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FACULDADE DAMÁSIO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO PENAL

LUCAS DE AGUIAR POSSAMAI

CRIME DE FURTO, NÃO CONSUMADO, EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL


VIGIADO SOB O PRISMA DO CRIME IMPOSSÍVEL E DO CRIME TENTADO:
ANÁLISE DAS RECENTES DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

CRICIÚMA/SC
2020
LUCAS DE AGUIAR POSSAMAI

CRIME DE FURTO, NÃO CONSUMADO, EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL


VIGIADO SOB O PRISMA DO CRIME IMPOSSÍVEL E DO CRIME TENTADO:
ANÁLISE DAS RECENTES DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado


para obtenção do grau de Pós-graduado no
Curso de pós-graduação lato sensu em Direito
Penal da Faculdade Damásio.

Orientadora: Prof. Maria Fernanda Soares


Macedo

CRICIÚMA/SC
2020
Dedico este trabalho aos meus pais e à
minha companheira, os quais me fornecem
todo o apoio incondicional na busca dos
meus objetivos.
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente e principalmente, aos meus pais, Elias e Marlene,


pelo amor e apoio imensuráveis, sempre com a preocupação de prover-me o melhor
em todos os seguimentos de minha vida.
No mesmo patamar, agradeço à minha companheira Carolina, por me fazer
disfrutar de tantos momentos felizes, como também por se portar sempre ao meu lado
nos momentos de adversidades, auxiliando-me a superá-las.
Agradeço a todos os professores do Curso de Pós-graduação de Direito
Penal da Faculdade Damásio por compartilharem seus conhecimentos com os alunos,
incentivando-nos à constante sede por novos aprendizados e capacitando-nos como
melhores operadores do Direito.
A todos os meus amigos e colegas, especialmente pelas lições de vida
compartilhadas e pelos momentos de descontração essenciais à manutenção da sa-
úde psíquica.
A todos aqueles que colaboraram, direta ou indiretamente, para a confec-
ção desse trabalho.
“Tudo o que temos de decidir é o que fazer
com o tempo que nos é dado."
John Ronald Reuel Tolkien – O Senhor dos Anéis
RESUMO

O crime de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal, é um dos delitos de maior
incidência no Brasil, conforme verificado através dos ininterruptos novos casos de sua
prática noticiados nas páginas criminais. Devido ao vasto número de casos de furto
que aportam no Poder Judiciário para apuração e julgamento, qualquer mudança de
interpretação dada a esse tipo penal pelos julgadores pode afetar a vida de muitas
pessoas, sejam elas autores ou vítimas desse crime. Dentre essa imensidão de casos
de furto judicializados, uma grande parcela dessas subtrações ou de suas tentativas
se dão em estabelecimentos comerciais, os quais, nos dias atuais,
predominantemente, ostentam sistema de vigilância física ou eletrônica. Dessa feita,
o corrente trabalho tem como objetivo analisar a legitimidade do entendimento
adotado pelo Supremo Tribunal Federal, em alguns de seus julgados, em que
reconhece a atipicidade do crime de furto, não consumado, perpetrado em
estabelecimento comercial vigiado (vigilância eletrônica ou física), diante do
reconhecimento do instituto do crime impossível (artigo 17 do Código Penal), dada a
ineficácia absoluta do meio empregado, em detrimento da punição do agente pelo
crime tentado (artigo 14, inciso II, do Código Penal), como é o posicionamento
pacificado no Superior Tribunal de Justiça. Com esse propósito, no primeiro capítulo
foi feita uma explanação sobre os institutos do crime tentado e do crime impossível no
Direito Penal, com ênfase para suas diferenças e critérios de aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. No segundo capítulo, passou-se à individualização e
conceituação das variadas hipóteses de incidência do crime de furto. Por fim, no
terceiro capítulo, após contextualizar o tema, avaliou-se a consistência dos
argumentos levantados pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal em suas decisões sobre o tema, para verificar, à luz do ordenamento
jurídico vigente, qual provimento judicial – crime impossível ou crime tentado – deve
prevalecer e ser aplicado às hipóteses de crime de furto, não consumado, intentados
em estabelecimento comercial detentor de sistema de vigilância. Para tanto,
empregou-se o método de pesquisa dedutivo, por meio de pesquisa teórica e
qualitativa, através de material bibliográfico e documental legal (jurisprudência). A
pesquisa jurisprudencial foi realizada nos sítios oficiais dos referidos tribunais
superiores, utilizando-se das palavras-chave "furto", "crime impossível",
“estabelecimento comercial” e "vigilância". Do site do STJ, foram selecionados 6 (seis)
acórdãos sobre a hipótese específica de tentativa de furto em estabelecimento
comercial detentor de sistema de vigilância, do período 2005-2019. Já do site do STF,
foram selecionados 6 (seis) acórdãos do mesmo tema, do período 2009-2018.

Palavras-chave: Furto. Estabelecimento comercial. Sistema de vigilância. Tentativa.


Crime Impossível.
ABSTRACT

The crime of theft, provided for in Article 155 of the Penal Code, is one of the most
incidents crimes in Brazil, as verified through the uninterrupted new cases of its
practice reported on criminal pages. Due to the vast number of cases of theft that arrive
at the Judiciary for investigation and judgment, any change of interpretation given to
this criminal type by the judges can affect the lives of many people, whether
perpetrators or victims of this crime. Among this immensity of judicialized theft cases,
a large portion of these subtractions or their attempts take place in commercial
establishments, which, nowadays, predominantly, bear physical or electronic
surveillance system. Thus, the current work aims to analyze the legitimacy of the
understanding adopted by the Federal Supreme Court, in some of their judgments, in
which it recognizes the atypicality of the crime of theft, not consummated, perpetrated
in commercial establishment guarded (electronic or physical surveillance), in view of
the recognition of the institute of impossible crime (Article 17 of the Penal Code), given
the absolute ineffectiveness of the employed environment, to the detriment of the
punishment of the perpetrator for the attempted crime (Article 14, item II, of the Penal
Code), as is the pacified position in the Superior Court of Justice. For this purpose, in
the first chapter an explanation was made about the institutes of attempted crime and
the impossible crime in Criminal Law, emphasizing their differences and application
criteria in the Brazilian legal system. In the second chapter, it was made an
individualization and conceptualization of the various hypotheses of incidence of theft
crime. Finally, in the third chapter, after contextualizing the theme, the consistency of
the arguments raised by the Ministers of the Superior Court of Justice and the Federal
Supreme Court in their decisions on the subject was evaluated, to verify, in the light of
the planning legal proceedings, which judicial provision – impossible crime or
attempted crime – must prevail and be applied to the hypotheses of a theft,
unconsummated, attempted in a commercial establishment with a surveillance system.
Therefore, it was used the deductive research method, through theoretical and
qualitative research, using bibliographical and legal material (jurisprudence). The
jurisprudential research was carried out on the official sites of these higher courts,
using the keywords "theft", "impossible crime", "commercial establishment" and
"surveillance". From the STJ website, 6 (six) judgments were selected on the specific
hypothesis of attempted theft in a commercial establishment with a surveillance
system, from the period 2005-2019. On the site of the Supreme Court, 6 (six)
judgments of the same theme were selected, from the period 2009-2018.

Keywords: Theft. Commercial place. Surveillance system. Attempt. Impossible Crime.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art. Artigo
CF Constituição Federal
CP Código Penal
HC Habeas Corpus
n. Número
p. Página
Rel. Relator
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 CRIME CONSUMADO, CRIME TENTADO E CRIME IMPOSSÍVEL .................... 13
2.1 DOS TIPOS PENAIS E DA TIPICIDADE ............................................................ 15
2.2 CONSUMAÇÃO DELITIVA ................................................................................. 17
2.3 CRIME TENTAdo ................................................................................................ 21
2.4 CRIME IMPOSSÍVEL .......................................................................................... 25
3 CRIME DE FURTO (ARTIGO 155, DO CÓDIGO PENAL): ANÁLISE DE SUA
CONSUMAÇÃO E DE SUAS TENTATIVAS IDÔNEAS E INIDÔNEAS ................... 29
3.1 DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO .......................................................... 30
3.2 HISTORICIDADE DO FURTO NO MUNDO E NO BRASIL ................................ 31
3.3 DO CRIME DE FURTO E SUAS ESPÉCIES ...................................................... 32
3.3.1 Consumação delitiva...................................................................................... 36
3.3.2 Do furto tentado ............................................................................................. 37
3.3.3 Do furto noturno (artigo 155, § 1º, do Código Penal) .................................. 38
3.3.4 Do furto privilegiado (artigo 155, § 2º, do Código Penal) ............................ 39
3.3.5 Da equiparação da energia elétrica ou de qualquer outra que possua valor
econômico à coisa móvel (artigo 155, § 3º, do Código Penal) ............................ 40
3.3.6 Hipóteses de furto qualificado previstas no § 4º do artigo 155 do Código
Penal ......................................................................................................................... 41
3.3.6.1 Furto com destruição ou rompimento de obstáculo (artigo 155, § 4º, inciso I,
do Código Penal)....................................................................................................... 42
3.3.6.2 Furto com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza
(artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal) ............................................................. 43
3.3.6.3 Furto cometido com emprego de chave falsa ................................................ 45
3.3.6.4 Furto cometido mediante concurso de duas ou mais pessoas ...................... 46
3.3.7 Hipótese de furto qualificado prevista no § 4º-A do artigo 155 do Código
Penal ......................................................................................................................... 47
3.3.8 Hipótese de furto qualificado prevista no § 5º do artigo 155 do Código Penal
.................................................................................................................................. 47
3.3.9 Hipótese de furto qualificado prevista no § 6º do artigo 155 do Código Penal
.................................................................................................................................. 48
3.3.10 Hipótese de furto qualificado prevista no § 7º do artigo 155 do Código
Penal ......................................................................................................................... 48
3.4 DA PUNIÇÃO DA TENTATIVA DO CRIME DE FURTO NÃO CONSUMADO
PERPETRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM SISTEMA DE
VIGILÂNCIA EM DETRIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL ...................................... 49
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS ATUAIS ENTENDIMENTOS ADOTADOS
PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL ACERCA da APLICAÇÃO DA MAJORANTE DO FURTO NOTURNO AO
FURTO QUALIFICADO ............................................................................................ 52
4.1 DA TRANSIÇÃO DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA
PUNIÇÃO PELA TENTATIVA DO FURTO NÃO CONSUMADO PERPETRADO EM
ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM SISTEMA DE VIGILÂNCIA PARA O
RECONHECIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL EM CASOS ESPECÍFICOS.......... 52
4.2 DO FIRME POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELA
IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER O CRIME IMPOSSÍVEL NOS CASOS DE
FURTO NÃO CONSUMADO PERPETRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL
COM SISTEMA DE VIGILÂNCIA, COM SUA PUNIÇÃO PELA TENTATIVA............ 59
5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 72
11

1 INTRODUÇÃO

Em atenção ao princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, XXXIX, da


Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal, para que uma conduta seja
considerada crime, faz-se necessário a prévia definição de tal comportamento como
delito em lei, além de prever todos os elementos necessários para sua configuração,
previsão esta que denomina-se tipo penal.
Assim, em suma, praticada conduta que logre êxito em alcançar todos os
elementos necessários previstos na lei para configuração do delito, há a consumação
delitiva, com a consequente responsabilização do agente pelo crime praticado.
Entretanto, para a efetiva realização do crime, o agente tem de percorrer
um caminho, denominado iter criminis, cujo início dá-se na cogitação (idealização e
decisão de praticar o crime), seguido dos atos preparatórios (busca das condições
para a realização do crime), sucedido dos atos executórios (efetiva ação do agente
para realização da conduta designada pelo núcleo da figura típica), para tão somente
chegar-se à consumação (efetivo alcance de todos os elementos definidos no tipo
penal para configuração do crime).
Ocorre que, por vezes, durante esse percurso, após iniciada a execução
de um crime, este não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente,
configurando o crime tentado, previsto no artigo 14, II, do Código Penal, punível
criminalmente no ordenamento jurídico brasileiro pela pena do crime consumado, com
diminuição de um a dois terços (artigo 14, parágrafo único, do Código Penal).
É em decorrência do crime tentado que surge o instituto do crime
impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal, o qual se configura quando
verificado que, em razão dos meios empregados serem absolutamente ineficazes
para a prática delitiva ou por absoluta impropriedade do objeto, o agente jamais
conseguiria consumar o crime, tornando a conduta atípica e, portanto, não punível.
Nesse viés é que esta monografia tem por objetivo pesquisar as hipóteses
de incidência dos institutos do crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal,
e do crime tentado, previsto no artigo 14, inciso II, do Código Penal, a fim de avaliar a
possibilidade de aplicação, legitimada pelo Supremo Tribunal Federal em seus
julgados, do reconhecimento da atipicidade do crime de furto, não consumado,
perpetrado em estabelecimento comercial vigiado (vigilância eletrônica ou física),
diante do reconhecimento do instituto do crime impossível, dada a ineficácia absoluta
12

do meio empregado, em detrimento da punição do agente pelo crime tentado, como é


o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça.
Salienta-se que para que configure o crime impossível, o meio empregado
pelo agente tem que ser absolutamente ineficaz a consumação delitiva, de modo que,
sendo este meio apenas relativamente ineficaz, configura-se o crime tentado.
A relevância social desta pesquisa está na constatação da possível
ilegitimidade da interpretação dada por um dos Tribunais Superiores ao crime de furto,
tendo em vista que o referido crime, nas circunstâncias analisadas neste trabalho, é,
sem dúvida, um dos delitos que tem maiores índices de cometimento no Brasil e,
assim sendo, seus autores ou mesmo as vítimas são afetados por essas decisões,
fazendo-se necessário o esclarecimento desses pontos controversos na busca de um
julgamento adequado aos moldes legais.
No presente trabalho, utilizar-se-á o método de pesquisa dedutivo, por meio
de pesquisa teórica e qualitativa de material bibliográfico e documental legal
(jurisprudência). O primeiro capítulo destinar-se-á a abordar sobre os institutos do
crime tentado e do crime impossível no Direito Penal, com ênfase para suas diferenças
e critérios de aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. A seu turno, no segundo
capítulo, para contextualização do tema, explanar-se-á e conceituar-se-á as hipóteses
de capitulação do furto, principalmente os elementos necessários para sua
consumação e tentativas idôneas e inidôneas. No terceiro capítulo, será feito um
levantamento dos recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal acerca do reconhecimento da atipicidade do crime de furto, não
consumado, perpetrado em estabelecimento comercial vigiado (vigilância eletrônica
ou física), diante do reconhecimento do instituto do crime impossível, dada a ineficácia
absoluta do meio empregado ou a punição do agente pelo crime tentado.
A pesquisa jurisprudencial será realizada nos sítios oficiais dos referidos
tribunais, utilizando-se das palavras-chaves "furto", "crime impossível",
“estabelecimento comercial” e "vigilância". Do site do Superior Tribunal de Justiça
serão selecionados e avaliados 6 (seis) acórdãos, tanto anteriores como posteriores
à data de 24 de fevereiro de 2016 (quando foi criada a Súmula n. 567 do STJ sobre o
tema). Já do site do Supremo Tribunal Federal serão selecionados e avaliados 6 (seis)
acórdãos, tanto anteriores como posteriores à data de 7 de fevereiro de 2017 (quando
houve a mudança de entendimento sobre o tema neste tribunal, através do Recurso
Ordinário em Habeas Corpus n. 137.290/MG).
13

2 CRIME CONSUMADO, CRIME TENTADO E CRIME IMPOSSÍVEL

Dentre os mais diversos ramos do Direito, o Direito Penal surge como


aquele encarregado da fundamental função de selecionar os comportamentos
humanos mais graves e perigosos ao saudável convívio social da coletividade que
não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do Direito, e a partir
disso, taxá-los como infrações penais e outorgar-lhes as respectivas sanções aos que
venham a cometê-los, prevendo, ainda, as regras gerais e complementares
necessárias à orientação para a correta e justa aplicação da pena (CAPEZ, 2013, p.
18).
Nesse sentido, Bianchini, Molina e Gomes (2009, p. 24) conceituam Direito
Penal ao disporem:

[...] pode-se definir o Direito penal, do ponto de vista dinâmico e social, como
um dos instrumentos do controle social formal por meio do qual o Estado,
mediante um determinado sistema normativo (leia-se: mediante normas
penais), castiga com sanções de particular gravidade (penas e outras
consequências afins) as condutas desviadas (crimes e contravenções) mais
nocivas para a convivência, visando a assegurar, dessa maneira, a
necessária disciplina social bem como a convivência harmônica dos membros
do grupo. Esse controle social é dinâmico porque está vinculado a cada
momento cultural da sociedade. Acompanha as alterações sociais (ou, pelo
menos, deveria acompanhá-las).

Mas a este poder de determinar consequências jurídicas, sendo penas ou


medidas de segurança, impõe-se a limitação de observarem-se determinadas
garantias individuais e sociais de cada indivíduo, a fim de afastar a arbitrariedade
estatal de punir seus cidadãos, o que se denominam direitos fundamentais (PRADO;
CARVALHO; CARVALHO, 2014, p. 65).
Convém esclarecer que, se por um lado, o Direito Penal concentrou grande
poder punitivo na mão do Estado, detentor exclusivo da competência para a seleção
e definição das condutas que serão consideradas crimes, com a previsão da punição
aos que vierem a praticá-las, esta área do Direito, preocupou-se, por outro lado, em
limitar este poder, no intuito de afastar a arbitrariedade estatal de punir seus cidadãos,
ao estabelecer um conjunto de valorações e princípios que orientam a aplicação e
interpretação das normas penais, observando rigorosos princípios de justiça para
aplicação das sanções aos fatos reais (BITENCOURT, 2012, p. 57).
Assim, buscando definir o Direito Penal, Jesus (2014, p. 49), o subdividiu
em noções de Direito objetivo e subjetivo e elucidou:
14

As noções de Direito objetivo e subjetivo decorrem do fato de o Direito, atra-


vés da determinação das normas, regular as condutas humanas e outorgar a
alguém o poder de exercê-lo. Como vimos, o Direito Penal tem na sanção o
seu meio de ação. Com a abolição da vingança privada, só o Estado tem o
direito de aplicar sanções. Só o Estado é o titular do jus puniendi, que é o
Direito Penal subjetivo. O Direito Penal objetivo é o próprio ordenamento ju-
rídico-penal, correspondendo à sua definição. De notar que o Direito Penal
subjetivo – o direito de punir do Estado – tem limites no próprio Direito Penal
objetivo. Não se compreende um jus puniendi ilimitado. A norma penal não
cria direitos subjetivos somente para o Estado, mas também para o cidadão.
Se o Estado tem o jus puniendi, o cidadão tem o direito subjetivo de liberdade,
que consiste em não ser punido senão de acordo com as normas ditadas pelo
próprio Estado.

Com base nisso, denota-se que as normas penais existentes na Legislação


Penal devem tanto impor sanções a determinadas condutas humanas, como também,
em razão de o direito de aplicar sanções ser exclusivo do Estado, imputar-lhe
restrições ao poder punitivo.
Diante disso, o Direito Penal é constituído por dois grupos de normas,
sendo elas: a) normas penais incriminadoras, que correspondem as normas penais
que definem as infrações penais, descrevendo as condutas proibidas (preceito
primário) e estipulam, como forma de ameaça a sua prática, suas sanções correlatas
(pena ou medida de segurança), estabelecendo a faixa, em abstrato, de pena que
pode ser imposta a quem vier a praticá-las (preceito secundário); e, b) normas penais
não incriminadoras, que estabelecem limites para o exercício do jus puniendi, tendo
por finalidade tornar lícitas determinadas condutas, prever causas de isenção de pena
pelo afastamento da culpabilidade do agente, explicar determinados conceitos e
fornecer princípios de caráter geral à aplicação da norma penal (GRECO, 2014a, p.
21-22).
No entanto, para que determinada conduta perpetrada possa efetivamente
ser considerada como um delito e, assim, sujeitar seus praticantes ao poder punitivo
estatal, é imprescindível a prévia previsão da proibição de tal fato, com suas
consequentes balizas de sanção, em lei, de criação do Poder Legislativo, valendo-se
de sua condição de representantes do povo, o que traduz-se no exato cumprimento
do princípio da legalidade, previsto tanto na Constituição Federal (artigo 5º, XXXIX),
como no Código Penal de 1940 (artigo 1º), extraído através da seguinte frase: "não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
Nesse sentido, Capez (2013, p. 40-41) esclarece que o princípio da
legalidade prevê que "somente é crime aquilo que a lei assim o define, sendo que a
15

punição só pode se dar também pela forma prevista em lei. Neste caso, fala-se em lei
em sentido estrito, que é aquela elaborada pelo poder competente (legislativo)".
Em que pese somente o Poder Legislativo estar legitimado à criação dos
ilícitos penais, cabe ao Poder Judiciário a análise e aplicação das normas aos casos
concretos (MÉDICI, 2004, p. 197).
Ocorre que, o Poder Judiciário, no exercício dessa sua função típica de
interpretação e emprego das normas nas situações reais, muitas vezes, acaba por
gerar muitos entendimentos diversos sobre determinados temas, alguns em sentido
contrário ou não pretendido pela norma, possibilitando, infelizmente, com esse equí-
voco, prejudicar ou beneficiar indevidamente alguns indivíduos que chegam aos ban-
cos judiciais.

2.1 DOS TIPOS PENAIS E DA TIPICIDADE

Como já evidenciado, o princípio da legalidade se traduz na obrigação ao


legislador de valer-se de uma lei, em sentido estrito, para proibir a população da prá-
tica de determinadas condutas sob a ameaça de sanção. Essa criação legislativa de
prever uma conduta (comissiva ou omissiva) como crime, a fim de proteger determi-
nado bem, cuja tutela não foi suficientemente garantida pelos demais ramos do Di-
reito, chama-se tipo penal.
Na lição de Greco (2014a, p. 163) “tipo, como a própria denominação diz,
é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento -
a lei -, visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito por todos
nós”.
Entretanto, para que seja respeitado o princípio da legalidade, faz-se
necessária a descrição detalhada e precisa da conduta punível, com todos os seus
elementos, no texto do tipo penal criado, de modo a possibilitar ao homem médio
identificar a conduta específica que resta incriminada no molde legal (CAPEZ, 2013,
p. 209-210).
Nesse contexto, para que haja a devida construção dos tipos penais, Capez
(2013, p. 210-211), bem pontua os elementos essenciais de previsão em sua
composição, ao discorrer:

Na sua integralidade, o tipo é composto dos seguintes elementos: núcleo,


designado por um verbo (matar, ofender, constranger, subtrair, expor, iludir
etc.); referências a certas qualidades exigidas, em alguns casos, para o
16

sujeito ativo (funcionário público, mãe etc.); referências ao sujeito passivo


(alguém, recém-nascido etc.); objeto material (coisa alheia móvel, documento
etc.), que, em alguns casos, confunde-se com o próprio sujeito passivo (no
homicídio, o elemento “alguém” é o objeto material e o sujeito passivo);
referências ao lugar, tempo, ocasião, modo de execução, meios empregados
e, em alguns casos, ao fim especial visado pelo agente.

O tipo penal, ainda, pode ser classificado como: a) básico/fundamental


quando se tratar da forma basilar de descrição da conduta incriminada; e b) tipo deri-
vado, quando são estabelecidas novas circunstâncias, além das previstas na forma
simples, que podem diminuir ou majorar a sanção delimitada para o tipo básico
(GRECO, 2014a, p. 174).
A seu turno, a adequação do comportamento humano revelado no mundo
real com a conduta-molde descrita em abstrato na norma penal incriminadora como
delito, denomina-se tipicidade (DOTTI, 2013, p. 410).
Diante disso, verifica-se que a tipicidade exerce uma função delimitadora
da ilicitude penal, pois por mais reprovável, imoral ou até mesmo abominável que seja
um ato, não configurará crime sem que haja a plena adequação do fato a um tipo
penal incriminador (sem tipicidade) (MÉDICI, 2004, p. 100).
Contudo, vale ressaltar que, para que haja crime, não basta apenas a
presença a tipicidade, havendo grande contradição doutrinária quanto ao conceito
analítico de crime, dividindo-se em duas maiores teses: a) teoria bipartida: crime é um
fato típico e antijurídico (ilícito); e b) teoria tripartida: crime é a conduta humana típica,
ilícita e culpável. Vale mencionar que por não ser o tema central deste trabalho, deixa-
se de se discorrer pormenorizadamente sobre o assunto, mostrando-se proveitoso
apenas trazer os ensinamentos de Dotti (2013, p. 396-397) sobre esses três
elementos ao lecionar:

A conduta é representada por uma ação ou omissão humana dirigida a um


fim; a tipicidade é a adequação, objetiva e subjetiva, dessa conduta a uma
norma legal; a ilicitude é a qualidade de um comportamento não autorizado
pelo Direito e a culpabilidade é o juízo de reprovação que recai sobre a
conduta do sujeito que tem ou pode ter a consciência da ilicitude e de atuar
segundo as normas jurídico-penais.

Visto, portanto, que tipo penal representa efetivamente a previsão em lei


do comportamento humano que busca-se a proibição da prática, mediante a
imposição de determinada sanção, bem como a tipicidade é tida pela adequação do
comportamento humano na vida real ao modelo descrito como crime no tipo.
17

2.2 CONSUMAÇÃO DELITIVA

Em suma, importa destacar que, via de regra, os tipos penais presentes na


Legislação Penal, preveem, como crimes, condutas que exigem consumação para
que sejam punidas na forma e nos parâmetros quantitativos de pena estipulados nos
respectivos dispositivos legais.
Nesse sentido, o Código Penal, em seu artigo 14, inciso I, estabelece que
há consumação do crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua
definição legal”, ou seja, quando a conduta do indivíduo externada na vida real
preencha completamente os requisitos estipulados no modelo legal abstrato do delito
(NUCCI, 2017, p. 282).
Com efeito, como regra dos crimes dolosos, desde o momento que o crime
está apenas na idealização do criminoso, até que se opere sua consumação, passa-
se por todo um processo/caminho, composto por várias etapas, denominado iter
criminis ou “caminho do crime”, expressão que Zaffaroni e Pierangeli (2008, p. 13)
bem resumem como “o conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no
desenvolvimento do delito.
Dessa forma, é possível verificar que essa trilha a ser percorrida pelo
agente para atingir o êxito de sua empreitada criminosa é composta por dois
momentos, um interno, na qual o criminoso idealiza mentalmente o crime, imaginando
seu resultado, escolhe os meios necessários a serem utilizados na prática delitiva,
bem como considera os efeitos resultantes dos meios empregados, e outro externo,
na qual o criminoso propriamente exterioriza no mundo real sua conduta, colocando
em prática o plano idealizado (GRECO, 2014a, p. 253-254).
Com base nisso, bem como na premissa, já referida, de que, para que haja
crime, exige-se a prática de conduta (ação ou omissão humana) destinada a execução
do modelo descrito como ilícita no tipo penal, o que afasta, via de regra, a punição dos
atos preparatórios, a doutrina, visando esclarecer essa tênue linha divisória de
identificação dos fatos puníveis ou não puníveis, estabelece que o iter criminis é
composto pelas seguintes fases: cogitação, preparação (atos preparatórios),
execução (atos executórios), consumação e exaurimento (NUCCI, 2017, p. 280).
Para a devida compreensão do tema, imprescindível a conceituação de
cada uma dessas fases. Dessa forma, a primeira delas, a cogitação, revela-se como
a fase interna da infração, momento em que o crime está apenas na esfera da
18

imaginação do agente, sem exteriorização de nenhum ato. Essa fase não é punível
pelo Direito Penal, tendo em vista a ausência da prática de conduta pelo agente, um
dos elementos do fato típico, de modo que ninguém pode ser punido pelo simples
pensamento (cogitationis poenam nemo patitur) (DOTTI, 2013, p. 434).
Complementando esse entendimento, Nucci (2017, p. 279) revela:

[...] Enquanto a ideia criminosa não ultrapassar a esfera mental, por pior que
seja, não se poderá censurar criminalmente o ato. Se uma pessoa, em
momento de ira, deseja conscientemente matar seu desafeto, mas nada faz
nesse sentido, acalmando-se após, para o Direito Penal a ideação será
considerada irrelevante. Pode-se falar, obviamente, em reprovar o ato do
ponto de vista moral ou religioso, nunca porém à luz do Direito Penal.

Mentalizada a prática delitiva, o agente passa à próxima fase, a da


preparação (atos preparatórios), quando se inicia a fase externa do delito,
representada pelo momento em que o agente começa a exteriorizar condutas,
especialmente, nos dizeres de Dotti (2013, p. 434-435), aquelas que “constituem
atividades materiais ou morais de organização prévia dos meios ou instrumentos para
o cometimento do crime” e arrebata que “em geral, os atos preparatórios não são
puníveis, se o crime não chega a ser tentado”.
Nesse sentido, acrescenta Santiago (2007, p. 306) que “os atos
preparatórios pressupõem que a execução do fato típico pretendido ainda não tenha
começado. Quando o autor ultrapassa a fronteira dos atos preparatórios e inicia a fase
executória, surge a “tentativa””.
Para bem demonstrar essa linha divisória, mostra-se proveitoso replicar o
exemplo apresentado por Nucci (2017, p. 280), assim confeccionado:

Assim, o sujeito que, pretendendo matar seu inimigo (cogitação) e possuindo


porte de arma de fogo, apodera-se do instrumento bélico (preparação) e, em
seguida, desloca-se até as proximidades da residência da vítima, sendo
surpreendido pela polícia antes de sacar a arma ou mesmo encontrar-se com
a vítima visada, não comete crime algum (não se aplica o Estatuto do
Desarmamento, uma vez que ele possui porte de arma).

Na sequência do iter criminis, apresenta-se a fase de execução, ou atos


executórios, que é manifestado pelo início da prática do verbo contido no tipo, através
de um ato idôneo e inequívoco tendente à consumação do crime (NUCCI, 2017, p.
280).
Embora pareça simples sua definição, um dos pontos mais difíceis do
Direito Penal é refletido pelo estabelecimento da exata linha divisória entre os atos
preparatórios e o atos executórios, questão essa de suma relevância, tendo em vista
19

ser o marco separador da ilicitude ou não dos atos praticados a possibilitar a repressão
estatal, havia vista que os atos preparatórios, via de regra, são penalmente
irrelevantes, enquanto que os atos executórios são penalmente típicos (artigo 14, II,
do Código Penal) (NUCCI, 2017, p. 280).
Para tanto, a doutrina apresenta dois critérios dominantes, expressos na
lição de Nucci (2017, p. 280), como: “a) critério material: a execução se inicia quando
a conduta do sujeito passa a colocar em risco o bem jurídico tutelado pelo delito”; b)
critério formal-objetivo: só há início de execução se o agente praticou alguma conduta
que se amolda ao verbo núcleo do tipo”.
A doutrina e jurisprudência majoritárias adotam o critério formal, expresso
nos ensinamentos de CAPEZ (2013, p. 265), ao discorrer:

O melhor critério para tal distinção é o que entende que a execução se inicia
com a prática do primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do
delito. Enquanto os atos realizados não forem aptos à consumação ou
quando ainda não estiverem inequivocamente vinculados a ela, o crime
permanece em sua fase de preparação. […] Por essa razão, somente há
execução quando praticado o primeiro ato capaz de levar ao resultado
consumativo e não houver nenhuma dúvida de que tal ato destina-se à
consumação. O tema, no entanto, tem gerado muita polêmica na doutrina,
havendo várias correntes, conforme será visto no tópico “Início de execução”,
logo a seguir.

Nos casos em que o agente efetivamente ingressa na fase executória do


crime, duas hipóteses de consequências são geradas, sendo elas: a) o agente
consuma o delito por ele almejado inicialmente; ou b) o delito não se consuma por
circunstâncias alheias à sua vontade, restando, dessa forma, a tentativa (GRECO,
2014a, p. 254).
Tendo em vista que a forma tentada de crime – um dos temas principais do
corrente trabalho – será abordada individualmente no próximo tópico, bem como
seguindo a ordem natural do iter criminis do “modelo ideal de delito”, sua próxima fase
é a consumação, definida no artigo 14, inciso I, do Código Penal, ao descrever que o
crime está consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição
legal”.
Nesse sentido, interpretando referida disposição legal, Dotti (2013, p. 435-
436) arrebata que “a consumação é o momento em que o sujeito ativo realiza em
todos os seus termos a figura delituosa, em que o bem jurídico penalmente protegido
sofreu a efetiva lesão ou a ameaça que se exprime no núcleo do tipo”.
20

Importa salientar que o momento consumativo varia conforme a natureza


do delito, individualizados por Capez (2013, p. 264), da seguinte forma:

a) materiais: com a produção do resultado naturalístico;


b) culposos: com a produção do resultado naturalístico;
c) de mera conduta: com a ação ou omissão delituosa;
d) formais: com a simples atividade, independente do resultado;
e) permanentes: o momento consumativo se protrai no tempo;
f) omissivos próprios: com a abstenção do comportamento devido;
g) omissivos impróprios: com a produção do resultado naturalístico;
h) qualificados pelo resultado: com a produção do resultado agravador;
i) complexos: quando os crimes componentes estejam integralmente
realizados;
j) habituais: com a reiteração de atos, pois cada um deles, isoladamente, é
indiferente à lei penal. O momento consumativo é incerto, pois não se sabe
quando a conduta se tornou um hábito, por essa razão, não cabe prisão em
flagrante nesses crimes.

Por fim, chega-se a última fase do iter criminis, o exaurimento, presente


apenas em determinadas infrações penais, o qual é representado por, após a
consumação do crime, outros resultados lesivos dele decorrentes, previstos e visados
pelo agente, proibidos pelo tipo penal, ainda ocorrem. Em alguns delitos, o
exaurimento e a consumação não ocorrem simultaneamente, à exemplo do crime de
corrupção passiva, que se consuma com a solicitação e se exaure com o recebimento
da vantagem indevida (BITENCOURT, 2012, p. 1101-1102).
Passados todas as fases do iter criminis, vale mencionar que referido
caminho não é verificado nos delitos culposos, porquanto nesses casos, ausente a
vontade do agente na prática do fato típico nem da assunção do risco de sua
ocorrência, havendo apenas uma violação ao dever objetivo de cuidado, representado
pela ação do agente com imprudência, negligência ou imperícia que provoca um
resultado previsível que não foi por ele imaginado (culpa inconsciente) ou, prevendo-
o, esperava que não ocorresse (culpa consciente) (DOTTI, 2013, p. 434).
Ocorre que, em muitos casos, esse caminho do crime elegido pelo agente
é interrompido pelas mais diversas circunstâncias imagináveis, alguns casos antes
mesmo de gerar ofensa ou risco de lesão à qualquer bem jurídico tutelado, outros
quando essas proteções foram interrompidas na iminência da violação, quando em
risco o objeto protegido pela norma, sendo que determinadas situações não são
passíveis de punição, já outras, possível a punição do que foi, até aquele momento,
praticado, como é o caso da tentativa de crime, o que passa-se a abordar.
21

2.3 CRIME TENTADO

Em uma vultuosa quantidade de casos, durante o iter criminis, após o


agente ter dado início a prática dos atos executórios, a consumação do crime é
impedida por circunstâncias estranhas à vontade do criminoso, configurando a
tentativa de crime, figura esta prevista no artigo 14, inciso II, do Código Penal, ao
estabelecer que considera-se crime “tentado, quando, iniciada a execução, não se
consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, prevendo-se, no parágrafo
único do mesmo dispositivo legal, em atenção ao princípio da legalidade, a
possibilidade de punição de tais atos executados pela pena correspondente ao do
crime objetivado consumado, diminuída da fração de um a dois terços. Nesse sentido,
Bitencourt (2012, p. 1102-1103) bem define o instituto da tentativa ao lecionar:

A tentativa é a realização incompleta do tipo penal, do modelo descrito na lei.


Na tentativa há prática de ato de execução, mas o sujeito não chega à
consumação por circunstâncias independentes de sua vontade. A relevância
típica da tentativa é determinada expressamente pelo legislador através de
uma norma de extensão, contida na Parte Geral do Código Penal. Por isso
podemos afirmar que a tentativa é um tipo penal ampliado, um tipo penal
aberto, um tipo penal incompleto, mas um tipo penal. A tentativa amplia
temporalmente a figura típica, cuja punibilidade depende da conjugação do
dispositivo que a define (art. 14, II) com o tipo penal incriminador violado.
Na tentativa, o movimento criminoso para em uma das fases da execução,
impedindo o agente de prosseguir no seu desiderato por circunstâncias
estranhas ao seu querer. A tentativa é o crime que entrou em execução, mas
no seu caminho para a consumação é interrompido por circunstâncias
acidentais. A figura típica não se completa, mas, ainda assim, a conduta
executória realizada pelo agente reveste-se do atributo da tipicidade por
expressa determinação legal (norma de extensão). A conduta desenvolve-se
no caminho da consumação, mas, antes que esta seja atingida, causa
estranha detém a realização do que o agente havia planejado. Fica faltando,
para dizer com Beling, “a fração última e típica da ação”.

De referida conceituação, pode-se extrair que os elementos necessários


para configuração da tentativa são: a) a conduta do agente ingressou,
obrigatoriamente, na fase executiva do crime, iniciando a realização do tipo; b) a
interrupção da fase executiva, impossibilitando à consumação do crime, se dê por
circunstâncias alheias à vontade do agente; c) dolo na conduta e outros eventuais
elementos subjetivos em relação ao fato típico completo (DOTTI, 2013, p. 437).
No tocante ao elemento do ingresso na fase executória do crime, o tema já
foi devidamente abordado, importando rememorar que é expresso pelo início da
prática do verbo contido no tipo penal almejado, através de ato idôneo e inequívoco
tendente à consumação delitiva.
22

No que se refere ao dolo, denota-se que não há dolo específico para o


crime tentado. A vontade do agente, externada por meio de sua ação, é a consumação
do crime, elemento volitivo este que não se modifica quando o criminoso tem sua ação
interrompida por circunstâncias alheias ao seu intento (GRECO, 2014a, p. 259-260).
Já a expressão “por circunstâncias alheias à vontade do agente” deve ser
entendida como qualquer fato externo, estranho ao intento do criminoso, apresentado
de qualquer maneira, que interrompa, de forma eficaz e a qualquer tempo, a execução
do crime que se mostrava hábil à consumação delitiva. Com efeito, pela necessidade
da circunstância impeditiva ser “alheia” à vontade do autor, exclui-se da figura do crime
tentado as hipóteses em que o agente, voluntariamente, interrompe a execução por
desistir de nela prosseguir (desistência voluntária), ou mesmo após perpetrar todas
as condutas que estavam a seu alcance para consumar o crime, vem a impedir que o
resultado seja produzido (arrependimento eficaz) (GRECO, 2014a, p. 260).
Outrossim, o instituto da tentativa, para sua melhor compreensão, é dividido
no âmbito doutrinário em diversas espécies. No tocante ao momento da incidência da
circunstância alheia impeditiva da consumação delitiva, divide-se em tentativa perfeita
e imperfeita, bem distinguidas por Greco (2014a, p. 260) ao lecionar:

Fala-se em tentativa perfeita, acabada, ou crime falho, quando o agente


esgota, segundo o seu entendimento, todos os meios que tinha ao seu
alcance a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não
ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Diz-se imperfeita, ou
inacabada, a tentativa em que o agente é interrompido durante a prática dos
atos de execução, não chegando, assim, a fazer tudo aquilo que
intencionava, visando consumar o delito.

Outras espécies são levantadas quanto ao êxito da tentativa em atingir o


objeto material do crime, diferenciando-as em: a) tentativa branca ou incruenta: o
objeto material não é atingido pela conduta criminosa, à exemplo da tentativa de
homicídio em que a vítima sequer é ferida; e b) tentativa cruenta ou vermelha: o objeto
material é atingido pela ação do criminoso (MASSON, 2014, p. 119-120).
Ainda, Nucci (2017, p. 284) acrescenta o crime impossível como a espécie
de tentativa “inadequada ou inidônea”.
Doutro norte, foram criadas teorias para justificar a punição do crime
tentado, divididas em subjetiva e objetiva. Para a teoria subjetiva, a punição da
tentativa é fundamentada no combate a vontade criminosa, possibilitando, com isso,
a punição da tentativa absolutamente inidônea, porquanto também presente o dolo do
agente na prática do tipo penal e, assim, por não fazer distinção entre delito
23

consumado e tentado, também haveria uma equiparação das penas da tentativa e do


crime consumado, ou, conduziria a atenuante da pena da tentativa ser apenas
facultativa (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p. 29).
Já a teoria objetiva busca fundamentar a punição do crime tentado no
perigo já gerado ao bem jurídico pela conduta. Por essa teoria, busca-se balancear o
desvalor da conduta e o do resultado, de modo que a pena aplicada à tentativa deve
ser proporcionalmente menor do que para o crime consumado, além de afastar a
punibilidade da tentativa inidônea e afastar a configuração da tentativa quando o ato
praticado não causar qualquer perigo ao bem jurídico tutelado pela norma
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2008, p. 27-28).
Nesse diapasão, pelos elementos até então trazidos, é possível confirmar
que o Código Penal brasileiro adotou a teoria objetiva, porquanto exige o início da
execução para a configuração da tentativa (e não apenas a manifestação da vontade
criminosa), prevê a punição da tentativa com base numa redução da pena do crime
consumado, e, afasta a punibilidade da tentativa inidônea (JUNQUEIRA; VANZOLINI,
2014, p. 327).
Portanto, com base na teoria objetiva, no Direito Penal brasileiro, a tentativa
constitui uma causa obrigatória de diminuição da pena para aplicar aos crimes
tentados à pena correspondente à pena do crime consumado, diminuída de um a dois
terços, conforme estipulado no parágrafo único do artigo 14 do Código Penal. Nesse
sentido, considerando o estabelecimento da referida margem do quantum de
diminuição, vale destacar que tanto na doutrina como na jurisprudência majoritária, o
critério amplamente adotado para a aferição do montante da diminuição aplicada, na
terceira fase da dosimetria da pena, é a maior ou menor proximidade da consumação
delitiva no caso concreto, ou seja, a distância percorrida do iter criminis, de modo que,
quanto mais próximo da consumação do crime, menor será a redução aplicada
(BOSCHI, 2000, p. 332-333).
Entretanto, existem poucas exceções à esta regra, ao passo que os delitos
de atentado ou de empreendimento são punidos com a mesma pena tanto na forma
consumada quanto tentada (MASSON, 2014, p. 119).
Por outro lado, além das contravenções penais, por expressa previsão legal
(artigo 4º do Decreto-lei n. 3.688/41), também existem crimes que não admitem a
tentativa, sendo eles os culposos, unissubsistentes, omissivos próprios,
24

preterintencionais, condicionados e habituais, bem delineados e identificados por Dotti


(2013, p. 438) ao descrever:

A tentativa é inadmissível nos seguintes crimes: a) culposos, para os quais o


agente não quer o resultado e nem assume o risco de sua produção; b)
unissubsistente, i.e, os que se perfazem com um único ato, sendo impossível
fracionar o processo executivo; c) omissivos próprios, pois com a não
realização da ação esperada a consumação se caracteriza; d)
preterintencionais, como no caso da rixa da qual resulta morte ou lesão
corporal de natureza grave (CP, art. 137); e) condicionados, i.e., aqueles que
dependem da ocorrência de uma condição objetiva de punibilidade, como nos
casos dos arts. 122 e 169, parágrafo único, II, do CP (induzimento, instigação
ou auxílio ao suicídio e apropriação de coisa achada) e da falência (Lei
11.101, de 09.02.2005, arts. 168 a 178), que pressupõe a sentença de sua
declaração; f) habituais, pois a caracterização desse tipo de ilicitude depende
da reiteração da conduta, hipótese em que se fala em delito consumado e
não em tentativa, a exemplo do rufianismo (CP, art. 230).
Nas contravenções penais, embora haja possibilidade de ser fracionado o
processo executivo em vários de seus tipos de ilícito, a lei respectiva declara
que a tentativa não é punível (art. 4º, do Dec.-lei 3.688/41).

Ademais, para fins de informação, vale salientar que a previsão da punição


da tentativa não foi introduzida no Direito Penal brasileiro com o Código Penal de
1940, mas está presente no ordenamento jurídico desde o Código Criminal do Império
de 1830, já como o crime que, após iniciada sua execução, teve sua consumação
impedida por questões estranhas ao agente, conforme bem pontuam Zaffaroni e
Pierangeli (2008, p. 18-19):

O § 2º do Código Criminal do Império estabelecia a punição da tentativa


“quando fôr manifestada por actos exteriores e princípio de execução, que
não teve effeito por circunstancias independentes da vontade do
delinquente”. Na segunda parte, dizia: “Não será punida a tentativa de crime
ao qual não esteja imposta maior pena que a de dous mezes de prisão
simples, ou desterro para fóra da comarca”. […] Com efeito, o § 4º do tít. 1
(“Dos delictos”) dizia: “quem intenta fazer um delicto, não o consummando,
não será punido por elle; mas pelos excessos e factos illicitos que obrou;
porque o conato não he o mesmo delicto”.
O Código Penal de 11.10.1890 prevê a tentativa no seu art. 13: “Haverá
tentativa de crime sempre que, com intenção de commenttê-lo, executar
alguém actos exteriores, que, pela sua relação directa com o facto punivel,
constituem começo de execução, e esta não tiver logar por circunstancias
independentes da vontade do criminoso”. O legislador de 1890 quis adotar
um critério para fixar o limite do “começo da execução”, e, seguindo o Código
argentino de 1886, procurou esse critério numa “relação directa com o facto
punivel”. […]
Contudo, qualquer que seja a diferença legislativa, verdade é que a tentativa
é uma conduta que se realiza entre a preparação e a consumação, sendo
claramente determinável o limite que a separa da consumação, mas
sumamente problemática a sua delimitação em relação aos atos
preparatórios.

De todo o exposto, a tentativa é classificada como uma norma de


adequação típica por subordinação, como forma de extensão do alcance do tipo penal
25

consumado, para abarcar em seu conteúdo proibitivo, condutas praticadas


anteriormente ao momento consumativo, que ameacem o bem jurídico protegido pelo
tipo penal, de modo que não configura um delito autônomo. Já do ponto de vista da
teoria da pena, a tentativa configura uma causa de diminuição obrigatória (NUCCI,
2017, p. 282-283).
Dessa forma, o crime tentado serve, principalmente, de mecanismo para
possibilitar a punição dos crimes que, embora não tenham sido consumados, este
resultado somente não se deu por circunstâncias alheias à vontade do agente, e, por
óbvio colocaram em risco o bem jurídico tutelado pela norma penal, merecendo seu
autor sofrer a represália do poder estatal.

2.4 CRIME IMPOSSÍVEL

Há casos, ademais, em que o agente visualiza a prática de determinado


delito e intenta sua prática, contudo, a consumação do delito almejado jamais iria
ocorrer pelos meios eleitos e utilizados pelo autor ou pelo objeto atingido, hipóteses
estas que se traduzem no instituto do crime impossível, previsto no artigo 17 do
Código Penal sob o texto de que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se
o crime”.
O conceito e exemplificações do instituto do crime impossível são bem
lançados por Nucci (2017, p. 202) ao lecionar:

Conceito de crime impossível (tentativa inidônea, impossível, inútil,


inadequada ou quase crime): é a tentativa não punível, porque o agente se
vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos
absolutamente impróprios, tornando impossível a consumação do crime. [...]
Exemplos: atirar, para matar, contra um cadáver (objeto absolutamente
impróprio) ou atirar, para matar, com uma arma descarregada (meio
absolutamente ineficaz).

Dessa conceituação, é possível constatar que são duas as espécies do


crime impossível: a) por absoluta impropriedade do objeto; e b) por ineficácia absoluta
do meio.
A absoluta impropriedade do objeto é verificada quando o objeto, entendido
como a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa, por sua natureza
ou condição, é completamente ineficaz de sofrer a ação típica almejada, conferindo
26

outro exemplo, tentar abortar o feto de mulher que não está grávida (HUNGRIA, 1978,
p. 99).
Já a ineficácia absoluta do meio é tida nos casos em que o meio de
execução do crime selecionado pelo agente é, por sua natureza ou essência,
totalmente incapaz de levar à produção do resultado, mesmo que reiteradamente
empregado (MASSON, 2014, p. 121).
Nesse contexto, Greco (2014a, p. 292) bem salienta que “meio” é tudo que
o agente utiliza para auxiliá-lo na produção do resultado almejado, podendo valer-se
de coisas cuja finalidade típica não é relacionada com a ação necessária para a
consumação do crime, à exemplo do taco de beisebol que, apesar de confeccionado
para rebater bolas, pode ser utilizado como instrumento do crime de homicídio.
Essa total ineficácia do meio deve ser verificada no caso concreto, nunca
atendo-se ao campo abstrato, e, nos casos em que a ineficácia for relativa, haverá
tentativa e não crime impossível (MASSON, 2014, p. 121).
A contextualização do meio relativamente inidôneo e seu afastamento do
crime impossível é brilhantemente expressa por Hungria (1978, p. 101) ao esclarecer
que “dá-se a inidoneidade relativa do meio quando este, embora normalmente capaz
de produzir o evento intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância
acidental na sua utilização”.
Neste diapasão, urge abordar uma das questões mais relevantes do tema,
o fundamento da punição ou não do crime impossível. Para tanto, foram criadas
diversas teorias, bem delimitadas e diferenciadas nos ensinamentos de Mason (2014,
p. 120-121) ao dispor:

1) Teoria objetiva: Apregoa que a responsabilização de alguém pela prática


de determinada conduta depende de elementos objetivos e subjetivos (dolo
e culpa). Elemento objetivo é, no mínimo, o perigo de lesão para bens
jurídicos penalmente tutelados. E quando a conduta não tem potencialidade
para lesar o bem jurídico, seja em razão do meio empregado pelo agente,
seja pelas condições do objeto material, não se configura a tentativa. É o que
se chama de inidoneidade, que, conforme o seu grau, pode ser de natureza
absoluta ou relativa. Inidoneidade absoluta é aquela em que o crime jamais
poderia chegar à consumação; relativa, por seu turno, aquela em que a
conduta poderia ter consumado o delito, o que somente não ocorreu em razão
de circunstâncias estranhas à vontade do agente. Essa teoria se subdivide
em outras duas: objetiva pura e objetiva temperada.
1.1) Teoria objetiva pura: Para essa vertente, o Direito Penal somente pode
proibir condutas lesivas a bens jurídicos, devendo apenas se preocupar com
os resultados produzidos no mundo fenomênico. Portanto, quando a conduta
é incapaz, por qualquer razão, de provocar a lesão, o fato há de permanecer
impune. Essa impunidade ocorrerá independentemente do grau da
inidoneidade da ação, pois nenhum bem jurídico foi lesado ou exposto a
27

perigo de lesão. Assim, seja a inidoneidade do meio ou do objeto absoluta ou


relativa, em nenhum caso estará caracterizada a tentativa.
1.2) Teoria objetiva temperada ou intermediária: Para a configuração do crime
impossível, e, por corolário, para o afastamento da tentativa, os meios
empregados e o objeto do crime devem ser absolutamente inidôneos a
produzir o resultado idealizado pelo agente. Se a inidoneidade for relativa,
haverá tentativa. Foi a teoria consagrada pelo art. 17 do CP.
2) Teoria subjetiva: Leva em conta a intenção do agente, manifestada por sua
conduta, pouco importando se os meios por ele empregados ou o objeto do
crime eram ou não idôneos para a produção do resultado. Assim, seja a
inidoneidade absoluta ou relativa, em qualquer hipótese haverá tentativa, pois
o que vale é a vontade do agente, seu aspecto psíquico.
3) Teoria sintomática: Preocupa-se com a periculosidade do autor, e não com
o fato praticado. A tentativa e o crime impossível são manifestações
exteriores de uma personalidade temerária do agente, incapaz de obedecer
às regras jurídicas a todos impostas. Destarte, justifica-se, em qualquer caso,
a aplicação de medida de segurança.

Portanto, com base nessa lição, vê-se que de todas essas teorias, a
adotada pelo Código Penal brasileiro é a teoria objetiva temperada (moderada ou
matizada), que determina que para configuração do crime impossível, a conduta do
agente não pode ter a mínima potencialidade de lesar o bem jurídico visado, seja em
virtude do meio por ele empregado, seja pelas condições do objeto material, de modo
que, nessas condições, a conduta do agente jamais chegaria à consumação do crime,
o que se traduz como inidoneidade absoluta.
Outra conclusão extraída é que, por outro lado, com base nessa teoria
prevista no artigo 17 do Código Penal, nos casos em que esta inidoneidade for relativa,
ou seja, a conduta utilizada pelo agente era hábil à alcançar a consumação delitiva, o
que somente não ocorreu em decorrência de circunstâncias estranhas à sua vontade,
haverá crime tentado.
Convém, nesse ponto, esclarecer que o crime impossível é classificado
como uma causa excludente da tipicidade (NUCCI, 2017, p. 202). Assim, como visto,
somente a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto absolutas levam à
atipicidade, conquanto, sendo apenas ocasional e estranha às ações do agente a
falha do resultado criminoso pretendido, haverá tentativa punível (CAPEZ, 2013, p.
284-285).
Dessa forma, como forma de arrebatar o tema, ainda que o crime
impossível e o crime tentado guardem similitudes pelo fato de se darem nas hipóteses
em que o agente inicia a execução da conduta delitiva, mas não atinge a consumação,
suas diferenças são ainda mais visíveis.
Isto porque, na tentativa, a conduta praticada pelo agente é hábil à
consumação delitiva, porquanto os meios empregados são idôneos, e o objeto
28

material alvejado pela ação do agente é um bem jurídico passível de lesão ou perigo
de lesão, não se consumando o delito apenas por circunstâncias alheias à sua
vontade, ou seja, havia um mínimo risco de consumação do crime. Já, no crime
impossível, o emprego de meios ineficazes ou a agressão a objetos impróprios
afastam completamente a possibilidade da produção do resultado, inexistindo
qualquer situação de perigo ao bem jurídico tutelado (MASSON, 2014, p. 120).
Para fins de conhecimento, importa destacar que a previsão do crime
impossível como forma de excludente de tipicidade e, portanto, da punibilidade da
tentativa inidônea, na forma atualmente prevista no Código Penal brasileiro, foi
inserida através da reforma do Código de 1984, enquanto que, em sua redação
original de 1940, a tentativa inidônea era submetida à medida de segurança de
liberdade vigiada (arts. 76, parágrafo único, e 94, III), condicionada à periculosidade
do agente. Entretanto, a primeira previsão do crime impossível no ordenamento
jurídico brasileiro foi no art. 14, parágrafo único, do Código de 1890 sob o texto “não
é punível a tentativa no caso de inefficacia absoluta do meio empregado, ou de
impossibilidade absoluta do fim a que o delinquente se propuser” (ZAFFARONI,
PIERANGELI, 2008, p. 68-72).
De todo o abordado, a conclusão facilmente extraída é que para que esteja
configurado o crime impossível, basta verificar na análise do caso concreto se pelos
meios utilizados e contra o que intentado pelo agente, o crime almejado tinha alguma
chance de êxito em consumar-se, de modo que, não havendo nenhuma hipótese de
consumação, o crime é impossível. Contudo, constatada qualquer chance hábil de
atingir a consumação delitiva, por mais irrisória que seja, presente a figura da tentativa
de crime.
29

3 CRIME DE FURTO (ARTIGO 155, DO CÓDIGO PENAL): ANÁLISE DE SUA


CONSUMAÇÃO E DE SUAS TENTATIVAS IDÔNEAS E INIDÔNEAS

De forma a evidenciar a importância do estudo do delito do furto, vale,


primordialmente, ressaltar a relevância dada pelo ordenamento jurídico brasileiro ao
patrimônio, cuja tutela é garantida, inclusive, em nível constitucional.
Isso é evidenciado pelo texto do artigo 5º, caput, da Constituição Federal,
ao eleger a inviolabilidade do direito à propriedade dentre os direitos individuais
fundamentais garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. Em
decorrência dessa garantia, o Código Penal vem tutelar e proteger o direito de
propriedade contra as mais variadas formas que pode ser atacado, em especial, em
seu Título II (NUCCI, 2017, p. 781).
Convém rememorar que o Direito Penal objetiva, sobretudo, com a criação
de delitos com previsão de uma sanção predeterminada aos que transgredirem a
norma, a tutela dos bens tidos por mais importantes no convívio humano que não
puderem ser perfeitamente salvaguardados pelos outros ramos do Direito.
Nesse sentido, a elevada importância dada no ordenamento jurídico
brasileiro ao patrimônio é evidenciada ao se verificar que tratar-se do segundo valor
fundamental consagrado e protegido pelo Direito Penal. Bem esclarece a questão
Estefam (2012, p. 373) ao dispor que "depois de tutelar a pessoa, sob diversos
aspectos (vida, saúde, integridade corporal, honra, liberdade individual), preocupa-se
nossa lei criminal com a relação entre os homens e seus bens materiais".
Dada essa preocupação, surgem os institutos dos crimes de furto, roubo e
apropriação indébita, tendo por objeto a coisa móvel, sendo a ordem de disposição
legal dos delitos iniciado pelo furto simples que, nas palavras de Noronha (2003, p.
213), constitui o "tipo fundamental dos crimes contra o patrimônio mobiliário".
Importa elucidar que o presente estudo restringe-se a abordagem do delito
de furto, tipificado no artigo 155 do Código Penal, em especial acerca da configuração
de sua tentativa, seja em sua modalidade basilar ou qualificadas, quando praticada
em estabelecimentos comerciais que detém sistema de vigilância eletrônica ou física,
ou se tal condição em que intentado o crime conduziria a atipicidade da conduta em
razão do reconhecimento do instituto do crime impossível, porquanto seria
inconcebível a consumação delitiva, dada a ineficácia absoluta do meio empregado.
30

Para melhor compreensão do tema, considera-se imprescindível a análise


pormenorizada do tipo penal do furto, desde sua forma basilar, com suas
características gerais e hipóteses de incidência, passando-se ao exame das formas
qualificadas, que embora imponham o atendimento de outros requisitos para que
incidam, pressupõem para sua configuração, de toda forma, o atendimento dos
requisitos do tipo penal simples, com posterior enfoque na idoneidade ou inidoneidade
dos meios utilizados para sua prática delitiva a fim de aferir a possibilidade de sua
incidência nos casos concretos.

3.1 DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

Como já exposto, o Direito Penal quando tutela o patrimônio visa alicerçar


a proteção ineficaz dada a tal instituto por outros ramos do Direito, especialmente pelo
Direito Civil, o qual, por si só, mostra-se insuficiente para evitar e repreender a prática
de ilícitos patrimoniais, sendo necessária a atuação do Direito Penal para selecionar
as ações mais temerárias à propriedade e atribuir-lhes o caráter de ilícito penal, sob a
ameaça de sanção penal, num interesse propriamente social e não individual (CAPEZ,
2019, p. 430).
Dessa forma, o Código Penal destinou seu Título II, denominado “Dos
crimes contra o patrimônio”, para previsão das infrações penais que tem como
principal objetivo a tutela do patrimônio, sendo este vocábulo compreendido, com
base nos ensinamentos de Estefam (2012, p. 380) como "o complexo de relações
jurídicas encabeçadas por um sujeito que tem por objeto último coisas dotadas de
utilidade, isto é, de capacidade de satisfazer necessidades humanas, materiais ou
espirituais".
Com isso, o fundamento caracterizador dos delitos contra o patrimônio é a
prevalência do interesse patrimonial, o que faz com que delitos como o peculato e a
corrupção passiva, também lesionantes do patrimônio, não sejam incluídos nessa
classificação, porquanto estes delitos visam, predominantemente, tutelar o exercício
da administração pública (NORONHA, 2003, p. 211).
Vale dizer, ainda, na via contrária, que a objetividade jurídica deste título
não se esgota no patrimônio, tendo em vista sua previsão de diversos crimes
complexos, os quais atingem mais de um bem jurídico digno de proteção e, assim,
tutelam, de forma secundária, outros valores, a exemplo do crime de latrocínio (art.
31

157, § 3º, do Código Penal), que salvaguarda o patrimônio e a vida das pessoas
(ESTEFAM, 2012, p. 373).
Outra consideração a ser feita acerca desse título dos crimes contra o
patrimônio é que, embora o valor econômico dos bens objetos dessas práticas
delitivas seja uma característica predominante na maioria dos delitos patrimoniais, não
é requisito indispensável, haja vista a expressão “patrimônio” não conduz
necessariamente a algo suscetível de valoração pecuniária, além de que muitos dos
delitos em comento tutelam, concomitantemente, outros valores.
Nesse sentido, bem esclarece Estefam (2012, p. 376) sobre o tema:

De fato, essa característica está presente em praticamente todas as infrações


do Título II. Não é, contudo, requisito indispensável. Deve ela ser levada em
conta, segundo nos parece, somente naquelas infrações que contenham o
patrimônio como a única e exclusiva objetividade jurídica protegida (p. ex., o
furto) e, mesmo nesses casos, não de modo absoluto. Isto porque, repita-se,
o patrimônio traduz uma relação jurídica entre a pessoa e o objeto, dotado de
utilidade, e capaz de satisfazer necessidades materiais e espirituais (ou seja,
afetivas). “A concepção do patrimônio, para o Direito Penal, guarda sentido
amplo: acervo de bens e objetos tangíveis e conjunto de direitos e deveres
pertencentes a uma pessoa física ou jurídica, não necessariamente
suscetíveis de valoração econômica imediata”. Desta forma, aquele que
subtrai, para si, objeto de inexpressivo valor econômico, mas sabidamente
caro sentimentalmente para seu titular, comete furto. Do mesmo modo, quem
toma de assalto uma pessoa e, mediante violência, retira-lhe bem de ínfimo
valor, comete roubo (que se trata de delito complexo).

A fim de bem destacar os crimes contra o patrimônio, é importante pontuar


que o Título II do Código Penal é dividido em oito capítulos, sendo os sete primeiros
destinados à previsão dos crimes em espécie e, o último, trata de algumas imunidades
em relação aos delitos tratados nos anteriores (GONÇALVES, 2012, p. 01).
Dentre esses delitos, está incluso o crime de furto, objeto principal de
estudo do presente trabalho, sobre o qual passa-se a discorrer.

3.2 HISTORICIDADE DO FURTO NO MUNDO E NO BRASIL

Antes do exame jurídico do crime de furto, oportuno abordar-se seu


histórico, tanto no mundo como no Brasil, para entender sua criação e evolução.
O furto é um delito de habitual prática e incriminado em todas as sociedades
desde a antiguidade, tendo em vista que a legislação mosaica, o Alcorão, o Código
de Hamurabi e o Código de Manu já previam em seus textos a reprimenda a referida
conduta (PRADO, 2013, p. 419).
32

No Direito Romano também havia a punição do furtum, no qual, entretanto,


não se estabelecia nenhuma diferença entre a subtração com ou sem violência
(NASCIMENTO, 2000, p. 196). Ainda, a relevância do instituto é evidenciada ao se
denotar que, em Roma, desde a Lei das XII Tábuas, já era punido comportamento
semelhante ao que hoje considera-se furto, contudo, eram estabelecidas diferenças
entre o furto em que o agente era surpreendido em flagrante delito e o furto em que
não havia flagrância, sendo o primeiro crime punido com morte e este com sanção
pecuniária, calculada com base no valor do bem subtraído (ESTEFAM, 2012, p. 378).
Por sua vez, no Brasil, o furto já era punido desde o período colonial,
quando vigoravam como normas jurídicas as Ordenações portuguesas, todavia, tanto
nas Ordenações Afonsinas como nas Ordenações Filipinas, o furto era punido com a
pena de morte, a qual somente não era executada nos casos em que o condenado
pagasse o anoveado (nove vezes o valor da res furtiva) ao pé da forca (ESTEFAM,
2012, p. 379).
Já no período imperial, o furto foi previsto no artigo 269 do Código Criminal
do Império (1830-1890), no capítulo "Dos crimes contra a propriedade" e mostrou uma
evolução na redação da conduta ilícita, fazendo menção expressa ao elemento
subjetivo (a vontade do assenhoramento definitivo do bem). Outrossim, no Código
Penal Republicano (1890-1932), o furto foi previsto em seu artigo 330, no capítulo dos
crimes contra a propriedade pública e a particular (PRADO, 2013, p. 422).
Por fim, com o advento do Código Penal de 1940, ainda vigente, apenas
alterado parcialmente por algumas reformas, o legislador suprimiu a expressão “contra
a vontade de seu dono", anteriormente prevista, do tipo penal em comento, porquanto
já é uma circunstância intrínseca à conduta do furto (PRADO, 2013, p. 423).
Prossegue-se então à análise deste tipo penal, em vigor todo esse tempo.

3.3 DO CRIME DE FURTO E SUAS ESPÉCIES

No ordenamento jurídico brasileiro, o crime de furto está previsto no artigo


155 do Decreto-Lei n. 2.848/1940 (Código Penal), o qual além da forma simples de
subtração de bem do patrimônio alheio, prevê outras formas de cometimento do delito,
os quais, pelas circunstâncias em que praticado ou objetos a que destinados,
merecem maior reprovabilidade, com penas culminadas maiores, denominadas
qualificadoras, além de uma causa de aumento da pena e uma causa de diminuição
33

da pena/privilégio. Para melhor ilustração, vale a transcrição do mencionado tipo


penal, disposto da seguinte forma:

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:


Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o
repouso noturno.
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz
pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois
terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que
tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver
emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo
automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
§ 6o A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de
semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em
partes no local da subtração.
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a
subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou
isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (BRASIL,
2020a).

Nesse contexto, para adentrar no tema, mostra-se proveitoso conceituar


furto, que conforme Nucci (2017, p. 781):

Furtar significa apoderar-se ou assenhorear-se de coisa pertencente a


outrem, ou seja, tornar-se senhor ou dono daquilo que, juridicamente, não lhe
pertence. O nomen juris do crime, por si só, dá uma bem definida noção do
que vem a ser a conduta descrita no tipo penal.

Vê-se que para a configuração do furto são necessários três elementos,


quais sejam: subtração, coisa alheia móvel e o animus do assenhoramento definitivo
do bem (NASCIMENTO, 2000, p. 200).
Portanto, a ação física imprescindível para prática do furto é expressa pelo
verbo nuclear do tipo penal em comento – subtrair –, que significa inverter o título da
posse, ao retirar o objeto da esfera de disponibilidade da vítima, pretendendo tê-lo
para si ou para outrem (ESTEFAM, 2012, p. 381).
Por sua vez, a exigência do ânimo de assenhoramento definitivo do bem
(animus rem sini habendi ou animus furandi) é o que justamente afasta a incriminação
do furto de uso, ante a falta dessa característica (ESTEFAM, 2012, p. 381).
34

A objetividade jurídica do delito de furto – o que o tipo penal do artigo 155


do Código Penal busca proteger? – é um tema divergente na doutrina brasileira, de
modo que surgiram quatro correntes identificando-a de forma diversa, quais sejam:
(1) tutela somente o direito de propriedade; (2) protege somente a posse; (3) tanto a
posse como a propriedade são protegidas e (4) tutelam a propriedade, a posse e a
detenção do bem (PRADO, 2013, p. 424-425).
O entendimento doutrinário majoritário defende que o tipo penal do furto
tutela imediatamente a posse e secundariamente a propriedade (NORONHA, 2003, p.
214).
Outrossim, conforme expresso no caput do artigo 155 do Código Penal, o
objeto material do crime de furto é a coisa alheia móvel, definindo-se coisa alheia
como aquela que se encontra na posse de outrem, seja ele proprietário ou apenas
legítimo possuidor do bem (NORONHA, 2003, p. 220).
No tocante ao vocábulo "coisa móvel" previsto no artigo em tela, Nasci-
mento (2000, p. 200) bem delimita sua extensão ao dispor:

Coisa é toda substância corporal, material, passível de ser apreendida, que


tenha qualquer valor.
O Código emprega a expressão "coisa móvel" como coisa suscetível de ser
levada do lugar onde se encontra, como joias, roupas, dinheiro.

Com fulcro nesse entendimento, tem-se que os bens imóveis não podem
ser objeto de furto (ESTEFAM, 2012, p. 382).
Outra questão de divergência na doutrina quanto a configuração do delito
de furto, é a necessidade ou não, do bem objeto do crime ter alguma valoração pecu-
niária. Sobre o tema, contrapondo Nascimento, para quem o objeto não precisa ter
valor especificamente econômico, Prado (2013, p. 783) sustenta que "no contexto dos
delitos contra o patrimônio (conjunto de bens suscetíveis de apreciação econômica),
cremos ser imprescindível que a coisa tenha, para seu dono ou possuidor, algum valor
econômico", devendo ser resolvido na esfera civil a reparação de dor moral por sub-
tração de eventual coisa de valor meramente sentimental.
Diante do apresentado, tem-se por notório que para ser objeto de furto, o
bem almejado deve pertencer a alguém, além de ser suscetível de remoção e apre-
ensão, o que, na via transversa, leva ao raciocínio de que alguns outros bens, porque
não integram o patrimônio de qualquer pessoa, não podem ser objeto de furto. Sobre
o tema, Nascimento (2000, p. 201) leciona:
35

[...] Como linear fica a coisa móvel subtraída, deverá ser propriedade de al-
guém. Deduzido fica, por consequência, que a res nullius, a res derelicta e a
res commune omnium não poderão ser objeto material de furto. Res nullius é
a que em momento algum teve dono. Res derelicta é a que já pertenceu a
alguém, tendo sido abandonada, renunciando pois o dono a sua propriedade.
Res commune omnium é a que é do uso de todos, não sendo suscetível de
ocupação em sua totalidade.

Acrescenta-se que o crime de furto pode ser cometido por qualquer pessoa
(delito comum), sendo o sujeito ativo aquele que subtrai a coisa (NORONHA, 2003, p.
215).
Convém pontuar que a doutrina majoritária sustenta a impossibilidade do
proprietário furtar o próprio bem, especialmente em razão de não poder se cogitar
uma coisa ser, simultaneamente, própria e alheia, além de que, o legislador, para evi-
tar qualquer dúvida, incriminou a subtração de coisa comum (artigo 156 do Código
Penal), bem como a subtração de coisa própria em poder de terceiro perpetrado pelo
proprietário (artigo 346 do Código Penal) (PRADO, 2013, p. 425).
A seu turno, o sujeito passivo do crime de furto – a vítima - considerando
que a objetividade jurídica imediata do crime de furto é a posse, o sujeito passivo
imediato desse delito é o possuidor do bem. Outrossim, o proprietário também é su-
jeito passivo desse crime, contudo de forma indireta, haja vista também sofrer lesão
patrimonial (NORONHA, 2003, p. 218).
Nesse contexto, oportuno trazer a lição de Nucci (2017, p. 781-782) de que
no crime de furto "sujeitos ativo e passivo: podem ser qualquer pessoa. No caso de
ladrão que subtrai a coisa já furtada de outro ladrão, há crime de furto, embora a vítima
seja legítimo dono ou possuidor do objeto".
Outra exigência para configuração do delito de furto é seu elemento subje-
tivo, qual seja, o dolo, o qual, especialmente no crime em apuro, é exigido tanto na
sua forma genérica, regra do Código Penal, consistente na vontade incontestável e
consciente de praticar o crime, bem como o dolo específico, evidenciado pela vontade
de assenhoramento definitivo sobre a coisa alheia. Acerca do tema, ensina Noronha
(2003, p. 226):

Elemento subjetivo. Não há furto sem dolo, que é genérico e específico. O


primeiro é a vontade consciente de praticar o fato definido como crime pela
lei penal. O segundo é o escopo, o interesse do sujeito ativo, que, no mesmo
furto, reside em apropriar-se da coisa alheia, para que ele ou terceiro dela
disponham, como se donos fossem. Nisso reside o animus furandi.
36

Importa elucidar que é irrelevante a motivação do agente (lucro, vingança)


a configuração do furto, bastando, além do atendimento dos demais critérios aborda-
dos, a intenção do agente em apoderar-se em definitivo da coisa, contra a vontade da
vítima (BITENCOURT, 2014, p. 23-24).
De mais a mais, a doutrina ainda qualifica o furto como delito patrimonial
simétrico, porquanto a vantagem auferida pelo agente com a prática delitiva relaciona-
se diretamente com os valores do prejuízo sofrido pelo ofendido (ESTEFAM, 2012, p.
394).
Com isso, abordou-se, até aqui, grande parte da classificação e hipóteses
de configuração do delito de furto, restando discorrer acerca de seu momento consu-
mativo e a possibilidade ou não de tentativa, temas centrais do corrente trabalho e,
por isso, dignos de análise aparada, o que se segue.

3.3.1 Consumação delitiva

Embora tenha um passado de grande controvérsia, atualmente a doutrina,


em sua grande maioria, sustenta que a consumação do furto dá-se no exato momento
da inversão da posse da res furtiva, portanto quando o agente passa a ter a posse
sobre a coisa, após retirá-la do poder de quem a possuía. Esse entendimento é bem
expresso nos dizeres de Capez (2019, p. 436-437) ao revelar:

A consumação do furto ocorre com a inversão da posse, ou seja, no momento


em que o bem passa da esfera de disponibilidade da vítima para a do autor.
A subtração se opera no exato instante em que o possuidor perde o poder e
o controle sobre a coisa, tendo de retomá-la porque já não está mais consigo.
Basta, portanto, que o bem seja retirado do domínio de seu titular e transfe-
rido para o autor ou terceiro. Não se exige que, além da subtração, o agente
tenha a posse tranquila e desvigiada da res.

Esse entendimento, denominado teoria da apprehensio ou amotio, é majo-


ritário tanto na doutrina como nos Tribunais Superiores, contudo, encontra resistência
de alguns doutrinadores que defendem a necessidade do delinquente deter a posse
mansa e pacífica sobre o bem para a consumação do furto. Essa corrente é difundida
por Nucci (2017, p. 782) quando aborda:

É imprescindível, por tratar-se de crime material (aquele que se consuma com


o resultado naturalístico), que o bem seja tomado do ofendido, estando, ainda
que por breve tempo, em posse mansa e tranquila do agente. Se houver per-
seguição e em momento algum conseguir o autor a livre disposição da coisa,
trata-se de tentativa. Não se deve desprezar essa fase (posse tranquila da
coisa em mãos do ladrão), sob pena de se transformar o furto em um crime
37

formal, punindo-se unicamente a conduta, não se demandando o resultado


naturalístico.

De todo modo, ambas as posições doutrinárias convergem em admitir que


há consumação do furto nos casos em que o agente é perseguido e preso após a
subtração, mas durante a fuga se desfaz, inutiliza ou perde o bem, de modo que a
vítima não recupera a coisa, levando-a a sofrer efetivo prejuízo econômico, não
podendo se falar em mera tentativa (GONÇALVES, 2012, p. 18).

3.3.2 Do furto tentado

No tocante à tentativa, esta é admitida em todas as modalidades do crime


de furto – simples, privilegiado e qualificado (GONÇALVES, 2012, p. 19) – e tem sua
incidência quando o agente, após iniciar a execução do crime (ato destinado à consu-
mação do furto), tenha sua atividade cessada antes de ter a posse do objeto em subs-
tituição a posse da vítima, por circunstâncias alheias à sua vontade (NORONHA,
2003, p. 228).
Nesse contexto, destaca-se que até mesmo para especialistas do tema é
difícil estabelecer os limites entre os atos preparatórios e de execução para se distin-
guir as hipóteses em que os atos praticados são passíveis de punição, os quais, como
visto anteriormente, via de regra, só são puníveis a partir do início dos atos executó-
rios. No entanto, Estefam (2012, p. 451-452) bem esclareceu o tema quando discor-
reu:

A punibilidade da tentativa, entretanto, condiciona-se ao cometimento de atos


executórios, pois, como se sabe, a mera preparação não enseja
responsabilização criminal. Não é tarefa das mais simples estabelecer a
exata fronteira entre a preparação e a execução. Esta se dá, de ordinário,
quando o agente pratica o primeiro ato tendente e inequívoco à consumação
delitiva, ou seja, nos momentos imediatamente anteriores ao início da
conduta típica. Assim, por exemplo, se o agente ingressa no interior de uma
loja e se apodera de um objeto qualquer, visando a subtraí-lo, já se pode falar
em tentativa, embora não tenha ele procurado, ainda, passar pelo caixa sem
efetuar o pagamento. É evidente, neste caso, que o agente pode, até o
instante indicado, mudar de ideia e deixar a coisa no lugar; dar-se-á, então, a
desistência voluntária (art. 15 do CP), que, no caso assinalado, resultará na
atipicidade da conduta (tornando impunível a tentativa já iniciada).

Com isso, elencados todos os pontos relevantes de configuração e carac-


terísticas do crime de furto, vale trazer a lição de Bitencourt (2014, p. 46-47) que bem
resume sua classificação quando diz:
38

Trata-se de crime comum (aquele que não exige qualquer condição especial
do sujeito ativo); de dano (consuma-se apenas com lesão efetiva ao bem ju-
rídico tutelado); material (que causa transformação no mundo exterior, con-
sistente à diminuição do patrimônio da vítima); comissivo (é da essência do
próprio verbo nuclear, que só pode ser praticado por meio de uma ação posi-
tiva; logicamente, por intermédio da omissão imprópria também pode ser pra-
ticado, nos termos do art. 13, § 2º); doloso (não há previsão legal para a figura
culposa); de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio, forma ou
modo), instantâneo (a consumação opera-se de imediato, não se alongando
no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado, em regra, apenas por um
agente); plurissubsistente (pode ser desdobrado em vários atos, que, no en-
tanto, integram uma mesma conduta).

Ademais, faz-se oportuno elucidar que todos os elementos e características


dispostos são imprescindíveis à configuração tanto do furto na sua forma simples,
expressa no caput do artigo em análise, quanto também de suas formas derivadas,
previstas nos parágrafos do mesmo dispositivo legal.

3.3.3 Do furto noturno (artigo 155, § 1º, do Código Penal)

Após a previsão do tipo basilar do crime de furto no caput do artigo 155 do


Código Penal, o legislador adicionou no § 1º do mesmo artigo uma causa de aumento
da pena (ou majorante), em um terço, para os casos em que o delito de furto seja
cometido durante o repouso noturno.
A motivação de sua previsão no Código Penal está relacionada ao fato de
que, com a previsão de maior punibilidade ao agente que praticar o furto durante o
repouso noturno, busca-se intimar os delinquentes a fim de evitar a prática do furto
nessas condições, que, em tese, facilitam a execução do crime pelo agente, principal-
mente em razão da menor vigilância e defesa exercida pelas pessoas sobre seus
bens, seja porque encontram-se repousando ou mesmo pela menor movimentação
da população (HUNGRIA; FRAGOSO, 1955, p. 29-30).
Sobre o sentido dado a expressão "repouso noturno" dado pela lei, Capez
(2019, p. 445) bem esclarece "não se confunde com noite. Esta é caracterizada pela
ausência de luz solar (critério físico-astronômico). Repouso noturno é o período de
tempo, que se modifica conforme os costumes locais, em que as pessoas dormem
(critério psicossociológico)". De qualquer forma, para a incidência da majorante em
tela, é exigível que o fato ocorra obrigatoriamente à noite (GRECO, 2014b, p. 18).
No que tange as hipóteses de incidência da causa de aumento, embora
tenha um passado doutrinário e jurisprudencial com inúmeras teses e controvérsias,
hoje a tese amplamente dominante estabelece que, praticado o fato durante o período
39

de repouso noturno, nos termos acima referidos, incide a majorante, sendo irrelevante
que o delito se dê em residência, que o local esteja ou não habitado, com ou sem a
presença de seus moradores, possibilitando assim a aplicação da causa de aumento
em furtos praticados em veículos estacionados na rua e em estabelecimentos comer-
ciais (ESTEFAM, 2012, p. 394).
Com isso, praticado o crime de furto durante o repouso noturno, indepen-
dentemente de onde ocorra, desde que constatada a consequente diminuição da vi-
gilância exercida sobre o bem objeto do crime, em razão dessa condição, seja pelo
dono ou pela sociedade em geral, deverá incidir a majorante do repouso noturno.

3.3.4 Do furto privilegiado (artigo 155, § 2º, do Código Penal)

Na continuidade da construção do artigo 155 do Código Penal, previu-se


em seu § 2º tanto uma causa especial de diminuição da pena como também uma
forma privilegiada de furto, ao estabelecer que nos casos de furto em que o agente
for primário e a coisa furtada ser de pequeno valor, o juiz deverá beneficiar o delin-
quente com uma das seguintes opções: substituir-lhe a pena de reclusão pela de de-
tenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Esse benefício, denominado “furto privilegiado”, impõe ao juiz a obrigação
de conceder uma menor reprovação da punição do agente nos casos de furto em que
haja irrisório desvalor do resultado, traduzido pelo pequeno valor da res furtiva, so-
mado à primariedade do agente (PRADO, 2013, p. 431).
Quanto ao requisito da primariedade do criminoso para aplicação dessa
benesse, a lei exige que o agente seja primário, portanto, não seja reincidente. Isto
possibilita a aplicação do privilégio mesmo quando o agente tenha condenações pre-
téritas, desde que estas não sirvam para surtir o efeito da reincidência (artigos 63 e
64 do Código Penal), ou seja, após transcorrido o lapso temporal de cinco anos entre
a data do cumprimento ou da extinção da pena e o cometimento da nova infração
penal, porquanto não obsta sua aplicação o agente portar maus antecedentes (NU-
CCI, 2017, p. 792).
A seu turno, para preenchimento do requisito do pequeno valor da coisa
furtada, a maioria da doutrina estabelece que a ponderação do pequeno valor deve
ser feita exclusivamente sobre o valor da res, sendo irrelevante a extensão do prejuízo
sofrido pelo ofendido (ESTEFAM, 2012, p. 395).
40

Outra questão importante é a delimitação do montante que corresponde ao


pequeno valor, o qual, conforme corrente majoritária, é limitado pelo valor do salário
mínimo nacional vigente à época dos fatos, momento em que deve ser auferido o valor
da coisa furtada (NUCCI, 2017, p. 793).
A fim de bem elucidar o tema, faz-se necessário mencionar que o furto pri-
vilegiado não se confunde com a atipicidade material em decorrência da aplicação do
princípio da insignificância, diferença esta bem traçada na lição de Capez (2019, p.
447-448) ao esclarecer:

Furto privilegiado e princípio da insignificância: o direito penal não cuida de


bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas incapa-
zes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico,
se a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível pro-
ceder-se ao enquadramento, por absoluta falta de correspondência entre o
fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. Por essa razão, os
danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. Tal não se
confunde com o furto privilegiado, em que a coisa furtada é de pequeno valor,
mas não é de valor insignificante, ínfimo. Somente a coisa de valor ínfimo
autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipici-
dade da conduta. No furto privilegiado, em que pese a coisa ser de pequeno
valor, há um resultado penalmente relevante que tão somente merece um
tratamento penal mais benigno, não deixando de configurar crime.

Dessa forma, preenchidos no caso concreto os requisitos da primariedade


do agente e o pequeno valor da coisa furtada, o delinquente tem direito a aplicação
de uma das benesses previstas no § 2º do artigo 155 do Código Penal, as quais o
magistrado está obrigado a concedê-las, subsistindo-lhe a discricionariedade de, es-
colher entre as alternativas previstas, a que melhor sirva à devida reprimenda do
agente com base no caso real.

3.3.5 Da equiparação da energia elétrica ou de qualquer outra que possua valor


econômico à coisa móvel (artigo 155, § 3º, do Código Penal)

Em razão de não se revelar tema central desse trabalho, convém apenas


referir que o artigo 155 do Código Penal, prevê em seu § 3º que a energia elétrica ou
qualquer outro tipo de energia passível de valoração econômica equipara-se à coisa
móvel, e, portanto, pode ser objeto de furto.
De forma categórica, Nucci (2017, p. 795) bem sintetiza o tema ao expres-
sar:

Equiparação à coisa móvel: para não haver qualquer dúvida, deixou o legis-
lador expressa a intenção de equiparar a energia elétrica ou qualquer outra
41

que possua valor econômico à coisa móvel, de modo que constitui furto a
conduta de desvio de energia de sua fonte natural. Energia é a qualidade de
um sistema que realiza trabalhos de variadas ordens, como elétrica, química,
radiativa, genética, mecânica, entre outras. Assim, quem faz uma ligação
clandestina, evitando o medidor de energia elétrica, por exemplo, está prati-
cando furto. Nessa hipótese, realiza-se o crime na forma permanente, vale
dizer, a consumação se prolonga no tempo. Enquanto o desvio estiver sendo
feito, está-se consumando a subtração da energia elétrica.

A inserção desse parágrafo, com a previsão de que qualquer tipo de ener-


gia, com valor econômico, é sim objeto material de furto tem for fundamento afastar
qualquer dúvida quanto a tipicidade do furto de energia, tendo em vista que, na maioria
das vezes, o objeto desse delito não é corpóreo, o que poderia incitar o entendimento
de que não configuraria bem tutelado pelo delito em comento, pela ausência da con-
dição de "objeto móvel".

3.3.6 Hipóteses de furto qualificado previstas no § 4º do artigo 155 do Código


Penal

Na continuação da construção do artigo 155 do Código Penal, seu § 4º


elenca algumas circunstâncias que, caso utilizadas na perpetração do delito de furto,
fazem com que a pena abstrata para sua reprimenda seja de dois a oito anos de re-
clusão, e multa, sendo elas: "I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtra-
ção da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas".
Em relação a essas circunstâncias, Estefam (2012, p. 399) revela que "to-
das elas são reveladoras de maior audácia do agente no cometimento do ilícito, em-
prego de recurso que facilite a consecução do delito ou traduzem inclinada propensão
ao crime”.
Dessa feita, quanto maior a gravidade da ação ou do resultado do crime,
de forma mais grave deve ele ser punido.
Outrossim, diante da grande quantidade de qualificadoras previstas num só
parágrafo, as quais, podem facilmente ser utilizadas no cometimento de furto realiza-
dos em estabelecimentos comerciais com sistema de vigilância, como proposto no
tema deste trabalho, mostra-se proveitoso abordá-las individualmente.
42

3.3.6.1 Furto com destruição ou rompimento de obstáculo (artigo 155, § 4º, inciso I,
do Código Penal)

A primeira circunstância prevista como qualificadora do crime de furto é seu


cometimento com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa.
Para a correta interpretação da qualificadora, faz-se necessário estabele-
cer o conceito dos vocábulos “destruição”, “rompimento” e “obstáculo”, extraídos de
seu texto legal, os quais são bem detalhados nos dizeres de Noronha (2003, p. 240,
destacou-se) quando dispõe:

Destruição é o ato ou efeito de destruir, e destruir é demolir, desfazer, des-


manchar etc. Rompimento designa a ação ou consequência de romper, que
importa partir, despedaçar, separar, rasgar, abrir, etc. Qualquer dessas ações
deve recair sobre obstáculo, isto é, sobre o que constitui estorvo à subtração
da coisa, desnecessário sendo incidir sobre o próprio objeto do furto - arrom-
bamento de cofre, para subtrair dinheiro. Para haver a agravante é indispen-
sável a existência de obstáculo, isto é, que exista resistência, pequena que
seja, a ser vencida. Tal não se dá, por exemplo, se a coisa é furtada de mala
que se abriu, apertando seus botões.

Faz-se oportuno elucidar que esse dispositivo qualifica o furto praticado


com violência sobre a coisa/objeto, de modo que, nos casos de subtração com em-
prego de violência contra a pessoa, configura o crime de roubo (BITTENCOURT,
2014, p. 53).
Outra questão de destaque é que a violência apta a ensejar a incidência da
qualificadora em tela é aquela em que a destruição ou o rompimento do obstáculo é
efetuado para consumar a subtração, como meio necessário à efetivação da subtra-
ção da res furtiva, mesmo que após a apreensão física da coisa.
Nessa linha, Hungria e Fragoso (1955, p. 37-38) defendem:

Cumpre que a destruição ou o rompimento do obstáculo ocorra em qualquer


dos momentos da fase executiva do crime. O que vale dizer: para possibilitar
ou facilitar tanto a apprehensio, quanto a efetiva transferência da res furtiva
ao poder de livre e tranquila disposição dela por parte do agente. Enquanto o
furto não está consumado, ou ainda se ache em fase de execução, a violência
contra o obstáculo é qualificativa.

Outrossim, o ponto de maior divergência no que tange à aplicação dessa


qualificadora é a necessidade de que o obstáculo seja externo à coisa ou se pode
fazer parte da própria res furtiva, prevalecendo tanto no âmbito doutrinário como juris-
prudencial o entendimento de que o obstáculo tem que ser algo destinado à proteção
da coisa, não algo que exista para o seu uso regular. Nesse contexto, a destruição de
43

vidro do veículo para a sua subtração configuraria furto simples, entretanto sua des-
truição para subtração de algum bem no interior do automóvel caracterizaria furto qua-
lificado (ESTEFAM, 2012, p. 400-401).
Todavia este entendimento vem sofrendo mudança gradual, em especial
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, para abranger também a qualificadora
quando a violência se der sobre obstáculo inerente à própria coisa furtada, ao argu-
mento de não haver nenhuma distinção no texto legal (ESTEFAM, 2012, p. 400).
Por todo o abordado, restam bem evidenciadas as hipóteses de incidência
dessa qualificadora.

3.3.6.2 Furto com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza


(artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal)

Na sequência da elaboração do referido parágrafo, o legislador, em seu


inciso II, atribuiu maior punibilidade aos agentes que praticarem o furto com abuso de
confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza.
Para melhor compreensão e organização, passa a análise individual des-
sas hipóteses de qualificação do crime de furto.

I) Furto com abuso de confiança


A primeira dessas circunstâncias é o abuso de confiança.
Para a devida abordagem do tema, necessário conceituar confiança, que
nos dizeres de Bittencourt (2014, p. 57) "é um sentimento interior de credibilidade,
representando um vínculo subjetivo de respeito e consideração entre o agente e a
vítima, pressupondo especial relação pessoal entre ambos”.
Portanto, a incidência dessa qualificadora se dá nos casos em que o agente
pratica o furto valendo-se da menor vigilância que a vítima exercia sobre o bem em
razão da confiança depositada no criminoso, subtraindo a coisa sem que seu dono
perceba ou suspeite de suas intenções. Não se exige motivo especial para esta con-
fiança (amizade, parentesco, relações de trabalho) e independe se ela foi adquirida
propositalmente para este fim ou se já existia de longa data (ESTEFAM, 2012, p. 401).
Como forma de complementação do argumento, Gonçalves (2012, p. 13)
revela que "se não obstante a relação de confiança, o agente pratica o furto de uma
44

maneira que qualquer outra pessoa poderia tê-lo cometido, não haverá a qualifica-
dora".
Desse modo, tem-se passados os pontos destacáveis dessa hipótese de
qualificadora do delito de furto.

II) Furto mediante fraude


A segunda das circunstâncias qualificadoras do delito de furto, previstas no
inciso II do § 4º do artigo 155 do Código Penal, é a fraude.
De forma sintética, Greco (2014b, p. 27) releva que a fraude na perpetração
do delito de furto é expressa pela "utilização de meios ardiloso, insidiosos, fazendo
com que a vítima incorra ou seja mantido no erro, a fim de que o próprio agente prati-
que a subtração".
A fraude resta configurada, portanto, quando o agente cria uma situação
especial e com ela consegue fazer com que a vítima incida em erro, gerando uma
momentânea confiança no o agente e, com isso, diminuindo sua vigilância e guarda
sobre o bem, facilitando a subtração (NUCCI, 2017, p. 799).
Ademais, não se exige forma específica para prática da fraude, podendo o
agente utilizar qualquer meio capaz de provocar a diminuição da vigilância sobre o
bem pelo possuidor, proprietário, ou simples vigilante, favorecendo a subtração da res
furtiva (BITTENCOURT, 2014, p. 59).
Portanto, essa qualificadora revela uma forma de enganar a vítima para
diminuir a vigilância sobre o bem, facilitando a empreitada delitiva.

III) Furto mediante escalada


O inciso II do § 4º do artigo 155 do Código Penal segue com a previsão da
escalada como circunstância qualificadora do crime de furto.
Convém esclarecer que, embora o legislador tenha se utilizado da expres-
são "escalada", essa qualificadora não exige que a entrada seja por cima, no local
onde o furto será realizado, mas sim por qualquer meio anormal e mediante um em-
penho anômalo do agente, seja pela utilização de instrumentos ou de habilidades não
ordinárias pelo criminoso, para superar obstáculo difícil. Sobre o assunto, discorre Bit-
tencourt (2014, p. 60):

Em síntese, a escalada consiste no fato de penetrar o agente no lugar em


que se encontra a coisa objeto da subtração, por via anormal, por entrada
45

não destinada a esse fim, e da qual não tem o direito de utilizar-se. E mais:
consiste não apenas em ingresso no local por via incomum, mas, sobretudo,
superando obstáculo difícil, que demande o uso de instrumento especial ou
de invulgar habilidade do agente.

Com isso, verifica-se que a qualificadora da escalada resta configurada


quando o agente utiliza de meios incomuns para a entrada no local do crime, valendo-
se de sua maior habilidade ou de instrumentos para acessar o recinto onde efetuará
a subtração.

IV) Furto mediante destreza


A última qualificadora prevista no inciso II, § 4º, do artigo 155 do Código
Penal é o furto cometido mediante destreza, circunstância que é bem descrita e exem-
plificada na lição de Estefam (2012, p. 403):

Consiste na habilidade física ou manual que permite ao agente subtrair bens


sem que a vítima perceba. É o caso do punguista, que se vale de sua des-
treza, para subtrair objetos do bolso da vítima, de modo sutil, sem que ela o
perceba. Esta circunstância só tem aplicação quando a vítima traz o bem
consigo.

Portanto, para configuração desta qualificadora, faz-se necessário que o


ladrão utilize de uma habilidade especial para praticar o furto de forma tão sutil que
lhe possibilite retirar o bem que a vítima trazia consigo sem que ela note.
Doutro norte, no caso do agente, por sua inabilidade em praticar o crime
com destreza, ser surpreendido pela vítima durante sua ação, não há que se falar na
incidência dessa qualificadora (PRADO, 2013, p. 435).
Desta feita, abordou-se todas as circunstâncias qualificadoras do crime de
furto, previstas no artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal.

3.3.6.3 Furto cometido com emprego de chave falsa

Na sequência da elaboração do § 4º do artigo 155 do Código Penal, o le-


gislador tratou, em seu inciso III, como forma qualificada de furto, aquele cometido
com emprego de chave falsa.
Sobre o tema, a maior parte da doutrina converge em admitir como “chave
falsa” para incidência desta qualificadora o emprego de qualquer instrumento capaz
de a abrir fechadura, desde que não seja a própria chave verdadeira. Evidenciando
tal posicionamento, colaciona-se a lição de Greco (2014b, p. 30):
46

Considera-se chave falsa, qualquer instrumento – tenha ou não aparência ou


formato de chave – destinado a abrir fechaduras, a exemplo de grampos, ga-
zuas, mixa, cartões magnéticos (utilizados modernamente nas fechaduras
dos quartos de hotéis) etc.
Qualquer chave, desde que não seja a verdadeira, utilizada para abrir fecha-
duras, deve ser considerada falsa, inclusive a cópia da chave verdadeira.

Ante o exposto, observa-se que qualquer objeto hábil para abrir alguma
fechadura na execução de um crime de furto, independentemente de sua forma, faz
incidir a qualificadora do emprego de chave falsa.

3.3.6.4 Furto cometido mediante concurso de duas ou mais pessoas

Enfim, a última das qualificadoras previstas ao crime de furto no § 4º do


artigo 155 do Código Penal, está em seu inciso IV, que é o furto cometido mediante
concurso de duas ou mais pessoas.
De forma simples, tem-se que sua incidência pressupõe que o furto seja
praticado por pelo menos duas pessoas. De acordo com Noronha (2003, p. 243), sua
previsão legal visa "impedir a coligação de esforços, a reunião de forças para a prática
do crime, o que, com denotar periculosidade dos agentes, enfraquece a defesa pri-
vada e facilita a impunidade".
Ademais, exige-se, para configuração dessa qualificadora, um acordo de
vontades pelos criminosos praticantes do delito para a perpetração do furto em con-
junto, podendo o ajuste ser prévio ou concomitante à prática do crime (PRADO, 2013,
p. 436).
Acerca dessa qualificadora, faz-se imperioso salientar que tanto a doutrina
como a jurisprudência mostram-se divididas quanto sua aplicabilidade, havendo diver-
gência se está adstrita ao crime cometido em coautoria ou se também se aplica no
caso de participação (concorrência), ou seja, se é necessário que mais de um envol-
vido pratique atos executórios para configuração da qualificadora.
Considerando a noticiada divergência, não se adentrará nessa discussão,
valendo apenas expor a lição de Gonçalves (2012, p. 16) que bem demonstra a divi-
são doutrinária e discorre acerca das duas correntes, ao abordar:

Divergem a doutrina e a jurisprudência acerca da necessidade da presença


de duas ou mais pessoas no local do crime praticando os próprios atos de
execução do furto. Nelson Hungria e Celso Delmanto entendem que a quali-
ficadora somente se aplica quando há pelo menos duas pessoas executando
diretamente a subtração, pois apenas nesse caso o furto é cometido com
maior facilidade, de forma a dificultar eventual defesa da vítima sobre seu
47

patrimônio. De outro lado, Damasio E. de Jesus e H. Fragoso interpretam que


a qualificadora atinge todas as pessoas envolvidas na infração penal, ainda
que não tenham praticado atos executórios e mesmo que uma só tenha es-
tado no locus delicti. Tal entendimento prende-se ao fato de a lei utilizar a
expressão "concurso de duas ou mais pessoas", que, por não fazer qualquer
distinção, abrange tanto a co-autoria quanto a participação, sendo que, nesta
última, o agente não pratica atos executórios.

De todo o abordado, repassou-se por todas as qualificadoras do crime de


furto previstas no § 4º do artigo 155 do Código Penal.

3.3.7 Hipótese de furto qualificado prevista no § 4º-A do artigo 155 do Código


Penal

Embora não prevista na redação original do artigo 155 do Código Penal,


pela Lei n. 13.654/2018, inseriu-se no referido dispositivo legal o § 4º-A, prevendo a
pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa, para os casos em houver emprego de
explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum para a prática do furto.
A razão de criação deste dispositivo para aumento das penas cominadas
ao furto é a crescente e constante prática de furtos através do estouro de caixas
eletrônicos com emprego de explosivo ou outro artefato similar, todos eles de grande
potencial lesivo, capazes de gerar perigo comum, em razão da detonação desses
dispositivos, cuja proporção é imprevisível (ANDREUCCI, 2019, p. 487).
Portanto, justifica-se esta qualificadora pela gravidade exacerbada gerada
em razão do meio empregado para a prática do crime de furto, diante da potencial
lesividade causada pelo acionamento de explosivos ou similares.

3.3.8 Hipótese de furto qualificado prevista no § 5º do artigo 155 do Código Penal

A qualificadora de furto prevista no § 5º do artigo 155 do Código Penal foi


acrescentada ao Código Penal de 1940 através da Lei n. 9.426, de 24 de dezembro
de 1996, estabelecendo pena abstrata de reclusão de 3 a 8 anos, nas hipóteses de
furto de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado da Fede-
ração ou para o exterior (NUCCI, 2017, p. 801).
Acerca das circunstâncias elementares da qualificadora em questão, Noro-
nha (2003, p. 244) destaca:

A nova qualificadora apresenta a conjugação de dois elementos: por primeiro,


a natureza especial do bem móvel objeto da subtração, veículo automotor,
48

entendendo-se como tal qualquer meio de transportar pessoa ou coisas, apa-


relhado com motor que lhe dê a possibilidade de autopropulsão; ao depois, o
fato de ser transportado para outro Estado da Federação ou para o exterior,
sendo que transportar deve ser entendido como mudar alguma coisa de um
lugar para outro, isto é, a prática de uma ação material que acompanha o
movimento [...].

Portanto, aplica-se esta qualificadora nos casos de subtração de veículo


automotor a fim de levá-lo a outro Estado brasileiro ou a outro país.

3.3.9 Hipótese de furto qualificado prevista no § 6º do artigo 155 do Código Penal

Do mesmo modo, em que pese não tenha sido prevista no texto original do
Código Penal, por meio da Lei n. 13.330/2016 foi introduzida a qualificadora do furto
denominada “abigeato”, por meio da qual se estabeleceu a pena abstrata de reclusão
de 2 a 5 anos nos casos em que a subtração for de semovente domesticável de
produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Para o correto entendimento da abrangência da qualificadora, se faz
necessário conceituar o termo “semovente domesticável”, o que Capez (2019, p. 460)
“entende-se por semovente o animal que possui condições de se deslocar por conta
própria. É elementar que se cuide de semovente domesticável, ou seja, apto a ser
domesticado”.
Com base nisso, incide a qualificadora em tela nos casos de subtração de
animais produtores em geral, como gado, ovelhas, porcos, sejas eles furtados do local
que se encontravam vivos ou já abatidos, já desmembrados ou para
desmembramento futuro (CAPEZ, 2019, p. 461).
Outra conclusão lógica extraída do dispositivo é que sua incidência não
tutela animais selvagens como leões, ursos, zebras, girafas, onças, nem os animais
não domesticáveis, como peixes e camarões, ainda que sirvam para a produção, tanto
de alimentos ou qualquer outra atividade (CAPEZ, 2019, p. 461).
Dessa forma, bem delimitada as hipóteses de incidência da qualificadora
do abigeato.

3.3.10 Hipótese de furto qualificado prevista no § 7º do artigo 155 do Código


Penal

Por fim, a última qualificadora do furto disposta na ordem topográfica do


artigo 155 do Código Penal, encontra-se em seu § 7º, que foi acrescentado pela Lei
49

n. 13.654/2018 e estabelece a pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa nos casos de


subtração de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente,
possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Nesse contexto, o aumento considerável dos limites das penas do furto
desses objetos se dá em razão da própria natureza e finalidade desses artefatos,
independentemente de serem efetivamente utilizados, pois na ampla maioria dos
casos, esses objetos são subtraídos para serem utilizados na prática de outros crimes,
sendo notório o risco de graves danos que podem gerar (CAPEZ, 2019, p. 463).
Com isso, encerra-se a etapa de explanação das circunstâncias e requisi-
tos indispensáveis para incidência do delito de furto em suas mais variadas modalida-
des.

3.4 DA PUNIÇÃO DA TENTATIVA DO CRIME DE FURTO NÃO CONSUMADO


PERPETRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM SISTEMA DE
VIGILÂNCIA EM DETRIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL

Enfim, chega-se à análise da abordagem central deste trabalho, concer-


nente na configuração ou não de crime impossível nas hipóteses de crimes de furto
não consumados perpetrados em estabelecimentos comerciais detentores de sistema
de vigilância, eletrônica e/ou física, cuja presença e utilização seja fundamental para
evitar que a consumação delitiva, ou, sua punição na forma tentada, contudo, num
primeiro momento, adstrito ao âmbito doutrinário.
Em estudo das doutrinas que abordam diretamente o tema, a espancadora
maioria, a não dizer ser uníssono o entendimento, conclui que a presença de sistema
de vigilância, seja por câmeras de segurança ou mesmo por prepostos do comércio,
não tem o condão de tornar impossível a consumação do furto, subsistindo em todas
as hipóteses um mínimo risco de êxito da empreitada criminosa, o que não poderia
ocorrer para configuração do crime impossível, em que essa mínima possibilidade não
poderia estar presente, em razão da adoção no Brasil da teoria objetiva relativa, de-
vendo o agente ser punido pelo delito de furto na forma tentada.
Nesse sentido, bem pontua Masson (2014, p. 597) ao dispor:

Tentativa de furto e crime impossível – distinções: Na tentativa (conatus), há


início da execução de um crime que somente não se consuma por circuns-
tâncias alheias à vontade do agente. No crime impossível não há incidência
do Direito Penal (inexiste crime), uma vez que, por ineficácia absoluta do meio
50

ou por absoluta impropriedade do objeto, jamais se chegará à consumação.


A realização integral do crime é de todo impraticável. Nesse caso, o fato é
atípico. O art. 17 do Código Penal acolheu, no tocante ao crime impossível, a
teoria objetiva temperada ou intermediária: para a configuração do crime im-
possível, e, por corolário, para o afastamento da tentativa, os meios empre-
gados e o objeto material do crime devem ser absolutamente inidôneos a
produzir o resultado idealizado pelo agente. Se a inidoneidade for relativa,
haverá tentativa. Dispositivos antifurto inseridos em veículos automotores
não caracterizam crime impossível, e sim tentativa de furto. A existência de
sistema de vigilância por câmeras ou agentes de segurança em supermerca-
dos e estabelecimentos comerciais torna mais difícil, mas não impossível, a
consumação de furtos ali praticados. Caracteriza-se, portanto, a tentativa.

Ademais, nem mesmo o acompanhamento ininterrupto – seja por câmeras


ou por seguranças - do agente desde a entrada do comércio até sua saída do
estabelecimento sem o pagamento das mercadorias subtraídas, quando então é
abordado, afasta completamente as possibilidades de eventual consumação delitiva,
havendo em todas essas hipóteses tentativa de furto (CAPEZ, 2019, p. 414).
Como forma de alicerçar este posicionamento e evidenciar que as práticas
de furto evitadas pelo acompanhamento da conduta por seguranças de
estabelecimento comercial ou de câmeras instaladas não contempla uma causa de
absoluta ineficácia do meio empregado, característica necessária para configuração
do crime impossível, mas sim uma ineficácia relativa, é fácil verificar que mesmo com
esse aparato de segurança, tem-se inúmeras possibilidades do agente, ainda assim,
conseguir consumar o delito de furto, há exemplo dele sair correndo, entrar em luta
corporal com o segurança, consumir ou inutilizar o produto, razão pela qual deve
responder por tentativa de furto (GONÇALVES, 2012, p. 19).
Outro argumento para não aplicação do instituto do crime impossível aos
casos de furtos não consumados perpetrados em estabelecimento comercial com
sistema de vigilância é a absoluta falta de fundamento legal, haja vista que para
configuração do crime impossível a impropriedade deve ser inerente ao objeto, assim
como a ineficácia deve ser inerente ao meio empregado, enquanto que a presença de
sistema de vigilância não se afigura inerente ao meio empregado nem ao objeto
material, mas é algo completamente externo, conforme sustentado por Rogério
Sanchez Cunha (2018, p. 282), ao lecionar:

A decisão, data maxima venia, parece-nos equivocada por absoluta falta de


fundamento legal.
Sabemos que o crime impossível pode ocorrer de duas formas: por absoluta
impropriedade do objeto material ou por absoluta ineficácia do meio
empregado pelo agente. A impropriedade deve ser inerente ao objeto, assim
como a ineficácia deve ser inerente ao meio empregado. Daí porque se diz,
no primeiro caso, impossível o homicídio se a pessoa visada já estava morta
51

no momento em que ocorreu a ação, porque a vida, característica inerente à


pessoa e que a torna apta a ser vítima de homicídio, já não existia. Daí
também a razão de dizer, quanto à ineficácia do meio, que a arma de
brinquedo jamais consumaria o homicídio, porque lhe falta a característica
inerente às armas de fogo: a capacidade de efetuar disparos.
Ocorre que o sistema de vigilância não é inerente ao meio empregado – e
tampouco ao objeto material -, mas é algo completamente externo, que,
portanto, não pode ser considerado para caracterizar o crime impossível nos
moldes em que dispõe o art. 17 do Código Penal. Com efeito, o fato de haver
um sistema de vigilância em torno de um objeto não modifica sua natureza
nem tem absolutamente nenhuma relação com o meio eleito pelo agente.
Suponhamos que alguém planeje o furto de uma joia valiosíssima exposta
em uma joalheria dotada dos mais modernos aparatos de segurança:
câmeras, sensores e agentes armados. O furtador se infiltra entre os
seguranças e conta com a colaboração de um comparsa para sativar as
câmeras e os sensores. É evidente que o sucesso do furto, nessas
circunstâncias, é dificílimo, mas não se pode dizer, de forma nenhuma, que a
consumação é impossível porque o meio eleito é absolutamente ineficaz. Ora,
ao contrário: o meio, no caso, é o usual para que se cometa um furto, O fato
de haver algo externo que possa dificultar a prática do crime não tem o poder
de modificar a natureza a forma como ele é praticado. Quando se diz que o
crime é impossível por absoluta ineficácia do meio, isso quer dizer que em
qualquer situação o meio de que lança mão o agente seria incapaz de
provocar o resultado. Alguém que, querendo matar outra pessoa com
algumas gotas de veneno, adiciona por engano no café algumas gotas de
água não pode, em nenhuma hipótese, consumar o homicídio. Mas alguém
que, querendo furtar, planeja burlar o sistema de segurança, pode consumar
o furto lançando mão desse meio, exatamente porque o sistema de
segurança, não obstante seja um fator que dificulta a consumação, não tem
nenhuma relação com a natureza do meio como o delito é cometido.

Em qualquer um dos fundamentos lançados pelos inúmeros doutrinadores


que abordaram diretamente o tema, todos convergem em afirmar que o aparato de
segurança – física e/ou eletrônica – em estabelecimento comercial, apenas dificulta a
prática do crime de furto, mas não conduz a certeza de que o crime patrimonial jamais
poderá se consumar, de modo que não se constituem meio absolutamente ineficaz as
tentativas de subtrações perpetradas sob essas condições e, com isso, inaplicável a
excludente de tipicidade do crime impossível, respondendo seus agentes pelo crime
tentado.
Não obstante esse entendimento majoritário na doutrina, há entendimento
diverso no âmbito jurisprudencial, inclusive no Supremo Tribunal Federal, mostrando-
se necessário analisar seus argumentos à luz dos temas e teses acima difundidos
para apurar a tese que deve prevalecer para aplicação aos casos concretos.
52

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS ATUAIS ENTENDIMENTOS ADOTADOS


PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL ACERCA DA APLICAÇÃO DA MAJORANTE DO FURTO NOTURNO AO
FURTO QUALIFICADO

Até aqui, primeiramente, foram abordados e analisados os elementos da


consumação delitiva, bem como as hipóteses de incidência dos institutos do crime
impossível e do crime tentado, e, na sequência, estudado o delito de furto e suas
hipóteses de ocorrência.
Tudo isso foi feito para alicerçar a análise essencial deste trabalho que é
associar as matérias dispostas nos capítulos anteriores para verificar qual dos
entendimentos divergentes adotados pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo
Tribunal Federal, em relação ao reconhecimento da atipicidade do crime de furto, não
consumado, perpetrado em estabelecimento comercial vigiado (vigilância eletrônica
ou física), diante do reconhecimento do instituto do crime impossível, dada a ineficácia
absoluta do meio empregado ou a punição do agente pelo crime tentado, deve
prevalecer com base no ordenamento jurídico brasileiro vigente.

4.1 DA TRANSIÇÃO DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA


PUNIÇÃO PELA TENTATIVA DO FURTO NÃO CONSUMADO PERPETRADO EM
ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM SISTEMA DE VIGILÂNCIA PARA O
RECONHECIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL EM CASOS ESPECÍFICOS

Desde os primeiros registros, as decisões do Supremo Tribunal Federal


adotavam, de forma praticamente uníssona, o entendimento de que a presença de
sistema de vigilância em estabelecimento comercial não torna o agente completa-
mente incapaz de consumar o furto, a ponto de reconhecer configurado o crime im-
possível, pela absoluta ineficácia dos meios empregados.
Fundamentava-se essa argumentação ao se entender que os sistemas de
vigilância de estabelecimentos comerciais não inviabilizam a consumação do crime
de furto, de modo que os equipamentos de segurança apenas dificultam a ocorrência
de referido delito, sem impedí-la totalmente, a ponto de torná-lo impossível.
Nesse contexto, vale abordar o seguinte julgado do Supremo Tribunal Fe-
deral do ano de 2008 que entendia pela impossibilidade de reconhecimento do crime
53

impossível nas hipóteses de furto tentado perpetrados em estabelecimento comercial


detentor de sistema de vigilância, ao julgar:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE


FURTO. ABSOLVIÇÃO FUNDADA EM VÁRIOS FUNDAMENTOS.
RECURSO ESPECIAL DA ACUSAÇÃO INTERPOSTO SOB FUNDAMENTO
ÚNICO. INOCORRÊNCIA. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO.
AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO TANTUM DEVOLUTUM
QUANTUM APELATUM. CRIME IMPOSSÍVEL, FACE AO SISTEMA DE
VIGILÂNCIA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. INOCORRÊNCIA. 1.
Tendo o Ministério Público impugnado todos os fundamentos pelos quais a
paciente foi absolvida, restabelecendo-se a condenação em recurso especial,
não procede a alegação de ofensa ao princípio tantum devolutum quantum
apelatum. 2. O pleito de absolvição fundado em que o sistema de vigilância
do estabelecimento comercial tornou impossível a subtração da coisa não
pode vingar. A paciente e seu comparsa deixaram o local do crime, somente
sendo presos após perseguição, restando, assim, caracterizada a tentativa
de furto. Poderiam, em tese, lograr êxito no intento delituoso. Daí que o meio
para a consecução do crime não era absolutamente ineficaz. Ordem
indeferida. (HC 95613, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma,
julgado em 11/11/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009
EMENT VOL-02369-05 PP-00943 RTJ VOL-00211-01 PP-00420). (BRASIL,
2020b).

Esse entendimento continuou a ser aplicado de forma majoritária nas deci-


sões do STF, acrescentando-se ao argumento que nem mesmo a vigilância ininter-
rupta dos agentes pelas câmeras de monitoramento e/ou pelos seguranças do esta-
belecimento são suficientes para tornar impossível a consumação delitiva do furto al-
mejado, senão vejamos:

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO QUALIFICADO TENTADO.


ALEGAÇÃO DE CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. MEIO
EFICAZ PARA A OCORRÊNCIA DO CRIME, QUE SÓ NÃO SE CONSUMOU
POR MOTIVOS ALHEIOS À VONTADE DO AGENTE. PRECEDENTES.
ORDEM DENEGADA. I - A questão discutida neste habeas é saber se o
constante monitoramento do agente pelo equipamento de vigilância
eletrônico, com a posterior abordagem de um segurança da loja para impedir
a consumação do crime, é suficiente para torná-lo impossível, nos termos do
art. 17 do Código Penal. II – No caso sob exame, o meio empregado pelo
paciente não foi absolutamente ineficaz, tanto que demandou a participação
de um agente de segurança para impedir a sua saída com o objetos furtados
do estabelecimento comercial. III - A existência de equipamentos de
segurança apenas dificulta a ocorrência do crime, mas não o impede
totalmente, a ponto de torná-lo impossível. IV - A jurisprudência desta
Suprema Corte, em outras oportunidades, afastou a tese de crime impossível
pela só existência de sistema de vigilância instalado no estabelecimento
comercial, visto que esses dispositivos apenas dificultam a ação dos agentes,
sem impedi-la. V – Habeas corpus denegado. (HC 104341, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-
213 DIVULG 05-11-2010 PUBLIC 08-11-2010 EMENT VOL-02426-01 PP-
00164 RT v. 100, n. 906, 2011, p. 469-479). (BRASIL, 2020c).
54

Esse posicionamento continuou a ser constantemente reafirmado pelos Mi-


nistros do Supremo Tribunal Federal ao julgarem diretamente a questão em tela, de-
cidindo pela impossibilidade de reconhecimento de crime impossível nas hipóteses
em que os crimes de furto não foram consumados em razão da utilização eficaz dos
sistemas de vigilância pelos estabelecimentos comerciais, sendo puníveis os atos dos
agentes como furto tentado, exposto através do seguinte julgado:

Habeas corpus. 2. Furto qualificado pelo concurso de agentes. Condenação.


3. Alegação de violação ao Enunciado 7 da Súmula do STJ. Não houve
reexame do contexto fático-probatório produzido nas instâncias ordinárias,
mas tão somente uma valoração jurídica dos fatos, consentânea aos limites
legalmente impostos ao recurso especial. 4. Violação ao artigo 5º, inciso LIV,
da CF. Inocorrência. Corréu devidamente intimado, que deixou de contra-
arrazoar o REsp. 5. Tese de crime impossível. Os sistemas de vigilância de
estabelecimentos comerciais, ou até mesmo os constantes monitoramentos
realizados por funcionários, não têm o condão de impedir totalmente a
consumação do crime. Precedentes do STF. 6. Aplicação do princípio da
insignificância. Sentenciados reincidentes na prática de crimes contra o
patrimônio. Precedentes do STF no sentido de afastar a aplicação do
princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade
delitiva comprovada. 7. Ordem denegada. (HC 117083, Relator(a): Min.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/02/2014, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 14-03-2014 PUBLIC 17-03-2014) (BRASIL,
2020d).

Vale destacar desse julgado, parte do voto proferido por seu relator, o Mi-
nistro Gilmar Mendes, que expressou seu posicionamento em afastar a incidência do
instituto do crime impossível ao ratificar que sistemas de vigilância eletrônica ou física,
através de funcionários, de estabelecimentos comerciais, não tem o condão de impe-
dir totalmente a consumação do crime de furto, condição indispensável para o reco-
nhecimento do crime impossível, devendo a ação ser punida pela tentativa:

[...] Assim, ao contrário do que tenta fazer crer a defesa, não há que se falar
de meio absolutamente ineficaz para alcançar o resultado criminoso. Isso por-
que os sistemas de vigilância de estabelecimentos comerciais, ou até mesmo
os constantes monitoramentos realizados por funcionários, não tem o condão
de impedir totalmente a consumação do crime. [...] (BRASIL, 2020d).

Dessa maneira, a orientação jurisprudencial do STF seguia em perfeita


conformidade com o entendimento uníssono da doutrina acerca da impossibilidade de
reconhecimento do instituto do crime impossível nas hipóteses em que os crimes de
furto não foram consumados em razão da utilização eficaz dos sistemas de vigilância
pelos estabelecimentos comerciais, sendo puníveis os atos dos agentes pela tenta-
tiva, em razão da ineficácia relativa e não absoluta do meio empregado.
55

Ocorre que, chegou-se à análise do Supremo Tribunal Federal o Habeas


Corpus n. 137.290/MG no qual o impetrante postulava a absolvição da paciente pela
prática do crime de furto tentado diante do reconhecimento da atipicidade da conduta
pela aplicação do princípio da insignificância.
Entretanto, por ocasião do julgamento do referido remédio constitucional,
em decisão por maioria de votos, a ordem foi concedida, contudo, por fundamento
diverso, porquanto foi reconhecida a atipicidade da conduta pela aplicação do instituto
do crime impossível, com fulcro principal no voto do Ministro Dias Toffoli, ao se enten-
der que a forma específica pela qual a agente foi vigiada diretamente e acompanhada
ininterruptamente pelo funcionário do estabelecimento comercial vitimado durante
todo o iter criminis, tornou impossível a consumação do crime de furto, dada a inefi-
cácia absoluta do meio empregado, tanto é que foi abordada na posse dos objetos de
propriedade do comércio logo após passar pelo caixa sem efetuar o pagamento dos
produtos escolhidos, pelo mesmo preposto do estabelecimento vitimado que estava
monitorando sua conduta. Segue transcrita a emenda do referido acórdão:

Habeas corpus. Penal. Furto circunstanciado tentado. Artigo 155, § 4º, inciso
II, em combinação com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. Conduta
delituosa praticada em supermercado. Estabelecimento vítima que exerceu a
vigilância direta sobre a conduta da paciente. Acompanhamento ininterrupto
de todo o iter criminis. Ineficácia absoluta do meio empregado para a
consecução do delito, dadas as circunstâncias do caso concreto. Crime
impossível caracterizado. Artigo 17 do Código Penal. Atipicidade da conduta.
Trancamento da ação penal. Com fundamento diverso, votou pela concessão
da ordem o eminente Ministro Celso de Mello.
1. A forma específica mediante a qual o funcionário do estabelecimento vítima
exerceu a vigilância direta sobre a conduta da paciente, acompanhando
ininterruptamente todo o iter criminis, tornou impossível a consumação do
crime, dada a ineficácia absoluta do meio empregado. Tanto isso é verdade
que, imediatamente após passar pelo caixa sem efetuar o pagamento dos
produtos escolhidos, a denunciada foi abordada na posse dos bens pelo
funcionário que vinha monitorando sua conduta.
2. De rigor, portanto, diante dessas circunstâncias, a incidência do art. 17 do
Código Penal, segundo o qual “não se pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime”.
3. Esse entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade de toda e
qualquer subtração em estabelecimento comercial que tenha sido monitorada
pelo corpo de seguranças ou pelo sistema de vigilância, sendo imprescindível
para se chegar a essa conclusão a análise individualizada das circunstâncias
de cada caso concreto.
4. Ordem de habeas corpus concedida para trancar a ação penal, nos termos
do art. 17 do Código Penal.
5. Com fundamento diverso, votou pela concessão da ordem o eminente
Ministro Celso de Mello. (HC 137290, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda
Turma, julgado em 07/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169
DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017). (BRASIL, 2020e).
56

Este julgado representa o marco transitório do entendimento do Supremo


Tribunal Federal em admitir a possibilidade de aplicação do instituto do crime impos-
sível para reconhecimento da atipicidade do crime de furto, não consumado, perpe-
trado em estabelecimento comercial vigiado (vigilância eletrônica ou física), dada a
ineficácia absoluta do meio empregado, em detrimento do argumento de que a vigi-
lância exercida, apesar de dificultar a consumação delitiva, não teria o condão de im-
possibilitá-la totalmente, condição esta necessária para reconhecimento do crime im-
possível de modo que o agente deveria ser punido pelo crime tentado.
Convém destacar que restou consignado no próprio acórdão que referido
entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade de todas subtrações em
estabelecimento comercial que tenha sistema de vigilância, física e/ou eletrônica,
sendo necessária a análise individual das circunstâncias fáticas de cada caso con-
creto para verificar referida incidência.
Para contextualizar o tema, importa trazer à tona o caso fático que chegou
ao referido Tribunal Superior para análise que abarcou na decisão alhures mencio-
nada, expressa no corpo do acórdão:

[…] subtraiu, para si, coisas alheias móveis, quais sejam, 02 (dois) frascos de
desodorante Rexona – Teens de 108 ml cada; 03 (três) frascos de goma de
mascar Mentos – pura refrescância de 28 unidades cada; 02 (dois) frascos
de goma de mascar Mentos – pura refrescância de 16 unidades cada, avali-
ados em R$ 42,00 (quarenta e dois reais), conforme Auto de Avaliação de fls.
07, pertencente à vítima Supermercado Maiolini. Segundo apurado, no inte-
rior daquele estabelecimento, a denunciada abriu sua bolsa e colocou referi-
das mercadorias em seu interior e, logo após, passou pelo caixa sem efetuas
o devido pagamento. Ato contínuo, o funcionário daquele estabelecimento,
Renato Cabral Soares, acionou a Guarda Municipal e juntamente com ela
abordou a denunciada e questionou sobre tais produtos, momento em que
ela abriu sua bolsa, de onde foram retirados”. (BRASIL, 2020e).

Do exame do julgado, colhe-se do voto do Ministro Dias Toffoli seus argu-


mentos para justificar o reconhecimento do crime impossível nas hipóteses de crime
de furto, não consumado, perpetrado em estabelecimento comercial vigiado (vigilân-
cia eletrônica ou física), especialmente, como já abordado, por entender que a forma
específica pela qual a agente foi vigiada diretamente e acompanhada ininterrupta-
mente pelo funcionário do estabelecimento comercial vitimado durante todo o iter cri-
minis, tornou impossível a consumação do crime de furto almejado, diante da ineficá-
cia absoluta do meio empregado, ao expor:

[...] Pois bem, nessas hipóteses em que os produtos estão dispostos em gôn-
dolas de estabelecimento comercial e são acessados sem a intermediação
57

de terceiro, tenho que a questão se resolve na esfera de cobrança civil por


aquilo que foi pego ou a sua devolução. [...]
Na espécie, a forma específica mediante a qual o funcionário do estabeleci-
mento-vítima exerceu a vigilância direta sobre a conduta da paciente, acom-
panhando ininterruptamente todo o iter criminis, tornou impossível a consu-
mação do crime, dada a ineficácia absoluta do meio empregado. Tanto isso
é verdade que, imediatamente após passar pelo caixa sem efetuar o paga-
mento dos produtos escolhidos, a denunciada foi abordada na posse dos
bens pelo funcionário que vinha monitorando sua conduta sendo esses resti-
tuídos à vítima.
De rigor, portanto, diante das circunstâncias do caso concreto, a incidência
do art. 17 do Código Penal, segundo o qual “não se pune a tentativa quando,
por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é
impossível consumar-se o crime”.
Ressalto que esse entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade
de toda e qualquer subtração em estabelecimento comercial que tenha sido
monitorada pelo corpo de seguranças ou pelo sistema de vigilância, sendo
certo que o agente infrator, não obstante todo esse aparato, pode vir a lograr
êxito no intento delituoso, o que permitiria concluir que o meio empregado
para a consecução do crime não seria ineficaz ao ponto de tornar o crime
impossível (v.g. HC nº 94.129/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros
Grau, DJe de 4/6/10).
Por isso, é de bom tom deixar consignado que a conclusão pela atipicidade,
tal como se deu na espécie, dependerá da análise individualizada das cir-
cunstâncias de cada caso concreto.
Dessa feita, com fundamento no art. 17 do Código Penal, por reconhecer, na
espécie, a ineficácia absoluta do meio empregado, concedo a ordem para
trancar a ação penal. É como voto. [...] (BRASIL, 2020e).

Em análise ao voto do douto Ministro, denota-se que também é ressaltado


que nos casos em que os atos de subtração sejam perpetrados em supermercados
ou em outro estabelecimento que possua sistema de gôndola – onde a pessoa tem o
acesso direto aos produtos, sem intermediários do balcão – munidos com sistema de
vigilância, física e/ou eletrônica, a qual é exercida sobre o agente e, mesmo assim,
aguarda-se a pessoa sair do comércio para posteriormente abordá-la, ao invés de
interceptá-la ainda dentro do estabelecimento para lhe fazer a cobrança da dívida ou
a devolução dos produtos, está-se diante de uma ação atípica, porquanto o agente
podia ser, já no caixa, interceptado e cobrado pelos valores dos bens apossados.
Não obstante, causa estranheza referida argumentação do momento da
abordagem ao agente para reconhecimento do crime impossível, tendo em vista que
mesmo nas hipóteses de serem antecipadas as interceptações do agente para
quando ainda no interior do estabelecimento comercial vitimado, não se vislumbra que
tal circunstância impossibilitaria totalmente qualquer hipótese de consumação do
crime de furto almejado, condição indispensável para a incidência do instituto do crime
impossível, subsistindo um mínimo risco de consumação delitiva, como, por exemplo,
o agente desvencilhar-se da abordagem e empreender fuga na posse da res furtiva,
o que afasta o reconhecimento do crime impossível nesses casos.
58

Apesar disso, como salientado, referido julgado representou a mutação do


entendimento no âmbito da Suprema Corte brasileira, e os mesmos argumentos foram
novamente adotados pelo STF para, outra vez, reconhecer o crime impossível em
caso semelhante, senão vejamos:

Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Furto simples tentado. Artigo


155, caput, em combinação com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
Conduta delituosa praticada em loja de departamento. Estabelecimento
vítima que exerceu a vigilância direta sobre a conduta do paciente.
Acompanhamento ininterrupto de todo o iter criminis. Ineficácia absoluta do
meio empregado para a consecução do delito, dadas as circunstâncias do
caso concreto. Crime impossível caracterizado. Artigo 17 do Código Penal.
Atipicidade da conduta. Recurso provido. Com fundamento diverso, votaram
pelo provimento do recurso os eminentes Ministros Celso de Mello e Edson
Fachin.
1. A forma específica mediante a qual os funcionários do estabelecimento
vítima exerceram a vigilância direta sobre a conduta do paciente,
acompanhando ininterruptamente todo o iter criminis, tornou impossível a
consumação do crime, dada a ineficácia absoluta do meio empregado. Tanto
isso é verdade que, no momento em que se dirigia para a área externada do
estabelecimento comercial sem efetuar o pagamento do produto escolhido, o
paciente foi abordado na posse do bem, sendo esse restituído à vítima.
2. De rigor, portanto, diante dessas circunstâncias, a incidência do art. 17 do
Código Penal, segundo o qual “não se pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime”.
3. Esse entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade de toda e
qualquer subtração em estabelecimento comercial que tenha sido monitorada
pelo corpo de seguranças ou pelo sistema de vigilância, sendo
imprescindível, para se chegar a essa conclusão, a análise individualizada
das circunstâncias de cada caso concreto.
4. Recurso provido para conceder a ordem de habeas corpus, reconhecendo-
se a atipicidade da conduta imputada ao paciente na Ação Penal 0000802-
76.2016.8.24.0039, com fundamento no art. 17 do Código Penal.
5. Com fundamento diverso, votaram pelo provimento do recurso os
eminentes Ministros Celso de Mello e Edson Fachin. (RHC 144516,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 22/08/2017,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-
2018). (BRASIL, 2020f).

No entanto, frisa-se que referida tese não tem sido acompanhada pela in-
tegralidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, porquanto ao terem a oportu-
nidade de julgar caso semelhante, através do Habeas Corpus n. 111.278/MG, já no
ano de 2018, os Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, integrantes
da Colenda Primeira Turma, reafirmaram seus entendimentos de que a presença de
sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consu-
mação do crime de furto, e, com isso, afastaram o reconhecimento do crime impossí-
vel nessas hipóteses, ao decidirem:

Penal. Habeas corpus. Furto qualificado. Sistema de vigilância. Súmula 567


do STF. Inadequação da via eleita. 1. A orientação jurisprudencial do
59

Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o habeas corpus não pode ser
utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. Ausência de teratologia,
ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize a concessão da ordem
de ofício. 3. Incidência da Súmula 567 desta Corte, segundo a qual o “Sistema
de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de
segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna
impossível a configuração do crime de furto”. 4. Habeas Corpus não
conhecido. (HC 111278, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
10/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 30-05-2018
PUBLIC 01-06-2018) (BRASIL, 2020g).

Tal divergência conduz a noção de que a Suprema Corte brasileira ainda


não assentou posicionamento uniforme quanto se a existência de sistema de vigilân-
cia em estabelecimento comercial constitui óbice à consumação do crime de furto no
patamar de tornar o crime impossível, conduzindo à atipicidade da conduta, de modo
que há dois posicionamentos, um de que, em casos específicos, a vigilância eletrônica
e/ou física pelos prepostos do estabelecimento comercial, com o acompanhamento
do agente durante o iter criminis, impossibilitaria a consumação delitiva e, assim, re-
conhece o crime impossível nestas hipóteses, enquanto que outra corrente defende
que a presença de sistema de vigilância apenas dificulta o êxito do crime, todavia,
jamais tornaria totalmente impossível a consumação do crime, afastando a aplicação
do instituto previsto no artigo 17 do Código Penal, determinando a punição do agente
na modalidade tentada.

4.2 DO FIRME POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELA


IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER O CRIME IMPOSSÍVEL NOS CASOS DE
FURTO NÃO CONSUMADO PERPETRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL
COM SISTEMA DE VIGILÂNCIA, COM SUA PUNIÇÃO PELA TENTATIVA

Não obstante a recente divergência posta no Supremo Tribunal Federal so-


bre o tema, conforme alhures esmiuçado, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça,
de forma diversa, encontra-se cristalino o entendimento de que a presença de sistema
de vigilância em estabelecimento comercial, seja ela física ou eletrônica, apenas difi-
culta a prática de crimes de furto em seu interior, mas não impede de forma absoluta
a consumação do crime, não atendendo, assim, ao pressuposto indispensável para
reconhecimento do instituto do crime impossível, razão pela qual passível de punição
os agentes pela prática do crime de furto na modalidade tentada.
60

Nesse diapasão, a solidez desse posicionamento pelo Superior Tribunal de


Justiça é expresso ao se buscar na pesquisa jurisprudencial de referido Tribunal Su-
perior, em seu sítio eletrônico oficial, convergindo todas as decisões em afastar o re-
conhecimento do crime impossível nos casos de crimes de furto perpetrados em es-
tabelecimentos comerciais que possuem serviço de vigilância, porquanto tal caracte-
rística não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto, afastando a
configuração do crime impossível, pela absoluta ineficácia dos meios empregados,
seja nos casos em que a vigilância exercida tenha sido apenas por meio de câmeras
de segurança (caso do primeiro julgado abaixo colacionado), como nos casos de vigi-
lância física por prepostos do estabelecimento comercial vitimado e mesmo naqueles
de concomitância de ambas as vigilâncias (eletrônica e física – caso do segundo jul-
gado), conforme disposto nos seguintes julgados do STJ datados da primeira década
deste milênio:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO. SUPERMERCADO. SEGURANÇA


POR MEIO DE VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. CRIME IMPOSSÍVEL.
ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO EMPREGADO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. A presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento
comercial não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto,
logo, não há que se afastar a punição, a ponto de reconhecer configurado o
crime impossível, pela absoluta ineficácia dos meios empregados.
Precedentes.
2. Recurso provido.
(REsp 554.233/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado
em 23/08/2005, DJ 26/09/2005, p. 436) (BRASIL, 2020h)

E:

HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO. NÃO OCORRÊNCIA DE


CRIME IMPOSSÍVEL. SISTEMA DE VIGILÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ.
REDUÇÃO MÍNIMA. PROXIMIDADE DA CONSUMAÇÃO. INEXISTÊNCIA
DE CONSTRANGIMENTO LEGAL. PARECER DO MPF PELA
DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. A presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento
comercial ou mesmo a vigilância da sua conduta por preposto da empresa
não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto, a ponto de
reconhecer configurado o crime impossível, pela absoluta ineficácia dos
meios empregados. Precedente do STJ.
2. Somente é cabível o reexame da dosimetria da reprimenda em sede de
Habeas Corpus, quando evidenciado, de plano, flagrante ilegalidade ou
desacerto na ponderação das circunstâncias do art. 59 do CPB ou na
aplicação do método trifásico.
3. O fato de a agente ter percorrido quase todo o iter criminis, enseja, a toda
evidência, maior grau de reprovabilidade da sua conduta, de sorte a exigir
uma resposta mais severa. Assim, mostra-se não somente legal, mas
coerente e razoável, a redução de pena em apenas 1/3, de modo que seja,
ao final, fixada em seu patamar máximo.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.
61

(HC 117.880/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA


TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 03/11/2009). (BRASIL, 2020i)

Destaca-se que nem mesmo a vigilância ininterrupta sobre o agente du-


rante o iter criminis, desde a entrada no estabelecimento comercial, o momento da
subtração dos produtos e o transpasse pelos caixas do comércio sem efetuar o paga-
mento das mercadorias, quando então é abordado, torna impossível a consumação
do furto, apenas a dificulta, isto porque subsiste margem para que o agente ludibrie a
segurança e consiga concluir o seu intento, e, dessa forma, afasta a aplicação do
instituto do crime impossível, conforme bem pontuado na seguinte decisão da Corte
Superior:

HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. TESE DE


CRIME IMPOSSÍVEL. VIGILÂNCIA. IMPROCEDÊNCIA. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. EXPRESSIVIDADE DO VALOR. REPROVABILIDADE
DO COMPORTAMENTO DOS AGENTES.
1. A jurisprudência desta Corte é remansosa no sentido de que a vigilância
em estabelecimentos comerciais, realizada por seguranças ou mediante
câmaras de vídeo em circuito interno, não torna impossível a consumação do
furto. Embora tais elementos tornem dificultosa a consumação do crime,
existe margem a que o agente ludibrie a segurança e conclua o seu intento.
2. Para a aplicação do princípio da insignificância, devem ser preenchidos
quatro requisitos, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b)
nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica
provocada.
3. Os pacientes tentaram subtrair de um estabelecimento comercial 16
(dezesseis) tabletes de chocolate, 1 (uma) embalagem contendo 12 (doze)
unidades de chocolate, e outras 5 (cinco) embalagens com 24 (vinte e quatro)
unidades, avaliados no total de R$ 198,98 (cento e noventa e oito reais e
noventa e oito centavos).
4. Não há como considerar de valor bagatelar tais produtos, notadamente
tomando-se por base o salário mínimo vigente à época, de R$ 380,00
(trezentos e oitenta reais).
5. O modo como o delito foi praticado indica a reprovabilidade do
comportamento dos réus, os quais, em conluio, demonstraram audácia ao
adentrar a loja e procurar subtrair grande quantidade de produtos
consumíveis de natureza supérflua.
6. Ordem denegada.
(HC 208.958/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado
em 02/08/2011, DJe 17/08/2011) (BRASIL, 2020j).

Em que pese esse firme posicionamento do Superior Tribunal de Justiça


durante todos esses anos, continuaram aportando no referido Tribunal múltiplos re-
cursos sobre o tema, razão pela qual, aliado a relevância da questão, atribuiu-se ao
Recurso Especial n. 1.385.621/MG, o caráter de recurso especial representativo de
controvérsia, nos termos do rito previsto no artigo 543-C do CPC/73 e do artigo e 2º,
§ 1º, da Resolução do STJ n. 8, de 7/8/2008, o qual foi submetido ao exame da Ter-
ceira Seção do STJ, na data de 27 de maio de 2015, oportunidade em que o STJ
62

reafirmou sua tese jurídica de que a existência de sistema de segurança e/ou de vigi-
lância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto perpetrado no interior
de estabelecimento comercial, emendado da seguinte forma:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO


PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. DIREITO PENAL. FURTO NO
INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE
SEGURANÇA E DE VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. CRIME IMPOSSÍVEL.
INCAPACIDADE RELATIVA DO MEIO EMPREGADO. TENTATIVA
IDÔNEA. RECURSO PROVIDO.
1. Recurso Especial processado sob o rito previsto no art. 543-C, § 2º, do
CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ.
TESE: A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não
torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de
estabelecimento comercial.
2. Embora os sistemas eletrônicos de vigilância e de segurança tenham por
objetivo a evitação de furtos, sua eficiência apenas minimiza as perdas dos
comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de
subtrações no interior de estabelecimentos comerciais. Assim, não se pode
afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equipamento
funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as câmeras
durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem do agente
serão adotadas após a constatação do ilícito, etc.
3. Conquanto se possa crer, sob a perspectiva do que normalmente acontece
em situações tais, que na maior parte dos casos não logrará o agente
consumar a subtração de produtos subtraídos do interior do estabelecimento
comercial provido de mecanismos de vigilância e de segurança, sempre
haverá o risco de que tais providências, por qualquer motivo, não frustrem a
ação delitiva.
4. Somente se configura a hipótese de delito impossível quando, na dicção
do art. 17 do Código Penal, "por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.".
5. Na espécie, embora remota a possibilidade de consumação do furto
iniciado pelas recorridas no interior do mercado, o meio empregado por elas
não era absolutamente inidôneo para o fim colimado previamente, não sendo
absurdo supor que, a despeito do monitoramento da ação delitiva, as
recorridas, ou uma delas, lograssem, por exemplo, fugir, ou mesmo, na
perseguição, inutilizar ou perder alguns dos bens furtados, hipóteses em que
se teria por aperfeiçoado o crime de furto.
6. Recurso especial representativo de controvérsia provido para: a)
reconhecer que é relativa a inidoneidade da tentativa de furto em
estabelecimento comercial dotado de segurança e de vigilância eletrônica e,
por consequência, afastar a alegada hipótese de crime impossível; b) julgar
contrariados, pelo acórdão impugnado, os arts. 14, II, e 17, ambos do Código
Penal; c) determinar que o Tribunal de Justiça estadual prossiga no
julgamento de mérito da apelação.
(REsp 1385621/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 27/05/2015, DJe 02/06/2015). (BRASIL, 2020k).

Em análise do acórdão, tem-se de suma importância destacar os pontos


elencados pelo Ministro Relator Rogerio Schietti Cruz em seu voto, que bem elucidam
a inviabilidade de reconhecimento do instituto do crime impossível, ao reconhecer ser
relativa a inidoneidade da tentativa de furto em estabelecimento comercial dotado sis-
63

tema de vigilância – física e/ou eletrônica – isto porque, em qualquer uma das hipóte-
ses de seu cometimento, há uma mínima possibilidade de consumação delitiva, risco
de consumação este que não poderia estar presente para viabilizar a aplicação do
instituto do crime impossível, porquanto prescinde que o meio empregado seja abso-
lutamente inidôneo, ao se manifestar:

[...] Creio ser possível asserir que, embora os sistemas eletrônicos de vigilân-
cia tenham por objetivo a evitação de furtos, sua eficiência apenas minimiza
as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a
ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais. Assim,
não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equi-
pamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as
câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem
do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc.
Na espécie, o meio empregado pelas agentes era de inidoneidade relativa,
visto que havia a possibilidade de consumação, posto que remota.
Vale ressaltar que o entendimento jurisprudencial ora defendido não implica
uma apologia da punição, mas a concretização do dever de proteção – ele-
mento justificador do próprio direito penal –, por meio de uma resposta pro-
porcional do direito sancionador estatal a uma conduta penalmente punível.
[...]
Na espécie, embora remota a possibilidade de consumação do furto iniciado
pelas recorridas no interior do mercado, o meio empregado por elas não era
absolutamente inidôneo para o fim colimado previamente, não sendo absurdo
supor que, a despeito do monitoramento da ação delitiva, as recorridas, ou
uma delas, lograssem, por exemplo, fugir, ou mesmo, na perseguição, inutili-
zar ou perder alguns dos bens furtados, hipóteses em que se teria por aper-
feiçoado o crime de furto.
Não era, por conseguinte, impossível que as acusadas conseguissem consu-
mar a subtração, apesar das câmeras, dos vigilantes, do etiquetamento ele-
trônico, etc.
A meu aviso, o voto vencido, no Tribunal de origem, acertou ao ressaltar que
"a ineficácia do meio, in casu, deu-se apenas de forma relativa, o que impede
o reconhecimento do instituto do crime impossível previsto no art. 17 do Có-
digo Penal":
[...] Não coaduno com a tese de impossibilidade de concretização do furto por
absoluta inidoneidade dos meios por se tratar de estabelecimento comercial
dotado de sistema de vigilância. O fato de o sistema de segurança pública
estatal apresentar-se frágil e impotente diante da crescente criminalidade - o
que nos obriga, contrariados, a recorrer à segurança privada - não pode ser
utilizado como instrumento de impunidade.
Uma vez que se recorre à segurança privada, considerar-se como crime im-
possível a prática de subtração em estabelecimentos dotados de vigilantes é
ser excessivamente, não podemos nos curvar. Dessa forma: [...]
Também não se descura que a ineficácia do meio, "in casu", deu-se apenas
de forma relativa, o que impede o reconhecimento do instituto do crime im-
possível previsto no art. 17 do Código Penal, que é taxativo no sentido de que
o crime se torna impossível quando, por ineficácia absoluta do meio, é impos-
sível consumar-se. [...] (fls. 255-259)
Afasto, assim, em casos similares ao ora versado, a hipótese de crime im-
possível e, por conseguinte, proponho a fixação da seguinte tese jurídica,
para os fins previstos no art. 543-C do Código de Processo Civil:
A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna
impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento
comercial. [...] (BRASIL, 2020k).
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De acordo com as bem lançadas razões do ilustre relator, verifica-se que


não há como se afirmar que a presença de sistema de vigilância no estabelecimento
comercial, tanto eletrônica como física, garante de forma absoluta a não consumação
do furto intentado em suas dependências, sempre remanescendo um potencial risco
de consumação, seja pela possibilidade de o aparato eletrônico não funcionar perfei-
tamente, seja pela subtração não ser percebida através das câmeras ou mesmo pelos
prepostos do estabelecimento, ou mesmo, no caso do ininterrupto monitoramento do
agente durante todo o iter criminis, que este, quando abordado após a constatação do
delito, consiga empreender fuga de posse da res furtiva, ou, ainda, durante a perse-
guição, inutilize ou perca alguns dos bens furtados, o que leva a consumação do crime
de furto.
Dessa forma, considerando que mesmo com o aparato de segurança, a
ação do agente possuía chance de chegar a consumação do furto, conclui-se que é
relativamente inidôneo o meio empregado pelo agente, de modo que, adotado pelo
Código Penal brasileiro a teoria objetiva temperada, conforme amplamente abordado
no corrente texto, a tentativa do cometimento de furto nestes casos é punível.
Outro argumento que merece ser considerado é a contradição que se im-
põe ao se reconhecer o crime impossível nos casos em tela, ao passo que os comer-
ciantes, diante do frágil aparato de segurança pública estatal na contramão da cres-
cente criminalidade, buscam na segurança privada, seja através das câmeras ou de
vigilantes, o resguarde de seu patrimônio. Todavia, nos casos em que referido sistema
de vigilância lograr êxito na evitação dos furtos, o Poder Judiciário garantir a impuni-
dade do agente, por exatamente haver esse sistema, ao invés de responsabilizá-lo
pelo ilícito cometido, mostra-se uma conclusão, no mínimo, ilógica.
Outrossim, faz-se imperioso revelar que esse entendimento de que sistema
de vigilância realizado em estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível
a configuração do crime de furto restou consolidado como sendo pacífico no âmbito
do Superior Tribunal de Justiça ao ser decidido, em 24/02/2016, por sua fixação na
Súmula n. 567 do STJ sob o seguinte verbete:

Súmula 567 - Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrônico


ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial, por
si só, não torna impossível a configuração do crime de furto. (Súmula 567,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2016, DJe 29/02/2016). (BRASIL,
2020l).
65

Mesmo após petrificação de seu entendimento na mencionada súmula, o


STJ teve a oportunidade de reafirmar sua tese de que, adotado no ordenamento jurí-
dico pátrio a teoria objetiva temperada, o sistema de vigilância em estabelecimentos
comerciais configura apenas meio relativamente inidôneo para a prática do crime de
furto, somente dificultando sua prática, mas não torna impossível sua consumação,
de modo a não reconhecer o instituto do crime impossível, senão vejamos:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO


CABIMENTO. FURTO SIMPLES. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO
AFASTADA. INSANIDADE MENTAL NÃO COMPROVADA DE PLANO.
NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO- PROBATÓRIO. TESE DE
CRIME IMPOSSÍVEL NÃO ACOLHIDA. MONITORAMENTO DO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL POR CÂMERAS. AUSÊNCIA DE ÓBICE
INTRANSPONÍVEL À CONSUMAÇÃO DO FURTO. INIDONEIDADE
RELATIVA DO MEIO. SUBTRAÇÃO DE BENS AVALIADOS NO TOTAL DE
R$ 20,00. VALOR INFERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À
ÉPOCA DOS FATOS. RÉ PRIMÁRIA. AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO
QUE APURAM PRÁTICA DE ESTELIONATO E APROPRIAÇÃO INDÉBITA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. INEXPRESSIVA
REPROVABILIDADE DA CONDUTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...]
3. O Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento de que a vigilância
por câmera apenas dificulta a prática do crime de furto, o que não torna a
consumação impossível. A questão foi discutida, inclusive, aplicando-se a
sistemática dos processos repetitivos (art. 543-C do CPC), sob o Tema 924.
A legislação pátria adotou a teoria objetiva temperada de forma que o sistema
de vigilância configura, apenas, inidoneidade relativa do meio empregado
para a prática do crime. Precedente. [...]
Habeas corpus substitutivo não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para
reconhecer a atipicidade da conduta pela incidência do princípio da
insignificância e, consequentemente, determinar o trancamento da Ação
Penal n. 0000912-45.2015.8.16.0100 em trâmite na 1ª Vara da Comarca de
Jaguariaíva/PR.
(HC 336.850/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA,
julgado em 16/02/2017, DJe 24/02/2017). (BRASIL, 2020m).

Da mesma forma, após a inovação de entendimento pelo Supremo Tribunal


Federal em reconhecer o crime impossível em alguns casos em que intentados furtos
em estabelecimentos comerciais que possuíam sistema de vigilância física e/ou ele-
trônica, o Superior Tribunal de Justiça, manteve firme seu entendimento de que tais
aparatos de segurança não tornam impossível a consumação do crime de furto, ape-
nas dificultam sua prática, haja vista configurar meio relativamente inidôneo ao come-
timento do crime, afastando, assim, o reconhecimento do crime impossível, admitindo
a punição do agente por furto tentado.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE


RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. FURTO SIMPLES
TENTADO. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. SISTEMA DE
66

SEGURANÇA. VIGILÂNCIA FÍSICA. INCAPACIDADE RELATIVA DO MEIO


EMPREGADO. HIPÓTESE QUE NÃO CONFIGURA CRIME IMPOSSÍVEL.
ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO RESP 1.385.621/MG, JULGADO
SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973 C/C 3º DO CPP. SÚMULA
567/STJ. PENA-BASE. REDUÇÃO PELO ARREPENDIMENTO DO
APENADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONFISSÃO JUDICIAL.
APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 545 DA SÚMULA DESTA CORTE.
PRISÃO EM FLAGRANTE. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE O
RECONHECIMENTO DA MENCIONADA ATENUANTE. COMPENSAÇÃO
ENTRE A REINCIDÊNCIA, AINDA QUE ESPECÍFICA, E A CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. PENA REDIMENSIONADA. REGIME
PRISIONAL MAIS GRAVOSO E NEGATIVA DE SUBSTITUIÇÃO
MANTIDOS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA
DE OFÍCIO. [...]
- A tese assentada por esta Corte em recurso representativo da controvérsia
(Resp n. 1.385.621/MG, DJe 02/06/2015) reputa configurada a tentativa de
furto mesmo quando, durante o iter criminis, o agente é observado por
sistema de vigilância (eletrônica ou física), visto que tais sistemas não
impedem, de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de
estabelecimentos comerciais.
Vale dizer, a caracterização do crime impossível demanda a ineficácia
absoluta do meio ou a absoluta impropriedade do objeto.
Súmula 567/STJ.
- O fato de o paciente ter levantado suspeita dos seguranças do
estabelecimento e de ter sido observado durante a ação não caracteriza o
instituto do crime impossível, pois não resultou configurada a absoluta
ineficácia do meio, tanto é que o agente somente foi capturado no exterior do
supermercado e após tentativa de fuga com os bens apreendidos.
- O pedido de redução da reprimenda do paciente pelo reconhecimento do
arrependimento não foi objeto de exame pelas instâncias ordinárias, não
podendo este Superior Tribunal de Justiça decidir, originariamente, acerca do
tema.
[...]
- Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a
pena definitiva do paciente ao novo patamar de 1 ano de reclusão, em regime
prisional inicial fechado, e 10 dias-multa, mantidos os demais termos da
condenação.
(HC 512.059/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 02/09/2019). (BRASIL,
2020n).

Portanto, não obstante a recente inovação do Supremo Tribunal Federal


para reconhecer o instituto do crime impossível em alguns casos específicos de sub-
trações de mercadorias realizadas em estabelecimentos comerciais que disponibili-
zam de sistema de vigilância eletrônica ou física por prepostos, o Superior Tribunal de
Justiça segue, ao longo de sua história, imutável em seu entendimento de que, sendo
adotado no ordenamento jurídico pátrio a teoria objetiva temperada, o sistema de vi-
gilância em estabelecimentos comerciais constitui meio relativamente inidôneo para a
prática do crime de furto, de modo que somente dificulta sua prática, mas não torna
impossível sua consumação, afastando, assim, o reconhecimento o instituto do crime
impossível nessas hipóteses e, consequentemente, admitindo a punição do agente
pela tentativa de furto.
67

5. CONCLUSÃO

Conforme verificado, o Direito Penal é um ramo de suma importância do


Direito, porquanto serve como meio para que o Estado, utilizando-se de sua soberania
e do uso exclusivo e legítimo da força, destaque os comportamentos humanos
elencados como os mais temerários ao bom convívio social da coletividade a ele
associada, conferindo-lhes a qualidade de infrações penais e estabelecendo as
respectivas sanções que poderá aplicar aos que vierem a praticá-los, em sua grande
maioria, restritivas da liberdade do infrator.
No entanto, como forma de garantia a evitar a arbitrariedade do Estado na
utilização desse grande poder de impor sanções que lhe foi exclusivamente conferido,
o Direito Penal se preocupou em, além de prever as normas penais incriminadoras,
correspondentes as normas penais que definem as infrações penais, descrevendo as
condutas proibidas e suas respectivas sanções aos que vierem a praticá-las,
estabelecem outras normas que limitem o exercício do jus puniendi, tendo por objetivo
tornar lícitas determinadas condutas, prever causas de isenção de pena, explanar
determinados conceitos e fornecer princípios de caráter geral à aplicação da norma
penal, denominadas normas penais não incriminadoras.
É com base nisso que, em atenção ao princípio da legalidade, consagrado
no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal, para que
uma conduta seja considerada crime, faz-se necessário a prévia definição de
determinado comportamento como delito em lei, além de estabelecer todos os
elementos necessários para sua configuração, através da previsão legal de um
modelo proibido abstrato, o que denomina-se tipo penal.
A relação entre a adequação do comportamento humano revelado no
mundo real com a conduta-molde descrita na norma penal incriminadora como delito,
denomina-se tipicidade.
Nesse contexto, como abordado no primeiro capítulo, os tipos penais, via
de regra, preveem em seu texto o delito na forma consumada, característica
indispensável para que a conduta seja punida nos moldes qualitativos e quantitativos
definidos no respectivo dispositivo legal.
Assim, viu-se que para a devida efetivação do crime, o agente tem de
percorrer um caminho, denominado iter criminis, cujo início dá-se na cogitação
(idealização e decisão, no campo mental, de praticar o crime), seguido dos atos
68

preparatórios (busca das condições e meios para a realização do crime), sucedido


dos atos executórios (efetiva ação do agente destinada para realização da conduta
estipulada pelo núcleo da figura típica), para tão somente chegar-se à consumação
(efetivo alcance de todos os elementos definidos no tipo penal para configuração do
crime).
Ocorre que, por vezes, durante esse percurso, após o agente ter dado início
a prática dos atos executórios de um crime, este não vem a se consumar, por
circunstâncias alheias à vontade do delinquente, caracterizando-se a figura do crime
tentado, prevista no artigo 14, II, do Código Penal, e plenamente punível
criminalmente no ordenamento jurídico brasileiro pela pena do crime consumado, com
diminuição de um a dois terços (artigo 14, parágrafo único, do Código Penal),
configurando uma notória causa de diminuição de pena.
Nesse diapasão, denotou-se que, a mais do crime tentado, há casos em
que o agente visualiza a prática de determinado delito e intenta sua efetivação,
contudo, pelos meios por ele eleitos e utilizados ou pelo objeto atingido, o agente
jamais conseguiria consumar o crime, independentemente do números de reiterações
valendo-se desses mesmos atos, hipóteses estas que se traduzem no instituto do
crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal sob o texto de que “não se
pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”, tornando, portanto, a
conduta atípica e não punível.
No corrente trabalho, deu-se maior enfoque à espécie do crime impossível
por ineficácia absoluta do meio, visualizada nos casos em que o meio de execução
do crime elegido pelo agente é, por sua natureza ou essência, totalmente incapaz de
levar à produção do resultado, haja vista que essa é a hipótese sustentada para aplicar
o instituto do crime impossível aos casos de furtos em estabelecimento comercial
vigiado por sistema de segurança.
Entretanto, a questão chave de todo o trabalho que merece ser destacada
é a explanação e estudo do fundamento da punição ou não do crime impossível no
ordenamento jurídico brasileiro, de modo que oportunizou-se arrebatar que a teoria
adotada pelo Código Penal brasileiro é a teoria objetiva temperada (moderada ou
matizada), que estabelece que para incidência do crime impossível, a conduta do
agente não pode ter a mínima potencialidade de lesar o bem jurídico almejado, seja
pelo meio por ele empregado, seja pelas condições do objeto material, de modo que,
69

nessas condições, a conduta do agente, em nenhuma hipótese, chegaria à


consumação do crime, o que se traduz como inidoneidade absoluta.
Outra conclusão que pôde-se extrair do estudo, com base nessa mesma
teoria prevista no artigo 17 do Código Penal, é que, nos casos em que esta
inidoneidade for relativa, ou seja, a conduta utilizada pelo agente era capaz de atingir
a consumação delitiva (meios idôneos à prática delitiva), o que somente não ocorreu
em decorrência de circunstâncias estranhas à sua vontade, haverá crime tentado.
Já no segundo capítulo, contextualizou-se o tema, ao se abordar o crime
de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal, em todas as suas formas,
demonstrando-se ser um tipo penal complexo, tendo em vista que além da sua forma
básica/fundamental prevista em seu caput, prevê em seus parágrafos, causas de
aumento e de diminuição da pena, formas qualificadoras e disposições
gerais/explicativas, as quais foram explicadas individualmente, especialmente porque,
não se pode excluir a existência de uma mínima possibilidade de que o crime de furto
praticado em estabelecimento comercial vigiado por sistema de segurança (física ou
eletrônica) compartilhe com algumas dessas características extras à forma basilar.
Com efeito, salientou-se que qualquer mudança do entendimento adotado
ao crime de furto, pelos eméritos julgadores, nos casos concretos apresentam grande
relevância nacional, porquanto é um dos delitos de maior índice de cometimento no
Brasil, dos quais, grande parcela são cometidos na hipótese trabalhada no corrente
estudo, ou seja, em estabelecimentos comerciais dotados de sistema de vigilância, e,
portanto, seus autores ou mesmo as vítimas são afetados por essas decisões.
Nesse contexto, elucidou-se que a consumação do furto se dá no exato
momento da inversão da posse da res furtiva, portanto quando o agente passa a
possuir a coisa, após retirá-la do poder de quem a possuía, o que denomina-se teoria
da apprehensio ou amotio.
Acrescentou-se que a tentativa é admitida em todas as modalidades de
furto e incide nos casos em que o agente, após iniciar a execução do crime, tenha sua
atividade cessada, por circunstâncias alheias à sua vontade, antes de ter a posse do
objeto em substituição a posse do ofendido.
Além disso, quanto ao caso específico em estudo, verificou-se que na
doutrina, a gritante maioria, defende que a presença de sistema de vigilância em
estabelecimentos comerciais, seja por câmeras de segurança ou por funcionários, não
tem o condão de tornar impossível a consumação do furto em suas dependências,
70

nem mesmo quando este acompanhamento seja ininterrupto, havendo em todos os


casos um mínimo risco de êxito da empreitada criminosa, o que não poderia ocorrer
para configuração do crime impossível, em que essa mínima possibilidade não
poderia ser verificada, em razão da adoção no Brasil da teoria objetiva relativa,
devendo, portanto, o agente ser punido pelo delito de furto na modalidade tentada.
Assim, o acompanhamento da conduta por prepostos de estabelecimento
comercial ou por câmeras de monitoramento não contempla uma causa de absoluta
ineficácia do meio empregado, característica necessária para incidência do crime
impossível, mas sim uma ineficácia relativa, razão pela qual deve responder por
tentativa de furto.
No derradeiro capítulo, viu-se que este entendimento da impossibilidade de
se reconhecer o crime impossível nos casos de furtos, não consumados, intentados
em estabelecimentos comerciais detentores de sistema de vigilância – física ou
eletrônica –, ainda que ininterrupta, foi praticamente uníssono por bastante tempo na
jurisprudência dos Tribunais Superiores, entendimento que se mantém intacto no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça ao ser petrificado através da Súmula n. 567 do
STJ, sob o seguinte texto: “Sistema de vigilância realizado por monitoramento
eletrônico ou por existência de segurança no interior de estabelecimento comercial,
por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.
Ocorre que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, embora tenha
compartilhado deste entendimento de forma pacífica por grande lapso temporal, no
ano de 2017, através do julgamento do Habeas Corpus n. 137.290/MG e do Recurso
Ordinário em Habeas Corpus n. 144.516/SC, de forma contrária, reconheceu-se o
instituto do crime impossível ao se entender que a forma específica pela qual o agente
foi vigiado diretamente e acompanhado ininterruptamente pelo funcionário do
estabelecimento comercial vitimado durante todo o iter criminis, tornou impossível a
consumação do crime de furto, dada a ineficácia absoluta do meio empregado, tanto
é que foi abordada na posse dos objetos de propriedade do comércio logo após passar
pelo caixa sem efetuar o pagamento dos produtos escolhidos, pelo mesmo preposto
do estabelecimento vitimado que lhe acompanhou.
Não obstante, concluiu-se que referida argumentação foi aplicada equivo-
cadamente, tendo em vista a fácil constatação que mesmo nas hipóteses de serem
antecipadas as interceptações do agente para quando ainda no interior do estabele-
71

cimento comercial vitimado, não se vislumbra que tal circunstância impossibilitaria to-
talmente qualquer hipótese de consumação do crime de furto almejado, condição in-
dispensável para a incidência do instituto do crime impossível, haja vista que ainda
possuía um mínimo risco de consumação delitiva, como, na hipótese do agente des-
vencilhar-se da abordagem e empreender fuga na posse da res furtiva, o que afasta
o reconhecimento do crime impossível nesses casos.
Dessa feita, a conclusão a ser extraída do tema é que embora os sistemas
eletrônicos de vigilância e de segurança tenham por objetivo a evitação de furtos –
valendo-se dizer que esse aparato de segurança privada somente tem razão de existir
em virtude da falha estatal na garantia da segurança pública, recorrendo-se as pes-
soas a essas alternativas – sua existência apenas dificulta a prática dos crimes de
furto em suas dependências, mas não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de
subtrações em seu interior, afastando, com isso o reconhecimento do crime impossí-
vel e autorizando a punição dos agentes que impedidos de consumar o crime, pela
forma tentada.
Mas não só, a manutenção e aplicação desse entendimento mostra-se
temerária, porquanto pode levar ao aumento exponencial da prática de furtos em
estabelecimentos comerciais com sistema de vigilância em razão da sensação de
impunidade que gerada aos criminosos. Isto porque, numa avaliação do risco de sofrer
punição por seus atos, o delinquente percebe, ainda que não seja conclusão
automática, que, com a aplicação do instituto do crime impossível, caso consume seu
intento, por óbvio melhor, contudo, nos casos em que seja pego praticando o crime,
nada lhe acontecerá no âmbito penal, o que deve, ao máximo ser evitado para garantia
da ordem pública.
Desse modo, ficou demonstrado, na corrente explanação, que o fato de
estabelecimento comercial possuir sistema de vigilância, seja eletrônica ou física, em
nenhuma hipótese terá o condão de, por si só, impedir absolutamente a prática do
crime de furto em suas dependências, de modo a tornar inadmissível o
reconhecimento da atipicidade da conduta, não consumada, pela aplicação do
instituto do crime impossível, devendo, no entanto, a conduta, diante da relativa
idoneidade do meio empregado, ser enquadrada e punida como furto tentado.
72

REFERÊNCIAS

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BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17 ed. rev.,
ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 1.

______. Tratado de direito penal: parte especial, volume 3: dos crimes contra o
patrimônio até dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos
mortos. 10 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

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______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 95.613-1/RS. Paciente: Thais


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