Você está na página 1de 320

PAULO HENRIQUE ARANDA FULLER

GUSTAVO OCTAVIANO DINIZ JUNQUEIRA


ANGELA C. CANGIANO MACHADO

PROCESSO PENAL
ll.a edição
revista, atualizada e ampliada

fXl ELEMENTOS 8
[ l\lrDO DIREITO 8

Coordenação jqq N
Marco Antonio Araujo Jr. - anos editoraRT?
Darlan Barroso revista dos tribunais
PAULO HENRIQUE ARANDA FULLER

Mestre em Direito Penal pela Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo -
PUC-SP. Professor de Processo Penal e
Legislação Penal Especial no Complexo
Educacional Damásio de Jesus. Juiz de
Direito em Minas Gerais.
professorphfuller.com

GUSTAVO OCTAVIANO DINIZ JUNQUEIRA


Doutor e Mestre em Direito Penal pela
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo - PUC-SP. Especialista em Direito
Penal pela Universidade de Salamanca.
Professor de Direito Penal na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP,
de pós-graduação na Escola Superior do
Ministério Público de São Paulo, na Escola
Paulista de Direito - EPD, na Academia de
Polícia Civil do Estado de São Paulo -
Acadepol e no Complexo Educacional Damásio
de Jesus. Coordenador do Departamento de
Estudos e Processos Legislativos do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM.
Defensor Público Assessor da Defensoria
Pública Geral de São Paulo.

ANGELA C. CANGIANO MACHADO


Professora. Ex-diretora do curso Prima.
Palestrante e mediadora em cursos e
congressos jurídicos.

EDITORAI \1 IRi?
REVISTA DOS TRIBUNAIS
ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR
Tel.: 0800-702-2433
www.rt.com.br
PAULO HENRIQUE ARANDA FULLER
GUSTAVO OCTAVIANO DINIZ JUNQUEIRA
ANGELA C. CANGIANO MACHADO

ll.® edição
revista, atualizada e ampliada

"

|Xa ELEMENTOS q |
l\TDO DIREITO O J
Coordenação
Marco Antonio Araujo Jr.
Darlan Barroso

EDITORA rcr?
REVISTA DOS TRIBUNAIS
ELEMENTOS
DO DIREITO

PROCESSO PENAL
Paulo Henrique Aranda Fuller
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira
Angela C. Cangiano Machado

Coordenação
Marco Antonio Araujo Jr.
Darlan Barroso

11 .f edição revista, atualizada e ampliada


"
9J
. edição, 1. tiragem: agosto de 2009; 2 a tiragem: janeiro de 2010;
J â
.
tiragem: fevereiro de 2010; 4 a tiragem: março de 2010; 5a tiragem: agoslo de 2010;
10.i edição, 1a tiragem: novembro de 2010; 2a tiragem: abril de 2011.

© desta edição [2012]


Editora Revista dos Tribunais Ltda.
Antonio Belinelo
Diretor responsável
Visite nosso site
www.rt.com.br
Central de Relacionamento RT
(atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas)
Tel. 0800-702-2433

e-mail de atendimento ao consumidor


sac@rt.com.br

Rua do Bosque, 820 - Barra Funda


Tel. 11 3613-8400 - Fax 1 1 3613-8450
CEP 01136-000 - São Paulo, SP - Brasil
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou
processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fono-
gráficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como
a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas
proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação
dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena
de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a
110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

Impresso no Brasil [02 - 2012]


Universitário (texto)
Fechamento da edição em [13.02.2012]

ISBN 978-85-203-4295-4
À minha esposa Michelle Marie pelo
,

infinito amor,dedicação e compreensão,


sem o que nada seria possível. Aos meus
pais, pelo amor e educação. Aos mestres
Gustavo e Fauzi, pelo apoio e pelos
conhecimentos sempre generosamente
compartilhados.

Paulo Henrique Aranda Fuller

À Flávia, pelo amor paciência e compreensão.


,

Gustavo Octaviano Diniz Junqueira

À minha mãe pelo apoio e incentivo. Aos


meus filhos Guilherme e Maria Eduarda
pelas horas ausentes. Ao meu marido
Eduardo pela compreensão e dedicação .

Angela C. Cangiano Machado


Nota da Editora

isando ampliar nosso horizonte editorial para oferecer livros ju-


rídicos específicos para a área de Concursos e Exame de Ordem,
com a mesma excelência das obras publicadas em outras áreas, a Editora
Revista dos Tribunais apresenta a nova edição da coleção Elementos
do Direito.

Os livros foram reformulados tanto do ponto de vista de seu


conteúdo como na escolha e no desenvolvimento de projeto gráfico
mais moderno que garantisse ao leitor boa visualização do texto, dos
resumos e esquemas.

Além do tradicional e criterioso preparo editorial oferecido pela


RT, para a coleção foram escolhidos coordenadores e autores com alto
cabedal de experiência docente voltados para a preparação de candidatos
a cargos públicos e bacharéis que estejam buscando bons resultados
em qualquer certame jurídico de que participem.
Apresentação da Coleção

om orgulho e honra apresentamos a coleção Elementos do Direito,


fruto de cuidadoso trabalho, aplicação do conhecimento e didática
de professores experientes e especializados na preparação de candidatos
para concursos públicos e Exame de Ordem. Por essa razão, os textos
refletem uma abordagem objetiva e atualizada, importante para auxi-
liar o candidato no estudo dos principais temas da ciência jurídica que
sejam objeto de arguição nesses certames.
Os livros apresentam projeto gráfico moderno, o que torna a leitura
visualmente muito agradável e, mais importante, incluem quadros,
,

resumos e destaques especialmente preparados para facilitar a fixação


e o aprendizado dos temas recorrentes em concursos e exames.
Com a coleção, o candidato estará respaldado para o aprendizado
e para uma revisão completa, pois terá a sua disposição material atu-
alizado de acordo com as diretrizes da jurisprudência e da doutrina
dominantes sobre cada tema.

Esperamos que a coleção Elementos do Direito continue cada vez


mais a fazer parte do sucesso profissional de seus leitores.

Marco Antonio Araujo Jr.


Darlan Barroso

Coordenadores
Sumário

NOTA DA EDITORA. 7

APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO. 9

1
.
DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL. 21
1 . 1 Introdução. 21
11
. . 1 Princípio do devido processo legal. 21
1 1
. .
2 Princípio do contraditório. 22
1 1
. 3. Princípio da ampla defesa. 22
1 1
.
4.
Princípio da presunção de inocência. 24
1.1.5 Princípio acusatório. 24
1 2
.
Aplicação e interpretação da lei processual penal. 25
12 1
. .
Aplicação da lei processual penal no tempo. 25
122
. .
Interpretação e integração da lei processual penal. 26
2 . DO INQUÉRITO POLICIAL. 29
21 .
Introdução: a persecução penal. 29
22 . Conceito, finalidade e destinatários do inquérito policial. 30
23 . Características do inquérito policial. 31
23 1
. .
Inquisitividade (unilateralidade). 31
232
. .
Oficiosidade. 33

23
.
3 .
Indisponibilidade. 33
234
. .
Dispensabilidade. 34
234 1
. . Dispensabilidade na Lei 9.099/1995 (JECrim).
. 35
235
. .
Escrito. 35

23
.
6 Sigilo.
.
35
2 .
4 Questões pontuais. 36
24 1
. .
Curador. 36
12 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

24 1
. . .
1 A figura do curador em face do Código Civil (Lei
10.406/2002) . 37
242
. .
Inquéritos extrapoliciais. 41
242
. .
1 Investigação criminal direta pelo Ministério Público
.
41
24. 3
. Identificação criminal. 42
244
. .
Incomunicabilidade do indiciado. 43

24.
5 .
Vícios no inquérito policial. 44
2. 5 Formas de instauração do inquérito policial. 44
25 1
. .
Ação penal pública incondicionada. 45
252
. .
Ação penal pública condicionada. 46
253
. .
Ação penal privada. 46
2.
6 Prazos para o encerramento do inquérito policial. 46
26. .
1 Prazos especiais. 47
2.
7 Encerramento do inquérito policial. 48
27 1
. .
Encerramento do inquérito policial em crimes de ação pe-
nal pública. 48
2 72
. .
Encerramento do inquérito policial em crimes de ação pe-
nal privada. 49
273
. . Encerramento anormal: o trancamento do inquérito poli-
cial . 50

3 . DA AÇÃO PENAL. 51
3 1 .
Conceito. 51

3 2
. Condições da ação. 51
32.
1 .
Possibilidade jurídica do pedido (ou da acusação). 52
322
. .
Interesse processual. 55
323
. .
Legitimidade ad causam . 58
33 . Espécies de ação penal. 60
3 4
.
Ação penal pública. 60
34 1
. .
Titularidade. 61
34. . 2 Princípios. 61
342
. . .
1 Obrigatoriedade. 61
342
. . .
2 Indisponibilidade. 61
3423
. . .
Oficialidade e oficiosidade. 61
3424
. . .
Intranscendência. 62
3425
. . .
Divisibilidade. 62

34. .
3 Início da ação penal pública. 63
Sumário 13

343
. 1 Prazo para o oferecimento de denúncia.
. . 63
34
.
4 .
Espécies: a ação penal pública incondicionada. 63
345
. . Espécies: a ação penal pública condicionada. 63
345
. . .
1 Ação penal pública condicionada à representa-
ção do ofendido ou de seu representante legal .. 64
345
. .
2
.
Ação penal pública condicionada à requisição
do Ministro da Justiça. 66
3 5
. Ação penal privada (ou de iniciativa privada). 67
35
.1 .
Início da ação penal privada. 67
35
.2 . Titularidade do direito de queixa. 67
353
. . Prazo para o exercício do direito de queixa. 68
354
. .
Princípios da ação penal privada. 68
354 1
. .
Oportunidade ou conveniência.
.
68
3542
. . Disponibilidade.
. 69
3543
. . .
Indivisibilidade. 69
354
. . .
4 Intranscendência. 69
35
. . 5 Espécies de ação penal privada. 70
355
. 1 Comum, propriamente dita ou exclusivamente
. .

privada. 70
3552
. . .
Personalíssima. 70

3 Ação penal privada subsidiária (da pública).


355
. . .
70
3 .
6 Casos específicos de ação penal. 72
36 1
. .
Lesões corporais . 72
362
. .
Crimes contra a honra. 73
363
. .
Crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra
vulnerável. 73
3 . 7 Outras classificações da ação penal. 74
371
. .
Ação penal pública subsidiária da pública. 74
372
. .
Ação penal (privada) adesiva. 75
373
. .
Ação penal secundária. 75
374
. . Ação penal extensiva. 75
375
. . Ação penal de prevenção. 76
376
. .
Ação penal ex officio. 76
3 7
. . 7 Ação penal popular. 76
3 . 8 Denúncia ou queixa. 76
38
. .
1 Requisitos comuns da denúncia e da queixa (art. 41 do
CPP). 77
38 1
. . .
1 Requisito específico da queixa (art. 44 do CPP).. 79
14 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

38. .
2 Causas de rejeição liminar da denúncia ou queixa (art.
395 do CPP). 79

4 . DA AÇÃO CIVIL EX DELICTO . 83


4 .
1 Introdução. 83
4 2
. Ação civil de conhecimento (art. 64 do CPP). 83
4 3
. Ação de execução civil (art. 63 do CPP). 84
4 4
.
Repercussão civil da absolvição criminal. 86
45 .
Outros casos... 88

4 .
6 Legitimidade extraordinária do Ministério Público. 88
5 .
DA COMPETÊNCIA. 89
5 1 .
Conceito . 89

5 .
2 Critérios de concretização da competência. 89
52. .
1 Competência das Justiças Especiais. 89
52 1 1
. . Justiça Federal.
. 90
52. .
2 Competência por prerrogativa de função. 95
522 1
. .
Outras imunidades do Presidente da República .
.
97
522
. .
2 Conflito entre competência por prerrogativa de
.

função e competência em razão da matéria (ra-


tione materiae). 100
522
. .
3
.
Competência por prerrogativa de função e exer-
cício funcional: o cancelamento da Súmula
394 do STF e a alteração do art. 84 do CPP (Lei
10.628, de 24.12.2002). 103
52.
3 .
Competência territorial (ou de foro). 107
52.
4 .
Competência de juízo. 107
5 .
3 Competência por conexão ou continência. 108
53 1
. .
Competência por conexão. 108
53 1 1 .Conexão intersubjetiva (art. 76, I, do CPP).
. . 108
53 12 .
Conexão objetiva, lógica ou material (art. 76, II,
. .

do CPP). 110
53 1
. . .
3 Conexão objetiva ou material e os crimes dolo-
sos contra a vida. 112
53 1
. . .
4 Conexão probatória ou instrumental (art. 76, III,
do CPP) .
113

532
. .
Competência por continência (art. 77 do CPP). 114
532 1
. .
Continência por cumulação subjetiva (art. 77, I,
.

do CPP). 114
Sumário 15

532
. . 2
. Continência por cumulação objetiva (art. 77, II,
doCPP). 114
532
. . . 3 Distinção entre as continências por cumulação
subjetiva e objetiva. 115
5
.
4 Foro prevalente. 115
6 . DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES. 117
6 .
1 Das questões prejudiciais. 117
6 . 2 Das exceções. 118
62
. .
1 Modal idades de defesa. 118
62
. .
2 Conceito. 119
62
. . 3 As "exceções" (objeções) processuais. 120
62
. . 4 As exceções do Código de Processo Penal (art. 95, I a V).. 120
624 1
. . Suspeição (art. 95, I, do CPP).
.
120
6242
. .
Incompetência de juízo (art. 95, II, do CPP).
.
124
6243
. .
Litispendência e coisa julgada (art. 95, III e V, do
.

CPP). 127
4 Ilegitimidade de parte (art. 95, IV, do CPP).
624
. . .
127
6 .
3 Das medidas assecuratórias. 128
63 1
. . Do sequestro. 128
632
. . Hipoteca legal e arresto. 129
633
. . Arresto prévio. 130
63
. . 4 Observações. 130
6 .
4 Da insanidade mental do acusado. 130
65 .
Incidente de falsidade. 132
6 .
6 Sujeitos do processo. 133
661
. .
O juiz. 133
662
. .
Do Ministério Público. 136
66
. .
3 Do acusado. 136
664
. .
Do defensor. 136
665
. .
Dos assistentes. 138
66
. . 6 Dos funcionárias da Justiça. 139
66
. .
7 Dos peritos e intérpretes. 139
7 .
DAS PROVAS. 141

7 .
1 Conceito. 141
7 . 2 Sistema de apreciação da prova (art. 155 do CPP). 141
7 . 3 Fonte de prova. 142
16 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

7 .
4 Meio de prova. 142
7 .
5 Ónus da prova (art. 156 do CPP). 142
7 . 6 Momentos da prova. 143
76.
1 . Produção antecipada da prova. 143
7 . 7 Provas vedadas ou proibidas. 144
7 .
8 Das provas em espécie. 144
78 1
. .
Dos exames periciais. 144
78 1 1 .
Do exame de corpo de delito (art. 158 do CPP).
. .
146
782
. .
Do interrogatório. 146
782 1
. . .
Conceito. 146

782
.
2 . .
Natureza jurídica. 147
7823
. . .
Principais aspectos. 149
7824
. . .
Forma e local do interrogatório (videoconferên-
cia). 151
782
. . . 5 Procedimento: as fases do interrogatório e o di-
reito ao silêncio . 152
782
.
6 . .
Conteúdo do interrogatório. 154
782
.
7 . .
Obrigatoriedade de realização do interrogatório 158
7828
. . .
Possibilidade de novo interrogatório (reinterro-
gatório). 158
783
. .
Da confissão. 158
78. . 4 Da acareação. 159
78. . 5 Das declarações do ofendido. 159
78. .
6 Das testemunhas. 164
786 1
. . .
Conceito. 164

786
. . . 2 Distinção entre testemunha e ofendido. 164
786
. . .
3 Capacidade para ser testemunha. 165
7864
. . .
Deveres das testemunhas. 166
786
. . . 5 Dever de comparecimento. 166
786
. . .
6 Dever de depor. 166
78 6
. . .
7 Dever de dizer a verdade. 170
786
. 8 Procedimento do depoimento.
. . 172
787
. . Do reconhecimento de pessoas e coisas. 174
788
. .
Da prova documental (arts. 231 a 238 do CPP). 1 74
789
. . Busca e apreensão. 175

8 .
MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS. 177
Sumário 17

8 .
1 Noções gerais. 177
8 . 2 Regras gerais para a aplicação das medidas cautelares pessoais no
processo penal (art. 282). 1 78
82 1
. . A regra da proporcionalidade {caput e incisos I e II). 178
82 1 1.
A regra da proporcionalidade em face da sus-
. .

pensão condicional do processo, da pena poten-


cial e do menor potencial ofensivo. 180
822
. . A estrutura da motivação dos provimentos cautelares. 181
822 1 . Condição de admissibilidade (art. 283, § 1.°).
. . 182
8222 . .
Requisitos cautelares: o fumus commissi delicti..
.
182
8223 . .
Requisitos cautelares: o periculum libertatis (art.
.

282,1). 183
822
. . . 4 Determinação da medida cautelar pessoal a ser
aplicada (art. 282, §§ 1. e 6.°).
°
184
822
. . .
5 Procedimento para aplicação das medidas cau-
telares pessoais (art. 282, § 2.°). 184
8 2 2 5 1 Contraditório prévio (art. 282, § 3.°)...
. . . .
185
822
. . .
6 Descumprimento das medidas cautelares pes-
soais (art. 282, § 4.°). 186
822
. . . 7 A situacionalidade das medidas cautelares pes-
soais (art. 282, § 5.°). 187
822
. . .
8
A subsidiariedade e excepcionalidade da prisão
preventiva (art. 282, § 60) .
188

8 . 3 Prisões cautelares (processuais ou provisórias). 188


83 1
. . Justificativa da prisão processual (provisória ou cautelar).. 192
83
. . 2 Espécies de prisão processual (provisória ou cautelar). 193
832
. . .
1 Da prisão em flagrante. 193
832 1
. . . . 1 Controle jurisdicional da prisão em
flagrante (art. 310 do CPP). 197
832 1
. . . 2 Conversão da prisão em flagrante em
.

preventiva e a proibição da sua decre-


tação ex officio durante a investigação
criminal (arts. 310, II, e 311 do CPP).. 197
8.3.2.2 Da prisão temporária. 198
832
. . . 3 Da prisão preventiva. 200
8323
. . . .
1 Prisão preventiva substitutiva, em caso
de descumprimento injustificado de
medidas cautelares diversas da prisão
18 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

(arts. 282, § 4.°, e 312, parágrafo úni-


co, do CPP). 204
8323
. .
2 Procedimento para decretação da pri-
. .

são preventiva (art. 311 do CPP). 206


8 3 2 3 3 Substituição da prisão preventiva por
. . . .

prisão domiciliar (arts. 317 e 318 do


CPP). 206
832
. . .
4 Prisão por pronúncia e por condenação recorrí-
vel. 207

83.
3 .
Requisitos fundamentais para qualquer espécie de prisão. 207
8 .
4 Medidas cautelares diversas da prisão (arts. 319 e 320 do CPP). 207
8 .
5 Liberdade provisória. 209
9.
PROCEDIMENTOS. 213

9 . 1 Noções Gerais. 213


9 1
. .
1 Da suspensão condicional do processo. 213
92 . Dos Procedimentos Penais (art. 394 do CPP). 215
92. .
1 Do procedimento comum ordinário. 216
92 1
. 1 Oferecimento da denúncia ou queixa.
. . 216
92 12
. .
Rejeição liminar (art. 395 do CPP) ou "recebi-
.

mento da denúncia ou queixa (art. 396, caput,


"

do CPP). 217
9.2.1.3 Citação do acusado. 219
92 14
. . .
Apresentação da resposta à acusação (arts. 396 e
396-A). 225
92 1
. . . 5 Absolvição sumária (art. 397 do CPP). 227
92 1
. . .
6 Designação da audiência de instrução e julga-
mento (art. 399, caput). 228
92 1
. . .
7 Audiência de instrução e julgamento (art. 400,
caput). 229
92 1
. . .
8 Requerimento de diligências complementares
(art. 402). 230
92 1
. . . 9 Sentença (arts. 381 a 392 do CPP). 231
92. .
2 Do procedimento comum sumário (arts. 531 a 538 do
CPP). 237
922
. . .
1 A fase inicial dos arts. 395 a 397 do CPP (art.
394, §4.°). 238
922
. 2 Audiência de instrução e julgamento (art. 531)..
. . 238
92. .
3 Do procedimento da Lei 9.099/95. 239
Sumário 19

923
. . .
1 Fase preliminar (arts. 69 a 76). 240
9232
. . .
Procedimento Sumaríssimo. 242
923
. . . 3 Procedimento das infrações penais de menor
potencial ofensivo no Juízo comum (art. 538 do
CPP). 244
92
.
4
.
Do procedimento especial dos crimes contra a honra (arts.
519 a 523 do CPP). 244
924
. . . 1 Audiência de tentativa de conciliação. 245
924
. . . 2 Exceção da verdade. 246
92
. .
5 Do procedimento especial dos crimes funcionais (art. 513
do CPP) .
247

925 1
. . .
Procedimento. 247
92
. .
6 Do procedimento especial dos crimes falimentares. 248
926
. 1 Natureza jurídica da sentença que decreta a fa-
. .

lência ou concede a recuperação. 250


926
. . . 2 Prescrição nos crimes falimentares. 251
92
. .
7 Do procedimento dos crimes de tráfico de drogas (atual
Lei de Drogas - Lei 11.343/2006). 251
92 7 1
. . .
Procedimento. 252

92
. . 8 Procedimento especial do júri. 253
928
.
1 Aspectos gerais do júri.
. .
253
9282
. . Fases do procedimento do júri.
. 254
10. DAS NULIDADES. 271

10.1 Noções Gerais. 271


10.2 Nulidades absolutas e relativas. 272

10.3 Rol de nulidades expressamente previstas no CPP. 276


11. DOS RECURSOS. 281

11.1 Noções gerais. 281


11.1.1 Conceito . 281

11.1.2 Princípios norteadores dos recursos. 281


11.1.2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição. 281
11.1.2.2 Princípio da voluntariedade. 281
11.1.2.3 Princípio de fungibilidade. 282
11.1.2.4 Princípio da proibição da reformatio in pejus .... 282
11.1.3 Pressupostos recursais. 283
11.1.4 Efeitos. 284
20 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

11.1.5 Juízos recursais: admissibilidade e mérito. 285


11.2 Dos recursos em espécie. 285
11.2.1 Recurso em sentido estrito (arts. 581 a 592 do CPP). 285
11.2.2 Apelação (arts. 593 a 603 do CPP). 291
11.2.3 Embargos infringentes e de nulidade (art. 609, parágrafo
único, do CPP). 293
11.2.4 Embargos de declaração (arts. 619 e 620 do CPP). 293
11.2.5 Carta testemunhável (arts. 639 a 646 do CPP). 294
11.2.6 Correição parcial. 295
11.2.7 Recurso ordinário constitucional. 296

11.2.8 Recurso especial. 296


11.2.9 Recurso extraordinário. 298

11.2.10 Agravo contra decisão de inadmissibilidade dos recursos


especial e extraordinário. 300
11.2.11 Agravo em execução. 300
11.2.12 Agravo regimental. 301

12. AÇÕES IMPUGNATIVAS. 303


12.1 Revisão Criminal (arts. 621 a 631 do CPP). 303
12.2 Habeas Corpus (arts. 647 a 667 do CPP, e art. 5.°, LXVIII, da CF)... 307
12.3 Mandado de Segurança. 313
12.4 Reclamação Constitucional. 316
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 317
Dos Princípios do Direito
Processual Penal

1 1 INTRODUÇÃO
.

O Processo Penal visa possibilitar a concretização do poder estatal de


punir da forma mais eficaz, ou seja, a aplicação efetiva do Direito Penal, sempre
dentro de limites que garantam ao indivíduo a preservação de sua dignidade.
As duas funções se relacionam de forma dialética, mas em um Estado De-
mocrático de Direito as garantias do indivíduo não podem ser desprezadas
em prol das finalidades do Estado. Daí a presença de princípios que, em sua
maioria , dizem respeito às garantias individuais.
Alguns princípios e regras serão examinados em momento oportuno,
introduzindo os temas pertinentes. Arrolaremos, por ora, apenas os princípios
mais abstratos, para que seja possível o desenvolvimento da matéria.

1 1 . . 1 Princípio do devido processo legal


A ideia do dueprocess oflaw, talvez uma das mais antigas conquistas do
indivíduo contra abusos do poder estatal, tem reconhecimento expresso na
Constituição Federal (art. 5.°, LIV).
Sempre é relacionado com a ideia de que o sujeito tem direito a ser proces-
sado nos ditames da lei, sem abusos ou exceções. Como a lei é elaborada com
a atuação dos pares e representantes do indivíduo (Câmara dos Deputados),
os abusos estariam repelidos.
Atualmente, classifica-se tal visão como devido processo legal formal,
permitindo diferenciação com outra face do princípio, mais atual e garantista:
o devido processo legal material.
A ideia é de que o processo jamais pode tangenciar a dignidade da pes-
soa humana, e deve ser interpretado sempre de forma a privilegiá-la. Entre
duas interpretações possíveis, na analogia, na compreensão doutrinária dos
22 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

institutos, sempre deve ser privilegiada a noção de preservação da dignidade


da pessoa como consequência inafastável do Estado Democrático de Direito.
,

Assim, ainda que a lei seja omissa acerca de garantia essencial para a ma-
nutenção da dignidade ela deverá ser obedecida, em respeito à face material
,

do devido processo legal.

1 1
. .
2 Princípio do contraditório
Ciência e participação. O indivíduo tem o direito de estar ciente de todos
os atos, para que possa se comportar de forma coerente e conveniente com
sua pretensão. Tem força constitucional expressa.
Além da ciência
é preciso que tenha condições de participar do processo,
,

produzindo provas, elaborando pedidos, indicando providências.


A grande inspiração do processo moderno é essa em que as partes estão ,

em igualdade (não tratamento igual mas que as deixem em pé de igualdade,


,

respeitando as desigualdades) na busca dos respectivos interesses .

Tal princípio acaba redundando na necessidade de fundamentação das


decisões jurisdicionais com apreciação das teses das partes pois se esvaziaria ,

o direito de participação (base do contraditório) se a parte elaborasse grande


rol de argumentos que viesse a ser desprezado pelo julgador Tem o direito .

a participar do processo e ter sua participação respeitada com o exame de ,

suas teses em respeito ao contraditório. Vale lembrar que a obrigatoriedade


,

de fundamentação das decisões jurisdicionais é expressa na Constituição


Federal (art. 93 IX, da CF/1988).
,

1 1
.
3 Princípio da ampla defesa
.

A especificação do contraditório permite visualizar de forma mais de-


talhada suas possibilidades. A Constituição Federal traz expressa a garantia
de ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes.
A ampla defesa costuma ser traduzida como a soma da autodefesa e da
defesa técnica.

A autodefesa é garantia individual uma vez que é humana a necessidade


,

de poder, pessoalmente argumentar acerca da própria inocência ou justificar


,

os próprios atos. Seria degradante impedir a pessoa de se expor perante o re-


presentante do Estado de forma direta, o que, aliás, torna bastante controversa
a constitucionalidade de atos praticados por videoconferência em especial, ,

o interrogatório. Por outro lado, apenas o envolvido sabe exatamente onde


Cap. 1 . Dos Princípios do Direito Processual Penal 23

estava no momento dos fatos, e tem conhecimento das circunstâncias que


lhe podem ser favoráveis.
A defesa técnica é a garantia de que o ensejo de liberdade do indivíduo
será traduzido para a linguagem jurídica da melhor forma, e que a parte terá
como aproveitar todas as faculdades permitidas pela lei na defesa de seu inte-
resse. Apenas a defesa técnica tem condição de participar do processo de forma
apta a influir no resultado dentro dos limites impostos pelo mundo jurídico.
A autodefesa sem defesa técnica é grito desarticulado, emoção sem razão.
A defesa técnica sem autodefesa é forma sem conteúdo. Apenas o conjunto
pode satisfazer a garantia constitucional, sob pena de nulidade.
A defesa técnica é exercida por profissional legalmente habilitado (advo-
gado inscrito nos quadros da OAB) e se caracteriza por sua indisponibilidade
ou irrenunciabilidade. Com efeito, a defesa técnica é condição para o efetivo
°
estabelecimento das garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5. LV, ,

da CF/1988) no processo penal, promovendo-se com isso a paridade de armas


(par condido) inerente ao princípio da igualdade das partes. Por essa razão, a
Constituição Federal considera o advogado "indispensável à administração da
Justiça" (art. 133) e o art. 261, caput, do Código de Processo Penal, assegura
que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou
"

julgado sem defensor". Compreende-se, assim, a feição de indisponibilidade


ou irrenunciabilidade da defesa técnica, sendo irrelevante que o acusado não
possua ou não queira um advogado, devendo o Juiz nomear defensor dativo
(art. 263, caput, primeira parte, do CPP).
A autodefesa, por seu turno, não pode ser imposta ao acusado, sendo,
°
portanto, renunciável em face do direito ao silêncio (arts. 5. LXIII, da ,

CF/1988, e 186 do CPP) e da possibilidade de o acusado ser revel (art. 367


do CPP). Sua disponibilidade pelo acusado não significa, contudo, possa o
juiz dispensar a autodefesa: deve ser garantida a oportunidade da autodefesa,
ficando seu exercício a critério do sujeito da defesa (acusado).
A autodefesa se manifesta sob três aspectos: o "direito de audiência", o
direito de presença" e o "direito de postulação".
"

O "direito de audiência" se revela pela possibilidade de o acusado influen-


ciar direta e pessoalmente, mediante o interrogatório, na convicção do j uiz.
O "direito de presença" consiste na possibilidade de o acusado acom-
panhar todos os atos do processo, podendo, a todo momento, posicionar-se
perante as alegações e provas produzidas, como, v.g., orientar seu defensor
a formular perguntas para as testemunhas.
24 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

O "direito de postulação" emerge da possibilidade de o acusado inter-


por recurso (legitimação recursal autónoma e concorrente com o defensor
-

disjuntiva) nos termos do art. 577, caput, do CPP, ou formular pedido de


,

revisão criminal pessoalmente (art. 623 do CPP).

Defesa técnica (indisponível)


- direito de audiência
Direito de defesa
Autodefesa (disponível) -

direito de presença
-

direito de postulação

1 1 . .
4 Princípio da presunção de inocência
Prevalece o que foi adotado pela Constituição Federal.
Obviamente não significa, como alguns argumentam, que a inocência é
presumida e não cabe prova em contrário, ou seja, que a presunção é absoluta.
A ideia é que o sujeito tem o direito de ser considerado inocente até que se
prove o contrário e a conclusão da existência de tal prova vem em sentença
condenatória com trânsito em julgado.
Aliás , a redação do art. 8. item 2, da Convenção Americana sobre Direi-
°
,

tos Humanos, ratificada pelo Brasil traz expressa a presunção de inocência.


,

O princípio obriga o Estado a considerar o sujeito inocente até o trânsito


em julgado da sentença condenatória, ou seja, o sujeito não pode ser tratado
como culpado ou sofrer restrições em direitos que pessoas inocentes não
podem sofrer. Por isso, o STJ editou a Súmula 444, que enuncia:
É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso
para agravar a pena-base.
Significa que não é possível prisão sem sentença condenatória transitada
em julgado? Não, pois é possível a prisão cautelar, mas significa que a prisão
antes da certeza da culpa não pode ter sentido de pena, nem finalidade de
pena. A prisão cautelar é possível exatamente porque tem finalidade instru-
mental, visando assegurar o bom andamento da ação principal (art. 312 do
CPP), não tendo escopo punitivo.

1 1 . .
5 Princípio acusatório
Em um Estado Democrático de Direito que garante a ampla defesa e o
contraditório, está delineado o alicerce de um sistema acusatório que, para ,
Cap. 1 . Dos Princípios do Direito Processual Penal 25

maioria da doutrina (Choukr, Prado), foi adotado pelo sistema constitucional


brasileiro para o processo penal. No sistema acusatório, há um processo de
partes com os papéis de defesa e acusação bem contornados, bem como um
juiz imparcial que não tem interesse outro que não a solução - conforme o
ordenamento - do conflito estabelecido pelas partes. O Juiz não tem interes-
se na procedência ou improcedência da ação, mas sim no fim do conflito de
acordo com os princípios constitucionais e leis processuais. Tal equidistância
das partes acaba culminando em um juiz inerte, que também caracteriza o
sistema acusatório.

O anverso do sistema acusatório é o sistema inquisitivo em que um só


órgão acumula as funções de acusador e julgador, buscando provas de ofício
e em todos os sentidos, até que se sinta satisfeito e preparado para julgar.
Ainda que o sistema processual penal brasileiro tenha suas linhas prin-
cipais estabelecidas pelo princípio acusatório, há forte inspiração inquisitiva,
como no controle da acusação determinado pelo art. 28 do CPP e nas várias
medidas de ofício que o juiz pode determinar (colheita de provas, prisão
processual) antes ou durante a instrução processual, além do inquérito po-
licial presidido, em regra, pela autoridade policial, e dotado, como veremos
,

a seguir, da característica da inquisitoriedade.

1 . 2 APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL

12
.
1 Aplicação da lei processual penal no tempo
.

O art. 2.° do CPP determina a aplicação imediata da lei processual penal


aos processos em curso, preservada a validade dos atos anteriormente pra-
jicados_(a lei nova não retroage), porquanto realizados de acordo com a lei
(anterior) então vigente. Trata-se da adoção do princípio tempus regit actum,
segundo o qual o ato se rege pela lei vigente ao tempo da sua realização.
Discute-se sobre a possibilidade de incidência da regra da aplicação ime-
diata (art. 2.° do CPP) em caso de norma processual com caráter, conteúdo
ou reflexo penal (mistas, híbridas ou normas processuais materiais), assim
consideradas aquelas que afetam a liberdade de locomoção ou o direito de
punir do Estado (alguns incluem aquelas que se relacionam diretamente com
os direitos e garantias do acusado).
Entende-se que deve então prevalecer o aspecto penal da norma pro-
cessual, aplicando-se a regra da retroatividade da lei posterior benéfica (e a
26 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

consequente irretroatividade da lei posterior gravosa) nos termos do art. ,


.
, XL, da CF/1988.
Em suma: a regra da aplicação imediata da lei processual penal (art .
2.°

do CPP) alcançaria apenas as normas genuinamente processuais .

Assim, em face dos desdobramentos penais da modificação operada na


ação penal do crime de estupro Aury Lopes Jr. entende que, para as condu-
,

tas praticadas antes de 7 de agosto de 2009 (vigência da Lei 12 015/2009), .

continua sendo aplicado o regime legal anterior (Direitoprocessual penal e sua


conformidade constitucional, I, p. 390), em que a ação penal seria de iniciativa
privada, em geral, com a consequente possibilidade de renúncia e decadência
do direito de queixa bem como de perdão do ofendido e perempção durante
,

o curso da ação penal.

12
. .
2 Interpretação e integração da lei processual penal
A lei processual penal admite interpretação extensiva e aplicação analógi-
ca, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito (art 3.° do CPP). .

A interpretação extensiva pressupõe a existência de uma norma (não se


trata de lacuna)cujo alcance pode ser estendido ou ampliado para alcançar
,

uma situação não contemplada expressamente ( a lei disse menos do que


"

"

queria ) Assim, a previsão legal do cabimento de recurso em sentido estrito


.

contra a decisão de rejeição liminar da denúncia ou queixa (art 581,1 do .


,

CPP) obviamente pode ser estendida para a impugnação da decisão de rejeição


do aditamento da denúncia ou queixa (art. 384 § 5.°, do CPP). Do mesmo ,

modo, a possibilidade de o curador especial exercer o direito de queixa (art .

33 do CPP) pode ser estendida ao direito de representação afinal, quem pode ,

propor a ação penal privada pode, a Jortiori (com maior razão), autorizar o
Ministério Público a propor a ação penal pública condicionada .

Diversamente , a aplicação analógica ou analogia não constitui forma de


interpretação mas sim de integração do ordenamento jurídico (pressupõe
,

uma lacuna, ou seja, a ausência de norma disciplinando o assunto). Em


outras palavras: a aplicação analógica ou analogia tem por efeito a criação
de norma jurídica e não apenas a sua extensão. Assim a ausência de norma ,

processual penal a respeito do efeito da oposição dos embargos de declaração


(arts. 382 e 619 a 620) possibilita a aplicação analógica (por analogia) da regra
estabelecida no art. 538 do CPC: interrupção do prazo para a interposição
de outros recursos, por qualquer das partes (onde esteja presente a mesma
razão aplica-se o mesmo direito).
,
Cap. 1 . Dos Princípios do Direito Processual Penal 27

A aplicação analógica ou analogia (art. 3.° do CPP), contudo, não se


confunde com a interpretação analógica", em que a norma (existente, não
"

se cogitando de lacuna) apresenta uma enumeração casuística, seguida de


uma cláusula genérica de encerramento, a qual permite uma abertura para
alcançar outras situações similares. Tal ocorre no art. 28, II, do CP, que cuida
da embriaguez "pelo álcool ou substância de efeitos análogos", ou mesmo com
algumasqualificadoras do homicídio doloso (art. 121, § 2. I, III e IV, do CP).
°
,

Inexistindo norma processual penal que possa ser interpretada e qualquer


outra que possa ser aplicada analogicamente (analogia), deve o juiz buscar a
integração do ordenamento jurídico com o suplemento dos princípios gerais
de direito. Assim ocorre, por exemplo, com a admissibilidade excepcional das
provas ilícitas pro reo (proporcionalidade) e com o direito de o indiciado ou
acusado recusar a participação em reprodução simulada do fato (art. 7. do
°

CPP) ou o fornecimento de padrões de escrita para comparação gráfica (art.


174, IV, do CPP), em face da garantia contra a autoincriminação ou (nemo
tenetur se detegere).
Em igual sentido:
O suposto autor do ilícito penal não pode ser compelido, sob pena
"

de caracterização de injusto constrangimento, a participar da reprodução


simulada do fato delituoso. O magistério doutrinário, atento ao princípio
que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra a autoin-
criminação, ressalta a circunstância de que é essencialmente voluntária
a participação do imputado no ato - provido de indiscutível eficácia
probatória - concretizador da reprodução simulada do fato delituoso.
( )" (STF HC69.026/DF, 1.fT.,j. 10.12.1991, rei. Min. Celso de Mello,
...
,

D/04.09.1992).

A respeito do fornecimento de padrões de escrita:


Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso
"

direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174


do CPP há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado
compel ido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames
periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que
a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório,
não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra
a autoincriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova
capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade
não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se
encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder
a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão,
Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a


pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribu ido o escrito, a escrever o que
lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto ordenar que o faça, sob pena
,

de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame , o

Código de Processo Penal, no inciso IV do art. 1 74. Habeas corpus con-


cedido "

(STF, HC 77.135/SP, 1 .aT„ j. 08.09.1998, rei. Min. limar Galvão,


D) 06.11.1998).
Do Inquérito Policial

2. 1 INTRODUÇÃO: A PERSECUÇÃO PENAL


Praticada a infração penal, nasce para o Estado a pretensão punitiva,
consistente no direito-dever de aplicar a sanção penal ao autor da conduta
proibida pela norma penal ou, mais tecnicamente, na exigência de subordi-
nação do direito de liberdade ao direito de punir.
O ordenamento jurídico, no entanto, por força da indisponibilidade do
direito de liberdade, veda a imediata imposição da sanção penal ao agente,
submetendo a satisfação da pretensão punitiva a um controle jurisdicional
antecedente.

Assim embora o Estado detenha o monopólio do jus puniendi, não se lhe


,

permite atuar diretamente a sanção penal, senão jurisdicionalmente, por meio


de um processo (o jus puniendi não é autoexecutável, mas de coação indireta).
Daí a regra nulla poena sine judicio, segundo a qual "não há pena sem
"

processo .

A propósito, prescreve o art. 5.°, LIV, da CF/1988, que "ninguém será


"

privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal vale dizer,
,

a aplicação da sanção penal pressupõe a tramitação de um processo, desen-


volvido segundo a forma estabelecida em lei.
O processo assume a feição de verdadeira garantia aos acusados, pois,
para assegurar a defesa e tutelar o direito de liberdade, o Estado tornou obri-
gatória a aplicação do Direito Penal pela via jurisdicional, interpondo, assim,
o processo entre o cometimento da infração penal e a efetiva aplicação da
sanção penal.
Com efeito, o Estado autolimitou o exercício do jus puniendi, condicio-
nando a imposição da sanção penal a uma precedente apreciação jurisdicio-
30 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

nal acerca da procedência da pretensão punitiva estatal e sua consequente


prevalência sobre o jus libertatis do agente.
O fato de a sanção penal somente poder ser aplicada processualmente
impõe ao Estado a consecução de atividades destinadas a obter a aplicação
da pena: a persecutio criminis, consubstanciada por duas fases: a investigação
criminal e a ação penal.
A investigação criminal constitui atividade preparatória da ação penal ,

de caráter preliminar e informativo cujo escopo é fornecer ao órgão da acu-


,

sação substrato para a propositura da ação penal; esta uma vez instaurada, ,

enseja o desenvolvimento do devido processo", reclamado pela Constitui-


"

°
ção Federal (art. 5. L1V) para a efetivação da pretensão punitiva estatal e a
,

inflição da sanção penal.


A ação penal, por implicar um natural constrangimento ao status liber-
tatis do indivíduo requer, para sua propositura e instauração, a existência
,

de justa causa (art. 395 III, do CPP), sob pena de a coação ser considerada
,

ilegal, o que ensejaria a impetração de habeas corpus para o trancamento da


ação penal (art. 648,1, do CPP).
A justa causa para a ação penal repousa na exigência de elementos de
convicção que proporcionem suporte fático e demonstrem a viabilidade da
acusação (indícios de autoria e prova da existência da infração penal) não ,

bastando, para sustentar o constrangimento da ação penal a singela descri- ,

ção (imputação), na denúncia ou queixa, de um fato revestido de tipicidade,


despido de um "começo de prova".
Eis a relevância do inquérito policial, enquanto instrumento precípuo
de investigação: propiciar a existência de justa causa para a propositura e a
instauração da ação penal atendendo assim, ao imperativo da segurança na
,

ação da justiça e salvaguardando os indivíduos contra acusações levianas ,

temerárias ou desprovidas de qualquer lastro.

2 . 2 CONCEITO, FINALIDADE E DESTINATÁRIOS DO INQUÉRITO


POLICIAL

O inquérito policial pode ser conceituado como um procedimento ad-


ministrativo de caráter inquisitivo e de cunho investigatório, realizado pela
,

Políciajudiciária com a finalidade de apurar as infrações penais e sua respectiva


°
autoria (art. 4. caput, do CPP), subsidiando assim, a propositura de eventual
,

ação penal. A função de Políciajudiciária incumbe no âmbito estadual, às


,
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 31

Polícias Civis (art. 144, § 4.°, da CF/1988), e, na esfera federal, é exercida,


°
com exclusividade, pela Polícia Federal (art. 144, § 1. IV, da CF/1988).,

Constitui o inquérito policial o principal (embora não único) instrumen-


to por meio do qual se concretiza a investigação, fase primeira da persecução
penal.
Trata-se de procedimento administrativo, instaurado e presidido pela
autoridade policial, com o fito de coligir elementos de informação que servirão
de base ao ajuizamento da ação penal por seu titular.
Destina-se, portanto, de maneira imediata, ao titular da ação penal: o
Ministério Público, nos casos de ação penal pública, ou o titular do direito de
queixa (ofendido, representante legal, curador especial, cônjuge, ascendente,
descendente, irmão), nos casos de ação penal privada.
De maneira mediata, destina-se ao Juiz de Direito, que apreciará o con-
teúdo do inquérito policial para decidir sobre o recebimento ou a rejeição da
denúncia ou queixa, bem como sobre a decretação de medidas cautelares, tais
como a prisão temporária, a prisão preventiva, a interceptação telefónica, a
busca e apreensão, o sequestro de bens etc.

2 .3 CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

23
. .
/ Inquisitividade (unilateralidade)
Ser inquisitivo significa não ser regido pelos princípios do contraditório
e da ampla defesa.
A natureza inquisitiva do inquérito policial confere a esse procedimento
administrativo dinâmica absolutamente diversa da presente na ação penal,
informada pelas garantias do contraditório e da ampla defesa, ex vi do art.
5.
°
, LV, da CF/1988.
Deveras, na ação penal cumpre seja observada a bilateralidade imanen-
te ao contraditório, assegurando-se às partes igualdade de condições e de
oportunidades para participação (paridade de armas), podendo cada qual
produzir provas, tecer alegações e se manifestar sobre todo e qualquer ato
ou fato do processo.
No inquérito policial, ao contrário, as investigações são conduzidas
unilateralmente pela autoridade policial (sem necessidade de intervenção do
indiciado), realizando-se, com discricionariedade, as diligências tendentes
ao esclarecimento da infração penal e de sua autoria.
32 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Destarte, por se tratar de procedimento administrativo inquisitivo des- ,

cabe exigir, no curso do inquérito policial a observância dos princípios do


,

contraditório e da ampla defesa.


Denota o caráter inquisitivo (não contraditório) do inquérito policial
o art. 14 do CPP, que defere à autoridade policial discricionariedade para
realizar ou não as diligências requeridas pelo ofendido (ou representante
legal) e pelo indiciado. Outrossim o art. 107 do CPP impede que as partes
,

oponham suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito devendo ,

elas se declararem suspeitas, quando ocorrer motivo legal.


Cabe salientar que o inquérito policial não se insere no âmbito de inci-
dência do art. 5.° LV, da CF/1988, segundo o qual:
,

"Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados


em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa com os meios e
,

"
recursos a ela inerentes (grifo nosso).

Ao apontar o conceito de inquérito policial tivemos oportunidade de ,

" "

consignar ser ele um procedimento administrativo e não um processo ,

administrativo, tal qual constante da norma constitucional em comento.


Em verdade
não exibe o inquérito policial características que o permitam
,

"

qualificar como processo administrativo: nele não se vislumbram partes


"

nem litígio a ser solucionado e nenhuma sanção ou punição pode dele de-
,

correr, ao menos diretamente.


Essa a razão de alguns autores aludirem ao inquérito policial como
" "
mero procedimento administrativo, não por menoscabo, mas para ressaltar
" "

sua natureza de procedimento, apartando-o da figura do processo admi-


nistrativo e, por conseguinte, da exigência constitucional do contraditório
e da ampla defesa.
Ademais , não se vislumbra no inquérito policial acusação formal, donde
se infere não haver acusado nesta fase pré-processual da persecução penal mas ,

tão somente "suspeito" ou "indiciado", se assim declarado pela autoridade


policial no curso das investigações. Consiste o indiciamento na declaração
da autoria provável, a ser realizada pela autoridade policial quando indícios
apontarem a alguém a autoria da infração penal; é a oficialização ou a forma-
lização da suspeita, fazendo com que as investigações se concentrem sobre
o indiciado.

A acusação formal surge com o oferecimento da denúncia ou com o


ajuizamento da queixa, ocasião em que o órgão da acusação oficializa e fixa
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 33

os limites da imputação a ser sustentada no curso da ação penal (ou do pro-


cesso propriamente dito).

23 2
. .
Oficiosidade

O art. 5.°, I, do CPP, ao enunciar que o inquérito policial será iniciado de


ofício (oficiosidade), estabelece para a autoridade policial a obrigatoriedade
da instauração de inquérito policial independentemente de provocação,
,

sempre que se tratar de crime de ação penal pública incondicionada.


Ao tomar conhecimento da ocorrência de um crime de ação penal pública
incondicionada, surge para a autoridade policial portanto, o dever legal de
,

instaurar inquérito policial, devendo fazê-lo ex ojficio (art. 5.° I, do CPP),


,

por meio de Portaria, no caso de cognição espontânea (imediata ou direta)


da infração penal.
O art. 5.°, caput, do CPP, embora mencione genericamente "crimes de
"

ação pública refere-se apenas aos crimes de ação penal pública incondicio-
,

"

nada (espécie do género ação penal pública ), pois, aos demais casos (ação
"

penal pública condicionada), o legislador deferiu disciplina legal apartada,


insculpida no § 4.° do mesmo artigo.
A regra da oficiosidade alcança apenas os casos de ação penal pública
incondicionada. Em crimes de ação penal pública condicionada e de ação
penal privada, a instauração do inquérito policial depende de provocação do
ofendido, consistente em representação ou requerimento, respectivamente
(art. 5.°, §§ 4.° e 50, do CPP).

23
. .
3 Indisponibilidade
Instaurado o inquérito policial não pode a autoridade policial dele dis-
,

por promovendo o seu arquivamento.


O art. 17 do CPP estabelece a proibição de a autoridade policial deter-
minar o arquivamento de quaisquer autos de inquéito policial.
No sistema processual penal brasileiro o arquivamento de um inquérito
,

policial somente pode ser ordenado por Juiz de Direito, a requerimento do


Ministério Público (arts. 18 e 28 do CPP).
Desse modoainda que a autoridade policial constate, no curso das
,

investigações, a superveniência de causa de extinção da punibilidade ou se


convença da atipicidade do fato apurado no inquéi r to policial (ou da ocorrên-
cia de causa excludente de ilicitude ou de causa dirimente da culpabilidade) ,
34 Processo Penal - Pâulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

não poderá proceder ao arquivamento do inquérito policial, em razão da in-


disponibilidade que o cerca (art. 17 do CPP), devendo o Delegado de Polícia
relatar o inquérito policial e em seguida remeter os autos ao juízo competente
(art. 10, § 1.°, do CPP), onde sua sorte será decidida.

Com efeito, o arquivamento de um inquérito policial depende de decisão


judicial, a ser proferida em face de provocação do Ministério Público, mediante
requerimento fundamentado, tendo em vista o princípio da obrigatoriedade
da ação penal pública (art. 28 do CPP).
Na condição de titular exclusivo da ação penal pública (art. 129,1, da
CF/l 988) e, portanto, de destinatário imediato do inquérito policial, incumbe
ao Ministério Público a avaliação acerca da inviabilidade do prosseguimento
das investigações, não podendo o juiz proceder ao arquivamento de inquérito
policial sem prévia manifestação do Ministério Público nesse sentido.
Se o juiz arquivar exofficio autos de inquérito policial que versem sobre
crime de ação penal pública, sem requerimento do Ministério Público, caberá
a interposição de correição parcial contra essa decisão (trata-se de error in
procedendo que gera inversão tumultuária), com supedâneo nos arts. 93 a 96
do Códigojudiciário do Estado de São Paulo (Dec.-lei Complementar 3/1969)
°
ou, na esfera dajustiça Comum Federal, no art. 6. I, da Lei 5.010/1966. ,

23
. .
4 Dispensabilidade
O inquérito policial, a despeito de ser o principal instrumento de investi-
gação criminal, pode ser dispensado pelo titular da ação penal, desde que este
disponha de elementos de convicção suficientes para evidenciar a viabilidade
da acusação (indícios de autoria e prova da existência da infração penal),
podendo então a ação penal ser proposta diretamente, independentemente
da existência de inquérito policial.
Compreende-se a dispensabilidade do inquérito policial, nesse caso, em
virtude de a sua função precípua (apurar infrações penais e sua respectiva
autoria) ter sido alcançada por outro meio de investigação. Cumprida sua
finalidade, torna-se dispensável o inquérito policial para a propositura da
ação penal.
O exercício da ação penal impõe a existência de justa causa (art. 395,
III, do CPP), ou seja, de um "começo de prova" acerca do fato constitutivo
da acusação, não importando sua origem, se proveniente de um inquérito
policial ou de fonte diversa.
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 35

A prescindibilidade do inquérito policial decorre da constatação da


existência de outros procedimentos ou documentações igualmente capazes
de haurir os elementos de convicção exigidos para propositura da ação penal
(justa causa), em substituição ao inquérito policial.
O art. 4.°, parágrafo único, do CPP, ao esclarecer que a atribuição das
autoridades policiais não exclui a de autoridades administrativas a quem a
lei cometa a mesma função, abre a possibilidade de a apuração de infrações
penais ser realizada por meio de procedimentos administrativos diversos do
inquérito policial v.g., inquéritos parlamentares, elaborados pelas Comissões
,

Parlamentares de Inquérito (CPI) dotadas de "poderes de investigação próprios


,

das autoridades judiciais" (art. 58 § 3.°, da CF/1988), processos administra-


,

tivos fiscais, cujas informações poderão alicerçar a propositura de ação penal


por crime contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990, arts. 1.° a 3.°) e outros.
O art. 12 do CPP corrobora a dispensabilidade do inquérito policial ao
" "

empregar a locução sempre que entrevendo a possibilidade de a denúncia


,

ou queixa vir embasada em algo diverso de um inquérito policial.


Outrossim, proclama a dispensabilidade do inquérito policial o art. 27 do
CPP, que defere a qualquer pessoa a possibilidade de fornecer ao Ministério
Público peças de informação diante das quais pode o Parquet, desde logo,
,

oferecer denúncia, dispensando o inquérito policial para a promoção da ação


penal pública (art. 46, § 1 do CPP).
°
,

234
. .
1 Dispensabilidade na Lei 9.099/1995 (JECrim)
.

Por derradeiro
saliente-se que a Lei 9.099/1995, instituidora dosjuiza-
,

dos Especiais Criminais em seu art. 77, § 1.°, dispensou o inquérito policial
,

para a apuração das infrações penais de menor potencial ofensivo, prevendo,


em atenção aos critérios da celeridade (art. 62) e da simplicidade (art. 2.°) ,

a lavratura de termo circunstanciado (art. 69, caput) como substitutivo ou


sucedâneo do inquérito policial.
235
. .
Escrito

Os atos realizados no bojo do inquérito policial devem ser reduzidos a


escrito e reunidos nos autos do procedimento (art. 9.° do CPP).

23
. .
6 Sigilo
A fim de assegurar o sucesso da investigação e de resguardar a imagem e
a honra dos sujeitos envolvidos na persecução penal (art. 5.° X, da CF/1988),
,
36 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

estabelece a legislação processual penal a possibilidade de a autoridade policial


imprimir sigilo ao inquérito policial, sob o fundamento de sua necessidade
para a elucidação do fato ou para o atendimento do interesse da sociedade
(art. 20, caput, do CPP).
Saliente-se que a decretação do sigilo do inquérito policial se reveste
de absoluta constitucionalidade. O art. 5.°, LX, da CF, ao circunscrever a
garantia da publicidade aos atos processuais, afasta da incidência da norma
os atos praticados em sede de inquérito policial (procedimento). Ademais,
a aludida norma constitucional permite restringir a publicidade em virtude
de disposição legal, a qual, no caso do inquérito policial, corresponde ao art.
20 caput, do CPP.
,

O sigilo dos autos de inquérito policial, contudo, não pode ser oposto
ao Ministério Público (destinatái
r o imediato das investigações), ao Juiz de
Direito (destinatário mediato das investigações) e o dvogaclo.
Em relação ao advogado, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) pres-
°
creve, em seu art. 7. XIV, ser direito do advogado "examinar, em qualquer
,

repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito,


findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar
"

peças e tomar apontamentos .

O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito de acesso aos autos de


inquérito policial por meio da Súmula vinculante 14, que enuncia:
"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo
aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investi-
gatório realizado porórgãocom competência de Polícia Judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa
"
.

O ato administrativo ou decisão judicial que contrariar enunciado de


súmula vinculante pode ser impugnado por meio de reclamação constitu-
°
cional ao Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, § 3. da CF/1988), sem ,

°
prejuízo dos recursos ou outros meios de impugnação (art. 7. caput, da Lei ,

11.417/2006), tais como habeas corpus ou mandado de segurança.

2. 4 QUESTÕES PONTUAIS

24 1
. .
Curador

Ao indiciado menor, assim considerado aquele que ostenta 18 anos


completos (imputável) mas ainda não alcançou 21 anos de idade, será nome-
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 37

ado curador, que deve estar presente a todos os atos aos quais deva o menor
comparecer (arts. 15 e 262 do CPP).
A falta de nomeação de curador no inquérito policial constitui mera ir-
regularidade. Contudo, a ausência de curador na lavratura do auto de prisão
em flagrante, no caso de indiciado menor, gera ilegalidade (inobservância
de formalidade legal - art. 15 do CPP) que enseja o relaxamento da prisão
em flagrante.
A inobservância de formalidades legais na lavratura do auto de prisão
em flagrante não acarreta sua nulidade, por ser estranho ao inquérito poli-
cial - peça meramente informativa - o fenómeno processual da nulidade
" "

Eventual ilegalidade no auto de prisão em flagrante, em verdade, não


enseja nulidade, mas retira sua força coercitiva (aptidão de manter alguém
preso em razão desse ato).
O auto de prisão em flagrante é peça de instauração de inquérito policial
dotada de especial aptidão: a força coercitiva, consistente na capacidade de
autorizar a privação da liberdade do indiciado encontrado em situação de
flagrância (art. 302,1 a IV, do CPP).
Portanto, a ilegalidade que porventura macule o auto de prisão em fla-
grante tem o condão de relaxar sua força" coercitiva, desnaturando sua feição
"

de "peça coercitiva", mas não o torna absolutamente imprestável, porquanto


conservada sua valia como peça de instauração do inquérito policial.
O curador deve ser necessariamente pessoa maior de 21 anos, não se
exigindo seja ele advogado.

2 4 1
. .
1 A figura do curador em face do Código Civil (Lei
.

10.406/2002)

O Código Civil, ao atribuir plena capacidade civil aos 18 anos de idade


(art. 5.°, caput, do CC/2002),suscitou celeuma acerca da subsistência (ou
não) da exigência da nomeação de curador ao indiciado menor (art. 15 do
CPP). Duas posições podem ser sustentadas a respeito:
Supressão do curador (predominante): o debate sobre os reflexos do Código
Civil deflagrou o surgimento de entendimento no sentido da supressão da
figura do curador no processo penal, em face da coincidência dos critérios
etários adotados para a aquisição da maioridade civil e da imputabilidade
°
penal (art. 27 do CP). Segundo essa orientação, o art. 5. caput, do CC/2002,
,

operou a revogação tácita do art. 15 do CPP (Cf. Damásio Evangelista de


38 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Jesus. Mesa de Ciências Criminais - A nova maioridade civil: reflexos penais e


processuais penais).
Subsistência do curador
apenas na fase de inquérito policial: discordamos
,

da pretendida repercussão da capacidade civil (de fato ou de exercício) sobre a


seara processual penal. Consideramos subsistente a necessidade de nomeação
de curador para o indiciado menor durante o inquérito policial e enunciamos
quatro argumentos que sustentam esse posicionamento:
a) O art. 15 do CPP exige a nomeação de curador ao indiciado menor e ,

não ao indiciado incapaz". Como se percebe a legislação vincula a


"

garantia do curador à idade do agente, independentemente da capaci-


dade civil por ele ostentada. A propósito Edgard Magalhães Noronha
,

observa:

"

A circunstância de que a lei fala em menor e não em incapaz; conse-


quentemente, ainda que emancipado - pelo casamento, colação de grau
superior etc. - deve ser-lhe nomeado curador embora, atendendo-se à,

sua capacidade, não se lhe possa negar a palavra para se manifestar sobre
qualquer ato processual, sem prejuízo de se ouvir também o curador"
(Edgard Magalhães Noronha. Curso de Direito Processual Penal, 28. ed.,
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 185.).
Fernando Capez ao cuidar do curador, esclarece igualmente que:
,

A capacidade do menor tratada pelo Código de Processo Penal, não se


,

confunde com a civilmotivo pelo qual a emancipação em nada altera a situ-


,

ação (Fernando Capez. Curso de Processo Penal 9. ed., São Paulo: Saraiva,,

2003, p. 168.).
b) A capacidade civil nunca exerceu influência no processo penal .
O ca-
samento de pessoa menor de 18 anos de idade embora constitua causa ,

de emancipação legal na esfera civil não acarreta a sua imputabilidade


,

penal (art. 27 do CP). Do mesmo modo, o legislador processual penal


reconheceu a titularidade do direito de queixa ao ofendido com 18
anos completos (art. 34 do CPP) que sempre pôde ajuizar a ação penal
,

privada sem necessidade de assistência, embora não apresentasse plena


capacidade civil durante a vigência do Código Civil de 1916 .

c) O art. 2.043 do novo Código Civil imuniza outros diplomas legais dos
"

conceitos por ele adotados: Até que por outra forma se disciplinem ,

continuam em vigor as disposições de natureza processual adminis- ,

trativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil


hajam sido incorporados a este Código".
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 39

d) A Lei 10.792/2003, ao conferir nova disciplina ao interrogatório do


acusado, revogou apenas o art. 194 do CPP, que previa a nomeação de
curador na fase judicial, mas não revogou o art. 15 do mesmo diploma
legal. Assim procedendo, o legislador reafirmou a vigência dos arts. 15
e 262 do CPP e, por conseguinte, a subsistência do curador durante
a fase do inquérito policial. Compreende-se a revogação do art. 194
em face da redação dada pela Lei 10.792/2003 ao art. 185, caput, do
CPP, que exige a presença de advogado no interrogatório judicial,
tornando-se despicienda a nomeação de curador ao acusado menor,
posto que a defesa técnica é um plus em relação ao curador (minus).
Esse já era o entendimento externado pelo STF no enunciado de sua
Súmula 352:

"Não é nulo o processo por falta de nomeação de curador ao réu menor


"

que teve a assistência de defensor dativo .

De outra parte, nos atos do inquérito policial, em que a presença de ad-


vogado não é obrigatória, dada sua natureza inquisitiva, o indiciado menor
pode se encontrar em situação de fragilidade, demandando, assim, a nome-
ação de curador.
Sob uma perspectiva garantista, impõe-se a exigência da nomeação de
curador ao indiciado menor.

Com efeito, não se pode cotejar a aptidão para o exercício dos atos da
vida civil com a posição da pessoa que se encontra na condição de sujeito-alvo
de uma persecução penal, cujo deslinde pode culminar na imposição de uma
sanção penal, quiçá de natureza privativa de liberdade.
Por esses motivos, sustentávamos, em edições anteriores, a subsistên-
cia da figura do curador no processo penal, atualmente restrita ao Inquérito
Policial, por força da manutenção da vigência do art. 15 do CPP.
Alberto Silva Franco, no que tange ao curador, esclarece que:
"
Não se cuida, exclusivamente, de suprir, com essa nomeação, a in-
capacidade relativa do menor, como, de regra, se afirma. Cuida-se, sim,
de estender-lhe uma garantia vinculada ao direito, constitucionalmente
tutelado, da ampla defesa e que se traduz no reconhecimento de que,
ao menor de vinte e um anos de idade, o Estado-Juiz e o próprio Estado-
-

Administração têm a obrigação, por antecipação, de dar uma proteção


adicional, em consideraçãoà sua personalidade. Ao indiciadoeao réu que
não adquiriram ainda suficiente experiência de vida deverão ser assegura-
das, coma nomeação do curador, a inteira liberdadeeespontaneidade de
40 Processo Penal - Pâulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

expressão, a exclusão de qualquer tipo de constrangimento e a possibili-


dade de utilização de vias de defesa antes mesmo da própria instauração
da ação penal" (Alberto Silva Franco et. al., Código de Processo Penal e
sua Interpretação Jurisprudencial, Parte Constitucional p. 439, vol. 1).
,

E o autor remata que:


"Aatividadefiscalizatóriadocurador(...)nãosofreu nenhuma limitação

com o novo Código Civil e sua função protetora do menor de dezoito a


vinte e um anos de idade permanece de pé (op. cit., p. 441).
"

Por derradeiro
cumpre mencionar aresto do extinto Tribunal de Alçada
,

Criminal do Estado de São Paulo, que reconheceu a manutenção da necessi-


dade de curador no processo penal:
"
( ) Oportuno salientar que, ao contrário do que se tem sustentado,
...

o art. 5.°, do novo Código Civil (Lei Federal 10 406, de 10 de janeiro de


.

2002), não ab-rogou ou derrogou essa garantia e exigência da lei adje-


tiva penal, que visa a proteger o jovem acusado com menos de 21 anos ,

porquanto esta é de natureza pública e concerne à atuação e realização


da Justiça Criminal, ao passo que aquele, de natureza privada se presta ,

a reger os atos da vida civil. De igual sorte, o permissivo constitucional


para o exercício de direito de voto pelo menor a partir dos 16 anos em
nada se refere à Justiça e ao Direito Penal, mormente quanto à imputabi-
Iidade. Nem sequer, pelo advento do vigente Código Civil pois, se pode ,

entrevê-lo como lei geral, em face da especial lei penal, uma vez que ele
o não é em confronto com o Código Penal ou seu Código de Processo. Ao
contrário, estes últimos, naquilo que não regularem diretamente devem ,

socorrer-se dos institutos da lei civil, respeitado o devido processo legal ,

em perfeita harmonia desses ramos do Direito. Não fosse assim também ,

estariam revogados os institutos penais cogentes relativos à atenuante


obrigatória e à redução de prazo prescricional garantidos ao menor
de 21 anos, não se mostrando válido o argumento histórico susten- ,

tado por alguns intérpretes, de que o Código Criminal do Império de ,

1830, já previa, muito antes do revogado Código Civil de 1916 aquela ,

circunstância legal redutora de pena, assim como de nenhuma lógica ,

permissa vénia, o raciocínio de que infensa a dedução de metade do


aludido lapso temporal extintivo porquanto foi instituída pelo legisla-
dor por igualmente destinar-se à proteção do jovem de personalidade
incompletamente formada, pois, de toda sorte, a nova lei civil consi-
dera pessoa plenamente capaz, para todos os atos que regula a partir ,

dos 18 anos. Ou ab-roga a lei penal por inteiro no que dispõe sobre
,

réu menor de 21 anos ou em nada a altera, como de fato não poderia


alterar, dada a natureza pública, diretamente regulada e calcada na
própria Constituição da República, que tem os Códigos Penal e de
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 41

Processo Penal. (...)" (TACrimSP, Ap. 1.440.223/3, 16.aCâm. Crim., j.


07.10.2004, v.u., rei. Juiz Fernando Miranda, apud Boletim IBCCrim, n.
148, p. 880, mar. 2005).

2 4 .
2 Inquéritos extrapoliciais
.

O inquérito policial é presidido pelo Delegado de Polícia (art. 144, § 4.°,


da CF/1988). Há, porém, inquéritos extrapoliciais, que não são presididos
pela autoridade policial, tais como o inquérito instaurado para apurar crime
cometido por magistrado (art. 33, parágrafo único, da LC 35/1979) e por
membro do Ministério Público (art. 41, parágrafo único, da Lei 8.625/1993,
e art. 18, parágrafo único, da LC 75/1993).

242
. . .
1 Investigação criminal direta pelo Ministério Público
Em face da ausência de permissão expressa, alguns sustentam a impos-
sibilidade de investigação criminal direta pelo Ministério Público, pois a
Constituição Federal apenas lhe conferiu os poderes de promover o inquérito
civil (e não criminal - art. 129, III), de exercer o controle externo da atividade
policial (e não a substituir - art. 129, VII) e de requisitar a instauração de
inquérito policial (e não presidir pessoalmente uma investigação criminal
direta-art. 129, VIII).
De outra parte, a corrente que defende tal possibilidade argumenta com
" "
a teoria dos poderes implícitos : se o Ministério Público tem o poder de
promover a ação penal pública (art. 129,1, da CF/1988), tem igualmente o
poder de coligir os elementos de informação que subsidiam a sua propositura.
Em outras palavras: quem pode os fins (propor a ação penal), pode os meios
(investigação criminal direta). Outro fundamento de reforço seria a possibili-
dade de o Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas,
desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX, da CF/1988), e a
investigação criminal direta seria compatível com a finalidade de promover a
ação penal pública. O CNMP inclusive editou a Resolução 13, disciplinando o
denominado "procedimento investigatório criminal", instaurado e presidido
pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal.
O STF possui decisões no sentido da possibilidade de investigação cri-
minal direta pelo Ministério Público:
É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova
a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existên-
cia da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título
42 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

excepcional como é a hipótese do caso em tela. Tal conclusão não significa


,

retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente mas ,

apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a


compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos
fatos supostamente delituosos mas também a formação da opinio delicti. O
,

art. 129, inc. I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na


promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal
estabelece que o inquérito policial é dispensável já que o Ministério Público
,

pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa
para a denúncia Há princípio basilar da hermenêutica constitucional, a saber,
' ,
o dos poderes implícitos segundo o qual, quando a Constituição Federal
,

concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal


pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe
como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto já que o Código de ,

Processo Penal autoriza que 1peças de informação, embasem a denúncia. (...)


(STF, RE 468.523/SC, 2.f T., j. 01.12.2009, rei. Min. Eilen Gracie, DJe-030
19.02.2010).
A Súmula 234 do STJ ainda enuncia:
"A participação de membro doMinistério Público na fase investigatória
criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o ofereci-
mento da denúncia "
.

2 4
. 3 Identificação criminal
.

O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal


(art. 5.°, LVIII, da CF/1988), salvo nas hipóteses previstas em lei.
Trata-se de norma constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia
contida (ou restringível), assim designada aquela de aplicabilidade imediata,
mas cuja eficácia pode ser contida ou restringida pela atividade legislativa
ulterior.

Os casos legais que acabam por restringir a eficácia da sobredita nor-


ma constitucional são o envolvimento em ação praticada por organização
°
criminosa (art. 5. da Lei 9.034/1995, que alguns consideram revogado
tacitamente) e os casos previstos na Lei 12.037/2009, a denominada Lei da
Identificação Criminal.
A identificação criminal abrange o processo datiloscópico e o fotográfico
(art. 5.° da Lei 12.037/2009).
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 43

Embora apresentado documento de identificação pode ocorrer identi- ,

f cação criminal quando: a) o documento apresentar rasura ou tiver indício


i
de falsificação; b) o documento apresentado for insuficiente para identificar
cabalmente o indiciado; c) o indiciado portar documentos de identidade
distintos, com informações conflitantes entre si; d) a identificação criminal
for essencial às investigações policiais segundo despacho da autoridade
,

judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da


autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; e) constar de regis-
tros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; f) o estado
de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do
documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres
°
essenciais (art. 3. da Lei 12.037/2009).
Em caso de não oferecimento da denúncia ou sua rejeição, ou absol-
,

vição faculta-se ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do


,

inquérito ou trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identi-


,

ficação fotográfica do inquérito ou processo desde que apresente provas de


,

sua identificação civil (art. 7. da Lei 12.037/2009).


°

2 44
. .
Incomunicabilidade do indiciado

O art. 21, caput, do CPP, permite a decretação da incomunicabilidade do


indiciado, quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação
o exigir.
Evidentemente
incomunicabilidade pressupõe prisão, pois não se con-
,

cebe possa ser colocado nesse regime o indiciado solto.


Consoante o regime jurídico traçado pelo art. 21 parágrafo único, do ,

CPP, a incomunicabilidade depende de decisão judicial fundamentada não ,

exofficio mas a ser proferida mediante representação da autoridade policial


,

ou a requerimento do órgão do Ministério Público não podendo exceder 3 ,

dias, respeitados os direitos do advogado (art. 7.°, III da Lei 8.906/1994 - ,

Estatuto da Advocacia).

Saliente-se, pois, que a incomunicabilidade, tal qual o sigilo dos autos


de inquérito policial, não é absoluta, porquanto não se estende ao Ministério
Público (destinatário imediato das investigações) aojuiz de Direito (desti-
,

natário mediato das investigações) e ao advogado.


Em relação ao advogado o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994)
,

°
prescreve, em seu art. 7. III, ser direito do advogado "comunicar-se com
,
44 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando


estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou
"

militares, ainda que considerados incomunicáveis .

A doutrina predominante entende que o art. 21 do CPP não foi recep-


cionado pela ordem constitucional vigente, tendo em vista a vedação da in-
°
comunicabilidade do preso durante o Estado de Defesa (art. 136, § 3. IV, da ,

CF/1988). Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, p. 206) eJulio


Fabbrini Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, p. 61) se posicionam
no sentido da supressão do instituto da incomunicabilidade do indiciado e
argumentam: se durante a vigência do estado de defesa não se pode decretar a
incomunicabilidade do preso (art. 136, § 3.°, IV, da CF/1988), afortiori (com
muito maior razão), não se pode cogitar da incomunicabilidade do indiciado
em estado de absoluta normalidade.

De outra parte, Damásio Evangelista de Jesus (Código de Processo Penal


Anotado, p. 24) e Vicente Greco Filho (Manual de Processo Penal, p. 96) sus-
tentam subsistir a possibilidade de decretação da incomunicabilidade do
indiciado, admitindo haver sido recepcionado pela Constituição Federal o art.
21 do CPP. Para os aludidos autores, a Constituição Federal veda a incomu-
nicabilidade do preso durante o estado de defesa justamente porque durante
a vigência desse período de exceção alguns direitos e garantias individuais
°
podem ser suspensos (art. 136, § 1. I, da CF/1988) e a prisão por "crime
,

"
contra o Estado pode ser decretada sem ordem judicial (art. 136, § 3.°, I, da
CF/1988), colocando, assim, o preso em posição de fragilidade perante os
órgãos da persecução penal. Ao contrário, durante a normalidade, vigendo
todos os direitos e garantias individuais, não haveria razão para a proibição
da incomunicabilidade do indiciado, desde que observadas as formalidades
legais insculpidas no art. 21 do CPP.

2 4
. .
5 Vícios no inquérito policial
Descabe falar em "nulidades" no inquérito policial, pois nele não se
"
vislumbra um processo mas um procedimento administrativo de caráter
"

preliminar e informativo, cujos vícios são considerados meras irregularidades,


que nada afetam a ulterior ação penal que nele se basear.

2 .5 FORMAS DE INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL


A instauração do inquérito pode ocorrer de maneiras diversas, de acordo
com a espécie de ação penal. Desse modo, teremos:
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 45

25
.
1 Ação penal pública incondicionada
.

°
a) Ex officio, por Portaria do Delegado de Polícia (art. 5. I, do CPP): a
,

autoridade policial, ao tomar conhecimento da ocorrência de uma


infração penal de ação penal pública incondicionada, tem a obrigação
de instaurar o inquérito policial (art. 5.°, I, do CPP). Nesse caso, a ins-
tauração é feita por portaria, com a referência de todas as informações
conhecidas, tais como hora, data, local, vítima, autor, testemunhas etc.,
indicando, por fim, a tipificação legal (provisória) da infração penal.
b) Por requisição do Ministério Público ou da autoridade judicial (art. 5.°,
II, primeira parte, do CPP): ao tornar conhecimento da ocorrência de
crime de ação penal pública, o órgão do Ministério Público, não dis-
pondo de base para oferecer denúncia (indícios de autoria e prova da
existência da infração penal), pode requisitar a instauração de inquérito
policial (art. 129, VIII, da CF/1988). Trata-se de uma exigência legal
que a autoridade policial, em princípio, não pode recusar.
Discute-se sobre a possibilidade de a autoridade judicial requisitar a
instauração de inquérito policial (iniciativa da investigação criminal), em
face do princípio acusatório. O magistrado pode ainda determinar a remessa
ao Ministério Público dos documentos que noticiam a ocorrência de crime
de ação penal pública (art. 40 do CPP).
°
c) Por requerimento do ofendido ou de seu representante legal (art. 5. ,

II, segunda parte, do CPP): situação em que o ofendido noticia a ocor-


rência do crime e provoca formalmente a instauração de inquérito
policial.
O requerimento deve conter, sempre que possível, a narração do fato, com
todas as circunstâncias, a individualização do indiciado ou seus sinais caracte-
rísticos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração,
ou os motivos de impossibilidade de o fazer, bem como a nomeação das teste-
°
munhas, com indicação de sua profissão e residência (art. 5. § 1.°, do CPP).
,

A decisão que indefere o requerimento de instauração de inquérito po-


licial admite recurso administrativo para o Chefe de Polícia (art. 5.°, § 2.°,
do CPP).

d) Por auto de prisão em flagrante: com a apresentação do preso, a auto-


ridade policial toma conhecimento da prática de uma infração penal,
devendo então instaurar o inquérito policial mediante o auto de prisão
em flagrante lavrado (art. 304 do CPP).
46 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

2 5 . .
2 Ação penal pública condicionada
Em crimes de ação penal pública condicionada a instauração do inqué-,

rito policial depende de representação do ofendido (art. 5.° § 4.°, do CPP) ou ,

de requisição do Ministro dajustiça, não se aplicando a regra da oficiosidade:


a atuação da autoridade policial se subordina a uma manifestação de vontade
alheia, sem a qual não pode ser iniciado o inquérito policial.
Admite-se a requisição para instauração de inquérito policial oriunda ,

do Ministério Público ou da autoridade judicial (art. 5.° II, primeira parte, ,

do CPP) desde que esteja acompanhada da representação do ofendido ou da


,

°
requisição do Ministro dajustiça (art. 5. § 4.°, do CPP), conforme o caso.
,

Do mesmo modo
em caso de prisão em flagrante, a sua formalização
,

(lavratura do auto de prisão em flagrante) fica subordinada ao oferecimento


de representação pelo ofendido (art. 5.°, § 4.°, do CPP) ou de requisição pelo
Ministro dajustiça.

25
. .
3 Ação penal privada
Tratando-se de crime de ação penal privada a instauração do inquérito
,

policial depende de requerimento do ofendido (art. 5.°, § 5.°, do CPP), não se


aplicando igualmente a regra da oficiosidade: a atuação da autoridade policial
se subordina a uma manifestação de vontade alheia, sem a qual não pode ser
iniciado o inquérito policial.
Do mesmo modo
em caso de prisão em flagrante, a sua formalização
,

(lavratura do auto de prisão em flagrante) fica subordinada ao oferecimento


de requerimento pelo ofendido (art. 5.°, § 5.°, do CPP).
O Ministério Público e a autoridade judicial não podem requisitar a
instauração de inquérito policial em crime de ação penal privada.
Cabe salientar que a apresentação de requerimento para a instauração
de inquérito policial, em crime de ação penal privada, em nada afeta (não
interrompe, não suspende nem impede) o prazo decadencial para o exercício
do direito de queixa (propositura da ação penal).

2 . 6 PRAZOS PARA O ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL


A regra geral, com relação ao prazo para o encerramento do inquérito
policial, encontra-se inscrita no art. 10, caput, do CPP, e depende do status
libertatis do indiciado:
Cap. 2 . Do Inquérito Policial 47

a) se preso: 10 dias, contados do dia da prisão em flagrante ou da execução


da ordem de prisão preventiva. Esse prazo é improrrogável e, se for
°

excedido, torna a prisão ilegal, ensejando o seu relaxamento (art. 5. ,

LXV, da CF/1988);
b)se solto: 30 dias, contados do dia em que foi instaurado o inquérito
policial. Esse prazo pode ser prorrogado pelo juiz, a pedido funda-
mentado da autoridade policial (art. 10, § 3. do CPP).
°
,

2 6
. .
/ Prazos especiais

Na Lei de Drogas, o art. 51, caput, da Lei 11.343/2006, estabelece o prazo


de 30 dias para encerramento do inquérito policial, estando preso o indiciado,
e de 90 dias, quando solto. Tais prazos podem ser duplicados pelo Juiz, depois
de ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade
policial (art. 51, parágrafo único, da Lei 11.343/2006).
Nos crimes de competência da Justiça Comum Federal, em que os inqué-
ritos são realizados pela Polícia Federal, estando o indiciado preso, o prazo é
de 15 dias (art. 66, caput, da Lei 5.010/1966), prorrogável por mais 15 dias,
se a Polícia Federal apresentar ao juiz o indiciado preso (art. 66, parágrafo
único, da Lei 5.010/1966).

Em crimes contra a economia popular, o inquérito policial deve terminar


°
no prazo de 10 dias, estando preso ou solto o indiciado (art. 10, § 1. da Lei ,

1 .
521/1951).

Tratando-se de flagrante em presença ou contra a autoridade, o auto de


prisão em flagrante deve ser remetido imediatamente ao juiz competente
(art. 307 do CPP), de sorte que não existe prazo para o encerramento do
inquérito policial.
O inquérito policial militar deve terminar em 20 dias, se o indiciado
estiver preso, ou no prazo de 40 dias, quando o indiciado estiver solto (art.
20, caput, do CPPM), podendo este último prazo ser prorrogado por mais
20 dias (§ 1.°).

O excesso de prazo para o encerramento do inquérito policial, em caso


de indiciado preso, pode ser alegado em simples petição ou por habeas corpus
(art. 648, II, do CPP), ambos com o pedido de relaxamento da prisão (art.
5° .

, LXV, da CF/1988) e endereçados ao juiz competente.


48 Processo Penal - Paulo H .
A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C
.
C. Machado

2 . 7 ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL


O inquérito policial se encerra com um minucioso relatório das investi-
gações, elaborado pela autoridade policial, que então remete os autos ao juiz
competente (art. 10 §§ 1.° e 2.°, do CPP).
,

2 7
. .
/ Encerramento do inquérito policial em crimes de ação penal
pública
Tratando-se de crime de ação penal pública o juiz encaminha os autos
,

ao Ministério Público que pode assumir os seguintes comportamentos:


,

a) oferecer denúncia: a denúncia constitui a petição inicial da ação penal


pública, devendo conter os requisitos do art. 41 do CPP e estar acom-
panhada do inquérito policial, quando este lhe servir de base (art.
12 do CPP). Em seguida o juiz realiza um juízo de admissibilidade
,

da acusação decidindo pelo recebimento ou pela rejeição liminar da


,

denúncia (art. 395 do CPP);


b) requerer novas diligências: o Ministério Público não dispondo de base,

suficiente para a propositura da ação penal (indícios de autoria e prova


da existência da infração penal) pode requerer ao juiz a devolução
,

dos autos de inquérito à autoridade policial para a realização de ,

novas diligências que entender imprescindíveis ao oferecimento da


denúncia (art. 16 do CPP);
c) requerer o arquivamento dos autos de inquérito policial (art 28 do .

CPP): convencendo-se da falta de base para a denúncia e estando ,

esgotadas as possibilidades de investigação o Ministério Público pode


,

requerer ao juiz o arquivamento do inquérito policial apresentando ,

as razões pertinentes.

Se concordar com o requerimento do Ministério Público o juiz deter- ,

mina o arquivamento do inquérito policial Discordando do requerimento de


.

arquivamento, o juiz aplica o art. 28 do CPP e remete os autos de inquérito


policial ao Procurador-Geral de Justiça (ou Câmaras de Coordenação e Re-
visão do MPU em caso de competência federal: art. 62, IV, da LC 75/1993),
,

que pode adotar as seguintes posturas: a) oferecer denúncia, b) designar


outro órgão do Ministério Público para tanto (diverso daquele que requereu
o arquivamento por força da independência funcional: art. 127, § 1.°, da
,

CF/1988) ou c) insistir no requerimento de arquivamento caso em que o ,

juiz fica obrigado a proceder ao arquivamento dos autos de inquérito policial,


Cap. 2 . Do Inquérito Policial 49

afinal, a titularidade da ação penal pública pertence ao Ministério Público


(art. 129,1, da CF/1988).
Em geral a decisão judicial de arquivamento dos autos de inquérito
,

policial é irrecorrível. Tratando-se de crime contra a economia popular, a


decisão de arquivamento se sujeita a recurso ex officio ou reexame necessário
(art. 7.° da Lei 1.521/1951). Em caso de contravenções penais de "jogo do
bicho", de apostas sobre corridas de cavalos fora dos hipódromos e sobre
outras competições esportivas, o arquivamento das peças de informação
pode ser impugnado mediante recurso em sentido estrito, a ser interposto
por qualquer do povo (art. 6. parágrafo único, da Lei 1.508/1951).
°
,

O arquivamento dos autos de inquérito policial não permite o ajuiza-


mento de queixa subsidiária, pois não houve inércia do Ministério Público
(requereu o arquivamento).
Arquivados os autos de inquérito policial, por decisão judicial e a reque-
rimento do Ministério Público, a autoridade policial pode proceder a novas
pesquisas, se de outras provas tiver notícia (art. 18 do CPP). A propositura da
ação penal, contudo, depende do surgimento de novas provas (substancial-
mente novas que forneçam o que faltava para o oferecimento da denúncia) e
,

de não estar extinta a punibilidade (Súmula 524 do STF). Como se percebe,


a decisão judicial de arquivamento dos autos de inquérito policial faz apenas
coisa julgada formal, pois pode ser modificada por prova nova.

O STF entende que a decisão judicial de arquivamento dos


autos de inquérito policial, quando fundada em atipicidade ou import##1®
extinção da punibilidade, excepcional mente forma coisa julga-
da material, impedindo a propositura de eventual ação penal.

2 7
. .
2 Encerramento do inquérito policial em crimes de ação penal
privada
Tratando-se de crime de ação penal privada, a autoridade policial reme-
te os autos de inquérito policial ao juízo competente, onde permanecerão
aguardando a iniciativa dos legitimados para o ajuizamento da queixa, dentro
do prazo decadencial de 6 meses, contados do conhecimento da autoria (art.
103 do CP e art. 38 do CPP). Os autos de inquérito policial podem ainda ser
entregues ao titular do direito de queixa, mediante traslado, se o requerer
(art. 19 do CPP).
50 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

2 7 . .
3 Encerramento anormal: o trancamento do inquérito policial
Trata-se o "trancamento" do inquérito policial cie uma construção pre-
toriana (jurisprudencial) calcada na previsão genérica contida no art. 648 ,

I do CPP, na qual o legislador considera ilegal a coação "quando não houver


,

justa causa".
Entende-se que a existência de um inquérito policial de per si, implica ,

um constrangimento ao investigado ou ao indiciado de molde que sua ins- ,

tauração requer a presença de justa causa o que, em sede de investigação,


,

significa a necessidade de o fato se revestir de tipicidade e não estar extinta


a punibilidade.
para a instauração do inquérito policial, prevalece que são
Dessarte ,

consideradas bastantes a tipicidade do fato objeto da investigação e a par ,

disso, não estar extinta a punibilidade, sob pena de a existência desse pro-
cedimento administrativo consubstanciar uma coação ilegal ao investigado
ou ao indiciado.

Para rechaçar constrangimentos ilegais desse jaez a jurisprudência ,

criou o mecanismo do trancamento do inquérito policial por falta de justa


causa, a ser pleiteado pela via da ação de habecis corpus (art. 648,1, do CPP),
em que podem o juiz ou o Tribunal determinar a imediata paralisação das
investigações encerrando de maneira abrupta e anormal o inquérito policial
,

indevidamente instaurado.
Da Ação Penal

3 1 .
CONCEITO

Direito de invocar a prestação jurisdicional penal ao Poder Judiciário. É


a faculdade de proceder em juízo contra o autor de uma infração penal , com

o intuito de que lhe sejam aplicadas as sanções previstas em lei.

3 2 CONDIÇÕES DA AÇÃO
.

São requisitos exigidos para o regular exercício da ação penal. Tais requi-
sitos não condicionam o agir do órgão da acusação (direito de demanda) mas ,

a obtenção de um provimento jurisdicional de mérito sobre a procedência ou


improcedência da pretensão punitiva estatal. Assim para que seja proferida
,

uma decisão de condenação ou absolvição impõe-se a constatação anterior


,

da presença das condições da ação, sem as quais o Juiz não pode se pronunciar
sobre a culpabilidade (ou não) do acusado.
De outra parte a presença das condições da ação penal não significa juízo
,

de condenação mas apenas possibilidade de apreciação da procedência ou


,

não da pretensão punitiva estatal.


Como lecionajosé Frederico Marques admissível que seja o julgamento
"

de mérito, por existentes as condições da ação nem por isso a pretensão ne-
,

cessita ser julgada procedente. Uma vez que deve proferir decisão de meritis o ,

juiz passará a examinar da espécie, a fim de aplicar a norma jurídica cabível,


para resolver da procedência ou improcedência do pedido do autor. (Ele-
"

mentos de direito processual penal p. 354).


,

As condições da ação penal são a possibilidade jurídica do pedido (ou


da acusação) o interesse processual e a legitimidade ad causam.
,

Alguns autores agregam uma quarta categoria nas condições da ação


penal, consistente na presença de justa causa (Afrânio Silva Jardim, Direito
52 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

processual penal, p. 93-95): indícios de autoria (ou de participação) e prova


da existência da infração penal. Para outros, ajusta causa se insere na possi-
bilidade jurídica da acusação (Ada Pellegrini Grinover, As condições da ação
penal, p. 191) ou no interesse processual, sob o aspecto adequação (Vicente
Greco Filho, Manual de processo penal, p. 109-110).
Essas condições são tradicionalmente consideradas genéricas, porque
são comuns a qualquer ação penal.
São tradicionalmente denominadas específicas aquelas condições que
somente são exigidas para uma modalidade específica de ação penal, como
ocorre com a representação do ofendido e a requisição do Ministro de Justiça, que
constituem condições de procedibilidade da ação penal pública condicionada,
sem as quais o Ministério Público não pode oferecer a denúncia, conforme
dispõe o art. 24, caput, infine, do CPP. Ada Pellegrini Grinover entende que
a representação do ofendido e a requisição do Ministro da Justiça são com-
ponentes da possibilidade jurídica da acusação (As condições da ação penal,
p 192-193).
.

O art. 395 do CPP, ao enunciar as causas de rejeição liminar da denún-


cia ou da queixa, indiretamente esclarece o conteúdo das condições da ação
penal, como adiante perceberemos ao analisar os requisitos para a obtenção
de um provimento jurisdicional de mérito.

Condições da ação penal


- Possibilidade jurídica da acusação
- Interesse processual
Genéricas
- Legitimidade adcausam
- Justa causa

- Representação do ofendido
Específicas
- Requisição do Ministro da Justiça

32
. .
1 Possibilidade jurídica do pedido (ou da acusação)
A prestação jurisdicional somente pode ser demandada em face dos
sujeitos a ela submetidos. Assim, nos casos de imunidade diplomática
ou consular, bem como nos de inimputabilidade dos menores de dezoito
anos de idade (arts. 228 da CF/1988 e 27 do CP), haveria impossibilidade
jurídica do pedido (Ada Pellegrini Grinover, As condições da ação penal, p.
197-198). Cabe consignar que, parajosé Frederico Marques, tais situações
Cap. 3 . Da Ação Penal 53

configuram ilegitimidade passiva ad causam (Elementos de direito processual


penal, II, p. 57).
O fundamento da possibilidade jurídica do pedido "está em que não é
conveniente, sendo, aliás, abusivo, o desenvolvimento oneroso de uma ação
penal quando desde logo se aíigura inviável, em termos absolutos, o aten-
dimento da pretensão porque a ordem jurídica não prevê providência igual
à requerida, ou porque a ordem jurídica expressamente proíba ou impeça a
"

manifestação judicial sobre a questão (Vicente Greco Filho, Manual de processo


penal, p. 111).
A possibilidade jurídica do pedido, na seara processual penal, encontra-
se ligada ao princípio da reserva legal, segundo o qual não há crime sem lei
"
-

"

anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5.°, XXXIX,
da CF/1988, e art. l.°do CP).
Por isso se a acusação postula a imposição de uma sanção penal não
,

contemplada no ordenamento jurídico ou por ele vedada, como as penas de


morte (salvo caso de guerra declarada - art. 5. XLVII, a),de caráter perpé-
°
,

tuo, de trabalhos forçados ou de banimento (art. 5.°, XLVII, da CF/1988), o


pedido se afigura juridicamente impossível. A rigor, a natureza criminosa da
conduta imputada deve ser considerada possibilidade jurídica do pedido,
pois não se pode pedir condenação por fato atípico. Ada Pellegrini Grinover,
adotando a teoria da apresentação e modificando posição anterior, afirma que
a falta de tipicidade implica impossibilidade jurídica da causa de pedir (e não
propriamente do pedido) (As condições da ação penal, p. 188).
Contudo, no atual sistema processual brasileiro, a questão da tipicida-
de penal do fato pode não ser considerada no momento da apreciação das
condições da ação (o que ensejaria a rejeição liminar da denúncia ou queixa
-

art. 395, II, segunda parte, do CPP), mas sim em momento posterior, da
absolvição sumária (art. 397,111, do CPP). Adotamos tal posição, pois outro
entendimento resultaria em conclusão inviável: se reconhecida a atipicidade
" "

no primeiro exame da denúncia ou queixa, o acusado teria direito apenas a


uma decisão de rejeição liminar. Se reconhecida em um segundo momento -
pois foi necessário um exame mais atencioso do magistrado ou uma eficiente
argumentação técnica na resposta -, teria o acusado direito a uma decisão
absolutória, sem dúvida mais favorável (no mínimo simbolicamente) que a
mera rejeição liminar. Ora, não se pode admitir que a natureza da sentença,
que tamanha importância adquire no caso de uma absolvição penal, possa
depender simplesmente da atenção ou desatenção do magistrado ao receber
54 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a denúncia ou queixa. Assim ainda que tecnicamente se trate de condição da


,

ação penal, a atipicidade do fato não deve, em nossa visão resultar na rejeição
,

liminar da denúncia ou queixa, mas sim na absolvição sumária do acusado.


Mesmo antes da reforma do CPP , Afrânio Silva Jardim antecipava que a
decisão sobre a atipicidade não era em verdade relacionada com a existência
ou não das condições da ação ou seja, com o direito a um provimento de
,

mérito. Era sim, desde logo, decisão de mérito, a ser proferida em cognição
,

preliminar pela sua natureza eminentemente jurídica. A propósito, o referido


"

autor obtempera: Estamos com a eminente professora Ada Pellegrini Grinover


quando sustenta que a ausência de tipicidade e a extinção de punibilidade não
configuram impossibilidade jurídica do pedido mas dizem respeito ao próprio
,

mérito da pretensão punitiva deduzida na denúncia ou queixa. Nestas hipó-


teses, não importando o momento em que a decisão é pronunciada o órgão ,

jurisdicional declara a inexistência do poder-dever de punir afirmado pelo


Estado (ius puniendi). Em outras palavras, a sentença é absolutória e resulta
do não acolhimento da pretensão do autor." (Direito processual penal p. 95). ,

Indo além da mera narração de fato típico, alguns autores entendem


que a possibilidade jurídica do pedido exige mais que a simples tipicidade
penal do fato, abrangendo ainda a presença da ilicitude e da culpabilidade:
"
Por derradeiro não nos parece correta a visão daqueles que pretendem, no
,

requisito pertinente à possibilidade jurídica do pedido, circunscrever a nar-


rativa do fato ao mero juízo de tipicidade (...) é indispensável a avaliação da
tipicidade, ilicitude e culpabilidade" (Guilherme de Souza Nucci, Manual de
processo e execução penal, p. 165).
Atualmente, se evidente a ocorrência de causa excludente da ilicitude ou
da culpabilidade, entendemos que não deve ser rejeitada a denúncia ou queixa ,

mas sim proferida uma absolvição sumária (art. 397 1 e II do CPP), valendo
, ,

retomar aqui a polémica sobre a natureza (condição da ação ou matéria de


mérito) da questão envolvendo a tipicidade penal do fato - discutida acima.
Cabe ainda distinguir a situação de atipicidade do fato narrado na de-
núncia ou queixa daquela outra em que o fato imputado constitui infração
penal, mas não apresenta qualquer suporte fático, hipótese que enseja, no
atual sistema do Código de Processo Penal, a rejeição liminar por falta de
justa causa, a teor do art. 395, III (normalmente identificada na doutrina com
o interesse processual).
Como anteriormente mencionado (supra, n. 2), parte da doutrina (Ada
Pellegrini Grinover, As condições da ação penal, p. 192-193) considera ainda
Cap. 3 . Da Ação Penal 55

como impossibilidade jurídica do pedido a ausência das condições de proce-


dibilidade (representação do ofendido e requisição do Ministro da Justiça),
exigidas para o oferecimento de denúncia (art. 24, caput, infine, do CPP). Isso
porque as condições de procedibilidade impedem a ação penal, tornando o
"

pedido impossível. Não são outras condições da ação, mas condições especiais
subsumidas na possibilidade jurídica do pedido. (Vicente Greco Filho, Manual
"

de processo penal, p. 112).


A doutrina tradicional, contudo, prefere destacar a representação do
ofendido e a requisição do Ministro da Justiça como condições específicas
da ação penal pública condicionada (e não como possibilidade jurídica do
pedido). Para qualquer das posições, no entanto, resta pacífico que a ausência
de condição de procedibilidade para o oferecimento da denúncia implica a
rejeição liminar da petição inicial, com fundamento no art. 395, II, segunda
"

parte, do CPP ( faltar condição para o exercício da ação penal"). Caso recebida
a denúncia sem a presença das condições específicas da ação penal pública
condicionada, impõe-se o reconhecimento da nulidade ab initio do processo
(art. 564, III, a, terceira figura, do CPP).

32
.
2 Interesse processual
.

O interesse processual se decompõe em três aspectos: necessidade,


utilidade e adequação.
a) Interesse-necessidade: o aspecto necessidade emerge da obrigatorieda-
de do devido processo legal (art. 5.°, LIV, da CF/l 988) para a imposição
de uma sanção penal ao acusado (nulla poena sine judicio). Por isso,
na ação penal, considera-se presumida a sua necessidade, em face da
exigência constitucional de pronunciamento judicial para reconhe-
cimento do direito de punir do Estado, tratando-se, pois, de caso de
jurisdição necessária, por força da indisponibilidade do direito de
liberdade de locomoção do acusado.
b) Interesse-ufílidíide:auíilidííc/edoprovimentojurisdicionalpretendido
se manifesta na potencialidade de o Estado exercer o ius puniendi e,
por isso, depende da possibilidade de exercício da pretensão punitiva
estatal. Como observa Paulo Rangel, a prática de uma infração penal
"

faz surgir a pretensão acusatória que será exercida via ação penal,
,

se houver interesse processual, pois, havendo a prescrição desta


pretensão, entendemos não haver interesse de agir. Como ingressar
com uma ação, pedindo condenação, quando o Estado não tem mais
56 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

interesse na solução da lide já que não poderá mais aplicar a sanctio


,

iuris? Neste caso, a prescrição faz com que se perca o interesse de agir.
Claro que a prescrição é mérito, porém, ocorrendo, atinge o interesse
(necessidade) de se dirigir ao Judiciário para se reclamar qualquer
"

providência devida. (Direito processual penal, p. 268).


Para tal orientação, reconhecida a ocorrência de qualquer causa de
extinção da punibilidade, deve o Juiz rejeitar, liminarmente, a denúncia ou
a queixa, com esteio no art. 395, II, do CPP. Se recebida a peça inicial, deve
ser declarada a extinção da punibilidade a qualquer tempo ex officio ou a ,

requerimento das partes (art. 61 caput e parágrafo único, do CPP).


,

A partir da Lei 11.719/2008, no entanto defendemos outra posição:


,

como a extinção da punibilidade está prevista no art. 397, IV, do CPP como ,

justificativa para a absolvição sumária do acusado, não deve ser reconhecida


como simples situação de carência de ação (art. 395, II, segunda parte do ,

CPP). Tal como na hipótese da narração de fato atípico, seria incoerente que
a extinção da punibilidade se, percebida antes do recebimento, gerasse mera
rejeição liminar da denúncia ou queixa e, se percebida depois do recebimen-
to, tivesse o efeito de absolvição, muito mais benéfica ao acusado. Assim ,

transcendendo a categoria de condição da ação, a extinção da punibilidade


estaria relacionada com o mérito e, por isso, resultaria sempre em absolvição.
Sob a antiga redação da lei, Afrânio Silva Jardim considerava que a ex-
tinção da punibilidade não representava falta de interesse processual, sob o
aspecto utilidade, por se tratar de decisão de mérito, que aprecia o direito
"

material subjacente ao processo (declara extinto o ius puniendi): Por outro


lado, a ocorrência de prescrição ou outra causa extintiva de punibilidade nas
ações penais condenatórias não atingem o interesse de agir do autor, mas sim
o próprio direito alegado (ius puniendi), sendo, por conseguinte matéria de ,

mérito. Tal ocorre independentemente da fase processual em que venha a


ser reconhecida a extinção da punibilidade do réu nas ações condenatórias,
"

segundo nos parece (Direito processual penal, p. 96).


Ainda sob o aspecto da utilidade do provimento jurisdicional preten-
dido, coloca-se a questão da denominada prescrição virtual, antecipada ou
em perspectiva, que foi rechaçada pelo enunciado da Súmula 438 do STJ: É
"

inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva


com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou
"

sorte do processo penal .

Cuida-se de um prognóstico baseado na pena que seria aplicada ao agente


em caso de eventual condenação, tendo em conta as circunstâncias do caso
Cap. 3 . Da Ação Penal 57

concreto. Suponha-se que para a apuração de um crime de dano qualificado,


cuja pena cominada é de 6 meses a 3 anos (art. 163, parágrafo único, do CP), a
ação penal tenha consumido três anos e meio, sem ter sido proferida sentença.
Como a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita somente se operaria
em oito anos (art. 109, IV, do CP), o processo deveria seguir a sua tramitação
normal. Contudo, sendo absolutamente favoráveis as condições pessoais do
agente e as circunstâncias do crime em caso de condenação, a pena fatalmente
seria aplicada no patamar mínimo legal, ou seja, inferior a 1 ano, o que ensejaria
a prescrição da pretensão punitiva em sua modalidade retroativa, uma vez que
entre o recebimento da denúncia e a publicação da eventual sentença conde-
natória teria transcorrido mais de três anos (art. 109, VI, do CP).
Em situações como essa, faleceria o interesse processual para a acusação,
pois a pena que seria aplicada em virtual condenação acabaria não sendo
cumprida, em face da probabilidade de ocorrência da prescrição retroativa
na fase da ação penal (art. 110, § 1. do CP).
°
,

Poderia então o Juiz, diante desse panorama, reconhecer a carência de


ação (ausência de condição) superveniente, por falta de interesse processual,
em seu aspecto utilidade, por se tratar de questão de ordem pública que pode
ser conhecida ex oficio e em qualquer momento processual.
Como se percebe, não se trata de reconhecimento da extinção da punibi-
lidade, pois não ocorreu efetivamente a prescrição (seria apenas virtual) - e,
por tal razão, não haveria absolvição sumária (art. 397, IV, do CPP). Trata-se,
em verdade, de falta de interesse processual, tendo em vista a perspectiva da
ocorrência da prescrição retroativa na fase da ação penal (art. 110, § 1. do
°
,

CP), aferida mediante um juízo de antecipação. Os Tribunais, no entanto,


não admitem tal possibilidade, em face da ausência de previsão legal desse
procedimento: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da
"

pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente


da existência ou sorte do processo penal" (Súmula 438 do STJ).
c) Interesse-adequação: a adequação exige que o órgão da acusação
promova a ação penal nos moldes do procedimento estabelecido
pela legislação processual penal, bem como escolha o provimento
jurisdicional correto para alcançar a satisfação da pretensão punitiva,
no caso, uma condenação, a fim de que se possa recompor o tecido
social rompido pela prática da infração penal.
Sob o aspecto da adequação, exige-se ainda a presença de justa causa
para a ação penal, representada pela existência de elementos de convicção que
58 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

proporcionem suporte fático e demonstrem a viabilidade da acusação (indícios


de autoria e prova da existência da infração penal) Vicente Greco Filho afirma .

"

que no processo penal faz parte do interesse processual a exigência de ter


,

a ação penal justa causa definida como o fundamento probatório razoável


,

para sustentar a acusação. Sobre ajusta causa (...), sob o aspecto processual
geral, a sua falta significa falta de interesse processual para a ação penal por-
que, no caso, não tem o requisito da necessidade e sequer da adequação ou
utilidade, causando em contrapartida, um constrangimento ilegal. (Manual
,
"

de processo penal p. 109-110). ,

De acordo com o atual sistema processual penal a falta de tais elementos ,

de convicção não mais gera ausência de interesse processual mas sim rejei- ,

ção liminar da denúncia ou queixa pela falta de justa causa, que configura
hipótese específica na nova redação do art. 395 III, do CPP. ,

Se indevidamente recebida a peça inicial cabe ao acusado, no caso de ,

falta de justa causa (suporte fático) a impetração de habeas corpus para o


,

trancamento da ação penal (art. 648 1 do CPP). , ,

32
. .
3 Legitimidade ad causam
A legitimidade nas palavras de Alfredo Buzaid, indica a pertinência
,

subjetiva da ação, ou seja, os sujeitos a quem pertence o direito de demandar


(legitimidade ativa) e o dever de suportar os efeitos jurídicos da demanda
(legitimidade passiva).
A legitimidade ativa pertence ao titular da ação penal de acordo com a ,

sua modalidade: se pública, incumbe ao Ministério Público promover a ação


penal (art. 129,1, CF/1988); se privada, cabe ao titular do direito de queixa
(ofendido, em regra) a iniciativa da ação penal.
Em função de o Estado ser o titular do ius puniendi a legitimação ordinária ,

para promover a ação penal é atribuída ao Ministério Público (Estado-acu-


sação) tanto assim que, nada dispondo a lei sobre a iniciativa da ação penal,
,

esta incumbe ao Parquet (art. 100 caput, do CP, e art. 129,1, da CF/1988).
,

Em alguns casos, porém, a lei transfere o direito de acusar a um ente


privado (em regra, o ofendido), que apresenta qualidade para propor a ação
penal, em nome próprio, na defesa de um direito alheio (ius puniendi, de
titularidade do Estado). Trata-se portanto, de situação de legitimação extra-
,

ordinária, denominada por Chiovenda de substituição processual.


Na ação penal privada subsidiária temos uma legitimação extraordi- ,

nária sucessiva, pois somente se admite a iniciativa do ofendido depois de o


Cap. 3 . Da Ação Penal 59

Ministério Público não ter se manifestado durante o prazo para oferecimento


de denúncia (art. 29 do CPP e art. 5.°, LIX, da CF/1988).
Contudo, desde que patenteada a inércia do Ministério Público, a le-
gitimidade para a propositura da ação penal passa a ser concorrente entre o
ofendido e o Ministério Público, pois, durante os seis meses do prazo deca-
dencial, qualquer deles pode deflagrar a ação penal (o ofendido, mediante
o ajuizamento de queixa subsidiária e o Ministério Público, mediante o
oferecimento de denúncia).
Encontramos outro caso de legitimidade concorrente no enunciado da
Súmula 714 do STF, segundo a qual "é concorrente a legitimidade do ofendi-
do, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação
do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público
em razão do exercício de suas funções (art. 145, parágrafo único, c/c o art.
"

141, II ambos do CP).


,

A legitimidade passiva, por força do princípio constitucional da intrans-


°
cendência da pena (art. 5. XLV, da CF/1988), recai sobre a pessoa contra
,

quem foram reunidos, durante a fase de investigação, indícios de autoria ou


de participação na infração penal. Assim, seria caso de ilegitimidade passiva
o da denúncia ou queixa equivocadamente oferecida não contra o indicia-
"

do, mas sim contra terceiro que não teve participação na infração penal" ou
quando o suspeito se identifica mediante cédula de identidade que não é sua
"

(perdida ou furtada)" (Ada Pellegrini Grinover, As condições da ação penal,


p . 198-199).
Para parte da doutrina, a legitimidade passiva pressupõe ainda que a
pessoa possa ser alcançada por uma sanção penal (pena ou medida de segu-
rança). Assim, carecem de legitimidade passiva os menores de dezoito anos
de idade (arts. 228 da CF/1988 e 27 do CP), que se submetem ao Estatuto
da Criança e do Adolescente (medidas socioeducativas e de proteção), bem
"

como as pessoas que apresentam imunidade diplomática ou consular: tais


pessoas, embora possam ser partes, despidas estão de legitimação passiva ad
causam, uma vez que não cabe pedir, contra elas, a aplicação de sanctio júris
"

penal, ou medida de segurança (José Frederico Marques, Elementos de direito


processual penal, II, p. 57). Cabe recordar que outros autores entendem haver
impossibilidade jurídica do pedido nos casos de imunidade diplomática ou
consular e de inimputabilidade dos menores de dezoito anos (Ada Pellegrini
Grinover, As condições da ação penal, p. 197-198).
Saliente-se que os inimputáveis por doença mental, ou desenvolvimen-
to mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, do CP), são legitimados
60 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

passivos ad causam, porquanto a eles pode ser aplicada uma sanção penal
(medida de segurança).
A ilegitimidade ad causam ativa ou passiva acarreta a rejeição liminar
da denúncia ou queixa, nos termos do art. 395 II, segunda parte, do CPP. ,

Recebida a peça inicial a ilegitimidade ad causam enseja o reconhecimento


,

da nulidade ab initio do processo (art. 564 II, do CPP). ,

3 . 3 ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL


De acordo com o sujeito que a promove (legitimado ativo) a ação penal ,

pode ser considerada pública, se iniciada pelo Ministério Público (art. 129,
I da CF/1988), ou privada, se iniciada por um ente privado (em geral, o
,

ofendido).

Ação penal
. Incondicionada
Pública
„ .. . . -representação do ofendido
.Condicionada .
,
-

requisição do Ministro da Justiça

. Comum (exclusivamente privada)


Privada . Personalíssima
. Subsidiária (da pública)

3 4 AÇÃO PENAL PÚBLICA


.

A ação penal pública tem como titular o Ministério Público (art. 129 1 , ,

da CF/1988), que a promove por meio do oferecimento de denúncia (petição


inicial da ação penal pública). Constitui a regra geral pois a grande maioria ,

das infrações penais é de ação penal pública (art. 100 caput, do CP), ou seja, ,

de iniciativa do Ministério Público. A ação penal pública pode ser incondi-


cionada ou condicionada.

Na ação penal pública incondicionada o oferecimento da denúncia ,

não se subordina a qualquer manifestação de vontade alheia ao Ministério


Público. Na ação penal pública condicionada para o oferecimento da de- ,

núncia, o Ministério Público depende do implemento de uma manifestação


de vontade alheia que pode ser a representação do ofendido ou a requisição
,

do Ministro dajustiça.
Cap. 3 . Da Ação Penal 61

34 1
. .
Titularidade

O Ministério Público detém a titularidade exclusiva da ação penal pública


(art. 129,1, da CF/1988), promovendo-a desde a peça inicial (denúncia) até
os termos finais, fiscalizando a sequência dos atos processuais e zelando pela
°
observância da lei (art. 100, § 1. do CP, e art. 24, caput, do CPP).
,

34
. .
2 Princípios

342
. . .
1 Obrigatoriedade
Sempre que houver prova da existência da infração penal e indícios de
autoria ou participação, surge para o Ministério Público o dever legal (obri-
gatoriedade) de promover a ação penal pública, por meio do oferecimento de
denúncia (art. 24, caput, do CPP). Ele não pode deixar de oferecer denúncia
por razões de conveniência ou oportunidade, não sendo dado ao Ministério
Público o juízo discricionário sobre a propositura ou não da ação penal públi-
ca. Nojuizado Especial Criminal, fala-se em obrigatoriedade mitigada, pois é
possível que não seja oferecida denúncia, desde que resolvida a questão com
a transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995).

342
. . .
2 Indisponibilidade
O Ministério Público, após o oferecimento da denúncia, não pode dispor
da ação penal pública, por meio da desistência (art. 42 do CPP). Esse princípio
se refere ao desenvolvimento da ação penal pública já instaurada, que não
pode ser abandonada pelo Ministério Público. A indisponibilidade pode ser
mitigada pelo cabimento da suspensão condicional do processo (art. 89 da
Lei 9.099/1995).
A indisponibilidade, contudo, não impede o Ministério Público de opinar
pela absolvição em alegações finais, caso em que o Juiz pode, ainda assim,
condenar o acusado (art. 385 do CPP).

Tal princípio atinge igualmente a seara recursal não podendo o Ministé-


,

rio Público desistir do recurso por ele interposto, embora não seja obrigado
a recorrer (art. 576 do CPP).

3 4 2 3
. . .
Oficialidade e oficiosidade

A ação penal pública é oficial porque promovida por um órgão estatal: o


,

Ministério Público (art. 129,1, da CF/1988). Em caso de inércia do Ministério


62 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Público , ou seja, quando não oferece a denúncia no prazo legal, admite-se


a ação penal privada subsidiária em que um particular promove uma ação
,

penal privada (por queixa subsidiária) em caso de crime de ação penal pública
(art. 5.°, L1X, da CF/1988, e art. 29 do CPP).

O princípio da oficiosidade determina que o Ministério Público deve agir


(oferecer denúncia) exofficio, independentemente de provocação, ressalvados
os casos de ação penal pública condicionada.

3 4 2 4 Intranscendência
. . .

A sanção penal não pode transcender a pessoa que praticou a infração


°
penal (art. 5. XLV, da CF/1988). Assim, a ação penal só pode ser proposta
,

contra a pessoa a quem se imputa a infração penal não podendo ser movida ,

contra um terceiro que eventualmente, possa ser condenado a reparar o dano


,

na esfera civil.

3 4 2 5 Divisibilidade
. . .

Em caso de concurso de agentes, o Ministério Público pode oferecer


denúncia apenas contra um ou alguns dos investigados e não contra outros ,

desde que a respeito destes, entenda não haver base suficiente para a pro-
,

positura da ação penal (indícios de autoria e prova da existência da infração


penal). Isso acarreta, ao menos em princípio, uma cisão (divisão) da ação
penal em relação aos seus agentes, pois o processo não seria deflagrado si-
multaneamente contra todos.

Essa possibilidade de divisão da ação penal pública não significa impu-


nidade, pois a investigação criminal pode prosseguir em relação aos agentes
ainda não denunciados.

Se posteriormente surgir base suficiente para a propositura da ação


penal, o Ministério Público pode aditar a denúncia para a inclusão de tais
sujeitos (aditamento subjetivo) ou oferecer denúncia em separado contra eles ,

conforme seja mais conveniente. Subsistindo a insuficiência de base para a


ação penal, o Ministério Público pode requerer o arquivamento do inquérito
policial em relação a tais sujeitos.
Apesar de o STF reconhecer a divisibilidade da ação penal pública ,

Fernando da Costa Tourinho Filho sustenta que o princípio da obrigatorie-


dade implicaria logicamente a sua indivisibilidade (Código de processo penal
comentado, volume l,p. 141).
Cap. 3 . Da Ação Penal 63

34
. .
3 Início da ação penal pública
A ação penal pública se inicia com o oferecimento de denúncia pelo Mi-
nistério Público (arts. 129,1, da CF/1988, e 24, cciput, do CPP). O processo
se instaura formalmente com a decisão judicial de recebimento da denúncia
(juízo de admissibilidade positivo), que inclusive interrompe o curso da
prescrição (art. 117,1, do CP), e tem completada a sua formação quando
realizada a citação do acusado (art. 363, caput, do CPP).
A denúncia é a petição inicial da ação penal pública, formalizando a acu-
sação (acusado, imputado, denunciado). A denúncia deve conter os requisitos
do art. 41 do CPP, sob pena de ser considerada inepta (art. 395,1, do CPP).

343
. . .
/ Prazo para o oferecimento de denúncia
O Ministério Público dispõe dos seguintes prazos para o oferecimento
de denúncia (art. 46, caput, do CPP): se o indiciado estiver preso. 5 dias: se
solto. 15 dias.

Esse prazo se conta a partir do dia em que o Ministério Público recebeu


os autos de inquérito policial (art. 46, caput do CPP). Se não houver inqué-
rito o prazo será contado a partir da entrega das peças de informação, que,
,

se possível, deverão ser entregues mediante recibo (art. 46, § 1. do CPP).


°
,

Na Lei de Drogas, o prazo para o oferecimento de denúncia é de 10 dias,


sendo indiferente, nesse caso, se o indiciado se encontra preso ou solto (art.
54, III, da Lei 11.343/2006).

34
. .
4 Espécies: a ação penal pública incondicionada
Aquela em que o Ministério Público não depende de qualquer autorização
prévia (manifestação de vontade alheia) para o oferecimento de denúncia.
Age de ofício. É a regra geral (art. 24 caput, do CPP).
,

Todas as contravenções penais são de ação penal pública incondicionada,


conforme o art. 17 da Lei das Contravenções Penais (Dec.-lei 3.688/1941).
O crime será de ação penal pública incondicionada quando a lei silenciar
a respeito da espécie de ação penal (art. 100, caput, do CP).

34
. .
5 Espécies: a ação penal pública condicionada
Aquela em que a lei exige uma "condição de procedibilidade", que su-
bordina o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público (sobre o caráter
64 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

de condição específica da ação penal ou de componente da possibilidade ju-


rídica do pedido: vide supra em condições da ação ) O Ministério Público
" "

-
,

depende de uma autorização prévia (manifestação de vontade alheia) para


o oferecimento da denúncia que pode ser a representação do ofendido ou de
,

seu representante legal ou a requisição do Ministro da Justiça (art. 100 § 1.°, ,

do CP e art. 24, caput, do CPP).


,

Ao contrário da incondicionada a ação penal pública condicionada


,

"

encontra seu cabimento explícito em lei, sob a rubrica somente se processa


"

mediante representação (v.g., art. 147, parágrafo único, do CP).

345 . .
1 Ação penal pública condicionada à representação do
.

ofendido ou de seu representante legal


A representação do ofendido ou de seu representante legal é a manifestação
de vontade, no sentido de desejar a persecução da infração penal autorizan- ,

do o Ministério Público a iniciar a ação penal pública. A representação não


obriga o Ministério Público a oferecer denúncia pois outros requisitos devem
,

ser apreciados pelo titular da ação penal tais como a presença de justa causa
,

(indícios de autoria e prova da existência da infração penal), a ausência de


extinção da punibilidade etc.

Natureza jurídica da representação - Trata-se de condição específica


de procedibilidade (ou, para parte da doutrina, de possibilidade jurídica do
"

pedido, conforme analisado supra, nas condições da ação penal ) Sem a


"

representação, não se pode iniciar a persecução penal pois se trata de requi- ,

sito inclusive para a instauração de inquérito policial (art. 5. § 4.°, do CPP).


°
,

Formas de representação (art. 39, caput e § 1.°, CPP) - pode ser escrita
ou oral, devendo, neste caso, ser reduzida a termo (escrito).

Destinatários - A representação pode ser dirigida ao juiz ao órgão do ,

Ministério Público ou à autoridade policial (art. 39 caput, do CPP). ,

Se dirigida à autoridade policial, será instaurado o inquérito policial e ,

quando este for remetido ajuízo, não haverá necessidade de ratificação da


representação para que o Ministério Público possa oferecer denúncia (art.
39, §3°, do CPP).
Se dirigida ao Ministério Público, e estando a representação acompa-
nhada de elementos de convicção suficientes para a propositura da ação
penal, tal se dará mediante o oferecimento de denúncia no prazo de 15 dias,
Cap. 3 . Da Ação Penal 65

°
com dispensa do inquérito policial (art. 39, § 5. do CPP); caso contrário, o
,

Ministério Público deverá requisitar à autoridade policial a instauração de


inquérito policial (arts 129, VIII, da CF/1988, e 5.° II, do CPP). ,

Se dirigida ao juiz, poderá ele remeter a representação diretamente ao


Ministério Público (art. 40 do CPP) ou então requisitar a instauração de in-
° °
quérito à autoridade policial (arts. 39, § 4. e 5. II, do CPP).
, ,

Titularidade do direito de representação - Em geral o ofendido é o ,

titular do direito de representação, que poderá ser exercido pessoalmente


ou por meio de procurador com poderes especiais (art. 39, caput, do CPP).
,

De acordo com a situação pessoal do ofendido, contudo, pode ocorrer


modificação da titularidade do direito de representação: a) ofendido menor
de 18 anos ou deficiente mental: o titular do direito de representação passa a
ser o seu representante legal; b) ofendido nas condições anteriores mas sem ,

representante legal ou se colidirem os interesses deste com os do ofendido: o


juiz nomeia um curador especial para exercer o direito de representação (art.
33 do CPP, por interpretação extensiva, por somente se referir ao direito de
queixa); c) morte do ofendido ou ausência declarada por decisão judicial:
o direito de representação passará ao cônjuge (companheiro) ascendente, ,

descendente e irmão (art. 24 § 1.°, do CPP). Caso compareça mais de um


,

sucessor, aplica-se, por analogia, a preferência disposta no art. 36 do CPP.

Prazo para o exercício do direito de representação - O direito de re-


presentação se sujeita ao prazo decadencial de 6 meses, contados da data do
conhecimento da autoria da infração penal (art. 103 do CP e art. 38 do CPP).
A contagem do prazo decadencial dar-se-á nos termos do art. 10 do CP A
Súmula 594 do STF enuncia que "os direitos de queixa e de representação
podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu repre-
"

sentante legal .

Retratação da representação - A representação será retratável antes do


oferecimento da denúncia (ato do Ministério Público de propor a ação penal
pública), nos termos do art. 25 do CPP. Prevalece que a retratação da repre-
sentação não gera a extinção da punibilidade podendo o ofendido oferecer
,

nova representação se ainda estiver em curso o prazo decadencial (trata-se


da denominada "retratação da retratação").
Em caso de violência doméstica ou familiar contra a mulher o art. 16 ,

da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) possibilita a renúncia ao direito de


66 Processo Penal - Piaulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

representação, desde que manifestada perante o Juiz, em audiêneia especial-


mente designada com tal finalidade antes do recebimento da denúncia (decisão
,

judicial que admite a acusação) e ouvido o Ministério Público.

345
. . .
2 Ação penal pública condicionada à requisição do Ministro
da Justiça
A requisição do Ministro da Justiça é um ato político, havendo certos
crimes em que a conveniência da persecução penal encontra-se subordinada
a esse juízo de conveniência política.
A ação penal pública condicionada à requisição, portanto, é subordinada
a um pronunciamento do Ministro dajustiça, sem o qual o Ministério Público
não estará autorizado a oferecer denúncia.

Contudo, assim como a representação do ofendido, a requisição do


Ministro dajustiça não obriga o Ministério Público a oferecer denúncia,
cumprindo apenas a função de condição específica de procedibilidade. Isso
porque o juízo técnico a respeito da infração penal (opinio delicti) pertence
ao Ministério Público (titular da ação penal pública), que poderia entender
que a conduta praticada é atípica e assim requerer o arquivamento dos autos,
a despeito da requisição do Ministro dajustiça.

Destinatário da requisição - É o Chefe do Ministério Público, o Pro-


curador-Geral. Se o Ministério Público formar a sua opinio delicti e dispuser
de base suficiente para a propositura da ação penal, oferecerá denúncia com
a requisição do Ministro dajustiça e os respectivos documentos. Se não
dispuser de base suficiente para o oferecimento de denúncia, o Ministério
Público remeterá a requisição do Ministro dajustiça à autoridade policial para
a instauração de inquérito policial. Por fim, o Ministério Público pode ainda
requerer o arquivamento da requisição do Ministro dajustiça, se entender,
v.g., que a conduta praticada é atípica.

Natureza jurídica da requisição - Condição específica de procedibilida-


de (requisito especial para o exercício da ação penal pública condicionada)
ou, para parte da doutrina, componente da possibilidade jurídica do pedido,
" "

conforme discutido supra, nas condições da ação penal .

Prazo para o oferecimento da requisição - O Código de Processo Penal


é omisso a respeito. Assim, entende-se que poderá ser apresentada a qualquer
tempo, enquanto não houver operado a extinção da punibilidade.
Cap. 3 . Da Ação Penal 67

Hipóteses em que é necessária a requisição - Art. 7.° § 3.°, b, do CP;


,

art. 141,1, c/c o art. 145, parágrafo único, do CP.

Retratação da requisição - A requisição será retratável até o oferecimen-


to da denúncia, nos termos do art. 25 do CPP aplicado por analogia, pois
,

a lei é omissa nesse sentido. Entretanto há corrente em sentido contrário,


,

sustentando a impossibilidade da retratação exatamente pela omissão da lei.


,

3 . 5 AÇÃO PENAL PRIVADA (OU DE INICIATIVA PRIVADA)


Aquela em que o Estado transfere a um ente privado (em geral o ofendi-,

do) a legitimidade para a propositura (iniciativa) da ação penal. A ação penal


privada pode ser comum (propriamente dita ou exclusivamente privada),
personalíssima e subsidiária (da pública).
Perceba-se que não é o poder de punir mas apenas a titularidade da ação
,

penal que é transferida ao ofendido.


O querelante, nesse caso possui legitimação extraordinária ou por
,

substituição processual porque age em nome próprio na defesa de um direito


,

ou interesse alheio, vez que o jus puniendi continua pertencendo ao Estado.

35
. .
1 Início da ação penal privada
A propositura da ação penal privada se opera com o ajuizamento da
queixa (petição inicial), que deve ser apresentada por profissional habilitado
pela OAB, perante o juízo competente. A procuração, outorgada ao advogado,
deve conter poderes especiais (art. 44 do CPP).

35
.
2 Titularidade do direito de queixa
.

Em geral, o ofendido é o titular do direito de queixa (art. 30 do CPP).


De acordo com a situação pessoal do ofendido contudo, pode ocorrer mo-
,

dificação da titularidade do direito de queixa: a) ofendido menor de 18 anos


ou deficiente mental: o titular do direito de queixa passa a ser o seu represen-
tante legal (art. 30 do CPP); b) ofendido nas condições anteriores mas sem ,

representante legal ou se colidirem os interesses deste com os do ofendido:


o juiz nomeia um curador especial para exercer o direito de queixa (art. 33
do CPP); c) morte do ofendido ou ausência declarada por decisão judicial:
o direito de queixa passará ao cônjuge (companheiro) ascendente, descen-
,

dente ou irmão (art. 31 do CPP) observando-se a ordem de preferência do


,

art. 36 do CPP.
68 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

35
.
3 Prazo para o exercício do direito de queixa
.

O prazo para o ajuizamento da queixa é decadencial de seis meses, con-


tados a partir da data em que for conhecido o autor do crime (art. 38 do CPP e
art. 103 do CP). As exceções são relacionadas com o termo inicial (dies a quo)
do prazo decadencial: a) crime de induzimento a erro essencial e ocultação
de impedimento ao casamento, em que os 6 meses são contados a partir do
trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento,
anule o casamento (art. 236, parágrafo único, do CP); b) queixa subsidiária,
em que os 6 meses são contados a partir do dia em que se esgotar, sem qual-
quer manifestação do Ministério Público, o prazo legal para o oferecimento
da denúncia (art. 38, caput, infine, do CPP).
O prazo é decadencial, contado de acordo com o art. 10 do CP. A Súmula
594 do STF enuncia que "os direitos de queixa e de representação podem ser
"

exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal .

Saliente-se que o requerimento para instauração de inquérito policial


(art. 5.°, § 5.°, do CPP) não interrompe nem suspende o prazo decadencial
de 6 meses para o exercício do direito de queixa (ato de propositura da ação
penal privada).

35
. .
4 Princípios da ação penal privada

354
. . .
1 Oportunidade ou conveniência
O ofendido pode ou não exercer o direito de queixa, de acordo com sua
conveniência ou oportunidade, ao contrário da ação penal pública, que é
regida pelo princípio da obrigatoriedade (o Ministério Público tem o dever
legal de oferecer denúncia, sempre que houver base suficiente para a propo-
situra da ação penal pública).
Se o ofendido entender não lhe ser conveniente ou oportuna à promoção
da ação penal privada, poderá renunciar ao direito de queixa (art. 104 do CP e
art. 50 do CPP) ou simplesmente não o exercer no prazo legal, quedando-se
inerte e deixando que se opere a decadência do direito de queixa (art. 103 do
CP e art. 38 do CPP). Tanto a renúncia como a decadência importa a extinção
da punibilidade (art. 107, IV e V, do CP), de sorte que não houve ação penal,
pois o seu titular não exerceu o direito de queixa.
No sistema comum, o fato de o ofendido receber a indenização do dano
causado pelo crime não implica renúncia tácita ao direito de queixa (art.
Cap. 3 . Da Ação Penal 69

104 parágrafo único, infine, do CP); diversamente, no sistema dos juizados


,

especiais criminais o acordo civil homologado acarreta a renúncia ao direito


,

de queixa (art. 74 parágrafo único, da Lei 9.099/1995).


,

354
. . .
2 Disponibilidade

A ação penal privada mesmo depois de instaurada, é disponível para o


,

querelante, até o trânsito em julgado da sentença condenatória.


O querelante tem meios para dispor da ação penal privada como o per- ,

dão do ofendido, que constitui um ato bilateral pois depende da aceitação do ,

querelado (arts. 105 e 106 do CP; arts. 51 a 59 do CPP), e a perempção, que


evidencia o desinteresse do ofendido em prosseguir com a persecução penal
(art. 60 do CPP). Tanto o perdão do ofendido como a perempção são causas
de extinção da punibilidade (art. 107 IV e V, do CP). ,

Pode-se ainda cogitar da desistência por interpretação do art. 42 do


,

CPP, a contrario sensu.

3 5 43
. . .
Indivisibilidade
L* *19
Em caso de concurso de agentes sendo eles conhecidos, o ofendido não
,

poderá ajuizar queixa apenas contra um ou alguns dos sujeitos, em detrimento


dos demais pois não tem a faculdade de escolher quem pretende processar.
,

Em outras palavras: ou exerce o direito de queixa contra todos os autores do


crime ou contra ninguém pois a ação penal privada é indivisível em relação
,

aos seus agentes (art. 48 do CPP). O ofendido pode decidir entre propor ou
não a ação penal privada mas nunca contra quem propor.
,

Na queixa a omissão de um dos agentes conhecidos implica, quanto a


,

este, renúncia tácita ao direito de queixa (art. 104, parágrafo único, do CP),
que a todos se estenderá (art. 49 do CPP), determinando a extinção da puni-
bilidade (art. 107 V, do CP). ,

3 5 4 4 Intranscendência
. . .

Trata-se de princípio comum às ações penais públicas e privadas (prin-


cípio de cunho constitucional). Por esse princípio a ação penal só poderá ser ,

proposta contra a pessoa a quem se imputa o crime, não podendo ser movida
contra um terceiro que eventualmente, possa ser condenado a reparar o dano
,

na esfera civil.
70 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

35
.
5 Espécies de ação penal privada
.

355
. . .
1 Comum, propriamente dita ou exclusivamente privada
Pode ser proposta por qualquer dos titulares do direito de queixa (ofendi-
do, representante legal, curador especial ou cônjuge, ascendente, descendente
ou irmão, conforme analisado supra). Consta da lei quais são os crimes que
se processam mediante queixa (ex.: art. 145 do CP).

3 5 5 2 Personalíssima
. . .

O direito de queixa pode ser exercido apenas pelo ofendido, não podendo
nem mesmo o representante legal ajuizar queixa em seu lugar. Somente o
ofendido, e ninguém por ele, pode exercer o direito de queixa.
Atualmente, temos apenas um caso de ação penal privada personalíssima,
consistente no crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedi-
mento ao casamento (art. 236, parágrafo único, do CP). O outro caso de ação
°
penal privada personalíssima, que era o crime de adultério (art. 240, § 2. ,

do CP), sofreu revogação expressa por parte do art. 5.° da Lei 11.106/2005.
Em caso de ofendido menor de 18 anos ou doente mental, o direito de
queixa somente pode ser exercido depois de ele completar 18 anos ou haver a
recuperação da doença mental. O prazo decadencial do direito de queixa não
flui enquanto o ofendido não o puder exercer. Em caso de morte do ofendido,
opera-se a extinção da punibilidade, em face da impossibilidade de os seus
sucessores processuais penais (art. 31 do CPP) exercerem o direito de queixa.

355
. . .
3 Ação penal privada subsidiária (da pública)
Essa modalidade de ação penal privada tem por objeto um crime de
ação penal pública (incondicionada ou condicionada), em que o Ministério
Público tenha permanecido inerte durante o prazo legal para o oferecimento
de denúncia (art. 46, caput, do CPP).
Apesar de sua ocorrência fática ser rara, ela é fartamente prevista em nossa
legislação (art. 5.°, LIX, da CF/1988; art. 100, § 3.°, do CP, e art. 29 do CPP).
Se o Ministério Público deixar escoar in albis o prazo legal para o ofere-
cimento de denúncia (art. 46, caput, do CPP), sem qualquer manifestação,
abre-se ao ofendido a possibilidade de ajuizar queixa subsidiária (a ação penal
seria iniciada por meio de queixa do ofendido e, por isso, seria de iniciativa
privada).
Cap. 3 . Da Ação Penal 71

Diz-se que a iniciativa privada é subsidiária porque ela supre a inércia do


Ministério Público: a possibilidade de o ofendido ajuizar queixa pressupõe
a anterior inação do Ministério Público, a quem cabia deflagrar a ação penal
por meio do oferecimento de denúncia.
Na ação penal privada subsidiária temos uma legitimação extraordi-
,

nária sucessivapois somente se admite a iniciativa do ofendido depois de o


,

Ministério Público não ter se manifestado durante o prazo para oferecimento


de denúncia (art. 29 do CPP e art. 5.°, L1X, da CF/1988).
Contudo, desde que patenteada à inércia do Ministério Público, a le-
gitimidade para a propositura da ação penal passa a ser concorrente entre o
ofendido e o Ministério Público, pois, durante os seis meses do prazo deca-
dencial, qualquer deles pode deflagrar a ação penal (o ofendido, mediante
o ajuizamento de queixa subsidiária e o Ministério Público, mediante o
oferecimento de denúncia).

O prazo para a queixa subsidiária é de 6 meses (art. 38 do CPP), contados


do dia em que esgotar o prazo legal para o oferecimento de denúncia sem qual-
quer manifestação, momento em que resta cristalizada a inércia do Ministério
Público. A decadência do direito de queixa subsidiária não acarreta a extinção da
punibilidade, mas apenas a perda do direito de o ofendido iniciar a ação penal,
pois o Ministério Público continua podendo (e devendo) oferecer denúncia a
qualquer tempo (salvo se sobrevier à morte do agente, prescrição etc.).
No caso de qualquer ação penal privada o Ministério Público, na con-
,

dição de custos legis (fiscal da lei) pode aditar a queixa, cabendo-lhe intervir
,

em todos os termos do processo (art. 45 do CPP). O prazo para o aditamento


da queixa será de 3 dias, a contar do dia que o órgão ministerial recebeu os
autos do processo (art. 46, § 2. do CPP).
°
,

Tratando-se porém, de ação penal privada subsidiária (da pública), o


,

Ministério Público pode em lugar de aditar a queixa subsidiária, repudiá-la


,

e oferecer denúncia substitutiva, caso em que assume a ação penal desde o


,

seu limiar, como autor (a ação penal nasce pública, porque deflagrada por
denúncia do Ministério Público).

Caso não o faça, permitindo ao ofendido prosseguir na ação penal pri-


vada subsidiária, conservará o Ministério Público a possibilidade de fornecer
elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência
do querelante, retomar a ação como parte principal (art. 29 do CPP). Trata-se
da denominada reversão da titularidade. Assim, pode-se afirmar que a ação
penal privada subsidiária não se sujeita ao instituto da perempção (art. 60 do
72 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

CPP), pois a negligência cio querelante não enseja a extinção da punibilidade,


mas a assunção do polo ativo pelo Ministério Público.
A ação penal privada subsidiária pressupõe a inação do Ministério Público ,

consistente na ausência de manifestação durante o prazo legal para o ofereci-


mento de denúncia (5 ou 15 dias). Por isso, não cabe queixa subsidiária em face
do arquivamento do inquérito policial, pois, nesse caso, o Ministério Público
agiu (requereu o arquivamento ao Juiz). Igualmente, não se cogita de inércia
se o Ministério Público requereu diligências complementares (art. 16 do CPP).

3 . 6 CASOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO PENAL

3 6 .
1 Lesões corporais
.

Em geral os crimes de lesão corporal são de ação penal pública incon-


,

dicionada (lesão corporal de natureza grave, gravíssima e seguida de morte


-

art. 129,§§ l.°a3°,do CP).

Se a lesão corporal for de natureza leve ou culposa (art. 129, caput e § 6",
do CP), a ação penal passa a ser pública condicionada à representação do
ofendido, por força do art. 88 da Lei 9.099/1995.
Tal disposição alcança o crime de lesão corporal culposa na direção de
veículo automotor (art. 303 da Lei 9.503/1997). Contudo, a ação penal se
torna pública incondicionada, em face da inaplicabilidade do art. 88 da Lei
9 099/1995, quando o agente estiver: a) sob a influência de álcool ou qualquer
.

outra substância psicoativa que determine dependência, b) participando, em


via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição
ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autori-
zada pela autoridade competente ou c) transitando em velocidade superior à
máxima permitida para a via em cinquenta quilómetros por hora de acordo ,

°
com o art. 291, § 1 ,
da Lei 9.503/1997.

No julgamento da ADIn 4424 o STF entendeu ser de natureza m B B B*


pública incondicionada a ação penal na lesãocorporal praticada importante
contra a mulher em ambiente doméstico, pouco importando sua
extensão. Assim, nas hipóteses de incidência da Lei Maria da
Penha (Lei 11.340/2006), o crime de lesão corporal leve enseja
ação penal pública incondicionada.
Cap. 3 . Da Ação Penal 73

362
. .
Crimes contra a honra

Em geral, os crimes contra a honra são de ação penal privada (art. 145,
caput do CP), iniciada por queixa.
,

Se o ofendido for o Presidente da República ou chefe de governo estran-


geiro, a ação penal passa a ser pública condicionada à requisição do Ministro
da Justiça (art. 145, parágrafo único, do CP). Carlos Frederico Coelho No-
gueira entende que, em caso de calúnia ou difamação contra o Presidente da
República incidiria o art. 26 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983),
,

cuja ação penal seria pública incondicionada (art. 30, parágrafo único, da Lei
7 170/1983) (Comentários ao código de processo penal, p. 463).
.

Em caso de ofensa contra funcionário público, em razão de suas funções,


e de injúria qualificada pela referência a raça, cor, etnia, religião, origem ou
°
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (art. 140, § 3. do CP), ,

a ação penal passa a ser pública condicionada à representação do ofendido (art.


145 parágrafo único, do CP).
,

Cabe salientar que o STF entende que, em caso de crime contra a


honra de servidor públ ico em razão do exercício de suas funções, importante
a legitimidade para a ação penal seria concorrente do ofendido,
mediante queixa, e do Ministério Público, mediante denúncia
condicionada à representação do ofendido (Súmula 714).

O crime de injúria real (art. 140, § 2.°, do CP) exige a distinção de duas
situações: a) ocorrendo simples vias de fato, a ação penal permanece de ini-
ciativa privada, porque a ressalva contida no art. 145, caput, do CP, refere-se
"

apenas aos casos em que da violência resulta lesão corporal"; b) ocorrendo


lesão corporal de qualquer natureza pela literalidade do art. 145, caput,
,

do CP, a ação penal seria pública incondicionada; contudo, alguns autores


entendem que, se a lesão corporal for de natureza leve, a ação penal seria
pública condicionada à representação, em face do art. 88 da Lei 9.099/1995
(Cezar Roberto Bittencourt e Luiz Régis Prado).

3 63
. .
Crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra
vulnerável

Em geral são de ação penal pública condicionada à representação do


,

ofendido (art. 225, caput, do CP).


74 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Se o ofendido for menor de dezoito anos ou pessoa vulnerável (art. 217-


°
A,caput e § 1. do CP), a ação penal passa a ser pública incondicionada, de
,

acordo com o art. 225, parágrafo único, do CP.


O STF entende que, no crime de estupro praticado mediante violência
real, a ação penal é pública incondicionada (Súmula 608).

3.7 OUTRAS CLASSIFICAÇÕES DA AÇÃO PENAL

3 7 .
1 Ação penal pública subsidiária da pública
.

Em caso de crimes de prefeitos municipais o Dec.-lei 201/1967 permite que


,

os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da respon-


sabilidade do Prefeito, requeiram a abertura do inquérito policial ou a instauração
da ação penal pelo Ministério Público e acrescenta que, se tais providências não
forem atendidas pela autoridade policial ou pelo Ministério Público estadual ,

°
poderão ser requeridas ao Procurador-Geral da República (art. 2. § 2.°). ,

Essa seria a situação de ação penal pública subsidiária da pública ,

pois a inércia do Ministério Público estadual possibilitaria a iniciativa do


Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público da União). A
doutrina prevalente entende que essa regra legal seria inconstitucional por ,

estabelecer uma hierarquia ou subordinação do MP estadual ao MPU - cada


qual possui diferentes esferas de atribuição e independência funcional (art.
127, § 1.°, da CF/1988). Diversamente, Tito Costa considera constitucional a
°
regra legal do art. 2. § 2.°, do Dec.-lei 201/1967 (Responsabilidade de prefeitos
,

e vereadores, p. 154-155).
Outro caso de ação penal pública subsidiária da pública pode ser encon-
trada no Código Eleitoral (Lei 4.737/1965), quando dispõe que, se o órgão do
Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal (dez dias) o juiz ,

deve representar contra ele (art. 357, § 3.°), solicitando ao Procurador Regional
a designação de outro promotor, que, no mesmo prazo, oferecerá a denúncia
(§ 4.°). Se o juiz, no prazo de dez dias, não agir de ofício, pode qualquer eleitor
°
provocar a representação contra o órgão do Ministério Público (§ 5. ) .

Em crimes contra o sistema financeiro nacional, a inércia do órgão do


Ministério Público Federal possibilita ao ofendido representar ao Procurador-
-

Geral da República, podendo este oferecer denúncia, designar outro órgão


do Ministério Público para oferecê-la (seriam casos de ação penal pública
subsidiária da pública) ou determinar o arquivamento das peças de informação
recebidas (art. 27 da Lei 7.492/1986).
Cap. 3 . Da Ação Penal 75

3 7
.
2 Ação penal (privada) adesiva
.

Denomina-se ação penal adesiva a possibilidade de uma ação penal pri-


vada ser proposta pelo ofendido em litisconsórcio ativo (querelante conjunto)
com o Ministério Público, em face da reunião, por conexidade ou continência
(arts. 76 e 77 do CPP), entre um crime de ação penal privada e outro de ação
penal pública.

3 7
.
3 Ação penal secundária
.

Considera-se ação penal secundária aquela que surge em face da presença


de uma circunstância que afasta a regra geral estabelecida para a ação penal,
modificando a sua iniciativa (ou apenas o seu condicionamento).
Em crime contra a honra, em geral de ação penal privada (art. 145, caput, do
CP), a iniciativa se modifica (passa, secundariamente, para o Ministério Público)
em face da circunstância de a ofensa ser dirigida contra o Presidente da República
ou chefe de governo estrangeiro, tornando-se a ação penal pública condicionada
à requisição do Ministro da Justiça (art. 145, parágrafo único, do CP).
Tratando-se de injúria (art. 140 do CP), em geral de ação penal privada
(art. 145, caput, do CP), a iniciativa igualmente se modifica (passa, secun-
dariamente, para o Ministério Público) em face da circunstância de a ofensa
consistir no emprego de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião,
origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (art. 140, §

. do CP), tornando-se a ação penal pública condicionada à representação
,

do ofendido (art. 145, parágrafo único, do CP).


Em crimes contra o patrimônio, em geral de ação penal pública incon-
dicionada, a iniciativa do Ministério Público passa, secundariamente, a ser
condicionada à representação nas situações de imunidade penal relativa (arts.
182 e 183 do CP).
O inverso ocorre no crime de estupro, em geral de ação penal pública
condicionada à representação (art. 225, caput, do CP), em que a iniciativa do
Ministério Público passa, secundariamente, a ser incondicionada em face da
circunstância de o ofendido ser menor de dezoito anos ou pessoa vulnerável
(art. 225, parágrafo único, do CP).

3 7
. .
4 Ação penal extensiva
Em crime complexo, a ação penal pública de um dos crimes componente
se estende ao todo (art. 101 do CP), tal como ocorre com a injúria real de que
76 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

resulta lesão corporal (art. 145 caput, do CP): a ação penal pública da lesão
,

corporal se estende ao crime complexo de injúria real (art. 140 § 2.°, do CP), ,

conforme analisamos supra, n. 6.2.


O enunciado da Súmula 608 do STF ("no crime de estupro, praticado
"

mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada ) igualmente se


fundamenta na ação penal extensiva dos crimes complexos (art. 101 do CP).

3 7 .
5 Ação penal de prevenção
.

Denomina-se ação penal de prevenção aquela proposta contra acusado


inimputável por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto
,

ou retardado (art. 26, caput, do CP), em que se postula a aplicação de uma


medida de segurança (prevenção contra a periculosidade do acusado) em
sentença absolutória imprópria.

3 7 . .
6 Ação penal ex officio
A Constituição Federal ao adotar o sistema acusatório (art. 129,1), não
,

recepcionou o antigo processo judicialiforme (deflagrado por portaria da


autoridade judicial ou policial), de sorte que o habeas corpus seria o único
caso de ação penal ex officio do ordenamento jurídico (art. 654 § 2.°, do CPP), ,

mesmo assim de natureza não condenatória.

3 7 . .
7 Ação penal popular
Outrossim, o habeas corpus seria o único caso de ação penal popular,
de natureza não condenatória, porquanto pode ser impetrado por qualquer
pessoa (art. 654, caput, do CPP), independentemente de capacidade postu-
latória (art. 1.°, § 1.°, da Lei 8.906/1994).
Cabe salientar que a "denúncia" referida nos arts. 14, 41 e 75 da Lei
1 079/1950, não constitui situação de ação penal popular, pois os denomi-
.

nados crimes de responsabilidade são, em verdade, infrações político-


" "

administrativas (e não infrações penais).

3 . 8 DENÚNCIA OU QUEIXA
A denúncia é a petição inicial da ação penal pública sendo a queixa ,

a petição inicial da ação penal privada. Ambas devem conter os requisitos


(comuns) do art. 41 do CPP (a queixa ainda exige os requisitos específicos
do art. 44 do CPP).
Cap. 3 . Da Ação Penal 77

Requisitos da denúncia ou queixa


Comuns -exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias
- qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo

classificação do crime
-

rol das testemunhas, quando necessário


Específicos -

procuraçãocom poderes especiais, devendo constar do instrumento


(da queixa) do mandato: nome do querelado e menção do fato

38
. .
1 Requisitos comuns da denúncia e da queixa (art. 41 do CPP)
a) Exposição do fato (chamada de imputação): cabe ao órgão da acu-
sação descrever o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias.
A descrição precisa e completa da imputação se afigura essencial
para o exercício do direito de defesa (art. 5. LV, da CF/1988), não se
°
,

admitindo a descrição genérica de fatos ou com mera alusão ao teor


dos autos de inquérito policial ou de peças de informação.
Em caso de concurso de agentes, deve-se pormenorizar a conduta de
cada acusado. Contudo, nossos Tribunais abrandam a exigência de indivi-
dualização da conduta em crimes multitudinários (de autoria conjunta ou
coletiva), entendendo ainda que, se a conduta dos agentes for homogénea,
não haveria a necessidade de descrição uma a uma.
Não se admite denúncia ou queixa contendo acusação alternativa
(aquela que atribui ao acusado mais de uma conduta criminosa, afirmando
que apenas uma delas efetivamente teria sido praticada), sob o argumento
de que ela impossibilita a defesa do acusado. Parte da doutrina entende
que a acusação alternativa pode ser aceita, porque apenas dificulta, mas
não impede a defesa.
b) Qualificação do acusado ou esclarecimentos que possibilitem a sua
identificação: qualificação é o conjunto de dados que compõem a
identidade civil. A impossibilidade de identificação do acusado com
o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos, contudo, não impede
a propositura imediata da ação penal, quando certa a sua identidade
física (art. 259 do CPP). Em outras palavras: para o oferecimento de
denúncia ou queixa basta que o acusado seja pessoa certa, ainda que
incerta a sua qualificação (identidade civil).
78 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Assim, a denúncia ou queixa deve identificar o acusado preferencial- ,

mente por meio dos dados de qualificação (identidade civil) ou na ausência ,

destes, de características físicas que permitam a sua individualização (identi-


dade física). Por isso meras referências genéricas como alto, magro, branco,
"

, ,

não servem para a individualização exigida pela lei e representariam hipótese


de inexistência de acusado e por consequência, de processo (Ada Pellegrini
,
"

Grinover et al. , As nulidades no processo penal, p. 114).


Para os casos de identificação física do acusado o art. 259 do CPP ainda
,

dispõe que, a qualquer tempo (no curso do processo do julgamento ou da ,

execução da sentença) se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retifi-


,

cação, por termo nos autos, preservada a validade dos atos anteriores.
,

c) Classificação jurídica do crime: o autor da ação penal deve indi-


car o dispositivo legal em que se enquadra a conduta do acusado .

Contudo , a incorreta tipificação da conduta narrada não enseja a


inépcia da denúncia ou queixa pois o acusado se defende dos/aios
,

a ele imputados e não da classificação jurídica proposta pelo órgão


da acusação, podendo o juiz proceder à emendatio libelli (art 383 do .

CPP). Entendemos que a emendatio libelli pode ser feita desde logo ,

na decisão judicial de recebimento da denúncia ou queixa para ,

impedir a adoção de procedimento inadequado ou a incidência de


restrições indevidas como o não cabimento de liberdade provisória,
,

de suspensão condicional do processo etc.


d) Rol de testemunhas da acusação: constitui requisito facultativo da
denúncia ou queixa que deve ser indicado apenas "quando necessário"
(art. 41 do CPP), ou seja, quando o órgão da acusação queira inquirir
testemunhas durante a instrução. Tratando-se de prova estritamente
documental , a denúncia ou queixa prescinde desse rol.
Contudo, se o órgão da acusação pretender a produção de tal prova deve ,

apresentar o rol de testemunhas no momento do oferecimento da denúncia ou


queixa, sob pena de preclusão, o que logicamente não afasta a possibilidade
de testemunhas serem inquiridas como do Juízo (art. 209 caput, do CPP). ,

O número máximo de testemunhas depende do procedimento penal a ser


observado: no procedimento comum ordinário podem ser arroladas até oito
,

testemunhas (art. 401 caput, do CPP); no procedimento comum sumário,


,

podem ser arroladas até cinco testemunhas (art. 532 do CPP), prevalecendo
que tais limites se aplicam para cada fato imputado pela acusação.
Cap. 3 . Da Ação Penal 79

38 1
. . .
1 Requisito específico da queixa (art. 44 do CPP)
Ao lado dos requisitos comuns da denúncia ou queixa (art. 41 do CPP), o art.
44 do CPP determina que "a queixa poderá ser dada por procurador com poderes
especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e
a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de
diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal".
O ajuizamento da queixa, por consubstanciar ato de postulação em juízo
(propositura da ação penal privada), requer a capacidade postulatória (pres-
suposto processual de existência - art. 37, parágrafo único, do CPC) da parte.
Para tanto, o art. 44 do CPP exige a outorga de procuração com pode-
res especiais, devendo ainda constar do instrumento do mandato o nome
do querelado (o dispositivo legal se refere erroneamente a "querelante") e
a menção do fato criminoso, podendo esta ser suprida pela assinatura do
querelante na queixa.
A ausência de qualquer dos requisitos legais (poderes especiais, nome
do querelado ou menção do fato criminoso) no instrumento de mandato
acarreta a rejeição liminar da queixa, por manifestamente inepta (art. 395,1,
do CPP) podendo ser sanada a irregularidade a qualquer momento (art. 568
,

do CPP), desde que dentro do prazo decadencial (outros entendem que pode
ser sanada mesmo depois do escoamento do aludido prazo).

38
. . 2 Causas de rejeição liminar da denúncia ou queixa (art. 395 do
CPP)

São causas da rejeição liminar da petição inicial: a) denúncia manifesta-


mente inepta; b) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício
da ação penal; c) faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Da decisão que rejeitar liminarmente a denúncia ou queixa caberá recurso
em sentido estrito (RESE), previsto no art. 581,1, do CPP.
Da decisão que receber a denúncia ou queixa caberá habeas corpus para
o trancamento da ação penal (art. 648,1, do CPP).

inépcia
Causas legais de rejeição liminar
-falta de pressuposto processual
da denúncia ou queixa
- falta de condição da ação penal
(art. 395 do CPP)
-

falta de justa causa


80 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C .
C. Machado

a) Denúncia ou queixa manifestamente inepta: andou mal o legislador


acerca do uso da expressão manifestamente Ora, se a petição inicial
.

é inepta, deve ser rejeitada, ainda que não o seja "manifestamente" ,

pois denúncia ou queixa não manifestamente inepta também


" "

impede a deflagração da ação penal .

Entende-se inepta a denúncia ou queixa a que falta requisito essencial


(arts. 41 e 44 do CPP), como aquela que deixa de narrar de forma precisa e
completa a conduta proibida (acusação genérica) bem como não identifica
,

de forma suficiente o acusado.

Prevalece ser inepta também a acusação alternativa ou seja, aquela em que


,

mais de uma conduta é imputada anotando-se que apenas uma foi praticada
,

(em sentido contrário, admitindo a denúncia alternativa, Afrânio Silvajardim).


A falta de referência a elementos temporais também pode para parte da ,

doutrina, gerar inépcia, pois sem lais dados é impossível aferir o termo inicial
da prescrição (art. 111 do CP). Em tais hipóteses o outro entendimento é que
,

a denúncia não seria considerada inepta mas a data da prescrição, na dúvida,


,

seria a que melhor aproveita ao acusado.


O mero equívoco na classificação jurídica do fato não gera inépcia ,

pois ainda é possível a emendatio libelli (art. 383 do CPP). A falta de rol de
testemunhas também não gera inépcia pois outras provas podem afirmar a
,

acusação formulada.
No caso de queixa importa lembrar que a ausência de seu requisito es-
,

pecial, qual seja, a procuração com poderes especiais outorgada ao advogado


(art. 44 do CPP), gera também inépcia da inicial. O objetivo de tal norma é
evitar o abuso da qualidade de advogado para disparar acusações temerárias
contra o suposto ofensor.
Os requisitos da denúncia ou queixa foram analisados supra n. 6.1. ,

Podem ainda ser aplicadas analogicamente as causas de inépcia previstas


no CPC (art. 295 parágrafo único), quais sejam a falta de pedido ou causa
,

de pedir, a narração dos fatos desconecta do pedido e pedidos incompatíveis


entre si.

b) Faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação


penal: em relação aos pressupostos processuais, eles podem ser de
existência e de validade da relação processual.
São pressupostos processuais de existência: demanda judicial jurisdição ,

(juiz não impedido - art. 252 do CPP) e partes definidas (seria caso de ine-
Cap. 3 . Da Ação Penal 81

xistência de acusado a generalidade da sua identificação física na denúncia


ou queixa).
Os pressupostos processuais de validade são: juízo competente e juiz
imparcial, a capacidade de ser parte e a capacidade processual (a pessoa ju-
rídica possui capacidade de ser parte, v.g., como querelante em ação penal
privada por crime de dano em que haja sido ofendida, mas somente o seu
presentante legal tem capacidade processual para exercer o direito de queixa
-
art. 37 do CPP).
A par dos pressupostos processuais de existência e de validade, con-
siderados positivos (devem estar presentes), temos ainda os pressupostos
processuais negativos (devem estar ausentes), que são a litispendência e a
coisa julgada.
As condições da ação penal foram apreciadas supra (n. 2), sendo elas:
possibilidade jurídica do pedido (ou da acusação), interesse processual e
legitimidade ad causam. Em caso de ação penal pública condicionada, seriam
ainda exigidas condições específicas de procedibilidade: representação do
ofendido ou requisição do Ministro da Justiça (art. 24, caput, do CPP).
c) Faltar justa causa para o exercício da ação penal: ajusta causa para a
ação penal consiste na presença de elementos de convicção (suporte
fático) que evidenciem a plausibilidade da acusação (indícios de
autoria ou de participação e prova da existência da infração penal),
a fim de sustentar o natural constrangimento da ação penal.
Agregue-se a isso a necessidade de tais elementos de convicção demons-
trarem a existência de injusto penal, pois se não houver, ao menos em tese,
a aparência de crime (ou contravenção penal), não haveria igualmente justa
causa para a ação penal.
Ausente ajusta causa para a ação penal, deve a petição inicial ser rejeitada
liminarmente pelo juiz (art. 395, III, do CPP), e, caso este a receba indevida-
mente, resta ainda o pleito de trancamento da ação penal pela via do habeas
corpus (art. 648,1, do CPP).
Da Ação Civil Ex Delicto

4. 1 INTRODUÇÃO
A prática de uma infração penal, a par de deflagrar a pretensão punitiva
estatal, pode ensejar o surgimento da pretensão de reparação do dano ex
delicto (proveniente da infração penal), calcada no Direito Civil (arts. 186 e
927 caput, do CC/2002), na teoria da responsabilidade civil por ato ilícito
,

(extracontratual ou aquiliana).
o ilícito penal (infração penal) sempre implica um ilícito
Deveras ,

civil, de sorte a suscitar a busca do ressarcimento do dano civil porventura


suportado pelo ofendido em razão da infração penal. Trata-se de consequ-
ência do caráter seletivo do direito penal: dentre as várias condutas ilícitas
no universo extrapenal, as mais graves são escolhidas (selecionadas) para
o mundo penal.
O lesado (o ofendido, seu representante legal ou herdeiros) pela ocor-
rência do dano ex delicto dispõe de duas alternativas na busca da respectiva
reparação: propor, desde logo, no juízo cível, ação de conhecimento com
pedido condenatório de indenização (ação civil de reparação do dano ex
delicto) ou aguardar o deslinde da ação penal, a fim de ingressar diretamente
com ação de execução amparada em sentença penal condenatória transitada
em julgado, eis que a condenação criminal faz coisa julgada no cível.

4 .2 AÇÃO CIVIL DE CONHECIMENTO (ART. 64 DO CPP)


A ação civil de conhecimento pode ser proposta, no juízo cível, desde a
prática do fato típico, independentemente da instauração de qualquer pro-
cedimento penal (art. 64, caput, do CPP).
Consoante o sistema da autonomia entre as jurisdições criminal e civil,
albergado por nossa legislação (art. 935, primeira parte, do CC/2002),
84 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

admite-se que sobre o mesmo fato sejam propostas duas demandas distintas:
a ação penal, para a satisfação da pretensão punitiva estatal e a ação civil, para ,

o reconhecimento da pretensão ao ressarcimento do dano ex delido .

No caso de coexistirem a ação penal e a ação civil permite o art. 64, ,

parágrafo único, do CPP, que o juiz da ação civil suspenda o seu curso até o
julgamento definitivo da ação penal.
A suspensão da ação civil ex delicio constitui faculdade conferida ao juiz
presidente desta ação, nunca podendo exceder o prazo de 1 ano (art. 265, IV,
°
a, e § 5. , do CPC), e se justifica pela repercussão que a solução da ação penal
(questão prejudicial) pode irradiar sobre a esfera civil do ressarcimento, bem
como pela necessidade de evitar decisões judiciais conflitantes .

A ação civil de conhecimento pode ser promovida pelo ofendido por seu ,

representante legal ou herdeiros em face do autor do crime e, se for o caso, do


,

responsável civil sendo competente para tanto o juízo cível (art. 64, caput, do
,

CPP) do foro do domicílio do autor ou do local do fato nos termos da regra ,

especial insculpida no art. 100 parágrafo único, do CPC, o que não impede a
,

opção, pelo autor do foro geral do domicílio do réu (art. 94, caput, do CPC).
,

4. 3 AÇÃO DE EXECUÇÃO CIVIL (ART. 63 DO CPP)


A autonomia entre as jurisdições criminal e civil todavia, não ostenta ,

caráter absoluto. Em algumas situações a decisão proferida no julgamento


,

da ação penal exerce ingerência sobre a esfera civil da reparação do dano ex


delicio, vinculando a apreciação da pretensão ao ressarcimento no juízo cível: é
o caso da sentença penal condenatória transitada em julgado (art 63 do CPP). .

O Código Penal, em seu art. 91, I estabelece como efeito extrapenal


,

da condenação penal "tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado


"

pelo crime Por se tratar de efeito genérico da condenação penal dispensa


.
,

declaração judicial expressa na sentença penal verificando-se automatica- ,

mente exvi legis.


,

A condenação penal transitada em julgado portanto, faz coisa julgada ,

no juízo cível tornando indiscutível a existência da obrigação (an debeatur)


,

de reparar o dano ex delicio e portanto, despicienda a propositura de ação


,

civil de conhecimento.

A sentença penal condenatória transitada em julgado consubstancia


título executivo judicial (art. 475-N, 11, do CPC), no juízo cível para fins de ,

ressarcimento do dano ex delicio.


Cap. 4 . Da Ação Civil Ex Delicto 85

Pela nova redação do art. 387, IV, CPP, o juiz, na sentença conde-
natória, fixará valor mínimo para a reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Pela regra
legal, a sentença deve conter tópico em que, reconhecendo a existência de
prejuízo para a vítima, deverá o magistrado fixar valor mínimo razoável
para a reparação.
Controverso se os "danos sofridos" e os "prejuízos" suportados pelo
ofendido tratados no art. 387, IV, CPP tratam apenas de danos materiais ou
também de danos morais. Dada a complexidade da prova do dano moral,
tornando inadequada sua confusão com a instrução criminal, e ainda as
expressões utilizadas na lei ( prejuízo ), acreditamos que apenas os danos
" "

materiais podem ser considerados na sentença condenatória penal.


Para trazer coerência ao sistema foi necessário também alteração no art.
63 do CPP, que permite, desde logo, a execução do valor fixado na sentença
condenatória, sem prejuízo da liquidação e apuração do dano efetivamente
sofrido, se o ofendido entende ser merecedor de valor maior que o fixado
na sentença condenatória. Há de se ressaltar que o valor fixado pelo juiz na
diante do prejuízo demonstrado/per-
" "

sentença condenatória é o mínimo

cebido durante a instrução.

Há entendimento no sentido de que, por força do princípio acusatório,


seria necessário pedido da acusação para que o juiz pudesse fixar desde logo
o valor da reparação. Prevalecerá, no entanto, que a medida pode ser feita
de ofício, quer pela letra da lei ("fixará"), que não arrola o pedido da parte
como condição, quer por ser intenção do legislador prestigiar a vítima e fa-
cilitar a reparação, sem obrigá-la a fiscalizar ou complementar o trabalho do
Ministério Público para alcance do intento indenizatório. Em nossa opinião,
o princípio acusatório realmente exige o pedido da parte, mas não é essa a
única nem a mais grave violação ao princípio acusatório presente no Código
de Processo Penal.

É possível à acusação recorrer apenas quanto ao capítulo da fixação do


valor do prejuízo, buscando valor maior? A resposta é controversa, mas en-
tendemos que não, eis que a lei deixa claro que o valor arbitrado é o mínimo, e
persiste aberta a via cível para a busca de valor complementar, com produção
exaustiva de prova. Não há interesse recursal na estreita e inadequada via
processual penal para discutir valor de indenização, se resta aberta opção de
ação própria, com ampla possibilidade de produção probatória em juízo com
estrutura adequada para aferir valor de prejuízo.
86 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Pela nova redação, o juiz deverá fixar na sentença condenatória


V®1*" um valor mínimo que entende indiscutível quanto aos prejuízos
sofridos pelo ofendido. Transitada em julgado a sentença, o
valor fixado poderá ser desde logo executado no juízo cível, sem necessidade de
liquidação. Se o ofendido entender insuficiente o valor da indenização fixada pelo
juiz criminal, poderá pleitear quantia complementar por meio de uma liquidação
de sentença, na forma da lei civil (lembrando que a certeza do direito à reparação
(an debeatur) já está fixada na sentença condenatória, cabendo apenas discutir o
valor do dano (quantum debeatur).
A ação de execução civil pode ser intentada pelo ofendido, por seu representante
legal ou herdeiros (art. 63 do CPP) em face da pessoa condenada na sentença penal
transitada em julgado, sendo competente para tanto o juízo cível {art. 575, IV, do
CPC) do foro do domicílio do autor ou do local do fato, nos termos da regra espe-
cial insculpida no art. 100, parágrafo único, do CPC, o que não impede a opção,
pelo exequente, do foro geral do domicílio do executado (art. 94, caput, do CPC).

4 . 4 REPERCUSSÃO CIVIL DA ABSOLVIÇÃO CRIMINAL


A absolvição proferida na ação penal, a princípio, nada prejudica a pre-
tensão de reparação civil do dano exdelicto, consoante se infere da leitura do
art. 66 do CPP.

A absolvição dubitativa (motivada por juízo de dúvida), ou seja por ,

falta de provas (art. 386,11, V e VII, na nova redação conferida ao CPP), não
,

empresta qualquer certeza ao âmbito da jurisdição civil, restando intocada a


possibilidade de, na ação civil de conhecimento, ser provada e reconhecida
a existência do direito ao ressarcimento, de acordo com o grau de cognição e
convicção próprios da seara civil (na esfera penal a decisão de condenação
,

somente pode ser lastreada em juízo de certeza, tendo em vista o princípio


constitucional do estado de inocência).

A absolvição por não constituir o fato infração penal (art. 386, III)
também não interfere na órbita civil. Há uma grande gama de ilícitos civis
que, muito embora permitam pleito de indenização, não configuram ilícito
penal, como o dano culposo e a culpa levíssima, entre outros. Assim, ainda
que absolvido com base na certeza de que o fato não constitui infração penal,
o suposto ofendido pode ingressar com ação civil para demonstrar que o fato
constitui ilícito civil e há obrigação de reparar o dano.
Cap. 4 . Da Ação Civil Ex Delido 87

Em três casos, porém, a absolvição penal impede a propositura da ação


civil ou acarreta sua extinção em virtude da superveniência de coisa julgada
(art. 267, V, do CPC): a) quando reconhecida categoricamente a inexistência
material do fato (art. 66, in fine, do CPP); b) quando reconhecida excludente
de ilicitude real (art. 65 do CPP), ou ainda; c) se a sentença reconhece estar
provado que o réu não concorreu para a infração penal.
Quando reconhecida categoricamente a inexistência material do fato (art.
386,1, do CPP), a absolvição criminal faz coisa julgada no campo civil e obsta
a possibilidade de indenização por dano ex delido (art. 66, in fine, do CPP).
No caso da excludente de ilicitude real, a influência na seara cível está
disciplinada no art. 65 do CPP, e se fundamenta na coincidência das exclu-
dentes de ilicitude penal com hipóteses de exclusão da ilicitude civil (art.
188 ,
CC/2002).
Insistimos em frisar que as excludentes de ilicitude devem ser "reais" e
não agressivas. A ressalva se justifica pelo fato de a regra do art. 65 do CPP
comportar duas exceções: o estado de necessidade real agressivo e a legítima
defesa real com erro na execução (aberrado ictus).
Como consabido, no estado de necessidade real agressivo, o agente sacri-
fica bem jurídico de terceiro inocente (não causador da situação de perigo),
que, por essa razão, pode pleitear a reparação civil do dano suportado.
No exemplo da destruição de portas e janelas de uma residência para
salvar de incêndio uma pessoa que se encontrava em seu interior, o dono da
coisa lesada, se não provocou a situação de perigo, pode mover ação civil de
conhecimento para reparação do dano contra o sujeito que agiu em estado de
necessidade (art. 929 do CC/2002). Este, ainda que absolvido na ação penal
por força do reconhecimento da excludente de ilicitude, deve arcar com a
indenização porventura estipulada na ação civil, tendo resguardada a possi-
bilidade de denunciar à lide (art. 70, III, do CPC) ao causador do incêndio
ou, se não o fizer, promover ação regressiva contra o culpado pela situação
de perigo para dele haver o montante pago ao lesado (art. 930, caput, do
,

CC/2002).
Na legítima defesa real com aberrado ictus a situação apresenta similitude
,

com a anterior: o terceiro inocente que, por erro na execução, vem a ser lesado
pela conduta do sujeito que agia acobertado pela excludente de ilicitude pode
propor ação civil de reparação do dano contra este, ao qual incumbe suportar
a indenização estipulada na ação civil, podendo denunciar a lide ao autor da
injusta agressão ou, ao depois, promover ação regressiva contra o mesmo.
88 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Por fim ,foi inserido no art. 386 do CPP a nova redação do inc. IV, que
trata da certeza de que o sujeito não concorreu para a infração penal. Em tais
casos, a sentença de absolvição que reconheça, com juízo de certeza não ter o ,

acusado concorrido para a infração penal (negativa de autoria) deve ser com-
preendida como inserida no contexto do art. 66, ou seja, inexistência material
do fato porque, neste caso, o fato "não existiu" para o acusado, beneficiando-se
assim da vedação legal ao ajuizamento da ação civil de reparação do dano ex
delicto (art. 66, in fine do CPP).

4 5 OUTROS CASOS
.

Por derradeiro, o art. 67 do CPP enuncia outras decisões que não impe-
dem o ajuizamento da ação civil de reparação do dano quais sejam: a decisão
,

de arquivamento do inquérito policial ou de peças de informação (inc. I) a ,

decisão que julgar extinta a punibilidade por qualquer de suas causas (inc. II)
e a sentença de absolvição que reconhecer a atipicidade do fato imputado ao
agente (inc. III, c.c. o art. 386, III, do CPP), pois a circunstância de a conduta
não constituir ilícito penal não significa que não possa consubstanciar ilícito
civil, passível de ressarcimento.

4.
6 LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O art. 68 do CPP atribui ao Ministério Público legitimidade ativa para


ingressar com ação civil de conhecimento (art. 64 do CPP) ou de execução
(art. 63 do CPP) para reparação do dano ex delicto, caso o titular do direito ao
ressarcimento seja pobre e o requeira. Trata-se de legitimação extraordinária
onde o Ministério Público atua como substituto processual, litigando, em
nome próprio na defesa de direito alheio.
,
Da Competência

5 1
.
CONCEITO

A competência pode ser conceituada como a medida da jurisdição, de-


monstrativa do âmbito de atuação de cada órgão jurisdicional no exercício
de sua função.
Sob esse prisma, o conceito de jurisdição pode ser considerado positivo,
no sentido da atribuição de um poder, enquanto o de competência assume
feição negativa, de limitação deste mesmo poder em relação a cada órgão
jurisdicional.

5. 2 CRITÉRIOS DE CONCRETIZAÇÃO DA COMPETÊNCIA


O estabelecimento da competência penal, em cada caso concreto, de-
manda a observância de uma sequência lógica de critérios, a saber:
a) competência dejustiça (em razão da matéria) -Justiça Especial (Elei-
toral ou Militar) ou Justiça Comum (Federal ou Estadual);
b) competência originária por prerrogativa de função - se houver, será
o acusado processado e julgado, originariamente, perante o Tribunal
competente;
c) competência de foro (competência territorial) - comarca ou seção
judiciária competente, de acordo com a circunscrição territorial, para
a apreciação da infração penal;
d) competência de juízo - no caso de haver mais de uma vara (ou juízo)
no mesmo foro.

52
.
1 Competência das Justiças Especiais
.

São Justiças Especiais a Justiça do Trabalho (arts. 111 a 116 da CF/1988),


a Justiça Eleitoral (arts. 118 a 121 da CF/1988) e a Justiça Militar (arts. 122
90 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a 124 da CF/1988), contudo, somente exercem jurisdição penal as Justiças


Eleitoral e Militar.

A competência penal dajustiça Eleitoral encontra-se definida no art. 35 ,

II do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965), e consiste em processar e julgar os


,

crimes eleitorais e os que lhes forem conexos.


A Justiça Militar por seu turno, somente possui competência para julgar
,

os crimes militares definidos em lei (art. 124, caput, da CF/1988), constantes


do Código Penal Militar (Dec.-lei 1.001/1969) não lhe cabendo o julgamen-
,

to de crimes conexos, que serão processados em apartado perante a Justiça ,

Comum, por força de expressa disposição legal (art. 79 1 do CPP). , ,

Cabe ressaltar, no que concerne à competência dajustiça Especial Mili-


que a Lei 9.299/1996 estabelece a competência da Justiça Comum para o
tar,

processo e o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por militar


contra civil.

Se a infração penal não for da competência de qualquer Justiça Especial,


então competente será a Justiça Comum, considerada residual.
A Justiça Comum por seu turno, pode ser Federal ou Estadual.
,

52 1
. . .
1 Justiça Federal
AJustiça Federal, embora componha a estrutura dajustiça Comum, tem
precedência sobre a Justiça Estadual (a mais genérica de todas).
Nos termos do art. 109 da CF, compete àJustiça Federal processar e julgar:
a)
"

Os crimes políticos" (inciso IV, primeira parte): consideram-se crimes


políticos tanto aqueles com motivação política como os objetivamente
orientados a ofender a estrutura política do Estado.
b) "As infrações penais praticadas em detrimento de bens serviços ou ,

interesse da União ou de suas entidades autárquicas (autarquias e


fundações públicas) ou empresas públicas, excluídas as contravenções
"

e ressalvada a competência dajustiça Militar e dajustiça Eleitoral


(inciso IV, segunda parte). O art. 109, IV, segunda parte, da CF/1988,
estabelece o núcleo da competência dajustiça Federal.
Por força da norma constitucional em comento são da competência da
,

Justiça Federal os crimes de contrabando e descaminho (art. 334 do CP), por


atentarem contra os interesses tributários da União. Dispõe ainda a Súmula
151 do STJ:
Cap. 5 . Da Competência 91

A competência para o processo e julgamento por crime de contra-


"

bando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar


da apreensão dos bens".
Outrossim, são da competência da Justiça Federal, por tangenciarem
os crimes praticados contra servidor público federal no
"

serviços da União
"

exercício da função ou com ela relacionados, bem como os crimes praticados


por servidor público federal nas mesmas condições.
Sobre os primeiros (praticados contra), a Súmula 147 doSTJ enuncia que:
"
Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados
contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício
da função".

Em relação aos segundos (praticados por), a Súmula 254 do extinto


Tribunal Federal de Recursos dispunha que:
"
Competeà Justiça Federal processarejulgarosdelitos praticados por
funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas
"
relacionados .

Cumpre-nos, ainda, salientar dois importantes aspectos atinentes ao


art. 109, IV, da CF/1988.
O primeiro consiste na observação de que a norma constitucional, ao
empresas públicas (Caixa Económica Federal), omitiu
" "
somente mencionar

as sociedades de economia mista, de sorte que as infrações penais praticadas


em detrimento de bens, serviços ou interesse de sociedades de economia
mista ainda que controladas pela União, não são da competência da Justiça
,

Federal, mas da Justiça Estadual (v.g., crimes praticados contra o Banco do


Brasil a Petrobras etc.).
,

A propósito, a Súmula 42 do STJ:


"Compete à JustiçaComum Estadual processarejulgarascausascíveis
em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em
"
seu detrimento .

A aludida distinção de competência assume relevância em função das


similitudes existentes entre as empresas públicas e as sociedades de economia
" "

mista, porquanto ambas pertencem ao género empresa estatal e constituem


entidades (pessoas jurídicas) de direito privado integrantes da Administra-
ção Pública Indireta. A segunda observação repousa na expressa cláusula de
exclusão contida no art. 109, IV, da CF/1988, que espanca da competência da
92 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C .
C. Machado

Justiça Federal o processo e o julgamento de qualquer contravenção penal,


mesmo que perpetrada em detrimento de bens serviços ou interesse da União,
,

de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.


Assim, toda e qualquer contravenção penal sempre será da competência
da Justiça Comum Estadual.
Sobre o assunto, a Súmula 38 do STJ:
"

Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de


1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em de-
trimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades".

Interessante consignar que apesar da cláusula de exclusão contida no


" "

art. 109, IV, da CF/1988, admite-se que ajustiça Federal excepcionalmente, ,

venha a processar e julgar eventual contravenção penal quando conexa a um ,

crime de competência da Justiça Federal.


Se a conexão e a continência prorrogam a competência dajustiça Federal
" "

para a apreciação de crimes de competência dajustiça Estadual (Súmula


122 do STJ), a mesma ampliação de competência deve ser permitida afortiori, ,

" "

para os casos de contravenção penal ( crime-anão ) que apresentem relação


de conexão ou continência com um crime federal (se ajustiça Federal atrai
a infração penal mais grave, deve igualmente atrair a infração penal mais
branda) (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal p. 201). ,

c) "

os crimes previstos em tratado ou convenção internacional ,

quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse


ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente (inc. V): a com-
"

petência dajustiça Federal, estabelecida pelo inc. V, reclama a


convergência de dois fatores: (i) estar o crime previsto em norma
de Direito Internacional; (ii) tratar-se de crime à distância (ou
de espaço máximo) assim entendidos aqueles cuja execução ou
,

consumação transcenda as fronteiras de um país (a execução se


inicia em território nacional e a consumação ocorre em território
estrangeiro, ou vice-versa).
Por força desse dispositivo constitucional, compete àjustiça Federal pro-
cessar e julgar o crime de tráfico internacional de substâncias entorpecentes ,

cuja repressão encontra previsão em normas internacionais, atualmente, na


Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotró-
"

picas, assinada em 20.12.1988, em Viena, e promulgada no Brasil pelo Dec.


154, de 26.06.1991".
Cap. 5 . Da Competência 93

Os demais crimes relacionados a entorpecentes, inclusive o tráfico in-


terno de substâncias dessa natureza, são da competência da Justiça Comum
Estadual (residual).
Nesse sentido , a Súmula 522 do Supremo Tribunal Federal:
Salvo ocorrência de tráfico para o exterior, quando, então, a compe-
"

tência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e


"

julgamento dos crimes relativos a entorpecentes .

d) "Os crimes contra a organização do trabalho" (inc. VI, l.f parte): os


crimes contra a organização do trabalho encontram-se previstos nos
arts. 197 a 207 do CP.

A jurisprudência, no entanto, entende de maneira restritiva a compe-


tência dajustiça Federal para a apreciação de crimes contra a organização do
trabalho, circunscrevendo-a aos crimes que tenham por objeto a organização
geral do trabalho ou os direitos dos trabalhadores coletivamente considera-
dos, nos moldes da orientação esposada pela Súmula 115 do extinto Tribunal
Federal de Recursos.

Consoante o entendimento jurisprudencial vigente, portanto, são da


competência dajustiça Comum Estadual os crimes que porventura atinjam
direito individual do trabalho.

e) Nos casos determinados por lei, os crimes contra o sistema financeiro


"

e a ordem econômico-financeira
"

(inc. VI, 2.a parte).


Como se infere, a fixação da competência da justiça Federal depende da
convergência de dois fatores:
sistema financeiro ou a
" "

I) o crime ostentar como objeto jurídico o


"
ordem econômico-financeira ; "

II) a existência de previsão legal expressa no sentido da atribuição de tal


competência.
São de competência dajustiça Federal os crimes definidos nos arts. 2.°
a 23 da Lei 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro nacional), por
força do disposto no art. 26, caput, do mesmo diploma legal, segundo o qual:
A ação penal, nos crimes previstos nesta Lei, será promovida pelo
"

Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal".


De outra parte, não são de competência dajustiça Federal, por ausência de
°
expressa previsão legal, os crimes inscritos nos arts. 4. a 6.° da Lei 8.137/1990,
" "

nada obstante o bem jurídico por eles tutelado seja a ordem económica .
94 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Não se inserem igualmente, no âmbito de competência da Justiça Fe-


,

deral os crimes contra a economia popular, tipificados nos arts. 2.° a 4.° da
,

Lei 1.521/1951. Nesse diapasão a Súmula 498 do Supremo Tribunal Federal:


,

"

Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e


"

o julgamento dos crimes contra a economia popular .

f) "Os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves ressalvada a ,

"

competência da Justiça Militar (inc. IX): a expressão "crimes" afasta


a competência da Justiça Federal para a apreciação de contravenções
penais praticadas a bordo de navios ou aeronaves, as quais, aliás, por
motivo algum (salvo conexão ou continência com crime de compe-
tência da Justiça Federal), podem vir a ser processadas ou julgadas
pelajustiça Federal, por força da cláusula de exclusão contida no art.
109 IV, in fine, da CF/1988 (vide Súmula 38 do STJ).
,

"

g) Os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro"


(inc. X): encartam-se como crimes dessa natureza os previstos nos
arts. 309, caput, e parágrafo único (fraude de lei sobre estrangeiro) ,

e 338 (reingresso de estrangeiro expulso) ambos do Código Penal,


,

bem assim os tipificados no art. 125 XII e XIII, da Lei 6.815/1980


,

(Estatuto do Estrangeiro), os quais ostentam a natureza jurídica de


crime consoante a definição insculpida no art. 1. da Lei de Introdução
,
°

ao Código Penal porquanto punidos, respectivamente, com pena de


,

detenção e reclusão.
h) "A disputa sobre direitos indígenas" (inc. XI): com relação aos crimes
praticados por ou contra indígenas, prevalece ser da competência da
Justiça Comum Estadual o processo e julgamento de crimes dessa
natureza. Veja-se a Súmula 140 do STJ:
"Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que
o indígena figure como autor ou vítima
"
.

Admite-se, entretanto, a competência dajustiça Federal para a apreciação


de crime de genocídio (art. 1.° da Lei 2.889/1956) praticado contra silvíco-
las quando então se vislumbra afetação dos direitos indígenas globalmente
,

considerados.

Não sendo da competência dajustiça Federal o processo e o julgamento


da infração penal, competente será para sua apreciação a Justiça Comum
Estadual (residual por excelência).
Cap. 5 . Da Competência 95

i) "As causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5.° deste


artigo (inc. V-A): há anos buscava-se o deslocamento da competência
"

"

para julgar violações aos Direitos Humanos" para a Justiça Federal.


Tal deslocamento não foi absoluto, mas grande movimento foi feito
a partir da EC 45/2004, que permite (art. 109, § 5. ) ao Procurador
°

Geral da República, quando entender que houve "grave violação aos


Direitos Humanos", com a finalidade de assegurar o cumprimento de
tratados de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, suscitar,
perante o Superior Tribunal dejustiça, em qualquer fase do inquérito
ou do processo, incidente de deslocamento da competência para a
Justiça Federal.

52
.
2 Competência por prerrogativa de função
.

De acordo com a função exercida pela pessoa do acusado, pode a com-


petência ser atribuída originariamente a um Tribunal, não se submetendo
o processo e o julgamento da infração penal ao primeiro grau de jurisdição
(art. 84 do CPP).
Nos casos de competência por prerrogativa de função, a ação penal
deve ser proposta diretamente perante o Tribunal competente (competência
originária para a apreciação da infração penal).
Trata-se de prerrogativa estabelecida em razão da função exercida pelo
" "

acusado, e não de privilégio pessoal a ele deferido, o que seria odioso em


um Estado Democrático de Direito, por implicar violação ao princípio da
isonomia (art. 5.° caput, da CF/1988).
,

A noção de "privilégio", por supor uma diferenciação de tratamento


concedida em razão da pessoa em si, não se coaduna com a competência em
comento, cujo substrato se afigura eminentemente funcional (e não pessoal),
representando mecanismo de preservação da liberdade de atuação do agente
(independência funcional), tendo em vista a envergadura da função por ele
exercida.

Sobre a ratio essendi da aludida prerrogativa funcional, merece transcri-


ção a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Reclamação 473,
sendo relator o Min. Victor Nunes Leal:

A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas,


"

é,realmente, instituída não no interesse pessoal do ocupante do cargo,


mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício
com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos
96 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade .

Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais


isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por
sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado,
seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência
do tribunal de superior hierarquia é, pois, uma garantia bilateral, garantia
contra e a favor do acusado (RTJ 22/50-51).
"

Enunciaremos doravante, as principais funções que atribuem ao seu


,

exercente a prerrogativa de ser processado e julgado, originariamente por ,

um Tribunal.

Presidente da República: nos termos do art. 102 1 b, da CF/1988, compete


, ,

ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente nas infrações ,

penais comuns (crimes e contravenções penais), o Presidente da República.


O processo contra o Presidente da República apresenta duas fases: juízo
de admissibilidade da acusação (judicium accusationis), realizado pela Câmara
dos Deputados (art. 86, caput, da CF/1988), eprocessoejulgamento (judicium
causae), realizado pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102,1 b, da CF/1988). ,

A Constituição Federal no caso do Presidente da República, estabelece


,

uma fase preliminar de admissibilidade da acusação realizada mediante con-


,

trole legislativo a priori: precedente ao recebimento da denúncia ou queixa.


Por isso, antes de admitida a acusação por 2/3 dos membros da Câmara
dos Deputados (art. 86 caput, da CF/1988), não pode o Supremo Tribunal
,

Federal deliberar acerca do recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa.


Trata-se de imunidade processual (ou formal) que implica a improces-
sabilidade do Presidente da República vale dizer, a impossibilidade de sofrer
,

processo criminal sem prévia licença da Câmara dos Deputados.


A imunidade processual (e a consequente necessidade de licença da
Câmara dos Deputados), no entanto, não impede a consecução de atos in-
vestigatórios, nem tampouco o oferecimento de denúncia ou o ajuizamento
de queixa.
Atribui-se ao instituto da "licença prévia" a natureza jurídica de condi-
ção de prosseguibilidade da ação penal (e não de procedibilidade, tal como
a representação nos crimes de ação penal pública condicionada), eis que a
,

licença não impede o oferecimento de denúncia ou o ajuizamento de queixa ,

"

mas apenas o seu recebimento, que constitui o primeiro ato de prossegui-


mento praticado pelo Supremo Tribunal Federal (Alexandre de Moraes,
"

Direito Constitucional, p. 401).


Cap. 5 . Da Competência 97

Assim, oferecida denúncia pelo Procurador-Geral da República ou ajui-


zada queixa contra o Presidente da República o Supremo Tribunal Federal
,

encaminha um pedido de licença à Câmara dos Deputados sem a qual não ,

poderá prosseguir para receber ou rejeitar a exordial acusatória.


No caso de juízo de admissibilidade positivo segue-se a deliberação do
,

Supremo Tribunal Federal acerca do recebimento ou rejeição da denúncia


ou queixa. A negativa de licença não implica arquivamento do processo que ,

prosseguirá após o término do mandato.


O recebimento da denúncia ou da queixa pelo Supremo Tribunal Federal,
,

tem o condão de suspender de suas funções o Presidente da República (art .

86, § 1.°, 1, da CF/1988). No entanto se o processo não se encerrar no prazo


,

de 180 dias cessa o afastamento cautelar do Presidente da República, sem


,

prejuízo do regular prosseguimento do processo (art. 86, § 2.°, da CF/1988).

522
. . .
/ Outras imunidades do Presidente da República
O Presidente da República goza ainda de outras duas imunidades , uma
de natureza processual (prisional) e outra de natureza penal (temporária) .

A imunidade prisional consiste em o Presidente da República não estar


sujeito a qualquer modalidade de prisão enquanto não sobrevier sentença
condenatória (art. 86 § 3.°, da CF/1988).
,

Por força da imunidade penal temporária o Presidente da República não


,

pode ser responsabilizado, na vigência de seu mandato, por atos estranhos


ao exercício de suas funções (art. 86 § 4 °, da CF/1988).
,

Inibe-se durante a vigência do mandato presidencial (temporariamen-


,

te), a persecução penal por infrações penais que não guardem relação com
o exercício da função presidencial (nexo funcional) ainda que praticadas ,

durante o mandato.

As infrações penais cometidas em momento anterior ao mandato en-


contram-se igualmente abrangidas pela aludida imunidade penal justamente ,

porque não conectadas ao exercício da função presidencial.


Em qualquer caso a declaração da irresponsabilidade temporária im-
,

porta a suspensão do curso da prescrição, a partir do reconhecimento da


imunidade penal.
A cláusula de exclusão da responsabilidade penal (art 86 § 4.°, da .
,

CF/1988) entretanto, não abarca as infrações penais cometidas in ojficio (no


,

exercício da função) ou propter officium (em razão da função) em relação às ,


98 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

quais pode o Presidente da República sofrer a respectiva persecução penal,


ainda que vigente o mandato presidencial, desde que previamente obtida a
necessária licença da Câmara dos Deputados (art. 86, caput, da CF/1988).
Senadores e Deputados Federais: nos termos do art. 53, § 1.°, da CF/1988,
os Deputados Federais e Senadores, desde a expedição do diploma, serão
submetidos a processo e julgamento perante o Supremo Tribunal Federal,
nas infrações penais comuns (art. 102,1, b, da CF/1988).
A EC 35/2001 operou significativas modificações no regime jurídico
da imunidade processual dos parlamentares. Anteriormente, a imunidade
parlamentar consistia na prerrogativa da improcessabilidade: o processo cri-
minal (recebimento de denúncia ou queixa) dependia de prévia licença da
°
casa respectiva (Câmara dos Deputados ou Senado Federal). O art. 53, § 1. ,

da CF1988, anteriormente à EC 35/2001, apresentava a seguinte redação:


Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional
"

não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem


"

processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa (grifo nosso).


A nova disciplina constitucional, no entanto, suprimiu o instituto ju-
rídico da licença prévia (controle legislativo a priori) e estabeleceu, em seu
lugar, a possibilidade de sustação do processo instaurado (controle legislativo
a posteriori).
De acordo com o atual perfil da imunidade parlamentar, pode o Supremo
Tribunal Federal receber a denúncia ou a queixa diretamente, independente-
mente de licença prévia, caso em que deve somente cientificar a casa respec-
tiva, a qual, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto
da maioria de seus membros, pode, até a decisão final, sustar o andamento
da ação penal (art. 53, § 3.°, da CF/1988). A sustação do processo suspende a
prescrição, enquanto durar o mandato (art. 53, § 5. da CF/1988).
°
,

Dessarte, não mais se cogita da improcessabilidade do parlamentar, mas


da sustabilidade ou sobrestamento do processo instaurado.
Em outras palavras: saiu a necessidade de licença prévia para o recebi-
"

mento de denúncia ou queixa; entrou a (mera) possibilidade de suspensão


parlamentar do processo (Luiz Flávio Gomes, Imunidades parlamentares) a
"

qual suspende igualmente a prescrição, enquanto durar o mandato (art. 53,


§5.°, da CF/1988).
Saliente-se que a improcessabilidade, consubstanciada na necessidade
de licença prévia para o recebimento de denúncia ou queixa (controle le-
Cap. 5 . Da Competência 99

gislativo a priori), continua vigendo em relação ao Presidente da República


e aos Governadores dos Estados (Chefes dos Poderes Executivos Federal e
Estadual , respectivamente).
Governadores dos Estados: nos termos do art. 105,1, a, da CF/1988, com-
pete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos
crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal.
O processo contra o Governador do Estado apresenta paralelismo com
o processo contra o Presidente da República (art. 86, caput, da CF/1988) em ,

virtude de ambos ostentarem a prerrogativa da improcessabilidade donde se ,

infere que eventual denúncia ou queixa apresentada contra o Governador do


Estado não pode ser recebida pelo Superior Tribunal de Justiça, sem licença
,

prévia da Assembleia Legislativa do respectivo Estado, concedida por 2/3 de


seus membros (art. 49 da Constituição Estadual de São Paulo).
Estrutura-se o processo portanto, em duas fases: judicium accusationis
,

(juízo de admissibilidade da acusação), realizado mediante controle legis-


lativo a priori da Assembleia Legislativa do respectivo Estado e judicium ,

causae (processo e julgamento), realizado pelo Superior Tribunal de Justiça


(art. 105,1, a, da CF/1988).
Saliente-se que, embora aos Governadores dos Estados se estenda a
imunidade formal de não ser processado sem licença prévia da respectiva
Assembleia Legislativa (improcessabilidade) o Supremo Tribunal Federal
,

entende não encontrar aplicação aos Chefes do Poder Executivo Estadual as


imunidades prisional (art. 86 § 3.°, da CF/1988) e penal temporária (art. 86,
,

§ 4.°, da CF/1988) do Presidente da República.


Por essa razão o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional
,

(ADIn 1.021-2, rei. Min. Celso de Mello, citada por Moraes, Alexandre de,
Direito Constitucional p. 406) o art. 49, §§ 5. e 6.°, da Constituição do Estado
,
°

de São Paulo , segundo o qual o Governador do Estado não estaria sujeito à


prisão enquanto não sobreviesse sentença condenatória transitada em julgado
(imunidade prisional) e, na vigência de seu mandato, não poderia ser respon-
sabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (imunidade penal
temporária), por entender que tais prerrogativas são inerentes ao Presidente
da República, enquanto Chefe de Estado (art. 86, §§ 3.° e 4.° da CF/1988). ,

Prefeitos Municipais: nos termos do art. 29 X, da CF/1988, incumbe ao


,

Tribunal dejustiça do respectivo Estado o processo e o julgamento do Prefeito


por crimes comuns (Consideram-se crimes comuns (infrações penais), no
caso do Dec.-lei 201/1967 os tipificados no seu art. 1. )
,
°
.
100 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

A respeito, o enunciado da Súmula 702 do STF:


A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se
"

aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos,


a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.
"

Como os Prefeitos Municipais não gozam da prerrogativa de improcessa-


bilidade, não se cogita de controle legislativo a priori sobre a admissibilidade
da acusação (judicium accusationis), podendo o Tribunal de Justiça receber
diretamente a eventual denúncia ou queixa apresentada contra o Chefe do
Poder Executivo Municipal, independentemente de licença prévia da Câmara
dos Vereadores.

Vice-Presidente, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-


-

Geral da República e Ministros de Estado: nos termos do art. 102,1, b, da


CF/1988, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, origi-
nariamente, nas infrações penais comuns, o Vice-Presidente, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República, bem assim os Ministros de
Estado (alínea c).

Desembargadores: nos termos do art. 105,1, a, da CF/1988, compete ao


Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes
comuns, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal.

Juízes Estaduais (de primeiro grau) e membros do Ministério Público: nos


termos do art. 96, III, da CF/1988, compete privativamente aos Tribunais de
Justiça julgar os juízes estaduais e os membros do Ministério Público, nos
crimes comuns, ressalvada a competência dajustiça Eleitoral (por uma razão
de simetria, cabe ao Tribunal Regional Eleitoral o processo e julgamento dos
crimes eleitorais).

Deputados Estaduais: nos termos do art. 14, § 4.°, da Constituição do Es-


tado de São Paulo, os Deputados Estaduais serão julgados perante o Tribunal
de Justiça do Estado por crimes comuns.

522
. . .2 Conflito entre competência por prerrogativa de função e
competência em razão da matéria fratione materiaej
Como deve ser solucionado um aparente conflito entre competência
originária por prerrogativa de função (Presidente da República, membros
do Congresso Nacional etc.) e competência ratione materiae (Júri, Justiças
Especiais Eleitoral ou Militar etc.)?
Cap. 5 . Da Competência 101

Competência ratione materiae do Júri (crimes dolosos contra a vida): como


proceder se o acusado por crime doloso contra a vida (competência do júri)
exercer função que lhe outorgue a prerrogativa de ser processado e julgado ,

em grau originário por um Tribunal (TJ, STJ, STF)?


,

Entende-se que a competência originária por prerrogativa de função ,

quando sediada na Constituição Federal, prevalece sobre a competência


material do júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art .
5.°,
XXXVIII, d da CF/1988).
,

Desse modo se um Senador cometer um crime doloso contra a vida, o


,

seu processo e julgamento ficarão afetos ao Supremo Tribunal Federal (arts .

53, § 1.°, e 102,1, b, da CF) nada obstante a Constituição Federal estabeleça


,

a competência do júri para o julgamento de infrações penais dessa natureza


(art. 5.°, XXXVIII, d).
Outrossim , no caso de crime doloso contra a vida perpetrado por Promo-
tor dejustiça o processo e o julgamento da infração penal ocorrerão perante
,

o Tribunal dejustiça do respectivo Estado (art 96, III da CF/1988). .


,

Conquanto delineadas na Constituição Federal a competência do júri ,

(ratione materiae) apresenta generalidade em face da competência originá-


ria por prerrogativa de função devendo esta preponderar por força da sua
,

especialidade.
Trata-se , como se percebe, de conflito de competência apenas aparente,
e não real, eis que a Constituição Federal pode excepcionar a si mesma .

No entanto quando a competência originária por prerrogativa de fun-


,

ção vier definida em Constituição Estadual, a questão assume maior grau de


complexidade.
Imagine-se um crime doloso contra a vida praticado por Deputado Es-
tadual. A Constituição Federal não estabelece competência originária por
prerrogativa de função para parlamentares estaduais. Contudo, a Constituição
do Estado de São Paulo prevê o julgamento dos Deputados Estaduais perante
o Tribunal dejustiça (art 14, § 4.°). .

Duas orientações são esposadas sobre o tema:


a) a competência do júri por se encontrar sediada na Constituição Fe-
,

deral (art. 5.° XXXVIII, d), deve prevalecer, por razões de hierarquia
,

normativa sobre a competência originária por prerrogativa de função


,

dos Deputados Estaduais inscrita na Constituição Estadual. ,


102 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

Embora se admita que a Constituição Estadual atribua competência


originária por prerrogativa de função, no caso suscitado, esta não poderia
vir a sobrepujar a competência do júri para o julgamento de crimes dolosos
contra a vida, prevista na Constituição Federal (art. 5. XXXVIII, cl).
°
,

Com efeito, a Constituição Federal, em seu art. 27, § 1.°, estendeu aos
Deputados Estaduais as regras sobre "sistema eleitoral, inviolabilidade,
imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e
incorporação às Forças Armadas", mas não permitiu a aplicação das regras
sobre competência por prerrogativa de função aos parlamentares estaduais.
Essa orientação se alicerça no princípio da supremacia formal da Cons-
tituição Federal, fenómeno decorrente de sua rigidez, consubstanciando o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, cuja Súmula 721 enuncia:
A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o
"

foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Cons-


tituição Estadual".
b) a competência originária por prerrogativa de função dos Deputados
Estaduais (Tribunal dejustiça do Estado), nada obstante outorgada pela
Constituição Estadual, deve prevalecer sobrea competência dojúri para
o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5. XXXVIII, d, da °
,

CF/l 988), por razões de simetria (paralelismo principiológico) com os


Deputados Federais, para os quais a Constituição Federal estabeleceu
semelhante prerrogativa funcional (arts. 53, § 1. e 102,1, b).
°
,

Se os Deputados Estaduais estão para os Estados como os Federais estão


para a União, e se estes são processados e julgados pelo mais alto Tribunal
do país (STF), deverão aqueles ser processados e julgados pelo mais elevado
Tribunal do Estado (TJ), em função da simetria delineada no art. 25, caput,
in fine, da Constituição Federal.
Ademais, a competência originária por prerrogativa de função constaria
da própria Constituição Federal, de maneira implícita, nas normas onde esta
atribui aos membros do Poder Legislativo da União semelhante prerrogativa
(arts. 53, § 1.°, e 102,1, b), devendo, por isso, sobrepor-se à competência do
júri, porquanto a Constituição Estadual estaria apenas refletindo a Consti-
tuição Federal, e não a contrariando.
ainda, em abono desse entendimento, a circunstância de a
Invoca-se ,

Constituição Federal, em seu art. 125, § 1.° haver conferido à Constituição


Estadual poderes para definir a "competência dos Tribunais", não procedendo
a qualquer ressalva.
Cap. 5 . Da Competência 103

E, comentando a competência por prerrogativa de função dos Deputados


Estaduais, remata Fernando da Costa Tourinho Filho (ProcessoPenal p. 140): ,

Aliás, a razão de se estabelecer o foro pela prerrogativa de função


"

tanto na Constituição Federal como nas demais leis, é a mesma: home-


nagem à função. É em homenagem à relevância das funções que certas
pessoas desempenham nocenáriojurídico-políticoda República, seja no
âmbito nacional, seja no estadual, que se lhes concede o foro 'privativo'.
Destarte, onde existe a mesma razão fundamental, deve prevalecer a
mesma regra de direito
"
.

5.2.2.3 Competência por prerrogativa de função e exercício


funcional: o cancelamento da Súmula 394 do STF e a
alteração do art. 84 do CPP (Lei 7 0.62 de 24.12.2002)
Por se tratar de prerrogativa funcional (e não pessoal) a competência
,

por prerrogativa de função pressupõe o seu exercício.


No que concerne ao exercício da função três situações distintas podem
,

exsurgir:
a) Infração penal praticada antes do exercício da função: enquanto a
função não surtir efeitos jurídicos a competência se encontra afeta
,

ao primeiro grau de jurisdição.


No entanto com a assunção da função (posse) ou com a diplomação (no
,

caso dos parlamentares) desloca-se a competência para o Tribunal respectivo,


,

de acordo com a função ocupada pelo acusado.


Os processos que estiverem tramitando em primeiro grau de jurisdição
devem então ser remetidos ao Tribunal competente (os atos processuais
praticados em primeiro grau serão preservados, porquanto levados a efeito
por juiz competente ao tempo da realização do ato (tempus regit actum)),
perante o qual deverão ainda ser propostas eventuais ações penais, mesmo
que versando sobre infração penal cometida antes do exercício da função.
Cessado, contudo o desempenho da função, não mais se justifica a sub-
,

sistência da prerrogativa funcional devendo os autos do processo retornar


,

ao juízo de primeiro grau.


b) Infração penal praticada durante o exercício de função: no caso de
infração penal praticada durante o exercício da função a Súmula 394,

do STF estabelecia que:


"

Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a com-


petência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a
ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".
104 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Consoante a Súmula 394 do STF, havendo contemporaneidade entre a


prática da infração penal e o desempenho da função, a prerrogativa de ser
processado e julgado originariamente por Tribunal se estenderia para além
da cessação do exercício da função (perpetuatiojurisdictionis):
"Suponha-se que um Prefeito Municipal, processado por corrupção
perante oTJ, viesse a ter cassado o mandato. O feito prosseguia nesse
tribunal" (Damásio Evangelista de jesus. Código de Processo Penal ano-
tado, p. 109).
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, em decisão unânime profe-
rida em 25.08.1999, no julgamento de Questão de Ordem, no Inq. 687-SP,
rei. Min. Sydney Sanches, cancelou a Súmula 394 do seu Regimento Interno
(Informativo STF 159, www.stf.gov.br).
Os argumentos enunciados para o cancelamento da Súmula 394 podem
ser encontrados no seguinte trecho do voto do rei. Min. Sydney Sanches:
"A Constituição não é explícita em contemplar, com a prerrogativa de
foro perante esta Corte, as autoridades e mandatários que, por qualquer
razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato.
Dir-se-á que a tese da Súmula 394 permanece válida, pois, com ela,
"

ao menos de forma indireta, também se protege o exercício do cargo ou


do mandato, se durante ele o delito foi praticado e o acusado não mais
o exerce.

"
Não se pode negar a relevância dessa argumentação, que, por tantos
anos, foi aceita nesta Corte.
"
Mas também não se pode, por outro lado, deixar de admitir que a
prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato,
e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo.
"Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa
na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercí-
cio do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional
Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos.
"Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio que, de certa forma,
conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente numa Constitui-
ção que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, tam-
bém, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos" (Informativo STF 159).
Por ser considerada de natureza processual, a decisão do Supremo Tribu-
nal Federal apresentou aplicabilidade imediata (art. 2f do CPP), operando-se
a pronta remessa, ao primeiro grau de jurisdição, dos autos dos processos
que envolviam ex-ocupantes de funções que lhes outorgavam prerrogativa
de competência originária.
Cap. 5 . Da Competência 105

Na ausência da mencionada Súmula, p. ex., os autos da ação penal


"

por homicídio doloso promovida contra um Promotor de justiça noTJ,


"

pedindo ele exoneração, devem ser remetidos ao Tribunal do Júri (Da-


másio Evangel ista de jesus, Código de Processo Penal Anotado, p. 109).
Os atos processuais anteriormente praticados, no entanto, foram pre-
servados (ao proclamar o cancelamento da Súmula 394, o rei. Min. Sydney
Sanches consignou "a ressalva de que continuam válidos todos os atos pra-
ticados e decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na
Súmula 394" (Informativo STF 159) - art. 2.°, infine, do CPP -, dando-se a
"

medida de cancelamento com efeitos ex nunc, pois os atos processuais são


regidos pela lei do seu tempo: tempus regit actum (Luiz Flávio Gomes e Sa-
"

brina Morais. Cancelamento da Súmula 394 do STF).

Em suma: com o cancelamento da Súmula 394 do Supremo STF cessado ,

o exercício da função, cessa igualmente a competência por prerrogativa de


função por se tratar de prerrogativa funcional e não pessoal (distinção es-
,

tabelecida em razão da função e não da pessoa em si). Vale lembrar que com
o cancelamento da Súmula 394, restou superada a Súmula 396 do Supremo
Tribunal Federal, segundo a qual:
Para a ação penal por ofensa à honra, sendo admissível a exceção da
"

verdade quanto ao desempenho de função pública, prevalece a compe-


tência especial por prerrogativa de função, ainda que já tenha cessado
"
o exercício funcional do ofendido Carlos Frederico Coelho Nogueira
.

observa que:
Se o funcionário perde o direito ao foro privativo depois de cessado o
"

exercício funcional, mesmo para crimes praticados durante esse exercício,


perde, por via de consequência, o direito ao julgamento da exceção da
verdade por tribunal, se, quando apresentada essa exceção, não mais
exerce o cargo que lhe dava foro privativo por prerrogativa de função
"

(Comentários ao Código de Processo Penal, p. 1031).


Nada obstante a evolução democrática operada pelo Supremo Tribunal
Federal, a disciplina da competência por prerrogativa de função acabou
sofrendo um retrocesso com a edição da Lei 10.628, de 24.12.2002, que, ao
dar nova redação ao art. 84 do CPP acabou por repristinar o mecanismo
" "

outrora estabelecido pela antiga Súmula 394:


Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo
"

Tribunal Federal, do SuperiorTribunal de Justiça, dosTribunais Regionais


Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativa-
mente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns
e de responsabilidade.
106 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

§ 1A competência especial por prerrogativa de função, relativa a


atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação
judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.
§ 2.° A ação de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2 de junho
de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e
julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prer-
rogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o
disposto no § 1
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, declarou a inconstitucionalida-
de dos parágrafos que a Lei 10.628/2002 inseriu no art. 84 do CPP, mantendo,
assim, coerência com o entendimento esposado quando do cancelamento do
enunciado da Súmula 394:

Improbidade Administrativa e Prerrogativa de Foro. O Tribunal con-


"

cluiu julgamento deduasaçõesdiretas ajuizadas pela Associação Nacional


dos Membros do Ministério Público - CONAMP e pela Associação dos
Magistrados Brasileiros - AMB para declarar, por maioria, a inconstitu-
cionalidade dos §§ 1 .°e 2.°do art. 84 do CPP, inseridos pelo art. 1 .°da Lei
10.628/2002 - v. Informativo 362. Entendeu-se que o § 1.° do art. 84 do
CPP, além de ter feito interpretação autêntica da Carta Magna, o que seria
reservado à norma de hierarquia constitucional, usurpou a competência
do STF como guardião da Constituição Federal ao inverter a leitura por ele
já feita de norma constitucional, o que, se admitido, implicaria submeter
a interpretação constitucional do Supremo ao referendo do legislador
ordinário. Considerando, ademais, que o § 2. do art. 84 do CPP veicu-
°

lou duas regras-a que estende, à ação de improbidade administrativa, a


competência especial por prerrogativa de função para inquérito e ação
penais e a que manda aplicar, em relação à mesma ação de improbidade,
a previsãodo§ 1 .°docitadoartigo-concluiu-sequea primeira resultaria
na criação de nova hipótese de competência originária não prevista no rol
taxativo da Constituição Federal, e, a segunda estaria atingida por arrasta-
mento. Ressaltou-se, ademais, que a ação de improbidade administrativa
é de natureza civil, conforme se depreende do § 4.° do art. 37 da CF, e
que o STF jamais entendeu ser competente para o conhecimento de ações
civis, por ato de ofício, aju izadas contra as autoridades para cujo processo
penal o seria. Vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Eilen
Gracie [...]. (ADIn 2.797/DF e ADIn 2.860/DF, j. 15.09.2005, rei. Min.
Sepúlveda Pertence-Informativo STF 40], 12 a 16 de setembro de 2005).

c) ínfração penal praticada depois de cessado o exercício da função: praticada


a infração penal depois de cessado o exercício da função, por qualquer
motivo (expiração, renúncia ou cassação do mandato, exoneração do
cargo etc.), não se pode cogitar, em momento algum, de competência
Cap. 5 . Da Competência 107

originária por prerrogativa de função porquanto ausente sua razão


,

de ser: a função.
Nesse sentido , a Súmula 451 do STF:
"A competência especial por prerrogativa de função não se estende
"

ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional .

52
. .
3 Competência territorial (ou de foro)
Conhecida a justiça e o grau de jurisdição competentes resta agora esta- ,

belecer a competência territorial ou de foro (as circunscrições territoriais são


denominadas "Comarca" , no âmbito da Justiça Comum Estadual, e Seção
"

Judiciária", no âmbito da Justiça Comum Federal). O Código de Processo


Penal, em seu art. 70, caput, prescreve que a competência territorial será de-
terminada, de regra pelo lugar em que se consumar a infração penal, como
,

sinal de franca adoção da teoria do resultado.


No caso de tentativa , competente será o lugar da prática do último ato
de execução (art. 70 caput, infine, do CPP).
,

Não sendo conhecido o lugar da consumação da infração penal íixa-se ,

a competência territorial subsidiariamente, pelo domicílio ou residência do


,

acusado (art. 72, caput, do CPP).


No caso de ação penal privada propriamente dita (ou exclusiva) o legis- ,

lador conferiu ao ofendido a opção pelo foro do domicílio ou residência do


acusado, ainda quando conhecido o local da infração penal (art. 73 do CPP) ,

excepcionando assim a regra insculpida no art. 70, caput, do CPP


O sistema processual penal do Juizado Especial Criminal ditou a compe-
tência territorial do lugar em que for praticada (ação ou omissão) a infração
penal (art. 63 da Lei 9.099/1995), com a adoção da teoria da atividade.
de igual modo procedeu o legislador do Estatuto da Criança e
Outrossim ,

do Adolescente no que concerne à prática de ato inflacionai (art. 147, § l.°,da


,

Lei 8.069/1990 - ECA) ditando a competência do lugar da ação ou da omissão.


,

52
.
4 Competência de juízo
.

Determinado o foro competente se mais de um juízo houver, importará


,

fixá-lo por outros critérios finais.


Normalmente , o juízo competente surge com a livre distribuição (art.
75, caput, do CPP).
108 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a distribuição não prevalecerá se a natureza da infração penal


Contudo ,

ditar a competência específica de um juízo, tal como ocorre nos crimes dolosos
contra a vida, afetos ao Tribunal do Júri (art. 74, § 1. do CPP). °
,

Igualmente, não se emprega a distribuição se algum juízo houver an-


tecedido aos outros na prática de algum ato ou medida relativa à infração
penal (concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, decretação de
prisão temporária ou preventiva etc.), caso em que se tornará prevento (art.
83 do CPP).

5.
3 COMPETÊNCIA POR CONEXÃO OU CONTINÊNCIA

A conexão e a continência são causas legais (arts. 76 e 77 do CPP) de


prorrogação da competência, por força das quais se opera uma modificação
das regras ordinárias de fixação da competência, acarretando a ampliação da
competência de um juízo (prevalente) para o processo e julgamento de uma
infração penal cuja apreciação, originariamente, não lhe incumbia.
A presença dos liames de conexão e de continência ensejam a unidade de
processo e julgamento (vide art. 79, caput, do CPP) perante o juízo prevalente
(art. 78 do CPP), reunindo-se em um mesmo processo (simultaneus processus)
uma pluralidade de infrações penais ou de agentes.
A conexão e a continência apresentam como efeito ou consequência a
unidade de processo e julgamento (art. 79, caput, do CPP), ao que se deno-
mina simultaneus processus.
Trata-se de medida de conveniência que possibilita a aferição global da
atividade criminosa e a produção conjunta de provas, prevenindo-se a super-
veniência de decisões conflitantes acerca de infrações penais intimamente
vinculadas.

5 3 . .
1 Competência por conexão
A conexão sempre pressupõe a existência de uma pluralidade de infrações
penais que se encontrem atreladas por um dos nexos inscritos no art. 76 do
CPP, recomendando sejam investigadas em um mesmo inquérito policial,
processadas em uma mesma ação penal e decididas em uma mesma sentença.

53
. . /. / Conexão intersubjetiva (art. 76, l, do CPP)
O art. 76,1, do CPP, enuncia elos intersubjetivos de conexão entre infra-
ções penais, as quais se encontram unidas pelo fato de terem sido praticadas
Cap. 5 . Da Competência 109

por sujeitos ocasionalmente reunidos (conexão intersubjetiva por simulta-


neidade) , em concurso (conexão intersubjetiva por concurso) ou uns contra
os outros (conexão intersubjetiva por reciprocidade).
Com a conexão intersubjetiva, busca o legislador evitar a fragmentação
do material probatório, propiciando economia processual e visão global da
dinâmica criminosa.

Estabelece o art. 76,1, três modalidades de conexão intersubjetiva:


a) conexão intersubjetiva por simultaneidade: se, ocorrendo duas ou mais
infrações penais, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por
várias pessoas reunidas;
b) conexão intersubjetiva por concurso: se, ocorrendo duas ou mais
infrações penais, houverem sido praticadas por várias pessoas em
concurso, embora diverso o tempo e o lugar;
c) conexão intersubjetiva por reciprocidade: se, ocorrendo duas ou mais
infrações penais houverem sido praticadas por várias pessoas, umas
,

contra as outras.

Conexão Intersubjetiva por simultaneidade (ou meramente ocasional) - o


art. 76 1, primeira
, parte, do CPP enuncia como caso de conexão a circuns-
,

tância de duas ou mais infrações penais terem sido praticadas ao mesmo


tempo (simultaneidade), por várias pessoas reunidas, como, v.g., torcedores
de uma equipe que, inconformados com o resultado de uma partida, passam a
depredar as dependências de um estádio. Outro caso ilustrativo seria o saque
simultâneo (ao mesmo tempo) a um estabelecimento comercial cometido por
,

várias pessoas que, ocasionalmente reunidas (em um mesmo lugar), sequer


se conhecem (não há liame subjetivo entre os agentes). Cada agente realiza,
individualmente um crime de dano (art. 163 do CP) - ou de furto (art. 155 do
,

CP), no caso do saque simultâneo ao estabelecimento comercial - de molde a


redundar uma pluralidade de infrações penais perpetradas simultaneamente
,

por diversas pessoas ocasionalmente reunidas (art. 76,1, l.a parte, do CPP).
Como se percebe, não se trata de "crime único praticado em concurso
de agentes", dada a ausência de liame subjetivo entre os torcedores, requisito
essencial ao concurso de agentes.
Na conexão intersubjetiva por simultaneidade a reunião dos agentes é
,

meramente ocasional não se cogitando de concurso de agentes.


,

O concurso de agentes em verdade, pode ensejar a conexão intersubje-


,

tiva por concurso (art. 76,1, segunda parte, do CPP), no caso de pluralidade
110 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

de infrações penais, ou a continência por cumulação subjetiva (art. 77,1, do


CPP), no caso de unidade de infração penal.
Conexão intersubjetiva por concurso - O nexo descrito no art. 76,1, segun-
da parte, do CPP, pressupõe que duas ou mais infrações penais tenham sido
praticadas em concurso de agentes, ainda que em momentos e locais distintos.
Distinguem-se portanto, as conexões intersubjetivas por concurso e por
,

simultaneidade.

A conexão intersubjetiva por simultaneidade (art. 76,1, l.a parte, do


CPP) demanda sejam as infrações penais realizadas ao mesmo tempo, por
pessoas ocasionalmente reunidas, donde se infere não haver concurso de
agentes (estes se encontram, por acaso, em um mesmo local).
A conexão intersubjetiva por concurso (art. 76 I, 2.a parte, do CPP) ,

requer apenas sejam as infrações penais perpetradas em concurso de agentes


(convergência de vontades dirigidas a uma finalidade comum), pouco im-
portando se levadas a efeito em circunstâncias de tempo e lugar diversas (as
infrações penais não precisam ser praticadas "ao mesmo tempo" e os agentes
não precisam estar reunidos )
" "
.

A conexão intersubjetiva por concurso ocorre, v.g., no caso de agentes


que convencionam praticar três infrações penais e as realizam, cada qual, em
um período do dia: a primeira durante a manhã, a segunda durante a tarde e
a terceira durante a noite.

Outrossim, nos casos de crimes associativos (art. 288 do CP; art. 35 da


Lei 11.343/2006) se os agentes vierem a concretizar os crimes planejados,
,

estaremos diante de conexão intersubjetiva por concurso entre o crime asso-


ciativo e os crimes porventura praticados pelo bando ou quadrilha.
Conexão intersubjetiva por reciprocidade-O art. 76,1, terceira parte, do
CPP, descreve a conexão intersubjetiva por reciprocidade, presente no caso
de duas ou mais infrações penais cujos agentes sejam vítimas uns dos outros,
como, v.g., os crimes de lesões corporais dolosas recíprocas, praticadas mutu-
amente sem que qualquer deles esteja agindo sob o manto de uma excludente
,

de ilicitude (art. 129, § 5.°, II, do CP).

53 1
. .
2 Conexão objetiva, lógica ou material (art. 76, II, do CPP)
.

Nos casos encartados no art. 76, II, do CPP, o legislador considera, para
ins de conexão, elos objetivos que unem as infrações penais, e não mais os
f

seus respectivos sujeitos ativos.


Cap. 5 . Da Competência 111

Prescreve o art. 76 , II, quatro possibilidades de conexão objetiva:


a) se ocorrendo duas ou mais infrações penais, houverem sido umas
,

praticadas para facilitar as outras (conexão objetiva teleológica);


b) se, ocorrendo duas ou mais infrações penais houverem sido umas
,

praticadas para ocultar as outras (conexão objetiva consequencial);


c) se, ocorrendo duas ou mais infrações penais houverem sido umas
,

praticadas para conseguir impunidade em relação a qualquer delas


(conexão objetiva consequencial);
d) se, ocorrendo duas ou mais infrações penais houverem sido umas
,

praticadas para conseguir vantagem em relação a qualquer delas (co-


nexão objetiva consequencial).
A denominação conexão material decorre do fato de os liames de conexão
objetiva (art. 76, II, do CPP) apresentarem repercussão no âmbito do direito
material porquanto previstos no Código Penal como circunstância agravante
,

genérica (art. 61, II, b, do CP),-vide ainda art. 108, 2.a parte, do CP-como
qualificadora do crime de homicídio (art. 121, § 2.°, V, do CP) e como causa
extensiva da interrupção da prescrição (art. 117 § 1.°, 2.a parte, do CP).
,

Portanto com a conexão objetiva ou material, busca o legislador viabili-


,

zar a aplicação de normas de direito material tais quais as supramencionadas.


,

a) o agente mata o marido para facilitar a execução do estupro


da esposa.Trata-se de crime de homicídio qualificado (art. 121
exemplos § 2.°, V, do CP), conexo com o crime de estupro (art. 213 do
,

CP), devendo ambos ser objeto de uma mesma investigação ,

processo e julgamento (conexão objetiva teleológica ou final);


b) o agente provoca um incêndio para destruir as provas de
uma fraude que estava na iminência de serdeslindada. Trata-se
de crime de incêndio (art. 250, § 1° I, do CP) praticado para
,

ocultar a infração penal antecedente, ainda não descoberta. O


agente responde pelo crime ensejado pela fraude em concurso
,

material (art. 69 do CP) com o crime de incêndio incidindo ,

sobre este a circunstância agravante genérica do art. 61, II 6, ,

do CP (conexão objetiva consequencial).

Se, para ocultar a fraude, no lugar do incêndio o agente matasse o


,

auditor que estava em vias de desvendar sua ocorrência ter-se-ia concurso,

material entre o crime ensejado pela fraude e o crime de homicídio quali-


112 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

ficado (art. 121, § 2.°, V, do CP), não se cogitando, nesse caso, da sobredita
circunstância agravante genérica, tendo em vista a clara advertência inscrita
no art. 61, caput, do CP:
"São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não consti-
tuem ou qualificam o crime".
Por derradeiro, se o agente matasse dolosamente a vítima e enterrasse o
seu cadáver para ocultar o crime, estar-se-ia diante de um homicídio doloso
(art. 121 do CP) em concurso material (art. 69 do CP) com o crime de ocul-
tação de cadáver (art. 211 do CP) (conexão objetiva consequencial).

O agente sequestra uma pessoa com o fim de obter vantagem


patrimonial (preço do resgate) e, em seguida, mata a única
2Ç~\ testemunha do fato para assegurar sua impunidade: extorsão
mediante sequestro (art. 159 do CP), em concurso material
(art. 69 do CP) com homicídio qualificado (art. 121, § 2.°,
V do CP), ambos atrelados por vínculo de conexão objetiva
,

consequencial.

Perceba-se que no caso de assecuração da impunidade, o agente não


busca ocultar a realidade (ocorrência) do crime, mas somente a sua autoria,
afinal, o conhecimento acerca do sequestro é condição para os familiares da
vítima providenciarem o preço do resgate.

Agente mata o comparsa para dispor da res furtiva em sua inte-


PUemDlOS gralidade.Trata-se de crime de homicídio qual ificado (art. 121,
§ 2.°, V, do CP), praticado para auferir vantagem em relação
ao crime anterior de furto (conexão objetiva consequencial).

53 1
. . .
3 Conexão objetiva ou material e os crimes dolosos contra a
vida

Perceba-se a importância da conexão objetiva ou material no contexto


dos crimes dolosos contra a vida.

Nos exemplos envolvendo homicídio qualificado (art. 121, § 2.°, V, do


CP), o simultaneus processus ocorre perante o júri (art. 5.°, XXXVIII, d, da CF,
que, na condição de juízo prevalente (art. 78,1, do CPP), tem sua competência
ampliada para a apreciação da infração penal conexa.
Cap. 5 . Da Competência 113

Assim, em virtude da vis attractiva do júri (art. 78,1, do CPP), os crimes


de estupro, de fraude, de ocultação de cadáver, de extorsão mediante sequestro
e de furto seriam julgados pelo Tribunal Popular, muito embora não se trate
de crimes dolosos contra a vida.

Daí a assertiva de que a competência constitucional para o julgamento


de crimes dolosos contra a vida (art. 5.°, XXXVIII, d, da CF/1988) representa
a competência mínima do Tribunal do Júri, pois a ele ainda incumbe a apre-
ciação de qualquer infração penal conexa, por força do art. 78,1, do CPP

53 1
. . 4 Conexão probatória ou instrumental (art. 76, III\ do CPP)
.

A conexão probatória ou instrumental (art. 76, III, do CPP) se fundamenta


na prejudicialidade homogénea que porventura exista entre duas infrações
penais, recomendando sejam investigadas, processadas e julgadas em simul-
taneus processus, eis que a prova de uma exerce influência sobre a prova de
outra (v.g., o tipo penal de receptação exige que o objeto material da conduta
"

seja produto de crime de sorte que sem a prova do crime antecedente não
"

se perfaz o crime de receptação).


Outrossim, verifica-se a conexão probatória ou instrumental entre cri-
mes remetidos e seus respectivos crimes pressupostos (ou antecedentes),
tal como sucede com a infração penal de uso de documento falso (art. 304
do CP) em relação ao crime pressuposto de falsificação (arts. 297 e 298 do
CP), ou com as infrações penais de favorecimento pessoal (art. 348 do CP)
e favorecimento real (art. 349 do CP) em relação ao crime antecedente, ou
°
ainda com o crime de lavagem de capitais (art. 1. caput, da Lei 9.613/1998)
,

em relação aos crimes pressupostos ou antecedentes elencados nos incs. I a


VII do art. l.°da Lei 9.613/1998.

O interesse prático da unificação processual decorrente da conexão


probatória ou instrumental pode ser demonstrado com o crime de uso de
documento falso (art. 304 do CP).

Se a falsificação (arts. 297 e 298 do CP) for grosseira e, por conseguinte,


for considerada impossível em função da ineficácia absoluta do meio empre-
gado, inidôneo a iludir o homo medius e, portanto, incapaz de ofender o bem
jurídico fé pública, resta prejudicado o crime de uso de documento falso (art.
304 do CP), não se podendo cogitar do crime remetido (uso) se não delineado,
antes, o crime pressuposto ou antecedente (falsificação).
A prova produzida em relação ao crime pressuposto ou antecedente,
no sentido de ser grosseira a falsificação (crime impossível pela ineficácia
114 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller
, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

absoluta do meio - art. 17 do CP) prejudica a existência do crime remetido


,

(art. 304 do CP).


a prejudicialidade homogénea existente entre crime remetido
Em suma ,

e crime pressuposto ou antecedente não permite a configuração do primeiro


(remetido) sem a prova do segundo (pressuposto ou antecedente).

53
.
2 Competência por continência (art. 77 do CPP)
.

A continência estabelece uma relação entre o continente (algo mais


abrangente, que contém outro objeto) e o conteúdo (algo menos abrangente ,

que é contido).
Diversamente da conexão , a continência não pressupõe a existência
de uma pluralidade de infrações penais tanto assim que a continência por
,

cumulação subjetiva (art. 77,1, do CPP) apresenta unidade de infração penal.

532
. . .
7 Continência por cumulação subjetiva (art. 77, \, do CPP)
A continência por cumulação subjetiva pressupõe uma pluralidade de
agentes agindo em concurso (coautoria ou participação) para a consecução
de uma mesma infração penal (art. 77 1 do CPP). , ,

O art. 77, I, do CPP, portanto, pressupõe unidade de infração penal e


pluralidade de agentes (cumulação subjetiva: dois ou mais sujeitos em con-
curso de agentes).
Assim , no processo penal, para a caracterização da continência, basta
seja uma infração penal perpetrada em concurso de agentes (art. 29 do CP).
como anteriormente observado, o concurso de agentes pode
Deveras ,

ensejar a continência por cumulação subjetiva (art. 77,1, do CPP) no caso de ,

unidade de infração penal ou a conexão intersubjetiva por concurso (art. 76,1,


,

segunda parte, do CPP), no caso de pluralidade de infrações penais, eis que


a premissa de qualquer modalidade de conexão é precisamente a existência
de duas ou mais infrações penais.

532
. . .
2 Continência por cumulação objetiva (art. 77, II, do CPP)
As remissões originais do art. 77 II, do CPP, correspondem, na Parte
,

Geral do Código Penal (inserida pela Lei 7.209/1984), aos arts. 70 (concur-
so formal ou ideal), 73, segunda parte (ciberratio ictus) e 74, segunda parte ,

(aberratio delicti).
Cap. 5 . Da Competência 115

A continência por cumulação objetiva se resume a casos de concurso


formal ou ideal de infrações penais, pois a aberratio ictus e a aberrado delicti
com resultados múltiplos acabam sendo resolvidas pelo aludido concurso
de crimes, conforme se depreende da leitura das segundas partes dos arts.
73 e 74 do CP.

Em suma, o art. 77, II, do CPP, pressupõe pluralidade de infrações penais


(cumulação objetiva), deflagradas, contudo, por uma única conduta (concurso
formal ou ideal de infrações penais).

532
. . 3 Distinção entre as continências por cumulação subjetiva e
.

objetiva
A continência por cumulação subjetiva (art. 77,1, do CPP) apresenta
unidade de infração penal e pluralidade de agentes (concurso de agentes); a
continência por cumulação objetiva (art. 77, II, do CPP) ostenta pluralidade
de infrações penais e unidade de conduta (concurso formal ou ideal de in-
frações penais).

note
cumulação subjetiva (de sujeitos) => pressupõe: BEM
pluralidade de agentes em concurso
unidade de infração penal r
cumulação objetiva (de infrações penais) => pressupõe:
pluralidade de infrações penais (em concurso formal)
unidade de conduta e de agente

5 4 FORO PREVALENTE
.

Se há mais de um crime praticado em conexão ou continência, são ne-


cessários critérios auxiliares que permitam a fixação da competência. Primei-
ramente, se houver crime de competência do Tribunal do Júri, ela prevalece
(art. 78,1, do CPP). Se não houver (art. 78, II, do CPP):
a) prepondera o local da infração mais grave (pena mais grave);
b) se as infrações tiverem igual gravidade, o local onde ocorreu o maior
número de infrações;
c) se os requisitos anteriores não forem suficientes, a competência será
fixada pela prevenção.
116 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Em caso de conexão ou continência entre infração penal de


.cuidado menor potencial ofensivo e crime que não seja da competên-
L ) cia do JECrim, o art. 60 parágrafo único, da Lei 9.099/1995
,

(com a redação da Lei 11.313/2006), determina a reunião das


infrações penais perante o Juízo comum ou o Tribunal do Júri
(prevalentes, por serem de competência mais ampla), onde
serão observados os institutos da transação penal e da compo-
sição dos danos civis. A mesma disciplina se encontra no art .

°
2 parágrafo único, da Lei 10.259/2001, que trata do JECrim
.
,

no âmbito da Justiça Federal.


Das Questões e Processos
Incidentes

6. 1 DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS


A questão prejudicial, em processo penal, é um antecedente lógico que
condiciona a decisão sobre a existência da infração penal. Da solução da
questão prejudicial (anterior) depende a decisão da questão prejudicada
(posterior).
A questão prejudicial pode ser homogénea ou heterogénea, conforme
pertença, ou não, ao mesmo ramo do direito da questão prejudicada, no caso,
ao Direito Penal.

A questão prejudicial homogénea se refere a uma infração penal (como a


existência de crime anterior para a configuração da receptação, ou a decisão
sobre a exceção da verdade no crime de calúnia), enquanto a questão preju-
dicial heterogénea se refere a uma relação jurídica civil (como o casamento
anterior em relação ao crime de bigamia).
O Código de Processo Penal disciplina apenas as questões prejudiciais
heterogéneas (arts. 92 e 93), que podem ser obrigatórias (ou absolutas) ou
facultativas (ou relativas):
a) Questões prejudiciais obrigatórias (ou absolutas): são as relacionadas
com o estado civil das pessoas (art. 92 do CPP). A incompetência do
Juiz criminal para a apreciação das questões de estado, por ser abso-
luta, impõe a suspensão obrigatória do processo penal, enquanto se
aguarda a decisão definitiva do juízo cível (nulidade do casamento
anterior e crime de bigamia).
b) Questões prejudiciaisfacultativas (ou relativas): versam sobre relação
jurídica civil diversa do estado civil das pessoas (art. 93 do CPP), como
a posse no crime de esbulho (art. 161, § 1 II, do CP) ou a proprie-
°
,

dade (alheia) da coisa móvel no crime de furto (art. 155 do CPP). A


118 Processo Penal - Paulo H. A .
Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

incompetência do Juiz criminal para a apreciação dessas questões ,

por ser relativa, apenas faculta a suspensão do processo penal (podem


ser decididas diretamente). Preferindo a suspensão o Juiz criminal ,

marca prazo. Expirado sem decisão no juízo cível o processo penal ,

prossegue para o Juiz criminal dirimir a questão prejudicial.


A suspensão (obrigatória ou facultativa) do processo penal em virtude ,

de questão prejudicial suspende o curso do prazo de prescrição (art. 116,


,

I , do CP).

6 . 2 DASEXCEÇÕES

62 1 . .
Moda lida des de defesa

O acusado pode apresentar defesa de mérito e defesa processual Alguns .

autores preferem a denominação defesa direta e defesa indireta para designar ,

respectivamente a defesa de mérito e a defesa processual.


,

A defesa de mérito (substancial ou material) se dirige contra a relação


jurídica-base que fundamenta a pretensão punitiva: a relação jurídica de
,

direito material (jus puniendi).


Pode ser direta , quando o acusado nega diretamente o fato constitutivo
da acusação (sua existência - vide art. 386 1 e II (absolvição) e art. 414, caput
, ,

(impronúncia), ambos do CPP - ou autoria - vide art. 386, IV (absolvição), e


art. 414, caput (impronúncia) ambos do CPP), ou indireta, quando o acusado
,

neutraliza a pretensão punitiva mediante a alegação de um fato impeditivo


(atipicidade da conduta) - vide art. 386, III (absolvição), do CPP, modificativo
(excludente de ilicitude) - vide art. 386, VI, primeira parte (absolvição), e art.
415 (absolvição sumária) ambos do CPP-ou extintivo (causa de extinção
,

da punibilidade) - a decisão que declara a extinção da punibilidade (art .


107
do CP) constitui sentença terminativa de mérito porque aprecia o meritum ,

causae, proclamando a extinção do jus puniendi (direito material subjacente ao


processo), sem, contudo, condenar ou absolver o agente - dojus puniendi, sem,
contudo negar diretamente a imputação (existência do fato e sua autoria).
,

A defesa processual se dirige contra a relação jurídica processual (proces-


so) e pode ensejar a mera procrastinação do processo (dilatória -são defesas
processuais dilatórias as exceções de suspeição, incompetência de juízo e
ilegitimidade de parte) ou sua extinção sem julgamento de mérito (peremp-
tória) - são defesas processuais peremptórias as exceções de litispendência
e coisa julgada.
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 119

Defesa de mérito (substancial ou material) - impugna a relação jurídica-


base, de direito material (jus puniendi): a) direta, nega a existência do fato ou
-

sua autoria; b) indireta, não nega o fato imputado, mas a ele contrapõe um
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do jus puniendi (direito material).
Defesa processual - impugna a relação jurídica processual: a) dilatória,
apenas prorroga o trâmite do processo, sem provocar sua extinção; b) pe-
remptória, acarreta a extinção do processo sem julgamento de mérito.
As exceções disciplinadas pelo Código de Processo Penal (arts. 95 a 112)
se inserem no contexto das defesas processuais, podendo ser apresentadas
incidentalmente no curso da ação penal.

622 . .
Conceito

Exceção, em sentido amplo, significa "defesa". O Código de Processo


Penal, no entanto, emprega a palavra exceção em sua acepção estrita, designan-
do o procedimento incidental por meio do qual a parte apresenta uma defesa
processual, buscando com isso a extinção do processo sem o conhecimento
do mérito (exceção peremptória) ou a mera dilação da relação processual no
tempo, retardando o pronunciamento acerca da solução da causa (exceção
dilatória).
Exceção peremptória - defesa processual cujo reconhecimento enseja a
extinção do processo sem julgamento de mérito (exceções de litispendência e
coisa j ulgada) pois evidenciam a presença de pressuposto processual negativo
(que não pode estar presente).
Trata-se de casos em que o processo deve ser estancado, sem julgamento
de mérito, para evitar uma segunda persecução penal sobre um fato pendente
de julgamento em outra ação (litispendência) ou anteriormente apreciado
por decisão transitada em julgado (coisa julgada).
As exceções de litispendência e coisa julgada, se acolhidas, impõem a
extinção do processo sem julgamento de mérito, pois evidenciam a presença
de pressuposto processual negativo (que não pode estar presente).
Compreende-se a extinção do processo sem julgamento de mérito em
virtude de as exceções consubstanciarem defesas processuais, nas quais não
se vislumbra apreciação do meritum causae.
Deveras, as exceções têm por objeto a relação jurídica processual e não
incidem sobre a relação jurídica-base, donde se infere não advir qualquer
juízo acerca do direito material subjacente ao processo (jus puniendi), não
120 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

se cogitando consequentemente, de eventual extinção do processo "com"


,

julgamento de mérito.
Exceção dilatória: defesa processual cujo reconhecimento dilata o de-
senvolvimento da relação processual sem, contudo, ensejar sua extinção ,

(exceções de suspeição, incompetência de juízo e ilegitimidade de parte).


As exceções dilatórias se acolhidas, implicam apenas o afastamento da
,

pessoa do juiz (suspeição), o deslocamento da causa de juízo (incompetên-


cia) ou a adequação da pertinência subjetiva da ação (ilegitimidade de parte) ,

postergando assim a prolação da decisão final.


Como se percebe as exceções dilatórias não impedem a cognição do
,

meritum causae mas apenas interpõem um obstáculo de ordem processual


,

que retarda a sua apreciação.


O Código de Processo Penal permite a oposição das exceções de suspei-
ção, incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa
julgada (art. 95,1 a V).
62
. .
3 As "exceções" (objeções) processuais
A exceção no rigor da técnica processual, demanda a necessidade de
,

alegação pela parte não podendo ser conhecida e apreciada pelo juiz senão
,

quando e se invocada.
Se puder a "exceção" ser reconhecida ex officio pelo juiz independente- ,

mente de provocação das partes a doutrina a denomina objeção. ,

" "
Por isso como as
, do Código de Processo Penal podem ser
exceções
reconhecidas ex officio a par de poderem ser alegadas pelas partes, tratam-se
,

elas, tecnicamente de objeções processuais. ,

Com efeitoo art. 97 do CPP permite ao próprio juiz, espontaneamen-


,

te (ex officio) afirmar a sua suspeição; o art. 109 do mesmo diploma legal
,

possibilita ao juiz reconhecer a incompetência (ainda que relativa), haja ou


não alegação da parte e, por força do art. 110 do estatuto processual penal,
,

poderão igualmente a litispendência, a ilegitimidade de parte e a coisa julgada


ser proclamadas ex officio.
62
. .
4 As exceções do Código de Processo Penal (art 95,1 a V) .

6 2 4
. . .
/ Suspeição (art. 95,1, do CPP)
Os casos de suspeição insculpidos no art. 254 do CPP, comprometem a
,

imparcialidade do juiz e permitem que qualquer das partes pretendam o seu


Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 121

afastamento da direção do processo, recusando-o por meio da oposição da


exceção de suspeição (art. 254, caput, do CPP).
Como a imparcialidade constitui pressuposto processual de validade,
sua ausência enseja a nulidade do atos praticados pelo juiz suspeito (art.
564,1, segunda figura, do CPP), dada a necessidade de isenção por parte do
exercente da função jurisdicional.
Trata-se de exceção dilatória, por meio da qual as partes pretendem o
afastamento do juiz suspeito da condução do processo, mas não a sua extinção
sem julgamento de mérito.
O art. 254 do CPP enuncia como casos de suspeição do juiz: a) ser amigo
íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes (inc. I); b) estar o juiz, seu
cônjuge, ascendente ou descendente, respondendo a processo por fato aná-
logo sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia (inc. II); c) estar o juiz,
,

seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, inclusive,


sustentando demanda ou respondendo a processo que tenha de ser julgado
por qualquer das partes (inc. III); d) ter aconselhado qualquer das partes
(inc. IV); e) ser credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes
(inc. V); 0 ser sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no
processo (inc. VI).
Procedimento da Suspeição (arts. 96 a f07 do CPP):

a) Reconhecimento exofficio pelo juiz (abstenção)


Constatando a presença de causa legal de suspeição (art. 254 do CPP),
pode o juiz reconhecê-la ex oficio, espontaneamente (arts. 97 e 254, caput,
primeira parte, ambos do CPP), abstendo-se de praticar qualquer ato pro-
"

cessual (Fernando da Costa Tourinho Filho denomina abstenção


"
o reco-

nhecimento ex oficio da suspeição (Processo Penal, p. 558) antes mesmo de


eventual alegação das partes.
Deve então o juiz, por escrito e de maneira fundamentada, declarar o
motivo legal de suspeição (art. 254 do CPP), para que se não vislumbre burla
°
ao princípio do juiz natural (art. 5. LIII, da CF), remetendo, em seguida, os
,

autos do processo ao seu substituto legal (art. 97 do CPP).

b) Oposição da exceção de suspeição


Se o juiz não procederão reconhecimento da suspeição exofficio, podem
as partes pretender a sua recusa, opondo, para tanto, exceção de suspeição
(arts. 98 e 254, caput, segunda parte, ambos do CPP).
122 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

A exceção deve ser oposta por meio de petição assinada pela parte que
,

alega a suspeição (excipiente) ou por procurador com poderes especiais ,

acompanhada de prova documental e do rol de testemunhas se houver ne- ,

cessidade (art. 98 do CPP).


Apresentada a petição ao juiz do processo, este (excepto) se reconhecer ,

a procedência da exceção, declarando-se suspeito, sustará o trâmite do pro-


cesso principal e determinará ajuntada aos autos da petição do excipiente,
acompanhada dos documentos que a instruam, ordenando em seguida, a ,

remessa dos autos ao seu substituto legal (art. 99 do CPP).


Se o juiz do processo não aceitar a suspeição suscitada, determinará a
autuação da exceção em apartado e apresentará resposta escrita no prazo de
3 dias, instruindo-a com documentos e indicando testemunhas, se houver
necessidade, remetendo, em 24 horas, os autos da exceção ao Tribunal de
Justiça (art. 100, caput, do CPP).
No Estado de São Paulo, a competência para a apreciação e o julgamento
da exceção de suspeição encontra-se afeta ao Tribunal de Justiça, por sua Câ-
mara Especial, órgão composto pelos quatro Vice-Presidentes e pelo Decano.
Os autos da exceção serão distribuídos a um dos integrantes da Câmara
Especial do Tribunal dejustiça, o qual atuará como Relator, podendo rejeitar
liminarmente a exceção, se reputar manifestamente improcedente sua opo-
sição (art. 100, § 2. do CPP), ou, se reconhecer a relevância da alegação de
°
,

suspeição, determinar a citação das partes do processo principal, designando


audiência para oitiva das testemunhas arroladas, seguindo-se o julgamento
(art. 100, § l.°,do CPP).
Por derradeiro, dispõe o art. 96 do CPP que a exceção de suspeição deve
preceder as demais, salvo quando fundada em motivo superveniente, pois a
suspeição compromete a imparcialidade e a apreciação das demais exceções
pressupõe um juiz isento.

c) Efeitos da oposição e do reconhecimento da suspeição


A oposição de exceções, em regra, não suspende a tramitação do pro-
cesso principal (art. 111, segunda parte, do CPP); entretanto quando a parte ,

contrária reconhecer a procedência da arguição, poderá ser sustado, a seu


requerimento, o processo principal, até que se julgue o incidente da suspeição
(art. 102 do CPP).
Para o reconhecimento da procedência da suspeição impõe-se que a ,

parte contrária tome conhecimento da oposição da exceção, razão pela qual


afigura-se conveniente que o juiz do processo (excepto) dê ciência de sua
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 123

existência à parte que não a alegou, embora o Código de Processo Penal nada
disponha a respeito. A providência ora propugnada constitui conditiosine qua
non a que a parte contrária possa, nos termos do art. 102 do CPP, aderir ao
" "

excipiente e reconhecer a procedência da arguição requerendo a suspen-


,

são do processo principal, sob pena de se inviabilizar a aplicação do aludido


dispositivo legal, tornando-se ele inócuo sob o ponto de vista prático.
Neste caso, faculta-se ao Tribunal a cautela de sobrestar o curso do
processo principal, eis que ambas as partes acabaram, por fas ou por nefas,
invocando a suspeição do juiz, sendo grande a probabilidade de a exceção ser
julgada procedente e, consequentemente, anulados os atos realizados (art.
101, primeira parte, do CPP).
Com efeito, entendida procedente a exceção de suspeição, serão declara-
dos nulos (art. 564,1, segunda figura, do CPP) os atos praticados no processo
principal (art. 101, primeira parte, do CPP), os quais deverão ser renovados
perante o substituto legal do juiz considerado suspeito.

d) Os Exceptos
Poderão as partes arguir a suspeição de qualquer juiz (cumpre ressalvar
que a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte
injuriar o juiz ou, de propósito, der motivo para criá-la - art. 256 do CPP), do
primeiro grau de jurisdição aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (art.
103, caput, do CPP), bem como do órgão do Ministério Público (arts. 104,
258 e 470 do CPP) e de outros auxiliares dajustiça, tais quais os peritos (art.
280 do CPP), intérpretes (art. 281 do CPP),serventuários, funcionários da
Justiça (arts. 105,274 e 470 do CPP) e jurados (arts. 106 e 448, § 2.° do CPP).
Descabe , contudo, a oposição de exceção de suspeição das autoridades po-
liciais em relação aos atos do inquérito policial (art. 107 do CPP), incumbindo-
-

lhes a declaração espontânea de eventual suspeição, ressalvada a possibilidade


de recurso administrativo ao superior hierárquico do Delegado de Polícia.

e) Recursos das Decisões de Procedência ou Improcedência da Suspeição


O reconhecimento espontâneo (ex officio) da suspeição (art. 97 do CPP)
não comporta recurso. Se o juiz não se considera isento (imparcial) para a
apreciação de dado processo, não se concebe que o provimento de eventual
recurso tivesse o condão de obrigá-lo a proferir tal julgamento.
Outrossim, não cabe recurso da decisão de primeiro grau que reconhece
a procedência da exceção de suspeição oposta (art. 99 do CPP), pelas mesmas
124 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

razões consignadas para a declaração espontânea de suspeição donde se en- ,

tende o art. 581, III, do CPP, prever o cabimento de recurso em sentido estrito
" "

para a decisão que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição .

De outra parte, se o juiz do processo não acolher a exceção de suspeição


oposta (art. 100 do CPP), não se cogita de qualquer recurso, por despiciendo
que seria, uma vez que a recusa da suspeição implica naturalmente a remessa
dos autos da exceção ao Tribunal competente para julgamento.
Em suma, prevalece que as decisões que julgam a exceção de suspeição ,

qualquer que seja a solução (procedência ou improcedência), não ensejam


a interposição de recurso.

624
. .
2 Incompetência de juízo (art. 95, II, do CPP)
.

A incompetência, qualquer que seja sua natureza (incompetência de


Justiça, de foro, de juízo etc.), pode ser oposta por meio da exceção de in-
competência ou declincitoria fori (no sistema processual penal brasileiro ,

a exceção de incompetência deve ser oposta perante o órgão jurisdicional


incompetente para que este, diretamente, decline de sua competência: daí
,

o nome declinatoriafori).
Procedimento da Exceção de Incompetência (arts. 108 e 109 do CPP):

a) Reconhecimento ex officio da Incompetência


Em qualquer fase do processo se o juiz reconhecer a incompetência,
,

deve declará-la ex officio, independentemente de alegação da parte (art. 109


do CPP), cabendo desta decisão recurso em sentido estrito, nos termos do
art. 581, II, do CPP.

Saliente-se que no processo penal, diversamente do que ocorre no pro-


cesso civil, qualquer incompetência pode (deve) ser reconhecida ex officio,
ainda que se trate de incompetência relativa, como a competência de foro
ou territorial.

A doutrina costuma distinguir a competência em absoluta e relativa ,

consoante o interesse envolvido no estabelecimento dos critérios de fixação


da competência (ratione materiae ratione personae, ratione loci).
,

Se o interesse público nortear a determinação da competência (compe-


tência ratione materiae, como competência das Justiças Especial ou Comum,
ratione personae como a competência por prerrogativa de função), diz-se
,

absoluta a competência.
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 125

Em face do interesse público envolvido, a competência absoluta não ad-


mite modificação pela vontade das partes (improrrogável ou inderrogável) e
não se sujeita aos efeitos da preclusão, podendo ser alegada a qualquer tempo
e grau de jurisdição, ou ainda ser conhecida exofficio pelo juiz, independen-
temente de alegação das partes, em qualquer fase do processo.
A competência de foro (territorial ou ratione loci), no processo civil,
por ser pautada pelo interesse (privado) de uma das partes (v.g., o foro geral
do domicílio do réu, posto para promover a facilitação de sua defesa: art.
94 do CPC), costuma ser considerada relativa e, enquanto tal, não pode ser
conhecida ex officio pelo juiz, dependendo seu reconhecimento de oportuna
alegação da parte interessada, sob pena de preclusão e a consequente pror-
rogação da competência, entendida a prorrogação como a modificação das
regras ordinárias de competência, da qual decorre a assunção de competência
plena por parte do juízo originariamente incompetente.
O Código de Processo Penal, todavia, em nome do princípio da busca
da verdade real, estabelece como foro competente o juízo do local da consu-
mação da infração penal (art. 70, caput, do CPP), considerando, para tanto,
o interesse público na coleta de provas, dada a maior probabilidade de os
vestígios materiais e morais da infração penal serem encontrados no local da
consumação (teoria do resultado).
Por este motivo , o art. 109 do CPP confere ao juiz a possibilidade de,
em qualquer fase do processo e independentemente de alegação das partes
(ex officio), reconhecer sua incompetência, ainda que relativa, tal como a de
foro ou territorial, o que evidencia uma mitigação, na seara processual penal,
da distinção tradicionalmente delineada entre as competências absoluta e
relativa.

b) Oposição de exceção de incompetência


Se o juiz não reconhecer ex officio a sua incompetência, poderão o réu,
o querelado ou o Ministério Público (quando atuando na condição de custos
legis) opor exceção de incompetência.
Versando sobre incompetência relativa (de foro ou territorial), deve a
°
exceção ser apresentada no prazo da defesa prévia (art. 396 e 396-A, § 1
do CPP), nos termos do disposto no art. 108, caput, infine, do Código de
Processo Penal.
126 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Cuidando-se de incompetência absoluta (ratione materiae e rationeperso-


nae), não se vislumbra a sobredita limitação temporal, cabendo sua alegação
a qualquer tempo ou grau de jurisdição.
A exceção de incompetência pode ser oposta oralmente ou por escrito ,

ao juiz do processo, ordenando este sua autuação em autos apartados (art.


Ilido CPP).
O Ministério Público, desde que não figure como excipiente, deve ser
ouvido a respeito da exceção de incompetência (art. 108 § 1.°, do CPP), ,

decidindo em seguida o juiz sobre o incidente.


Se julgada procedente a exceção, o juiz do processo declinará de sua
competência remetendo os autos do processo ao juízo competente (art. 108,
,

§ 1°, do CPP).
Se julgada improcedente o juiz recusa a incompetência e prossegue no
,

processo (art. 108, § 2. do CPP).


°
,

c) Efeitos do Reconhecimento da Incompetência


Consoante o art. 567 do CPP reconhecida a incompetência, são conside-
,

rados nulos (art. 564 1, primeira figura do CPP) os atos decisórios somente
, ,

podendo os demais atos ser ratificados pelo juízo competente (art. 108, § 1.°,
do CPP) que receber os autos do processo.
Nada obstante entende a doutrina que o art. 567 do CPP apenas teria
,

aplicação aos casos de incompetência relativa infraconstitucional (de foro ou


,

territorial); tratando-se de incompetência absoluta ditada pela Constituição


,

Federal , não se poderia admitir o aproveitamento dos atos não decisórios


(v.g., atos instrutórios), sob pena de se incorrer em violação ao princípio do
juiz natural, insculpido no art. 5.°, LII1, da CF, segundo o qual "ninguémserá
"

processado nem sentenciado senão pela autoridade competente .

d) Recursos das Decisões Proferidas na Exceção de Incompetência


A decisão que reconhece a incompetência exojficio enseja a interposição
de recurso em sentido estrito, lastreado no art. 581, II, do CPP.
A decisão do juiz do processo (excepto) que julga procedente a exceção
de incompetência comporta recurso em sentido estrito, com supedâneo no
art. 581, III, do CPP.
A decisão do juiz do processo (excepto) que recusa a arguição de incom-
petência, julgando improcedente a exceção, não admite recurso específico,
podendo ser impugnada por ação de habeas corpus (art. 648,111, do CPP) ou
suscitada em preliminar de ulterior e eventual recurso de apelação.
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 127

624
. .
3 Litispendência e coisa julgada (art. 95, III eV,do CPP)
.

A litispendência decorre da existência paralela de duas ações penais


(processos) versando sobre o mesmo fato (ocorrência da realidade, pouco
importando a tipificação dada ao fato pela acusação).
A coisa julgada, outrossim, impede uma segunda persecução penal sobre
o fato anteriormente decidido por sentença transitada em julgado.
Tais exceções visam obstar a dupla persecução penal pelo mesmo fato,
em atenção ao princípio do non bis in idem, promovendo a extinção, sem jul-
gamento de mérito, do segundo processo indevidamente instaurado contra
o acusado (exceções peremptórias).
Ambas assumem, por força do art. 110, caput, do CPP, o mesmo pro-
cedimento da exceção de incompetência, a cujo exame reportamos o leitor.

624
. . .
4 Ilegitimidade de parte (art. 95, IV, do CPP)
Entende-se que a exceção de ilegitimidade de parte abrange tanto a ile-
gitimidade adprocessum (capacidade processual), pressuposto processual,
como a ilegitimidade ad causam (titularidade da ação penal), condição da
ação penal.
Assim, caberia a oposição da exceção de ilegitimidade de parte nos
dois casos: ausência de capacidade processual (v.g., queixa ajuizada pelo
sucessor do ofendido, nos casos de ação penal privada personalíssima ou
acusado menor de 18 anos de idade), caso de ilegitimidade ad processum,
ou inadequação da titularidade para a propositura da ação penal (v.g., ação
penal pública iniciada por queixa do ofendido ou ação penal privada inicia-
da por denúncia do Ministério Público), caso de ilegitimidade ad causam, e,
a
portanto, de carência de ação (art. 395, II, 2. parte, do CPP).
Por força do art. 110, caput, do CPP, a exceção de ilegitimidade de parte
assume o mesmo procedimento da exceção de incompetência, a cujo exame
reportamos o leitor.

a) Efeitos do reconhecimento da ilegitimidade de parte


O reconhecimento da ilegitimidade de parte enseja a decretação da nu-
lidade do processo, nos moldes do art. 564, II, do CPP.
128 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

6 .
3 DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

63 . .
1 Do sequestro
É verdade que o processo penal tem como finalidades principais permitir
a correta aplicação da norma material penal e evitar abusos por parte do Estado
na persecução. No entanto outros objetivos são lembrados, como permitir à
,

vítima ao prejudicado pelo crime, condições de reparação do dano.


,

Com o objetivo de outorgar instrumentos que facilitem a reparação do


dano vêm as medidas assecuratórias.

A má técnica utilizada na redação dos artigos causa alguma confusão ,

mas a partir das finalidades é possível compreender o sistema .

Caberá sequestro dos bens imóveis adquiridos com os proventos da infra-


ção. A norma do art. 125 permite, assim, sejam sequestrados os bens imóveis
que foram adquiridos com o produto do crime. Aqui, é necessário que sejam
produzidos indícios suficientes para a convicção de que o imóvel foi adquirido
com produto do crime, como a coincidência de valores e datas documentos ,

e depósitos relacionados com o crime etc (art. 126 do CPP).


O pedido de sequestro pode ser feito pelo ofendido. Também pode ser
feito pelo Ministério Público que tem interesse na garantia para ser possível
,

custear as custas do processo e eventuais penas aplicadas. Da mesma forma ,

o requerimento pode ser feito pela autoridade policial podendo, enfim, o ,

juiz decretar o sequestro de ofício, em qualquer fase do processo ou mesmo


durante a fase de investigação (art. 127 do CPP).
Realizado o sequestro, será inscrito no Cartório de Registro de Imóveis
(art. 128 do CPP). É possível ao terceiro prejudicado apresentar embargos
de terceiro (arts. 129 e 130 , II, do CPP), bem como ao acusado embargar
o sequestro, alegando que o bem não é produto de crime (art. 130 ,
1 ,
do
CPP). A medida assecuratória de sequestro será autuada em apartado ,

para que não seja prejudicado o bom andamento da ação principal (art.
129 do CPP).

O sequestro será levantado se a ação penal não for proposta no prazo de


60 dias a partir da data em que se aperfeiçoar o sequestro (art 131,1, do CPP), .

bem como se terceiro a quem tiver sido transferido o bem venha a prestar
caução idónea (art. 131, II, do CPP). Obviamente perde efeito o sequestro se
na ação principal vem a ser reconhecida a extinção da punibilidade ou se é
absolvido o agente (art. 131, III, do CPP).
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 129

O sequestro pode recair ainda sobre bens móveis desde que haja indícios ,

suficientes à conclusão de que foram adquiridos com o produto do crime


(art. 132 do CPP).

Cumpre distinguir os bens de origem criminosa (adquiridos com os


proventos da infração penal), que são objeto de sequestro, dos bens que
constituem o próprio objeto material do crime (coisa sobre a qual recai a
conduta do agente) que são objeto de busca e apreensão, por serem prova da
,

existência da infração penal.


Por exemplo se o agente adquire um automóvel com o dinheiro rou-
,

bado de um banco a origem criminosa desse bem permite o seu sequestro.


,

De outra parte, se o agente rouba o próprio automóvel esse bem constitui ,

objeto material do crime e prova da sua existência cabendo agora sua busca,

e apreensão (CPP art. 240).


,

Com a sentença condenatória transitada em julgado será determinado


o leilão dos bens (art. 133 caput, do CPP), e o que não couber ao lesado e
,

ao terceiro de boa-fé será recolhido ao tesouro nacional (art. 133 parágrafo ,

único, do CPP).

63
. .
2 Hipoteca legal e arresto
Para que seja pedida a hipoteca legal dos imóveis do indiciado basta que ,

haja certeza da infração e indícios suficientes de autoria (art 134 do CPP). .

Aqui não são necessários indícios de que o bem tenha sido adquirido desta
ou daquela forma. Basta a certeza do crime e indícios de que o requerido seja
o autor.

Feita a devida avaliação que permite a participação do requerido, o juiz


,

determinará a inscrição da hipoteca nos limites do necessário para garantir


o ressarcimento (art. 135 do CPP).
Embora o art. 134 do CPP diga apenas do ofendido prevalece ser tam- ,

bém possível o pedido pelos seus representantes ou herdeiros sendo que o ,

art. 142 do mesmo diploma legal legitima o Ministério Público desde que ,

haja interesse da Fazenda Pública ou se o ofendido pobre o requerer Se o .

requerido oferecer caução suficiente o juiz pode deixar de determinar a


,

hipoteca legal.
Se não houver imóveis de valor suficiente
poderá ser requerido o arresto
,

de bens móveis suscetíveis de penhora nos mesmos termos em que é feito o


,

pedido de hipoteca (art. 137, caput, do CPP).


130 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

63 .
3 Arresto prévio
.

Uma vez que o procedimento de hipoteca legal, por permitir a partici-


pação do requerido, pode tardar e perder eficácia, o art. 136 do CPP permite
o arresto prévio dos bens imóveis, que será revogado se em 15 dias não for
promovido o pedido de hipoteca legal.

63 . . 4 Observações
Em suma, quando os bens (imóveis ou móveis) são produto de infração,
cabe sequestro (arts. 125 e 132 do CPP). Se não há evidência de que os bens
são produto de infração, cabe hipoteca legal quanto aos imóveis (art. 134 do
CPP) e, se insuficientes, arresto quanto aos móveis (art. 137 do CPP). Por
im, para evitar a demora da hipoteca legal dos imóveis, é possível pedir a
f

antecipação da restrição, sendo que o meio para tanto igualmente se chama


arresto (art. 136 do CPP).
A reparação do ofendido tem preferência em saber as despesas processuais
e as penas pecuniárias (art. 140 do CPP).
É óbvio que as mesmas medidas podem ser pedidas na seara cível.
Prevalece que a decisão que defere ou nega o sequestro e a especialização
de hipoteca legal desafia recurso de apelação (art. 593, II, do CPP).

6 4 DA INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO


.

Para que seja possível a aplicação de pena, é necessário que haja certeza
de um injusto penal (fato típico e antijurídico) culpável. A imputabilidade é
uma das bases da culpabilidade, tratando-se para muitos de um juízo sobre a
capacidade de ser culpável, ou seja, apenas o sujeito imputável teria capacidade
para ser submetido ao juízo de reprovação da culpabilidade. A ausência de
plena imputabilidade também tem repercussão na sanção, podendo resultar
na substituição da pena por medida de segurança ou na redução da pena.
Não é possível condenação sem a certeza da prática de injusto penal.
Também não é possível condenação se duvidosa a culpabilidade pela possível
ausência de imputabilidade (o mesmo raciocínio no caso de dúvida sobre a
potencial consciência da ilicitude ou exigibilidade de conduta diversa).
Para que o sujeito seja considerado inimputável, é necessário que, em
razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
seja ao tempo da ação ou omissão completamente incapaz de compreender o
caráter ilícito de sua conduta (art. 26, caput, do CP). Os menores de 18 anos
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 131

são presumidamente inimputáveis, pelo também presumido desenvolvimento


mental incompleto, conforme a expressa letra da lei (art. 228 da CF e art. 27
do CP). Nos demais casos, no entanto, é possível perceber a complexidade da
verificação, pois o conceito lança mão de conceitos médicos, cujos significados
e competência para verificação extrapolam a técnica jurídica. Daí a necessidade
de perícia para verificação da imputabilidade sempre que colocada em dúvida.
É necessário que se comprove a inimputabilidade para que seja deferida
a perícia? É claro que não, uma vez que é esse o objeto do exame. Sempre
que requerida, o julgador deve deferir a perícia? Em princípio, sim, em razão
da ampla defesa. No entanto como o exame passou a ser utilizado de forma
,

ardilosa, como meio para procrastinar o processo, a jurisprudência passou a


exigir indícios de insanidade para que seja considerada duvidosa a imputabili-
dade, e apenas com a dúvida seria possível a perícia (art. 149 caput, do CPP). ,

na verdade, de mais uma face do controle que o magistrado tem


Trata-se,

sobre a instrução, devendo sempre indeferir a produção de provas manifes-


tamente impertinentes. Se não há qualquer indício ou informação acerca da
inimputabilidade não há razão para que seja feito o exame. Do contrário, a
,

perícia deverá ser realizada.


O exame poderá ser feito em qualquer fase da persecução ou seja, tanto ,

na fase inquisitiva, como durante o processo (art. 149 § 1.°, do CPP). Pode
,

ser determinada de ofício, por representação da autoridade policial (quando


na fase inquisitiva), a requerimento do Ministério Público da defesa, do ,

curador, do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do acusado (art.


149 caput, do CPP).
,

Se o exame for determinado durante o processo deverá ser suspenso o


,

feitosalvo para diligências urgentes, sendo nomeado, desde logo, curador ao


,

acusado (art. 149, § 2 do CPP). Na ausência de peritos oficiais, serão nomea-


0
,

dos dois peritos de confiança do juízo. Será aberta vista então, à acusação e
,

à defesa para que possam se manifestar e elaborar quesitos. O magistrado


,

também pode formular quesitos de ofício.


O incidente é processado em auto apartado que apenas após a apresen-
,

tação do laudo será apenso ao processo principal conforme o art. 153 do CPP.
,

Se o acusado estiver preso será determinada de imediato sua internação


,

em hospital de custódia e tratamento pois há grande perigo para si e para


,

terceiros em sua manutenção em cadeia pública. Se solto poderá ser deter- ,

minada sua internação em local apropriado ao exame se a providência for


requerida pelos peritos (art. 150 caput, do CPP).
,
132 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Embora a lei traga prazo de 45 dias para a realização do exame (art. 150,
§ 1.°, do CPP), muitas vezes o lapso não é respeitado, pela falta de estrutura
suficiente para a perícia. Há vários julgados no sentido de que, extrapolando
o prazo, há constrangimento ilegal, tendo direito o acusado a aguardar o
exame em liberdade.

Se o resultado for pela inimputabilidade (prevalece a mesma solução


para o semi-imputável) do acusado, o processo prosseguirá na presença do
curador (art. 151 do CPP). Se a conclusão for pela imputabilidade, o curador
será dispensado.
O juiz não fica vinculado ao resultado do exame (art. 182 do CPP), ou
seja, pode ter conclusão diversa daquela exarada no laudo. No entanto, é difícil
tal proceder, pois o magistrado não tem domínio sobre o campo da medicina,
no qual os conceitos sobre inimputabilidade se encontram.
Não cabe recurso da decisão que determina ou deixa de determinar a
realização do exame, sendo possível, no entanto, defender o cabimento de
correição parcial. Prevalece que cabe habeas corpus no caso de flagrante ile-
galidade e afronta à ampla defesa na negativa do exame.
Se for constatado que a doença mental sobreveio ao cometimento da
infração penal, o processo continuará suspenso até que o acusado se restabe-
leça, conforme o art. 152, caput, do CPP, podendo o magistrado, se necessário,
determinar a fundamentada internação, desde que presentes os requisitos da
prisão preventiva, bem como providenciar a produção de provas urgentes.
A medida busca resguardar a ampla defesa, pois é inviável ao doente mental
elaborar de forma coerente sua autodefesa. Trata-se de mais uma hipótese
de crise de instância (suspensão temporária do procedimento sem que cesse
a instância).
Se a doença mental sobrevem à execução penal, conforme art. 183 da
LEP, deve ser substituída a pena por medida de segurança. Neste caso, pre-
valece que a medida de segurança deixa de ter prazo indeterminado, sendo
seu prazo máximo o da pena substituída.

6 5 INCIDENTE DE FALSIDADE
.

O incidente de falsidade encontra-se disciplinado nos arts. 145 e ss. do


Código de Processo Penal e será instaurado sempre que qualquer das partes
arguir, por escrito, a falsidade de documento constante dos autos.
O juiz, mandará autuar em apartado a impugnação,e ouvirá a parte
contrária em 48 horas.
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 133

Após a oitiva cia parte contrária, o juiz concederá o prazo de três dias,
sucessivamente, para as partes provarem as suas alegações.
Finda a "instrução", ordenará o magistrado as diligências que julgar
necessárias e, por fim, decidirá pela procedência ou não do pedido.
Julgado procedente ou improcedente o pedido, caberá recurso em sen-
tido estrito.

Caso seja reconhecida a falsidade, após transitada em julgado a decisão


será o documento desentranhado dos autos e remetido, com o processo in-
cidente, ao Ministério Público.
Observe-se que da decisão final nos demais processos incidentes (por
exemplo, o pedido de restituição de coisas apreendidas, pedido de sequestro
ou especialização de hipoteca legal) não cabe recurso em sentido estrito, por
falta de expressa previsão legal.
6 6 SUJEITOS DO PROCESSO
.

São chamados sujeitos do processo penal o Juiz, o Ministério Público, o


acusado, o defensor, os assistentes e os auxiliares dejustiça. Nas ações penais,
cada um toma o protagonismo com maior ou menor frequência, colaborando
para o desenvolvimento do processo. Daí a necessidade do estudo do papel
de cada um, suas peculiaridades e limitações, de acordo com a regulamen-
tação legal que em nossa codificação processual abrange desde o art. 251 até
o art.281 CPP.

Ensina Frederico Marques que na relação processual há sujeitos primá-


rios, secundários e terceiros. Primários são as partes e o juiz. Secundários são
aqueles que podem intervir no processo e deduzir pretensões, como o ofendido
que pode ingressar como assistente de acusação eo terceiro prejudicado, que
pode ingressar com pedido de restituição de coisa apreendida.
Terceiros são apenas pessoas que nele intervém e cooperam para o desen-
volvimento da relação jurídico-processual, sem se converterem em sujeitos
ou partes. Não podem estar interessados na relação de direito material e em
regra trazem aos autos elementos prorbatórios (Frederico Marques).
O primeiro sujeito comentado no Código de Processo Penal é o juiz.
6 6 . .
/ O juiz
Incumbe ao magistrado presidir o processo mantendo sua regularidade e
ordem. Ressalta o art. 251 CPP a possibilidade de requisição de força policial
para o cumprimento das funções.
134 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

No processo penal é peculiar a importância do impulso oficial Aponta .

Nucci que não se admite no processo penal, a extinção do feito, sem julgamen-
,

to do mérito, por inépcia das partes. Caberá ao juiz impor o regular andamento
do feito, e mesmo na ação penal privada na qual o juiz julga perempta a ação
,

penal no caso de desídia do querelante, a decisão não reconhece inépcia, mas


sim decide o mérito com a extinção da punibilidade.
,

Uma das características vitais da jurisdição é a imparcialidade .


Desde
Aristóteles (Ética a Nicômanos) é conhecida a lição que o julgador deve se
manter equidistante das partes para que possa observá-las com neutralidade
,

e proferir o julgamento justo.


A imparcialidade não tem apenas o elemento subjetivo ou seja, o ob- ,

jetivo de permitir ao juiz ter condições de elaborar um juízo de valor sem


influência de indevidas considerações emocionais como relações pessoais ou
de parentesco. Tem também a característica objetiva de transmitir à socieda-
de a impressão de imparcialidade pela inexistência das referidas relações de
afinidade, com o objetivo de incrementar a credibilidade das decisões e por ,

fim ter maior chance de pacificar os conflitos.


,

Pelas razões expostas traz a legislação penal hipóteses de impedimento


que não podem ser rechaçadas pelo magistrado ao argumento que, apesar de
existentes, ele é capaz de proferir um julgamento justo É que as justificativas
.

do impedimento não se esgotam na capacidade do juiz mas na comunicação ,

do ato judicial à sociedade que precisa de máxima credibilidade para atingir


,

seus objetivos pacificadores.


A violação das normas que regulam o impedimento é tão grave que gera
a inexistência, para o mundo jurídico dos atos praticados (Nucci).
,

As causas de impedimento estão previstas no art 252, com a seguinte .

redação:
"

Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:


I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim ,

em linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive, como defensor


,

ou advogado, órgão do Ministério Público autoridade policial, auxiliar


,

da justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou
servido como testemunha;

III - tiver funcionado como juiz de outra instância pronunciando-se, ,

de fato ou de direito, sobre a questão;


IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente consanguíneo ou afim em
,

linha reta ou colateral até o terceiro grau inclusive, for parte ou direta-
,

mente interessado no feito. "


Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 135

Além das causas arroladas, são impedidos de atuar no mesmo processo,


no caso de juízos coletivos (Tribunais e Colégios Recursais, por exemplo),
os juízes que forem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta
ou colateral até o terceiro grau, inclusive.
Ensina Pacceli que o impedimento está relacionado a fatos e circuns-
tâncias encontrados dentro do processo, no qual o juiz estará impedido de
exercer jurisdição. Para Nucci, no impedimento há relação indevida entre o
juiz e o objeto do litígio.
Além do impedimento, a lei traz ainda a suspeição,que também compro-
mete a imparcialidade do juiz. A suspeição se baseia em fatos e circunstâncias
encontrados fora do processo (Pacceli). Para Nucci, na suspeição há relação
indevida entre o juiz e a parte ou o juiz e a questão (matéria) discutida no feito.
As hipóteses de suspeição estão arroladas no art. 254 do Código de Pro-
cesso Penal, incisos I a VI:

"
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respon-
dendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja
controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o


terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que
tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada
"

no processo.

Nos termos do art. 255 CPP, se o impedimento ou suspeição decorre


de parentesco por afinidade, cessará pela dissolução do casamento, salvo
se sobrevindo descendentes. Aliás, mesmo se não houver descendentes, o
impedimento persistirá se for sogro, padrasto, cunhado, genro ou enteado
de parte no processo.
Como já dito, as regras de impedimento e suspeição servem ao próprio
magistrado, às partes e à sociedade. Assim, não pode a parte se valer das re-
gras legais para escolher o juiz que quer ver julgando sua causa, provocando
hipóteses de suspeição. Daí a previsão expressa que a suspeição não será
declarada nem reconhecida, se a parte injuriar o juiz ou de propósito der
motivo para criá-la.
136 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Além dos impedimentos e das causas de suspeição a doutrina trata tam- ,

bém de hipóteses de incompatibilidade, referidas nos art. 112 do Código de


Processo Penal. Não há um rol casuístico, devendo ser analisada a situação
concreta e sua compatibilidade com os anseios de imparcialidade do juiz e
sua capacidade para proferir uma boa decisão. O exemplo consagrado são as
razões de foro íntimo.

6 6 2
. .
Do Ministério Público

Prevalece que o papel do Ministério Público no processo penal é dúplice:


além de parte, pois é titular da ação penal pública, deverá fiscalizar a correta
aplicação da lei.
O art. 258 traz regra específica de impedimento aos membros do Mi-
nistério Público em relação ao juiz e às partes apontado como impeditiva
,

a condição de cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou ,

colateral até o terceiro grau, inclusive.


Aplicam-se aos membros do Ministério Público todas as prescrições de
impedimento e suspeição previstas aos juízes.

6 63
. .
Do acusado

Como comentado nos comentários aos requisitos da denúncia ou queixa,


é desnecessária, se inviável, a identificação do acusado com seu verdadeiro
nome ou outros identificativosdesde que certa a identidade física. Se ausentes
,

tais detalhes, a qualquer tempo, no curso do processo de conhecimento ou


mesmo durante a execução a completa qualificação, se descoberta, provocará
,

a retificação dos autos, sem prejuízo da validade dos atos praticados.


O art. 260 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de con-
dução coercitiva do réu à presença do juiz se ausente a ato no qual deva estar
presente, e que sem ele não poderá ser realizado. É claro que o comando legal
só pode ser interpretado à luz do princípio constitucional do nemotenetur se
detegere - ninguém é obrigado a produzir prova em seu desfavor.

6 64
. .
Do defensor

A ampla defesa é garantia constitucional irrenunciável ao menos enquan-


to potência: deve ser dada ciência e oportunidade de manifestação com todos
os meios e recursos a ela inerentes. Ensina Nucci que da indisponibilidade
do direito de defesa advém o dever do magistrado de zelar pela qualidade da
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 137

defesa técnica declarando, se o caso, indefeso o acusado e nomeando outro


,

advogado para desempenhar a função.


Consagrada a fórmula que constrói o conceito de ampla defesa sobre
dois alicerces: autodefesa e defesa técnica. A defesa técnica deve ser concre-
tizada por profissional habilitado, capaz de traduzir ao vernáculo jurídico
todo argumento defensivo do acusado e, ainda, exigir o cumprimento do
,

devido processo legal.


Dada a natureza de direito fundamental da ampla defesa regulamente ,

o art. 261 CPP que nenhum acusado ainda que ausente ou foragido, será
,

processado ou julgado sem defensor.


Se o acusado não indicar defensor, reza o art. 263 que outro será nomeado
pelo juiz. Não nos parece que a nomeação seja necessária nos locais em que
a Defensoria Pública está organizada, pois, em tais casos a atribuição para a
,

defesa dos hipossuficientes decorre diretamente da Constituição e da lei e a ,

distribuição do serviço será feita de forma autónoma pela própria Defensoria


Pública, não cabendo ao magistrado interferir na escolha do profissional ,

nomeando-o. Na prática, muitos juízes fazem a releitura do preceito nomean-


do não um defensor, mas sim a defensoria pública para a defesa do acusado.
É claro que, percebida a hipossuficiência a Defensoria Pública poderá
,

atuar independentemente da nomeação do juiz dada a legitimação consti-


,

tucional.

Receoso sobre a qualidade do serviço público de assistência jurídica , o


legislador faz exigência expressa de manifestação fundamentada se a defesa
técnica for realizada por Defensor Público ou dativo. O receio tem razão de
ser, dado o pouco investimento comumente feito pelo Estado nas Defensorias
Públicas que em algumas regiões sequer foram instituídas, e em outras não
,

tem infraestrutura para a prestação do serviço à toda população. Quando


instituídas e em pleno funcionamento parece-nos que as corregedorias e
,

demais instâncias formais de controle serão suficientes para garantir o bom


o serviço público.
O serviço público de assistência jurídica gratuita é destinado aos caren-
tes de recursos. Se usufruído por alguém com recursos financeiros dado o ,

imperativo de ampla defesa será obrigado a pagar os honorários arbitrados


,

pelo juiz.
Reza o art. 264 CPP que salvo motivo relevante, os advogados são
,

obrigados, sob pena de multa, a prestar seu patrocínio aos acusado quando ,
138 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

nomeados pelo juiz. Dada a absoluta desatualização do valor da multa (cem


a quinhentos réis), muitos entendem inaplicável o dispositivo.
A defesa criminal, além de prestação de serviço, é múnus público, com
evidente interesse social em seu regular exercício. Por tal razão, dispõe o
art. 265 CPP que o defensor não poderá abandonar o processo senão por
motivo imperioso, comunicado previamente ao juiz, sob pena de multa de
10 a 100 salários mínimos, além de outras sanções cíveis e administrativas
cabíveis.

A audiência poderá ser adiada se o defensor não puder comparecer por


motivo justificado, que deverá ser comprovado até sua abertura. Se não reali-
zada tal demonstração, o ato processual será realizado, com a nomeação de
defensor substituto, ainda que apenas para o exercício do ato (ad hoc).
A constituição de defensor pode ser feita diretamente na ata de audiência,
ou seja, apud acta. Tal procedimento, comum quando o interrogatório era o
primeiro ato da instrução, hoje está em desuso, pois a resposta à acusação,
oferecida por defensor técnico, é oferecida antes de qualquer audiência. Pros-
segue no entanto, possível a nomeação apud acta, se determinada pelo juiz
,

audiência para apresentação do preso mesmo antes da resposta à acusação,


ou se, no momento da audiência, quer o réu constituir novo defensor em
substituição àquele que ofereceu a resposta à acusação.
Também alcançam os defensores as regras de impedimento: diz o art. 267
CPP que não funcionarão como defensores os parentes do juiz, nos termos
do art. 252 CPP.

665
. .
Dos assistentes

É entendimento ora majoritário que a vítima tem interesse na condena-


ção não só em busca dos efeitos civis da condenação, mas também por um
eventual direito social a uma pena justa, ou, como explica Hassemer, para que
tenha certeza que seu sofrimento foi produto da ação criminosa de terceiro,
e não um fardo do destino, um mero acidente.
São esses os fundamentos que legitimam a atuação do ofendido mesmo
nas ações penais públicas, no papel de assistente, buscando a condenação do
acusado, e, também, para a posição ora majoritária, pleiteando uma pena justa.
O assistente poderá ser admitido desde o recebimento da denúncia até
o trânsito em julgado da sentença, mas receberá a causa do estado em que se
achar. Não cabe assistência durante o processo de execução.
Cap. 6 . Das Questões e Processos Incidentes 139

Para que não incidam interesses conflitantes entre acusação e defesa, o


art. 270 proíbe que o correu no mesmo processo possa intervir como assis-
tente do Ministério Público.

Dentre os poderes do assistente de acusação figura a possibilidade de


propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, participar do de-
bate oral recorrer e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público.
,

Se o assistente de acusação deixar de comparecer a qualquer dos atos da


instrução ou do julgamento sem motivo de força maior devidamente com-
,

provado, deixará de ser intimado para nos novos atos processuais.


O Ministério Público deverá ser ouvido antes da admissão do assistente ,

mas da decisão que admite ou não admite o assistente não caberá recurso,
nos termos do art. 273 do CPP.

É controversa a admissibilidade de órgãos do poder Público como assis-


tentes de acusação. Favoráveis Nucci e Greco Filho. Desfavoráveis Tourinho
e Mirabete.

66
. . 6 Dos funcionários da Justiça
O Poder Judiciário não se resume aos juízes. Há uma legião de funcioná-
rios que tem participação ativa no processo, justificando que as prescrições
sobre suspeição dos juízes se estendam também aos referidos funcionários ,

no que lhes for aplicável.

6 6
. .
7 Dos peritos e intérpretes
Dada a relevância de sua função o perito, ainda que não oficial, estará
,

sujeito à disciplina judiciária.


Pelo serviço prestado diretamente ao juiz e pela importância que as in-
formações prestadas podem impor à decisão judicial as partes não poderão
,

intervir na nomeação do perito que estarão sujeitos às mesmas causas de


,

suspeição dos juízes.


Art. 279. Não poderão ser peritos:
"

I - os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos


ns. I e IV do art. 69 do Código Penal Iredação anterior à Lei 7.209/1984];
II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado
anteriormente sobre o objeto da perícia;
III - os analfabetos e os menores de 21 anos."

Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos.


Das Provas

7 1
.
CONCEITO

A finalidade do Direito Processual é reconhecer e estabelecer uma verdade


jurídica. Tal fim se alcança por meio das provas.
Provas são todos os elementos produzidos, tanto pelas partes quanto
pelo próprio juiz, visando estabelecer, dentro do processo, a existência dos
fatos. Devem, pois, ser juridicamente admissíveis (não se admitem provas
obtidas por meios ilícitos: art. 5. LV1, da CF).
°
,

7 2 SISTEMA DE APRECIAÇÃO DA PROVA (ART. 155 DO CPP)


.

O art. 155, caput, adota, a respeito da apreciação da prova, o sistema da


livre convicção ou persuasão racional: o juiz possui liberdade para apreciar a
prova, mas deve fundamentar as suas decisões (art. 93, IX, da CF).
Aplica-se o sistema da íntima convicção em relação aos jurados, cujas
decisões são tomadas por simples afirmação ou negação (art. 486 do CPP),
independentemente de fundamentação.
O juiz deve ainda formar a sua convicção a partir da prova produzida
em contraditório judicial, não podendo fundamentar a sua decisão exclu-
sivamente nos elementos de informação colhidos na investigação criminal.
O art. 155, caput, em uma primeira leitura, parece permitir ao juiz a in-
vocação de quaisquer dados da investigação criminal, pois a restrição legal
consiste apenas em fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
"

informativos colhidos na investigação".


Entendemos, no entanto, que a filtragem constitucional da regra em
questão impede que o juiz considere, em sua fundamentação, os elementos
de informação colhidos na investigação criminal, sob pena de supressão da
°
garantia do contraditório (art. 5. LV, da CF).
,
142 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller
, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

Isso porque os atos do inquérito policial (principal instrumento de


investigação criminal) são produzidos unilateralmente em procedimento ,

inquisitivo, sem a possibilidade de participação do sujeito passivo da perse-


cução penal.
A parte final do caput do art. 155 ressalva os elementos da investigação
que, por suas peculiaridades, podem constituir fundamento da decisão ju-
dicial: as provas cautelares não repetíveis e antecipadas.
,

As provas cautelares (busca e apreensão interceptação telefónica) e as


,

não repetíveis (exames periciais) em face da impossibilidade física da sua


,

renovação , submetem-se a contraditório diferido ou postergado, que se imple-


menta durante a fase judicial (posteriormente ao momento da sua realização) .

As provas antecipadas (ou produção antecipada de provas) , como a


inquirição de testemunha nas condições do art. 225 do CPP submetem-se a ,

contraditório real (no momento da realização do ato) em incidente que as- ,

segura a participação da acusação e da defesa ainda que produzidas durante


,

a fase de investigação.
O parágrafo único estabelece que "somente quanto ao estado das pessoas
serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil
"

7 3 FONTE DE PROVA
.

Tudo aquilo que possa fornecer indicações úteis das quais sejam neces-
sárias comprovações.

7 4 MEIO DE PROVA
.

Tudo aquilo que pode servir direta ou indiretamente, para a compro-


,

vação da verdade.

7 . 5 ÓNUS DA PROVA (ART. 156 DO CPP)


A prova da alegação incumbirá a quem a fizer (art. 156 caput, do CPP). ,

Princípio in dúbio pro reo: princípio que leva à absolvição do réu em caso
de dúvida quanto à procedência da imputação pois para a condenação se ,

exige juízo de certeza acerca da autoria e da materialidade da infração penal .

Trata-se de regra probatória decorrente do princípio da presunção de inocência


(art. 5.°,LVIl,da CF).

O caput e o inc. II reproduzem a regra contida na antiga redação do art.


156 , sem alteração substancial, conferindo ao juiz poderes instrutórios (ini-
Cap. 7 . Das Provas 143

ciativa da produção de prova) durante o processo, no curso da instrução ou


antes de proferir sentença.
A respeito do ónus da prova das causas excludentes de ilicitude ou de
culpabilidade, remetemos ao art. 386, VI, do CPP
A inovação da Lei 11.690/2008 se situa no inc. I, que permite ao juiz, ainda
na fase de investigação ( mesmo antes de iniciada a ação penal ), ordenar ex
" "

officio a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,


observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.
Critica-se a possibilidade de o juiz determinar, por sua iniciativa, a pro-
dução de provas durante a investigação, em função de tal postura contrariar
o sistema (ou modelo) acusatório de processo penal, que pressupõe uma
separação subjetiva de funções: o juiz assumiria a posição de um inquisidor,
que investiga para depois julgar, comprometendo inclusive a sua imparcia-
lidade (pressuposto processual de validade, cuja ausência pode ser alegada
por meio de exceção de suspeição).
Por isso, a filtragem constitucional do inc. I permitiria concluir que a
produção antecipada de provas somente poderia ser determinada em duas
situações: a) antes de iniciada a ação penal, apenas se houver requerimento
da acusação ou da defesa (o juiz pode fundamentar sua decisão em provas
antecipadas que hajam sido produzidas na fase de investigação: art. 155, caput,
do CPP); b) durante o processo, a requerimento de qualquer das partes ou ex
officio, como permite o inc. II (que reproduz a regra contida na antiga redação
do art. 156). Defendendo a iniciativa instrutória do juiz na fase processual:
Ada Pellegrini Grinover, A marcha do processo, p. 77-86. Contra: Aury Lopes
Jr., Bom para quê(m)?, Boletim do IBCCrim, n. 188, julho/2008.

7 6 MOMENTOS DA PROVA
.

As provas devem ser requeridas ou propostas: a) pela acusação, na


denúncia ou queixa (art. 41 do CPP); b) pela defesa, na resposta ou defesa
escrita (art. 396-A, caput, do CPP). Contudo, pelos princípios da busca da
verdade real e da ampla defesa, poderá ser determinada a produção de provas
por iniciativa do Juiz (ex officio), conforme analisado supra.

7 6
. .
/ Produção antecipada da prova
Se necessário a preservação da prova, pode ser requerida, por risco de
perecer (arts. 225 e 366, caput, do CPP).
144 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C .
C. Machado

7 7 PROVAS VEDADAS OU PROIBIDAS


.

As provas vedadas ou proibidas (género) eram doutrinariamente di-


vididas em provas ilícitas e provas ilegítimas: ilícitas seriam as obtidas com
violação de regras de direito material (constitucionais ou penais) , como a

interceptação telefónica sem ordem judicial (art 5.°, XII, da CF) enquanto .
,

que ilegítimas seriam as obtidas com violação de regras de direito processu-


al, como a leitura de documento ou a exibição de objeto que não haja sido
juntado aos autos com a antecedência mínima de três dias ao julgamento em
Plenário (art. 479 caput, do CPP).
,

A Constituição Federal proclama serem inadmissíveis , no processo, as


provas obtidas por meios ilícitos (art. 5. LVI). °
,

A distinção entre ilicitude e ilegitimidade segundo Luiz Flávio Gomes,


,

foi suprimida pela atual redação do art. 157 caput, do CPP, que considera
,

ilícitas as provas "obtidas em violação a normas constitucionais ou legais" ,

pouco importando a origem destas (material ou processual).


Por força da adoção da teoria dos frutos da árvore venenosa (fruits of
the poisonous tree) a inadmissibilidade alcança ainda as provas derivadas
,

das ilícitas (ilicitude por derivação), salvo quando não evidenciado o nexo
de causalidade ou quando puderem ser obtidas por uma fonte independente
(art. 157, § 1.°, do CPP).
O art. 157, § 2.°, do CPP, definç.fonte independente como "aquela que por
si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou
,

instrução criminal seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova


"

, .

Quando admitidas, as provas ilícitas devem ser desentranhadas dos autos


(art. 157, caput, do CPP). Preclusa a decisão de desentranhamento da prova
declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial facultado ,

às partes acompanhar o incidente (art. 157 § 3.°, do CPP). ,

O § 4.°, que foi vetado, dispunha que "o juiz que conhecer do conteúdo
da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão".

7 .
8 DAS PROVAS EM ESPÉCIE

7 8
. .
/ Dos exames periciais
A perícia é o exame procedido por pessoa técnica habilitada. Tais exames
são de natureza variada: exames laboratoriais, grafotécnicos de insanidade ,

mental (médicos), dos instrumentos do crime do local etc. ,


Cap. 7 . Das Provas 145

De acordo com sua finalidade, a perícia (género) pode ser considerada


um exame de corpo de delito ou uma perícia em geral (espécies).
O exame de corpo de delito se distingue de outras perícias por sua finali-
dade específica: provar a materialidade (existência) da infração penal (p. ex:
no crime de homicídio, o exame necroscópico constata a existência da morte
de alguém; nos crimes contra a fé pública, o exame documentoscópico atesta
a existência da falsificação do documento apreendido etc.).
O exame de corpo de delito e outras perícias devem ser realizados por
perito oficial (basta um), portador de diploma de curso superior (art. 159, ca-
put), ou, na sua falta, por dois peritos não oficiais ou louvados (art. 159, § 1. )
°
.

Os peritos não oficiais devem ser pessoas idóneas, portadoras de diploma


de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame (art. 159, § 1.°), e
prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo (art.
159 ,
§2°).

A Lei 11.690/2008 consagrou a possibilidade de o Ministério Público,


o assistente da acusação, o ofendido, o querelante e o acusado formularem
°
quesitos e indicarem assistente técnico (art. 159, § 3. do CPP), que atuará a
,

partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração
do laudo pelos peritos, sendo as partes intimadas desta decisão (art. 159, §
°
4.
,
do CPP).
Como se percebe, a atuação do assistente técnico no processo penal se
afigura bastante restrita, porquanto iniciada depois do encerramento dos
exames e da elaboração do laudo pelos peritos. Diversamente, no processo
civil, o assistente técnico pode acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos
do perito e, para tanto, o art. 431-A do CPC estabelece que "as partes terão
ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter
início a produção da prova".
A conjugação do § 4.° ("admissão pelo juiz") com o disposto no inciso II
do § 5.° ("durante o curso do processo judicial") parece limitar a possibilida-
de de indicação de assistente técnico à fase processual (o § 3.° ainda confere
essa faculdade ao acusado ), afastando-a, portanto, da fase preliminar de
" "

investigação.
As partes ainda podem requerer a oitiva dos peritos na audiência de
instrução e julgamento (arts. 400, caput, e 531 do CPP) para esclarecerem a,

prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação


146 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com


antecedência mínima de 10 dias podendo apresentar as respostas em laudo
,

complementar (art. 159 § 5.°, I). Os assistentes técnicos podem igualmente


,

ser inquiridos em audiência (art. 159, § 5.°, II).


Em caso de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhe-
,

cimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito


oficial e a parte indicar mais de um assistente técnico (§ 7.°).
,

78 1
. . .
1 Do exame de corpo de delito (art. 158 do CPP)
É a mais importante das perícias. Corpo de delito é o conjunto de vestí-
gios materiais deixados pela infração penal.
Quando a infração penal deixar vestígios materiais, a realização do exame
de corpo de delito é indispensável (CPP, art. 158), sob pena de nulidade do
processo (CPP, art. 564, III, b).
O exame de corpo de delito pode ser direto se os peritos analisam pes- ,

soalmente (contato direto) os vestígios materiais do crime, ou indireto, se os


peritos analisam os vestígios materiais do crime por meio da observação de
outros dados (sem contato pessoal), como fichas de atendimento médico-
-

hospitalar, atestados de outros médicos, fotografias, filmes etc.


Se o desaparecimento dos vestígios materiais impossibilitar a realização
do exame de corpo de delito (prova pericial), pode a prova testemunhal ser
admitida para a comprovação da existência da infração penal (CPP art. 167), ,

na qualidade de prova supletiva (supre a ausência da prova pericial).


De qualquer modo a confissão do acusado nunca pode ser admitida
,

como prova da existência da infração penal (CPP art. 158, infine). Somente ,

a prova testemunhal pode suprir a ausência do exame de corpo de delito ,

nunca a confissão do acusado.

O exame complementar é obrigatório no caso de lesão grave por inca-


0
pacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias (art. 168, § 2 do ,

CPP), hipótese em que o exame deve ser realizado logo que decorra esse prazo.
78 .
2 Do in ter roga tório
.

782 1
. . .
Conceito

É o ato processual em que se confere ao acusado a possibilidade de


exercer sua autodefesa sob o aspecto direito de audiência" influenciando
"

pessoalmente na formação da convicção do Juiz.


Cap. 7 . Das Provas 147

782
. . .
2 Natureza jurídica
O interrogalório apresenta natureza jurídica híbrida ou mista, porquanto
constituiu meio de defesa e meio de prova.
Ostenta a natureza precípua de meio de defesa, pois consubstancia o ato
processual, por excelência, de instrumentalização da autodefesa, permitindo
ao acusado influir direta e pessoalmente (e não por intermédio do defensor
técnico) no convencimento do juiz.
Trata-se do "direito de audiência" (espécie de autodefesa), consistente
na realização da oitiva do acusado acerca da imputação, facultando-se-lhe
expender sua versão a respeito do fato constitutivo da acusação, descrito na
peça inicial (denúncia ou queixa).
Como cediço, o direito de defesa se manifesta sob duas vertentes: defesa
técnica e autodefesa.
A defesa técnica é exercida por profissional legalmente habilitado (advo-
gado inscrito nos quadros da OAB) e se caracteriza por sua indisponibilidade
ou irrenunciabilidade.

Com efeito, a defesa técnica é condição para o efetivo estabelecimento das


°
garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5. LV, da CF) no processo
,

penal, promovendo-se com isso a paridade de armas (par conditio) inerente


ao princípio da igualdade das partes.
Sem defesa técnica, ter-se-ia mero simulacro de contraditório, ampla
defesa ou igualdade...
Por essa razão, a Constituição Federal considera o advogado "indis-
"

pensável à administração dajustiça (art. 133) eoart. 261, caput, do Código


de Processo Penal, assegura que "nenhum acusado, ainda que ausente ou
"

foragido será processado ou julgado sem defensor


,
.

Compreende-se, assim, a feição de indisponibilidade ou irrenunciabi-


lidade da defesa técnica, sendo irrelevante que o acusado não possua ou não
queira um advogado, devendo o Juiz nomear defensor dativo (art. 263, caput,
primeira parte, do CPP).
A autodefesa por seu turno, não pode ser imposta ao acusado, sendo,
,

portanto, renunciável em face do direito ao silêncio e da possibilidade de o


acusado quedar-se revel (art. 367 do CPP).
Sua disponibilidade pelo acusado não significa, contudo, possa o juiz
dispensar a autodefesa: deve ser garantida a oportunidade da autodefesa,
ficando seu exercício a critério do sujeito da defesa (acusado).
148 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

A autodefesa se manifesta sob dois aspectos: o "direito de audiência" e


"
o direito de presença".
O "direito de audiência" se revela pela possibilidade de o acusado iníluen-
ciar direta e pessoalmente mediante o interrogatório, na convicção do juiz.
,

O "direito de presença" consiste na possibilidade de o acusado acom-


panhar todos os atos do processo, podendo, a todo momento, posicionar-se
perante as alegações e provas produzidas, como, v.g., orientar seu defensor
a formular reperguntas para as testemunhas.
Temos , portanto, graficamente:

Defesa Técnica
Direito
(indisponível, irrenunciável)
de
Defesa Autodefesa
Direito de Audiência
(renunciável pelo acusado) -
Direito de Presença

De outra parte vislumbra-se no interrogatório um autêntico meio de


,

prova, submetido inclusive ao crivo do contraditório (art. 188 do CPP).


O Código de Processo Penal, ao encartar o interrogatório no Título Vil
( Da Prova") considera-o um meio de prova. O interrogatório constitui o
"

último ato da fase de instrução (fase de produção de provas) de acordo com ,

os arts. 400, caput, 531,411, caput, e 474, todos do Código de Processo Penal.
Em suma: conquanto preordenado a constituir um meio de defesa não se ,

pode negar ao interrogatório a natureza jurídica de meio de prova, porquanto


estabelecida a possibilidade de as partes formularem perguntas ao final da
oitiva do acusado, evidenciando, destarte, a presença do contraditório no
momento do interrogatório do acusado (art. 188 do CPP).
Por derradeiro saliente-se que, sob a perspectiva constitucional, apenas
,

eventualmente o interrogatório pode ser considerado meio de prova, tendo


°
em vista o direito ao silêncio (art. 5. LXIII, da CF: "direito de permanecer
,

calado ) e a parêmia nemo tenetur se detegere ("ninguém é obrigado a se acusar


"

ou produzir prova contra si - o aludido princípio encontra-se albergado pelo


"

0
art. 8 n. 2, alínea g, do Pacto de Sanjosé da Costa Rica, incorporado ao nosso
,

direito interno pelo Decreto 678, de 06.11.1992) que conferem ao acusado a


faculdade de não responder as perguntas que lhe forem formuladas (art. 186 ,

caput, infine, do CPP).


Cap. 7 . Das Provas 149

7 82
. . .
3 Principais aspectos
a) a necessária presença do defensor no interrogatório: exige-se, em qual-
quer caso, a presença de um defensor (constituído ou nomeado)
para acompanhar a realização do interrogatório, em virtude da indis-
ponibilidade da defesa técnica (art. 185, caput, e §§ I e 50, do CPP).
"

Ademais a presença do defensor técnico se impõe em face da possi-


,

bilidade de as partes formularem perguntas ao final da oitiva do acusado,


consoante o art. 188 do CPP.

Ora, se se estabelece contraditório no interrogatório do acusado, afigura-


-

se indeclinável o concurso da defesa técnica como condição para a paridade


de armas (par condido) entre acusação e defesa, promovendo-se com isso a
necessária igualdade entre as partes envolvidas na relação jurídica processual.
b) o direito de entrevista do acusado com o defensor: a doutrina, com las-
°
tro na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8. n. 2, ,

alíneas c e d), reclamava a necessidade de ser assegurada ao acusado a


oportunidade de contato prévio com o defensor, a fim de promover a
interação entre autodefesa e defesa técnica (Ada Pellegrini Grinover,
Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho. As
Nulidades no Processo Penal, p. 83): "Art. 8.°- Das garantias judiciais.
2 (...): c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados
.

para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se


pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de
"

comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor .

Premido pela incorporação do Pacto de São José da Costa Rica ao nosso


direito interno (Dec. 678/1992), o legislador reconheceu a aludida garantia
no art. 185 § 5.°, do CPP: "Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz
,

garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor;


se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais te-
lefónicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio
"

e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso .

c) o reconhecimento em nível legal, do direito constitucional ao silêncio:


,

"

a Constituição Federal, ao prescrever que o preso será informado


de seus direitos entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
,

"

assegurada a assistência da família e de advogado estabelece, em ,

°
seu art. 5. LXIII, o denominado direito ao silêncio, consectário lógi-
,

"

co do princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é


"

obrigado a se acusar ou produzir prova contra si .


150 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Embora a Constituição Federal faça referência ao "preso" parece evidente ,

que o direito ao silêncio se aplica a qualquer fase ou momento da persecução


penal.
Prelecionam Ada Pellegrini Grinover Antonio Scarance Fernandes ,

e Antonio Magalhães Gomes Filho que aludindo ao direito ao silêncio e


"

à assistência do advogado para o preso, a Lei Maior denota simplesmente


sua preocupação inicial com a pessoa capturada: a esta mesmo fora e antes ,

do interrogatório são asseguradas as mencionadas garantias. Mas isto não


,

pode, nem quer dizer que ao indiciado ou acusado que não esteja preso não
seja estendida a mesma proteção no momento maior da autodefesa, que é o
,

interrogatório" (As Nulidades no Processo Penal p. 80). ,

Portanto quando do interrogatório do acusado, deve ser garantido o


,

direito ao silêncio, sem que do seu exercício se possa extrair qualquer con-
sequência negativa ao acusado, afinal, não se concebe que o exercício regular
de um direito possa implicar prejuízo ao seu titular.
O art. 186 do CPP abriga o direito ao silêncio (caput) e proscreve a possi-
bilidade de o silêncio ser tomado em detrimento da defesa (parágrafo único).
Ainda com o escopo de assegurar a plenitude do exercício do direito
constitucional ao silêncio, a Lei 10.792/2003 suprimiu o texto contido no
"

antigo art. 191 do CPP ( Consignar-se-ão as perguntas que o réu deixar de


responder e as razões que invocar para não fazê-lo ), pois, como assevera
"

Ada Pellegrini Grinover, "do silêncio não podem deduzir-se presunções que
"

superem a presunção de inocência do réu (Processo em sua Unidade, p. 109,


apud Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo Penal p. 267). ,

d) o estabelecimento de contraditório no interrogatório do acusado: oart. 188


do CPP estabelece a possibilidade de as partes formularem perguntas
ao final da oitiva do acusado.

Diante do perfil bilateral conferido ao interrogatório não se pode mais ,

negar seja ele um genuíno meio de prova (embora eventual, se considerado


o direito ao silêncio - art. 5.° LXIII, da CF).
,

e) a supressão da figura do curador do acusado menor: o art. 194 do CPP


"

estabelecia que: Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interro-


"

gatório na presença de curador .

O acusado menor, assim considerado aquele que ostenta 18 anos comple-


tos (imputável) mas ainda não alcançou 21 anos de idade, quando interrogado
na fase judicial era acompanhado por um curador, a quem incumbia velar
,

pela regularidade do ato do qual o menor participava.


Cap. 7 . Das Provas 151

A Lei 10.792/2003, no entanto, ao conferir nova disciplina legal ao capí-


"

tulo pertinente ao 1interrogatório do Acusado revogou expressamente o art.


,

194 do CPP, dispensando a presença do curador no interrogatório judicial.


Compreende-se a revogação do art. 194 em face da exigência da presença
de defensor técnico no interrogatório judicial (art. 185, caput e §§ 1.° e 5.°,
do CPP), que torna dispensável a nomeação de curador ao acusado menor,
na medida em que a defesa técnica é um plus em relação ao curador (minus).
Esse já era o entendimento externado pelo Supremo Tribunal Federal no
enunciado de sua Súmula 352: Não é nulo o processo por falta de nomeação
"

de curador ao réu menor que teve a assistência de defensor dativo".


A discussão acerca da necessidade de nomeação de curador para os atos
do inquérito policial, no entanto, subsiste, afinal, a Lei 10.792/2003 revogou
somente o art. 194 do CPP, relativo ao interrogatório judicial (mas não os arts.
15 e 262 do mesmo diploma legal).
7 82
. . .
4 Forma e local do interrogatório (videoconferência)
O art. 185, caput, do CPP, disciplina o interrogatório do acusado solto,
ao dispor que o acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no
curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu
defensor, constituído ou nomeado.
Tratando-se de acusado preso, surgem três possibilidades:
a) o interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no esta-
belecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a
segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares
bem como a presença do defensor e a publicidade do ato (art. 185, §
1° ,
do CPP);
b) não satisfeitos os requisitos legais para o interrogatório no estabele-
cimento prisional, será requisitada a apresentação do réu preso em
juízo (arts. 185, § 7.°, e 399, § 1.°, do CPP);
c) excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a
requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso
por sistema de videoconferência (ou outro recurso tecnológico de
transmissão de sons e imagens em tempo real), desde que a medida
seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades (art. 185,
§2.°, do CPP):
. prevenir risco à segurança pública quando exista fundada suspeita
,

de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra


razão possa fugir durante o deslocamento;
,
152 Processo Penal - Paulo H. A. Fui ler, Gustavo O. D. )unqueira e Angela C. C. Machado

. viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando ,

haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por ,

enfermidade ou outra circunstância pessoal;


. impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima ,

desde que não seja possível colher o depoimento destas por video-
conferência nos termos do art. 217 deste Código;
,

. responder à gravíssima questão de ordem pública .

Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videocon-


ferência as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência (art.
,

185, §3.°, do CPP).


O juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o
seu defensor, ficando também garantido, no caso de interrogatório por video-
conferência, o acesso a canais telefónicos reservados para comunicação entre
o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência
do Fórum, e entre este e o preso (art. 185, § 5.°, do CPP).
Antes do interrogatório por videoconferência o preso poderá acom- ,

panhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da


audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400,411 e
531 do CPP (art. 185, § 40, do CPP).
Aplicam-se as regras do interrogatório por videoconferência (art. 185 ,

§§ 2.°, 3.°, 4.° e 5.°), no que couber, à realização de outros atos processuais
que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação,
reconhecimento de pessoas e coisas e inquirição de testemunha ou tomada
,

de declarações do ofendido (art. 185, § 8.°, do CPP). Nesta hipótese, fica


garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor
(art. 185, §9.°, do CPP).
A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos
processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos correge-
dores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela
Ordem dos Advogados do Brasil (art. 185, § 6.°, do CPP).

7 82
. . .
5 Procedimento: as fases do interrogatório e o direito ao
silêncio

O art. 187, caput, do CPP divisa claramente duas partes no interrogató-


rio: o interrogatório de qualificação (ou de identificação), versando sobre a
pessoa do acusado, e o interrogatório de mérito, versando sobre o fato cons-
Cap. 7 . Das Provas 153

titutivo da acusação. Reza o art. 187: O interrogatório será constituído de


"

duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos". O § 1.° do art. 187
"

aponta o conteúdo do interrogatório de qualificação: § I0 Na primeira parte o


interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão,
oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, no-
tadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual
o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a
"

pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais .

Superada a fase de identificação, deve o juiz cientificar o acusado acerca


do inteiro teor da imputação contra ele formulada, a fim de lhe proporcionar o
instrumental necessário ao exercício de sua autodefesa (direito de audiência).
Na sequência antes de iniciar o interrogatório de mérito (oitiva do acu-
,

sado sobre o fato narrado na denúncia ou queixa), deve o juiz informar ao


acusado sobre seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas
que lhe forem formuladas (art. 186, caput, do CPP).
O § 2.° do art. 187 indica o teor do interrogatório de mérito:
§ 2.° Na segunda parte será perguntado sobre:
"

I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita; II - não sendo verdadeira


a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a
pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais
sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela;
III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia
desta; IV - as provas já apuradas; V - se conhece as vítimas e testemunhas
já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra
elas; VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou
qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; VII
-

todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos


antecedentes e circunstâncias da infração; VIII - se tem algo mais a alegar
"
em sua defesa .

Afigura-se de suma importância a sobredita distinção entre o interroga-


tório de qualificação e o interrogatório de mérito, tendo em vista a possibi-
lidade (ou não) de o acusado silenciar ou mentir em cada uma das fases do
interrogatório.
O direito ao silêncio e a possibilidade de o acusado mentir decorrem do
direito de defesa e, por conseguinte, somente alcançam atividades de cunho
defensivo.

Por isso durante o interrogatório de qualificação, não se vislumbra a


,

°
aplicação do art. 5. LXI1I, da CF (direito ao silêncio), tampouco a possibi-
,
154 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

lidade de mentir , porquanto essa fase do interrogatório não encerra qualquer


manifestação do direito de defesa.
Em razão de não se exercer qualquer atividade defensiva no interroga-
tório de qualificação, caso o acusado silencie sobre sua identificação, teremos
configurada a contravenção penal insculpida no art. 68, caput do Dec.-lei ,

3 688/1941 (Lei das Contravenções Penais), que define a "recusa de dados


.

"

sobre a própria identidade ou qualificação .

Se o acusado mentir sobre sua identidade para obter vantagem ou para


causar dano a outrem (v.g., o agente, passando-se por outra pessoa evita o ,

cumprimento de um mandado de prisão contra ele expedido), teremos tipi-


ficado o crime de "falsa identidade" inscrito no art. 307 do CP.
,

Caso ausente o elemento subjetivo especial do tipo penal (o fim de obter


vantagem ou para causar dano a outrem), teremos caracterizada a contra-
venção penal do art. 68, parágrafo único, da Lei das Contravenções Penais
(Dec.-lei 3.688/1941), cujo preceito primário descreve conduta similar ao do
crime de falsa identidade, despida, porém, do fim especial de obter vantagem
ou causar dano a outrem.

Apenas ao interrogatório de mérito, portanto, aplicam-se o direito


ao silêncio e a possibilidade de mentir, pois nessa fase do interrogatório o
acusado tem a oportunidade de desempenhar sua autodefesa sob o aspecto
direito de audiência", facultando-se-lhe contestar a acusação e expender
"

sua versão acerca do fato, influenciando direta e pessoalmente na formação


da convicção do juiz.
Compreende-se, ante o exposto, a estrutura do art. 186, caput, do CPP:
"

a informação sobre o direito ao silêncio vem depois de o acusado ser devida-


"

mente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação (interrogatório


de qualificação) e antes de se iniciar o interrogatório (de mérito), pois é nesta
fase que se manifesta a possibilidade de exercer atividade de cunho defensivo.
Cabe consignar a existência de corrente jurisprudencial mais liberal,
que estende ao interrogatório de qualificação a possibilidade de o acusado
silenciar ou mentir.

7 8 2
. .
6 Conteúdo do interrogatório
.

Por ocasião de seu interrogatório pode o acusado assumir quatro pos-


,

turas: silenciar, negar, confessar ou mentir.


°
a) o silêncio do acusado: a Constituição Federal, em seu art. 5. LX1I1, ,

ao outorgar ao acusado o direito de permanecer calado, consagra o


Cap. 7 . Das Provas 155

denominado direito ao silêncio, desdobramento natural do princípio


nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a se
"

"

acusar ou produzir prova contra si .

Embora a Constituição Federal faça referência ao "preso", parece evidente


que o direito ao silêncio se aplica a qualquer fase ou momento da persecução
penal.
Prelecionam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes
e Antonio Magalhães Gomes Filho que,
"
aludindo ao direito ao silêncio e
à assistência do advogado para o preso, a Lei Maior denota simplesmente
sua preocupação inicial com a pessoa capturada: a esta, mesmo fora e antes
do interrogatório, são asseguradas as mencionadas garantias. Mas isto não
pode, nem quer dizer que ao indiciado ou acusado que não esteja preso não
seja estendida a mesma proteção, no momento maior da autodefesa, que é o
interrogatório" (As Nulidades no Processo Penal, p. 80).
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por seu turno, esta-
belece, em seu art. 8.°, n. 2, alínea g: "Art. 8.°-Das garantias judiciais. 2. (...):
g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se
"

culpada .

Tratando-se de um verdadeiro direito individual do acusado, nenhuma


consequência pode decorrer da eventual opção de permanecer calado, pois
não se concebe que o exercício regular de um direito possa implicar qualquer
prejuízo ao seu titular.
Por isso, descabe cogitar, em processo penal, de confissãoficta (presumida
ou tácita), figura que não se coaduna com o sistema processual penal, dada
sua incompatibilidade lógica com um dos princípios reitores do processo
penal, o da presunção de não culpabilidade, insculpido no art. 5. LVII, da
°
,

CF, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em


julgado de sentença penal condenatória".
Ora, se a presunção é de não culpabilidade, não se pode extrair do silêncio
a presunção (ficção legal) de admissão de culpa (confissão ficta). O mesmo
se aplica no caso de revelia, da qual não se infere confissão ficta (admissão
" "

de veracidade dos fatos alegados pelo autor) em processo penal.


Ademais, não se pode admitir que o silêncio do acusado seja manipu-
lado para eximir a acusação do ónus da prova da imputação contida na peça
inicial (denúncia ou queixa), sob pena de subversão da regra insculpida no
art. 156, caput, do CPP.
156 Processo Penal - Paulo H. A. Fui ler, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C .
C. Machado

Em nível infraconstitucional o direito ao silêncio encontra sede no art.


,

186, caput e parágrafo único do CPP. ,

Buscando assegurar a plenitude do exercício do direito constitucional ao


silêncio, a Lei 10.792/2003 suprimiu a previsão legal de serem "consignadas
as perguntas que o réu deixar de responder e as razões que invocar para não
fazê-lo" contida na antiga redação do art. 191 do CPP, pois, como assevera
,

Ada Pellegrini Grinover "do silêncio não podem deduzir-se presunções que
,

superem a presunção de inocência do réu (O Processo em sua Unidade, p. 109,


"

apud Fernando da Costa Tourinho Filho Processo Penal, p. 267). ,

b) a negativa do acusado: se o acusado negar a imputação contra ele


formulada, será indagado "se tem algum motivo particular a que
atribuí-la se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada
,

a prática do crime, e quais sejam e se com elas esteve antes da prática


,

da infração ou depois dela" (art. 187 § 2.°, II, do CPP), bem como,

"

onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia


desta" (art. 187, § 2.°, III do CPP). ,

Nada obstante o ónus da prova do fato e da autoria incumbam à acusação,


,

"

no caso de negativa do acusado poderá prestar esclarecimentos e indicar


,

"

provas (art. 189 do CPP), servindo então o interrogatório como fonte de


prova para a defesa.
c) a confissão do acusado: no caso de confissão o acusado será per- ,
"

guntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas


concorreram para a infração e quais sejam (art. 190 do CPP).
"

Perceba-se a relevância de se perquirir os motivos e as circunstâncias


do fato tendo em vista as consequências jurídicas que daí poderão advir: o
,

motivo do crime pode influenciar na fixação da pena-base (art 59 do CP) .


,

pode ensejar o reconhecimento de uma circunstância atenuante genérica


(art. 65, III, a), inclusive com atribuição de preponderância (art. 67 do CP),
ou o reconhecimento de uma causa de diminuição de pena (homicídio pri-
vilegiado: art. 121, § 1, do CP), pode concorrer para a substituição da pena
°
,

privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos (art. 44, III, do CP), ou
para a concessão de benefícios, tais como a transação penal (art. 76, § 2.°,
III, da Lei 9.099/1995), a suspensão condicional do processo (art. 89 caput, ,

da Lei 9.099/1995 , c/c o art. 77, II, do CP), o sursis (art. 77, II, do CP), ou
mesmo para a determinação do regime inicial de cumprimento de pena (art.
33, §3.°, do CP).
A indagação sobre a concorrência de outras pessoas para a infração penal
"

permite aquilatar a medida da culpabilidade do agente (art. 29, caput do


"

,
Cap. 7 . Das Provas 157

CP), consideração importante para a dosimetria da pena-base (art. 59 do


CP) e para a concretização do princípio constitucional da individualização
da pena (art. 5.°, XLVI, da CF), bem como possibilita o reconhecimento da
°
ocorrência de participação de menor importância (art. 29, § 1. do CP) ou ,

de cooperação dolosamente distinta (art. 29, § 2.°, do CP).


A confissão espontânea do acusado é prevista pelo Código Penal como
circunstância atenuante genérica (art. 65, III, d), a ser levada em conta na
segunda fase da dosimetria da pena (art. 68, caput, do CP).
Por derradeiro, a confissão do acusado pode ainda ensejar o instituto
da delação premiada (art. 159, § 4.°, do CP; art. 8.°, parágrafo único, da Lei
8 072/1990, entre outras).
.

d) a possibilidade de mentir: como corolário do direito de ampla defesa,


com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5. LV, da CF), reconhece-
°
,

se ao acusado a possibilidade de mentir por ocasião de seu interro-


gatório, inexistindo incriminação para tal conduta (o acusado não se
sujeita ao dever de dizer a verdade, imposto somente à testemunha,
perito, contador, tradutor ou intérprete: art. 342, caput, do CP).
Diverge-se, na doutrina, quanto à existência de um "direito de mentir".
Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha esclarece que "a justificativa
não está no fato de ser um direito e sim na impunidade. Vale dizer, mentir
não é direito de ninguém, apenas ao réu interrogado não há incriminação
possível. Não há qualquer sanção, de natureza material ou processual, ao réu
mentiroso, já que a afirmação falsa atinge apenas a testemunha, o perito ou
"
o tradutor (Da Prova no Processo Penal, p. 86).

Observe-se que a possibilidade de o acusado mentir assume a dimensão


de atividade defensiva e, por essa razão, abrange somente o interrogatório
de mérito (art. 187, caput, in fine, e § 2.°, do CPP), e não o interrogatório de
qualificação (art. 307 do CP e art. 68, parágrafo único, do Dec.-lei 3.688/1941).
Corrente jurisprudencial mais liberal, no entanto, estende ao interrogatório
de qualificação a possibilidade de o acusado silenciar ou mentir.
"
Ver , a propósito: Procedimento: as fases do interrogatório e o direito
"
ao silêncio (supra).
Saliente-se, de outra parte, que a liberdade de o acusado exercer sua au-
todefesa não abarca a possibilidade de se acusar, tanto assim que uma conduta
desse jaez se subsume ao preceito primário do art. 341 do CP, que versa sobre
o crime de autoacusação falsa.
158 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Adverte Fernando da Costa Tourinho Filho que "a liberdade de dizer


o que quiser e de não responder a todas ou a algumas perguntas não vai ao
extremo de se lhe permitir impunemente, fazer uma autoacusação falsa. Po-
,

derá negar a prática do crime, mesmo havendo muitas provas contra ele. Mas
o que se lhe não permite é atribuir a si a autoria de um crime que realmente
não tenha cometido. Da autoacusação falsa pode resultar a condenação de um
inocente e, correspondentemente a impunidade do verdadeiro culpado. Daí
,

a norma do art. 341 do CP (...). Nem poderia ser de outra forma porquanto ,

se trata de um fato perturbador do normal funcionamento finalístico da polícia


judiciária ou do juízo penar (Processo Penal, p. 273).

782
. . .
7 Obrigatoriedade de realização do interrogatório
A redação do art. 185 caput e § 1. do CPP, ao se valer do imperativo
,
°
,

"

( ) indica ser obrigatória a realização do interrogatório do acusado,


"

será ,

quando presente, sob pena de nulidade do processo (art. 564, III, e, segunda
figura do CPP).
,

A aludida nulidade possui natureza absoluta porquanto a não realização


,

do interrogatório quando presente o acusado, implica violação ao princí-


,

"

pio da ampla defesa, assegurada pela Constituição Federal com os meios


e recursos a ela inerentes (art. 5.°, LV), e o interrogatório consubstancia
"

a oportunidade, por excelência, de o acusado exercer sua autodefesa sob o


aspecto
"
direito de audiência".

782
. . .
8 Possibilidade de novo interrogatório (reinterrogatório)
O art. 196 do CPP estabelece que, "a todo tempo, o juiz poderá proceder
a novo interrogatório, de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das
"

partes .

7 83
. .
Da confissão

É o reconhecimento feito pelo imputado de sua própria responsabilidade.


Entretanto não se atribui a ela um valor probatório absoluto, pois muitos
,

são os motivos que podem levar alguém a confessar um delito sem que, efe-
tivamente, o tenha cometido.
O valor da confissão é relativo (não é a "rainha das provas") e deve ser
aferido por meio do seu confronto com as demais provas do processo (art.
197 do CPP). A confissão não supre o exame de corpo de delito (art. 158, in
fine, do CPP). Pode ser retratada (art. 200 do CPP).
Cap. 7 . Das Provas 159

Pode ser: a) judicial, quando feita em juízo; b) extrajudicial, se não for


realizada perante o juiz (perante a autoridade policial, por exemplo).
A confissão ficta não é admitida no processo penal, em face da presunção
constitucional de inocência (art. 5. LVII, da CF), de sorte que a fuga, a revelia
°
,

ou o silêncio durante o interrogatório não importam confissão presumida


(art. 186, parágrafo único, do CPP).

7 8
. .4 Da acareação

É a confrontação entre duas ou mais pessoas (acusados, ofendidos e


testemunhas) cujas versões sejam conflitantes, a fim de que expliquem as
divergências (art. 229 do CPP). Só será possível se a divergência incidir sobre
fatos ou circunstâncias relevantes.

Poderá ser feita a requerimento de qualquer das partes ou ex officio, no


próprio inquérito ou em juízo, ou seja, em qualquer fase da persecução penal.

78
. .5 Das declarações do ofendido
Ninguém melhor que a vítima do crime para explicar de que maneira ele
ocorreu. No entanto, leva-se em conta que o ofendido, muitas vezes levado
pelos seus sentimentos, omite ou acrescenta circunstâncias, desvirtuando os
fatos. Justamente por isso, o ofendido não presta compromisso nem se sujeita
a processo por falso testemunho (art. 342 do CP). Sua palavra deve ser aceita
com reservas, sendo confrontada com as demais provas.
Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas
que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações (art. 201, ca-
put, do CPP). Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo
justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade (art. 201,
§ 1.°, do CPP).
A Lei 11.690/2008 preservou a redação original do art. 201, caput, do
e transformou o seu parágrafo único em § 1. acrescentando-lhe ainda
°
CPP , ,

°
outros cinco parágrafos (§§ 2. a 6.°), nos quais foram incorporadas muitas das
orientações contidas na Declaração dos Princípios Básicos dejustiça Relativos
às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder, adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas na sua Resolução 40/34, de 29 de novembro de 1985.
O art. 201, § 2.°, do CPP, determina que o ofendido seja comunicado
dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à
160 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a


mantenham ou modifiquem .

A Lei 11.690/2008 incorpora assim, a orientação contida no item 6.a


,

da Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Cri-


minalidade e de Abuso de Poder que dispõe: ,

"
6 .
A capacidade do aparelho judiciário e administrativo para responder
às necessidades das vítimas deve ser melhorada: a) Informando as víti-
mas da sua função e das possibilidades de recurso abertas das datas e da ,

marcha dos processos e da decisão das suas causas especialmente quando ,

se trate de crimes graves e quando tenham pedido essas informações "


.

Como se percebe da dicção legal a comunicação ao ofendido abrange


,

basicamente três atos processuais:


a) os relativos ao ingresso e ã saída do acusado da prisão, tais como o
cumprimento de mandados de prisão temporária preventiva, de- ,

corrente de decisão de pronúncia e de condenação recorrível bem ,

como o cumprimento de alvarás de soltura expedidos por ocasião do


relaxamento da prisão ilegal e concessão de liberdade provisória (com
ou sem fiança). Embora o § 2.° se refira ao "acusado" entendemos ,

que a aludida comunicação deve ser estendida aos atos da fase de


execução penal (condenado) tais como a regressão e a progressão do
,

regime de cumprimento da pena privativa de liberdade a concessão ,

de livramento condicional e a desinternação da medida de segurança .

Disposição similar pode ser encontrada no art 21 caput, da Lei .


,

11.340/2006 (Lei de violência doméstica ou familiar contra a mulher) que ,

determina seja a ofendida comunicada dos atos processuais relativos ao agres-


sor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão .

b) os relativos à designação de data para audiência;


c) os relativos ã sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou
modifiquem. Trata-se de importante aprimoramento da legislação
processual penal, que confere efetividade ao direito de o ofendido
recorrer supletivamente (subsidiariamente) das decisões proferidas
no bojo da ação penal pública. Isso porque no sistema anterior, era
,

dispensada a intimação do ofendido não habilitado como assistente


do Ministério Público dificultando sobremaneira o seu conhecimen-
,

to de eventual inação impugnativa do Parquet Maurício Zanoide de .

"

Moraes esclarece que quando houver recurso ministerial da decisão,


,

falecerá ao ofendido (assistente ou não) legitimação para recorrer da


Cap. 7 . Das Provas 161

mesma porção decisória já impugnada. Enquanto não se verificar a


inação ministerial, não há que se perquirir sobre eventual interesse
recursal do ofendido, pois nem sequer estará legitimado a impugnar.
Dessarte ,qualquer recursão sua, caso já exista ou a ela sobrevenha
recurso tempestivo do Ministério Público não será conhecida por
,

falta de autorização legal; é dizer, legitimação impugnativa". (Interesse


e legitimação para recorrer no processo penal brasileiro, p. 337-338)
Dois são os casos de legitimação recursal do ofendido (habilitado ou não
como assistente), em sede de ação penal pública:
a) apelação supletiva das decisões proferidas por juiz singular ou ema-
"
nadas do Tribunal do Júri - art. 598 caput, do CPP: Nos crimes de
,

competência do Tribunal do Júri ou do juiz singular, se da sentença


,

não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal o ,

ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31 ainda que ,

não se tenha habilitado como assistente poderá interpor apelação,


,

"

que não terá, porém, efeito suspensivo. ;


b) recurso em sentido estrito supletivo das decisões que declaram a ex-
tinção da punibilidade - art. 584 § 1.°, c/c o art. 581, VIII, ambos do
,

CPP: "§ 1.° Ao recurso interposto de sentença de impronúncia ou no


"

caso do n. VIII do art. 581, aplicar-se-á o disposto nos arts. 596 e 598. .

Cumpre salientar que a referência à decisão de impronúncia, contida


°
no art. 584, § 1. do CPP, foi revogada tacitamente pela Lei 11.689, de 9 de
,

junho de 2008, que modificou a redação do art. 416 do CPP, para dispor que
" "

contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação .

Sem embargo dos aperfeiçoamentos empreendidos nesta reforma do


processo penal, temos que o legislador perdeu a oportunidade de sedimentar
a obrigação de comunicar ao ofendido a recepção dos autos de inquérito poli-
cial em Juízo medida salutar para evitar o escoamento do prazo decadencial
,

para o ajuizamento de queixa (ação pena privada exclusiva), bem como para
controlar a atuação ministerial na ação penal pública permitindo ao ofendido
,

aferir a inação ensejadora da possibilidade de ação penal privada subsidiária.


Em que pese a ausência de comando legal a respeito da comunicação
do recebimento dos autos de inquérito policial em Juízo reputamos que a ,

necessidade de intimação do ofendido emerge diretamente do art. 5.° XXXV, ,

da CF como forma de assegurar a garantia do acesso à jurisdição (Cf. Carlos


,

Frederico Coelho N ogueira, Comentários ao código de processo penal p. 412), ,

sob o aspecto da participação do ofendido na persecução penal.


162 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

Oart. 201, § 3.°, do CPP, cuida da forma das comunicações ao ofendido:


em geral, serão feitas no endereço por ele indicado, por mandado (art. 370,
caput, c/c o art. 351, ambos do CPP), admitindo-se, por opção do ofendido,
o uso de meio eletrônico (e-mail).

O art. 201, § 4.°, do CPP, determina que, antes do início da audiência e


durante a sua realização, seja reservado espaço separado para o ofendido. A
mesma providência deve ser adotada, por interpretação extensiva (art. 3. do °

CPP), durante a lavratura de auto de prisão em flagrante (art. 304 do CPP),


apesar de não se tratar propriamente de uma audiência
" "
.

O art. 201, § 5.°, do CPP, permite ao juiz, se entender necessário, enca-


minhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas
áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor
ou do Estado.

Disposição similar pode ser encontrada no art. 29 da Lei 11.340/2006


(Lei de violência doméstica ou familiar contra a mulher).

A Lei 11.690/2008 incorpora, assim, as orientações contidas nos itens


14 a 16 da Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas
da Criminalidade e de Abuso de Poder, que dispõem:

14. As vítimas devem receber a assistência material, médica, psi-


"

cológica e social de que necessitem, através de organismos estatais, de


voluntariado, comunitários e autóctones.
15. As vítimas devem ser informadas da existência de serviços de saúde,
de serviços sociais e de outras formas de assistência que lhes possam ser
úteis, e devem ter fácil acesso aos mesmos.
16. O pessoal dos serviços de polícia, de justiça e de saúde, tal como
o dos serviços sociais e o de outros serviços interessados deve receber
uma formação que o sensibilize para as necessidades das vítimas, bem
"

como instruções que garantam uma ajuda pronta e adequada às vítimas.


O art. 201, § 6.°, do CPP, comete ao juiz a tomada das providências
necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do
ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos
dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito
para evitar sua exposição aos meios de comunicação.
A Lei 11.690/2008 incorpora, assim, as orientações contidas no item 6
(b.c.d.) da Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas
da Criminalidade e de Abuso de Poder, que dispõe:
Cap. 7 . Das Provas 163

"6 .
A capacidade do aparelho judiciário e administrativo para respon-
der às necessidades das vítimas deve ser melhorada: [...]
b) Permitindo que as opiniões e as preocupações das vítimas sejam
apresentadas e examinadas nas fases adequadas do processo, quando os
seus interesses pessoais estejam em causa, sem prejuízo dos direitos da
defesa e no quadro do sistema de justiça penal do país;
c) Prestando às vítimas a assistência adequada ao longo de todo o
processo;
d) Tomando medidas para minimizar, tanto quanto possível, as difi-
culdades encontradas pelas vítimas, proteger a sua vida privada e garantir
a sua segurança, bem como a da sua família e a das suas testemunhas,
preservando-as de manobras de intimidação e de represálias.
"

A possibilidade de o juiz determinar o segredo de justiça em relação aos


dados depoimentos e outras informações constantes dos autos a respeito do
,

ofendido para evitar sua exposição aos meios de comunicação, consubstancia


,

o denominado sigilo externo (aplicado aos estranhos ou seja, aos sujeitos ,

que não integram a persecução penal), que não impede a acessibilidade dos
sujeitos (internos) da persecução penal: Ministério Público e Defensor. A
doutrina distingue o sigilo do segredo. O segredo consiste naquilo que não
deve ser divulgado ao conhecimento da generalidade das pessoas; o sigilo ,

no instrumento pelo qual se garante inviolado o segredo .

A imposição de sigilo externo não ofende a garantia da publicidade


dos atos processuais, na medida em que o art. 5.° LX, da CF, permite a sua ,

" "
restrição quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem .

O art. 93, IX, da CF, ainda estabelece que todos os julgamentos dos ór-
"

gãos do Poder Judiciário serão públicos, podendo a lei limitar a presença,


em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados ou somente a ,

estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado


"
no sigilo não prejudique o interesse público à informação .

Em igual diapasão o art. 8. n. 5, da Convenção Americana sobre Direitos


°
, ,

Humanos dispõe que "o processo penal deve ser público, salvo no que for
,

"

necessário para preservar os interesses da justiça .

°
Outrossim ,do CPP, estipula que, "se da publicidade da
o art. 792, § 1. ,

audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo inconve- ,

niente grave ou perigo de perturbação da ordem o juiz, ou o tribunal, câmara,


,

ou turma poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério


,

Público determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o


,

"

número de pessoas que possam estar presentes.


164 Processo Penal - Paulo H. A. Fui ler, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

O sigilo externo pode ser determinado pela autoridade policial, durante


a investigação criminal, com fundamento no art. 20, caput, do CPP ( a au-
"

toridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou


exigido pelo interesse da sociedade )
"

78 6
. .
Das testemunhas

78 6 1
. . .
Conceito

A prova testemunhal é constituída pelo depoimento de pessoas que


presenciaram (testemunha direta) ou tiveram ciência do fato probando (tes-
temunha indireta).

Testemunha, portanto, pode ser considerada a pessoa que presta depoi-


mento sobre fatos relevantes para a apuração de uma infração penal, de que
tomou conhecimento por meio de sua percepção sensorial (sentidos).

7 8 6
. . .
2 Distinção entre testemunha e ofendido
As testemunhas são, conceitualmente, pessoas estranhas ao fato crimi-
noso, ou seja, não são parte ativa (agente) ou passiva (ofendido) da infração
penal.
Podemos, conforme a posição ocupada pela pessoa na estrutura subje-
tiva da infração penal, divisar perfeitamente as figuras da testemunha e do
ofendido, porquanto a primeira se apresenta como sujeito externo (não é
parte) ao fato criminoso, enquanto o segundo é o sujeito passivo (parte) da
infração objeto da persecução penal.
Da distinção entre testemunha e ofendido decorrem importantes con-
sequências jurídicas:
"

a) Sob o aspecto terminológico, as testemunhas prestam depoimento"


(art. 204, caput, do CPP), enquanto o ofendido presta "declarações"
(art. 201, caput, do CPP).
b) As testemunhas se submetem ao dever de dizer a verdade, exceto as
testemunhas informantes, enunciadas no art. 208 do CPP, às quais
não se defere o compromisso de dizer a verdade (art. 203 do CPP) e,
consequentemente, sujeitam-se ao crime de falso testemunho (art. 342
do CP); o ofendido, na condição de parte passiva (sujeito parcial) da
infração penal, não se submete ao aludido dever e, por conseguinte,
não se sujeita ao crime de falso testemunho.
Cap. 7 . Das Provas 165

Ademais o ofendido não ostenta a qualidade especial do sujeito ativo


,

(ser "testemunha,,) exigida pelo art. 342 do CP.


c) As testemunhas são numerárias, ou seja, são consideradas para o per-
fazimento do número máximo de testemunhas que as partes podem
arrolar, de acordo com o procedimento, exceto as testemunhas infor-
mantes, que, por não prestarem compromisso (art. 208 do CPP) não ,

se compreendem no número máximo de testemunhas que as partes


podem arrolar; o ofendido é extranumerário, não sendo computado
no número máximo de testemunhas por não se tratar, tecnicamente,
,

de uma testemunha.

78 6
. .
3 Capacidade para ser testemunha
.

A capacidade para ser testemunha se encontra estabelecida no art. 202


do CPP, segundo o qual "toda pessoa poderá ser testemunha".
A legislação processual penal outorgou capacidade irrestrita para qual-
quer pessoa ser testemunha, sem exceção. Dessarte, afiguram-se plenamente
aptos a depor os doentes mentais as crianças, enfim, qualquer pessoa que
,

possa concorrer para a apuração de uma infração penal, afinal, não estamos
imunes a que um doente mental ou uma criança presencie a ocorrência de
um crime.

O fundamento de tamanha amplitude repousa na necessidade de pro-


mover a busca da verdade real imposta pela indisponibilidade dos bens ju-
,

rídicos que se contrapõem na persecução penal (jus puniendi e jus libertatis) ,

demandando a cabal perquirição do fato criminoso.

Toda pessoa possui capacidade para ser testemunha (art. 202


do CPP), indistintamente. A condição da pessoa em verdade,
,

pode influir nos deveres a que estão sujeitas as testemunhas


(não na capacidade), determinando ou afastando a incidência
de algum ou alguns desses deveres.

Assim os doentes mentais e os menores de 14 anos, conquanto apresen-


,

tem capacidade para ser testemunha ao depor, o farão sem o dever de dizer
,

a verdade (art. 208 do CPP) na qualidade de informantes.


,
166 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Os parentes do acusado, por seu turno, são dispensados do dever de


depor e, portanto, podem se recusar a fazê-lo (art. 206, 2.a parte, do CPP),
mas mesmo que o queiram, serão liberados do dever de dizer a verdade (art.
,

208 do CPP), depondo igualmente como informantes.


Evidentemente, em casos desse jaez, cabe ao juiz cotejar esse depoimento
com os demais elementos de convicção carreados para os autos, a fim de lhe
conferir maior ou menor valor, consoante a livre apreciação das provas (art.
155 do CPP).

7 8 6 4 Deveres das testemunhas


. . .

O Código de Processo Penal impõe basicamente três deveres às teste-


munhas, a saber: dever de comparecer perante a autoridade, dever de depor
e dever de dizer a verdade.

78 6
. .
5 Dever de comparecimento
.

Uma vez regularmente notificada (pessoalmente), surge para a teste-


munha o dever de comparecer perante a autoridade policial ou judicial para
prestar depoimento. Consubstanciando um dever, temos que sua inobser-
vância implica a sujeição da testemunha às sanções prescritas em lei.
Por esse motivo, a autoridade que haja notificado determinada pessoa
para prestar depoimento, ante sua ausência injustificada na data, horário
e local designados, pode determinar a condução coercitiva d a testemunha
faltosa (emprega-se, igualmente, a expressão "condução debaixo de vara"
para designar a possibilidade de condução coercitiva, podendo, para tanto,
requisitar inclusive o concurso de força policial (art. 218 do CPP).
A possibilidade de condução coercitiva pressupõe a "regularidade" da no-
tificação da testemunha para prestar depoimento (art. 218 do CPP), o que, na
seara processual penal, representa a necessidade de a pessoa ter sido pessoalmente
cientificada do dever de comparecer perante a autoridade (policial ou judicial),
consoante se infere do disposto nos arts. 370, caput, e 351, ambos do CPP
A ausência injustificada ainda sujeita a testemunha faltosa ao crime de
desobediência, insculpido no art. 330 do CP, bem como ao pagamento de multa
e das custas da diligência a que deu causa (art. 219 do CPP).

78 6
. . .
6 Dever de depor
Comparecendo perante a autoridade (espontaneamente ou mediante
condução coercitiva), surge para a testemunha uma segunda obrigação: o
Cap. 7 . Das Provas 167

dever de depor, estabelecido no art. 206 primeira parte, do CPP, segundo o


,

"

qual a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor" .

O interesse público presente na persecução penal justifica o estabeleci-


mento do dever geral de depor como forma de colaboração com a Adminis-
,

tração da Justiça, não restando para a testemunha em regra, qualquer mar-,

gem de liberdade de escolha, tanto assim que a recusa em depor caracteriza


crime de falso testemunho na modalidade de calar a verdade (art. 342 do
,
" "

CP). As testemunhas dispensadas do dever de depor (parentes do acusado) ,

enunciadas no art. 206segunda parte, do CPP, podem se recusar a depor e,


,

portanto, possuem liberdade de opção entre depor ou não, conforme sua


liberdade de consciência.

A recusa em depor não aperfeiçoa o crime de desobediência cujo ,

pressuposto é a existência de ordem legal de funcionário público" pois,


"

no caso do dever de depor a ordem emana diretamente da lei (e não de


,

funcionário público) descabendo, por isso, cogitar do tipo penal inscrito


,

no art. 330 do CP.

a) Exceções ao dever de depor: testemunhas dispensadas e testemunhas


proibidas de depor: o dever de depor não foi estabelecido de maneira
absoluta, de sorte que algumas pessoas são dispensadas da obrigação
de depor em respeito aos laços familiares que entretém com o acusado
(art. 206, segunda parte, do CPP), enquanto outras são proibidas de
depor em razão do dever de segredo decorrente de função ministério, ,

ofício ou profissão (art. 207 do CPP).


b) Testemunhas dispensadas (do dever de depor): o ascendente ou descen-
dente, o afim em linha reta o cônjuge, ainda que desquitado (rectius:
,

separado judicialmente) o irmão e o pai a mãe, ou o filho adotivo do


,

acusado são dispensados do dever de depor e portanto, podem se ,

recusar a fazê-lo , sem que disso decorra qualquer sanção (art. 206,
segunda parte, do CPP).
A possibilidade de recusa contudo, não os impede de depor, se quise-
,

rem caso em que o farão sem o dever de dizer a verdade (art. 208 do CPP),
,

como informantes.
É curial distinguir testemunha dispensada e testemunha proibida: a
primeira, porque dispensada do dever de depor, pode se recusar a fazê-lo,
mas pode igualmente prestar depoimento se quiser; a segunda, por força do
,

dever de segredo imposto pela função ministério, ofício ou profissão, não


,

pode depor, ainda que o queira.


168 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

O "direito de recusa", no entanto, não se afigura absoluto: mesmo em


caso de recusa, o juiz pode obrigar a pessoa a depor quando não houver pos-
sibilidade de, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de
suas circunstâncias, senão ouvindo um dos parentes do acusado (art. 206,
injine, do CPP).
Trata-se de situação particular que justifica a restrição ao "direito de
recusa impondo-se a prevalência da busca da verdade real em detrimento
"

da proteção aos laços familiares existentes entre o acusado e a testemunha.


Em outras palavras: a necessidade de realização da prova afasta o "direito de
recusa da testemunha que, a priori, estava dispensada do dever de depor.
"

Suponha-se, v.g., que o marido suprima a vida de sua esposa no interior


da residência, na presença do filho do casal, a única testemunha do fato. Pode
o juiz, nesse caso, obrigar o filho do acusado a depor, isentando-o, porém, do
dever de dizer a verdade (art. 208 do CPP), dada sua relação de proximidade
com o sujeito passivo da persecução penal, ouvindo-o como informante.
Se o parente do acusado, uma vez obrigado pelo juiz, mantiver sua
recusa em depor, responde por crime de desobediência, posto se tratar de
inobservância de ordem legal emanada de funcionário público (juiz), e não
da lei, como no caso do dever de depor (art. 206, primeira parte, do CPP).
c) Testemunhas proibidas (de depor): consideram-se proibidas de depor
as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
estejam sujeitas ao dever de segredo (art. 207 do CPP).
Se a pessoa tem dever de sigilo acerca dos fatos de que tomou conheci-
mento em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e se a revelação
desse segredo configura inclusive crime de "violação do segredo profissional"
(art. 154 do CP), parece evidente serem tais testemunhas proibidas de depor.
A proibição de depor pressupõe a constatação da existência de nexo fun-
cional, ou seja, de uma relação de causalidade em que a função, ministério,
ofício ou profissão seja a causa da ciência do fato.
Os fatos narrados ao advogado para promover a defesa do cliente, ao
terapeuta em uma sessão de psicanálise, ou ao padre em uma confissão, são
acobertados pelo dever de segredo, não podendo o profissional ou o sacerdote
revelar quaisquer fatos que lhe foram confiados em tais circunstâncias.
Saliente-se que o simples fato de a pessoa ser advogado, psicólogo ou
padre não enseja, de per si, a proibição de depor. Se um padre, ao caminhar
pela rua, presenciasse um homicídio, estaria proibido de prestar depoimen-
Cap. 7 . Das Provas 169

to , somente porque exerce um ministério? Certamente, a resposta deve ser


negativa ante a ausência de relação de causalidade entre o ministério e a
,

ciência do fato.

note
Se o fato probando não veio ao conhecimento da testemunha KBEM
em razão de sua função, ministério, ofício ou profissão, sobre
ela não paira a proibição de depor.
As testemunhas proibidas, entretanto, podem depor se:
. forem desobrigadas pela parte interessada; e
. quiserem dar o seu testemunho (art 207, in fine, do CPP).
.

Se o titular do direito ao segredo (parte interessada) abdica de sua man-


tença e desobriga a testemunha do correspondente dever de segredo, surge
a possibilidade de a pessoa outrora proibida, prestar depoimento, se quiser,
,

porquanto agora liberada da amarra que a impedia de revelar os fatos relacio-


nados ao exercício de sua função, ministério, ofício ou profissão.
A propósito estabelece o Estatuto da Advocacia ser direito do advogado
,

"

recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva


funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advo-
gado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como
"

sobre fato que constitua sigilo profissional (art. 7.°, XIX, da Lei 8.906/1994).
Alguns doutrinadores asseveram inclusive que o advogado sempre esta-
ria proibido de depor ainda que desobrigado do dever de segredo pela parte
,

interessada em decorrência das normas que regem a sua profissão (Vicente


,

Greco Filho. Manual de Processo Penal p. 234; Fernando Capez. Curso de


,

Processo Penal p. 292).


,

d) Distinção entre testemunhas dispensadas e proibidas (de depor): a


testemunha dispensada do dever de depor pode se recusar a fazê-lo ,

mas pode prestar depoimento se quiser, por não ser proibida de de-
,

por. A testemunha proibida, por força do dever de segredo imposto


pela função, ministério, ofício ou profissão, não pode depor, salvo se,
desobrigada pela parte interessada, quiser dar o seu testemunho.
A testemunha dispensada pode ser obrigada pelo juiz a depor em nome,

da busca da verdade real (art. 206 terceira parte, do CPP), quando não houver
,

possibilidade de, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e


de suas circunstâncias. A testemunha proibida ainda que liberada do dever
,
170 Processo Penal - Raulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

de segredo pela parte interessada, não pode ser obrigada pelo juiz a depor,
somente o fazendo se quiser (art. 207, infine, do CPP).
e) Imunidade parlamentar ao dever de depor (Deputados Federais e Sena-
dores): o art. 53, § 6.°, da CF, dispõe que "os Deputados e Senadores
não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou
prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas
"

que lhes confiaram ou deles receberam informações .

7 8 6 7 Dever de dizer a verdade


. . .

Ao prestar depoimento, surge para a testemunha um terceiro dever: o


de dizer a verdade (art. 203 do CPP), sob pena de incidir em crime de falso
testemunho (art. 342 do CP).

Algumas pessoas em função de sua condição peculiar, são isentas do


,

compromisso legal de dizer a verdade (art. 208 do CPP): são os informantes,


compostos por três categorias:
a) os doentes e deficientes mentais;
b) os menores de 14 anos;
c) os parentes do acusado, enunciados no art. 206, segunda parte, do
CPP (se vierem a depor, porque quiseram ou porque foram obrigados
pelo juiz, no caso de não haver possibilidade de, por outro modo,
obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias).
Os informantes são testemunhas que não se sujeitam ao dever de dizer
a verdade.

Nesse ponto, discordamos de Vicente Greco Filho quando não considera


"
os informantes como testemunhas, mas como declarantes", juntamente
com o ofendido.
"

Segundo o autor, no processo penal, distingue-se com precisão a tes-


temunha, que presta compromisso e depõe sob pena de falso testemunho,
das demais pessoas ouvidas, como o ofendido, parentes do acusado (art.
206), parentes do ofendido, menores, que não prestam compromisso e são
considerados declarantes (Vicente Greco Filho. Manual de Processo Penal, 6.
"

ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 231).


Como se percebe, Vicente Greco Filho identifica a testemunha como
"

a pessoa que presta compromisso e depõe sob pena de falso testemunho


"

quando, em verdade, o critério para a definição das testemunhas deveria ser


a posição ocupada pela pessoa na estrutura subjetiva da infração penal: a
Cap. 7 . Das Provas 171

testemunha é um terceiro em relação à infração penal enquanto o ofendido,


,

"

que presta declarações", é parte passiva da infração penal.


Em verdade, a classificação engendrada pelo autor se assenta sobre a
existência ou não do dever de dizer a verdadequando o correto seria se pautar
,

pela circunstância de a pessoa ser ou não parte na infração penal.


Em abono da tese de que os informantes constituem modalidade de
testemunha podemos notar que o art. 214, ao tratar da contradita, preceitua
,

"

que o juiz somente excluirá a testemunha ou não lhe deferirá compromisso


"

nos casos previstos nos arts. 207 e 208 Ademais, quando a lei tangencia os
.

declarantes" (ofendidos) o faz em capítulo próprio (art. 201), diversamente


"

do que ocorre com os "informantes" regulados juntamente com as testemu-


,

nhas (art. 208 do CPP).


Distinção e similitudes entre informante e ofendido - embora não se
confundam o ofendido (parte passiva da infração penal) e os informantes
(testemunhas), ambos apresentam pontos de contato:
a) não estão sujeitos ao crime de falso testemunho (art. 342 do CP) ,

porquanto isentos do dever de dizer a verdade. Nesse diapasão: Julio


Fabbrini Mirabete. Código Penal Interpretado p. 230;,

"

Falso testemunho - Não caracterização - Irmã e esposa do réu - De-


poimentos prestados em processo-crime - Dispensa do compromisso da
verdade - Art. 206 do CPP - Falta de justa causa para o inquérito policial
-

Constrangimento ilegal configurado - Decisão judicial de instauração do


inquérito anulada-Trancamento determinado-Ordem concedida (TJSP,HC .

422.401-3/9, Ibitinga, 5.f Câm. Crim. de Férias de Julho/2003 rei. Barbosa


,

Pereira 16.07.2003, v.u.)JUBI 87/03.


,

"
Falso testemunho-Não caracterização-Declarações falsas constantes
no auto de prisão em flagrante - Retratação em Juízo - Falseamento da verdade
para proteção de companheiro ou amásio - Equiparação a cônjuge para efeito
de dispensa do compromisso de verdade da testemunha - Inteligência do art .

206 do CPP - Fato portanto, que não constitui infração penal - Condenação
,

cassada - Absolvição decretada - Expedição de alvará de soltura clausulado


-

Recurso provido. Os companheiros e amásios devem ser equiparados aos


cônjuges para os fins do art. 206 do CPP eximindo-se do dever da verdade por
,

configurar affectio familiae a excluir a hipótese de falso testemunho" (TJSP,


.

ApCrim 394.081-3/0 Sorocaba, 5.a Câm. Crim. de Férias deJulho/2003, rei.


,

Osmar Bocci, 30.07.2003, v.u.) JUBI86/03.


Nada obstante reconhecemos ser prevalente, na doutrina, a orientação
,

no sentido de que as testemunhas informantes podem incidir no crime de


172 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

falso testemunho, eis que o art. 342 do CP não exige o compromisso de dizer
a verdade como pressuposto ou elemento do tipo penal, como o faziam os
Códigos Penais de 1830 e 1890.
Esse entendimento parte da distinção entre "dever de dizer a verdade" e
"

compromisso de dizer a verdade e sustenta que as pessoas enunciadas no


"

art. 208 do CPP apenas não prestam o compromisso de dizer a verdade porque
não podem compreender a magnitude de tal juramento, deferido pela lei para
estimular moralmente a testemunha (art. 203 do CPP).
b) são extranumerários, não sendo considerados para o perfazimento
do número máximo de testemunhas que as partes podem arrolar, de
acordo com o procedimento).
Tratando-se de testemunha informante, cabe ao juiz valorar seu depoi-
mento consoante a livre apreciação das provas (art. 155 do CPP), a fim de lhe
afirmar ou infirmar sua credibilidade.

78 6
. . .
8 Procedimento do depoimento
O depoimento das testemunhas será oral (reduzido a termo), não poden-
do fazer apreciações pessoais, mas nada impede que haja consulta a anotações
(art. 204, caput, e parágrafo único do CPP).
Antes de iniciado o depoimento, a testemunha poderá ser contraditada
(art. 214 do CPP).
Além das testemunhas numerárias (aquelas arroladas pelas partes), po-
dem ser ouvidas testemunhas a critério do juiz (art. 209, caput, do CPP), e
também as referidas (art. 209, § 1. do CPP), que são pessoas indicadas pelas
°

testemunhas como conhecedoras dos fatos.


Testemunha instrumentaria (ou fedatária) é aquela que não atesta a
veracidade do fato, mas apenas presencia a realização de um ato processual
ou procedimental.
Direta é aquela que depõe sobre fatos a que assistiu pessoalmente; indireta
aquela que depõe sobre fatos que ouviu dizer.
As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas
não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-
-

las das penas cominadas ao falso testemunho (art. 210, caput, do CPP). A
Lei 11.690/2008 acrescentou um parágrafo único ao art. 210 do CPP, deter-
minando que, antes do início da audiência e durante a sua realização, sejam
reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das
testemunhas.
Cap. 7 . Das Provas 173

As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha,


não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem
relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida (art.
212, caput, do CPP).
O art. 212 alterou radicalmente o procedimento de inquirição das teste-
munhas, abandonando o sistema presidencialista, em que as perguntas das
partes são intermediadas pelo juiz (reperguntas).
De acordo com o atual sistema, as perguntas serão formuladas pelas
partes diretamente à testemunha, primeiro pela parte que a arrolou (direct
examination) e depois pela parte contrária (cross examination), podendo o
juiz complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos (art. 212,
parágrafo único, do CPP).
O sistema presidencialista de inquirição das testemunhas continua sen-
do aplicado para os jurados, cujas perguntas serão intermediadas pelo juiz
presidente (art. 473, § 2. do CPP).
°
,

Quando a presença do réu puder causar humilhação, temor, ou sério cons-


trangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade
do depoimento, o art. 217, caput, do CPP, determina que a inquirição destes
seja realizada por videoconferência, sendo a retirada do réu - prosseguimento
com a presença do defensor - uma medida subsidiária, a ser adotada somente
na impossibilidade da videoconferência (esta seria a forma preferencial, a fim
de assegurar a autodefesa do acusado, sob o aspecto do direito de presença).
A adoção de qualquer destas medidas deverá constar do termo, assim como
os motivos que a determinaram (art. 217, parágrafo único, do CPP).
A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo
juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória,
com prazo razoável, intimadas as partes (art. 222 do CPP). A expedição da
°
precatória não suspenderá a instrução criminal (§ 1. ) Findo o prazo mar-
.

cado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma


vez devolvida será junta aos autos (§ 2. )
,
°
.

Na hipótese de a testemunha morar fora da jurisdição do juízo pro-


cessante, a sua oitiva poderá ser realizada por meio de videoconferência ou
outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real,
permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante
a realização da audiência de instrução e julgamento (§ 3. ) °
.

As cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a


sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio
174 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

(art. 222-A do CPP). Aplica-se às cartas rogatórias a disciplina legal das cartas
precatórias (arts. 222-A, parágrafo único, e 222, §§ 1.° e 2.°).

7 8
. .
7 Do reconhecimento de pessoas e coisas
O cumprimento das formalidades legais enunciadas no art. 226 do CPP
conferem maior grau de credibilidade ao ato de reconhecimento pessoal ou
de objetos.
O aludido procedimento consiste em o reconhecedor fornecer a descrição
da pessoa cujo reconhecimento se pretende (art. 226 1 do CPP); em seguida,
, ,

esta será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela se pareçam ,

convidando-se então o reconhecedor a apontá-la (art. 226 II, do CPP). ,

Por derradeiro, procede-se à lavratura de auto de reconhecimento a ser ,

subscrito pela autoridade, pelo reconhecedor e por duas testemunhas que


hajam presenciado o ato (art. 226 IV, do CPP), as denominadas testemunhas
,

instrumentarias (aquelas que não presenciaram o fato criminoso mas a rea- ,

lização de um ato processual ou procedimental).


Se houver necessidade, a autoridade providenciará para que a pessoa
que fizer a identificação não seja vista (art. 226, III, do CPP).
Reconhecimento por fotografia é precário sendo considerado somente
,

se estiver em harmonia com o conjunto probatório. Trata-se de prova inomi-


nada ou atípica porquanto não disciplinada na legislação processual penal.
,

78
. .8 Da prova documental (arts. 231 a 238 do CPP)
Consideram-se documentos "quaisquer escritos, instrumentos ou papéis ,

"

públicos ou particulares (art. 232, caput, do CPP).


A produção da prova documental se opera mediante ajuntada. Em re-
gra, as partes podem apresentar documentos em qualquer fase do processo
(art. 231 do CPP). Como exceção, não se admite a leitura de documento ou
a exibição de objeto que não haja sido juntado aos autos com a antecedência
mínima de três dias ao julgamento em Plenário (art. 479 do CPP).
Em princípio qualquer documento pode ser juntado aos autos. Não
,

poderão ser juntados, porém, documentos que configurem provas proibidas,


como as cartas particulares interceptadas ou obtidas por meios criminosos
(art. 233, caput, do CPP).
O art. 233, parágrafo único, do CPP, permite a exibição de cartas pelo
respectivo destinatário, ainda que não haja consentimento do signatário ,

desde que para a defesa de direito próprio.


Cap. 7 . Das Provas 175

7 8
.
9 Busca e apreensão
.

A busca pode ser domiciliar ou pessoal.


A busca domiciliar , por implicar uma natural restrição ao direito de
inviolabilidade do domicílio , somente pode ser realizada quando presente o
consentimento do morador ou uma das exceções constitucionais, que inde-
pendem desse consentimento: (a) em caso de flagrante delito; (b) desastre;
(c) para prestar socorro; (d) por ordem judicial.
Em regra não há limitação temporal para a busca domiciliar, salvo em
,

caso de ordem judicial, que apenas pode ser cumprida durante o dia (art. 5.° ,

XI, da CF).
A busca pessoal embora independa de ordem judicial, somente pode
,

ser admitida quando houver fundada suspeita (art. 244 do CPP), tendo em
°
vista a proteção constitucional da intimidade da pessoa (art. 5. X, da CF). ,

O art. 7.° , II, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), com a redação


da Lei 11.767/2008, proclama ser direito do advogado a inviolabilidade de seu
escritório ou local de trabalho bem como de seus instrumentos de trabalho,
,

de sua correspondência escrita eletrônica, telefónica e telemática, desde que


,

relativas ao exercício da advocacia. Presentes indícios de autoria e materiali-


dade da prática de crime por parte de advogado o juiz pode decretar a quebra ,

da inviolabilidade, expedindo mandado de busca e apreensão (específico e


pormenorizado), a ser cumprido na presença de representante da OAB. É
vedada a utilização dos documentos das mídias e dos objetos pertencentes
,

a clientes do advogado averiguado bem como dos demais instrumentos de


,

trabalho que contenham informações sobre clientes (§ 6.°) exceto quando ,

estes estejam sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores, ,

pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade (§ 7.°).
Medidas Cautelares
Pessoais

8. 1 NOÇÕES GERAIS
Até o advento da Lei 12.403/2011, o indivíduo poderia responder
aos atos de persecução penal do Estado de duas maneiras: preso ou solto.
Não havia solução intermediária, apesar dos pleitos da doutrina e dos
operadores.
Em alguns casos, a mera soltura do suposto infrator não parecia so-
lução satisfatória, dada a existência de justificativa cautelar para sua prisão.
Por outro lado, a justificativa poderia não ser tão intensa a ponto de legitimar
o recolhimento do sujeito ao cárcere, mormente nas condições sub-humanas
das prisões brasileiras.
Eis que a Lei 12.403/2011 busca solucionar a questão, com a previsão
de outras cautelares pessoais, ou seja, medidas que restringem a liberdade
do indivíduo, dando vazão à determinada necessidade cautelar, mas sem a
necessidade de medida extrema, que é a prisão.
Por parâmetro de proporcionalidade, a lei exige que as medidas cau-
telares devem ser adequadas à gravidade do crime, inspirando previsão do
°
art. 283, § 1. do CPP, que proíbe a imposição de qualquer medida cautelar
,

se não for cominada à infração pena privativa de liberdade. Trata-se, aqui,


da consagração da racionalidade processual: o meio (processo) não pode ser
mais gravoso ao indivíduo que o mais terrível fim, que é a possível imposição
da pena, se devida.
As medidas cautelares pessoais (incidem sobre a liberdade de locomo-
ção da pessoa investigada ou acusada) podem ser divididas em três categorias:
a) prisões cautelares;
b) medidas cautelares diversas da prisão e
c) liberdade provisória.
178 Processo Penal - Píiulo H. A. Fuller
, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

8 . 2 REGRAS GERAIS PARA A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS


CAUTELARES PESSOAIS NO PROCESSO PENAL (ART. 282)

82 . .
1 A regra da proporcionalidade (caput e incisos I e II)
A regra de tratamento derivada da presunção de inocência (art. 5.° , LVII,
da CF/1988, e art. 8.°, n. 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos
,

CADH) impõe a demonstração da proporcionalidade da medida cautelar


pessoal a ser aplicada (qualquer delas, independentemente da sua intensida-
de) como forma de justificação da restrição do âmbito de proteção do aludido
,

direito fundamental.

Isso porque "qualquer ato (público ou privado) pode ser tido como
restrição mesmo que tenha pequenas repercussões no direito fundamental.
,

Assim restrição à presunção de inocência, em qualquer de seus aspectos ou


,

em qualquer intensidade deve guardar justificação constitucional e propor-


,

cionalidade (abstrata e concreta). Como toda e qualquer intervenção estatal


na esfera jurídica do imputado é em menor ou maior grau, antecipação de
,

eventuais efeitos de uma condenação, ela não poderá ocorrer de ordinário ,

mas apenas em caráter excepcional. Assim criar várias medidas anteriores e


,

menos invasivas aos direitos do cidadão quando comparadas com a prisão pro-
,

visória não as desnatura como medidas restritivas e, portanto, excepcionais.


,

Não torna desnecessário o exame da sua constitucionalidade tanto em plano


legislativo abstrato quanto na esfera judicial de concreção da norma. Desde
,

a restrição mais leve até a mais intensa devem apresentar em nível legislativo
(nível abstrato da norma) proporcionalidade e justificação constitucional,
cujas verificações e cumprimento devem ocorrer também em nível judicial ao ,

"

se interpretar e aplicar a lei ao caso concreto (Maurício Zanoide de Moraes,


Presunção cie inocência no processo penal brasileiro p. 373). ,

O art. 282, incs. le II determina a observância da regra da proporcionalida-


de na aplicação das medidas cautelares pessoais, estabelecendo as sub-regras
da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
O inciso I, ao cuidar da "necessidade" para aplicação da lei penal, para
a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos ,

para evitar a prática de infrações penais, em realidade disciplina a sub-regra


da adequação ou idoneidade, que implica uma primeira indagação por parte
do juiz: "a medida a ser adotada é adequada para fomentara realização do ob-
jetivo perseguido?" (Virgílio Afonso da Silva, Direitosfundamentais: conteúdo
essencial, restrições e eficácia, p. 170).
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 179

A adequação busca estabelecer uma relação de causalidade (meio e fim)


entre uma medida e um objetivo. Trata-se de manifestação da instrumentali-
dade dos provimentos cautelares.
Assim, em caso de risco concreto de fuga do indiciado ou acusado,
não seria adequada a aplicação da medida cautelar de proibição de manter
contato com pessoa determinada (art. 319,111), em face da sua inidoneidade
para fomentar a realização do objetivo perseguido, a saber, a aplicação da lei
penal (art. 282,1).
Estabelecida a premissa da adequação da medida cautelar (para fomentar
a aplicação da lei penal, a investigação ou a instrução criminal e, nos casos
expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais), deve o
juiz, em uma segunda etapa, proceder ao teste comparativo da sub-regra da
necessidade (termo impropriamente empregado no inciso I) ou exigibilidade:
analisar se existe medida cautelar alternativa (art. 319) que, sendo igualmente
eficiente na realização do objetivo, restrinja menos o direito fundamental de
liberdade de locomoção.
Assim, (a) se o receio de fuga puder ser evitado com a proibição de
ausentar-se da comarca e com a entrega do passaporte (arts. 319, IV, e 320),
não haveria necessidade de ser decretada a prisão preventiva para assegurar
a aplicação da lei penal (art. 312, caput); (b) se a prática de infrações penais
puder ser evitada com a suspensão do exercício de função pública ou de ati-
vidade de natureza económica ou financeira (art. 319, VI), não haveria neces-
sidade de ser decretada a prisão preventiva como garantia da ordem pública
ou da ordem económica (art. 312, caput, do CPP); (c) se a ameaça a ofendidos
ou testemunhas puder ser evitada com a proibição de manter contato com
pessoa determinada (art. 319, III), não haveria necessidade de ser decretada
a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal (art. 312, caput).
A sub-regra da necessidade, contudo, não significa que a medida pro-
porcional deva ser sempre a menos gravosa, pois isso somente ocorre quando
ambas as medidas forem igualmente eficientes na realização do objetivo. Em
outras palavras: no plano da necessidade, decisiva é a eficiência da medida.
Caso a medida adequada e necessária (mais eficiente) seja mais gravosa
que a medida cautelar alternativa, deve o juiz, em uma terceira etapa, proceder
ao sopesamento dos direitos e interesses envolvidos no caso concreto (pon-
deração), de acordo com a sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito,
"

cuja função consiste precisamente em evitar que medidas estatais, embora


adequadas e necessárias, restrinjam direitos fundamentais além daquilo que
180 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a realização do objetivo perseguido seja capaz de justificar (Virgílio Afonso


"

daSilva, Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia p. 175). ,

O inciso II, ao mencionar a "adequação" da medida à gravidade do cri-


me, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado em ,

realidade define critérios para o sopesamento ou a ponderação (proporcio-


,

nalidade em sentido estrito) entre a medida cautelar que se pretende aplicar


e as circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto.

82 1
. . .
1 A regra da proporcionalidade em face da suspensão
condicional do processo, da pena potencial e do menor
potencial ofensivo
Assim, se a pena mínima cominada para o crime for igual ou inferior a um
ano e as condições pessoais do indiciado indicarem o cabimento da proposta
de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995), não seria
proporcional a decretação da prisão preventiva, em face da perspectiva de ser
declarada a extinção da punibilidade ao cabo do período de prova (art. 89 ,

§ 5.°, da Lei 9.099/1995), sem a imposição de pena alguma - sequer haveria


decisão de acertamento do caso penal, por se tratar de sentença terminativa
de mérito, que (meramente) declara a extinção do direito material de punir ,

sem reconhecimento de culpabilidade ou de inocência.


Isso pode ocorrer em crime de estelionato (art. 171, caput do CP), cuja ,

pena mínima cominada (um ano) possibilita a suspensão condicional do


processo (art. 89 da Lei 9.099/1995), mas cuja pena máxima cominada (cin-
co anos) admite a decretação da prisão preventiva, por ser superior a quatro
anos (art. 313,1).
O mesmo sucede em caso de tentativa de furto qualificado (art. 155 § ,


.
c.c. o art. 14, II, ambos do CP): sua pena mínima em abstraio seria de
,

oito meses (dois anos, reduzidos de dois terços), possibilitando a suspensão


condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995), enquanto que sua pena
máxima em abstrato seria de cinco anos e quatro meses (oito anos reduzidos ,

de um terço), admitindo a decretação da prisão preventiva por ser superior ,

a quatro anos (art. 313,1).


Com efeito, seria desproporcional submeter à prisão provisória um
sujeito a que, provavelmente, não seria imposta prisão-pena como resultado
do processo.
Por identidade de motivos, entendemos que a proporcionalidade em
sentido estrito deve ainda ser pautada pela pena que seria potencialmente
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 181

aplicada em caso de eventual condenação (espécie, qualidade, quantidade,


regime inicial de cumprimento, possibilidades de substituição e suspen-
são).
Assim, diante da probabilidade de aplicação de pena de multa isolada,
de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, da
concessão de sursis ou mesmo de cumprimento em regime inicial aberto,
deveria ser considerada desproporcional a decretação da prisão preventiva.
Em suma: como já dito, a medida cautelar pessoal, por força da sua ins-
trumentalidade (meio) e provisoriedade, não poderia ser mais gravosa que
o provimento definitivo (fim) que tende a lhe substituir.
Em alguns casos no entanto, a prisão preventiva pode se tornar neces-
,

sária ou exigível para a investigação ou a instrução criminal, como medida


cautelar instrumental (assegura o desenvolvimento - meios - do processo),
apesar de a pena potencial não indicar a probabilidade da execução de pena
privativa de liberdade.
Suponha-se que, em situação de ameaça a ofendidos ou testemunhas,
o juiz tenha aplicado medida cautelar pessoal diversa da prisão, consistente
em proibição de manter contato com pessoa determinada (art. 319, III), e que
esta haja sido sistematicamente descumprida pelo indiciado ou acusado: a
comprovada insuficiência da medida cautelar alternativa evidenciaria a im-
°
prescindibilidade da decretação da prisão preventiva (arts. 282, § 4. e 312, ,

parágrafo único), de forma absolutamente excepcional (proporcionalidade


em sentido estrito).
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró recusa a possibilidade de prisão
preventiva não apenas como cautelar final (para assegurar a aplicação da
lei penal), mas inclusive como cautelar instrumental (por conveniência da
instrução criminal): "Em nenhuma hipótese e por nenhum dos motivos que
caracterizam o periculum libertatis, pode se decretar a prisão preventiva se
"

não há prognóstico de cumprimento efetivo de pena privativa de liberdade


( A prisão preventiva e o princípio da proporcionalidade", p. 174).
"

8 2
. .
2 A estrutura da motivação dos provimentos cautelares
A observância da regra da proporcionalidade reclama motivação sufi-
ciente da decisão que determina a aplicação de medida cautelar pessoal, em
que o juiz deve demonstrar a presença das suas condições de admissibili-
dade e , em seguida, dos seus requisitos: fumus commissi delicti e periculum
libertatis.
182 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

822
. . . 1 Condição de admissibilidade (art. 283, § 1 °)
O art. 283, § 1.°, estabelece que a aplicação das medidas cautelares
pessoais somente pode ser admitida em caso de infração penal a que seja
cominada pena privativa de liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples) ,

pouco importando se de forma isolada, cumulativa ou alternativa.


Em caso de contravenção penal a que seja cominada pena de multa iso-
lada ou da infração penal definida no art. 28 da Lei 11.343/2006 afasta-se, ,

desde o plano da admissibilidade a possibilidade de aplicação de qualquer


,

medida cautelar pessoal.


Assim, a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (art.
61 do Dec.-lei 3.688/1941) não admitiria a aplicação da proibição de manter
contato com pessoa determinada (art. 319, III), assim como a posse de droga
para consumo pessoal não admitiria a aplicação da proibição de acesso ou
frequência a determinados lugares (art. 319 II). ,

8 2 2
. .
2 Requisitos cautelares: o fumus commissi delicti
.

A Lei 12.043/2011 não especifica qual seria o fumus commissi delicti re-
clamado para a aplicação das medidas cautelares pessoais diversas da prisão
(apenas para a prisão preventiva foi estabelecida a presença de "prova da
existência do crime e indício suficiente de autoria "
- art . 312).

A despeito da aparente omissão legal, entendemos que o fumus com-


missi delicti pode ser inferido da redação do art. 282 inc. II, que se refere ao
,

"

indiciado" ou "acusado" como sujeito passivo da medida cautelar pessoal ,

pressupondo, assim, que ele tenha sido ao menos submetido a indiciamento


formal pela autoridade policial.
Isso porque o indiciamento representa um juízo de probabilidade (grau
de convicção mais elevado que a suspeita, que representa um juízo de mera
possibilidade) da autoria ou da participação em infração penal, fundado em
elementos de informação coligidos na investigação criminal.
Tratando-se de ato vinculado da autoridade policial surgem logicamen- ,

te duas possibilidades: ou o sujeito foi indiciado e existe indício de autoria


ou participação para a aplicação das medidas cautelares ou ele ainda não ,

foi indiciado e não se encontra sujeito a tais restrições pessoais em face da ,

ausência de fumus commissi delicti.


O investigado ou mero suspeito, portanto, não pode ser submetido a
qualquer medida cautelar pessoal. Com efeito, se as medidas cautelares reais
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 183

alcançam somente os bens do indiciado ou do acusado (arts. 125, 132, 134


e 137), a fortiori, as medidas cautelares pessoais devem ser cogitadas apenas
para sujeitos que, ao menos, ostentam a qualificação jurídica de indiciados.
Assim, para a aplicação das medidas cautelares pessoais, deve ser de-
monstrada a presença de indício da autoria ou da participação em infração
penal a que seja cominada pena privativa de liberdade (art. 283, § 1. ) - donde
°

decorre a necessidade de o sujeito passivo da medida ter sido anteriormente


indiciado por ato formal da autoridade policial (de forma similar ao Código de
Processo Penal Português, que pressupõe a "constituição como arguido" como
condição necessária para a aplicação das medidas de coação - art. 192, n. 1).

822
. .
3 Requisitos cautelares: o periculum libertatis (art. 282,1)
.

O periculum libertatis das medidas cautelares pessoais (em geral), estabe-


lecido no art. 282, inc. I, guarda perfeita correspondência com os fundamentos
da decretação da prisão preventiva (art. 312), dispensando por isso maiores
discussões acerca de seu conteúdo.

A necessidade (adequação e necessidade) para a aplicação da lei penal


enseja a aplicação de uma medida cautelar final (assegura o resultado - fim
-

do processo), enquanto a necessidade para a investigação ou a instrução


criminal propicia a aplicação de uma medida cautelar instrumental (assegura
o desenvolvimento - meio - do processo).
A necessidade para evitar a prática de infrações penais (tal como a
garantia da ordem pública e da ordem económica, na prisão preventiva), di-
versamente dos fundamentos anteriores, não possui finalidades processuais
(assegurar o desenvolvimento ou o resultado do processo), mas finalidade da
pena (prevenção especial negativa), sendo por isso considerada uma tutela
do direito material.

Isso desnatura a função tipicamente cautelar (instrumento do processo


e não diretamente do direito material) que deveria inspirar a aplicação das
aludidas medidas. Por isso, parcela da doutrina considera inconstitucional
o fundamento da necessidade para evitar a prática de infrações penais (bem
como a garantia da ordem pública e da ordem económica), por considerar
que a prevenção especial negativa implica antecipação dos efeitos da pena,
violando assim o princípio da presunção de inocência, sob o aspecto da regra
de tratamento (art. 5.°, LVII, da CF/1988).
Entendemos que a alta probabilidade de reiteração criminosa pode, em
casos absolutamente excepcionais, justificar a aplicação de medidas cautelares
184 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

pessoais, clesde que demonstrada a sua proporcionalidade no caso concreto


(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Consigne-se que, no plano legislativo (abstrato) a excepcionalidade da ,

aplicação de medidas cautelares pessoais para evitar a prática de infrações


penais se manifesta no art. 282, inc. I, que apenas admite a invocação do
aludido fundamento " "

nos casos expressamente previstos (incs. II, VI e Vil


do art. 319).

82 2
. . .
4 Determinação da medida cautelar pessoal a ser aplicada
(art. 282, §§ 1.°e6.°)
O art. 282, § 1.° permite a aplicação isolada ou cumulativa (cumulação
,

inicial) das medidas cautelares pessoais sendo a mesma orientação incorpo-


,

rada na regra especial contida no art. 319 § 4.°, que possibilita a cumulação
,

da fiança (art. 319, VIII) com outras medidas cautelares diversas da prisão.
Outrossim, em caso de descumprimento de medida cautelar pessoal
anteriormente aplicada pode o juiz impor outra em cumulação (cumulação
,

posterior), a par das possibilidades de substituição e, subsidiariamente, de


decretação da prisão preventiva (art. 282 § 4.°). ,

Estabelecida a presença das condições de admissibilidade e dos requisitos


cautelares (fumus commissi delicti e periculum libertatis), deve o juiz determi-
nar a forma (isolada ou cumulativa) e a medida a ser aplicada justificando ,

especificamente a decisão pela cumulação e principalmente, pela aplicação


,

de medida mais gravosa (comparada com alternativas adequadas) mediante ,

a demonstração da sua maior eficiência (necessidade) procedendo, em segui- ,

da, ao sopesamento ou ponderação (proporcionalidade em sentido estrito).


A decisão de decretação da prisão preventiva por força da sua expressa
,

°
subsidiariedade e excepcionalidade (art. 282, §§ 6. e 4.°), deve ainda de-
monstrar a inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da
prisão (art. 310, II).

82 2
. .
5 Procedimento para aplicação das medidas cautelares
.

°
pessoais (art. 282, § 2. )
O art. 282, § 2.°, contempla a regra da jurisdicionalidade, ao dispor que
as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz devendo ser ressalvadas
,

apenas a prisão em flagrante e a fiança - em infrações com pena máxima co-


minada igual ou inferior a 4 anos (art. 322, caput) - que podem ser aplicadas
,

diretamente pela autoridade policial.


Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 185

A possibilidade de o juiz aplicar ex officio as medidas cautelares pesso-


ais alcança apenas a fase processual da persecução penal (regra do impulso
oficial), podendo ainda qualquer das partes formular requerimento. Tais
partes seriam, naturalmente, os titulares da ação penal (Ministério Público e
querelante) e o assistente - a quem foi estendida a legitimidade para requerer
a decretação da prisão preventiva (art. 311) e, afortiori, de medidas cautelares
pessoais mais brandas (diversas da prisão).
Entendemos que o Ministério Público não possui legitimidade para
requerer a aplicação de medidas cautelares pessoais em caso de ação penal
" "

privada, por não ocupar a posição de parte (art. 282, § 2.°): na ação penal
privada exclusiva, o Ministério Público atua na qualidade de fiscal da lei
(custos legis) e, portanto, não pode substituir a iniciativa do querelante; na
ação penal privada subsidiária, o poder de requerer a aplicação de medidas
cautelares pessoais não foi contemplado no art. 29 do CPP.
Durante a investigação criminal, a aplicação das medidas cautelares
pessoais sempre depende de provocação, consistente em representação da
autoridade policial ou requerimento do Ministério Público. A proibição da
iniciativa judicial na fase de investigação criminal otimiza o princípio acu-
satório (art. 129,1, da CF/1988) e orienta inclusive a decretação das prisões
°
cautelares, tanto temporária (art. 2. caput, da Lei 7.960/1989) como pre-
,

ventiva (art. 311 do CPP).


Por ocasião dos comentários ao art. 310 do CPP, analisaremos o proce-
dimento de aplicação das medidas cautelares pessoais, especificamente em
caso de prisão em flagrante (medidas diversas da prisão, como vínculos da
liberdade provisória, e conversão em prisão preventiva).

8225
. . . .
1 Contraditório prévio (art. 282, § 3.°)
O art. 282, § 3.°, ao determinar a intimação do indiciado ou acusado
(parte contrária) para manifestação acerca do pedido de medida cautelar, es-
tabelece a necessidade de contraditório prévio no procedimento de aplicação
das medidas cautelares pessoais, inclusive das prisões cautelares, ressalvados
os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, quando a decisão
pode ser proferida inaudita altera parte.
A regra geral portanto, passa a ser o contraditório prévio, de sorte que
,

a decisão que o dispensar deve ser motivada, com a demonstração dos dados
concretos que evidenciam a urgência ou o perigo de ineficácia (v.g., perigo
de fuga iminente). Em caso de dispensa, nada impede que se estabeleça um
186 Processo Penal - Piaulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

contraditório diferido com a intimação do indiciado ou acusado para mani-


,

festação posterior podendo agora o seu defensor (constituído ou nomeado)


,

convencer o juiz acerca da falta de motivo para a subsistência da medida


cautelar decretada, o que implicaria a sua revogação ou substituição por outra
°
mais branda (art. 282, § 5. ) .

A intimação do indiciado ou acusado deve ser acompanhada de cópia


do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.
A redação do art. 282, § 30, ao se referir ao "pedido" de medida cautelar ,

parece impor o contraditório prévio apenas em caso de provocação para a


aplicação das medidas cautelares pessoais.
Contudo, e considerando a admissibilidade da iniciativa judicial na
fase processual da persecução penal (art. 282 § 2.°), entendemos que, ao
,

vislumbrar a possibilidade de decretação ex officio das medidas cautelares


pessoais, deve o juiz determinar a intimação do acusado para manifestação
(dissuasão), por interpretação extensiva (art. 3.° do CPP) da norma contida
°
no art. 282, § 3. a fim de que o seu defensor possa demonstrar a ausência dos
,

requisitos legais para a aplicação de qualquer medida ou mesmo a adequação


e suficiência daquelas que sejam menos restritivas (dentre as adequadas).
Em seguida, analisaremos a necessidade de contraditório prévio em caso
de descumprimento das medidas cautelares pessoais (art. 282, § 4.°).

822
. .
6 Descumprimento das medidas cautelares pessoais (art.
.

282, §4°)

Em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas pela


°
aplicação das medidas cautelares pessoais, o art. 282, § 4 permite que o juiz, ,

ex officio ou mediante provocação oriunda de requerimento do Ministério


Público, de seu assistente ou do querelante, decida entre três possibilidades:
(a) substituição da medida aplicada; (b) imposição de outra em cumulação
(posterior); (c) decretação da prisão preventiva, em último caso (art. 312,
parágrafo único).
Cabe salientar que o descumprimento das obrigações impostas por
força de medidas cautelares diversas da prisão não implica necessariamente
a decretação da prisão preventiva (como se poderia supor da leitura isolada
do art. 312, parágrafo único), devendo o juiz apreciar, precedentemente, as
alternativas menos restritivas: em primeiro lugar, a substituição; se inade-
quada ou insuficiente, a cumulação; e, em último caso, a decretação da prisão
°
preventiva (art. 282, § 4. infine). ,
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 187

Essa ordem de preferência decorre da subsidiariedade e da excepciona-


lidade da prisão preventiva, estabelecida nos arts. 282, § 6°, e 310, inciso II,
devendo ser estendida para a situação de quebramento da fiança (arts. 343 e
350, parágrafo único).
Como parece natural, as possibilidades de substituição, cumulação e
decretação da prisão preventiva, por representarem uma agravação na situa-
ção jurídica do sujeito passivo da persecução penal, pressupõem o descum-
primento injustificado da medida cautelar pessoal anteriormente aplicada (o
art. 343 consigna que o quebramento da fiança deve ser injustificado, sendo
a mesma orientação adotada no art. 350, parágrafo único).
Por isso o juiz deve primeiro determinar a intimação do indiciado ou
,

acusado para comparecimento em audiência de justificação, a ser realizada


°
com a participação da defesa técnica (interpretação extensiva - art. 3. do
CPP- da norma contida no art. 282, § 3.°). Depois de conhecidos os motivos
do descumprimento, pode então o juiz decidir se a justificativa apresentada
deve ser aceita ou rejeitada, caso em que seria deflagrada a agravação por
substituição, cumulação ou decretação da prisão preventiva, nos moldes do
que sucede com a regressão do regime de cumprimento da pena privativa de
liberdade (art. 118 § 2.°, da Lei 7.210/1984).
,

822
. .
7 A situacionalidade das medidas cautelares pessoais (art.
.

282, §5°)

As medidas cautelares pessoais são aplicadas em face de uma determinada


situação concreta (situacionalidade) e de acordo com os elementos de convic-
ção presentes no momento da decisão (segundo o estado do procedimento ou
do processo). Por isso, sobrevindo alteração que implique a cessação da sua
necessidade, deve a medida cautelar ser revogada (revogação pura e simples
ou substituição por outra mais branda, se for o caso). Isso ocorre, v.g., com a
necessidade para a investigação ou a instrução criminal (art. 282,1): encerrada
a investigação criminal ou a produção de provas, cessa o periculum libertatis
que justificava a restrição ao direito de liberdade de locomoção.
Fica ainda ressalvada a possibilidade de ser decretada nova medida
cautelar pessoal se surgir tal necessidade em momento posterior (v.g., o
,

conhecimento de condutas que evidenciam o risco concreto de fuga).


Em suma: os provimentos cautelares são rcbus sic stantibus, pois sub-
sistem enquanto o seu referencial permanecer o mesmo (situação de fato
considerada como substrato da decisão, no momento em que proferida);
188 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

sobrevindo modificação relevante nas condicionantes da decisão pode o seu ,

comando ser ajustado a essa nova realidade circundante.


Em sede de prisão preventiva, a situacionalidade continua sendo espe-
cificada no art. 316 do CPP.

8.2.2.8 A subsidiariedade e excepcionalidade da prisão preventiva


(art. 282, §6°)

Por ser a medida mais gravosa do sistema cautelar pessoal (dada a in-
tensidade da restrição que implica ao direito fundamental de liberdade de
locomoção), o art. 282, § 6.°, determina a expressa subsidiariedade e excep-
cionalidade da prisão preventiva, cuja decretação deve ser reservada para
situações de absoluta imprescindibilidade (ultima ratio).
Trata-se de manifestação da regra da proporcionalidade no plano legisla-
tivo (abstrato), que vincula a atuação judicial no momento da determinação
da medida a ser aplicada (plano concreto), impondo ao juiz um dever de
motivação específico para a decretação da prisão preventiva consistente na ,

demonstração da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diver-


sas da prisão (art. 310, II) - a par das suas condições de admissibilidade e
requisitos (fumus commissi delicti e periculum libertatis).
A subsidiariedade e a excepcionalidade da prisão preventiva ainda ins-
°
piram a regra do art. 282, § 4. que estabelece, em caso de descumprimento
,

das medidas cautelares diversas da prisão, as possibilidades de substituição ,

cumulação e, em último caso, decretação da prisão preventiva (orientação


que deve ser estendida para a situação de quebramento da fiança - arts. 343
e 350, parágrafo único).

8 3 PRISÕES CAUTELARES (PROCESSUAIS OU PROVISÓRIAS)


.

Antes da reforma processual que será comentada em seguida, a prisão


,

era a cautelar por excelência no processo penal brasileiro.


nem sempre a prisão tem caráter cautelar. Pela classificação
No entanto ,

doutrinária consagrada, a prisão pode ser:


a) Prisão pena (definitiva): advém da condenação transitada em julgado.
Tem finalidades retributivas e preventivas.
b) Prisão processual (provisória ou cautelar): resulta de determinação
judicial ou de flagrante (art. 5.°, LXI, da CF/1988), em virtude da per-
secução penal ou processo penal. É aquela que antecede o trânsito em
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 189

julgado da condenação penal. Tem como finalidade propiciar o bom


andamento do processo, ou seja, é instrumento para o bom desempe-
nho da ação principal. Só se compatibiliza com a atual Constituição
se tiver fundamento cautelar. As prisões cautelares (processuais
ou provisórias) são a prisão em flagrante, a prisão temporária (Lei
7 960/1989), a prisão preventiva e a prisão domiciliar (substitutiva da
.

prisão preventiva - arts. 317e318do CPP), como sinaliza o art. 283


CPP.

O juiz pode, nas decisões de pronúncia e de condenação


recorrível, decretar ou manter a prisão preventiva do acusado ouseis®®
(arts. 413, § 3.°, e 387, parágrafo único, do CPP). ___

c) Prisão civil: somente utilizada para compelir alguém ao cumprimento


da obrigação alimentar ou ao dever de devolver a coisa que está em seu
poder em virtude de ser fiel depositário (art. 5. LXVII, da CF/1988).
°
,

cuidado
Em face do disposto no art. 7°, n. 7, da Convenção Americana

v de Direitos Humanos - CADH, o STF editou a Súmula vinculante


25: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja
a modalidade do depósito
"
.

Há ainda prisão classificada como administrativa, de natureza disci-


plinar, do superior hierárquico militar ao inferior. Há também a prisão do
extraditando, classificada por muitos como administrativa, embora outros
autores apenas a compreendam como constitucional quando legitimadas
por caráter cautelar.
A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia ou hora, mas respeitada a
inviolabilidade de domicílio: pela regra do art. 5.°, XI, da CF/1988, a prisão só
pode ser efetuada no interior de residência durante o dia em razão de flagrante
ou mediante apresentação de mandado judicial. Durante a noite, apenas no
caso de flagrante delito no interior da residência. Assim, se a autoridade poli-
cial está munida de mandado mas já é noite, deve aguardar do lado de fora da
residência para que, ao amanhecer (prevalece após 6h, embora haja corrente
,
190 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

no sentido de que apenas se configurado o nascer do sol) arrombe a porta no ,

caso de recusa do morador cm permitir o acesso da autoridade para a detenção.


No caso de prisão por mandado este deve ser passado em duplicata, e
,

um dos exemplares apresentado ao preso com declaração de dia, hora e local


,

e da diligência, mediante recibo, ou, na recusa ou impossibilidade do detido


passar recibo, com a assinatura de duas testemunhas cm declaração.
O ato que efetiva a prisão não pode ser uma violência arbitrária imposta
ao cidadão: reza o art. 284 CPP que não será admitido o uso da força salvo ,

em caso de resistência ou tentativa de fuga.


Conforme o art. 287 do CPP se a infração for inafiançável, a falta de exi-
,

bição do mandado não impede a prisão, desde que o preso seja imediatamente
levado à presença do juiz que tenha expedido o mandado. Nucci argumenta
que a justificativa de tal possibilidade se dá pela especial gravidade das in-
frações inafiançáveis assinalando que a apresentação pode ser feita ao juiz
,

corregedor ou plantonista. Choukr nota que tal artigo não tem eficácia no
"

direito vivido", não havendo sequer regulamentação para a materialização


de tal garantia (de ser apresentado imediatamente ao juiz). Pacelli entende
que o referido artigo sequer foi recepcionado pela Constituição, pela violação
ao devido processo legal à reserva de jurisdição e por ser fator que alimenta
,

o abuso e a ilegalidade por parte das autoridades policiais. Em nosso enten-


der, o artigo pode ser considerado vigente, mas apenas se realmente houver
apresentação imediata (trajeto da detenção à autoridade judicial, direto), sob
pena de invalidade do ato e responsabilização dos detentores.
O art. 288 do CPP assevera ainda que ninguém será recolhido à prisão
sem que seja exibido o respectivo mandado ao diretor ou carcereiro respon-
sável devendo ser passado recibo.
,

A prisão pode ser deprecada constando da precatória o inteiro teor do


,

mandado. Se urgente é possível a transmissão por outro meio de comunicação


,

(telegrama, fax), devendo constar o motivo da prisão e, se afiançável, o valor


da fiança fixada (art. 289 do CPP). Caberá à autoridade deprecada diligenciar
para comprovar a autenticidade da requisição.
Ainda tratando de prisão "à distância" é comum que uma pessoa presa
,

"
em um determinado local continue sendo procurada em outro, dada a
"

dificuldade de comunicação entre os juízos. Também é comum que em um


determinado local não se saiba do mandado de prisão expedido por outro
juízo, e, assim, o indivíduo pode transitar dentre os muros do Judiciário sem
ser incomodado. Buscando superar tais dificuldades, o Conselho Nacional de
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 191

Justiça manterá banco de dados no qual deverá ser imediatamente registrada


todo mandado de prisão, sendo a comunicação responsabilidade do juiz que
determinou a custódia. Nesse caso, esclarece o art. 289-A, § 2.°, que qualquer
agente poderá efetuar a prisão lastreada em mandado registrado no CNJ,
ainda que fora da competência do juiz que o expediu. Com a efetivação da
prisão, o juiz que expediu o mandado deverá ser imediatamente comunicado,
e atualizado o registro no CNJ.
No caso da prisão em local diverso daquele que expediu o mandado,
é infelizmente comum que nesses casos o sujeito permaneça longo tempo
aguardando remoção para o local adequado, ou seja, para aquele em que estará
realmente ao dispor do juiz deprecante, permitindo o bom andamento do
processo. Para que não tarde a providência de deslocamento do preso, a nova
redação do art. 289, § 3. define prazo de 30 dias para que seja providenciada
°
,

a remoção, contados da efetivação da medida.


No caso de perseguição, a autoridade policial poderá efetuar a prisão
onde o alcançar, apresentando o detido à autoridade local, que poderá lavrar o
auto de prisão em flagrante e depois providenciar a remoção. Entende-se que
há perseguição quando (a) o sujeito é avistado e perseguido sem interrupção,
ainda que escape à visão em momento posterior, ou (b) se há informação
fidedigna que o sujeito acaba de passar pelo local.
Há pessoas que, em razão de cargo, função ou determinada formação,
têm direito a permanecer, durante a prisão provisória, no chamado regime de
prisão especial disciplinado no art. 295 do CPP. A chamada prisão especial
" "

consiste no recolhimento em local distinto da prisão comum, se possível,


ou em cela distinta do mesmo estabelecimento, podendo consistir em esta-
belecimento coletivo, desde que atendidos os requisitos de salubridade do
ambiente, pela concorrência de aeração, insolação e condicionamento térmico
" "

adequados à existência humana. O preso especial não será transportado


junto com presos "comuns", mas, no restante, tem os mesmos direitos e de-
veres deles (art. 295, §§ 1
°
a 5.° ,
do CPP).
As categorias arroladas sem prejuízo de outras categorias com previsão
,

em lei especial, são os ministros de Estado; os governadores ou interventores


de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos
secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; os
membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e
das Assembleias Legislativas dos Estados; os cidadãos inscritos no "Livro de
Mérito"; os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito
192 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Federal e dos Territórios; os magistrados; os diplomados por qualquer das


faculdades superiores da República; os ministros de confissão religiosa; os
ministros do Tribunal de Contas; os delegados de polícia e os guardas-civis
dos Estados e Territórios, ativos e inativos; os cidadãos que já tiverem exercido
efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo
de incapacidade para o exercício daquela função; os delegados de polícia e
os guardas-civis dos Estados e Territórios ativos e inativos.
,

Quanto aos advogados, há posição no sentido de que, mesmo após a


alteração do Código de Processo Penal, permanecem com direito à sala de
Estado Maior (Nucci). O STJ tem julgados no entanto, no sentido de que a
,

nova redação do art. 295 aplica-se a todas as categorias de prisão especial ,

atingindo também a Lei 8.906/1994 tendo o advogado apenas os direitos dos


,

parágrafos do art. 295, já enunciados.


O art. 300 do CPP traz que, sempre que possível as pessoas provi- ,

soriamente presas ficarão separadas das definitivamente condenadas reco- ,

mendação que pela frágil redação do dispositivo (sempre que possível), não
,

é cumprida pelas autoridades brasileiras.

83
. .
1 Justificativa da prisão processual (provisória ou cautelar)
A prisão processual (provisória ou cautelar) não pode violar a presun-
ção de inocência, ou seja, não pode significar castigo, pois até o trânsito em
julgado da sentença condenatória o sujeito deve ser considerado inocente.
Há que se ter, por tal razão especial cuidado na interpretação e aplicação dos
,

artigos do Código de Processo Penal que tratam da prisão cautelar vez que ,

o diploma legal foi gerado em regime não democrático em que se aceitava ,

a prisão processual como juízo de antecipação de culpabilidade (Pacelli).


Assim, apenas a prisão processual com finalidade cautelar é considerada
constitucional. A prisão cautelar tem como finalidade permitir o bom anda-
mento da ação principal, ou seja não busca castigar. Como é instrumento
,

para o processo, e não se confunde com a pena, é admitida e compatível com


a presunção de inocência.
É claro que, frente à imensa restrição à garantia individual imposta pela
custódia cautelar, apenas em situações excepcionais ela é legítima sendo ,

necessário que se configure sua especial necessidade e proporcionalidade.


A partir de tais noções ficará mais fácil entender o atual sistema da prisão
processual e das demais cautelares pessoais. Vale, no entanto, aprofundar o
estudo nas recentes mudanças da lei.
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 193

83
. .
2 Espécies de prisão processual (provisória ou cautelar)
a) prisão em flagrante;
b) prisão temporária;
c) prisão preventiva;
d) prisão domiciliar (substitutiva da prisão preventiva - arts. 317 e 318
doCPP).

83 2
. .
1 Da prisão em flagrante
.

A prisão em flagrante dispensa ordem judicial anterior (art. 5.° LXI, da ,

CF/1988, e arts. 301 a 310 do CPP) e constitui medida pré-cautelar prepara- ,

tória ou subcautelar porque antecede uma medida cautelar principal: depois


,

de formalizada pela autoridade policial, a prisão em flagrante cessa com a


decisão judicial de conversão em prisão preventiva (art. 310 II, do CPP) ou ,

de concessão da liberdade provisória (art. 310 III, do CPP). ,

Justifica-se pela possibilidade da reação social imediata à prática da


infração e a captação também imediata, da prova. A necessidade de frear a
,

agressão, a facilidade na coleta da prova e a força dos indícios justificam a ,

princípio, a custódia cautelar.


As situações de flagrância são definidas nos arts. 302 e 303 do CPP.
Sujeito ativo do flagrante - é a pessoa que efetua a prisão. Reza o art. 301
do CPP que "qualquer do povo poderá e a autoridade policial e seus agentes
deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito" (grifos
nossos). No primeiro caso o flagrante será facultativo, pois o particular não
,

está obrigado a efetuar a prisão; já com relação à autoridade policial e seus


agentes, diz-se ser o flagrante compulsório uma vez que estes são obrigados
,

a agir.
Sujeito passivo do flagrante- via de regra qualquer pessoa pode ser presa
,

em flagrante. Mas há exceções:


a) Menores de 18 anos (inimputáveis). A situação é regulada aqui, pelo ,

ECA.

b) Quem socorre a vítima em delito de trânsito por expressa previsão


,

legal (art. 301 do CTB) com o fim de fomentar a prestação do socorro.


,

c) Diplomatas estrangeiros e seus familiares em razão da imunidade


,

material que gozam. Para os agentes consulares conforme Pacelli, a,

imunidade se limita aos atos praticados no exercício de atos de ofício.


Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

d) Presidente da República, pois conforme o art. 86, § 3.°, da CF/1988,


só podeá ser preso após sentença condenatória no caso de crime co-
mum.

e) Membros do Congresso Nacional, que só podem ser presos em fla-


grante no caso de crimes inafiançáveis, devendo ser apresentados
imediatamente à respectiva casa, que irá deliberar sobre a prisão (art.
53, §2.°, da CF/1988).
f) Deputados Estaduais: mesma situação dos parlamentares federais.
g) Magistrados e membros do Ministério Público. Conforme as respecti-
vas leis complementares só podem ser presos em flagrante se a infra-
,

ção for inafiançável, devendo o fato ser imediatamente comunicado


ao órgão superior da instituição, que irá deliberar sobre a manutenção
da prisão.

note
O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo BEM
de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável (art.
7 °
.
, § 3.°, do Estatuto da OAB).
Também não se imporá prisão em flagrante nas infrações de
menor potencial ofensivo, nem se exigirá fiança, quando o
suposto autor do fato for imediatamente encaminhado ao
JECrim ou prestar compromisso de a ele comparecer (art. 69,
parágrafo único, da Lei 9.099/1995).

Casos peculiares de flagrante:


a) flagrante em crimes de ação privada: é possível a prisão em flagrante
em crimes de ação penal privada. Entretanto, o flagrante só ocorrerá
com o requerimento do ofendido ou de seu representante legal (art.
5 °
.
,
§5°, do CPP);
b) flagrante em crime de ação pública condicionada à representação:
mesma situação do flagrante em ação privada, condicionando a prisão
à representação (art. 5.°, § 4.°, do CPP);
c) flagrante na Lei 9.099/1995: o agente que receber voz de prisão será
imediatamente conduzido ao DP, onde será lavrado termo circunstan-
ciado. Não será imposta prisão em flagrante nem será exigida fiança do
agente que assumir o compromisso de apresentar-se oportunamente
ao JECrim (art. 69, parágrafo único).
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 195

Espécies de flagrantes:
a) flagrante próprio ou real (art. 302 ,
1 e II , do CPP): quando o agente
está cometendo a infração ou acaba de cometê-la;
b) flagrante impróprio ou quase-flagrante (art 302 III, do CPP): quando .
,

o agente é perseguido logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou


,

por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da


infração;
c) l
f agrante presumido ouficto (art. 302 IV, do CPP): quando o agente é
,

encontrado, logo após, com instrumentos armas, objetos ou papéis ,

que façam presumir ser ele o autor da infração.

díca

Nos crimes permanentes o agente está sempre em estado de


,

consumação, consequentemente, em flagrância (art. 303 do CPP).

Outras classificações de flagrantes:


a) Flagrante preparado ou provocado: é aquele em que o agente é indu-
zido à prática de um crime pela vítima pelo policial ou por terceiro
" "

(agente provocador) sendo impossível a consumação. Trata-se de


crime impossível por obra do agente provocador não podendo ser ,

autuado em flagrante seu agente pois não há verdadeira infração


,

penal. Dispõe a Súmula 145 do STF:


"

Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna


impossível a sua consumação."
Pacelli discorda da orientação sumular entendendo que em tais casos é
,

possível a prisão em flagrante.


b) Flagrante esperado: é aquele em que não há provocação para o cri-
me; a polícia captura o agente ao executar a infração porque recebeu
informações sobre a prática do crime ou porque exercia vigilância
sobre o agente. Nestes casos admite-se a prisão em flagrante. Em
,

nossa opinião deve se atentar também aqui à possibilidade de crime


,

impossível que também inviabilizaria a prisão em flagrante.


,

c) Flagrante forjado: é aquele em que a polícia ou particular inserem


provas falsas de um crime inexistente, por exemplo: introduzir subs-
196 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

tância entorpecente no carro de quem está sendo revistado. Nestas


hipóteses não há crime consumado ou tentado, não sendo possível,
portanto, a prisão em flagrante.
d) Flagrante postergado, retardado ou diferido (ação controlada) é aquele
em que o agente policial pode não efetuar a prisão em flagrante no
momento de sua ocorrência, nos crimes praticados por organizações
criminosas. O art. 2. II, da Lei 9.034/1995 (Lei do Crime Organiza-
°
,

do) permite ao policial o retardamento da prisão em flagrante a outro


momento mais eficaz, visando obter melhores provas e informações
contra os autores do delito. O art. 53, II, da Lei 11.343/2006 (Lei de
Drogas), disciplina situação semelhante, mas subordinada a autori-
" "

zação judicial: a denominada entrega vigiada .

Formalidades da prisão em flagrante - assim que o preso for apresentado


à autoridade competente (autoridade policial do local da prisão), lavrar-se-á
o auto de prisão em flagrante.
A lavratura do auto deveria ser imediata, mas a jurisprudência tem admi-
tido uma elasticidade maior, devido ao número excessivo de prisões, podendo
o auto ser lavrado em até, no máximo, 24 horas da prisão, mesmo prazo em
"

que é entregue a nota de culpa ao acusado (art. 306, § 2.°, do CPP).


"

Nota de culpa é a comunicação escrita contendo o motivo da prisão, o


nome do condutor e das testemunhas. É recebida e assinada pelo preso (art.
306, §2.°, do CPP).
O auto de prisão em flagrante deverá conter: oitiva do condutor, oitiva
das testemunhas e interrogatório do preso (art. 304, caput, do CPP).
Lavrado o auto, deverá ser comunicada a prisão imediatamente à au-
°
toridade judicial competente, que relaxará a prisão se ela for ilegal (art. 5. ,

LXIIeLXV,da CF/1988).
O art. 306, caput, do CPP, acrescentou a obrigatoriedade da comunicação
imediata da prisão em flagrante ao Ministério Público - não imposta pelo art.

.
,
inc. LXII, da CF/1988.
Caso o autuado não informe o nome de seu advogado, o art. 306, § 1.°,
do CPP, determina ainda a remessa de cópia integral do auto de prisão em
flagrante (acompanhado de todas as oitivas colhidas) para a Defensoria Pú-
blica, no prazo de 24 horas depois da prisão.
Deve haver relaxamento da prisão em flagrante sempre que incide vício
formal ou material. Há vício formal quando algum dos requisitos expostos
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 197

não foi cumprido, como a inversão de oitivas na lavratura do auto a ausência ,

de "nota de culpa" ou a não comunicação imediata da prisão à autoridade


judiciária competente, nos moldes da ordem constitucional. Tais irregula-
ridades não geram nulidade que inexiste na fase inquisitiva, mas ceifam a
,

legitimidade da custódia em razão do flagrante (ilegalidade).


O rigor na obediência (exacerbação das garantias) aos requisitos formais
da prisão em flagrante sob pena de relaxamento, tem como objetivo com-
,

pensar o fato de que a prisão é feita, a princípio, sem controle judicial (que
apenas ocorre após a comunicação).
Há vício material se a hipótese não se encaixa nas modalidades de prisão
em flagrante previstas na lei.

832 1
. . . .
1 Controle jurisdicional da prisão em flagrante (art. 310 do
CPP)

A prisão em flagrante assumiu função pré-cautelar preparatória ou sub- ,

cautelar (não pode mais ser mantida pelo juiz) podendo ser convertida em ,

prisão preventiva (art. 310,11), quando presentes os seus pressupostos (arts.


313e314)e requisitos (art. 312), e desde que constatada a impossibilidade
simultânea de desconstituição por relaxamento de substituição por liberdade
,

provisória e de inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas


da prisão (art. 310 1 a III). ,

Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva ,

o juiz deverá conceder liberdade provisória (arts. 310 III, e 321, do CPP), ,

impondo se for o caso, medidas cautelares diversas da prisão (arts. 319 e


,

320 do CPP).

832 1
. . .
2 Conversão da prisão em flagrante em preventiva e
.

a proibição da sua decretação ex officio durante a


investigação criminal (arts. 310 II, e 311 do CPP) ,

A redação dada ao art. 311 do CPP (assim como a regra geral contida no
°
art. 282, § 2. do CPP) conservou a possibilidade de decretação ex officio da
,

prisão preventiva, mas limitou a iniciativa judicial ao curso da ação penal


" "

(regra do impulso oficial), de sorte que, durante a investigação criminal, a


sua decretação dependeria de provocação consistente em requerimento do
Ministério Público ou representação da autoridade policial (as figuras do
querelante e do assistente são qualidades que o ofendido assume apenas na
ação penal).
198 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

De outra parte, o art. 310, inc. II, do CPP, permite ao juiz, quando da
comunicação da prisão em flagrante, a sua conversão em prisão preventiva.
Surge então uma indagação de ordem procedimental: a possibilidade de
conversão da prisão em flagrante em preventiva, por ocorrer durante a in-
vestigação criminal, dependeria de requerimento do Ministério Público ou
de representação da autoridade policial? E mais: dependeria de manifestação
do indiciado preso, nos termos do art. 282, § 3.°, do CPP?
A respeito da primeira colocação, poderia ser sustentado que a proibição
da autuação judicial ex officio alcançaria apenas a decretação da prisão preven-
tiva (aplicação originária ao indiciado solto), mas não a conversão em prisão
preventiva (aplicação derivada da anterior prisão em flagrante). Contudo,
para otimizar o princípio acusatório, entendemos que a conversão da prisão
em flagrante em preventiva depende sempre de representação da autoridade
policial (encaminhada com a comunicação da prisão em flagrante) ou de
requerimento do Ministério Público (bastaria proporcionar vista do auto de
prisão em flagrante, imediatamente depois da sua recepção em juízo).
Se houver provocação para a conversão em prisão preventiva, deve ain-
da o juiz intimar o indiciado para manifestação, a fim de que o seu defensor
°
constituído ou nomeado (art. 306, § 1. do CPP) possa influenciar a formação
,

da convicção judicial, sustentando a ausência dos requisitos do art. 312 do


CPP ou mesmo a adequação e suficiência das medidas cautelares diversas da
prisão (art. 310, II, do CPP), casos em que deveria ser concedida liberdade
provisória (arts. 310, III, e 321 do CPP).
Estando o indiciado preso em flagrante, não se pode cogitar de urgên-
°
cia ou perigo de ineficácia da medida (art. 282, § 3. do CPP) para afastar o
,

contraditório no incidente cautelar. Ademais, a manutenção da prisão em


flagrante, durante tal procedimento, não implicaria constrangimento ilegal,
pois o juiz dispõe de 48 horas para decidir o requerimento de fiança (art.
322, parágrafo único, do CPP) e, por conseguinte, para apreciar qualquer
dos regimes de liberdade provisória.
832
. . .
2 Da prisão temporária
Foi instituída pela Lei 7.960/1989, contendo em seu art. 1.° as hipóteses
de cabimento:

a) quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial


(inc. I);
b) quando o indiciado não tiver residência fixa ou houver dúvida quanto
a sua identidade (inc. II);
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 199

c) quando houver indícios da autoria ou participação do indiciado nos


crimes de homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado roubo, ex- ,

torsão, extorsão mediante sequestro, estupro, epidemia com resultado


morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou
medicinal qualificado pela morte quadrilha ou bando, genocídio,
,

tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro (inc. III) além ,

daqueles considerados hediondos (art. 1.° da Lei 8.072/1990) ou


assemelhados (art. 5.°, XLIII, da CF).
Os requisitos são alternativos ou cumulativos? Na leitura de Scarance ,

o terceiro inciso representa ofumus commissi delicti e os dois primeiros, es-


,

pécies (distintas, e por isso alternativas) de periculum libertatis. Em suma: a


decretação da prisão temporária reclama sempre a presença do inciso III que ,

deve estar conjugado ou com o inciso I ou com o inciso II.


O terceiro requisito é sempre necessário ou seja, apenas nas infrações
,

arroladas é possível falar em prisão temporária. Há controvérsia quanto à


necessidade cumulativa ou alternativa dos dois primeiros requisitos preva- ,

lecendo a alternativa (Scarance Choukr). Para Pacelli, basta o primeiro e o


,

terceiro.

Diz-se que a prisão temporária é uma antecipação da prisão preventiva ,

tendo requisitos menos rigorosos que ela. Exatamente pela maior facilidade ,

seu prazo é mais exíguo e apenas é possível em um número determinado de


infrações.
Será decretada pelo juiz, com despacho fundamentado a requerimento ,

do Ministério Público ou representação da autoridade policial sendo que neste


,

caso será ouvido o Ministério Público (não poderá ser decretada de ofício).
O momento da decretação dar-se-á da ocorrência da infração até o rece-
bimento da denúncia. Com a denúncia não há mais razão para manutenção
,

de prisão temporária, sendo possível a decretação da preventiva se presentes,

os seus requisitos (art. 312 do CPP).


A prisão temporária terá o prazo máximo de 5 dias prorrogável por igual
,

período, comprovada a necessidade com motivação específica. Em caso de


crimes hediondos ou assemelhados, a Lei 8.072/1990 ampliou tal prazo para
30 dias, prorrogáveis por mais 30, se houver necessidade (art. 2.° § 4.°). ,

Para Pacelli o prazo da prisão temporária não deve ser levado em conside-
,

ração para o fim de alcançar o prazo limite para o encerramento da instrução ,

ou seja, apenas após o término da temporária é que tal prazo se iniciaria. Da


200 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

mesma forma, o prazo da prisão temporária não seria contado como parte
dos dez dias em que se deve encerrar o inquérito policial.
Decretada a prisão, será expedido mandado em duas vias, devendo uma
delas ser entregue ao preso, aplicando-se à entrega as regras do art. 304, § 3.°,
do CPP, se o preso não souber ou não quiser assinar.
83 2
. .
3 Da prisão preventiva
.

É a modalidade de prisão cautelar por excelência, mormente quando


justifica a necessidade da prisão para assegurar a regularidade da instrução
criminal e para a aplicação da lei penal. Sendo espécie de prisão cautelar, não
pode ter sentido de punição.
A decretação da prisão preventiva depende da presença cumulativa de
três planos (exigências) distintos e sucessivos:
a) condições de admissibilidade (arts. 313 e 314 do CPP);
b) requisitos cautelares, consistentes em fumus commissi delicti e peri-
culum libertatis (art. 312 do CPP); e
c) inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da
prisão (arts. 319 e 320 do CPP).

a) Condições de admissibilidade (arts. 313 e 314 do CPP)

O art. 313 do CPP estabelece as condições de admissibilidade da prisão


preventiva, sem as quais sua decretação sequer pode ser cogitada.
Em geral, admite-se a prisão preventiva em crimes dolosos punidos com
pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos (inciso 1).
Assim, crimes com pena máxima cominada igual ou inferior a 4 anos,
em princípio, não admitiriam a decretação da prisão preventiva, como sucede
com o furto simples (art. 155, caput, do CP), a receptação dolosa simples (art.
180 , caput, do CP) e o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14
da Lei 10.826/2003).
Essa restrição se justifica pela perspectiva de a pena privativa de liberdade
(igual ou inferior a 4 anos) ser substituída por penas restritivas de direitos
(art. 44,1, do CP) ou ser cumprida em regime inicial aberto (art. 33, § 2.°, c,
do CP), evidenciando que a prisão cautelar seria desproporcional em face da
pena que seria aplicada em caso de condenação. Trata-se de desdobramento da
instrumentalidade que rege o sistema cautelar, impondo homogeneidade entre
o provimento provisório (meio) e o potencial provimento definitivo (fim).
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 201

Em caso de concurso de crimes , prevalece que a consideração deve ser


global (e não isolada ou individual), ou seja, devem ser somadas as penas
máximas cominadas em caso de concurso material (art. 69 do CP), ou apli-
,

cada a maior exasperação, em caso de concurso formal (art. 70 do CP) e crime


continuado (art. 71 do CP), para efeito de aferir se o resultado da operação se
insere na esfera de admissibilidade da decretação da prisão preventiva (art.
313,1 do CPP). Trala-se da orientação adotada no enunciado da Súmula 81
,

do STJ (editada antes do advento da Lei 12.403/2011). Em sentido contrário,


Geraldo Prado sustenta a consideração isolada das infrações penais.
Independentemente da quantidade da pena máxima cominada o inciso II ,

admite a decretação da prisão preventiva para o sujeito que possui condenação


penal anterior, transitada em julgado, por outro crime doloso, enquanto tal
decisão gerar reincidência (art. 64 1 do CP). Isso porque a reincidência em
, ,

crime doloso impede a substituição por penas restritivas de direitos (art. 44 ,

II com a ressalva do § 3.°, do CP) e implica o cumprimento da pena privativa


,

de liberdade em regime inicial semiaberto ou fechado (Súmula 269 do STJ).


Dispensando ambas as condições anteriores o inciso III ainda admite a
,

decretação da prisão preventiva em crime que envolver violência doméstica


e familiar contra a mulher, criança adolescente, idoso, enfermo ou pessoa
,

com deficiência para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.


,

Tal previsão possibilita a decretação da prisão preventiva em crime de lesão


corporal leve qualificada (art. 129, § 9.°, do CP), que possui pena máxima co-
minada (3 anos) inferior ao patamar reclamado pelo art. 313 inciso I, do CPP
,

O art. 313, parágrafo único, igualmente admite a decretação da prisão


preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando
esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la devendo o preso
,

ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação salvo se outra,

hipótese recomendar a manutenção da medida.


Diversamente dos incisos I a IIIo parágrafo único não reclama (direta
,

ou indiretamente), a prática de crime doloso. Isso suscita a indagação acerca


da possibilidade de decretação da prisão preventiva em crime culposo ou
contravenção penal.
Entendemos que as condições de ser (1) crime (2) doloso são absolutas
para os incisos I a III, ressalvada apenas a situação contida no parágrafo único,
em que o sujeito deve ser colocado imediatamente em liberdade depois de es-
clarecida a sua identidade civil. Em tal caso a função puramente instrumental
,

ou probatória da medida cautelar (dissociada dos resultados do processo) e


202 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a sua precisa limitação temporal (esgota-se no esclarecimento da identidade


civil) permitem considerar que a prisão preventiva seria proporcional em face
de crime culposo ou de contravenção penal, desde que observada a condição
de admissibilidade geral das medidas cautelares pessoais: ser cominada pena
privativa de liberdade para a infração penal (art. 283, § 1. do CPP). Em senti-
°
,

do contrário, Aury Lopes Jr. restringe a prisão preventiva aos crimes dolosos.
Cabe salientar que as condições definidas nos incisos I, II, III e parágra-
fo único são alternativas, de sorte que, presente qualquer delas (ainda que
isoladamente), admite-se a decretação da prisão preventiva. Contudo, isso
"

não significa que a prisão preventiva deva" ser decretada, mas apenas que
"
ela pode ser decretada, "se" e "quando" constatados os seus dois planos
"

(exigências) sucessivos: os requisitos cautelares (art. 312 do CPP) e a ina-


dequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão (arts.
319 e 320 do CPP).
O art. 314 do CPP define uma condição de admissibilidade negativa (que
não pode estar presente) para a prisão preventiva, pois esta nunca pode ser
decretada se o juiz verificar, pelas provas constantes dos autos, que o agente
teria praticado a conduta em situação excludente da ilicitude ou antijuridi-
cidade (art. 23 do CP).
A inadmissibilidade da decretação da prisão preventiva decorre da pers-
pectiva de o inquérito policial ser arquivado ou de o acusado ser absolvido
em eventual ação penal (arts. 397,1,386, VI, e 415, IV, do CPP). Embora não
haja previsão legal, a mesma regra poderia ser aplicada, por analogia, aos ca-
sos em que se vislumbre a presença de dirimente da culpabilidade (Frederico
Marques e Weber Batista).

b) Requisitos cautelares (art. 312 do CPP)


Os requisitos cautelares são o fumus commissi delicti (pressuposto) e o
periculum libertatis (fundamento), os quais são estabelecidos no art. 312 do
CPP

O fumus commissi delicti requer a presença cumulativa de dois pressu-


postos: (1) prova da existência do crime e (2) indício suficiente de autoria
ou participação.
O periculum libertatis emerge de um dos seguintes fundamentos (alter-
nativos):
. Garantia da ordem pública e económica: normalmente considerada
como razoável probabilidade de reiteração da prática criminosa (para
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 203

parte da doutrina, esse fundamento afronta o princípio constitucio-


nal da presunção de inocência). Pacelli entende ser constitucional
tal fundamento, ainda que se trate de prisão preventiva em razão da
excepcional gravidade do crime e real risco para a ordem pública,
embora ressalte que tais hipóteses seriam excepcionalíssimas. Para
Choukr, é inconstitucional. A respeito da garantia da ordem pública
como fundamento da prisão preventiva, o Ministro Ayres Britto pro-
feriu importante decisão acerca da interpretação dos limites desse
conceito jurídico indeterminado:
Habeas Corpus. Crime hediondo. Prisão preventiva. Garantia da ordem
pública e da instrução criminal. Credibilidade da justiça e clamor público.
Tentativas concretas de influenciar na coleta da prova testemunhal. Ordem
denegada.
1 .
O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolu-
midade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/1988). Sem embargo,
ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou me-
nos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação
da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da
saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins).
Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem
cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja,
como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de
perturbação ou de insegurança que já se localizam na gravidade incomum
da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou
daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime,
levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito ou,
de qualquer forma, representará agravo incomum a uma objetiva noção de
segurança pública. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preser-
vação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de
ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e
do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública), mas que se
enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social.
2 .
É certo que, para condenar penalmente alguém, o órgão julgador
tem de olhar para trás e ver em que medida os fatos delituosos e suas coor-
denadas dão conta da culpabilidade do acusado. Já no tocante à decretação
da prisão preventiva, se também é certo que o juiz valora esses mesmos fatos
e vetores, ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente.
Não propriamente da culpabilidade. Pelo que o quantum da pena está para a
204 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

culpabilidade do agente assim como o decreto de prisão preventiva está para


a periculosidade pois é tal periculosidade que pode colocar em risco o meio
,

social alusivo à possibilidade de reiteração delitiva (cuidando-se claro, de ,

prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública).


3.
Não se acha devidamente motivado o decreto de prisão que , quanto
à ordem pública sustenta risco à credibilidade da justiça e faz do clamor
,

público fundamento da custódia preventiva. É que tais fundamentos não se


amoldam ao balizamento constitucional da matéria.
4. Na concreta situação dos autos esse ponto de fragilidade não se es-
,

tende, porém ao segundo fundamento do decreto de prisão preventiva. É


,

falar: a segregação cautelar para o resguardo da instrução criminal não é de


ser afastada pela carência de fundamentação idónea. Isso porque no ponto, ,

o decreto de prisão preventiva está assentado em manobras operadas pelo


paciente para tentar alterar depoimentos de testemunhas. O que é suficiente
para preencher a finalidade do art. 312 do Código de Processo Penal, no ponto
em que autoriza a prisão preventiva para a preservação da instrução criminal ,

mormente nos casos de crimes dolosos contra a vida. Crimes cujo julgamento
é timbrado pela previsão de atos instrutórios também em Plenário do Júri
(arts. 473 a 475 do CPP). 5. Ordem denegada. (STF, HC 102.065/PE, 2. T., j.
23.11.2010, rei. Min. Ayres Britto DJe-030 15.02.2011),

. Conveniência da instrução criminal: trata-se de cautela instrumental ,

pois assegura os meios (produção de provas no processo ou a coleta


de elementos informativos na investigação) para a decisão de acerta-
mento do caso penal. Pode ocorrer em casos em que o sujeito impede
o regular andamento da instrução criminal, coagindo fontes de prova
oral (ofendidos testemunhas, peritos) ou destruindo vestígios ma-
,

teriais da infração penal.


Assegurar a aplicação da lei penal: trata-se de cautela final pois assegura ,

os resultados do processo (execução ou cumprimento da pena aplicada em


caso de condenação definitiva). Pode ocorrer em face de concreto risco de
fuga do sujeito. Por ser uma tutela cautelar excepcional, não basta a simples
,

conjectura sendo necessário especial fundamento com base na realidade


,

fática. Não bastaassim, a consagrada fórmula de que não há garantia de que


,
"

não fuja pois seria impossível ao indivíduo fazer prova negativa. A acusação
"

é quem deve trazer elementos de probabilidade (e não possibilidade) de fuga


no caso concreto.
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 205

c) Inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão


(arts. 282, §6.°,e310, II, do CPP)

O terceiro plano (exigência) a ser analisado decorre da excepcionalidade


e da subsidiariedade da prisão preventiva: por ser uma medida extrema ela ,

somente pode ser decretada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes


as medidas cautelares diversas da prisão definidas nos arts. 319 e 320 do CPP
,

(arts. 282, § 6.°, e 310, II, do CPP).


Trata-se de desdobramento da regra da proporcionalidade (preci-
samente da sub-regra da necessidade ou exigibilidade): se duas ou mais
medidas apresentam a mesma eficiência deve-se aplicar aquela que im-
,

plica o menor grau de restrição do direito fundamental de liberdade de


locomoção.

8323
. . .
1 Prisão preventiva substitutiva em caso de descumpri-
.
,

mento injustificado de medidas cautelares diversas da


prisão (arts. 282, § 4.°, e 312, parágrafo único, do CPP)
Em caso de descumprimento injustificado de medidas cautelares di-
versas da prisão, os arts. 282, § 4.°, e 312, parágrafo único ambos do CPP,
,

permitem, em último caso, a decretação da denominada prisão preventiva


substitutiva, que atua como reforço cautelar da medida mais branda anterior-
mente aplicada.
Discute-se, então, se a prisão preventiva substitutiva deve observar as
condições de admissibilidade (cabimento) do art. 313 do CPP havendo duas
,

orientações a respeito:
Posição ampliativa - a prisão preventiva substitutiva independe das
condições de admissibilidade (cabimento) do art. 313 do CPP Assim aquela ,

infração penal que originariamente não admitia a sua decretação (tais como
furto simples receptação, porte de arma de fogo de uso permitido), estaria
,

agora sujeita à prisão preventiva pela via do descumprimento injustificado


(substituição).
Posição restritiva - as condições de admissibilidade (cabimento) do
art. 313 do CPP nunca podem ser dispensadas pois o descumprimento de
,

uma obrigação processual (medida cautelar diversa da prisão) não pode


gerar consequências mais intensas que a violação do direito penal material
(infração penal). Nesse sentido: Damásio de Jesus e Antonio Magalhães
Gomes Filho.
206 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

8323
. . . .
2 Procedimento para decretação da prisão preventiva (art.
311 doCPP)

A prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação


policial ou do processo penal, inclusive na decisão condenatória recorrível
(art. 387, parágrafo único, do CPP) e na decisão de pronúncia (art. 413, §

.
,
doCPP).
Durante a fase da investigação criminal, a prisão preventiva não pode
ser decretada ex ojficio, mas apenas mediante provocação consistente em re-
querimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial.
No curso da ação penal, a prisão preventiva pode ser decretada ex ojficio, ou
a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente (art.
311 do CPP).
Não é possível concretizar a prisão preventiva de eleitor nos 5 dias an-
teriores ou 48 horas posteriores à realização da eleição (art. 236 do Código
Eleitoral). Nessa situação, só é possível a prisão no caso de flagrante, decisão
condenatória irrecorrível e violação a salvo-conduto.
Caberá recurso em sentido estrito contra a decisão que indeferir reque-
rimento de prisão preventiva ou revogá-la (art. 581, V, do CPP). Nos casos de
decretação da prisão preventiva ou de indeferimento do pedido de revogação,
caberá habeas corpus.

8323
. . . .
3 Substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar
(arts. 31 7 e 318 do CPP)

A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado


em sua residência, podendo dela se ausentar somente com autorização judi-
cial (art. 317 do CPP).
A substituição da prisão preventiva pela domiciliar pode ocorrer nas
situações definidas no art. 318 do CPP, quando o agente for:
Art. 318 (...)
I - maior de 80 anos;

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;


III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos
de idade ou com deficiência;

I V-gestante a partir do 7.° mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.


Parágrafo único. Para a substituição, o juiz deve exigir prova idónea
dos requisitos legais pertinentes (art. 318, parágrafo único, do CPP).
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 207

A prisão domiciliar se distingue do recolhimento domiciliar (art. 319,


V, do CPP) pelos seguintes aspectos:
. a prisão domiciliar constitui modalidade de prisão cautelar , enquanto
o recolhimento domiciliar se situa entre as medidas cautelares diversas
da prisão;
. a prisão domiciliar substitui a prisão preventiva (pressuposto) en- ,

quanto o recolhimento domiciliar impede a decretação da prisão


preventiva (arts. 282, § 6. e 310, II, infine, do CPP);
°
,

. na prisão domiciliar o indiciado ou acusado somente pode se au-


,

sentar de sua residência com autorização judicial (art. 317 do CPP),


enquanto que, no recolhimento domiciliar, as saídas independem de
autorização judicial (a obrigação de recolhimento incide no período
noturno e nos dias de folga).

832
. . .
4 Prisão por pronúncia e por condenação recorrível
O juiz pode, nas decisões de pronúncia e de condenação recorrível,
decretar ou manter a prisão preventiva do acusado (arts. 413, § 3.°, e 387,
parágrafo único, ambos do CPP).

83 .
3 Requisitos fundamentais para qualquer espécie de prisão
.

A prisão deverá ser decretada por meio de ordem escrita e fundamentada


da autoridade judicial competente. Casos que dispensam tal formalidade:
a) art. 136 § 3.°, I, da CF/1988 (estado de defesa);
,

b) art. 139, II, da CF/1988 (estado de sítio);


c) art. 5. LX1, da CF/1988 (transgressão disciplinar ou crime propria-
°
,

mente militar);
d) art. 5.°, LXI/1988, da CF (flagrante);
e) art. 684 do CPP (recaptura de preso evadido).

8 . 4 MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO (ARTS. 319 E 320


DO CPP)

As medidas cautelares diversas da prisão são as seguintes:


a) comparecimento periódico em juízo no prazo e nas condições fixadas
,

pelo juiz, para informar e justificar atividades;


208 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

b) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando ,

por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado


permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infra-
ções;
c) proibição de manter contato com pessoa determinada quando por ,

circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado ou acusado dela


,

permanecer distante;
d) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja
conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
e) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga
quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
f) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza
económica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização
para a prática de infrações penais;
g) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados
com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser
inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver
risco de reiteração;
h) i
f ança nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento
,

a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de


resistência injustificada à ordem judicial podendo ela ser cumulada
,

com outras medidas cautelares (art. 319, § 4. do CPP); °


,

i) monitoração eletrônica que foi regulamentada pelo Decreto 7.627,


,

de 24 de novembro de 2011, nos seguintes termos:


Art. 1.°. Este Decreto regulamenta a monitoração eletrônica de pes-
soas prevista no inc. IX do art. 319 do Dec.-lei 3.689, de 3 de outubro de
1941 - Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da
Lei 7.210, de 11 de julho de 1984-Lei de Execução Penal.
Art. 2.°. Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática
posicionai à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou conde-
nadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos
que permitam indicar a sua localização.
Art. 3.°. A pessoa monitorada deverá receber documento no qual
constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará
sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados
durante a monitoração.
Art. 4.°. A responsabilidade pela administração, execução e controle
da monitoração eletrônica caberá aos órgãos de gestão penitenciária,
cabendo-lhes ainda:
Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 209

I - verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições es-


pecificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eietrônica;
II - encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada
ao juiz competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer mo-
mento, quando por este determinado ou quando as circunstâncias assim
o exigirem;
III - adequar e manter programas e equipes multiprofissionais de
acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada;
IV-orientara pessoa monitorada nocumprimentodesuasobrigações
e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso; e
V - comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que
possa dar causa à revogação da medida ou modificação de suas condições.
Parágrafo único. A elaboração e o envio de relatório circunstanciado
poderão ser feitos por meio eletrônico certificado digitalmente pelo órgão
competente.
Art. 5.°. O equipamento de monitoração eietrônica deverá ser utili-
zado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa
monitorada.
Art. 6.°. O sistema de monitoramento será estruturado de modo a
preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada.
Art. 7.°. O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará
restrito aos servidores expressamente autorizados que tenham necessidade
de conhecê-los em virtude de suas atribuições.

j) proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às auto-


ridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional,
intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no
prazo de 24 horas (art. 320 do CPP).

8 .
5 LIBERDADE PROVISÓRIA
Tradicionalmente, a liberdade provisória atua como medida cautelar
substitutiva da prisão em flagrante (pressuposto). Com o advento da Lei
12.403/2011, alguns sustentam que a liberdade provisória estaria igualmente
presente naquelas situações de aplicação de medidas cautelares diversas da
prisão ao sujeito solto, que não iniciou a persecução penal preso em flagrante
(esta não mais seria pressuposto da liberdade provisória).
A principal modificação se operou na disciplina legal da fiança (liberdade
provisória com fiança), que figura como medida cautelar pessoal diversa da
°
prisão (art. 319, VIII e § 4. ) .
210 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C .
C. Machado

O cabimento da fiança se encontra dissociado da pena cominada (quali-


dade e quantidade) para a infração penal (que importa apenas para a aferição
da possibilidade de sua concessão pela autoridade policial - art 322, caput, .

do CPP) podendo ser inferido da conjugação dos arts. 323 e 324 do CPP.
,

Assim, a fiança sempre pode ser concedida salvo: ,

. nos crimes de racismo (art 5.°, XLII, da CF/1988);


.

. nos crimes de tortura , tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,


terrorismo e nos definidos como crimes hediondos (art. 5° XLIII, ,

da CF/1988);
. nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra
a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5 .
°
,
XLIV, da
CF/1988);
. aos sujeitos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança ante-
riormente concedida ou infringido sem motivo justo, qualquer das
,

obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP;


. em caso de prisão civil ou militar;
. quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão
preventiva (art. 312 do CPP).

A fiança pode ser concedida diretamente pela autoridade policial em caso ,

de infração penal com pena máxima cominada igual ou inferior a 4 anos (art .

322, caput, do CPP). Sendo superior a 4 anos somente pode ser concedida
,

pelo juiz (art. 322, parágrafo único, do CPP).


O valor da fiança deve ser determinado de acordo com a pena máxima
cominada para a infração penal (art. 325 do CPP) sendo de: ,

I -de 1 a 100 salários mínimosquando se tratarde infração com pena


,

máxima cominada igual ou inferior a 4 anos;


II - de 10 a 200 salários mínimos, quando se tratar de infração com
pena máxima cominada superior a 4 anos.
Se assim recomendar a situação económica do preso a fiança pode ser: ,

dispensada, na forma do art. 350 do CPP (somente pelo juiz) reduzida até ,

o máximo de 2/3 ou aumentada em até 1.000 (mil) vezes (art 325, § 1.° I a .
,

III ,
do CPP).

A decisão que conceder ou negar fiança pode ser impugnada por recurso
em sentido estrito (art. 581 V, do CPP). Sendo negada a fiança, pode ainda
,

ser cogitada a impetração de habeas corpus (art. 648 V, do CPP). ,


Cap. 8 . Medidas Cautelares Pessoais 211

O quebramento da fiança pode ser gerado pela inobservância dos deveres


estabelecidos nos arts. 327 e 328 do CPP, bem como quando o indiciado ou
acusado regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer,
sem motivo justo; deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento
do processo; descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a
fiança (art. 319 § 4.°, do CPP); resistir injustificadamente a ordem judicial;
,

praticar nova infração penal dolosa (art. 341,1 a V, do CPP).


O quebramento injustificado da fiança importa na perda de metade do
seu valor, mas não implica, necessariamente, a decretação da prisão preven-
tiva. Cabe ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares
(diversas da prisão) ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva (art.
343 do CPP) sempre observando a sua excepcionalidade e subsidiariedade
,

(art. 282, §6°, do CPP).


A liberdade provisória sem fiança tem cabimento nos seguintes situações:
a) o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou
o fato sob excludente de ilicitude (art. 23 do CP), sendo concedida a
liberdade provisória mediante termo de comparecimento a todos os
atos processuais, sob pena de revogação (art. 310, parágrafo único,
do CPP);
b) ausência dos requisitos que autorizam a decretação da prisão pre-
ventiva, quando então o juiz deve conceder liberdade provisória,
impondo, se for o caso, medidas cautelares diversas da prisão (arts.
319 e 320 do CPP), de acordo com o art. 321 do CPP
A decisão que concede a liberdade provisória sem fiança desafia recurso
em sentido estrito (art. 581, V, do CPP). A decisão que a indefere pode ser
impugnada por meio da impetração de habeas corpus.
Procedimentos

9 . 1 NOÇÕES GERAIS
Procedimento é o conjunto de atos organizados dirigidos a um fim.
Os procedimentos penais buscam organizar cadeias de atos processuais de
acordo com as peculiaridades comuns a determinada categoria de crimes,
com o objetivo de melhor realizar a aplicação do direito material em cada
caso concreto. Daí a existência ao lado do procedimento comum, de proce-
,

dimentos especiais.

9 1
. .
1 Da suspensão condicional do processo

Muitos confundem o instituto da suspensão condicional do processo


com o rito sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais. A confusão não
se justifica, uma vez que a previsão do art. 89 da Lei 9.099/1995 é aplicada a
todos os procedimentos, inclusive ao sumaríssimo.
Por tal razão, preferimos expor sobre o instituto antes do tema "Dos
"

procedimentos penais pois será aplicado a todos, apesar de previsto não no


,

Código de Processo Penal, mas em lei extravagante (Lei 9.099/1995).


A justificativa para a criação do instituto é buscar soluções consensuais
para o conflito penal, com ênfase para a reparação de danos. Da mesma for-
ma, conseguir maior agilidade processual nos casos mais graves pois menos
,

atos seriam praticados quando aceita a suspensão condicional do processo.


Por fim, com a solução consensual sempre diversa da privação da liberdade ,

acentua-se o caminho da desprisionalização ou seja, a aplicação cada vez


,

mais seletiva da pena privativa de liberdade.


Conforme redação do art. 89 da Lei 9.099/1995, sempre que a infração
penal tiver pena mínima não superior a 1 ano, ao oferecer a denúncia, o
214 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Ministério Público deve verificar a presença dos requisitos e sendo o caso, ,

oferecer a suspensão condicional do processo.


No que concerne à proposição da suspensão condicional do processo, a
Súmula 696 do STF enuncia que:
"Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional
do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o juiz,
dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por
analogia o art. 28 do Código de Processo Penal
"
.

O processo fica suspenso por determinado período de prova, e, ao final,


°
se as condições forem cumpridas, está extinta a punibilidade (art. 89, § 5 ,

da Lei 9.099/1995).

Os requisitos para a suspensão condicional do processo são: que o sujeito


não seja condenado (entenda-se reincidência) nem esteja sendo processado
por outro crime, bem como presentes os demais requisitos que autorizariam
a suspensão condicional da pena, (o que na prática significa requisitos pes-
soais favoráveis).

O período de prova vai de 2 a 4 anos.


As condições são reparar o dano (salvo impossibilidade de fazê-lo),
proibição de frequentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da
comarca sem autorização e comparecimento mensal em juízo para justificar
atividades. Também podem ser fixadas outras condições que o juiz entender
adequadas, desde que compatíveis com o respeito à dignidade do acusado.
Passado o período de prova sem revogação, está extinta a punibilidade.
A revogação é obrigatória se, no curso da suspensão, o réu vem a ser
processado por novo crime, ou deixa de reparar o dano de forma injus-
tificada.

A revogação é facultativa se o réu vem a ser processado por contravenção


penal ou deixa de cumprir outra condição.

note
Em caso de crime (não abrange contravenção penal) praticado BEM
com violência doméstica ou familiar contra a mulher, o art. 41
da Lei 11.340/2006("Lei Mariada Penha") impedeaaplicação
da Lei 9.099/1995 e, por conseguinte, afasta a aplicação da
suspensãocondicional do processo, disciplinada em seu art. 89.
Cap. 9 . Procedimentos 215

9. 2 DOS PROCEDIMENTOS PENAIS (ART. 394 DO CPP)

Os procedimentos podem ser especiais ou comuns.


Os procedimentos especiais podem ser previstos no corpo do Código
de Processo Penal (procedimento dos crimes de competência do Tribunal
do Júri, arts. 406 a 497 do CPP; crimes funcionais, arts. 513 a 518 do CPP;
crimes contra a honra, arts. 519 a 523 do CPP; crimes contra a propriedade
imaterial, arts. 524 a 530-1 do CPP) ou em diplomas legais extravagantes (ex.:
Lei de Drogas - Lei 11.343/2006; crimes contra a economia popular - Lei
1 521/1951; crimes da Lei de Licitações - Lei 8.666/1993; ações penais de
.

°
competência originária dos Tribunais Superiores - Lei 8.038/1990, e art. 1.
da Lei 8.658/1993 que estende a aplicação dos arts. 1.° a 12 da Lei 8038/1990
para as ações penais de competência originária dos Tribunais de Justiça e dos
Tribunais Regionais Federais).
Os procedimentos comuns podem ser ordinário, sumário ou sumarís-
simo, de acordo com a quantidade da pena máxima cominada para a infração
penal (art. 394, § 1. I a III, do CPP).
°
,

Temos, portanto, o seguinte quadro geral de procedimentos:

-
no CPP
1 . Especiais -

em leis extravagantes
Procedimentos -
ordinário
2 Comuns
.
-
sumário
-
sumaríssimo

Buscando ser coerente com o paradigma empregado na definição legal das


infrações penais de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei 9.099/1995), a Lei
11.719/2008 determina o âmbito de incidência dos procedimentos comuns a
partir da pena máxima cominada (in abstracto) para a infração penal, a saber:
a) ordinário, para os crimes cuja pena máxima cominada seja igual ou
superior a 4 anos;
b) sumário, para os crimes cuja pena máxima cominada seja inferior a
4 anos;

c) sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo,


assim consideradas as contravenções penais e os crimes cuja pena
máxima cominada seja igual ou inferior a 2 anos, cumulada ou não
com multa (art. 61 da Lei 9.099/1995).
216 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Infere-se
da conjugação dos incs. II e III do art. 394 CPP, que no proce-
,

dimento comum sumário se inserem os crimes cuja pena máxima cominada


seja superior a 2 anos (não considerados de menor potencial ofensivo) mas ,

inferior a 4 anos como sucede, v.g., com o crime de dano qualificado, que
,

possui pena privativa de liberdade de 6 meses a 3 anos de detenção (art. 163,


parágrafo único, do CP), ou de homicídio culposo, que possui pena privativa
de liberdade de 1 a 3 anos de detenção (art .
121 ,
§ 3.°, do CP).

A despeito de o procedimento comum ser aplicado na persecução da


maioria das infrações penais ele resta afastado quando houver previsão de
,

procedimento especial (art. 394, § 2.°, do CPP) ou for caso de competência


do Tribunal do Júri (art. 394 § 3.°, do CPP).
,

As regras do procedimento comum ordinário por ser o mais amplo e ,

completo, aplicam-se subsidiariamente a todos os demais procedimentos


(especiais ou comuns sumário e sumaríssimo), naquilo que não conflitarem
com estes (art. 394, § 5.°, do CPP).

92
. .
1 Do procedimento comum ordinário - o

O procedimento comum ordinário possui as seguintes fases:

92 1
. .
1 Oferecimento da denúncia ou queixa
.

Encerrado o inquérito policial (quando este for necessário) o Ministério ,

Público ou o querelante oferecerão respectivamente, denúncia ou queixa.


,

As petições iniciais da ação penal deverão cumprir os requisitos do


art. 41 do CPP dentre os quais se insere o rol das testemunhas (quando
,

a acusação pretender a produção deste meio de prova) que podem ser ,

indicadas em número máximo de oito (art 401, caput, do CPP) para cada .
,

fato criminoso.

Depreende-se portanto, que o momento processual oportuno para


,

a acusação arrolar testemunhas é precisamente, o do oferecimento da


,

denúncia ou queixa (a acusação apresenta suas testemunhas na petição


inicial)
depois do que apenas pode ser requerida a inquirição de testemu-
,

nhas como dojuízo (art. 209 caput, do CPP), cuja oitiva agora se sujeita à
,

apreciação judicial sobre sua necessidade para o esclarecimento de ponto


relevante da causa.

Nesta fase, também serão requeridas diligências e juntados documentos ,

se necessário.
Cap. 9 . Procedimentos 217

92 1
. . .
2 Rejeição liminar (art. 395 do CPP) ou recebimento da
denúncia ou queixa (art. 396> caput, do CPP)
Rejeição liminar da denúncia ou queixa (art. 395 do CPP) - o art. 395 do
CPP enuncia as causas de rejeição liminar da denúncia ou queixa (inépcia,
falta de pressuposto processual ou condição da ação penal e falta de justa
"

causa), as quais foram analisadas supra (capítulo Da ação penal").


Trata-se de decisão liminar negativa, similar ao indeferimento da peti-
ção inicial no processo civil (art. 295 do CPC), que acarreta o encerramento
do processo sem resolução de mérito (possibilita a correta apresentação da
denúncia ou queixa em momento posterior).
De acordo com a classificação legal adotada no processo penal (art 800, .

1, infine, do CPP), a decisão de rejeição liminar configura uma decisão inter-


locutória mista terminativa, pois, embora sem resolução de mérito, encerra o
processo (e não apenas uma fase do procedimento). José Frederico Marques
esclarece que:

"A decisão interlocutória mista pode ser terminativa ou não terminativa:


aquela ocorre quando a decisão põe fim à relação processual sem resolver
sobre o meritum causae, e a última, quando o processo, após ela, não
se encerra. A sentença de pronúncia é decisão interlocutória mista não
terminativa, enquanto que a decisão que rejeita a denúncia ou queixa,
"
assim como a sentença de impronúncia, são decisões terminativas. (José
Frederico Marques. Elementos de direito processual penal, p. 91 -92).

A decisão de rejeição liminar da denúncia ou queixa (art. 395 do CPP)


pode ser impugnada por meio da interposição deRESE,\fundado no art. 581,
I,
do CPP -
O momento processual adequado para o recebimento da denúncia ou queixa
-

a leitura dos arts. 396, caput, e 399, caput, ambos do CPP, evidencia uma du-
plicidade de alusões ao recebimento da denúncia ou queixa, suscitando desde
logo, a indagação sobre o momento processual adequado para a decisão de
admissibilidade da acusação: seria depois de afastadas apenas as possibilida-
des de rejeição liminar (art. 396, caput) ou seria depois de afastadas tanto as
possibilidades de rejeição liminar como as de absolvição sumária do acusado
(art. 399, caput)?
A questão possui repercussão direta na interrupção do lapso prescricio-
nal (art. 117 ,
1 , do CP) e ainda define a absolvição sumária (art. 397 do CPP)
como mera possibilidade de julgamento antecipado do pedido (depois de ins-
218 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

taurada e completada a relação processual) ou como uma decisão preliminar à


instauração da ação penal (anterior ao recebimento da denúncia ou queixa).
Primeira posição (predominante): a decisão de recebimento da denúncia
ou queixa seria aquela do art. 396, caput, do CPP (decorreria da não rejeição).
Para essa corrente, o termo "recebida", contido no art. 399 caput, seria uma ,

simples remissão ao recebimento ocorrido quando da apuração da ausência


das causas de rejeição liminar (art. 395 do CPP).
A adoção da primeira orientação (para o recebimento da denúncia ou
queixa basta não caber a sua rejeição) faria da absolvição sumária (art. 397 do
CPP) uma mera possibilidade de julgamento antecipado do pedido, quando o
reconhecimento da atipicidade, da exclusão da ilicitude ou da culpabilidade
prescindissem da produção de prova oral em audiência.
Seria uma decisão de absolvição proferida no curso da ação penal depois ,

do recebimento da denúncia ou queixa (art. 396, caput, do CPP), da citação


do acusado e da apresentação de resposta à acusação, antes apenas da fase de
instrução de forma similar ao disposto no art. 330,1, do CPC.
,

Segunda posição (nosso entendimento): a decisão de recebimento da


denúncia ou queixa seria aquela do art. 399, caput, do CPP (decorreria da
ausência das causas de rejeição liminar e de absolvição sumária). Para essa
"
corrente, o termo recebê-la-á contido no art. 396, caput, significa a simples
"

não rejeição liminar da denúncia ou queixa para fins de continuidade do pro-


,

cedimento (citação e resposta à acusação), e não recebimento propriamente


dito, no sentido técnico-processual de instauração da ação penal. (Paulo Hen-
rique Aranda Fuller, Reforma do procedimento comum (Lei 11.719/2008):
o momento processual adequado para o recebimento da denúncia ou queixa
e a absolvição sumária (art. 397 do CPP). Boletim IBCCrim, São Paulo, ano
16, n. 192, p. 9-10, nov. 2008).
A segunda orientação (o recebimento da denúncia ou queixa supõe a
impossibilidade da rejeição liminar bem como da absolvição sumária) situaria
,

a decisão de absolvição sumária (art. 397 do CPP) em uma/ase preliminar à


instauração da ação penal, antecedente ao recebimento da denúncia ou queixa
(art. 399, caput, do CPP).
A fase preliminar abrangeria então as seguintes etapas:
a) rejeição liminar (encerramento sem resolução de mérito)/não rejeição
liminar da denúncia ou queixa (continuidade do procedimento);
b) citação do acusado;
Cap. 9 . Procedimentos 219

c) apresentação da resposta à acusação;


d) absolvição sumária do acusado (encerramento com resolução de
mérito)/recebimento da denúncia ou queixa (instauração formal da
ação penal).
Terceira posição: são dois os recebimentos da denúncia ou queixa (dois
juízos de admissibilidade, de formulação progressiva, diversos pela pro-
fundidade de cognição exigida): o primeiro (art. 396, caput, do CPP) seria
um recebimento preliminar ou provisório e decorre da não rejeição liminar,
prevista no art. 395 do CPP; o segundo (art. 399, caput, do CPP), que ocor-
reria depois da citação e da apresentação da resposta do acusado, decorre da
impossibilidade de rejeição liminar e de absolvição sumária, prevista no art.
397 do CPP (Antonio Scarance Fernandes; Mariângela Lopes, O recebimento
da denúncia no novo procedimento. Boletim IBCCrim, São Paulo, ano 16, n.
190, p. 2-3, set. 2008).

92 1
. . . 3 Citação do acusado jocLux?

Citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de uma acusação


existente contra ele, chamando-o a vir em juízo apresentar sua defesa. O seu
efeito imediato é a triangularização da relação processual entre autor-juiz-réu
(art. 363, caput, do CPP).
A citação é uma garantia individual, imprescindível, cuja ausência ou
defeito gera nulidade absoluta, uma vez que afronta os princípios da ampla
defesa e do contraditório (art. 564, III, e, do CPP). Embora a falta de citação
seja uma nulidade absoluta, esta poderá ser sanada se o réu comparecer em
juízo antes da instrução criminal, mesmo que o faça apenas para alegá-la (art.
-

570, l.a parte, do CPP).


Denomina-se citação circunduta aquela que tiver sido anulada em virtude
da existência de vícios insanáveis.

note
Modalidades de citação- Em processo penal comum, não cabe BEM
citação pelo correio (via postal) nem por meio eletrônico (art.
6 °
. da Lei 11.419/2006).
220 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a) citação real ou pessoal: é aquela feita na pessoa do réu propiciando ,

a certeza de seu conhecimento sobre a acusação. Ela se dará das se-


guintes formas:
. por mandado judicial (arts 351 e 352 do CPP): é a regra geral para
.

a citação do réu. Ocorrerá quando o réu estiver em local certo e


sabido, na comarca do juízo processante. O mandado será cum-
prido pelo oficial de justiça.
. por carta precatória: ocorrerá quando o réu residir em comarca
diferente da comarca do juízo processante (art. 353 do CPP) de- ,

vendo conter os requisitos do art. 354 do CPP. Caso o réu não se


encontre na comarca do juízo deprecado este remeterá a carta ao
,

°
novo local, conforme dispõe o art. 355, § 1. do CPP (precatória ,

itinerante);

. por carta de ordem: é aquela determinada pelos Tribunais nos ,

processos de sua competência originária, a ser cumprida por juiz


de grau inferior;
. por carta rogatória: ocorrerá quando o réu residir em outro país,
por meio das vias diplomáticas. É necessário fornecer o endereço
correto do réu, não importando a natureza do crime. O prazo
prescricional fica suspenso enquanto a rogatória não for cumprida
(art. 368 do CPP).
Se o réu for funcionário público, este será citado pessoalmente, mas
deverá existir uma comunicação ao seu superior hierárquico (art. 359 do
CPP). O réu militar será citado na pessoa do seu superior (art. 358 do CPP).
O réu preso será pessoalmente citado, conforme o art. 360 do CPP (não basta
a simples requisição).

3 b) fcitação
icta ou fipresumida:
cta ou presumida:
a citaçãohápor
atualmente
hora certaduas hipótesespordeedital.
e a citação citação
A citação por hora certa introduzida na legislação pela novel reforma,
,

busca permitir o normal andamento do processo nos casos em que a citação


pessoal não se aperfeiçoa em razão de atitude censurável do réu, que busca
se ocultar ou de outra forma fugir da citação, para evitar que se complete a
relação processual.
Pela atual disciplina do art. 362 do CPP, devem ser aplicadas ao processo
penal as regras da citação por hora certa do direito processual civil, em seus
arts. 227-229, do seguinte teor:
Cap. 9 . Procedimentos 221

"

Art. 227. Quando, por três vezes, o oficial de justiça houver procurado
o réu em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, deverá, havendo
suspeita de ocultação, intimar a qualquer pessoa da família, ou em sua
falta a qualquer vizinho que, no dia imediato, voltará a fim de efetuar a
citação, na hora que designar.
Art. 228. No dia e hora designados, o oficial de justiça, independen-
temente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou residência do
citando, a fim de realizar a diligência.
( ... )
Art. 229. Feita a citação com hora certa, o escrivão enviará ao réu carta,
telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência."
Antes da reforma, na hipótese de réu que buscasse se ocultar para evitar
a citação, esta deveria ocorrer por edital, e era controversa, no caso, a inci-
dência da suspensão do processo prevista no art. 366 do CPP, se não compa-
recesse ao interrogatório e não constituísse advogado. Com a reforma, não
há mais citação por edital no caso de réu que se oculta, mas sim citação por
hora certa, que não provoca a suspensão do processo em razão da previsão
do art. 366 do CPP.

A justificativa utilitária do legislador é que era necessário mudar o sis-


tema para que a atitude isolada do acusado - buscando escapar da citação -
não mais provocasse intencionalmente a paralisação da marcha processual,
acarretando a acumulação de milhares de processos (suspensos) aguardando
o comparecimento do acusado. Com a citação por hora certa, a questão fica
resolvida, pois a ocultação não mais provocará a suspensão do processo,
incrementando a eficiência do Poder Judiciário e dando resposta ao clamor
social por celeridade na Justiça.
A justificativa do legislador, ante a necessidade de preservar o direito
à ampla defesa, é que, se o réu se oculta, significa que conhece a acusação:
e tanto conhece que quer escapar da comunicação formal concretizada na
citação. Assim, se certa a atitude de ocultação, cuja prova se faz pela certidão
de agente munido de fé pública, é também inegável a ciência do acusado, e
não há prejuízo para a ampla defesa.
Assim a lei processual penal ora em vigor rege que, aperfeiçoada a
,

citação por hora certa, o juiz deverá nomear defensor dativo ao réu, dando
continuidade ao processo (art. 362, parágrafo único, do CPP).
Acreditamos inconstitucional a previsão da citação por hora certa. Trata-
-

se de restrição ao direito constitucional de ampla de defesa, eis que passa a


presumir o conhecimento da acusação em situação que a lei anterior não pre-
222 Processo Penal - Paulo H. A. Fulier, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C .
C. Machado

sumia. Mais e ainda, contraria o art. 8. 2, b, da Convenção Interamericana de


°
,

Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) que exige comunicação ,

prévia e pormenorizada da acusação como garantia mínima ao réu. Obvia-


mente a comunicação prévia a que se refere o pacto é a real, pessoal, e não a
,

presumida por meio da convicção subjetiva e arbitrária de um agente público


sobre o ânimo de ocultação do acusado, quer seja o agente oficial de justiça
ou não. Restringindo direito individual, violando a clara intenção do pacto
interamericano, a previsão nos parece inconstitucional. No caso de oculta-
ção do denunciado, acreditamos que melhor do que a citação por hora certa
seria o uso de força policial para cumprir o ato e, se o caso a prisão, vez que a
,

citação é ato necessário para garantir a instrução criminal (art. 312 do CPP).
Além da criação da citação por hora certa, também foi alterada a disci-
plina da citação por edital.
É que, antes da reforma, havia quatro hipóteses de citação por edital:
a) réu não encontrado;
b) réu que se oculta;
c) réu em local inacessível; e
d) réu incerto quanto à identificação.
Hoje, persiste apenas a citação por edital no caso de réu não encontrado ,

que será examinada em seguida.


Quanto ao réu que se oculta, a lei hoje prevê a citação por hora certa, já
comentada.

Não há mais previsão, na lei processual penal sobre a citação do réu em


,

local inacessível. O que quis o legislador com a exclusão de tal possibilidade?


Acreditamos que não há resposta satisfatória na letra da lei. Na verdade houve ,

uma confusão de vetos e emendas nos artigos que acabaram por excluir tal
possibilidade do texto legal. Não há alternativa que não a citação por edital
em tais casos lembrando que, em não comparecendo o réu e não constituin-
,

do advogado, será suspenso o processo com base no art. 366 do CPP. Assim ,

estamos convencidos que, em tal hipótese, será aplicada, por analogia, a lei
processual civil, que regula a situação em seu art. 231, II, do CPC, permitindo
a citação por edital.
Foi também excluída a previsão da citação por edital no caso de ser de-
nunciada pessoa incerta. Aqui, acreditamos que está correta a alteração da lei e
o afastamento de tal possibilidade. Se a denúncia não foi capaz de discriminar
a pessoa a ponto de identificá-la para a citação, certamente também não o foi
Cap. 9 . Procedimentos 223

de forma suficiente a permitir o devido processo legal. Assim, a exclusão de tal


hipótese de citação por edital torna apenas mais evidente que, em tais casos,
deve a denúncia ser rejeitada, e o aparelho persecutório do Estado trabalhar
com maior competência para conseguir elementos mínimos de identificação
de quem busca acusar.
Sobre a citação por edital no caso de réu não encontrado, ela permanece
sem alteração relevante em seus procedimentos.
Por se tratar de modalidade ficta, e que por tal razão restringe a possibi-
lidade de defesa, só é possível quando esgotados todos os meios para alcançar
a citação pessoal. j 0/ )S
O edital, com o prazo de quinze dias (art. 361 do CPP), deverá ser afixado
no Fórum e publicado na imprensa oficial. Entretanto, se na comarca não
circular diário oficial e não houver verba para a publicação em jornal local,
esta formalidade ficará dispensada.

Se, citado por edital, o réu não comparece e não constitui advogado, o
processo deveráficansiispenso, bem como o prazo prescricional. Tal previsão
legal fez a adequação do processo penal brasileiro às previsões da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, exigindo citação pessoal para que o
processo tenha seu normal trâmite (daí nossa convicção da inadequação da
referida citação por hora certa). Antes de tal previsão, era bastante comum
que pessoas fossem processadas e condenadas sem ter qualquer notícia de
acusação, motivo pelo qual a suspensão do processo, em tais casos, foi muito
bem vista pela doutrina.
Vale salientar, ainda, que a lei não fixa o limite máximo para a suspensão
da prescrição. Entretanto, foi necessário fixar um prazo máximo, após o qual
o processo continuaria suspenso, mas a prescrição voltaria a fluir, pois, caso
contrário, estaria sendo ampliado, ilegalmente, o rol dos crimes imprescri-
tíveis, previsto constitucionalmente (art. 5.°, XL11 e XLIV, da CF/1988). Por
este motivo, a doutrina se manifestou a respeito:
a) para alguns, o prazo da suspensão é o máximo lapso prescricional
previsto em lei, ou seja, 20 anos (art. 109,1, do CP);
b) para outros, o prazo da suspensão é o máximo lapso prescricional do
crime, verificado segundo a sua pena em abstrato (art. 109 do CP)."
A segunda posição é majoritária na doutrina, pois constitui um critério
mais justo para o réu, já que impede o mesmo tratamento a infrações penais
diferentes, tendo sido ainda adotada no enunciado da Súmula 415 do STJ:
224 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

"O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo má-


"

ximo da pena cominada .

c) no RE 460971/07, o STF (rei. Min. Sepúlveda Pertence) entendeu que


a indeterminação do prazo de suspensão da prescrição em razão da ,

citação por edital, não constitui causa de imprescritibilidade e por ,

tal razão, não deve obedecer qualquer prazo.


A despeito da suspensão do processo, pode o juiz determinar a produção
antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão
preventiva do acusado (art. 312 do CPP). A Súmula 455 do STJ enuncia que:

A decisão que determina a produção antecipada de provas com base


"

no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justifi-


"

cando unicamente o mero decurso do tempo .

A reforma da legislação afastou do art. 366 do CPP seus dois parágra-


fos, que dispunham sobre a necessidade de que as partes acompanhassem a
produção de prova antecipada e, ainda, sobre a disposição de que, diante do
comparecimento do acusado ele seria tido por citado e o processo seguiria
,

normalmente. Houve alguma consequência com tais alterações?


Acreditamos que não. Por força do princípio constitucional do contra-
ditório, continua sendo necessária a presença das partes para que seja produ-
°
zida a prova antecipada, e a supressão do parágrafo (§ 1. ) em nada poderia
influenciar a direta imposição constitucional.
Por outro lado , o comparecimento do acusado evidencia sua ciência da
acusação , ou ao menos de que há alguma acusação. É claro que, em tais casos,
deve ser assegurada, com base nas circunstâncias concretas, a possibilidade de
defesa. A mudança na legislação com a supressão do § 2.°, não terá qualquer
influência efetiva.

Intimação e notificação - Intimação é a "ciência dada à parte no processo, ,

da prática de um ato despacho ou sentença". Notificação é a "comunicação


,

à parte ou outra pessoa, do lugar, dia e hora de um ato processual a que deva
"

comparecer (Julio Fabbrini Mirabete, Processo Penal).


A intimação refere-se a ato passado, já praticado, enquanto a notificação
refere-se a ato futuro, que vai ser praticado.
Embora distintas e definidas pela doutrina, a intimação e a notificação
são inúmeras vezes confundidas pela lei processual penal, aplicando-se-lhes
as mesmas regras da citação (art. 370, caput, do CPP).
Cap. 9 . Procedimentos 225

92 1
. . .
4 Apresentação da resposta à acusação (arts. 396 e 396-A)
O juiz ordena a citação do acusado para apresentar resposta à acusação,
na forma escrita (art. 396 caput, infine, do CPP).
,

O prazo para a apresentação da resposta à acusação é de 10 dias (art.


396, caput, infine, do CPP).
Em função de a Lei 11.719/2008 não ter disciplinado o termo inicial
do prazo para responder à acusação, entendemos aplicável, por analogia, o
disposto no art. 406, § 1.°, do CPP, que estabelece como dies a quo o "efetivo
cumprimento do mandado (ou, no caso de citação inválida, o "compareci-
"

"
mento em juízo, do acusado ou de defensor constituído ) Em igual sentido,
,
.

o enunciado da Súmula n. 710 do STF:

No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não


"

da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem".


Diversamente, o art. 241, II, do CPC, dispõe que "começa a correr o prazo:
[ ...
] quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de jun-
tada aos autos do mandado cumprido (e não do seu efetivo cumprimento).
"

Em caso de citação por edital, o termo inicial do prazo para a apresenta-


ção da resposta à acusação será o comparecimento pessoal do acusado ou
"

do defensor constituído" (art. 396, parágrafo único, do CPP), que denota a


ciência efetiva da acusação. Do mesmo modo, no procedimento do júri, o art.
406, § 1.°, do Código de Processo Penal (com a redação da Lei 11.689/2008),
determina que o prazo para a apresentação da resposta à acusação será contado
do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor constituído, no
"

"

caso de citação inválida ou por edital .

De acordo com a forma da citação, variam as consequências da não


apresentação da resposta no prazo legal:
a) citação por mandado (real ou com hora certa): o juiz nomeará defensor
público ou dativo (arts. 261 e 362, parágrafo único, do CPP) para
oferecer defesa, concedendo-lhe vista dos autos por 10 dias (arts.
396-A, § 2.°, do CPP);
b) citação por edital: não sendo encontrado o acusado, o juiz determinará
"

a citação por edital, com o prazo de 15 dias (art. 361 do CPP), que
será contado do dia da publicação do edital na imprensa, se houver, ou
da sua afixação" (art. 365, V, do CPP). O parágrafo único do art. 365
prevê que: O edital será afixado à porta do edifício onde funcionar o
"
226 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

juízo e será publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afixação


ser certificada pelo oficial que a tiver feito e a publicação provada por
exemplar do jornal ou certidão do escrivão da qual conste a página,

do jornal com a data da publicação." Duas situações podem então


ocorrer:

. comparecendo pessoalmente o acusado ou o defensor constituído ,

será restituído, a partir desse momento o prazo de 10 dias para a


,

apresentação da resposta à acusação (art. 396 parágrafo único, do ,

CPP);
. escoado in albis o prazo para a resposta e não comparecendo o acusado
,

nem o defensor constituído o juiz suspende o processo e a prescrição


,

(art. 366 do CPP).


O art. 396-A , caput, do CPP, esclarece que:
"Na resposta, oacusado poderá arguirpreliminaresealegartudooque
interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações especificaras ,

provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo


sua intimação, quando necessário."
Pode o acusado, enfim, "alegar tudo o que interesse à sua defesa" nota- ,

damente aquelas situações que possibilitam a absolvição sumária (art 397, .

1 a IV do CPP), a serem apreciadas pelo juiz logo depois da apresentação da


,

resposta (art. 397 caput, do CPP).


,

Juntamente com a resposta à acusação, podem ser opostas exceções


de suspeição, incompetência ilegitimidade de parte, litispendência e coisa
,

julgada (art. 95 do CPP), que serão autuadas em apartado (arts. 100, caput,
e 111, ambos do CPP), seguindo o procedimento estabelecido nos arts. 95 a
112 do CPP (art. 396-A § 1 °, do CPP).
,

Com a resposta, deve o acusado apresentar documentos e justificações ,

bem como especificar as provas pretendidas (v.g. perícias) e arrolar teste-


,

munhas, qualificando-as e requerendo sua intimação quando necessário - a ,

defesa pode trazer as testemunhas em audiência independentemente de ,

notificação.
A resposta à acusação portanto, constitui o momento oportuno para a
,

defesa arrolar testemunhas sob pena de preclusão, o que logicamente não


,

impede que estas sejam inquiridas como do Juízo (art 209, caput, do CPP). .

O art. 401, caput, do CPP, estabelece o número máximo de testemunhas


que as partes podem arrolar no procedimento comum ordinário, qual seja, 8
para a acusação e 8 para a defesa (para cada acusado).
Cap. 9 . Procedimentos 227

92 1
. . .
5 Absolvição sumária (art. 397 do CPP)
Depois da apresentação da resposta à acusação (art. 396-A do CPP) deve ,

o juiz analisar a possibilidade de absolver o acusado sumariamente, ou seja,


independentemente de instrução (produção de provas), nos casos enuncia-
dos no art. 397,1 a IV, do CPP: existência manifesta de causa excludente da
ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, atipicidade do fato narrado na
denúncia ou queixa e extinção da punibilidade.
Presente qualquer das situações do art. 397,1 a IV, do CPP, surge para
o juiz o dever legal de absolver sumariamente o acusado (o art. 397, caput,
emprega o imperativo: deverá").
"

Para tanto é preciso que os elementos de convicção contidos na inves-


,

tigação criminal ou em peças de informação sejam suficientes para a aferição


dos pressupostos de fato da absolvição sumária (art. 397 do CPP), de molde
a prescindir da produção de provas durante a instrução.
Cabe ressaltar a impossibilidade de absolvição sumária em caso de inim-
putabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado quando o agente era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
,

incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo


com esse entendimento (art. 26, caput, do CP), por se tratar de absolvição
imprópria da qual decorreria a aplicação de medida de segurança.
,

A restrição se justifica pelo fato de a medida de segurança ser uma


modalidade de sanção penal que pressupõe a comprovação da existência e
,

da autoria de um injusto penal (fato típico e ilícito) o que somente poderia


,

°
ser reconhecido depois de cumprido o devido processo legal (art. 5. LIV, ,

da CF/1988) e de amplamente debatidas eventuais causas de absolvição


própria.
Apesar de o art. 397, II, do CPP, mencionar genericamente a "inimputa-
bilidade", entendemos que a referência deve ser limitada aos casos de doença
mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26 caput, ,

do CP), pois a menoridade implicaria a carência de ação por impossibilida-


de jurídica do pedido (art. 395, II, infine, do CPP) e a embriaguez acidental
°
completa (art. 28, § 1. do CP) acarretaria uma absolvição própria, sem
,

gravame algum.
A sentença de absolvição sumária (art. 397 do CPP) sob qualquer de ,

seus fundamentos, pode ser impugnada por meio da interposição de recurso


de apelação (art. 593 1 do CPP)., ,
228 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

92 1
. . .
6 Designação da audiência de instrução e julgamento (art.
399, caputj
Afastadas as possibilidades de absolvição sumária do acusado (art. 397
do CPP), o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julga-
mento a ser realizada no prazo máximo de 60 dias (art. 400, caput, do CPP),
,

ordenando a intimação (rectius: notificação) do acusado, de seu defensor do ,

Ministério Público e, se for o caso do querelante e do assistente.


,

°
Em caso de acusado preso o art. 399, § 1. do CPP, estabelece que ele
, ,

"

será requisitado para comparecerão interrogatório devendo o poder público ,

"

providenciar sua apresentação .

note
A atual redação do art. 185 do Código de Processo Penal per- BEM
mite a realização do interrogatório no próprio estabelecimento
prisional, ou, ainda, por videoconferência. O interrogatório por
videoconferência é excepcional, e deve ser fundamentado no
objetivo de I) prevenir risco à segurança públ ica, quando exista
fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa
ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento
ou II) viabi Iizar a participação do réu no referido ato processual,
quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento
em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoa ou
III) impedira influência do réu no ânimo de testemunha ou da
vítima, desdequenãosejapossívelcolherodepoimentodestas
por videoconferênciaou ainda para IV) responder à gravíssima
questão de ordem pública.

O art. 399, § 2.°, do CPP, incorporou ao processo penal a regra da iden-


tidade física do juiz, que vincula aquele que presidiu a instrução a proferir
sentença.

À míngua de disciplina minudente no processo penal, entendemos


aplicável por analogia, o art. 132 do CPC, que dispõe:
,

"O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a


lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer
motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao
seu sucessor.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sen-


tença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já
"
produzidas .
Cap. 9 . Procedimentos 229

92 1
. . 7 Audiência de instrução e julgamento (art. 400, caputj
.

O art. 400, caput, do CPP, estabelece a ordem procedimental para a pro-


dução da prova oral na audiência de instrução e julgamento, a saber:
a) declarações do ofendido;
b) inquirição das testemunhas arroladas pela acusação;
c) inquirição das testemunhas arroladas pela defesa;
d) esclarecimentos dos peritos;
e) acareações;
f) reconhecimento de pessoas e coisas; e
g) interrogatório do acusado.
A ordem de inquirição das testemunhas (primeiro as arroladas pela
acusação depois as arroladas pela defesa) não pode ser invertida, sob pena
,

de nulidade por cerceamento da ampla defesa, ressalvados os casos de ex-


pedição de carta precatória (art. 222 do CPP), quando, então, pode ocorrer
da testemunha arrolada pela defesa ser inquirida, no juízo deprecado, antes
da realização da audiência de instrução e julgamento no juízo de origem
(processante).

Não poderá haver a inversão das audiências de oitiva de testemu-


nhas de acusação e de defesa, sob pena de nulidade, se ficar ca-
racterizado prejuízo para o réu. Em certos casos, porém, a inversão
poderá ocorrer, se a testemunha não estiver ligada diretamente ao
fatoprobando (testemunha de antecedentes) ou quando é impres-
cindível a produção de provas antecipadamente, como no caso da
testemunha gravemente enferma (art. 225 do CPP).

A mais importante modificação, contudo, reside em posicionar o interro-


gatório como ato de encerramento (e não mais de abertura) da fase de instrução,
o que permite ao acusado exercer a sua autodefesa (direito de audiência) em
relação a todas as provas anteriormente produzidas, salientando assim, a feição
de meio de defesa do interrogatório (a par de ser um meio de prova, ainda que
eventual, em face do direito ao silêncio, previsto no art. 5. LX1II da CF/1988).
°

O art. 400, § 1.°, do CPP, estabelece que:


As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz
"

indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias".


230 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

De acordo com o art. 400, § 2.° do CPP: ,

"
Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento
das partes", sem o que esta prova se torna preclusa.

O art. 401, caput, do CPP, estabelece o número máximo de testemunhas


que as partes podem arrolar no procedimento comum ordinário, qual seja, 8
para a acusação e 8 para a defesa.
A parte pode desistir da inquirição de qualquer das testemunhas por
ela arroladas (art. 401, § 2 do CPP), independentemente de aquiescência
0

da parte contrária, ressalvada a possibilidade de a testemunha ser inquirida


como dojuízo (art. 209, caput, do CPP).
O art. 405, caput, do CPP, determina a lavratura de termo (ata de audi-
ência) para consignar as principais ocorrências da audiência de instrução e
julgamento, a ser assinado pelo juiz e pelas partes.
Em função do incremento da oralidade no procedimento comum ordiná-
°
recomenda que "sempre que possível, o registro dos depoimentos
rio, o § 1.
do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios
ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar ,

inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações" ,

sendo, neste caso, encaminhado às partes cópia do registro original, sem


"

necessidade de transcrição (§ 2.°).


"

9 2 1
. . .
8 Requerimento de diligências complementares (art. 402)
Encerrada a produção das provas orais ao final da audiência, poderão o
,

Ministério Público, o querelante, o assistente e o acusado nessa ordem, reque-


,

rer diligências complementares cuja necessidade se origine de circunstâncias


,

ou fatos apurados na instrução. Assim v.g., pode ser requerida a inquirição


,

de uma testemunha desconhecida, que foi referida durante a oitiva de outra.


Procedimento em caso de ausência ou indeferimento do requerimento de dili-
gências complementares (art. 403) - Em caso de ausência ou indeferimento do
requerimento de diligências complementares serão apresentadas alegações
,

finais orais em audiência, primeiro pela acusação depois pela defesa, por 20
,

minutos cada, que podem ser prorrogados por mais 10 minutos. Em seguida ,

o juiz profere sentença (art. 403, caput, do CPP).


O assistente da acusação pode se manifestar depois do Ministério Público ,

por 10 minutos. Se isso ocorrer, prorroga-se por igual tempo a manifestação


Cap. 9 . Procedimentos 231

da defesa (art. 403, § 2.°, do CPP), que passa a ter 30 (20+10) minutos para
a apresentação das suas alegações finais orais, como forma de compensação.
O tempo para a apresentação das alegações finais orais, em caso de plu-
°
ralidade de acusados, será individualmente considerado (art. 403, § 1 do ,

CPP) para que seja preservado, em sua integralidade, o direito de defesa de


,

cada qual.
Considerando a complexidade do caso ou o número de acusados, o juiz
pode substituir a apresentação das alegações finais orais por memoriais es-
critos, concedendo o prazo de 5 dias, sucessivamente, para a acusação, para
o assistente e para a defesa. O juiz então tem o prazo de 10 dias para proferir
sentença (art. 403, § 3. do CPP).
°
,

Procedimento em caso de ser ordenada a realização da diligência complemen-


tar requerida (art. 404) - Ordenada a realização de diligência complementar,
exofficio ou a requerimento da parte, a audiência de instrução e julgamento
será encerrada sem as alegações finais orais (art. 404, caput, do CPP).
Realizada a diligência complementar determinada, as partes apresenta-
rão no prazo sucessivo de 5 dias (acusação, assistente e defesa), suas alegações
,

finais por memorial escrito, e, no prazo de 10 dias, o juiz proferirá a sentença


,

(art. 404, parágrafo único, do CPP).

92 1. . . 9 Sentença (arts. 381 a 392 do CPP)


Cumpre ressaltar que as decisões são classificadas em:
a) interlocutórias simples: são as que, sem penetrar no mérito, solucionam
questões relativas à regularidade ou marcha processual, sem encerrar
o processo ou fase do procedimento (ex.: recebimento da denúncia
ou queixa decretação da prisão preventiva etc.);
,

b) interlocutórias mistas (ou decisão com força de definitiva): são aque-


las que encerram uma etapa do procedimento ou a própria relação
processual, sem, contudo, adentrar o mérito da causa. Assim, são
chamadas de interlocutórias mistas não terminativas as que põem fim
apenas a uma etapa do procedimento (ex.: a decisão de pronúncia)
e de interlocutórias mistas terminativas as que encerram o próprio
processo (ex.: decisão de rejeição da denúncia ou queixa);
c) definitivas (ou sentença em sentido próprio): são aquelas que solucio-
nam a lide, encerram o processo resolvendo o mérito (acertamento
do caso penal). Elas se subdividem em: sentenças condenatórias,
absolutórias (próprias ou impróprias) e terminativas de mérito.
232 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Espécies de Sentença:
a) Absolutória: julga improcedente o pedido da acusação e ocorre nas
hipóteses previstas no art. 386 do CPP. Subdivide-se em:
. própria: é aquela que absolve o réu sem lhe impor qualquer sanção;
,

. imprópria: é aquela que não acolhe pretensão punitiva, mas reco-


nhece a prática de uma infração penal (art. 26 do CP). Neste caso ,

o agente não será condenado a uma pena, mas ser-lhe-á aplicada


medida de segurança.

O art. 386, parágrafo único, I, do CPP prevê os efeitos da sentença abso-


,

lutória determinando a libertação do réu, se este se encontrar preso. Mesmo


,

que o Ministério Público ou o querelante apele, o réu será posto em liberdade


(art. 596 do CPP), pois o recurso não tem efeito suspensivo.
A Lei 11.690/2008 inseriu ,
no inc. IV do art. 386 do CPP, como funda-
"

mento para a absolvição a situação de estar provado que o réu não concorreu
,

"

para a infração penal Trata-se de juízo de certeza que anteriormente era


.
,

subsumido ao inc. I (entendia-se que quando provado que o acusado não


,

concorreu para a infração penal, seria como se o fato não houvesse existido
para ele) e que, por identidade de motivos, deve surtir efeitos extrapenais,
impedindo a propositura de eventual ação civil ex delicio (art. 66 do CPP).
O inc. V ("não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal")
apenas reproduz a situação de absolvição anteriormente alocada no inc. IV
do art. 386 do CPP.

O inc. VI, além de reproduzir a situação de absolvição anteriormente


situada no inc. V do art. 386 do CPP, ainda explicita que a fundada dúvida
sobre a existência de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de
pena deve igualmente conduzir à absolvição. Trata-se de importante aprimo-
ramento da legislação processual penal que confere concretude ao princípio
,

°
constitucional da presunção de inocência (art. 5. LVII, da CF/1988).
,

Com efeito, da presunção de inocência decorre a regra probatória no


sentido de que o ónus da prova da imputação incumbe ao órgão da acusa-
ção, de sorte que, em caso de excludente de ilicitude ou de dirimente da
culpabilidade, bastaria à Defesa criar dúvida fundada no espírito do juiz (a
denominada prova semiplena).
Por derradeiro, o inc. VII ("não existir prova suficiente para a condena-
"

ção ) apenas reproduz a situação de absolvição anteriormente inserida no


inc. VI do art. 386 do CPP.
Cap. 9 . Procedimentos 233

b) Condenatória: julga, total ou parcialmente, procedente a acusação,


observando-se o disposto no art. 387 do CPP. O juiz decidirá, fun-
damentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição
de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do
conhecimento da apelação que vier a ser interposta (art. 387, parágrafo
único, do CPP).
c) Terminativa de mérito (ou definitivas em sentido estrito): é a decisão
judicial que encerra o processo com resolução de mérito, mas sem
absolver nem condenar o réu. Ex.: sentença que declara extinta a
punibilidade; sentença que concede o perdão judicial (faculdade
que a lei concede ao juiz, em casos expressos, de deixar de aplicar a
pena), que tem natureza jurídica de extinção da punibilidade, logo,
é terminativa de mérito (Súmula 18 do STJ). Da sentença que julgar
extinta a punibilidade, caberá RESE e não apelação (art. 581, VIII,
do CPP). Contudo, se a extinção da punibilidade for reconhecida
por ocasião da absolvição sumária (art. 397, IV, do CPP), o recurso
adequado passa a ser o de apelação (art. 593,1, do CPP).
Princípio da correlação entre acusação e sentença - Não é possível julga-
mento ultra, extra ou citra petitum (além, fora ou aquém do pedido, respec-
tivamente). A sentença só pode decidir aquilo que foi pedido. Entretanto,
vale também o princípio de que o réu se defende dos fatos narrados e não da
tipificação legal indicada pela acusação na petição inicial (artigo de lei que
define o crime que teria sido cometido).
Assim observando a não adequação entre a imputação e a tipificação/
,

fato provado, o juiz poderá proceder de duas formas:


a) emendatio libelli (art. 383 do CPP): correção da acusação.
O fato narrado na denúncia ou queixa é exatamente o fato provado. O
problema está na classificação jurídica - tipificação - dada na peça inicial.
Deste modo, o juiz, que sempre deve decidir com base nos fatos, pode e deve
dar a classificação jurídica correta, mesmo que implique pena mais grave (art.
383, caput, do CPP). Na emendatio, há uma simples correção da classificação
jurídica (os fatos são os mesmos; não surgiu fato novo).
A correção é feita na sentença condenatória. Também pode ser feita em
segunda instância, desde que dentro dos limites da apelação que foi interposta,
em face da proibição da reformatio in pejus (art. 617 do CPP).
234 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

Trata-se de consectário da ideia majoritária de que o sujeito se defende


dos fatos que lhe são imputados, e não da classificação jurídica proposta pela
acusação.

Se da reclassificação jurídica decorrer a possibilidade de suspensão


condicional do processo, deverá ser aberta vista ao Ministério Público para
°
que faça a proposta (art. 383, § 1. do CPP). ,

Se a reclassificação jurídica deslocar a competência para o julgamento da


infração penal o juiz deverá remeter os autos ao juiz competente (art. 383, §
,

°
2 do CPP). Prevalece, no caso, que apenas os atos decisórios serão anulados.
.
,

Continua prevalecendo que a emendado libelli deve ser realizada apenas


no momento da sentença. Discordamos de tal entender pois a incorreta clas- ,

sificação do fato na inicial pode impor processo por juiz incompetente ,


rito
inadequado ou tratamento processual equivocadamente severo ao acusado .

Não há problema em realizar emendado libelli na ação penal privada.


b) mutatio libelli (art. 384 do CPP): mudança da acusação.
O fato narrado na denúncia é distinto do fato provado (surgiu fato novo
durante a instrução). Nesse caso, o Ministério Público (não é possível mutatio
libelli em crime de ação penal privada) deverá aditar a denúncia ou queixa
subsidiária no prazo de 5 dias após o encerramento da instrução (art. 384 ,

caput, do CPP).
De acordo com a nova redação não mais importa se o fato (novo) que
,

surgiu na instrução torna a imputação mais grave ou amena que a original. O


procedimento é o mesmo, buscando sempre adequar a acusação à sentença,
em respeito ao princípio da correlação imputação-sentença.
Se o Ministério Público não aditar a denúncia
a lei reserva ao magistrado
,

a possibilidade de remessa dos autos ao Procurador-Geral, para que examine


a conveniência do aditamento executando-o ou designando outro membro
,

do Ministério Público para tanto, salvo se concordar com o conteúdo da de-


núncia previamente oferecida, hipótese em que nenhuma outra providência
°
poderá ser tomada pelo magistrado (art. 384, § 1. do CPP). ,

Criticável que a lei dê ao magistrado a possibilidade de remessa dos autos


ao Procurador-Geral. A medida fere a necessária equidistância das partes ,

exigida para umj ulgamento correto, afasta a imparcialidade do juiz e fulmina


o princípio acusatório, vez que o magistrado provoca a acusação e depois é
chamado a julgar a causa. Em uma leitura constitucional, tal disposição legal
não persistiria.
Cap. 9 . Procedimentos 235

Aditada a denúncia, será intimado o defensor para se manifestar em 5


dias, oportunidade em que a defesa poderá argumentar sobre a viabilidade
do aditamento (art. 384, § 2.°, do CPP). Se rejeitado o aditamento, o processo
prosseguirá normalmente (art. 384, § 5. do CPP).
°
,

Admitido o aditamento, o juiz dará oportunidade para que cada parte


°
arrole, no prazo de 5 dias, até 3 testemunhas (art. 384, § 4. do CPP). Desig-
,

nará então data para continuação da audiência anterior, oportunidade em que


serão ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes e, após o interrogatório,
°
serão realizados debates e julgamento (art. 384, § 2. in fine, do CPP). Na
,

°
sentença, o juiz ficará adstrito aos termos do aditamento (art. 384, § 4. in ,

fine, do CPP).
Se da nova definição jurídica for possível a realização de suspensão con-
dicional do processo, deve o magistrado abrir oportunidade ao Ministério
Público para que faça a proposta. Se a nova definição jurídica do fato alterar
a competência, o juiz deverá remeter os autos ao juiz competente (art. 384,
§3.°, do CPP).

Continua sendo inviável a mutatio libelli no julgamento de recursos em


segunda instância (Súmula 453 do STF). Se se trata de ação penal de compe-
tência originária dos Tribunais, prevalece a possibilidade.
Requisitos da sentença (art. 381 do CPP):
a) Relatório ou exposição (incs. I e II): resumo dos atos do processo e,
principalmente, dos arrazoados das partes. Tem por fim mostrar que o
juiz leu os autos. Sentença sem relatório é sentença nula por omissão
de formalidade essencial (art. 564, IV), salvo aquela do JECrim, que
poderá ficar dispensada do relatório (art. 81, § 3 da Lei 9.099/1995).
0
,

b) Fundamentação ou motivação (inc. 111): em conformidade com o


art. 93, IX, da CF/1988, todas as decisões judiciais deverão ser fun-
damentadas. A fundamentação é a exposição dos motivos de conven-
cimento do juiz a respeito da lide a ele apresentada. A sentença deve
ser específica para cada caso concreto, de modo que o juiz deverá, ao
julgar a causa demonstrar os fatos e as provas que o fizeram concluir
,

daquela forma, analisando todos os pontos da acusação e da defesa.


A sua ausência ou insuficiência causará a nulidade.

Todas as teses das partes devem ser apreciadas, sob pena de nulidade,
pois de nada adiantaria o direito ao contraditório, com a oportunidade de se
manifestar se não fosse imposto ao julgador o exame das teses sustentadas
,
236 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller
, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

pelas partes. O indivíduo tem direito ao exame de suas teses, de seus argumen-
tos, das provas por ele produzidas, como condição para que legitimamente
possa ser tangenciada sua liberdade.
A fundamentação deve ainda ser coerente sob pena do que se classifica
,

como sentença suicida que é aquela que não traz coerência interna, ou seja,
,

que argumenta em um sentido e decide em outro, ou traz os fundamentos


de forma tão incoerente que não se concebe a conclusão como a síntese dos
fundamentos.

c) Dispositivo ou decisum (incs. IV e V): o dispositivo é a conclusão do


" "

processo. O juiz, depois de apresentar os fatos no relatório e expor os


motivos de seu convencimento na fundamentação deverá absolver ,

ou condenar o réu, indicando o dispositivo legal pertinente. Senten-


ça sem dispositivo é sentença inexistente e nula (art. 564, III, m, do
CPP). É conhecida como "sentença suicida" aquela em que a parte
dispositiva contraria a fundamentação.
d) Autenticação (inc. VI): deve conter, por fim, "a data e a assinatura do
juiz".

Defeitos de sentença - A sentença poderá apresentar alguns defeitos , tais


como obscuridade , ambiguidade, contradição ou omissão.
Se a sentença contiver qualquer dos defeitos acima elencados, ela poderá,
a requerimento da parte, ser declarada nos termos do art. 382 do CPR A de-
claração da sentença visa a esclarecê-la ou a complementá-la sem, contudo, ,

modificá-la.

A declaração será feita por meio de embargos declaratórios (ou "em-


barguinhos", para a doutrina), devendo ser interposto no prazo de 2 dias,
contados da intimação da sentença.

Publicação e intimação da sentença:

a) Publicação: a sentença só passa a produzir efeitos em relação às par-


tes e terceiros com a publicação. A publicação da sentença ocorrerá
no momento em que for recebida pelo escrivão no cartório. Caso a ,

sentença tenha sido prolatada em audiência, dá-se a publicação com


sua leitura pelo juiz.
Após a publicação a sentença não poderá ser modificada, salvo quando
,

houver embargos de declaração (art. 382 do CPP).


Cap. 9 . Procedimentos 237

b) Intimação: não se confunde com a publicação. A intimação é o ato


de dar às partes ciência da sentença. Em geral, é feita depois da pu-
blicação, quando a sentença é proferida por escrito. Se a sentença for
proferida em audiência, as partes já sairão intimadas.
Da intimação começam a fluir os prazos para a interposição de recurso
(art. 798, § 5.°, do CPP).
A intimação do Ministério Público será feita pessoalmente pelo escrivão,
°
no prazo de 3 dias após a publicação da sentença (art. 390 c/c art. 370, § 4. ,

ambos do CPP, e art. 41, IV, da LOMP).


A intimação do réu e do defensor é regida pelo art. 392 do CPP, que prevê
as várias hipóteses de réu preso (para quem a intimação é sempre pessoal),
solto ou foragido, de ter advogado constituído ou não, de ser a infração
afiançável ou não etc.
Por fim, uma vez transitada em julgado a sentença, forma-se a coisa
julgada, que pode ser formal e material. Coisa julgada formal é aquela que
produz efeitos somente dentro do processo, ou seja, torna imutável a sentença,
não permitindo novas discussões sobre o fato, mas apenas dentro do mesmo
processo. Já a coisa julgada material produz efeitos dentro e fora do processo,
sendo vedada a discussão do fato (dentro e fora do processo). A imutabili-
dade dos efeitos da sentença condenatória é relativa, já que o direito pátrio
admite a revisão criminal em favor do réu (a decisão absolutória transitada
em julgado se reveste de imutabilidade absoluta, pois não se admite revisão
criminal pro societate).

92
. .
2 Do procedimento comum sumário (arts. 53 / a 538 do CPP)
Apesar de inserido no Capítulo V do Título II (que disciplina os proce-
dimentos especiais) do Livro II do Código de Processo Penal, o procedimento
sumário (arts. 531 a 538 do CPP) constitui modalidade de procedimento
°
comum, a teor do disposto no art. 394, § 1. II. ,

Infere-se, da conjugação dos incs. II e III do § 1° do art. 394 do CPP, que


no procedimento comum sumário se inserem os crimes cuja pena máxima
cominada seja superior a 2 anos (não considerados de menor potencial ofensi-
vo) , mas inferior a 4 anos, como sucede, v.g., com o crime de dano qualificado,
que possui pena privativa de liberdade de 6 meses a 3 anos de detenção (art.
163 parágrafo único, do CP), ou com o homicídio culposo, que possui pena
,

de 1 a 3 anos de detenção (art. 121, § 3.°, do CP).


238 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

922
. . . 1 A fase inicial dos arts. 395 a 397 do CPP (art. 394, § 4 0)

do CPP, determina a aplicação das disposições dos arts.


O art. 394, § 4.° ,

395 a 397 "a todos os procedimentos penais de primeiro grau". Por isso ,

aplicam-se ao procedimento comum sumário a rejeição liminar da denúncia


ou queixa (art. 395), a determinação de citação do acusado (art. 396) a apre- ,

sentação da resposta à acusação (art. 396-A) e a absolvição sumária (art. 397).

922
. . .
2 Audiência de instrução e julgamento (art. 531)
O art. 531 do CPP estabelece a ordem procedimental para a produção da
prova oral na audiência de instrução e julgamento (a ser realizada no prazo
máximo de 30 dias) a saber: ,

a) declarações do ofendido;
b) inquirição das testemunhas arroladas pela acusação;
c) inquirição das testemunhas arroladas pela defesa;
d) esclarecimentos dos peritos;
e) acareações;
f) econhecimento de pessoas e coisas;
g) interrogatório do acusado;
h) debate (alegações finais orais).
O art. 532 do CPP estabelece o número máximo de testemunhas que as
partes podem arrolar no procedimento comum sumário, qual seja, 5 para a
acusação (para cada fato) e 5 para a defesa (para cada acusado).
O art. 533 do CPP estende ao procedimento comum sumário a aplicação
do disposto nos parágrafos do art. 400:
§ 1 ."As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz
"

indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.


§ 2." Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requeri-
"
mento das partes.
O procedimento comum sumário não possui a fase de requerimento de
diligências complementares, presente no procedimento comum ordinário
(art. 402 do CPP).

No procedimento comum sumário, as alegações finais serão apresentadas


sempre na forma oral (art. 534, caput, do CPP).
Cap. 9 . Procedimentos 239

A despeito disso, entendemos haver compatibilidade entre o procedi-


mento comum sumário e as possibilidades de requerimento de diligências
complementares e de substituição das alegações finais orais pela apresentação
de memoriais escritos, em caso de complexidade ou elevado número de acusa-
dos, conforme disposto no art. 403, § 3.°, do CPP, aplicável subsidiariamente
°
por força do art. 394, § 5. do mesmo diploma legal.
,

As alegações finais orais serão apresentadas primeiro pela acusação, de-


pois pela defesa, por 20 minutos cada, que podem ser prorrogados por mais
10 minutos. Em seguida, o juiz profere sentença (art. 534, caput, do CPP).
O assistente da acusação pode se manifestar depois do Ministério
Público, por 10 minutos. Se isso ocorrer, prorroga-se por igual tempo a
manifestação da defesa (art. 534, § 2. do CPP), que passa a ter 30 (20+10)
°
,

minutos para a apresentação das suas alegações finais orais, como forma
de compensação.
O tempo para a apresentação das alegações finais orais, em caso de plu-
°
ralidade de acusados ,
será individualmente considerado (art. 534, § 1. do ,

CPP) para que seja preservado, em sua integralidade, o direito de defesa de


,

cada qual.
O art. 535 do CPP estabelece a regra da inadiabilidade dos atos processu-
°
ais, com o fim de alcançar o escopo da celeridade processual (art. 5. LXXVIII,
,

da CF/1988). Tal regra cede, no entanto, "quando imprescindível a prova


faltante" (v.g., a testemunha presencial do fato, cujo depoimento se afigura
determinante para a solução da causa), caso em que o juiz deve determinar
a condução coercitiva de quem deva comparecer.
A necessidade de adiamento da conclusão do ato (suspensão da audiência
de instrução e julgamento), contudo, não impede a inquirição da testemunha
que comparecer, desde que observada a ordem estabelecida no art. 531 do
CPP (art. 536 do CPP), ou seja, primeiro as arroladas pela acusação, depois
as arroladas pela defesa.

9 2
. .
3 Do procedimento da Lei 9.099/1995
O procedimento da Lei 9.099/1995 será aplicado às infrações penais
de menor potencial ofensivo (art. 98 1 da CF/1988), assim consideradas as
, ,

contravenções penais e os crimes com pena máxima abstrata igual ou infe-


rior a 2 anos (art. 61 da Lei 9.099/1995). Este procedimento obedecerá aos
princípios da oralidade, informalidade, simplicidade, celeridade e economia
240 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

processual. Seu objetivo é a reparação cios danos causados, aplicando-se pena


não privativa de liberdade por meio da composição civil e da transação penal.
,

A competência territorial será determinada pelo lugar onde foi praticada


a infração penal (art. 63 da Lei 9.099/1995).

Em caso de conexão ou continência entre infração penal de _


menor potencial ofensivo e crime que não seja da competência
dos Juizados Especiais Criminais, o art. 60, parágrafo único,
da Lei 9.099/1995 (com a redação da Lei 11.313/2006), de-
termina a reunião das infrações penais perante o Juízo comum
ou o Tribunal do Júri (prevalentes, por serem de competência
mais ampla), onde serão observados os institutos da transação
penal e da composição dos danos civis. A mesma disciplina se
encontra no art. 2.°, parágrafo único, da Lei 10.259/2001, que
trata dosJECrim no âmbito da Justiça Federal.
Tratando-se de infração penal praticada com violência domés-
tica ou familiar contra a mulher, a competência se desloca para
os Juizados de Violência Doméstica ou Familiarcontra a Mulher
(art. 14, caput, da Lei 11.340/2006-"Lei Maria da Penha") ou,
enquanto não estruturados, para as Varas Criminais (art. 33,
caput, da Lei 11.340/2006). Em caso de crime (não abrange
contravenção penal), o art. 41 do mesmo diploma legal ainda
impede a aplicação da Lei 9.099/1995 e, por conseguinte,
afasta a aplicação dos institutos nela disciplinados (termo cir-
cunstanciado, composição civil, transação penal, suspensão
condicional do processo etc.).

923
. . .
1 Fase preliminar (arts. 69 a 76)
a) Atuação da autoridade policial.
A autoridade policial deverá encaminhar o autor do fato e o ofendido ao
juizado, após lavrar termo circunstanciado (art. 69, caput), que será sucinto e
°
objetivo, substituindo o inquérito policial (art. 77, § 1 ) Se necessário, serão
.

requeridos exames periciais. Pela inexistência de infraestrutura suficiente ,

o termo circunstanciado é enviado ao juizado e as partes intimadas para a


audiência preliminar.
É dispensado o exame de corpo de delito quando a materialidade estiver
comprovada por boletins médicos (art. 77 § 1.°). ,
Cap. 9 . Procedimentos 241

Não subsistirá prisão em flagrante, nem será exigida fiança ao réu que
se dirigir imediatamente ao juizado ou assumir o compromisso de fazê-lo
(art. 69, parágrafo único).
b) Audiência preliminar de conciliação.
Se não for possível a realização imediata de audiência preliminar, as
partes sairão já intimadas da nova data designada. É o que costuma ocorrer
pela falta de infraestrutura.
Comparecendo as partes, seus advogados, o Ministério Público e, se
possível, o responsável civil, o juiz elucidará a respeito da possibilidade de
conciliação pela composição civil dos danos e transação penal (aplicação de
pena alternativa, não privativa de liberdade).
Se houver composição dos danos civis, esta será reduzida a termo e, uma
vez homologada pelo juiz, será irrecorrível, tendo eficácia de título executivo
(art. 74, caput).
Este acordo acarreta a extinção da punibilidade pela renúncia aos direitos
de queixa ou representação, em se tratando de crime de ação penal privada
ou pública condicionada (art. 74, parágrafo único). Se a ação for pública
incondicionada, o procedimento prossegue para a fase de verificação de
possibilidade de transação penal.
Não havendo acordo civil, em se tratando de ação penal pública condi-
cionada, o ofendido poderá representar (oralmente ou por escrito) imedia-
tamente (art. 75, caput). Se não o fizer e ainda não estiver esgotado o prazo
de 6 meses da decadência, poderá deixar para representar até o término do
prazo (art. 75, parágrafo único). Se não representa na audiência preliminar
e deixa escoar o prazo de 6 meses, resta extinta a punibilidade.
Passada a fase de representação (no caso de ação penal pública condi-
cionada), chega-se à fase de verificação da possibilidade de transação penal
(art. 76, caput).
Se o autor do fato não tiver condenação definitiva por crime à pena priva-
tiva de liberdade, não tiver se favorecido com a transação penal nos últimos 5
anos e tiver circunstâncias pessoais favoráveis, o Ministério Público elaborará
°
proposta de transação penal (art. 76, § 2. I a III).
,

Aceita a proposta pelo autor do fato e seu defensor, o juiz apreciará os


termos e proferirá a sentença (art. 76, § 3.°). Da decisão que homologar o
acordo cabe recurso de apelação em 10 dias, para corrigir eventuais distorções
(art. 76, §5.°).
242 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

A decisão não gera reincidência efeitos civis, maus antecedentes ou o


,

lançamento do nome do réu no rol dos culpados impedindo apenas a con-


,

cessão do mesmo benefício no prazo de cinco anos (art. 76 §§ 4.° e 6.°). ,

Se o acusador se recusa a oferecer a proposta, mesmo presentes os


requisitos, o que deve fazer o autor do fato? Nos Tribunais Superiores ,

entende-se que o juiz não pode elaborar proposta de ofício (aplicar-se-ia


o art. 28 do CPP, conforme o enunciado da Súmula 696 do STF) , mas os

Tribunais Estaduais têm feito tal proposta, sob o argumento de que se trata
de direito subjetivo e o magistrado não pode deixar de socorrer a lesão ou
a ameaça de lesão a direito.

9 2 3 2 Procedimento Sumaríssimo
. . .

Não havendo conciliação passa-se na mesma audiência preliminar, se


,

possível, ao oferecimento da denúncia oral pelo Ministério Público, ou queixa


oral pelo ofendido ou seu representante legal (art. 77 caput). ,

A peça inicial será reduzida a termo, devendo o acusado receber uma


cópia dela, com a qual estará citado. O juiz designará dia e hora para a audi-
ência de instrução e julgamento, saindo cientes as partes o responsável civil, ,

os advogados e o promotor de justiça (art. 78, cciput).


Se o caso for muito complexo, impedindo a formulação da denúncia ,

o Ministério Público pode requerer o encaminhamento dos autos ao juízo


comum para adoção do procedimento previsto em lei (art. 77, § 2. ) °
.

Caso o acusado pretenda a intimação de suas testemunhas deverá ,

requerê-la por escrito com antecedência de 5 dias (art. 78, § 1. )


,
°
.

Se o acusado não estiver presente na audiência, será citado pessoalmente ,

nos termos dos arts. 66 e 68 da Lei 9.099/1995 (art. 78 § 1.°), lembrando-se ,

que não existe citação por edital (art. 66, caput). Não sendo encontrado o
acusado para citação, as peças deverão ser encaminhadas ao juízo comum
(art. 66, parágrafo único).
As intimações serão feitas por correspondência ou sendo necessário, ,

por oficial de justiça, independente de mandado ou carta precatória (art. 67,


caput).
No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento ,

proceder-se-á à nova tentativa de composição dos danos civis e de transação


penal, principalmente se tal diligência não foi possível em audiência preli-
minar (art. 79). A intenção da lei é a solução sem litígio.
Cap. 9 . Procedimentos 243

Não havendo conciliação, o defensor responderá à acusação, buscando


refutar a inicial acusatória, e o juiz receberá ou não a denúncia ou a queixa
(art. 81, caput).
Da rejeição liminar da peça inicial caberá recurso de apelação (art. 82,
caput) e do recebimento caberá hahcas corpus (art. 648,1, do CPP).
Recebida a peça inicial o juiz fará a análise da proposta de suspensão
,

condicional do processo, se houver (art. 89); caso esta não seja aceita, pros-
seguir-se-á a audiência, sendo ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação
e de defesa.

A seguir o acusado será interrogado e será dada a palavra à acusação e


,

à defesa para os debates orais (art. 81, caput). A inversão da ordem dos atos
gera nulidade.
Na sentença , que dispensa relatório, o juiz mencionará os elementos de
sua convicção (art. 81, § 3. ) e o termo da audiência será simples como uma
°

ata de assembleia, seguindo o disposto no art. 81, § 2. Desta sentença caberá


°
.

apelação, no prazo de 10 dias de sua ciência (interposição e razões). Também


é possível opor embargos de declaração, em cinco dias (art. 83).
No caso de ser impetrado habeas corpus contra decisão de Turma Recur-
sal dos Juizados Especiais Criminais, entendia o STF, em enunciado de sua
Súmula 690, que:

CompeteoriginariamenteaoSupremoTribunal Federal o julgamento


"

de habeas corpus contra decisão deTurma Recursal de Juizados Especiais


Criminais".

A partir do julgamento do HC 86.834/SP, no entanto, o Supremo Tribunal


Federal sedimentou o entendimento de que a competência para a apreciação
de habeas corpus impetrado contra decisão proferida por Turma Recursal de
Juizado Especial Criminal não seria do STF, como enunciado na Súmula 690,
mas aos Tribunais de Justiça dos Estados ou dos Tribunais Regionais Federais,
no caso da Justiça Comum Federal - STF Plenário, j. 23.08.2006, rei. Min.
,

Marco Aurélio (Informativo STF 437, 21 a 25 de agosto de 2006). Em igual


sentido: (a) STF, HC-AgR89.882/MG, 1 .aT j. 21.11.2006, rei. Min. Cármen
.
,

Lúcia, DJ 07.12.2006; (b) STF, HC 86.026 QO/SP, l.a T., j. 26.09.2006 rei.
Min. Marco Aurélio, (Informativo STF 442,25 a 29 de setembro de 2006); (c)
STF, HC-AgR 87.739/SP, l.aT.,j. 19.09.2006, rei. Min. Sepúlveda Pertence,
DJ 06.10.2006.
244 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

923
. . .
3 Procedimento das infrações penais de menor potencial
ofensivo no Juízo comum (art. 538 do CPP)

A Lei 9.099/1995 determina a modificação da competência das infrações


penais de menor potencial ofensivo, dos Juizados Especiais Criminais para o
Juízo comum, nos casos de impossibilidade de citação pessoal (art. 66, parágrafo
único) e de complexidade ou circunstâncias especiais (art. 77 §§ 2.° e 3.°). ,

O art. 66, parágrafo único, da Lei 9.099/1995, todavia, menciona gene-


" "

ricamente a adoção do procedimento previsto em lei sem especificar qual ,

seria (se sumário ou sumaríssimo, aplicado no Juízo comum).


O art. 538 do CPP esclarece que, em caso de encaminhamento da infração
penal de menor potencial ofensivo ao Juízo comum, o procedimento a ser
adotado será o comum sumário.

92
. .
4 Do procedimento especial dos crimes contra a honra (arts. 519 a
523 do CPP)
Os crimes contra a honra são: calúnia
injúria e difamação. A ação, em
,

regra, é privada, procedendo-se somente mediante queixa. Mas existem hi-


póteses em que a ação será pública (art. 145, parágrafo único, do CP):
a) Condicionada à requisição do Ministro da Justiça se a ofensa for ,

contra Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro.


b) Condicionada à representação do ofendido, no caso de ofensa a fun-
cionário público, em razão de suas funções, ou de injúria qualificada
(art. 140, §3°, do CP).
No caso de crime contra a honra de funcionário público cometido em ,

razão de suas funções (art. 141, II, c/c art. 145, parágrafo único, in fine, do
CP), entende o Supremo Tribunal Federal ser concorrente a legitimidade do
Ministério Público (condicionada à representação) e do ofendido (mediante
queixa) para a promoção da respectiva ação penal, consoante enunciado da
Súmula 714 do Pretório Excelso:


concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do
Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a
ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão de
"
exercício de suas funções .

Saliente-se que a sobredita legitimidade concorrente não apresenta su-


pedâneo legal, tratando-se de entendimento sufragado pela Jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal.
Cap. 9 . Procedimentos 245

c) Incondicionada, no caso de injúria real, quando resultar da violência


lesão corporal de natureza grave ou gravíssima (art. 145, caput, do
CP).
d) Condicionada à representação, no caso de injúria real, quando resultar
da violência lesão corporal de natureza leve (art. 145, caput, do CP,
c/c o art. 88 da Lei 9.099/1995).

92 4
. . . / Audiência de tentativa de conciliação
O juiz, antes de receber a queixa (ação penal privada), determinará o
cumprimento do disposto no art. 520 do CPP (audiência de conciliação),
oferecendo às partes oportunidade para se reconciliarem.
As parles serão notificadas a comparecerem à audiência, desacompanha-
das dos advogados, onde serão ouvidas separadamente (primeiro o querelante,
depois o querelado).

Consequências do comparecimento das partes: se as partes


comparecerem, poderá haver conciliação; neste caso, o que-
relante assinará um termo de desistência, arquivando-se a
queixa (art. 522 do CPP).

Caso não haja conciliação, o juiz receberá ou não a queixa.

Consequências do não comparecimento das partes: se o ofendido


não comparecer, embora haja divergência, prevalece que o juiz
atenção extinguirá a punibilidade do fato em face da perempção (art. 60,
III, 1.a parte, do CPP).

Se o notificado não comparecer, tem-se por frustrada a audiência, facul-


tando-se ao juiz receber a queixa.
A audiência de conciliação não ocorrerá nos casos de ação penal pública,
pois esta é regida pelo princípio da indisponibilidade.
A falta da audiência de reconciliação acarretará nulidade.
246 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

9 2 4
. .
2 Exceção da verdade
.

Na fase da defesa prévia o querelado poderá oferecer a exceção da ver-


,

dade, mas esta poderá ser alegada em qualquer fase processual pois somente ,

será apreciada na sentença final.


A exceção da verdade é a oportunidade concedida ao réu de demonstrar
a veracidade das suas afirmações ofensivas. Poderá produzir prova e alegar ,

com o fim de demonstrar a verdade do alegado, que torna o fato penalmente


irrelevante.

São hipóteses de cabimento das exceções:


a) A exceção da verdade é sempre cabível no crime de calúnia salvo se ,

(art. 138, §3.°, do CP):


. for praticado contra Presidente da República ou chefe de governo
estrangeiro;
. o fato imputado for crime de ação penal privada e o ofendido não
tiver sido condenado por sentença condenatória irrecorrível;
. o fato imputado for crime de ação penal pública e o ofendido tiver
sido absolvido por sentença irrecorrível.
b) No crime de difamação só é cabível a exceção da verdade quando o
crime for praticado contra funcionário público no exercício de suas
funções (art. 139 parágrafo único, do CP).
,

c) No crime de injúria nunca caberá a exceção, vez que neste crime não
,

se imputa um fato e sim um adjetivo desairoso.


Apresentada a exceção da verdade nos autos principais, o querelante
será intimado para contestá-la no prazo de 2 dias (art. 523 do CPP).
A retratação do agente, prevista no art. 143 do CP apenas é admitida ,

nos crimes de calúnia e difamação e, mesmo assim, somente nas hipóteses


,

de ação penal privada. Deverá ser feita antes da sentença.


A retratação do agente não se confunde com o perdão do ofendido (arts.
105 e 106 do CP). A retratação do agente conforme mencionado, deve ser
,

feita até a sentença. O perdão do ofendido pode ser concedido até o trânsito
em julgado da sentença condenatória (art. 106, § 2. do CP). Além disso, a
°
,

retratação do agente independe de aceitação do ofendido, enquanto que o


perdão do ofendido precisa ser aceito pelo ofensor para que produza efeitos
(art. 106,111, do CP).
O procedimento especial dos crimes contra a honra prevê, ainda, o deno-
minado pedido de explicações (art. 144 do CP). Trata-sedeuma medida pre-
Cap. 9 . Procedimentos 247

liminar embora não obrigatória à propositura da ação penal, cabível quando


,

houver dúvida sobre o teor das expressões ofensivas. Recebido e autuado o


pedido, o juiz marcará audiência para que o pretenso ofensor esclareça suas
afirmações, entregando-o posteriormente ao ofendido, que poderá ou não
ajuizar a queixa. Note-se que, neste pedido, o juiz não julga e não emite juízo
de valor, restando tal juízo postergado para a fase de recebimento da queixa,
momento no qual as explicações oferecidas poderão influenciar o recebimento
ou a rejeição da inicial. Tal pedido torna prevento o juízo criminal com rela-
ção ao eventual oferecimento de queixa. Ressalte-se que o prazo decadencial
não é interrompido pelo pedido, de maneira que o ofendido deverá ajuizar a
queixa antes do seu decurso.
O procedimento seguirá o rito comum ordinário nos demais termos.

92
. .
5 Do procedimento especial dos crimes funcionais (art. 513 do
CPP)

O procedimento especial previsto no art. 514 do CPP aplica-se a todos


os crimes funcionais afiançáveis, ficando excluídos os inafiançáveis (excesso
de exação - art. 316, § 1.°, do CP - e facilitação de contrabando e descaminho
-

art. 318 do CP).

Crimes funcionais são aqueles praticados por funcionário público no


exercício das suas funções contra a administração pública, por exemplo:
concussão (art. 316 do CP), prevaricação (art. 319 do CP) etc.

9 25 1
. . .
Procedimento

O juiz, antes de receber a denúncia ou a queixa, notificará o agente para


apresentar sua defesa preliminar, por escrito, no prazo de 15 dias.
A respeito da (des)necessidade da aludida defesa preliminar cabe men- ,

cionar o enunciado da Súmula 330 do STJ:

"É desnecessária a resposta preliminar de que trata o art. 514 do CPP,


"

na ação penal instruída por inquérito policial.

Tal defesa visa a impedir o recebimento da peça inicial acusatória , no

interesse da administração pública.


A falta da notificação para a apresentação da defesa preliminar acarreta
nulidade absoluta do processo, ab initio, por ferir o princípio da ampla defesa
e do contraditório (art. 5. °
,
LV, da CF/1988).
248 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller
, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Conforme entendimento doutrinário embora haja posição diver-


,

gente, caso o funcionário tenha sido exonerado ou tenha se aposentado,


perdendo o status de servidor público, torna-se desnecessária a defesa
preliminar, mesmo que o crime tenha sido praticado durante o exercício
da função pública.
Caso o juiz não se convença da inexistência do crime ou da improcedência
da ação, receberá a denúncia ou a queixa devendo o procedimento, após tal
,

providência, seguir o rito comum ordinário.

92
. .
6 Do procedimento especial dos crimes falimentares
Os arts. 503 a 512 do CPP, que tratavam do procedimento especial dos
crimes falimentares foram expressamente revogados pelo art. 200 da Lei
,

11.101/2005. O mesmo dispositivo legal ainda operou a revogação expressa


do Dec.-lei 7.661/1945 (antiga Lei de Falências - ressalvado o art. 192) ,

que continha normas penais e processuais penais concernentes aos crimes


falimentares.

Atualmente, a Lei 11.101/2005 disciplina o procedimento penal dos


crimes falimentares na Seção III do seu Capítulo VII em seus arts. 183 a 188.
,

O art. 184 da Lei 11.101/2005 estabelece que os crimes nela previstos


são de ação penal pública incondicionada, o que significa que a ação penal
será promovida pelo Ministério Público (art. 129,1 da CF/1988) mediante ,

o oferecimento de denúncia (art. 24, caput, do CPP).


Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação
judicial, o Ministério Público, verificando a ocorrência de crime falimentar,
pode assumir duas posturas:
a) oferecer denúncia imediatamente (art. 187, caput, Lei 11.101/2005),
se constatar a existência de suporte fático (justa causa) para a propo-
situra da ação penal; ou
b) requisitar a instauração de inquérito policial (art. 129 VIII, da CF/1988,
,

e art. 5.°
II, do CPP), se entender necessário ao oferecimento da de-
,

núncia (art. 187 caput, da Lei 11.101/2005).


,

Como se percebe, a Lei 11.101/2005 não mais cogita da figura do inquéri-


to judicial, presidido pelo juiz da falência (arts. 103 a 109 do revogado Dec.-lei
7 661/1945). Trata-se, com efeito, de medida salutar para a preservação do
.

sistema acusatório, evi tando que o juiz da falência desempenhe função anó-
mala de investigação criminal, que deve ser exercida pela Polícia Judiciária.
Cap. 9 . Procedimentos 249

O prazo para o oferecimento da denúncia por crime falimeniar, segundo


°
o art. 187, § 1. da Lei 11.101/2005, é o mesmo do CPP (art. 46, caput): 5
,

dias, se o agente estiver preso, ou 15 dias, se estiver solto, contados da data


em que o órgão do Ministério Público for intimado da sentença que decreta a
falência ou concede a recuperação judicial (art. 187, caput, Lei 11.101/2005).
Estando solto o agente, o Ministério Público pode, antes de propor a ação
penal, aguardar a apresentação da exposição circunstanciada do administrador
judicial (art. 187, § 1.°, da Lei 11.101/2005), em que serão consideradas as
causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença, e
outras informações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros
responsáveis, se houver, por atos que possam constituir crime relacionado
com a recuperação judicial ou com a falência, ou outro delito conexo a estes
(art. 186, caput, Lei 11.101/2005).
Apresentada a exposição circunstanciada, o Ministério Público deve,
°
em seguida, oferecer a denúncia em 15 dias (art. 187, § 1 infine, da Lei
,

11.101/2005).
Em qualquer caso se o prazo legal para o oferecimento de denúncia
,

escoar in albis, sem qualquer manifestação do Ministério Público, surge a


possibilidade de qualquer credor habilitado ou do administrador judicial pro-
por ação penal privada subsidiária, mediante o ajuizamento de queixa-crime
subsidiária no lapso decadencial de 6 meses (art. 184, parágrafo único, da Lei
11.101/2005) contados da data em que se configurou a inércia do Parquet,
,

evidenciada pelo esgotamento do prazo para o oferecimento da denúncia


(art. 103 do CP e art. 38 do CPP).
Trata-se de legitimação concorrente disjuntiva, em que qualquer credor
habilitado ou o administrador judicial possui igual direito de ajuizar queixa-
-

crime subsidiária, independentemente da vontade dos demais (art. 184,


parágrafo único, da Lei 11.101/2005).
A Lei 11.101/2005 , ao dispor sobre a decisão que recebe a denúncia ou a
queixa subsidiária por crime falimentar (art. 185), não mais impõe a respectiva
°
fundamentação como constava da redação do art. 109, § 2. do revogado
, ,

Dec.-lei 7.661/1945 (em consequência, perdeu sentido o enunciado da Súmula


564 do STF). Lamentavelmente, o novo diploma legal retrocedeu ao supri-
mir a exigência de motivação da decisão de recebimento da petição inicial,
afastando-se do preceito constitucional contido no art. 93, IX, da CF/1988.
Recebida a denúncia ou a queixa subsidiária por crime falimentar, o art.
185 da Lei 11.101/2005 determina a observância do procedimento comum
sumário, regulado nos arts. 531 a 538 do Código de Processo Penal.
250 Processo Penal - Paulo H. A. Fui ler , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

O art. 183 da Lei 11.101/2005 atribuiu a competência para o processo e


julgamento dos crimes falimentares a ojuizcriminal da jurisdição onde tenha
sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o
plano de recuperação extrajudicial, de sorte que não mais se admite que o juiz
da falência receba a denúncia ou a queixa subsidiária por crime falimentar ,

°
como permitia o art. 109, § 2. do revogado Dec.-Lei 7.661/1945.
,

Entendemos ,por conseguinte, que a Lei 11.101/2005 ensejou, no Estado


de São Paulo , a revogação tácita do art. 15 da Lei 3.947/1983, que conferia
competência ao juiz da falência para prosseguir no processo e julgamento
dos crimes falimentares, porquanto incompatível com o art. 183 do novo
diploma legal.
O art. 188 da Lei 11.101/2005 permite ainda a aplicação subsidiária das
disposições do Código de Processo Penal naquilo que forem compatíveis.
,

92 6
. . .
7 Natureza jurídica da sentença que decreta a falência ou
concede a recuperação
O art. 180 da Lei 11.101/2005 declara que a sentença que decreta a falên-
cia, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de
que trata o art. 163 é condição objetiva de punibilidade dos crimes falimentares.
A Lei 11.101/2005 dirimiu a celeuma existente acerca da natureza jurí-
dica da sentença que decreta a falência que antes era considerada por alguns,
,

como elementar do tipo incriminador, condição objetiva de punibilidade,


pressuposto do crime falimentar e ainda condição de procedibilidade da ação
penal por crime falimentar.
As condições objetivas de punibilidade "consistem em determinados
requisitos ou certos resultados cuja existência objetiva condiciona a punibi-
lidade da ação típica, antijurídica e culpável. A diferença fundamental entre
os requisitos ou resultados objetivos definidos como condições objetivas de
punibilidade e os elementos objetivos do tipo de injusto é a seguinte: as con-
dições objetivas de punibilidade não precisam ser apreendidas pelo dolo ou
se relacionar com a imprudência do autor, enquanto os elementos objetivos
do tipo de injusto devem ser apreendidos pelo dolo ou se relacionar com a
imprudência do autor" (Juarez Cirino dos Santos A Moderna Teoria do Fato ,

Punível, p. 272).
Juarez Tavares consigna que "as condições objetivas de punibilidade
são tidas normalmente como elementos do fato punível situados fora do tipo
Cap. 9 . Procedimentos 251

de injusto, mas previstos no complexo típico como manifestação da valora-


ção de sua punibilidade. Podem ser preenchidas após ou antes do fato, não
sendo, portanto, necessariamente, acontecimentos futuros. Estas condições
representam uma particularidade do conflito social desencadeado no delito
e a delimitação do legislador acerca de sua solução por meio do emprego de
uma sanção penal. Muitas vezes, não interessa ao legislador que determinado
fato embora típico, seja punido simplesmente pelo cometimento por um
,

agente culpado, mas somente quando ocorrerem resultados ou consequências


"

específicos, que considera relevantes à consecução de sua política criminal


(Teoria do Injusto Penal, p. 244).

92 6
. . . 2 Prescrição nos crimes falimentares
A prescrição, em caso de crimes falimentares, não mais apresenta prazo
fixo (como previa o art. 199 do revogado Dec.-lei 7.661/1945), mas variável,
conforme o disposto no art. 109 do Código Penal (art. 182, caput, da Lei
11.101/2005).

O termo inicial da prescrição é a data da decretação da falência, da con-


cessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação
extrajudicial (art. 182, caput, da Lei 11.101/2005).
O art. 182, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, acrescenta uma causa
especial de interrupção da prescrição em crimes falimentares: a decretação da
falência do devedor, que reinicia o prazo da prescrição cuja contagem tenha
se iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação
do plano de recuperação extrajudicial.
Saliente-se que as demais causas interruptivas do art. 117 do Código Penal
continuam incidindo sobre os crimes falimentares, nos termos do enunciado
da Súmula 592 do STF, in verbis:
"
Nos crimes falimentares, aplicam-se as causas interruptivas da pres-
crição previstas no Código Penal.
"

92
. .
7 Do procedimento dos crimes de tráfico de drogas (atual Lei de
Drogas-Lei 11.343/2006)
A Lei 11.343/2006 disciplina o procedimento dos crimes ligados ao
uso ou tráfico indevido de substâncias que possam causar dependência
física ou psíquica, além de definir políticas de combate ao tráfico e repres-
são às drogas.
252 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Há procedimentos totalmente diversos para o porte de drogas e para o


tráfico ilícito de drogas relacionados com as estratégias punitivas de controle
,

do uso e guerra contra o tráfico.


Caso haja conexão entre um crime definido na Lei 11.343/2006 e outra
infração, o procedimento a ser utilizado será o da infração apenada com pena
mais grave, ressalvada a competência do júri e das jurisdições especiais.
A competência para processo e julgamento dos crimes relacionados nesta
lei depende da espécie de crime, ou mesmo do caráter transnacional do fato:
a) ao porte de drogas para uso próprio a competência será sempre do
,

Juizado Especial Criminal, respeitadas as regras de conexão e conti-


nência (art. 60 da Lei 9.099/1995);

b) se o tráfico for interno, a competência será dajustiça Comum Estadual.


c) se o tráfico for internacional a competência será dajustiça Comum
,

Federal. Ao contrário do que ocorria na antiga lei pela redação do ,

"

art. 70, se não houver vara dajustiça Federal no município onde


"
se consumou o crime a competência será da vara dajustiça federal
,

responsável pela circunscrição respectiva.

9 2 7 1
. . .
Procedimento

Porte cie Drogas (art. 28 cia Lei 11.343/2006):


Conforme o art. 48, § 1.°, da Lei 11.343/2006, deve ser obedecido o rito
dosjuizados Especiais Criminais, para o qual remetemos o leitor. As diferenças
marcantes, no caso, são:

. Não será imposta prisão em flagrante em nenhuma hipótese Mesmo .

se recusar a assumir o compromisso de comparecer em juízo o usuário ,

não poderá ser preso.


. Na transação penal a proposta consistirá nas penas previstas para o
,

art. 28, ou seja, advertência, prestação de serviços à comunidade ou


comparecimento a curso ou medida educativa;
Tráfico de Drogas:
a) Inquérito Policial
O prazo é de 30 dias no caso de réu preso, e 90 dias para o réu solto (art.
51, caput). O juiz pode duplicar os prazos a pedido da autoridade policial
(art. 51, parágrafo único).
Cap. 9 . Procedimentos 253

Havendo prisão em flagrante, os autos devem ser remetidos para juízo,


com vista ao Ministério Público em 24 horas (art. 50, caput). Para lavratura
do auto de prisão em flagrante, e até mesmo para o recebimento da denúncia,
não é necessária perícia toxicológica, bastando o auto de constatação (art.
50, § 1.°). Diligências complementares poderão ser enviadas até 3 dias antes
da audiência (art. 52, parágrafo único).
Com prévia autorização judicial, é possível a infiltração de agentes e o
flagrante retardado, nos termos do art. 53 da Lei de Drogas.

b) Instrução
Oferecida a denúncia, a defesa será notificada para apresentar defesa
preliminar em 10 dias (art. 55, caput). A defesa preliminar tem dois objetivos:
a) alegar toda matéria de defesa buscando o não recebimento da denúncia,
inclusive com ajuntada de documentos; b) requerer produção de prova, se
recebida a denúncia (art. 55, § 1. ) °
.

Poderão ser arroladas até 5 testemunhas (arts. 54, III, e 55, § 1.°) e as
exceções serão autuadas em apartado, com a aplicação das regras do Código
de Processo Penal (art. 55, § 2.°).
Apresentada a defesa preliminar, o juiz decidirá em 5 dias (art. 55, § 4.°).
Se entender necessário, pode determinar a apresentação do preso ou outras
diligências, no prazo de 10 dias (art. 55, § 5.°).
Recebida a denúncia, será citado o réu e designada audiência de instru-
ção e julgamento (art. 56, caput). Na audiência, será interrogado o réu. Em
seguida, serão ouvidas as testemunhas de acusação e defesa. Após, haverá
debates (20 minutos, prorrogáveis por mais 10, para cada parte) e sentença
(art. 58, caput). Se o juiz entender necessário, ante a complexidade da causa,
poderá ordenar que os autos lhe sejam conclusos, e proferirá sentença em
10 dias (art. 58 caput). ,

92
. .
8 Procedimento especial do júri
928 . . .
1 Aspectos gerais do júri
°
A Constituição Federal em seu art. 5.
, , XXXVIII, assegurou ao júri o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida, na sua forma tentada ou consu-
mada e os crimes a eles conexos. São crimes dolosos contra a vida: homicídio,
,

aborto, infanticídio e induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio (Arts.


121 a 127 do CP).
254 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

O Tribunal do Júri é um órgão de 1.° grau da Justiça Comum heterogéneo ,

e temporário. É composto por um juiz de direito (juiz togado) , que é seu presi-
dente , e de 25 cidadãos escolhidos por sorteio (j urados). Em cada sessão, dentre
os 25 jurados, serão sorteados 7 (sete) para formar o Conselho de Sentença.
Deve-se observar que os jurados decidem sobre a existência do crime e
a autoria, enquanto o juiz-presidente aplica a pena ou medida de segurança
ou proclama a absolvição.
Os princípios aplicados ao júri são: a plenitude de defesa; o sigilo das
votações; a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.

928 . . .
2 Fases do procedimento do júri
O procedimento do júri é escalonado divide-se em duas fases. A primeira
,

fase inicia-se com a denúncia ou a queixa que será recebida pelojuiz da Vara do
,

Júri, e termina com a preclusão da decisão de pronúncia. A segunda, tem início


com a preclusão da decisão de pronúncia, quando o juiz presidente do Tribunal
do Júri recebe os autos, e se encerra com o julgamento pelo Tribunal do Júri.
l .
tfase- Judicium accusationis
Nesta fase, dá-se o exame da admissibilidade da acusação sendo também ,

conhecida como sumário de culpa. Passa-se na Vara do Júri:


Oferecimento da denúncia ou queixa: Em que serão arroladas as teste-
munhas de acusação no número máximo de oito (art. 406, § 2. do CPP),
,
°
,

requeridas as diligências e juntados os documentos se necessário. ,

Recebimento pelo juiz, da denúncia ou queixa: Momento em que será or-


,

denada a citação do acusado para apresentar resposta, por escrito, no prazo


de 10 dias (art. 406, caput, do CPP).
Do não recebimento da peça inicial caberá RESE (art. 581 ,
1 ,
do CPP).

Citação do acusado: Hoje é possível, além da citação pessoal (por man-


dado), a citação por hora certa, na hipótese de acusado que se oculta para
não ser citado. Entendemos discutível a constitucionalidade de tal alteração
legislativa.
Defesa escrita (resposta): deve ser oferecida toda defesa possível como ,

preliminares e matéria de mérito, bem como oferecer documentos e justifica-


ções, especificar provas, arrolar e requerer a intimação de até 8 testemunhas
(art. 406, §3.°, do CPP).
Cap. 9 . Procedimentos 255

Controverso se, após a defesa escrita (resposta), o juiz pode absolver


°
antecipadamente o acusado, com base no art. 394, § 5. do CPP, que manda
,

aplicar a todos os procedimentos o art. 397 do CPP. Possível defender que:


a) não se aplica a absolvição antecipada do art. 397 CPP ao rito do júri,
pois aqui já há absolvição sumária ao final do judiciam accusationis,
sendo desnecessária tal fase;
b) é necessária a aplicação do art. 397 do CPP, permitindo-se a absolvição
sumária preliminar, pois, em primeiro, é a letra da lei. Em segundo, a
absolvição do art. 397 do CPP é aquela que independe de instrução,
e pode ser reconhecida de plano, como no caso de atipicidade do fato
e extinção da punibilidade. São hipóteses diversas das que constam
do art. 415 do CPP, que trata das causas de absolvição sumária ao
final da primeira fase do rito do júri. No mais, seria inviável que o
acusado suportasse um processo por falo reconhecidamente atípico
até o final do procedimento, apenas para evitar que haja mais de uma
oportunidade de absolvição sumária.
Manifestação da acusação (MP ou querelante): em 5 dias, se o acusado
arguiu preliminares ou apresentou documentos (art. 409 do CPP).
Audiência una de instrução e julgamento:
A audiência é una, sendo que em primeiro será ouvido o ofendido, se
possível. Após, serão ouvidas as testemunhas de acusação, as testemunhas de
defesa, esclarecimentos de peritos, acareações, reconhecimentos e, por fim, o
interrogatório (art. 411 ,caput, do CPP). Vale lembrar que a atual redação do
art. 185 CPP, que regula o interrogatório por videoconferência, permite que
"
o acusado participe da audiência pelo mesmo meio, desde que presentes
"

os requisitos legais para sua implementação.


O interrogatório ao final, que hoje consta também no rito comum ordi-
nário e sumário, foi grande evolução do legislador em prol da ampla defesa,
pois apenas ciente de toda prova já produzida é que a autodefesa pode ser
desenvolvida em sua plenitude.
Após o interrogatório, será aberta a palavra às partes para debates orais,
por 20 minutos, prorrogáveis por mais 10 minutos. Se houver mais de um
acusado , o tempo da defesa será contado individualmente (art. 411, §§ 40 e
5.
°
, do CPP).
Se houver assistente de acusação, terá a palavra após o Ministério Público,
por 10 minutos, prorrogando-se por igual tempo a manifestação da defesa
(art. 411, §6°, do CPP).
256 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Encerrados os debates
o juiz proferirá sentença. Pela complexidade da
,

causa, poderá deixar de sentenciar em audiência respeitado o prazo de dez ,

dias (art. 411, § 9.°, do CPP).


Entendemos que, se vencido o prazo de noventa dias não houver o
término do procedimento (art. 412 do CPP) há excesso de prazo, e o acu- ,

sado preso deverá ser colocado em liberdade salvo justificativa excepcional


,

relacionada ao comportamento da defesa (pedidos protelatórios diligências ,

desnecessárias...) ou excepcional complexidade que exija maior dilação


probatória (necessidade de incidentes...).
Sentença: Será proferida pelo juiz podendo decidir pela pronúncia,
,

impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação.


a) Pronúncia (art 413 do CPP)
.

O juiz pronunciará o réu quando presentes indícios suficientes de autoria


(ou participação) e prova da materialidade do fato (art. 413, caput, do CPP),
remetendo-o a julgamento pelo Tribunal do Júri. Na decisão de pronúncia ,

deve o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e


especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena
(art. 413, § 1.°, do CPP) - não se refere a causas de diminuição de pena (art.
°
7 .
da LICPP) nem a circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Trata-se de decisão interlocutória mista não terminativa limitada a in- ,

dicar a existência dos requisitos legais (materialidade do fato e indícios sufi-


°
cientes de autoria ou de participação - art. 413, § 1. do CPP), não havendo ,

referência quanto ao mérito, pois, caso contrário afrontaria o princípio da ,

soberania dos veredictos (influência sobre o ânimo dos jurados).


Por isso deve ser evitado o denominado excesso de linguagem ou "elo-
,

" "

quência acusatória que implica a nulidade da decisão de pronúncia: Pro-


,

núncia: nulidade por excesso de eloquência acusatória 1. É inadmissível,


' ,

conforme a jurisprudência consolidada do STF a pronúncia cuja fundamen- ,

tação extrapola a demonstração da concorrência dos seus pressupostos legais


( ) e assume, com afirmações apodíticas e minudência no cotejo analítico
...

da prova, a versão acusatória ou rejeita peremptoriamente a da defesa (...).


2 O que reclama prova, no juízo da pronúncia é a existência do crime; não,
.
,

a autoria, para a qual basta a concorrência de indícios que, portanto, o juiz ,

deve cingir-se a indicar. 3. No caso, as expressões utilizadas pelo órgão pro-


lator do acórdão confirmatório da sentença de pronúncia no que concerne ,

à autoria dos delitos, não se revelam compatíveis com a dupla exigência de


sobriedade e de comedimento a que os magistrados e Tribunais sob pena de ,

ilegítima influência sobre o ânimo dos jurados devem submeter-se quando ,


Cap. 9 . Procedimentos 257

"

praticam o ato culminante do judicium accusationis (...) (STF, HC 85260/RJ,


l a T j. 15.02.2005,rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 04.03.2005).
. .
,

Cabe salientar que, para a doutrina tradicional na fase de pronúncia, vigora


,

o princípio in dúbio pro societate uma vez que se resolveriam em favor da socie-
,

dade (acusação) eventuais suspeitas quanto à prova. Doutrina mais moderna,


contudo, afeiçoada ao trato constitucional dos institutos processuais penais,
0
considera inadmissível, em face da presunção de inocência (art. 5 LVII, da ,

CF), a invocação do in dúbio pro societate para legitimar a decisão de pronúncia


do acusado. A respeito, Paulo Rangel pondera que, "se há dúvida, é porque o
Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia ,

sob o aspecto da autoria e materialidade não sendo admissível que sua falência
,

funcional seja resolvida em desfavor do acusado mandando-o a júri, onde o


,

"

sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção (Direitoproces-


sual penal, p. 533.). Em suma, ou há certeza sobre a existência de materialidade
e indícios suficientes de autoria, ou deve ser impronunciado o acusado.
Ao decidir o juiz deve fundamentar a manutenção do acusado sob cus-
,

tódia, ou libertá-lo, se não houver fundamento para a prisão (art. 413 § 3.°, ,

do CPP).
A decisão de pronúncia terá como efeito o julgamento do réu pelo Tri-
bunal do Júri.
Da decisão de pronúncia caberá RESE (art. 581 IV, do CPP). ,

b) Impronúncia (art. 414 do CPP)


O juiz deverá impronunciar o réu se não se convencer da materialidade
do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou participação.
Essa decisão é meramente terminativa não analisa o mérito da causa,
,

somente fazendo, desta forma, coisa julgada formal. Surgindo novas provas ,

poderá ser oferecida nova denúncia ou queixa a qualquer tempo, enquanto


não ocorrer a extinção da punibilidade (art. 414 parágrafo único, do CPP).
,

Da decisão de impronúncia caberá apelação conforme nova redação do


,

art. 416 do CPP.


c) Absolvição sumária (art. 415 do CPP)
O juiz absolverá o acusado se concluir:
estar provada a inexistência do fato;
"
I
.

II. provado não ser ele o autor ou partícipe do fato;


III. o fato não constituir infração penal;
IV. demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime."
258 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Estar provada a inexistência do fato significa juízo de certeza sobre a


não ocorrência do que foi narrado na denúncia. O fato não aconteceu, quer
praticado pelo autor, quer por terceiro. Nesse caso, a decisão faz coisa julgada
no cível (art. 66 do CPP).

Provado não ser ele o autor ou partícipe do fato significa que o fato
ocorreu, mas o acusado para ele não colaborou, conforme prova colhida na
instrução. Mais uma vez, é necessária certeza, e a decisão faz coisa julgada
no cível (art. 935 do CC de 2002).

O fato não constituir infração penal significa reconhecimento de atipici-


dade absoluta. Se se tratasse de outra infração penal, haveria apenas desclassi-
ficação, e não absolvição sumária. Foi positiva a mudança do legislador, pois
agora é possível reconhecer a absolvição sumária em hipóteses controversas
na legislação anterior, como no caso de crime impossível. O presente inciso
não faz coisa julgada no cível (art. 67, III, do CPP).
Por fim, as hipóteses de isenção de pena ou exclusão de crime abarcam as
causas legais e extralegais que excluem a antijuridicidade e a culpabilidade.
Aqui é necessário que haja prova suficiente da existência da excludente de
,

antijuridicidade ou dirimente de culpabilidade.

Não cabe absolvição sumária em caso de inimputabilidade por


doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retarda-
do, salvo quando esta for a única tese defensiva (art. 415, parágrafo
único, do CPP). No caso desta inimputabilidade, que também
dirime a culpabilidade, andou bem o legislador em inviabilizar a
absolvição sumária. Muitos eram os casos em que inimputáveis
eram absolvidos sumariamente, na legislação anterior, sem prova
da existência de injusto penal (fato típico e antijurídico), receben-
do a sanção penal da medida de segurança. Em tais hipóteses,
subtraía-se ao acusado inimputável o direito ao juiz natural sobre
ofato (júri), recebendo do juiz singular uma decisão definitiva que
impunha sanção penal consistente em medida de segurança. Hoje,
com a nova redação da lei, só receberá medida de segurança aquele
que, após julgamento em plenário noTribunal do Júri, tiver contra
si estabelecida a prática do injusto penal imputado, reconhecida
sua inimputabilidade.
Cap. 9 . Procedimentos 259

A decisão que reconhece excludente de antijuridicidade não agressiva


faz coisa julgada no cível (art. 65 do CPP - sobre o tema vide item efeitos,

civis da sentença penal).


Contra a decisão de absolvição sumária caberá apelação conforme nova ,

redação do art. 416 do CPP.


d) Desclassificação (art. 419 do CPP)
Ocorrerá quando o juiz se convencer da existência de infração penal que
não seja crime doloso contra a vida.
O juiz da vara do júri, ao desclassificar a infração penal, não poderá dizer
para qual delito desclassificou, pois estaria invadindo a esfera de competência
do juiz singular e proferindo um pré-julgamento dos fatos; basta dizer que
não se trata de crime de sua competência.
Proferida a desclassificação será determinada a remessa dos autos ao
,

juiz competente (juiz singular), que será obrigado a receber o processo, não
podendo discutir se o crime era ou não da competência do Tribunal do Júri,
vez que quando o processo lhe foi remetido, já havia transitado em julgado
,

a decisão de desclassificação.
Recebendo o processo o juiz competente o acusado preso ficará ao seu
,

dispor. Entendemos que, nesse caso deve ser reaberta a instrução, com nova
,

oportunidade para que as partes especifiquem provas e arrolem testemunhas ,

novo interrogatório e oportunidade para debates. Há posição no sentido de


que, por analogia ao art. 384 do CPP, as partes poderiam arrolar, nessa fase,
apenas três testemunhas.
Da desclassificação caberá RESE (art. 581 II, do CPP). ,

2a fase-Judiciam causae:
Esta fase se passa no Tribunal do Júri.
Não há mais libelo ou contrariedade ao libeloA mudança legislativa.

era pedida há muito, pois o libelo espelho da pronúncia, tinha pouca ou


,

nenhuma utilidade , e era fonte de muitas nulidades.


Hoje preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao
,

Presidente do Tribunal do Júri (art. 421 caput, do CPP). Será possível alte-
,

ração da classificação típica ainda que preclusa a pronúncia, desde que haja
,

circunstância superveniente que altere a classificação típica dos fatos como ,

a morte superveniente do ofendido (art. 421 § 1.°, do CPP). Em tal hipótese,


,

entendemos que deve ser aditada a denúncia e reaberto o contraditório.


,
260 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Não há mais necessidade de intimação pessoal da pronúncia, desapare-


" "

cendo assim do júri o instituto da crise de instância que provocava a paralisia


,

do processo enquanto não encontrado o pronunciado para intimação pessoal.


Hoje, pela redação do art. 420, parágrafo único, do CPP, o pronunciado solto
que não for encontrado para intimação pessoal será intimado por edital.
Acreditamos que tal alteração, infelizmente, será geradora de grandes
dificuldades à defesa, mormente nos casos de pronúncia pelo Tribunal em
razão de recurso da acusação, situação em que, após anos, o pronunciado
dificilmente será encontrado, correndo o processo à sua revelia e prejudicando
o exercício da ampla defesa.
Recebidos os autos, o juiz presidente do Tribunal dojúri mandará intimar
a acusação e a defesa técnica para que, em cinco dias, indiquem as testemu-
nhas que irão depor em plenário, no máximo de cinco, bem como elaborem
requerimento de diligências ou juntem documentos (art. 422 do CPP).
Examinados os requerimentos, o juiz decidirá sobre as provas que
serão produzidas em plenário (art. 423, caput, do CPP). Após, ordenará as
diligencias necessárias para afastar nulidades ou esclarecer falo relevante ao
julgamento da causa (I). Fará então o magistrado um relatório sucinto do
processo, e o incluirá na pauta de julgamento (II).
Desaforamento: Consiste na alteração do local de julgamento em plenário
para Tribunal dojúri de outra localidade. É possível em quatro hipóteses (art.
427, caput, do CPP):
a) quando a ordem pública o reclamar;
b) quando houver dúvida sobre a imparcialidade dojúri;
c) quando houver dúvida sobre a segurança pessoal do acusado;
d) quando o julgamento não ocorrer no prazo de seis meses após o trânsito
em julgado da pronúncia, por excesso de serviço (art. 428, caput, do CPP).
Não são contadas no prazo de seis meses as dilações atribuídas à defesa, como
pedidos de adiamento ou diligências (art. 428, § 1. do CPP).
°
,

Podem pedir desaforamento o Ministério Público, o assistente, o que-


relante, o acusado, ou o próprio juiz mediante representação. Aferindo a
relevância dos motivos do pedido, o julgamento será desde logo suspenso
pelo Tribunal (2.a instância).
Se a medida não for tomada de ofício pelo juiz, ele deverá ser ouvido
sobre o pleito de desaforamento (art. 427, § 3. do CPP).
°
,
Cap. 9 . Procedimentos 261

Não se admite pedido de desaforamento enquanto pendente recurso


contra decisão de pronúncia. Também não se admite pedido de desaforamento
quando já julgado o réu, salvo se invalidado o julgamento e submetido o réu
a novo júri, quer por nulidade quer por se tratar de decisão manifestamente
,

contrária à prova dos autos (art. 427 § 4.°, do CPP). ,

A decisão a respeito do desaforamento se submete ao crivo do contradi-


tório e, portanto, deve ser precedida de manifestação da defesa sob pena de ,

violação ao art. 5. LV, da Constituição Federal. A propósito, consigne-se o


°
,

teor da Súmula 712 do Supremo Tribunal Federal segundo a qual: ,

"
É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da
competência do Júri sem audiência da defesa".
Convocação do júri: Todo ano o Juiz Presidente do Tribunal do Júri deve
,

elaborar uma lista geral, contendo nomes de pessoas residentes na comarca.


O número pode variar entre 80 e 1500 pessoas dependendo da população ,

da comarca (art. 425 caput, do CPP). Esta lista geral será publicada até o dia
,

10 de outubro de cada ano podendo ser alterada até o dia 10 de novembro


,

respectivo (art. 426 caput e § 1.°, do CPP). O jurado que tiver integrado
,

conselho de sentença nos 12 meses anteriores terá seu nome excluído da lista
geral (art. 426, § 4.°, do CPP). Trata-se de medida salutar, pois devem ser
evitados os chamados jurados profissionais", que passam anos trabalhando
"

junto a um mesmo tribunal do júri, viciando a apreciação do caso em razão de


preconceito formado sobre os juízes, promotores ou defensores que ali atuam.
Organizada a lista, os nomes dos jurados serão colocados em cartões ,

guardados na urna geral, fazendo-se o sorteio sempre que houver sessão.


Para servirem na sessão , serão sorteados 25 jurados (art. 433, caput, do
CPP), sendo que o jurado que não tiver seu nome sorteado poderá ter seu
nome incluído para sorteio de sessões futuras (§ 3 ) .
°
.

Os jurados serão intimados pelo correio ou por qualquer meio idóneo


para comparecer à reunião (art. 434 do CPP). Será ainda afixado edital na porta
do Tribunal do Júri a relação dos jurados convocados o nome do acusado, ,

os procuradores das partes hora e local do julgamento (art. 435 do CPP).


,

O serviço do júri é obrigatório. Para ser jurado é preciso ser cidadão ,

maior de 18 anos de notória idoneidade (art. 436, caput, do CPP). Nenhum


,

jurado será excluído dos trabalhos em razão da cor ou etnia raça, credo, ,

sexo, profissão classe social ou económica, origem ou grau de instrução


,

(§1.°).
262 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

O efetivo exercício da função de jurado estabelece presunção de idonei-


dade moral, embora não mais assegure prisão especial, pela atual redação do
art. 439 do CPP). Garante ainda preferência, em igualdade de condições, nas
licitações públicas e nos provimentos mediante concurso em cargo ou função
pública, bem como para promoção funcional ou remoção (art. 440 do CPP).
O art. 437, parágrafo único, do CPP, estabelece quais são as pessoas que
estão isentas do serviço do júri, por exemplo: maiores de 70 anos que requei-
ram dispensa, Presidente da República, Ministros de Estado etc.
O assistente de acusação poderá se habilitar até cinco dias antes da sessão
de julgamento.
Saneado o processo, serão intimadas as partes, o ofendido, as testemunhas
e os peritos, se para tanto houver requerimento.
Julgamento: No dia e hora marcados, em plenário, ojuiz Presidente insta-
lará a sessão se comparecer o mínimo legal de 15 jurados (art. 463, caput, do
,

CPP). Caso não compareçam, ojuiz Presidente convocará nova sessão para
o primeiro dia útil seguinte, fazendo sorteio do número de jurados suplentes
necessário para tanto (art. 464 do CPP).
Uma vez instalada a sessão, ojuiz determinará ao porteiro do auditório
que apregoe as partes e as testemunhas.
Caso o defensor do acusado não compareça, a sessão será adiada apenas
°
uma vez, salvo se houver justificativa (art. 456, § 1. do CPP). Na hipótese,

de adiamento por falta injustificada, a Defensoria Pública será intimada para


assumir a defesa do acusado no novo julgamento, com prazo mínimo de dez
dias (§ 2.°).
O julgamento não será adiado pela ausência do acusado solto, do assis-
tente de acusação ou do advogado do querelante, desde que regularmente
intimados (art. 457, caput, do CPP). Os pedidos de adiamento devem ser
previamente submetidos ao juízo, salvo motivo de comprovada força maior
(§ 1.°).
No caso de acusado preso, será adiado o julgamento se não for conduzido
ao Tribunal do Júri, salvo se houver pedido de dispensa do comparecimento
°
assinado pelo próprio acusado e por seu defensor (art. 457, § 2. do CPP). ,

Fica realçada, assim, a característica de meio de defesa do interrogatório do


réu que pode se recusar a comparecer sem justificativa (bastando o pedido),
,

ou seja, renunciando o direito à autodefesa sem ter que enfrentar o poder do


Estado de submetê-lo a questionamentos em busca de provas de acusação.
Cap. 9 . Procedimentos 263

A ausência de testemunha só adia o julgamento se intimada por mandado,


desde que feita ressalva pela parte da imprescindibilidade de sua oitiva (art.
461, caput, do CPP).
Em seguida, será feito o sorteio de sete jurados para a formação do
Conselho de Sentença (art. 467 do CPP), tendo os jurados, antes disto, sido
advertidos pelo juiz dos impedimentos, suspeição e incomunicabilidade (art.
466, caput e § 1.°, do CPP).
Sorteados os jurados, as partes, primeiro a defesa, depois a acusação, pode-
rão recusar até três jurados cada um, sem justificativa (recusas peremptórias), e
quantos forem necessários, justificando (art. 468, caput, do CPP). Se em razão das
recusas, no caso de pluralidade de acusados, não for obtido o número mínimo
de sete jurados, haverá separação dos processos (art. 469, § 1.°, do CPP), sendo
julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato, ou,
em caso de coautoria, o que estiver preso há mais tempo, ou o anteriormente
pronunciado (critérios do art. 429, c.c. o art. 469, § 2. ambos do CPP).
°
,

Será ouvido em primeiro lugar o ofendido, se possível. Após, serão ou-


vidas as testemunhas de acusação, posteriormente, as de defesa. O acusador
faz as perguntas antes da defesa quando se trata de testemunha de acusação,
e o defensor questiona em primeiro as testemunhas da defesa (art. 473, caput
e § 1. do CPP). As perguntas serão formuladas diretamente pela acusação e
°

pela defesa, devendo o juiz interferir apenas para obstar o abuso.


Os jurados podem formular perguntas ao ofendido e às testemunhas,
por intermédio do juiz presidente (art. 473, § 2. do CPP).
°
,

Após a oitiva das testemunhas, podem ser pedidos acareações, reco-


nhecimentos e esclarecimentos ao perito, desde que intimado para tanto e
presente ao ato. Alterando sistema anterior, a leitura de peças é possível ape-
nas no caso de provas colhidas por carta precatória, cautelares, antecipadas
ou irrepetíveis (art. 473, § 3.
°

,
do CPP). Trata-se de outra medida salutar,
pois era péssimo costume a leitura de peças inúteis como forma de alongar
o julgamento ou permitir às partes, pouco preparadas para o julgamento, a
busca de informações de última hora na leitura das peças.
O último ato é o interrogatório do acusado (art. 474, caput, do CPP),
delineando de forma ainda mais clara seu perfil de meio de defesa, pois per-
mite ao réu conhecer a prova colhida antes de se manifestar, possibilitando a
elaboração de versão verossímil diante do quadro probatório. No interrogató-
rio, a acusação questiona em primeiro lugar, e após, a defesa, sendo que mais
uma vez as perguntas são feitas diretamente, sem intermédio do juiz, salvo
264 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

se houver abuso (§ 1.°). Assim como no questionamento às testemunhas os ,

jurados podem formular perguntas por intermédio do juiz presidente (§ 2 °).


Antecipando-se à Súmula vinculante 11 do STF o art. 474, § 3. do CPP,
,
°
,

prevê que não será permitido o uso de algemas durante o julgamento em


plenário, salvo se absolutamente necessário ao andamento dos trabalhos ou
à segurança. Trata-se de salutar medida pois o efeito simbólico das algemas
,

induzia o jurado a acreditar na agressividade do acusado favorecendo o pleito ,

condenatório.

Todos os depoimentos devem ser registrados por meio magnético ou


eletrônico, permitindo maior celeridade e fidelidade na compreensão da
prova (art. 475, caput, do CPP).
Declarada finda a instrução, será dada a palavra ao Ministério Público
para os debates em plenário. A acusação, aqui, não poderá extrapolar os
limites da pronúncia sob pena de nulidade do julgamento, salvo quanto às
,

circunstâncias agravantes, que podem e devem ser sustentadas em plenário ,

pois não constarão da pronúncia (art. 476, caput, do CPP). A acusação tem
uma hora e meia para expor seus argumentos (art. 477 caput, do CPP). Se ,

houver mais de um acusado o tempo será acrescido em uma hora (§ 2.°).


,

Se houver assistente de acusação, falará após o Ministério Público (art.


476, § 1.°, do CPP), e o tempo deverá ser dividido em comum acordo. Afas-
tada a possibilidade de acordo, deverá o juiz arbitrar a divisão do tempo com
°
razoabilidade (art. 477, § 1. do CPP). Se se tratar de ação penal privada, o
,

querelante falará em primeiro, e em seguida, o Ministério Público (art. 476,


§2.°, do CPP).
Finda a acusação falará a defesa (art. 476, § 3.°, do CPP), também pelo
,

período de uma hora e meia (art. 477, caput, do CPP). Se houver mais de um
defensor, o tempo será dividido em comum acordo e, se não houver acordo,
,

caberá ao juiz realizar a divisão do tempo com razoabilidade (art. 477 § 1.°, ,

do CPP). Havendo mais de um acusado o tempo deverá ser acrescido em


,

uma hora (art. 477, § 2. do CPP). °


,

Após a defesa, será possível réplica e tréplica (art. 476 § 4.°, do CPP), ,

por uma hora cada (art. 477, caput, do CPP). Se houver mais de um acusado,
o tempo de réplica e tréplica será dobrado (art. 477 § 2.°, do CPP). O STJ ,

admitiu a inovação de teses da defesa na tréplica, em face da plenitude de


defesa que incide no júri (art. 5.° XXXVIII, a, da CF) e que deve prevalecer
,

sobre o contraditório (possibilidade de a acusação responder).


Cap. 9 . Procedimentos 265

é proibida referência à decisão de pronúncia ou


Durante os debates ,

decisões posteriores que tenham como admissível a acusação ou mesmo ,

ao uso de algemas como argumento de autoridade que possa beneficiar ou


prejudicar o acusado. Também é vedada referência ao exercício por parte do
acusado do direito ao silêncio durante o interrogatório , ou à sua ausência
(art. 478,1 e II, do CPP).
Também será proibida durante o julgamento, a leitura de documento
,

(jornais ou qualquer outro escrito, exibição de vídeos, gravações, fotografias,


laudos croquis...) que se refira à matéria de fato submetida aos jurados, e é
,

vedada exibição de objetos que não tenham sido juntados aos autos com ao
menos três dias de antecedência (art. 479 caput, do CPP). ,

Para evitar "invenções" maliciosas por parte dos debatedores o art. 480 ,

do CPP permite às partes, a qualquer momento, mas por intermédio do juiz ,

pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a informação
por ele lida ou citada.
Após os debates o juiz questionará os jurados se estão habilitados para
,

o julgamento ou se são necessários outros esclarecimentos (art. 480 § 1.°, do ,

CPP). Se houver dúvida sobre fato caberá ao próprio magistrado, partindo


,

dos elementos dos autos esclarecer a questão (§ 2. ) Aqui, os jurados podem


,
°
.

ter acesso aos autos e aos instrumentos do crime desde que peçam ao juiz (§
,

3 .
°
) A referência "se solicitarem ao presidente" deixa claro que não cabe ao
.

acusador, nesse momento, trazer os instrumentos do crime para impressionar


os jurados vez que tal providência só deverá ser tomada a pedido.
,

Se for necessário esclarecimento sobre situação de fato que não pode


ser feito imediatamente o juiz dissolverá o conselho e ordenará diligências
,

necessárias (art. 481 caput, do CPP).


,

Se habilitados para julgar a causa os jurados serão encaminhados para a


,

sala secreta (art. 485, caput, do CPP) após a leitura dos quesitos em plenário
,

(art. 484 do CPP).


Os quesitos devem ser formulados de forma direta e afirmativa e devem ,

ter como fonte a decisão de pronúncia e as demais que admitiram a acusação ,

bem como o interrogatório do acusado e as alegações das partes (art 482 .


,

parágrafo único, do CPP). A decisão será tomada por maioria de votos, sendo
dispensável a unanimidade (art. 489 do CPP).
Um primeiro quesito versará sobre a materialidade do fato. Após sobre a ,

"

autoria ou participação. Um terceiro quesito questionará se o jurado absolve o


266 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

acusado? Em seguida, deverão ser questionadas causas de diminuição de pena e,


"

em quesito posterior, qualificadoras e causas de aumento (art. 483,1 a V, do CPP).


As circunstâncias atenuantes e agravantes não são mais submetidas aos jurados,
sendo apreciadas diretamente na sentença, por se tratar de matéria de aplicação
da pena, de competência funcional do juiz presidente do Tribunal do Júri.
Diferentemente do sistema anterior, as votações não mais se esgotam
sempre com o voto dos sete jurados. Pela atual redação da lei, a resposta
negativa por mais de três jurados a qualquer dos quesitos dos incisos I e 11
(materialidade e autoria) absolvem o acusado e interrompem a votação (§
1 ) Na mesma toada, a resposta positiva ao terceiro quesito, por mais de três
,
°
.

jurados, também absolve o acusado e interrompe a votação (§ 2.°).


Se a tese de defesa for a desclassificação da infração para uma de compe-
tência do juiz singular, o quesito deverá ser formulado após o questionamento
°
sobre a autoria, ou após o quesito sobre a absolvição (§ 4. ) .

O quesito sobre a tentativa será elaborado após o quesito da autoria ou


participação (§ 5. )
°
.

Se houver mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão


formulados em séries distintas (§ 6.°).
Percebida contradição na resposta dos jurados, o juiz deverá explicar
aos jurados o assunto, desvelar a contradição e submeter a questão à nova
votação (art. 490, caput, do CPP).
Se houver desclassificação para outra de competência do juiz singular,
caberá ao juiz presidente do tribunal do júri proferir sentença, aplicando-se,
no caso de classificação do fato como infração de menor potencial ofensivo,
°
as disposições previstas na Lei 9.099/1995 (art. 492, § 1. do CPP). Con- ,

troversa, no caso, a possibilidade de envio dos autos ao Juizado Especial


Criminal, ou se deveria o próprio juiz-presidente dispor sobre as medidas
da Lei 9.099/1995, sendo que preferimos o envio ao juiz competente, em
homenagem a juiz natural.
Ainda no caso de desclassificação para infração de competência do juiz sin-
gular, o crime conexo será também julgado pelo juiz presidente do Tribunal do
Júri (pois a competência do júri seria para os crimes conexos aos dolosos contra
a vida, e se foi reconhecida a inexistência deste com a desclassificação, o crime
°
conexo também deve ser julgado apenas pelo juiz togado- (art. 492, § 2. do CPP). ,

Encerrada a votação, a sentença será lida em plenário (art. 493 do CPP).


A sentença desafia apelação (art. 593, III, a a d, do CPP). Foi revogado
o protesto por novo júri (Lei 11.689/2008).
Cap. 9 . Procedimentos 267

Procedimento comum ordinário (art. 394, § 1.°, I, do CPP)

oferecimento da denúncia ou queixa


(arts. 41 e 44)

rejeição liminar recebimento


(art. 395)

citação do acusado
recurso em sentido (art. 396, caput)
estrito (art. 581, I)
10 dias

resposta à acusação não apresentação


improvido provido da resposta
(art. 396-A, caput e § 1.")

citação
citação por
mandado:
por edital:
suspensão do
juiz nomeia
processo e
absolvição sumária defensor
designa audiência da prescrição
(art. 397 do CPP) dativo (art.
de instrução e (art. 366)
396-A, §2.°)
julgamento
(art. 399, caput)
apelação comparecimento
(art. 593,1) pessoal do
acusado ou
defensor
improvido provido constituído
(art. 396, par. ún.)

60 dias

Audiência dc instrução e julgamento (art. 400, caput):


declarações do ofendido
inquirição das testemunhas arroladas pela acusação (8)
inquirição das testemunhas arroladas pela defesa (8)
esclarecimentos dos peritos
acareações
reconhecimento de pessoas e coisas
interrogatório do acusado

requerimento de não requer


diligências (art. 402) diligências (art. 402)
continua
268 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C
.
C. Machado
Cap. 9 . Procedimentos 269

Procedimento comum sumário (art. 394, § 1.°, II, do CPP)


Das Nulidades

10.1 NOÇÕES GERAIS


As regras de processo penal visam tornar o processo um percurso equili-
brado para que se alcance uma decisão correia que espelhe ajusta aplicação
,

da lei ao caso concreto.

Como as partes têm interesses a defender, tentarão a todo momento


influenciar o convencimento do julgador das mais diversas maneiras. Para
assegurar o equilíbrio na relação processual, existem as normas processu-
ais. Sem a obediência às normas da legislação processual, o desfecho seria
desequilibrado, o que, além de prejudicar as partes, seria insuportável ao
Estado. Cabe ressaltar que a função jurisdicional busca solucionar o con-
flito com justiça, o que só poderá ser alcançado em uma relação realmente
equilibrada.
Na análise específica do processo penal, em que grande parte das normas
traz limites ao Estado em prol do cidadão, poderia surgir a dúvida: é interesse
do Estado que tais fórmulas sejam respeitadas? Sim, pois em um Estado Demo-
crático de Direito, o exercício do poder punitivo apenas se legitima quando é
respeitado o devido processo legal, tanto em sua feição formal como material
(vide princípios do processo penal). Assim, os limites impostos pelas normas
procedimentais ao exercício do poder estatal também importam ao Estado,
que necessita de tais limites, porque é democrático.
Daí surge a ideia de que o descumprimento de uma norma procedimen-
tal, na prática de um ato, acarretará em sua repetição, para que tudo volte a
correr de forma equilibrada e regular. Como os atos são praticados de forma
intrincada como elos de uma corrente, também os subsequentes deveriam
,

ser repetidos, para que o desenrolar do caminho processual desaguasse em


decisão justa ("princípio" da causalidade/sequencialidade/consequenciali-
dadedos atos processuais - art. 573, § 1.°, do CPP).
272 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

No entanto, percebeu-se que, por vezes ainda que o aspecto formal


,

da norma não fosse seguido, não haveria desequilíbrio pois o ato, ainda ,

que contrário ao mandamento da lei, teria atingido o objetivo visado pelo


ordenamento. Daí a ideia da instrumentalidade das formas , ou seja, o ato
tem uma forma que visa padronizar o alcance de seus fins mas, se apesar de ,

desobedecida a forma, o ato tiver atingido os objetivos previstos não será ,

necessária a repetição e o ato continua plenamente válido. Eis o sentido de


,

um sistema de nulidades.

O Código de Processo Penal trata do sistema de nulidades a partir


do art. 563. No sistema brasileiro, há a classificação dos vícios dos atos
processuais em inexistentes, irregulares e nulos, sendo que os últimos são
classificados como relativamente nulos e absolutamente nulos. As soluções
e classificações são as mais controversas, mas há princípios e ideias reitoras
que buscaremos expor.
Inexistente é o ato que, por desrespeitar de forma essencial a tipologia
necessária, os requisitos imaginados para sua relevância é considerado um ,

não ato um ato inexistente, que não precisa sequer ter seu vício reconheci-
,

do ou seja, não gera qualquer efeito (nem o de provocar uma decisão que o
,

declare inexistente como acontece no ato nulo, que precisa ser declarado,
,

conforme Greco). Não existe, e não tem qualquer relevância. É o caso da


sentença prolatada por quem não é juiz.
Irregular quando não gera qualquer desequilíbrio ao processo ainda ,

que não respeite a forma da lei. É o caso da denúncia oferecida fora de prazo.
10.2 NULIDADES ABSOLUTAS E RELATIVAS

Diferenciar a nulidade entre absoluta e relativa é tarefa mais complexa. Há


classificação sugerida na lei, mas que não é aceita de forma pacífica. Pela letra
do Código de Processo Penal (art. 572), as nulidades arroladas no inciso III ,

alíneas de (segunda parte), g e h, e IV, do art. 564 do CPP, serão consideradas


,

sanadas se não arguidas em tempo oportuno, se alcançarem o fim querido


pelo ordenamento ou se a parte, ainda que tacitamente, aceitar seus efeitos.
Seriam nulidades absolutas, contrario sensu, as demais.
A classificação com tais rigores já não encontra adeptos na doutrina atual,
quer pela evolução do sistema processual, quer pela entrada em vigor da nova
constituição federal, com amplo rol de garantias individuais.
Há quem indique como absoluta a nulidade quando prevalecer o interesse
público, e relativa quando for maior o interesse da parte (Greco ainda traz
Cap. 10 . Das Nulidades 273

a categoria da anulabilidade, quando a exigência é preconizada pela lei no


interesse da parte de forma dispositiva). Acreditamos bastante insuficiente a
ideia pois, como já referido, o Estado tem interesse no processo equilibrado e
,

decisão justa, sendo seu dever manter a igualdade de forças e oportunidades,


em razão do mandamento constitucional do devido processo legal". Assim,
"

acreditamos que os princípios do prejuízo, do interesse e da convalidação,


orientados por construções jurisprudenciais, melhor configuram nosso atual
panorama acerca das nulidades.
Majoritário ainda na doutrina que, se há afronta a princípio constitucio-
nal, a nulidade é absoluta (Grinover, Ada Pellegrini; Gomes Filho, Antonio
Magalhães; Scarance Fernandes, Antonio, As nulidades no Processo Penal,
p 21). Entendemos como valorosa a orientação, embora seja muito difícil
.

afastar a desobediência à norma procedimental da afronta ao princípio do


devido processo legal (ao menos em seu aspecto formal), que tem índole
constitucional. Embora elogiável, o entendimento não traz critério fácil de
instrumentalizar. Assim, na verdade, cabe aos Tribunais decidir que vícios
atingem diretamente princípio constitucional de forma a gerar nulidade
absoluta, e que outros vícios apenas violam a constituição de forma reflexa,
sendo que os últimos resultariam apenas em nulidades relativas.
Pelo princípio do prejuízo, apenas pode ser reconhecida nulidade quando
houver prejuízo. Assim, se o ato atingiu sua finalidade, jamais deverá ser re-
petido. Por outro lado, em alguns casos o prejuízo é evidente, como nos casos
em que garantias constitucionais são afrontadas ou em que o desequilíbrio
é patente, como a falta de oportunidade para oferecer alegações finais (não
é necessário demonstrar que houve prejuízo: é evidente). Em outros casos,
o prejuízo deve ser demonstrado, não com a certeza de que influiria na deci-
são, mas com a probabilidade. Classificam-se as primeiras como nulidades
absolutas e as segundas, como relativas. Em suma, pelo enfoque das partes,
quando a nulidade é classificada pela jurisprudência como absoluta, não
será preciso demonstrar o prejuízo, pois é presumido. Quando classificado o
vício como suficiente apenas a provocar nulidade relativa, será ónus da parte
demonstrar o prejuízo, ou seja, demonstrar em que ponto sua atividade na
marcha contraditória foi prejudicada, que o quadro probatório poderia ter
outra direção.
Por outro lado, o princípio do interesse indica que apenas o interessado
pode requerer que seja reconhecida a nulidade, ou seja, se a nulidade aproveita
apenas à parte contrária, não pode ser reconhecida a pedido. Vale ressaltar
aqui que o julgador pode, tratando-se de nulidade absoluta, reconhecê-la a
274 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

qualquer momento e de ofício, com uma exceção: em recurso da acusação,


não pode ser reconhecida nulidade não arguida que prejudique a defesa ,

conforme Súmula 160 STF: é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra
"

o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação ressalvados os casos de ,

recurso de ofício "

Grinover (As nulidades no Processo Penal, p. 27) assinala aqui, que o ,

Ministério Público por ter interesse na formação de título executivo válido,


,

pode arguir nulidades não arguidas pela defesa, quando não se convença de
que se tratem, apenas, de nulidades relativas.
Também não pode pedir que seja reconhecida a nulidade quem lhe deu
causa.

Pelo princípio da convalidação, restam convalidados os atos cuja nuli-


dade não foi arguida no momento oportuno, ditado pela lei. Tal princípio
tem como fundamento a necessidade de evolução da marcha procedimental.
Também são consideradas convalidadas as nulidades em favor da acusação
quando se esgotam seus recursos, uma vez que a coisa julgada apenas poderá
ser afrontada pela defesa (habeas corpus ou revisão criminal).
Prevalece que no rito ordinário, as nulidades relativas devem ser argui-
,

das até o momento das alegações finais. No rito do júri há três momentos:
a) até as alegações finais (art. 411 § 4.°, do CPP) as ocorridas até aquele
,

momento;

b) as ocorridas após a pronúncia devem ser arguidas quando do anúncio


do julgamento em plenário assim que apregoadas as partes;
,

c) as ocorridas em plenário assim que ocorrerem.


,

A nulidade absoluta que aproveita a defesa pode ser reconhecida mesmo


após o trânsito em julgado da decisão, por meio de habeas corpus e revisão
criminal. O primeiro - por seu rito especial - no caso de não ser necessário
exame mais profundo das provas para perceber o prejuízo. Se for preciso tal
exame, melhor a via da revisão criminal.
Há previsão especial na legislação processual de três convalidações:
a) art. 568 CPP: a nulidade por ilegitimidade do representante da parte
poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos proces-
suais. Trata o dispositivo de irregularidades vinculadas a pressupostos
processuais, como a ausência de menção ao fato criminoso na procu-
ração outorgada a advogado para a propositura da ação penal privada:
desde que respeitado o prazo decadencial o patrono do querelante ,
Cap. 10 . Das Nulidades 275

poderá retificar os termos da procuração, e não precisará repetir os


atos praticados, como, por exemplo, propor nova queixa.
b) art. 569 CPP: as omissões da peça acusatória inicial (denúncia ou
queixa) poderão ser supridas até a sentença final: a legislação apenas
se refere, aqui, às omissões não essenciais, ou seja, aquelas que não
prejudicam o amplo exercício da defesa. Se faltar elemento essencial,
como a narrativa do fato com todas as circunstâncias estritamente
necessárias á defesa, o vício não poderá ser convalidado, e outra inicial
deverá ser oferecida.

c) art. 570 CPP: a ausência de citação, intimação ou notificação será


considerada convalidada desde que o interessado compareça. Aqui, a
parte final do dispositivo já adverte que cabe ao magistrado analisar se
a irregularidade provocou ou não algum prejuízo para a parte, sendo
que, se reconhecer o prejuízo (ainda que potencial), deve adiar o ato.

note

Conforme art. 567 CPP, a incompetência do juízo anula apenas


1D Em n "
os atos decisórios.

Grinover (As nulidades no Processo Penal, p. 28-29) destaca que, em ana-


logia ao disposto no art. 249, § 2.°, do CPC, "quando puder decidir do mérito
em favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, o juiz não a
pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta Daí o famoso
"

entendimento de que é possível ao julgador absolver ao invés de pronunciar


nulidade alegada pela defesa ainda que a reconheça.
,

Greco Filho (Manual de Processo Penal, p. 301) lembra que os vícios


(nulidades) precisam ser declarados para que o ato viciado deixe de gerar
efeitos, o que significa que se não houver oportunidade processual para a
decretação (decisão absolutória com trânsito em julgado), o ato nulo persis-
tirá gerando efeitos indefinidamente. É que o autor denomina princípio da
restrição processual à declaração de nulidade.
Conforme Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal, a inexistência de
defesa torna o processo absolutamente nulo, mas a deficiência de defesa gera
nulidade relativa.
276 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Greco (Manual de Processo Penal, p. 307) assinala ser comum que os


Tribunais reconheçam a nulidade do feito a partir de determinado ato inva- ,

lidando todos os posteriores em nome do princípio da consequencialidade .

Anota no entanto, que essa prática deve ser afastada, pois é possível que
,

um ato posterior não dependa de um anterior, devendo ser preservado em


homenagem ao princípio da conservação dos atos processuais.

10.3 ROL DE NULIDADES EXPRESSAMENTE PREVISTAS NO CPP

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:


I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;
Gera nulidade relativa a incompetência relacionada ao território bem ,

como quando não há união de processos derivada da conexão e continência.


Há nulidade absoluta nos casos de nulidade relacionada à competência em
razão da matéria funcional, hierárquica ou das justiças especiais.
,

Apesar de não expressa a previsão há nulidade absoluta no caso de im-


,

pedimento do juiz. Para Greco (Manual de Processo Penal, p. 312), em relação


à suspeição, a nulidade é relativa, devendo ser arguida em exceção sendo ,

que, em caso contrário, ainda será possível o reconhecimento da eiva, desde


que demonstrado o prejuízo.
O "suborno" se refere à hipótese de recebimento de vantagem, normal-
mente relacionada com os crimes de corrupção passiva, concussão e preva-
ricação (Edgard Magalhães Noronha. Curso de Direito Processual Penal p. ,

337), gerando nulidade absoluta, uma vez que a imparcialidade do juiz é um


dos mais importantes pilares da função jurisdicional.
II - por ilegitimidade de parte;
A ilegitimidade pode ser ad causam e processual. Ad causam no caso
de ação proposta por quem não é o titular do direito, como na inversão dos
titulares das ações públicas e privadas, enquanto que a processual se dá, por
exemplo, com a propositura de denúncia contra o menor de 18 anos, que não
tem capacidade processual penal passiva.
As nulidades apontadas são absolutas. A possibilidade de convalidação
do art. 568 do CPP, já referida, apenas vale para os representantes das partes,
ou seja, está relacionada com a capacidade postulatória.

Ill - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:


Cap. 10 . Das Nulidades 277

a) a denúncia ou a queixa e a representação e nos processos de contra- ,

venções penais a portaria ou o auto de prisão em flagrante;


,

A doutrina costuma apontar aqui a efetiva ausência da inicial acusatória ,

o que sem dúvida geraria a nulidade absoluta. Noronha (Curso de Direito Pro-
cessual Penal, p. 338) também enquadra aqui os casos em que falta formalidade
essencial para o ato especificamente previsto como no caso de denúncia que
,

não narra o fato delituoso.

b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios ressal- ,

vado o disposto no art. 167;


Greco Filho (Manual de Processo Penal cit. p. 315) assinala que a pre- ,

visão busca evitar acusações infundadas contra a pessoa ou seja, em tese, a ,

denúncia sequer deveria ser recebida quando em crimes que deixam vestígios,
,

não foi feito exame de corpo de delito ressalvada a possibilidade de exame


,

de corpo de delito indireto.


Há exceções legais como no caso da Lei de Drogas, em que é possível o
,

recebimento da denúncia apenas com o chamado auto de constatação sendo ,

que o exame de corpo de delito pode ser juntado aos autos até a sentença (art.
50, §§ 1.° e 2.°, da Lei 11.343/2006).
Lamentavelmente a ineficiência dos aparelhos persecutórios em conjun-
,

to com o desprezo pelas garantias individuais têm orientado a jurisprudência


a admitir a acusação ou seja, receber a denúncia, ainda que sem o exame de
,

corpo de delito exigindo-o apenas para a sentença, mesmo fora dos casos
,

da lei de drogas.
A nulidade da presente alínea é apontada pela doutrina como absoluta .

c) a nomeação de defensor ao réu presente que o não tiver, ou ao ausente,


,

e de curador ao menor de 21 anos;

A nomeação de defensor é necessária desde o momento da apresenta-


ção da resposta ou defesa escrita (arts. 396-A, § 2.°, e 362, parágrafo único,
ambos do CPP).

Noronha já advertia que também há nulidade quando apesar de presente, ,

o defensor técnico não atua ou seja, não cumpre seu mister, deixando o réu
,

indefeso (Curso de Direito Processual Penal cit p. 338). .


,

Súmula 523 STF: "No processo penal a falta de defesa constitui nu-
,

lidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de


"

prejuízo para o réu .


278 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Quanto à manutenção do curador diante das alterações da legislação


civil, vide afigura do curador em face do Código Civil, nos comentários ao
inquérito policial.
d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por
ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar
de crime de ação pública;
Esta nulidade, como dispõe o art. 572 do CPP, será considerada sanada
se não arguida em tempo oportuno.
e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando
presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;
A doutrina classifica a ausência de citação como nulidade relativa, uma
vez que o acusado pode abrir mão de ser citado quando comparece esponta-
neamente em juízo.
Vale lembrar que, cada vez mais, vem crescendo orientação no sentido
da imprescindibilidade da citação regular, que permita ao acusado condições
(tempo, materiais) de preparar sua defesa a partir da correta ciência dos fatos
que lhe são imputados, como aliás determina a Convenção Americana de
Direitos Humanos (art. 8, n. 2, b).
Recente alteração legislativa vem na mesma toada, pois o atual art. 360 do
CPP exige que mesmo o réu preso deva ser pessoalmente citado, permitindo
concluir, assim, que não basta a simples requisição, como ainda majoritário
na jurisprudência.
Da mesma forma, a restrição dos prazos estabelecidos em lei para a
prática dos atos processuais pelas partes, impedindo assim o contraditório,
resultam em nulidade absoluta.

Quanto ao interrogatório, o art. 185 do CPP determina que "o acusado


que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal,
será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou
nomeado Com base na antiga redação do artigo, que também tratava do
"

réu preso, há jurisprudência amplamente majoritária no sentido de que, se


o acusado se apresenta espontaneamente ou é preso, sem que tenha sido
interrogado, deve ser imediatamente inquirido. A jurisprudência admite
a providência mesmo que o processo já esteja em grau de recurso, como
homenagem à autodefesa, elemento essencial à ampla defesa, que é garantia
individual com índole constitucional. No sentido da necessidade do interro-
gatório, Grinover (As nulidades no Processo Penal cit., p.77).
Cap. 10 . Das Nulidades 279

É corrente a decretação da nulidade da sentença quando o réu , que não


foi interrogado no momento próprio, se vê preso antes da sentença, sem que
,

o juiz o interrogue.
0 a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com
o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri;
g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal dojúri,
quando a lei não permitir o julgamento à revelia;
h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade ,

nos termos estabelecidos pela lei;


i) a presença pelo menos de quinze jurados para a constituição dojúri;
j) o sorteio dos jurados do Conselho de Sentença em número legal e sua
incomunicabilidade;

k) os quesitos e as respectivas respostas;


1) a acusação e a defesa na sessão de julgamento;
,

As alíneas indicadas tratam de nulidades relativas ao procedimento espe-


cial dos crimes dolosos contra a vida e, pela clareza, não demandam maiores
,

esclarecimentos (vide procedimento especial dojúri em que foi comentada a


,

supressão do libelo e de sua contrariedade bem como a desnecessidade da


,

presença do acusado solto na sessão de julgamento pelo Tribunal dojúri - art.


457, caput, do CPP). A ausência da decisão de pronúncia implica nulidade
absoluta até porque é a primeira que submete o réu a julgamento (Edgard
,
" "

Magalhães Noronha. Curso de Direito Processual Penal p. 339). ,

Todas as nulidades relativas à formação do conselho de sentença geram


nulidade absoluta porque, nos dizeres de Greco (Manual de Processo Penal
,

cit., p. 317), ferem interesse da própria administração da Justiça Súmula .

206 do STF: "é nulo o julgamento pelo júri com a participação de jurado que
funcionou em julgamento anterior do mesmo processo" .

Os quesitos devem ser formulados com clareza havendo nulidade na ,

"

deficiência dos quesitos ou de suas respostas e nas contradições entre estas"


(Fernando da Costa Tourinho Filho, Manual de Processo Penal cit., p. 412).
Aliás o parágrafo único do presente artigo traz: Ocorrerá ainda a nuli-
,
"

dade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas e contradição entre ,

Há Súmula (156) do STF no seguinte sentido: "É absoluta a nulidade


"

estas .

do julgamento pelo júri, por falta de quesito obrigatório.


"

A defesa deve ser suficiente a não causar prejuízo conforme já explanado.


,

A acusação aqui, na observação de Tourinho (Manual de Processo Penal cit.,


,

p 413) não significa ato de acusar, mas sim a tomada de palavra pelo promo-
.
,
280 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

tor, que pocle inclusive pleitear a absolvição do réu quando não convencido
de sua culpa, uma vez que também zela pela correta aplicação da lei penal.
m) a sentença;
É claro que a inexistência de sentença macula o processo, mas concor-
damos com Tourinho (Manual de Processo Penal cit., p. 414) quando indica
que, nesse caso, quis a lei atingir a sentença que não conta com seus ele-
mentos essenciais, como motivação e lógica interna. Greco Filho (Manual
de Processo Penal cit., p. 317) entende que a falta de elementos essenciais da
sentença incide no inciso IV, sendo que a presente previsão trata, na verdade,
de inexistência de sentença.
n) o recurso de oficio nos casos em que a lei o tenha estabelecido;
,

Só gera nulidade a ausência de recurso de ofício (hoje chamado reexame


necessário) se não houver recurso voluntário. A ausência de recurso de ofí-
cio impede o trânsito em julgado da decisão (Súmula 423 do STF), ou seja,
o que se anula é a certidão de trânsito em julgado, bem como outros atos
praticados com base no trânsito (Greco Filho, Vicente, Manual de Processo
Penal cit., p. 317).
o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de
sentenças e despachos de que caiba recurso;
A ciência dos atos é necessária para permitir a participação das partes,
aperfeiçoando-se o contraditório. A ausência das comunicações devidas,
como a intimação das decisões recorríveis, viola o contraditório na medida
" "

em que cerceia a utilização dos recursos inerentes a seu exercício.


O defensor público deve ser intimado pessoalmente de todas as decisões.
Súmula 155 do STF: "É relativa a nulidade do processo criminal porfalta
de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha".
p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum
legal para o julgamento.
Trata-se mais uma vez de nulidade absoluta, pois fere interesse na correta
administração da Justiça.

IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial


do ato.

Trata-se de cláusula residual, que rege todo sistema processual, deven-


do incidir a nulidade sempre que a desobediência à fórmula legal provocar
desequilíbrio na relação processual, obedecidos os princípios e regras gerais
já explanados.
Dos Recursos

11.1 NOÇÕES GERAIS

11.1.1 Conceito

É um pedido de reexame da decisão do juízo a quo pelo juízo adi quem .


É
o pedido de nova decisão judicial com alteração da decisão anterior .

11.1.2 Princípios norteadores dos recursos

11.1.2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição


Baseia-se na falibilidade humana , surgindo com a finalidade de dimi-
nuir o arbítrio dos juízes de primeiro grau com a fiscalização por parte dos
,

juízes superiores sobre os inferiores. O juízo ad quem irá reapreciar a decisão


impugnada proferida pelo juízo a quo.
,

Também para propiciar um maior conformismo com a decisão pois terá ,

sido decidida por um órgão colegiado formado por juízes mais experientes.
,

Por fim , tamanha a importância do direito ao recurso, que este já é visto


como garantia individual inerente à ampla defesa (art. 5.°, LV, da CF/1988).
,

Insta ressaltar que no Brasil, os processos de competência originária dos


,

Tribunais não têm duplo grau de jurisdição .

/ /. 1.2.2 Princípio da voluntariedade


Os recursos são sempre voluntários; as hipóteses denominadas pelo
Código de Processo Penal em seu art. 574, como recurso ex officio (reexame
,

necessário) são, na realidade, condições necessárias para a preclusão ou


,

para o trânsito em julgado da decisão (Súmula 423 do STF). O próprio juiz


determina a remessa dos autos para o Tribunal reexaminar sua decisão .
282 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Haverá reexame necessário:

. Da sentença que conceder o habeas corpus (art 574 1 do CPP). .


, ,

. Da sentença que absolver sumariamente o réu ao final da primeira ,

fase do procedimento do júri (art. 574, II, c.c. o art. 415, ambos do
CPP).

note
Discute-se se a Lei 11.689/2008 suprimiu ou não o recurso ex BEM
officio da sentença de absolvição sumária do art. 415 do CPP.
Duas posições: a) houve revogação nesse caso, pois o art. 415
do CPP (com a redação da Lei 11.689/2008) não reproduziu a
necessidade de submissão ao recurso ex officio, como constava
do antigo art. 411 do CPP; b) o recurso ex officio subsiste, pois
decorre diretamente da imposição contida no art. 574, II, do
CPP (a referência ao art. 411 agora corresponderia ao art. 415
do CPP).

. Da decisão que conceder a reabilitação criminal (art 746 do CPP). .

. Da decisão que determinar o arquivamento de inquérito policial


°
ou absolver por crime contra a economia popular (art. 7. da Lei
1 521/1951).
.

/1.1.2.3 Prirtcípio de fungibilidade


O princípio da fungibilidade (art. 579 do CPP) possibilita o aproveita-
mento da interposição de um recurso inadequado, desde que não haja má-fé
(seu principal indicativo seria a tempestividade da interposição, em relação
ao recurso adequado). Trata-se de aplicação da regra da instrumentalidade das
formas: o juiz, ao reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte,
determina o seu processamento de acordo com o rito do recurso adequado.

71.1.2.4 Princípio da proibição da reformatio in pejus


A situação do acusado não pode ser agravada no julgamento de recurso
exclusivo da defesa (art. 617 do CPP). Se o recurso exclusivo da defesa ense-
jar a anulação da sentença, o juiz agora fica limitado aos termos da decisão
anterior por força da denominada proibição da reformatio in pejus indireta"
"

(efeito prodrômico ou atípico da sentença anulada, que consiste na limitação


de eventual decisão posterior).
Cap. 11 . Dos Recursos 283

A jurisprudência admite a refonnatio in mellius (ou reformatio inpejus para


a acusação) ou seja, beneficiar o acusado em recurso exclusivo da acusação,
,

por força da ausência de impedimento legal.

11.1.3 Pressupostos recursais


Para que o mérito do recurso seja examinado pelo juízo ad quem exige- ,

se a presença de alguns requisitos ou pressupostos


-

O exame dos pressupostos recursais se denomina juízo de admissibili-


dade (prelibação) que normalmen te será realizado no juízo a quo e no juízo
,

ad quem.
São pressupostos recursais objetivos:
a) Cabimento: exige-se previsão legal da possibilidade de recurso (ta-
xatividade ou legalidade).
b) Adequação: não basta que o recurso esteja previsto em lei pois ele ,

tem de ser o adequado para atacar a decisão. Em geral existe apenas ,

um recurso adequado para a impugnação da decisão judicial (regra


da unirrecorribilidade singularidade ou unicidade), sendo exceção
,

a possibilidade de interposição conjunta de recurso especial e extra-


ordinário contra a mesma decisão (arts. 26 e 27 da Lei 8 038/1990). .

c) Tempestividade: o recurso deve ser interposto dentro do prazo legal .

Os prazos recursais fluem do dia da intimação das partes (art . 798, §


°
5.
, a,e§ 1.°, do CPP). Tratando-se da defesa, devem ser intimados
tanto o acusado como o seu defensor (regra da dupla intimação) ,

em face da legitimidade autónoma e concorrente (disjuntiva) que


cada qual possui para a interposição de recurso (art 577, caput, do .

CPP) caso em que o prazo recursal começa a fluir da data da última


,

intimação.
d) Regularidade procedimental: devem ser preenchidas as formalidades
legais para o recurso ser recebido .

e) Inexistência de fato impeditivo (surge antes da interposição): renúncia


ao direito de recorrer. Súmula 705 do STF:
"
A renúncia do réu ao direito de apelação manifestada sem a assis-
,

tência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este


interposta".

0 Inexistência de fato extintivo (surge depois da interposição): desis-


tência e deserção.
284 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

O MP não está obrigado a recorrer, mas, se o fizer, não pode desistir do


recurso que haja interposto (art. 576 do CPP), em face do princípio da indis-
ponibilidade da ação penal pública (art. 42 do CPP).
A deserção, entendida como o abandono do recurso interposto, decorre
da falta de preparo (pagamento das custas do recurso) e somente se aplica aos
casos de ação penal privada (arts. 806, § 2. e 601, § 2. do CPP).
° °
, ,

São pressupostos subjetivos:


a) legitimidade: em geral, possuem legitimidade para recorrer os mesmos
legitimados para a ação penal (art. 577, caput, do CPP);
b) interesse: decorre da possibilidade de o sujeito ser beneficiado pelo
recurso (somente a pessoa prejudicada com a decisão proferida tem
interesse para recorrer) (art. 577, parágrafo único, do CPP). O acu-
sado tem interesse recursal para apelar da sentença absolutória, em
busca da modificação do seu fundamento (art. 386 do CPP), pois
pode ser beneficiado (na esfera extrapenal) pelo reconhecimento de
estar provada a inexistência do fato (arts. 386,1, e 66 do CPP) ou de
estar provado que ele não concorreu para a infração penal (arts. 386,
IV, do CPP, e 935 do CC/2002), bem como pelo reconhecimento de
excludente de ilicitude real não lesiva a terceiro inocente (art. 65 do
CPP).

11.1.4 Efeitos

Os recursos podem ter os seguintes efeitos:


Devolutivo - transfere ao juízo cid quem o reexame da matéria impugnada.
É comum a todos os recursos.

Suspensivo - a interposição do recurso prolonga a suspensão da eficácia


da decisão impugnada. Em geral, os recursos no processo penal não possuem
efeito suspensivo, razão pela qual a sua incidência depende de expressa pre-
visão legal (p. ex., art. 179 da Lei 7.210/1984 - LEP).
Extensivo ou expansivo - em caso de concurso de agentes, a decisão
proferida em recurso interposto por um deles aproveitará aos demais (ainda
que estes não tenham recorrido), quando se tratar de impugnação fundada
em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal (art. 580 do
CPP). Cuida-se de expansão subjetiva dos efeitos do recurso interposto por
um dos acusados.
Cap. 11 . Dos Recursos 285

Regressivo, iterativo ou diferido -decorre da presença de juízo de retrata-


ção no procedimento do recurso: o juízo a quo reexamina a própria decisão,
que pode então ser reformada ou sustentada. Esse efeito pode ser encontrado
no recurso em sentido estrito (art. 589 do CPP) e em outros recursos que
assumam o seu procedimento, como ocorre com o agravo em execução penal
e a carta testemunhável.

/ / .7.5 Juízos recursais: admissibilidade e mérito

O juízo de admissibilidade ou prelibação tem por objeto a aferição da


presença dos pressupostos recursais e, em geral, realiza-se nos juízos a quo
(recebimento) e adquem (conhecimento).
Sendo positivo o juízo de admissibilidade, o juízo ad quem realiza o juízo
de mérito (objeto da impugnação), podendo então dar ou negar provimento
ao recurso interposto.

11.2 DOS RECURSOS EM ESPÉCIE

7 7.2.7 Recurso em sentido estrito (arts. 581 a 592 do CPP)

Trata-se de recurso admissível apenas nas hipóteses expressamente


previstas em lei, ou seja, de forma taxativa (v.g., art. 581 do CPP, art. 294,
parágrafo único, da Lei 9.503/1997).
Apesar da sua taxatividade, admite-se a interpretação extensiva das
situações especificadas em lei (art. 3. do CPP). Assim, a previsão legal do
°

cabimento de recurso em sentido estrito contra a decisão de rejeição liminar


da denúncia ou queixa (art. 581,1, do CPP) poderia ser estendida para a im-
pugnação da decisão de rejeição do aditamento da denúncia ou queixa (art.
384, §5.°, do CPP).
O art. 581 do CPP concentra as decisões que admitem a interposição de
recurso em sentido estrito:

I - Decisão que não receber a denúncia ou a queixa.


Trata-se da decisão de rejeição liminar da petição inicial, nas situações
do art. 395 do CPP.

Em sede de Juizados Especiais Criminais, a decisão de rejeição liminar


da denúncia ou queixa pode ser impugnada por recurso de apelação, no prazo
de 10 dias (art. 82 da Lei 9.099/1995).
286 Processo Penal - Paulo H. A .
Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

A respeito do recurso contra a decisão de rejeição liminar da denúncia


ou queixa o STF editou as Súmulas 707 e 709:
,

Súmula 707 do STF: "Constitui nulidade a falta de intimação do de-


nunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição
da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo" .

Súmula 709 do STF: "Salvo quando nula a decisão de primeiro grau ,

o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale desde ,

logo, pelo recebimento dela".

A decisão de recebimento da denúncia ou queixa porque não prevista ,

em lei (taxatividade), não pode ser impugnada por recurso em sentido estrito
(nem por qualquer outro), mas por ação autónoma de habeas corpus (art.
648,1, do CPP).

II-Que concluir pela incompetência do juízo.


Insere-se nessa situação a decisão de desclassificação proferida no fim
da primeira fase do procedimento especial do júri (art 419 do CPP) em que .
,

o juiz reconhece a existência de crime não doloso contra a vida e portanto, ,

a incompetência do tribunal do júri para a sua apreciação .

III - Que julgar procedentes as exceções salvo a de suspeição - as decisões


,

acerca da exceção de suspeição não admitem recurso .

As exceções de incompetência ilegitimidade de parte, litispendência e


,

coisa julgada (art. 95, II a V, do CPP) quando julgadas procedentes, permi-


,

tem a interposição de recurso em sentido estrito. Diversamente a decisão ,

de improcedência, porque não prevista em lei (taxatividade) não pode ser ,

impugnada por recurso em sentido estrito .

IV-Que pronunciar o réu aofinal da primeira/ase do procedimento especial


,

do júri (art. 413 do CPP).

V-Que conceder negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea afiança, indeferir


,

requerimento de prisão preventiva ou revogá-la conceder liberdade provisória


,

ou relaxar a prisão em flagran te.


As decisões de indeferimento do relaxamento da prisão em flagrante de ,

indeferimento da liberdade provisória (sem fiança) e de decretação da prisão


preventiva ou indeferimento da sua revogação (manutenção), porque não
previstas em lei (taxatividade), não podem ser impugnadas por recurso em
Cap. 11 . Dos Recursos 287

0
sentido estrito, mas por ação autónoma de habeas corpus (art. 5 LXV1II,
,

da CF, e arts. 647 e 648 do CPP), para a tutela do direito de liberdade de lo-
comoção.

VII - Que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor.


O quebramento da fiança pode ser gerado pelas situações definidas
no art. 341 do CPP ou pelo descumprimento das obrigações estabeleci-
das nos arts. 327 e 328 do CPP. O quebramento injustificado da fiança
acarreta a perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a
imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação
da prisão preventiva (art. 343 do CPP). O recurso da decisão que julgar
quebrada a fiança suspende apenas o efeito de perda da metade do seu
valor (art. 584, § 3. °
,
do CPP).
O perdimento do valor da fiança ocorre se, condenado, o acusado não se
apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta
(art. 344 do CPP). Em caso de perda da iança, o recurso em sentido estrito
f

tem efeito suspensivo (art. 584, caput, do CPP).

VIII - Que decretar a prescrição ou julgai; por outro modo, extinta a puni-
bilidade.

A decisão que reconhece a extinção da punibilidade constitui sentença


terminativa demérito (meramente declaratória-Súmula 18doSTJ) estian-
do proferida na fase de conhecimento, desafia o recurso em sentido estrito.
A extinção da punibilidade, quando declarada em uma sentença con-
denatória ou absolutória (por outra imputação), pode ser impugnada por
recurso de apelação, por força da regra da unirrecorribilidade (art. 593,1 e
§ 4.°, do CPP), sendo o recurso em sentido estrito absorvido pela apelação.
Se a extinção da punibilidade for declarada no momento processual da
absolvição sumária do art. 397, IV, do CPP, discute-se sobre a adequação do
recurso de apelação (art. 593,1, do CPP).
Quando proferida na fase de execução penal, a decisão de extinção da
punibilidade pode ser impugnada por recurso de agravo em execução penal
(arts. 66, II, e 197 da Lei 7.210/1984 - LEP), tendo sido, nesse ponto, tacita-
mente derrogado o disposto no inciso VIII do art. 581 do CPP.

IX - Que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra


causa extintiva da punibilidade.
288 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Em caso de indeferimento da extinção da punibilidade o recurso em ,

sentido estrito seria adequado apenas para a impugnação das decisões pro-
feridas na fase de conhecimento.

A decisão de indeferimento da extinção da punibilidade quando inse- ,

rida em uma sentença condenatória ou absolutória (por outra imputação) ,

pode ser impugnada por recurso de apelação, por força da regra da unirre-
corribilidade (art. 593,1 e § 4. do CPP), sendo o recurso em sentido estrito
°
,

absorvido pela apelação.


Quando proferida na fase de execução penal, tal decisão pode ser im-
pugnada por recurso de agravo em execução penal (arts. 66, II, e 197 da Lei
7 210/1984 - LEP) tendo sido, nesse ponto, tacitamente derrogado o disposto
.
,

no inc. IX do art. 581 do CPP.

Em qualquer caso, pode-se ainda cogitar da impugnação por ação au-


tónoma de habeas corpus (arts. 5.°, LXVIII, da CF/1988 e 648, VII, do CPP). ,

X - Que conceder ou negar a ordem de habeas corpus.


O recurso em sentido estrito é adequado para a impugnação da decisão
que, em primeiro grau de jurisdição, conceder ou negar habeas corpus. Ain-
da que não seja interposto recurso voluntário pelas partes a sentença que ,

conceder habeas corpus deve ser submetida a reexame necessário ou recurso


exofficio (art. 574,1, do CPP).
Se o habeas corpus for denegado em Tribunal Superior ou Tribunal de
Justiça (ou TRF), pode ser interposto recurso ordinário constitucional (ROC),
de competência do STF ou do STJ (arts. 102 II, a, e 105, II, a, da CF/1988),
,

respectivamente.

XI - Que conceder negar ou revogar a suspensão condicional da pena.


,

Em caso de sursis
o recurso em sentido estrito seria adequado apenas
,

para a impugnação de decisões proferidas antes da instauração do processo


de execução (v.g., ausência injustificada do condenado à audiência admoni-
tória quando realizada pelo juízo da fase de conhecimento: art. 161 da Lei
,

7 210/1984-LEP).
.

As decisões que concedem ou negam o sursis quando inseridas em uma ,

sentença condenatória (capítulo dela), podem ser impugnadas por recurso


de apelação, por força da regra da unirrecorribilidade (art. 593 1 e § 4.° do , ,

CPP), sendo o recurso em sentido estrito absorvido pela apelação.


Cap. 11 . Dos Recursos 289

Quando proferida na fase de execução penal, a decisão sobre sursis pode


ser impugnada por recurso de agravo em execução penal (arts. 66 III, d, e 197
,

da Lei 7.210/1984-LEP), tendo sido nesse ponto, tacitamente derrogado o


,

disposto no inc. XI do art. 581 do CPP.

XII - Que conceder negar ou revogar livramento condicional.


,

Pode ser impugnada por recurso de agravo em execução penal (arts. 66 ,

III, e, e 197 da Lei 7.210/1984- LEP) tendo sido, nesse ponto, tacitamente
,

derrogado o disposto no inc. XII do art. 581 do CPP.

XIII - Que anular o processo da instrução criminal no todo ou em parte.


,

As nulidades processuais foram analisadas no Capítulo 10.

XIV-Que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir.


Trata-se de recurso em sentido estrito que pode ser interposto por qual-
°
quer do povo (art. 426, § 1 do CPP), no prazo de 20 dias (art. 586, parágrafo
,

único, do CPP), endereçado ao Presidente do Tribunal de Justiça ou Tribunal


Regional Federal (art. 582, parágrafo único do CPP). ,

XV - Que denegar a apelação ou a julgar deserta.


Se o juízo a quo negar a admissibilidade do recurso de apelação (falta
de pressuposto recursal), afigura-se adequada a interposição de recurso em
sentido estrito (e não de carta testemunhável - art. 639 do CPP).

XVI-Que ordenar a suspensão do processo em virtude de questão prejudicial


,

(arts. 92 a 94 do CPP).
A decisão de indeferimento da suspensão do processo porque não pre-,

vista em lei (taxatividade) não pode ser impugnada por recurso em sentido
,

estrito.

XVII - Que decidir sobre a unificação de penas.


Pode ser impugnada por recurso de agravo em execução penal (art .
197
da Lei 7.210/1984 - LEP) tendo sido, nesse ponto, tacitamente derrogado o
,

disposto no inc. XVII do art. 581 do CPP.

XVIII - Que decidir o incidente de falsidade (arts. 145 a 148 do CPP) .


290 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

XIX - Que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença


em julgado.
XX - Que impuser medida de segurança por transgressão de outra.
XXI - Que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art.
774.

XXII - Que revogar a medida de segurança.


XXIII - Que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a
lei admita a revogação.
Podem ser impugnadas por reeurso de agravo em execução penal (art.
197 da Lei 7.210/1984 - LEP), tendo sido, nesse ponto, tacitamente derrogado
o disposto nos incs. XIX a XXXIII do art. 581 do CPP.

XXIV - Que converter a multa em detenção ou em prisão simples.

O art. 581, XXIV, do CPP, foi revogado, em face da nova redação do


art. 51 do CP, determinada pela Lei 9.268/1996, que estabeleceu
alGIIÇa não Ser mais possível a conversão da multa em pena privativa de
liberdade, no caso de não pagamento ou do agente frustrar a sua
execução.

Trata-se de recurso que pode ser interposto tanto pela acusação como
pela defesa, nos casos especificados em lei (taxatividade).
Em caso de ação penal pública, admite-se a interposição de recurso em
sentido estrito supletivo ou subsidiário, pelo ofendido ou seus sucessores
(art. 31 do CPP), contra a decisão de declaração de extinção da punibili-
dade (art. 581, VIII, do CPP), quando o Ministério Público não interpuser
recurso no prazo legal (art. 584, § 1. c.c. o art. 598, ambos do CPP). Em
°
,

tal situação, o art. 598, parágrafo único, do CPP, estabelece o prazo de 15


dias para a interposição do recurso supletivo ou subsidiário, contados do
dia em que terminar o do Ministério Público.
Denegado seguimento ao recurso em sentido estrito, caberá carta tes-
temunhável (art. 639 do CPP).
A interposição do RESE será dirigida e recebida pelo juiz que prolatou
a decisão, no prazo de 5 dias, contados da intimação (art. 586, caput, do
Cap. 11 . Dos Recursos 291

CPP). As razões terão prazo de 2 dias e serão dirigidas ao juízo ad quem ,

porém, recebidas pelo juízo a quo, vez que cabe juízo de retratação. Após a
apresentação das razões, será aberta vista para a parte contrária apresentar
as contrarrazões, no prazo de 2 dias (art. 588 caput, do CPP), ficando os
,

autos conclusos ao juiz que em 2 dias reformará ou sustentará sua decisão


,

(art. 589, caput, do CPP).


Se o juiz mantiver sua decisão, o recurso subirá para o Tribunal com-
petente, no prazo de 5 dias.
Se o juiz reformar a decisão, o recorrido poderá quando cabível, interpor
,

novo recurso por simples petição pedindo para que as contrarrazões ofereci-
,

das sirvam como razões recursais, e como contrarrazões as razões oferecidas


pelo então recorrente. Nesse caso, o juiz não pode se retratar novamente,
devendo remeter os autos ao Tribunal (art. 589 parágrafo único, do CPP).
,

Além das hipóteses do art. 581 o Código de Trânsito Brasileiro,


,

em seu art. 294, faz previsão de que havendo necessidade para


garantia da ordem pública, em qualquerfase da persecução, o juiz
pode, deofício, a requerimentodoMinistério Público ou represen-
tação da autoridade policial, decretar a suspensão da permissão
ou habilitação para dirigir veículo automotor. O parágrafo único
fez previsão de que, da decisão que decreta suspensão ou medida
cautelar, ou que indefere recurso do Ministério Público cabe RESE.
,

/1.2.2 Apelação (arts. 593 a 603 do CPP)


É o recurso adequado para a impugnação (a) das sentenças de condena-
ção ou absolvição proferidas por juiz singular (art. 593,1, do CPP), (b) das
decisões definitivas ou com força de definitivas proferidas por juiz singular
,

nos casos em que não haja previsão legal de recurso em sentido estrito (ape-
lação residual: art. 593 II, do CPP) e (c) das decisões do Tribunal do Júri
,

(art. 593,111, do CPP).

O art. 416 do CPP determina o cabimento de apelação contra as decisões


de impronúncia (art. 414 do CPP) e de absolvição sumária proferidas ao final
,

da primeira fase do procedimento especial do júri (art. 415 do CPP) .

É um recurso composto por duas peças:


292 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a) Interposição: feita por petição ou por termo nos autos, que será diri-
gida e recebida pelo juízo a quo, no prazo de 5 dias contados da data
da intimação da sentença ou de sua leitura (art. 593, caput, do CPP).
b) Razões: serão dirigidas ao juízo acl quem, no prazo de 8 dias (art.
600, caput, do CPP), embora recebidas pelo juízo a quo. O apelante
poderá, quando da interposição, requerer a apresentação das razões
diretamente na superior instância (art. 600, § 4.°, do CPP). Em caso
de contravenção penal que esteja sendo processada no juízo comum
(e não no JECrim), o prazo para a apresentação das razões será de 3
dias (art. 600, caput, infine, do CPP).
Em seguida, abre-se vista para a parte contrária oferecer contrarrazões, no
prazo de 8 dias (art. 600, caput, do CPP). Em caso de contravenção penal que
esteja sendo processada no juízo comum (e não no JECrim), o prazo para a
apresentação das contrarrazões será de 3 dias (art. 600, caput, infine, do CPP).
O juízo de admissibilidade será realizado no juízo a quo e no juízo adquem.
A apelação poderá ser julgada deserta quando faltar de preparo do recurso,
em caso de ação penal privada (art. 806, § 2. do CPP). °
,

Da denegação do recurso de apelação (negativa da admissibilidade no


juízo a quo), caberá recurso em sentido estrito (art. 581, XV, do CPP).
Admitida a apelação pelo juízo a quo, não se cogita de juízo de retratação,
pois o juiz de primeiro grau encerrou a sua atividade jurisdicional, cabendo
o reexame da decisão apenas ao juízo ad quem.
Tratando-se de recurso exclusivo da defesa, fica vedada a agravação da
sua situação, ou seja, incide a proibição da rejormatio in pejus direta (art. 617
do CPP) ou indireta.

A apelação da defesa devolve toda a matéria da decisão ao Tribunal, mes-


mo que não suscitada em razões, em decorrência do princípio da ampla defesa.
Em caso de ação penal pública, admite-se a interposição de apelação
supletiva ou subsidiária, pelo ofendido ou seus sucessores (art. 31 do CPP),
quando o Ministério Público não interpuser recurso no prazo legal (art. 584,
§ 1.°, c.c. o art. 598, ambos do CPP). Em tal situação, o art. 598, parágrafo
único do CPP, estabelece o prazo de 15 dias para a interposição do recurso
,

supletivo ou subsidiário, contados do dia em que terminar o do Ministério


Público.

Apelação no JECrim: cabimento contra: (íi) rejeição da denúncia ou


queixa; (b) sentença de condenação ou absolvição proferida no procedimento
Cap. 11 . Dos Recursos 293

sumaríssimo; e (c) homologação da transação penal. Interposição, juntamente


com as razões, em dez dias (art. 82 da Lei 9.099/1995). Contrarrazões em
igual prazo. O julgamento compete à Turma recursal.

11.2.3 Embargos infringentes e de nulidade (art. 609, parágrafo único,


do CPP)

São cabíveis contra as decisões não unânimes (no todo ou em parte), des-
favoráveis ao acusado °
proferidas por Tribunal de 2. grau no julgamento dos
,

recursos de apelação recurso em sentido estrito e agravo em execução penal.


,

a) embargos infringentes: quando a divergência versar sobre questões


de mérito ,
visando modificar a decisão recorrida;
b) embargos de nulidade: quando a divergência versar sobre nulidade ,

visando invalidar ou tornar sem efeito a decisão recorrida.

Os embargos deverão se referir somente à matéria objeto de divergência ,

desfavorável ao acusado (devolução limitada). São dirigidos ao relator do


acórdão embargado no prazo de 10 dias, contados da publicação do acórdão,
,

sendo desnecessária a intimação pessoal. Na falta de disposição expressa ,

entende-se que o prazo para resposta é o mesmo.


É um recurso privativo da defesa.
Opostos os embargos será feito o juízo de admissibilidade e, se for ne-
,

gativo, caberá agravo regimental.

/1.2.4 Embargos de declaração (arts. 6/9 e 620 do CPP)


Os embargos de declaração podem ser opostos contra acórdão que con-
tenha ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
Contra sentença o art. 382 do CPP prevê a mesma possibilidade, embora
,

não dê o nome de embargos de declaração (os denominados embarguinhos


" "

para a doutrina).
Os embargos poderão ser opostos por petição contendo os pontos em
que a decisão impugnada seria ambígua, obscura, contraditória ou omissa,
não implicando a modificação do julgado em geral. ,

Os embargos serão dirigidos ao relator em caso de acórdão, ou ao juiz


,

prolator da decisão, em caso de sentença, no prazo de 2 dias (arts. 619 e 382


do CPP).
294 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

O prazo dos embargos, no caso da Lei 9.099/1995 (JECrim), será de 5


dias, contados da ciência da decisão (art. 83, § 1.°).
Opostos os embargos de declaração, fica interrompido o prazo para a
interposição de outros recursos por qualquer das partes (devolução integral
,

do prazo recursal). Trata-se de aplicação, por analogia, do art. 538 do CPC,


°
ante a omissão do CPP a respeito (art. 3. do CPP).

áUtíÚUi
No JECrim, a oposição de embargos de declaração contra sen-
tença apenas suspende (devolução pelo restante) o prazo para a attsetWÇ®#
interposição de outro recurso (art. 83, § 2.°, da Lei 9.099/1995).

É recurso comum para as partes, podendo ser opostos tanto pela defesa
quanto pela acusação.
Atualmente há jurisprudência no sentido da necessidade de utilização
,

dos embargos de declaração com o objetivo de prequestionamento, prepa-


ratórios para a interposição dos recursos especial e extraordinário. Assim,
os embargos são interpostos para obrigar o exame da matéria pelo Tribunal,
destacando qual ponto será objeto dos referidos recursos.

11.2.5 Carta testemunhável (arts. 639 a 646 do CPP)

A carta testemunhável é o recurso adequado para impugnar a decisão do


juízo a quo que não recebe a interposição (art. 639,1, do CPP) ou nega segui-
mento (art. 639, II, do CPP) ao recurso em sentido estrito ou ao agravo em
execução penal. Tem por finalidade evitar que o juízo a quo impeça o acesso
do recorrente ao Tribunal (juízo ad quem).
Deve ser requerida ao escrivão, no prazo de 48 horas, contado da ciência
da decisão que denegou o recurso, com a indicação das peças do processo a
serem trasladadas para a formação do instrumento (art. 640 do CPP).
Se o escrivão se recusar a dar o recibo ou deixar de entregar o instrumento,
o testemunhante poderá representar ao Tribunal, que determinará a extração
do instrumento pelo seu substituto. Se o testemunhante não for atendido,
poderá apresentar reclamação ao presidente do Tribunal ad quem, que avocará
os autos para julgamento da carta e imposição das sanções administrativas
pertinentes (art. 642 do CPP).
Cap. 11 . Dos Recursos 295

Extraído e autuado o instrumento, a carta assume o procedimento do


recurso em sentido estrito com a apresentação de razões e contrarrazões, no
,

prazo de 2 dias, seguidas de juízo de retratação (art. 643 do CPP).


O Tribunal ad quem, se conhecer a carta, mandará processar o recurso
denegado (art. 644 l.a parte, do CPP). Se a carta testemunhável estiver suficien-
,

temente instruída, poderá o Tribunal decidir de mentis (art. 644, 2.a parte, do
CPP), não necessitando determinar o processamento do recurso denegado. Na
instância superior, a carta seguirá o mesmo procedimento do recurso denegado.
É um recurso comum para as partes.
Contra a decisão que denegar (negativa da admissibilidade no juízo a
quo) o recurso de apelação, caberá recurso em sentido estrito (art. 581, XV,
do CPP).
Se for denegado (negativa da admissibilidade no Tribunal a quo) o recurso
extraordinário ou especial, será adequada a interposição do agravo previsto
no art. 28 da Lei 8.038/1990 (apesar de o dispositivo legal designar o agravo
"
como de instrumento" entende-se que a alteração promovida no art. 544
,

do CPC - Lei 12.322/2010 - repercute no processo penal de sorte que tal


,

recurso deve subir nos próprios autos), que deve ser interposto no prazo de
5 dias (Súmula 699 do STF), para o STF ou STJ, respectivamente.
Sendo denegado (negativa da admissibilidade no Tribunal a quo) o recur-
so ordinário constitucional (ROC), será adequada a interposição do agravo
previsto no art. 39 da Lei 8.038/1990, no prazo de 5 dias.

11.2.6 Correição pa reia I


É cabível de decisões que, por erro ou abuso do juiz (error in procedendo),
implicarem inversão tumultuária do processo causando prejuízo à parte. A
,

correição somente será admissível quando não houver previsão de cabimento


de recurso específico para impugnar a decisão.
Embora utilizada como recurso
não está prevista no Código de Processo
,

Penal e sim no Código Judiciário do Estado de São Paulo (arts. 93 a 96 do


Dec.-lei complementar 3/1969) ou na esfera da Justiça Federal, no art. 6.
,
°
,

I,
da Lei 5.010/1966.
Não há consensoem doutrina ou jurisprudência, quanto ao rito a ser
,

observado na correição. Prevalece que o procedimento seria o do recurso


em sentido estrito, embora haja entendimento de que seria o do agravo de
instrumento do processo civil.
296 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Assim, considerando que o entendimento não é pacífico e que os proce-


dimentos são diversos, é prudente que a interposição ocorra até o 5.° dia da
intimação (prazo menor do RESE).
É um recurso comum para as partes.

11.2.7 Recurso ordinário constitucional

Na seara penal o recurso ordinário normalmente é empregado para a im-


,

pugnação das decisões denegatórias de habeas corpus, proferidas por Tribunal.


Está previsto nos arts. 102, II, e 105, II, ambos da Constituição Federal,
e o seu procedimento é regido pela Lei 8.038/1990.
Será j ulgado pelo Superior Tribunal de Justiça quando o habeas corpus for
denegado em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais
,

ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (art. 105, II, a,
da CF/1988). Será julgado pelo Supremo Tribunal Federal quando o habeas
corpus for denegado, em única instância, pelos Tribunais Superiores (Superior
Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar ou Tribunal Superior Eleitoral)
(art. 102, II, a, da CF/1988).
O ROC deverá ser interposto por meio de petição dirigida ao Presidente
do Tribunal que denegou a ordem de habeas corpus, acompanhado das razões,
no prazo de 5 dias da intimação da decisão pela imprensa oficial (art. 30 da
Lei 8.038/1990). Contra a decisão que não admite a interposição do recurso
ordinário, cabe agravo inominado (art. 39 da Lei 8.038/1990).
Somente cabe das decisões denegatórias de habeas corpus (das concessi-
vas, poderá o Ministério Público interpor recurso extraordinário e o especial,
se for o caso).
O recurso ordinário ainda pode ser interposto contra a decisão denega-
tória de mandado de segurança, proferida em única instância pelos Tribunais
Superiores (art. 102, II, a, da CF/1988) ou pelos Tribunais Regionais Federais
e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal (art. 105, II, b, da
CF/1988). O ROC, na primeira hipótese, será julgado pelo STF e, nas duas
" "
últimas pelo STJ (vide mandado de segurança no capítulo das ações autó-
,

nomas de impugnação).
A sentença que julga crimes políticos (competência da Justiça Comum
Federal: art. 109, IV, da CF) igualmente admite recurso ordinário para o STF
(art. 102, II, b, da CF).
Cap. 11 . Dos Recursos 297

11.2.8 Recurso especial


O recurso especial é de competência do Superior Tribunal de Justiça ,

tendo sido ambos criados pela Constituição Federal de 1988 .

Está previsto no art. 105 III, da Constituição Federal, sendo seu proce-
,

dimento disciplinado pela Lei 8.038/1990 .

Caberá recurso especial nas causas decididas em única ou última ins- ,

tância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais de Justiça dos


,

Estados e do Distrito Federal quando: ,

a) a decisão contrariar tratado ou lei federal


ou ainda negar-lhes vigência;
,

b) a decisão julgar válido ato de governo local contestado em face de lei


federal;

c) a decisão que der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja
atribuído outro Tribunal.
Funda-se , portanto, em matéria federal.
São pressupostos:
a) A decisão recorrida deverá ter sido necessariamente proferida por
Tribunal não se admitindo contra decisão de juiz de 1 ,a instância. Por
,

isso, não se admite a interposição de recurso especial contra decisão


emanada de Turma Recursal de Juizado Especial Criminal .
A esse
respeito o STJ editou a Súmula 203, que enuncia:
,

"

Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de


segundo grau dos Juizados Especiais."
O STJ, contudo admite reclamação para a impugnação de decisões
,

dos juizados especiais que contrariam a jurisprudência consolidada no STJ


(Resolução 12/2009).
b) A parte deverá ter esgotado os recursos ordinários .

c) A matéria deverá ter sido prequestionada ou seja, examinada pelo,

Tribunal de origem.
d) Somente será admissível o recurso especial se o seu fundamento for
matéria de direito.

e) Deverá tal recurso ser interposto com as razões indicando expres- ,

samente o dispositivo legal federal violado exigindo-se, assim, uma ,

regularidade procedimental rígida .

0 O prazo para interposição é de 15 dias, tendo o recorrido 15 dias para


responder (arts. 26 caput, e 27, caput, ambos da Lei 8.038/1990).
,
298 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

Trata-se de recurso comum para as partes. O recurso é interposto


perante o Presidente do Tribunal a quo, que fará o juízo prévio de
admissibilidade. Se o juízo for negativo, cabe agravo de instrumento
(art. 28 da Lei 8.038/1990).

11.2.9 Recurso extraordinário

Está previsto no art. 102, III, da CF/1988, sendo seu procedimento dis-
ciplinado pela Lei 8.038/1990.
É de competência do STF.
Caberá recurso extraordinário das decisões, de última ou única instân-
cia, que
a) contrariarem dispositivo da Constituição Federal,
b) declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal,
c) julgarem válida lei ou ato de governo local contestado em face da
Constituição Federal ou
d) julgarem válida lei local contestada em face de lei federal.
Os pressupostos para o Recurso Extraordinário são bastante semelhan-
tes aos do recurso especial, ou seja: deverão ser esgotados todos os recursos
ordinários, deverá haver prequestionamento, o fundamento deverá ser ex-
clusivamente matéria de direito, será rigorosa a exigência da regularidade
procedimental.
As grandes diferenças são:
a) Para o curso extraordinário, não é necessário que a decisão recorrida
venha de tribunal (TRF ou TJ), bastando que seja única ou última
instância (o que permite a utilização de tal recurso contra decisões das
Turmas recursais de Juizado Especial Criminal, sendo que a Súmula
640 do STF enuncia:

É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz


"

de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado


"

especial cível e criminal ) .

b) É necessária, com a redação do art. 102, § 3.°, da CF/1988, que o


recorrente demonstre a repercussão geral da questão constitucional
discutida no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine
a admissão do recurso. No exame desse requisito, a recusa terá que
se calcar no voto de dois terços de seus membros.
Cap. 11 . Dos Recursos 299

A Lei 11.418 de 19 de dezembro de 2006, regulamentou a apreciação


,

do requisito da repercussão geral contido no art. 102, § 3.°, da CF/1988, nos


,

seguintes termos:
"Art. 1.° Esta Lei acrescenta os arts. 543-A e 543-B à Lei 5 869,
. de 11
de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil a fim de regulamentar o §
,

3 do art. 102 da Constituição Federal.


.
°

de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo


Art. 2.° A Lei 5.869 ,

Civil, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 543-A e 543-B:


Art. 543-A. O SupremoTribunal Federal em decisão irrecorrível, não
,

conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional


,

nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo .

§ 1.° Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou


não, de questões relevantes do ponto de vista económico político, social
,

ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa .

§ 2.° O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso,


para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da
repercussão geral.
§3.° Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão
contrária a súmula ou jurisprudência dominante doTribunal.
§4.° Se aTurma decidir pela existência da repercussão geral por, no mí-
nimo, 4 (quatro) votos ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
,

§ 5.° Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para


todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminar-
mente, salvo revisão da tese tudo nos termos do Regimento Interno do
,

SupremoTribunal Federal.
§ 6.° O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a ma-
nifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado nos termos
,

do Regimento Interno do SupremoTribunal Federal.


§ 7.° A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata,
que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.
Art. 543-B. Quando houver multiplicidadede recursos com fundamen-
to em idêntica controvérsia, a anál ise da repercussão geral será processada
nos termos do Regimento InternodoSupremoTribunal Federal observado ,

o disposto neste artigo.


§ 1.° Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos
representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal
Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2.° Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados
considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
300 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

§3."Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados


serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas
Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4.° Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo
Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar,
liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5.° O Regimento Interno do SupremoTribunal Federal disporá sobre
as atribuições dos Ministros, dasTurmas e de outros órgãos, na análise da
repercussão geral.
Art. 3.°Caberá ao SupremoTribunal Federal, em seu Regimento Interno,
estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei.
Art. 4.°Aplica-se esta Lei aos recursos interpostos a partir do primeiro
dia de sua vigência.
Art. 5.° Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua
"
publicação.

O prazo para interposição é de 15 dias, tendo o recorrido 15 dias para


responder (arts. 26, caput, e 27, caput, ambos da Lei 8.038/1990). Trata-se de
recurso comum para as partes. O recurso é interposto perante o Presidente
do Tribunal a quo, que fará o juízo prévio de admissibilidade. Se o juízo for
negativo cabe agravo de instrumento (art. 28 da Lei 8.038/1990).
,

7 7.2.10 Agravo contra decisão de inadmissibilidade dos recursos


especial e extraordinário
Cabimento contra a decisão do Presidente do Tribunal a quo que não
admite a interposição dos recursos especial ou extraordinário.
A previsão desse agravo, no processo penal, encontra-se no art. 28 da Lei
8.
038/1990. Apesar de o aludido dispositivo legal designar o agravo como
de "instrumento", entende-se que a alteração promovida no art. 544 do CPC
(com a redação dada pela Lei 12.322/10) repercute no processo penal, de sorte
que tal recurso deve subir nos próprios autos (e não mais por instrumento).
Interposição, juntamente com as razões, em 5 dias (art. 28 da Lei
8 .
038/1990). A Súmula 699 do STF corrobora que:
"O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco
dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a
"

respeito nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil .

O Presidente do Tribunal recorrido não pode deixar de encaminhar o


agravo ao Tribunal ad quem (Súmula 727 do STF), sob pena de cabimento
Cap. 11 . Dos Recursos 301

de reclamação constitucional por usurpação de competência (arts. 102,1, l,


e 105,1,/, da CF/1988).

11.2.11 Agravo em execução


É o recurso previsto no art. 197 da Lei 7.210/1984 (LEP), cabível das
decisões proferidas pelo juiz da Vara das Execuções Criminais.
Segue o mesmo procedimento do RESE.
A interposição será dirigida e recebida pelo juiz que prolatou a decisão.
As razões serão dirigidas ao juízo ad quem, porém recebidas pelo juízo a quo,
uma vez que cabe juízo de retratação. O prazo é de 5 dias para interpor e de
2 para apresentação de razões e contrarrazões.
A adoção do procedimento do recurso em sentido estrito , para o agravo
em execução penal foi corroborada pelo enunciado da Súmula 700 do STF,
segundo a qual:
"

É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão


do Juiz da Execução Penal".
Sendo mantida a decisão, o juiz determinará a remessa dos autos ao
Tribunal competente para decisão.
O procedimento na instância superior será o mesmo do RESE.
É um recurso comum para as partes. Do despacho que nega seguimento
ao agravo caberá carta testemunhável (art. 639 do CPP).

/1.2.12 Agravo regimental


Caberá agravo regimental contra despacho do Presidente do Tribunal,
Turma ou ainda de Relatorno prazo de 5 dias.
,

O procedimento está previsto nos Regimentos Internos dos Tribunais e


é variável de regimento para regimento.
A interposição, contendo as razões do pedido, será dirigida ao prolator
do despacho impugnado, que poderá reconsiderar o despacho ou submetê-
-

lo à decisão do órgão competente para julgar o feito em que se proferiu o


despacho recorrido.
Ações Impugnativas

Embora figurem no Código de Processo Penal em capítulo referente a


revisão criminal e habeas corpus são, conforme compreensão fran-
recursos,

camente predominante na doutrina, ações impugnativas, motivo que nos


levou a destacar capítulo em separado ao tema.

12.1 REVISÃO CRIMINAL (ARTS. 621 A 631 DO CPP)


É a ação de competência originária dos Tribunais que tem por finalidade
,

a desconstituição de sentença ou acórdão condenatório transitado em julgado,


no que for desfavorável ao acusado desde que (art. 621 do CPP):
,

a) proferidas de forma contrária à lei ou à evidência dos autos (inc. I);


b) baseadas em provas falsas (inc. II);
c) surgirem novas provas (inc. III).
Apenas com tais fundamentos é possível a propositura de revisão cri-
minal. Fora de tais limites, a revisão deve ser rejeitada por impossibilidade
jurídica da causa de pedir (Grinover).
O que significa dizer que a decisão foi proferida de forma contrária à
lei (art. 621,1 primeira parte, do CPP)? Diz-se que a decisão contraria a lei
,

quando se choca frontalmente com o texto legal, não se permitindo a revisão


criminal quando há julgados conflitantes sobre o tema e a condenação se
baseia em entendimento razoável. E se houve alteração na compreensão de
determinado dispositivo de lei? Duas posições: a) não é possível a revisão
criminal, pois o julgamento foi proferido com base em entendimento razoável
na época de sua prolação; b) é possível revisão criminal (Pacelli) pois a nova
,

compreensão da lei equivale, politicamente, à nova edição de lei, e por isso


deve ser aplicado analogicamente o princípio da retroatividade da lex mitior.
Quando podemos afirmar que a decisão foi contrária à evidência dos
autos (art. 621,1, segunda parte, do CPP)? Dois entendimentos:
304 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller
, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

a) Apenas quando a sentença não se apóia em praticamente prova alguma


e ignora provas no sentido contrário à condenação divorciando-se ,

plenamente do conjunto probatório;


b) Basta que haja dúvida sobre a culpa, ou seja, em homenagem ao prin-
cípio do in dúbio pro reo, se na apreciação da prova o Tribunal verificar
que a condenação se baseia em provas que, embora existam, não são
suficientes a esclarecer toda a dúvida sobre a culpa a decisão deve ,

ser reformada e o requerente absolvido.


Diz-se que a condenação se baseou em prova falsa (art. 621 II, do CPP) ,

quando possível demonstrar que depoimentos, documentos ou exames que


serviram de fundamento para a sentença condenatória são falsos. É preciso
que a prova comprovadamente falsa tenha realmente influído no ânimo do
julgador. Se era a única prova para o convencimento, a decisão deverá ser re-
formada. Se fazia parte de um conjunto deve ser feita avaliação pelo Tribunal
,

se, mesmo sem tal prova, a sentença merece persistir ou se, surgindo dúvida
sobre a culpa deve ser reformada.
,

Prova nova (art. 621 III, do CPP) é toda aquela trazida aos autos sobre
,

fato que foi ou não alegado no curso do processo de conhecimento capaz ,

de influir no ânimo dos julgadores de forma a ensejar a reforma da decisão ,

quer para absolver, quer para diminuir a pena imposta. A prova nova é nor-
malmente trazida aos autos pela justificação criminal. E o que é justificação
criminal? É a produção antecipada de prova na seara criminal, quer permite
a produção de prova preparatória mediante o contraditório, que culmina
,

com a homologação da prova pelo juiz. Controverso se a competência para


a apreciação da justificação criminal é do juiz que proferiu a sentença de 1.°
grau ou se deve ser livremente distribuída (Grinover).
A revisão criminal possibilita a absolvição do réu anulação do processo,
,

simples modificação da pena ou alteração da classificação do delito (art. 626 ,

caput, do CPP).
A revisão criminal visa a desconstituir a decisão condenatória definitiva
(juízo rescindendo) e substituí-la por outra (juízo rescisório). O trânsito em
julgado deve ser demonstrado mediante certidão, conforme o art. 625, § 1.°,
do CPP. No caso de revisão que anula a decisão, há apenas juízo rescindendo ,

pois a decisão será novamente prolatada pelo juízo que, originalmente, julgava
a causa. Pela letra do art. 621 CPP, é cabível apenas contra decisão conde-
natória prevalecendo ser inviável revisão criminal para alterar fundamento
,

de absolvição (art. 386 do CPP), ou para reformar decisão que extinguiu a


punibilidade, buscando sentença absolutória. Por impor sanção, considera-se
Cap. 12 . Ações Impugnativas 305

possível a propositura de revisão criminal contra decisão absolutória impró-


pria (aquela que absolve o inimputável que praticou fato típico e antijurídico,
impondo no entanto, medida de segurança).
,

Embora enquadrada no capítulo dos recursos a doutrina é pacífica ,

quanto à sua natureza, sendo considerada ação que busca rescindir a decisão
transitada em julgado. É cabível a qualquer tempo, até mesmo após a extin-
ção da pena (art. 622 do CPP) e a morte do réu (art. 623 do CPP). O pedido
pode ser reiterado sempre que houver prova nova, o que, como esclarece
Grinover, permite concluir que: a) se alterado um dos elementos da ação
(partes, pedido e causa de pedir), será sempre possível propor nova revisão
criminal; b) ainda que os elementos sejam os mesmos, se houver prova nova,
será possível propor nova revisão criminal.
Poderá ser proposta pelo réu garantindo a ampla defesa, ou por seu
,

advogado, ou ainda pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, no


caso de morte do réu (art. 623 do CPP). Prevalece que o Ministério Público
também pode propor revisão criminal em favor do acusado até porque nem ,

Estado nem sociedade tem interesse na manutenção de injustas condenações.


No caso de ação proposta diretamente pelo acusado prevalece que deve ser
,

" "

nomeado advogado para a elaboração das razões da impugnação, pois só


assim será realmente aperfeiçoada a ampla defesa com a autodefesa somada
,

à autodefesa. Se o condenado morre durante o processo, deve ser nomeado


curador em sua defesa (art. 631 do CPP).
No pedido revisional, a absolvição restabelecerá todos os direitos perdi-
dos pelo acusado em virtude da condenação (art. 627 do CPP).
Prevalece que para levar ao conhecimento do Tribunal a prova nova
,

ou prova falsa, deve o peticionário promover produção antecipada de prova


(justificação criminal), uma vez que a revisão criminal não comporta, para a
maioria dos autores, dilação probatória Por isso, a prova deve ser pré-cons-
tituída, ou seja, a produção de prova testemunhal e pericial deve ocorrer na
justificação preparatória, para depois instruir a petição da revisão criminal.
Se a prova for desde logo apenas documental, desnecessária a justificação.
Em tese, deveriam ser providenciadas cópias dos autos em todos os
trechos relevantes ao pedido mas, na prática, o pedido revisional costuma
,

ser apensado aos autos principais (o que é determinado pelo art. 625, § 2 0
,

do CPP, salvo se houver prejuízo para a execução da sentença o que torna ,

tal diligência dispensável).


A competência é sempre dos Tribunais e jamais de juízo de 1 ,a instância.
Se a decisão atacada é de primeiro ou 2.° grau, será competente para a revisão
306 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

o Tribunal que foi ou seria competente para julgar o recurso de apelação. Se


a matéria chegou ao Superior Tribunal de Justiça, e a questão levantada foi
apreciada por esse Tribunal, a competência é do STJ. Se o julgamento chegou
ao Supremo Tribunal Federal, e a questão que baseia a revisão foi apreciada
por esse Tribunal, a competência é do STF
Conforme jurisprudência predominante (STJ), em caso de decisão
emanada do Juizado Especial Criminal, a revisão criminal compete à Turma
recursal respectiva (e não ao TJ ou TRF).
Do indeferimento liminar do relator (decisão monocrática) cabe o recur-
°
so inominado do art. 625, § 3. do CPP, que, no entender de Grinover, nada
,

mais é do que um agravo, normalmente previsto no regimento dos Tribunais.


O julgamento da revisão pode resultar em decisão extra ou ultra petita ,

uma vez que sempre a favor do condenado e na defesa do direito constitucio-


nal de liberdade. Assim é possível que o pedido de redução da pena redunde
,

em absolvição do requerente, sendo descabida qualquer censura à técnica


da decisão.

Flouve grande controvérsia sobre a possibilidade de revisão criminal


contra decisão proferida pelo Tribunal do Júri, uma vez que, a princípio, a
rescisão poderia afrontar a soberania dos veredictos. Defendeu-se então, ,

que a revisão criminal poderia, no máximo, anular o julgamento e submeter


o requerente a novo júri. Tal posição se encontra ultrapassada. Atualmente,
é praticamente pacífica a possibilidade de em revisão criminal, reformar a
,

decisão condenatória transitada em julgado do Tribunal do Júri até mesmo ,

para absolver o requerente, diretamente pelo Tribunal de Justiça ou outro


competente, sem necessidade de novo julgamento em plenário. Mas tal en-
tendimento não afronta a soberania dos veredictos? Até afronta mas não há ,

problema. É que a soberania dos veredictos é garantia individual, bem como


a liberdade, e se a soberania existe para garantir direitos ao acusado não pode ,

ser compreendida de forma a prejudicá-lo, prejudicando a revisão que tem


como objetivo o restabelecimento total ou parcial da liberdade/dignidade do
indivíduo. A soberania permanece assim, para fixar a pena máxima (Pacelli).
,

Para Grinover, em casos excepcionais, é possível que, com base no poder


geral de cautela, e em analogia ao art. 273 do CPC, o julgador venha a suspen-
der liminarmente os efeitos da condenação, atribuindo à Revisão Criminal
um excepcional efeito suspensivo vez que, em regra, ela não tem tal efeito.
,

Caberá indenização, tratando-se de erro judiciário ou injustiça da decisão


(art. 5.°, LXXV, da CF), desde que não tenham sido causados exclusivamente
Cap. 12 . Ações Impugnativas 307

por dolo ou culpa do próprio requerente (art. 630, § 2. a, do CPP). Pela


°
,

letra da lei ,
seria incabível também a indenização se a acusação tiver sido
meramente privada (art. 630, § 2 b, do CPP), devendo, neste caso, o pedi-
0

do voltar-se contra o querelante, mas, atualmente, entende-se que, como o


Estado (jurisdição) é quem aceita a ação proposta e erradamente condena o
querelado, deve o Estado responder pelo seu erro. O pedido de indenização
deve vir expresso na revisão (art. 630, caput, do CPP), mas nada impede que
o condenado o peça em ação própria, posteriormente, na seara cível.
A decisão na revisão criminal não pode piorar a situação do condenado,
quer direta, quer indiretamente (art. 626, parágrafo único, do CPP). Assim,
o acórdão na revisão criminal não pode fixar pena maior que a atacada, ou
impor qualquer alteração prejudicial. Mesmo no caso de anulação do julgado,
a nova decisão não poderá, para a doutrina majoritária, ser mais gravosa que
a anulada, pelo princípio da non reformado in pejus indireta (Pacelli).
A revisão criminal é privativa da defesa (pro reo; nunca pro societate),
tanto que só é cabível da decisão definitiva condenatória. Outro entendimento
redundaria na possibilidade de o indivíduo ser julgado duas vezes pelo mesmo
fato o que é vedado até mesmo pela Convenção Americana sobre Direitos
,

Humanos (art. 8.°, n. 4).

12.2 HABEAS CORPUS (ARTS. 647 A 667 DO CPP, E ART. 5.°, LXVIII,
DA CF)

Nasce com formato próximo ao atual na Magna Carta dejoão sem Terra,
em 1215, consagrando-se no Habeas Corpus Act de 1679. No Brasil, surge
expressamente no Código de Processo Criminal de 1832.
°
Hoje a Constituição Federal, em seu art. 5. LXVIII prevê que conceder-
, ,

se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso
de poder.
Trata-se de instrumento jurídico que visa à correção de abuso do poder
que compromete a liberdade de locomoção, de ir e vir do paciente. Não se
trata de recurso, embora elencado em tal capítulo, e sim de ação impugnativa
autónoma.

Pode ter índole declaratória (extinção da punibilidade), constitutiva


(desconstituir condenação transitada em julgado) e até mesmo carga con-
denatória, no caso de condenação ao pagamento de custas da autoridade que
308 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. junqueira e Angela C. C. Machado

tenha , por evidente abuso de poder ou má-fé, determinado a coação, como


lembra Feitoza.
Tem natureza mandamental , pois não precisa ser submetida a novo
processo de execução.
Não caberá habeas corpus em casos de punição disciplinar militar (art .

142, § 2.°, da CF), salvo para sanar ilegalidade por vícios formais Também .

não será cabível ainda que se trate de vício formal, quando não houver ame-
,

aça à liberdade de locomoção em face da natureza da medida sancionatória


,

aplicada, como perda de patente. Nesse sentido a súmula 694 do STF: Não
"

cabe habeas corpus contra a imposição de pena de exclusão de militar ou de


"

perda de patente ou de função pública .

Como o habeas corpus consiste em ação preordenada a tutelar o direito


de liberdade ambulatória (liberdade de ir vir ou permanecer), não se admite
,

sua impetração quando não se vislumbrar sequer a possibilidade de afetação


da liberdade de locomoção.
Por esse motivo , o Supremo Tribunal Federal, em sua Súmula 693,
"

enuncia que: Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória à pena
de multa , ou relativo à processo em curso por infração penal a que a pena
"

pecuniária seja a única cominada .

Outrossim, a Súmula 695 enuncia que: "Não cabe habeas corpus quando
já extinta a pena privativa de liberdade".
Prevalece também na jurisprudência que não cabe habeas corpus em
favor de pessoa jurídica eis que não estará em risco o direito de liberdade
,

(STJ,HC 92.921/2008).
Pela sua natureza célere, não é possível exame aprofundado de prova ou ,

seja, a inicial deve ser instruída com toda prova necessária para a demonstração
das razões expendidas, e os argumentos devem versar primordialmente sobre
matéria de direito, ou excepcionalmente, no caso de relação com questão
,

probatória, a ilegalidade praticada deve ser teratológica, evidente, sob pena


de inadequação da via escolhida. É claro que o órgão judiciário competente
para julgamento pode determinar a produção de determinada prova, de ofício
e até mesmo a requerimento do interessado se entender excepcionalmente ,

pertinente e necessário, embora seja bastante raro tal proceder.


São duas as hipóteses de cabimento do habeas corpus: (a) quando alguém
estiver sofrendo violência ou coação ilegal em sua liberdade de locomoção. Este
é o habeas corpus liberatório ou repressivo visando à expedição do alvará de,

soltura contramandado de prisão etc; (b) quando alguém se achar ameaçado


,
Cap. 12 . Ações Impugnativas 309

de sofrer violência ou coação ilegal em sua liberdade de locomoção. Este é


°
o habeas corpus preventivo, visando obter o salvo-conduto (art. 660, § 4. ,

do CPP).
A coação é considerada ilegal, pela letra do art. 648 do CPP, quando:
I Não houver justa causa: Trata-se aqui tanto de respaldo legal ou pro-
.

batório para a prática de determinado ato coativo em desfavor do


indivíduo como da aceitação, pelo juiz, de ação penal inviável, quer
porque sem respaldo na lei, quer porque sem qualquer lastro indiciário
que legitime o início do processo. No caso de investigação ou ação
penal iniciada sem justa causa, é possível o trancamento de ambos,
via habeas corpus.
II. Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei:
Em face do princípio da legalidade, apenas com previsão legal, e nos
limites de tal previsão, é possível a privação da liberdade individual.
Fora de tais limites, há coação ilegal, sanável pela via do habeas corpus.
Dentre os inúmeros exemplos possíveis, vale acentuar o excesso de
prazo na conclusão do inquérito policial, ou mesmo para o término
da instrução processual, como ressalta Mirabete.
III. Quando quem ordenar a coação não tiver competência para jazê-lo:
salvo em raríssimos casos (vide prisão e liberdade), apenas a ordem
de juiz competente, fundamentada, é que pode resultar em privação
da liberdade. Nunca é demais lembrar que, pela letra da Consti-
tuição Federal, "ninguém será processado nem sentenciado senão
"

pela autoridade competente (art. 5.°, LIII), e "ninguém será preso


senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente... (art. 5.°, LXI). Se a autoridade
"

que determinou a coação não tinha competência para tanto, ou seja,


extrapolou os limites de seu poder, o vício pode ser reconhecido e
sanado pela via do habeas corpus. Nucci exemplifica com a hipótese
de juiz de vara cível determinando prisão preventiva de réu proces-
sado perante vara criminal.
IV. Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação: mais uma
vez, com base na legalidade, apenas em casos restritos e dispostos
em lei é que pode ser cerceada a liberdade individual. Se o motivo
que autorizou a coação já cessou, qualquer ato que venha a ferir
a liberdade individual pode ser sanado pela via do habeas corpus.
Se o sujeito foi preso preventivamente para assegurar a instrução
criminal, finda essa fase, a prisão deve ser revogada (art. 316 do
310 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

CPP), a menos que surjam novos motivos que alicercem a custódia


(o exemplo é de Nucci).
V .
Quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a
lei a autoriza: a prisão anterior à sentença condenatória irrecorrível
é e deve ser excepcional. Se a lei autoriza a fiança que é espécie de ,

liberdade provisória esta deve ser concedida, em prol da primazia


,

da liberdade e da excepcional legitimidade da prisão antes da certeza


da culpa. Aliás, é mandamento constitucional que "Ninguém será
levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade
,

"

provisória, com ou sem fiança (art. 5.°, LXVI). Em obediência à letra


constitucional, é possível defender que a compreensão do presente
inciso deve abranger também, a negativa de liberdade provisória sem
,

fiança nos casos em que a lei autoriza.


,

VI. Quando o processo for manifestamente nulo: o sistema de nulidades


tem como primordial função assegurar o cumprimento do devido
processo legal, que é interesse das partes e do Estado, através de
um sistema de sanções que tornam inválido o ato praticado sem
respeito aos ditames da lei (desde que haja prejuízo) bem como os ,

que dele forem derivados (princípio da causalidade/sequencialidade


dos atos processuais). Assim se houver nulidade (art. 564 do CPP),
,

a liberdade estará sendo ilegalmente atacada pelo que cabível o ,

habeas corpus.
VII. Quando extinta a punibilidade: se extinto o poder de punir do Es-
tado, deve ser imediatamente declarada extinta a punibilidade de ,

ofício, conforme reza o art. 61 do CPP. Se não for declarada deve ,

ser requerida pelas partes cabendo também habeas corpus para


,

que se encerre imediatamente a persecução, na fase em que estiver.

Quem são paciente, autoridade coatora e impetrante no habeas corpus?


Paciente é aquele que está sofrendo ou está na iminência de sofrer a coação
ilegal. Atualmente, é pacífico (Nucci) que o habeas corpus deve ser impetra-
do em favor de pessoa ou pessoas determinadas não sendo assim viável o ,

habeas corpus em favor dos moradores de um bairro por exemplo. Barcelos ,

de Souza acredita que, gradativamente passará a ser a aceito o habeas corpus


,

coletivo sugerindo inclusive a alteração da legislação para que haja expressa


,

permissão. Não se admite paciente pessoa jurídica (STJ, HC 92.921/2008).


Cap. 12 . Ações Impugnativas 311

Autoridade coatora: aquela que está praticando ou ameaça praticar a


coação ilegal. Prevalece que pode ser tanto autoridade pública quanto parti-
cular (libertar paciente detido em hospital). Lembra Feitoza que não se deve
confundir coator com detentor. Coator é o responsável pelo ato ou ameaça,
e detentor apenas mantém o paciente detido por ordem do coator.
Impetrante: aquele que impetra o habeas corpus, podendo ser qualquer
pessoa (art. 654, caput, do CPP), inclusive o próprio paciente, não se exigindo
do impetrante capacidade postulatória (não precisa ser advogado regularmen-
te inscrito nos quadros da OAB). No caso de impetração pelo advogado, não
é necessária a outorga de procuração, pois quando impetrante e paciente são
pessoas diversas, o impetrante atua como substituto processual, defendendo
em nome próprio o direito alheio. Pode assim ser impetrante o menor de 18
anos, o estrangeiro, o analfabeto (alguém deve assinar a seu rogo) e a pessoa
jurídica.
Outrossim, pode impetrar habeas corpus o membro do Ministério Pú-
blico, consoante dispõe o art. 654, caput, do Código de Processo Penal.
Incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica (art. 127, caput, da CF), deve ele
poder lançar mão deste instrumento constitucional no caso de se deparar
com um constrangimento ilegal ao direito de liberdade de quem quer que
seja, a fim de permitir que seja restabelecida a ordem jurídica e assegurado
o império da lei.
Por derradeiro, pode (deve) o juiz conceder ex officio ordem de habeas
corpus no caso de tomar conhecimento de constrangimento ilegal ao direito
de liberdade de outrem, restaurando-se assim a legalidade (art. 654, § 2.°,
do CPP).
Proposta a ação, será examinada a viabilidade de liminar pelo juiz ou
órgão do tribunal competente.
O remédio constitucional do habeas corpus será sempre dirigido à
autoridade jurisdicional hierarquicamente superior à autoridade coatora.
Contra o juiz de direito, a competência é do Tribunal de Justiça. Contra o
juiz federal, a competência é do Tribunal Regional Federal. Contra TJ e TRF,
é do STJ. Contra Tribunal Superior, como o STJ, vai para o STF Nesse caso,
há que se ressaltar que, pelo entendimento do próprio STF, expresso na Sú-
mula 691, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas
"

corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido


a tribunal superior, indefere a liminar Há ainda casos especiais, referentes
"
.

à competência para julgar HC em Tribunais Superiores, arrolados na Cons-


tituição, nos arts. 102 e 105.
312 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

No caso de ser impetrado habeas corpus contra decisão de Turma Recursal


dos Juizados Especiais criminais, entende o Supremo Tribunal Federal em ,

"

enunciado de sua Súmula 690, que: Compete originariamente ao Supremo


Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão da Turma
Recursal dejuizados Especiais Criminais".
A partir do julgamento do HC 86.834/SP, no entanto, o Supremo Tribunal
Federal sedimentou o entendimento de que a competência para a apreciação
de habeas corpus impetrado contra decisão proferida por Turma Recursal de
Juizado Especial Criminal não mais seria do STF, como enunciado na Súmula
690, mas sim dos Tribunais de Justiça dos Estados (ou dos Tribunais Regionais
Federais, no caso dajustiça Comum Federal).
Em igual sentido: STF, Plenário, rei. Min. Marco Aurélio j. 23.08.2006 ,

(Informativo STF 437, 21 a 25 de agosto de 2006). Em igual sentido: (a) STF,


l fT HC-AgR89.882/MG, rei. Min. Cármen Lúcia, j. 21.11.2006, D/07-12-
. .
,

2006; (b) STF 1 .f T., HC 86.026 QO/SP, rei. Min. Marco Aurélio, j. 26.09.2006
,

(Informativo STF 442, 25 a 29 de setembro de 2006); (c) STF, l.a T., HC-AgR
87.739/SP rei. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.09.2006, DJ 06.10.2006.
,

O procedimento do habeas corpus tem preferência sobre os demais de- ,

vendo ser apreciado com urgência. Não há prazo para impetração. Será sempre
°
gratuito, conforme letra do art. 5. LXXVII, da CF: "São gratuitas as ações
,

de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, todos os atos necessários


"
ao exercício da cidadania .

Recebida a petição, deve o órgão jurisdicional apreciar o cabimento de


liminar.

Após, o Tribunal requisita informações da autoridade coatora. Não há


°
previsão no art. 662 do CPP de que o juiz de 1. grau tenha também que re-
quisitar tais informações, mas tal proceder é usual.
O Ministério Público deve ser intimado a se manifestar no caso de
julgamento de habeas corpus perante os Tribunais. Em primeira instância,
não há participação do Ministério Público, que deve ser intimado apenas da
decisão, para que possa dele recorrer. Assistente de acusação não participa
de habeas corpus.
Para Feitoza o querelante deve ser intimado para participar como litis-
,

consorte no habeas corpus, vez que tem interesse na decisão.


Recursos: Da decisão que conceder o habeas corpus em l.a instância, ,

caberá RESE por parte da acusação (art. 581, X, do CPP) e ainda deverá o Juiz
recorrer de ofício para reexame do processo pelo tribunal conforme dispõe ,
Cap. 12 . Ações Impugnativas 313

o art. 574,1, cio CPP. Da decisão que negar o habeas corpus, em If instância,
caberá igualmente RESE para a defesa (art. 581, X, do CPP) ou habeas corpus
originariamente para o TJ ou TRE
Se o habeas corpus for denegado em 2.a instância (TJ ou TRF), caberá
ROC para o STJ (art. 105 II, a, da CF). Se o HC for originário de Tribunal
,

Superior, e denegado, caberá ROC para o STF (art. 102, II, a, da CF).

12.3 MANDADO DE SEGURANÇA

É uma ação autónoma de impugnação, regida pela Lei 12.016/2009, pre-


vista na Constituição (art. 5. LXIX), que visa à proteção de direito líquido e
°
,

certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, desde que haja ilega-
lidade ou abuso de autoridade. No caso de mandado de segurança na esfera
penal, há que se ressalvar que a possibilidade se restringe aos casos em que
não há sequer ameaça, nem indireta, à liberdade. De outra forma, o remédio
constitucional adequado será o habeas corpus. Assim, podemos afirmar que
o Mandado de Segurança é remédio constitucional subsidiário, na medida
em que apenas é aplicável quando não couber habeas corpus ou habeas data.
É necessário que haja violação de direito líquido e certo, ou ao menos
ameaça ou perigo de lesão. E o que é direito líquido e certo? É aquele que
pode ser demonstrado por prova pré-constituída, ou seja, aquele que não
necessita de dilação probatória para ser comprovado.
Só é cabível contra ato de autoridade ou agente público, ou seja, não é
possível impetrar o mandamus contra ato de particular.
Será sujeito ativo o titular do direto líquido e certo violado, que pode ser
pessoa física ou jurídica. O sujeito passivo é, sempre, o Estado, sendo que a
autoridade coatora é notificada para prestar informações, dando-se ciência
do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada,
para que, querendo, ingresse no feito (art. 7. I e II, da Lei 12.016/2009). No
°
,

entanto, no caso de mandado contra ato jurisdicional criminal, o interessado


na manutenção da decisão também deve ser cientificado, com oportunidade
para que postule pelo indeferimento da ação. A respeito, a Súmula 701 do STF
enuncia que, no mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público
"

contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu


"

como litisconsorte passivo .

Atualmente, é tranquilo o cabimento de Mandado de Segurança contra


decisão judicial. Será sempre cabível, sendo que a Súmula 267 do STF admite
tal proceder desde que contra a decisão atacada não caiba recurso ou correição
parcial. Mesmo cabendo recurso, o Mandado é muito utilizado quando há
314 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

necessidade de liminar ou para buscar efeito suspensivo contrariando, assim,,

a referida súmula. O art. 5.° II, da Lei 12.016/2009, impede o mandado de


,

segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.
A Súmula 268 do STF veda a impetração de mandado de segurança contra
decisão judicial com trânsito em julgado (art. 5.° III, da Lei 12.016/2009).
,

Ao elaborar o Mandado de Segurança deve-se partir dos requisitos do


,

art. 282 do CPC, atentando ainda às seguintes peculiaridades:


a) O pedido deve revelar de forma clara a ilegalidade ou o abuso de poder.
b) O valor da causa, quando o mandado é contra ato jurisdicional penal ,

é inestimável, mas deve ser expresso, sob pena de violação às deter-


minações do art. 282 do CPC.
c) É indispensável a capacidade postulatória.
d) Não deve ser postulada a produção de prova pois incompatível dilação
,

probatória com o rito sumário do Mandado de Segurança.


Qual o prazo para a propositura da ação? 120 dias, contados da ciência do
ato ilegal. O prazo é decadencial. Transcorrido o prazo, dar-se-á a preclusão,
fechando as portas do Mandado de Segurança (art. 23 da Lei 12.016/2009).
Competência:
a) autoridade policial: juiz de direito;
b) juiz de direito: tribunal estadual com competência recursal;
c) juiz federal: TRF;
d) ato de tribunal: no caso de órgão dos Tribunais Estaduais e Regionais
Federais, bem como do STJ, a competência é do pleno ou do órgão
especial desses tribunais, sendo que a ação deve ser endereçada ao
Presidente do Tribunal. No STF há posição (Alexandre de Moraes)
,

no sentido de que só cabe mandado de segurança contra ato do Pre-


sidente do Tribunal, e não das turmas.
e) juiz dos Juizados Especiais Criminais: controvertido, mas prevalece
ser da turma recursal: "

Compete a turma recursal processar e julgar o


mandado de segurança contra ato de juizado especial (Súmula 376
"

do STJ).
Procedimento: feito o pedido inicial, poderá ser concedida liminar
(art. 7.°, III, da Lei 12.016/2009), que pode ter fundamento antecipatório ou
cautelar. Antecipatório, quando desde logo gera os efeitos pretendidos na
ação, fundando-se no periculum in mora e na verossimilhança das alegações.
Cautelar, se além de se fundamentar no fumus boni iuris e no periculum in
mora, não antecipa os efeitos do provimento final, mas os acautela, assegu-
Cap. 12 . Ações Impugnativas 315

ra, quando há risco (periculum) de que, quando julgada a ação, não tenha
mais utilidade o provimento. Em regra, a liminar é concedida sem a oitiva
da "parte" contrária, mas pode ser concedida logo após. Pode ser revogada
ou revigorada até o julgamento final da ação, desde que o órgão judicial se
convença de que os requisitos passaram a estar ou não mais se encontram
°
presentes. Com o julgamento final, a liminar perde sua força (art. 7. § 3.°,
,

da Lei 12.016/2009).
O presidente do Tribunal (STJ, no caso de liminar concedida por tribunal
estadual ou regional federal, e STF, no caso de Tribunais Superiores) poderá
suspender o efeito da liminar, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à
"

segurança e à economia públicas (art. 15 da Lei 12.016/2009).


"

Notificação: é notificada a autoridade coatora para prestar informações


°
em 10 dias (art. 7. ,
I, da Lei 12.016/2009).
As informações são obrigatórias ou facultativas? Facultativas: com ou
sem elas o Mandado de Segurança será julgado. Não há necessidade de carta
precatória para que sejam colhidas informações, que são obtidas diretamente.
Litisconsorte passivo necessário: no âmbito criminal, quando impetrado
contra decisão judicial, é a parte que se beneficiou com a decisão judicial ora
contestada. Conforme Súmula 701 do STF, no mandado de segurança im-
"

petrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal,


é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo".
Participação do MP: sempre participa do Mandado de Segurança, em
1 ou 2.° grau. Tem prazo de 10 dias para opinar como custos legis (art. 12,
.
°

caput, da Lei 12.016/2009). Pode haver dois membros do MP participando


do Mandado de Segurança, quando o M P impetra Mandado de Segurança em
°
2 grau, o MP participa também como custos legis.
.

Provas: só são admitidas provas pré-constituídas. No entanto, se o do-


cumento estiver em repartição pública ou sob poder de autoridade, pode ser
requerido ao juiz que determine a exibição do mesmo, devendo haver, no
°
caso provada recusa da repartição/autoridade em fornecê-lo (art. 6.
,
§ 1.°,
,

da Lei 12.016/2009).
Sentença: o juiz tem 30 dias (art. 12, parágrafo único, da Lei 12.016/2009),
e deve preencher todos os requisitos de qualquer sentença.
Honorários advocatícios: a Súmula 512 STF veda a condenação ao pa-
gamento de honorários advocatícios em mandado de segurança, o que não
impede a aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé (art. 25 da Lei
12.016/2009).
316 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller, Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Recursos:
°
a) Contra decisão proferida em 1. grau (sentença denegando ou con-
cedendo): cabe apelação (art. 14 caput, da Lei 12.016/2009). Em
,

caso de concessão, a sentença se sujeita ao duplo grau de jurisdição


obrigatório ou reexame necessário (art. 14, § 1.°, da Lei 12.016/2009).
b) Contra decisão proferida por Tribunal: quando a ordem for concedida ,

podem ser interpostos os recursos especial e extraordinário, desde


que presentes os requisitos de cabimento (art. 18 da Lei 12.016/2009;
arts. 102, III, e 105, III, da CF); quando a ordem for denegada cabe ,

recurso ordinário constitucional em 15 dias (art. 33 da Lei 8.038/90).


,

Para onde? Depende:


- denegação em única instância, por Tribunal dejustiça ou TRF: STJ
,

(art. 105, II, b, da CF);


-denegação em única instância, por Tribunal Superior: STF (art. 102,
,

II a, da CF).
,

c) Embargos de Declaração: cabem não importando se a decisão é con-


,

cessiva ou denegatória.
d) Embargos Infringentes: não cabe na decisão que julga Mandado de
Segurança (art. 25 da Lei 12.016/2009 e Súmula 597 do STF).
Exemplos de Mandado de Segurança: (a) mandado de segurança contra
a decisão judicial que indefere a habilitação (admissão) do assistente de acu-
sação (art. 273 do CPP); (b) Mandado de Segurança contra ato de autoridade
policial que impede o acesso do advogado aos autos de inquérito policial
(atualmente, o STF admite habeas corpus e reclamação constitucional, em face
da Súmula vinculante 14); (c) Mandado de Segurança contra ato que indefere
ilegalmente a restituição de coisas apreendidas; (d) Mandado de Segurança
contra decisão judicial que indefere pedido de sigilo das informações sobre
processo em que o indivíduo foi absolvido, entre outros.

12.4 RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL


Trata-se de medida adequada para a preservação da competência (em
caso de usurpação) e garantia da autoridade das decisões do STF e STJ (arts.
102,1,1, e 105,1,/, da CF).
Cabe ainda para a impugnação de ato administrativo ou decisão ju-
dicial que contrariar súmula vinculante (art. 103-A, § 3.°, da CF e Lei n. ,

11.417/2006), sem prejuízo dos recursos ou outros meios de impugnação


(art. 7.°, caput, da Lei 11.417/2006).
Referências Bibliográficas

Camargo Aranha, Adalberto José Q. T. Da Prova no Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
1999.

Capez, Fernando. Curso de Processo Penal, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
Choukr, Fauzi Hassan. Processo Penal à Luz cia Constituição. Bauru: Edipro, 1999.
Frederico Marques, José. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998.
Greco Filho, Vicente. Manual de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
Gomes, Luiz Flávio. Imunidades Parlamentares, in www.estudoscriminais.com.br, 17.01.2002.
Gomes, Luiz Flávio e Morais, Sabrina. Cancelamento da Súmula 394 do STF, São Paulo:
01.02.2002 inwww.estudoscriminais.com.br
,

Grinover, Ada Pellegrini; Gomes Filho, Antonio Magalhães; SCARANCE Fernandes,


Antonio. Recursos no Processo Penal. 3.a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 2001. ,

_
.
As Nulidades no Processo Penal. 4." ed. São Paulo: Malheiros 1995. ,

Grinover, Ada Pellegrini; Gomes Filho, Antônio Magalhães; SCARANCE Fernandes,


Antônio; Gomes, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 2.a ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais 1997. ,

Jesus, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Interpretado. 16.f ed. São Paulo:
Saraiva ,
1999.
_
.
Mesa de Ciências Criminais-A Nova Maioridade Civil: Reflexos Penais eProcessuais
penais. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, fev. 2003. Disponível em:
ww w. damasio.com.br.

_
.
Código de Processo Penal Anotado, 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
_
.
Foro por Prerrogativa de Função, São Paulo: Complexo Jurídico Damário de Jesus ,

fev. 2003. Disponível em: www.damasio.com.br.


Magalhães Noronha , Edgard. Curso de Direito Processual Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva,
1997.

_
.
Curso de Direito Processual Penal, 28. ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
Mazzilli, Hugo Negro. O Foro por Prerrogativa de Função e a Lei 10.628/2002, São Paulo:
Complexo Jurídico Damásio dejesus,jan. 2003. Disponível em: www.damasio.com.br,
318 Processo Penal - Paulo H. A. Fuller , Gustavo O. D. Junqueira e Angela C. C. Machado

Mirabete, Julio Fabbrini. Código de ProcessoPenal Interpretado ,


4 ed.,SãoVaiúo: Atlas
.
,
1996.
_
.
Código Penal Interpretado. 8. ed. São Paulo: Atlas 2000. ,

_
.
Juizados Especiais Criminais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
Moraes , Alexandre de. Direito Constitucional, 5. ed., São Paulo: Atlas, 1999.
Moura , Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: Ed. RT, 2001.
Nogueira, Carlos Frederico Coelho. Comentários ao Código de Processo Penal ed. 1, São ,

Paulo: Edipro 2002. ,

Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Interpretado. 2. ed. São Paulo: Ed .

RT, 2001.
_
. Manual de Processo e Execução Penal. São Paulo: Ed. RT 2005. ,

Oliveira, Eugênio de Oliveira. Curso de Processo Penal. 4. ed. Belo Horizonte: Dei Rey 2003. ,

Scarance Fernandes, Antônio. Processo Penal Constitucional. 2. ed. São Paulo: Ed. RT 2000. ,

Silva Jardim Afrânio. Direito Processual Penal. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
,

Souza , João Barcelos. Doutrina e Prática do Habeas Corpus. Belo Horinzonte, Sigla, 1998.
Tornaghi, Hélio. Curso de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva 1995. ,

Tourinho Filho , Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
_
.
Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva 1997. ,
OUTRAS PUBLICAÇÕES
Direitos e Garantias Individuais no
Processo Penal Brasileiro
4 a
. edição
Rogério Lauria Tucci

Coleção Elementos do Direito -v.7


Direito Penal
11.3 edição
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira

Manual de Processo Penal e Execução Penal


8 3 edição
.

Guilherme de Souza Nucci

Coleção Prática Forense - v.6


Prática Penal
8 a edição
.

Angela C. Cangliano Machado,


Guilherme Madeira Dezem,
Gustavo Octaviano Diniz Junqueira e
Maria Patrícia Vanzolini

Ri?
EDITORAI VI I
REVISTA DOS TRIBUNAIS
ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR
Tel.: 0800-702-2433
www.rt.com.br
PAULO HENRIQUE ARANDA FULLER
GUSTAVO OCTAVIANO DINIZ JUNQUEIRA
ANGELA C. CANGIANO MACHADO

PROCESSO PENAI
11.â edição revista, atualizada e ampliada

Publicações desta série


V l - Direito Constitucional
.
Direito Constitucional

V 2 - Direito Administrativo V 12 - Direitos Humanos


.

Direito Constitucional
V 3 - Direito Tributário
.

V 13 - Remédios Constitucionais
.

V 4 - Direito Civil
.

Difusos e Coletivos
V. 5 - Direito Empresarial V .14 - Estatuto da Criança e do
V 6 - Processo Civil
.
Adolescente
V 7 - Direito Penal
.
Difusos e Coletivos
V 8 - Processo Penal
.
V 15 - Direito Ambiental
.

V 9 - Direito do Trabalho
.
Difusos e Coletivos

V 10 - Ética Profissional V 16 - Direito do Consumidor


.
.

V ll - Direito Internacional V l7 - Processo do Trabalho


.

ISBN í-85-203-4295-4

oP° tO-t1

EDITORA RT?
REVISTA DOS TRIBUNAIS

Você também pode gostar