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Edmar Pinto de Assis

ABUSO DE AUTORIDADE
Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Lei nº 13.869/2019

Jan/2020
Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

1. INTRODUÇÃO

No dia 03 de janeiro de 2020 entrou em vigor a Lei nº 13.869, de 05 de setembro


de 2019 que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade e faz alterações
importantes em relação à prisão temporária, ao regramento afeto à
interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, à
proteção integral à criança e ao adolescente, à garantia do exercício da advocacia
e revoga dispositivos do Código Penal Brasileiro.

A nova Lei de Abuso de Autoridade foi discutida no Congresso Nacional a partir


do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 85/2017, com tramitação na Câmara dos
Deputados via PL 7596/2017.

Superada a aprovação no legislativo, coube ao Presidente da República sancionar


a nova lei com alguns vetos que, apreciados pelo Congresso Nacional, foram
rejeitados em parte.

Desde a sanção, a nova lei tem provocado discussões técnicas e outras


desprovidas substrato teórico, mas ambas apontando possíveis avanços e
retrocessos com os novos dispositivos criminalizadores.

No centro das discussões, observa-se grande preocupação com a atuação dos


órgãos responsáveis pela persecução criminal, partindo das atividades de polícia
ostensiva e de preservação da ordem pública, passando pelas atribuições de
polícia judiciária, pela atuação do Ministério Público e alcançando a atividade
judicante.

As observações aqui pontuadas, têm como foco a atuação das Polícias Militares,
tanto no cumprimento de sua missão constitucional, de polícia ostensiva e de
preservação da ordem pública, quanto no exercício da Polícia Judiciária Militar
e até que ponto a nova lei afeta o desempenho de tais atividades.

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Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Não se busca, por intermédio dos comentários adiante expostos, definir padrões
de comportamento operacional para o policial militar. Tal mister cabe à cada
Instituição. Busca-se, tão somente, apresentar alguns apontamentos e provocar
discussões que permitam indicar ao policial militar o direito como instrumento
apto a parametrizar e dar segurança jurídica às suas intervenções, dentro da
lógica de um Estado Democrático de Direito e, contrapondo-se à visão posta por
alguns no sentido de fazer do direito um mecanismo que imponha medo, impeça
a prestação de serviços e potencialize a teoria do “apagão das canetas” na
administração militar.

Ainda há muito a se discutir e a se aprender a respeito da nova lei e, com as


críticas recebidas e os reposicionamentos jurídicos é que vamos crescendo
enquanto operadores do direito e, com isso, aprimorando a qualidade dos
serviços prestados à população e garantindo ao policial militar uma atuação
segura e ancorada na lei.

Edmar Pinto de Assis


Tenente-Coronel da Polícia Militar de Minas Gerais
Professor de direito penal e processual penal
fale.prof.penal@gmail.com
@edmar_passis

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2. ESTUDO DOS ARTIGOS DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade,


cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício
de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que
lhe tenha sido atribuído.

Coube à própria lei, para fins de sua aplicação, definir, no art. 2º, parágrafo único
o conceito de agente público, ampliando o rol de pessoas que possam ser
colocadas na condição de sujeitos ativos. Assim, não apenas os integrantes das
forças policiais têm suas condutas passíveis de sanção por ir além da autoridade
que lhe é conferida por lei.

No que se refere aos policiais militares, não restam dúvidas quanto a sua
condição de agente público para fins da presente lei. Nos termos do art. 42 da
CR/88, os policiais militares não são servidores públicos e sim “militares dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.

Observa-se que não basta ser policial militar para que se submeta à lei. É preciso
que que exorbite da sua autoridade no exercício de suas funções ou a pretexto
de exercê-la.

§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso


de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade
específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Observa-se que não é qualquer conduta praticada pelo policial militar que se
encaixa na moldura do abuso de autoridade. A lei exige que a conduta seja dolosa
e, mais ainda, que esse dolo seja específico. Não há que se falar, portanto, em
abuso de autoridade por inobservância de um dever de cuidado.

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O policial militar, quer seja nas atividades de polícia ostensiva e de preservação


da ordem pública, ou no exercício da polícia judiciária militar e, até mesmo na
condição de juiz militar, só será poderá ser acusado da prática de crime de abuso
de autoridade de restar demonstrado que, de forma deliberada, ultrapassou as
barreiras impostas por lei para o exercício de suas atividades, visando
prejudicar a outrem, beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda,
por mero capricho ou satisfação pessoal.

A lei é o parâmetro e, embora boa parte das discussões visem impor medo à
atuação policial militar (e dos demais agentes públicos) tentando trazer uma
interpretação casuística da norma, observa-se que para a realização de um dos
tipos penais incriminadores o policial militar terá de ignorar o interesse público
de suas intervenções e chamar para si o interesse pessoal no agir. Os termos
“quando praticadas” e “com a finalidade específica” não deixam dúvidas da
intensão do legislador em criminalizar os comportamentos propositalmente
desviantes e não uma conduta qualquer.

Para se dizer que no exercício de suas atividades ou a pretexto de exercê-la um


policial militar praticou crime de abuso de autoridade, é preciso demonstrar, de
forma cabal (já que a dúvida deve caminhar em favor da defesa) que o resultado
foi desejado (dolo), que houve um prejuízo para o sujeito passivo (mediato), ou
que o policial se favoreceu ou viabilizou para que outrem se favorecesse, ou que
tenha praticado a conduta com obstinação desarrazoada (mero capricho) ou por
deleite próprio.

§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos


e provas não configura abuso de autoridade.

Certamente que ao operar o direito, quer seja no atendimento de uma


ocorrência, na prisão de um delinquente em flagrante ou mediante ordem
judicial, ou no exercício da polícia judiciária militar, deverá o policial militar, num

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ou noutro momento, conforme o caso concreto, interpretar a lei (mormente no


caso da polícia judiciária militar e do juiz militar), avaliar fatos (atividade
intrínseca ao atendimento de ocorrências policiais e que também alcança as
atribuições de polícia judiciária) e avaliar provas (típico da polícia judiciária e do
juiz militar).

Boa parte das intervenções de polícia ostensiva seguem um protocolo e,


portanto, a interpretação da lei ocorre, de regra, de forma pretérita pelos setores
responsáveis pela edição de atos normativos e ordinatórios que têm por fim
padronizar comportamentos operacionais.

Por outro lado, em termos de polícia judiciária militar e de atuação nos conselhos
de justiça (juízes miliares), superadas as questões procedimentais, cabe ao
operador do direito compreender a norma e amoldar a conduta objeto de análise
à norma penal e processual penal. Por óbvio que tal interpretação não tem
cabimento se frontalmente oposta ao senso comum ou, se além do que se admite
para aquele caso concreto.

Assim, dentro da lógica posta pelo legislador no sentido de que elemento


subjetivo está atrelado a um fim específico, a ressalva do § 2º assegura a
autonomia funcional do policial militar que, atuando como Estado, diverge de
outros operadores do direito, principalmente daqueles que exercem atribuições
de polícia judiciária militar e integram os conselhos de justiça na Justiça Militar.

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Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer


agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta
ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo,
mas não se limitando a:
I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II - membros do Poder Legislativo;
III - membros do Poder Executivo;
IV - membros do Poder Judiciário;
V - membros do Ministério Público;
VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.

Como já exposto, a nova lei alcança servidores públicos e militares, dentre outros.
O rol de sujeitos ativos foi consideravelmente ampliado.

Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública


incondicionada.
§ 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for
intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a
queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em
todos os termos do processo, fornecer elementos de prova,
interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do
querelante, retomar a ação como parte principal.
§ 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis)
meses, contado da data em que se esgotar o prazo para
oferecimento da denúncia.

O art. 3º foi vetado pelo Presidente da República e o veto derrubado no


Congresso Nacional.

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Os crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade, quando praticados por


policiais militares em serviço ou agindo em razão do serviço, são crimes militares,
nos exatos termos do art. 9º, II do Código Penal Militar. São os denominados
“crimes militares por extensão” (definição dada pelo Juiz da Justiça Militar de São
Paulo, Ronaldo João Roth).

Em se tratando de crime militar, a ação penal será pública incondicionada, nos


termos do art. 29 do Código de Processo Penal Militar, sendo admitida a ação
penal privada, não por um capricho do legislador infraconstitucional que tão
somente reforçou tal possibilidade na atual lei, mas por impositivo constitucional
(art. 5º, LIX CR/88).

Art. 4º São efeitos da condenação:


A prática de qualquer infração penal aponta para a imposição de uma sanção no
âmbito criminal como consequência direta da sentença penal condenatória,
porém, outros efeitos também advêm do mesmo decreto condenatório, quer
seja de natureza penal ou extrapenal. São os denominados efeitos secundários
ou acessórios.

O Código Penal Militar traz, em seu art. 109, os efeitos da condenação, já a Lei de
Abuso de Autoridade amplia tais efeitos.

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo


crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na
sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela
infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;

A previsão da indenização descrita neste inciso tem provacado algumas


discussões como se fosse algo novo no direito criminal. O instituto da reparação
do dano advindo da prática de uma infração penal, está previsto no art. 109, I do
CPM, no art. 91, I do CP e nos arts 63 a 68 e 387 IV do CPP.

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Para ampliar a discussão, cabe aqui discorrer um pouco a respeito da ação civil
que é fruto da prática de uma infração penal, vejamos.

O Código Civil (art. 186 e 187) diz que aquele que por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência ou, ainda, aquele que rompe os limites no exercício
de um direito excedendo no seu agir, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Na mesmo toada, aquele que por ato ilícito causar dano a alguém, tem o dever
de repará-lo (art. 927 Código Civil).

Como o dever de indenizar não é uma pena e sim um efeito da condenação, não
tem aplicação a garantia de que a pena não pode passar da pessoa do apenado.
Assim, nos termos dos art. 942 e 943 do Código Civil, tanto os bens do autor da
infração penal quanto a herança por ele deixada ficam sujeitos à reparação do
dano causado com a prática do crime. Se a infração penal for praticada por mais
de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Não se trata, aqui, de uma indenização que tem origem no cível, o foco é a
indenização que tem por fim reparar um dano sofrido por alguém em razão da
prática de um ilícito penal e, portanto, cabe citar o que prevê o art. 954 do Código
Civil:

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e
danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o
disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:
I - o cárcere privado;
II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;
III - a prisão ilegal.

Observa-se que a prisão ilegal e aquela advinda de denúncia falsa ou má fé são


ofensivas à liberdade pessoal e, portanto, além da sanção penal, deve o juiz, a
requerimento do ofendido, fixar um valor mínimo a título de indenização.

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Uma vez tendo o policial militar realizado qualquer das condutas típicas previstas
na Lei de Abuso de Autoridade, deverá o juiz (aqui incluídos os integrantes dos
Conselhos de Justiça Especial e Permanente) fixar, se requerido pelo ofendido, o
valor mínimo para a reparação do dano.

Observa-se que no art. 387, IV do CPP não há referência a requerimento do


ofendido e sim uma imposição ao juiz criminal para que discuta uma matéria de
cunho cível. Já na Lei de Abuso de Autoridade, entendeu por bem o legislador em
vincular a fixação de tal valor ao requerimento do ofendido. A nosso sentir, não
pode o juiz valer-se do art, 387, IV do CPP em substituição ao art. 4º, I da Lei de
Abuso de Autoridade.

Uma vez condenado na Justiça Militar, deve-se buscar a compreensão do tema a


partir dos arts. 63 a 68 do CPP c/c art. 3º a do CPPM.

Nos termos do Código de Processo Civil (art. 206, §3º, V) prescreve em três anos
a pretensão de reparação civil, porém, em se tratando de ação de indenização
que tenha origem em fato que requeira decisão do juízo criminal, não serão
computados os prazos para fins de prescrição antes da sentença penal definitiva
(art. 200 – CPC).

O Ministério Público de Goiás (MPGO) manifestou-se por intermédio do grupo de


trabalho sobre a Lei de Abuso de Autoridade no sentido de que a denúncia deverá
conter pedido expresso de reparação dos danos causados ao ofendido pela
infração penal (Enunciado GT #5).

II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo


período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;

III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.

Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo
são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de
autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente
na sentença.

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Ainda como efeitos secundários ou assessórios da sentença penal condenatória,


tem-se as imposições restritivas relacionadas ao cargo, mandato ou função
pública.

Não são efeitos automáticos. Sua imposição requer a reincidência específica e a


descrição motivada na sentença penal condenatória. No mesmo sentido
determina o CPM em seu art. 107: “Salvo os casos dos arts. 99, 103, nº II, e 106,
a imposição da pena acessória deve constar expressamente da sentença”.

No que se refere à perda do cargo, há de se considerar o que prevê a CR/88 em


seu art. 125 § 4º, no sentido de que não cabe ao juiz de primeiro grau da justiça
Militar decidir a respeito da perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças.

Assim, em havendo condenação de um policial militar pela prática de crime de


abuso de autoridade, quer seja em decisão do juiz singular ou do conselho de
justiça, mesmo que haja a reincidência específica, a decretação da perda do cargo
deve ocorrer pelo tribunal competente (Em MG, SP e RS, a competência é do
Tribunal de Justiça Militar. Nos demais Estados e no DF, do respectivo Tribunal de
Justiça).

Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas


de liberdade previstas nesta Lei são:
I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato,
pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos
vencimentos e das vantagens;
III - (VETADO).
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser
aplicadas autônoma ou cumulativamente.

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Da leitura dos incisos do art. 5º, observa-se que as penas do inciso II cuidam da
restrição de direitos ao passo em que suspende do cargo, função ou mandato e
impõe a perda dos vencimentos durante o período da suspensão. Por outro lado,
a substituição prevista no inciso I aponta mais para uma restrição da liberdade à
medida em que não restringe um direito e sim a liberdade ao impor que se
“trabalhe” em prol da sociedade, quer seja em atividades sociais ou em entidades
públicas.

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas advém da


condenação e, portanto, é da competência do juiz (singular ou conselhos de
justiça) que julgar o policial militar. Já a designação do programa comunitário ou
da entidade pública em que será prestado o serviço, cabe ao juiz da execução.

Quanto à suspensão do cargo, esta é limitada ao máximo de 6 meses e não pode


ser inferior a 1 mês. Além disso, traz como consequência vinculada, a perda dos
vencimentos e vantagens.

A perda dos vencimentos e vantagens acaba por conferir validade de ordem


prática à pena restritiva de direito. Caso não houvesse tal previsão, o único
impacto para o policial militar apenado seria o decote desse período não
trabalhado para fins de computo de tempo de serviço e passagem para a reserva.
Estando suspenso do seu cargo, em razão de condenação que não caiba mais
recurso, não justifica o recebimento dos vencimentos.

A suspensão aqui prevista não se confunde com a medida cautelar diversa da


prisão prevista no art. 319, VI do CPP:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:


VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou
financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

A medida a que se refere a Lei de Abuso de Autoridade não tem por fim substituir
a prisão preventiva como prevê o art. 282 §6º do CPP. É sanção penal apta a
substituir a privação da liberdade, dentro da consolidação da humanização da
pena por uma reprimenda menos invasiva.

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Apenas à guisa de informação, o inciso III foi acertadamente vetado e o veto


mantido pela Câmara do Deputados. Referido inciso, tinha como destinatários
apenas aqueles que exercem função de natureza policial ou militar, o que
demonstrava clara violação do princípio da isonomia. Trazia, o inciso III, como
pena restritiva de direitos, a proibição, ao policial (Militar, Civil, Federal, Penal,
Legislativo) de exercer suas funções no município em que tiver sido praticado o
crime e naquele em que residir ou trabalhar a vítima. Um dos argumentos do veto
fez alusão aos integrantes das forças policiais do Distrito Federal, em relação aos
quais, não seria possível aplicar a medida.

Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas


independentemente das sanções de natureza civil ou
administrativa cabíveis.
Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que
descreverem falta funcional serão informadas à autoridade
competente com vistas à apuração.

O art. 6º tão somente replica o que já está consolidado no direito, a autonomia


entre as esferas cível, administrativa e penal.

Nesse sentido, se a conduta do policial militar, além de configurar crime de abuso


de autoridade também se amoldar a um dos tipos transgressionais afetos à
violação do dever funcional, poderá ser punido pela prática do crime e pela
transgressão disciplinar.

Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são


independentes da criminal, não se podendo mais questionar
sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões
tenham sido decididas no juízo criminal.

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O art. 7º mantém coerência com o previsto no art. 935 do Código de Processo


Civil.

Para fins de definição da responsabilidade civil e administrativa conexas com a


penal, vige, no Brasil, o sistema de independência relativa, onde as jurisdições
são separadas, mas o que for decidido no juízo criminal, quer seja para condenar
ou absolver, faz coisa julgada nas demais esferas, se atreladas ao mesmo fato.

Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no


administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter
sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima
defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício
regular de direito.

Se a conduta do policial militar, mesmo que se amolde a um fato típico, encontrar


amparo em uma das excludentes de ilicitude previstas no art. 42 do CPM, a
decisão do juízo criminal da Justiça Militar que assim a reconhecer, faz coisa
julgada para fins civis e disciplinares.

Importante destacar que, fora dos casos que apontam para as excludentes de
ilicitude, a decisão do juízo criminal não tem o condão de influenciar as esferas
administrativo-disciplinar e a cível. Nesse sentido, tem-se o regramento do CPP:

Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta
quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.
Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:
I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;
II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;
III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

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DOS CRIMES E DAS PEMAS

Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta


desconformidade com as hipóteses legais:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária
que, dentro de prazo razoável, deixar de:
I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;
II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou
de conceder liberdade provisória, quando manifestamente
cabível;
III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando
manifestamente cabível.

Considerando que a atividade policial militar, num ou noutro momento, acaba


por cercear o direito de ir e vir das pessoas em razão da prisão em flagrante e da
prisão em cumprimento à ordem judicial, muito se tem falado a respeito da
aplicação do art. 9º às atividades de policiamento ostensivo executadas pela
Polícia Militar.

Quando tratamos de privação da liberdade, não podemos nos afastar do


comando constitucional que, em seu art. 5º, LXI, define a liberdade como regra e
a prisão como exceção, nos casos limitados pela própria Constituição, vejamos:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei;

A exceção à liberdade é, portanto, a prisão em flagrante, a prisão advinda de


ordem judicial, a prisão relacionada à transgressão disciplinar (vide lei nº
13.967/2019) e a prisão, no curso da investigação, do indiciado pela prática de
crime militar próprio.

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No exercício de suas atividades de policiamento ostensivo e de preservação da


ordem pública, o policial militar não decreta a prisão de ninguém. O que o policial
militar faz é cumprir o que prevê o art. 301 do CPP (crime comum) e o art. 243 do
CPPM (crime militar) no que se refere à prisão de quem esteja em situação de
flagrante delito. Em deparando com o delinquente (o termo delinquente é
técnico, conforme se vê no art. 1.489, III do Código Civil) nas situações do art. 302
do CPP (crime comum) e 244 do CPPM (crime militar), o policial militar é obrigado
a dar-lhe voz de prisão, assegurar os seus direitos constitucionais, registrar os
fatos e conduzir a presença da autoridade competente para a lavratura do auto
de prisão em flagrante delito. A exceção fica por conta das infrações penais de
menor potencial ofensivo (crime comum), onde o próprio policial militar, na
condição de autoridade, pode lavrar o TCO e dar a destinação cabível.

Além das situações que se encaixam no conceito de flagrante delito, o policial


militar tem o dever de prender aquele contra quem há ordem de prisão expedida
pelo juízo competente.

Observa-se, então, que em momento algum integra o rol de atribuições do


policial militar decretar a prisão de quem quer que seja.

Por outro lado, em termos de polícia judiciária militar, tem aplicação o caput do
art. 9º em comento uma vez que a CR/88, como já pontuado, permite a prisão
fora dos casos de flagrante e sem ordem judicial do militar que tenha praticado
crime militar próprio e figure como indiciado em Inquérito Policial Militar em
andamento (durante a investigação). O CPPM estabelece o regramento nos
seguintes termos:

Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as
investigações policiais, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária
competente. Esse prazo poderá ser prorrogado, por mais vinte dias, pelo comandante da Região,
Distrito Naval ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito
e por via hierárquica.

Observa-se, portanto, que, no âmbito das atividades executadas pelos policiais


militares, o art. 9º só se aplica à autoridade de polícia judiciária (Comandante) e

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ao oficial que figura como autoridade militar delegada (encarregado do IPM ou


do APFD) por serem os únicos legitimados a expedirem decreto capaz de
restringir a liberdade de outro policial militar, sem passar pela análise prévia do
judiciário.

Além dos oficiais que exercem atribuições de polícia judiciária militar, apenas o
juiz pode ser sujeito ativo do crime previsto no art. 9º, por ser da natureza do seu
cargo decretar a prisão. É, portanto, crime próprio.

Se o legislador queria alcançar, com o art. 9º, atividades de polícia, não o fez com
a redação do texto de lei. A corroborar esse entendimento, tem-se as razões de
veto do Presidente da República ao referido dispositivo, nos seguintes termos:

“A propositura legislativa, ao dispor que se constitui crime ‘decretar medida de privação da


liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais’, gera insegurança jurídica
por se tratar de tipo penal aberto e que comportam interpretação, o que poderia comprometer
a independência do magistrado ao proferir a decisão pelo receio de criminalização da sua
conduta. ”

Observa-se que o art. 9º, em momento algum se destina às atividades de polícia


ostensiva e de preservação da ordem pública, nem ao ato de ratificar a voz de
prisão por intermédio do auto de prisão.

O art. 11 da lei em estudo trazia a previsão que alcançava a atividade policial


militar no policiamento. O dispositivo foi vetado pelo Presidente da República e
o veto foi mantido pelo Congresso Nacional. O art. 11 tinha a seguinte redação:

“Art. 11. Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação
de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de condenado ou
internado fugitivo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Como qualquer nova lei, é bem certo que teremos de aguardar o posicionamento
do judiciário nos seus julgados e a consolidação da doutrina, mas até lá, temos de
ficar com o que o legislador decretou e foi sancionado, interpretando de forma
literal o caput do art. 9º.

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Em termos de atividade judicante, importante destacar que os oficiais das polícias


militares atuam junto à Justiça Militar dos Estados e do Distrito Federal,
integrando os Conselhos de Justiça Especial e Permanente, tal qual prevê a CR/88
e, na condição de juiz que passa a ser, se no desempenho de tais funções praticar
conduta que se amolde ao previsto na Lei de Abuso de Autoridade, será
alcançado por tais dispositivos.

Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou


investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação
de comparecimento ao juízo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O art. 10 apresenta linguagem que acaba por colocar como sujeito ativo apenas
a autoridade judiciária à medida em que faz alusão ao “comparecimento ao
juízo”.

Lembrando que os oficiais que integram os Conselhos de Justiça, na Justiça


Militar, quando no exercício da atividade, são juízes (denominados juízes
fardados) e, como tal, podem ser sujeitos ativos do crime de abuso de autoridade
previsto no art. 10.

Quanto ao policial militar no exercício das atividades de policiamento ostensivo


e de preservação da ordem pública, não é possível que venha a praticar ato que
se amolde ao descrito no referido artigo.

Lado outro, vale a pena ficar atento no que se refere às atividades de polícia
judiciária militar.

Muito embora a alusão da lei seja ao verbo “decretar”, tendo como resultado o
“comparecimento ao juízo”, é possível que a autoridade de polícia judiciária
militar ou a autoridade militar delegada (encarregado do APF ou do IPM), com
fundamento no art. 301 do CPPM, determine a condução coercitiva e, nesse caso,
numa interpretação garantista e que vise preservar direitos do investigado e da

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

testemunha, pode vir a ser acusado, processado e julgado pelo crime previsto no
art. 10.

Eis a redação do art. 301 do CPPM:

Art. 301. Serão observadas no inquérito as disposições referentes às testemunhas e sua


acareação, ao reconhecimento de pessoas e coisas, aos atos periciais e a documentos, previstas
neste Título, bem como quaisquer outras que tenham pertinência com a apuração do fato
delituoso e sua autoria.

No CPPM, o art. 301 está no Título XV, que trata “dos atos probatórios” e cuida,
dentre outros, das oitivas do ofendido, do acusado (preso/réu/investigado) e das
testemunhas.

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em


flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

A comunicação da prisão de qualquer pessoa à autoridade judiciária é um


impositivo constitucional previsto no art. 5º:

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente
ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

Tal dispositivo não se aplica ao policial militar no exercício das atividades de


polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. O destinatário da norma,
enquanto sujeito ativo, é o oficial com atribuição de polícia judiciária militar para
lavratura do auto de prisão em flagrante (autoridade militar delegada ou,
conforme o caso, a própria autoridade de polícia judiciária militar).

Se a conduta de um policial militar for típica, se amoldar ao art. 9º do CPM e se


encaixar em uma das hipóteses do art. 244 do CPPM, deverá receber voz de
prisão em flagrante, nos exatos termos do art. 243 do CPPM:

Art. 243. Qualquer pessoa poderá e os militares deverão prender quem for insubmisso ou
desertor, ou seja encontrado em flagrante delito.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Tal determinação pode ser mitigada em face da possibilidade de a autoridade de


polícia judiciária militar se valer do instituto do flagrante prorrogado/postergado,
nos termos da Lei nº 12.850/2013 ou da Lei nº 11.343/2006:

Lei 12.850/2013 - Art. 8º Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou


administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que
mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento
mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

Lei 11.343/2006 - Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos
nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o
Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros
produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade
de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e
distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Fora os casos em que a lei autoriza, a prisão em flagrante é medida que se impõe
e, a partir do momento em que recebe voz de prisão em flagrante, passa o policial
militar à custódia do Estado, devendo quem o prendeu zelar para que seus
direitos sejam preservados.

Após a voz de prisão, o policial militar deverá ser apresentado à autoridade de


polícia judiciária militar ou ao oficial com atribuição para tal a fim de que seja
formalizada a prisão por intermédio da lavratura do auto de prisão em flagrante,
nos termos do art. 245 do CPPM.

No APF devem ser produzidas provas mínimas a arrimar a ratificação da voz de


prisão e, dentre as provas a serem produzidas estão as oitivas do preso, do
ofendido e das testemunhas, sendo que a prisão só será ratificada se destas
provas produzidas, mesmo que de forma precária, resultarem fundadas suspeitas
de que, de fato, a conduta constitui crime militar a o preso está em situação de
flagrância. Caso contrário, não pode haver a ratificação da prisão e sim
instauração de Inquérito Policial Militar.

Nesse sentido, prevê o CPPM:

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Art. 246. Se das respostas resultarem fundadas suspeitas contra a pessoa conduzida, a
autoridade mandará recolhê-la à prisão, procedendo-se, imediatamente, se for o caso, a exame
de corpo de delito, à busca e apreensão dos instrumentos do crime e a qualquer outra diligência
necessária ao seu esclarecimento.
Art. 247 ....
§ 2º Se, ao contrário da hipótese prevista no art. 246, a autoridade militar ou judiciária verificar
a manifesta inexistência de infração penal militar ou a não participação da pessoa conduzida,
relaxará a prisão. Em se tratando de infração penal comum, remeterá o preso à autoridade civil
competente.

O que a lei considera como abuso de autoridade é a não comunicação, de forma


injustificada, da prisão em flagrante, logo, daquela prisão que tenha sido
ratificada pela autoridade de polícia judiciária militar.

Nos termos do art. 251 do CPPM, tal comunicação deve ocorrer com a remessa
do auto de prisão em flagrante e, a Resolução nº 168 do TJMMG define como
prazo para a comunicação “em até 24h da voz de prisão”, em sintonia com o que
também prevê o art. 306, § 1º do CPP.

A comunicação da prisão em flagrante ao juiz de direito do juízo militar tem por


fim permitir ao juiz fazer o juízo de legalidade (vamos aguardar o funcionamento
do juiz de garantias na Justiça Militar, considerando que não houve alteração do
CPPM, mas em se tratando de uma garantia do preso, seria descabida a
interpretação que vedasse a implementação na Justiça Militar).

Ponto dos mais importantes a ser discutido é que não basta a não comunicação
da prisão no prazo legal, é preciso que esta omissão ocorra de forma injustificada
e com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a própria
autoridade ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (art.
1º, § 1º da Lei 13.869/2019).

Ausente o especial fim de agir, resta afastada a conduta típica e, portanto, não
há que se falar no crime de abuso de autoridade.

De igual modo, se a não comunicação se dá de forma justificada, a conduta


prevista no caput do art. 12 resta afastada.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Como exemplo de argumento apto a justificar a não comunicação da prisão em


24 horas, tem-se a situação em que o policial militar, além de cometer um crime
militar, também comete um crime comum e é primeiro conduzido à delegacia de
polícia civil/federal para os procedimentos relacionados ao crime comum para,
depois de concluído o APF pela polícia judiciária comum, encerrar o APF
relacionado ao crime militar. Mesmo que os dois APF caminhem de forma
simultânea (melhor opção, quando possível), pode ocorrer de um atraso na
coleta de provas pela polícia judiciária comum influenciar na conclusão do
procedimento pela polícia judiciária militar. Nesse caso, basta que a autoridade
militar delegada (presidente do APF) certifique, nos autos do APF, o ocorrido
como forma de afastar a incidência do crime de abuso de autoridade.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:


I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão
temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;
II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer
pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela
indicada;
III - deixa de entregar ao preso, no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da
prisão e os nomes do condutor e das testemunhas;
IV - prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão
temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de
internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de
executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de
promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou
legal.

O parágrafo único tem como sujeito ativo, no âmbito da Polícia Militar, a


autoridade de polícia judiciária ou a autoridade militar delegada (presidente do
APF).

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

No caso do inciso I, expedido o mandado de prisão pela autoridade judiciária, seja


ela da Justiça Militar ou da Justiça Comum (considerando que o policial militar
pode vir a praticar condutas típicas de infração penal comum ou militar), uma vez
executada a prisão (cumprido o mandado), a autoridade de polícia judiciária tem
o dever de informar ao juiz que a decretou, o cumprimento da sua ordem.

Se o policial militar é preso preventivamente e a autoridade de polícia judiciária


não comunica ao juiz que expediu a ordem, incide nas penas previstas no caput
do art. 12.

Por tratar-se de um crime militar, caberá à autoridade militar superior àquela que
deixou de comunicar ao juiz a dita prisão, apurar os fatos em sede de IPM.

No caso do inciso II, o destinatário do comando normativo é a autoridade de


polícia judiciária militar ou a autoridade militar delegada. Em se tratando de
prisão em flagrante, a comunicação à família do policial militar preso é atribuição
da autoridade que preside o APF e, se o preso indica a pessoa a ser informada e
a autoridade militar delegada deixa de comunicar tal prisão, com o fim previsto
no art. 1º §1º da Lei 13.869/2019, resta evidenciada a prática, em tese, do crime
de abuso de autoridade. Nos demais casos de prisão, a comunicação deve ocorrer
por ato da autoridade de polícia judiciária militar.

No caso do inciso III, o crime de abuso de autoridade só pode ser cometido pela
autoridade militar que conduz a lavratura do APF uma vez que cabe à referida
autoridade, ao término das oitivas e coletas de provas iniciais, expedir a nota de
culpa e a certidão de direitos constitucionais do preso. Observa-se que a conduta
incriminada não é apenas a não entrega na nota de culpa, é a não entrega no
prazo de 24 horas da prisão em flagrante ou pendente de dados como o motivo
da prisão, o nome do condutor da prisão e das testemunhas.

O inciso IV alcança o Comandante de Unidade Policial Militar na condição de


diretor do presídio. As Unidades da Polícia Militar de Minas Gerais que possuem
carceragem são homologadas como presídios e o Comandante é, também, o seu

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

diretor. Nas Instituições militares que possuem unidades exclusivamente


prisionais, tal atribuição é do oficial que a dirige.

Na condição de diretor do presídio, cabe ao Comandante dar cumprimento às


ordens judiciais, estando sujeito à interpelação do juiz corregedor dos presídios
e do promotor de justiça com atribuição de controle externo da atividade policial
militar.

Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência,


grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade
pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não
autorizado em lei;
III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo
da pena cominada à violência.

No art. 13, o legislador distinguiu o sujeito de direitos em “preso” e “detento”, o


que nos permite concluir, com o viés voltado para as atividades desempenhadas
pela Polícia Militar, ser o “preso” o indivíduo contra o qual pesa um decreto
judicial e, o “detido”, aquele que tendo praticado uma infração penal, recebeu
voz de prisão ou está sendo autuado em flagrante.

O tipo penal alcança as atividades da Polícia Militar tanto enquanto polícia


ostensiva e de preservação da ordem pública, quanto de polícia judiciária militar.

Constranger significa coagir, forçar, obrigar o preso ou o detento, mas tal


constrangimento, para que configure o crime de abuso de autoridade, tem de
ocorrer mediante violência, grave ameaça ou mediante a redução de sua
capacidade de resistência. Não basta, para a prática do crime, que o policial

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

militar obrigue o preso ou o detento, é preciso que o faça valendo-se de um dos


núcleos do tipo penal.

A violência a que se refere a lei é a física, tanto é que a pena prevista para a prática
do abuso de autoridade é aplicada sem prejuízo para a pena apurada em relação
à violência. Pode, por exemplo, o policial militar que realizar tal conduta ser
punido pelo abuso de autoridade e pela lesão corporal (art. 209 do CPM)

A ameaça, tem de ser da prática de mal grave e injusto.

A” redução da capacidade de resistência”, é um tipo aberto e, portanto, carente


de definições a serem consolidadas pela doutrina e, principalmente, pela
jurisprudência. Há posicionamento no sentido de que o fato de o preso/detento
estar algemado já configura a redução da capacidade de resistir. Tenho para mim
que não é este o objetivo da norma, pois que as algemas, em qualquer
circunstância e, a própria prisão, reduzem essa capacidade de resistência.

Busca-se, com o art. 13, preservar a imagem da pessoa que está sob a custódia
do Estado, da exposição e exploração midiática e da execração pública, mas, em
momento algum, apontou o legislador para a limitação das atividades de
imprensa. Não pode, portanto, o policial militar impedir que a imprensa faça o
trabalho dela coletando informações e imagens de quem quer que seja e, se a
imprensa ultrapassar os limites do direito de informar, responderá na medida do
seu excesso. O que a lei veda é a atuação do policial militar que, mediante atos
de violência ou ameaça de um mal grave e injusto ou, reduzindo a capacidade de
resistência obriga o preso a:

a) Exibir-se à curiosidade pública


b) Ter o seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública
c) Submeter-se à situação vexatória ou a constrangimento não autorizado
em lei
d) Produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Qualquer conduta que fique aquém do que prevê o art. 13 e seus incisos, não
pode ser considerada abuso de autoridade. Assim, se no local da ocorrência
alguém capturou imagens do preso quando este era levado para o
compartimento de segurança da viatura (xadrez) e tal imagem foi veiculada, não
se pode atribuir ao policial militar que está à frente da ocorrência a prática do
crime de abuso de autoridade. Não tem cabimento incluir nas atribuições do
policial militar o recolhimento de telefones celulares e de câmeras fotográfica e
de filmagem com o objetivo de preservar a imagem do preso. Não tem, o policial
militar, no local e no calor dos fatos, condições de impedir a captura de imagens.
Quem capturou a imagem e dela fez mau uso, é que tem de ser questionado e
não o policial.

De igual modo, não pode o policial militar interferir no trabalho da imprensa que,
estando a postos na porta da delegacia de polícia, em local que não se submete
ao controle de acesso policial, captura imagens do preso/detido quando este é
retirado do compartimento de segurança da viatura e conduzido para o interior
da delegacia.

Veja-se que o art. 14 trazia a criminalização da conduta daquele que permitia que
se fotografasse ou filmasse o preso, o investigado, o indiciado e vítima sem o seu
consentimento. Tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República e o veto
mantido pelo Congresso Nacional. Seria de tudo despropositado e descabido
exigir que o policial, durante o atendimento de uma ocorrência ou durante uma
intervenção policial impedisse que o preso/detido fosse fotografado ou filmado,
em plena era de avanços tecnológicos.

E se o preso quiser falar com a imprensa? Nenhum problema! Não tem o policial
militar o dever de impedir que o preso fale com a imprensa, desde que não haja
risco para a segurança do preso, da guarnição e das pessoas envolvidas na
ocorrência, no momento da interpelação da imprensa.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Não procedem, portanto, algumas falas no sentido de que com a vigência da nova
lei está proibida a captura da imagem do preso/detido. A conduta criminalizada
é aquela que força o preso/detido, mediante atos de violência, grave ameaça ou
redução da capacidade de resistência, a disponibilizar sua imagem corporal, ou
parte dela à exposição midiática ou à situação que o ridicularize ou, ainda, a
constrangimento que a lei não permite.

No que se refere à dita “situação vexatória”, tem-se, à guisa de exemplo, a


situação de uma pessoa que, presa em flagrante é obrigada, sob a ameaça de
apanhar, a gravar um vídeo pedindo desculpas aos policiais pelo crime cometido.
Tal conduta é crime de abuso de autoridade.

Quanto à “submeter-se a constrangimento não autorizado em lei”, pode se citar


como exemplo o fato de uma pessoa que, após cometer um crime, foge da
abordagem policial, é perseguida e presa em flagrante e, já algemada, é obrigada
a retornar ao local dos fatos a pé, para ser apresentada como um troféu. Tal
conduta policial, em ocorrendo, é crime de abuso de autoridade.

Ponto que merece destaque são os prejuízos advindos da vedação descrita nos
incisos I e II, principalmente para as investigações de crimes contra a dignidade
sexual e crimes contra o patrimônio, onde a exposição da imagem do preso
permite o seu reconhecimento por outras vítimas e, com isso, viabiliza-se a
prestação jurisdicional a um maior número de pessoas a partir da persecução
criminal e faz-se justiça impondo ao réu, em juízo, a pena correspondente a todos
os crimes praticados.

Por fim, é crime obrigar o preso/detento, observados os núcleos do caput do art.


13 a “produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”. Não está o policial
impedido de fazer perguntas, de questionar, de buscar informações a respeito do
crime, de como ocorreu e de sua autoria. Tais perguntas são importantes para a
redação do boletim de ocorrência policial e, de igual modo, o são quando da
lavratura do APF. Poder chegar aos coatores ou partícipes de um crime a partir

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

do que um preso relata é sim importante para a atividade policial e, nem de longe
a lei veda tal conduta. O que é vedado, sob pena de se cometer o crime de abuso
de autoridade, é buscar as respostas às perguntas e questionamentos coagindo
o preso/detido a produzir tais provas, mediante violência, grave ameaça ou
redução da capacidade de resistência. Se o preso/detido não quer contar como
praticou o crime, onde estão os objetos relacionados àquele crime ou quem seja
o seu comparsa, não está autorizado ao Estado, por intermédio dos seus agentes,
obriga-lo a assim proceder mediante a prática de atos vedados pelo direito. Está
o preso/detido exercendo o seu direito de não autoincriminação, nos exatos
termos do art. 5º LXIII da CR/88.

Embora o foco tenha se voltado para as atividades de polícia ostensiva e de


preservação da ordem pública, importante reconhecer que se no exercício da
polícia judiciária militar a autoridade policial militar praticar qualquer das
condutas descritas no art. 13, estará sujeita às sanções penais a elas cominadas.
Cautela especial em relação ao inciso III, no curso do APF e do IPM.

Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que,


em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar
segredo ou resguardar sigilo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o
interrogatório:
I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou
defensor público, sem a presença de seu patrono.

O art. 15 volta-se para a proteção da testemunha proibida de depor, do indiciado


e do réu.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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Incide o tipo penal incriminador nas ações de polícia judiciária militar, na atuação
dos oficiais que integram os Conselhos de Justiça na Justiça Militar e, também,
nas apurações relacionadas à prática de infrações disciplinares.

No que se refere às pessoas proibidas de depor, a referência é o art. 355 do CPPM:

Art. 355. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar
o seu testemunho.

Observa-se que a regra é não auscultar as pessoas alcançadas pelo art. 355, mas
é possível que prestem depoimento a partir do binômio “autorização da parte
interessada/opção por prestar o depoimento”. Não basta à tais testemunhas
querem e, também não basta a autorização do indiciado/réu, é preciso o
binômio.

Se a testemunha cuja atividade que exerce a coloca na condição de “proibida a


depor” e, a autoridade de polícia judiciária militar/ autoridade militar delegada
ou o oficial que integra o Conselho de Justiça a constrange a prestar depoimento,
sob ameaça de prisão, está o oficial violando um direito e, como forma de
assegurar o respeito a tal direito, a conduta passa a ser considerada crime de
abuso de autoridade.

No que se refere à prática do crime da parte daquele que conduz apuração de


infração disciplinar, seja ela de caráter demissionário ou não, é possível que
cometa também o crime, uma vez que, ao menos em Minas Gerais, as regras
afetas à coleta de provas, mormente as testemunhais, são as mesmas descritas
no CPPM. Se, portanto, em um PAD, o encarregado forçar a testemunha proibida
a depor, mediante ameaça de prisão, comete, em tese, crime de abuso de
autoridade.

Já em relação ao parágrafo único, os seus incisos protegem o indiciado e o réu,


haja vista utilizar o termo “interrogatório”. Em termos de sujeito ativo, a norma
alcança os oficiais que conduzem investigações policiais militares e aqueles que
integram os Conselhos de Justiça na Justiça Militar.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Se, durante o interrogatório o indiciado ou o réu optar por não mais responder
às perguntas que lhe são formuladas, está a exercer um direito que a constituição
lhe assegura e, cujo regramento em termos procedimentais está também é
assegurado no art. 186 do CPP:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o


acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer
calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

O indiciado/réu não pode se calar é durante o interrogatório de qualificação, sob


pena de cometer a contravenção penal prevista no art. 68 da LCP, “Recusar à
autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou
indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e
residência”.

Superado o interrogatório de qualificação, se o indiciado/réu optar por não


responder a nenhuma das perguntas e, ainda assim, a autoridade que conduz o
interrogatório insistir na obtenção de respostas, realiza a conduta prevista no
inciso I. Nesse caso, deve-se registrar que o indiciado/réu optou por fazer uso do
direito ao silêncio e, em havendo anuência expressa do interrogado e de seu
advogado quanto a ouvir as perguntas que seriam formuladas, deve-se tão
somente registar tais perguntas sem forçar que o interrogado as responda. Com
a anuência do interrogado (e do advogado se presente), resta afastada a conduta
típica prevista no inciso I na formulação de preguntas, mas sem se buscar
respostas.

No caso do inciso II, tem-se que, além do indiciado (e aqui não se discute a
questão do réu, já que deverá estar assistido), preserva-se, ainda, o livre exercício
da advocacia à medida em que se a pessoa que está sendo interrogada no IPM
ou APF opta por ser assistida por um advogado ou defensor público, não pode a
autoridade prosseguir com o ato sem a presença de tal profissional.

Se, por um lado a pessoa que está sendo interrogada tem direito de não mais
prestar declarações sem um profissional que o oriente, por ouro, é direito do

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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advogado assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações


(art. 7º,XXI da Lei 8.906/1994).

Importante destacar que a pessoa que está sendo interrogada não tem o direito
de procrastinar a prática do ato de modo a inviabilizar a conclusão dos trabalhos.
Se o policial militar que está sendo investigado ou autuado opta por não ser
ouvido sem um advogado e, não indica um advogado para acompanha-lo e não
há defensor público disponível para aquele ato, cabe à autoridade militar
delegada encerrar o interrogatório fazendo o registro da opção do policial militar
que era interrogado e, prosseguir nos demais atos. Não há impedimento para a
lavratura do auto de prisão em flagrante quando o militar preso opte por não
falar ou por só falar em presença de um advogado. Se não é possível ter um
advogado indicado pelo policial militar preso ou um defensor público, ratifica-se
a prisão em flagrante, sem a oitiva do policial militar preso e registra-se os fatos
nos próprios autos. No caso do IPM, é mais simples, encerra-se o interrogatório
e prossegue com a investigação.

Se a autoridade militar prosseguir com o interrogatório, nos termos do que prevê


o inciso II, comete crime de abuso de autoridade.

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao


preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante
sua detenção ou prisão:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como
responsável por interrogatório em sede de procedimento
investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso
ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.

O art. 16 foi vetado pelo Presidente da República e o veto foi rechaçado pelo
Congresso Nacional.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Consta da mensagem de veto nº 406/2019 que o dispositivo contraria o interesse


público e acaba por causar embaraços nos casos em que tanto as investigações
quanto as prisões precisam ocorrer preservando-se o nome do policial que a
executou por questões de segurança do próprio policial.

Superado o veto, observa-se que o art. 16 tem por fim dar eficácia ao que prevê
a CR/88 em seu art. 5º, LXIV que assegura ter o preso direito de saber quem é o
responsável pela sua prisão e pelo seu interrogatório.

O dispositivo alcança as ações da Polícia Militar tanto no atendimento de


ocorrências, quanto nas atribuições de polícia judiciária militar.

A identificação do policial militar à pessoa que está sendo presa não requer
muitas discussões haja vista estar o policial militar obrigado a utilizar mecanismo
de identificação em sua farda (tarjeta/plaqueta) e, o preso tem acesso visual fácil
a tal identificação. Por outro lado, duas situações podem ocorrer: (a) o preso ser
analfabeto e (b) o policial militar integrar tropa especializada e não portar, por
questões de segurança, a identificação na farda. Na primeira situação, se
perguntado, tem o policial militar o dever de dizer o seu nome. Na segunda
situação, se no momento do questionamento do preso ainda persistirem riscos
quanto à sua identificação nominal, deve-se manter o anonimato até a chega à
delegacia, quando o preso terá todas as informações, inclusive formais, via
registro do boletim de ocorrência policial.

Em algumas Unidades especializadas é tão importante preservar o policial que se


quer pode transitar de casa para o serviço e do serviço para casa, com a farda
típica daquela atividade especializada.

Importante destacar que não existe a possibilidade de o preso não tomar


conhecimento de quem o prendeu em flagrante. Em Minas Gerais, o nome de
quem deu voz de prisão em flagrante e de todos os integrantes da guarnição são
inseridos automaticamente no boletim de ocorrência que é elaborado via sistema
(REDS).

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Criminaliza-se tanto a conduta de não se identificar, quanto a de identificar-se


falsamente ao preso. Tal conduta, para ser considerada crime de abuso de
autoridade, requer que o policial militar tenha de agido a partir dos núcleos
previstos no art. 1º, §1º da Lei de Abuso de Autoridade. Se falta o especial fim de
agir, não há que se falar na prática do crime.

Quanto à não identificação ou identificação falsa durante as atividades de polícia


judiciária militar, a prática tem demonstrando de pouco possibilidade uma vez
que, salvo nos casos em que a investigação é conduzida por oficiais da
corregedoria ou do serviço de inteligência, a regra é que a autoridade militar
delegada esteja fardada e, portanto, de fácil identificação visual, mas se ocorrer
de a autoridade que conduz o interrogatório sonegar a se identificar ou fazê-lo
falseando a verdade, resta evidenciada a prática do crime.

Art. 18. Submeter o preso a interrogatório policial durante o


período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante
delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar
declarações:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O art. 18 veda a oitiva do preso, pela polícia, durante o período de repouso


noturno. O preso a que se refere o dispositivo é aquele que se encontra
cumprindo pena e os presos cautelares (preventivo, temporário, menagem).

Como dito alhures, boa parte dos quarteis da Polícia Militar possuem carceragem
e, portanto, funcionam como presídios militares. Os presos acautelados nestas
Unidades Policiais se submetem à gestão prisional da Instituição Militar e, o
Comandante exerce a atribuição de diretor do presídio.

O objetivo da lei, ao vedar a oitiva noturna, é de preservar o preso que pode ser
levado a prestar declarações sem o raciocínio necessário a defender os seus
interesses, tanto é que a própria norma excepciona a possibilidade de se

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

proceder tal oitiva se o preso assim quiser e se estiver assistido (leia-se: por um
advogado).

Quanto ao que venha a ser período noturno, a melhor técnica nos remete para a
própria lei de abuso de autoridade que, no art. 22, III, veda o cumprimento de
mandado de busca e apreensão domiciliar entre 21h e 05h.

O Código de Processo Civil veda a prática de atos processuais entre as 20h e as


06h (art. 212), mas em se tratando de matéria criminal, importante encontrar o
parâmetro no âmbito criminal e, assim, é perfeitamente possível definir que para
fins temporais, amolda-se ao previsto no art. 18 a oitiva realizada entre as 21h e
as 05h.

Por questões óbvias, o tipo não alcança a situação dos presos em flagrante, cujas
oitivas podem e devem ocorre tão logo o preso seja apresentado à autoridade
militar, nos termos do art. 245 do CPPM.

Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito


de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da
legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente
do impedimento ou da demora, deixa de tomar as providências
tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre
a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o
seja.

Abstraindo-se o previsto no parágrafo único, vez que destinado ao magistrado,


tem-se que o crime previsto no caput tem como destinatário o Comandante da
Unidade que, na condição de diretor do presídio militar ou de autoridade de
polícia judiciária militar, impede ou retarda, deliberadamente (com o especial fim
de agir previsto no art. 1º, §1º) interesse do preso no sentido de que seja enviado
ao juiz competente irresignação relativa à sua prisão ou às circunstâncias do seu
acautelamento.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

O pleito a que alude a lei não se encaixa naqueles casos em que para demandar
em juízo é preciso a atuação de um advogado. Se o preso quer, por exemplo,
questionar a sua condenação, deve assim proceder por intermédio do seu
advogado ou de um defensor público, nunca por intermédio do diretor do
presídio ou da autoridade de polícia judiciária militar.

Se um policial militar que está preso em um quartel (presídio militar) redige um


habeas corpus e o faz chegar ao comandante (diretor do presídio) para que seja
encaminhado ao juiz (da Justiça Militar ou Comum), tem, o comandante, o dever
de dar-lhe tramitação com a devida brevidade, sob pena de incorrer na prática
do crime de abuso de autoridade, salvo, claro se o retardamento ou o não envio
ao juiz encontrar arrimo em uma causa de justificação.

Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada


do preso com seu advogado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o
réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e
reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo
razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e
com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso de
interrogatório ou no caso de audiência realizada por
videoconferência.

Tutela, o tipo penal, tanto o preso quanto o advogado, vez que quando alguma
autoridade impede a entrevista reservada do com preso com o advogado, subtrai
direitos de ambos.

O art. 20 se aplica às atividades da Polícia Militar tanto em relação ao


atendimento de ocorrências e intervenções policiais quanto às atribuições típicas
de polícia judiciária militar.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Observa-se que a lei exige, para a prática do crime, que a barreira entre o preso
e o seu advogado ocorra sem justa causa, portanto, não é um agir qualquer e sim
um agir que não seja possível justificar e, mais ainda, que tenha por finalidade
específica de prejudicar outrem ou beneficiar o próprio policial militar ou à
terceira pessoa ou, anda, quando o policial agir por mero capricho ou satisfação
pessoal. Ausentes os núcleos que apontam o especial fim de agir ou, presente a
justa causa, resta afastada a conduta criminalizada.

Ponto de maior discussão é em relação ao acesso do advogado ao preso no teatro


de operações, ou seja, no local dos fatos, quando o preso está no compartimento
de segurança da viatura.

Não se discute que o Estatuto da OAB em seu art. 7º, III assegura ao advogado o
direito de comunicar-se com seu cliente pessoal e reservadamente, em qualquer
das situações em que se achar privado de sua liberdade, incluindo-se aí o local da
ocorrência.

Por outro lado, a exigência da ausência de justa causa para que o crime se
caracterize demonstra que o direito descrito no art. 7º, III do Estatuto da OAB não
é absoluto.

É de se perguntar: é possível que uma pessoa que esteja presa no interior do


compartimento de segurança de uma viatura policial militar consiga conversar
com o seu advogado de forma pessoal e reservada?

A resposta, tecnicamente, é que não. Isso, porque os policiais militares não


podem se afastar da viatura por diversos motivos, dentre eles, a segurança do
próprio preso que, por estar naquela condição, cabe ao Estado protege-lo. Se os
policiais militares não podem deixar o preso a sós na viatura, como será possível
ao advogado entrevista-lo reservadamente?

Outro motivo que demonstra a justa causa para o não afastamento dos policiais
militares da viatura, é a existência de armamentos e equipamentos cuja guarda
se assenta sobre os integrantes da guarnição.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Outras situações, conforme o caso concreto, também podem constituir justa


causa apta a impedir o acesso do advogado ao preso, tais como a necessidade de
retirar o preso imediatamente do local para preservar o preso ou, a necessidade
de a guarnição deixar o local por questões de risco para a segurança dos policiais
e até arrebatamento do preso.

Se há justa causa, não há crime de abuso de autoridade.

Por outro lado, se a situação está tranquila em termos de segurança para a


guarnição e para o preso e, o advogado não se importar de conversar com o preso
perto dos policiais, é importante que esse contato ocorra, inclusive, como
garantia da lisura da atuação policial permitindo ao advogado constatar que os
direitos do preso estão preservados, principalmente a integridade física.

Quanto à atividade de polícia judiciária militar, imperioso destacar que no


momento da lavratura do ato em razão da prisão em flagrante ou da oitiva, em
sede de IPM, de um policial militar que já se encontra preso, é preciso estabelecer
um local seguro onde o advogado possa conversar com o seu cliente sem que seja
monitorado por policiais.

No caso de presídios militares (incluindo as Unidades), deve-se ter local adequado


para o contato do preso com o advogado. Os parlatórios são ótimas opções e, a
própria OAB investe nestes locais como forma de dar aos seus advogados
melhores condições de trabalho.

Quanto à aplicação do parágrafo único, só tem cabimento em juízo, mas é


possível que um policial militar pratique a conduta típica. Além da Justiça Militar,
temos diversas Unidades Judiciárias onde há emprego de policiais militares no
policiamento, na segurança das instalações e nas escoltas de presos. Se,
empregado em uma destas atividades, o policial militar impedir que o advogado
converse com o seu cliente, seja ele preso ou não, incorre na mesma pena do
caput do artigo.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Art. 21. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou


espaço de confinamento:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem mantém, na
mesma cela, criança ou adolescente na companhia de maior de
idade ou em ambiente inadequado, observado o disposto na Lei
nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente).

O tipo penal veda a manutenção de presos de sexos distintos no mesmo


ambiente, como forma de preservar-lhes não só a integridade física, mas também
a dignidade sexual. Não restam dúvidas de que homens e mulheres, enquanto
presos, não podem ficar acautelados em um mesmo local.

Quanto às atividades típicas de Polícia Militar, duas são as observações:

a) A lei veda manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de


confinamento. Cela, é o local onde o preso é colocado em uma Unidade
Prisional, ou, se em Unidade Policial, o local onde aguarda transferência para
uma Unidade Prisional. Espaço de confinamento, é o local onde o preso fica
até que sejam ultimados os procedimentos de polícia judiciária, mais
notadamente a conclusão do APF, bem como aquele destinado à triagem de
presos para oitivas em fóruns e delegacias de polícia.
b) O compartimento de segurança da viatura da Polícia Militar tem por fim o
transporte transitório, rápido e precário de presos e, portanto, não pode ser
visto como espaço de confinamento. Diferente de uma viatura da Polícia
Penal, que em alguns casos, funciona como espaço de confinamento e realiza
escoltas/transportes de presos por longas distâncias.

Por outro lado, a partir de uma interpretação que busque ampliar direitos, pode-
se inserir o compartimento de segurança da viatura no conceito de “espaço de
confinamento” (prefiro o descrito na letra “a”) e, nessa lógica, não se pode

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

manter presos de ambos os sexos no mesmo compartimento de segurança. É


preciso aferir quais as orientações as instituições policiais militares darão a
respeito do tema. Se disserem que o compartimento de segurança da viatura não
é um espaço de confinamento e sim um local destinado ao transporte
momentâneo e transitório do preso até a delegacia de polícia, a norma não incide
sobre a conduta do policial militar que transportar presos de ambos os sexos no
mesmo compartimento de segurança. Certamente que órgãos de defesa dos
direitos humanos buscarão ampliar o alcance do termo “espaço de
confinamento”.

Não restam dúvidas de que o objetivo do legislador foi de impedir absurdos como
os muitos divulgados pela imprensa, onde homens e mulheres e, mais ainda,
adolescentes, dividiam a mesma cela em clara violação dos direitos do preso e do
apreendido.

Observa-se que o legislador não atrelou a conduta daquele que mantém os


presos no mesmo local à ausência de justa causa, mas é preciso discutir, no caso
da atuação da Polícia Militar, situações fáticas em que é preciso admitir a
inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão de
culpabilidade. É que a dinâmica de uma ocorrência ou de uma intervenção policial
por vezes exige do policial militar um agir rápido a fim de preservar a sua
integridade física e do próprio preso e, nem sempre todas as situações em que
esse “agir rápido” for invocado, haverá uma norma clara a ampará-lo.

Imaginemos que a interpretação seja a de que o compartimento de segurança da


viatura se amolda ao conceito de “espaço de confinamento”. Evoluindo um pouco
mais nesse exercício imaginário, tem-se uma ocorrência onde um homem e uma
mulher praticam um crime de roubo com emprego de arma de fogo, contra um
taxista e, durante perseguição policial (art. 302, III do CPP) são presos em um local
onde a permanência da viatura significa risco iminente à integridade física dos
policiais e dos próprios presos (próximo a um aglomerado com risco de serem os

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

policiais alvejados por delinquentes armados). Ampliemos um pouco mais a


imaginação para chegarmos à inexistência de outra viatura liberada naquele setor
para apoiar com o transporte dos presos conforme o sexo. Ora, seria razoável
exigir-se dos policiais que não coloquem os dois presos juntos, no mesmo
compartimento de segurança da viatura? Seria razoável exigir-se que aquela
guarnição permanecesse no local de risco à espera de que uma outra viatura
libere do atendimento de outra ocorrência e venha apoiar no transporte de um
dos presos? Certamente que não! Nesse nosso exemplo (fácil de ocorrer no dia a
dia) não é possível exigir dos policiais conduta diversa daquela relacionada ao
transporte dos dois presos, de sexos opostos, no mesmo compartimento de
segurança da viatura policial.

Por outro lado, se há viaturas disponíveis no local em apoio/cobertura àquela que


está com os presos, nada obsta que o transporte ocorra em viaturas separadas.

O policial militar não pode se arredar da sua condição de primeiro representante


do Estado a assegurar os direitos do preso e, ao mesmo tempo, tem de estar
atendo para se resguardar quanto às possíveis acusações da prática do crime de
abuso de autoridade. Para tanto, além de um bom conhecimento jurídico e uma
apurada técnica policial, deve também saber escrever e justificar suas ações
conforme o direito.

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à


revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas
dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem
determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste
artigo, quem:
I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h
(vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou
quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do
ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

Com a nova Lei de Abuso de Autoridade, o tipo penal previsto no art. 150 do CP
não mais se aplica às intervenções policiais (civis), tendo inclusive ocorrido a
revogação do §2º que previa o aumento da pena se o fato fosse praticado por
funcionário público.

Por outro lado, não houve revogação do art. 226 do CPM, que trata da violação
de domicílio e prevê pena mínima de 3 meses de detenção e máxima (forma
qualificada e agravada) de 2 anos e 8 meses.

Nesse caso, com a exceção do inciso III, em que há previsão específica para a
prática do crime de abuso de abuso de autoridade quando do cumprimento de
mandado de busca e apreensão domiciliar entre 21h e 05h, deve prevalecer o
enquadramento da conduta do policial militar que ingressa em domicilio fora dos
casos que a lei permite, no art. 226 do CPM e não na Lei de Abuso de Autoridade,
tendo-se em vista o princípio da especificidade.

O Código Penal Militar é norma especial que, de regra, em tempo de paz, só se


aplica aos militares, enquanto que a Lei de Abuso de Autoridade se aplica um rol
de autoridades nos termos do seu art. 2º.

Boa ou ruim, esta foi a opção do legislador com a não alteração do art. 226 do
CPM. Dizer que o policial militar em serviço ou agindo em razão do serviço,
quando ingressa em domicílio alheio fora dos casos que lei permite, tem sua
conduta amoldada na Lei de Abuso de Autoridade e não no Código Penal Militar,
é ir além da vontade do legislador que manteve sem retoques o art. 226 do CPM.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Quanto ao inciso III, como já exposto, tem-se que a nova lei trata especificamente
de matéria não regulada pelo CPM e, portanto, incide sobre a conduta do policial
militar.

Importante destacar que no §2º a lei traz três causas que excluem a prática do
crime, quais sejam:

a) Prestar socorro. A CR/88 ao assegurar a inviolabilidade do domicílio já


excepciona a prestação de socorro como causa apta a afasta a garantia
constitucional.

b) Quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do


ingresso em razão de situação de flagrância. Importante esta redação para
a atividade policial uma vez que dispensa a certeza da prática do crime e
aponta para fundados indícios e que sinalizem para a necessidade do ingresso
no imóvel/domicílio/dependências para fazer frente à prática de uma
infração penal (flagrante). Nesse caso, além do bom conhecimento jurídico e
da apurada técnica policial, é imperioso que fique claro no boletim de
ocorrência policial quais os fundados indícios levaram a guarnição policial
militar a romper com a barreira da inviolabilidade do domicílio.

c) Desastre. Não requer maiores explicações.

O que a CR/88 veda é o ingresso forçado na casa. O texto constitucional é claro


ao dar validade à vontade do morador que, de acordo com o seu interesse (que
não pode ser violado nem deturpado) pode autorizar o ingresso dos policiais
militares no imóvel a qualquer hora do dia ou da noite, independente de ordem
judicial. Nesse caso, os policiais militares precisam se resguardar ainda mais no
sentido de que a autorização do morador seja de livre e espontânea vontade e
que dita autorização seja documentada formalmente (em formulário
disponibilizado pela Instituição) ou por coleta de imagens de vídeo que devem
constar do registro do boletim de ocorrência e serem disponibilizadas às
autoridades competentes.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

De nada adianta uma boa ocorrência policial que, na sua essência viola direitos
do preso e expõe os policiais militares à prática de crimes, como o de abuso de
autoridade. Agir com segurança e ter no direito o substrato apto a arrimar as
ações e operações, é fundamental para a atividade policial militar.

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de


investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de
pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de
responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a
responsabilidade:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Tipo penal que advém da fraude processual prevista no art. 347 do CP e que,
agora, de forma mais abrangente destina-se àquele que, em razão da investidura
pública, exerce autoridade, a exemplo dos policiais militares.

O art. 23 aplica-se à atuação da Polícia Militar tanto no serviço de polícia


ostensiva e de preservação da ordem pública, quanto de polícia judiciária militar
e, ainda, em relação aos oficiais na atuação juntos aos Conselhos de Justiça, na
Justiça Militar.

Inovar artificiosamente significa valer-se de meios sorrateiros, de astúcia, de


sutileza. É uma maneira de enganar para se obter benefícios.

A lei exige que a intervenção inovadora ocorra durante as diligências (é o caso do


atendimento de uma ocorrência ou atuando em uma operação), durante as
investigações (é o caso de um APF ou de um IPM) ou de processo.

Para que a conduta do policial militar se amolde ao tipo penal, é preciso que ele
aja, deliberadamente, com o propósito de frustrar eventual responsabilização
criminal ou, de se esquivar de responsabilizar alguém que tenha cometido uma
infração penal ou, ainda, potencializar a responsabilidade criminal de terceiros.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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Não basta, portanto, que o policial militar altere o local de crime ou que altere
provas no curso de um IPM, é preciso que a alteração ocorra de forma ardil e que
se encaixe em uma das finalidades taxativas do art. 23.

Do ponto de vista de local de crime, duas situações chamam a atenção:

a) Inobservância do que determinam os artigos 339 do CPPM (no caso de


local de crime militar) e 169 do CPP (no caso de crime comum), no sentido de
que a autoridade que chegar ao local deve preservá-lo a fim de que os exames
periciais sejam realizados. Nesse caso, se a alteração do local se deu pela
inobservância de um dever de cuidado (culpa) ou, se não há indicativos do
especial de agir da parte do policial militar que conduz a ocorrência, não há
que se falar na prática do crime. Lado outro, se o policial militar insere, por
exemplo, na cena do crime uma arma de fogo a fim de agravar a situação da
pessoa presa, a conduta se mostra típica. De igual modo, se um superior
insere a mesma arma a fim de construir uma atuação legítima para um seu
subordinado com o propósito da não adoção de medidas para responsabilizá-
lo, também comete o crime. E, ainda, se o policial militar, no local de uma
ocorrência, recolhe, por exemplo, capsulas de projéteis advindos de disparos
por ele realizados a fim de eximir-se de responsabilidade criminal, também
realiza o tipo penal previsto no caput do art. 23.

b) Não estando em um local de ocorrência, mas já diante de uma investigação


ou de um processo em andamento, o policial militar engendra ações para
desviar a busca da autoria, materialidade e circunstâncias da conduta
delituosa alterando, por exemplo, vídeos de CFTV, fotografias, boletins de
ocorrência, dentre outros, com o fim de se beneficiar em termos de
responsabilidade criminal ou de permitir que outrem se beneficie ao não
responsabiliza-lo ou para agravar a situação de terceira pessoa envolvida na
investigação ou no processo. Também se coloca na condição de sujeito ativo,
o oficial que conduz investigações e age não apenas com desídia, mas de

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

forma proposital alterando, artificiosamente, provas com o objetivo de não


responsabilizar o investigado/indiciado ou de agravar-lhe a situação criminal.

Observa-se que o crime previsto no art. 23 é autônomo em relação a outros


crimes, como, por exemplo, o de falsidade ideológica. Responde, em tese, pelo
crime previsto no art. 312 do CPM e pelo crime do art. 23 da Lei de Abuso de
Autoridade, o policial militar que, com o objetivo de frustrar a ação do Estado em
termos de sua responsabilização criminal, inseri uma arma de fogo em um local
de crime e, no boletim de ocorrência, registra haver encontrado a arma com a
pessoa que fora presa em flagrante.

A inovação artificiosa que interessa, para fins do art. 23, é aquela que tem o
condão de alterar situação preexistente. Se a conduta artificiosa ocorre após a
realização de perícia de local ou após a aferição das provas coletadas (em juízo
ou na fase policial), não há que se falar em crime de abuso de autoridade.

Discute-se a possibilidade de não incidência do art. 23 quando a inovação


artificiosa é perpetrada com o objetivo de impedir que se produza provas que
capazes de incriminar o autor da inovação. Assim, se a finalidade é de se
defender, a inovação do lugar, coisa ou pessoa se insere no direito à autodefesa.
Temos posicionamento contrário, no sentido de que o direito à autodefesa não
alcança a possibilidade de destruir provas preconcebidas via alteração do local,
de coisa ou pessoa. O direito à autodefesa e à não autoincriminação são garantias
penais que asseguram ao indiciado/réu, a possibilidade de ele produzir provas no
seu interesse e de não produzir provas que possam incriminá-lo. São coisas
distintas. Assim, o art. 23 abarca o policial militar que, a pretexto do exercício à
autodefesa, inova artificiosamente o estado de lugar, coisa ou pessoa, se o faz
com o especial fim de agir requerido pela lei.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta


com o intuito de:
I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por
excesso praticado no curso de diligência;
II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações
incompletos para desviar o curso da investigação, da diligência ou
do processo.

O parágrafo único amplia a incidência do tipo penal de sorte a alcançar, com o


inciso I, as inovações artificiosas que visem eximir quem as pratica de
responsabilidade civil ou administrativa, quando, tendo agido de forma regular,
tenha excedido em suas ações no curso de diligência. É o caso, por exemplo, do
policial militar que no atendimento de uma ocorrência, acaba excedendo no uso
da força e amplia a descrição da resistência praticada pelo preso ou altera
imagem de vídeo a fim de que não seja punido disciplinarmente ou, para subtrair-
se à uma possível ação civil de reparação cível.

No caso do inciso II, a conduta deve ter por fim desviar o curso da investigação,
da diligência ou do processo e, guarda relação única com as informações que
devam integrar a persecução criminal. Pratica a conduta, tanto o policial militar
que atua na atividade fim (operacional e administrativa), quanto aquele que
exerce atribuição de polícia judiciária militar.

O objetivo não é esquivar-se de responsabilização criminal ou beneficiar a outrem


e sim, desviar o curso da investigação, da diligência ou do processo. A conduta se
perfaz de duas formas, (a) pela omissão ou, (b) pela divulgação. Em ambos os
casos, de informações ou dados.

À guisa de exemplo, tem-se a eventual situação em que o policial militar venha


omitir, em um boletim de ocorrência, informações que deveriam constar, a fim
de que as diligências subsequentes e as investigações tomem rumo diverso do
que deveria se a informação ou o dado tivesse sido relatado. Como já exposto, o

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

crime do art. 23 é autônomo e requer um especial fim de agir, logo, não impede
que a autoridade que omite dados ou informações ou divulga dados ou
informações incompletas com o fim de subverter o rumo dos trabalhos
investigativos ou processuais, também responda pelo crime praticado na origem,
como por exemplo, a falsidade ideológica.

Em termos de polícia judiciária militar, atenção especial deve ser dada às


transcrições de áudios e vídeos e às interceptações telefônicas.

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário


ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a
admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com
o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua
apuração:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da
pena correspondente à violência.

Constranger, como já discutido no art. 13, é obrigar, forçar e, não basta que o
policial militar obrigue, é preciso que o faça empregando violência ou grave
ameaça com o especial fim de agir consubstanciado no prejuízo para a apuração
dos fatos com a alteração do local ou do momento do crime.

O ato de constranger tem de ser dirigido àquele que trabalha em qualquer tipo
de unidade hospitalar, seja ela pública ou privada, independente do porte e
destinação de atendimento (hospital, posto de saúde, UPA). Da pessoa contra a
qual recai a violência ou grave ameaça, espera o policial militar que admita para
tratamento alguém cujo óbito já tenha ocorrido.

Destarte, para que o crime se configure, é preciso:

a) Que o policial militar que está socorrendo a pessoa saiba que no momento
da retirada do local, ela já esteja em óbito. A pergunta que desafia pronta
resposta é se o policial militar tem condições de atestar/constatar o óbito de

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alguém. A resposta, pode ser extraída do Parecer CRM/MS Nº 15/2013,


segundo o qual:

Atestar ou constatar o óbito configura-se em um ato médico em que o profissional médico


irá avaliar e após exame concluirá se o indivíduo está ou não em óbito, ou seja, constitui-se
em um procedimento exclusivo do profissional médico, que envolve competências e
habilidades inerentes apenas ao profissional médico.
Como exposto atestar o óbito é prerrogativa médica, o leigo poderá apenas suspeitar, faz-
se necessária a avaliação médica. Não recomendamos, por mais evidente que possa
parecer transferir este diagnóstico a um professional não médico ou pessoa leiga.

Constatar o óbito, é um ato médico e, não se pode exigir que o policial militar
detenha tal conhecimento ou, que na condição de leigo, assuma o risco de
“constatar o óbito” sem elementos fáticos que o permita assegurar tal
situação. Conforme nos ensinam as ciências médicas, as mortes são de duas
espécies: causa natural e causa externa ou violenta.

Do ponto de vista prático, como ensina o Juiz de Direito Rodrigo Foureaux, a


situação que pode ensejar a incidência do art. 24 é aquela que advém de
confronto entre policiais e criminosos, onde criminosos são atingidos por
disparos de arma de fogo e, a própria polícia os socorre. Nesse sentido,
partindo-se da premissa de que ao policial militar não cabe constatar o óbito
e, como a prática do crime requer que o policial saiba que a pessoa para a
qual ele busca atendimento médico já esteja em óbito, a melhor técnica é no
sentido de que o policial tem o dever de socorrer a pessoa ferida em
confronto com a polícia, deixando a cargo do médico constatar se ao chegar
ao hospital estava com vida ou não e, se já chegou sem vida, em que
momento se deu o óbito. Por outro lado, se compareceu ao local médico do
SAMU ou qualquer outro médico (devidamente identificado e qualificado) e
a morte foi constatada, se o policial militar retira o corpo do local a pretexto
de prestar socorro e, obriga, mediante violência ou grave ameaça funcionário
de estabelecimentos hospitalar a receber o cadáver, resta evidenciada a
conduta abusiva repelida pela lei.

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b) Que o socorro da pessoa em óbito tenha por fim influenciar nas


investigações a partir da alteração de local e do momento do crime,
inviabilizando que se tenha condições de chegar às circunstâncias em que os
fatos se deram. Com a retirada do corpo do local, resta prejudicado o
trabalho dos peritos.

c) Que o ato de constranger venha qualificado pela violência ou a grave


ameaça. Não basta a ameaça, ela tem de ser no sentido de causar um mal
grave e injusto e, diferentemente do crime do art. 223 do CPM (ameaça), no
caso do abuso de autoridade previsto no art. 24, entendemos que o mal grave
e injusto deve ser iminente, de sorte que o funcionário do hospital acolha a
pessoa socorrida pelo policial naquele momento, em face do medo do
cumprimento da ameaça proferida. Quanto à violência, é a física, porém, sem
que haja necessidade de ocorrerem lesões corporais.

Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de


investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova,
em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio
conhecimento de sua ilicitude.

No que se refere à atuação da Polícia Militar, o art. 25 alcança as atividades de


polícia judiciária militar, partindo-se do princípio que o procedimento de
investigação a que se refere a lei é de ordem criminal, no caso, o APF e o IPM.
Quando o legislador quis incluir procedimento administrativo ele o fez de forma
direta.

A investigação criminal tem por fim apurar a autoria, a materialidade e as


circunstâncias da prática de uma infração penal e se desenvolve, no âmbito da

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Polícia Militar, por intermédio do auto de prisão em flagrante e do inquérito


policial militar.

No curso da investigação, a obtenção de provas é que norteia o passo a passo dos


trabalhos e permite indiciar ou não o investigado. Uma investigação que não
apresenta provas não tem razão de ser e, de nada serve para apreciação do
Ministério Público quanto a propositura ou não da ação penal.

A CR/88, ao cuidar das provas, assegura, no art. 5º LVI, serem inadmissíveis, no


processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Desdobrando o comando
constitucional, o art. 157 do CPP determina que as provas obtidas por meios
ilícitos sejam desentranhadas do processo, ou seja, a regra é que a autoridade
não obtenha provas em desconformidade com o direito, mas se vier a produzi-
las, não pode servir à persecução penal e, se quer pode permanecer nos autos.

Requer, o tipo penal, que a prova seja obtida por meio manifestamente ilícito, o
que nos remete à necessidade do dolo na conduta à medida em que o oficial que
exerce atribuição de polícia judiciária precisa saber que a prova é ilícita ou, se
lícita, que tenha sido obtida por meios ilícitos. O termo “manifestamente” indica
o que salta aos olhos; é aquela prova cuja ilicitude na não comporta escusas e
que não requer esforço jurídico para aferi-la.

Lado outro, não é crível imputar a prática do crime de abuso de autoridade


quando a discussão a respeito da licitude ou ilicitude da prova obtida ou do meio
utilizado para obtê-la advir de controvérsia doutrinária ou jurisprudencial. Se é
possível discutir, juridicamente, a licitude/ilicitude, resta afastado o dolo ante a
subtração do termo “manifestamente ilícito”.

Além do oficial que conduz a investigação, também se sujeita à mesma sanção


penal do caput quem faz uso de prova em desfavor do investigado, conhecendo,
antes do uso, cuidar-se de prova obtida por meio ilícito. Aqui, a autoridade não é
a responsável pela obtenção da prova, mas ciente de que fere o direito, ainda
assim dela se aproveita em prejuízo do investigado. É o caso, por exemplo, de

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uma interceptação realizada pela autoridade militar delegada, no curso de um


IPM, sem autorização judicial, de onde se extrai a prática de graves crimes
militares pelo investigado e, ao final do IPM, ciente de que a prova fora obtida
em flagrante violação à Lei nº 9.296/96, a autoridade de polícia judiciária militar
homologa (art. 22, § 1º do CPPM) a solução apresentada pela autoridade militar
delegada valendo-se da prova obtida com a interceptação telefônica. Nesse
exemplo, o oficial que conduziu a investigação e obteve a prova manifestamente
ilícita, tem sua conduta amoldada ao caput do art. 25 e, a autoridade de polícia
judiciária militar (Comandante) que homologou a solução valendo-se da prova
viciada, incorre na mesma pena por força do previsto no parágrafo único do art.
25.

O art. 26 foi vetado e o veto mantido pelo Congresso Nacional. Cuidava, a


proposta legislativa, de criminalizar a figura do “flagrante provocado”.

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento


investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de
alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito
funcional ou de infração administrativa:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou
investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

O art. 27 tem por fim proteger o administrado em face do poderio estatal.

É crime próprio, pois que só pode ser praticado por quem tem poder de requisitar
e de instaurar procedimento investigatório com o fim de apurar infração penal
ou administrativa. Abrange, em matéria criminal, além do inquérito policial, o
procedimento investigatório instaurando pelo MP (PIC).

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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No âmbito da Polícia Militar, a norma é dirigida à autoridade de polícia judiciária


militar, no caso da investigação criminal e o à autoridade com poder disciplinar
(de regra, o comandante da Unidade, o Corregedor, etc) no caso da apuração de
infrações disciplinares.

Para a configuração do crime, requer-se o dolo específico advindo da “falta de


qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração
administrativa”. Não basta a requisição ou a instauração do procedimento, é
preciso que padeça de justa causa para a sua instauração ou requisição.

É uma garantia do policial militar no sentido de que se não há indícios da prática


de crime militar, o IPM não deve ser instaurado e, se não há indícios da prática
de infração disciplinar, o processo administrativo disciplinar não deve ser
instaurado.

Por outro lado, não se pode engessar a administração militar a ponto de impedir
que se apure as situações que devam ser apuradas e, de igual modo, não se pode
incutir medo nas autoridades ao ponto de deixa-las receosas quanto ao exercício
de suas atribuições. Nesse sentido, a própria lei exclui a existência de crime
quando a requisição e/ou a instauração se dá em sindicância ou investigação
preliminar, desde que devidamente justificada.

À guisa de exemplo, na esfera administrativa, imagine-se a instauração de PAD


em desfavor de policial militar reformado. Tal conduta, em MG, aponta para a
prática de crime militar de abuso de autoridade, uma vez que nos termos do art.
2º da Lei nº 14.310/02, que contém o Código de Ética e Disciplina dos Militares
de Minas Gerais, os dispositivos da lei só se aplicam aos militares da ativa e da
reserva remunerada, como esclarece o Tenente-Coronel da PMMG, Maurício
José de Oliveira.

O tipo penal do art. 27 se restringe aos procedimentos apuratórios de natureza


criminal ou administrativa, não alcançando, portanto, as investigações de

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natureza cível, como é o caso do inquérito civil que apura a prática de ato de
improbidade administrativa previsto na Lei nº 8.4291992.

Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com


a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida
privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou
acusado:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A conduta prevista no art. 28 visa dar efetividade ao previsto no art. 5°, X da


CR/88 que assegura serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas.

No âmbito da Polícia Militar, o tipo penal incide na conduta da autoridade de


polícia judiciária militar ou da autoridade militar delegada que, na condução de
investigação, estando de posse de gravação (fruto de interceptação legal), faz um
recorte e divulga-a, na sua integralidade ou trechos, divorciados da prova que se
pretenda produzir.

Tal qual os demais crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade, a conduta há


de ser dolosa e é preciso que a autoridade, com o seu agir deliberado, (a) exponha
a intimidade ou a vida privada ou (b) acutile a honra ou a imagem do policial
militar que figura como investigado no IPM ou no APF.

A divulgação que advém da inobservância de um dever objetivo de cuidado não


configura o crime de abuso de autoridade.

Art. 29. Prestar informação falsa sobre procedimento judicial,


policial, fiscal ou administrativo com o fim de prejudicar interesse
de investigado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

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O tipo penal aponta um especial fim de agir que é “prejudicar interesse de


investigado”. Se, o policial militar presta informação falsa com fim diverso
daquele previsto no art. 29, não há que se falar em crime de abuso de autoridade.
Pode, nesse caso, cometer outro crime militar, conforme apurado no caso
concreto.

Observa-se que a norma penal incriminadora alcança a informação falsa prestada


em juízo, no inquérito, no auto de prisão em flagrante e, também, nas apurações
administrativas.

O crime do art. 29 não se confunde com o crime do art. 312 do CPM. No art. 29,
a conduta tem por fim prejudicar interesse do investigado, enquanto que no art.
312 do CPM, muito embora a declaração falsa tenha por fim, dentre outros,
prejudicar direito, é preciso que, também, atente contra a administração ou o
serviço militar.

O tipo penal requer um agir (prestar), o que afasta o sonegar informação ou calar-
se, durante a oitiva, mesmo que a informação sonegada ou o silêncio tenham por
fim prejudicar interesse do investigado. Não é possível ampliar o verbo que indica
uma ação para nele incluir uma conduta omissiva. A figura omissiva foi proposta
no parágrafo único do art. 29, porém, foi vetada e o veto mantido pelo Congresso
Nacional.

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou


administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem
sabe inocente:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Discute-se a respeito da necessidade do art. 30 em face do regramento já


estabelecido nos artigos 343 do CPM e 339 do CP (denunciação caluniosa).
Observa-se que no CPM e no CP, a pena é de reclusão de dois a oito anos, ou seja,
uma reprimenda que é o dobro da prevista no art. 30 da Lei de Abuso de

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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Autoridade. Observa-se, a partir da discussão da pena, que, para a autoridade


que excede do seu poder e dá início, em qualquer esfera, à persecução, a sanção
é inferior à daquele que dá causa à instauração de investigação.

Em se tratando de persecução, tecnicamente, esta ocorre tanto na fase judicial


quanto na fase pré-processual e alcança matérias de ordem criminal e cível, além
do processo administrativo disciplinar. Assim, a mim me parece que buscou o
legislador alcançar com o tipo penal, tanto a atuação da autoridade policial,
quanto o Ministério Público e a autoridade administrativa com poder disciplinar.

No âmbito da Polícia Militar, o tipo penal abarca as condutas daquele que tem o
poder de iniciar a persecução em matéria criminal via investigação policial militar
e de proceder à persecução em matéria administrativo-disciplinar (Comandante
e a autoridade de polícia judiciária militar). É, portanto, crime próprio, diferente
do art. 343 do CPM que pode ser praticado por qualquer policial militar.

Requer, o tipo penal, que o “dar início” e o “proceder” (a) padeça de justa causa
fundamentada ou (b) tenha como investigado ou acusado, policial militar que a
autoridade saiba ser inocente.

Importante que a autoridade, se não tiver em mãos informações que sustentem


a justa causa para o processo administrativo, apure o caso de forma preliminar
(em MG, tem-se a figura do Relatório de Investigação Preliminar – RIP) de sorte a
trazer para a portaria de instauração substrato apto a afastar a conduta que possa
configurar crime de abuso de autoridade. No caso de investigação criminal, em
havendo dúvidas quanto à justa causa, deve-se também proceder ao
levantamento de informações nos termos do que prevê o art. 5º, § 3º do CPP que,
em sua parte final diz que, em se tratando de comunicação de qualquer pessoa
do povo, o inquérito será instaurado pela autoridade policial, após verificada a
procedência das informações. Na PMMG, o relatório de investigação preliminar
é instrumento jurídico válido e apto a dar suporte tanto em relação à investigação

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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criminal quanto àquela que apura violação do dever funcional em sede


administrativo-disciplinar.

O fato de ao término da investigação policial militar a autoridade concluir no seu


relatório/solução e/ou na homologação ou avocação pela inexistência da prática
de crime, não dá ensejo à conduta que configure abuso de autoridade ao
argumento de que o investigado era inocente. A mesma premissa se aplica à
conclusão de apuração administrativo-disciplinar que conclua pela inocência do
acusado. O que configura o crime de abuso de autoridade, no que se refere à
inocência do investigado/acusado, é o “dar início” ou “proceder”, sabendo
cuidar-se de policial militar inocente.

Presente a justa causa e ausente o conhecimento da inocência, resta afastada a


incidência do tipo penal incriminador.

Art. 31. Estender injustificadamente a investigação,


procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo
para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma
imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do
fiscalizado.

Para a configuração do crime previsto no art. 31, é preciso que a autoridade


militar que conduz a investigação, tendo a concluído na prática, prossiga com os
trabalhos, sem justificativas.

Requer, o tipo penal, que a conduta da autoridade traga um prejuízo para o


investigado. Esse prejuízo precisa ser demonstrado. Não tem cabimento presumir
um prejuízo em razão de uma investigação que, embora tenha sido concluída na

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prática prossegue dentro do prazo legal ou judicial. É necessário, para que se


possa falar no cometimento do crime de abuso de autoridade, a presença do
binômio “ausência de justificação e prejuízo para o investigado”. Ausente os dois
requisitos, não há que se falar em conduta criminosa da parte da autoridade de
polícia judiciária militar ou da autoridade militar delegada.

Nos termos do art. 20 do CPPM, o IPM deve ser concluído em 20 dias se o


indiciado estiver preso ou, dentro de 40 dias, se estiver solto, admitindo-se
dilação probatória, via autoridade delegante (autoridade de polícia judiciária
militar), por mais 20 dias, se não houver indiciado preso. Isso não significa que a
investigação tem de ser encerrada no prazo máximo de 60 dias, porém, qualquer
dilação acima desse prazo, deve ocorrer em juízo que, só poderá decidir após
ouvir o destinatário do IPM, o Ministério Público. Assim, caso a autoridade militar
delegada, já tendo encerrado os trabalhos investigativos, pleiteie novo prazo à
autoridade de polícia judiciária militar ou em juízo, causando prejuízo ao
investigado, resta evidenciada a prática, do crime de abuso de autoridade.
Havendo justificativa, como, por exemplo, a complexidade da investigação, a
necessidade de conclusão de exames periciais, a oitiva ou reinquirição de
testemunhas, a reprodução simulada de fatos, a interceptação telefônica, a
quebra de sigilo bancário ou fiscal, dentre outros, podem, perfeitamente,
justificar que a investigação se prolongue pelo tempo necessário ao
esclarecimento dos fatos.

O objetivo do tipo penal é preservar direitos do policial militar investigado ou


indiciado que, no curso da investigação policial militar, assume relevante papel
como sujeito de direitos e não apenas como objeto sobre o qual recai a
investigação. A remessa do IPM para a Justiça Militar (ou diretamente ao titular
da ação penal que oficia perante a Justiça Militar), finda a investigação, para além
do cumprimento de um protocolo, é um direito do policial militar que figura como
investigado ou indiciado.

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Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso


aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado,
ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de
infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a
obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a
diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências
futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Tutela, o art. 32, tanto o direito do investigado/indiciado, acusado em processo


administrativo, quanto do advogado. Observa-se que a lei ampliou o rol daqueles
que têm direito de acesso aos autos e deles obterem cópias. Se, outrora discutia-
se apenas o direito do investigado ou acusado em processo administrativo-
disciplinar, com a redação do art. 32 não restam dúvidas de que o ofendido
também tem esse direito à medida em que é parte interessada no deslinde da
apuração.

No âmbito da Polícia Militar, o sujeito ativo do crime é a autoridade de polícia


judiciária militar, a autoridade militar delegada, o comandante da Unidade, o
chefe de seção que detenha em arquivo autos de processo administrativo ou que
tenha sob sua responsabilidade autos de IPM conclusos à autoridade ou findos
para remessa à Justiça Militar ou ao Ministério Público.

No que se refere ao advogado, o acesso aos autos encontra guarida no art. 7º, do
Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), para tanto, deve a autoridade demandada
identificar o advogado por intermédio do seu registro/carteira da OAB e certificar
nos autos haver dada vista ou permitido a extração de cópias. Quanto à
identificação do advogado, o Estatuto da OAB (art. 13) aduz que o documento de
identificação do advogado é de uso obrigatório no exercício da advocacia.

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No caso de peças vinculadas a diligências em andamento ou que apontem para


diligências futuras, cujo sigilo seja indispensável à investigação, o acesso deve ser
negado e, de igual modo, certificada nos autos a negativa.

Em se tratando de obtenção de cópias, caso seja necessário fotocopiar, os custos


deverão ser arcados pelo interessado ou pelo advogado, sob pena de incorrer a
autoridade que disponibilizou as cópias às expensas do Estado na prática de ato
de improbidade administrativa caracterizada pelo prejuízo ao erário. Em não
sendo possível dar carga dos autos fora da Unidade Militar, deve-se gerar o
respectivo Documento de Arrecadação Estadual (DAE) com o valor apurado das
cópias, a fim de que seja recolhido pelo destinatário das cópias. Hoje, com as
tecnologias disponíveis, boa parte das cópias são obtidas em meio digital, o que
facilita o exercício e a garantia do direito.

Art. 33. Exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive


o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O crime de abuso de autoridade previsto no art. 33 encontra similitude com o art.


222 do CPM no que tange à obrigação de fazer ou não fazer algo sem amparo na
lei. A distinção fica por conta da exigência, no caso do art. 222 do CPM, da
violência ou grave ameaça ou da redução da capacidade de resistência do
ofendido.

Importante relembrar que, nos termos do art. 1º, § 1º da Lei de Abuso de


Autoridade, as condutas descritas na lei só serão tidas por criminosas, se o sujeito
ativo as pratica dentro de um especial fim de agir.

Ausente a finalidade específica, não há que se falar na prática do crime de abuso


de autoridade.

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No âmbito das atividades exercidas pela Polícia Militar, o tipo penal se aperfeiçoa
na conduta tanto daquele policial militar que atua nas atividades operacionais e
administrativas, quanto daquele acometido de atribuição afeta à polícia judiciária
militar.

Se, durante o atendimento de uma ocorrência ou durante uma abordagem o


policial militar exige informação sem lastro na lei, como, por exemplo, exigir que
a pessoa abordada com um cigarro de maconha indique o local onde fez a
compra, a conduta, a priori se mostra típica à luz do art. 33. Observa-se que não
há impedimento algum para que o policial militar converse ou solicite
informações, o que a lei veda é o ato de exigir.

No que tange à exigência do cumprimento de obrigação, incluindo-se aí o dever


de fazer ou de não fazer, o crime de abuso de autoridade só ocorrerá se a
exigência não encontrar amparo na lei. Veja-se, como exemplo de exigência que
encontra amparo na lei, aquela em que o policial militar ao abordar alguém,
diante da fundada suspeita, determina que fique imóvel, coloque nas mãos na
cabeça, desça do veículo, afaste-se de determinado local, para fins de realização
da busca pessoal, nos termos do art. 240, § 2º do CPP ou do art. 180 do CPPM,
conforme o caso. Se, por outro lado, o policial militar exige que a pessoal corra
em torno da viatura policial ou que retire a camisa e amarre na cabeça ou, que
deixe o local sem calçar os sapatos, a conduta se mostra, a priori, típica em sede
de abuso de autoridade.

Caso a exigência do fazer ou não fazer em oposição ao direito se dê mediante o


emprego de violência ou grave ameaça ou, depois de haver reduzido a
capacidade de resistência da pessoa abordada (v.g), a conduta pode se amoldar
ao previsto no art. 222 do CPM, se não constituir crime mais grave e, conforme o
caso concreto.

A conduta também pode ser praticada tendo como ofendido outro policial
militar, como por exemplo, exigir que um policial militar conduza uma viatura

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

policial sem que seja habilitado para tal ou, exigir que o policial preste
informações relativas a um IPM em que figurou com autoridade militar delegada
ou como escrivão (o dever de sigilo, tanto do escrivão quanto da autoridade
militar delegada aponta para ausência de amparo em lei para a exigência da
obrigação).

Não se amolda ao tipo penal do caput do art. 33, as exigências que partem da
autoridade de polícia judiciária militar ou da autoridade militar delegada, como
as previstas nos artigos 8º e 12 do CPPM, dentre outras amparadas pela lei.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se utiliza de cargo


ou função pública ou invoca a condição de agente público para se
eximir de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio
indevido.

No caso da Polícia Militar, o parágrafo único vincula o comportamento do policial


militar à utilização do cargo ou da função que exerce, ou, ainda, invoca a condição
de servidor militar, com o fim de não cumprir obrigação legal ou com o objetivo
de angariar vantagem ou privilégio que não lhe é de direito.

A condição de policial militar não pode ser utilizada para além do que a lei permite
ou determina, assim, caso um policial militar, estando de folga, conduz um
veículo sem os documentos de porte obrigatório e, ao ser abordado em uma blitz
de trânsito, se utiliza do cargo ou da posição hierárquica para se eximir da
obrigação de estar regular à luz do Código de Trânsito Brasileiro, comete, em tese,
o crime de abuso de autoridade. Na mesma toada, se, não estando de serviço,
utiliza da condição de policial militar para ingressar de forma gratuita em
estabelecimentos que cobra ingresso, também pode vir a responder por abuso
de autoridade.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
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Observa-se que o objetivo da lei não é vedar a conduta do particular que


disponibiliza, por exemplo, cortesias ou franqueia, de livre e espontânea vontade
o ingresso de policiais ao estabelecimento sem o pagamento de ingressos.
Também não veda a conduta do agente público que, no exemplo aqui utilizado,
ao identificar o condutor do veículo irregular como policial militar libera-o sem a
adoção das medidas exigidas em lei. Neste último caso, a responsabilização
criminal deve recair sobre o agente que age ao arrepio da lei liberando alguém
que está em situação irregular.

O que a lei preserva, com a criminalização das condutas descritas no parágrafo


único é boa reputação dos próprios ocupantes de cargo ou função pública, aí
incluídos os policiais militares e, mais ainda, a imagem das Instituições e do
próprio serviço público, além de tutelar direitos de terceiros, conforme o caso
concreto.

Se o policial militar se vale da condição afeta ao seu cargo para obter vantagem
ou privilégio devido, não há que se falar em conduta típica. Cita-se, como
exemplo, o policial militar que invoca tal condição para, observado o regramento
da Lei nº 10.826/2003, seu regulamento e as normas da sua Instituição, portar
arma de fogo. Em face do porte funcional, este privilégio é devido.

Os artigos 36 e 37 não guardam relação com as atividades executadas por


policiais militar, razão penal qual deixamos de comentá-los.

Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de


comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de
concluídas as apurações e formalizada a acusação:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

Cuida-se, o art. 38, de crime próprio, à medida em que aponta como sujeito ativo
o responsável pela investigação. No âmbito da Polícia Militar, é crime que só pode
ser cometido por oficial na condição de autoridade de polícia judiciária militar ou
de autoridade militar delegada vez que únicas legitimadas a conduzirem
investigações, assim entendidas aquelas destinadas a apurar a autoria,
materialidade e circunstâncias relacionadas à prática de infração penal que se
amolde ao conceito de crime militar.

Para a configuração do crime, é preciso considerar o especial fim de agir previsto


no art. 1º, §1º da lei em comento, no sentido de que a antecipação de culpa, por
meio de comunicação, antes da conclusão das investigações e da formalização da
acusação, tenha por fim (a) prejudicar outrem; (b) beneficiar a si mesmo ou a
terceiro; ou que tenha sido levada a efeito (c) por mero capricho ou, (d) para
satisfazer algo que lhe é pessoal. Prestar informações à sociedade, valendo-se
dos meios de comunicação, inclusive redes sociais, por si só não configura crime
de abuso de autoridade, é preciso o dolo específico na conduta da autoridade
que conduz as investigações.

Ao tratar da forma como a autoridade possa vir a praticar a conduta, o legislador


ampliou-a de sorte a congregar não apenas as entrevistas à imprensa, mas
também as divulgações em sites oficiais, sites pessoais, aplicativos para celulares
e redes sociais em geral.

Para os fins a que se presta, em relação ao crime em estudo, o termo “atribuição


de culpa” aponta para a certeza do cometimento da infração penal e, tal certeza
só pode ser aferida após uma decisão judicial, ou seja, até que a Justiça Militar
(Juiz singular ou Conselho de Justiça, no caso da 1ª Instância e, Tribunal de Justiça
Militar – MG, SP, RS – nos processos de competência originária) decida, em
sentença penal condenatória, haver o policial militar realizado, com a sua
conduta, tipo penal que constitua crime militar, não é possível se falar,
tecnicamente, ser ele culpado. A Polícia Militar, no exercício da judiciária militar

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

não atribui culpa. No curso da investigação, ou ao seu término, esclarecida a


autoria, a materialidade e as circunstâncias, restando indícios da prática de crime
militar, o que a polícia faz é indiciar e apresentar o caderno inquisitivo ao
Ministério Público que oficia perante a Justiça Militar para que dê início ou não à
persecução criminal em juízo.

Por outro lado, observa-se que o legislador procurou estabelecer uma relação
entre a dita “atribuição de culpa” e o momento da conduta, fazendo entender
não se cuidar de culpa em sentido estrito (aquela que aponta para a certeza da
prática da infração penal), mas sim para uma culpa mais ampla que pode ser
aferida após a apreciação da investigação pelo órgão de acusação com o
oferecimento da denúncia. Veja-se que não basta a conclusão das investigações
com o indiciamento do investigado, o oferecimento da denúncia (ou a queixa-
crime, na ação penal privada subsidiária da pública), foi atrelado ao término das
investigações, somando-se a ela e não como uma opção a ela. Partindo-se desse
raciocínio, uma vez formalizada a acusação (oferecida a denúncia pelo Ministério
Público que oficia perante a Justiça Militar e recebida a denúncia pelo juiz de
direito da Justiça Militar), qualquer fala da autoridade responsável pelas
investigações no sentido de apontar aquela pessoa que fora sujeito da
investigação como responsável, a priori, pela prática do crime, ficará aquém do
que a lei requer para que se constitua crime de abuso de autoridade.

Não se olvida da importância da investigação policial militar para a persecução


penal no juízo militar. Embora seja peça de informação e, portanto, dispensável
(art. 28 do CPPM), as provas produzidas no curso do inquérito, mesmo diante das
alterações trazidas pela Lei nº 13.964/2019, se não podem (e não podem mesmo)
servir para um decreto condenatório, constituem base sólida para a atuação do
Ministério Público que, da sua análise e, referindo a elas, ofertará ou não a peça
acusatória em juízo.

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Reflexos nas atividades de Polícia Ostensiva e de
Lei nº 13. 869/2019 Preservação da Ordem Pública e de Polícia Judiciária Militar

O que se busca com o tipo penal descrito no art. 38, é preservar a imagem do
policial militar indiciado no IPM ou cuja prisão fora ratificada em sede de APF,
dentro da lógica de que na condição de investigado ou indiciado, não é mero
objeto e sim sujeito de direitos.

Como a lei não veda à autoridade prestar informações e, considerando que, a


depender do crime praticado é importante a manifestação institucional a
respeito dos fatos, deve-se ter o cuidado para limitar-se, nas entrevistas ou notas
oficiais, aos fatos objeto da investigação, à dinâmica dos acontecimentos e àquilo
que diz respeito à atribuição da polícia judiciária militar, ou seja, se não cabe à
autoridade militar, por mais grave e repugnante que seja o crime, atribuir culpa.
Se a autoridade assim o fizer, sua conduta pode ser traduzida em crime abuso de
autoridade. É possível informar, falar sobre a investigação, prestar contas a
respeito da sua conclusão, mas nunca se referindo ao policial militar indiciado
como culpado ou acusado da prática do crime militar apurado na fase pré-
processual.

O presente escrito não constitui orientação técnica oriunda da


Instituição a que pertence o autor.
Cuida-se de uma análise advinda do estudo da nova Lei de Abuso
de Autoridade e do direito de forma integrada.
A finalidade é ampliar as discussões e fornecer substrato teórico
para que o policial militar tenha condições de sustentar suas ações
sem se afastar da aplicação do direito e resguardando seu cargo e
função para não incorrer em crime de abuso de autoridade.

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