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Processo nº 0000006-01.2022.2.00.0000
Autor: Joana de Sousa Lima
Réu: Lúcio Tavares
Vistos, etc.
Em observância aos parâmetros do artigo 357, do CPC, procedeu-se à devida análise
aos autos do processo em epígrafe, para efetuar saneamento do processo.
Não havendo situação de alta complexidade objetiva que justificasse a convocação
de audiência de saneamento, passo a fixar os pontos controvertidos do processo em
gabinete. Divergindo as partes, indiquem, no prazo do art. 357, § 1º, do CPC, sob pena
de preclusão, razões concretas que justifiquem a convocação da dita audiência.
i) DA REGULARIDADE PROCESSUAL
SENTENÇA
1. DO RELATÓRIO:
A autora argumenta, em síntese, que seu esposo, Paulo Nobre, se submeteu a uma
cirurgia para resolver um problema do ronco e veio a óbito em virtude de um choque
anafilático causado por reação alérgica ao medicamento naproxeno.
Alega que procuraram um especialista no caso e o médico, ora réu, informou que
por meio de um pequeno procedimento cirúrgico, rápido, realizado a laser, sem risco e com
rápida recuperação, não mais roncaria e deixaria de atrapalhar o sono de sua esposa.
Afirma ainda que o médico deixou de prestar as informações necessárias sobre o
risco da cirurgia e, que tendo conhecimento do histórico médico de seu marido, deveria saber
da alergia, agindo com imperícia e, portanto, causando a morte do paciente.
Neste ponto aduz a autora que diante da prestação de serviços realizada haveria
relação de consumo entre o de cujus e o réu, assim, seria aplicável o Código de Defesa do
Consumidor, e, ainda, que a própria autora figuraria como consumidora equiparada, pois teria
intervindo na relação de consumo supracitada. Requer assim, o reconhecimento da relação de
consumo e a inversão do ônus da prova, pois alega ser a parte hipossuficiente da relação.
O requerido por sua vez aduz que o Código de Defesa do Consumidor seria
inaplicável ao presente caso e ainda que o ônus da prova pertenceria a autora uma vez que é a
detentora do direito, nos termos do art. 373, I do CPC, incumbe à parte promovente o ônus de
fazer prova do fato constitutivo de seu direito.
Analisa-se.
[...] a regra do art. 6º, inciso VIII, do CDC, que estabelece como direito básico do
consumidor: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive, com a inversão do
ônus da prova [...]”. Veja que é objetivo claro estabelecido no CDC propiciar ao
consumidor a facilitação de seu direito de ação. Não está expresso no referido
dispositivo que essa facilitação da defesa se dará, inclusive, com o foro privilegiado.
Entretanto, vê-se que o inciso VIII apenas exemplifica situações, como da inversão
do ônus da prova, que pode facilitar a defesa do consumidor. Exemplifica por quê?
Exatamente porque a inversão do ônus da prova é uma situação que está em sintonia
com a facilitação de sua defesa. Observe-se que o legislador só manda inverter o
ônus da prova, quando ficar provada a hipossuficiência do consumidor ou a
verossimilhança da alegação.1
1
KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597026443/. Acesso em: 16 set. 2022.
da prova viola as premissas acima indicadas, é necessário que a
decisão seja ajustada.2
Por todo o exposto, são parcialmente procedentes os pedidos autorais neste ponto,
deferindo-se o pedido quanto ao reconhecimento da relação de consumo entre o de cujus, o
requerido e a autora enquanto consumidora equiparada, porém, no que tange à inversão do
ônus da prova, o pleito resta indeferido diante do pedido genérico e sem comprovação de
verossimilhança e sua hipossuficiência.
Analisa-se.
2
TJ-DF 07308725320218070000 DF 0730872-53.2021.8.07.0000, Relator: ESDRAS NEVES, Data de
Julgamento: 26/01/2022, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 03/02/2022 . Pág.: Sem Página
Cadastrada.
3
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 13ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022, página 403.
OLHO DIREITO. GLAUCOMA E DIABETES PREEXISTENTES.
CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA
PERICIAL INDIRETA. DIVERSOS EXAMES MÉDICOS. IMPROCEDÊNCIA.
SENTENÇA MANTIDA. 1. O autor conta que, no ano de 2009, fez uma cirurgia
oftalmológica no olho direito para remoção de pterígio, popularmente conhecido
como ?carne no olho? ou ?carne crescida?. 2. A prova documental submetida à
perícia médica indireta comprova que, ao contrário do alegado, o autor já tinha
graves problemas de visão antes da realização do procedimento cirúrgico,
especialmente no olho direito, portanto, suficiente e conclusiva para o deslinde da
demanda, não acarretando cerceamento do direito de defesa, tendo em vista que não
haveria necessidade de diligência física do apelante, o qual outrora fora submetido a
vários exames médicos após o procedimento oftalmológico, sendo que em todos eles
restou constatada a cegueira total no olho direito, em virtude de quadro pretérito de
glaucoma, sem nenhuma associação à cirurgia de pterígio. 3. Outrossim, a conclusão
pericial infirma o depoimento da única testemunha ouvida em juízo, a qual se
limitou a dizer que ?não tinha conhecimento de que o autor tinha problemas de visão
antes da cirurgia?. 4. Nesse descortino, diante da solidez do conjunto probatório
carreado aos autos, escorreita a sentença ao julgar improcedentes os pedidos iniciais,
haja vista que foi oportunizada a realização de ampla produção de provas
(documental, testemunhal e pericial), de maneira que, assim como na instância
originária, esta Corte Revisora julga desnecessária qualquer outra prova para o
julgamento do mérito da ação. 5. Importante ressaltar que, incontestavelmente, o
caso em estudo não se trata de julgamento antecipado da lide, quando o juiz sequer
oportuniza às partes a indicação das provas que pretendem produzir embora assim
tenha requerido o autor, ou seja, não houve o alegado cerceamento do direito de
defesa. 6. A concessão de aposentadoria por invalidez ao autor somente comprova o
estado de cegueira do olho direito, fato incontroverso e que ensejou o deferimento
do benefício, sem, contudo, apontar nenhum nexo de causalidade com eventual erro
médico, até porque isso é irrelevante para a análise do pedido previdenciário perante
o INSS. 7. São pressupostos da responsabilidade civil, com o consequente dever de
indenizar, a existência concomitante de ato ilícito, culpa do agente e dano causado à
vítima, além do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, nos moldes dos
artigos 186 e 927, Código Civil. 8. Assim, rompeu-se o nexo de causalidade entre o
dano e a eventual conduta dos recorridos, haja vista que inexiste elemento probatório
demonstrando que houve falha na prestação do serviço médico contratado.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.4
Nesse sentido, por se tratar o réu de um médico no exercício de sua profissão, este
será considerado um profissional liberal, sendo necessário, portanto, a prova de sua culpa para
que seja conferida a sua responsabilização, motivo pelo qual não assiste razão à autora.
4
TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO - Recursos - Apelação Cível 0160311-16.2011.8.09.0175, Rel.
Des(a). Aureliano Albuquerque Amorim, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, julgado em
30/08/2021, DJe de 30/08/2021
Apesar das afirmações autorais, a promovente em nenhum momento faz prova de
suas alegações, visto que em sua inicial, anexa apenas o atestado de óbito do paciente. Já o
promovido, em contrapartida, junta aos autos (fls. 17) a ficha de anamnese do de cujus,
demonstrando que este não informou problemas de saúde no momento oportuno, motivo pelo
qual procedeu normalmente com a cirurgia.
Diante do exposto, percebe-se que a autora ao trazer à baila o narrado, atraiu para
si o ônus de comprovar a responsabilidade civil do profissional liberal pela morte de seu
esposo, contudo, não se desincumbiu de seu ônus probatório satisfatoriamente, não
comprovando documentalmente seu pleito, pelo que improcede a responsabilidade imputada
ao réu.
Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que
a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela
conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e
efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo
sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não
correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal.
Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente;
que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito,
possa ser considerado causa daquele.7
5
STJ, REsp 992.821-SC, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, Revista Consultor Jurídico, 24-9-2012.
6
TJ-AC - AC: 07028045820218010001 AC 0702804-58.2021.8.01.0001, Relator: Des. Laudivon Nogueira,
Data de Julgamento: 05/05/2022, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 13/05/2022
7
FILHO, Sergio C. Programa de Responsabilidade Civil. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN,
2020. E-book. ISBN 9788597025422. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597025422/. Acesso em: 16 set. 2022. Página
55.
clínico de seu cônjuge, deveria saber da alergia causadora do óbito, o que seria uma falha no
dever de informação, posto que o profissional teria repassado informações genéricas, sem
detalhar as especificidades do caso, obtendo assim um "blanket consent”.
Fortaleza/CE
16 de setembro de 2022