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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA

COMARCA DE MARTINHO CAMPOS/MG

PROCESSO Nº: 0005372-75.2019.8.13.0405


CLASSE: [CRIMINAL] AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO SUMÁRIO (10943)
ASSUNTO: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas]
AUTOR: Ministério Público – MPMG
RÉU/RÉ: IZAQUE FERNANDES VIEIRA

IZAQUE FERNANDES CAMPS, já qualificado nos autos em


epígrafe, por meio de seu advogado constituído, com o devido e costumeiro respeito,
vem à presença de Vossa Excelência, apresentar ALEGAÇÕES FINAIS, nos termos
do art. 403, §3º do CPP, o que faz nos seguintes termos:

1. DOS FATOS:
Izaque Fernandes Vieira foi denunciado pela prática delito
disposto no art. 12 da Lei 10.826/03.

Consta do incluso inquérito policial que o denunciado, no dia 22


de março de 2019, às 09 horas e 40 minutos, na rua Padre Marinho, n° 171, bairro
Centro, neste município, possuía 01 (uma) munição calibre .38, marca CBC, em
desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Conforme apurado, na ocasião, durante operação "Faroeste


Caboclo", policiais militares receberam informações de que o denunciado guardava, em
sua residência, drogas, arma de fogo e munições.
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Ato contínuo, após se deslocarem até o local, onde tiveram o
acesso franqueado, os policias realizaram buscas e encontraram, além de 01 (uma)
balança de precisão e vários saquinhos de "chupchup", normalmente utilizados para o
comércio de drogas, 01 (uma) munição, calibre .38, marca CBC, de propriedade do
denunciado, que não tinha autorização legal para tanto e foi preso em flagrante.

Recebida a denúncia em 23 de maio de 2019 (fl. 54, ID:


4969803035), o processo se desenvolveu com a citação do acusado (ID: 4969803035, fl.
57), oferecimento de resposta a acusação (fl. 62, ID: 4969803035) e audiência de
instrução (ID: 4969803035, fls. 106/109), vindo os autos ao Parquet no presente
momento para as alegações derradeiras.

Em alegações finais, o Ministério Público requereu a


condenação do acusado (ID 9511938718).

Eis o resumo do necessário.

2. FUNDAMENTOS:
2.1 ATIPICIDADE DA CONDUTA:
Sobre o delito em análise, de plano, independente de discussão
sobre a ciência ou não da existência das munições da residência, o que será reservado
para tese subsidiária, sustenta a atipicidade da conduta.

Sobre o delito descrito no art. 12 da Lei 10.826/03, importante


ponderar que a posse de munição de uso permitido é atípica seja pela ausência de
possibilidade da prática de crime contra a incolumidade pública, seja pela presunção de
boa-fé que deve ser extraída dos arts. 30 e 32 da mesma legislação penal especial.

Na primeira hipótese, temos que levar em consideração a


“Teoria da Imputação Objetiva” que equaciona uma relação jurídica entre a conduta, um
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risco permitido e um resultado jurídico prescrito em lei.


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Aplicar a Teoria da Imputação Objetiva significa imputar a
alguém realização de uma conduta criadora de um relevante risco juridicamente
proibido e a produção de um resultado jurídico prescrito em lei. É uma teoria que vem a
complementar a teoria finalista 1 , que utiliza a teoria dos equivalentes causais 2 para
delimitar as fronteiras entre o penalmente permitido e o proibido.

Para verificar se determinada pessoa cometeu um crime, a teoria


da imputação objetiva oferece quatro elementos ou condições que devem estar presentes
na conduta do sujeito ativo: 1) causalidade material entre a conduta e o
resultado; 2) criação de um risco ao bem jurídico relevante e juridicamente não
autorizado; 3) resultado jurídico advindo do risco; 4) correspondência entre o resultado
jurídico e o perigo juridicamente desaprovado.

Dessa forma, a causalidade prevista na teoria finalista, tipicidade


objetiva e subjetiva (dolo e culpa), torna-se uma condição mínima, devendo a ela
agregar-se a relação normativa entre o comportamento do sujeito ativo e a produção do
resultado. A Teoria da Imputação Objetiva vem preencher essa lacuna entre o
comportamento do sujeito ativo e o resultado ou risco que se produziu advindo dessa
conduta.
O crime de posse de arma ou munição é um crime de mera
conduta. Logo, inexiste resultado material, não se podendo aplicar a primeira condição
da Teoria da Imputação Objetiva. Ora, é evidente que não há relação de causalidade
objetiva entre possuir uma arma e produzir um resultado material. Entretanto, existe o
resultado jurídico daquele que ilegalmente porta arma de fogo ou munição, que é o
perigo de lesão à coletividade.

A conduta do agente de portar uma arma de fogo não carregada


ou o simples fato de portar munição não pode ser visto como uma ameaça a sociedade

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Para os Finalistas, dolo e culpa são elementos psicológicos que compõem a conduta, ligando o agente ao seu fato. O dolo e culpa
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são os elementos que compõem o tipo subjetivo, quando não estão presentes, ocorre atipicidade e, portanto, não existe crime.
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Também chamado de teoria da equivalência dos antecedentes afirma que todos os fatos que concorrem para a eclosão do evento
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devem ser considerada causa deste. Basta que a ação tenha sido condição para o resultado, mesmo que tenha concorrido para o
evento de outros fatos, a ação é a causa e o agente é o causador dele. Dessa forma, para os finalistas, só pratica conduta típica quem
age com dolo ou culpa.

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ou uma agressão a incolumidade pública, porque não houve um resultado jurídico na
mera conduta do agente.

Uma arma descarregada ou a simples posse de munição nunca


gera a potencialidade de causar dano a incolumidade pública, porque uma arma
descarregada ou simples posse de munição não são objetos aptos para agredir um bem
jurídico.

Destarte, a arma descarregada ou a simples posse de munição


não podem gerar a tipicidade do fato previsto no art. 12 e art. 14 da Lei 10.826/03,
porque o meio (arma descarregada ou somente a munição) é inviável para lesionar a
objetividade jurídica tutelada pelos dispositivos.

A potencialidade lesiva do artefato bélico é necessária para que


haja crime contra a incolumidade pública. Sem a potencialidade lesiva, não existe
criação de risco relevante (2ª Condição da Teoria da Imputação Objetiva) e, sem risco
relevante, sequer poderemos falar em resultado jurídico da conduta do agente.

Nesse sentido:

EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto,


desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta
disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97:
atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial
aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato
criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não
se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação -
não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva
ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de
fato. 2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral
do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é
necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da
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ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma


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a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo

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abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios
gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de
prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura
criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a
incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de
disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do
tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar,
ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação
para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis
mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem
utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte
não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa
especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo
desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio
de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada,
mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora
significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo,
tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a
munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a
imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é,
como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a
figura típica. (RHC 81057, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 25/05/2004, DJ 29-04-2005 PP-00030 EMENT
VOL-02189-02 PP-00257 RTJ VOL-00193-03 PP-00984)

Já em relação à segunda hipótese, os artigos 30 e 32 da Lei n°


10.826/03 previram o prazo de 180 dias para que os possuidores e proprietários
regularizassem ou entregassem suas armas de fogo e seus petrechos.

Tal prazo foi sucessivamente prorrogado, sendo certo que esta


abolitio criminis foi estendida inclusive pelo Decreto nº 7.473/2011, que alterou o
Decreto no 5.123/2004, regulamentador daquela Lei, abrangendo as condutas de possuir
e manter sob guarda arma de fogo, acessório ou munição, na residência ou no local de
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trabalho, in verbis:
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"Art. 69. Presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários de
armas de fogo que espontaneamente entregá-las na Polícia Federal ou
nos postos de recolhimento credenciados, nos termos do art. 32 da Lei
no 10.826, de 2003."

Diante disso, a melhor interpretação é aquela que conclui pela


atipicidade da conduta 'possuir' prevista tanto no art. 12 quanto no art. 16, ambos da Lei
n° 10.826/03, já que se presume a boa-fé de que o acusado entregaria a arma e seus
petrechos.

Aliás, este vem sendo o entendimento do Tribunal de Justiça de


Minas Gerais:

EMENTA: PENAL. PRELIMINAR. INÉPCIA DA DENÚNCIA.


INOCORRÊNCIA. TRÁFICO DE ENTORPECENTE.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. IMPOSSIBILIDADE.
AUTORIA E DESTINAÇÃO MERCANTIL DEMONSTRADAS.
CONDENAÇÃO MANTIDA. CAUSA ESPECIAL DE
DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4.º DO ARTIGO 33.
APLICABILIDADE. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE
DIREITOS. POSSIBILIDADE. POSSE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO E MUNIÇÃO. ABOLITIO CRIMINIS. ABSOLVIÇÃO.
ATIPICIDADE. 1. Atendendo a denúncia de forma satisfatória os
requisitos do art. 41, do CPP, expondo o fato criminoso, bem como
trazendo a qualificação do denunciado e a classificação do crime a ele
imputado, não há que se falar em sua inépcia. 2. Havendo elementos
suficientes para demonstrar a autoria e a destinação mercantil do
entorpecente, não há como acolher a pretensão de desclassificação do
delito para o do artigo 28 da Lei 11.343/06. 3. Presentes os requisitos
subjetivos e objetivos previstos no parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei
11.343/2006, deve ser aplicada a minorante. 4. É possível o
abrandamento do regime de cumprimento de pena e a sua substituição,
quando reconhecida a referida causa especial de diminuição de pena.
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5. Constatando-se desproporção entre a análise das circunstâncias


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judiciais e a pena-base fixada, deve proceder-se ao devido ajuste. 6. A


posse de arma de fogo e munição, no interior da residência, sem
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autorização e em desacordo com a disposição legal está
temporariamente coberta pela abolitio criminis, em observância ao
Decreto 7.473/2011.
1.0704.11.006368-9/001 Relator(a): Des.(a) Maria Luíza de Marilac
Data da publicação da súmula: 23/11/2012
EMENTA: APELAÇÃO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.
ABOLITIO CRIMINIS. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE. A posse de
arma de fogo, no interior de residência, sem autorização e em
desacordo com a disposição legal está temporariamente coberta pela
abolitio criminis, em observância ao Decreto 7.473/2011.
V.V.
1.0079.09.942211-9/001 Relator(a): Des.(a) Fortuna Grion Data da
publicação da súmula: 13/11/2012

No mesmo sentido vem decidindo o Egrégio TJRS:

Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE ACESSÓRIO DE


ARMA DE FOGO. A CONDUTA DE POSSUIR/MANTER SOB
GUARDA ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO, AINDA QUE DE
USO RESTRITO, RESTOU ABARCADA PELA ABOLITIO
CRIMINIS. ARTIGO 32, DA LEI Nº 10.826/03. PORTARIA Nº
797/2011, DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, E DECRETO Nº
7.473/2011. ARTIGO 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO
MANTIDA. APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. (Apelação
Crime Nº 70044007045, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em
22/08/2012)

Assim, requer-se a absolvição do acusado em razão da


atipicidade da conduta.

2.2 MÉRITO:
Superada a questão acima, o que não se espera, no mérito, pede-
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se a absolvição do acusado porque a munição não lhe pertencia e ele sequer sabia de sua
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existência dentro da residência.

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Nos termos de sua oitiva perante a Autoridade Policial, o
acusado informou o seguinte:

(...) QUE o declarante nega que antes da chegada da


Polícia Militar em sua casa houvesse uma munição calibre
.38 em cima da geladeira, e afirma que não recolheu isso
no local; QUE viu a munição quando um Policial Militar
saiu d quarto e retirou a munição do bolso e que queria
arma de qualquer jeito, caso contrário prenderiam sua
esposa e entregariam seu filho ao conselho tutelar; QUE o
declarante nega a propriedade da munição apreendida em
questão, não sabendo dizer de quem seja (...)

Assim, não sendo o proprietário da munição e não sabendo que


a mesma estava em sua casa, defendendo a tese de que foi plantada no local, pede-se a
absolvição do acusado.

Nestes termos, pede e espera deferimento.

Nesses Termos, Pede Deferimento.

Martinho Campos/MG, 21 de junho de 2.022.

RENATO ARAÚJO CÉSAR


OAB/MG 171.386
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