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DO
CURSO DE DIREITO PENAL1
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Elaborado por Hermenegildo Da Silva (jurista, docente de Direito Penal, pôs-graduado
em agregação pedagógica para docentes universitários, consultor jurídico e defensor
oficioso).
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Iº MÓDULO: ESPÉCIES DE INFRACÇÃO PENAL: CRIME,
CONTRAVENÇÃO E/OU ILÍCITOS DE MERA ORDENAÇÃO
SOCIAL;
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O critério, inicialmente, para que possamos pensar na
transformação das contravenções e transgressões administrativas em
ilícitos de mera ordenação social é o da valoração ético social das
condutas. Sem razões objectivas, o Código Penal – artigo 7.º e artigos
142.º e segts – e o Código de Processo Penal – artigos 300.º e 437.º e segts
– mantêm as contravenções no leque das infracções de natureza penal ao
lado dos crimes.
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A lei referindo-se ao ilícito de mera ordenação social, omitindo toda
a referência à figura das contravenções, ela deixa entender claramente
que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que têm de
ser tratadas de acordo com a natureza que tiverem – criminal ou mera
ordenação social2.
Essa teoria surgiu com Glaser e v. Buri em meados do séc. XIX, pois
a acção há-de, ao menos, ter sido causa do resultado. A premissa básica
desta teoria é a de que causa de um resultado é toda a condição sem a
qual o resultado não teria tido lugar, ou seja, todas as condições são
causas para produzir o resultado, pois sem essas causas o resultado não
se verificaria.
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Tenhamos como exemplo a morte de Pedro; serão causas dessa morte
o facto de Lucas ter uma arma e com ele ter dado dois tiros ao Pedro, o
facto da Julbertina ter fabricado essa arma e o facto de o taxista André
ter levado o Lucas ao encontro de Pedro, pois sem qualquer uma dessas
condições não teria sido possível a morte de Pedro nas concretas
condições de modo, de tempo e de lugar que efetivamente ocorreu. O juiz
tenderá, pois claro, de suprimir mentalmente cada uma das causas que
deram lugar ao resultado.
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iv) A aplicação deste critério tornaria, também, inútil para apurar
se o facto de se alimentar o gado bovino com rações animais e
com isso provocar nele a doença das “vacas loucas”, cuja carne
foi ingerida por pessoas que posteriormente contraíram a
síndroma de Creutzfeld-Jakobs e dela vieram a morrer, terá sido
condição sine qua non destas mortes;
v) É fonte de situações de desigualdades e injustiças, pois num
mesmo cenário em que uma pessoa empurra, com a mesma
força, duas pessoas: um morre porque sofria de hepatite em
estado adiantado, sem que o agente soubesse e outro nem
sequer se magoa com o empurrão. É injusto e desigual
responsabilizar o agressor por homicídio pela morte do primeiro
indivíduo, pois a sua acção não foi suficiente para produzir o
resultado;
vi) Não distingue entre causa típica, acidental, causal ou atípica
nem o que é necessário do contingente.
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infância, que desconheça mas que tivesse obrigação de conhecer
– pela ficha médica que lhe foi entregue e que ela não leu – que
dá uma leve pancada na cabeça da criança com crânio trepano.
Embora esta crítica não inviabiliza a teoria da causalidade
adequada, ela levante o problema de saber e provar-se se o
agente sabia ou tinha obrigação de saber que a vítima tinha
aquela deficiência.
2. A teoria da causalidade adequada, ainda nas críticas se aduzem
contra ela, conduziria a imputar o resultado, mesmo que a
intervenção de terceiro não fosse previsível, admitindo o nexo
causal em abstrato apagando toda a ideia de que o nexo causal
deve analisar-se em concreto. Assim, se A deixa uma arma
carregada junto dos colegas adultos e, posteriormente, estes
começam a brigar, aproveitando-se um deles da arma para
disparar sobre um outro, não se pode imputar a lesão de um
bem jurídico ao A, pois que, no momento em que este deixa a
arma, a briga posterior não era previsível, como também não se
pode considerar provável que, mesmo brigando, um deles
utilizasse a arma, mas se fosse previsível – A tenha deixado a
arma em local onde contenha crianças – já se lhe imputaria o
resultado à acção.
3. Uma terceira crítica que podemos apresentar é que ela não
permite excluir a imputação objectiva nas hipóteses de risco
permitido. São os casos de acções que, por serem socialmente
necessárias, são permitidas, mas acções estas que, segundo a
experiência, são adequadas a produzir o resultado típico.
Sirvam de exemplos a circulação rodoviária e o transporte de
materiais perigosos...
Terceiro piso: teoria da conexão do risco
5 Américo Taipa de Carvalho não partilha desta opinão defendida por Figueiredo Dias
nos seguintes termos e condições “por um lado, a exclusão da imputação, na perspectiva
jurídico penal, resulta logo do facto de não haver desvalor de acção no empurrão dado
pelo A, pois que ele na exigível perspectiva ex ante até é valioso – tal como é a amputação
da perna pelo cirurgião para salvar a vida do amputado. Ora, segundo Taipa, a
imputação jurídico-penal do resultado à acção pressupõe, no mínimo, desvalor desta.
Isto é, onde não houver desvalor da acção, não há lugar a imputação jurídico-penal do
resultado. Para ele, mesmo que se considerasse como típica de lesões corporais a acção
do empurrão – se ela for considerada típica segundo a teoria da causalidade adequada,
também o terá de ser segundo a teoria da conexão do risco – a exclusão da ilicitude não
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QUAIS AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE INTERROMPEM O NEXO DE
CAUSALIDADE?
i) Circunstâncias pré-existentes;
ii) Acções acidentais de terceiros;
iii) Factos da Natureza.
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em estado avançado e não pelo empurrão de A, aqui se pode vislumbrar
uma causa atípica a ligação entre conduta do agente – empurrão – e o
resultado – morte – logo, a conduta de A não é adequada para produzir o
evento sendo assim se retira no mar da responsabilidade penal face a
morte de B.
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i) Razão teórica; no sentido de que ela é uma realidade,
esquecendo a configuração dela como “ficção” conforme nos
habituou Mota Pinto em sede de Teoria Geral do Direito Civil.
Esta realidade é capaz de preencher o tipo objectivo e o tipo
subjectivo da norma penal em alusão ao princípio do “alter-ego”,
segundo qual os actos da pessoa física é como se fossem e são
os actos da pessoa colectiva, agi em nome dela;
ii) Razão prática; é inquestionável o número exacerbado de
práticas criminais perpetradas pelas pessoas colectivas que, de
longe, merecem a intervenção do direito penal.
Quanto ao autor;
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crimes comuns, crimes específicos – próprios e impróprios – e crimes de
mão própria.
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agravar, v.g. o art. 405.º sobre o abuso de confiança
qualificado, o art. 150.º cujas circunstâncias modificativas
estão nas suas alíneas7.
iii) O crime de mão própria tem merecido uma
atenção especial da doutrina. O mérito desta designação
coube a BINDNG e têm sido largamente estudados por
ROXIN na sua importante obra Täterschaft und Täterschaft.
JAKOBS entende os crimes de mão própria como aqueles que
“o tipo de ilícito consiste na realização física de uma acção
reprovável, e em que a essência do ilícito radica numa atitude
defeituosa do agente relativamente aos seus deveres
pessoalíssimos”. Para TERESA BELEZA, os crimes de mão
própria “são aqueles cuja definição legal torna impensáveis
em qualquer forma de autoria que não seja directa, imediata,
material, dado que a acção descrita só é susceptível de ser
praticada por mão própria, isto é, com o próprio corpo como
o perjúrio, bigamia e alguns crimes sexuais”. GERMANO
MARQUES DA SILVA define estes crimes como sendo
“aqueles que só podem ser praticados pela própria pessoa
que reúna as qualidades que a lei exige como elemento do
próprio crime”, embora pareça que esta definição assemelha
aos crimes específicos, se virmos bem. FIGUEIREDO DIAS
entende que os crimes de mão própria “são aqueles em que
o preceito legal quer abranger como autores apenas aqueles
que levam a cabo a acção através da sua própria pessoa, não
através de outrem, querendo abranger apenas os autores
imediatos, ficando excluída a possibilidade da autoria
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mediata; e mesmo co-autoria relativamente àqueles
comparticipantes que não tenha chegado a executar por
próprias mãos a conduta típica”. Os crimes de mão livre
podem elevar-se a uma categoria autónoma de crimes? Há,
no Código Penal, crimes de mão livre? Neste quesito,
corroboramos AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO nos
seguintes termos e condições: “os chamados crimes de mão
própria não constituem uma categoria autónoma de crimes;
se, no passado, houve razões para autonomizar e atribuir um
regime específico, em matéria de comparticipação, a
determinados crimes de dever, hoje, a partir da centralização
do direito penal no facto e na tutela de concretos bens
jurídicos, deixa de haver razão para tratar esses tradicionais
crimes de mão própria com um regime diferente dos normais
crimes específicos...”.
Quanto à conduta
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consumação, exige-se a ocorrência do resultado e, a título de
exemplo, temos o art. 159.º cuja consumação só se verifica
com a ofensa à integridade física de uma pessoa. Em
contraposição, temos os crimes formais cujo resultado é
dispensável, bastando que haja a conduta do agente, de
outro modo, o resultado não é elemento do tipo de ilícito. O
crime consuma-se independentemente da produção do
resultado como, por exemplo, é o caso da omissão de auxílio
nos termos do artigo 208.º do CP.
ii) Outra subcategoria dos tipos de tipicidade é aquela que
separa os crimes de resultado sob a forma de comissão por
acção, a omissão pura e os crimes de resultado sob a forma
de comissão por omissão. Os primeiros, geralmente são
cometidos por acção – enquanto comportamento humano
dominado ou dominável pela vontade cuja a exteriorização
lesa ou põe em perigo de lesão bens jurídicos tutelados pela
norma penal – em que o agente é punido porque praticou um
facto humano, típico, ilícito, culposo e punível, v.g., art.
187.º; o segundo, tem como condão o facto do tipo estiver
directamente descrito na lei e o agente é punido
independentemente do resultado, é punido por não ter feito
nada: ele estava obrigado a ter determinada conduta que
omitiu, v.g., art. 209.º; o terceiro, são aqueles em que a
omissão se equipara à acção e essa equiparação só acontece
nos crimes materiais, de forma livre, em que recaia sobre o
agente o dever pessoal de evitar o resultado típico, portanto
só se configurará agente deste tipo de tipicidade quem tenha
um dever que o obrigue pessoalmente, ou seja, que tenha um
dever garante.
iii) Os crimes de execução livre são aqueles em que o iter criminis
não assume qualquer relevância e, por seu turno, nos crimes
de execução vinculada o modo de execução vem descrito no
tipo. Assim, se a burla – art. 417.º - é um crime de execução
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vinculada, porque só o comete quem age, na linguagem da
lei, “usando de qualquer meio astucioso ou enganoso”, já o
homicídio – art. 147.º - é um crime de execução livre, pois ao
tipo é indiferente a forma como o resultado morte é
provocado.
Quanto ao bem jurídico
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agora, torna-se infértil, bastando que haja, simplesmente, a
colocação em perigo do bem jurídico, ou seja, basta que se crie
situações em que seja possível a lesão efectiva dos bens jurídicos
protegidos. Há a possibilidade de perigo e não o perigo efectivo.
Em boa razão, podemos entender os crimes de perigo como
aqueles que se consumam independentemente da lesão efectiva
do bem jurídico, pois tão-somente necessita da mera colocação
em perigo do bem jurídico. Podemos até desenhar: A põe fogo
em casa de B, que estava de viagem em Chicala-Choloanga,
mesmo que o resultado danoso – imaginemos a intenção de lhe
matar – aconteça, o tipo está preenchido com a simples
colocação em perigo, dispensa-se a lesão efectiva, vide alínea a)
do art. 277.º. Os crimes de perigo podem bifurcar-se em:
a) Crimes de perigo concreto: é quando o perigo é elemento do tipo
incriminador e ele só se realiza quando o bem jurídico tenha sido
posto, efetivamente, em perigo. Se, no caso, não houver situação
de perigo, não há crime. A colocação em perigo do bem jurídico
resulta da própria actividade. Por exemplo, o art. 203.º (abandono
de pessoa), o elemento do tipo é o “colocar em perigo a vida de outra
pessoa”, portanto só estaremos diante de um crime de abandono
de pessoa quando se comprovar que a vida, enquanto bem jurídico,
foi realmente posto em perigo.
b) Crime de perigo abstrato: funciona quando o perigo não é
elemento do tipo incriminador, mas motivo de proibição apenas. O
legislador presume que certa conduta é perigosa sem a necessidade
de ser comprovada “in locus”. Há, aqui, uma presunção iuris et de
iure. É o caso do art. 306.º (condução de veículo rodoviário em
estado de embriaguez) em que o condutor embriagado é punido
pelo facto de o estado em que se encontra constituir um perigo
potencial para a segurança rodoviária, entre outros exemplos.
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É constitucionalmente aceite os crimes de perigo abstrato?
8Costa, Faria, ob.cit, pág 646; Mendonza Buergo, Blanca, Limites dogmáticos y político-
criminales de los delitos de peligro abstrato, 2001, pág 42 e segts e Rodriguez Mourullo,
Limitaciones del derecho penal del medio ambiente: alternativas politico-criminales in
Tutela Jurídica do Meio Ambiente: Presente e Futuro, I Jornadas Luso-Espanholas de
Direito Penal, 2005, pág 159 e segts.
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circunstâncias agravantes – dão lugar aos crimes qualificados –
e as circunstâncias atenuantes – dão azo aos crimes
privilegiados. Podemos até desenhar; pensa em um corpo – é o
tipo fundamental – e esse corpo tem dois braços um que agrava
a ilicitude ou a culpa – este é o crime qualificado – e outro que
atenua a ilicitude e a culpa – este é o crime privilegiado. O
exemplo de escola é o homicídio – que é um tipo fundamental –
dele, caso haja circunstâncias agravantes, por exemplo, se a
vítima for o pai, torna o homicídio qualificado (alínea a) do art.
150.º). Se for a mãe que, sob influência perturbadora do estado
puerperal, matar o filho – por concorrem circunstâncias
atenuantes – ganha um novo “nomines iuris” infanticídio e, por
inerência, torna-se um crime privilegiado. Mais uma vez, vamos
desenhar: A matou B. Matar é crime nos termos do art. 147.º
cuja moldura penal é de 14 a 20 anos. Se B for pai de A, isso
agrava a sua pena para 20 a 25 anos por causa da circunstância
“pai/ascendente” e o homicídio deixa de ser simples para ser
qualificado. Se B for filha e a mãe matá-la estando num estado
puerperal, a pena é atenuada até 3 anos e deixa de ser crime de
homicídio para ser infanticídio. Outro exemplo que podemos
avançar, também, é em relação ao furto (393.º), roubo (402.º) e
abuso de confiança (405.º) que também podem existir
circunstâncias agravantes que lhes tornam crimes qualificados.
5. Os tipos dependentes têm como apanágio o auxílio da parte geral
para que estejam completos, ou seja, são tipos penais da parte
especial não autónomos, que dependem da parte geral. Pensemos na
tentativa de homicídio que, para se preencher, tem de depender do
art. 20.º que fala sobre a tentativa. Falaríamos também da frustração,
mas ela deixou de existir no novo paradigma jurídico penal angolano
como forma de facto típico, pertencendo na tentativa, quando ela for
completa.
6. Os crimes instantâneos diferem dos crimes permanentes ou
duradouros consoante a realização do acto. Se a consumação do facto
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típico se realizar com um acto, dir-se-á crime instantâneo, a título de
exemplo, o furto consuma-se no momento que se dá a subtração da
coisa. Se, por vontade do autor, a consumação do crime prolongar-se
no tempo, tratar-se-á de crimes permanentes ou duradouros nos
termos do art. 174.º.
7. São crimes habituais àqueles que haja conduta reiterada do agente
para que se realize o tipo incriminador segundo o art. 189.º.
i) Elemento intelectual;
ii) Elemento volitivo.
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fundando a vontade de realizar o tipo (Cfr. Stratenwerth, Direito Penal –
Parte Geral, I, pág. 146 e seguintes).
9 Há, certamente, vários tipos de dolos que a doutrina tem se ocupado. Citamos, na
esteira de Benja Satula, UCAN, II.º Semenste, 8, mais três para completar o estudo:
1) Dolo genérico: Representação e vontade do facto ilícito; não inclui, em geral, a
exigência de um determinado fim subjectivo para além da realização do próprio
facto ilícito.
2) Dolo específico: Representação e vontade do facto ilícito, acresce-se a exigência
de um determinado fim subjectivo do agente (prazer de matar, obter para si,
intenção destruir).
3) Dolo de perigo: é a vontade de criar tão-somente o evento de perigo.
10 Da Silva, Germano Marques, ob.cit, vol II, pág 165
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necessária/inevitável e ser-lhe-á imputada a título de dolo
indirecto ou necessário e a morte do pai a título de dolo directo.
Domina agora o conhecimento.
iii) Há dolo eventual quando o agente prevê a realização do facto
típico como consequência possível acabando, mesmo assim, por
se conformar com o resultado. Corroboramos Henriques Eiras e
Guilhermina Fortes (Cfr. Dicionário de Direito Penal e Processo
Penal, 3ª Edição, Editora Quid Juris, 2010, pág. 292-293) na
medida em que o dolo eventual consiste na previsão da
possibilidade de realização do facto típico e conformação com
ela. O agente aceita como possível a realização do facto que
preenche o tipo e conforma-se com essa realização. Com a sua
conduta prevê o resultado nocivo, não se importando se este se
concretiza ou não. O agente não tem como objectivo final certa
consequência – apanágio do dolo directo – nem a vê como
resultado necessário do seu acto – sina do dolo necessário – mas
admite que aconteça: prevê como possível que a sua conduta
realize o facto típico e conforma-se com essa possibilidade.
Desenhando, o agente prevê o resultado, que não persegue,
mas, entre continuar a agir e deixar de fazê-lo para evitar o
resultado, escolhe agir, assumindo o risco, ou seja, o agente
assume o risco de produzir o resultado. A título meramente
exemplificativo, pensa-se na pessoa que, sabendo que na casa
do vizinho fica sempre um mendigo, ateia fogo sabendo que,
possivelmente, venha a atingir o mendigo, mas age
conformando-se com o resultado.
Tal decisão parte da ideia de que o dolo pressupõe algo mais do que
o conhecimento do perigo da realização do facto típico. O agente pode,
apesar de um tal conhecimento, confiar, embora levianamente, em que o
11 Para termos o dolo eventual, além da mera representação do facto como possível, se
requeira uma qualquer represetação qualificada, ou seja, requer-se que a representação
assuma a forma de probabilidade, ou mesmo de uma probabilidade relativamente alta.
Duas são as dificuldades que fazem coxear essa teoria:
i) A primeira é a de determinar com um mínimo de exatidão o grau de
possibilidade/probabilidade de verificação do facto necessário à afirmação
do dolo do tipo;
ii) A segunda é a de o agente, apesar da improbabilidade de realização do tipo,
poder tomar a firme decisão de a alcançar.
12 Nesta via se pergunta se o agente, apesar da representação da realização típica como
possível, aceitou intimamente a sua verificação, ou pelo menos revelou a sua indiferença
perante ela (dolo eventual); ou se, pelo contrário, a repudiou intimamente, esperando
que ela se não verificasse (negligência consciente). Em jeito de exemplo, o conhecido
caso Lacmann, que a doutrina alemã se dedica imensamente, acaba por ser o ideal neste
momento: A aposta com B que é capaz de quebrar com um tiro um copo que uma
rapariga, C, segura na mão, sem todavia a atingir; mas acaba por a ferir numa mão. A
está consciente de que pode errar o tiro e atingir C mas, naturalmente, espera que tal
não aconteça, para assim ganhar a aposta e se envaidecer com a sua pontaria. Mesmo
que A sinta como um mal a realização típica, pode ele considerar a sua possibilidade
como um mal menor, que de todo o modo se dispõe a aceitar: nisto residiria
precisamente a decisão, fundamentadora do dolo do tipo, contra a norma de
comportamento. Neste contexto, a jurisprudência alemã começou a referir-se a uma
aceitação em sentido jurídico sempre que o agente – em vista da finalidade prosseguida,
nomeadamente por não poder alcançá-la de outro modo – se resigna com a possibilidade
de que a sua acção venha a ter o efeito indesejado (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, ob.cit,
pág. 369 a 371)
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preenchimento do tipo se não verificará e age então só com negligência
consciente. Essa conformação, ensina-nos Roxin, significa que o agente
tome a sério o risco de (possível) lesão do bem jurídico, que entre com ele
em contas e que, não obstante, se decida pela realização do facto.
13Cfr. Teresa Beleza, 2.º, pág. 216; Cavaleiro de Ferreira, vol I, pág. 293; Eduardo
Correia, vol I, pág. 378; Germano Marques da Silva, vol II, pá. 166.
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importa saber o que é que o agente teria previsto. O que interessa é a sua
atitude real, o que é que ele previu perante a possibilidade de realização
do facto típico.
14 Há, basta olhar atentamente na doutrina, vários tipos de erros quer sejam
relaventes, quer irrelevantes, tais como:
Erro sobre a adequação: de forma incipiente, visto que a adequação no âmbito
dos crimes de resultado faz parte do tipo legal, exlui o dolo. Assim, se o agente
pensa que a sua conduta não é adequada a produzir o resultado morte, quando
efectivamente o é, o agente não será punível por crime de homicídio doloso,
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i) Erro sobre o objecto (error in persona vel objecto)
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correctamente, a identidade do objecto atingido, só que vem a atingir um
objecto tipicamente diferente do objecto que quis atingir. A título
exemplificativo, A pretende matar B com um tiro, mas este vir a atingir
não B, mas C; ou o de D procurar destruir uma coisa a tiro, mas este
acabar por não atingir a coisa, mas sim uma pessoa que estava perto e
que fica ferida ou morta.
Já ouve, diga-se, muito debate ao redor deste tema dado artigo 29.º
do Código Penal de 1886. Hoje, cessaram os debates e há quase que
unanimidade em relação ao assunto, que podem, claramente, resumir-se
em três hipóteses:
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relação ao crime projectado em concurso efectivo com o crime
realizado a título de negligência. Existe intenção - desvalor
de acção - não consumada e pune-se pela intenção
consumada - crime projectado -, ou pune-se por furto
simples. Mas, se ela pensava que o anel era de latão e o anel
afinal era valioso? Existe erro relevante, não existe dolo
porque ela não tinha a noção do valor - não existe furto
qualificado -, nem por dolo nem por negligência, sendo certo
que não existe dolo por negligência. Existe furto simples,
implica representação e vontade de subtrair bem alheio de
acordo o artigo 392.º
iii) No caso do erro na execução, a doutrina hoje largamente
dominante (Cfr. Jorge Figueiredo Dias, ob.cit, pág. 361 a 363)
entende que o agente responderá sempre por tentativa do
crime projectado em concurso efectivo com o crime
efectivamente praticado a título de negligência, no caso,
crime de dano em concurso com homicídio negligente.
Noutros termos, a acção falha o seu alvo e apresenta por isso
a estrutura da tentativa. A produção do outro resultado, que
tanto podia não ter lugar como ser de outra gravidade, só
pode eventualmente conformar um crime negligente. A
punição deve por isso ter lugar só por tentativa ou por
concurso desta com um crime negligente; é a chamada teoria
da concretização.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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