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CRICIÚMA/SC
2020
LUCAS DE AGUIAR POSSAMAI
CRICIÚMA/SC
2020
Dedico este trabalho aos meus pais e à
minha companheira, os quais me fornecem
todo o apoio incondicional na busca dos
meus objetivos.
AGRADECIMENTOS
O crime de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal, é um dos delitos de maior
incidência no Brasil, conforme verificado através dos ininterruptos novos casos de sua
prática noticiados nas páginas criminais. Devido ao vasto número de casos de furto
que aportam no Poder Judiciário para apuração e julgamento, qualquer mudança de
interpretação dada a esse tipo penal pelos julgadores pode afetar a vida de muitas
pessoas, sejam elas autores ou vítimas desse crime. Dentre essa imensidão de casos
de furto judicializados, uma grande parcela dessas subtrações ou de suas tentativas
se dão em estabelecimentos comerciais, os quais, nos dias atuais,
predominantemente, ostentam sistema de vigilância física ou eletrônica. Dessa feita,
o corrente trabalho tem como objetivo analisar a legitimidade do entendimento
adotado pelo Supremo Tribunal Federal, em alguns de seus julgados, em que
reconhece a atipicidade do crime de furto, não consumado, perpetrado em
estabelecimento comercial vigiado (vigilância eletrônica ou física), diante do
reconhecimento do instituto do crime impossível (artigo 17 do Código Penal), dada a
ineficácia absoluta do meio empregado, em detrimento da punição do agente pelo
crime tentado (artigo 14, inciso II, do Código Penal), como é o posicionamento
pacificado no Superior Tribunal de Justiça. Com esse propósito, no primeiro capítulo
foi feita uma explanação sobre os institutos do crime tentado e do crime impossível no
Direito Penal, com ênfase para suas diferenças e critérios de aplicação no
ordenamento jurídico brasileiro. No segundo capítulo, passou-se à individualização e
conceituação das variadas hipóteses de incidência do crime de furto. Por fim, no
terceiro capítulo, após contextualizar o tema, avaliou-se a consistência dos
argumentos levantados pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal em suas decisões sobre o tema, para verificar, à luz do ordenamento
jurídico vigente, qual provimento judicial – crime impossível ou crime tentado – deve
prevalecer e ser aplicado às hipóteses de crime de furto, não consumado, intentados
em estabelecimento comercial detentor de sistema de vigilância. Para tanto,
empregou-se o método de pesquisa dedutivo, por meio de pesquisa teórica e
qualitativa, através de material bibliográfico e documental legal (jurisprudência). A
pesquisa jurisprudencial foi realizada nos sítios oficiais dos referidos tribunais
superiores, utilizando-se das palavras-chave "furto", "crime impossível",
“estabelecimento comercial” e "vigilância". Do site do STJ, foram selecionados 6 (seis)
acórdãos sobre a hipótese específica de tentativa de furto em estabelecimento
comercial detentor de sistema de vigilância, do período 2005-2019. Já do site do STF,
foram selecionados 6 (seis) acórdãos do mesmo tema, do período 2009-2018.
The crime of theft, provided for in Article 155 of the Penal Code, is one of the most
incidents crimes in Brazil, as verified through the uninterrupted new cases of its
practice reported on criminal pages. Due to the vast number of cases of theft that arrive
at the Judiciary for investigation and judgment, any change of interpretation given to
this criminal type by the judges can affect the lives of many people, whether
perpetrators or victims of this crime. Among this immensity of judicialized theft cases,
a large portion of these subtractions or their attempts take place in commercial
establishments, which, nowadays, predominantly, bear physical or electronic
surveillance system. Thus, the current work aims to analyze the legitimacy of the
understanding adopted by the Federal Supreme Court, in some of their judgments, in
which it recognizes the atypicality of the crime of theft, not consummated, perpetrated
in commercial establishment guarded (electronic or physical surveillance), in view of
the recognition of the institute of impossible crime (Article 17 of the Penal Code), given
the absolute ineffectiveness of the employed environment, to the detriment of the
punishment of the perpetrator for the attempted crime (Article 14, item II, of the Penal
Code), as is the pacified position in the Superior Court of Justice. For this purpose, in
the first chapter an explanation was made about the institutes of attempted crime and
the impossible crime in Criminal Law, emphasizing their differences and application
criteria in the Brazilian legal system. In the second chapter, it was made an
individualization and conceptualization of the various hypotheses of incidence of theft
crime. Finally, in the third chapter, after contextualizing the theme, the consistency of
the arguments raised by the Ministers of the Superior Court of Justice and the Federal
Supreme Court in their decisions on the subject was evaluated, to verify, in the light of
the planning legal proceedings, which judicial provision – impossible crime or
attempted crime – must prevail and be applied to the hypotheses of a theft,
unconsummated, attempted in a commercial establishment with a surveillance system.
Therefore, it was used the deductive research method, through theoretical and
qualitative research, using bibliographical and legal material (jurisprudence). The
jurisprudential research was carried out on the official sites of these higher courts,
using the keywords "theft", "impossible crime", "commercial establishment" and
"surveillance". From the STJ website, 6 (six) judgments were selected on the specific
hypothesis of attempted theft in a commercial establishment with a surveillance
system, from the period 2005-2019. On the site of the Supreme Court, 6 (six)
judgments of the same theme were selected, from the period 2009-2018.
art. Artigo
CF Constituição Federal
CP Código Penal
HC Habeas Corpus
n. Número
p. Página
Rel. Relator
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 CRIME CONSUMADO, CRIME TENTADO E CRIME IMPOSSÍVEL .................... 13
2.1 DOS TIPOS PENAIS E DA TIPICIDADE ............................................................ 15
2.2 CONSUMAÇÃO DELITIVA ................................................................................. 17
2.3 CRIME TENTAdo ................................................................................................ 21
2.4 CRIME IMPOSSÍVEL .......................................................................................... 25
3 CRIME DE FURTO (ARTIGO 155, DO CÓDIGO PENAL): ANÁLISE DE SUA
CONSUMAÇÃO E DE SUAS TENTATIVAS IDÔNEAS E INIDÔNEAS ................... 29
3.1 DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO .......................................................... 30
3.2 HISTORICIDADE DO FURTO NO MUNDO E NO BRASIL ................................ 31
3.3 DO CRIME DE FURTO E SUAS ESPÉCIES ...................................................... 32
3.3.1 Consumação delitiva...................................................................................... 36
3.3.2 Do furto tentado ............................................................................................. 37
3.3.3 Do furto noturno (artigo 155, § 1º, do Código Penal) .................................. 38
3.3.4 Do furto privilegiado (artigo 155, § 2º, do Código Penal) ............................ 39
3.3.5 Da equiparação da energia elétrica ou de qualquer outra que possua valor
econômico à coisa móvel (artigo 155, § 3º, do Código Penal) ............................ 40
3.3.6 Hipóteses de furto qualificado previstas no § 4º do artigo 155 do Código
Penal ......................................................................................................................... 41
3.3.6.1 Furto com destruição ou rompimento de obstáculo (artigo 155, § 4º, inciso I,
do Código Penal)....................................................................................................... 42
3.3.6.2 Furto com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza
(artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal) ............................................................. 43
3.3.6.3 Furto cometido com emprego de chave falsa ................................................ 45
3.3.6.4 Furto cometido mediante concurso de duas ou mais pessoas ...................... 46
3.3.7 Hipótese de furto qualificado prevista no § 4º-A do artigo 155 do Código
Penal ......................................................................................................................... 47
3.3.8 Hipótese de furto qualificado prevista no § 5º do artigo 155 do Código Penal
.................................................................................................................................. 47
3.3.9 Hipótese de furto qualificado prevista no § 6º do artigo 155 do Código Penal
.................................................................................................................................. 48
3.3.10 Hipótese de furto qualificado prevista no § 7º do artigo 155 do Código
Penal ......................................................................................................................... 48
3.4 DA PUNIÇÃO DA TENTATIVA DO CRIME DE FURTO NÃO CONSUMADO
PERPETRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM SISTEMA DE
VIGILÂNCIA EM DETRIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL ...................................... 49
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DOS ATUAIS ENTENDIMENTOS ADOTADOS
PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL ACERCA da APLICAÇÃO DA MAJORANTE DO FURTO NOTURNO AO
FURTO QUALIFICADO ............................................................................................ 52
4.1 DA TRANSIÇÃO DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DA
PUNIÇÃO PELA TENTATIVA DO FURTO NÃO CONSUMADO PERPETRADO EM
ESTABELECIMENTO COMERCIAL COM SISTEMA DE VIGILÂNCIA PARA O
RECONHECIMENTO DO CRIME IMPOSSÍVEL EM CASOS ESPECÍFICOS.......... 52
4.2 DO FIRME POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PELA
IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER O CRIME IMPOSSÍVEL NOS CASOS DE
FURTO NÃO CONSUMADO PERPETRADO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL
COM SISTEMA DE VIGILÂNCIA, COM SUA PUNIÇÃO PELA TENTATIVA............ 59
5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 72
11
1 INTRODUÇÃO
[...] pode-se definir o Direito penal, do ponto de vista dinâmico e social, como
um dos instrumentos do controle social formal por meio do qual o Estado,
mediante um determinado sistema normativo (leia-se: mediante normas
penais), castiga com sanções de particular gravidade (penas e outras
consequências afins) as condutas desviadas (crimes e contravenções) mais
nocivas para a convivência, visando a assegurar, dessa maneira, a
necessária disciplina social bem como a convivência harmônica dos membros
do grupo. Esse controle social é dinâmico porque está vinculado a cada
momento cultural da sociedade. Acompanha as alterações sociais (ou, pelo
menos, deveria acompanhá-las).
punição só pode se dar também pela forma prevista em lei. Neste caso, fala-se em lei
em sentido estrito, que é aquela elaborada pelo poder competente (legislativo)".
Em que pese somente o Poder Legislativo estar legitimado à criação dos
ilícitos penais, cabe ao Poder Judiciário a análise e aplicação das normas aos casos
concretos (MÉDICI, 2004, p. 197).
Ocorre que, o Poder Judiciário, no exercício dessa sua função típica de
interpretação e emprego das normas nas situações reais, muitas vezes, acaba por
gerar muitos entendimentos diversos sobre determinados temas, alguns em sentido
contrário ou não pretendido pela norma, possibilitando, infelizmente, com esse equí-
voco, prejudicar ou beneficiar indevidamente alguns indivíduos que chegam aos ban-
cos judiciais.
imaginação do agente, sem exteriorização de nenhum ato. Essa fase não é punível
pelo Direito Penal, tendo em vista a ausência da prática de conduta pelo agente, um
dos elementos do fato típico, de modo que ninguém pode ser punido pelo simples
pensamento (cogitationis poenam nemo patitur) (DOTTI, 2013, p. 434).
Complementando esse entendimento, Nucci (2017, p. 279) revela:
[...] Enquanto a ideia criminosa não ultrapassar a esfera mental, por pior que
seja, não se poderá censurar criminalmente o ato. Se uma pessoa, em
momento de ira, deseja conscientemente matar seu desafeto, mas nada faz
nesse sentido, acalmando-se após, para o Direito Penal a ideação será
considerada irrelevante. Pode-se falar, obviamente, em reprovar o ato do
ponto de vista moral ou religioso, nunca porém à luz do Direito Penal.
ser o marco separador da ilicitude ou não dos atos praticados a possibilitar a repressão
estatal, havia vista que os atos preparatórios, via de regra, são penalmente
irrelevantes, enquanto que os atos executórios são penalmente típicos (artigo 14, II,
do Código Penal) (NUCCI, 2017, p. 280).
Para tanto, a doutrina apresenta dois critérios dominantes, expressos na
lição de Nucci (2017, p. 280), como: “a) critério material: a execução se inicia quando
a conduta do sujeito passa a colocar em risco o bem jurídico tutelado pelo delito”; b)
critério formal-objetivo: só há início de execução se o agente praticou alguma conduta
que se amolda ao verbo núcleo do tipo”.
A doutrina e jurisprudência majoritárias adotam o critério formal, expresso
nos ensinamentos de CAPEZ (2013, p. 265), ao discorrer:
O melhor critério para tal distinção é o que entende que a execução se inicia
com a prática do primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do
delito. Enquanto os atos realizados não forem aptos à consumação ou
quando ainda não estiverem inequivocamente vinculados a ela, o crime
permanece em sua fase de preparação. […] Por essa razão, somente há
execução quando praticado o primeiro ato capaz de levar ao resultado
consumativo e não houver nenhuma dúvida de que tal ato destina-se à
consumação. O tema, no entanto, tem gerado muita polêmica na doutrina,
havendo várias correntes, conforme será visto no tópico “Início de execução”,
logo a seguir.
outro exemplo, tentar abortar o feto de mulher que não está grávida (HUNGRIA, 1978,
p. 99).
Já a ineficácia absoluta do meio é tida nos casos em que o meio de
execução do crime selecionado pelo agente é, por sua natureza ou essência,
totalmente incapaz de levar à produção do resultado, mesmo que reiteradamente
empregado (MASSON, 2014, p. 121).
Nesse contexto, Greco (2014a, p. 292) bem salienta que “meio” é tudo que
o agente utiliza para auxiliá-lo na produção do resultado almejado, podendo valer-se
de coisas cuja finalidade típica não é relacionada com a ação necessária para a
consumação do crime, à exemplo do taco de beisebol que, apesar de confeccionado
para rebater bolas, pode ser utilizado como instrumento do crime de homicídio.
Essa total ineficácia do meio deve ser verificada no caso concreto, nunca
atendo-se ao campo abstrato, e, nos casos em que a ineficácia for relativa, haverá
tentativa e não crime impossível (MASSON, 2014, p. 121).
A contextualização do meio relativamente inidôneo e seu afastamento do
crime impossível é brilhantemente expressa por Hungria (1978, p. 101) ao esclarecer
que “dá-se a inidoneidade relativa do meio quando este, embora normalmente capaz
de produzir o evento intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância
acidental na sua utilização”.
Neste diapasão, urge abordar uma das questões mais relevantes do tema,
o fundamento da punição ou não do crime impossível. Para tanto, foram criadas
diversas teorias, bem delimitadas e diferenciadas nos ensinamentos de Mason (2014,
p. 120-121) ao dispor:
Portanto, com base nessa lição, vê-se que de todas essas teorias, a
adotada pelo Código Penal brasileiro é a teoria objetiva temperada (moderada ou
matizada), que determina que para configuração do crime impossível, a conduta do
agente não pode ter a mínima potencialidade de lesar o bem jurídico visado, seja em
virtude do meio por ele empregado, seja pelas condições do objeto material, de modo
que, nessas condições, a conduta do agente jamais chegaria à consumação do crime,
o que se traduz como inidoneidade absoluta.
Outra conclusão extraída é que, por outro lado, com base nessa teoria
prevista no artigo 17 do Código Penal, nos casos em que esta inidoneidade for relativa,
ou seja, a conduta utilizada pelo agente era hábil à alcançar a consumação delitiva, o
que somente não ocorreu em decorrência de circunstâncias estranhas à sua vontade,
haverá crime tentado.
Convém, nesse ponto, esclarecer que o crime impossível é classificado
como uma causa excludente da tipicidade (NUCCI, 2017, p. 202). Assim, como visto,
somente a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto absolutas levam à
atipicidade, conquanto, sendo apenas ocasional e estranha às ações do agente a
falha do resultado criminoso pretendido, haverá tentativa punível (CAPEZ, 2013, p.
284-285).
Dessa forma, como forma de arrebatar o tema, ainda que o crime
impossível e o crime tentado guardem similitudes pelo fato de se darem nas hipóteses
em que o agente inicia a execução da conduta delitiva, mas não atinge a consumação,
suas diferenças são ainda mais visíveis.
Isto porque, na tentativa, a conduta praticada pelo agente é hábil à
consumação delitiva, porquanto os meios empregados são idôneos, e o objeto
28
material alvejado pela ação do agente é um bem jurídico passível de lesão ou perigo
de lesão, não se consumando o delito apenas por circunstâncias alheias à sua
vontade, ou seja, havia um mínimo risco de consumação do crime. Já, no crime
impossível, o emprego de meios ineficazes ou a agressão a objetos impróprios
afastam completamente a possibilidade da produção do resultado, inexistindo
qualquer situação de perigo ao bem jurídico tutelado (MASSON, 2014, p. 120).
Para fins de conhecimento, importa destacar que a previsão do crime
impossível como forma de excludente de tipicidade e, portanto, da punibilidade da
tentativa inidônea, na forma atualmente prevista no Código Penal brasileiro, foi
inserida através da reforma do Código de 1984, enquanto que, em sua redação
original de 1940, a tentativa inidônea era submetida à medida de segurança de
liberdade vigiada (arts. 76, parágrafo único, e 94, III), condicionada à periculosidade
do agente. Entretanto, a primeira previsão do crime impossível no ordenamento
jurídico brasileiro foi no art. 14, parágrafo único, do Código de 1890 sob o texto “não
é punível a tentativa no caso de inefficacia absoluta do meio empregado, ou de
impossibilidade absoluta do fim a que o delinquente se propuser” (ZAFFARONI,
PIERANGELI, 2008, p. 68-72).
De todo o abordado, a conclusão facilmente extraída é que para que esteja
configurado o crime impossível, basta verificar na análise do caso concreto se pelos
meios utilizados e contra o que intentado pelo agente, o crime almejado tinha alguma
chance de êxito em consumar-se, de modo que, não havendo nenhuma hipótese de
consumação, o crime é impossível. Contudo, constatada qualquer chance hábil de
atingir a consumação delitiva, por mais irrisória que seja, presente a figura da tentativa
de crime.
29
157, § 3º, do Código Penal), que salvaguarda o patrimônio e a vida das pessoas
(ESTEFAM, 2012, p. 373).
Outra consideração a ser feita acerca desse título dos crimes contra o
patrimônio é que, embora o valor econômico dos bens objetos dessas práticas
delitivas seja uma característica predominante na maioria dos delitos patrimoniais, não
é requisito indispensável, haja vista a expressão “patrimônio” não conduz
necessariamente a algo suscetível de valoração pecuniária, além de que muitos dos
delitos em comento tutelam, concomitantemente, outros valores.
Nesse sentido, bem esclarece Estefam (2012, p. 376) sobre o tema:
Com fulcro nesse entendimento, tem-se que os bens imóveis não podem
ser objeto de furto (ESTEFAM, 2012, p. 382).
Outra questão de divergência na doutrina quanto a configuração do delito
de furto, é a necessidade ou não, do bem objeto do crime ter alguma valoração pecu-
niária. Sobre o tema, contrapondo Nascimento, para quem o objeto não precisa ter
valor especificamente econômico, Prado (2013, p. 783) sustenta que "no contexto dos
delitos contra o patrimônio (conjunto de bens suscetíveis de apreciação econômica),
cremos ser imprescindível que a coisa tenha, para seu dono ou possuidor, algum valor
econômico", devendo ser resolvido na esfera civil a reparação de dor moral por sub-
tração de eventual coisa de valor meramente sentimental.
Diante do apresentado, tem-se por notório que para ser objeto de furto, o
bem almejado deve pertencer a alguém, além de ser suscetível de remoção e apre-
ensão, o que, na via transversa, leva ao raciocínio de que alguns outros bens, porque
não integram o patrimônio de qualquer pessoa, não podem ser objeto de furto. Sobre
o tema, Nascimento (2000, p. 201) leciona:
35
[...] Como linear fica a coisa móvel subtraída, deverá ser propriedade de al-
guém. Deduzido fica, por consequência, que a res nullius, a res derelicta e a
res commune omnium não poderão ser objeto material de furto. Res nullius é
a que em momento algum teve dono. Res derelicta é a que já pertenceu a
alguém, tendo sido abandonada, renunciando pois o dono a sua propriedade.
Res commune omnium é a que é do uso de todos, não sendo suscetível de
ocupação em sua totalidade.
Acrescenta-se que o crime de furto pode ser cometido por qualquer pessoa
(delito comum), sendo o sujeito ativo aquele que subtrai a coisa (NORONHA, 2003, p.
215).
Convém pontuar que a doutrina majoritária sustenta a impossibilidade do
proprietário furtar o próprio bem, especialmente em razão de não poder se cogitar
uma coisa ser, simultaneamente, própria e alheia, além de que, o legislador, para evi-
tar qualquer dúvida, incriminou a subtração de coisa comum (artigo 156 do Código
Penal), bem como a subtração de coisa própria em poder de terceiro perpetrado pelo
proprietário (artigo 346 do Código Penal) (PRADO, 2013, p. 425).
A seu turno, o sujeito passivo do crime de furto – a vítima - considerando
que a objetividade jurídica imediata do crime de furto é a posse, o sujeito passivo
imediato desse delito é o possuidor do bem. Outrossim, o proprietário também é su-
jeito passivo desse crime, contudo de forma indireta, haja vista também sofrer lesão
patrimonial (NORONHA, 2003, p. 218).
Nesse contexto, oportuno trazer a lição de Nucci (2017, p. 781-782) de que
no crime de furto "sujeitos ativo e passivo: podem ser qualquer pessoa. No caso de
ladrão que subtrai a coisa já furtada de outro ladrão, há crime de furto, embora a vítima
seja legítimo dono ou possuidor do objeto".
Outra exigência para configuração do delito de furto é seu elemento subje-
tivo, qual seja, o dolo, o qual, especialmente no crime em apuro, é exigido tanto na
sua forma genérica, regra do Código Penal, consistente na vontade incontestável e
consciente de praticar o crime, bem como o dolo específico, evidenciado pela vontade
de assenhoramento definitivo sobre a coisa alheia. Acerca do tema, ensina Noronha
(2003, p. 226):
Trata-se de crime comum (aquele que não exige qualquer condição especial
do sujeito ativo); de dano (consuma-se apenas com lesão efetiva ao bem ju-
rídico tutelado); material (que causa transformação no mundo exterior, con-
sistente à diminuição do patrimônio da vítima); comissivo (é da essência do
próprio verbo nuclear, que só pode ser praticado por meio de uma ação posi-
tiva; logicamente, por intermédio da omissão imprópria também pode ser pra-
ticado, nos termos do art. 13, § 2º); doloso (não há previsão legal para a figura
culposa); de forma livre (pode ser praticado por qualquer meio, forma ou
modo), instantâneo (a consumação opera-se de imediato, não se alongando
no tempo); unissubjetivo (pode ser praticado, em regra, apenas por um
agente); plurissubsistente (pode ser desdobrado em vários atos, que, no en-
tanto, integram uma mesma conduta).
de repouso noturno, nos termos acima referidos, incide a majorante, sendo irrelevante
que o delito se dê em residência, que o local esteja ou não habitado, com ou sem a
presença de seus moradores, possibilitando assim a aplicação da causa de aumento
em furtos praticados em veículos estacionados na rua e em estabelecimentos comer-
ciais (ESTEFAM, 2012, p. 394).
Com isso, praticado o crime de furto durante o repouso noturno, indepen-
dentemente de onde ocorra, desde que constatada a consequente diminuição da vi-
gilância exercida sobre o bem objeto do crime, em razão dessa condição, seja pelo
dono ou pela sociedade em geral, deverá incidir a majorante do repouso noturno.
Equiparação à coisa móvel: para não haver qualquer dúvida, deixou o legis-
lador expressa a intenção de equiparar a energia elétrica ou qualquer outra
41
que possua valor econômico à coisa móvel, de modo que constitui furto a
conduta de desvio de energia de sua fonte natural. Energia é a qualidade de
um sistema que realiza trabalhos de variadas ordens, como elétrica, química,
radiativa, genética, mecânica, entre outras. Assim, quem faz uma ligação
clandestina, evitando o medidor de energia elétrica, por exemplo, está prati-
cando furto. Nessa hipótese, realiza-se o crime na forma permanente, vale
dizer, a consumação se prolonga no tempo. Enquanto o desvio estiver sendo
feito, está-se consumando a subtração da energia elétrica.
3.3.6.1 Furto com destruição ou rompimento de obstáculo (artigo 155, § 4º, inciso I,
do Código Penal)
vidro do veículo para a sua subtração configuraria furto simples, entretanto sua des-
truição para subtração de algum bem no interior do automóvel caracterizaria furto qua-
lificado (ESTEFAM, 2012, p. 400-401).
Todavia este entendimento vem sofrendo mudança gradual, em especial
no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, para abranger também a qualificadora
quando a violência se der sobre obstáculo inerente à própria coisa furtada, ao argu-
mento de não haver nenhuma distinção no texto legal (ESTEFAM, 2012, p. 400).
Por todo o abordado, restam bem evidenciadas as hipóteses de incidência
dessa qualificadora.
maneira que qualquer outra pessoa poderia tê-lo cometido, não haverá a qualifica-
dora".
Desse modo, tem-se passados os pontos destacáveis dessa hipótese de
qualificadora do delito de furto.
não destinada a esse fim, e da qual não tem o direito de utilizar-se. E mais:
consiste não apenas em ingresso no local por via incomum, mas, sobretudo,
superando obstáculo difícil, que demande o uso de instrumento especial ou
de invulgar habilidade do agente.
Ante o exposto, observa-se que qualquer objeto hábil para abrir alguma
fechadura na execução de um crime de furto, independentemente de sua forma, faz
incidir a qualificadora do emprego de chave falsa.
Do mesmo modo, em que pese não tenha sido prevista no texto original do
Código Penal, por meio da Lei n. 13.330/2016 foi introduzida a qualificadora do furto
denominada “abigeato”, por meio da qual se estabeleceu a pena abstrata de reclusão
de 2 a 5 anos nos casos em que a subtração for de semovente domesticável de
produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.
Para o correto entendimento da abrangência da qualificadora, se faz
necessário conceituar o termo “semovente domesticável”, o que Capez (2019, p. 460)
“entende-se por semovente o animal que possui condições de se deslocar por conta
própria. É elementar que se cuide de semovente domesticável, ou seja, apto a ser
domesticado”.
Com base nisso, incide a qualificadora em tela nos casos de subtração de
animais produtores em geral, como gado, ovelhas, porcos, sejas eles furtados do local
que se encontravam vivos ou já abatidos, já desmembrados ou para
desmembramento futuro (CAPEZ, 2019, p. 461).
Outra conclusão lógica extraída do dispositivo é que sua incidência não
tutela animais selvagens como leões, ursos, zebras, girafas, onças, nem os animais
não domesticáveis, como peixes e camarões, ainda que sirvam para a produção, tanto
de alimentos ou qualquer outra atividade (CAPEZ, 2019, p. 461).
Dessa forma, bem delimitada as hipóteses de incidência da qualificadora
do abigeato.
Vale destacar desse julgado, parte do voto proferido por seu relator, o Mi-
nistro Gilmar Mendes, que expressou seu posicionamento em afastar a incidência do
instituto do crime impossível ao ratificar que sistemas de vigilância eletrônica ou física,
através de funcionários, de estabelecimentos comerciais, não tem o condão de impe-
dir totalmente a consumação do crime de furto, condição indispensável para o reco-
nhecimento do crime impossível, devendo a ação ser punida pela tentativa:
[...] Assim, ao contrário do que tenta fazer crer a defesa, não há que se falar
de meio absolutamente ineficaz para alcançar o resultado criminoso. Isso por-
que os sistemas de vigilância de estabelecimentos comerciais, ou até mesmo
os constantes monitoramentos realizados por funcionários, não tem o condão
de impedir totalmente a consumação do crime. [...] (BRASIL, 2020d).
Habeas corpus. Penal. Furto circunstanciado tentado. Artigo 155, § 4º, inciso
II, em combinação com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. Conduta
delituosa praticada em supermercado. Estabelecimento vítima que exerceu a
vigilância direta sobre a conduta da paciente. Acompanhamento ininterrupto
de todo o iter criminis. Ineficácia absoluta do meio empregado para a
consecução do delito, dadas as circunstâncias do caso concreto. Crime
impossível caracterizado. Artigo 17 do Código Penal. Atipicidade da conduta.
Trancamento da ação penal. Com fundamento diverso, votou pela concessão
da ordem o eminente Ministro Celso de Mello.
1. A forma específica mediante a qual o funcionário do estabelecimento vítima
exerceu a vigilância direta sobre a conduta da paciente, acompanhando
ininterruptamente todo o iter criminis, tornou impossível a consumação do
crime, dada a ineficácia absoluta do meio empregado. Tanto isso é verdade
que, imediatamente após passar pelo caixa sem efetuar o pagamento dos
produtos escolhidos, a denunciada foi abordada na posse dos bens pelo
funcionário que vinha monitorando sua conduta.
2. De rigor, portanto, diante dessas circunstâncias, a incidência do art. 17 do
Código Penal, segundo o qual “não se pune a tentativa quando, por ineficácia
absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível
consumar-se o crime”.
3. Esse entendimento não conduz, automaticamente, à atipicidade de toda e
qualquer subtração em estabelecimento comercial que tenha sido monitorada
pelo corpo de seguranças ou pelo sistema de vigilância, sendo imprescindível
para se chegar a essa conclusão a análise individualizada das circunstâncias
de cada caso concreto.
4. Ordem de habeas corpus concedida para trancar a ação penal, nos termos
do art. 17 do Código Penal.
5. Com fundamento diverso, votou pela concessão da ordem o eminente
Ministro Celso de Mello. (HC 137290, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda
Turma, julgado em 07/02/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169
DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017). (BRASIL, 2020e).
56
[…] subtraiu, para si, coisas alheias móveis, quais sejam, 02 (dois) frascos de
desodorante Rexona – Teens de 108 ml cada; 03 (três) frascos de goma de
mascar Mentos – pura refrescância de 28 unidades cada; 02 (dois) frascos
de goma de mascar Mentos – pura refrescância de 16 unidades cada, avali-
ados em R$ 42,00 (quarenta e dois reais), conforme Auto de Avaliação de fls.
07, pertencente à vítima Supermercado Maiolini. Segundo apurado, no inte-
rior daquele estabelecimento, a denunciada abriu sua bolsa e colocou referi-
das mercadorias em seu interior e, logo após, passou pelo caixa sem efetuas
o devido pagamento. Ato contínuo, o funcionário daquele estabelecimento,
Renato Cabral Soares, acionou a Guarda Municipal e juntamente com ela
abordou a denunciada e questionou sobre tais produtos, momento em que
ela abriu sua bolsa, de onde foram retirados”. (BRASIL, 2020e).
[...] Pois bem, nessas hipóteses em que os produtos estão dispostos em gôn-
dolas de estabelecimento comercial e são acessados sem a intermediação
57
No entanto, frisa-se que referida tese não tem sido acompanhada pela in-
tegralidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, porquanto ao terem a oportu-
nidade de julgar caso semelhante, através do Habeas Corpus n. 111.278/MG, já no
ano de 2018, os Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, integrantes
da Colenda Primeira Turma, reafirmaram seus entendimentos de que a presença de
sistema de vigilância em estabelecimento comercial não constitui óbice para a consu-
mação do crime de furto, e, com isso, afastaram o reconhecimento do crime impossí-
vel nessas hipóteses, ao decidirem:
Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o habeas corpus não pode ser
utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. Ausência de teratologia,
ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize a concessão da ordem
de ofício. 3. Incidência da Súmula 567 desta Corte, segundo a qual o “Sistema
de vigilância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de
segurança no interior de estabelecimento comercial, por si só, não torna
impossível a configuração do crime de furto”. 4. Habeas Corpus não
conhecido. (HC 111278, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em
10/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 30-05-2018
PUBLIC 01-06-2018) (BRASIL, 2020g).
E:
reafirmou sua tese jurídica de que a existência de sistema de segurança e/ou de vigi-
lância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto perpetrado no interior
de estabelecimento comercial, emendado da seguinte forma:
tema de vigilância – física e/ou eletrônica – isto porque, em qualquer uma das hipóte-
ses de seu cometimento, há uma mínima possibilidade de consumação delitiva, risco
de consumação este que não poderia estar presente para viabilizar a aplicação do
instituto do crime impossível, porquanto prescinde que o meio empregado seja abso-
lutamente inidôneo, ao se manifestar:
[...] Creio ser possível asserir que, embora os sistemas eletrônicos de vigilân-
cia tenham por objetivo a evitação de furtos, sua eficiência apenas minimiza
as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a
ocorrência de subtrações no interior de estabelecimentos comerciais. Assim,
não se pode afirmar, em um juízo normativo de perigo potencial, que o equi-
pamento funcionará normalmente, que haverá vigilante a observar todas as
câmeras durante todo o tempo, que as devidas providências de abordagem
do agente serão adotadas após a constatação do ilícito, etc.
Na espécie, o meio empregado pelas agentes era de inidoneidade relativa,
visto que havia a possibilidade de consumação, posto que remota.
Vale ressaltar que o entendimento jurisprudencial ora defendido não implica
uma apologia da punição, mas a concretização do dever de proteção – ele-
mento justificador do próprio direito penal –, por meio de uma resposta pro-
porcional do direito sancionador estatal a uma conduta penalmente punível.
[...]
Na espécie, embora remota a possibilidade de consumação do furto iniciado
pelas recorridas no interior do mercado, o meio empregado por elas não era
absolutamente inidôneo para o fim colimado previamente, não sendo absurdo
supor que, a despeito do monitoramento da ação delitiva, as recorridas, ou
uma delas, lograssem, por exemplo, fugir, ou mesmo, na perseguição, inutili-
zar ou perder alguns dos bens furtados, hipóteses em que se teria por aper-
feiçoado o crime de furto.
Não era, por conseguinte, impossível que as acusadas conseguissem consu-
mar a subtração, apesar das câmeras, dos vigilantes, do etiquetamento ele-
trônico, etc.
A meu aviso, o voto vencido, no Tribunal de origem, acertou ao ressaltar que
"a ineficácia do meio, in casu, deu-se apenas de forma relativa, o que impede
o reconhecimento do instituto do crime impossível previsto no art. 17 do Có-
digo Penal":
[...] Não coaduno com a tese de impossibilidade de concretização do furto por
absoluta inidoneidade dos meios por se tratar de estabelecimento comercial
dotado de sistema de vigilância. O fato de o sistema de segurança pública
estatal apresentar-se frágil e impotente diante da crescente criminalidade - o
que nos obriga, contrariados, a recorrer à segurança privada - não pode ser
utilizado como instrumento de impunidade.
Uma vez que se recorre à segurança privada, considerar-se como crime im-
possível a prática de subtração em estabelecimentos dotados de vigilantes é
ser excessivamente, não podemos nos curvar. Dessa forma: [...]
Também não se descura que a ineficácia do meio, "in casu", deu-se apenas
de forma relativa, o que impede o reconhecimento do instituto do crime im-
possível previsto no art. 17 do Código Penal, que é taxativo no sentido de que
o crime se torna impossível quando, por ineficácia absoluta do meio, é impos-
sível consumar-se. [...] (fls. 255-259)
Afasto, assim, em casos similares ao ora versado, a hipótese de crime im-
possível e, por conseguinte, proponho a fixação da seguinte tese jurídica,
para os fins previstos no art. 543-C do Código de Processo Civil:
A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna
impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento
comercial. [...] (BRASIL, 2020k).
64
5. CONCLUSÃO
cimento comercial vitimado, não se vislumbra que tal circunstância impossibilitaria to-
talmente qualquer hipótese de consumação do crime de furto almejado, condição in-
dispensável para a incidência do instituto do crime impossível, haja vista que ainda
possuía um mínimo risco de consumação delitiva, como, na hipótese do agente des-
vencilhar-se da abordagem e empreender fuga na posse da res furtiva, o que afasta
o reconhecimento do crime impossível nesses casos.
Dessa feita, a conclusão a ser extraída do tema é que embora os sistemas
eletrônicos de vigilância e de segurança tenham por objetivo a evitação de furtos –
valendo-se dizer que esse aparato de segurança privada somente tem razão de existir
em virtude da falha estatal na garantia da segurança pública, recorrendo-se as pes-
soas a essas alternativas – sua existência apenas dificulta a prática dos crimes de
furto em suas dependências, mas não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de
subtrações em seu interior, afastando, com isso o reconhecimento do crime impossí-
vel e autorizando a punição dos agentes que impedidos de consumar o crime, pela
forma tentada.
Mas não só, a manutenção e aplicação desse entendimento mostra-se
temerária, porquanto pode levar ao aumento exponencial da prática de furtos em
estabelecimentos comerciais com sistema de vigilância em razão da sensação de
impunidade que gerada aos criminosos. Isto porque, numa avaliação do risco de sofrer
punição por seus atos, o delinquente percebe, ainda que não seja conclusão
automática, que, com a aplicação do instituto do crime impossível, caso consume seu
intento, por óbvio melhor, contudo, nos casos em que seja pego praticando o crime,
nada lhe acontecerá no âmbito penal, o que deve, ao máximo ser evitado para garantia
da ordem pública.
Desse modo, ficou demonstrado, na corrente explanação, que o fato de
estabelecimento comercial possuir sistema de vigilância, seja eletrônica ou física, em
nenhuma hipótese terá o condão de, por si só, impedir absolutamente a prática do
crime de furto em suas dependências, de modo a tornar inadmissível o
reconhecimento da atipicidade da conduta, não consumada, pela aplicação do
instituto do crime impossível, devendo, no entanto, a conduta, diante da relativa
idoneidade do meio empregado, ser enquadrada e punida como furto tentado.
72
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