Você está na página 1de 4

DIREITO PENAL I

CASOS PRÁTICOS — FINS DAS PENAS

Caso I
Certo dia, António Andrade (“AA”) entrou à força no escritório da advogada Bárbara Bastos
(“BB”), sito em Albufeira, agarrou-a e, enquanto lhe apontava uma arma de fogo, apropriou-se de
bens de BB no valor de € 3.300 (três mil e trezentos euros).

Após a realização de julgamento no Tribunal Judicial de Albufeira, AA foi condenado pela prática
de crime de roubo, previsto e punido nos termos dos artigos 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), e 204.º,
n.º 2, alínea e), do Código Penal, a uma pena de prisão de 5 anos e 6 meses.

Inconformado com esta decisão, AA recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, peticionando
que a pena fosse alterada para uma pena de prisão de 5 anos e 6 meses, suspensa na sua execução.
Em sequência, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu o seguinte Acórdão:

“Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. RELATÓRIO
AA, com os sinais dos autos, foi condenado pelo Tribunal Coletivo do 3º Juízo do Tribunal
Judicial de Albufeira na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de
roubo, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência o art. 204º, nº 2, e), ambos do
Código Penal (CP). Dessa decisão recorreu o arguido para este Supremo Tribunal.
Alega AA que as circunstâncias do caso e as suas circunstâncias pessoais tornam exagerada
a pena aplicada pelo Tribunal. Para o efeito, salientou que nunca antes havia sido
criminalmente condenado, que foi sempre um trabalhador honesto, que está bem inserido
social e familiarmente, que tem um filho menor. Mais alegou que a pena aplicada em nada
contribuirá para a sua reinserção social. Conclui pedindo a substituição da pena aplicada por
uma pena de prisão de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução.
O Ministério Público respondeu a este Recurso, peticionando que fosse mantida a pena de
prisão aplicada pelo Tribunal de Albufeira.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Importa considerar os seguintes factos:
O arguido AA agiu voluntária, livre e conscientemente. O arguido AA não confessou os
factos e não tem antecedentes criminais.
O arguido AA vem de um contexto familiar desfavorecido, muito embora trabalhando ambos
os progenitores, residindo em bairros problemáticos também. Frequentou a escola sem
grande empenho, iniciando a vida laboral cedo, acabando por ingressar no serviço militar e,
quando terminado este, começando a trabalhar como manobrador de máquinas. Tem um
filho menor de uma relação passada. Pratica culturismo e boxe. Vive no agregado familiar
de origem, com os pais e irmão.
DIREITO PENAL I
CASOS PRÁTICOS — FINS DAS PENAS

Pretende o recorrente, como vimos, a redução da pena para 3 anos e 6 meses de prisão. Ora,
a medida da pena deve ser fixada em função da culpa e das exigências de prevenção, sendo
a culpa o limite inultrapassável da pena e a prevenção o fundamento da sua aplicação (arts.
40º e 71º do CP). Na determinação concreta da pena, deve atender-se a todas as
circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, favoreçam ou desfavoreçam o agente,
nomeadamente a ilicitude, o modo de execução do crime e a gravidade das suas
consequências, a intensidade do dolo, os fins que determinaram o crime, as condições
pessoais do agente e a conduta posterior aos factos art. 71º, nº 2, do CP).
Analisando a matéria de facto, constata-se de imediato um complexo de circunstâncias
fortemente desfavorável ao recorrente. Na verdade, a ilicitude dos factos é elevada e é
intenso o dolo. O arguido penetrou na casa da ofendida na sua ausência, apropriou-se dos
objetos, e, quando a ofendida entrou, não se perturbou com a sua presença, antes a afrontou
de imediato, imobilizando-a, ameaçando-a verbalmente e com uma arma de fogo,
arrancando-lhe, de seguida, diversos objetos em ouro que trazia no próprio corpo. Esta
conduta revela frieza de atuação, desprezo pela pessoa da ofendida e um ânimo apropriativo
muito intenso. Beneficia o recorrente apenas do facto de não ter antecedentes criminais
(tendo 32 anos à data dos factos).
Neste tipo de criminalidade as exigências da prevenção geral são especialmente intensas. A
salvaguarda da “paz doméstica” é desde logo uma necessidade elementar. Mas quando a
perturbação desse valor é acompanhada de violência contra as pessoas para a apropriação de
bens, a necessidade de proteção do bem jurídico é ainda maior. A proliferação de crimes de
roubo no interior das residências, sempre em progressão nos últimos anos (ver Relatório de
Segurança Interna de 2011, pp. 81-83), constitui um fator poderoso de indução de um
sentimento de segurança na generalidade das pessoas, perturbando a sua vida quotidiana, a
sua qualidade de vida. A confiança dos cidadãos na salvaguarda dos bens jurídicos afetados
por este tipo de crime exige, pois, uma pena suficientemente dissuasora de nova violação da
norma infringida.
A pena concreta fixada, numa moldura de 3 a 15 anos de prisão, situando-se num nível
inferior ao meio dessa moldura, satisfaz os interesses da prevenção geral e não ultrapassa a
medida da culpa. Deve, por isso, ser mantida a pena já aplicada.

III. DECISÃO
Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida”.

— Analise os argumentos utilizados pelo Supremo Tribunal de Justiça, identificando quais os


argumentos referentes à prevenção geral, à prevenção especial e à culpa.
DIREITO PENAL I
CASOS PRÁTICOS — FINS DAS PENAS

Caso II
Jean Valjean, desempregado e sem dinheiro, apercebendo-se da fome dos seus sobrinhos, e incapaz
de conseguir arranjar um emprego na sua cidade, decide furtar o padeiro, seu vizinho. Para o efeito,
parte a janela da cozinha da casa do padeiro e, uma vez no seu interior, apropria-se de dois pães,
que entrega aos sobrinhos esfomeados.
Dias depois, Jean Valjean foi acusado da prática de crime de furto qualificado, nos termos do artigo
204.º, n.º 1, alínea f), do Código Penal. Apesar dos argumentos de defesa que apresentou perante
o Tribunal, foi condenado a uma pena de prisão efetiva de 4 anos.
Inconformado, recorreu desta decisão para o Tribunal Superior. O Tribunal Superior, no entanto,
decidiu manter a pena já aplicada, argumentando, para o efeito, e unicamente, que as exigências
de prevenção geral eram elevadíssimas, considerando o período de crise e a onda de furtos de
comida que vinham assolando a comunidade em tempos recentes.

— Pronuncie-se sobre a decisão do Tribunal Superior, identificando e concretizando os critérios


legais de determinação da medida da pena à luz do Código Penal.
DIREITO PENAL I
CASOS PRÁTICOS — FINS DAS PENAS

Caso III
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, veio prever, segundo o seu artigo 1.º, “[…] uma amnistia de
infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”. Dispõe o
artigo 2.º, n.º 1, da referida Lei: “[e]stão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas
aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre
16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.

— Pronuncie-se sobre a legitimidade material da amnistia, considerando, entre o mais, os textos


dos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 152/95 e 510/98.

Você também pode gostar