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Ministério Público

Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO

Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da


União

Com fundamento no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e nos


artigos 237, inciso VII, e 276, caput, do Regimento Interno do Tribunal de
Contas da União, aprovado pela Resolução 155/2002, o Ministério Público
junto ao TCU oferece

REPRESENTAÇÃO,

com o propósito de que o Tribunal, no cumprimento de suas competências


constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública federal,
decida pela adoção das medidas necessárias a apurar irregularidade na
gestão ambiental do governo federal, inferida a partir da notícia a seguir
transcrita, no sentido da omissão quanto ao dever da União de promover
políticas de proteção ao meio ambiente.

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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
Ministério Público
Gabinete do Subprocurador-Geral LUCAS ROCHA FURTADO

- II -

A notícia acima referida foi publicada em 7/7/2020, nos termos


que se seguem, no site do jornal Folha de S.Paulo
(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/07/empresas-enviam-carta-
a-mourao-pedindo-combate-ao-desmatamento-leia-a-integra.shtml):

Empresas enviam carta a Mourão pedindo combate ao


desmatamento; leia a íntegra

Companhias alertam para prejuízos com imagem negativa do país


no exterior e sugerem ações

SÃO PAULO e BRASÍLIA

Um grupo formado por 36 companhias e quatro organizações


empresariais protocolou nesta segunda-feira (6), junto à Vice-
Presidência da República e ao Conselho Nacional da Amazônia
Legal, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão, uma carta
pedindo o combate “inflexível e abrangente” ao desmatamento
ilegal na Amazônia e demais biomas brasileiros.

No documento, as empresas demonstram preocupação com a atual


percepção negativa da imagem do Brasil no exterior, devido às
questões socioambientais.

“Essa percepção negativa tem um enorme potencial de prejuízo


para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas de
forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos
fundamentais para o país”, escrevem os signatários.

As companhias também sugerem ações para aplacar a reação


negativa de investidores e consumidores estrangeiros.

Entre elas, além do combate ao desmatamento, estão propostas


como a inclusão social e econômica de comunidades locais para
garantir a preservação das florestas; a minimização do impacto
ambiental no uso dos recursos naturais; a adoção de mecanismos
de negociação de créditos de carbono; e pacotes de incentivos para
a recuperação econômica dos efeitos da pandemia da Covid-19,
condicionada a uma economia circular e descarbonizada.

"Precisamos fazer as escolhas certas agora e começar a


redirecionar os investimentos para enfrentamento e recuperação da
economia brasileira em um modelo de economia circular, de baixo

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carbono, e inclusiva, em que não há controvérsias entre produzir e


preservar", afirmam os empresários. "Caso contrário, corremos o
risco de ficarmos à margem da nossa própria história."

Segundo o grupo, o documento também será protocolado no STF


(Supremo Tribunal Federal), Senado Federal, Câmara dos
Deputados e na PGR (Procuradoria Geral da República).

"Já recebi a carta dos empresários. Este grupo tem mantido contato
comigo há algum tempo e todos os pontos que estão colocados ali,
naquele documento, vão de encontro aos objetivos do Conselho da
Amazônia", disse Mourão. "Então, estamos fechados, juntos."

O vice-presidente também comentou a decisão do MPF


(Ministério Público Federal) que, na segunda-feira (6) pediu que a
Justiça Federal afaste Ricardo Salles do comando do Ministério do
Meio Ambiente.

O pedido faz parte de uma ação civil pública movida por 12


procuradores da República, que acusam Salles de "desestruturação
dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente".

Para Mourão, este tipo de processo "não tem condição de


prosperar porque coloca que o ministro incorre numa improbidade
administrativa", então, para o vice-presidente trata-se de "algo que
é mais político que qualquer outra coisa".

"Essa ação contra o ministro Salles, acho que vai só incomodar",


afirmou.

No Senado, congressistas aprovaram nesta terça-feira um


requerimento de convite para que o vice-presidente da República
falar sobre o desmatamento da Amazônia.

O requerimento é de autoria da senadora Eliziane Gama


(Cidadania-MA).

A participação de Mourão, por meio de audiência virtual, será na


próxima terça-feira (14). A data foi fechada com intermédio do
líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

Confira a carta na íntegra:

Neste momento, em que enfrentamos uma situação extrema,


extraordinária e excepcional, é muito importante manter a
serenidade e o equilíbrio para que possamos superar e sair
fortalecidos dos desafios que se apresentam. Em nenhum momento
da história o futuro da humanidade e do planeta dependeu tanto
da nossa capacidade de entendimento de que vivemos em um
único planeta e de que a nossa sobrevivência está diretamente
ligada à preservação e valorização dos seus recursos naturais.

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Os impactos sociais e econômicos causados em escala global e de


forma inédita pela pandemia da COVID-19 nos advertem que a
consumação de riscos associados à quebra do equilíbrio
ecossistêmico traz consequências devastadoras quando
negligenciados, tal como vem ocorrendo com o risco climático
apontado pelo Fórum Econômico Mundial ano após ano, desde
2012.

Cientes disso, o setor empresarial brasileiro, por meio de


instituições e empresas dos setores industrial, agrícola e de
serviços, vêm hoje reafirmar seu compromisso público com a
agenda do desenvolvimento sustentável.

Particularmente, esse grupo acompanha com maior atenção e


preocupação o impacto nos negócios da atual percepção negativa
da imagem do Brasil no exterior em relação às questões
socioambientais na Amazônia. Essa percepção negativa tem um
enorme potencial de prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto
de vista reputacional, mas de forma efetiva para o
desenvolvimento de negócios e projetos fundamentais para o país.

Nesse contexto, esse grupo coloca-se à disposição do Conselho da


Amazônia para contribuir com soluções que tenham foco nos
seguintes eixos:

• Combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na


Amazônia e demais biomas brasileiros;

• Inclusão social e econômica de comunidades locais para


garantir a preservação das florestas;

• Minimização do impacto ambiental no uso dos recursos naturais,


buscando eficiência e produtividade nas atividades econômicas
daí derivadas;

• Valorização e preservação da biodiversidade como parte


integral das estratégias empresariais;

• Adoção de mecanismos de negociação de créditos de carbono;

• Direcionamento de financiamentos e investimentos para uma


economia circular e de baixo carbono; e

• Pacotes de incentivos para a recuperação econômica dos efeitos


da pandemia da COVID-19 condicionada a uma economia
circular e de baixo carbono.

Algumas das empresas signatárias já desenvolvem soluções de


negócios que partem da bioeconomia, com valor agregado e

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rastreabilidade dos produtos, inclusive, na Amazônia. De um lado,


entendemos que é possível dar escala às boas práticas a partir de
políticas consistentes de fomento à agenda ambiental, social e de
governança. De outro, é necessário adotar rigorosa fiscalização
de irregularidades e crimes ambientais na Amazônia e demais
biomas brasileiros.

Temos a oportunidade única, os recursos e o conhecimento para


dar escala às boas práticas e, mais do que isso, planejar
estrategicamente o futuro sustentável do Brasil. Precisamos fazer
as escolhas certas agora e começar a redirecionar os
investimentos para enfrentamento e recuperação da economia
brasileira em um modelo de economia circular, de baixo carbono,
e inclusiva, em que não há controvérsias entre produzir e
preservar. Em nosso entendimento, esse é o melhor caminho para
fincarmos os alicerces do país para as próximas gerações. Caso
contrário, corremos o risco de ficarmos à margem da nossa
própria história.

Lembro, antes de tudo, que em janeiro deste ano propus


representação para que o TCU analisasse em detalhes a baixa execução
orçamentária do Ministério do Meio Ambiente e os impactos ambientais
dela decorrentes, conforme indicadores que apontei naquela oportunidade.
Depois disso, em inúmeras ocasiões voltei a requerer a atenção
do TCU acerca da omissão do governo quanto à obrigação estatal de
proteger o meio ambiente em face de diversos indícios de que o governo,
por razões que ora não nos cumpre determinar exatamente, negligencia a
questão ambiental, tendo já sido inclusive acusado pelo Ministério Público
Federal de desmonte doloso da estrutura de fiscalização. A mais recente
delas tem apenas dois dias, evento no qual apontei a execução
insignificante do orçamento relativamente às ações de combate ao
desmatamento na Amazônia no âmbito da chamada operação Verde Brasil
2.
Nesse contexto, depois de tantas ocorrências que exigiram o
oferecimento de representação ao TCU relativamente à matéria da proteção
ao meio ambiente, é sem surpresa que tomo conhecimento de que
particulares buscam suprir e estimular a atuação da União para ações nessa
área, numa espécie de fomento às avessas.
A carta dos empresários acima transcrita pode ser lida como mais
uma advertência acerca do persistente imobilismo do governo
relativamente ao dever constitucional de o Estado proteger o meio
ambiente. Serve também como alerta quanto ao risco de que a omissão do

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governo no que toca à promoção de políticas públicas de preservação do


meio ambiente e de desenvolvimento econômico sustentável induza
atividades depredatórias em prejuízo não só do ecossistema, mas dá própria
atividade econômica brasileira, inserida no mercado global e
progressivamente desmoralizada internacionalmente em face dos desastres
ambientais cada vez mais frequentes e favorecidos pelo desmonte doloso
da respectiva estrutura de fiscalização promovida pelo atual governo,
com a participação ativa do ministro do Meio Ambiente Ricardo de
Aquino Salles, que está sendo acusado, inclusive perante a Justiça
Federal por ato de improbidade pelo Ministério Público Federal. Nessa
ação, o MPF pede também o afastamento do ministro do Meio
Ambiente.
Com efeito, o governo, de um lado, afrouxa a fiscalização, e de
outro, pressiona a destruição da natureza do Brasil mediante o desinteresse
– o qual as empresas signatárias da carta acima referida acabam por
denunciar – por políticas que promovam o desenvolvimento econômico
sustentável das populações que interagem com a floresta e os demais
biomas brasileiros.
Trata-se, pois, de cenário a demonstrar a necessidade, para efeito
do cumprimento do dever estatal de proteger o meio ambiente, não apenas
de esforços isolados dos órgãos especializados na questão – mais que
depauperados na atual administração, como apontamos em diversas
representação anteriores - mas de ação ampla e integrada do governo,
incluindo as áreas responsáveis pela economia, pela saúde, pela assistência
social e pela comunicação, de modo a evitar que crises sucessivas,
econômicas, sanitárias, migratórias etc. não precipitem novas pressões
sobre a população empobrecida para a destruição das florestas e de outros
biomas.
Se o panorama é de descalabro ambiental e se o papel do
TCU é avaliar a conduta dos responsáveis pela área, cabe ressalvar,
por dever de justiça, a atuação do vice-presidente, General Hamilton
Mourão, a quem foi dirigida a carta acima referida, devendo-se
reconhecer, como já fiz em outras manifestações, esforços autênticos
em busca de fazer as políticas públicas “andarem” no setor. Tudo
indica, infelizmente, que tem pregado no deserto.
Cumpre ao TCU, pois, em face do seu dever de fiscalizar a
Administração Pública e o cumprimento das incumbências a ela vinculadas
pelo ordenamento jurídico, sobretudo aquelas oriundas da própria
Constituição, e de garantir que a estrutura estatal construída para esse fim,
com todos os seus custos, não se ponha a perder em ociosidade deliberada,

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determinar ao governo que apresente relatórios gerenciais sobre a execução


dos programas de preservação do meio ambiente bem como de eventuais
políticas de fomento de atividades econômicas sustentáveis, destacando os
recursos empregados na sua execução, não só financeiros, mas humanos e
materiais. E que informe sobre a existência de eventuais ações integradas
do governo, transversais às diversas áreas da administração, como
economia, saúde, assistência social e comunicação, que não se limitem à
mera – e precária – fiscalização ambiental.
Compete ao TCU, sobretudo, monitorar a situação de modo a
impedir o governo, que, como é público e notório, tem sido omisso no
seu dever de promover políticas ambientais, econômicas e sociais de
preservação da Amazônia e de outros biomas, de pôr a perder a oferta
de particulares ora em evidência no sentido da celebração de parcerias
com o poder público. A soma de esforços própria das parcerias
público-privadas é, afinal, moderno instrumento na promoção do
melhor aproveitamento possível dos recursos governamentais
empregados na área.
Volto, pois, a reclamar ao TCU que se manifeste acerca dessa
questão, inserida no âmbito da sua competência constitucional de fiscalizar
a administração pública federal, de modo a verificar a atuação do governo
na área. Não é demais lembrar que a ação estatal não é decorrência apenas
do poder-dever atribuído pelo ordenamento jurídico, mas também
consequência necessária do investimento realizado no aparato
administrativo estatal, que não pode ser entregue à ociosidade e à
ineficiência. Não existe discricionariedade quanto a isso. O que se espera
do bom administrador é por todos sabido. Trata-se inclusive de
conhecimento expresso e difundido até em texto bíblico, que pode ser
resumido na advertência segundo a qual "a quem muito foi dado, muito
será cobrado".
O patrimônio confiado ao administrador deve render frutos. Essa
não é uma conclusão difícil, e firma, para quem puder ter alguma dúvida, a
jurisdição do TCU sobre os fatos questionados nesta representação.
Por fim, é de se observar que este Ministério Público junto ao
TCU possui legitimidade para formular representações a esse Tribunal, que
os fatos foram apresentados em linguagem clara e objetiva e estão
acompanhados, em anexo, das informações referenciadas nesta peça.

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- III -

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao


Tribunal de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei
8.443/1992, e nos artigos 237, inciso VII, e 276, caput, do Regimento
Interno do TCU, aprovado pela Resolução 155/2002, requer ao Tribunal,
pelas razões acima aduzidas, que conheça desta representação para que, no
cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de
natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da
Administração Pública Federal decida pela adoção das medidas necessárias
a apurar a omissão do governo federal no que diz respeito ao poder-dever
da União, expresso no art. 23, VI, da Constituição Federal, de promover
políticas públicas de proteção ao meio ambiente, nos termos acima
delineados, bem como das medidas cabíveis de modo a impedir o governo
de pôr a perder a parceria público-privada oferecida pelas empresas
signatárias da carta transcrita nesta representação e de outras que
eventualmente demonstrem interesse em participar.

Ministério Público, 9 de julho de 2020.

(Assinado Eletronicamente)
Lucas Rocha Furtado
Subprocurador-Geral

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