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DECISÃO DE SANEAMENTO

Processo nº 0000006-01.2022.2.00.0000
Autor: Joana de Sousa Lima
Réu: Lúcio Tavares

Vistos, etc.
Em observância aos parâmetros do artigo 357, do CPC, procedeu-se à devida análise
aos autos do processo em epígrafe, para efetuar saneamento do processo.
Não havendo situação de alta complexidade objetiva que justificasse a convocação
de audiência de saneamento, passo a fixar os pontos controvertidos do processo em
gabinete. Divergindo as partes, indiquem, no prazo do art. 357, § 1º, do CPC, sob pena
de preclusão, razões concretas que justifiquem a convocação da dita audiência.

i) DA REGULARIDADE PROCESSUAL

- A peça contestatória, bem como a réplica da parte autora


revertem-se de tempestividade, vez que interpostas no prazo
legal, nos termos do art. 335, 350 e 351 do Código de Processo
Civil.
- Defere-se o pedido preliminar de segredo de justiça, nos
termos do art. 89, §2º do Código de Ética Médica e art. 189 do
CPC, sobretudo por constar nos autos relatório médico e
anamnese do de cujus.

ii) DA FIXAÇÃO DOS PONTOS CONTROVERTIDOS E DA


DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

- As partes divergem, na presente lide, acerca da aplicabilidade


do Código de Defesa do Consumidor, da responsabilidade civil
do profissional médico e, consequentemente, da indenização
pelos danos morais e materiais sofridos pela autora.
- Defere-se a produção de todas as provas admitidas em
Direito.
- Aplicar-se-á diante do caso concreto a distribuição normal do
ônus da prova, nos termos do art. 373 do Código de Processo
Civil, incumbindo à promovente a prova quanto aos fatos
constitutivos de seu direito e, ao réu, quanto à existência de
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
DECISÃO
Esclarecendo que a fixação dos pontos controvertidos e a atribuição do ônus de
prova é feita, no saneamento, sem examinar as provas já existentes nos autos, reservo-
me referida análise para a sentença.
Dito isto, sem outras questões para analisar, dou o feito por saneado.

Fortaleza/CE, 16 de setembro de 2022

Gabrielle Rodrigues do Monte Marcel Leonardo Fonseca Almeida


Juíza da 32ª Vara Cível Juiz da 32ª Vara Cível

Matheus Fernandes Campos Victória Laís Bezerra da Cunha


Juiz da 32ª Vara Cível Juíza da 32ª Vara Cível
Processo nº 0000006-01.2022.2.00.0000
Autor: Joana de Sousa Lima
Réu: Lúcio Tavares

SENTENÇA

1. DO RELATÓRIO:

Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E


MORAIS PELO RITO COMUM, ajuizada por JOANA DE SOUSA LIMA, em face de
LÚCIO TAVARES, todos devidamente qualificados nos autos em epígrafe.

A autora argumenta, em síntese, que seu esposo, Paulo Nobre, se submeteu a uma
cirurgia para resolver um problema do ronco e veio a óbito em virtude de um choque
anafilático causado por reação alérgica ao medicamento naproxeno.

Alega que procuraram um especialista no caso e o médico, ora réu, informou que
por meio de um pequeno procedimento cirúrgico, rápido, realizado a laser, sem risco e com
rápida recuperação, não mais roncaria e deixaria de atrapalhar o sono de sua esposa.
Afirma ainda que o médico deixou de prestar as informações necessárias sobre o
risco da cirurgia e, que tendo conhecimento do histórico médico de seu marido, deveria saber
da alergia, agindo com imperícia e, portanto, causando a morte do paciente.

Por fim, requereu a procedência da ação, bem como a condenação da ré ao


pagamento de indenização por danos materiais e morais num quantum equivalente à R$
21.700,00 (vinte e um mil e setecentos reais), além dos devidos pagamentos das custas
processuais e honorários advocatícios sucumbenciais.

O réu, por sua vez, apresentou contestação, impugnando os pedidos suscitados na


exordial. Nessa perspectiva, alega que informou que toda cirurgia tem riscos, mas que essa
por ser de pequeno porte não apresentaria tantos riscos como outras de maior porte.

Argumenta que antes de qualquer procedimento, o paciente deve preencher um


completo questionário, informando, dentre outras coisas, se tem ou não algum tipo de alergia,
e que foi respondido negativamente, juntando inclusive fotocópia do documento em questão,
requerendo, por fim, a improcedência da demanda.

Em cumprimento ao princípio do contraditório, foi dado à parte autora o direito de


se manifestar no prazo legal de 15 (quinze) dias, tendo-o feito.

Ressalta-se que as partes participaram de audiência de mediação/conciliação,


ocorrida em 22/08/2022 às 8h50, entretanto, não logrou-se êxito, porquanto ambas as partes
não aceitaram qualquer acordo, não havendo mediação/conciliação.

É o breve relatório. Passo a DECIDIR.


2. DA FUNDAMENTAÇÃO:

2.1 - DA RELAÇÃO DE CONSUMO E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Neste ponto aduz a autora que diante da prestação de serviços realizada haveria
relação de consumo entre o de cujus e o réu, assim, seria aplicável o Código de Defesa do
Consumidor, e, ainda, que a própria autora figuraria como consumidora equiparada, pois teria
intervindo na relação de consumo supracitada. Requer assim, o reconhecimento da relação de
consumo e a inversão do ônus da prova, pois alega ser a parte hipossuficiente da relação.

O requerido por sua vez aduz que o Código de Defesa do Consumidor seria
inaplicável ao presente caso e ainda que o ônus da prova pertenceria a autora uma vez que é a
detentora do direito, nos termos do art. 373, I do CPC, incumbe à parte promovente o ônus de
fazer prova do fato constitutivo de seu direito.

Analisa-se.

Diante da prestação de serviço do réu ao de cujus vislumbra-se uma relação de


consumo, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, por se inclui a
cirurgia perseguida pelo paciente como produto e serviço que o consumidor utiliza como
destinatário final.

Ademais, por força do artigo 29 do CDC , considera-se consumidor equiparado


aquele que, embora aparentemente estranho à relação de consumo, venha a sofrer reflexos
oriundos desta, ou seja, sofra os efeitos negativos da atuação abusiva do fornecedor no
mercado. No presente caso, em decorrência do óbito do consumidor, seu cônjuge, a autora
restou atingida pelo ônus da possível falha na prestação do serviço.

Nas palavras de Paulo R. Roque A. Khouri :

[...] a regra do art. 6º, inciso VIII, do CDC, que estabelece como direito básico do
consumidor: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive, com a inversão do
ônus da prova [...]”. Veja que é objetivo claro estabelecido no CDC propiciar ao
consumidor a facilitação de seu direito de ação. Não está expresso no referido
dispositivo que essa facilitação da defesa se dará, inclusive, com o foro privilegiado.
Entretanto, vê-se que o inciso VIII apenas exemplifica situações, como da inversão
do ônus da prova, que pode facilitar a defesa do consumidor. Exemplifica por quê?
Exatamente porque a inversão do ônus da prova é uma situação que está em sintonia
com a facilitação de sua defesa. Observe-se que o legislador só manda inverter o
ônus da prova, quando ficar provada a hipossuficiência do consumidor ou a
verossimilhança da alegação.1

Nesse cenário, o Código de Defesa do Consumidor considera um dos direitos


básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, nos termos do art. 6º, inciso
VIII do referido código, assim, carecendo a parte de autora de meios para produção adequada
de provas, a inversão do ônus da prova é medida que se faz necessária.

Entretanto, o presente pleito autoral carece de especificação quanto a prova que


pretende produzir, e que assim necessitaria da inversão do ônus da prova, solicitando ao juízo
uma inversão genérica.

Ademais, a mera existência de relação de consumo entre as partes não autoriza a


automática inversão do ônus da prova. No presente caso, embora verificada a relação de
consumo havida entre as partes, não há que se cogitar a inversão do ônus da prova se não
demonstrada a verossimilhança das alegações da autora, nem a sua hipossuficiência,
financeira ou técnica, para produzir a prova necessária à comprovação de seu direito.

Nesse sentido, vejamos como a jurisprudência vem entendendo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E


DO CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
ANÁLISE DA PRESENÇA DOS REQUISITOS EM RELAÇÃO A
CADA PONTO CONTROVERTIDO. DINAMIZAÇÃO GENÉRICA.
A inversão do ônus da prova, em demandas fundadas no diploma legal
consumerista, não ocorre de forma automática [...]. A incidência das
normas consumeristas também não atrai a inversão irrestrita do ônus
da prova, sendo papel do magistrado ponderar, à luz dos pontos
controvertidos e do preenchimento dos requisitos estabelecidos no
dispositivo em destaque, em qual medida promoverá a inversão. Se, na
situação concreta, restou demonstrado que a inversão genérica do ônus

1
KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2020. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597026443/. Acesso em: 16 set. 2022.
da prova viola as premissas acima indicadas, é necessário que a
decisão seja ajustada.2

Por todo o exposto, são parcialmente procedentes os pedidos autorais neste ponto,
deferindo-se o pedido quanto ao reconhecimento da relação de consumo entre o de cujus, o
requerido e a autora enquanto consumidora equiparada, porém, no que tange à inversão do
ônus da prova, o pleito resta indeferido diante do pedido genérico e sem comprovação de
verossimilhança e sua hipossuficiência.

2.2 - DA NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Inicialmente, a promovente invoca contra o réu a tese da responsabilidade civil


objetiva, alegando que o fornecedor/prestador de serviços deverá ser responsabilizado por
suas ações e omissões independente de culpa.

Analisa-se.

É sabido que a regra geral do CDC é a responsabilidade civil objetiva, entretanto,


o diploma legal comporta uma exceção, qual seja, a responsabilidade dos profissionais
liberais, a qual será verificada mediante a apuração de culpa ou dolo, nos termos do art. 14,
§4º da Lei 8.078/90.

“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a


verificação de culpa”.

Vejamos o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema:

(...) Essa é a única exceção ao sistema da responsabilidade civil objetiva instituída


pelo CDC. A finalidade mais evidente da norma é submeter o chamado profissional
liberal à obrigação de indenizar com base na responsabilidade subjetiva, isto é, por
apuração de culpa ou dolo.3

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS. ERRO


MÉDICO. CIRURGIA OFTALMOLÓGICA. PTERÍGIO. CEGUEIRA TOTAL NO

2
TJ-DF 07308725320218070000 DF 0730872-53.2021.8.07.0000, Relator: ESDRAS NEVES, Data de
Julgamento: 26/01/2022, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 03/02/2022 . Pág.: Sem Página
Cadastrada.
3
NUNES, Rizzato. Curso de direito do consumidor. 13ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2022, página 403.
OLHO DIREITO. GLAUCOMA E DIABETES PREEXISTENTES.
CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA
PERICIAL INDIRETA. DIVERSOS EXAMES MÉDICOS. IMPROCEDÊNCIA.
SENTENÇA MANTIDA. 1. O autor conta que, no ano de 2009, fez uma cirurgia
oftalmológica no olho direito para remoção de pterígio, popularmente conhecido
como ?carne no olho? ou ?carne crescida?. 2. A prova documental submetida à
perícia médica indireta comprova que, ao contrário do alegado, o autor já tinha
graves problemas de visão antes da realização do procedimento cirúrgico,
especialmente no olho direito, portanto, suficiente e conclusiva para o deslinde da
demanda, não acarretando cerceamento do direito de defesa, tendo em vista que não
haveria necessidade de diligência física do apelante, o qual outrora fora submetido a
vários exames médicos após o procedimento oftalmológico, sendo que em todos eles
restou constatada a cegueira total no olho direito, em virtude de quadro pretérito de
glaucoma, sem nenhuma associação à cirurgia de pterígio. 3. Outrossim, a conclusão
pericial infirma o depoimento da única testemunha ouvida em juízo, a qual se
limitou a dizer que ?não tinha conhecimento de que o autor tinha problemas de visão
antes da cirurgia?. 4. Nesse descortino, diante da solidez do conjunto probatório
carreado aos autos, escorreita a sentença ao julgar improcedentes os pedidos iniciais,
haja vista que foi oportunizada a realização de ampla produção de provas
(documental, testemunhal e pericial), de maneira que, assim como na instância
originária, esta Corte Revisora julga desnecessária qualquer outra prova para o
julgamento do mérito da ação. 5. Importante ressaltar que, incontestavelmente, o
caso em estudo não se trata de julgamento antecipado da lide, quando o juiz sequer
oportuniza às partes a indicação das provas que pretendem produzir embora assim
tenha requerido o autor, ou seja, não houve o alegado cerceamento do direito de
defesa. 6. A concessão de aposentadoria por invalidez ao autor somente comprova o
estado de cegueira do olho direito, fato incontroverso e que ensejou o deferimento
do benefício, sem, contudo, apontar nenhum nexo de causalidade com eventual erro
médico, até porque isso é irrelevante para a análise do pedido previdenciário perante
o INSS. 7. São pressupostos da responsabilidade civil, com o consequente dever de
indenizar, a existência concomitante de ato ilícito, culpa do agente e dano causado à
vítima, além do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, nos moldes dos
artigos 186 e 927, Código Civil. 8. Assim, rompeu-se o nexo de causalidade entre o
dano e a eventual conduta dos recorridos, haja vista que inexiste elemento probatório
demonstrando que houve falha na prestação do serviço médico contratado.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.4

Nesse sentido, por se tratar o réu de um médico no exercício de sua profissão, este
será considerado um profissional liberal, sendo necessário, portanto, a prova de sua culpa para
que seja conferida a sua responsabilização, motivo pelo qual não assiste razão à autora.

Assim, subsidiariamente, é alegado imprudência e negligência na conduta do


profissional da saúde, afirmando a requerente que o mesmo não verificou o histórico do
paciente, tendo utilizado na cirurgia compostos aos quais o falecido era alérgico.

Mais uma vez, não lhe assiste razão.

4
TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO - Recursos - Apelação Cível 0160311-16.2011.8.09.0175, Rel.
Des(a). Aureliano Albuquerque Amorim, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, julgado em
30/08/2021, DJe de 30/08/2021
Apesar das afirmações autorais, a promovente em nenhum momento faz prova de
suas alegações, visto que em sua inicial, anexa apenas o atestado de óbito do paciente. Já o
promovido, em contrapartida, junta aos autos (fls. 17) a ficha de anamnese do de cujus,
demonstrando que este não informou problemas de saúde no momento oportuno, motivo pelo
qual procedeu normalmente com a cirurgia.

Diante do exposto, percebe-se que a autora ao trazer à baila o narrado, atraiu para
si o ônus de comprovar a responsabilidade civil do profissional liberal pela morte de seu
esposo, contudo, não se desincumbiu de seu ônus probatório satisfatoriamente, não
comprovando documentalmente seu pleito, pelo que improcede a responsabilidade imputada
ao réu.

2.3 - DO NEXO DE CAUSALIDADE

Conforme relatado alhures, a autora alegou que a responsabilidade civil do réu


seria objetiva, contudo ao caso tela, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva, nos
moldes do art. 14, §4º da Lei 8.078/90, e no qual deveria o autor indicar todos os elementos
que indicam sua caracterização: conduta, resultado, nexo de causalidade e culpa.

Ocorre que, a autora demonstrou na inicial apenas elementos que consubstanciam


a existência de uma conduta, que seria o procedimento cirúrgico realizado pelo requerido, e
um resultado danoso, o evento morte de seu cônjuge, contudo seu pedido carece de provas
que evidenciam o nexo de causalidade, e muito menos de qual elemento subjetivo que indique
uma possível culpa do profissional, requisitos indispensáveis para ensejar uma possível
reparação.

Corrobora o exposto, os julgados a seguir, acerca dos elementos da


responsabilidade civil e seus requisitos:

“Médico – Responsabilidade pessoal – Exigência de comprovação da culpa – O


insucesso do tratamento – clínico ou cirúrgico – não importa automaticamente o
inadimplemento contratual, cabendo ao paciente comprovar a negligência,
imprudência ou imperícia do médico – O erro culpável precisa ter relação de causa e
efeito com o dano, devendo ser avaliado com base em atuação de médico diligente e
prudente”5

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR.


RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE.
ELEMENTO NÃO DEMONSTRADO. DEVER DE INDENIZAR NÃO
CARACTERIZADO. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Ainda que se trate de
responsabilidade civil objetiva, é imprescindível para a caracterização do dever de
indenizar a presença dos elementos clássicos relacionados à conduta do agente, ao
dano e ao nexo de causalidade. 2. Por não comprovado o nexo de causalidade a
demonstrar que o alegado dano fora causado pela conduta atribuída à apelada, é de
se concluir não caracterizada a responsabilidade civil. 3. Apelação desprovida. 6

Ante o exposto, independentemente do tipo de responsabilidade, a prova do nexo


causal é imprescindível, sem o qual não haverá o dever de indenizar. Não é suficiente ao
requerente apenas a prova da conduta geradora e do dano. É essencial que se prove o nexo de
causa e efeito entre a conduta e o dano.

Esse ônus, no presente caso, é da parte interessada na reparação civil, ou seja, da


autora, posto que não configurada a hipótese de inversão do ônus probatório, logo aplica-se a
regra do art. 373, I do CPC, no qual prescreve que “ o ônus de prova incumbe: ao autor,
quanto ao fato constitutivo de seu direito”.

Assim, para Sérgio Cavalieri Filho:

Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que
a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela
conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e
efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo
sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não
correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal.
Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente;
que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito,
possa ser considerado causa daquele.7

No caso em epígrafe, a autora alega que o requerido deixou de prestar as


informações necessárias sobre o risco da cirurgia e, que por ter conhecimento do histórico

5
STJ, REsp 992.821-SC, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, Revista Consultor Jurídico, 24-9-2012.
6
TJ-AC - AC: 07028045820218010001 AC 0702804-58.2021.8.01.0001, Relator: Des. Laudivon Nogueira,
Data de Julgamento: 05/05/2022, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 13/05/2022
7
FILHO, Sergio C. Programa de Responsabilidade Civil. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN,
2020. E-book. ISBN 9788597025422. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597025422/. Acesso em: 16 set. 2022. Página
55.
clínico de seu cônjuge, deveria saber da alergia causadora do óbito, o que seria uma falha no
dever de informação, posto que o profissional teria repassado informações genéricas, sem
detalhar as especificidades do caso, obtendo assim um "blanket consent”.

Contudo, conforme alegado na contestação, em toda cirurgia há riscos, o que


muda somente são os tipos de riscos e suas consequências, e o requerido informou ao Sr.
Paulo Nobre de todos os riscos e da a importância de constar no questionário de anamnese a
existência de alguma alergia, além dos riscos de um choque anafilático.

Entretanto, conforme as provas anexadas pela defesa, especificamente o


questionário de anamnese preenchido e assinado pelo Sr. Paulo Nobre, além de este dar
ciência de tudo que estava sendo informado, preencheu o formulário atestando que não
possuía nenhuma alergia, o que prova que houve um consentimento esclarecido para a
realização do procedimento.

Nessa linha de intelecção, verifica-se que o resultado morte decorreu de um


choque anafilático, que por sua vez decorreu de alguma reação alérgica, proveniente da
ingestão de alguma medicação ou alimento.

Portanto, demonstrado pelo requerido que foram informados todos os riscos do


procedimento e tendo o profissional agido com a diligência e prudência necessária, além de
que no momento da cirurgia, constatada a ocorrência de um choque anafilático todas as
medidas de primeiros socorros foram tomadas para salvar o paciente, julgo improcedente a
ação no pedido de condenação pelo pagamento de danos morais e materiais, haja vista que
não configurado o nexo de causalidade e a culpa do réu.

2.4 - DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS

Diante de todo o exposto, não vislumbra-se o cabimento de indenização por danos


materiais e morais, visto que não foi comprovado nos autos a responsabilidade civil da parte
ré, havendo, na realidade, uma excludente, qual seja, a culpa exclusiva da vítima, em razão de
não ter exposto para o profissional a respeito de sua alergia, motivo pelo qual veio a óbito.
3. DO DISPOSITIVO:

ISTO POSTO, JULGO POR SENTENÇA PARA QUE PRODUZA TODOS


SEUS EFEITOS LEGAIS, PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS AJUIZADA EM DESFAVOR DE
LÚCIO TAVARES, RECONHECENDO A RELAÇÃO CONSUMERISTA EXISTENTE,
PORÉM, INDEFERINDO OS DEMAIS PEDIDOS AUTORAIS, NOS TERMOS DA
FUNDAMENTAÇÃO SUPRA.

Neste passo, condeno a autora aos pagamentos das custas processuais e


honorários advocatícios de sucumbência no quantum de 10% do valor da causa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Aguarde-se o trânsito em julgado, em caso de não interposição de Recursos,


arquive-se os autos.

Fortaleza/CE
16 de setembro de 2022

Gabrielle Rodrigues do Monte Marcel Leonardo Fonseca Almeida


Juíza da 32ª Vara Cível Juiz da 32ª Vara Cível

Matheus Fernandes Campos Victória Laís Bezerra da Cunha


Juiz da 32ª Vara Cível Juíza da 32ª Vara Cível

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