descrita no tipo penal, trata-se de elemento

normativo de difícil verificação, na medida que devem ser demonstrados elementos concretos de

que o responsável pela persecução tinha consciência sobre a inocência do perseguido, já que a

configuração reclama elemento subjetivo nesse sentido.

 Fatos atípicos e desprovidos de justa causa

No Estado de São Paulo, a Portaria DGP-18/1998, diz, em seu art. 2º e seguintes, que o

Delegado de Polícia não instaurará inquérito policial quando os fatos levados à sua consideração

não configurarem, manifestamente, qualquer ilícito penal. Igual postura adotará, diante de qualquer

hipótese determinante de falta de justa causa para a deflagração da investigação criminal, devendo,

em ato fundamentado, indicar as razões jurídicas e fáticas de seu convencimento. O boletim de

ocorrência que, nesses mesmos termos, não viabilizar instauração de inquérito, será arquivado

mediante despacho fundamentado da autoridade responsável.

 Pessoas desaparecidas

Em São Paulo há a Portaria DGP-18/2015 (que alterou a Portaria DGP-21/14) que dispõe

sobre instauração de procedimento investigatório na hipótese de desaparecimento de criança ou de

pessoa que, por enfermidade ou doença mental não possua discernimento ou capacidade de

94
conduzir-se de acordo com seu entendimento, após o decurso de 48 horas do registro formal do

desaparecimento, não havendo notícias do paradeiro.

10.20 Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do


investigado ou fiscalizado e condutas equiparadas (art. 31)

Assim dispõe o artigo 31 da Lei nº 13.869/2019:

Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do


investigado ou fiscalizado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou
conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do
investigado ou do fiscalizado.

Trata-se de infração penal inspirada no princípio da razoável duração do processo (CF, art.
5º, LXXVIII), de modo que, para sua configuração, eventual demora na investigação deve ser
injustificada, daí a necessidade de dolo. Necessária, também, a existência de prejuízo concreto em
desfavor do investigado, sem a qual inexiste o delito.
A figura equiparada do parágrafo único do artigo 41 comina a mesma pena a quem, em
procedimento estranho à investigação formal (inquérito policial), geralmente não dotada de prazo
para execução e conclusão, o estende de maneira imotivada, gerando prejuízo ao investigado. Seria
o caso, por exemplo, da investigação previamente realizada para fins de aferição de procedência de
informações, prevista no art. 5º, § 3º do CPP. Essa, por não ter prazo legal específico, embora possa
ter em âmbito administrativo, requer motivação na sua marcha, a fim de que não se alegue eventual
abuso. Nos Estados onde a referida medida não é internamente disciplinada, o prazo deve ser o
considerado razoável, adotando como referência os prazos legais de conclusão do inquérito policial.
Conquanto o artigo 5º do CPP estabeleça que o inquérito policial, nos crimes de ação penal
pública incondicionada, é iniciado de ofício, é certo que a regra da obrigatoriedade está atrelada à
presença de indícios de autoria e materialidade, ou seja, de justa causa. Assim, ante a insuficiência
de qualquer um deles, não há óbice ao Delegado de Polícia determinar a verificação da procedência
de informações (ou medida similar, ainda que sobre o boletim de ocorrência), cuja finalidade é
exatamente essa, isto é, angariar eventual justa causa para decidir sobre a instauração do
procedimento investigatório criminal. Não se trata de análise de conveniência mas sim, de
precaução, afinal a falta de justa causa para iniciar a persecução penal (em quaisquer das suas
fases), segundo a própria nova Lei de Abuso de Autoridade, agora pode configurar crime (artigo
30).

95
Deve ser ainda observada a motivação do ato administrativo, a fim de que restem patentes as
justificativas que levaram à involuntária demora do ato, bem como para que fique demonstrado que
o interesse público foi ponderado.
Vale lembrar, por oportuno, que a nova Lei Federal nº 13.964/2019, decorrente do projeto
conhecido como “pacote anticrime”, acrescentou o artigo 3º-B no CPP que, em seu inciso VIII,
combinado com o § 2º, estabelece ao “juiz de garantias” decidir sobre a prorrogação do prazo de
duração do inquérito policial no caso de investigado preso, por até quinze dias e uma única vez.

 Descrição de providências faltantes e controle de prazos

A descrição das providências faltantes, assim como das diligências ultimadas para concluí-
las, também enverga importância, pois elas elidem a possibilidade de alegação de omissão
intencional.
No Estado de São Paulo, assim dispõe o artigo 4º da Portaria DGP-18/1998:
as medidas investigativas determinadas na portaria de instauração de inquérito policial
deverão ser cumpridas com a máxima celeridade, observando-se os prazos estabelecidos na
legislação processual penal, evitando-se prorrogações indevidas. Verificada a
impossibilidade de ultimação das investigações no prazo legal, a autoridade policial
solicitará dilação temporal para a conclusão do inquérito, expondo, de forma
circunstanciada e em ato fundamentado, as razões que impossibilitaram o tempestivo
encerramento, consignando, ademais, as diligências faltantes para a elucidação dos fatos e
as providências imprescindíveis a garantir suas realizações dentro do prazo solicitado.

Na hipótese de eventos adversos, cujas causas não foram geradas pelas Autoridades Policiais
ou seus agentes subordinados, é importante que, nos autos do inquérito policial sejam lançadas
informações a esse respeito, a fim de justificar o lapso temporal da investigação e demonstrar que
eventuais percalços não foram intencionais.
O controle dos prazos de conclusão entre as instituições de polícia judiciária e o Poder
Judiciário também é importante, pois a cada chancela de concessão de prazo, emerge, formalmente,
a presunção de que a Autoridade Judicial tomou ciência do andamento das investigações e, se
concedeu a dilação significa que não foram verificadas irregularidades.
Com relação às verificações de procedência das informações, torna-se mais relevante que o
Delegado de Polícia responsável, nas ordens de serviço e determinações de diligências que emitir,
fixe prazo razoável para a conclusão, a fim de que a apuração não se prolongue indevidamente.

10.21 Negar acesso ou aferição de cópia de autos de investigação (art. 32)

O artigo 32 da Nova Lei de Abuso de Autoridade está assim redigido:


96
Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação
preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento
investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de
cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a
realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

A infração penal em comento criminaliza a violação de prerrogativas dos Advogados


previstas no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994).
A citada Lei nº 8.906/94, nos incisos XIII e XIV de seu artigo 7º estipula como direitos do
Advogado:
XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da
Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem
procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a
obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos;

XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo


sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos,
em meio físico ou digital;

Com efeito, a infração penal da Lei nº 13.869/2019 enfocada complementa os parágrafos 12


e 13 do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, que assim dispõem:

§ 12. A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompleto


de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no
caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de
autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de
prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de
requerer acesso aos autos ao juiz competente.

§ 13. O disposto nos incisos XIII e XIV do caput deste artigo aplica-se integralmente a
processos e a procedimentos eletrônicos, ressalvado o disposto nos §§ 10 e 11 deste artigo.

Como se nota, a própria Lei nº 8.906/94 estabelece a responsabilização criminal por abuso
de autoridade diante do impedimento injustificado de acesso aos autos investigatórios e determina a
aplicação de tais prerrogativas advocatícias também para processos e procedimentos eletrônicos127.
Com efeito, no atual estágio de afirmação do Estado Democrático de Direito, a regra para
atuação do Estado é a da publicidade, por exigência expressa da Carta Magna, que no inciso LX de
seu artigo 5º dispõe que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a
defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, e no caput de seu artigo 37 elenca o
princípio da publicidade como norte de obediência por toda a Administração Pública.

127
Cita-se, como exemplo, o sistema do Inquérito Policial Eletrônico (IP-e), da Polícia Civil de São Paulo, que
informatizou o procedimento investigatório criminal previsto em lei e propicia maior celeridade nas comunicações entre
os órgãos estatais, por ser integrado ao Sistema de Automação da Justiça (SAJ), do Tribunal de Justiça paulista.
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; ORTIZ, Luiz Fernando Zambrana. Inquérito Policial Eletrônico:
tecnologia, garantismo e eficiência na investigação criminal. In: GIORDANI, Manoel Francisco de Barros da Motta
Peixoto; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de (Coord.). Estudos contemporâneos de polícia judiciária. São
Paulo: Editora LTr, 2018, p. 83-96.
97
Sendo assim, necessária a releitura da característica do inquérito policial que, na doutrina
mais conservadora, sem maiores reflexões, costuma ser considerado como sendo em regra um
“procedimento sigiloso”, com base na redação do artigo 20, caput, do Código de Processo Penal: “A
autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse
da sociedade”.
Conforme se depreende da própria redação do destacado artigo 20 do CPP, o sigilo não se
configura regra, mas exceção, sendo somente modulado e admitido enquanto demonstrada e
comprovada a sua necessidade, ou ainda, no mesmo sentido, quando o interesse público vier a
conclamá-lo128.
Hodiernamente, para a adequação dos instrumentos de formalização da investigação
criminal (inquérito policial e termo circunstanciado), à luz da garantia e do princípio da publicidade
imposto para todo o Poder Público, comando escancarado na Constituição Federal em seu citado
artigo 37, mister se faz reconhecer o inquérito policial como sendo um procedimento de
publicidade restringível129, e não sigiloso como regra.
Não se olvida que há a necessidade de restringir o acesso aos autos investigatórios, tanto
somente ao Advogado constituído, dele exigindo procuração, quanto para que o Defensor e o
investigado, por prazo determinado, não tenham conhecimento sobre diligências em curso que
possam comprometer a apuração, circunstâncias previstas no próprio Estatuto da Advocacia e a
Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), que assim dispõe nos parágrafos 10 e 11 de
seu artigo 7º:

§ 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício
dos direitos de que trata o inciso XIV.
§ 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do
advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não
documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da
eficácia ou da finalidade das diligências.

Nesse sentido também há a Súmula Vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal:


É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

128
LESSA, Marcelo de Lima. O sigilo na fase inquisitiva. São Paulo: Informativo Adpesp – Associação dos Delegados
de Polícia do Estado de São Paulo, 2004.
129
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 205-212; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTL
JR., Jaime. Publicidade do inquérito policial. Consultor jurídico, 28 mai. 2020.
98
Diante do cenário descrito, vislumbram-se três níveis de graduação da limitação à
publicidade dos autos, ou três níveis de intensidade do sigilo ao conteúdo dos procedimentos
investigatórios130:
1º) Publicidade externa: representa a regra geral, com acesso aos autos investigatórios a
qualquer interessado, não se exigindo procuração do Advogado para examinar os autos (EAOAB,
art. 7º, XIV);
2º) Publicidade interna ou sigilo externo: segundo nível correspondente ao denominado
segredo de justiça, tornando os autos acessíveis apenas às partes diretamente interessadas e seus
respectivos Advogados, exigindo procuração (EAOAB, art. 7º, § 10);
3º) Sigilo interno: terceiro e excepcional nível, afeto aos elementos relacionados a
diligências em andamento e ainda não documentadas nos autos investigatórios principais,
normalmente tramitando em autos apartados, com acesso restrito às autoridades e agentes públicos,
por imprescindível prazo determinado (EAOAB, art. 7º, § 11).
Como se observa, apesar da regra da publicidade externa, com acesso aos autos pelo
Defensor sem procuração, se a lei determinar ou o Delegado de Polícia considerar necessário para a
defesa da intimidade dos envolvidos ou do interesse social na investigação dos fatos poderá decretar
a publicidade interna (também denominada sigilo externo ou “segredo de justiça”), com base na
Carta Magna (art. 5º, LX), no CPP (art. 20) e no próprio Estatuto da Advocacia (art. 7º, § 10). Por
fim, para as diligências em andamento que possam ser comprometidas pelo acesso aos envolvidos e
seus defensores, é possível a decretação de sigilo interno, se a própria lei não o impuser, com fulcro
também no Estatuto da Advocacia (art. 7º, § 11).
Registra-se ainda que a Lei nº 13.964/2019, oriunda do projeto batizado “pacote anticrime”,
inseriu o novo artigo 3º-B no CPP, que em seu inciso XV estipula competir ao “juiz de garantias”
assegurar, quando necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos
os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que
concerne, estritamente, às diligências em andamento131.

 Interessado

130
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 205-212; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTL
JR., Jaime. Publicidade do inquérito policial. Consultor jurídico, 28 mai. 2020; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi
Ivahy. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 27.
131
O artigo 3º-B do CPP e outros dispositivos, notadamente aqueles que disciplinam o “juiz das garantias” (novos
artigos 3º-A a 3º-F do CPP), tiveram a eficácia suspensa por decisão liminar exarada pelo Ministro Luiz Fux do STF,
relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, datada do dia 22/01/2020,
véspera da entrada em vigor do “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019).
99
O tipo penal em comento é ainda mais abrangente que outros da nova lei, pois pune a
negativa também ao “interessado”. Interessado, entretanto, não é qualquer curioso, mas quem figura
como parte envolvida nos fatos investigados ou possui interesse jurídico na apuração.

 Abrangência

Vale para o procedimento investigatório preliminar (a própria nova Lei de Abuso admite a
sua existência), para o termo circunstanciado, para o inquérito policial ou para qualquer outro
procedimento similar, civil ou administrativo.
O artigo 32 da Lei nº 13.869/2019, ao criminalizar a conduta de negar acesso aos autos de
investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro
procedimento investigatório de infração penal, sedimenta a natureza de procedimento
investigatório criminal do termo circunstanciado, presidido por Delegado de Polícia, autoridade
policial por expresso comando legal (Lei nº 12.830/2013, art. 2º, § 1º), reconhecendo o instituto
como ato de polícia judiciária e o acesso ao lastro produzido na etapa extrajudicial como premissa
para o exercício do direito de defesa132.

 Acesso e aferição de cópias

A aferição de cópias também é permitida (mesmo as digitais), salvo no caso de peças


relativas a diligências em curso ou que indiquem a realização de diligências futuras.
O acesso aos autos investigatórios pode ser restringido por decisão motivada do presidente
do procedimento investigatório ou por imposição legal. Nesse sentido, o Código Penal, em seu
artigo 234-B, estipula o segredo de justiça (sigilo externo ou publicidade interna) à apuração de
delitos contra a dignidade sexual. Há disposição similar quanto aos inquéritos que tenham como
parte envolvida pessoa que vive com infecção pelos vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das
hepatites crônicas (HBV e HCV) e pessoa com hanseníase e com tuberculose, de modo a prover os

132
Não se olvida que, contrariando disposições constitucionais e legais, assim como precedentes do próprio Tribunal, o
STF, no julgamento da ADI 5.637, que impugnava a Lei Estadual nº 22.257/16 de Minas Gerais, a qual em seu artigo
191 prevê a lavratura de termo circunstanciado por todos os integrantes dos órgãos policiais estaduais, manifestou-se
pela improcedência da ação e sustentou, em síntese, que o termo circunstanciado não teria função investigativa e não
seria atribuição privativa de polícia judiciária, concluindo o relator que "tendo a norma federal indicado ser possível que
qualquer autoridade possa proceder à lavratura do termo, aos Estados cabe apenas indicá-las e foi, precisamente, o que
fez o Estado de Minas Gerais". Com a devida vênia, trata-se de entendimento baseado em premissas equivocadas.
Diverso do alegado na decisão da ADI 5.637, a norma federal (Lei 9.099/95, art. 69) é categórica em indicar à
"autoridade policial" e não a "qualquer autoridade" a lavratura do termo circunstanciado. MORAES, Rafael Francisco
Marcondes de; COELHO, Emerson Ghirardelli. Termo circunstanciado impróprio ou anômalo. Consultor jurídico, 29
mar. 2022; LESSA, Marcelo de Lima; MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; SAYEG, Ronaldo. Termo
circunstanciado e (in)segurança jurídica. Consultor jurídico, 16 dez. 2021.

100
meios necessários para garantir o sigilo externo da informação sobre essa condição, em atenção ao
artigo 5º, da Lei Federal nº 14.289, de 3 de janeiro de 2022.
Mesmo na investigação de organizações criminosas, a publicidade e o acesso aos autos à
defesa permanece como regra. O Delegado de Polícia poderá restringir justificadamente a
publicidade com base no artigo 20 do CPP combinado com os parágrafos 10 e 11 do artigo 7º do
Estatuto da Advocacia, e a Autoridade Judicial também poderá decretar o sigilo externo, na forma
do artigo 23 da Lei Federal nº 12.850/2013. Restringida a publicidade pelo Juiz de Direito, o acesso
aos autos investigatórios pelo Defensor reclamará autorização judicial, mantida a ressalva do sigilo
interno em relação às diligências em andamento133.
Como anotado, há exceções também à publicidade interna (ou sigilo externo), como nos
casos das peças cujo sigilo interno seja considerado imprescindível, notadamente para as
diligências em andamento.
Em razão da Lei Federal n° 12.850/13, art. 7º, parágrafos 2º e 3º e art. 8º, parágrafo 3º, nos
casos de homologação de acordo de colaboração premiada e infiltração de agentes, o acesso aos
autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao Delegado de Polícia, como forma de garantir o
êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos
elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de
autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento. Até o encerramento da
diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao Delegado de Polícia,
como forma de garantir o êxito das investigações.
As cópias, inclusive de procedimentos correcionais, graças aos meios tecnológicos hoje
disponíveis, poderão ser captadas por intermédio de câmeras eletrônicas, ante a ausência de
impedimento legal.
Entretanto, se as peças forem relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização
de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível, o acesso poderá ser obstado, de acordo com a
própria nova Lei de Abuso. Como vista, a ressalva do sigilo (externo ou interno), mormente o
decretado pelo Delegado de Polícia, consta da própria letra do Estatuto da Ordem dos Advogados.
As interceptações telefônicas correm em autos apartados preservando-se o sigilo das
diligências, gravações e transcrições respectivas (Lei nº Lei 9.296/96, art. 8º), de modo que o
apensamento se opera antes do relatório final.

 Identidade do Advogado

133
O parágrafo único do citado artigo 23 da Lei de Repressão às Organizações Criminosas ainda dispõe que, determinada a oitiva do investigado, seu
defensor terá assegurada a prévia vista dos autos, ainda que classificados como sigilosos, no prazo mínimo de 3 três dias que antecedem ao ato,
podendo ser ampliado, a critério do Delegado de Polícia responsável pela investigação.

101
Conforme o artigo 13 da Lei nº 8.906/94, o documento de identidade profissional do
advogado é de uso obrigatório no exercício das suas funções, constituindo prova de identidade civil
para todos os fins. Deve ser, nessas hipóteses, solicitado o documento ao profissional para que tenha
acesso ao procedimento, a fim de identificá-lo formalmente.

 Abertura de vistas

É importante que o Delegado de Polícia, ao abrir vistas ao causídico ou ao interessado, o


faça de maneira formal e mediante termo, a fim de que o exame fique documentado, inclusive
acerca de horário, local e data.

 Enunciado

Quanto ao dispositivo em comento, foi aprovado o Enunciado nº 3 do Seminário “Polícia


Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na Academia de
Polícia134, com o seguinte teor:

Enunciado nº 3: O Delegado de Polícia decretará o sigilo externo de procedimento


investigatório, fundamentadamente, para a tutela da intimidade ou do interesse social e, do
mesmo modo, determinará o sigilo interno quando houver risco de comprometimento da
eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências a serem realizadas.

10.22 Exigir informação ou cumprimento de obrigação sem amparo legal e conduta


equiparada (art. 33)

Assim dispõe o artigo 33 da Lei nº 13.869/2019:


Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de
não fazer, sem expresso amparo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único.Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo ou função pública ou
invoca a condição de agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter
vantagem ou privilégio indevido.

10.22.1 Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer,
sem expresso amparo legal (art. 33, caput)

134
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se em anexo do presente
trabalho.
102
Tipo penal similar ao de constrangimento ilegal (CP, art. 146), mas sem a exigência de
violência ou grave ameaça. Nele, pune-se a conduta de exigir informação (informe, dado, parecer,
esclarecimento, explicação etc.) ou cumprimento de obrigação (ação, encargo, exercício, tarefa
etc.), inclusive o dever de fazer (atuar) ou de não fazer (omitir-se), sem amparo legal.

 Prerrogativas ordinárias e de persecução

Pode ocorrer que o Delegado de Polícia, ao determinar a execução de determinada ação


(cumprimento de obrigação), seja questionado sobre o respaldo legal da exigência. Nesse caso, é
importante destacar que a polícia judiciária tem várias prerrogativas ordinárias e de persecução,
todas elas com espeque em lei. Nesses casos, portanto, não há que se falar na infração penal do
artigo 33 quando a Autoridade Policial as exercitá-las, também por ausência de elemento subjetivo,
podendo, inclusive, agir contra recalcitrantes injustificados.
Doravante, para lembrança e fixação, são elencadas prerrogativas legais de persecução ou
medidas que são objeto de “reserva de autoridade de polícia judiciária”, as quais constituem
matérias de reserva jurisdicional relativa135, cujo controle judicial opera-se posteriormente:

1. Prerrogativa de providenciar para que não se alterem o estado e conservação das coisas nos locais
de crime (CPP, art. 6º, I). Exemplo de poder de cautela, mirando o resguardo de elementos de
autoria a materialidade para espeque da segunda fase da persecução criminal;
2. Prerrogativa de apreender os objetos que tiverem relação com o fato delituoso, após liberação da
perícia (CPP, art. 6º, II). Exemplo de poder de cautela, mirando o resguardo de elementos de autoria
a materialidade para espeque da segunda fase da persecução criminal;
3. Prerrogativa de colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias (CPP, art. 6º, III), incluindo-se a oitiva de testemunhas. Exemplo de poder de cautela,
mirando o resguardo de elementos de autoria a materialidade para espeque da segunda fase da
persecução criminal;
4. Prerrogativa de ouvir o ofendido e o indiciado, procedendo-se ao reconhecimento de pessoas e
coisas, acareações e reproduções simuladas de fatos (CPP, art. 6º, IV, V e VI e 7º);
5. Prerrogativa de requisitar, se for o caso, exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias
(CPP, art. 6º, VII );
6. Prerrogativa de ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico (CPP, art. 6º,
VIII);
7. Prerrogativa de averiguar a vida pregressa do indiciado (CPP, art. 6º, IX);

135
Adota-se distinção entre reserva absoluta e reserva relativa de jurisdição. A primeira significa a tradicional
reserva jurisdicional, que reclama prévio controle judicial, incumbindo ao Juiz de Direito a primeira e última palavra
acerca de determinados atos estatais. A segunda afasta o monopólio judicial da primeira palavra do Poder Público, mas
mantém o derradeiro controle pelo Magistrado, autorizando assim a adoção de medidas preliminares pelo Estado-
investigação (Delegado de Polícia), sujeitas à posterior apreciação pelo Poder Judiciário. CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 584; BARBOSA, Ruchester
Marreiros. Justa causa constitucionalmente embrionária e a reserva de jurisdição. In: BARBOSA, Ruchester Marreiros;
et al. Polícia judiciária no Estado de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 75-83.

103
8. Prerrogativa de representar pela prisão temporária e prisão preventiva (CPP, arts. 13, IV e 311 e
Lei 7.960/1989, art. 2º);
9. Prerrogativa de nomear curador para o indiciado menor de 21 (vinte e um) e maior de 18
(dezoito) anos (CPP, art. 15);
10. Prerrogativa de representar ao Juiz de Direito a incomunicabilidade do indiciado, por até três
dias, quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir (CPP, art. 21, p.ú.);
11. Prerrogativa de restituir, quando cabível, as coisas apreendidas, mediante termo nos autos, desde
que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante (CPP, art. 120);
12. Prerrogativa de representar ao Juiz de Direito pelo sequestro de bens móveis, adquiridos pelo
indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro (CPP, art.
127);
13. Prerrogativa de representar pelo incidente de insanidade mental do investigado, quando houver
dúvida sobre sua integridade mental (CPP, art. 149, § 1º);
14. Prerrogativa de requisitar exame complementar nos casos de lesões corporais e primeiro exame
incompleto (CPP, art. 168);
15. Prerrogativa de, na falta de perito oficial, nomear perito ad hoc dentre pessoas que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (CPP, art. 159, § 1º);
16. Prerrogativa de ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente
(CPP, art. 181, parágrafo único);
17. Prerrogativa de, no caso de não comparecimento do perito, sem justa causa, determinar sua
condução coercitiva (CPP, art. 278);
18. Prerrogativa de negar, salvo no caso de exame de corpo de delito, perícia requerida pela parte,
quando não fora necessária ao esclarecimento da verdade (CPP, art. 184);
19. Prerrogativa de representar ao Juiz de Direito pela decretação de medidas cautelares previstas
no Código de Processo Penal (CPP, art. 282, § 2º);
20. Prerrogativa de efetuar a prisão determinada em mandado registrado no Conselho Nacional de
Justiça, mesmo que fora da competência territorial do Juiz que o expediu, adotando as precauções
necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando o Juiz que a decretou (CPP,
art. 289, §§ 1º e 2º);
21. Prerrogativa de, para cumprir mandado judicial, expedir tantos outros necessários às diligências,
devendo neles ser fielmente reproduzido o teor do original (CPP, art. 297);
22. Prerrogativa de decretar a prisão em flagrante do apresentado contra quem recaia fundada
suspeita da prática de crime, após a oitiva do condutor, das testemunhas e do conduzido (CPP, art.
304 e parágrafos), disso decorrendo, independentemente de previsão expressa, a sua independência
técnico-jurídica;
23. Prerrogativa de conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima
não seja superior a 4 anos (CPP, art. 322);
24. Prerrogativa de não conceder fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da
prisão preventiva (CPP, art. 324, IV);
25. Prerrogativa de conceder a fiança no auto de prisão em flagrante que presidir ou, no caso de
prisão por mandado, se tiver sido a custódia requisitada ao delegado (CPP, art. 332);
26. Prerrogativa de representar ao Juiz de Direito pela aplicação provisória de medida de segurança
(CPP, art. 378, II);
27. Prerrogativa de, nos casos de violação de direito autoral, apreender bens ilicitamente produzidos
ou reproduzidos, em sua totalidade, juntamente com os equipamentos, suportes e materiais que
possibilitaram a sua existência, desde que se destinem precipuamente à pratica do ilícito (CPP, art.
530-B);
28. Prerrogativa de proceder a inquérito ao tomar conhecimento de fato que, embora não
constituindo infração penal, possa determinar a aplicação de medida de segurança, a fim de
averiguar a periculosidade do agente (CPP, art. 549);

104
29. Prerrogativa de, justificadamente, solicitar ou exigir de pessoa, dados ou indicações
concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência (Decreto-Lei
3.688/1941, art.68);
30. Prerrogativa de, nos casos de realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral,
quando o ato de propaganda tiver de realizar-se em lugar designado para a celebração de comício,
ser comunicado, pelo menos 24 (vinte e quatro) horas antes de sua realização. Não havendo local
anteriormente fixado para a celebração de comício, ou sendo impossível ou difícil nele realizar-se o
ato de propaganda eleitoral, ou havendo pedido para designação de outro local, a comunicação será
feita, no mínimo, com antecedência, de 72 (setenta e duas) horas, tendo a autoridade policial, em
qualquer desses casos, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes, a prerrogativa de designar local
amplo e de fácil acesso, de modo que não impossibilite ou frustre a reunião (Lei 4.737/1965, art.
245, §§ 1º e 2º);
31. Prerrogativa de exercer o poder de polícia, assim considerado como a atividade da
administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a
prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à
higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades
econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou
ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos, considerando-se regular o exercício
do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com
observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem
abuso ou desvio de poder. (Lei 5.172/1966, art. 78, com redação dada pelo Ato Complementar
31/1966);
32. Prerrogativa de, em sendo o caso, decretar a prisão em flagrante e exigir fiança do autor do fato
que, após a lavratura do termo circunstanciado de infração de menor potencial ofensivo, não
assumir o compromisso de comparecer ao juizado (Lei 9.099/1995, art. 69, p.u.);
33. Prerrogativa de, na investigação criminal, requerer ao juiz a interceptação das comunicações
telefônicas, bem como, a de conduzir os procedimentos de interceptação e requisitar serviços e
técnicos especializados às concessionárias de serviço público (Lei 9.296/1996, arts. 3º, I, 6º e 7º);
34. Prerrogativa de representar ao Juiz, em qualquer fase da investigação, havendo necessidade para
a garantia da ordem pública, pela decretação da suspensão da permissão ou da habilitação para
dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção (Lei 9.503/1997, art. 294);
35. Prerrogativa de, nos casos de herança jacente, comparecer ao local, mediante requisição da
autoridade judiciária e, durante a arrecadação dos bens, inquirir moradores da casa ou da vizinhança
sobre a qualificação do falecido, o paradeiro de seus sucessores e a existência de outros bens (Lei
13.105/2015, art. 740, § 3º);
36. Prerrogativa de, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física
da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, afastar o agressor
imediatamente do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, quando o Município não
for sede de comarca, comunicando-se em Juiz em 24 (vinte e quatro) horas (Lei 11.304/2006, art.
12-C, II)
37. Prerrogativa de destruir drogas apreendidas, quando judicialmente autorizado (Lei 11.343/2006,
art. 50, § 4º);
38. Prerrogativa de, embora apresentado documento de identificação civil, representar ao Juiz pela
realização de identificação criminal, quando essencial às investigações policiais (Lei 12.037/2009,
art. 3º, IV);
39.Prerrogativa de, nos casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos, ser
notificado compulsoriamente pelos serviços de saúde públicos e privados (Lei 10.741/2003, art. 19,
I);
40. Prerrogativa de requerer ao Juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco
de dados de identificação de perfil genético de condenado por crime praticado, dolosamente, com
violência de natureza grave contra a pessoa, ou por qualquer crime previsto no art. 1º da Lei Federal
n° 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei 7.210/1984, art. 9º-A, § 2º);
105
41. Prerrogativa de, nos crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, ter acesso,
exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e
endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas
empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas
administradoras de cartão de crédito (Lei 9.613/1998, art. 17-B);
42. Prerrogativa de requisitar perícias, informações, documentos e dados que interessem a apuração
dos fatos (Lei 12.830/2013, art. 2º, § 2º);
43. Prerrogativa de, privativamente, proceder ao indiciamento, o qual se dará por ato
fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que indicará a autoria, materialidade e
suas circunstâncias (Lei 12.830/2013, art. 2º, § 6º);
44. Prerrogativa de requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador
nos casos de colaboração premiada (Lei 12.850/2013, art.4º, § 2º);
45. Prerrogativa de negociar, com o investigado e seu defensor, a formalização do acordo de
colaboração (Lei 12.850/2013, art. 4º, § 6º);
46. Prerrogativa de retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por
organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento
para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de
informações, comunicando previamente ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus
limites e comunicará ao Ministério Público (Lei 12.850/2013, art. 8º, § 1º);
47. Prerrogativa de representar pela infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação (Lei
12.850/2013, art. 10);
48. Prerrogativa de ter acesso, independentemente de autorização judicial, aos dados cadastrais do
investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos
pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e
administradoras de cartão de crédito (Lei 12.850/2013, art. 15);
49. Prerrogativa de ter acesso direto e permanente, pelo prazo de 5 (cinco) anos, aos bancos de
dados de reservas e registro de viagens das empresas de transporte (Lei 12.850/2013, art.16);
50. Prerrogativa de destruir, imediatamente, as plantações ilícitas de matéria-prima de droga
proibida, recolhendo quantidade suficiente para exame pericial e assegurando as medidas
necessárias para a preservação da prova (Lei 11.343/2006, art. 32);
51. Prerrogativa de, nos casos de suspeita ou de confirmação de violência praticada contra a pessoa
com deficiência, ser notificado compulsoriamente pelos serviços de saúde públicos e privados (Lei
13.146/2015, art. 26);
52. Prerrogativa de exigir, nos autos sujeitos a sigilo, procuração do advogado para que este
examine as peças e faça cópias ou apontamentos (Lei 8.906/1994, art. 7º, § 10);
53. Prerrogativa de, no caso previsto no art. 7º, XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil, delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em
andamento e ainda não documentados, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da
eficácia ou da finalidade das diligências (Lei 8.906/1994, art. 7º, § 11);
54. Prerrogativa de, nos crimes de terrorismo, representar ao Juiz pela decretação, no curso da
investigação, pela concessão de medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado,
ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos
crimes da referida Lei (Lei 13.260/2016, art. 12);
55. Prerrogativa de representar ao Juiz, em havendo indícios suficientes de infração penal, para a
decretação de medidas assecuratórias relacionadas a bens, direitos ou valores pertencentes ao
investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento,
produto ou proveito do crime de tráfico de pessoas, nos termos do art. 125 a 144-A do Código de
Processo Penal (Lei 13.344/2016, art. 8º);
56. Prerrogativa de, nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no parágrafo 3º do art. 158 e
no art. 159 do Código Penal, e no art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente, requisitar, com
prazo de atendimento em 24 (vinte e quatro) horas, de quaisquer órgãos do poder público ou de

106
empresas de iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos (CPP, art.
13-A);
57. Prerrogativa de, se necessário a prevenção ou à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de
pessoas, requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de
telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados –
como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do
delito em curso, sendo que, em não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a
autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou
telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais,
informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso,
com imediata comunicação ao juiz (CPP, art.13-B);
58. Prerrogativa de representar ao Juiz, nos casos de condutor de veículo preso em flagrante por
crime de receptação ou descaminho, pela suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir
veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção (Lei 9.503/1997, art. 278-A);
59. Prerrogativa de apresentar atestado de residência no processo de habilitação para casamento e
declaração de óbito a respeito de pessoas encontradas mortas (Lei 6.015/1973, arts. 67, § 1º e 79,
6º);
60. Prerrogativa de determinar a apreensão de Produto Controlado pelo Comando do Exército
(Decreto Federal 10.030/2019, art. 126, II).

 Enunciado

Sobre o dispositivo ora estudado, foi aprovado o Enunciado nº 7 do Seminário “Polícia


Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na Academia de
Polícia136, a seguir reproduzido:
Enunciado nº 7: A exigência de informações ou obrigações com amparo nas prerrogativas
ordinárias e de persecução atreladas ao poder-dever de presidência da investigação criminal
dos Delegados de Polícia retrata medida legítima e eventual desatendimento injustificado
pode ensejar responsabilização civil, administrativa e penal.

10.22.2 Figura equiparada para quem se utiliza de cargo ou função pública ou invoca a condição de
agente público para se eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio indevido (art.
33, parágrafo único)

 Privilégio indevido

A exibição de cédula de identidade funcional para, fora de serviço, ingressar em cinemas,


casa de shows, etc., sem efetuar o pagamento, pode configurar o comportamento vedado pela lei,
afinal, invocando a condição de agente estatal, o policial, em tese, estaria tencionado a obter
vantagem ou privilégio indevido.
No Estado de São Paulo, o artigo 10 do Decreto Estadual nº 51.102/1968, previa que, para o
desempenho de suas atribuições, os Delegados de Policia tinham livre ingresso em qualquer local
136
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo no presente
trabalho.
107
onde se realize espetáculo, função ou divertimento, com ou sem entrada paga, mesmo mediante
convite, desde que o divertimento, a função ou o espetáculo estejam sujeitos ao controle,
licenciamento ou fiscalização por parte da polícia do Estado, os funcionários da antiga Divisão de
Diversões Públicas (D.D.P.) e das Delegacias do interior incumbidos expressamente da fiscalização.
Esse dispositivo, entretanto, foi revogado pelo Decreto Estadual nº 16.680/81. Por óbvio, desde que
em efetivo serviço e justificado (para apuração de infrações penais ou diligências oficiais, por
exemplo), o acesso continua válido e exigível, tanto é que, no novo modelo de cédula de identidade
funcional instituído pela Portaria DGP-2/2021, consta expressamente que o portador tem franco
acesso a locais sujeitos à fiscalização da polícia no exercício de suas atribuições.
No caso das cortesias, o elemento subjetivo pode inexistir, se resultar de ato voluntário de
quem a oferta, salvo se o policial, alegando essa condição, tencionar obtê-la a revelia de quem de
direito, sujeitando-se ao crime da nova lei de Abuso ou outra infração mais grave como concussão
ou corrupção a título de exemplo.
Na Polícia Civil de São Paulo, a cédula de identidade funcional, que é de porte obrigatório,
tem como função identificar o integrante da instituição e legitimar o respectivo porte funcional de
arma de fogo. O Decreto Estadual nº 62.945/17, diz, em seu art. 2º, que aos Policiais Civis
identificados por distintivo e carteira de identidade funcional são asseguradas as prerrogativas
previstas em lei para o desempenho de suas atribuições institucionais, sendo ela válida como prova
de identidade civil, assegurando o porte de arma.
Desse modo, é certo que a carteira de identidade funcional é um documento de identificação,
não podendo ser usada em desconformidade com a sua função, mormente para isentar ou
privilegiar, indevidamente, o seu portador, sob pena das consequências legais.

 Prerrogativa (“privilégio” devido)

O artigo 33, parágrafo único da nova lei fala em vantagem ou privilégio indevido. Entretanto,
quando não a vantagem, mas o privilégio, for devido, inexiste crime. E quando há um privilégio
devido? Pode ser a hipótese em que um Policial Civil, armado, tiver que ingressar em
estabelecimentos vigiados.
O policial brasileiro, por força legal, tem porte de arma de fogo com validade em âmbito
nacional, decorrente da regra do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.826/03. Disciplinada essa disposição, o
artigo 26 do Decreto Federal nº 9.847/2019 estabelece que os órgãos policiais estabelecerão, em
normas próprias, os procedimentos relativos às condições para a utilização de armas de fogo de sua
propriedade, ainda que fora de serviço. O § 2º prevê que as instituições, os órgãos e as corporações,
ao definir os procedimentos a que se refere o artigo 26, disciplinarão as normas gerais de uso de
arma de fogo de sua propriedade, fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração
108
de pessoas, em decorrência de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas,
estádios desportivos e clubes, públicos e privados.
No Estado de São Paulo, vigora a Portaria DGP-40/14, a qual, em seu art. 8º, diz que o
policial civil, em razão das suas funções institucionais, é autorizado a portar arma de fogo de
propriedade particular, ou fornecida pela Polícia Civil, em serviço ou fora deste, em local público
ou privado, mesmo havendo aglomeração de pessoas, em evento de qualquer natureza, tais como no
interior de igrejas, escolas públicas, estádios desportivos e clubes, em todo território nacional. De
acordo com ao artigo 10, caput e § 1º do referido ato normativo, o policial civil deverá portar a
arma de fogo de maneira discreta, mormente nos locais onde haja aglomeração de pessoas, evitando
constrangimentos a terceiros, salvo quando em operação policial, trajando vestimenta e/ou
distintivo que o identifique. A comunicação do porte de arma ao responsável pela segurança do
local, quando solicitado, será feita também discretamente, mediante apresentação da carteira
funcional. Vale lembrar que a exibição desnecessária de arma distintivo ou algema assim como o
uso indevido de documento funcional, arma, algema ou bens da repartição configuram transgressões
disciplinares (LC 207/79, art. 63, XIX e XXX).
Desse modo, exibir identidade funcional para ingressar armado em estabelecimento vigiado,
como regra não configura irregularidade nem obtenção de privilégio indevido, mas obrigação do
Policial Civil137.
No âmbito da Polícia Civil do Estado de São Paulo, o policial civil, nos termos da Portaria
DGP-40/2014, não está obrigado a entregar sua arma ou respectiva munição como condição para
ingresso em recinto público ou privado, salvo nas hipóteses de submissão à prisão; durante
audiência judicial, a critério da autoridade judiciária; por determinação, ainda que verbal, de
Delegado de Polícia superior hierárquico e por determinação da autoridade corregedora, sempre que
tal medida se afigurar necessária. Fora tais hipóteses, como regra o policial civil não deve entregar
sua arma de fogo a quem quer que seja e tampouco deixá-la em cofres particulares, sob pena de
responder por eventual mau uso ou inadequada destinação dela138.

 Eximir-se de medida prevista em lei

Caso o policial civil, invocando essa condição, identifique-se com o propósito de isentar-se a
ser submetido a medida prevista em lei, tais como fiscalizações de trânsito, autuação por infração
administrativa, entre outras, o delito do artigo 33, parágrafo único da nova lei poderá ocorrer.
137
LESSA, Marcelo de Lima. Policiais de Folga Podem entrar Armados em Estabelecimentos Vigiados por Segurança
Privada? Teresina, Jus Navigandi, abr. 2019. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/73045>. Acesso em 04 dez.
2019.
138
LESSA, Marcelo de Lima. Policiais de Folga Podem entrar Armados em Estabelecimentos Vigiados por Segurança
Privada? Teresina, Jus Navigandi, abr. 2019. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/73045>. Acesso em 04 dez.
2019.

109
Entretanto, quando as circunstâncias assim o exigirem, o policial civil, por dever de ofício,
deve se identificar e, em sendo o caso, colaborar com quem, no exercício da função, o interpelou.
Isso porque, conforme o artigo 63, XXI, da Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo
(Lei Complementar nº 207/79), constitui transgressão disciplinar deixar de identificar-se, quando
solicitado ou quando as circunstâncias o exigirem. Logo, se a cédula de identidade funcional for
usada em conformidade com o seu propósito oficial, o agente estará isento de responsabilizações,
pois “identificar-se” se as circunstâncias reais exigirem não pode equivale à uma presunção de que
o agente estatal, apenas por executar essa atitude que a lei manda, esteja tencionando auferir
vantagem ou privilégio indevido. Mister avaliar as circunstâncias de cada caso e respectivas
justificativas.
No mais, é importante que, tratando-se de abordagem policial, o policial que na sua vida
particular seja interpelado tenha conhecimento das normas e diretrizes que disciplinem a atuação
estatal, a fim de que não se frustre a finalidade legítima do ato.
Ocorrendo qualquer evento adverso ou questionamento sobre a natureza ou legalidade do
ato, o interpelado deve agir de maneira serena e solicitar a presença dos seus superiores hierárquicos
no local, a fim de que sejam apaziguados os ânimos e garantidas as suas prerrogativas, tanto legais
quanto funcionais.

 Vantagem indevida

O tipo penal exige que o agente estatal utilize-se do cargo ou invoque a função, ou seja,
execute uma ação ativa para auferir vantagem ou privilégio indevido. Poderia se questionar, ainda, a
conduta do funcionário que, fazendo uso de uma cortesia, ingressasse, por exemplo, numa casa de
shows. No mesmo sentido, poder-se-ia questionar a ação do servidor que aceitasse uma refeição
graciosa (privilégio ou vantagem em razão da função o cargo), de determinado estabelecimento
comercial. Entretanto, seria a aceitação de uma efetiva cortesia (não solicitada) um comportamento
apto a configurar crime de abuso de autoridade?
A cortesia, isto é, a demonstração gratuita de apreço ou reverência, é um ato voluntário de
quem a oferece, afinal, no ideário popular, a gratidão ao policial, pela própria função que ele exerce
(de proteção), está arraigada no meio social e, longe de configurar uma obrigação, nada mais é do
que uma singela mostra de respeito, de educação e, enfim, de gentileza. Nessas hipóteses, como
regra o policial não estará utilizando-se do cargo ou invocando essa condição para auferir vantagem
ou privilégio, mas respondendo com polidez a ato voluntário motivado por boa vontade.

110
Portanto, não se vislumbra, em princípio, o elemento subjetivo (dolo específico) na conduta
de agente estatal que aceita um mimo ínfimo (refeição) e ocasional dessa natureza, afinal o Direito
Penal não pode se ocupar de pequenices, mormente as de crassa atipicidade penal.
Vale assinalar que, ao analisar o crime de corrupção passiva (CP, art. 317), que é mais grave,
a jurisprudência assim já entendeu139:

Excluem-se da incriminação de corrupção pequenas doações ocasionais recebidas pelo


funcionário, em razão de suas funções. Em tais casos não há de sua parte consciência de
aceitar retribuição por um ato funcional, que é elementar ao dolo do delito, nem haveria
vontade de corromper.

Não apenas no Brasil, mas também no exterior, não é incomum que alguns estabelecimentos
comerciais, em suas fachadas, ostentem placas de apreço e boas vindas ao trabalho da Polícia,
anunciando que, naquelas dependências, os policiais, como cortesia, tem direito a água, café, acesso
a internet e descontos. Dessa forma, por se tratar de costume não contrário aos princípios gerais do
Direito, não seria coerente que o agente estatal seja punido, afinal, eticamente, não é errado aceitar
uma gentileza, mormente quando vinda de maneira gratuita e respeitosa.
O que o agente público deve ter é a consciência de saber a considerável diferença entre
cortesia e temor reverencial, este sim imoral e passível de reprimenda. Aceitar, passivamente, uma
demonstração de apreço, não equivale a auferir vantagem ou privilégio, isso, por manifesta ausência
de dolo.
Destarte, a disciplina consciente, princípio da ética, deve servir de guia ao agente público, a
fim de que este, de acordo com os costumes sociais, tenha condições de equilibrar a sensatez e saber
diferenciar cortesia de peita ou improbidade, a qual, para existir, demanda demonstração de dolo ou
conluio, sob pena de responsabilidade objetiva, que é vedada no Direito Penal.

 Enunciado

Em relação ao tópico em análise, foi aprovado o Enunciado nº 8 do Seminário “Polícia


Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na Academia de
Polícia140, abaixo transcrito:

Enunciado nº 8: A identificação formal de agente estatal quando as circunstâncias


exigirem assim como a resposta cortês a ato voluntário e gratuito de particular motivado
por respeito, educação ou gentileza não configura abuso de autoridade por ausência de dolo
na conduta.

139
TJSP – AC – Rel. Humberto da Nova –RT389/93.
140
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo no presente
trabalho.
111
10.23 Antecipar atribuição de culpa antes da conclusão de apuração ou acusação (art. 38)

O artigo 38 da Nova Lei de Abuso de Autoridade tem o seguinte texto:


Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive
rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Trata-se de tipo penal inédito que, em exame preliminar, visa a potencializar a proteção ao
direito de imagem do investigado, notadamente na etapa extrajudicial do processo penal. Transmite
a ideia de que não foi direcionado apenas à investigação criminal, vocação e atribuição
constitucional das instituições de polícia judiciária, mas também a investigações por outros órgãos
públicos e de outras naturezas como os interesses difusos ou coletivos.
O crime do artigo 38 da nova lei é próprio, porquanto só pode ser cometido pelo responsável
pelas investigações. No caso das instituições de polícia judiciária, o Delegado de Polícia 141, genuína
Autoridade Policial do ordenamento nacional incumbida de presidir a investigação criminal, vale
dizer, responsável por essa missão estatal, ao passo que os seus demais agentes subordinados, sob as
ordens e supervisão do Delegado de Polícia, executam esse mister.
Não obstante, com mais razão, a ausência de permissão legal para outros órgãos públicos
conduzirem investigações criminais não lhes autoriza divulgar resultados de eventuais apurações e
atribuir culpa a sujeitos investigados142.
É figura penal dolosa e exige fim especial de agir, consubstanciado na atribuição de culpa
antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação, somado ao dolo específico expresso na
nova lei (Lei nº 13.869/19, art. 1º, § 1º).
De acordo com a redação do tipo penal deve haver, por meio de comunicação ou rede social,
atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.

 Atribuição de culpa

“Culpa”, em sentido amplo, significa responsabilidade por um ato que cause danos ou
prejuízos a terceiros. Em sentido estrito, representa um status decorrente da incontestável prática de
um ato delituoso. Ou seja, nessa hipótese, a autoridade responsável, antes de concluídas as
apurações “e” formalizada a acusação, atribui a um sujeito, por meio de comunicação ou rede

141
Lei Federal nº 12.830/13, art. 2º, § 1º.
142
Trata-se da hipótese de órgãos da acusação, aos quais não há expressa autorização constitucional ou legal para a
presidência de investigações criminais, mas que ainda assim as realizam seletivamente, invocando orientação
jurisprudencial (STF, RE 593.727) ou ainda da elaboração de documentos a título de supostos “termos
circunstanciados” para suspeitas de infrações de menor ofensivo por órgãos de polícia ostensiva como as polícias militar
ou rodoviária federal, em desrespeito à devida repartição constitucional de atribuições e poderes entre as instituições
estatais. COSTA, Adriano Sousa; FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Lei de abuso de autoridade. Salvador:
JusPodivm, 2020, p. 351-352.
112
social, afirmando que este, sumária e efetivamente, é o “culpado” (sentido estrito) do fato
investigado.
A lei usa a locução “e”, dando a ideia de que a conduta a ser punida deve ser realizada antes
do fim do inquérito policial (apuração) “e” antes da formalização da acusação (denúncia ou queixa-
crime). O legislador não utilizou o vocábulo “imputação”, que ensejaria cenário diverso, pois esta
poderia ser equivalente ao ato de indiciamento, mas não é. A decisão de indiciamento, devidamente
motivada, decorre de expresso comando legal e dos postulados da motivação e da publicidade (Lei
nº 12.830/13, art. 2º, § 6º)143.
A decisão de indiciamento é considerada o ato pelo qual o Delegado de Polícia manifesta
sua convicção jurídica motivada144 ao imputar a uma pessoa a condição de provável autor ou
partícipe da infração penal investigada no inquérito policial. Essa é a acepção do indiciamento sob o
enfoque material, é o indiciamento propriamente dito (“indiciamento material”). Este não se
confunde com as três peças dele resultantes (qualificação e interrogatório; informações sobre a vida
pregressa e identificação) que integram o chamado “formal indiciamento”, imediatamente oriundo
do indiciamento material (decisão de indiciamento), o qual, como visto, consiste na exteriorização
da convicção jurídica fundamentada do Delegado de Polícia ao reputar determinada pessoa como
provável autor ou partícipe do fato delituoso investigado145.
Até o momento do indiciamento, o sujeito é tratado como “investigado”, ou seja, mero
“suspeito” ou “averiguado” ou, apenas, como mero envolvido. Formalizado o ato, o indivíduo passa
a ser designado “indiciado” e, na concepção técnico-jurídica justificada da Autoridade Policial
presidente do inquérito policial, figura como “provável autor” do fato objeto da investigação
criminal. Trata-se, pois, da transposição de um juízo de possibilidade (mera suspeita) para outro de
probabilidade (fundada suspeita).
Nos casos de prisão em flagrante, o auto prisional substitui e equivale a uma espécie do
gênero decisão de indiciamento (Lei nº 12.830/13, art. 2º, § 6º), razão pela qual a fundada suspeita
imposta pela lei processual para decretar a custódia provisória em flagrância (CPP, art. 304, § 1º)
demanda também regular deliberação motivada, e implica da mesma maneira o formal indiciamento
do sujeito, encerrando um juízo de probabilidade calcado no convencimento pela análise técnico-
jurídica do fato, desenvolvido nos mesmos moldes e com idêntico raciocínio ao do indiciamento
exarado no curso de procedimento investigatório iniciado via portaria, conquanto realizado em sede

143
MOREIRA FILHO, Guaracy (Coord.); AZEVEDO, André Boiani e [et al]. Nova lei do abuso de autoridade
comentada artigo por artigo. São Paulo: Rideel, 2019, p. 109.
144
PEREIRA, Maurício Henrique Guimarães. Habeas Corpus e polícia judiciária. In: PENTEADO, Jaques de Camargo.
Justiça Penal, 5: tortura, crime militar, habeas corpus. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 226-227.
145
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 103-120.
113
de cognição sumaríssima, pelo qual o indivíduo preso e autuado em flagrante delito passa a figurar
como o “provável autor” da infração penal apurada146.

 Entrevistas e coletivas
O dispositivo em comento proibiu entrevistas sobre as investigações concluídas ou não pela
Polícia, e ainda pendentes de denúncia?
Não é incomum que as instituições policiais concedam coletivas acerca de fatos delituosos
graves que estejam sendo apurados. O que muda, agora, é que os Delegados de Polícia (o crime do
artigo 38 é próprio), autoridades responsáveis pelas investigações criminais, adotarão mais cautela
ao se referirem aos investigados, tomando o cuidado de, nas circunstâncias previstas na norma
(investigações inconclusas e sem a formalização de acusação), não atribuir culpa formal aos
suspeitos.
No inquérito policial, o Delegado de Polícia “indicia”. E indiciar, em verdade, é indicar,
motivadamente, “autoria”, “materialidade” e “circunstâncias”, em sede de juízo concreto de
probabilidade que poderá, ou não, ser confirmado em juízo. Assim, quando, no curso das
investigações, a Autoridade Policial reunir elementos suficientes acerca da autoria da infração
penal, ela exara a decisão que desencadeia o “formal indiciamento” do suspeito, resultando nos atos
de qualificação e interrogatório, identificação e obtenção de informações sobre a vida pregressa.
Na linha da Lei nº 12.830/13 (art. 2º, § 6º), no Estado de São Paulo (Portaria DGP-18/1998,
art. 5º), a decisão de indiciamento é materializada em despacho fundamentado do Delegado de
Polícia presidente do inquérito policial instaurado via portaria, ou ainda no bojo de auto de prisão
em flagrante, como modalidade do gênero decisão de indiciamento.
Na decisão, a Autoridade Policial pormenorizará, com base nos elementos probatórios
objetivos e subjetivos coligidos na investigação, os motivos de sua convicção quanto a autoria
delitiva e a classificação infracional atribuída, mediante análise técnico-jurídica do fato
perscrutado, que indicará autoria, materialidade e suas circunstâncias.
O CPP, em seu artigo 239, dispõe que “indício” consiste na circunstância conhecida e
provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou
outras circunstâncias. Ou seja, é uma conclusão por indução e não por certeza, retratando um juízo
de probabilidade. Na sentença, ao fim do processo penal, há um juízo de certeza via aplicação da
regra de julgamento para além de qualquer dúvida razoável para se atribuir culpa ao acusado 147. Na
presença de dúvidas, absolve-se, prestigiando a máxima in dubio pro reo, inserta na garantia da
presunção de não culpa (CF, art. 5º, LVII).

146
MORAES, Rafael Francisco Marcondes de; PIMENTEL JR., Jaime. Polícia judiciária e a atuação da defesa na
investigação criminal. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 103-120.
147
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 22.
114
Desse modo, deve ficar claro que as instituições de polícia judiciária não atribuem culpa em
sentido estrito, o que só pode ocorrer no final do processo criminal, por eventual sentença
condenatória prolatada pelo Juiz de Direito competente.
Pois bem, como então se portar numa entrevista ou numa coletiva com a imprensa? Cada
instituição policial do país tem regras específicas.
No Estado de São Paulo, a Polícia Civil possui atos normativos sobre a prestação de
informações. Segundo a Portaria DGP-30/97, as Autoridades Policiais devem abster-se de divulgar
fatos sobre os quais tenham ciência em razão das funções que exercem, limitando-se, quando
indagadas pelos meios de comunicação, a divulgar exclusivamente, em relação a tais fatos,
informações cujo conhecimento pelo público seja de manifesto interesse policial; que não causem
prejuízo às investigações e que não afetem a intimidade, a honra, ou a imagem das pessoas
envolvidas (art. 1º, I, II e III), sendo defeso às Autoridades e aos demais policiais civis, divulgar
informações sobre atos investigatórios (art. 2º).
Logo, entrevistas não são proibidas e nem poderiam ser. Aliás, a aproximação entre a Polícia
e os meios de comunicação é essencial em um Estado Democrático de Direito e aspecto que
fortalece a prestação de informações e a transparência estatal.
Nesse passo, nas hipóteses de pronunciamento à imprensa sobre investigações policiais em
curso ou findas, é prudente que o Delegado de Polícia responsável, diante da nova Lei de Abuso,
mantenha postura profissional imparcial e observe algumas diretrizes:
I – Evitar emitir juízos de valor confirmativos ou opinião pessoais sobre o fato delituoso e
em especial sobre o(s) seu(s) autor(res), salvo se já houver acusação formal, creditando ao
impedimento legal eventuais indagações nesse sentido;
II – Esclarecer que eventual culpa só será atribuída ao(s) indiciado(s) na fase judicial da
persecução penal, caso seja ela deflagrada, à luz do princípio constitucional da presunção de não
culpa;
III – Esclarecer que a decisão de indiciamento retrata um juízo de probabilidade motivado
por indicativos de autoria, materialidade e circunstâncias do evento apurado, o que não significa
antecipação de culpa, esta só atribuída ao indiciado em juízo, em caso de sentença condenatória;
IV – Assinalar que as instituições de polícia judiciária não acusam, apuram os fatos de modo
imparcial, por não estarem atreladas nem à acusação e nem à defesa, sem encerrar juízos de certeza;
V – Consignar que o Delegado de Polícia é uma autoridade imparcial (sem vínculo com a
acusação oficial e nem com a defesa técnica), tendo por compromisso apurar a verdade atingível e
garantir o contraditório possível (mitigado ou extrajudicial) aos investigados, a fim de assegurar os
direitos fundamentais e a paridade de forças entre as partes (defesa e acusação) de um futuro
processo judicial;
115
VI – Ponderar que quaisquer informações que atinjam indevidamente as investigações, bem
como a intimidade, a honra ou a imagem das pessoas envolvidas (e não apenas os suspeitos) não
serão divulgadas;
VII – Esclarecer que as investigações, se exitosas, limitaram-se a demonstrar que existem
indícios em desfavor do suspeito, os quais foram angariados nos autos do inquérito policial, que tem
como destinatário o Poder Judiciário, que o submeterá ao órgão responsável por formular eventual
acusação;
VIII – Esclarecer que eventuais informações que possam antecipar culpa do indiciado antes
da acusação formal não serão fornecidas, diante de óbice legal, atentando-se a questionamentos
nesse sentido;
IX – Em suma, observar que dados gerais sobre a dinâmica do fato criminoso, sobre o
acervo probatório coligido (sem prejuízo aos atos investigatórios); sobre testemunhas (salvo as
protegidas, por óbvio); sobre medidas cautelares não sigilosas (buscas, prisões, etc.), em tese
poderão ser divulgados com as devidas reservas, pois não encerram juízo individualizado de culpa,
este sim defeso.

 Enunciado

Quanto ao ponto sob análise, foi aprovado o Enunciado nº 9 do Seminário “Polícia


Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019)”, realizado na Academia de
Polícia148, abaixo colacionado:

Enunciado nº 9: A exposição dos fundamentos do juízo de probabilidade voltado a indicar


autoria, materialidade e circunstâncias do fato apurado, inerente à decisão de indiciamento,
ato privativo do Delegado de Polícia, não exprime prévia atribuição de culpa própria da
acusação formal, porquanto decorrente de exigência legal e dos postulados da publicidade e
da motivação dos atos estatais.

11 LEGISLAÇÃO ESPECIAL ALTERADA

A Lei nº 13.869/2019 altera dispositivos das Leis Federais n° 7.960/1989 (prisão


temporária); n° 9.296/1996 (interceptação telefônica); n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente) e n° 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil).

148
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, cujos enunciados aprovados encontram-se como anexo no presente
trabalho.
116
11.1 Lei de Prisão Temporária

O artigo 40 da Lei nº 13.869/19 altera o artigo 2º da Lei n° 7.960/89, que passa a prever que
o mandado de prisão temporária conterá necessariamente o período de duração da prisão temporária
estabelecido no caput do artigo (como regra cinco dias), bem como o dia em que o preso deverá ser
libertado. Decorrido o prazo contido no mandado prisional, a autoridade responsável pela custódia,
independentemente de nova ordem judicial, colocará imediatamente o preso em liberdade, salvo se
já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da conversão em prisão
preventiva. Inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão
temporária.
Oportuno lembrar que, em relação aos requisitos da prisão temporária, no julgamento
conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.360 e nº 4.109 (sessão virtual de
04/02/2022 a 11/02/2022), o STF deu interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos
da Lei Federal nº 7.960/1989. Em suma, prevaleceu posição no sentido de serem requisitos da
prisão temporária, além daqueles expressos no referido diploma disciplinador, consubstanciados na
imprescindibilidade para as investigações no inquérito policial (periculum libertatis), e na
existência de fundadas razões de envolvimento do suspeito na prática dos delitos de rol taxativo
(fumus comissi delicti), conforme Lei nº 7.960/89, art. 1º, I e III, também requisitos previstos no
CPP para a custódia preventiva: a justificação da custódia em fatos novos ou contemporâneos (CPP,
art. 312, § 2º), a adequação à gravidade concreta do crime, às circunstâncias fáticas e às condições
pessoas do investigado (CPP, art. 282, II) e ainda o não cabimento de medidas cautelares diversas
da prisão (CPP, art. 282, § 6º). Quanto à previsão do investigado não possuir residência fixa ou não
fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade (Lei nº 7.960/89, art. 1º, II), o
STF considerou não se tratar de requisito necessário da prisão temporária (portanto, dispensável) e
que não pode ser utilizado isoladamente para a decretação da custódia cautelar.

11.2 Lei de Interceptação Telefônica

O artigo 41 da Lei nº 13.869/19 modifica a redação do tipo penal previsto no artigo 10 da


Lei n° 9.296/1996, que criminaliza com pena de reclusão, de 2 a 5 anos, a conduta de realizar
interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta
ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados
em lei. Foi acrescentada a conduta de “promover escuta ambiental” no referido artigo 10 da Lei nº
9.296/96.

117
Também foi acrescida pela nova Lei de Abuso figura equiparada no § 1º do artigo 10 da Lei
nº 9.296/96, segundo a qual incorrerá na mesma pena o Juiz de Direito que determinar a execução
da medida com objetivo não autorizado em lei.
A escuta ambiental, conquanto com emprego da expressão “captação ambiental”, está
elencada como meio de obtenção de prova na Lei nº 12.850/13 (art. 3º, II) e a partir da nova Lei nº
13.964/2019, fruto do denominado “pacote anticrime”, foi acrescido o artigo 8º-A na Lei nº
9.296/1996, assim disciplinando a aludida medida149:
Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a
requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de
sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:
I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e
II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.
§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação
do dispositivo de captação ambiental.
§ 2º A instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando
necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa,
nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal.
§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por
decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova
e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.
§ 4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da
autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa,
quando demonstrada a integridade da gravação.
§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação
específica para a interceptação telefônica e telemática.

Outrossim, a mesma Lei nº 13.964/2019 também inseriu o artigo 10-A na Lei nº 9.296/1996,
criminalizando a realização de captação ambiental sem autorização judicial, ressalvando que não há
ilícito se a captação é realizada por um dos interlocutores (§ 1º) e cominando pena em dobro ao
funcionário público que descumprir sigilo das investigações que envolvam a medida ou revelar o
conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial (§ 2º).

11.3 Estatuto da Criança e do Adolescente

O artigo 42 da Lei nº 13.869/19 insere o artigo 227-A na Lei n° 8.069/1990, com a seguinte
redação:
Art. 227-A Os efeitos da condenação prevista no inciso I do caput do art. 92 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para os crimes previstos nesta lei,
praticados por servidores públicos com abuso de autoridade, serão condicionados à
ocorrência de reincidência.
Parágrafo único. A perda do cargo, do mandato ou da função, nesse caso, independerá da
pena aplicada na reincidência.

149
Os parágrafos 2º e 4º, do artigo 8º-A da Lei nº 9.296/96, inseridos pela Lei Federal nº 13.964/2019 ("Pacote
Anticrime") foram vetados pelo presidente da República. Todavia, tais vetos foram derrubados pelo Congresso Nacional
e a atual redação dos dispositivos foi publicada no Diário Oficial da União em 30/04/2021.
118
11.4 Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil

O artigo 43 da Lei nº 13.869/19 acrescenta o artigo 7º-B na Lei n° 8.906/1994 (EAOAB),


que veicula infração penal com a redação abaixo reproduzida, cuja pena cominada foi reformada
pela Lei Federal nº 14.365, de 2 de junho de 2022 e ampliada, do patamar de 3 meses a 1 ano,
para o patamar de 2 a 4 anos de detenção:
Art.7º-B Constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos no incisos II,
III, IV e V do caput do art. 7º desta Lei:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Oportuno destacar que o artigo 7º do EAOAB, assim estipula em seus incisos II, III, IV e V,
como direitos do Advogado:
II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos
de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que
relativas ao exercício da advocacia;
III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração,
quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou
militares, ainda que considerados incomunicáveis;
IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado
ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos
demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB
V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de
Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão
domiciliar.

Em relação ao inciso II (inviolabilidade do escritório), oportuno lembrar que cabe mandado


de busca cumprido na presença de representante da OAB quando presentes indícios de prática
criminosas por parte de Advogado, disciplinado do próprio EAOAB (artigo 7º, § 6º).
Anota-se que a citada Lei nº 14.365/2022 acrescentou os parágrafos 6º-A a 6º-I no artigo 7º
do Estatuto da Advocacia150, com as seguintes redações:
§ 6º-A. A medida judicial cautelar que importe na violação do escritório ou do local de
trabalho do advogado será determinada em hipótese excepcional, desde que exista
fundamento em indício, pelo órgão acusatório.
§ 6º-B. É vedada a determinação da medida cautelar prevista no § 6º-A deste artigo se
fundada exclusivamente em elementos produzidos em declarações do colaborador sem
confirmação por outros meios de prova
§ 6º-C. O representante da OAB referido no § 6º deste artigo tem o direito a ser respeitado
pelos agentes responsáveis pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão, sob pena
de abuso de autoridade, e o dever de zelar pelo fiel cumprimento do objeto da investigação,
bem como de impedir que documentos, mídias e objetos não relacionados à investigação,
especialmente de outros processos do mesmo cliente ou de outros clientes que não sejam
pertinentes à persecução penal, sejam analisados, fotografados, filmados, retirados ou
apreendidos do escritório de advocacia
§ 6º-D. No caso de inviabilidade técnica quanto à segregação da documentação, da mídia
ou dos objetos não relacionados à investigação, em razão da sua natureza ou volume, no
momento da execução da decisão judicial de apreensão ou de retirada do material, a cadeia
de custódia preservará o sigilo do seu conteúdo, assegurada a presença do representante da
OAB, nos termos dos §§ 6º-F e 6º-G deste artigo.

150
Houve de início veto presidencial em relação aos parágrafos 6º-A a 6º-C, assim como aos parágrafos 6º-F a 6º-H,
quando da publicação do novo diploma no dia 2 de junho de 2022. Contudo, tais vetos foram derrubados pelo
Congresso Nacional, com promulgação dos dispositivos conforme publicação no dia 8 de julho de 2022.
119
§ 6º-E. Na hipótese de inobservância do § 6º-D deste artigo pelo agente público responsável
pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão, o representante da OAB fará o
relatório do fato ocorrido, com a inclusão dos nomes dos servidores, dará conhecimento à
autoridade judiciária e o encaminhará à OAB para a elaboração de notícia-crime.
§ 6º-F. É garantido o direito de acompanhamento por representante da OAB e pelo
profissional investigado durante a análise dos documentos e dos dispositivos de
armazenamento de informação pertencentes a advogado, apreendidos ou interceptados, em
todos os atos, para assegurar o cumprimento do disposto no inciso II do caput deste artigo.
§ 6º-G. A autoridade responsável informará, com antecedência mínima de 24 (vinte e
quatro) horas, à seccional da OAB a data, o horário e o local em que serão analisados os
documentos e os equipamentos apreendidos, garantido o direito de acompanhamento, em
todos os atos, pelo representante da OAB e pelo profissional investigado para assegurar o
disposto no § 6º-C deste artigo.
§ 6º-H. Em casos de urgência devidamente fundamentada pelo juiz, a análise dos
documentos e dos equipamentos apreendidos poderá acontecer em prazo inferior a 24 (vinte
e quatro) horas, garantido o direito de acompanhamento, em todos os atos, pelo
representante da OAB e pelo profissional investigado para assegurar o disposto no § 6º-C
deste artigo.
§ 6º-I. É vedado ao advogado efetuar colaboração premiada contra quem seja ou tenha sido
seu cliente, e a inobservância disso importará em processo disciplinar, que poderá culminar
com a aplicação do disposto no inciso III do caput do art. 35 desta Lei, sem prejuízo das
penas previstas no art. 154 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal).

Em relação ao novo § 6º-A do artigo 7º do EAOAB, apesar da redação confusa, evidente


que a medida de busca também pode ser provocada mediante representação do Delegado de Polícia,
presidente da respectiva investigação criminal que envolva suspeita de prática delituosa por
causídico151.
Já o § 6º-C pretende inibir a pesca probatória (fishing expedition), consistente na apreensão
indiscriminada e injustificada de documentos e objetos mas que, aparentemente, desconsidera que,
na prática, o representante da OAB não terá condições de avaliar minuciosamente o que interessa ou
não à investigação policial e assim impedir a análise, fotografação, filmagem, retirada ou apreensão
de documentos, mídias e objetos não relacionados à investigação, mormente de outros casos do
mesmo cliente ou de outros clientes que não sejam pertinentes à persecução penal. Não se olvida
que a autoridade presidente da investigação é quem, como regra, possui condições e
responsabilidade de realizar tais avaliações, inclusive, sobre o fenômeno da serendipidade objetiva
(descoberta casual de outros delitos) ou subjetiva (descoberta de coautores ou partícipes)152.
Ademais, os parágrafos 6º-D a 6º-H contêm previsões sobre inviabilidade técnica de
segregação de documentação, de mídia ou de objetos e correlata cadeia de custódia para
preservação sob sigilo, por ocasião da execução da ordem judicial de busca no local de trabalho
advocatício, e ainda assegura ao profissional investigado e ao representante da OAB acompanharem
a análise do material apreendido, disposições que corroboram o direito de acesso aos autos
reconhecido na Súmula Vinculante 14 e também no inciso XIV, do próprio artigo 7º do Estatuto da

151
CUNHA, Rogerio Sanches; ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves. Lei 14.365/2022: limites à violação do escritório
ou do local de trabalho do advogado. Meu site jurídico, 11 jul. 2022.
152
CUNHA, Rogerio Sanches; ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves. Lei 14.365/2022: limites à violação do escritório
ou do local de trabalho do advogado. Meu site jurídico, 11 jul. 2022.
120
Advocacia, cuja aplicação deve ocorrer com razoabilidade, a fim de inibir eventuais abusos que
pretendam desvirtuar prerrogativas em embaraços indevidos às investigações153.
Quanto à prerrogativa advocatícia do inciso III, vale reportar aos comentários sobre a
infração penal do artigo 20 da Lei nº 13.869/19, que pune a conduta de impedir injustificadamente a
entrevista pessoal e reservada do preso com seu Advogado, cenário que na prática poderá ensejar
eventual conflito aparente entre as duas normas.
Na busca de uma solução para as duas infrações penais coexistirem, a partir de uma análise
focada no sujeito passivo, acredita-se que a conduta dolosa de agente estatal dirigida diretamente ao
indivíduo preso, a obstar indevidamente que seja ele entrevistado por seu defensor, tende a
caracterizar delito do artigo 20 da Lei nº 13.869/2019, enquanto a ação deliberada que se volte
contra o próprio Advogado e viole a prerrogativa profissional de comunicação com o respectivo
cliente, estará propensa à configuração do artigo 7º-B do EAOAB. Na dúvida, pondera-se que
prevalecerá a imputação da infração penal mais branda ao eventual agente estatal suspeito, na
hipótese, atualmente a figura do artigo 20 da Lei contra o Abuso de Autoridade (6 meses a 2 anos de
detenção), considerando que a pena cominada ao delito do artigo 7º-B do Estatuto da Advocacia
passou a ser mais severa (2 a 4 anos de detenção), após a alteração promovida pela aludida Lei nº
14.365/2022.
No que tange à prerrogativa do inciso IV, do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, a presença
de representante da OAB é reclamada se o Advogado estiver no exercício profissional. Nas demais
situações, notadamente na vida particular, a decretação da prisão em flagrante e correlata
formalização seguirão normalmente, bastando a comunicação expressa à respectiva seccional da
OAB.
Por derradeiro, sobre a prerrogativa do inciso V, do artigo 7º, que prevê o recolhimento do
Advogado preso em sala de “Estado Maior”, a expressão é entendida como referente a grupo de
oficiais que assessoram o comandante de uma organização militar (Forças Armadas ou Polícias
Militares). Conquanto o dispositivo mencione que, na falta da aludida “sala de Estado Maior”, o
Advogado seja colocado em prisão domiciliar, há posição jurisprudencial no sentido de que a
ausência de espaço dessa natureza, por si só, não enseja a prisão domiciliar, sendo suficiente uma
cela especial, com condições de salubridade e dignidade humana, separada de outros presos154. Na
aludida hipótese, a autoridade responsável pela custódia do Advogado preso pode oficiar órgãos
militares locais para verificar a disponibilidade de uma sala de Estado de Maior.

153
CUNHA, Rogerio Sanches; ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves. Lei 14.365/2022: limites à violação do escritório
ou do local de trabalho do advogado. Meu site jurídico, 11 jul. 2022.
154
CUNHA, Rogério Sanches; GRECO, Rogério. Abuso de autoridade: Lei 13.869/2019 comentada artigo por artigo.
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orientação no sentido de que não faz jus à citada prerrogativa o Advogado suspenso dos quadros da OAB (STJ, HC nº
368.393-MG, j. 20/09/2016).
121
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126
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ZAVATTARO, Mayra dos Santos. Depoimento especial: aspectos jurídicos e psicológicos de acordo
com a Lei 13.431/2017. Belo Horizonte: D'Plácido, 2018.

127
ANEXO A

Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Nova Lei de Abuso de Autoridade


(Lei 13.869/2019)155

Enunciado nº 1: Ao Delegado de Polícia é garantida autonomia intelectual para interpretar o


ordenamento e decidir, de modo imparcial e fundamentado, quanto ao rumo das diligências
adotadas e quanto aos juízos de tipicidade, ilicitude, culpabilidade e demais avaliações de caráter
jurídico imanentes à presidência da investigação criminal.

Enunciado nº 2: A decretação da prisão em flagrante pelo Delegado de Polícia mediante lavratura


de auto prisional, como espécie de decisão de indiciamento, demanda avaliação do requisito
temporal, previsto nas hipóteses do artigo 302 do CPP, assim como do requisito probatório,
consubstanciado na fundada suspeita do § 1º do artigo 304 do CPP, sem prejuízo da apuração dos
fatos em sede de inquérito policial instaurado via portaria na ausência dos aludidos requisitos legais.

Enunciado nº 3: O Delegado de Polícia decretará o sigilo externo de procedimento investigatório,


fundamentadamente, para a tutela da intimidade ou do interesse social e, do mesmo modo,
determinará o sigilo interno quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou
da finalidade das diligências a serem realizadas.

Enunciado nº 4: O vocábulo “preso”, empregado no artigo 18 da Lei Federal 13.869/2019, abrange


o custodiado temporário ou preventivo e não equivale ao mero investigado que, asseguradas as
garantias fundamentais, sobretudo o direito de autodefesa e de acionar defesa técnica, poderá ser
ouvido em declarações, sem prejuízo de pronta representação pela prisão provisória diante da
suspeita de envolvimento em prática delitiva pretérita e do preenchimento dos requisitos legais.

Enunciado nº 5: A expressão “repouso noturno”, do artigo 18 da Lei Federal 13.869/2019, abrange


período em que as pessoas ordinariamente descansam e dormem, consubstanciando parâmetros
desse elemento normativo, segundo juízo motivado do Delegado de Polícia responsável, os
costumes e convenções locais, a vedação temporal entre 21 horas de um dia e 5 horas do dia
seguinte para a execução de busca domiciliar prevista no inciso III do § 1º do artigo 22 do mesmo
diploma legal, assim como o interstício entre o pôr do sol e a aurora do dia subsequente.

Enunciado nº 6: A obtenção e o uso de prova cuja licitude seja objeto de controvérsia


jurisprudencial ou doutrinária estão albergados na ressalva de divergência na interpretação de lei ou
na avaliação de fatos e provas do § 2º do artigo 1º da Lei Federal 13.869/2019.

Enunciado nº 7: A exigência de informações ou obrigações com amparo nas prerrogativas


ordinárias e de persecução atreladas ao poder-dever de presidência da investigação criminal dos
Delegados de Polícia retrata medida legítima e eventual desatendimento injustificado pode ensejar
responsabilização civil, administrativa e penal.

Enunciado nº 8: A identificação formal de agente estatal quando as circunstâncias exigirem assim


como a resposta cortês a ato voluntário e gratuito de particular motivado por respeito, educação ou
gentileza não configura abuso de autoridade por ausência de dolo na conduta.

Enunciado nº 9: A exposição dos fundamentos do juízo de probabilidade voltado a indicar autoria,


materialidade e circunstâncias do fato apurado, inerente à decisão de indiciamento, ato privativo do

155
Evento realizado no dia 19 de novembro de 2019, na Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da
Polícia Civil do Estado de São Paulo.
128
Delegado de Polícia, não exprime prévia atribuição de culpa própria da acusação formal, porquanto
decorrente de exigência legal e dos postulados da publicidade e da motivação dos atos estatais.

Enunciado nº 10: Quando a notícia de fato não viabilizar instauração de procedimento


investigatório, o Delegado de Polícia responsável determinará a verificação da procedência das
informações a título de investigação preliminar sumária, em atenção ao artigo 5º, § 3º, do CPP, sem
prejuízo de ulterior acautelamento fundamentado enquanto não obtidos elementos indiciários que
denotem justa causa para deflagrar o procedimento legal cabível.

129
ANEXO B

Resolução nº 2, de 8 de novembro de 2017, do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil


(CONCPC)
Recomenda a atuação dos policiais civis nos casos de crimes dolosos contra a vida e os crimes
previstos na legislação comum praticados por militar contra civis.

O CONSELHO NACIONAL DOS CHEFES DE POLÍCIA CIVIL, no uso das competências


previstas no art. 1º do Estatuto do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil,

Considerando os termos do art.125, § 4º, da Constituição Federal que estabelece que “Compete à
Justiça Militar estadual julgar os militares do Estado, nos crimes militares definidos em lei e as
ações judiciais contra ato disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima
for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e
da graduação das praças.”;

Considerando o disposto no art.6º do CPPM: Obedecerão às normas processuais previstas neste


Código, no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos recursos e à execução
de sentença, os processos da Justiça Militar Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a
que responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares;

Considerando que a “mens legis” da Lei 13.491 de 04 de abril de 2017 é dispor sobre a “jurisdição
competente para julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares, nos termos
da ementa original do projeto de lei”;

Considerando que o objetivo da lei, conforme amplamente divulgado pela imprensa nacional e
enunciado pelos atores políticos da União envolvidos na sua propositura e aprovação, mormente o
Ministro da Defesa, é alcançar atos relacionados à atuação das Forças Armadas em tempos de paz;

Considerando os termos do art. 3º, § 1º, da Lei 13.491/17, segundo o qual “os crimes de que trata
este artigo, quando dolosos contra a vida e cometido por militares contra civis, serão da
competência do tribunal do júri; e

Considerando os termos do art. 5º, inc. XXXVIII, alínea “d” da CF.

RESOLVE

Art. 1º. Considerar atribuição da Polícia Civil e da Polícia Federal, segundo o caso, investigar os
crimes dolosos contra a vida e os crimes previstos na legislação comum praticados por militares
contra civis, sendo de competência da Justiça Militar Estadual somente os crimes expressamente
previstos no Código Penal Militar, quando praticados em serviço ou em razão deste.

Art. 2º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Registre e publique-se.

Santarém, 08 de novembro de 2017.

130
ANEXO C

Enunciados aprovados no I Seminário Integrado da Polícia Judiciária da União e do Estado


de São Paulo: Repercussões da Lei 12.830/13 na Investigação Criminal156

Enunciado nº 1: A expressão “polícia judiciária” designa o complexo de atividades exercidas


pelas Polícias Civil e Federal, tendentes à apuração de autoria, materialidade e demais
circunstâncias das infrações penais comuns, à execução do policiamento preventivo especializado e
ao desempenho de funções típicas de auxílio amplo à prestação jurisdicional penal, sempre sob
direção e responsabilidade do Delegado de Polícia.

Enunciado nº 2: A nomenclatura “Autoridade Policial”, de que tratam o Código de Processo Penal,


a Lei nº 9.099/95 e a legislação correlata, refere-se ao Delegado de Polícia, integrante de carreira
jurídica, presidente das atividades de polícia judiciária e dirigente das Polícias Civil e Federal.

Enunciado nº 3: A denominada “denúncia anônima”, como meio precário de cognição da “notitia


criminis” pelo Delegado de Polícia, não consubstancia justa causa para instauração de inquérito
policial ou para representação por medidas cautelares, conquanto subsista a possibilidade de seu
aproveitamento como subsídio a preliminares e informais diligências investigatórias, a serem
desenvolvidas com cautela e em estrito respeito aos direitos e garantias individuais.

Enunciado nº 4: Na presidência da investigação criminal, cabe ao Delegado de Polícia exercer o


juízo de legalidade e oportunidade sobre diligência indicada pelos interessados na promoção da
futura acusação ou defesa, sob o ponto de vista da conveniência da investigação e de sua
conformidade legal.

Enunciado nº 5: O indiciamento é ato privativo do Delegado de Polícia e exclusivamente


promovido nos autos de inquérito policial adrede instaurado, devendo ser necessariamente
antecedido de despacho circunstanciado contendo os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão,
bem como a completa tipificação provisória da conduta incriminada.

Enunciado nº 6: É lícito ao Delegado de Polícia reconhecer, no instante do indiciamento ou da


deliberação quanto à subsistência da prisão-captura em flagrante delito, a incidência de eventual
princípio constitucional penal acarretador da atipicidade material, da exclusão de antijuridicidade ou
da inexigibilidade de conduta diversa.

Enunciado nº 7: Configura poder-dever do Delegado de Polícia, ao término da lavratura do auto


flagrancial, tornar insubsistente a prisão em flagrante delito e determinar a imediata soltura do
indivíduo preso, nas hipóteses de carência de elementos seguros de autoria e materialidade da
infração penal, bem como da presença de indícios suficientes de eventuais circunstâncias
acarretadoras da atipicidade, da exclusão da antijuridicidade ou da inexigibilidade de conduta
diversa.

Enunciado nº 8: Constitui poder-dever do Delegado de Polícia reconhecer eventual causa de


exclusão de ilicitude e, fundamentadamente, abster-se de elaborar auto de prisão em flagrante delito
em desfavor do indivíduo autor do fato meramente típico, sem prejuízo da imediata instauração de
inquérito policial.

Enunciado nº 9: Descabe instauração de procedimento administrativo de caráter disciplinar que


tenha por objetivo único a análise relativa à decisão de natureza exclusivamente jurídica adotada
156
Evento realizado no dia 26 de setembro de 2013, na Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da Polícia
Civil do Estado de São Paulo.
131
pelo Delegado de Polícia e fundada em sua livre convicção jurídica motivada, subsistindo, todavia,
a exigibilidade de explicitação da motivação fática e jurídica informadora daquele convencimento.

Enunciado nº 10: É ilegal o ato de remoção de Delegado de Polícia que não decorra de
transferência a pedido ou, na hipótese de interesse público, de decisão do órgão colegiado
competente, ainda que a medida não implique designação a município diverso e resguardado, em
qualquer caso, o direito à prévia manifestação do interessado.

Enunciado nº 11: O ato administrativo que determina a avocação de inquérito policial, ou de outro
procedimento análogo previsto em lei, reclama, como pressuposto de validade dos atos
investigatórios subseqüentes, circunstanciada motivação que, necessariamente, deverá estar
relacionada à indevida condução da investigação, suficientemente demonstrada.

Enunciado nº 12: O correto pronome de tratamento exigível nas comunicações oficiais


endereçadas ao Delegado de Polícia deverá ser o de “Vossa Excelência”.

132
ANEXO D

Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 13.964/2019 ("Pacote


Anticrime")157

Enunciado nº 1: A tipificação em sede de decretação de prisão em flagrante na audiência de


apresentação e garantias do artigo 304 do CPP impõe motivação, a fim de evitar ilegalidade
suscetível de relaxamento da custódia, ainda que sobrevenha desclassificação e concessão de
liberdade decorrentes da divergência de interpretação.

Enunciado nº 2: A representação por prisões provisórias e medidas cautelares sujeitas à reserva


jurisdicional absoluta demanda exposição motivada dos substratos concretos que denotem a
subsunção às respectivas hipóteses legais.

Enunciado nº 3: Presentes os requisitos legais, admite-se o não arbitramento fundamentado de


fiança extrajudicial pelo Delegado de Polícia, com a representação pela conversão da custódia em
flagrante em preventiva, cumulada ou não com outras medidas cautelares cabíveis.

Enunciado nº 4: O Delegado de Polícia pode formular proposta de acordo de colaboração premiada


ao investigado quando reputar presentes as hipóteses legais, bem como analisar proposta de acordo
elaborada pelo suspeito assistido por defesa técnica e ainda verificar a necessidade de instrução
prévia para a formalização do negócio jurídico processual (Lei 12.850/2013, arts.3º-B e 4º,§ 6º).

Enunciado nº 5: A decretação e a autuação de prisão em flagrante decorrente da ação de agente


disfarçado, cabível nos delitos de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art.33, §1°, IV) e de comércio
ilegal ou tráfico internacional de arma de fogo (Lei 10.826/2003, arts.17, § 2° e 18, parágrafo
único), exigem a demonstração da presença de elementos indiciários de conduta criminal
preexistente por parte do autuado.

Enunciado nº 6: O prosseguimento dos inquéritos policiais em curso que apuram crime de


estelionato depende da manifestação da vítima, ou de seu representante legal, sobre o seu interesse
em oferecer representação, nos termos do artigo 171, § 5º, do Código Penal, inserido pela Lei
13.964/2019.

Enunciado nº 7: Aos inquéritos policiais em curso, instaurados antes da vigência da Lei


13.964/2019 para apurar fatos relacionados ao uso de força letal praticados no exercício funcional,
em que figurem como investigados servidores das instituições elencadas no artigo 144 da
Constituição Federal, aplicam-se as disposições do artigo 14-A do CPP, mediante notificação do
investigado para constituir defensor no prazo de 48 horas e, no silêncio deste, da instituição
respectiva.

157
Evento realizado no dia 15 de janeiro de 2020, na Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da Polícia
Civil do Estado de São Paulo.
133
ANEXO E

Enunciados aprovados no Webinário Polícia Judiciária e o Acordo de Não Persecução


Penal158

Enunciado nº 1: O Delegado de Polícia, na qualidade de titular da investigação criminal, possui


legitimidade para representar ao Juiz de Direito pela não homologação de eventual proposta de
ANPP, quando reputar que a medida pode ser prejudicial à apuração do caso ou de fatos correlatos.

Enunciado nº 2: O Delegado de Polícia, na qualidade de titular da investigação criminal, pode


informar a existência de indícios de ilícitos penais ou de circunstâncias que inviabilizariam a
celebração de ANPP no pedido de dilação de prazo, na comunicação da prisão em flagrante, no
relatório final ou em outra manifestação formulada ao Poder Judiciário.

Enunciado nº 3: O Delegado de Polícia, na qualidade de titular da investigação criminal, pode


cientificar o investigado acerca do potencial cabimento de ANPP no caso apurado, bem como
instruir os autos com protocolo de intenções, se houver interesse do suspeito e de seu defensor.

Enunciado nº 4: O Delegado de Polícia, na qualidade de titular da investigação criminal, pode


relatar o inquérito policial diante da confissão voluntária do investigado corroborada por outros
elementos que denotem autoria e materialidade delitiva e que autorizem a celebração de ANPP,
desde que inexistentes indícios de outros ilícitos ou envolvidos a serem apurados.

Enunciado nº 5: O Delegado de Polícia, na qualidade de titular da investigação criminal, no


momento do interrogatório, preliminarmente, além do direito constitucional ao silêncio, pode
esclarecer ao indiciado que a confissão voluntária consubstancia requisito para a celebração de
ANPP.

158
Evento realizado nos dias 03 e 04 de dezembro de 2020, pela Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”,
da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
134
ANEXO F

Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 14.321/2022 (violência


institucional)159

Enunciado nº 1: A tomada de decisão justificada pelo delegado de polícia acerca da necessidade de


adoção de procedimentos que envolvam vítima de infração penal ou testemunha de crimes violentos
abrange a divergência na interpretação de lei ou na avaliação fática e probatória do artigo 1º, § 2º,
da Lei 13.869/2019.

Enunciado nº 2: O delito do artigo 15-A, da Lei 13.869/2019, as disposições sobre tratamento da


Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006, artigo 10-A), assim como aquelas inseridas pela Lei Mariana
Ferrer (Lei 14.245/2021, CPP, artigos 400-A e 474-A e Lei 9.099/1995, artigo 81, §1º-A) e as
previstas na Lei de Depoimento Especial de crianças e adolescentes (Lei 13.431/2017, artigo 4º,
IV), integram microssistema de proteção da dignidade procedimental de vítimas e testemunhas e
funcionam como referenciais nas decisões adotadas pelo delegado de polícia na presidência de
investigações criminais.

Enunciado nº 3: O pedido formulado por defensor de investigado ao delegado de polícia para


acompanhar audiências policiais de declarações de vítima ou depoimentos de testemunha será
decidido, justificadamente, a partir da manifestação da pessoa a ser inquirida e à luz dos direitos e
garantias fundamentais envolvidos, sem prejuízo, caso indeferido, de posterior exame dos autos,
para regular exercício do direito de defesa.

Enunciado nº 4: O Delegado de Polícia avaliará a necessidade de realização de reconhecimento de


pessoa, presencial ou fotográfico, e justificará eventuais circunstâncias ou irregularidades que
prejudiquem ou inviabilizem a observância do artigo 226 do Código de Processo Penal.

159
Evento realizado no dia 24 de maio de 2022, pela Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da Polícia
Civil do Estado de São Paulo (ACADEPOL).
135
ANEXO G

Enunciados aprovados no Seminário Polícia Judiciária e a Lei 14.344/2022 (Henry Borel)160

Enunciado nº 1: O Delegado de Polícia, titular da investigação criminal, possui legitimidade para


formular representação justificada ao Poder Judiciário com vistas à determinação de medida
protetiva de urgência voltada a tutelar crianças, adolescentes ou mulheres vítimas ou testemunhas
de violência doméstica ou familiar, sobretudo se vislumbrar potencial intimidação inibidora da livre
manifestação de vontade da pessoa ofendida ou de seu representante.

Enunciado nº 2: Para a medida de afastamento do lar, do domicílio ou do local de convivência com


a vítima, prevista no artigo 14, III, da Lei 14.344/2022, assim como no artigo 12-C, III, da Lei
11.340/2006, considera-se disponível o Delegado de Polícia responsável no momento pelo
atendimento de polícia judiciária da circunscrição do fato apurado.

Enunciado nº 3: A Polícia Civil integra o sistema de garantias de direitos da criança e do


adolescente, de modo a fomentar a articulação com demais atores da rede de proteção e do sistema
de justiça, desde o atendimento inicial de casos penais no âmbito extrajudicial.

Enunciado nº 4: Na aplicação e interpretação da lei pelo Delegado de Polícia, na presidência da


investigação criminal de suspeitas de violência doméstica ou familiar, serão consideradas as
condições peculiares da mulher e também da criança e do adolescente, assim como os fins sociais a
que se destinam as normas integrantes do microssistema de proteção (Lei 8.069/1990, artigo 6º, Lei
11.340/2006, artigo 4º e Lei 13.431/2017, artigo 3º).

Enunciado nº 5: O Delegado de Polícia, titular da investigação criminal, possui legitimidade para


formular representação fundamentada ao Poder Judiciário destinada à produção antecipada de prova
para a audiência judicial de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência.

160
Evento realizado no dia 24 de maio de 2022, pela Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”, da Polícia
Civil do Estado de São Paulo (ACADEPOL).
136

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