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Ebook *

Direito Penal Material atualizado de acordo


com a Lei n.º 13.964 - Dez 2019
Pacote Anticrime

para Delegado

PROFESSOR Marcelo
Lebre
2020 © Editora Aprovare
Autor: Marcelo Lebre
Edição e Diagramação: Editora Aprovare
Capa e Projeto Gráfico: Thomas Freitas
Apresentação: Claudio Daniel Ehlke Santi Matos
Prefácio: Bruno Torquato Zampier Lacerda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Lebre, Marcelo.

Direito Penal para Delegado de Polícia: A Atuação da Polícia Judiciária / Marcelo Lebre. 2 Ed - Curi-
tiba: Aprovare, 2020.

32 p. ; 14,5 cm x 21 cm.

Inclui índice e bibliografia.

1. Direito Penal. 2. Delegado. I. Título.

Autor: Marcelo Lebre – Advogado, especialista em delitos econômicos. Mestre em di-


reitos fundamentais e democracia. Professor de Direito Penal da Escola da Magistratura
Federal (ESMAFE), da Escola da Magistratura do Paraná (EMAP), da Escola da Magistratura
do Trabalho (EMATRA), da Escola do Ministério Público (FEMPAR). Professor do curso de
graduação em direito do Centro Universitário do Brasil (UniBrasil) e do curso de pós gra-
duação da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Professor em cursos
preparatórios para concursos públicos. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB
no Paraná. Autor de obras jurídicas publicadas pela Editora Aprovare.

@mlebre
Marcelo Lebre
professormarcelolebre@gmail.com

TODOS OS DIREITOS AUTORAIS DESTA OBRA SÃO RESERVADOS e protegidos pela Lei n.º
9610/98, pertencendo à Editora Aprovare. Fica proibida a reprodução total ou parcial desta
obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou manual, inclusive através de
processos xerográficos, fotocópias e gravações, sem permissão expressa e escrita do editor
ou do autor.

Data de fechamento: Maio de 2020.

2020

Todos os direitos reservados à Editora Aprovare Ltda.


Marcelo Lebre

Direito Penal
para Delegado de Polícia

- A Atuação da Polícia Judiciária -

2ª edição

Editora Aprovare

2020
Direito Penal para Delegado de Polícia

A ATUAÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

1. Relevância constitucional da atividade policial

Iniciaremos este trabalho, que visa ofertar uma preparação


minuciosa e diferenciada, totalmente focada para os concursos
de Delegado de Polícia, escrevendo algumas linhas sobre esta
honrosa profissão e sua relevância democrática.

Assim, impende firmar que a Constituição de 1988 ressaltou a


importância do tema segurança pública, aduzindo ser ela um
direito social (e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade) de
todos, e incumbindo o Estado da especial missão de preservar a
ordem pública e a incolumidade das pessoas e seus respectivos
patrimônios, consoante se infere do artigo 6º da CF/1988.1

Neste tocante, surge a atuação da Polícia Civil e seus agen-


tes, como um dos órgãos responsáveis por dar efetividade a tais
perspectivas. Nos termos do art.144, inciso IV c/c § 4º CF/88,
às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.

Ou seja, a Polícia Civil é um dos órgãos democráticos que se


presta à condução das atividades da polícia judiciária (ao lado
da polícia federal, que intervém na apuração de crimes federais
e transnacionais), atuando quando há a notícia da ocorrência de
um ilícito penal.

A doutrina administrativista pátria nos lembra de que a po-


lícia judiciária funciona como suporte do Poder Judiciário e do
sistema de repressão à criminalidade, embora deva prestar con-

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Marcelo Lebre

tas diretamente ao Poder Executivo (no caso da Polícia Civil, ao


executivo estadual – ao Governador do Estado).2

No Brasil, a polícia judiciária está preponderantemente en-


carregada de realizar a persecução criminal preliminar (o inqué-
rito policial), na qual se busca reunir um arcabouço cognitivo
que demonstre materialidade e indícios suficientes de autoria
de uma infração penal – consoante aduz o art. 4° do Código de
Processo Penal, o qual nos lembra de que esta atividade deverá
ser conduzida pela autoridade policial no território de suas res-
pectivas circunscrições, leia-se: pelos Delegados de Polícia que
atuam em cada distrital.

Ao Delegado de Polícia incumbe, conforme estabelece o art.


144 da Constituição de 1988, algumas funções especiais, as
quais operam como verdadeiros mandamentos de sua ativida-
de:

1º. A direção da Unidade da Polícia Civil em que es-


teja em exercício; bem como a orientação, a coorde-
nação, o controle e a fiscalização dos serviços poli-
ciais civis no âmbito de sua circunscrição, o exercício
das funções de polícia judiciária, e das ações de in-
vestigação criminal para apuração de infração penal,
com autonomia e independência, para a busca da
“verdade real”.

2º. A requisição, a quem de direito, das medidas


necessárias à efetivação das investigações criminais
e a representação pela decretação de prisões, pela

2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p.359. Em igual


sentido, entende-se que “a Constituição utilizou a expressão polícia judiciária no sentido original
com o qual ingressou em nosso idioma há mais de cem anos, ou seja, como órgão que tem o dever
de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandado de
prisão ou de busca e apreensão, à condução de presos, etc” – in: FEITOZA, Denilson. Direito proces-
sual penal, p. 171.

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Direito Penal para Delegado de Polícia

expedição de mandados de busca e apreensão e a


adoção de outras medidas cautelares no âmbito da
polícia judiciária, observadas as disposições legais e
constitucionais; a expedição de intimações e a deter-
minação para a condução coercitiva de pessoas, na
hipótese de não comparecimento sem justificativa,
nos termos da legislação.

3º. A presidência dos inquéritos policiais, a lavratura


de termos circunstanciados de ocorrência e dos de-
mais atos e procedimentos de natureza investigati-
va, penal ou administrativa previstos na legislação.

4º. A definição pela formalização do ato de indicia-


mento, fundamentando a partir dos elementos de
fato e de direito existentes nos autos; bem como a
realização e a determinação da busca pessoal e vei-
cular no caso de fundada suspeita de prática crimi-
nosa ou de cumprimento de mandado judicial.

5º. A promoção de ações para a garantia da autonomia


ética, técnica, científica e funcional de seus subordina-
dos no que se refere ao conteúdo dos serviços inves-
tigatórios, bem como a garantia da coesão da equipe
policial e, quando necessário, a requisição formal de
esclarecimentos sobre contradição, omissão ou obs-
curidade em laudos, relatórios de serviço e outros.

6º. A gestão para atualização de dados e informa-


ções pertinentes à unidade policial sob sua respon-
sabilidade no âmbito dos sistemas em uso na Polícia
Civil; e a permanente articulação técnico-científica
entre a prova objetiva e a prova subjetiva de que
trata a legislação, para a maior eficiência, eficácia
e efetividade do ato investigativo, visando subsidiar
eventual e futuro processo criminal.

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Marcelo Lebre

7º. O exercício da fiscalização relacionada à comer-


cialização de produtos controlados e ao funciona-
mento de locais destinados às diversões públicas e
a recepção e o acolhimento do aviso relativo à rea-
lização de reuniões e eventos sociais e políticos em
ambientes públicos, nos termos do art. 5º, inciso XVI
da Constituição da República; e ainda a direção dos
serviços de trânsito e a identificação civil e criminal
no âmbito do Estado.

8º. A determinação para captura de infratores e o


cumprimento de alvarás de soltura.

9º. A participação no planejamento para a atuação


integrada dos órgãos de segurança e de justiça no
âmbito de sua circunscrição.

10º. A efetivação de ações para a realização do bem-


-estar geral e a garantia das liberdades públicas e o
aprimoramento dos métodos e procedimentos poli-
ciais, além da promoção da polícia comunitária e da
mediação de conflitos que assegurem a efetividade
dos direitos humanos.

Ademais, como dito anteriormente, o cargo de Delegado é de


natureza estritamente policial, e se caracteriza pela: prestação de
serviço em condições adversas de segurança, com risco de vida,
cumprimento de horários normais e irregulares, sujeito a plantões
noturnos e a chamados a qualquer hora e dia, inclusive nos dias
de dispensa do trabalho; realização de diligências policiais em
qualquer região do Estado ou fora dele; disponibilidade para exer-
cício da função em qualquer Unidade Policial sediada no Estado.

O regime jurídico da carreira é o estatutário, enquanto que o


regime policial seguirá a lógica da obediência à disciplina e hie-
rarquia (nos termos definidos na legislação estadual).

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Direito Penal para Delegado de Polícia

No tocante à previdência, a carreira vincula-se ao regime


de previdência e assistência social dos servidores públicos do
Estado, conforme legislação vigente. E a jornada de trabalho é,
em média, de quarenta horas semanais, em regime de tempo
integral e dedicação exclusiva.

A autoridade policial é quem representa a polícia judiciária e


quem tem o poder de dirigir e comandar as atividades investiga-
tivas ao longo da persecução criminal preliminar, bem como de
exercer a especial missão de velar pela segurança pública e pela
manutenção dos pilares que sustentam o Estado democrático
de direito.

E para que tal missão não seja olvidada, é imperioso que


o respeito pela dignidade da pessoa humana balize todas as
perspectivas de trabalho do Delegado de polícia. Tanto é assim
que o Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Huma-
nos aponta alguns princípios éticos fundamentais que deverão
acompanhá-lo ao longo de sua carreira:

“... os direitos humanos derivam da dignidade inerente à pes-


soa humana; os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei deverão respeitar e cumprira lei em todas as ocasiões; os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei deverão cum-
prir os deveres que lhes são impostos pela lei em todas as
ocasiões, servindo a sua comunidade e protegendo todas as
pessoas contra atos ilegais, em conformidade com o alto nível
de responsabilidade exigido pela sua profissão; os funcioná-
rios responsáveis pela aplicação da lei não deverão cometer
qualquer ato de corrupção. Dever-se-ão opor frontalmente a
tais atos e combatê-los; os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei deverão respeitar e protegera dignidade hu-
mana, bem como defender e garantir os direitos humanos de
todas as pessoas; os funcionários responsáveis pela aplica-
ção da lei deverão participar as violações de leis, códigos e

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Marcelo Lebre

conjuntos de princípios que promovem e protegemos direitos


humanos (...)”.3

Em suma, todas as atividades da polícia deverão respeitar os


princípios da legalidade, necessidade, não discriminação, pro-
porcionalidade e, em especial, o da humanidade.

2. Ciclo Completo de Polícia

Para correta abordagem do tema é imprescindível lembrar,


em linhas gerais, que as funções de polícia podem ser divididas
em duas grandes frentes, de acordo com o momento de atua-
ção: antes da infração penal, com atividades de prevenção (fun-
ção de polícia administrativa); e depois da infração, pelas ativi-
dades de repressão e investigação (função de polícia judiciária).

Atualmente, as funções de prevenção, repressão e investiga-


ção são divididas entre as várias forças policiais. Nos Estados,
nossa Carta Magna atribuiu à Polícia Militar a atividade de pre-
venção (polícia ostensiva) e à Polícia Civil a atividade de inves-
tigação; ou seja, no âmbito estadual, cada órgão é responsável
por uma função, não havendo que se falar em “ciclo completo
de polícia”.

Assim, polícia de ciclo completo consiste na atribuição à mes-


ma corporação policial das atividades repressivas de polícia ju-
diciária ou investigação criminal e da prevenção aos delitos e
manutenção da ordem pública, a qual é realizada por meio da
presença ostensiva e patrulhamento policial.

Importa destacar que cada país adota um modelo diferencia-


do em sua estrutura de segurança pública. Nos Estados Unidos,

3 ONU. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Direitos humanos
e aplicação da lei: manual de formação em direitos humanos para as forças públicas. Genebra, p. 47.

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Direito Penal para Delegado de Polícia

por exemplo, há agências policiais em vários níveis (municípios,


condados, estados e na federação) e todas fazem o ciclo com-
pleto. Na Dinamarca e na Polônia, por outro lado, existe uma
única agência policial, concentrando todas as atividades típicas
de policiamento.

Mas é certo que na grande maioria dos países – como ocorre,


por exemplo, na Itália, na França, na Espanha, em Portugal e
no Brasil -, existem várias agências policiais. Todavia, é possível
destacar um marco diferencial: dos países citados, apenas no
Brasil as polícias são dicotomizadas (no sentido de separar fun-
ções); ou seja, somente o nosso país não adota formalmente o
ciclo completo.

Na Itália, existem quatro grandes forças de segurança: a Po-


lícia do Estado (Polizia di Stato - PdS), subordinada ao Depar-
tamento de Segurança Pública; a Guarda de Finanças (Guardia
di Finanza), vinculada ao Ministério de Economia e Finanças; o
Corpo de Carabineiros (Corpo dei Carabinieri), subordinado ao
Ministério da Defesa; e o Corpo da Polícia Penitenciária (Corpo
dei Polizia Penitenziaria). Todas elas atuam como polícia de ciclo
completo.

Algo parecido ocorre na França, onde o sistema de segurança


pública baseou-se no modelo napoleônico, prevendo dois órgãos
de polícias, centralizado em âmbito federal e atuando em ciclo
completo: a Polícia Nacional (de âmbito civil), desenhada como
uma força instituída para garantia da república, a preservação
da ordem e o cumprimento das leis; e a Guarda Nacional (Gen-
darmerie Nationale), de âmbito militar.

Na Espanha, a legislação que rege as diferentes corporações


de Polícia é a Lei Orgânica nº 2, de 1986, a qual segue os ter-
mos dos artigos 104 e 105 da Constituição de 1978. O modelo

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Marcelo Lebre

abrange três níveis de atuação: na esfera nacional, nas esferas


regionais e nas locais. Na primeira frente teríamos as Polícias da
Nação: o Corpo Nacional de Polícia (Cuerpo Nacional de Policía
- CNP), subordinado ao Ministério do Interior; e a Guarda Civil,
sujeito ao Ministério da Defesa e ao Ministério do Interior. No
âmbito regional, temos as forças policias das três Comunidades
Autônomas (Generalidad), as quais se encontram: nos Países
Bascos (Polícia Ertzaina); em Navarra (Polícia Foral); e na Cata-
lunha (Polícia Los Mossos d’Esquadras); as demais comunidades
autônomas possuem unidades da CNP ou GC. Por fim, no âmbito
local, temos as Guardas Urbanas (Ayuntamientos). Estas de-
sempenham funções de polícia administrativa e judiciária, sen-
do, portanto, polícias de ciclo completo.

Em Portugal os órgãos policiais estão todos centralizados no


âmbito federal: temos a Polícia de Segurança Pública (PSP), a
Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Polícia Judiciária (PJ).
Elas são autônomas e independentes entre si, mas colaboram
mutuamente, atuando no Ciclo Completo de Polícia.4

De acordo com anotações de Silva Filho, os principais moti-


vos para a adoção deste sistema seriam:

4 As informações aqui trazidas foram compiladas de obras e fontes di-


versas, dentre as quais citamos e indicamos para uma melhor compreensão do
fenômeno: BATISTA, Fernando Baqueiro. Polícia de Ciclo Completo: um estudo sobre sua
implantação no Brasil. Escola Superior de Guerra, Rio de Janeiro, 2012.; CUNHA,
Altair de Freitas. Sistema Policial Espanhol. Unidade Revista de Assuntos Técnicos de
Polícia Militar. Ano XVIII, nº 43. Porto Alegre: Gráfica Santa Rita, 2000. GER-
MANO, José Otávio. Na Linha de Frente: reflexões sobre a segurança pública. Porto Alegre:
AGE, 2006. GIULIAN, Jorge da Silva. Unificação Policial estadual no Brasil: uma visão dos
limites e possibilidades. São Paulo: Editores Associados, 2002; JUNIOR, A. A. dos S.;
FORMEHL, K. C.; PICCOLI, D. L. O Ciclo Completo de Polícia do Brasil. Revista de Antro-
pología Experimental. Portugal, n. 11, p. 01-10, 2011. RIBEIRO, Luiz Gonzaga.
Polícia de Ciclo Completo, o passo necessário. Revista brasileira de segurança pública.
São Paulo, v. 10, Suplemento Especial, p. 34-43, fev-mar/2016. SILVA JÚNIOR,
Azor Lopes da. Modelos policiais e risco Brasil: proposta de revisão de paradigmas no sistema de
segurança pública pela adoção da teoria do “ciclo completo de polícia”. Revista do Laboratório
de Estudos da Violência da UNESP/Marília, mai/2015.

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Direito Penal para Delegado de Polícia

“i) A ideia de prevenção do crime e investigação não são


atividades tão diferenciadas e distanciadas que demandem
organizações completamente diferentes em estrutura, trei-
namento, valores, áreas de operação, disciplina, normas ad-
ministrativas e operacionais. (…)

ii) Nas polícias modernas as funções de policiamento uni-


formizado e investigativo devem boa parte de seus êxi-
tos à interpenetração dessas funções, desde a fase de
diagnóstico, planejamento e até a execução das ações.

iii) A responsabilidade por uma área de ação policial é difícil


de compartilhar. Em matéria organizacional é incompreensí-
vel dividir entre dois chefes a responsabilidade para planejar
e executar ações de uma mesma atividade para conseguir
resultados significativos. (…).

iv) O duplo aparato policial demanda dispêndios extraordinários


com investimentos e custeios duplicados com instalações, equi-
pamentos (…) estruturas administrativas e operacionais (…)”.5

Alguns autores defendem que referido ciclo existe no Brasil


apenas no âmbito da Polícia Federal – órgão de segurança públi-
ca permanente, integrante do Ministério da Justiça, organizada
e mantida pela União –, cujas atividades abrangeriam tanto o
policiamento ostensivo quanto o investigativo.6 Anote-se, por
fim, que o Congresso Nacional brasileiro discute em uma co-
missão especial proposta que visa implantar o chamado ciclo
completo da polícia, unificando as funções.7

5 SILVA FILHO, José Vicente da. Fundamentos para a reforma da polícia. Dispo-
nível em <http://josevicente.com.br/pesquisas/pesq_05.htm >
6 MARINHO JUNIOR, Inezil Penna. Você sabe o que significa ciclo completo de
polícia? In: http://jusfederal.com.br/portal/author/inezil/
7 Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/609863-ciclo-completo-
-de-policia-divide-opinioes-entre-especialistas-e-deputados/

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Marcelo Lebre

3. A persecução criminal

3.1. As duas fases da persecução

O princípio constitucional da presunção de inocência prega que


ninguém será considerado culpado enquanto não sobrevir sen-
tença condenatória definitiva. Por isso, havendo a notícia de um
crime, é necessário que seja feita a adequada apuração deste fato,
ao que se chama de persecução criminal (persecutio criminis).

Assim, a persecução é o caminho trilhado pelo Estado, de-


tentor exclusivo do jus puniendi, a fim de apurar a existência de
um crime e sua respectiva autoria. E no âmbito brasileiro, esta
apuração é composta de duas fases (etapas): a primeira é a da
persecução preliminar, onde se busca reunir apenas indícios de
autoria e materialidade, os quais servirão de base para susten-
tar a instauração válida do processo judicial; e a segunda etapa
é a da persecução judicial, que é aquele que nasce com o ofere-
cimento da denúncia ou queixa e se realiza perante o Juízo, até
final decisão de mérito.

No processo penal brasileiro, a fase da investigação preli-


minar é usualmente realizada pela Polícia Civil ou Federal (a
depender da competência firmada para apurar o crime), através
do Inquérito policial.

9 Mas lembre-se que o Inquérito policial não é a única for-


ma de se realizar a persecução preliminar. Afinal, existem
outros meios de se reunir indícios de autoria e materiali-
dade para o oferecimento da ação penal, como ocorre, por
exemplo: nas investigações preliminares feitas pelo Minis-
tério Público (PIC), nas sindicâncias internas, nas Comis-
sões Parlamentares de Inquérito (CPI), etc.

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Direito Penal para Delegado de Polícia


9Polícia Judiciária: segundo delimitação constitucional,
o inquérito policial será conduzido pela polícia judiciária
(art. 144, § 1º e 4º da CF/88), que exerce função adminis-
trativa de auxiliar da justiça, atuando dentro do sistema de
repressão e investigação da criminalidade - embora deva
prestar contas diretamente ao Poder Executivo (no caso da
Polícia Civil, ao Governador do Estado; no caso da Polícia
Federal, ao Presidente da República). E a autoridade admi-
nistrativa responsável pela polícia judiciário é o Delegado,
que ficará responsável por presidir o inquérito.

3.2. Delimitação e características

Inquérito policial é o conjunto de diligências realizadas pela


policia judiciária para apuração de uma infração penal e sua
autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em
juízo.

O tema está disciplinado entre os art. 4° a 23 do Código


de Processo Penal, que consagra sua natureza jurídica de mero
procedimento administrativo. Ou seja, o inquérito não pode ser
concebido como verdadeiro processo (no sentido jurídico da pa-
lavra), pois não é o Juiz quem realiza esta investigação, mas sim
a autoridade policial – ou seja, o Delegado.

Em relação à finalidade, destaca-se que o inquérito é mera-


mente informativo, pois visa (unicamente) reunir indícios de au-
toria e materialidade para embasar o oferecimento da denuncia
ou queixa-crime.

No tocante às características, a doutrina processual destaca


as seguintes:

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Marcelo Lebre

a) Oficial e inquisitivo: pois é presidido por uma autoridade


policial, o Delegado (art. 4° do CPP e art. 144 da CF/88), o qual
enfaixa em suas mãos os poderes de direção desta investigação,
indagando envolvidos e testemunhas, solicitando diligências,
pesquisando e procurando esclarecer as circunstancias em que
se deram os fatos narrados. Ademais, por não ser verdadeiro
processo, não há a necessidade de se garantir o contraditório e
a ampla defesa.

b) Sigiloso: nos termos do art. 20 do CPP, o inquérito cor-


re em sigilo, pois só assim se consegue atingir seus fins. Mas
lembre-se que este sigilo é relativo, pois não se pode privar o
defensor e o indiciado de contato com a prova produzida, tal
qual não haverá sigilo para o Juiz e para o representante do
Ministério Público (que atua como fiscal de lei).


9Incomunicabilidade do indiciado: nos termos do art.
21 do CPP, somente o Juiz poderá decretar – em despacho
fundamentado - a incomunicabilidade do indiciado, a qual
não poderá ser superior a três dias, e somente ocorrerá se
for indispensável ao interesse da sociedade ou a conve-
niência da investigação. Mas lembre-se: esta incomunica-
bilidade não é absoluta, pois o advogado pode ter acesso
irrestrito ao seu cliente (art. 7°, III da Lei 8.096/94).

c) Sistemático e escrito, porém discricionário: o CPP estipula


algumas diretrizes a serem seguidas pela autoridade policial na
condução do inquérito (art. 6° e seguintes), e exige que este
seja um procedimento escrito e documentado - art. 9º do CPP.
Ou seja, toda a investigação preliminar deve constar de um ca-
derno, o qual formará os autos de inquérito, com o qual se po-
derá fazer toda a reconstrução probatória dos fatos investigados
pelo Delegado.

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Direito Penal para Delegado de Polícia

Por outro lado, as premissas gerais do devido processo legal


não se aplicam ao inquérito, pois o Delegado não é obrigado a
observar, pari passo, cada uma das diretrizes firmadas pelo CPP.

d) Preparatório e preliminar: como visto anteriormente, o in-


quérito possui como escopo único a apuração dos fatos para
possibilitar o exercício da acusação perante o Juízo (ele antece-
de a persecução judicial).

e) Provisório: pois serve apenas para embasar a “opinio de-


licti” do acusador, não servindo como prova no processo (ao
menos em regra). Desta forma, seria nula uma decisão con-
denatória embasa exclusivamente na prova colhida durante o
inquérito – é o que se entende da leitura do art. 155 do CPP.

Tanto é assim que eventual irregularidade no inquérito não


se presta a contaminar a persecução judicial. Os vícios ocorridos
durante o inquérito, no máximo, poderão habilitar um pedido de
relaxamento de prisão.

f) Dispensável, mas indisponível: pois existem outras formas


de se realizar a investigação preliminar. Mas é certo que, uma
vez instaurado, não pode ser liminarmente arquivado pelo De-
legado, devendo ser conduzido até o final – é o que diz o art.
17 do CPP.

3.3. Abertura do inquérito

Em termos de inquérito não se fala em verdadeira competên-


cia, mas sim em atribuições. Está entre as atribuições do Dele-
gado a instauração do inquérito policial quando um crime chega
ao seu conhecimento (sempre que há uma notitia criminis).

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Marcelo Lebre

A notícia de um crime pode chegar ao conhecimento do De-


legado de três formas: (1ª) diretamente - quando a autoridade
toma conhecimento de um fato através de suas atividades in-
vestigatórias rotineiras, espontaneamente; (2ª) indiretamente -
quando a autoridade é provocada por terceiro; ou seja, alguém
leva ao conhecimento do Delegado a ocorrência do crime (o que
é plenamente possível, face ao disposto no art. 5°, §3° do CPP);
(3ª) coercitivamente - nos casos de prisão em flagrante.

Uma vez tomando conhecimento do fato, o Delegado poderá


realizar a abertura do inquérito por meio das seguintes formas:

i. Portaria: a mais usual forma de abertura do inquérito; é


aquela pela qual a autoridade policial declara que tomou ciência
do fato e irá investigá-lo. Trata-se de mero despacho do Dele-
gado para formalizar o início da persecução preliminar – art. 5°,
inciso I do CPP.

ii. Requisição do Juiz ou do Ministério Público: quando a


notícia do crime é ofertada diretamente pela autoridade judiciá-
ria ou pelo membro do MP, o Delegado será obrigado a instaurar
o inquérito, pois tal possui conotação de ordem – art. 5°, II, 1ª
parte e art. 40 do CPP.

iii. Requerimento do ofendido: quando a vítima do cri-


me ou o terceiro que a representa (como o advogado) leva ao
Delegado a notícia do crime, a autoridade poderá fazer a aber-
tura do inquérito valendo-se de tal expediente. Mas veja que o
requerimento, diferente da requisição, possui o teor de pedido
(solicitação) – art. 5°, II, 2ª parte do CPP.

Firme-se que o requerimento do ofendido (pedido para aber-


tura do inquérito) não pode ser confundido com a representação

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Direito Penal para Delegado de Polícia

do ofendido (que é condição especial para o início do processo


nos crimes de ação pública condicionada; sem esta, o MP não
poderá oferecer denúncia nestes crimes).

iv. Auto de flagrante: quando o agente é surpreendido em


situação de flagrância (art. 302 do CPP), a própria peça que for-
malizou a prisão servirá como forma de abertura do inquérito.

Sobre a abertura do inquérito, resta ainda trazer algumas


observações pontuais:


9Não cabe recurso ao Juiz contra o despacho do Delegado
que indefere a abertura do inquérito. Todavia, é possível
peticionar ao Chefe de Polícia ou ao Secretário de Segu-
rança Pública (autoridade superior ao Delegado), nos ter-
mos do art. 5º, §2º do CPP.


9Nos casos de ação penal privada e nos casos de ação
penal pública condicionada à representação, somente será
realizada a abertura do inquérito se houver pedido formal
do ofendido, nunca de ofício – art.5º, §4º e 5º do CPP.


9Lembre-se que no Distrito Federal e nas comarcas em
que houver mais de uma circunscrição policial, a autori-
dade com exercício em uma delas poderá, nos inquéritos
a que esteja procedendo, ordenar diligências em circuns-
crição de outra, independentemente de precatórias ou re-
quisições, e bem assim providenciará, até que compareça
a autoridade competente, sobre qualquer fato que ocorra
em sua presença, noutra circunscrição – art. 22 do CPP.

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Marcelo Lebre


9Nota de culpa: é a comunicação feita ao preso dos mo-
tivos de sua prisão. Nos termos do art. 306, §2º do CPP, a
nota deverá ser apresentada ao preso dentro de 24 horas
da prisão, e será entregue em duas vias (a original é en-
caminhada ao preso como recibo, e a cópia é juntada aos
autos).


9Indiciamento: ato pelo qual o Delegado aduz que está
investigando pessoa determinada. Assim, havendo razoá-
veis indícios de autoria, o Delegado poderá indiciar o sus-
peito, o qual ainda não pode ser identificado como réu
(afinal, ainda não há processo...!).

o indiciado for maior menor de 21 anos, nos termos


9Se
do art. 15 do CPP, a autoridade policial deverá nomear um
curador. Embora haja doutrinadores que defendam que tal
dispositivo não se aplica mais (sob argumento de que o
Código Civil de 2002 reduziu a capacidade civil plena para
18 anos; bem como porque o art. 10 da Lei 10.792/03 ex-
pressamente revogou o art. 194 do CPP, que previa a obri-
gatoriedade de curador para o interrogado judicial menor),
é certo que o mesmo não foi revogado pelas Reformas do
CPP; quanto ao tema, é oportuno também o teor do art.
2.043 do Código Civil.


9Termo circunstanciado: é o documento que registra
o cometimento de uma infração penal de menor poten-
cial ofensivo (de competência dos Juizados Especiais - art.
69 e art. 77, §1º da Lei 9.099/95). Nestes casos, para
dar celeridade ao feito, a autoridade policial via de regra
não realiza acurada investigação dos fatos, e lavra apenas
este Termo, que conterá os dados essenciais para que seja
dado prosseguimento, em juízo, do caso.

19
Direito Penal para Delegado de Polícia

3.4. Diligências da autoridade policial

Nos termos do art. 6° do CPP, logo que tiver conhecimento da


prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não


se alterem o estado e conservação das coisas, até a
chegada dos peritos criminais;

II - apreender os objetos que tiverem relação com o


fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o es-


clarecimento do fato e suas circunstâncias;

IV - ouvir o ofendido;

V - ouvir o indiciado, devendo o respectivo termo


ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham
ouvido a leitura;

VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas


e a acareações;

VII - determinar, se for caso, que se proceda a exa-


me de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo pro-


cesso datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos
autos sua folha de antecedentes;

IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o


ponto de vista individual, familiar e social, sua condi-
ção econômica, sua atitude e estado de ânimo antes
e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros
elementos que contribuírem para a apreciação do
seu temperamento e caráter;

20
Marcelo Lebre

X - colher informações sobre a existência de filhos,


respectivas idades e se possuem alguma deficiência
e o nome e o contato de eventual responsável pelos
cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.

O Delegado poderá proceder com a reprodução simulada dos


fatos (reconstituição), desde que esta não contrarie a moralida-
de ou a ordem pública – é o que diz o art. 7° do CPP.

Mas lembre de que o indiciado não é obrigado a participar


da reconstituição do crime, pois ninguém é obrigado a produ-
zir prova contra si, conforme disposto no art. 5°, inc. LXIII da
CF/88 (princípio da não autoincriminação – “nemo tenetur se
detegere”).

Além das atividades elencadas nos arts. 6º e 7º do CPP, o


Delegado pode também requerer a realização do exame de sa-
nidade mental do indiciado (conforme art. 149, §1º do CPP),
requerer ao juiz a decretação de prisão preventiva do indiciado
(conforme art. 311 do CPP), busca e apreensão, interceptação
telefônica, quebra de sigilo bancário, etc. Mas veja que todas
estas atividades ele não pode determinar de ofício (elas devem
ser requeridas ao Juiz).

Por outro lado, é certo que o indiciado ou mesmo seu advoga-


do também poderá pleitear alguma diligência do Delegado, que
poderá ou não atendê-las.

Ademais, ressalta-se que a autoridade policial possui tam-


bém alguns deveres firmados em Lei, tais como: fornecer às
autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e
julgamento do processo; realizar as diligências requisitadas pelo
juiz ou pelo MP; cumprir os mandados de prisão expedidos pelas
autoridades judiciárias; representar acerca da prisão preventiva
(art. 13 do CPP); realizar diligências complementares a pedido

21
Direito Penal para Delegado de Polícia

do MP (art. 16 do CPP); proceder com diligências se novas pro-


vas surgirem, mesmo depois do arquivamento do inquérito (art.
18 do CPP). Quanto ao tema, inclusive, é oportuna a redação da
Súmula 524 do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despa-
cho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a
ação penal ser iniciada, sem novas provas”.


9Identificação datiloscópica: é o processo de identifi-
cação humana por meio das impressões digitais (está en-
tre as formas de “identificação criminal”). O tema consta
expressamente do art. 5º, inciso LVIII da CF/88, mas é
regulamentado pela Lei 12.037/09, que diz que o civil-
mente identificado não será submetido a identificação cri-
minal compulsória, salvo nos casos previstos nesta Lei:
I – se o documento apresentar rasura ou tiver indício de
falsificação; II – se o documento apresentado for insufi-
ciente para identificar cabalmente o indiciado; III – se o
indiciado portar documentos de identidade distintos, com
informações conflitantes entre si; IV – se a identificação
criminal for essencial às investigações policiais, segundo
despacho da autoridade judiciária competente, que deci-
dirá de ofício ou mediante representação da autoridade
policial, do Ministério Público ou da defesa; V – se constar
de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes
qualificações; VI – se o estado de conservação ou a distân-
cia temporal ou da localidade da expedição do documento
apresentado impossibilite a completa identificação dos ca-
racteres essenciais.


9Perfil genético: trata-se de tema polêmico, mas tam-
bém legitimado pela Lei nº 12.037, de 2009. Referida
questão ganhou novos ares com o advento do notório Pa-
cote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), que autorizou a
criação, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, do
Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais.

22
Marcelo Lebre

3.5. Prazos do IP

Nos termos do art. 10 do CPP, o prazo para o encerramento


do inquérito policial quando o indiciado estiver solto será de 30
dias. Todavia, quando o indiciado estiver preso, o prazo será de
10 dias corridos. Firme-se que estes seguem a sorte dos prazos
processuais (art. 798, §1° do CPP).

Mas o Delegado poderá pleitear a dilação de prazo caso a in-


vestigação seja complexa. Nestas hipóteses, deverá peticionar
à autoridade judiciária a dilação, que ouvirá o Ministério Público
e lhe concederá (ou não) maior prazo.

Por outro lado, há casos específicos firmados em leis penais


especiais que trazem prazos diferenciados para conclusão do
inquérito. Neste sentido, dê especial atenção às seguintes pre-
missas:


9Em investigações que se realizam perante a Polícia Fe-
deral, o prazo para término do inquérito de indiciado solto
é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias. Mas se o
indiciado estiver preso o prazo é de 15 dias, podendo ser
prorrogado por mais 15 dias – nos termos do art. 66 da
Lei 5.010/66.


9Nos crimes contra a economia popular, o inquérito deve-
rá ser encerrado em 10 dias, estando o indicado preso ou
solto, sob pena inclusive da autoridade policial incorrer no
crime de prevaricação – é o que diz o art. 10, §1° da Lei
1.521/51.

23
Direito Penal para Delegado de Polícia

Lei de drogas, o prazo firmado para o encerramento


9Na
do inquérito é de 90 dias se o indiciado estiver solto, e de
30 dias se ele estiver preso. Mas o próprio art. 51 da Lei
11.343/06 diz que o Juiz pode duplicar estes prazos se ne-
cessário, a pedido do Delegado, mas devendo antes ouvir
o Ministério Público.

3.6. Encerramento do inquérito

Uma vez realizada todas as investigações propugnadas, a


autoridade policial fará minucioso relatório de tudo aquilo que
realizou e produziu ao longo do inquérito – art. 10, §1º do CPP.
Este relatório será encaminhado ao juiz criminal, que o remete-
rá ao Ministério Público para ver se é caso (ou não) de oferecer
a denúncia.

Lembrando que o representante do MP poderá seguir, neste


momento, três caminhos:

(a) entende que há indícios de autoria e materialida-


de, ocasião em que deverá oferecer a denúncia no
prazo de 5 dias (se o réu estiver preso) ou 15 dias
(se o réu estiver solto) – nos termos do art. 46 do
CPP;

(b) entende que há a possibilidade de oferecer de-


núncia, mas que novas diligências são necessárias
– casos em que solicitará ao Juiz a baixa do inquéri-
to para que o Delegado proceda com investigações
complementares – art. 16 do CPP;

(c) entende que não é caso de oferecer denúncia, e


requer ao Juiz o arquivamento do inquérito policial
(ou seja, o encerramento das investigações).

24
Marcelo Lebre

Por fim, é relevante destacar que o Delegado não pode ar-


quivar, de ofício, o inquérito policial, conforme delimita o art. 17
do CPP.

Ademais, é certo que o arquivamento requerido pelo Ministé-


rio Público não é dotado de caráter imutável (ao menos em re-
gra), pois as investigações poderão ser retomadas caso surjam
provas novas, ocasião em que o inquérito pode ser reaberto pela
autoridade policial.

4. Novidades legislativas

Nesta linha, algumas recentes alterações legislativas cha-


mam a atenção e devem ser observadas por aqueles que se
preparam para os concursos de Delegado de Polícia. Destacare-
mos a seguir algumas das mais relevantes:

4.1. Juiz de garantias

Referido instituo já estava previsto no projeto do novo CPP


(PL nº 156/09), mas acabou sendo contemplado pelo Pacote
Anticrime (Lei nº 13.964/2019) e incorporado ao art. 3ª-B até
art.3º-F do vigente Código de Processo Penal.

Em síntese, consiste na atribuição exclusiva, a um determi-


nado órgão jurisdicional, da competência para o exercício da
função de garantidor dos direitos fundamentais na fase pré-
-processual, com a consequente exclusão da competência des-
se magistrado para a sequência da persecução penal sobre o
contraditório.8

8 MAYA, André Machado. O juiz das garantias no projeto de reforma do Código de


Processo Penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, nº 204, novembro/2009, p. 06-07.

25
Direito Penal para Delegado de Polícia

O instituto foi criado para preservar a imparcialidade do ma-


gistrado, que é um princípio basilar do processo penal nos Esta-
dos Democráticos de Direito, decorrente do devido processo le-
gal (art. 5º, LIV da CF/88) e do art. 8º da CIDH, de 1969 (Pacto
de São José da Costa Rica).

A esse respeito, delimita o art. 3º-B do CPP que o juiz das


garantias é responsável pelo controle da legalidade da investi-
gação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja
franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder
Judiciário, competindo-lhe, dentre outras coisas:

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos


termos do inciso LXII do caput do art. 5º da CF/88;

II - receber o auto da prisão em flagrante para o


controle da legalidade da prisão, observado o dis-
posto no art. 310 do CPP;

III - zelar pela observância dos direitos do preso,


podendo determinar que este seja conduzido à sua
presença, a qualquer tempo;

IV - ser informado sobre a instauração de qualquer


investigação criminal;

V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória


ou outra medida cautelar;

VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida


cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;

VII - decidir sobre o requerimento de produção an-


tecipada de provas consideradas urgentes e não re-
petíveis;

26
Marcelo Lebre

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, es-


tando o investigado preso, em vista das razões apre-
sentadas pela autoridade policial;

IX - determinar o trancamento do inquérito policial


quando não houver fundamento razoável para sua
instauração ou prosseguimento; X - requisitar docu-
mentos, laudos e informações ao delegado de polícia
sobre o andamento da investigação.

Compete também ao juiz de garantias (em continuação), de-


cidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunica-


ções em sistemas de informática e telemática ou de
outras formas de comunicação;

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados


e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam


direitos fundamentais do investigado; dentre outras
matérias inerentes às atribuições definidas pela le-
gislação processual.

Em relação às atividades da autoridade policial, interessa o


contido no art. 3º-B, §2º do CPP – “Se o investigado estiver
preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da
autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma
única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após
o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão
será imediatamente relaxada”.

27
Direito Penal para Delegado de Polícia


9Anote-se que alguns setores questionaram a constitucio-
nalidade do instituto (cito as ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e
6.305, perante o STF). Diante disso, o Ministro Presidente
da Suprema Corte - Dias Toffoli - havia decidido (no dia
15/01/2020) que seria necessário um prazo de 180 dias
para sua escorreita implantação. Todavia, em posterior de-
cisão (do dia 22/02/2020), o Ministro Relator das ADI`s
– Ministro Luiz Fux – suspendeu a eficácia dos arts. 3º-A,
3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F do CPP por período indeter-
minado.

4.2. Acordos de não-persecução penal

Outra novidade trazida pelo Pacote Anticrime diz respeito à


possibilidade de realização de um acordo preliminar, entre acu-
sação e acusado, para evitar o processo criminal.

É o chamado “acordo de não persecução-penal”, instituto


trazido do direito alienígena (especialmente empregado em
países que seguem uma tradição anglo-saxã – common law-,
como é o caso dos Estados Unidos, onde se pratica em larga
escala o plea bargaining).9

Assim, delimita o novel art. 28-A do CPP que, não sendo caso
de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência
ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos,
o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução
penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e
prevenção do crime.

9 SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar crítico ao modelo processual penal norte-ameri-


cano. In: Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito.
Org. Luís Greco. São Paulo, Marcial Pons, 2013, p. 257. E ainda: DIAS, Jorge
de Figueiredo. Acordos sobre a sentença em processo penal - o “fim” do estado de direito ou um
novo “principio”? Conselho Distrital do Porto, 2001.

28
Marcelo Lebre

As condições para o acordo estão estabelecidas no próprio


CPP, destacando-se as seguintes (ajustadas cumulativa e alter-
nativamente):

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exce-


to na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos in-
dicados pelo Ministério Público como instrumentos,
produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades
públicas por período correspondente à pena mínima
cominada ao delito diminuída de um a dois terços,
em local a ser indicado pelo juízo da execução, na
forma do art. 46 do Código Penal;
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos
termos do art. 45 do Código Penal, a entidade públi-
ca ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da
execução, que tenha, preferencialmente, como fun-
ção proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes
aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição
indicada pelo Ministério Público, desde que propor-
cional e compatível com a infração penal imputada.

4.3. Investigações em face de servidores da segurança


pública

De acordo com o art. 14-A do CPP, nos casos em que servi-


dores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da CF/88
(policiais federais, civis, militares, etc.) figurarem como investi-
gados em inquéritos cujo objeto for a apuração de fatos relacio-
nados ao uso da força letal praticados no exercício profissional,
o indiciado poderá constituir defensor.

29
Direito Penal para Delegado de Polícia

Referida cláusula, também trazida pelo Pacote Anticrime, nos


parece desnecessária, pois é assegurado a qualquer investiga-
do, em qualquer situação, o direito de estar acompanhado por
um advogado. Trata-se de direito fundamental de qualquer cida-
dão, corolário da ampla defesa (art. 5º, LV da CF/88). Inclusive,
é tema tratado na Súmula Vinculante nº 14 do STF e no art. 7º,
inciso XIV, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB).

Assim, as previsões elencadas nos parágrafos do referido


art. 14-A do CPP são mais relevantes sob um ponto de vista
prático, pois preveem, por exemplo: que o investigado deverá
ser citado da instauração do procedimento investigatório (§1º);
se o investigado não constituir advogado num prazo de 48 ho-
ras, a instituição a que estava vinculado o investigado à época
da ocorrência dos fatos será intimada para indicar um defensor
para a representação do investigado (§2º).

Ou seja, com referidas cláusulas, o legislador pátrio reco-


nhece a relevância da missão desempenhada pelo advogado
na fase da investigação, reforçando seu compromisso com uma
persecução criminal escorreita e garantista, como se espera nos
Estados Democráticos de Direito.

4.4. Requisição de dados pessoais

A Lei nº 13.344, de 2016, trouxe relevante cláusula no art.


13-A do CPP, aduzindo que nos crimes previstos nos arts. 148,
149 e 149-A, bem como no art. 158, §3º e no art. 159 do Código
Penal, além do crime previsto no art. 239 da Lei nº 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério
Público ou o Delegado de Polícia poderá requisitar, de quaisquer
órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada,
dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

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Marcelo Lebre

A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e qua-


tro) horas, conterá: I - o nome da autoridade requisitante; II - o
número do inquérito policial; e III - a identificação da
unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.

Igualmente, o art. 13-B do CPP estabelece que se for ne-


cessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao
tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o Delega-
do de Polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial,
às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou
telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos
adequados – como sinais, informações e outros – que permitam
a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.

4.5. Cadeia de Custódia das Provas

Último tópico que nos chama a atenção, diz respeito às


alterações trazidas pelo Pacote Anticrime ao Capítulo II do CPP,
que trata do exame de corpo de delito, da cadeia de custódia e
das perícias em geral.

A esse respeito, indicamos ao bacharel que se prepara para


o concurso para o cargo de Delegado de Polícia, que dê especial
atenção ao art. 158-A até o art. 158-F do CPP.


9Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos
os procedimentos utilizados para manter e documentar a
história cronológica do vestígio coletado em locais ou em
vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a
partir de seu reconhecimento até o descarte.

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