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Coleção Jovem Jurista

Edição produzida pela FGV Direito Rio

Praia de Botafogo, 190 | 13º andar


Rio de Janeiro | RJ | Brasil | CEP: 22250-900
55 (21) 3799-5445
www.fgv.br/direitorio
Melhores trabalhos de conclusão
de curso de Graduação em Direito

Alexandre Magalhães Blois


Ana Carolina Alhadas Valadares
Luiza Brumati
Maria Luiza Belmiro Gomes
Rodrigo Tamussino Roll

Coleção Jovem Jurista


EDIÇÃO FGV Direito Rio
Obra Licenciada em Creative Commons
Atribuição – Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas

Impresso no Brasil
Fechamento da 1ª edição em dezembro de 2021.

Este livro consta na Divisão de Depósito Legal da Biblioteca Nacional.

Este material, seus resultados e conclusões são de responsabilidade dos


autores e não representam, de qualquer maneira, a posição institucional
da Fundação Getulio Vargas / FGV Direito Rio.

Coordenação: Ludmilla Totinick, Sérgio França e Nathasha Chrysthie


Capa: S2 Books
Diagramação: S2 Books
1ª revisão: Anna Carolina Avelheda
2ª revisão: Patrícia Baroni
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Coleção Jovem Jurista 2021 / Alexandre Magalhães Blois... [et al.] - Rio
de Janeiro: FGV Direito Rio, 2021.

388 p.

Em colaboração com: Luiza Brumati, Maria Luiza Belmiro Gomes,


Rodrigo Tamussino Roll e Ana Carolina Alhadas Valadares.
Conteúdo: Blois, Alexandre Magalhães. A (des) organização regula-
tória do “celeiro do mundo” e a regulação de defensivos agrícolas
no Brasil: um estudo sobre a eficiência da interação entre os entes
federais envolvidos. Brumati, Luiza. Saneamento básico e participa-
ção da iniciativa privada: mão ou contramão? Uma análise do novo
marco do saneamento básico no Brasil à luz de casos internacionais
em que houve desestatização e, posterior, reestatização do serviço
público. Gomes, Maria Luiza Belmiro. Plano base erosion and profit
shifting: falhas em relação aos interesses dos países em desenvolvi-
mento. Roll, Rodrigo Tamussino. Dinheiro, eleições e atuação parla-
mentar: uma análise da influência das doações empresariais sobre
a produção legislativa da câmara dos deputados. Valadares, Ana
Carolina Alhadas. Como extinguir uma golden share? Uma análise
crítica e propositiva sobre os possíveis mecanismos de extinção das
ações preferenciais de classe especial instituídas nas companhias
objeto de desestatização.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-86060-28-7

1. Direito - Brasil. 2. Defensivos agrícolas - Brasil. 3. Saneamento.


4. Empresas multinacionais. 5. Fundos para campanha eleitoral. 6.
Democracia. 7. Ações preferenciais. I. Blois, Alexandre Magalhães. II.
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas.

CDD – 340.0981

Elaborada por Amanda Maria Medeiros López Ares – CRB-7/1652


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

A (DES) ORGANIZAÇÃO REGULATÓRIA DO “CELEIRO DO MUNDO” E


A REGULAÇÃO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NO BRASIL: UM ESTUDO
SOBRE A EFICIÊNCIA DA INTERAÇÃO ENTRE OS ENTES FEDERAIS
ENVOLVIDOS 13
Alexandre Magalhães Blois

SANEAMENTO BÁSICO E PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA:


MÃO OU CONTRAMÃO? UMA ANÁLISE DO NOVO MARCO DO
SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL À LUZ DE CASOS INTERNACIONAIS
EM QUE HOUVE DESESTATIZAÇÃO E, POSTERIOR, REESTATIZAÇÃO
DO SERVIÇO PÚBLICO 131
Luiza Brumati

PLANO BASE EROSION AND PROFIT SHIFTING: FALHAS EM RELAÇÃO


AOS INTERESSES DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO 189
Maria Luiza Belmiro Gomes

DINHEIRO, ELEIÇÕES E ATUAÇÃO PARLAMENTAR: UMA ANÁLISE DA


INFLUÊNCIA DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS SOBRE A PRODUÇÃO
LEGISLATIVA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS 243
Rodrigo Tamussino Roll

COMO EXTINGUIR UMA GOLDEN SHARE? UMA ANÁLISE CRÍTICA E


PROPOSITIVA SOBRE OS POSSÍVEIS MECANISMOS DE EXTINÇÃO
DAS AÇÕES PREFERENCIAIS DE CLASSE ESPECIAL INSTITUÍDAS NAS
COMPANHIAS OBJETO DE DESESTATIZAÇÃO 305
Ana Carolina Alhadas Valadares
APRESENTAÇÃO

“O correr da vida embrulha tudo,


a vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente
aprendendo a ser capaz
de ficar alegre a mais,
no meio da alegria,
e inda mais alegre
ainda no meio da tristeza!”

(João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)

No ano de 2021, chegamos à 12ª edição da Coleção Jovem Jurista, editada


pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, cria-
da para divulgar, a cada ano, os trabalhos premiados por sua excelência
e aspectos inovadores produzidos por discentes da graduação em Direito
no período 2020-2021.

Foram (e, no momento em que essas linhas são escritas, ainda têm
sido) tempos difíceis e desafiadores. Apesar das angústias, perdas e todas
as dificuldades trazidas por uma pandemia de escala mundial que nos afe-
tou nesse período, nossa comunidade acadêmica manteve o engajamento
de discentes e docentes, preservando as atividades educacionais nos mes-
mos patamares de excelência e comprometimento. Apesar da distância
física, mantivemo-nos próximos em ações e pensamentos.

O presente volume não traz apenas os trabalhos de conclusão de cur-


so vencedores dos prêmios Miranda Rosa de Qualidade e Alfredo Lamy
Filho de Inovação, bem como as respectivas menções honrosas recebidas,
dentre os trabalhos apresentados no ano de 2020/2021. Esta publicação
traz também a certeza de que, apesar dos limites impostos pela pandemia
da Covid-19, não deixamos de projetar o futuro, não desistimos dos nos-
sos planos e, principalmente, não nos deixamos abater diante da realidade
dura e incerta enfrentada, desde março de 2020 até o atual momento.

Os trabalhos de conclusão de curso, aqui publicados, reforçam o pa-


pel do Direito e a responsabilidade de sua aplicação na construção da
10 Coleção Jovem Jurista 2021

justiça, em que a compreensão de problemas se reverte em favor da cole-


tividade, do exercício crítico e democrático.

O Prêmio Alfredo Lamy Filho de Inovação foi concedido a Alexandre


Magalhães Blois pelo trabalho “A (des) organização regulatória do ‘ce-
leiro do mundo’ e a Regulação de Defensivos Agrícolas no Brasil: um es-
tudo sobre a eficiência da interação entre os entes federais envolvidos”,
orientado pela professora dra. Patrícia Regina Pinheiro Sampaio. O autor
investiga a interação existente entre os entes da Administração Pública
Federal, no processo regulatório de agrotóxicos. Para tal, apresenta o pa-
norama regulatório brasileiro pertinente ao tema, por meio do exame da
Lei nº 7.802/89 e do Decreto nº 4.074/02, e a análise das atas de reunião
do Comitê de Assessoramento de Agrotóxicos (CTA), mecanismo legal
com o propósito de integrar os participantes da regulação, concluindo que
um modelo regulatório centralizado pode apresentar sérios riscos para o
processo regulatório de defensivos agrícolas e que o modelo regulatório
tripartite não está funcionando plenamente, em função do Sistema de In-
formações sobre Agrotóxicos (SIA) ainda não ter sido implementado.

Os trabalhos produzidos pelas alunas Luiza Brumati, sob a orientação


do professor dr. Eduardo Ferreira Jordão, e Maria Luiza Belmiro Gomes,
sob a orientação do professor dr. Daniel Barcelos Vargas, intitulados “Sa-
neamento básico e participação da iniciativa privada: mão ou contramão?
Uma análise do Novo Marco do Saneamento Básico no Brasil à luz de ca-
sos internacionais em que houve desestatização e, posterior, reestatização
do serviço público” e “Plano Base Erosion and Profit Shifting: falhas em
relação aos interesses dos países em desenvolvimento”, respectivamente,
receberam menção honrosa nesta mesma categoria.

Luiza Brumati aponta que a abertura de espaço para maior participa-


ção da iniciativa privada pelo Novo Marco do Saneamento Básico, repre-
sentado pelas alterações introduzidas pela Lei nº 14.026, de 2020, afirman-
do que o Brasil está indo na direção oposta à de vários países do mundo. A
autora analisou a origem da relação com a empresa privada e movimentos
de reestatização nas cidades de Hamilton – Canadá, Buenos Aires – Ar-
gentina e La Paz e El Alto – Bolívia, afirmando os principais problemas, tais
como: contratação sem concorrência; dificuldade regulatória e de fiscali-
zação; desenho contratual; descumprimento de metas contratuais e má
relação com a opinião pública. Recomendando que a agência federal deve
investir na consulta pública e no diálogo com os demais entes federados
e órgãos para legitimar suas escolhas, na incorporação de recebimento de
recursos financeiros privados no setor.

Maria Luiza Belmiro Gomes problematiza as estratégias de planeja-


mento tributário agressivo e as falhas do Plano Base Erosion and Profit
Shifting (BEPS) quanto à atenção dos interesses de países em desenvol-
Apresentação 11

vimento. Para tal, analisa as principais estratégias de planejamento tribu-


tário agressivo de empresas multinacionais para a redução de suas cargas
tributárias, bem como interroga as ações formuladas e implementadas
no âmbito do Plano BEPS quanto a equipar os governos com regras e
instrumentos para que os lucros das empresas sejam tributados onde as
atividades econômicas se realizam. Por fim, discute a legitimidade do Pla-
no BEPS, formulado pela OCDE e pelo G-20, e discute caminhos para a
atenção dos interesses de países em desenvolvimento relativa à perda de
receita tributária decorrente das estratégias de planejamento tributário
agressivo.

A banca examinadora do prêmio Miranda Rosa de Qualidade premiou


o aluno Rodrigo Tamussino Roll pela autoria do trabalho “Dinheiro, elei-
ções e atuação parlamentar: uma análise da influência das doações empre-
sariais sobre a produção legislativa da Câmara dos Deputados”, orientado
pelo professor Michael Freitas Mohallem e coorientado pelo professor dr.
Jairo Nicolau.

A referida comissão conferiu uma menção honrosa à aluna Ana Caro-


lina Alhadas Valadares pela grande qualidade do trabalho “Como extinguir
uma golden share? Uma análise crítica e propositiva sobre os possíveis
mecanismos de extinção das ações preferenciais de classe especial insti-
tuídas nas companhias objeto de desestatização”, orientado pela profes-
sora dra. Patrícia Regina Pinheiro Sampaio e coorientado pelo professor
dr. Thiago Cardoso Araújo.

Alhadas responde aos questionamentos apresentados no âmbito da


Consulta nº 025.285.2017-3, em trâmite no Tribunal de Contas da União,
quanto à possibilidade de supressão dos direitos conferidos às golden sha-
res, à responsabilidade pela referida extinção à exigência de pagamento
de uma contrapartida pecuniária ao ente público titular das ações. Para
isso, analisa historicamente o instituto das golden shares nos âmbitos in-
ternacional e nacional, comparando o cenário europeu ao brasileiro e con-
clui que as golden shares devem ser extintas ao serem superadas as razões
de interesse público de sua previsão, sendo necessário, cabendo a decisão
ao Conselho de Parcerias de Investimentos sem contrapartida pecuniária.

Por fim, afirmamos nosso entendimento de que vincular o Direito à


realidade produz efeito sobre as instituições jurídicas, as condutas das
pessoas e, com isso, criam-se novos horizontes, novas perspectivas, novas
realidades.

Deixamos aqui o convite ao futuro, ao futuro de novos sentidos e de


novas práticas.


12 Coleção Jovem Jurista 2021

Thiago Bottino

Coordenador da Graduação da FGV DIREITO RIO


A (DES) ORGANIZAÇÃO REGULATÓRIA DO “CELEIRO DO
MUNDO” E A REGULAÇÃO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS NO
BRASIL: UM ESTUDO SOBRE A EFICIÊNCIA DA INTERAÇÃO
ENTRE OS ENTES FEDERAIS ENVOLVIDOS
Alexandre Magalhães Blois

Resumo
O objetivo do presente trabalho é investigar a eficiência da interação exis-
tente entre os entes da Administração Pública Federal envolvidos no pro-
cesso regulatório de agrotóxicos. Para tanto, foi realizada uma apresenta-
ção do panorama regulatório brasileiro pertinente ao tema, por meio do
exame da Lei nº 7.802/89 e do Decreto nº 4.074/02. Posteriormente foi
elaborada uma análise empírica das atas de reunião do CTA, mecanismo
legal com o propósito de integrar os participantes da regulação. O funcio-
namento do CTA foi abordado a partir de categorias criadas de acordo
com suas competências legais. A pesquisa observou que o modelo regu-
latório tripartite não está funcionando plenamente, principalmente porque
o Sistema de Informações sobre Agrotóxicos (SIA) ainda não foi imple-
mentado. Além disso, concluiu-se que um modelo regulatório centralizado
pode apresentar sérios riscos para o processo regulatório de defensivos
agrícolas.

Palavras-Chave
Agrotóxicos. Defensivos agrícolas. CTA. Comitê de Assessoramento de
Agrotóxicos. Regulação tripartite. Lei nº 7.802/89. Decreto nº 4.074/02.
Eficiência. Ministério do Meio Ambiente. MMA. Ministério da Saúde. MS.
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. MAPA. Instituto Bra-
sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. IBAMA. Agência Na-
cional de Vigilância Sanitária. ANVISA. Sistema Integrado de Informações
sobre Agrotóxicos. SIA. Assimetria de informação. Instituições.

Abstract
This paper aims to investigate the efficiency of the existing interaction be-
tween the entities of the Federal Public Administration involved in the pes-
ticide regulatory process. For this purpose, a presentation of the Brazilian
regulatory panorama was carried out, through the examination of Federal
14 Coleção Jovem Jurista 2021

Law No. 7,802 / 89 and Federal Decree No. 4,074 / 02. Subsequently an
empirical analysis of CTA’s meeting minutes was prepared. The CTA is a
legal mechanism with the purpose of integrating the participants in the re-
gulation process of pesticides. The operation of the CTA was approached
from categories created according to its legal competences. The research
noted that the tripartite regulatory model is not fully functioning, mainly
because the Pesticide Information System (SIA) has not yet been imple-
mented. In addition, it was concluded that a centralized regulatory model
can present serious risks to the regulatory process for pesticides.

Keywords
Pesticides. Pesticide Advisory Committee (CTA) Tripartite regulation. Law
No. 7,802 / 89. Decree No. 4,074 / 02. Efficiency. Ministry of the Environ-
ment (MMA). Ministry of Health. (MS). Ministry of Agriculture, Livestock and
Supply. (MAPA). Brazilian Institute of Environment and Natural Resources.
(IBAMA). National Health Surveillance Agency (ANVISA). Integrated Pesti-
cide Information System (SIA). Information asymmetry. Institutions.

1. Introdução

O setor agropecuário brasileiro é responsável por parte considerável da


atividade econômica nacional. O Brasil apresenta um forte potencial agrí-
cola, devido à sua magnitude, tropicalismo e dinamismo.1 A OCDE e a FAO
apontaram no relatório “Perspectivas Agrícolas” que o país ultrapassará
os Estados Unidos como o maior produtor de soja na próxima década.
Espera-se que o Brasil cresça 2,6% por ano, a maior taxa de crescimento
entre os principais produtores. Inclusive, durante a paralisação econômica
ocasionada pela crise da COVID – 19, enquanto diversos setores econômi-
cos brasileiros enfrentavam quedas históricas de produção, a agricultura
nacional apresentava recordes.2

Entretanto, o crescimento agrícola brasileiro não pode ser estuda-


do sem que haja um maior aprofundamento em seu principal catalisador:
agrotóxicos.3 Tais substâncias químicas são parte crucial do sistema de
1 FONSECA, Juliana Munefiça da. A Regulação de registro de novas moléculas do se-
tor de defensivos Agrícolas. Orientador: Pedro Jacob Christoffoleti. 2018. Dissertação
(Mestrado em Agronégocio) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2018. Disponível
em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/20270. Acesso em: 15 out.
2020.
2 A pandemia da COVID-19 atingiu fortemente a economia brasileira. O agronegócio foi
o único setor econômico a conseguir bater recordes de exportação durante a pande-
mia. CASTRO, Fabrício de. Desempenho do agronegócio na pandemia sustenta expor-
tações brasileiras. Estadão, 2020. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/
noticias/agronegocios,desempenho-do-agronegocio-na-pandemia-sustenta-exporta-
coes-brasileiras,70003311270.
3 Segundo o art. 2o, inciso I, “a” da Lei no 7.802/89, considera-se agrotóxico: “Art. 2o.
Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – agrotóxicos e afins: a) os produtos e os
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 15
defensivos agrícolas no brasil

produção pátrio. Entre os anos de 1975 a 2009, o Brasil sempre ocupou


um posto entre os seis maiores mercados consumidores de defensivos
agrícolas do planeta. No ano de 2008, o país foi alçado ao posto de maior
mercado consumidor de defensivos agrícolas do mundo.4

Assim, a temática regulatória de tais produtos é questão complexa


e essencial ao desenvolvimento socioeconômico brasileiro, envolvendo
também aspectos relativos à saúde pública, pois a aplicação de agrotóxi-
cos pode gerar sérios impactos na saúde humana. O avanço tecnológico
dos diversos ramos da ciência tem proporcionado uma evolução na detec-
ção de efeitos adversos do uso de agrotóxicos.5

A complexidade do tema não se esgota somente em seus aspectos


químicos. Afinal, os problemas ambientais não obedecem a leis ou frontei-
ras. A problemática relativa ao uso irresponsável de defensivos agrícolas
já foi inclusive motivo para desentendimentos entre países vizinhos,6 uma
vez que as consequências ambientais na utilização irregular de tais insu-
mos químicos podem gerar efeitos imprevisíveis no meio ambiente.

Dessa forma, analisar a interação entre os entes competentes res-


ponsáveis pelo processo regulatório de tais substâncias é aspecto fun-
damental para compreender a regulação de matéria tão multifacetada e
essencial para a sociedade brasileira, posto que a cooperação entre entes
administrativos é imprescindível em um modelo de Estado regulador que
preze pelos princípios constitucionais da eficiência e segurança jurídica.7

agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores


de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pas-
tagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas
e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos
considerados nocivos”. A utilização dos termos “agrotóxico” ou “defensivos agrícolas”
é discutida no Capítulo I.
4 FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. A regulação do uso dos agrotóxicos no
Brasil: uma proposta para um direito de sustentabilidade. Orientador: José Rubens
Morato Leite. 2013. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Santa Ca-
tarina, Florianópolis, 2013. p. 70. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/han-
dle/123456789/122689. Acesso em: 22 out. 2019.
5 PELAEZ, Victor Manoel; SILVA, Letícia Rodrigues da; ARAÚJO, Eduardo. Regulação de
agrotóxicos: uma análise comparativa. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA
CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA. 13, 2012, São Paulo. Anais.... São Paulo: EACH/USP, 2012.
Disponível em: http://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1356022660_AR-
QUIVO_RegulacaoAgrotoxicosSBHC.pdf. Acesso em: 29 out. 2020.
6 O Equador já se manifestou na Corte Internacional de Justiça sobre pulverizações de
herbicidas realizadas pela Colômbia em área de fronteira entre ambos os países. A
pulverização afetou o meio ambiente e a saúde populacional de cidadãos equatoria-
nos que viviam na região. Ver INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Letter from the
ambassador of Ecuador (appointed) to the kingdom of the Netherlands to the regis-
trar of the International Court of Justice. The Hague, 31 Mar. 2008. p. 6. Disponível em:
https://www.icj-cij.org/files/case-related/138/14474.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.
7 GONÇALVES, Leonardo Gomes Ribeiro. Mecanismos de governança da interação
entre as agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública o
processo administrativo regulatório. In: GUERRA, Sérgio; SAMPAIO, Patrícia (Orgs.).
Processo administrativo nas agências reguladoras: uma proposta de disciplina le-
16 Coleção Jovem Jurista 2021

No Brasil, a regulação federal de defensivos agrícolas é repartida en-


tre alguns entes da administração pública federal: MAPA, MS, MMA, IBAMA
e ANVISA.8 Vale pontuar que a competência para legislar sobre agrotó-
xicos é concorrente, cabendo à União, estados e municípios formularem
normas sobre o tema. Entretanto, o presente trabalho buscará analisar ex-
clusivamente a atuação federal. A interação administrativa dos estados e
municípios foge ao escopo da análise aqui pretendida.

O modo de interação dos três órgãos é elemento crucial do presente


estudo. Somente após a coleta de dados, a organização temática dos mes-
mos e sua análise poderemos entender a maneira pela qual a burocracia
federal interage entre si, em suas diversas esferas, e, principalmente, des-
cobrir se esta interação é ou não eficiente. Por isso, a seguinte pergunta
norteará o desenvolvimento da pesquisa aqui apresentada: A interação
entre os órgãos federais obedece ao princípio da eficiência?

A resposta para tal indagação buscará estudar as reuniões entre os


entes federais competentes, que ocorrem por meio do Comitê de Assesso-
ramento de Agrotóxicos, entidade criada pelo art. 95 e incisos do Decreto
nº 4.074/2002, com o propósito de centralizar as discussões administrati-
vas sobre o tema. Para tanto, serão analisadas atas de reuniões do referido
órgão, meio oficial de publicidade das questões tratadas pelo CTA.

A análise das atas de reunião do CTA terá um filtro definido sobre o


conceito de eficiência. Considerando que tal termo possui difícil concei-
tuação jurídica e prática, buscar-se-á um parâmetro mais objetivo para se
definir a ideia de eficiência na Administração Pública. Assim, o presente
trabalho adotará um conceito de eficiência relativo à estruturação organi-
zacional da administração pública.

A realização dessa pesquisa será dividida em duas partes centrais: a


primeira abordará a relevância do tema, sua evolução histórica, princípios
constitucionais protegidos, estruturação legal do sistema de interação en-
tre os órgãos federais e a conceituação de eficiência (Capítulo I).

A segunda parte versará sobre a pesquisa empírica realizada nas atas


de reunião do CTA. Cada uma das atividades será catalogada, de acordo
com metodologia a ser explicitada posteriormente. A análise será realiza-
da com base nas competências previstas nos incisos do art. 95 do Decreto
nº 4.074/2002. Isto é, verificar-se-á se o CTA, e consequentemente os

gislativa. Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2016. p. 61-109. Disponível em: https://bi-
bliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/16535/Processo%20adminis-
trativo%20nas%20ag%C3%AAncias%20reguladoras.pdf?sequence=3&isAllowed=y.
Acesso em: 21 out. 2020.
8 PELAEZ, Victor Manoel; TERRA, Fábio Henrique Bittes; SILVA, Letícia Rodrigues da.
A regulamentação dos agrotóxicos no Brasil: entre o poder de mercado e a defesa
da saúde e do meio ambiente. Revista de Economia. [s. l.], v. 36, ed. 1, p. 27-48, 2010.
Disponível em: https://revistas.ufpr.br/economia/article/view/20523. Acesso em: 14
out. 2020.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 17
defensivos agrícolas no brasil

seus órgãos integrantes cumprem com as determinações legais sobre suas


competências (Capítulo II).

Ao final, serão apresentadas as conclusões da pesquisa.

I. DEFENSIVOS AGRÍCOLAS – HISTÓRIA E ASPECTOS


REGULATÓRIOS

O que é um Agrotóxico/Defensivo Agrícola?

A conceituação do termo “agrotóxico” e seus sinônimos traz consigo certa


bagagem ideológica. Os setores mais conectados à indústria química e ao
agronegócio sustentam que a terminologia correta é a expressão “defensi-
vos agrícolas”.9 Por outro lado, os grupos sociais mais identificados com as
pautas ambientais e sociais relacionadas ao tema, defendem que a melhor
alternativa seria a utilização do termo “agrotóxicos”.

A criação do termo “agrotóxico” é creditada ao professor de Agricul-


tura da Universidade de São Paulo, Adilson Paschoal, que buscou estudar
as substâncias químicas aplicadas na agricultura em sua obra Pragas, pra-
guicidas e a crise ambiental: problemas e soluções. De acordo com a inter-
pretação do acadêmico, a nomenclatura “agrotóxico” seria a mais correta,
pois estaria de acordo com os efeitos produzidos por essas substâncias,
além de estar alinhado com o campo científico de estudo de tais insumos.
Nas palavras de Paschoal:10

Uma sugestão é o termo agrotóxicos, que tem sentido


geral para todos os produtos químicos usados nos
agroecossistemas para combater pragas e doenças. O termo
é uma contribuição útil, já que a ciência que estuda esses
produtos chama-se toxicologia.

Em contrapartida, o setor agroexportador brasileiro prefere a utili-


zação de um eufemismo. A nomenclatura “defensivo agrícola” apresenta
uma conotação mais amigável aos setores industriais conectados ao agro-
negócio. Tal estratégia é ainda impulsionada pela mídia, que busca propa-

9 “A palavra ‘Agrotóxico’ é imprecisa e algo carregado ao julgamento de um valor – resquí-


cio do tempo, há muito tempo deixado para trás, em que estas substâncias eram coloca-
das no mercado sem pesquisa suficiente sobre suas propriedades e seus efeitos, e usadas
de forma indiscriminada. O nome certo é ‘defensivo agrícola’, uma vez que esses produtos
servem não para intoxicar a lavoura ou o produtor, mas sim para defender a plantação
de pragas, insetos e parasitas e evitar que ela se perca”. A VERDADE sobre agrotóxicos.
Revista Veja, p. 84-88, jan. 2012. Disponível em: https://www.agrolink.com.br/noticias/a-
-verdade-sobre-os-agrotoxicos_142165.html. Acesso em: 22 ago. 2020.
10 PASCHOAL, Adilson Dias. Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e solu-
ções. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1979. p. 35.
18 Coleção Jovem Jurista 2021

gar a utilização do termo, colocando em prática um verdadeiro plano de


marketing digital.11

A controvérsia em torno do termo é tão relevante que, em 2015, o


deputado Covatti Filho propôs o Projeto de Lei nº 3.200/2015, que, dentre
outras medidas, determinava a revogação da Lei nº 7.802/89 e estabelecia
uma nova nomenclatura para o termo “agrotóxicos”.12 A categoria passaria
a se chamar “produto defensivo fitossanitário”:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, consideram-se

[...]

XXXIV – produto defensivo fitossanitário – produto e agente


de processos físicos, químicos ou biológicos, destinado
ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na
proteção de florestas plantadas cuja finalidade seja alterar
a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da
ação danosa de seres vivos considerados nocivos; [...]

Porém, na perspectiva de Paschoal a utilização de tal conceito não


seria ainda correta. Em sua visão, tais produtos químicos são causadores
de uma quantidade maior de pragas, pois acabam ocasionando um verda-
deiro desequilíbrio biológico ao meio ambiente:13

A palavra defensivo, usada com sentido mais amplo para


incluir não apenas pragas mas também agentes patológicos,
é outra incoerência, uma vez que, como mostramos com
vários exemplos, muitos desses agentes químicos, entre
os quais o grupo todo dos clorados persistentes, são na
realidade causadores de maiores e mais graves ataques de
pragas, pelos desequilíbrios biológicos que produzem; como
então chamar de defensivo algo que também pode agir no
sentido de agravar a situação da agricultura e diminuir o
lucro dos agricultores? [...] Quando pensamos em termos

11 LOPES, Maria Elizabete Barretto de Menezes. Agrotóxicos na imprensa: análise de


algumas revistas e jornais brasileiros. 2010. Tese (Doutorado em Ecologia de Agroe-
cossistemas) – Ecologia de Agroecossistemas, Universidade de São Paulo, Piracicaba,
2010. p. 31. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/91/91131/tde-
20092010-110934/pt-br.php. Acesso em: 28 out. 2020.
12 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária no 3200/2015. Dispõe sobre
a Política Nacional de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle Ambiental,
seus Componentes e Afins, bem como sobre a pesquisa, a experimentação, a produ-
ção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos re-
síduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização
de defensivos fitossanitários e de produtos de controle ambiental, seus componentes
e afins, e dá outras providências. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposi-
coesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1996620. Acesso em: 29 out. 2020.
13 PASCHOAL, op. cit., p. 34-35.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 19
defensivos agrícolas no brasil

da natureza, tais produtos não podem ser encarados como


instrumentos de defesa, mas sim de destruição e perturbação
do equilíbrio da biosfera.

O foco do presente trabalho não é a discussão entre os prejuízos e os


benefícios do uso de cada um desses termos ou o embate de narrativas
presente nessa controvérsia. Por essa razão, “agrotóxicos” e “defensivos
agrícolas” serão utilizados de modo alternado, como sinônimos para ga-
rantir uma maior fluidez literária, sem que haja qualquer espécie de valo-
ração na utilização dos termos. Mesmo porque a própria legislação pá-
tria, em nível federal, somente utiliza a nomenclatura “agrotóxico” para as
substâncias químicas, físicas e biológicas utilizadas em toda a cadeia de
produção agrícola.

Por isso, considerar-se-á como agrotóxico os insumos químicos pre-


visto no rol taxativo do art. 2º, I, “a” da Lei nº 7.802/89. O referido disposi-
tivo tem a seguinte redação:

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, consideram-se: I – agrotóxicos


e afins: a) os produtos e os agentes de processos físicos,
químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de
produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos
agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas
ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de
ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja
alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-
las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; b)
substâncias e produtos, empregados como desfolhantes,
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento; [...]

Assim, na presente monografia considerar-se-ão como agrotóxicos


as substâncias que se enquadram no dispositivo supracitado. Dessa forma,
tem-se uma limitação conceitual sobre o que está sendo aqui abordado.
Após este esclarecimento, abordaremos em seguida uma breve evolução
histórica do tema e sua relevância temática atual.

Breve perspectiva histórica e relevância temática

A produção de alimentos sempre foi uma preocupação das socieda-


des humanas. Há alguns milhares de anos, a humanidade transformou a
maneira pela qual se alimentava. A criação das plantações agrícolas re-
formulou a vida humana, transformando as plantas e estas por sua vez,
acabaram por transformar a humanidade.14 A partir desta perspectiva, a
história das sociedades humanas pode ser considerada como a luta entre

14 STANDAGE, Tom. Uma história comestível da humanidade. [s. l.]: Zahar, 2010. p. 1.
20 Coleção Jovem Jurista 2021

o homem e a natureza com o propósito de saciar as necessidades vitais


humanas.15

Mais recentemente, a Revolução Industrial catalisou a produção por


alimentos. Era necessário produzir cada vez mais, para alimentar a cres-
cente e numerosa sociedade industrial. A mecanização da agricultura e o
uso de insumos químicos proporcionaram um aumento de produção ne-
cessário16 nos séculos XVIII e XIX.

Entretanto, o século XX foi o verdadeiro berço temporal dos defensi-


vos agrícolas. A Segunda Guerra Mundial17 atuou como o verdadeiro catali-
sador no desenvolvimento e na produção de agrotóxicos. Produtos quími-
cos que haviam sido elaborados e utilizados contra outros seres humanos
no decorrer do conflito foram utilizados, em seguida, como pesticidas.18

Nessa toada, o aumento de defensivos agrícolas no Brasil desenvol-


veu-se a partir da segunda metade do século XX. No início da década de
1960, o mundo vivenciou a produção e utilização em série de tais substân-
cias,19 principalmente nas nações menos desenvolvidas. A mecanização do
campo e a massificação da aplicação de insumos químicos na agricultura
formavam um fenômeno que ficou conhecido como “Revolução Verde”.20

No Brasil, as primeiras fábricas de defensivos agrícolas foram instala-


das na década de 1940. Assim, em termos de confecção de marco regu-
latório, o país inaugurou21 a regulação de agrotóxicos através da promul-
15 PARDO, José Esteve. Privilege domain of risk treatment: risk and health. European
Review of Public Law, v. 15. n. 1, Spring/Printemps. 2003. Published with the University
of Paris (Panthéon-Sorbonne), the National and Capodistriam of Athens and Erasmuns
programme of the European Communities. London: Esperia Publications Ltd., 2003. p.
109. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=941633. Aces-
so em: 15 out 2020.
16 VAZ, Paulo Afonso Brum. O direito ambiental e os agrotóxicos: responsabilidade civil,
penal e administrativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 27.
17 PASCHOAL, op. cit., p. 34.
18 SANBORN, Margaret; COLE, Donald; KERR, Kathleen; VAKIL, Cathy; SANIN Luz Hele-
na; BASSIL, Kate. Pesticides literature review: systematic review of pesticide human
health effects. Toronto: The Ontario College of Family Physicians, 2004. Disponível
em: https://www.beyondpesticides.org/assets/media/documents/documents/syste-
matic-review-canada-pesticides.pdf. Acesso em: 6 ago. 2020.
19 Sobre a expansão e o desenvolvimento dos defensivos agrícolas, comenta Ferreira: “A
partir da década de 60, em especial, com a Revolução Verde, houve a massificação da
utilização de pesticidas. Essa revolução consistiu na adoção de práticas agrícolas ba-
seadas no uso intensivo de insumos químicos e instrumentos mecânicos pelos países
do Terceiro Mundo”. FERREIRA, op. cit., p. 44.
20 A Revolução Verde ou Terceira Revolução Agrícola é o nome dado ao fenômeno em
que a produção agrícola mundial aumentou drasticamente, devido aos avanços tec-
nológicos, principalmente pela utilização de insumos químicos e mecânicos. O termo
“Revolução Verde” foi cunhado por William S. Gaud, administrador da Agência esta-
dunidense para o Desenvolvimento Internacional (USAID), em um discurso proferido
em 08.03.1968. Disponível em: http://www.agbioworld.org/biotech-info/topics/bor-
laug/borlaug-green.html. Acesso em: 10 ago. 2020.
21 MILKIEWICZ, Larissa; LIMA, José Edmilson de Souza. Análise do registro de agrotóxi-
co no direito ambiental brasileiro. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 14, n.
2, p. 7-26, mai./ago. 2018. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?-
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 21
defensivos agrícolas no brasil

gação do Decreto nº 24.114/1934. A legislação apresentava as primeiras


exigências administrativas para a comercialização de agrotóxicos. Em as-
pectos práticos, a União possuía quase todas as atribuições relativas ao
processo regulatório, com um verdadeiro protagonismo do MAPA. A pre-
ocupação com as questões ambientais e relativas ao direito à saúde não
eram definitivamente o foco. As exigências legais estabeleciam poucos
critérios para a comercialização de agrotóxicos.22

O ente federal responsável pela análise do produto era o Serviço de


Defesa Sanitária Animal (subdivisão administrativa do MAPA). A colabora-
ção e a integração com outros entes administrativos se resumiam à previ-
são legal do art. 55 do diploma legal. Isto é, somente poderiam acontecer
através de solicitação ao Instituto de Biologia Vegetal e de outras repar-
tições, sempre que fosse “conveniente” ao Serviço de Defesa Sanitária
Animal. Diferentemente do que prevê a Lei nº 7.802/89 e o Decreto nº
4.074/2002, a referida legislação buscava centralizar o processo regula-
tório no Ministério da Agricultura, estabelecendo exigências legais pouco
rígidas em um tema cada vez mais multifacetado e não determinando uma
manifestação obrigatória de outros órgãos. O referido dispositivo tinha a
seguinte redação:

Art. 55. O serviço de Defesa Sanitária Vegetal procederá aos


ensaios que se fizerem necessários quanto a praticabilidade
e eficácia dos produtos e preparados solicitando, sempre
que for conveniente a colaboração cientifica do Instituto de
Biologia Vegetal e de outras repartições. (grifo nosso)

Entretanto, foi durante o regime militar,23 nos anos 1970, que ocorreu
a verdadeira criação de complexo agroindustrial brasileiro. Assim como
em outras nações em desenvolvimento, tal fenômeno histórico foi incen-
tivado pelo governo militar,24 por meio de diversas medidas econômicas
codigo=6786464. Acesso em: 14 out. 2020.
22 TOLEDO, Dolina Sol Pedroso de. Limites ao poder econômico e agricultura: a regu-
lação e a regulamentação do mercado de agrotóxicos no Brasil. Orientador: Solange
Teles da Silva. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2012. p. 19. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/bi-
tstream/tede/1084/1/Dolina%20Sol%20Pedroso%20de%20Toledo.pdf. Acesso em: 13
out. 2020.
23 PELAEZ, Victor Manoel; SILVA, Letícia Rodrigues da; GUIMARÃES, Thiago André A.;
DALRI, Fabiano; TEODOROVICZ, Thomaz. A (des)coordenação de políticas para a in-
dústria de agrotóxicos no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, SP, v. 14,
p. 153-178, 2015. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/rbi/
article/view/8649104. Acesso em: 29 out. 2020.
24 TERRA, Fábio Henrique Bittes; PELAEZ, Victor Manoel. A evolução da indústria de
agrotóxicos no Brasil de 2001 a 2007: a expansão da indústria e as modificações na
lei de agrotóxicos [s.n], Curitiba, 2008. Apresentação oral. Disponível em: https://
www.researchgate.net/profile/fabio_terra/publication/237585189_a_evolucao_da_
industria_de_agrotoxicos_no_brasil_de_2001_a_2007_a_expansao_da_agricultu-
ra_e_as_modificacoes_na_lei_de_agrotoxicos/links/54096fc40cf2822fb738d364/
aevolucao-da-industria-de-agrotoxicos-no-brasil-de-2001-a-2007-a-expansao-da-
-agricultura-e-as-modificacoes-na-leideagrotoxicos.pdf?origin=publication_detail.
22 Coleção Jovem Jurista 2021

que visavam fomentar e desenvolver o aumento da produtividade agrícola


brasileira. Nesse sentido, a intervenção estatal brasileira contou com me-
canismos de atuação direta e indireta.

Na seara indireta, a atuação estatal ocorreu pela concessão facilitada


de créditos bancários. O incentivo estatal teve seu ápice com a elaboração
do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), o mecanismo foi criado em
1965 e se apresentou como uma das principais formas de intervenção es-
tatal indireta no fomento ao setor agrícola brasileiro.25

Já a intervenção direta ocorreu mediante a criação de uma empresa


pública para o setor agropecuário. Em 1972, o governo Geisel por meio
do Decreto nº 5.851/72, criou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
cuária (EMBRAPA).26 Tal empresa pública foi constituída com o propósito
de incentivar o agronegócio brasileiro, a partir de uma perspectiva nacio-
nal-desenvolvimentista,27 como um dos pilares do denominado “Milagre
Econômico”.

Mesmo após a redemocratização, os governos brasileiros continua-


ram a atribuir benefícios ao setor agrícola brasileiro. A partir dos incen-
tivos e políticas públicas criadas na segunda metade do século XX, a in-
dústria e o consumo de defensivos agrícolas apresentaram crescimento
contínuo em território nacional. No ano de 2008, vinte anos após o fim do
regime militar, o país apresentou a marca de maior consumidor de defensi-

Acesso em: 10 ago. 2020.


25 Sobre o papel do Estado brasileiro na criação do Sistema Nacional de Crédito Ru-
ral (SNCR), Flávia Londres sustenta: “Neste processo, teve papel central a criação,
em 1965, do Sistema Nacional de Crédito Rural, que vinculava a obtenção de crédito
agrícola à obrigatoriedade da compra de insumos químicos pelos agricultores”. (LON-
DRES, Flávia. Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. Rio de
Janeiro: AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa, 2011.
p. 18.) Disponível em: https://br.boell.org/pt-br/2011/10/31/agrotoxicos-no-brasil-um-
-guia-para-acao-em-defesa-da-vida-0. Acesso em: 10 ago. 2020.
26 A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) ocorreu atra-
vés da promulgação da Lei no 5.851/72, que ocorreu em 07.12.1972 e de seu registro na
Junta Comercial, em 26.04.1973.
27 Margarida de Cássia Campos informa que a criação da EMBRAPA está intrinsecamen-
te conectada com a lógica do nacional-desenvolvimentismo militar: “O ‘boom de com-
modities’ ocorrido no início da década de 1970 foi mais um incentivo às exportações
agrícolas dos países periféricos. Esses fatores contribuíram para o entendimento da
criação da EMBRAPA, justamente em meio ao Milagre Econômico, como mais uma
estatal criada para servir de base de sustentação do ‘Projeto Nacional Desenvolvi-
mentista’, este, por sua vez, deveria ser realizado via industrialização, contando com
suporte de um setor agrícola dinâmico e capitalista”. (CAMPOS, Margarida de Cássia.
O Projeto Nacional Desenvolvimentista: a dinâmica da agricultura e as configurações
espaciais – 1964 a 1979. Espaço Aberto, PPGG – UFRJ, [s. l.], v. 1, ed. 1, 2011.). Dispo-
nível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5301648. Acesso em: 10
ago. 2020.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 23
defensivos agrícolas no brasil

vos agrícolas do mundo.28 Em termos econômicos, o faturamento líquido29


da indústria de defensivos agrícolas no Brasil foi de R$ 11,8 bilhões, uma
alta de 12,4% em relação ao ano anterior. Tais estatísticas demonstram a
relevância econômica e social da produção de agrotóxicos no Brasil.

Porém, o tema não deve ser abordado somente a partir de uma ótica
econômica, pois os resíduos desses insumos químicos podem continuar
presentes no ambiente por muitos anos e provocar sérios danos à saúde
humana e ao meio ambiente.30 Este é o caso, por exemplo, de um herbi-
cida denominado Atrazina, um dos mais utilizados no Brasil,31 que mes-
mo 18 (dezoito) anos após seu uso regular em plantações na Alemanha32
continuou ativo nos ambientes em que foi utilizado. Seu uso influenciou
negativamente o solo, os lençóis freáticos e as espécies da fauna e flora
da região.

A presença de tais dejetos químicos não ocasiona consequências so-


mente ao ambiente. A saúde humana também é afetada pela sua utili-
zação. Os alimentos produzidos absorvem quantidades33 relevantes das
substâncias presentes nos defensivos agrícolas.

Os efeitos prejudiciais dos agrotóxicos foram denunciados pela pri-


meira vez por meio da publicação do livro Primavera Silenciosa, magnum
opus da cientista e bióloga estadunidense Rachel Carson. Em sua obra,
a autora sustenta que todos os seres humanos estão contaminados, em
maior ou menor grau, com tais substâncias, até mesmo os tecidos celula-
res dos fetos em desenvolvimento.34

28 INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RE-


NOVÁVEIS. Produtos agrotóxicos e afins comercializados em 2009 no Brasil: uma
abordagem ambiental. Brasília: IBAMA, 2010. Disponível em: https://docplayer.
com.br/7853213-Ibama-m-m-a-produtos-agrotoxicos-e-afins-comercializados-em-
-2009no-brasil-uma-abordagem-ambiental.html. Acesso em: 11 ago. 2020.
29 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA QUÍMICA. O desempenho brasileiro da
indústria química em 2019. Disponível em: https://abiquim-files.s3-us-west-2.ama-
zonaws.com/uploads/guias_estudos/Livreto-Enaiq2019_Abiquim.pdf. Acesso em: 11
ago. 2020.
30 PASCHOAL, op. cit., p. 3.
31 DIAS, Agata Cristina Lima et al. Ocorrência de atrazina em águas no Brasil e remoção
no tratamento da água: revisão sistemática. Revista Internacional de Ciências, Rio de
Janeiro, v. 8, ed. 2, p. 234-253, 2018. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/
ojs/index.php/ric. Acesso em: 29 set. 2020.
32 JABLONOWSKI, Nicolai Davi; SCHAFFER, Andreas; BUREAUL, Peter. Still present af-
ter all these years: persistence plus potential toxicity raise questions about the use of
atrazine. In: Environmental Science and Pollution Research International. , v. 18, n. 2, p.
328-331, fev. 2011. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21191660/. Acesso
em: 13 set. 2020.
33 JARDIM, Isabel Cristina Sales Fontes; ANDRADE, Juliano de Almeida; QUEIROZ, Sonia
Claudia do Nascimento de. Resíduos de agrotóxicos em alimentos: uma preocupa-
ção ambiental global – Um enfoque às maçãs. Quím. Nova, São Paulo, v. 32, n. 4, p.
996-1012, 2009. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0100-40422009000400031&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 12 ago. 2020.
34 CARSON, Rachel. 1907-1964. Primavera silenciosa. [s. l.]: Crítica, 2001. p. 25.
24 Coleção Jovem Jurista 2021

Percebe-se que há certa antítese entre os diversos aspectos que per-


meiam a utilização e a comercialização de tais substâncias. Sob o prisma
da seara econômica, o uso e a venda de tais produtos apresentam vultosos
resultados em termos de produtividade e eficiência. Entretanto, por outro
lado, existe a preocupação de que o emprego desses insumos possa afetar
o meio ambiente, a saúde de populações inteiras e principalmente dos tra-
balhadores rurais35 que lidam diariamente com a aplicação dos defensivos
agrícolas.

A complexidade e relevância do tema exigem que os entes regula-


dores possuam mecanismos eficientes de coordenação, para viabilizar
o melhor resultado possível ao processo de regulação de tais produtos.
Nesse sentido, o presente trabalho busca auxiliar em alguma medida na
constatação de falhas de integração entre os diversos entes responsáveis
pelo processo regulatório de tais substâncias. Afinal, cada um dos aspec-
tos supracitados possui valor constitucional relevante, conforme será de-
monstrado a seguir.

Princípios e Direitos Constitucionais envolvidos

De modo expresso, a CFRB/88 apenas aborda o tema dos defensivos agrí-


colas em um único artigo.36 O art. 220, § 4o, da Carta Maior, suscita a pre-
ocupação com as propagandas que tenham os agrotóxicos como tema.
Nota-se que o texto constitucional cria uma obrigação informacional so-
bre riscos na veiculação de material publicitário sobre tais substâncias quí-
micas. Tal restrição não pode ser considerada de maneira isolada. Isto é, o
constituinte originário buscou aqui proteger a saúde do consumidor.

Nesse sentido, a Constituição Federal estabelece em seu art. 5o, inciso


XXXII, como uma das obrigações do Estado a tutela da defesa do consumi-
dor. O direito do consumidor é norma principiológica e direito fundamen-
tal do cidadão.37 Além disso, é ainda um dos pilares da ordem econômica
nacional, conforme determina o art. 170, inciso V, do texto constitucional.

35 SILVA, Jandira Maciel da et al. Agrotóxico e trabalho: uma combinação perigosa para
a saúde do trabalhador rural. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 891-
903, dez. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1413-81232005000400013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 out. 2020.
36 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto nesta Constituição.
[...]
§ 4o A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e
terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior,
e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu
uso”. (grifo nosso)
37 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consu-
midor: direito material e processual. São Paulo: Editora Método, 2014. p. 3-6. Volume
único.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 25
defensivos agrícolas no brasil

Os consumidores são afetados por tais produtos, pois parte conside-


rável dos alimentos consumidos existentes no mercado possuem quanti-
dades substanciais de defensivos agrícolas.38 A compra de alimentos que
têm como origem os campos fertilizados e resguardados por agrotóxicos
apresenta, em grande medida, riscos à saúde do consumidor.39

O direito à saúde é outra importante garantia fundamental relevante


para o estudo em questão. O texto constitucional prevê expressamente a
proteção a tal direito em dois artigos constitucionais. O primeiro deles é o
art. 6o, que enquadra a saúde como um direito social. Há ainda o art. 196,
que apresenta a seguinte redação:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,


garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. (grifos nossos)

A partir da leitura deste dispositivo, percebe-se que o Estado possui


um forte papel na garantia do direito à saúde, devendo promover ainda
a redução do risco de doenças. Assim, a administração pública detém um
dever positivo ao ser obrigada a resguardar a saúde dos cidadãos. O po-
der público possui a obrigação legal de minimizar o risco das possíveis do-
enças, quando existem indícios científicos para seu respectivo combate.40
Ou seja, o Estado deve adotar atitudes positivas para frear e evitar a dis-
seminação de enfermidades. Nesse sentido, realizar uma gestão eficiente
na regulação de defensivos agrícolas é parte relevante dessa obrigação
constitucional.

A saúde do cidadão não é afetada somente a partir da compra de pro-


dutos que contenham em alguma medida tais substâncias. O trabalhador
rural é um dos indivíduos mais afetados em todo o processo de aplicação
e utilização de defensivos.41 Afinal, eles são os responsáveis pela aplicação
e manejo desses insumos. A situação dos trabalhadores rurais é ainda mais
precária que a do consumidor, posto que estes trabalham em ambientes
com condições sanitárias insalubres e não possuem a instrução mínima
necessária para o manejo de agrotóxicos.42 Os constituintes originários,

38 FERREIRA, op. cit., p. 93.


39 Ibidem, p. 165.
40 Ibidem, p. 166.
41 FARIA, Neice Müller Xavier et al. Trabalho rural e intoxicações por agro-
tóxicos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1298-1308, out.
2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0102-311X2004000500024&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 out. 2020.
42 VEIGA, Marcelo Motta; SILVA, Dalton Marcondes; VEIGA, Lilian Bechara Elabras; FA-
RIA, Mauro Velho de Castro. Análise da contaminação dos sistemas hídricos por agro-
tóxicos numa pequena comunidade rural do sudeste do Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio
de Janeiro, p. 2392, nov. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?scrip-
t=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100013. Acesso em: 29 out. 2020.
26 Coleção Jovem Jurista 2021

cientes da verdadeira hipossuficiência do trabalhador rural decorrente de


suas condições de trabalho, inseriram no texto constitucional a proteção
existente no art.7, inciso XXII, da CFRB/88.

Há ainda outro bem jurídico constitucional que é seriamente danifi-


cado a partir da existência de uma regulação ineficiente de agrotóxicos: o
meio ambiente. A CRFB/88 foi a primeira Constituição Brasileira a trazer
forte relevância à proteção de um meio ambiente equilibrado, tendo, inclu-
sive, sido criado um capítulo exclusivo ao tema no texto constitucional.43 A
Constituição buscou estabelecer, a partir de uma perspectiva sistemática,
uma obrigação genérica de não degradação do meio ambiente, somada a
uma forte diretriz ecológica da propriedade privada, ampliando a prote-
ção dos entes públicos no controle, gestão e coordenação das questões
ambientais brasileiras.

Tal lógica pode ser depreendida de todo o sistema constitucional pá-


trio, principalmente em relação ao caput do art. 225 da Carta Magna.44 O
dispositivo pode ser considerado como um dos pilares do Direito Ambien-
tal brasileiro, e da própria proteção ao meio ambiente, atribuindo a todos
os indivíduos o direito a possuir um meio ambiente ecologicamente prote-
gido e equilibrado. Não é à toa que o Supremo Tribunal Federal (STF), no
julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI)45 nº 3.540-1 determinou o seguinte:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração
(ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero
humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria
coletividade, a especial obrigação de defender e preservar,
em benefício das presente e futuras gerações, esse direito de
titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-
161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável,
representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da
coletividade, os graves conflitos intergeracionais marcados
pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se
impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das
pessoas em geral. (grifo nosso)

43 FRANCO, Caroline da Rocha. A formulação da política de agrotóxicos no Brasil. 2014.


Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do Paraná, [s. l.],
2014. p. 54. Disponível em: https://www.acervodigital.ufpr.br/handle/1884/35661#:~:-
text=Resumo%3A%20A%20Lei%20brasileira%20de,a%20l%C3%B3gica%20de%20
preserva%C3%A7%C3%A3o%20da. Acesso em: 29 out. 2020.
44 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pú-
blico e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras
gerações”.
45 STF, ADI no 3.540-1- MC/DF/2005, Relator Min. Celso de Mello, j. em 01.09.2005.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 27
defensivos agrícolas no brasil

A decisão apresenta ainda outro fundamental ponto na discussão so-


bre o direito ao meio ambiente equilibrado: a inclusão deste direito como
um direito de terceira geração. A evolução social e suas consequentes
transformações fizeram com que novas gerações de direitos fossem sur-
gindo ao longo dos séculos. Aqueles de terceira geração possuem como
alicerce o princípio da solidariedade, e tem como um de seus expoentes o
direito ao meio ambiente equilibrado.46 Tal direito tem como peculiaridade
a sua transindividualidade. Ou seja, abarca toda a sociedade e não se limita
a determinados grupos específicos.

Essa característica faz com que a garantia a um meio ambiente ecolo-


gicamente equilibrado demande do Estado, não somente uma prestação
negativa, isto é, fiscalizar e punir aqueles que não cumpram as normas ati-
nentes ao tema. É necessário ir além. O Estado deve promover, por meio
de suas ações e políticas públicas, medidas concretas que visem à prote-
ção do mesmo. Há aqui a exigência de que ele tenha um verdadeiro papel
ativo na proteção ambiental.47 A administração pública deve promover
políticas públicas e gerir suas ações com o propósito de garantir um meio
ambiente equilibrado, e a regulação eficiente de defensivos agrícolas é um
elemento relevante desse processo, posto que o Brasil, como foi anterior-
mente demonstrado, é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no
mundo.

Por outro lado, a utilização e comercialização de tais produtos têm


amparo em outros dispositivos constitucionais igualmente relevantes. O
primeiro deles é a própria garantia fundamental à propriedade privada,
insculpida48 no art. 5o, caput, da CFRB/88. Entretanto, é mais do que ne-
cessário lembrar que a propriedade deve cumprir sua função social. A
regulação de defensivos agrícolas e a função social da propriedade estão
intimamente conectadas, dado que um dos critérios que deve ser utilizado
como limite à propriedade é a própria preservação do meio ambiente,49
conforme determina o art. 186, inciso III, da CFRB/88.

46 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 56-57.
47 Nesse sentido, sustentam Rangel, Farias e Teixeira: “Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar
por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição posi-
tiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido
de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intac-
to”. RANGEL, Tauã Lima Verdan; FARIAS, Karina dos Reis; TEIXEIRA, Eriane Araújo.
Análise dos direitos humanos ambientais na Constituição de 1988: o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado como reflexo dos direitos de terceira geração.
Portuguese. Lex Humana, [s. l.], v. 5, n. 2, p. 154, 2013. Disponível em:http://seer.ucp.
br/seer/index.php/LexHumana/article/view/336/267#. Acesso em: 15 ago. 2020.
48 O caput do art. 5o, inserido no “Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, assim
dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
49 FERREIRA, op. cit., p. 165.
28 Coleção Jovem Jurista 2021

Sistema Constitucional de Competências para legislar sobre


agrotóxicos

A CFRB/88 criou uma federação tripartite, estabelecendo competências


entre a União, os estados federados e os munícipios. A criação de um mo-
delo federativo com 3 (três) entes federados buscava incialmente organi-
zar um modelo descentralizador. Entretanto, a instauração deste modelo
trouxe certa complexidade para a atribuição de competências em relação
ao processo regulatório de agrotóxicos.50

A temática ambiental foi atribuída aos três entes federativos, nos ter-
mos do art. 24 c/c art. 30, incisos I e II, da CFRB/88. Isto é, o texto consti-
tucional determinou que a competência para legislar sobre meio ambien-
te deveria ser concorrente, cabendo à União Federal estabelecer normas
gerais sobre o tema. A competência legislativa sobre agrotóxicos, está
inserida no âmbito legislativo da proteção da saúde e do meio ambiente.51

Porém, o termo “normais gerais” revela-se um conceito jurídico inde-


terminado. Por essa razão, a questão foi judicializada algumas vezes no
STF. Nos julgamentos, o tribunal entendeu que em relação à competência
para legislar sobre defensivos agrícolas, os entes da federação têm com-
petência concorrente sobre o tema. Por isso, a Corte já estabeleceu que
os estados da federação podem legislar sobre a temática dos agrotóxicos,
desde que obedeçam às diretrizes gerais estabelecidas em lei federal. Esse
foi o entendimento do RE 286789/RS, de relatoria da Min. Ellen Gracie,52
que questionava a constitucionalidade da Lei no 7.747/2-RS, diploma legal
estruturador de um banco de dados sobre a venda de agrotóxicos no es-
tado do Rio Grande do Sul:

A pesquisa, a produção, a comercialização, o uso e a


fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins
encontram-se disciplinados pela Lei Federal no 7.802/89.
Neste diploma estão inscritas normas que delegam para
Estados, Distrito Federal e Municípios o poder de legislar
sobre a matéria e fiscalizar o uso deste tipo de produtos,
conforme leitura dos artigos 4o, 10 e 11.

Não vejo, portanto, como censurar normas estaduais


viabilizadoras de fiscalização que, segundo previsto na
Constituição e em lei federal, deve ser exercida pela União e
seus entes Federados, desde que respeitados os contornos
fixados nas regras gerais. (grifo nosso)
50 SOUZA, Larissa Camapum de. Análise da legislação sobre agrotóxicos no Brasil: regu-
lação ou desregulação do controle do uso? Revista Jurídica da Escola Superior do Mi-
nistério Público de São Paulo, v. 11, n. 1, 2018. Disponível em: http://www.esmp.sp.gov.
br/revista_esmp/index.php/RJESMPSP/article/view/. Acesso em: 10 set. 2020.
51 FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti.op. cit., p. 170.
52 STF, RE no 286.789/RS/2005, Relatora Min. Ellen Gracie, j. em 08.03.2005.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 29
defensivos agrícolas no brasil

Em relação à competência municipal, o tribunal firmou entendimen-


to de que os municípios também têm competência para legislar, sob o
argumento de que estes poderiam atuar em defesa do interesse local. A
Corte decidiu no julgamento do RE nº 1045719 AgR/MG, de relatoria da
Min. Rosa Weber,53 que o município poderia legislar sobre o lançamento
de agrotóxicos pela via aérea, desde que obedecesse às normas federais
e estaduais pertinentes, não havendo qualquer usurpação por parte deste:

O entendimento adotado no acórdão recorrido não diverge


da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal
Federal, no sentido de que “O município é competente para
legislar sobre o meio ambiente com a União e o Estado, no
limite do seu interesse local e desde que tal regramento
seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais
entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da Constituição
Federal)” (RE 586.224-RG), razão pela qual não se divisa a
alegada ofensa aos dispositivos constitucionais suscitados.
(grifo nosso)

Assim, nota-se que o entendimento do STF é o de que todos os entes


da federação têm competência para legislar sobre a regulação de agro-
tóxicos, cabendo à União o estabelecimento de normas gerais. Assim nos
ensina Souza:54

Já a competência legislativa é concorrente entre União,


Estados e Distrito Federal (art. 24), cabendo a primeira a
legislação de regras gerais (preponderância no que tange a
interesses nacionais), e aos segundos legislar sobre normas
mais específicas e com base em problemas regionais, o que
não impede que esses últimos exerçam competência geral
em caso de ausência de lei federal sobre o tema. (grifo nosso)

Nesse sentido, a Lei no 7.802/89, marco regulatório que será estuda-


do mais profundamente nos próximos tópicos, determinou que a União
teria as seguintes competências: (i) legislar sobre a produção, registro,
comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação
e controles tecnológico e toxicológico; (ii) controlar e fiscalizar os esta-
belecimentos de produção, importação e exportação; (iii) analisar os pro-
dutos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados; (iv)
controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.

Os Estados e o Distrito Federal, por sua vez, seriam responsáveis por


legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazena-
mento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o
uso, consumo, comércio, armazenamento e transporte interno dos mes-

53 STF, RE no 1045719 AgR/ MG, Relator Min. Rosa Weber, j. em 05.02.2018.


54 SOUZA, op. cit.
30 Coleção Jovem Jurista 2021

mos. A referida legislação determinou ainda, que os Municípios têm com-


petência suplementar para legislar sobre o uso e o armazenamento dos
defensivos agrícolas.55

A CFRB/88 e a Lei nº 7.802/89 estabeleceram um sistema de coope-


-ração entre os 3 (três) entes federados. Buscou-se criar um verdadeiro
Estado Federal Cooperativo entre os três níveis de Poder Público.56 A re-
gulação de defensivos agrícolas é assunto complexo não somente pelos
seus aspectos multidisciplinares, mas também pela própria repartição de
competências estabelecida na CFRB/88 e nas legislações infraconstitu-
cionais. Porém, no presente trabalho, analisar-se-á a atuação federal no
processo regulatório de defensivos agrícolas. O controle exercido pelos
estados e munícipios foge ao escopo da análise aqui pretendida.

A Elaboração do Marco Regulatório: a Lei no 7.802/89

A legislação existente para o processo de regulação de defensivos agríco-


las existente até a elaboração da Lei no 7.802/89 era inexpressiva.57 Antes
da edição do referido texto a matéria era tratada pelo Regulamento do
Serviço de Defesa Sanitária Vegetal, que datava de 1934 e apresentava
um marco regulatório centralizador e insuficiente para a complexidade do
tema. Por isso, a aprovação um novo diploma legal mais atualizado e con-
sistente era ato mais do que necessário.

Dessa forma, o contexto histórico do surgimento da Lei nº 7.802/89


está intimamente conectado com o fortalecimento global das descober-
tas científicas e pautas relacionadas à preservação da saúde humana e
proteção ao meio ambiente.58 No Brasil, o fim do regime militar brasileiro
proporcionou o acolhimento de tais ideias. A própria elaboração da Cons-

55 “Art. 11. Cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos
agrotóxicos, seus componentes e afins”.
56 Nesse sentido sustenta Ferreira: “Entende-se que se faz necessário que os demais
Estados legislem sobre o tema, tendo em vista a competência concorrente prevista no
artigo 24 da Constituição Federal e a ausência de uma norma federal específica sobre
o assunto. Esse dever se reforça considerando se o princípio da solidariedade, susten-
táculo do Estado Federal Cooperativo Brasileiro. A solidariedade em que se baseia o
Estado Federal brasileiro decorre de preceito constitucional”. (FERREIRA, op. cit., p.
305.)
57 TOLEDO, op. cit., p. 19.
58 Nas palavras de Jacobi: “Os grandes acidentes envolvendo usinas nucleares e con-
taminações tóxicas de grandes proporções, como os casos de Three-Mile Island, nos
EUA, em 1979, Love Canal no Alasca, Bhopal, na Índia, em 1984 e Chernobyl, na época,
União Soviética, em 1986, estimularam o debate público e científico sobre a questão
dos riscos nas sociedades contemporâneas. Inicia-se uma mudança de escala na análi-
se dos problemas ambientais, tornados mais freqüentes [sic], os quais pela sua própria
natureza tornam-se mais difíceis de serem previstos e assimilados como parte da reali-
dade global”. JACOBI, Pedro. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cad.
Pesqui., São Paulo, n. 118, p. 189-206, mar. 2003. Disponível em: http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742003000100008&lng=en&nrm=iso.
Acesso: 16 ago. 2020.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 31
defensivos agrícolas no brasil

tituição Federal contou com extensa participação popular.59 Não é à toa


que a CFRB/88 é a primeira constituição brasileira a promover um capítulo
exclusivo à proteção ambiental no texto constitucional.60

Além disso, assim como nos dias de hoje, o Brasil sofria internacional-
mente certa pressão política em relação aos temas relacionados à prote-
ção ambiental. Apesar das conquistas garantidas pelo texto constitucional
de 1988, inúmeras questões ainda se mostravam pendentes. O assassinato
do ativista Chico Mendes repercutiu fortemente no exterior, e isto exigia
das autoridades brasileiras uma resposta legal à altura.61

Assim, no ano de 1985, Pedro Simon, ministro da Agricultura do governo


Sarney, foi o encarregado de reunir uma comissão especial que tinha como
propósito elaborar um anteprojeto legislativo sobre a regulação dos defensi-
vos agrícolas. A edição de tal legislação substituiria a defasada legislação em
vigor, o Decreto no 24.114/1934. A composição da comissão especial, estabe-
lecida pelo Decreto62 no 91.633/1985, era composta por diversos ministérios
e entidades, o que já refletia a complexidade da questão e a pluralidade de
interesses na elaboração deste novo marco regulatório.63

Os debates travados na Comissão Especial foram finalizados e o ante-


projeto foi encaminhado à Presidência da República. Em seguida, o texto
foi novamente examinado com o propósito de eliminar aparentes incons-
titucionalidades. O anteprojeto seguiu então para a apreciação do Parla-
mento, sendo numerado como Projeto de Lei no 1.924/1989. Os esforços
de alguns parlamentares não foram suficientes para barrar a rápida tra-
mitação do texto. Isso porque a Presidência da República havia solicitado
urgência na tramitação do mesmo, por meio da Mensagem no 165/89.64

59 SILVA, José Afonso. Da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. São Paulo,
Malheiros, 2012, p. 88-89.
60 FRANCO, op. cit., p. 54.
61 Ibidem., p. 58.
62 “Art. 2o. A Comissão será coordenada pelo Ministério da Agricultura e integrada por
representantes dos órgãos e entidades abaixo relacionadas: Três do Ministério da
Agricultura; Um do Ministério da Saúde; Um do Ministério do Trabalho; Um do Ministé-
rio da Indústria e do Comércio; Um do Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente; Um do Ministério da Educação; Um do Ministério do Interior; Um do Ministé-
rio da Ciência e Tecnologia; Um da Secretaria de Planejamento da Presidência da Re-
pública – SEPLAN; Um da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA;
Um da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMBRATER; Um
do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF; Um da Secretaria Espe-
cial do Meio Ambiente – SEMA; Um da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas
– ANDEF; Um da Federação das Associações de Engenheiros Agrônomos do Brasil
– FAEAB; Um da Sociedade Nacional de Medicina Veterinária – SNMV; Um da Confe-
deração Nacional da Agricultura – CNA; Um da Confederação Nacional dos Trabalha-
dores na Agricultura – CONTAG; Um do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura
e Agronomia – CONFEA; Um do ConseIho Federal de Medicina Veterinária – CFMV;
Um do Conselho Nacional dos Consumidores Quatro das Entidades Ambientalistas”.
63 FRANCO, op. cit., p. 55.
64 Ibidem p. 59.
32 Coleção Jovem Jurista 2021

Após a realização de intensos debates legislativos nas comissões de


Economia, Indústria e Comércio, Comissão de Agricultura e Política Rural
e a Comissão de Constituição e Justiça,65 o texto do anteprojeto foi apro-
vado pelo Senado Federal, sendo posteriormente sancionado pelo Presi-
dente da República, tornando-se a Lei no 7.802/89. A nova legislação havia
sido elaborada como um novo marco regulatório de defensivos agrícolas,
para um país que havia praticamente negligenciado o tema nas décadas
anteriores.

Os Institutos e Mecanismos do novo Marco Regulatório

A nova Lei no 7.802/89, que havia sido elaborada, em grande parte, como
uma reposta às pressões internacionais sofridas pelo Brasil, trazia em seu
texto uma série de normas e políticas que buscavam ser mais rígidas no
controle dos defensivos agrícolas no Brasil. Nas palavras de Franco:66

A Lei nº 7.802/89, conhecida como Lei de agrotóxicos,


estabeleceu regras mais rigorosas para o controle dos
agrotóxicos, ampliando a gama de insumos fiscalizados.
Antes dela, somente os produtos tóxicos destinados
a fins agrícolas e domissanitários possuíam controle,
respectivamente pelo Decreto 24.114/34 e pela Lei 6.360/76.
Por meio o seu art. 2º ela incluiu níveis produtos para o
controle toxicológico e agronômico, como os para uso em
pastagens, na proteção de florestas nativas ou implantadas,
e de outros ecossistemas e também de ambientes hídricos,
industriais e urbanos. (grifo nosso)

A nova legislação buscou aumentar o leque de atividades que deve-


riam ser controladas e fiscalizadas pelo poder público. A proteção a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado exigia do Estado ações positi-
vas. Finalmente, a administração pública começava a criar limites e condi-
ções para a utilização de agrotóxicos no Brasil.

Assim, a Lei no 7.802/89 trouxe mecanismos de fiscalização e contro-


le dos agroquímicos: (i) capacidade de impugnação ou cancelamento de
registro, por requerimento de entidades e associações pertencentes à so-
ciedade civil; (ii) proibição de registro do defensivo agrícola, caso não haja
no Brasil mecanismo de desativação dos componentes tóxicos do mesmo;

65 A Comissão de Defesa do Consumidor e Meio Ambiente só foi incluída em uma etapa


posterior da análise do PL no 1924/89. Nesse sentido, sustenta Franco: “A Comissão
de Defesa do Consumidor e Meio Ambiente, embora não tenha sido incluída pela Mesa
Diretiva para análise e parecer acerca do Projeto de Lei, contou com seu pleito de
audiência deferido, o que a tonou parte do processo legislativo. Assim, acabou por
elaborar parecer acerca do tema, no qual desempenhou importante papel ao conciliar
as emendas e os pareceres de todas as demais comissões”. Ibidem, p. 64.
66 Ibidem. p. 69.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 33
defensivos agrícolas no brasil

(iii) proibição de registro de novos agrotóxicos, na hipótese da ação tóxica


ser igual ou pior que a de produtos que já sejam utilizados com o mesmo
propósito; (iv) a elaboração de um cadastro obrigatório de produtores,
comerciantes e usuários dos produtos nas entidades competentes dos Es-
tados e Municípios; (v) criação de padrões de embalagens e rótulos; (vi)
atribuição de responsabilidade administrativa aos danos causados; dentre
outros.67

Porém, para os fins do presente trabalho, a inovação mais relevan-


te trazida pela Lei no 7.802/89 foi a regulação tripartite dos defensivos
agrícolas.68 Isto é, assim como ocorreu na elaboração do referido diploma
legal, haveria aqui a necessidade da participação e coordenação de vários
entes federais envolvidos no processo de regulação dos agrotóxicos. A
complexidade do tema e sua relevância exigiam a presença de entes fe-
derais que analisariam as questões a partir de óticas e campos científicos
diversos entre si.

Além disso, a descentralização das atividades administrativas de re-


gulação auxiliou na diminuição dos riscos de captura, pois a regulação
de tal tema interessava a diversos segmentos sociais, inclusive aqueles
com maior poder econômico,69 principalmente os setores conectados ao
MAPA, como por exemplo, as seguintes entidades: ANDEF, AENDA, SIN-
DAG e CNA. A partir da ótica de alguns grupos sociais, os agrotóxicos
devem ser contemplados somente a partir de uma visão de que estes são
insumos indispensáveis ao modelo de produção agrícola.70

A participação de todos os entes é necessária, para que o processo


regulatório seja realizado de maneira completa, e abarque múltiplas visões
e considerações, a partir de diferentes espectros científicos. A classifica-
ção de defensivos agrícolas demanda uma forte interdisciplinaridade, pela
variedade química de produtos e de suas utilizações.71
67 Ibidem, p. 70.
68 “Art. 3o. Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acordo com definição do art.
2o desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e
utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes
e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio am-
biente e da agricultura”. (grifo nosso)
69 PELAEZ, Victor Manoel, SILVA, Letícia Rodrigues da; BORGES, Eduardo. Regulation
of pesticides: a comparative analysis. Science & Public Policy, 2013. Disponível em:
https://ideas.repec.org/a/oup/scippl/v40y2013i5p644-656.html. Acesso em: 17 ago.
2020.
70 CAMPOS, Luiz Claudio Marques. Burocracias em ação: múltiplos atores, estratégias
e conflitos na regulação federal de agrotóxicos. Orientador: Regina Silvia Pacheco.
2012. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Var-
gas, [s. l.], 2012. p. 72. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand-
le/10438/9724. Acesso em: 13 out. 2020.
71 Nas palavras de Franco: “Para melhor entender a competência de cada ente no pro-
cesso regulatório, cabe visualizar as classificações dos agrotóxicos. Uma das mais utili-
zadas é feita conforme a finalidade de uso dos insumos, que leva em conta o alvo a ser
controlado. Nela os agrotóxicos dividem-se em herbicidas, reguladores de crescimen-
to, inseticidas, raticidas, acaricidas, fungicidas, entre outros. Essa divisão é feita con-
34 Coleção Jovem Jurista 2021

Entretanto, a Lei no 7.802/89 apenas estabeleceu diretrizes genéricas


em relação à atuação dos entes competentes. Uma regulamentação por
parte do Poder Executivo era mais do que necessária. Não é à toa que a
própria legislação previu, em seu art. 21, a obrigatoriedade de sua própria
regulamentação, que deveria ocorrer em um prazo de 90 (noventa) dias,
contados a partir de sua publicação.72

A Regulamentação da Lei no 7.802/89: o Decreto no 4.074/02 e os


entes envolvidos

Após a sanção presidencial da Lei nº 7.802/89 era necessário realizar a


regulamentação de diversos dispositivos e institutos previstos no referi-
do diploma legal. A primeira regulamentação foi exercida pelo Decreto nº
98.811/90. Este diploma legal já estabelecia a regulação tripartite dos de-
fensivos agrícolas. O processo deveria ser simultâneo, devendo ser exerci-
do pelo Ministério da Agricultura; Ministério da Saúde e, por fim, no lugar
das competências do atual Ministério do Meio Ambiente, a atuação era
reservada ao Ministério do Interior.73
soante determinadas características fundamentais às classes de agrotóxicos mencio-
nadas. Espera-se, por exemplo, que os inseticidas tenham ação tóxica aguda elevada e
com relativa persistência para que possam atuar em todas as fases de desenvolvimen-
to dos insetos. Contudo, tais características agronômicas requerem cuidados, pois a
elevada toxicidade aguda exige análise quanto aos efeitos da exposição ocupacional,
bem como a persistência elevada demanda estudos quanto aos reflexos causados ao
meio ambiente, pois podem se magnificar na cadeia alimentar e vir a causar danos ao
meio ambiente e à saúde humana”. (FRANCO, op. cit.,p. 72)
72 “Art. 21. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias,
contado da data de sua publicação”.
73 “Art. 5o. Ao Ministério do Interior compete:
I – estabelecer, no âmbito de sua competência, as exigências relativas aos dados e infor-
mações a serem apresentados pelo requerente, para efeito de registro de agrotóxicos,
seus componentes e afins; II – avaliar os agrotóxicos, seus componentes e afins des-
tinados ao uso na proteção de florestas, de ambiente hídricos e outros ecossistemas,
quanto à eficiência requerida do produto; III – avaliar os agrotóxicos, seus componen-
tes e afins e estabelecer a sua classificação, quanto ao potencial de periculosidade
ambiental; IV – conceder o registro a agrotóxicos, seus componentes e afins, desti-
nados ao uso na proteção de florestas, de ambientes hídricos e outros ecossistemas,
atendidas as diretrizes e exigências do Ministério da Saúde; V – conceder o registro
especial temporário a agrotóxicos, seus componentes e afins empregados na prote-
ção de florestas, de ambientes hídricos e outros ecossistemas, para o uso específico a
que se propõe em pesquisa e experimentação, atendidas as diretrizes e exigências do
Ministério da Saúde; VI – estabelecer os parâmetros para rotulagem de agrotóxicos e
afins, quanto as precauções de uso e proteção da qualidade ambiental; VII – controlar,
fiscalizar e inspecionar a produção, a importação e a exportação dos agrotóxicos,
seus componentes e afins, bem como os respectivos estabelecimentos, com vistas à
proteção ambiental; VIII – controlar a qualidade dos agrotóxicos, seus componentes e
afins, de uso na proteção de florestas, em ambientes hídricos e outros ecossistemas,
frente às características do produto registrado; IX – prestar apoio às Unidades da
Federação nas ações de controle e fiscalização dos agrotóxicos, seus componentes e
afins, na área de sua competência; X – desenvolver ações de instrução, divulgação e
esclarecimento que assegurem o uso correto dos agrotóxicos e afins, na área de sua
competência; XI – divulgar periodicamente a relação dos agrotóxicos seus compo-
nentes e afins registrados e destinados ao uso na proteção de florestas, de ambientes
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 35
defensivos agrícolas no brasil

Porém, a vigência de tal legislação não logrou muito sucesso. Após


a regulamentação da Lei no 7.802/90, diversos grupos de interesse, pro-
venientes principalmente do setor agrícola brasileiro e da indústria quími-
ca de defensivos agrícolas promoveram forte pressão política para que a
mesma fosse alterada em alguns aspectos.74

A justificativa apresentada por eles era que a regulamentação previs-


ta no Decreto no 98.811/90 criava diversos empecilhos para a expansão de
ofertas e a redução de preços dos agrotóxicos, impedindo, desta forma, a
desconcentração do mercado nacional. As modificações foram requeridas
principalmente pelas entidades representativas dos interesses de cada um
dos grupos supracitados.75

Nesse sentido, a possibilidade de abertura de um espaço discricio-


nário por parte do Poder Executivo Federal fez com que determinadas
associações de interesse, tais como a ANDEF, AENDA, SINDAG e parte do
setor agrícola, por meio da CNA, realizassem pressão política. O lobby po-
lítico realizado por estas entidades buscava alterar a legislação pertinente,
participando ativamente do processo de construção de um novo diploma
legal para a questão.76

Após o acatamento das pressões políticas, foi publicado o Decreto


no 4.074/02, que estabeleceu as competências administrativas de cada
órgão. Estas podem ser sintetizadas e estudadas a partir de cada uma
das áreas de atuação dos ministérios. O Decreto no 4.074/02 determina
respectivamente em seus arts. 5o, 6o e 7o quais são as competências do
MAPA, MS e MMA.

Em termos gerais, o MAPA é responsável essencialmente pela análise


da eficiência agronômica dos agrotóxicos. Além disso, é responsável ainda
pela concessão do registro, que deve estar sempre em consonância com
as normas elaboradas pelos outros dois ministérios. O Ministério da Saúde,

hídricos e outros ecossistemas; XII – promover, juntamente com o Ministério da Saúde,


a reavaliação do registro de produtos de uso na proteção de florestas em ambientes
hídricos e outros ecossistemas, quando organizações internacionais responsáveis pela
saúde, alimentação ou meio ambiente, dos quais o Brasil seja membro integrante ou
signatário de acordos e convênios, alertarem para riscos ou desaconselharem o uso
desses produtos; XIII – avaliar, em conjunto com o Ministério da Saúde, pedidos de
cancelamento ou impugnação de registro de produtos usados na proteção de flores-
tas, de ambientes hídricos e outros ecossistemas”.
74 FRANCO, op. cit., p. 82.
75 Ibidem. p. 82.
76 Nesse sentido, sustentam PELAEZ e TERRA: “Nesse ambiente, as esferas econômica e
política interagem, por meio de um jogo de forças buscando a legitimação e legaliza-
ção de interesses privados. A interpenetração dessas esferas constitui, um nexo ‘eco-
nômico-jurídico no qual, as empresas buscam, sobretudo estabelecer ex ante regras
do jogo favoráveis à sua atuação no mercado’”. PELAEZ, Victor Manoel; TERRA, Fábio
Henrique Bittes; SILVA, Letícia Rodrigues da. A regulamentação dos agrotóxicos no
Brasil: entre o poder de mercado e a defesa da saúde e do meio ambiente. Revista de
Economia, [s. l.], 2010, v. 36, ed. 1, p. 27-48, 2010. Disponível em: https://revistas.ufpr.
br/economia/article/view/20523. Acesso em: 14. out. 2020.
36 Coleção Jovem Jurista 2021

por sua vez, é o ente competente para realizar a avaliação e a classifica-


ção toxicológica dos defensivos agrícolas. Além de ser responsável pela
concessão do registro junto com os outros dois ministérios, o órgão ainda
deve monitorar os resíduos no meio ambiente.77

Em aspectos ministeriais, a legislação estabelece ainda a competên-


cia do Ministério do Meio Ambiente. Este ministério é responsável pela
análise de eficiência dos defensivos, a partir de uma lógica e perspectiva
dos impactos ocasionados pelos agrotóxicos nos ambientes hídricos, flo-
restas nativas e outros ecossistemas. Nesse sentido, é realizada a avalia-
ção ambiental, que tem como um dos seus elementos a denominada aná-
lise de periculosidade ambiental. Assim como os outros ministérios, ainda
é responsável pela concessão do registro.78

A participação da ANVISA está estabelecida expressamente em ape-


nas uma única situação: o desenvolvimento do SIA, em um prazo de 360
(trezentos e sessenta) dias após a promulgação do Decreto no 4.074/02.79
Entretanto, a partir de uma perspectiva prática, a participação de autar-
quias (ANVISA e IBAMA) não se restringe a esta única obrigação.

A ANVISA, autarquia em regime especial, tem como missão institu-


cional promover a proteção da saúde populacional, atuando por meio de
um controle sanitário da produção e comercialização de produtos que se
enquadrem no espectro da vigilância sanitária. A agência é entidade ad-
ministrativa vinculada ao MS, conforme está previsto na legislação que a
instituiu. Em termos administrativos, a entidade subdivide-se em núcleos
e gerências gerais. A subdivisão responsável pelo processo regulatório de
agrotóxicos é a Gerência de Toxicologia – GGTOX.80

O IBAMA é a autarquia responsável pela execução do poder de polícia


ambiental e das ações das políticas nacionais em meio ambiente, no que
se refere a licenciamento ambiental, controle de qualidade ambiental, fis-
calização e monitoramento. Os aspectos regulatórios estão centralizados
na Diretoria de Qualidade Integral, entidade que abarca a Coordenação

77 CAMPOS, Luiz Claudio Marques. Burocracias em ação: múltiplos atores, estratégias


e conflitos na regulação federal de agrotóxicos. Orientador: Regina Silvia Pacheco.
2012. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Var-
gas, [s. l.], 2012. p. 78. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand-
le/10438/9724. Acesso em: 13 out. 2020.
78 Ibidem. p. 78.
79 “Art. 94. Fica instituído o Sistema de Informações sobre Agrotóxicos – SIA, com o
objetivo de:
[...] § 1o O SIA será desenvolvido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no prazo
de trezentos e sessenta dias, e implementado e mantido pelos órgãos federais das
áreas de agricultura, saúde e meio ambiente”.
80 CAMPOS, Luiz Claudio Marques. Burocracias em ação: múltiplos atores, estratégias
e conflitos na regulação federal de agrotóxicos. Orientador: Regina Silvia Pacheco.
2012. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Var-
gas, [s. l.], 2012. p. 86. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand-
le/10438/9724. Acesso em 13 out. 2020.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 37
defensivos agrícolas no brasil

de Avaliação e Controle de Substâncias Químicas, órgão responsável pela


análise, registro, controle, avaliação, gerenciamento de riscos ambientais
dos agrotóxicos.81

Ambas as autarquias possuem subdivisões especializadas na regula-


ção de defensivos agrícolas, participam da composição do SIA e na práti-
ca atuam no processo regulatório de agrotóxicos. Porém, conforme será
aprofundado mais adiante, em termos legais os entes responsáveis pelo
processo regulatório são os ministérios. Desse modo, o art. 95 do Decreto
no 4.074/02 estabelece que a nomeação dos membros do CTA acontece
por designação dos ministros de Estado responsáveis pelos setores da
agricultura, saúde e meio ambiente.

Art. 95. Fica instituído o Comitê Técnico de Assessoramento


para Agrotóxicos, com as seguintes competências:

[...]

§ 1o O Comitê será constituído por dois representantes, titular


e suplente, de cada um dos órgãos federais responsáveis
pelos setores de agricultura, saúde e meio ambiente,
designados pelo respectivo Ministro. (grifo nosso)

Assim, mesmo que não haja previsão legal expressa, tanto a ANVISA
quanto o IBAMA podem ter seus representantes nomeados para participar
do processo regulatório. Os indicados não precisam necessariamente inte-
grar os quadros técnicos dos ministérios que os indicaram. Inclusive, vale
ressaltar que em alguns dos casos aqui analisados as agências apontam
mais representantes do que o próprio decreto prevê. A legislação buscou
estabelecer a necessidade de avaliação a partir das perspectivas de fiscali-
zação de três áreas distintas do governo federal – a agropecuária, a saúde
e o meio ambiente.82

SIA: A previsão de um sistema único e integrado de informações

O estabelecimento de uma ferramenta de integração administrativa deter-


minado pelo Decreto no 4.074/02 das mudanças tecnológicas ocorridas
a partir do advento das inovações informáticas.83 O Estado buscou por
81 Ibidem, p. 88.
82 Ibidem. p. 15.
83 Nesse sentido sustentam Guimarães e Medeiros: “Os governos de diferentes países
operam num mundo complexo e precisam adaptar-se à nova realidade da era do co-
nhecimento e da globalização. Nesse contexto é moldada a sociedade da informação,
onde as tecnologias de informação e comunicação (TIC) têm papel crucial no modo
como o Estado cumpre suas principais funções”. GUIMARÃES, Tomás de Aquino; ME-
DEIROS, Paulo Henrique Ramos. A relação entre governo eletrônico e governança
eletrônica no governo federal brasileiro. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, p.
1-18, Dec. 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1679-39512005000400004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 15 out. 2020.
38 Coleção Jovem Jurista 2021

meio desses mecanismos reduzir custos84 e promover uma comunicação


mais eficiente e cooperativa entre seus órgãos. O progresso econômico
e a celeridade comercial exigiram das autoridades uma maior eficiência
administrativa.

A previsão de criação do SIA surge nesse contexto. O legislador


ciente da necessidade de comunicação e integração administrativa de-
terminou que um mecanismo único e integrado de comunicação entre os
órgãos federais envolvidos na regulação dos defensivos agrícolas fosse
criado. Por essa razão, um sistema único de informações está previsto no
art. 94 do Decreto no 4.074/02.

O Sistema de Informações sobre Agrotóxicos (SIA) possui previsão


legal no art. 94, tendo os seguintes objetivos: (i) permitir a interação ele-
trônica entre os órgãos federais envolvidos no registro de agrotóxicos,
seus componentes e afins; (ii) disponibilizar informações sobre andamento
de processos relacionados com agrotóxicos, seus componentes e afins,
nos órgãos federais competentes; (iii) permitir a interação eletrônica com
os produtores, manipuladores, importadores, distribuidores e comercian-
tes de agrotóxicos, seus componentes e afins ; (iv) facilitar o acolhimento
de dados e informações relativas à comercialização de agrotóxicos e afins
de que trata o art. 41; (v) implementar, manter e disponibilizar dados e
informações sobre as quantidades totais de produtos por categoria, im-
portados, produzidos, exportados e comercializados no País, bem como
os produtos não comercializados nos termos do art. 41; (vi) manter ca-
dastro e disponibilizar informações sobre áreas autorizadas para pesquisa
e experimentação de agrotóxicos, seus componentes e afins; (vii) imple-
mentar, manter e disponibilizar informações do SIC de que trata o art. 29;
(viii) implementar, manter e disponibilizar informações sobre tecnologia
de aplicação e segurança no uso de agrotóxicos.

O mecanismo é ponto central no processo de integração entre os


órgãos envolvidos. A ideia principal está em centralizar o processo regu-
latório e a interação administrativa federal em um único sistema de infor-
mações, no qual as autoridades competentes poderão dialogar e compar-
tilhar os conhecimentos pertinentes para a realização de uma regulação
mais eficiente.

O Decreto nº 4.074/02 em seu art. 94, § 1o, determina que o SIA de-
verá ser desenvolvido pela ANVISA em um prazo de até 360 (trezentos e

84 Nas palavras de Diniz, Barbosa, Junqueira e Prado: “As iniciativas de reforma e mo-
dernização do setor público e do Estado se intensificaram não apenas como conse-
quência da crise fiscal dos anos 1980, mas também como resultado do esgotamento
do modelo de gestão burocrática e do modo de intervenção estatal”. DINIZ, Eduardo
Henrique et al. O governo eletrônico no Brasil: perspectiva histórica a partir de um
modelo estruturado de análise. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 23-
48, fev. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0034-76122009000100003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 15 out. 2020.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 39
defensivos agrícolas no brasil

sessenta) dias e implementado e mantido pelos órgãos federais das áreas


de agricultura, saúde e meio ambiente. Já a responsabilização pela super-
visão, acompanhamento e estabelecido das diretrizes do SIA é de respon-
sabilidade do CTA. Entretanto, até o presente momento, cada uma das
entidades possui seu próprio sistema de informações independente,85 não
havendo um sistema único e integrado.

A Criação do Comitê Técnico para Assessoramento de Agrotóxico

Conforme exposto nos tópicos anteriores, percebe-se que o Decreto no


4.074/02 estabelece86 como uma de suas prioridades a interação entre
os órgãos responsáveis pela regulação tripartite de defensivos agrícolas.
Por essa razão, a legislação também estabelece a criação do Comitê Téc-
nico para Assessoramento de Agrotóxicos (CTA). O objetivo é constituir
um sistema de gestão conjunta em nível federal.87 Tal entidade aliada à
plataforma SIA é elemento crucial para o desenvolvimento do presente
trabalho. Isso porque, é por seu intermédio que uma interação eficiente
entre os órgãos reguladores é realizada, ou pelo menos deveria ser. Não é
à toa que o Decreto no 4.074/02 estabelece como uma das competências
do CTA a própria manutenção do SIA.

A referida legislação dispõe em seu art. 2º, inciso XIII, que é de com-
petência comum88 dos ministérios supracitados, responsáveis pelo pro-
85 Essa informação está presente no Anexo III, resposta ao Pedido de Acesso à Informa-
ção originalmente encaminhado ao Ministério da Saúde, mas respondido pela ANVISA.
Nele, a entidade afirma que cada um dos órgãos possui seu próprio sistema de infor-
mações.
86 A instituição do Comitê Técnico de Assessoramento de Agrotóxicos (CTA) já era pre-
vista no Decreto no 98.811/90, entretanto foi o Decreto no 4.074/02 que fortaleceu o
órgão.
87 CAMPOS, Luiz Claudio Marques. Burocracias em ação: múltiplos atores, estratégias
e conflitos na regulação federal de agrotóxicos. Orientador: Regina Silvia Pacheco.
2012. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Var-
gas, [s. l.], 2012. p. 82. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand-
le/10438/9724. Acesso em 13 out. 2020.
88 “Art. 2o. Cabe aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde e do
Meio Ambiente, no âmbito de suas respectivas áreas de competências: I – estabelecer
as diretrizes e exigências relativas a dados e informações a serem apresentados pelo
requerente para registro e reavaliação de registro dos agrotóxicos, seus componentes
e afins; II – estabelecer diretrizes e exigências objetivando minimizar os riscos apre-
sentados por agrotóxicos, seus componentes e afins; III – estabelecer o limite máximo
de resíduos e o intervalo de segurança dos agrotóxicos e afins; IV – estabelecer os
parâmetros para rótulos e bulas de agrotóxicos e afins; V – estabelecer metodologias
oficiais de amostragem e de análise para determinação de resíduos de agrotóxicos e
afins em produtos de origem vegetal, animal, na água e no solo; VI – promover a reava-
liação de registro de agrotóxicos, seus componentes e afins quando surgirem indícios
da ocorrência de riscos que desaconselhem o uso de produtos registrados ou quando
o País for alertado nesse sentido, por organizações internacionais responsáveis pela
saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil seja membro integrante ou
signatário de acordos; VII – avaliar pedidos de cancelamento ou de impugnação de
registro de agrotóxicos, seus componentes e afins; VIII – autorizar o fracionamento
e a reembalagem dos agrotóxicos e afins; IX – controlar, fiscalizar e inspecionar a
40 Coleção Jovem Jurista 2021

cesso regulatório, escolher e manter representantes no Comitê Técnico


de Assessoramento para Agrotóxicos. O art. 95 do mesmo diploma legal
elenca de modo taxativo as competências estabelecidas para tal entidade.
O dispositivo tem o seguinte teor:

Art. 95. Fica instituído o Comitê Técnico de Assessoramento


para Agrotóxicos, com as seguintes competências: I –
racionalizar e harmonizar procedimentos técnico-científicos
e administrativos nos processos de registro e adaptação de
registro de agrotóxicos, seus componentes e afins; II – propor
a sistemática incorporação de tecnologia de ponta nos
processos de análise, controle e fiscalização de agrotóxicos,
seus componentes e afins e em outras atividades cometidas
aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
da Saúde e do Meio Ambiente pela Lei no 7.802, de 1989;
III – elaborar, até 31 de dezembro de 2002, rotinas e
procedimentos visando à implementação da avaliação de
risco de agrotóxicos e afins; IV – analisar propostas de edição
e alteração de atos normativos sobre as matérias tratadas
neste Decreto e sugerir ajustes e adequações consideradas
cabíveis; V – propor critérios de diferenciação de agrotóxicos,
seus componentes e afins em classes, em função de sua
utilização, de seu modo de ação e de suas características
toxicológicas, ecotoxicológicas ou ambientais; VI – assessorar
os Ministérios responsáveis na concessão do registro para
uso emergencial de agrotóxicos e afins e no estabelecimento
de diretrizes e medidas que possam reduzir os efeitos
danosos desses produtos sobre a saúde humana e o meio
ambiente; VII – estabelecer as diretrizes a serem observadas
no SIA, acompanhar e supervisionar as suas atividades; e
VIII – manifestar-se sobre os pedidos de cancelamento ou
de impugnação de agrotóxicos seus componentes e afins,
conforme previsto no art. 35.

O órgão é constituído administrativamente por 2 (dois) representan-


tes,89 titular e suplente, que devem ser indicados por cada um dos minis-
produção, a importação e a exportação dos agrotóxicos, seus componentes e afins,
bem como os respectivos estabelecimentos; X – controlar a qualidade dos agrotó-
xicos, seus componentes e afins frente às características do produto registrado; XI
– desenvolver ações de instrução, divulgação e esclarecimento sobre o uso correto e
eficaz dos agrotóxicos e afins; XII – prestar apoio às Unidades da Federação nas ações
de controle e fiscalização dos agrotóxicos, seus componentes e afins; XIII – indicar e
manter representantes no Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos de
que trata o art. 95; XIV – manter o Sistema de Informações sobre Agrotóxicos – SIA,
referido no art. 94; e XV – publicar no Diário Oficial da União o resumo dos pedidos e
das concessões de registro”. (grifo nosso)
89 “Art. 95. § 1o. O Comitê será constituído por dois representantes, titular e suplente, de
cada um dos órgãos federais responsáveis pelos setores de agricultura, saúde e meio
ambiente, designados pelo respectivo Ministro.”
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 41
defensivos agrícolas no brasil

térios envolvidos no processo regulatório dos defensivos agrícolas, totali-


zando assim 6 (seis) participantes. A coordenação do Comitê, por sua vez,
é realizada por um de seus membros, com mandatos de um ano, e deverá
acontecer através de um rodízio.

O princípio da eficiência e suas múltiplas acepções na análise da


interação dos entes federais na regulação dos defensivos agrícolas

O presente trabalho tem como ponto central analisar a eficiência da in-


teração entre os entes federais envolvidos na regulação dos defensivos
agrícolas. Entretanto, para responder a esta pergunta de modo satisfatório
é necessário estabelecer um conceito preciso e delimitado de “eficiência”.
Afinal, existem múltiplas acepções e conceitos de eficiência, cada um obe-
decendo a determinados critérios e propósitos.

O princípio da eficiência foi introduzido no texto constitucional a par-


tir do acréscimo realizado pela EC no 19/98, no rol de princípios norteado-
res da administração pública, insculpidos no art. 37 da CFRB/88. A inser-
ção do referido mandamento demonstra a insatisfação da sociedade civil
com os serviços prestados pelo Estado.

Porém, a inclusão do referido princípio no ordenamento jurídico pá-


trio sofreu uma série de críticas por parte da doutrina, pois o conceito
de eficiência apresenta caráter fluido, necessitando de parâmetros deli-
mitados. A definição de eficiência vem acompanhada de um forte grau de
indeterminação. Nas palavras de Carvalho Filho:90

A inclusão do princípio que passou a ser expresso na


Constituição, suscitou numerosas e acerbas críticas por parte
de alguns estudiosos. Uma delas consiste na imprecisão
do termo. Ou seja: quando se pode dizer que a atividade
administrativa foi eficiente ou não? (grifo nosso)

A doutrina buscou sanar a fluidez e a imprecisão do princípio da efi-


ciência, procurando responder quais deveriam ser de fato os parâmetros
delimitadores para sua aplicação. Nesse ritmo, diversas interpretações fo-
ram atribuídas a este princípio. De acordo com Gilmar Ferreira Mendes,
o princípio da eficiência está relacionado à própria ideia de exercer uma
“boa administração”:91

Introduzido no texto da Constituição de 1988 pela Emenda


n. 19/98, esse princípio consubstancia a exigência de que
os gestores da coisa pública não economizem esforços

90 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 31a. ed. São
Paulo: Atlas, 2017. p. 31.
91 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Go-
net. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 884.
42 Coleção Jovem Jurista 2021

no desempenho dos seus encargos, de modo a otimizar


o emprego dos recursos que a sociedade destina para a
satisfação das suas múltiplas necessidades; numa palavra,
que pratiquem a “boa administração”, de que falam os
publicistas italianos. (grifo nosso)

Por sua vez, Maria Sylvia Zanella di Pietro sustenta que o princípio
da eficiência é multidimensional, englobando um aspecto relativo à es-
truturação organizacional da administração pública e outro referente às
atividades exercidas pelo agente público:92

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois


aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de
atuação do agente público, do qual se espera o melhor
desempenho possível de suas atribuições, para lograr os
melhores resultados; e em relação ao modo de organizar,
estruturar, disciplinar a Administração Pública, também
com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados
na prestação do serviço público. (grifo nosso)

Na presente monografia, utilizar-se-á uma abordagem prática relacio-


nada à segunda dimensão apresentada por Di Pietro. Isto é, o escopo da
pesquisa e sua consequente análise abordará o aspecto estrutural do CTA
e a interação entre seus entes administrativos.

Nesse sentido, para que haja uma análise mais precisa, é necessário
que seja estabelecido um conceito definido, com parâmetros determina-
dos para aferir a eficiência da estrutura de regulação federal de defensivos
agrícolas, realizada pelo Comitê de Assessoramento Técnico de Agrotó-
xicos. Pois quando se está diante de um conceito com contornos inde-
terminados é mais do que essencial que delimitações operacionais sejam
estabelecidas.

Por essa razão, considerar-se-ão eficientes as interações administrati-


vas tomadas pelos entes administrativos que compõem o CTA, a partir das
competências definidas nos arts. 94 e 95 do Decreto nº 4.074/02. Ou seja,
a interação considerada eficiente será aquela em que as competências
legais sejam de fato cumpridas, garantindo a diminuição da assimetria de
informação entre seus participantes. A análise não abordará a conduta e
a eficiência dos agentes públicos individualmente considerados, mas sim
a interação entre as entidades administrativas que compõem o órgão. A
interação administrativa não poderá ser somente formal, isto é, não po-
derá ser realizada somente mediante a elaboração de uma simples ata de
reunião. A demonstração de eficiência será abordada a partir de uma pers-
pectiva material do conteúdo de cada um dos documentos analisados.

92 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32a ed. São Paulo: Atlas, 2019.
p. 167.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 43
defensivos agrícolas no brasil

O Projeto de Lei no 6.189/05 e a supressão do sistema tripartite

A busca por eficiência administrativa organizacional do CTA é matéria que


preocupa alguns parlamentares. Assim, o sistema tripartite de competên-
cias regulatórias previsto pela Lei nº 7.802/89 e Decreto nº 4.074/02 é
alvo de críticas por parte do setor agropecuário brasileiro. As manifesta-
ções elencadas pelo setor são as de que o sistema apresenta muitos entes
envolvidos, e isso acaba por acarretar uma lentidão em todo o proces-
so regulatório. Por esse motivo, parlamentares ligados ao setor buscam
realizar algumas modificações legais no sistema. Uma das mais recentes
alterações sugeridas foi proposta pela senadora Kátia Abreu, através da
apresentação do Projeto de Lei no 6.189/05.

O referido PL busca alterar o art. 3o da Lei no 7.802/89, suprimindo a


participação dos órgãos federais relacionados à agricultura, saúde e meio
ambiente.93 A redação sugerida pela parlamentar possui o seguinte teor:94

Art. 3º-A. O registro de agrotóxicos equivalentes ou


genéricos, para todos os fins a que se refere o art. 3o
desta Lei, será efetuado de forma simplificada, observadas
as seguintes condições: I – o registro de agrotóxicos
equivalentes ou genéricos, inclusive a identificação de
equivalência, será de competência exclusiva do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dispensado o
exame de exigências relativas às áreas de saúde e meio
ambiente. (grifo nosso)

A justificativa apresentada pela congressista critica o modelo de com-


petências regulatórias repartidas, alegando que o atual desenho institucio-
nal acaba por tornar a tramitação dos processos ineficientes e custosos
para o setor industrial responsável pela comercialização dos agrotóxicos:

Na Audiência, o principal argumento utilizado pelos


representantes das indústrias para justificarem a pratica
de preços elevados, principalmente quando se compara o
preço de um mesmo produto no mercado brasileiro com
o que é praticado no mercado argentino, foi o de que no

93 O art. 2o tem a seguinte redação: “Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acor-
do com definição do art. 2º desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, impor-
tados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de
acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores
da saúde, do meio ambiente e da agricultura”. (grifo nosso)
94 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Ordinária no 6.189/05. Altera a Lei no
7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produ-
ção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a
propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos re-
síduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização
de agrotóxicos, seus componentes e afins. Disponível em: https://www.camara.leg.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=306460 Acesso em: 29 out. 2020.
44 Coleção Jovem Jurista 2021

Brasil a morosidade na tramitação do processo e o custo


excessivamente elevado dos registros que são previstos e
exigidos pela Lei no 7.802/89 e regulamentados pelo Decreto
no 4.074/02, elevam o custo de produção Administrado
pelos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, o
registro é necessário, nos termos da A (Lei de Agrotóxicos),
para a realização das atividades de produção, importação,
exportação, comercialização e utilização de qualquer
agrotóxico. Mas, a tramitação do processo é complexa,
onerosa e lenta e muitas vezes as exigências processuais
são irrelevantes quando não descabidas. (grifos nossos)

A justificativa do projeto de Lei no 6.189/05 sustentado pela parla-


mentar, informa que alguns congressistas atribuem, de certa forma, a ine-
ficiência administrativa na regulação de defensivos agrícolas ao modelo
tripartite de regulação adotado no final da década de 1980, com a edição
da Lei no 7.802/89. Entretanto, tal mudança legislativa demonstra-se insu-
ficiente e precária, pois prevê inclusive a dispensa dos exames das exigên-
cias relativas às áreas de saúde e meio ambiente.

Dessa forma, a concentração do processo regulatório pode parecer à


primeira vista uma alternativa viável a um modelo regulatório que prevê a
atuação de múltiplos atores. Porém, a ineficiência administrativa não tem
como causa a interação prevista pelo modelo tríplice de regulação e sim a
falta de uma melhor integração administrativa entre os entes pertencentes
ao processo regulatório.

Nesse sentido, a cooperação administrativa é marca da regulação do sé-


culo XXI. O Estado teve de reinventar e reformular sua forma de atuação, pela
passagem de um estado empresário para um Estado regulador, pela adoção
de um programa de redução do papel estatal na economia.95 Essa mudança
exige uma coordenação administrativa eficiente entre os próprios entes da
administração pública. Nas palavras de Figueiredo Neto:96

Com efeito, a redescoberta das possibilidades da coordenação


de ações para o gerenciamento da Administração Pública,
valendo-se das múltiplas formas de interação e de atuação
agregada dos próprios órgãos já existentes no aparelho
do Estado entre si, e desses com as miríades de entidades
da sociedade civil organizada, têm rasgado um vasto e
riquíssimo campo de experiências gerenciais, em que
95 GUERRA, Sérgio. Regulação e aspectos institucionais brasileiros. In: GUERRA, Sérgio.
Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. p.
373.
96 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Coordenação gerencial na Administração Pú-
blica. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 214, p. 35-53, out. 1998. ISSN
2238-5177. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/
view/47265/45374. Acesso em: 29 out. 2020.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 45
defensivos agrícolas no brasil

institutos 41 antigos vão se remodelando e novos vão sendo


criados com vistas à maior eficiência e à maior visibilidade da
gestão dos interesses públicos. (grifo nosso)

Uma interação administrativa mais eficiente é a solução para os pro-


blemas elencados pela senadora Kátia Abreu em sua justificativa. Posto
que, na realidade, as questões que tornam o processo regulatório “com-
plexo, oneroso e lento” não são em sua essência ocasionadas pelo modelo
de atuação tripartite previsto na Lei no 7.802/89. Mesmo porque, confor-
me foi elucidado neste capítulo, a legislação anterior à Lei nº 7.802/89
(Decreto nº 24.114/1934), demonstrava-se ineficiente ao concentrar todas
as atividades regulatórias no Serviço de Defesa Sanitária Vegetal, órgão
vinculado ao Ministério da Agricultura, não levando em consideração os
aspectos relacionados à saúde humana e ao meio ambiente. Na realidade,
conforme veremos nos próximos tópicos, a atuação tripartite auxilia na
diminuição da assimetria de informação existente entre os entes partici-
pantes do CTA e diminui os riscos de captura.

II. ANÁLISE EMPÍRICA DA INTERAÇÃO ADMINISTRATIVA


ENTRE OS ENTES FEDERAIS ENVOLVIDOS NO PROCESSO
REGULATÓRIO DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS

Limitações metodológicas

O estudo terá como escopo os órgãos e entidades competentes para pro-


mover a regulação de defensivos agrícolas em nível federal. Para isso, se-
rão coletados os dados previstos nas Atas de Reunião do CTA, entidade
composta pelos seguintes órgãos: (i) MAPA; (ii) MMA/IBAMA; (iii) MS/
ANVISA.

A realização da pesquisa deve ser entendida a partir de algumas limi-


tações metodológicas. Nesse sentido, foram estabelecidos dois recortes
para a elaboração do trabalho. O primeiro deles é a fixação de um recorte
documental para a realização da análise quantitativa do trabalho. Isto é,
para estudar a integração e a coordenação entre as entidades supracita-
das, escolheram-se os documentos oficiais de comunicação entre esses
órgãos: As Atas de Reunião do CTA. No total foram analisadas 32 (trinta
e duas) atas.

O segundo recorte escolhido é relativo ao período que será estudado.


O Comitê Técnico de Assessoramento foi criado pelo Decreto nº 4.074, de
4 de janeiro de 2002, em seu art. 95. Buscou-se analisar a atuação mais
recente entre as entidades, de modo que a análise empírica ocorreu por
meio da coleta de dados dos anos de 2017, 2018 e 2019.
46 Coleção Jovem Jurista 2021

Metodologia

No presente tópico abordar-se-á o procedimento escolhido para a


coleta dos dados empíricos analisados. Estabeleceu-se um recorte tem-
poral entre os anos de 2017 a 2019. As atas de reunião elaboradas nestes
anos foram estudadas a partir das atividades discutidas em cada reunião.

A unidade de pesquisa abordada foi a “Atividade”. Por “Atividade”


deve-se entender cada uma das decisões tomadas pelo CTA durante suas
reuniões, elencadas em tópicos numerados nas próprias atas de reunião
do CTA. Nesse sentido, a classificação das atividades contou com as se-
guintes variáveis: (i) Ata; (ii) Data; (iii) Categoria; (iv) Descrição; (v) De-
cisão Unânime; (vi) Manifestação: (vii) Representante do MAPA I; (viii)
Representante do MAPA II: (ix) Representante do MMA/IBAMA I; (x) Re-
presentante do MMA/IBAMA II: (xi) Representante do MS/ANVISA I; (xii)
Representante do MS/ANVISA II e (xiii) Observações Adicionais.
• “Ata”: Número e espécie de reunião realizada (ordinária ou
extraordinária);

• “Data”: Data de realização da reunião, contendo dia, mês e ano;

• “Categoria”: Enquadramento do assunto abordado em uma das


hipóteses previstas na legislação;

• “Assunto Tratado”: Descrição da matéria discutida entre os entes


federais;

• “Decisão Unânime”: Campo que buscava determinar se a tomada


de decisão entre os órgãos foi unânime;

• “Manifestação”: Verificação da existência (ou não) de


manifestação na tomada de decisões do CTA;

• “Representante do MAPA I”: Nome completo de um dos


representantes legais do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento;

• “Representante do MAPA II”: Nome completo de um dos


representantes legais do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento;

• “Representante do MMA/IBAMA I”: Nome completo de um dos


representantes legais do Ministério do Meio Ambiente;

• “Representante do MMA/IBAMA II”: Nome completo de um dos


representantes legais do Ministério do Meio Ambiente;
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 47
defensivos agrícolas no brasil

• “Representante do MS/ANVISA I”: Nome completo de um dos


representantes legais do Ministério do Ministério da Saúde;

• “Representante do MS/ANVISA II”: Nome completo de um dos


representantes legais do Ministério do Ministério da Saúde;

• “Observações Adicionais”: Campo destinado aos comentários


sobre peculiaridades e elementos especiais dos tópicos.

As variáveis “Manifestação” e “Decisão Unânime” foram pensadas


como dummies (binárias), isto é, tendo como possíveis respostas as se-
guintes opções: (i) Sim; (ii) Não.

Três variáveis merecem esclarecimentos adicionais. A primeira delas


é a variável “Categoria”. O enquadramento das ações tomadas pelo CTA
em categorias buscou averiguar quais foram as decisões tomadas tendo
em consideração as competências estabelecidas no art. 95 do Decreto
nº 4.074/2002. A classificação obedeceu a critérios de padronização. Os
temas abordados foram divididos nas seguintes categorias:
• Harmonização de procedimentos: Categoria criada para abarcar
as atividades que se enquadram no art. 95, inciso I, do Decreto
nº 4.074/2002: “racionalizar e harmonizar procedimentos
técnico-científicos e administrativos nos processos de registro e
adaptação de registro de agrotóxicos, seus componentes e afins”.

• Inserção da tecnologia: Categoria criada para abarcar as atividades


que se enquadram no art.95, II do Decreto nº 4.074/2002:

propor a sistemática incorporação de tecnologia de ponta nos


processos de análise, controle e fiscalização de agrotóxicos,
seus componentes e afins e em outras atividades cometidas
aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da
Saúde e do Meio Ambiente pela Lei no 7.802, de 1989.

• Rotinas e procedimentos: Categoria criada para abarcar as


atividades que se enquadram no art.95, III do Decreto nº
4.074/2002: “elaborar, até 31 de dezembro de 2002, rotinas e
procedimentos visando à implementação da avaliação de risco
de agrotóxicos e afins”.

• Edição e alteração de atos normativos: Categoria criada para


abarcar as atividades que se enquadram no art.95, inciso IV, do
Decreto nº 4.074/2002: “analisar propostas de edição e alteração
de atos normativos sobre as matérias tratadas neste Decreto e
sugerir ajustes e adequações consideradas cabíveis”.
48 Coleção Jovem Jurista 2021

• Critérios de diferenciação: Categoria criada para abarcar as


atividades que se enquadram no art. 95, inciso V, do Decreto nº
4.074/2002:

propor critérios de diferenciação de agrotóxicos, seus


componentes e afins em classes, em função de sua utilização,
de seu modo de ação e de suas características toxicológicas,
ecotoxicológicas ou ambientais.

• Diretrizes SIA: Categoria criada para abarcar as atividades que


se enquadram no art. 95, inciso VII, do Decreto nº 4.074/2002:
“estabelecer as diretrizes a serem observadas no SIA, acompanhar
e supervisionar as suas atividades”.

• Assessoramento dos ministérios: Categoria criada para abarcar


as atividades que se enquadram no art. 95, VI do Decreto nº
4.074/2002:

assessorar os Ministérios responsáveis na concessão do


registro para uso emergencial de agrotóxicos e afins e no
estabelecimento de diretrizes e medidas que possam reduzir
os efeitos danosos desses produtos sobre a saúde humana e
o meio ambiente.

• Cancelamento ou impugnação: Categoria criada para abarcar


as atividades que se enquadram no art. 95, VIII do Decreto nº
4.074/2002: “manifestar-se sobre os pedidos de cancelamento
ou de impugnação de agrotóxicos seus componentes e afins,
conforme previsto no art. 35”.

• Outros: Categoria criada para abarcar as atividades que não


se enquadraram em nenhuma das competências legalmente
previstas no rol taxativo do art. 95 do Decreto nº 4.074/2002.

Em um segundo lugar, a variável “decisão unânime” buscou averi-


guar a existência de coesão e de interação no processo decisório do CTA,
procurando verificar a interação decisória entre os órgãos integrantes do
mesmo. Isto é, esta variável busca delimitar se houve discordância de al-
gum dos entes administrativos na tomada de decisão do CTA.

Outro fator analisado na classificação dos dados foi a existência (ou


não) de manifestação nos assuntos abordados, por meio da variável “ma-
nifestação”. Isto é, por manifestação entendeu-se qualquer troca de po-
sicionamentos ou informações entre os órgãos administrativos antes da
tomada de decisão pelo CTA. A apuração de tal variável foi realizada a
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 49
defensivos agrícolas no brasil

partir da análise das descrições de cada uma das Atividades elencadas nas
atas de reunião.

Na 1ª Reunião de 2019, por exemplo, o IBAMA apenas informou aos


outros órgãos que aprovou projeto dentro do escopo do “Fundo de Defe-
sa de Direitos Difusos”.97 Entretanto, a matéria versava sobre aspecto que
deveria ser discutido por todos. Afinal, de acordo com a própria descrição
prevista na Ata de Reunião, o projeto buscava: “Estabelecer modelo da
avaliação dos riscos para uso de agrotóxicos no Brasil, com vistas a mi-
nimizar seus efeitos negativos na aplicação junto ao meio ambiente e à
saúde humana, bem como garantir a divulgação segura de informações
ao cidadão”.

Percebe-se, pela natureza do texto, que a aprovação do Fundo de De-


fesa de Direitos Difusos era matéria que não competia somente ao IBAMA,
pois o objetivo do fundo tangenciava também outras esferas de conheci-
mento alheias à sua própria área de atuação. O projeto não buscava so-
mente estabelecer um modelo de avaliação que visasse minimizar os efei-
tos negativos no meio ambiente, mas também os prejuízos ocasionados à
saúde humana. E por uma questão de competência legal, e de expertise,
o MS e a própria ANVISA deveriam ter sido consultados antes da tomada
de decisão. Assim, essa situação foi considerada como sem manifestação.

Agora, apresentar-se-á um exemplo de Atividade que foi enquadrada


como manifestação. Na 2ª Reunião de 2019, o CTA analisou se o produto
“Hidrotreat” deveria ou não ser considerado agrotóxico. No entendimento
da ANVISA e do MAPA, a referida substância não deveria ser considerada
como agrotóxico, pois não se enquadrava na definição prevista na Lei nº
7.802/89. O IBAMA, por sua vez, apresentou posicionamento diametral-
mente oposto, defendendo que o produto inseria-se no rol de substâncias
que poderiam ser consideradas como agrotóxicos. O CTA decidiu por en-
caminhar o tema às instâncias superiores.

Nas duas situações os órgãos deveriam ter manifestado suas posi-


ções antes da tomada de decisão. Na primeira, o IBAMA apenas comu-
nicou os outros componentes do CTA sobre a aprovação de matéria que
deveria ter sido discutida por todos. No segundo exemplo, há uma dis-
cussão acerca da classificação que determinada substância deveria ter no
ordenamento jurídico brasileiro. Para a ANVISA e MAPA, o “Hidrotreat”
não se enquadra como agrotóxico, não se aplicando, portanto, o regime
jurídico pertinente a esse tipo de substância. Em contrapartida, o IBAMA
tem entendimento diverso, sustentando que a mercadoria, por suas carac-
terísticas deve ser considerada como agrotóxico.

97 O Fundo de Defesa de Direitos Difusos foi criado pela Lei no 7.347/85 (Lei da Ação
Civil Pública), sendo regulamentado posteriormente pela Lei no 9.008/95.
50 Coleção Jovem Jurista 2021

Resultados da pesquisa

A partir da pesquisa realizada, foram identificadas 202 (duzentas e


duas) atividades, as quais se encontram listadas no Anexo A. Todas as ati-
vidades foram classificadas em uma das categorias já elucidadas no tópico
anterior. Desse total de eventos, 80 (oitenta) enquadram-se na categoria
“Harmonização de procedimentos”; 69 (sessenta e nove) foram inseridos
na categoria “Edição e alteração de atos normativos”; 36 (trinta e seis)
pertencem à categoria “Critérios de diferenciação”; 6 (seis) correspondem
a categoria “Diretrizes SIA”; 6 (seis) constituem a categoria “Outros” e 5
(cinco) versam sobre o “Assessoramento dos ministérios”.

É relevante pontuar que não foram identificadas atividades que se


enquadrem nas seguintes categorias: “Inserção da tecnologia”, “Cance-
lamento ou impugnação” e “Rotinas e procedimentos”. Feita essa breve
consideração, o levantamento empírico realizado pode ser exprimido pelo
gráfico a seguir.
Gráfico 1. Distribuição das Atividades

Fonte: Elaboração do autor.

Percebe-se que 39,62% (trinta e nove inteiros e sessenta e dois cen-


tésimos por cento) das atividades realizadas pelo CTA enquadram-se na
categoria “Harmonização de procedimentos”, enquanto 34,15% (trinta e
quatro inteiros e quinze centésimos por cento) pertencem à categoria
“Edição e alteração de atos normativos”; 17,82% (dezessete inteiros e oi-
tenta e dois centésimos por cento) correspondem a categoria “Critérios
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 51
defensivos agrícolas no brasil

de diferenciação”; 2,97% (dois inteiros e noventa e sete centésimos por


cento) são referentes à “Diretrizes SIA”; 2,97% (dois inteiros e noventa
e sete centésimos por cento) são atinentes à categoria “Outros” e 2,47%
(dois inteiros e quarenta e sete centésimos por cento) estão relacionadas
ao “Assessoramento de ministérios”.

Do universo de 202 (duzentas e duas) atividades, 139 (cento e trinta


e nove) apresentaram manifestação por parte dos entes administrativos
envolvidos, enquanto 63 (sessenta e três) não exibiram qualquer menção
de manifestação por parte dos órgãos administrativos pertencentes ao
processo regulatório de defensivos agrícolas.

A administração pública tem o dever constitucional de realizar suas


atividades de modo eficiente. No presente trabalho, o conceito de eficiên-
cia adotado está essencialmente conectado ao estrito cumprimento das
competências estabelecidas no art. 95 do Decreto nº 4.074/2002. Assim,
a partir dos dados coletados, nota-se que do universo de 202 (duzentas
e duas) atividades, 63 (sessenta e três) delas não ostentaram qualquer
manifestação por parte das autoridades administrativas. Em termos per-
centuais, este número representa 31,18% do total de casos.
Gráfico 2. Existência de Manifestação

Fonte: Elaboração do autor.

Ou seja, existe um universo considerável de casos em que não há


manifestação por parte dos entes integrantes do CTA. A partir dos dados
coletados, de cada 10 (dez) casos, 3 (três) não apresentaram qualquer
discussão administrativa. Nessas situações, as entidades envolvidas não
buscaram diminuir a assimetria de informação existente entre eles.
52 Coleção Jovem Jurista 2021

O conceito de information asymmetry foi desenvolvido pelo econo-


mista Akerlof,98 no estudo de tratativas comerciais em que uma parte tinha
mais informações acerca do bem que estava sendo vendido em determi-
nada transação.

Em termos gerais, a assimetria de informação pode ser definida como


o fenômeno em que uma das partes conta com mais ou melhores infor-
mações sobre uma determinada transação. No caso aqui analisado, essa
situação acaba por gerar um desequilíbrio que afeta a atuação regulatória
e a eficiência das instituições. A assimetria de informação gera consequên-
cias diretas no funcionamento das instituições e consequentemente nas
atividades que estas exercem. Nas palavras de Douglas North:99

Na realidade, entretanto, existem assimetrias de informações


existentes entre os atores, e a combinação disso com a
subjacente função comportamental dos indivíduos gera
implicações radicais para a teoria econômica e para o estudo
das instituições.

A abordagem de North mostrou-se inovadora, pois pela primeira vez


buscava-se trazer à ciência econômica a variável da assimetria de informa-
ção e sua relação com as instituições. Afinal, o modelo neoclássico elabo-
rado pelos economistas mais tradicionais tinha como aspecto central da
teoria econômica o comércio, potencializado por uma forte especialização
atrelada à divisão internacional do trabalho. Enquanto a economia global
crescia, a divisão do trabalho ficava cada vez mais específica. A conjuga-
ção entre esses fenômenos, de acordo com as teorias neoclássicas, levava
a um aumento das atividades econômicas.100 Não havia uma verdadeira
preocupação com os impactos que as instituições poderiam ter na dimi-
nuição da assimetria de informações e consequentemente na riqueza ge-
rada pelas nações.

Apesar das relevantes diferenças entre o setor público e o privado,


o conceito de assimetria de informação também se aplica na análise das
instituições pertencentes ao setor público. Tal perspectiva pode ser uti-
lizada em diversas áreas da ciência, inclusive na Sociologia e no Direito,
influenciando a elaboração da organização de agências reguladoras e das
políticas antitruste e de governança regulatória.101

98 MARQUES, Rodrigo Moreno; PINHEIRO, Marta Macedo Kerr. Política de informação


nacional e assimetria de informação no setor de telecomunicações brasileiro. Perspec-
tivas em Ciência da Informação, [s. l.], v. 16, n. 1, p. 65-91, 2011. Disponível em: https://
www.scielo.br/pdf/pci/v16n1/a05v16n1. Acesso em: 26 out. 2020. Acesso em: 28 out.
2020.
99 NORTH, Douglass. Instituições, mudança institucional e desempenho econômico. São
Paulo: Três Estrelas, 2018. p. 58.
100 Ibidem, p. 54.
101 WILLIAMSON, Oliver. The mechanisms of governance. Oxford: Oxford University
Press, 1996. p. 51.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 53
defensivos agrícolas no brasil

Nessa toada, a legislação pátria buscou estabelecer um sistema de


cooperação administrativa entre as diversas instituições federais envol-
vidas no processo regulatório de agrotóxicos. O diálogo administrativo
entre as instituições atua na diminuição da assimetria de informação exis-
tente entre os órgãos reguladores, pois, para que haja uma regulação efi-
ciente é necessário diminuir a assimetria de informação existente entre os
próprios órgãos da administração pública.

A estrutura prevista na legislação busca inserir na regulação de de-


fensivos agrícolas um processo de decisão em que múltiplas análises são
consideradas. Tal mecanismo visa diminuir as assimetrias de informações
existentes entre cada um dos órgãos. Porém, nas decisões em que não
existe manifestação pode haver violação do princípio da eficiência, uma
vez que os entes federais envolvidos no processo regulatório não pos-
suem a expertise e a especialização necessárias para analisar todos os as-
pectos regulatórios do tema.

No presente trabalho, a redução das assimetrias ocorre a partir do


momento em que os membros do CTA trocam informações sobre campos
científicos que se complementam. Existe uma necessária especialização102
setorial, visto que cada uma das áreas pertencentes ao processo regula-
tório apresenta suas próprias peculiaridades técnicas e científicas. Em um
depoimento coletado por Luiz Cláudio Campos, em sua tese “Burocracias
em Ação”, um dos servidores do MAPA explicita a falta de expertise que
o Ministério da Agricultura possui ao lidar com temas relacionadas aos
outros setores envolvidos no processo regulatório:103

[...] o que a gente tem percebido é que muitas vezes a decisão


é tomada não totalmente calcada em razões técnicas. Só que
a decisão é deles. [...] O Ministério [da Agricultura] não vai
mover uma ação contra o governo. Então a gente entra para
um debate. Por isso a gente precisa de mais qualificação
técnica na nossa área, para poder entrar em um debate
mais rico. Não dá para a gente ter só uma qualificação em
agronomia. Eu preciso entender de toxicologia em um nível,
para poder dizer, “o que você está falando não faz muito
sentido. Será que você não viu por outro lado? Esse produto
é muito importante na agricultura, será que não dá para
conseguir um manejo no risco, e permitir para que ele fique
mais dois anos? (grifo nosso)

102 GONÇALVES, op. cit.


103 CAMPOS, Luiz Claudio Marques. Burocracias em ação: múltiplos atores, estratégias e
conflitos na regulação federal de agrotóxicos. 2012. Orientador: Regina Silvia Pache-
co. 2012. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio
Vargas, [s. l.], 2012. p. 125. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/han-
dle/10438/9724. Acesso em: 13 out. 2020.
54 Coleção Jovem Jurista 2021

Em um primeiro momento, pode-se pensar que a presença de múlti-


plas entidades administrativas em uma discussão regulatória pode preju-
dicar mais do que beneficiar o processo regulatório. Porém, na realidade,
a existência do CTA e a previsão de um sistema integrado de informa-
ções (SIA) visam diminuir a assimetria de informação entre os órgãos, pois
representam os únicos mecanismos legais de discussão, monitoramento
recíproco e integração dessas entidades. Nesse sentido, de acordo com
Luiz Cláudio Campos, a manifestação entre os entes pertencentes ao CTA
apresenta benefícios ao aspecto regulatório de agrotóxicos:104

O CTA, portanto, parece ter se tornado uma instância onde


os órgãos exercem monitoramento mútuo de suas ações,
expõem posicionamentos, articulam suas posições e buscam
consenso. O CTA também se constituiu em um instrumento
de promoção de maior transparência na política regulatória
de agrotóxicos, por dar publicidade às atas das reuniões e
permitir participação de atores externos. (grifos nossos)

Além disso, caso um único órgão fosse responsável por toda a re-
gulação de defensivos agrícolas haveria o risco de que alguma área não
tivesse seus aspectos considerados para os fins do processo regulatório.105
O ministério escolhido para centralizar o procedimento não teria como
analisar o setor a partir de todas as perspectivas que necessariamente per-
passam a regulação de defensivos agrícolas.106 O Ministério da Agricultura,
por exemplo, poderia representar somente as posições de determinados
grupos políticos conectados ao setor agrícola brasileiro. Assim nos ensina
Victor Manoel Pelaez:107

A gestão tripartite do processo regulatório tem apresentado


conflitos de interesses, sobretudo entre o Ministério da
Agricultura e o da Saúde, no que tange aos processos de
104 Ibidem, p. 125.
105 Nas palavras de Campos: “A pesquisa ainda captou a existência e a percepção de
assimetria de informação entre os próprios agentes. Um dos entrevistados do MAPA
ressaltou a necessidade de ampliação de conhecimento de seus técnicos para outras
áreas como forma de melhor discutir com os demais órgãos, principalmente quando
suas posições sobre o registro ou reavaliação divergirem ou quando houver a per-
cepção de que a decisão não é tomada apenas por ‘fatores técnicos’”. (grifo nosso)
CAMPOS, Luiz Claudio Marques. Burocracias em ação: múltiplos atores, estratégias
e conflitos na regulação federal de agrotóxicos. Orientador: Regina Silvia Pacheco.
2012. Tese – Doutorado em Administração Pública e Governo – Fundação Getúlio
Vargas, [s. l.], 2012. p. 108-109. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/
handle/10438/9724. Acesso em 13 out. 2020.
106 PELAEZ, Victor Manoel; SILVA, Letícia Rodrigues da; ARAÚJO, Eduardo. Regulação de
agrotóxicos: uma análise comparativa. PELAEZ, Victor Manoel; SILVA, Letícia Rodri-
gues da; ARAÚJO, Eduardo. Regulação de agrotóxicos: uma análise comparativa. In:
SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA. 13, 2012, São
Paulo. Anais.... São Paulo: EACH/USP, 2012, p. 12.Disponível em: http://www.13snhct.
sbhc.org.br/resources/anais/10/1356022660_ARQUIVO_RegulacaoAgrotoxicosS-
BHC.pdf. Acesso em: 30 out. 2020.
107 Ibidem, p. 9.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 55
defensivos agrícolas no brasil

reavaliação de agrotóxicos estabelecidos por este último.


O Ministério da Agricultura tem-se posicionado como
testemunha de defesa das empresas de agrotóxicos em
recursos judiciais submetidos contra o Ministério da Saúde
nas reavaliações. Um dos principais argumentos utilizados
pelo representante do Ministério da Agricultura é o risco
de perda de competitividade da agricultura brasileira com
a retirada dos produtos do mercado nacional. (grifo nosso)

Inclusive, mesmo com a atual organização institucional, já existe forte


interesse político para que mudanças legislativas centralizem o processo
regulatório no MAPA. As autoridades responsáveis pelos estudos cientí-
ficos relacionados à saúde e ao meio ambiente sofrem pressões políticas
externas quando buscam garantir o cumprimento de suas competências
estabelecidas na legislação.108

Assim, percebe-se que o modelo de regulação tripartite apresenta na


realidade uma vantagem, ao permitir a redução da assimetria de informa-
ções interna, entre os participantes do CTA. A configuração organizacio-
nal múltipla confere à regulação de defensivos agrícolas uma análise mais
especializada e profunda sobre os aspectos que devem ser analisados. Os
participantes do CTA não têm os conhecimentos científicos necessários
para tratar de todo o processo regulatório. A concentração das atividades
em qualquer um dos órgãos administrativos teria como consequência uma
ineficiente regulação de agrotóxicos. Além disso, caso o processo fosse
centralizado em uma única entidade, haveria ainda o risco de captura.

Na realidade, a ineficiência administrativa mapeada na presente pes-


quisa poderia ser diminuída não pela centralização do processo regula-
tório, mas sim a partir da implementação do SIA, mecanismo único de
integração eletrônica entre os participantes do CTA.

Dessa forma, a inexistência de um mecanismo único de informações


também foi captada nos dados coletados em nossa pesquisa. A partir da
análise dos dados presentes na variável “Categoria” pode-se perceber que
somente 6 (seis) atividades em um universo de 202 (duzentos e duas) re-
ferem-se à elaboração de um sistema de comunicação e integração entre
os órgãos pertencentes ao CTA.

108 SOUZA, op. cit., p. 61-62.


56 Coleção Jovem Jurista 2021

Tabela 1. Atividades da Categoria “Diretrizes SIA”

Ata Data Categoria Assunto Tratado

4ª Reunião 10.05.2017 Diretrizes SIA Ofício de requerimento de


Ordinária informações sobre o SIA
feito pelo TCU
5ª Reunião 13.06.2017 Diretrizes SIA Avanços no desenvolvi-
Ordinária mento do SIA
6ª Reunião 03.08.2017 Diretrizes SIA Avanços no desenvolvi-
Ordinária mento do SIA
8ª Reunião 06.11.2017 Diretrizes SIA Ofício do Tribunal de
Ordinária Contas da União sobre o
desenvolvimento do SIA
9ª Reunião 12.12.2017 Diretrizes SIA Cronograma SIA
Ordinária
9ª Reunião 12.12.2017 Diretrizes SIA Aditivo ao Termo de Co-
Ordinária operação Interministerial
sobre o SIA
Fonte: Elaboração do autor.

Conforme já foi anteriormente explicitado, a criação da referida pla-


taforma é obrigação prevista no art. 94, § 1º, do Decreto nº 4.074/2002.
A legislação estabelece que o desenvolvimento do Sistema Integrado de
Informações sobre Agrotóxicos deveria ter sido realizado pela ANVISA,
dentro de um prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contados a par-
tir da publicação do Decreto nº 4.074/2002. O desenvolvimento de uma
plataforma que reunisse todas as informações necessárias ao processo re-
gulatório federal de defensivos agrícolas é relevante elemento na comuni-
cação interna entre as autoridades competentes e consequentemente na
diminuição da assimetria de informação existente entre elas.

A manifestação do TCU sobre a ineficiência integrativa do CTA

O TCU já se manifestou acerca da ineficiência integrativa do CTA. A Corte


já fiscalizou a falta de efetivação do SIA. A omissão administrativa na im-
plementação do sistema não é fato novo para a administração pública fe-
deral e seus órgãos de controle. Isso porque, O TCU109 constatou por meio
do Acórdão nº 2.253/2017 que as autoridades competentes não promove-
ram a criação e a implementação do SIA, conforme determina o art. 94,
109 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão no 2.253/2017, Relator Walton Alencar
Rodrigues, 11 de out. 2017.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 57
defensivos agrícolas no brasil

§1º, do Decreto nº 4.074/02. A decisão proferida pelo órgão de controle


determinou inclusive a observância a um cronograma, conforme dispõe o
item 1.7.1 do referido Acórdão:

1.7.1. à Anvisa para que proceda à conclusão do Sistema


de Informações sobre Agrotóxicos (SIA), conforme prevê
o art. 94, § 1º, do Decreto nº 4.074/2002, estabelecendo
cronograma para sua implementação, sob a liderança do
MAPA, no prazo de 90 dias, e, partir daí, apresentar o Tribunal,
trimestralmente, relatório de progresso do SIA sobre as
ações adotadas e implementadas, sob pena de aplicação da
multa prevista no inciso VII, artigo 268 do Regimento Interno
do TCU.

A decisão tomada pelo TCU pode ser verificada na base de dados do


presente trabalho. Metade das menções à criação e ao desenvolvimento
do SIA fazem referência e se relacionam diretamente com o conteúdo de-
cisório do Acórdão nº 2.253/2017. O CTA se reuniu 3 (três) vezes após a
sua publicação, e em uma delas, um dos temas abordados é o envio de um
cronograma de implementação do SIA ao TCU.
Tabela 2. Atividades da Categoria “Diretrizes SIA” após a Manifestação do TCU

Ata Data Categoria Assunto Tratado

8ª Reunião 06.11.2017 Diretrizes Ofício do Tribunal de Contas


Ordinária SIA da União sobre o desenvolvi-
mento do SIA
9ª Reunião 12.12.2017 Diretrizes Cronograma SIA
Ordinária SIA
9ª Reunião 12.12.2017 Diretrizes Aditivo ao Termo de Coope-
Ordinária SIA ração Interministerial sobre
o SIA

Fonte: Elaboração do autor.

Mesmo após a determinação do estabelecimento de um cronogra-


ma110 para a implementação e desenvolvimento do SIA, a administração
pública federal não finalizou as determinações elencadas pelo TCU no
Acórdão nº 2.253/2017, pois até hoje não foi desenvolvido qualquer sis-
tema de integração informacional entre os órgãos. Inclusive, de acordo
com o cronograma enviado pela ANVISA ao TCU, o projeto já deveria ter

110 O Cronograma enviado ao TCU é o Anexo F do presente trabalho e foi obtido por meio
da Lei no 12.527 (“Lei de Acesso à Informação”.)
58 Coleção Jovem Jurista 2021

sido finalizado.111 Entretanto, ainda não houve sequer a escolha da empresa


responsável pela elaboração do sistema.112

Manifestação acerca da implementação do SIA: entes envolvidos

Após a realização de pesquisa através das atas de reunião do CTA, bus-


cou-se vislumbrar a situação a partir da perspectiva dos próprios entes
administrativos. Por essa razão, foram enviados questionamentos (pela Lei
nº 12.527 – “Lei de Acesso à Informação”) acerca da mora relativa à imple-
mentação do SIA.

Dessa forma, foram enviados pedidos de acesso à informação a cada


um dos órgãos relacionados ao processo de desenvolvimento e imple-
mentação do SIA,113 nos termos do art. 94, § 1º, do Decreto nº 4.074/02.
As respostas apresentadas foram as mais variadas possíveis. O Ministério
da Saúde informou que não era de sua competência implementar o SIA,
e que, por essa razão, o questionamento deveria ser redirecionado à AN-
VISA. Nesse sentido, a ANVISA acabou respondendo ao questionamento
duas vezes, apresentando em cada uma de suas respostas conteúdo di-
verso.

Em sua primeira resposta, a ANVISA salientou que o SIA já se en-


contrava em fase de construção, após a realização de um acordo entre a
mesma e o Ministério da Agricultura, pois ambos haviam concordado em
compartilhar a responsabilidade sobre o desenvolvimento do sistema. A
agência ainda atribuiu a mora administrativa à escassez de recursos finan-
ceiros para a implementação do sistema:

Com base nas informações fornecidas pela Gerência-Geral


de Toxicologia (GGTOX), área técnica afeta ao assunto
questionado, informamos que o SIA - Sistema de Informações
de Agrotóxicos encontra-se em fase de construção, após
a Anvisa acordar com o Ministério da Agricultura, órgão
registrante de agrotóxicos de uso agrícola, a compartilhar
111 A data de finalização para a implementação do sistema é setembro de 2020, de acor-
do com o Cronograma enviado pela ANVISA ao TCU.
112 A licitação para a escolha dos responsáveis pela elaboração do SIA estava prevista
para ocorrer até maio de 2018, conforme pode ser verificado no item 3.2 do Cro-
nograma. Porém, até o presente momento ainda não realizou nenhuma contratação,
conforme pode ser extraído da resposta da ANVISA.
113 As solicitações realizadas foram adaptadas, levando em consideração o órgão des-
tinatário, porém possuem essencialmente o seguinte teor: “O Decreto no 4074/02
estabelece em seu art. 94, § 1, que os órgãos federais responsáveis pelas áreas de
agricultura, saúde e meio ambiente deverão implementar Sistema Integrado de In-
formações sobre agrotóxicos. Nesse sentido, gostaria de saber, quais são as medidas
que vem [sic] sendo tomadas pelo Ministério da Saúde, na qualidade de órgão federal
responsável pela saúde, na implementação do referido sistema de integração e as
respectivas dificuldades em sua efetivação. Posto que, o referido Decreto determinou
a construção do SIA no ano de 2002 (18 anos atrás)”.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 59
defensivos agrícolas no brasil

a responsabilidade pela construção do referido sistema.


Vencidas as dificuldades de recursos financeiros para a
construção de um sistema, que venha a integrar os três
órgãos envolvidos com o registro e controle de agrotóxicos
no Brasil, foi montado um grupo de trabalho formado
para acompanhamento e execução das atividades. Este
Grupo de Trabalho conta com a participação da Anvisa –
Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Ibama – Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis, MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento e do PNUD – Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento além da ABC – Agência Brasileira de
Cooperação. Atualmente o processo encontra-se em fase de
seleção de empresa responsável pela elaboração do sistema,
o processo seletivo está sendo conduzido pelo PNUD. (grifos
nossos)

Já em sua segunda reposta, a ANVISA sustentou que cada um dos mi-


nistérios possui sistemas de informações próprios e que a integração das in-
formações por meio do desenvolvimento do SIA, apesar de ser competência
da própria ANVISA, nos termos do art. 94, do Decreto nº 4.074/02, deveria
ser capitaneada também pelo MAPA e IBAMA, pois ambos os órgãos tam-
bém fazem parte do processo regulatório de defensivos agrícolas:

2. Para realizar o registro de novos produtos agrotóxicos,


bem como alterações de registro, o interessado/requerente
deve submeter aos três órgãos regulatórios - Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
(Ibama); Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
– as exigências legais que viabilizem avaliação técnica.
Considerando as competências distintas de cada um desses
órgãos, os cenários de avaliação têm enfoques diferentes,
de modo que as três instituições analisam e solicitam aos
demandantes informações relativas a suas áreas de atuação.

3. Nesse sentido, os órgãos possuem sistemas eletrônicos


próprios, com vistas a atender as suas demandas específicas,
sendo que, no caso do Ibama atualmente se utiliza: Sistema
de Agrotóxicos; Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e
Sistema Eletrônico de Requerimento e Análise de Registro
Especial Temporário (SISRET).

4. Especificamente sobre o Sistema de Informações de


Agrotóxicos (SIA), embora a responsabilidade do seu
desenvolvimento ter sido atribuída à ANVISA, conforme
60 Coleção Jovem Jurista 2021

art. 94 do Decreto 4.074/2002, o MAPA e o Ibama são


também integrantes do sistema de registro de agrotóxicos,
podendo-se observar esforços dos órgãos no sentido de
que haja maior integração entre as avaliações.

5. Neste tocante, foi criado e assinado o Projeto “Melhoria


da efetividade e transparência dos sistemas de registro
de agrotóxicos dos países da América latina e Caribe”,
atualmente em execução, que vislumbra a melhoria da
efetividade e transparência dos sistemas de registro de
agrotóxicos, contemplando, dentre outros produtos,
o desenvolvimento do Sistema de Informações de
Agrotóxicos. (grifos nossos)

Percebe-se que a ANVISA tem ciência de suas competências legais.


Entretanto, busca atribuir suas responsabilidades a outros órgãos adminis-
trativos, mesmo que a legislação pátria tenha atribuído especificamente à
ANVISA e não ao MAPA e ao IBAMA a obrigação expressa de desenvolver
o SIA.

O MAPA por sua vez, atribuiu resposta genérica ao questionamento


formulado, alegando que a ANVISA, o IBAMA e ele mesmo estão traba-
lhando conjuntamente para a contratação da empresa que desenvolverá
o SIA. O órgão ressaltou ainda que os trabalhos de implementação e de-
senvolvimento devem começar ainda no ano de 2020. Vale pontuar que o
pedido de acesso à informação foi respondido pelo MAPA em 18.09.2020,
e até a conclusão deste trabalho, em 30.11.2020, não foram encontradas
evidências de início da efetiva implementação do SIA, inclusive não ha-
vendo ainda sido escolhida a empresa responsável pelo desenvolvimento
do sistema.

Por fim, cumpre explicitar e analisar a resposta encaminhada pelo


MMA. Assim como o Ministério da Saúde, o MMA redirecionou a indagação
formulada ao IBAMA, sob a argumentação de que tal matéria seria “afeta
àquela Entidade”. No mérito, a resposta confeccionada pelo IBAMA não
divergiu daquela explicitada pela ANVISA em sua segunda resposta. O
órgão alegou que cada instituição possuía um sistema próprio e que esfor-
ços administrativos estavam sendo realizados para o desenvolvimento e a
implementação do SIA.

Ou seja, a partir dos dados coletados, percebe-se que administração


pública federal brasileira, no que concerne à regulação de agrotóxicos, po-
deria apresentar melhores resultados no quesito eficiência administrativa.
Mesmo que as atas de reunião do CTA demonstrem que na maioria dos
assuntos abordados existe um nível de 68,82% de manifestação entre os
órgãos, há ainda um percentual considerável de casos em que não existe
qualquer manifestação.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 61
defensivos agrícolas no brasil

Além disso, a administração pública não implementou o principal me-


canismo legal pertinente para a integração entre os órgãos federais. Ao
invés disso, cada ente administrativo buscou criar seu próprio e isolado
sistema de informações, instrumentos não condizentes com as determina-
ções legais previstas no Decreto nº 4.074/02. Inclusive, até hoje, 18 (de-
zoito) anos após a publicação do Decreto nº 4.074/02, o Estado brasileiro
ainda não implementou um sistema integrado de comunicação entre as
diversas entidades.

Conclusão

Este trabalho buscou analisar a eficiência da interação dos entes federais


responsáveis pela regulação de agrotóxicos no Brasil. As criações legis-
lativas previstas na Lei nº 7.802/89 e no Decreto nº 4.074/02 procuraram
conferir à legislação regulatória brasileira mecanismos de integração e co-
operação em uma matéria regulatória densa e complexa.

O cenário regulatório brasileiro, sua evolução e peculiaridades foram


apresentadas, abordando a importância temática em um país essencial-
mente agrícola. Buscou-se, ainda, apresentar e transmitir a preocupação
dos congressistas no desenvolvimento de uma legislação moderna e mul-
tidisciplinar, que abordasse a regulação de defensivos agrícolas a partir
de todas as perspectivas pertinentes e não apenas sob a ótica daquelas
economicamente rentáveis.

Nesse ritmo, a integração administrativa entre os entes responsáveis


pelo processo regulatório de agrotóxicos foi medida através das reuniões
do CTA, órgão interministerial criado pelo Decreto nº 4.074/02, com o
propósito de tornar eficiente a integração e a comunicação entre os mi-
nistérios, as agências e demais entidades responsáveis. A sua instituição é
fundamental para a diminuição das assimetrias de informação existentes
no processo regulatório.

Por meio da instância proporcionada pelo CTA, seus participantes


podem expor seus posicionamentos e apresentar perspectivas diversas
sobre o tema regulado, uma vez que cada ente possui uma área de atua-
ção específica e determinada expertise para lidar com a matéria que está
sendo regulada. Além disso, a atuação tripartite auxilia na diminuição dos
riscos de captura, pois a regulação é realizada por entidades diferentes e
não por uma única instância administrativa.

Assim, a proposta de centralizar a regulação em um único ente, con-


forme determina o PL nº 6.189/05 e outras propostas legislativas, pode
levar a uma insuficiência nas análises que devem ser realizadas durante o
processo regulatório. Não existe atualmente uma entidade capaz de lidar
de forma eficiente com todos os aspectos regulatórios sobre o tema.
62 Coleção Jovem Jurista 2021

Entretanto, os números ainda não revelam uma completa eficiência


administrativa. Os dados coletados demonstram que de cada 10 (dez) ati-
vidades, 3 (três) não contam com qualquer manifestação por parte dos
participantes do CTA. Em um universo de 202 (duzentas e duas) ativida-
des, 63 (sessenta e três) delas não tiveram manifestação por parte das
autoridades administrativas. Em termos percentuais, este número repre-
senta 31,18% do total de casos. Ademais, um sistema único e integrado de
troca de informações ainda não foi implementado e desenvolvido pelas
entidades competentes.

Nesse sentido, a base de dados elaborada para os fins do presente


trabalho identificou 202 (duzentas e duas) atividades, que se encontram
tabeladas no Anexo A. Desse universo, apenas 6 (seis) correspondem à
categoria “Diretrizes SIA”, demonstrando que em um período de três anos,
a questão relativa à implementação de um sistema único e integrado de in-
formações só foi abordada pelas autoridades competentes em uma quan-
tidade ínfima de casos.

Os órgãos administrativos, ao invés de trabalharem na construção de


um sistema único e integrado, conforme determina a legislação, busca-
ram instituir sistemas de comunicação independentes entre si. O Decreto
nº 4.074/02 prevê única e exclusivamente a criação e a implementação
de um sistema integrado de Informações (SIA) e não o estabelecimento
de sistemas isolados. Tais medidas violam as determinações expressas do
texto legal, não se revelando eficientes.

Em conclusão, tem-se que o modelo regulatório tripartite estabeleci-


do pela legislação não está funcionando plenamente. Portanto, não pode
ainda ser testado, afinal o SIA, um dos principais mecanismos de integra-
ção e comunicação entre os entes ainda não foi implementado conforme
determina o Decreto nº 4.074/02.

Além disso, pode-se constatar que existe um efetivo risco na aborda-


gem centralizadora prevista no Projeto de Lei nº 6.189/05. A unificação de
todo o processo regulatório em uma única entidade pode fazer com que
a regulação de agrotóxicos apresente uma visão unidisciplinar sobre um
tema complexo que envolve diversos campos científicos. A abordagem
tripartite possibilita a redução dos riscos de captura do processo regula-
tório por determinados grupos econômicos. Pois, conforme foi demons-
trado ao longo do presente trabalho, alguns setores sociais apresentam
maior força política na elaboração da legislação e das políticas públicas
relacionadas ao tema. A visão multidisciplinar é necessária para garantir o
cumprimento dos direitos constitucionais relacionados ao tema.

Assim, os órgãos de controle da Administração Pública, tais como


o TCU e até mesmo a própria sociedade civil, especialmente por meio
do terceiro setor não podem deixar de fiscalizar a atuação regulatória do
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 63
defensivos agrícolas no brasil

CTA. Por isso, devem ser mais ativos nas cobranças e exigências para que
haja uma maior interação entre os membros do CTA, principalmente atra-
vés da implementação do SIA.

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a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o
transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial,
a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e
embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscali-
zação de defensivos fitossanitários e de produtos de controle ambiental,
seus componentes e afins, e dá outras providências. Disponível em: ht-
tps://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi-
cao=1996620. Acesso em: 29 out. 2020.

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Dispõe sobre a Política Nacional de Defensivos Fitossanitários e de Produ-
tos de Controle Ambiental, seus Componentes e Afins, bem como sobre
a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o
transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial,
a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e
embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscali-
zação de defensivos fitossanitários e de produtos de controle ambiental,
seus componentes e afins, e dá outras providências. Disponível em: ht-
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a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experi-
mentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armaze-
namento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a impor-
tação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro,
64 Coleção Jovem Jurista 2021

a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus


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tação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazena-
mento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a impor-
tação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro,
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porte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a
utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e em-
balagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização
de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. [s.
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modificacoes_na_lei_de_agrotoxicos/links/54096fc40cf2822fb738d364/
aevolucao-da-industria-de-agrotoxicos-no-brasil-de-2001-a-2007-a-ex-
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ANEXOS

Anexo A – Planilha de Atividades e Reuniões do CTA

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Harmoni- Carlos Alexan- Flávia


Solicitação de Marina Carlos
1ª Reunião zação de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 Priorização de Sim Sim Veras Ramos
Ordinária procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Análise Dourado Venâncio
tos Tonelli Gomes ga

Consulta
requerida por
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
empresa sobre Marina Carlos
1ª Reunião zação de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 interpretação Sim Sim Veras Ramos
Ordinária procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
de norma e Dourado Venâncio
tos Tonelli Gomes ga
enquadramen-
to de produtos

Pedido de
manifestação
de sobre a Carlos Alexan- Flávia
defensivos agrícolas no brasil

Critérios de Marina Carlos


1ª Reunião necessidade Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 diferencia- Sim Sim Veras Ramos
Ordinária ou não de Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
ção Dourado Venâncio
registro para o Tonelli Gomes ga
produto Hidro-
treat

Apresentação
Edição e Carlos Alexan- Flávia
de proposta Marina Carlos
1ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 regulatória Sim Não Veras Ramos
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-


para produtos Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes ga
de jardinagem
71
72

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Comunicação órgãos apenas comu-


Edição e Carlos Alexan- Flávia
de informes Marina Carlos nicam existência das
1ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 sobre normas Não Não Veras Ramos normas, entretanto não
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
editadas pelos Dourado Venâncio debatem ou deliberam
tivos Tonelli Gomes ga
órgãos sobre seu conteúdo.

Aprovação
do Fundo de
Defesa dos Di-
reitos Difusos
(FDD) – Esta-
belecer mode-
lo de avaliação órgãos apenas comu-
Edição e Carlos Alexan- Flávia
dos riscos de Marina Carlos nicam existência das
1ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 agrotóxico no Não Não Veras Ramos normas, entretanto não
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Brasil, com vis- Dourado Venâncio debatem ou deliberam
tivos Tonelli Gomes ga
tas a minimizar sobre seu conteúdo.
seus efeitos
negativos na
aplicação jun-
to ao ambien-
te e à saúde
Coleção Jovem Jurista 2021

humana

Comunicação órgãos apenas comu-


Edição e Carlos Alexan- Flávia
de informes Marina Carlos nicam existência das
1ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 sobre normas Não Não Veras Ramos normas, entretanto não
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
editadas pelos Dourado Venâncio debatem ou deliberam
tivos Tonelli Gomes ga
órgãos sobre seu conteúdo.

Comunicação órgãos apenas comu-


Edição e Carlos Alexan- Flávia
de informes Marina Carlos nicam existência das
1ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
08.02.2019 sobre normas Não Não Veras Ramos normas, entretanto não
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
editadas pelos Dourado Venâncio debatem ou deliberam
tivos Tonelli Gomes ga
órgãos sobre seu conteúdo.
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Pedido de
manifestação
de sobre a Carlos Alexan-
Critérios de Marina Carlos Fábio
2ª Reunião necessidade Marisa Augusto dre de
08.03.2019 diferencia- Não Sim Veras Ramos Ribeiro
Ordinária ou não de Zerbetto Marucchi Oliveira
ção Dourado Venâncio Silva
registro para o Tonelli Gomes
produto Hidro-
treat

Pedido de
Harmoni- manifestação Carlos Alexan-
Marina Carlos Fábio
2ª Reunião zação de sobre o en- Marisa Augusto dre de
08.03.2019 Não Sim Veras Ramos Ribeiro
Ordinária procedimen- quadramento Zerbetto Marucchi Oliveira
Dourado Venâncio Silva
tos do produto Tonelli Gomes
Atlantium

Solicitação
do MAPA a
Harmoni- Carlos Alexan-
respeito da Marina Carlos Fábio
2ª Reunião zação de Marisa Augusto dre de
08.03.2019 utilização de Não Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
parasitoide Dourado Venâncio Silva
tos Tonelli Gomes
exótico em
campo
defensivos agrícolas no brasil

Apresentação
de lista de
Harmoni- prioridades de Carlos Alexan-
Marina Carlos Fábio
2ª Reunião zação de 2019, de forma Marisa Augusto dre de
08.03.2019 Não Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária procedimen- preliminar, Zerbetto Marucchi Oliveira
Dourado Venâncio Silva
tos contendo 40 Tonelli Gomes
produtos no
total
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
73
74

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Carta da
ANDEF que
Harmoni- solicita escla- Carlos Alexan-
Marina Carlos Fábio
2ª Reunião zação de recimentos a Marisa Augusto dre de
08.03.2019 Não Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária procedimen- respeito dos Zerbetto Marucchi Oliveira
Dourado Venâncio Silva
tos Procedimentos Tonelli Gomes
Operacionais
Padrão

Relação aos
estudos ne- Carlos Alexan-
Critérios de Marina Carlos Fábio
2ª Reunião cessários para Marisa Augusto dre de
08.03.2019 diferencia- Sim Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária o registro Zerbetto Marucchi Oliveira
ção Dourado Venâncio Silva
de produto Tonelli Gomes
CAOLIM

Solicitação de
Carlos Alexan-
Critérios de orientação em Marina Carlos Fábio
2ª Reunião Marisa Augusto dre de
08.03.2019 diferencia- relação ao re- Não Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária Zerbetto Marucchi Oliveira
ção gistro do 2,4-D Dourado Venâncio Silva
Tonelli Gomes
técnico

Análise de
Coleção Jovem Jurista 2021

documento
Harmoni- Carlos Alexan-
da UNIFITO Marina Carlos Fábio
2ª Reunião zação de Marisa Augusto dre de
08.03.2019 com propostas Não Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
de Medidas Dourado Venâncio Silva
tos Tonelli Gomes
Desburocrati-
zantes

Proposta de
Carlos Alexan-
Agendamento Marina Carlos Fábio
2ª Reunião Marisa Augusto dre de
08.03.2019 Outros das reuniões Sim Sim Veras Ramos Ribeiro
Ordinária Zerbetto Marucchi Oliveira
ordinárias Dourado Venâncio Silva
Tonelli Gomes
CTA
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Dispensa de
Harmoni- análise de Carlos Alexan-
Marina Carlos Fábio
2ª Reunião zação de documentos Marisa Augusto dre de
08.03.2019 Sim Sim Veras Ramos Ribeiro
Ordinária procedimen- administra- Zerbetto Marucchi Oliveira
Dourado Venâncio Silva
tos tivos pela Tonelli Gomes
ANVISA

Nova espe-
Carlos Alexan-
Critérios de cificação de Marina Carlos Fábio
2ª Reunião Marisa Augusto dre de
08.03.2019 diferencia- referência para Sim Sim Veras Ramos Ribeiro
Ordinária Zerbetto Marucchi Oliveira
ção Agricultura Dourado Venâncio Silva
Tonelli Gomes
Orgânica

Edição e Carlos Alexan-


Edição de nor- Marina Carlos Fábio
2ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de
08.03.2019 mas – tipos de Não Não Veras Ramos Ribeiro
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira
formulação Dourado Venâncio Silva
tivos Tonelli Gomes

Edição e Carlos Alexan-


Edição de nor- Marina Carlos Fábio
2ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de
08.03.2019 mas – tipos de Não Sim Veras Ramos Ribeiro
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira
formulação Dourado Venâncio Silva
tivos Tonelli Gomes

Solicitação
defensivos agrícolas no brasil

da empresa O CTA na prática, de-


IHARABRAS legou competência aos
Carlos Alexan-
3ª Reu- Critérios de de esclareci- Marina Carlos Sem re- órgãos, decidindo que
Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 diferencia- mentos sobre Sim Sim Veras Ramos presen- o requerente deveria
Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária ção produto à Dourado Venâncio tante buscar informações junto
Tonelli Gomes
base do ingre- a cada um dos órgãos
diente ativo federais
2,4D
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
75
76

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Solicitação de
Carlos Alexan-
3ª Reu- Critérios de orientação em Marina Carlos Sem re-
Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 diferencia- relação ao re- Sim Sim Veras Ramos presen-
Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária ção gistro do 2,4-D Dourado Venâncio tante
Tonelli Gomes
técnico

Solicitação
da empresa
Harmoni- Carlos Alexan-
3ª Reu- VIGNA em Marina Carlos Sem re-
zação de Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 relação a utili- Sim Sim Veras Ramos presen-
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária zação de RET Dourado Venâncio tante
tos Tonelli Gomes
(REGISTRO) já
obtido

Solicitação
da empresa
NORTOX para
Harmoni- Carlos Alexan-
3ª Reu- a priorização Marina Carlos Sem re-
zação de Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 de análise Não Não Veras Ramos presen-
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária do produto Dourado Venâncio tante
tos Tonelli Gomes
OXICLORETO
DE COBRE
Coleção Jovem Jurista 2021

NORTOX
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Solicitação
da empresa
ANASAC
Brasil Comér-
cio e Locação
de Máquinas
Harmoni- Carlos Alexan-
3ª Reu- Ltda. para Marina Carlos Sem re-
zação de Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 priorização de Não Não Veras Ramos presen-
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária análise do Pro- Dourado Venâncio tante
tos Tonelli Gomes
duto Técnico
Equivalente
Budbreak Téc-
nico e formu-
lado Budbreak
52 SL

Solicitação da
empresa ISCA
Tecnologias
Harmoni- em relação à Carlos Alexan-
3ª Reu- Marina Carlos Sem re-
zação de possibilidade Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 Sim Sim Veras Ramos presen-
procedimen- de dispensa Zerbetto Marucchi Oliveira
defensivos agrícolas no brasil

Ordinária Dourado Venâncio tante


tos do receituário Tonelli Gomes
agronômico
para produtos
semioquímicos

Harmoni- Lista de Carlos Alexan-


3ª Reu- Marina Carlos Sem re-
zação de Prioridades Marisa Augusto dre de
nião 03.04.2019 Não Não Veras Ramos presen-
procedimen- Agronômicas Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária Dourado Venâncio tante
tos de 2019 Tonelli Gomes
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
77
78

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

A reunião contou com


Carlos Alexan-
4ª Reu- Assessora- Discussão do Marina Carlos Sem re- mais um representante
Marisa Augusto dre de
nião 02.05.2019 mento dos texto da Nota Sim Sim Veras Ramos presen- do MMA, extrapolando
Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária ministérios Técnica – CTA Dourado Venâncio tante o quórum previsto na
Tonelli Gomes
legislação.

Questiona-
mentos quan-
to à participa-
Harmoni- Carlos Alexan-
4ª Reu- ção do CTA Marina Carlos Sem re-
zação de Marisa Augusto dre de
nião 02.05.2019 na elaboração Não Não Veras Ramos presen- Caso interessante
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária da Lista de Dourado Venâncio tante
tos Tonelli Gomes
Prioridades
Agronômicas
de 2019

Solicitação de
documentos A reunião contou com
Harmoni- Carlos Alexan-
4ª Reu- da empresa Marina Carlos Sem re- mais um representante
zação de Marisa Augusto dre de
nião 02.05.2019 ARCH Química Não Não Veras Ramos presen- do MMA, extrapolando
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária relativos ao Dourado Venâncio tante o quórum previsto na
tos Tonelli Gomes
produto Hidro- legislação.
Coleção Jovem Jurista 2021

treat
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Elaboração
da IN sobre
comércio
Interestadual
de Agrotóxi-
A reunião contou com
Edição e cos – Retoma- Carlos Alexan-
4ª Reu- Marina Carlos Sem re- mais um representante
alteração de da da análise Marisa Augusto dre de
nião 02.05.2019 Não Não Veras Ramos presen- do MMA, extrapolando
atos norma- da proposta Zerbetto Marucchi Oliveira
Ordinária Dourado Venâncio tante o quórum previsto na
tivos encaminhada Tonelli Gomes
legislação.
pelo MAPA,
conforme ata
da 6ª Reunião
Ordinária do
CTA

Bioagro Inter-
nacional faz
consulta sobre
Carlos Alexan- Flávia
5ª Reu- Critérios de a necessidade Marina Carlos
Marisa Augusto dre de Baptista
nião 07.06.2019 diferencia- de registro de Sim Sim Veras Ramos
Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária ção Protetor Solar Dourado Venâncio
Tonelli Gomes ga
à base de ro-
defensivos agrícolas no brasil

cha vulcânica
para plantas

Requerimento
Edição e de Revisão Carlos Alexan- Flávia
5ª Reu- Marina Carlos
alteração de das Instruções Marisa Augusto dre de Baptista
nião 07.06.2019 Sim Não Veras Ramos
atos norma- Normativas Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
tivos Conjuntas Tonelli Gomes ga
32 e 3
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
79
80

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Bayer SA –
Solicitação de
priorização do
Harmoni- THIENCAR- Carlos Alexan- Flávia
5ª Reu- Marina Carlos
zação de BAZONE sob Marisa Augusto dre de Baptista
nião 07.06.2019 Sim Sim Veras Ramos
procedimen- alegação de Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
tos produtos de Tonelli Gomes ga
baixa toxicida-
de e periculo-
sidade

Edição e Carlos Alexan- Flávia


5ª Reu- Alteração da Marina Carlos
alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 07.06.2019 IN 2/2006 – Não Não Veras Ramos
atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Reavaliação Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes ga

(i)A reunião contou com


mais um representante
do MS, extrapolando o
quorum previsto na legis-
lação; (ii) O CTA informa
Solicitação
que os sistemas de ava-
ABIFINA ao
Coleção Jovem Jurista 2021

liação dos produtos entre


Harmoni- CTA sobre Carlos Flávia
6ª Reu- Marina Carlos os órgãos são distintos,
zação de andamento Marisa Augusto Danielle Baptista
nião 09.07.2019 Não Não Veras Ramos não sendo possível
procedimen- de análise Zerbetto Marucchi Fildepho Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio adotar os mesmos pro-
tos de produtos Tonelli ga
cedimentos de um órgão
“clones” nos
para o outro. Entretanto,
três órgãos
o IBAMA irá considerar
a sugestão da ABIFINA
em otimizar a avaliação
deste tipo de pleito, com
ações pontuais.
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Solicitação
da BIOAGRO
sobre possi-
bilidade de
retificar Ata
do CTA, para A reunião contou com
Carlos Flávia
6ª Reu- Critérios de que o nome Marina Carlos mais um representante
Marisa Augusto Danielle Baptista
nião 09.07.2019 diferencia- da substância Sim Sim Veras Ramos do MS, extrapolando
Zerbetto Marucchi Fildepho Nóbre-
Ordinária ção (agalmatolito) Dourado Venâncio o quorum previsto na
Tonelli ga
conste em ata legislação.
para garantir
que o protetor
solar é real-
mente isento
de registro

Sugestão do A reunião contou com


Edição e Carlos Flávia
6ª Reu- IBAMA para Marina Carlos mais um representante
alteração de Marisa Augusto Danielle Baptista
nião 09.07.2019 elaboração de Não Não Veras Ramos do MS, extrapolando
atos norma- Zerbetto Marucchi Fildepho Nóbre-
Ordinária IN para alterar Dourado Venâncio o quorum previsto na
tivos Tonelli ga
a IN nº 2/06 legislação.

Instrução
defensivos agrícolas no brasil

Normativa
Conjunta-Co-
mércio Inte-
restadual. Foi A reunião contou com
Edição e Carlos Flávia
6ª Reu- identificada a Marina Carlos mais um representante
alteração de Marisa Augusto Danielle Baptista
nião necessidade Sim Sim Veras Ramos do MS, extrapolando
atos norma- Zerbetto Marucchi Fildepho Nóbre-
Ordinária de aprofun- Dourado Venâncio o quórum previsto na
tivos Tonelli ga
damento das legislação.
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

discussões por
um Grupo de
Trabalho a ser
09.07.2019 instituído
81
82

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Necessidade
A reunião contou com
Harmoni- de indicação Carlos Flávia
6ª Reu- Marina Carlos mais um representante
zação de de culturas Marisa Augusto Danielle Baptista
nião Não Não Veras Ramos do MS, extrapolando
procedimen- para formici- Zerbetto Marucchi Fildepho Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio o quórum previsto na
tos das e molus- Tonelli ga
legislação.
09.07.2019 cidas

Indicação de
nomes para
participação
em GT so- A reunião contou com
Harmoni- Carlos Flávia
6ª Reu- bre revisão Marina Carlos mais um representante
zação de Marisa Augusto Danielle Baptista
nião das INCs de Sim Sim Veras Ramos do MS, extrapolando
procedimen- Zerbetto Marucchi Fildepho Nóbre-
Ordinária Produtos Dourado Venâncio o quorum previsto na
tos Tonelli ga
Bioquímicos e legislação.
de Produtos
Microbioló-
09.07.2019 gicos

Sugestão do
Edição e Carlos Alexan- Flávia
IBAMA para Marina Carlos
7ª Reunião alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
elaboração de Sim Sim Veras Ramos
Ordinária atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Coleção Jovem Jurista 2021

IN para alterar Dourado Venâncio


tivos Tonelli Gomes ga
09.08.2019 a IN nº 2/06

Especificações Carlos Alexan- Flávia


Critérios de Marina Carlos
7ª Reunião de referência Marisa Augusto dre de Baptista
09.08.2019 diferencia- Sim Sim Veras Ramos
Ordinária para a agricul- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
ção Dourado Venâncio
tura orgânica Tonelli Gomes ga

Alterações na
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
Lista de Prio- Sem Carlos
7ª Reunião zação de Marisa Augusto dre de Baptista
09.08.2019 ridades Agro- Não Não represen- Ramos
Ordinária procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nômicas 2019 tante Venâncio
tos Tonelli Gomes ga
pelo MAPA
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Isenção da
destruição de
áreas tratadas
Harmoni- em ensaios Carlos Alexan- Flávia
Sem Carlos
7ª Reunião zação de de campo e Marisa Augusto dre de Baptista
09.08.2019 Sim Sim represen- Ramos
Ordinária procedimen- enquadramen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
tante Venâncio
tos to de produto Tonelli Gomes ga
GRANDEVO e
priorização de
análise

Consulta
Yonon Bio-
ciências em
Harmoni- relação a Carlos Alexan- Flávia
Sem Carlos
7ª Reunião zação de avaliação de Marisa Augusto dre de Baptista
09.08.2019 Sim Sim represen- Ramos
Ordinária procedimen- produto for- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
tante Venâncio
tos mulado com Tonelli Gomes ga
base em pro-
duto técnico
equivalente

Consulta Pro-
defensivos agrícolas no brasil

Carlos Alexan- Flávia


Critérios de registros de Sem Carlos
7ª Reunião Marisa Augusto dre de Baptista
09.08.2019 diferencia- Produtos Ltda. Sim Sim represen- Ramos
Ordinária Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
ção para registro tante Venâncio
Tonelli Gomes ga
de pré-mistura

Analisar Aprovação de
propostas Notas Técni- Carlos Alexan- Flávia
Sem Carlos
7ª Reunião de edição e cas – Cultura Marisa Augusto dre de Baptista
09.08.2019 Sim Sim represen- Ramos
Ordinária alteração de de Suporte Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

tante Venâncio
atos norma- Fitossanitário Tonelli Gomes ga
tivos Insuficiente
83
84

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Solicitação
do MAPA a Presença de representan-
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
1ª Reunião respeito da Marina tes de 4 representantes
zação de Carlos Marisa Augusto dre de Baptista
Extraordi- 27.03.2019 utilização de Sim Sim Veras do IBAMA e 8 represen-
procedimen- Goulart Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nária parasitoide Dourado tantes do MAPA e repre-
tos Tonelli Gomes ga
exótico em sentante da EMBRAPA.
campo

Carlos Alexan-
2ª Reunião Assessora- Discussão do Marina Carlos Sem re-
Marisa Augusto dre de
Extraordi- 18.04.2019 mento dos texto da Nota Sim Sim Veras Ramos presen-
Zerbetto Marucchi Oliveira
nária ministérios Técnica –CTA Dourado Venâncio tante
Tonelli Gomes

Solicitação de
prorrogação
3ª Reu- do registro Carlos Alexan- Flávia
Critérios de Marina Sem
nião emergencial Marisa Augusto dre de Baptista
24.05.2019 diferencia- Sim Sim Veras represen-
Extraordi- do produto Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
ção Dourado tante
nária DI-HIDRO Tonelli Gomes ga
da empresa
QUIMIL

Harmoni- Aprovação do Carlos


Coleção Jovem Jurista 2021

Carlos Graziela
1ª Reunião zação de Calendário de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 Sim Sim Ramos Costa
Ordinária procedimen- reuniões para dados Zerbetto Marucchi dados
Venâncio Araújo
tos 2018 Tonelli
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Uso do ácido
bórico como
ingrediente
ativo e do
tetraborato
Harmoni- Carlos
de sódio nas Carlos Graziela
1ª Reunião zação de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 formulações Não Não Ramos Costa
Ordinária procedimen- dados Zerbetto Marucchi dados
de produtos Venâncio Araújo
tos Tonelli
fitossanitá-
rios com uso
aprovado para
a agricultura
orgânica

Pedido de
manifestação
de sobre a Carlos
Critérios de Carlos Graziela
1ª Reunião necessidade Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 diferencia- Não Não Ramos Costa
Ordinária ou não de dados Zerbetto Marucchi dados
ção Venâncio Araújo
registro para o Tonelli
produto Hidro-
treat
defensivos agrícolas no brasil
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
85
86

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Questiona-
mento da
ABCBIO sobre
a regularidade
da prática de
Harmoni- Carlos
produção de Carlos Graziela
1ª Reunião zação de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 biopesticidas, Não Sim Ramos Costa
Ordinária procedimen- dados Zerbetto Marucchi dados
produtos Venâncio Araújo
tos Tonelli
agrotóxicos
com base em
agente micro-
biológicos de
controle

Solicitação
do MP para
o envio de
informação de
comercializa-
Carlos
ção de agro- Carlos Graziela
1ª Reunião Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 Outros tóxicos por Não Não Ramos Costa
Ordinária dados Zerbetto Marucchi dados
cultua agríco- Venâncio Araújo
Coleção Jovem Jurista 2021

Tonelli
la. A demanda
foi respondida
individualmen-
te por três
órgãos

Informes sobre
Harmoni- encaminha- Carlos
Carlos Graziela
1ª Reunião zação de mento das Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 Sim Sim Ramos Costa
Ordinária procedimen- normativas dados Zerbetto Marucchi dados
Venâncio Araújo
tos conjuntas em Tonelli
andamentos
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Instrução
Edição e Carlos
normativa Carlos Graziela
1ª Reunião alteração de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 conjunta sobre Não Não Ramos Costa
Ordinária atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
alteração de Venâncio Araújo
tivos Tonelli
formulação

Instrução
Edição e Carlos
normativa Carlos Graziela
1ª Reunião alteração de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 conjunta sobre Não Não Ramos Costa
Ordinária atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
alteração de Venâncio Araújo
tivos Tonelli
formulação

Edição e Instrução Carlos


Carlos Graziela
1ª Reunião alteração de Normativa Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 Não Não Ramos Costa
Ordinária atos norma- conjunta sobre dados Zerbetto Marucchi dados
Venâncio Araújo
tivos RET Tonelli

Instrução
Edição e Carlos
Normativa Carlos Graziela
1ª Reunião alteração de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 conjunta sobre Não Não Ramos Costa
Ordinária atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
Brometo de Venâncio Araújo
tivos Tonelli
Metila

Instrução
defensivos agrícolas no brasil

Edição e Carlos
Normativa Carlos Graziela
1ª Reunião alteração de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 conjunta sobre Não Não Ramos Costa
Ordinária atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
plantas orna- Venâncio Araújo
tivos Tonelli
mentais

Instrução
Edição e Carlos
Normativa Carlos Graziela
alteração de Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 conjunta sobre Não Não Ramos Costa
atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
1ª Reunião mistura em Venâncio Araújo
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

tivos Tonelli
Ordinária tanque
87
88

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Instrução
Edição e Carlos
Normativa Carlos Graziela
alteração de Sem Marisa Augusto Sem
conjunta sobre Não Não Ramos Costa
atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
1ª Reunião mistura em Venâncio Araújo
tivos Tonelli
Ordinária 24.01.2018 tanque

Pedido de uso
emergencial Carlos
Assessora- Carlos Graziela
do triclopir Sem Marisa Augusto Sem
24.01.2018 mento dos Sim Sim Ramos Costa
pelo Ministério dados Zerbetto Marucchi dados
ministérios Venâncio Araújo
1ª Reunião da Integração Tonelli
Ordinária Nacional

Harmoni- Reavaliação Carlos


Carlos Graziela
1ª Reunião zação de de produtos Sem Marisa Augusto Sem
Sim Sim Ramos Costa
Ordinária procedimen- para ferrugem dados Zerbetto Marucchi dados
Venâncio Araújo
24.01.2018 tos asiática Tonelli

Registro
Carlos
Critérios de emergencial Marina Carlos Graziela
Marisa Augusto Sem
diferencia- do MXD-100 Sim Sim Veras Ramos Costa
Zerbetto Marucchi dados
2ª Reunião ção e Atlantium Dourado Venâncio Araújo
Tonelli
Ordinária 15.02.2018 HOD
Coleção Jovem Jurista 2021

Harmoni- SINDIVEG Carlos


Marina Carlos Graziela
zação de sobre laudo Marisa Augusto Sem
Sim Sim Veras Ramos Costa
2ª Reunião procedimen- laboratorial de Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 15.02.2018 tos formuladores Tonelli

Harmoni- Publicidade da Carlos


Marina Carlos Graziela
zação de fila de produto Marisa Augusto Sem
Não Não Veras Ramos Costa
2ª Reunião procedimen- técnico equi- Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 15.02.2018 tos valente Tonelli
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Aprovação
da Exposição
de motivos
Edição e Carlos
para encami- Marina Carlos Graziela
alteração de Marisa Augusto Sem
nhamento da Sim Sim Veras Ramos Costa
atos norma- Zerbetto Marucchi dados
proposta de Dourado Venâncio Araújo
tivos Tonelli
Decreto que
2ª Reunião altera o Decre-
Ordinária 15.02.2018 to nº 40.774

Carlos
Critérios de Aprovação da Marina Carlos Graziela
3ª Reu- Marisa Augusto Sem
diferencia- Especificação Sim Sim Veras Ramos Costa
nião Zerbetto Marucchi dados
ção de Referência Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 07.03.2018 Tonelli

Edição e Aprovação do Carlos


Marina Carlos Graziela
3ª Reu- alteração de termo aditivo Marisa Augusto Sem
Sim Sim Veras Ramos Costa
nião atos norma- do acordo de Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 07.03.2018 tivos cooperação Tonelli

Memorando
de Entendi-
Harmoni- Carlos
mentos sobre Marina Carlos Graziela
zação de Marisa Augusto Sem
defensivos agrícolas no brasil

Culturas com Não Não Veras Ramos Costa


procedimen- Zerbetto Marucchi dados
3ª Reu- Suporte Fi- Dourado Venâncio Araújo
tos Tonelli
nião tossanitário
Ordinária 07.03.2018 Insuficiente

Edição e Instrução Carlos


Marina Carlos Graziela
3ª Reu- alteração de Normativa Marisa Augusto Sem
Não Não Veras Ramos Costa
nião atos norma- Conjunta Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 07.03.2018 tivos sobre RET Tonelli
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
89
90

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Informes
Edição e sobre enca- Carlos
Marina Carlos Graziela
alteração de minhamento Marisa Augusto Sem
Não Não Veras Ramos Costa
3ª Reu- atos norma- da revisão do Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
nião tivos Decreto nº Tonelli
Ordinária 07.03.2018 4.074/02

Cartas de
Harmoni- recomendação Carlos
Marina Carlos Graziela
zação de de uso da Fos- Marisa Augusto Sem
Sim Sim Veras Ramos Costa
3ª Reu- procedimen- fina Líquida e Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
nião tos prioridades na Tonelli
Ordinária 07.03.2018 análise

Harmoni- Regulamento Carlos


Marina Carlos Graziela
3ª Reu- zação de sobre produ- Marisa Augusto Sem
Sim Sim Veras Ramos Costa
nião procedimen- tos a serem Zerbetto Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 07.03.2018 tos priorizados. Tonelli

Avaliação de
Harmoni- Carlos
contribuições Marina Carlos Graziela
zação de Marisa Augusto Sem
3ª Reu- da INC de Não Não Veras Ramos Costa
procedimen- Zerbetto Marucchi dados
nião mistura de Dourado Venâncio Araújo
Coleção Jovem Jurista 2021

tos Tonelli
Ordinária 07.03.2018 tanque

Procedi-
mentos para
Harmoni- Carlos
apresentação Marina Carlos Graziela
zação de Sem Augusto Sem
de laudos la- Sim Sim Veras Ramos Costa
procedimen- dados Marucchi dados
4ª Reu- boratoriais de Dourado Venâncio Araújo
tos Tonelli
nião formuladores
Ordinária 04.04.2018 internacionais
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Proteção
de dados e
informações Carlos
Critérios de Marina Carlos Graziela
submetidas Sem Augusto Sem
diferencia- Não Não Veras Ramos Costa
aos órgãos dados Marucchi dados
ção Dourado Venâncio Araújo
4ª Reu- federais para Tonelli
nião obtenção de
Ordinária 04.04.2018 registro

Ofício sobre
“uso próprio”
Harmoni- de inseticida Carlos
Marina Carlos Graziela
zação de em área de Sem Augusto Sem
Sim Sim Veras Ramos Costa
procedimen- proteção dados Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
4ª Reu- tos ambiental para Tonelli
nião controle de
Ordinária 04.04.2018 vetores

Memorando de
Harmoni- Entendimento Carlos
Marina Carlos Graziela
zação de sobre culturas Sem Augusto Sem
Não Não Veras Ramos Costa
4ª Reu- procedimen- com Suporte dados Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
nião tos Fitossanitário Tonelli
defensivos agrícolas no brasil

Ordinária 04.04.2018 Insuficiente

Harmoni- ANVISA e a Carlos


Marina Carlos Graziela
4ª Reu- zação de possibilidade Sem Augusto Sem
Não Não Veras Ramos Costa
nião procedimen- de aditamen- dados Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 04.04.2018 tos tos Tonelli
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
91
92

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Apresentação
do novo fluxo
Harmoni- das práticas Carlos
Marina Carlos Graziela
zação de regulatórias Sem Augusto Sem
Sim Sim Veras Ramos Costa
procedimen- que está dados Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
5ª Reu- tos sendo imple- Tonelli
nião mentado pela
Ordinária 02.05.2018 ANVISA

Consulta da
empresa de
Rizobacter so-
bre necessida- Carlos
Critérios de Marina Carlos Graziela
de de registro Sem Augusto Sem
diferencia- Sim Sim Veras Ramos Costa
de produtos dados Marucchi dados
ção Dourado Venâncio Araújo
para limpeza Tonelli
5ª Reu- de tanques de
nião pulverização
Ordinária 02.05.2018 de trator rural

Consulta
da empresa
Carlos
Coleção Jovem Jurista 2021

Critérios de Syngenta Marina Carlos Graziela


Sem Augusto Sem
diferencia- Proteção de Sim Sim Veras Ramos Costa
dados Marucchi dados
5ª Reu- ção Cultivos sobre Dourado Venâncio Araújo
Tonelli
nião “protetores de
Ordinária 02.05.2018 sementes”

Demandas Carlos
Marina Carlos Graziela
6ª Reu- de IA para Sem Augusto Sem
Outros Sim Sim Veras Ramos Costa
nião extrapolação dados Marucchi dados
Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 06.06.2018 de LMR Tonelli

Carlos
Critérios de Marina Carlos Graziela
6ª Reu- Especificações Marisa Augusto Sem
diferencia- Sim Sim Veras Ramos Costa
nião de referência Zerbetto Marucchi dados
ção Dourado Venâncio Araújo
Ordinária 06.06.2018 Tonelli
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Questiona-
Harmoni- mento do Carlos
Marina Graziela
zação de Conselho Sem Marisa Augusto Sem
Não Sim Veras Costa
6ª Reu- procedimen- de Biologia dados Zerbetto Marucchi dados
Dourado Araújo
nião tos referente a IN Tonelli
Ordinária 06.06.2018 02/15

Harmoni- Lista de Carlos


Marina Graziela
6ª Reu- zação de Prioridades Sem Marisa Augusto Sem
Não Não Veras Costa
nião procedimen- Agronômicas dados Zerbetto Marucchi dados
Dourado Araújo
Ordinária 06.06.2018 tos 2016-2017 Tonelli

Avaliação
Harmoni- de pleitos Carlos
Marina Graziela
zação de de registro Sem Marisa Augusto Sem
Sim Sim Veras Costa
6ª Reu- procedimen- de Produtos dados Zerbetto Marucchi dados
Dourado Araújo
nião tos Técnicos Equi- Tonelli
Ordinária 06.06.2018 valentes

Instrução
Edição e Normativa Carlos
Marina Graziela
alteração de conjunta sobre Sem Marisa Augusto Sem
Não Não Veras Costa
6ª Reu- atos norma- comércio in- dados Zerbetto Marucchi dados
Dourado Araújo
defensivos agrícolas no brasil

nião tivos terestadual de Tonelli


Ordinária 06.06.2018 agrotóxicos

Instrução
Edição e Carlos
Normativa Marina Graziela
alteração de Sem Marisa Augusto Sem
6ª Reu- Conjunta Sim Sim Veras Costa
atos norma- dados Zerbetto Marucchi dados
nião sobre plantas Dourado Araújo
tivos Tonelli
Ordinária 06.06.2018 ornamentais
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
93
94

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Instrução Nor-
Edição e mativa Con- Carlos
Marina Graziela
alteração de junta MAPA e Sem Marisa Augusto Sem
Não Não Veras Costa
6ª Reu- atos norma- IBAMA sobre dados Zerbetto Marucchi dados
Dourado Araújo
nião tivos mistura em Tonelli
Ordinária 06.06.2018 tanque

Consulta da
Chemitec
Agro Veteriná-
ria Ltda sobre
aplicabilidade
de registro Carlos
Critérios de Marina Graziela
de produtos Sem Marisa Augusto Sem
diferencia- Sim Sim Veras Costa
técnico para dados Zerbetto Marucchi dados
ção Dourado Araújo
registro de Tonelli
produtos
formulados
6ª Reu- diretamente a
nião partir de maté-
Ordinária 06.06.2018 rias primas
Coleção Jovem Jurista 2021

Consulta da
PB Brasil
sobre registro Carlos
Critérios de Marina Graziela
de CAOLIM Sem Marisa Augusto Sem
diferencia- Sim Sim Veras Costa
para controle dados Zerbetto Marucchi dados
ção Dourado Araújo
6ª Reu- de pragas, Tonelli
nião requisitos e
Ordinária 06.06.2018 procedimentos

Harmoni- Carlos
Solicitação de Marina
zação de Sem Marisa Augusto Sem Sem
priorização de Sim Sim Veras
7ª Reunião procedimen- dados Zerbetto Marucchi dados dados
análise Dourado
Ordinária 12.07.2018 tos Tonelli
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Consulta sobre
Harmoni- Carlos
enquadramen- Marina
zação de Sem Marisa Augusto Sem Sem
to de produto Sim Sim Veras
procedimen- dados Zerbetto Marucchi dados dados
7ª Reunião como agro- Dourado
tos Tonelli
Ordinária 12.07.2018 tóxico

Harmonização
de procedi-
Harmoni- Carlos
mentos para Marina
zação de Sem Marisa Augusto Sem Sem
publicação Sim Sim Veras
procedimen- dados Zerbetto Marucchi dados dados
dos pelitos de Dourado
tos Tonelli
7ª Reunião reclassificação
Ordinária 12.07.2018 toxicológica

Carlos
Critérios de Aprovação da Marina
Sem Marisa Augusto Sem Sem
diferencia- Especificação Sim Sim Veras
7ª Reunião dados Zerbetto Marucchi dados dados
ção de Referência. Dourado
Ordinária 12.07.2018 Tonelli

Harmoni- Autorização Carlos


Marina
zação de para divulgar Sem Marisa Augusto Sem Sem
Não Não Veras
7ª Reunião procedimen- informações dados Zerbetto Marucchi dados dados
Dourado
Ordinária 12.07.2018 tos toxicológicas Tonelli
defensivos agrícolas no brasil

Minuta de Ato
a ser publica-
Edição e do pelo MAPA: Carlos
Marina
alteração de dispensa de Sem Marisa Augusto Sem Sem
Não Não Veras
atos norma- alguns testes dados Zerbetto Marucchi dados dados
Dourado
tivos de toxicidade/ Tonelli
7ª Reunião patogenici-
Ordinária 12.07.2018 dade
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
95
96

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Uso emer-
Carlos
Critérios de gencial do Marina
Sem Marisa Augusto Sem Sem
diferencia- MXD-100 Sim Sim Veras
dados Zerbetto Marucchi dados dados
7ª Reunião ção para mexilhão Dourado
Tonelli
Ordinária 12.07.2018 dourado

Edição e Instrução Carlos


Marina
alteração de Normativa Sem Augusto Sem Sem
Sim Sim Veras
7ª Reunião atos norma- Conjunta de dados Marisa Marucchi dados dados
Dourado
Ordinária 12.07.2018 tivos Impurezas Zerbetto Tonelli

Solicitação de
uso emergen- Carlos
Critérios de Marina
cial de herbici- Sem Marisa Augusto Sem Sem
diferencia- Sim Sim Veras
das em áreas dados Zerbetto Marucchi dados dados
ção Dourado
7ª Reunião legalmente Tonelli
Ordinária 12.07.2018 protegidas

Harmonização
de entendi-
Harmoni- Carlos
mento entre Marina
zação de Sem Marisa Augusto Jeane Sem
os três órgãos Sim Sim Veras
procedimen- dados Zerbetto Marucchi Fonseca dados
8ª Reu- e orientações Dourado
Coleção Jovem Jurista 2021

tos Tonelli
nião na obtenção
Ordinária 10.08.2018 de registro

Solicitação da
Harmoni- Carlos
empresa UPL Marina
zação de Sem Marisa Augusto Jeane Sem
8ª Reu- sobre enqua- Sim Sim Veras
procedimen- dados Zerbetto Marucchi Fonseca dados
nião dramento de Dourado
tos Tonelli
Ordinária 10.08.2018 registro
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Foram recebi-
das denúncias Carlos
Marina
da venda de Sem Marisa Augusto Jeane Sem
Outros Sim Sim Veras
8ª Reu- agrotóxicos dados Zerbetto Marucchi Fonseca dados
Dourado
nião pela internet Tonelli
Ordinária 10.08.2018 pela ANVISA

Consulta da
Abifina sobre Carlos
Assessora- Marina
andamento Sem Marisa Augusto Jeane Sem
10.08.2018 mento dos Não Não Veras
8ª Reu- das discussões dados Zerbetto Marucchi Fonseca dados
ministérios Dourado
nião sobre a Lei nº Tonelli
Ordinária 10.603/02

Apresentação
Edição e Carlos
da Orientação Marina
alteração de Sem Marisa Augusto Jeane Sem
9ª Reu- de Serviço Não Não Veras
atos norma- dados Zerbetto Marucchi Fonseca dados
nião nº49/2018 da Dourado
tivos Tonelli
Ordinária 05.09.2018 ANVISA

Consulta sobre
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
dispensa de Marina Carlos
zação de Sem Augusto dre de Baptista
9ª Reu- receituário Sim Sim Veras Ramos
procedimen- dados Marucchi Oliveira Nóbre-
defensivos agrícolas no brasil

nião agronômico Dourado Venâncio


tos Tonelli Gomes ga
Ordinária 05.09.2018 Feromônios

Harmoni- Consulta sobre Carlos Alexan- Flávia


Marina Carlos
9ª Reu- zação de Produto For- Sem Augusto dre de Baptista
Sim Sim Veras Ramos
nião procedimen- mulado a Base dados Marucchi Oliveira Nóbre-
Dourado Venâncio
Ordinária 05.09.2018 tos de 2,4D Tonelli Gomes ga

Edição e Carlos Alexan- Flávia


Marina Carlos
9ª Reu- alteração de Sem Augusto dre de Baptista
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

Sim Sim Veras Ramos


nião atos norma- INC Plantas dados Marucchi Oliveira Nóbre-
Dourado Venâncio
Ordinária 05.09.2018 tivos Ornamentais; Tonelli Gomes ga
97
98

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Informe quan-
to as discus-
sões que vêm
sendo tratadas
entre a DAS
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
e o CONFEA Marina Carlos
zação de Sem Augusto dre de Baptista
05.09.2018 no que tange Sim Sim Veras Ramos
procedimen- dados Marucchi Oliveira Nóbre-
o aprimora- Dourado Venâncio
tos Tonelli Gomes ga
mento das
recomenda-
9ª Reu- ções técnicas
nião do receituário
Ordinária agronômico;

Edição e Carlos Alexan-


10ª Marina Carlos
alteração de IN Mistura em Marisa Augusto dre de Sem
Reunião 03.10.2018 Não Sim Veras Ramos
atos norma- tanque Zerbetto Marucchi Oliveira dados
Ordinária Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes

Proposta do
MAPA sobre
isenção da
Coleção Jovem Jurista 2021

Edição e apresentação Carlos Alexan-


10ª Marina Carlos
alteração de dos estudos Marisa Augusto dre de Sem
Reunião 03.10.2018 Sim Sim Veras Ramos
atos norma- necessários Zerbetto Marucchi Oliveira dados
Ordinária Dourado Venâncio
tivos à avaliação Tonelli Gomes
de Produtos
Técnicos Equi-
valentes

Edição e Carlos Alexan-


10ª Marina Carlos
alteração de INC RET/SIS- Marisa Augusto dre de Sem
Reunião 03.10.2018 Sim Sim Veras Ramos
atos norma- RET 2 Zerbetto Marucchi Oliveira dados
Ordinária Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Edição e Carlos Alexan-


10ª Revisão do Marina Carlos
alteração de Marisa Augusto dre de Sem
Reunião 03.10.2018 Decreto nº Sim Sim Veras Ramos
atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira dados
Ordinária 4074/2002 Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes

Apreciação da
minuta para
utilização de
Edição e estudos já Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- Marina Carlos
alteração de aprovados Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 Sim Sim Veras Ramos
atos norma- sobre prote- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
tivos ção de dados Tonelli Gomes ga
para produtos
técnicos equi-
valentes

Aprofunda-
mento da dis-
Edição e Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- cussão iniciada Marina Carlos
alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 na 1ª reunião Sim Sim Veras Ramos
atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária extraordinária Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes ga
sobre Decreto
nº 4074/02
defensivos agrícolas no brasil

Proposta do
GT Fitorg de Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- Critérios de Marina Carlos
alteração nor- Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 diferencia- Sim Veras Ramos
mativa para Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária ção Dourado Venâncio
registro de Tonelli Gomes ga
Baculovírus Sim
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de
99
100

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Retomada da
proposta GT
Fitorg sobre
a disponibi-
lização de
Harmoni- informações Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- Marina Carlos
zação de toxicológi- Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 Sim Sim Veras Ramos
procedimen- cas gerais Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
tos referentes a Tonelli Gomes ga
agentes mi-
crobiológicos
de controle
para produtos
fitossanitários

Solicitação de
Harmoni- enquadramen- Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- Marina Carlos
zação de to do produto Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 Sim Sim Veras Ramos
procedimen- Caolim e ne- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
tos cessidade de Tonelli Gomes ga
registro PT
Coleção Jovem Jurista 2021

Consulta
da empresa
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- SUMITOMO Marina Carlos
zação de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 sobre o en- Sim Sim Veras Ramos
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária quadramento Dourado Venâncio
tos Tonelli Gomes ga
do produto
RayNox Plus

Harmoni- Aprovação de Carlos Alexan- Flávia


11ª Reu- Marina Carlos
zação de ´Procedimen- Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 Sim Sim Veras Ramos
procedimen- tos Operacio- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
tos nais Padrão Tonelli Gomes ga
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Edição e Carlos Alexan- Flávia


11ª Reu- INC de im- Marina Carlos
alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 purezas rele- Sim Sim Veras Ramos
atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária vantes Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes ga

Proposta de
dispensa de
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
11ª Reu- receituário Marina Carlos
zação de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 14.11.2018 agronômico Sim Sim Veras Ramos
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária para produ- Dourado Venâncio
tos Tonelli Gomes ga
tos de baixa
toxicidade

Apresentação
da Proposta
regulatória
Edição e Carlos Alexan- Flávia
12ª Reu- para produtos Marina Carlos
alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 05.12.2018 destinados {a Sim Sim Veras Ramos
atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária jardinagem Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes ga
amadora e
profissional
pela ANVISA
defensivos agrícolas no brasil

Nova espe- Carlos Alexan- Flávia


12ª Reu- Critérios de Marina Carlos
cificação de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 05.12.2018 diferencia- Sim Sim Veras Ramos
referência – Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária ção Dourado Venâncio
ER 37 Tonelli Gomes ga

Necessidade
Harmoni- de estudos de Carlos Alexan- Flávia
12ª Reu- Marina Carlos
zação de toxicidade/pa- Marisa Augusto dre de Baptista
nião 05.12.2018 Sim Sim Veras Ramos
procedimen- togenicidade Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária Dourado Venâncio
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

tos e ecototoxico- Tonelli Gomes ga


lógico
101
102

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Apreciação do
questionamen-
to da empresa
Bequisa Indús-
Harmoni- Carlos Alexan- Flávia
12ª Reu- tria Química Marina Carlos
zação de Marisa Augusto dre de Baptista
nião 05.12.2018 sobre aumento Sim Sim Veras Ramos
procedimen- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária da concen- Dourado Venâncio
tos Tonelli Gomes ga
tração de IA
de produtos à
base de terra
diatomácea

Para aprecia-
ção e delibera-
ção pelo CT da
Nota Técnica
nº 237/2018
referente ao Carlos Alexan- Flávia
12ª Reu- Assessora- Marina Carlos
pedido de uso Marisa Augusto dre de Baptista
nião 05.12.2018 mento dos Sim Sim Veras Ramos
emergencial Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
Ordinária ministérios Dourado Venâncio
de triclopir Tonelli Gomes ga
e glifosato
Coleção Jovem Jurista 2021

apresentado
pelo Ministério
da Integração
Nacional

Harmoni-
Solicitação de
zação de
alteração de
procedimen- Carlos Alexan- Flávia
1ª Reunião ordem na fila Marina Carlos
tos Marisa Augusto dre de Baptista
Extraordi- 24.10.2018 de análise de Sim Sim Veras Ramos
Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nária pelitos pós- Dourado Venâncio
Tonelli Gomes ga
-registro de
produtos
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Solicitação de
Carlos Alexan- Flávia
1ª Reunião Harmoni- priorização Marina Carlos
Marisa Augusto dre de Baptista
Extraordi- 24.10.2018 zação de de análise por Sim Sim Veras Ramos
Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nária procedimen- baixa toxici- Dourado Venâncio
Tonelli Gomes ga
tos dade

Notas Téc-
nicas sobre
alteração nas
tabelas de IC.
Edição e Carlos Alexan- Flávia
1ª Reunião 01/2014, que Marina Carlos
alteração de Marisa Augusto dre de Baptista
Extraordi- 24.10.2018 trata sobre Sim Sim Veras Ramos
atos norma- Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nária o registro de Dourado Venâncio
tivos Tonelli Gomes ga
agrotóxico
para as cultu-
ras de suporte
fitossanitário

Solicitação de
Carlos Alexan- Flávia
1ª Reunião Harmoni- alteração de Marina Carlos
Marisa Augusto dre de Baptista
Extraordi- 24.10.2018 zação de apresentação Sim Sim Veras Ramos
Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nária procedimen- (tipo de for- Dourado Venâncio
Tonelli Gomes ga
tos mulação)
defensivos agrícolas no brasil

Demanda
encaminhada
pelo MAPA
para aprecia-
Edição e ção pelo CTA Carlos Alexan- Flávia
1ª Reunião Marina Carlos
alteração de sobre pro- Marisa Augusto dre de Baptista
Extraordi- 24.10.2018 Sim Sim Veras Ramos
atos norma- posta enviada Zerbetto Marucchi Oliveira Nóbre-
nária Dourado Venâncio
tivos pela Casa Tonelli Gomes ga
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

Civil que visa


a alteração
do Decreto nº
4.074/02
103
104

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

A ANVISA
compilou as
Bruno
Edição e contribuições
Sem Carlos Meiruze Gon-
alteração de a proposta de Marisa Kenia
01.02.2017 Não Não represen- Ramos Souza çalves
atos norma- Instrução Nor- Zerbetto Godoy
tante Venâncio Freitas Araújo
tivos mativa Con-
Rios
1ª Reunião junta sobre
Ordinária impurezas

Produtos Bruno
Critérios de registrados a Sem Carlos Meiruze Gon-
Marisa Kenia
01.02.2017 diferencia- base de clore- Sim Sim represen- Ramos Souza çalves
Zerbetto Godoy
1ª Reunião ção tos de benzal- tante Venâncio Freitas Araújo
Ordinária cônio Rios

Bruno
Edição e Norma do
Sem Carlos Meiruze Gon-
alteração de MAPA sobre Marisa Kenia
01.02.2017 Sim Sim represen- Ramos Souza çalves
atos norma- rótulos e bulas Zerbetto Godoy
1ª Reunião tante Venâncio Freitas Araújo
tivos de agrotóxicos
Ordinária Rios

Bruno
Harmoni-
Tramitação de Sem Carlos Meiruze Gon-
Coleção Jovem Jurista 2021

zação de Marisa Kenia


01.02.2017 normas nas Sim Sim represen- Ramos Souza çalves
procedimen- Zerbetto Godoy
1ª Reunião áreas jurídicas tante Venâncio Freitas Araújo
tos
Ordinária Rios
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Recebimento
da Moção da
Comissão de
Reavaliação
de Eficácia Bruno
Harmoni-
Agronômica Sem Carlos Meiruze Gon-
1ª Reunião zação de Marisa Kenia
01.02.2017 de produtos Sim Sim represen- Ramos Souza çalves
Ordinária procedimen- Zerbetto Godoy
indicados para tante Venâncio Freitas Araújo
tos
ferrugem asiá- Rios
tica da soja
sobre a regu-
lamentação da
mistura

Bruno
Harmoni-
Definição das Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião zação de Marisa Kenia
23.03.2017 Prioridades de Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária Procedimen- Zerbetto Godoy
Registro 2017 Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tos
Rios

Bruno
Harmoni- Calendário Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião Marisa Kenia
23.03.2017 zação de anual de reu- Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
defensivos agrícolas no brasil

Ordinária Zerbetto Godoy


Procedimen- niões do CTA Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tos Rios

Esclarecimen-
to quanto às
disposições da Bruno
Edição e
IN nº 25/2005 Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião alteração de Marisa Kenia
23.03.2017 para a realiza- Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária atos norma- Zerbetto Godoy
ção de expe- Teixeira Venâncio Freitas Araújo
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

tivos
rimentos com Rios
agrotóxicos e
afins
105
106

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Bruno
Edição e Medida Pro-
Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião alteração de visória em Marisa Kenia
23.03.2017 Não Não Alves Ramos Souza çalves
Ordinária atos norma- elaboração Zerbetto Godoy
Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tivos pelo MAPA
Rios

Procedimentos Bruno
Harmoni- no Registro Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião Marisa Kenia
23.03.2017 zação de de Produtos Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária Zerbetto Godoy
procedimen- Técnicos de Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tos Equivalência Rios

Bruno
Edição e
Regulamenta- Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião alteração de Marisa Kenia
23.03.2017 ção da Lei nº Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária atos norma- Zerbetto Godoy
10.603/02 Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tivos
Rios

Agendamento
de reunião
entre CTA e
áreas jurídicas Bruno
Harmoni-
dos órgãos Marcella Carlos Meiruze Gon-
Coleção Jovem Jurista 2021

2ª Reunião zação de Marisa Kenia


23.03.2017 para definição Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária procedimen- Zerbetto Godoy
de procedi- Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tos
mentos para Rios
edição de nor-
mas conjuntas
e isoladas

Agenda de
Bruno
Harmoni- atendimento
Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião zação de a empresas Marisa Kenia
23.03.2017 Não Não Alves Ramos Souza çalves
Ordinária procedimen- (decisão sobre Zerbetto Godoy
Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tos agendamento
Rios
conjunto)
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Bruno
Critérios de Mudança de Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião Marisa Kenia
23.03.2017 diferencia- requerente de Não Não Alves Ramos Souza çalves
Ordinária Zerbetto Godoy
ção registro Teixeira Venâncio Freitas Araújo
Rios

Bruno
Edição e
Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião alteração de INC de impu- Marisa Kenia
23.03.2017 Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária atos norma- rezas Zerbetto Godoy
Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tivos
Rios

Bruno
Edição e Regulamen-
Marcella Carlos Meiruze Gon-
2ª Reunião alteração de tação sobre Marisa Kenia
23.03.2017 Sim Sim Alves Ramos Souza çalves
Ordinária atos norma- mistura em Zerbetto Godoy
Teixeira Venâncio Freitas Araújo
tivos tanque
Rios

Harmoni-
3ª Reu- Marcella Carlos Meiruze Jeane
zação de Prioridades de Marisa Kenia
nião 12.04.2017 Sim Sim Alves Ramos Souza Fonse-
Procedimen- Registro 2017 Zerbetto Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio Freitas ca
tos

Extensão
defensivos agrícolas no brasil

de registro
3ª Reu- Critérios de Marcella Carlos Meiruze Jeane
emergencial Marisa Kenia
nião 12.04.2017 diferencia- Sim Sim Alves Ramos Souza Fonse-
de algicidas Zerbetto Godoy
Ordinária ção Teixeira Venâncio Freitas ca
solicitada pela
SABESP

Edição e Remanejamen-
3ª Reu- Marcella Carlos Meiruze Jeane
alteração de to da cultura Marisa Kenia
nião 12.04.2017 Sim Sim Alves Ramos Souza Fonse-
atos norma- cenoura da Zerbetto Godoy
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

Ordinária Teixeira Venâncio Freitas ca


tivos INC 01/2014
107
108

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Demanda
4ª Reu- Marcella Carlos Meiruze Jeane
encaminhado Marisa Kenia
nião 10.05.2017 Outros Sim Sim Alves Ramos Souza Fonse-
pela CNA Zerbetto Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio Freitas ca
sobre CSFI

Edição e
4ª Reu- Operaciona- Marcella Carlos Meiruze Jeane
alteração de Marisa Kenia
nião 10.05.2017 lização da IN Não Não Alves Ramos Souza Fonse-
atos norma- Zerbetto Godoy
Ordinária 9/2016 Teixeira Venâncio Freitas ca
tivos

Aditamento
em pleitos
4ª Reu- Critérios de Marcella Carlos Meiruze Jeane
de registro e Marisa Kenia
nião 10.05.2017 diferencia- Não Não Alves Ramos Souza Fonse-
pós-registro Zerbetto Godoy
Ordinária ção Teixeira Venâncio Freitas ca
de agrotóxicos
e afins

Cancelamento
4ª Reu- Critérios de Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
dos registros Kenia
nião 10.05.2017 diferencia- Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
de produtos Godoy
Ordinária ção Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
adjuvantes

Publicação da
Coleção Jovem Jurista 2021

IN Conjunta
Edição e
4ª Reu- sobre a in- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de Kenia
nião 10.05.2017 ternalização Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- Godoy
Ordinária da Resolução Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos
MERCOSUL nº
15/2016

Ofício de
requerimento
4ª Reu- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
Diretrizes de informa- Kenia
nião 10.05.2017 Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
SIA ções sobre o Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
SIA feito pelo
TCU
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Reunião do
MAPA com
o setor de
Harmoni- produtos
4ª Reu- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
zação de biológicos, Kenia
nião 10.05.2017 Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
procedimen- microbiológi- Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tos cos e de uso
aprovado para
agricultura
orgânica

Aprovação das
especificações
de referência
5ª Reu- Critérios de Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
para os agen- Kenia
nião 13.06.2017 diferencia- Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
tes microbio- Godoy
Ordinária ção Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
lógicos de
controle de
Bacillus

Edição e Discussão so-


5ª Reu- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de bre dispositivo Kenia
nião 13.06.2017 Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- do Decreto nº Godoy
defensivos agrícolas no brasil

Ordinária Teixeira Venâncio sentante Araújo ca


tivos 4.074/02

Edição e
5ª Reu- Atualização Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de Kenia
nião 13.06.2017 do SISRET e Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- Godoy
Ordinária IN RET Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos

5ª Reu- Avanços no Marcella Carlos Sem Graziela Jeane


Diretrizes Kenia
nião 13.06.2017 desenvolvi- Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
SIA Godoy
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

Ordinária mento do SIA Teixeira Venâncio sentante Araújo ca


109
110

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Edição e
5ª Reu- Regulamenta- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de Kenia
nião 13.06.2017 ção da Lei nº Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- Godoy
Ordinária 10.603/02 Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos

Harmoni-
5ª Reu- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
zação de Gestão da fila Kenia
nião 13.06.2017 Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
procedimen- de PFEs Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tos

Harmoni-
5ª Reu- Lista de com- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
zação de Kenia
nião 13.06.2017 ponentes para Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
procedimen- Godoy
Ordinária publicação Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tos

Edição e Manual para


5ª Reu- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de confecção Kenia
nião 13.06.2017 Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- de rótulos e Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos bulas

Harmoni-
5ª Reu- Laudos labo- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
zação de Kenia
nião 13.06.2017 ratoriais de Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
procedimen- Godoy
Ordinária formulador Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
Coleção Jovem Jurista 2021

tos

IBAMA rece-
beu solicita-
5ª Reu- Critérios de ções de auto- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
Kenia
nião 13.06.2017 diferencia- rização de uso Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Godoy
Ordinária ção emergencial Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
para oxiclore-
to de cálcio

Comunicação
Edição e
5ª Reu- de informes Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de Kenia
nião 13.06.2017 sobre normas Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- Godoy
Ordinária editadas pelos Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos
órgãos
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Comunicação
Edição e
5ª Reu- de informes Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
alteração de Kenia
nião 13.06.2017 sobre normas Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
atos norma- Godoy
Ordinária editadas pelos Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos
órgãos

Busca de
Harmoni-
6ª Reu- sincronia de Marcella Carlos Graziela Jeane
zação de Marisa Kenia
nião 03.08.2017 distribuição de Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
procedimen- Zerbetto Godoy
Ordinária pleitos entre Teixeira Venâncio Araújo ca
tos
os órgãos

Formação
Edição e de grupo de
6ª Reu- Marcella Carlos Graziela Jeane
alteração de trabalho para Marisa Kenia
nião 03.08.2017 Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
atos norma- elaboração de Zerbetto Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio Araújo ca
tivos INC de priori-
dades

Instrução
Edição e Normativas
6ª Reu- Marcella Carlos Graziela Jeane
alteração de Conjuntas so- Marisa Kenia
nião 03.08.2017 Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
atos norma- bre Impurezas Zerbetto Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio Araújo ca
defensivos agrícolas no brasil

tivos e de plantas
ornamentais

Edição e Revisão da
6ª Reu- Marcella Carlos Graziela Jeane
alteração de INC de altera- Marisa Kenia
nião 03.08.2017 Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
atos norma- ção de formu- Zerbetto Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio Araújo ca
tivos lação

Aditamento
em pleitos
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

6ª Reu- Critérios de Marcella Carlos Graziela Jeane


de registro e Marisa Kenia
nião 03.08.2017 diferencia- Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
pós-registro Zerbetto Godoy
Ordinária ção Teixeira Venâncio Araújo ca
de agrotóxicos
e afins
111
112

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

6ª Reu- Critérios de Alteração em Marcella Carlos Graziela Jeane


Marisa Kenia
nião 03.08.2017 diferencia- pleitos de Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
Zerbetto Godoy
Ordinária ção registro Teixeira Venâncio Araújo ca

6ª Reu- Avanços no Marcella Carlos Graziela Jeane


Diretrizes Marisa Kenia
nião 03.08.2017 desenvolvi- Sim Sim Alves Ramos Costa Fonse-
SIA Zerbetto Godoy
Ordinária mento do SIA Teixeira Venâncio Araújo ca

Harmoni- Produção de
Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
7ª Reunião zação de agrotóxicos Kenia
25.09.2017 Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Ordinária Procedimen- para uso Godoy
Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tos próprio

Harmoni-
Resposta a Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
7ª Reunião zação de Kenia
25.09.2017 CONJUR sobre Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Ordinária procedimen- Godoy
Adjuvantes Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tos

Edição e
Alteração nas Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
7ª Reunião alteração de Kenia
25.09.2017 tabelas da INC Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Ordinária atos norma- Godoy
01/2014 Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos

Edição e
Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
Coleção Jovem Jurista 2021

7ª Reunião alteração de Nota Técnica Kenia


25.09.2017 Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Ordinária atos norma- 01/2017 Godoy
Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos

Documento
Harmoni-
SINDIVEG Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
7ª Reunião zação de Kenia
25.09.2017 sobre altera- Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Ordinária procedimen- Godoy
ção da lista de Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tos
componentes

Edição e Proposta de IN
Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
7ª Reunião alteração de conjunta sobre Kenia
25.09.2017 Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
Ordinária atos norma- Mistura em Godoy
Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
tivos tanque
Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do
Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Cancelamento
8ª Reu- Critérios de Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
dos registros Kenia
nião 06.11.2017 diferencia- Não Não Alves Ramos repre- Costa Fonse-
de produtos Godoy
Ordinária ção Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
adjuvantes

Ofício do
Tribunal de
8ª Reu- Marcella Carlos Sem Graziela Jeane
Diretrizes Contas da Kenia
nião 06.11.2017 Sim Sim Alves Ramos repre- Costa Fonse-
SIA União sobre Godoy
Ordinária Teixeira Venâncio sentante Araújo ca
o desenvolvi-
mento do SIA

Pedido de
prioridade
dos registros
8ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane
dos produtos Marisa Kenia
nião 06.11.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
Harmoni- Rinskor Téc- Zerbetto Godoy
Ordinária tante Venâncio Araújo ca
zação de nico e Loyant
procedimen- para o cultivo
tos de arroz

Edição e Proposta de
8ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane
alteração de INC sobre Marisa Kenia
nião 06.11.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
defensivos agrícolas no brasil

atos norma- plantas orna- Zerbetto Godoy


Ordinária tante Venâncio Araújo ca
tivos mentais

Proposta de
Edição e
8ª Reu- IN Conjunta Sem Carlos Graziela Jeane
alteração de Marisa Kenia
nião 06.11.2017 sobre altera- Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
atos norma- Zerbetto Godoy
Ordinária ção de formu- tante Venâncio Araújo ca
tivos
lação

Edição e Proposta de
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de

9ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane


alteração de alteração do Marisa Kenia
nião 12.12.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
atos norma- Decreto nº Zerbetto Godoy
Ordinária tante Venâncio Araújo ca
tivos 4.074/02
113
114

Rep. do Rep. do Rep. do Rep.do


Assunto Decisão Manifesta- Rep. do Rep. do
Ata Data Categoria MMA/ MMA/ MS/AN- MS/AN- Observações
Tratado Unânime ção MAPA MAPA2
IBAMA IBAMA2 VISA VISA2

Edição e
9ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane
alteração de Alteração da Marisa Kenia
nião 12.12.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
atos norma- IN 25/2005 Zerbetto Godoy
Ordinária tante Venâncio Araújo ca
tivos

Edição e Posiciona-
alteração de mento para
9ª Reu- atos norma- publicação Sem Carlos Graziela Jeane
Marisa Kenia
nião 12.12.2017 tivos de Consulta Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
Zerbetto Godoy
Ordinária Pública sobre tante Venâncio Araújo ca
INC de Plantas
Ornamentais

9ª Reu- Solicitação do Sem Carlos Graziela Jeane


Marisa Kenia
nião 12.12.2017 Outros STF na ADI Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
Zerbetto Godoy
Ordinária 5553 tante Venâncio Araújo ca

9ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane


Diretrizes Cronograma Marisa Kenia
nião 12.12.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
SIA SIA Zerbetto Godoy
Ordinária tante Venâncio Araújo ca

Aditivo ao
9ª Reu- Termo de Sem Carlos Graziela Jeane
Diretrizes Marisa Kenia
Coleção Jovem Jurista 2021

nião 12.12.2017 Cooperação Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-


SIA Zerbetto Godoy
Ordinária Interministerial tante Venâncio Araújo ca
sobre o SIA

Harmoni-
9ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane
zação de UV como Marisa Kenia
nião 12.12.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
procedimen- agrotóxico Zerbetto Godoy
Ordinária tante Venâncio Araújo ca
tos

Harmoni-
9ª Reu- Sem Carlos Graziela Jeane
zação de NT brometo Marisa Kenia
nião 12.12.2017 Sim Sim represen- Ramos Costa Fonse-
procedimen- de metila Zerbetto Godoy
Ordinária tante Venâncio Araújo ca
tos
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 115
defensivos agrícolas no brasil

Anexo B – Resposta da ANVISA


116 Coleção Jovem Jurista 2021
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 117
defensivos agrícolas no brasil
118 Coleção Jovem Jurista 2021

Anexo C - Resposta da ANVISA (originalmente encaminhada ao MS)


A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 119
defensivos agrícolas no brasil
120 Coleção Jovem Jurista 2021

Anexo D – Resposta do IBAMA (originalmente encaminhada ao


MMA)
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 121
defensivos agrícolas no brasil
122 Coleção Jovem Jurista 2021
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 123
defensivos agrícolas no brasil

Anexo E – Resposta do MAPA


124 Coleção Jovem Jurista 2021
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 125
defensivos agrícolas no brasil
126 Coleção Jovem Jurista 2021
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 127
defensivos agrícolas no brasil

Anexo F - Resposta do TCU/Cronograma


128 Coleção Jovem Jurista 2021
A (des) organização regulatória do “celeiro do mundo” e a regulação de 129
defensivos agrícolas no brasil
SANEAMENTO BÁSICO E PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA
PRIVADA: MÃO OU CONTRAMÃO? UMA ANÁLISE DO
NOVO MARCO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
À LUZ DE CASOS INTERNACIONAIS EM QUE HOUVE
DESESTATIZAÇÃO E, POSTERIOR, REESTATIZAÇÃO DO
SERVIÇO PÚBLICO
Luiza Brumati

Resumo
O Novo Marco do Saneamento Básico, representado pelas alterações in-
troduzidas pela Lei nº 14.026, de 2020, abriu espaço para maior participa-
ção da iniciativa privada no setor. Chamou atenção a crítica ao Marco que
diz que o Brasil está indo na direção contrária a vários países do mundo
com a abertura. A partir disso, o presente trabalho se propôs a fornecer
elementos para essa discussão. Para isso, analisou-se qualitativamente
como iniciou e se deu a relação com a empresa privada e posterior re-
estatização nas cidades de Hamilton, Canadá; Buenos Aires, Argentina;
e em La Paz e El Alto, Bolívia. Os principais problemas estavam relacio-
nados aos seguintes pontos: contratação sem concorrência; dificuldade
regulatória e de fiscalização; desenho contratual; descumprimento de
metas contratuais; e má relação com a opinião pública. Identificados os
problemas, tentou-se observar se o Novo Marco do Saneamento Básico
estabelece mecanismos que possibilitem contornar esses problemas ou se
o Brasil parece seguir caminho do fracasso da relação entre saneamento
básico e a iniciativa privada.

Palavras-chave
Saneamento básico; Experiências internacionais; Regulação; Desestatiza-
ção; Serviços públicos; Reestatização.

Abstract
The New Legal Framework for Basic Sanitation, represented by the chan-
ges introduced by Law No. 14,026, of 2020, opened space for greater par-
ticipation by the private sector in the sector. The criticism of the new legis-
lation, that drew attention, was that Brazil is going in the opposite direction
to several countries in the world. From this, the present work intends to
132 Coleção Jovem Jurista 2021

provide elements for this discussion, analyzing qualitatively how it started


and gave the relationship with the private company and later re-statation
in the cities of Hamilton, Canada; Buenos Aires, Argentina; and La Paz and
El Alto, Bolivia. The main problems were related to the following points:
contracting without bidding and public competition; regulatory and ins-
pection difficulties; contractual design; non-compliance with contractual
targets; and poor relationship with public opinion. Having identified the
problems, an attempt was made to see whether the New Basic Sanitation
Legal Framework establishes mechanisms that make it possible to work
around these problems or whether Brazil seems to be following the path of
failure in the relationship between basic sanitation and the private sector.

Keywords
Basic sanitation; International experiences; Regulation; Privatization; Public
services; Re-statization.

Introdução

Situação problema e relevância

Segundo dados de 2016, cerca de 16,7% da população brasileira não ti-


nha acesso à água tratada e 48,1% da população não tinha acesso a ser-
viço de esgoto. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apontou que 1.933 municípios, ou seja, 34,7% do total, registraram
ocorrência de epidemias ou endemias causadas pela falta de saneamento
básico em 2017.1 Além disso, segundo auditoria realizada, em 2015, pelo
Tribunal de Contas da União (TCU), o lançamento de esgotos é a principal
causa de poluição dos corpos hídricos, em especial em áreas urbanas.2

Esses dados demonstram-se consideravelmente preocupantes e


comprovam que o acesso ao saneamento básico envolve riscos à saúde da
população3 e ao meio ambiente,4 sendo ambos direitos garantidos cons-
1 IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pes-
quisa de Informações Básicas Municipais 2017.
2 Tribunal de Contas da União. Auditoria Operacional em Esgotamento Sanitário. TC
017.507/2015-4 Fiscalis 317/2015, Relator: André Luís de Carvalho.
3 O direito à saúde, entre outras menções na Constituição, aparece com especial aten-
ção no art. 196 da CRFB/88 que reconhece a saúde como direito de todos e dever
do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
4 A temática do meio ambiente é tratada em diversos títulos e capítulos, mas cabe
destaque ao Título VIII, Da Ordem Social, cujo art. 225, caput, diz que “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Cabe apon-
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 133

titucionalmente. Além do quadro atual ser alarmante e incompatível com


o estágio de desenvolvimento brasileiro,5 pesquisas apontam a impossi-
bilidade de universalizar o acesso ao saneamento básico dentro do prazo
estabelecido pelo Plano Nacional de Saneamento – até 2033,6 de modo
que o quadro de restrições de direitos tende a se prolongar pela falta de
investimentos.

O cenário atual de prestação de saneamento básico é o de que os


prestadores públicos são os principais responsáveis por esses serviços no
Brasil. Segundo dados divulgados pelo Centro de Estudos e Regulação em
Infraestrutura – Fundação Getúlio Vargas (CERI FGV), 25% dos Municípios
é atendido por meio de autarquias municipais, empresas públicas e/ou
administração pública direta, enquanto dos 75% que delegam a execução,
96% são atendidos por Companhias Estaduais de Saneamento Básico.7

Diante desse cenário precário de acesso ao serviço de saneamento da


população brasileira provido pela prestação, em sua maioria, estatal – dire-
ta ou indireta – o movimento de maior abertura à iniciativa privada surgiu
como alternativa ao status quo de incapacidade e ineficiência do Estado
na prestação do serviço.8 Esse movimento começou a se concretizar ins-
tar também que o art. 170 da CRFB/88 traz uma nova percepção sobre o direito ao
meio ambiente e descreve que a ordem econômica brasileira deve respeitá-lo.
5 Sobre isso, destaca Carlos Tieghi, presidente do Conselho do Instituto Trata Brasil: “Os
dados da última Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar, divulgada recentemen-
te pelo IBGE, mais do que comprovam que o saneamento foi deixado de lado pelos
últimos governos: a sociedade hoje conta com mais acesso a tecnologia que a rede
coletora de esgotos. Dado o contraste dos indicadores do setor de saneamento com
os demais (rede elétrica, telefonia, internet, entre outros), cabe ao próximo governo
priorizar o saneamento básico e promover todas as alternativas de investimentos pre-
vistas na legislação para prover esses serviços básicos para a população”. Disponível
em: http://www.tratabrasil.org.br/por-que-a-universalizacao-do-saneamento-basi-
co-e-uma-meta-tao-dificil-de-ser-atingida-no-brasil---pensar-brasil. Acesso em: out.
2020.
6 “Segundo o plano, o custo para universalizar os quatro serviços (água, esgoto, resí-
duos e drenagem) é de R$ 508 bilhões entre 2014 e 2033. Já para a universalização de
água e esgoto, o custo será de R$ 303 bilhões. Um estudo da Confederação Nacional
da Indústria (CNI) apontou que, com o ritmo atual de investimentos, o Brasil apenas
conseguirá universalizar o atendimento de água em 2043, e de esgoto, em 2054.”
(MARQUES, André Luiz de Paula. Saneamento Básico: a difícil arte de universalização.
In: Caderno IERBB – Vozes para o Saneamento Básico/ Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro, CAO Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro: Ministé-
rio Público do Estado do Rio de Janeiro, 2020.
7 Disponível em: https://ceri.fgv.br/sites/default/files/publicacoes/2020-07/cartilha-
-reforma-saneamento_digital_28.07.2020.pdf. Acesso em: set. 2020.
8 Nesse sentido, manifestou-se o Ministro Luiz Fux na Medida Cautelar na ADI no 6.492
DF: “O perigo de dano, que se configuraria no risco de perecimento do direito em caso
de demora na prestação jurisdicional, afasta-se desde logo pelo cenário lastimável em
que atualmente se encontra o acesso da população brasileira a esses serviços. A ma-
nutenção do status quo perpetua a violação à dignidade de milhares de brasileiros e
a fruição de diversos direitos fundamentais. É como reconhece o próprio Requerente,
ao aduzir que ‘quanto à irreparabilidade dos danos emergentes dos atos impugnados,
evidencie-se que a situação atual per se já está a causar um amplo espectro de danos
à população brasileira’”. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 6.492-DF. Min. Relator Luiz Fux. Decisão Monocrática, julgado
em 03.08.2020. DJE 04.08.2020.
134 Coleção Jovem Jurista 2021

titucionalmente com as Medidas Provisórias nº 844/2018 e nº 868/2018;


e, posteriormente, com os Projetos de Lei nº 3.261/2019 e nº 4.162/19. O
PL 4.162/19 foi convertido na Lei nº 14.026/20, que promoveu alterações
substanciais na Lei nº 11.445/07.

Muitas críticas, entretanto, foram feitas a essa possibilidade, dada a


resistência dos opositores ao projeto à prestação privada dos serviços de
saneamento. Afirmou-se que a atuação de empresas privadas e o fim dos
subsídios cruzados levarão à má prestação do serviço, aumento das tarifas
e impossibilidade de universalização. Além disso, muitas das críticas citam
que experiências internacionais, de reestatização do serviço depois de má
prestação de companhias privadas, comprovam que o Brasil está na con-
tramão do ideal.

Todas essas críticas merecem especial cautela em sua análise, mas


chamou atenção como se constrói a crítica sobre o fato de outras cida-
des no mundo estarem retomando os serviços de saneamento à prestação
pública. É possível observar que, na maioria das vezes, o ponto central da
argumentação é mostrar o número de casos em que houve a chamada
remunicipalização, como fizeram Luiz Roberto Moraes e Patricia Borja em
artigo acadêmico:

No entanto, no mundo inteiro está acontecendo um


movimento de remunicipalização/reestatização dos
serviços públicos de saneamento básico, e não apenas
de água e esgoto, mas também de resíduos sólidos. Em
um levantamento mundial, realizado entre 2000 e 2016,
é mostrado que 267 municípios de diversos países, em
diversos continentes, remunicipalizaram/reestatizaram seus
serviços públicos de água e esgoto e 31 municípios fizeram o
mesmo em relação aos serviços públicos de resíduos sólidos.
Paris (França), Buenos Aires (Argentina), Atlanta (Estados
Unidos), Budapeste (Hungria), Berlim (Alemanha) e Kuala
Lumpur (Malásia) seguiram esse caminho.9

Poucas vezes, é possível notar menção aos motivos que levaram as


cidades que reestatizaram a adotar esse caminho, mas, quando são feitas,
há pouco aprofundamento, citando razões supostamente gerais para que
houvesse a retomada de serviços.10 Esse é o caso, por exemplo, da petição
9 MORAES, Luiz Roberto; BORJA, Patricia. Medida Provisória no 868/2018: tentativa de
desconstrução da política pública de saneamento básico vigente no Brasil. In: SILVA,
Helenton Carlos da (Org.). Engenharia hidráulica e sanitária. Ponta Grossa - PR: Atena
Editora, 2019. 10.22533/at.ed.9531923121.
10 Destaca-se que, na petição inicial da ADI no 6.536, ajuizada por quatro partidos polí-
ticos: Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol),
o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Trabalhadores (PT), o argumento
também surge como na maioria dos casos, apenas apontando que o Brasil vai contra
diversos países do mundo: “A Lei no 14.026, de 15 de julho de 2020 representa, assim,
a saída do Governo Federal como principal responsável pelo financiamento público
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 135

inicial da ADI nº 6492, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista, em


face do Novo Marco do Saneamento Básico:

A Lei nº 14.026/2020 ainda colocará o Brasil na contramão


do mundo, eis que conforme estudo realizado pelo
Transnational Institute, 884 municípios em mais de 35 países
reestatizaram seus serviços de saneamento de 2000 a 2017.
As razões foram tarifas altas e a baixa qualidade na prestação
de serviços cobrados pelas empresas. 26 Cite-se, à guisa de
exemplo, a Inglaterra, primeiro país a privatizar o saneamento
básico. Hoje, a experiência inglesa revela problemas típicos
de modelos de privatização radical, especialmente em um
setor como o saneamento básico, propício a monopólios,
gera um “contínuo descumprimento de metas de aumento
de eficiência e redução de desperdício, trajetória ambiental
insustentável, enormes lucros para executivos e grandes
acionistas e tarifas reajustadas cerca de 40% acima da
inflação em relação aos preços cobradas até a privatização”.

Diante disso, surgiu a curiosidade e se constatou a necessidade de


buscar a fundo compreender o que ocorreu nos casos internacionais para
que houvesse a retomada da prestação pelo Poder Público. Este traba-
lho busca fornecer, portanto, elementos para contribuir no debate sobre
a participação da iniciativa privada no setor de saneamento como política
pública, visando à universalização do serviço, diante dos avanços e retro-
cessos das tentativas semelhantes de outros países.

Conforme se abordará no tópico de metodologia e se verá ao longo


deste trabalho, com a finalidade de fornecer elementos ao debate, serão
observados casos internacionais, nos quais houve a concessão do serviço
a parceiro privado e posterior reestatização e sob quais contextos e mo-
delos foram realizadas essas escolhas.

Desse modo, o presente trabalho tem sua relevância justificada em


virtude da tentativa de compreender as críticas que são feitas ao Novo
Marco Regulatório e como as experiências internacionais podem auxiliar
no alcance da universalização do saneamento básico no país, atualmente
tão distante.

do setor de saneamento brasileiro. O setor passa a adotar a privatização como única


alternativa para o desenvolvimento do saneamento no Brasil; estratégia esta já fracas-
sada em diversos países mundo a fora, inclusive com clara tendência nos EUA e Euro-
pa de remunicipalização dos serviços de saneamento que houveram sido privatizados
décadas atrás (verbi gratia, Buenos Aires, Paris e La Paz)”.
136 Coleção Jovem Jurista 2021

Breves comentários sobre metodologia

A metodologia aplicada para o desenvolvimento do presente traba-


lho foi mista, representando o estudo exploratório que se pretende. Foi
realizada pesquisa doutrinária e estudo de casos, com a finalidade de ad-
quirir subsídios a fim de contribuir com elementos para o debate sobre a
participação da iniciativa privada na prestação de serviços de saneamento
básico.

A pesquisa doutrinária consistiu no levantamento e na leitura de ma-


teriais que abordassem tanto a percepção diante do Novo Marco do Sane-
amento Básico no Brasil como a literatura internacional sobre desestatiza-
ção e reestatização desses serviços.

A escolha de casos para estudo, que por impossibilidade de tempo


ou de informações, não pretenda analisar todos os casos que envolvam
determinado acontecimento comum, acaba sendo, quase inevitavelmente,
arbitrária. Entretanto, tentou-se buscar alguma lógica que pudesse gerar
elementos que melhor contribuíssem para a discussão apresentada.

O estudo de casos realizado no presente trabalho teve como objetivo


observar três cidades internacionais que, em algum momento, concede-
ram o serviço de saneamento básico à iniciativa privada e, posteriormente,
optaram pela reestatização do serviço. Cabe destacar como se deu a es-
colha metodológica dos casos escolhidos para o estudo:

(i) Primeiro, buscou-se de forma geral quais casos existiam no mun-


do de desestatização e posterior reestatização do serviço de sa-
neamento, dado que dão base para a crítica ao Novo Marco do
Saneamento Básico.

(ii) Em segundo lugar, restringiu-se o estudo a casos em países, cuja


língua fosse conhecida pela autora do presente trabalho, para que
fosse possível uma melhor pesquisa em artigos locais do tema e
documentos públicos do próprio país, dando mais legitimidade às
informações alcançadas.

(iii) Combinou-se também, à busca, locais com realidade próxima à


brasileira ou que tenham tido em seu processo de desestatização
alguma semelhança importante com o processo que foi desenha-
do para o Brasil com a nova lei.

(iv) Por fim, buscou-se casos em que, em ao menos um, fosse possível
ter uma análise de realização completa do contrato com a empre-
sa privada e outros em que fosse possível ter análise de relação
que foi rompida durante o curso do contrato.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 137

Chegou-se, então, aos casos estudados, que foram: Hamilton, Canadá;


Buenos Aires, Argentina; e La Paz e El Alto, Bolívia. No primeiro, o contrato
com a empresa privada foi finalizado, enquanto nos outros o contrato foi
encerrado antes do término do tempo previsto.

HISTÓRICO DA REGULAÇÃO DO SANEAMENTO

Para compreender quais são as mudanças substanciais implementadas


pela Lei nº 14.026/20 no ordenamento jurídico brasileiro, é importante ob-
servar como se deu historicamente a regulação do serviço do saneamento
básico brasileiro. Por isso, passa-se a observar como a questão é tratada
pela Constituição e por normas infraconstitucionais e como o Judiciário
contribuiu para a interpretação desses diplomas.

A Constituição Federal estabelece que a competência para o desen-


volvimento de programas de melhoria do saneamento básico é comum a
todos os entes da federação, na forma do art. 23, inciso IX. A Constituição,
por um lado, prevê que a União é responsável por estabelecer diretrizes
capazes de guiar políticas públicas no segmento, de acordo com o seu art.
21, inciso XX. Por outro lado, o art. 30, inciso V, da Constituição atribui
à competência municipal a organização e prestação, diretamente ou sob
regime de concessão ou permissão, dos serviços públicos de interesse lo-
cal, de forma que a titularidade de prestação do serviço de saneamento é
municipal.

Apesar de previsto constitucionalmente, o setor de saneamento bási-


co após a Constituição Federal de 1988, possui regulamentação bastante
recente, tendo sido iniciada pela Lei nº 9.433 em 1997. Esta Lei trata da
Política Nacional de Recursos Hídricos e institui o Sistema Nacional de Ge-
renciamento de Recursos Hídricos, mediante regulamentação do disposto
no item XIX do art. 21 da Constituição Federal.

Dez anos depois, em 2007, foi promulgada a Lei nº 11.445/2007, Lei


Nacional de Saneamento Básico (LNSB), diploma jurídico de grande rele-
vância no setor, pois além de definir o conceito de saneamento, define o
escopo de competência em relação à coordenação e à atuação dos diver-
sos agentes envolvidos nesta cadeia em nível nacional. A LNSB cria tam-
bém um dever de planejamento setorial previsto em seu art. 52, de que o
Governo Federal, com a ajuda do Ministério das Cidades, elabore o Plano
Nacional de Saneamento Básico.

Segundo a Lei nº 11.445/2007, o setor de saneamento é o conjunto de


serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais, sendo esse
conjunto formado por: (i) a coleta e tratamento do esgoto, (ii) a limpe-
za urbana e manipulação de resíduos sólidos e controle de pragas, assim
como qualquer outro agente insalubre, (iii) o abastecimento de água po-
138 Coleção Jovem Jurista 2021

tável, e, ainda, (iv) a drenagem e gerência de águas pluviais. Além disso,


diante da partição de competências, estabelecidas pelo constituinte origi-
nário, a Lei nº 11.445 de 2007, regulada posteriormente por duas Medidas
Provisórias que serão mais bem abordadas, dispõe que os Municípios e o
Distrito Federal são titulares dos serviços públicos de saneamento, tendo
em vista que o serviço de saneamento básico é de interesse local.

Cabe mencionar que o Poder Judiciário também exerceu importante


papel na definição de papéis aos entes federativos em relação à presta-
ção do serviço público de saneamento básico. Nesse sentido, destacam-se
duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que foram direciona-
das ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a titularidade dos
serviços de saneamento básico. A ADI nº 2.07711 questionava a possibili-
dade da Constituição Estadual da Bahia conferir ao Estado a titularidade
do serviço de saneamento e a nº ADI 1.84212 questionava a possibilidade
do Estado do Rio de Janeiro atuar nos serviços de saneamento básico em
regiões metropolitanas.

Em 2013, em Medida Cautelar na ADI nº 2.077, foi decidido que a titu-


laridade para a prestação de serviços de saneamento básico é dos Municí-
pios, devido ao seu caráter local. Em 2019, por unanimidade, os Ministros
do Supremo Tribunal Federal acordaram em confirmar a medida cautelar
anteriormente deferida pelo Plenário e julgar parcialmente procedente a
ação para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 59, inciso V, e 228,
caput, e § 1º, da Constituição do Estado da Bahia:

Ementa: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO


ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA.
NORMAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA BAHIA, COM
REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 7/1999.
COMPETÊNCIAS RELATIVAS A SERVIÇOS PÚBLICOS.
OCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
MUNICIPAIS (ART. 30, I E V). PARCIAL PROCEDÊNCIA.

1. As regras de distribuição de competências legislativas são


alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão
de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da
predominância do interesse.

2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma


absoluta para algumas matérias a presença do princípio da
predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas
competências para cada um dos entes federativos – União,
11 Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.077, Relator Min.
Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 30.08.2019. DJE 09.09.2019.
12 Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1842, Relator Min.
LUIZ FUX, Relator p/ Acórdão: Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 06.03.2013,
DJE 16.09.2013.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 139

Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir


dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de
poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora
permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros
e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I).

3. O art. 59, V, da legislação impugnada, ao restringir


o conceito de “interesse local”, interferiu na essência
da autonomia dos entes municipais, retirando-lhes a
expectativa de estruturar qualquer serviço público que
tenha origem ou que seja concluído fora do limite de seu
território, ou ainda que demande a utilização de recursos
naturais pertencentes a outros entes.

4. O artigo 228, caput e § 1º, da Constituição Estadual


também incorre em usurpação da competência municipal,
na medida em que desloca, para o Estado, a titularidade
do poder concedente para prestação de serviço público de
saneamento básico, cujo interesse é predominantemente
local. (ADI 1.842, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Min.
Gilmar Mendes, DJE de 13.09.2013).

5. As normas previstas nos artigos 230 e 238, VI, não


apresentam vícios de inconstitucionalidade. A primeira
apenas possibilita a cobrança em decorrência do serviço
prestado, sem macular regras constitucionais atinentes
ao regime jurídico administrativo. A segunda limita-se a
impor obrigação ao sistema Único de Saúde de participar
da formulação de política e da execução das ações de
saneamento básico, o que já é previsto no art. 200, IV, da
Constituição Federal.

6. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta julgada


parcialmente procedente.13 (grifos nossos)

Na ADI 1.842, por sua vez, decidiu-se que, nas regiões metropolita-
nas, os serviços deveriam ser prestados conjuntamente pelos Estados e
Municípios, tendo em vista que nesses casos existe interesse comum. A
prestação conjunta se daria por meio de um colegiado interfederativo com
representantes do Estado e dos Municípios da região metropolitana. Nes-
se caso, entendeu-se que não há perda da titularidade dos municípios,
pois aqueles que não pertencem a regiões metropolitanas permanecem
como gestores exclusivos do serviço e os demais, que compõem os gran-
des aglomerados, continuam tendo poder decisório sobre a prestação dos
serviços.

13 Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.077, Relator Min.


Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 30.08.2019. DJE 09.09.2019.
140 Coleção Jovem Jurista 2021

Destaca-se que esse entendimento do STF foi incorporado ao Estatu-


to da Metrópole de 2015, que estabelece diretrizes gerais para as regiões
metropolitanas. O Estatuto prevê, em seu artigo 6º, inciso II, o “compar-
tilhamento de responsabilidades” e, em seu art. 7º, inciso IV, a “execução
compartilhada das funções de interesse comum”, por meio de “estrutura
de governança interfederativa”.

Além dessas decisões por parte do STF e das tentativas do legislativo de se


adaptar a elas, é preciso apontar duas disposições recentes do Poder Executivo
Federal que foram extremamente relevantes para a regulação do setor: a Medida
Provisória nº 844/2018, e a Medida Provisória nº 868/2018.

As medidas em seu mérito possuem previsões similares, estabelecen-


do: (i) definição de novas diretrizes para o Plano Nacional de Saneamento
Básico; (ii) ampliação dos poderes da Agência Nacional de Águas para
emitir regras regulatórias nacionais sobre serviços de saneamento; (iii)
melhoria das condições estruturais do saneamento básico no país; (iv) es-
tabelecimento da privatização de empresas estatais de saneamento; (v)
possibilidade de subdelegação de serviços por meio de contratos de pro-
grama; (vi) criação de um Comitê Interministerial de Saneamento Básico
e (vii) atribuição legal de propriedade do serviço público de saneamento
aos Municípios e ao Distrito Federal.

Significativas alterações foram introduzidas pelas Medidas, mas elas


não foram votadas em tempo hábil pelo Congresso para que fossem con-
vertidas em Lei e seus efeitos passaram a não vigorar, de modo que foi
necessária criação de Projetos de Lei como mais uma tentativa de atuali-
zação do marco regulatório do saneamento básico. O senador Tasso Je-
reissati, também relator da MP 868, apresentou o PL 3.261, que era muito
semelhante à Medida Provisória.

O PL 3.261, aprovado em junho de 2019 pelo Senado, foi arquivado


pela Câmara, que privilegiou o PL 4.162/19. O objetivo era justamente que
a última palavra fosse da Câmara, dado que a Casa do Congresso, onde o
caminho se inicia, tem a prerrogativa de recebê-lo de volta, caso a outra
Casa faça alguma mudança, a fim de decidir se aceita ou rejeita a altera-
ção. Assim, enquanto o PL 3.261 iria para o Senado em fase terminativa, o
PL 4.162 precisaria voltar para a Câmara após a votação do Senado, caso
houvesse alteração.

Em dezembro de 2019, a Câmara dos Deputados aprovou o PL


4.162/19, encaminhando-o ao Senado Federal. O Senado, em junho de
2020, aprovou o projeto sem alterações e o encaminhou para o presidente
Jair Bolsonaro. Em julho de 2020, o presidente sancionou o projeto com
vetos. A Lei, então, foi publicada sob a numeração 14.026/2020 e a resta
ao Congresso deliberar sobre os vetos do presidente, acolhendo-os ou
revertendo o texto.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 141

I. NOVO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO BÁSICO


– LEI Nº 14.026/2020

Para compreender melhor quais foram as principais alterações na legis-


lação do saneamento básico, este capítulo está separado em subtópicos
com os as principais alterações introduzidas pela Lei nº 14.026, de 2020.
Além da apresentação das mudanças, serão apontadas as principais críti-
cas em relação a essas mudanças específicas. Considerou-se pontos es-
senciais para serem abordados: (1) ampliação da concorrência e fim dos
contratos de programa; (2) prestação regionalizada; (3) supervisão regu-
latória da Agência Nacional de Águas; (4) metas de desempenho; e (5)
titularidade do serviço.

Ampliação da concorrência e fim dos contratos de programa

Essa alteração é significativa para os interesses do presente trabalho, de


forma que parece pertinente demonstrar claramente na tabela abaixo as
alterações realizadas:
Tabela 1. Fim dos Contratos de Programa

Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, altera-


da pela Lei nº 14.026, de 2020

Art. 10.  A prestação de serviços públicos de sa- Art. 10. A prestação dos serviços públicos de
neamento básico por entidade que não integre a saneamento básico por entidade que não integre
administração do titular depende da celebração a administração do titular depende da celebra-
de contrato, sendo vedada a sua disciplina me- ção de contrato de concessão, mediante prévia
diante convênios, termos de parceria ou outros licitação, nos termos do art. 175 da Constituição
instrumentos de natureza precária. Federal, vedada a sua disciplina mediante con-
§ 1º Excetuam-se do disposto no caput deste trato de programa, convênio, termo de parceria
artigo: ou outros instrumentos de natureza precária.
I – Os serviços públicos de saneamento básico (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)
cuja prestação o poder público, nos termos de
lei, autorizar para usuários organizados em coo- § 3º Os contratos de programa regulares vi-
perativas ou associações, desde que se limitem a: gentes permanecem em vigor até o advento do
a) determinado condomínio; seu termo contratual. (Incluído pela Lei nº
b) localidade de pequeno porte, predominante- 14.026, de 2020)
mente ocupada por população de baixa renda,
onde outras formas de prestação apresentem
custos de operação e manutenção incompatíveis
com a capacidade de pagamento dos usuários.
II – Os convênios e outros atos de delegação
celebrados até o dia 6 de abril de 2005.
§ 2º A autorização prevista no inciso I, do §
1º, deste artigo, deverá prever a obrigação de
transferir ao titular os bens vinculados aos servi-
ços por meio de termo específico, com os res-
pectivos cadastros técnicos.
142 Coleção Jovem Jurista 2021

Com a alteração, fica evidente o fim dos contratos de programa, con-


tratos pelos quais os municípios transferiam a execução dos seus serviços
de saneamento para empresas públicas do governo estadual. Esses pos-
suem regras de prestação e tarifação, mas permitiam que as empresas es-
tatais assumissem os serviços sem nenhum procedimento de concorrência
com a iniciativa privada. Como está disposto na nova redação do art. 10,
da Lei nº 11.445/2007, no lugar deles serão realizadas licitações, que cul-
minarão na celebração de contratos de concessão.

Ainda, para garantir maior segurança jurídica, inseriu-se o art. 10-A


Lei nº 11.445/2007, que exige disposições contratuais mínimas que devem
estar presentes nos contratos firmados. Dentre as disposições exigidas
estão cláusulas essenciais dos contratos de concessão, de acordo com o
art. 23, da Lei nº 8.987/95.

A transição entre esses dois regimes se dará de forma a manter os


contratos de programa que estão em vigor, que poderão ser prorrogados
mais uma vez até março de 2022 por 30 anos. Para tanto, entretanto, é
necessário que se comprove a viabilidade econômico-financeira.

Sobre este ponto é preciso destacar também a discussão quanto ao


art. 16, alterado pela Lei nº 14.026, de 2020. Esse artigo dispunha que os
contratos de programa vigentes e as situações de fato de prestação dos
serviços por empresas ou sociedades de economia mista sem assinatura
ou com a vigência expirada poderiam ser reconhecidos como contratos de
programa e formalizados ou revogados mediante acordo entre as partes.
Esse artigo foi vetado pelo Presidente Jair Bolsonaro, mas é considerado
essencial por defensores do PL 4.162/19.

Por um lado, o veto foi motivado sob a justificativa de que o reconhe-


cimento de fato desses contratos por mais 30 anos prolonga demasiada-
mente a situação atual, postergando soluções para os impactos ambien-
tais e de saúde pública. Além disso, segundo o veto, o dispositivo estava
em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento,
que orientam a celebração de contratos de concessão.14 Por outro lado, os
defensores do PL argumentam que a porcentagem de municípios irregula-
res é alta, de modo que se esse artigo não fosse inserido, os municípios em
situação irregular deveriam contratar imediatamente por meio de procedi-
mento licitatório, o que poderia afetar a prestação do serviço à população
pela transição brusca.15
14 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Msg/
VEP/VEP-396.htm. Acesso em: set. 2020.
15 Segundo a análise da FGV CERI: “Este artigo é relevante uma vez que 26% dos municí-
pios atendidos por CESBs encontram-se em situação irregular (Figura 1, página 10). Se
este artigo não fosse inserido, os municípios em situação irregular deveriam contratar
de forma imediata através de procedimento licitatório, o que poderia impactar a pres-
tação dos serviços à população, bem como o valor das CESBs. Além disso, o período
de adequação de dois anos é uma oportunidade para os municípios firmarem bons
contratos, ou seja, com metas bem definidas e que incentivem as CESBs a alcançá-las”.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 143

Prestação regionalizada

Com a finalidade de viabilizar economicamente a prestação para cidades


menores e mais isoladas, o PL 4.162 estimula a regionalização dos serviços,
por meio da criação de estruturas de governança interfederativa, incluin-
do: (i) regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; (ii)
unidade regional de saneamento básico, estabelecida por meio de lei es-
tadual; (iii) bloco de referência, instituído pela União, nos casos em que
os Estados não implementem medidas para regionalização dos serviços.
Os municípios não precisariam ser vizinhos para fazerem parte da mesma
unidade regional ou do mesmo bloco de referência e a adesão a eles seria
voluntária.

Interessante citar que, no projeto original do Senado, PL 3.261/19, a


participação nos blocos era obrigatória aos Municípios, mas isso foi alte-
rado no novo projeto, podendo o Município optar por licitar individual-
mente. Essa alteração foi considerada uma das mais importantes para a
aprovação da Câmara, dado que a titularidade do serviço de saneamento
é, constitucionalmente, assegurada aos municípios e eles perderiam força
com a obrigatoriedade de participação.16

Entretanto, essa faculdade de participação foi objeto de veto pelo


Presidente da República ao vetar o § 4º, do art. 3º, do Marco do Saneamen-
to, sob o argumento de que a opção de o município licitar individualmente
feriria o § 3º, do art. 25, da Constituição Federal de 1988. Esse parágrafo
prevê que os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regi-
ões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas
por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Sobre isso, o primeiro ponto a se questionar é que o Presidente vetou


o § 4º, do art. 3º, do Marco do Saneamento, mas não vetou o art. 8º-A, que
na mesma linha prevê que é facultativa a adesão dos titulares dos serviços
públicos de saneamento de interesse local às estruturas das formas de
prestação regionalizada. Assim, há uma incongruência no veto presiden-
cial e, até que se questione eventualmente o Novo Marco do Saneamento
Básico judicialmente a adesão dos municípios é facultativa pela vigência
do art. 8º-A.

(SMIDERLE, Juliana Jerônimo; CAPODEFERRO, Morganna Werneck; PARENTE, Ana


Tereza Marques. Reformulação do marco legal do saneamento no Brasil. FGV CERI,
direção de Joísa Dutra, 2020. Disponível em: https://ceri.fgv.br/sites/default/files/
publicacoes/2020-07/cartilha-reforma-saneamento_digital_28.07.2020.pdf. Acesso
em: set. 2020).
16 Fonte: Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/ma-
terias/2019/12/23/senado-vai-analisar-novo-marco-regulatorio-do-saneamento-
-em-2020. Acesso em: ago. 2020.
144 Coleção Jovem Jurista 2021

Supervisão regulatória da Agência Nacional de Águas (ANA)

O art. 25-A, da Lei 11.445/2007, com redação pela Lei nº 14.026/2020 dis-
põe que a ANA instituirá normas de referência para a regulação da pres-
tação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e
suas entidades reguladoras e fiscalizadoras, observada a legislação federal
pertinente.17 Para operacionalizar a referida alteração, foram necessárias
modificações na Lei nº 9.984/2000, cuja ementa passou a apresentar o
novo nome da agência: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico
(ANA).

A definição dos conteúdos dos regulamentos que poderão ser expe-


didos pela ANA está disposta no Art. 4º-A da Lei nº 9.984/2000 e seus
oito incisos. Dentre as novas atribuições, destacam-se algumas: definição
de padrões de qualidade e eficiência na prestação; regulação tarifária dos
serviços públicos de saneamento básico; e metas de universalização dos
serviços públicos de saneamento básico para concessões que conside-
rem, entre outras condições, o nível de cobertura de serviço existente, a
viabilidade econômico-financeira da expansão da prestação do serviço e
o número de Municípios atendidos.

Essa competência da agência federal pode gerar confusão em rela-


ção à titularidade do serviço, que, segundo a Lei, é municipal quando en-
volvendo interesse local e estadual em conjunto com os Municípios no
caso de interesse comum. A ideia é que a ANA não irá assumir a regulação
direta do saneamento, de forma que as agências já existentes, tal como a
Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio
de Janeiro (AGENERSA), por exemplo, continuarão a regular as atividades
das empresas que atuam dentro de sua competência.

Entretanto, resta ainda a pergunta acerca da real aplicação dos regu-


lamentos de referência, diante da existência de agências reguladoras infra-
nacionais que regulam os serviços de saneamento no Brasil. A lógica é a de
que para obter financiamento ou recursos federais para investir no setor,

17 Essa alteração da Lei foi vista com bons olhos. Destaca-se a análise do FGV CERI sobre
o tema: “A alteração proposta contribui para aumentar a uniformidade e transparência
do processo regulatório do setor. O desafio posto com relação a este tema é a opera-
cionalização por parte da ANA desta nova competência (supervisão regulatória dos
serviços de saneamento). Cumpre ressaltar que o setor de saneamento não possui
cultura de regulação bem desenvolvida. De qualquer forma, existem alguns casos de
avanços na regulação do saneamento que devem ser considerados pela ANA. Nesse
sentido, desde abril de 2019 foi firmado o compromisso entre ANA e a Associação
Brasileira de Agências Reguladoras (ABAR) para compartilhar essas experiências e
debater as normas de referência a serem estabelecidas. Além disso, vale lembrar que a
ANA deverá considerar as diversas realidades existentes no país de modo a promover
isonomia no tratamento”. (SMIDERLE; CAPODEFERRO; PARENTE, op. cit.).
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 145

as entidades reguladoras deverão aderir aos regulamentos da ANA,18 se-


gundo o art. 4º-B da Lei nº 9.984/2000, alterado pela Lei nº 14.026/2020.19

Neste ponto, surgiram críticas no sentido de que essa previsão fere


o princípio federativo e a autonomia dos Municípios e dos Estados para
regular serviços de sua titularidade. A ideia de que a ANA buscará maior
uniformidade regulatória com as normas de referência é, para alguns, en-
tendido como a “antítese do federalismo”.20 Desse modo, é possível afir-
mar que essa previsão legal dividiu opiniões ao mesmo tempo em que
promove uma inovação institucional na regulação de um serviço público.

Metas de desempenho

A Lei nº 14.026/2020 inseriu na Lei 11.445/2007 os artigos 10-B e 11-B que


tratam sobre metas de universalização. O primeiro dispõe que os contra-
tos em vigor e aqueles provenientes de licitação para prestação ou con-

18 Sobre isso, destaca Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas no texto A ANA e a Fe-
deração por Água Abaixo: notas sobre o novo marco legal do saneamento: “Note-se
que a União já fez algo parecido – mas bem mais tímido – ao condicionar o repasse de
recursos federais ao cumprimento por estados e municípios deste ou daquele com-
promisso (por exemplo no art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal). A prática já era
discutível. Mas agora (na vigência do slogan ‘Mais Brasil menos Brasília’) a ousadia é
grande. Como condição para acesso a financiamentos federais a União simplesmente
pretende (na prática) transferir a regulação dos serviços de saneamento dos titulares
definidos pela Constituição (interpretada pelo STF) para ela própria”. (MASCARE-
NHAS, Rodrigo Tostes de Alencar. A Ana e a federação por Água Abaixo: notas sobre
o novo marco legal do saneamento ração por Água Abaixo: notas sobre o novo marco
legal do saneamento. Direito do Estado, 2020. Disponível em http://www.direitodoes-
tado.com.br/colunistas/rodrigo-tostes-mascarenhas/a-ana-e-a-federacao-por-agua-
-abaixo-notas-sobre-o-novo-marco-legal-do-saneamento. Acesso em: set. 2020).
19 Lei no 14.026/2020: Art. 4º-B. A ANA manterá atualizada e disponível, em seu sítio
eletrônico, a relação das entidades reguladoras e fiscalizadoras que adotam as normas
de referência nacionais para a regulação dos serviços públicos de saneamento bási-
co, com vistas a viabilizar o acesso aos recursos públicos federais ou a contratação
de financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por
órgãos ou entidades da administração pública federal, nos termos do art. 50, da Lei
no 11.445, de 5 de janeiro de 2007. (Incluído pela Lei no 14.026, de 2020), § 1o. A ANA
disciplinará, por meio de ato normativo, os requisitos e os procedimentos a serem
observados pelas entidades encarregadas da regulação e da fiscalização dos serviços
públicos de saneamento básico, para a comprovação da adoção das normas regu-
latórias de referência, que poderá ser gradual, de modo a preservar as expectativas
e os direitos decorrentes das normas a serem substituídas e a propiciar a adequada
preparação das entidades reguladoras. (Incluído pela Lei no 14.026, de 2020), § 2o. A
verificação da adoção das normas de referência nacionais para a regulação da pres-
tação dos serviços públicos de saneamento básico estabelecidas pela ANA ocorrerá
periodicamente e será obrigatória no momento da contratação dos financiamentos
com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades
da administração pública federal. (Incluído pela Lei no 14.026, de 2020.)
20 Termo utilizado por Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas no texto A ANA e a Fe-
deração por Água Abaixo: notas sobre o novo marco legal do saneamento: “Voltan-
do à atividade ‘normativa’, o NMLSB afirma que no seu exercício a ANA ‘zelará pela
uniformidade regulatória do setor de saneamento básico e pela segurança jurídica na
prestação e na regulação dos serviços’. Ora, uniformidade regulatória, ou, no caso,
uniformidade normativa é a antítese do federalismo”. (MASCARENHAS, op. cit.)
146 Coleção Jovem Jurista 2021

cessão de saneamento estão condicionados à comprovação de capaci-


dade econômico-financeira com vistas a viabilizar a universalização dos
serviços na área licitada até 31 de dezembro de 2033.

O segundo, por sua vez, estabelece que os contratos de prestação


dos serviços públicos de saneamento básico deverão definir metas de uni-
versalização que garantam o atendimento de 99% da população com água
potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31
de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitên-
cia do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos
de tratamento.

Destaca-se que, segundo o § 9º, do art. 11-B, é possível a dilação do


prazo até 2040 de universalização quando os estudos para licitação da
prestação regionalizada apontarem para inviabilidade econômico-finan-
ceira da universalização. Para isso, é necessária prévia anuência da agên-
cia reguladora, que deve levar em consideração, na sua análise, a modici-
dade tarifária.

A universalização do saneamento nesses termos está de acordo com


a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico, que foi aprovado em
2013. Esse plano estabelece metas, diretrizes e ações referentes ao sanea-
mento básico para o Brasil nos 20 anos seguintes. De maneira geral, esses
artigos são vistos com bons olhos e demonstram os objetivos precípuos
do novo marco: a universalização.

Entretanto, há críticas em relação ao fato de que uma lei federal está


estabelecendo metas contratuais para contratos firmados, em geral, por
municípios. Isso porque é possível dizer que essas metas, como estabe-
lecidas, ferem o princípio federativo; e porque essa estrutura afetaria a
atratividade dos investidores e a modicidade tarifária. Sobre este ponto,
destaca-se o argumento levantado na Análise da Centro de Estudos de
Regulação e Infraestrutura da FGV (FGV CERI):21

Imaginando uma área em que a população tem baixa


capacidade de pagamento e alta necessidade de
investimentos para expansão dos serviços, é lógico pensar
que será necessário grande aporte de investimentos. Em
geral, os investimentos são remunerados através das tarifas.
Consequentemente as tarifas aumentariam e, neste caso, a
população não teria como pagar. Além disso, a população
possivelmente não verá com bons olhos a entrada de um
parceiro privado e um aumento significativo das tarifas, o
que representaria um maior risco para o investidor.

Nessa linha, criticam-se os impactos que essas previsões podem ter


junto a pretensão de investimento do setor privado no setor. A ideia é que
21 SMIDERLE; CAPODEFERRO; PARENTE, op. cit.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 147

com esses artigos pode haver um movimento pela procura de municípios


com infraestrutura mais bem desenvolvida e com população com maior
capacidade de pagamento. Contudo, é preciso, para compreender os reais
impactos desses artigos, analisar como se desenhou a concorrência dos
serviços de saneamento, de modo que seja possível interpretação siste-
mática do Marco, mesmo porque essa crítica parece ignorar a possibilida-
de de dilação do prazo para 2040 no caso de necessidade de acomodação
da modicidade tarifária.

Titularidade do serviço

A Lei 14.026/2020 define a titularidade dos serviços de saneamento bási-


co, alterando o art. 8º da Lei 11.445/2007. O art. 8º, com a nova redação,
passa a definir como titulares:

Art. 8º Exercem a titularidade dos serviços públicos de


saneamento básico: (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020)

I – os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse


local;

II – o Estado, em conjunto com os Municípios que


compartilham efetivamente instalações operacionais
integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, instituídas por lei complementar
estadual, no caso de interesse comum.

O conceito de interesse local está no art. 3º, inciso XV, da legislação


alterada: funções públicas e serviços cujas infraestruturas e instalações
operacionais atendam a um único Município. O inciso XIV do mesmo arti-
go define também longamente o conceito de interesse comum,22 mas ele
pode ser entendido de forma mais simplificada como aquele que não é
caracterizado como interesse local.

Essa previsão pode ser entendida como uma aplicação formal da in-
terpretação do STF na ADI nº 1.842-RJ,23 que não estava presente nas MPs
22 “Lei no 11.445/2007: Art. 3o: XIV – serviços públicos de saneamento básico de inte-
resse comum: serviços de saneamento básico prestados em regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões instituídas por lei complementar estadual, em
que se verifique o compartilhamento de instalações operacionais de infraestrutura de
abastecimento de água e/ou de esgotamento sanitário entre 2 (dois) ou mais Muni-
cípios, denotando a necessidade de organizá-los, planejá-los, executá-los e operá-los
de forma conjunta e integrada pelo Estado e pelos Munícipios que compartilham, no
todo ou em parte, as referidas instalações operacionais.” (Incluído pela Lei no 14.026,
de 2020.)
23 Nesse sentido, entende Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas no texto A ANA e a
Federação por Água Abaixo: notas sobre o novo marco legal do saneamento. Dis-
ponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/rodrigo-tostes-mascare-
nhas/a-ana-e-a-federacao-por-agua-abaixo-notas-sobre-o-novo-marco-legal-do-sa-
neamento. Acesso em: set. 2020.
148 Coleção Jovem Jurista 2021

844 e 868. No entanto, ainda assim, foi passível de críticas quanto à sua
aplicabilidade na prática.

O que se questiona nesse ponto, é que tal alteração do PL 4.162/19,


na prática, gera a extinção da possibilidade de titularidade por parte de al-
guns Municípios, além de não restar claro se, para considerar a titularidade
em conjunto com o Estado, é necessário apenas o compartilhamento de
infraestrutura ou se também é preciso que o município faça parte de uma
região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião.24 Isso pode
gerar insegurança jurídica sobre a titularidade diante dessa alteração que
limita a titularidade dos municípios até que haja construção jurispruden-
cial.

II. EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS

Contextualização geral

Como se demonstrou na introdução, a crítica feita em relação ao movi-


mento contrário do Brasil com o Novo Marco do Saneamento não é feita
com base em análise qualitativa. Por isso, busca-se, nesse capítulo, analisar
casos importantes de remunicipalização do serviço de saneamento básico
a fim de compreender quais foram os problemas na prestação pela inicia-
tiva privada que levaram à retomada dos serviços. A partir disso, preten-
de-se extrair aprendizados a serem usados no Brasil.

É possível notar que houve em muitos países um movimento de de-


sestatização de serviços públicos, seja por meio de concessão, seja por
meio de parcerias público privadas, o que inclui o serviço de saneamento
básico. Entretanto, também é possível apontar que muitas cidades estão
levando os serviços de tratamento de água e esgoto de volta à gestão pú-
blica, o que causa grande impacto em como a água e o saneamento serão
adquiridos, financiados e operados no futuro dessas cidades.25

Paris é um exemplo muito conhecido, tendo reestatizado o serviço


em 2010 após uma decisão de não renovar o seu contrato com as duas
empresas privadas de água mais emblemáticas do mundo, Suez e Veolia.
A cidade de Atlanta nos Estados Unidos também possui um caso bem
documentado de desestatização e remunicipalização do serviço de sanea-
mento, no qual a decisão de encerramento da parceria se deu mutuamente
entre Atlanta e United Water, empresa privada envolvida na gestão, de-
pois de indícios de corrupção envolvendo o contrato.

24 Disponível em: https://ceri.fgv.br/sites/default/files/publicacoes/2020-07/cartilha-


-reforma-saneamento_digital_28.07.2020.pdf. Acesso em: set. 2020.
25 MCDONALD, David. Remunicipalization: The future of water services? Geoforum, v. 91,
p. 47-56, 2018. 10.1016/j.geoforum.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 149

Os casos internacionais de remunicipalização do saneamento básico


compõem um dos principais argumentos para aqueles que são contrá-
rios ao novo Marco Regulatório do saneamento básico no Brasil, que abre
caminho maior espaço à participação da iniciativa privada. Entretanto, a
afirmação pura de que em muitos países do mundo houve retomada da
prestação pelo Poder Público não é, em si, suficiente para defender que
não deve haver a desestatização do serviço. Isso porque, além de não ser
observado o número de casos em que se optou e ainda permanece nas
mãos da iniciativa privada para a construção completa do argumento, a
afirmação não observa o que realmente levou esses países a retornarem à
prestação pública.

A partir disso, com o objetivo de aprofundar esta crítica, compreen-


dê-la e observar em que medida ela deve ser, de fato, realizada no con-
texto brasileiro, busca-se neste capítulo observar três casos internacionais
frequentemente mencionados nas citadas críticas.

O primeiro caso é o de Hamilton, Canadá, cuja relevância se demons-


tra por ter sido o contrato firmado, à época, o de maior vulto em contrato
com empresa privada para tratamento de água; e por ter sido uma das
primeiras cidades a remunicipalizar o serviço.

O segundo caso tratado é o de Buenos Aires, Argentina, cuja relevân-


cia ao presente trabalho se justifica por ser caso mais recente e compatível
com a realidade brasileira e por ter envolvido uma série de atores insti-
tucionais, como parece se desenhar a regulação do saneamento básico
também no Brasil.

O terceiro caso é o de La Paz e El Alto, Bolívia, cuja relevância se


dá, além de tratar de cidades de país também vizinho ao Brasil, por ser
contrato que envolve uma prestação regionalizada, o que é incentivado
pelo Novo Marco do Saneamento Básico, como foi possível perceber em
capítulo anterior.

Outro motivo pelo qual se optou por esses casos é que, em um, é pos-
sível ter uma análise de realização completa do contrato com a empresa
privada e, nos outros dois, é possível ter uma análise de uma relação que
foi rompida durante o curso do contrato, conforme se verá.

Caso 1: Hamilton, Canadá

Hamilton é uma cidade portuária de médio porte com, aproximadamente,


490.000 habitantes localizada na província de Ontário, no Canadá. Nela,
está localizada a maior parte das siderúrgicas do país. Com a crise do
setor, a cidade passou por uma transição que envolveu grande poluição,
alto desemprego e pobreza relativa em comparação às demais cidades da
150 Coleção Jovem Jurista 2021

mesma província. No início da década de 1990, diante do cenário de crise


e restrição fiscal, sem meios para arcar com investimentos, os políticos
locais passaram a considerar a prestação privada de serviços públicos.

Neste contexto, uma empresa local, Philip Utility Management Com-


pany e sua controladora Philip Environmental Inc. apresentaram uma pro-
posta não solicitada para operar as estações de tratamento de água e
esgoto da área. A proposta também incluía várias garantias de desenvol-
vimento econômico para a região.

Dada a precariedade do Poder Público em prover o serviço, aceitou-


-se celebrar, por ajuste direto, uma parceria público-privada para gestão
e manutenção das unidades de tratamento de água e esgoto,26 que en-
volviam proposta de investimento de 15 milhões na comunidade. Assim,
apesar da empresa privada não ter à época nenhum registro de execução
de qualquer instalação de água de tamanho equivalente, foi consagrado o
contrato e a empresa passaria a gerir o serviço por aproximadamente 180
milhões de dólares, por um prazo de 10 anos.

A ideia que foi apresentada seria de mútua cooperação, que geraria


desenvolvimento para a cidade, de um lado, e, por outro lado, tornaria a
empresa privada uma referência neste tipo de prestação de serviço. Em-
bora esse acordo tenha se dado com otimismo pela mudança do status
quo da prestação do serviço público, o contrato foi assinado sem nenhum
regime de concorrência com outras possíveis interessadas e sem debate
público.

Assim, houve severas críticas na assinatura do maior contrato em


questões monetárias de saneamento básico da época sem o formalismo
esperado e necessário para tal. Ademais, o contrato assinado também foi
alvo de fortes críticas que destacavam desequilíbrio contratual. Afirma-
va-se que o contrato favorecia desproporcionalmente a empresa privada:

Notwithstanding the enthusiasm and overwhelming political


support for the Philip deal, there were two parts of the
contract that generated a good deal of concern and debate:
Article 4.05, which capped the company’s responsibility
for facility maintenance at $10,000 per year; and, article
5.01, which set out a formula for the sharing of any cost
cost-savings between the municipality and the company.

26 “The public-private contract was signed between the Region of Hamilton-Wentwor-


th and the newly created Philip Utilities Management Corporation (PUMC), owned at
70% by Philip Environmental and 30% by the Ontario Teachers’ Pension Plan Board.
This deal was the outcome of intense political networking; PUMC was presided by the
former chair of the province’s Liberal Party, Stuart Smith, who had previously headed
a privatised federal research centre merged with Philip Environmental, the Wastewa-
ter Technology Centre.” (PIGEON, Martin; MCDONALD, David A.; HOEDEMAN, Olivier;
KISHIMOTO, Satoko [Orgs.] Remunicipalisation: putting water back into public hands.
Amsterdam: Transnational Institute, 2012. p. 77.)
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 151

Under the formula, Philip would receive sixty percent of any


generated cost-savings; however, if cost-savings reached
twenty percent of the annual budget, Philip’s share would
increase to eighty percent. Many felt that Article 4.05 allowed
Philip to delay maintenance work at water and wastewater
facilities until the costs exceeded the $10,000 limit. Article
5.01 was a potential incentive for Philip to cut costs in areas
such as labour (ANDERSON, 1999).27

As críticas quanto ao equilíbrio de responsabilidades do contrato aca-


baram se confirmando com o tempo. Em 1996, houve uma falha do sistema
de bombeamento na principal estação de esgoto, o que acabou inundan-
do uma série de casas e empreendimentos e despejou milhões de litros
de esgoto não tratado no porto de Hamilton. Embora Philip Utility Mana-
gement Company tenha sido considerada responsável pelos derrames,28
o município ficou sujeito ao pagamento de multas e de reinvindicações
de responsabilidade perante danos, graças a disposições contratuais que
protegiam a empresa privada.

Do ponto de vista de geração de empregos, no mesmo ano, o número


de funcionários da empresa foi cortado pela metade, descumprindo mais
uma promessa, a de geração de empregos. Do ponto de vista ambiental,
não foi registrada nenhuma melhora na qualidade da água. Pelo contrário,
a frequência de derramamento de esgoto, dentre as quais a descrita ante-
riormente, aumentou.

Houve ainda problemas internos que dificultaram o cumprimento das


promessas pela empresa privada. Em 1999, a Philip Utility Management
Company, responsável pelo serviço em Hamilton apresentava grande lu-
cratividade, mas sua empresa controladora tinha grandes problemas fi-
nanceiros que a levaram a vender a Philip Utility Management Company,
para a empresa Azurix Corp, e decretar falência. Esse foi o início de uma

27 GRANT, John K; OHEMENG, Frank L. K. Has the bubble finally burst? An examination
of the failure of privatization of water services delivery in Atlanta (U.S.A) and Hamil-
ton (Canada). ANNUAL MEETING OF THE CANADIAN POLITICAL SCIENCE ASSO-
CIATION, Carleton University, Ottawa, 2009.
28 “Technically, PUMC was in charge of the plants, reservoirs and pumping stations, but
not of the pipes network. It therefore optimised its costs by pumping faster in non-
-peak hours, when electricity was cheaper, to fill the reservoirs. The problem is that by
doing so PUMC increased pressure in the pipes to levels where there was no security
buffer. During these times several main breaks occurred in the pipes network, inclu-
ding one that affected a hospital and forced partial evacuation of patients, followed
by a lawsuit against the city.9 Additional evidence of technical tricks used to deflect
costs was reported by interviewees for this research, with many reporting that PUMC
let small maintenance issues (such as lighting) degrade to a point that its repair was
costly enough (i.e. above the C$10,000 threshold) to fall under the city’s contractual
responsibility.” (PIGEON, Martin. Who takes the risks? Water remunicipalisation in
Hamilton, Canada. Chapter Five. Remunicipalisation: putting water back into public
hands. Amsterdam: Transnational Institute, 2012.)
152 Coleção Jovem Jurista 2021

série de vendas e mudança de controle, alterando indiretamente a empre-


sa responsável pelo serviço de saneamento.

A Azurix Corp era subsidiária Enron Corp. As expectativas da empre-


sa eram altas ao entrar no setor de fornecimento e tratamento de água.
Rebecca P. Mark, CEO da Azurix apontou que “This transaction supports
our global strategy of owning and operating water and wastewater as-
sets and providing related services”.29 O entusiasmo da compra, entretan-
to, durou pouco. Após um escândalo contábil da Enron Corp, em 2001,30
a Azurix foi vendida à empresa norte-americana American Water Works
(AWW), cujo controle foi adquirido em 2002 pela empresa Thames Water,
um conglomerado alemão.

Nesse cenário, o município de Hamilton ficou alheio à decisão de


quem prestaria o serviço público de forma indireta. Isso, gerou uma gran-
de dificuldade no desenvolvimento do investimento e no cumprimento
com o acordado por outros responsáveis pela empresa:

With each new acquisition, the Hamilton City Council had to


approve the change of “partner”, but the contract “failed to
include clauses providing options for the city in the event of
mergers or takeovers by other companies,”19 and it seems the
promises made by PUMC were lost along the way. However,
repeated problems, the successive change of owners and
the arrival of global corporations to manage the city’s water
had raised public awareness about water and wastewater
management issues.31

Diante desse cenário de prejuízos à cidade decorrente da relação


contratual que começou com uma empresa local e teve fim com uma mul-
tinacional, American Water Works, em 2004, o departamento de obras da
cidade de Hamilton começou a traçar alternativas para o futuro do serviço.
As duas opções principais eram: (i) contratar novamente com a iniciativa
29 Business Wire (1999) Philip Services enters into definitive agreement to sell its inte-
rest in Philip Utilities Management Corporation. Disponível em: http://www.waterin-
dustry.org/New%20Projects/philip.htm. Acesso em: out. 2020.
30 Segundo a Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas
de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas – Fenacon, o caso Enron foi um
dos maiores escândalos contábeis do mundo: “Enron Corporation era uma empresa
de energia, commodities e serviços dos EUA, baseada em Houston, Texas. Em um dos
controversos escândalos contábeis da última década, descobriu-se em 2001 que a
empresa estava usando lacunas contábeis para esconder bilhões de dólares de dívidas
incobráveis ao mesmo tempo em que inflacionava os ganhos da empresa. O escândalo
resultou em acionistas perdendo mais de US$ 74 bilhões, enquanto o preço da ação
da Enron caiu de cerca de US$ 90 para menos de US$ 1 em um ano. [...] O escândalo
levou à falência da Enron e à dissolução de Arthur Andersen”. Disponível em: http://
fenacon.org.br/noticias/os-9-maiores-escandalos-contabeis-do-mundo-2609/. Aces-
so em: out. 2020.
31 PIGEON, Martin. Who takes the risks? Water remunicipalisation in Hamilton, Canada.
Chapter Five. Remunicipalisation: putting water back into public hands. Amsterdam:
Transnational Institute, 2012. p. 80.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 153

privada, desde que após certame que garantisse concorrência; e (ii) reas-
sumir o serviço para prestação pela cidade.

Mesmo com todos os transtornos da relação anterior, optou-se por


buscar novo parceiro privado, por meio de processo competitivo de es-
colha, para o qual a cidade realizou pedidos de proposta. No final, sete
empresas responderam ao Pedido de Qualificações da cidade, uma pré-e-
tapa de triagem para identificar licitantes interessantes, e quatro empre-
sas foram selecionadas para enviar propostas. Dentre essas empresas a,
então, operadora American Water Works foi selecionada para apresentar
proposta.

Três apresentaram propostas: a primeira foi apresentada fora do pra-


zo e foi rejeitada; a segunda não cumpria todos os requisitos e a terceira,
da American Water Works, propôs um valor três vezes maior do que o
pretendido pela cidade.32

Os resquícios da relação anterior tornaram o processo de escolha


tão rigoroso que poucas foram as empresas qualificadas para apresen-
tar propostas e das quatro empresas qualificadas nenhuma passou pelas
exigências do certame para que fosse contratada. Diante do insucesso do
certame mais a pressão política no sentido contrário à continuidade da
prestação por empresa privada, o conselho de Hamilton votou para devol-
ver suas operações de água e esgoto ao controle municipal em setembro
de 2004.

Dessa forma, é possível afirmar que existiram graves problemas na


relação com a empresa privada, dentre os quais estão principalmente: (i)
contratação direta; (ii) desequilíbrio contratual de responsabilidades; (iii)
lacuna regulatória e institucional de fiscalização. Ainda, é possível apontar
que a retomada dos serviços não foi a primeira opção da cidade de Hamil-
ton, mas uma consequência do insucesso do certame.

Caso 2: Buenos Aires, Argentina

Muitas vezes, as críticas que são feitas ao Novo Marco Regulatório do Sa-
neamento Básico no Brasil estão associadas a comparações com casos
como o de Paris e Berlim, cidades de países Europeus com infraestrutura,
economia e índices de desenvolvimento muito diferentes aos das cidades
do Brasil, o que acaba dificultando a real compreensão da questão e a
percepção de se, de fato, essa crítica faz sentido no contexto brasileiro.
Por isso, o estudo de caso de Buenos Aires, Argentina foi escolhido com

32 PIGEON, Martin. Who takes the risks? Water remunicipalisation in Hamilton, Canada.
Chapter Five. Remunicipalisation: putting water back into public hands. Amsterdam:
Transnational Institute, 2012. p. 82.
154 Coleção Jovem Jurista 2021

o objetivo de aproximar a discussão com a América Latina, forçando a


observação de país vizinho.

No entanto, algumas ressalvas precisam ser feitas, para que se possa


iniciar esse estudo de caso. Quando se observa o caso de Buenos Aires,
não se está, a rigor, diante de um caso de remunicipalização: (i) a conces-
são foi inicialmente concedida pelo governo federal e não por autoridades
municipais;33 (ii) ao retornar às mãos do Poder Público, o serviço passou a
ser prestado por uma empresa pública recém-criada, Agua y Saneamien-
tos Argentinos (AySA), sob o controle do governo nacional. Ainda assim,
o serviço de água opera em nível municipal e as lições do caso são rele-
vantes para o presente trabalho, principalmente, como já dito, pela maior
proximidade com o Brasil.

Após a eleição de Carlos Menem como presidente em 1989, iniciou-se


a implementação de um extenso programa de desestatização como rea-
ção ao estado de economia de emergência e da hiperinflação. A abertura
à iniciativa privada foi feita por meio de Decreto, em 1992,34 e o governo
nacional foi o líder no processo, objetivando fazer da prestação privada de
Buenos Aires um modelo para as demais cidades argentinas.

Em 1993, foi realizada a licitação para concessão dos serviços de sa-


neamento básico, utilizando-se o critério de menor tarifa. Segundo a Cláu-
sula 14.6 do Edital de licitação, a oferta econômica que propôs o menor
coeficiente de reajuste sobre o fator K da estrutura tarifária seria consi-
derada vencedora da Licitação, desde que, por sua vez, esse coeficien-
te fosse compatível com a oferta técnica apresentado e permitisse o seu
cumprimento.

O consórcio privado Aguas Argentinas SA (AASA), cujo operador


era a Sociedade Francesa Lyonnaise des Eaux Dumez Sociedad Anónima,
venceu a licitação e assinou contrato de 30 anos para operar os serviços
integrados de água e saneamento da área metropolitana de Buenos Aires.
O consórcio deveria atender a cerca de nove milhões de pessoas na Ar-
gentina.

O primeiro desafio, que apareceu diante do processo de concessão,


foi a definição do modelo regulatório, tendo em vista que múltiplos in-
teresses estavam em disputa: interesses do município de Buenos Aires;
interesses da província de Buenos Aires e interesse federal da Argentina,
dado que o poder concedente foi o poder federal neste processo. A partir
disso, criou-se agência tripartite, chamada Ente Tripartito de Obras y Ser-

33 O Art. 4o, b, do Anexo I. Quadro Regulamentar para a Concessão de Serviços do De-


creto no 999/92 define o Poder Concedente como o Poder Executivo Nacional. Dis-
ponível em: http://mepriv.mecon.gov.ar/Normas/999-92.htm. Acesso em: ago. 2020.
34 O Ministério da Economia argentino disponibiliza linha do tempo do processo de pri-
vatização e reestatização do serviço de água e esgoto. Disponível em: http://mepriv.
mecon.gov.ar/Obras_Sanitarias/marco.htm. Acesso em: ago. 2020.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 155

vicios Sanitarios, ETOSS, que contariam com representantes de cada um


dos interesses em questão.

Apenas oito meses após a assinatura do contrato Aguas Argentinas


requereu a sua renegociação, iniciando um período de constantes confli-
tos por readequações tarifárias. É possível separar os problemas envol-
vendo a prestação do serviço por parte da AASA em dois períodos:

(i) 1993 a 2002: período caracterizado por modificações contratuais


recorrentes, principalmente associadas a aumentos de tarifas e
por repetidas reclamações do governo sobre a falha da AASA em
honrar o contrato em relação aos investimentos, compromissos,
metas de expansão, proteção ambiental e qualidade dos serviços,
entre outros problemas; e

(ii) 2002 a 2006: período marcado por longas renegociações oriun-


das do abandono da paridade fixa do peso argentino com o dólar
dos Estados Unidos.

Para compreender esse cenário, parece importante observar os com-


promissos traçados no contrato original. São alguns: universalização do
acesso até 2023; melhoria da qualidade do serviço para atendimento in-
ternacional de padrões; e incorporação de novas tecnologias para trata-
mento de efluentes. Isso seria garantido com uma tarifa de serviços “razo-
ável”, com uma redução inicial de 26,9% da tarifa existente.35

Além de negociações iniciais do contrato, oito meses após a assina-


tura a AASA solicitou revisão extraordinária de tarifa, argumentando que
havia sofrido perdas operacionais imprevisíveis, de forma que seria neces-
sário um aumento considerável na “taxa de infraestrutura”. Nesse ponto,
algumas críticas são feitas em relação ao desenho contratual estabelecido
e ao critério de escolha da melhor proposta no processo de licitação. So-
bre isso, destaca Caroline e van den Berg:

In Buenos Aires, the concession was awarded to the lowest


tariff bidder, resulting in an immmediate benefit to existing
users. However, the connection fee reimained high – in
fact unaffordable to low-income households – because it
included an “infrastucture charge” meant to finance not just
the connection, but the incremental cost of expanding the
secondary water distribution and sewr networks. Elsewhere
ambitious coverage expansion targets in a contract, if
the cost of expansion targets in a contract, if the cost of
expansion is not borne by new users, can put pressure on a

35 AZPIAZU, Daniel; CASTRO, Jose Esteban. Aguas Públicas: Buenos Aires in muddled
waters. Chapter Four. In: PIGEON, Martin; MCDONALD, David A.; HOEDEMAN, Oli-
vier; KISHIMOTO, Satoko (Orgs.). Remunicipalisation: putting water back into public
hands. Amsterdan: Transnational Institute, 2012. p. 60.
156 Coleção Jovem Jurista 2021

utility’s cash needs and drive up charges for existing users.


Benefits to new users may be overstated in the analysis of
a concession, by ignoring the fact that some already had
acceptable service from alternative sources (through private
wells, or small providers).36

O governo posicionou-se de forma favorável à revisão e, em 1997,


iniciou um processo para renegociar o contrato de concessão que trouxe
modificações substantivas aos termos originais. Essas alterações se con-
cretizaram com a edição dos Decretos nº 149/97 e nº 1.167/97.37

Destaca-se que, em 1997, quando a então Ministra do Meio Ambiente


Julia Alsogaray, assinou o Decreto nº 149/97,38 a agência, ETOSS, ficou
de fora do processo de definição tarifária. O Decreto estabeleceu que as
negociações se dariam diretamente entre o Governo Federal e a conces-
sionária, por meio de seu art. 2º.39 Essa interferência enfraqueceu a agência
que deveria fiscalizar e regular os serviços prestados pela concessionária e
comprometeu a ideia de uma regulação externa e independente.

Os novos termos do contrato, negociados pelo governo federal, inclu-


íam: a dolarização da tarifa que passou a vincular diretamente à evolução
de índice de preços norte-americanos; e o cancelamento ou postergação
dos compromissos de investimento originalmente acordados. Ainda, em
2001, foi negociado novo Plano que contemplaria as previsões para os
próximos anos de contrato, que incluíram aumento tarifários adicionais e
novos encargos fixos.

Durante o período 1993 a 2002, estimou-se que a AASA atingiu ape-


nas 60,9% do investimento contratual e metas de expansão previstos; um
desempenho abaixo do esperado, principalmente considerando que o va-
lor foi calculado com base nos compromissos de investimento renegocia-
dos.40 Em termos de proteção ambiental, a AASA também não cumpriu
36 Water concessions: who wins, who loses, and what to do about it. The World Bank
Group, Public Policy for the Private Sector, n. 217, p. 2, 2000.
37 Disponíveis, respectivamente, em: http://mepriv.mecon.gov.ar/Normas/149-97.htm e
http://mepriv.mecon.gov.ar/Normas/1167-97.htm. Acesso em: ago. 2020.
38 Disponível em: http://mepriv.mecon.gov.ar/Normas/149-97.htm. Acesso em: set.
2020.
39 Decreto 149/97: “Art. 2º. – Dispónese, a partir de la fecha del dictado del presente, la
apertura de la instancia negociadora a los fines del cumplimiento del Artículo 1o. de
este decreto.
Serán sujetos de la presente instancia negociadora:
a) El Estado Nacional, a través de;
I) La Secretaria de Obras Públicas y transporte del Ministerio de Economía y Obras y Ser-
vicios Públicos
II) La Secretaria de Recursos Naturales y Desarrollo Sustentable dependiente de la Presi-
dencia de la Nacion, en función de las competencias asignadas por el Decreto n. 1.381
de fecha 29 de noviembre de 1996.
b) La Empresa Aguas Argentinas S. A. en su calidad de concesionaria del servicio público
de agua potable y desagües cloacales en el ámbito previsto en el contrato de conce-
sión.”.
40 AZPIAZU; CASTRO,op. cit., p. 61.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 157

os compromissos estabelecidos, sendo detectado substâncias perigosas


acima dos níveis recomendados da Organização Mundial da Saúde. Outro
problema apontado está relacionado ao aumento tarifário:

First, between May 1993 and January 2002 the mean


residential tariff increased by 87.9%, while during the same
period the Consumer Price Index only increased by 7.3%.
Second, during the contract renegotiations a number of
progressive tariff criteria that provided some level of cross-
subsidy to support lower income users were removed, and
this is reflected in the impact of the tariff hikes on different
groups of users. In the same period, the basic tariff increased
by 177% and the average bill by 62%, but high consumption
users only saw a 44% rise.41

O mau desempenho destacado desgastou a relação da empresa com


o governo argentino. Além disso, a Lei de Emergência Pública e a Reforma
do Regime do Câmbio (Ley no. 25.561/2002) contribuiu significativamente
para o posterior cancelamento do contrato. A Lei acabou com a paridade
fixa entre o peso argentino e o dólar norte-americano42 e estabeleceu um
novo contexto das empresas privatizadas durante a década de 1990, pois
impactou significativamente no valor que a concessionária teria de retor-
no. Destacam-se os arts. 9º e 10:

Artigo 9º – Fica o Poder Executivo nacional autorizado a


renegociar os contratos previstos no disposto no artigo 8
desta lei. No caso dos contratos de prestação de serviços
públicos, devem ser tidos em consideração os seguintes
critérios: 1) o impacto das taxas na competitividade da
economia e na distribuição de rendimentos; 2) a qualidade
dos serviços e os planos de investimento, quando previstos
contratualmente; 3) o interesse dos usuários e a acessibilidade
dos serviços; 4) a segurança dos sistemas envolvidos; e 5) a
lucratividade das empresas.

ARTIGO 10 – O disposto nos artigos 8º e 9º desta lei, em


nenhum caso, autorizará as empresas empreiteiras ou
prestadoras de serviço público a suspender ou alterar o
cumprimento das suas obrigações. (tradução livre)

41 Ibidem, p. 62.
42 Ley no. 25.561/2002: “Artigo 8o – Dispor que a partir da entrada em vigor desta lei, nos
contratos celebrados pela Administração Pública em regime de direito público, inclu-
sive os de obras e serviços públicos, caducem as cláusulas de regularização do dólar.
ou em outras moedas estrangeiras e as cláusulas de indexação com base em índices
de preços de outros países e qualquer outro mecanismo de indexação. Os preços e
taxas resultantes destas cláusulas são fixados em pesos à taxa de câmbio Um Peso ($
1) = Um Dólar (US $ 1)”. Tradução livre. Disponível em: https://www.economia.gob.ar/
digesto/leyes/ley25561.htm. Acesso em: ago. 2020.
158 Coleção Jovem Jurista 2021

Nesse contexto, a negociação do contrato com a AASA se complicou.


A empresa colocou pressão considerável no governo argentino: a empresa
apelou para o Centro Internacional para Resolução de Disputas de Inves-
timento (ICSID) do Banco Mundial e se reuniu com o International Mone-
tary Fundo (IMF). Os esforços não foram suficientes para garantir que as
demandas da empresa fossem ouvidas e ela não conseguiu recuperar os
benefícios que perdeu com a Lei.

Em 2003, foi crescente o antagonismo nas negociações. Isso pois,


houve a eleição de Nestor Kirchner, cuja bandeira era consertar “erros”
do amplo processo de “privatização”43 da era Carlos Menem. Além disso,
havia a sensação social de que a relação com a empresa privada tinha ge-
rado demasiado custo para a sociedade sem os resultados esperados. No
final de 2004, esse antagonismo se aflorou com a proposta da AASA, que
pareceu inaceitável para o governo argentino.44

Em 2006, enfim, o governo aprovou decretos de necessidade e ur-


gência 303/200645 e 304/2006.46 O primeiro, rescinde o Contrato de Con-
cessão celebrado entre o Estado Nacional e a empresa Aguas Argentinas
S.A., por culpa da Concessionária e determina que o funcionamento e a
prestação do serviço são temporariamente reassumidos. O segundo, por
sua vez, dispõe sobre a constituição da empresa Agua y Saneamientos

43 O termo privatização é, com frequência, utilizado de forma atécnica, por aqueles que
se opõem à abertura para a participação da iniciativa privada em serviços públicos.
No entanto, é preciso destacar que nem todo envolvimento de empresas privadas em
serviços públicos significa que há privatização. O termo amplo para tratar da parti-
cipação privada em serviços ou ativos públicos é o de desestatização, que abarca a
redimensão do papel do Estado na Administração Pública. O conceito de privatização,
por sua vez, se aplica aos casos em que há venda de ações de empresas estatal ou
outros ativos públicos com a passagem de controle para a iniciativa privado de forma
definitiva.
44 “However, the renegotiation took a new turn in October 2004 when AASA submit-
ted a new proposal that revived the confrontational character of the process. AASA’s
proposal included a series of steps oriented at reconstituting the economic-financial
equilibrium of the concession: a revenue increase of 60% from January 2005; state in-
tervention to obtain a loan for US$250 million to be repaid in 18 years at an interest rate
of 3%, with a three-year holiday period; government commitment to take charge of
48% of future infrastructure investments; and exemption from income tax.” (AZPIAZU;
CASTRO, op. cit., p. 64.)
45 Dec. 303/2006: “Art. 1o – Fica rescindido o Contrato de Concessão celebrado entre o
Estado Nacional e a empresa Aguas Argentinas SA pelo qual foi concedido o serviço
de fornecimento de água potável e esgoto pelas causas previstas nas cláusulas 14.3.1,
por culpa da Concessionária, e 14.3.2 do referido Contrato”. Tradução livre. Disponível
em: http://mepriv.mecon.gov.ar/Normas/303-06.htm. Acesso em: ago. 2020.
46 Dec. 304/2006: “Art. 2o – 90% (90%) do capital da sociedade criada por meio do arti-
go anterior pertencerão ao Estado Nacional, exercendo tal titularidade o Ministério do
Planejamento Federal, Investimentos Públicos e Serviços. Os restantes dez por cento
(10%) do capital social corresponderão aos ex-trabalhadores da Obras Sanitarias de la
Nación aderidos ao Programa de Propriedade Participada em virtude do qual foram
incorporados como acionistas da ex-concessionária Aguas Argentinas SA, de acordo
com o Anexo I do Decreto no 1944/94”. Tradução livre. Disponível em: http://mepriv.
mecon.gov.ar/Normas/304-06.htm. Acesso em: ago. 2020.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 159

Argentinos Sociedad Anónima, na órbita da Secretaria de Obras Públicas


do Ministério do Planejamento Federal, Investimento Público e Serviços.

A empresa pública AySA foi criada sob um regime de propriedade


participativa, no qual o estado possui 90% e o sindicato dos trabalhadores
possui 10%, com a finalidade de assumir imediatamente a responsabilidade
pela prestação de serviços de água e saneamento.

Diante disso, é possível apontar alguns principais problemas envol-


vendo a prestação da empresa privada do serviço público de saneamento
básico que geraram o rompimento do contrato: (i) desrespeito ao desenho
regulatório complexo criado envolvendo uma série de interesses, gerando
insegurança e abalando a legitimidade das escolhas tomadas; (ii) altera-
ções contratuais sem devido amparo regulatório independente, baseado
em capital político; e (iii) descumprimento de metas contratuais.

Caso: La Paz e El Alto, Bolívia

Na Bolívia, durante os anos 1990, a participação privada no setor de sa-


neamento básico foi considerada uma boa alternativa, e incentivada pelo
Banco Mundial, a cenários de infraestrutura insuficiente e problemas finan-
ceiros por parte do Poder Público. Nesse contexto, três grandes cidades
abriram espaço para a participação privada: La Paz, El Alto e Cochabam-
ba. Os serviços de água e esgoto das cidades de La Paz e de El Alto foram
objeto de um único contrato, já que fazem parte de uma grande região
metropolitana.

Ainda que em região metropolitana, as cidades de La Paz e El Alto


são bem diferentes entre si. A população com maior capacidade econô-
mica centra-se em La Paz, enquanto os morros e encostas da cidade de
El Alto são ocupados por população mais pobre. As características geoló-
gicas de El Alto tornam mais difíceis a ampliação da infraestrutura, o que
é um dos motivos pelo fato de a população desta cidade carecer mais de
conexão, proporcionalmente.

O contrato firmado foi um contrato de concessão com a empresa


Aguas del Illimani (AISA), subsidiária da companhia francesa Suez, assina-
do em 1997, e tinha como prazo 30 anos de prestação. A escolha foi feita
a partir de processo licitatório que usou como base de escolha o maior
número de ligações, que ampliariam o acesso ao serviço público, a serem
instaladas.47
47 Komives trata desse ponto com mais detalhes: “Unlike many countries seeking private
involvement in the water and sanitation sector, Bolivia did not seek to reduce tariffs
through the contract bid process. Pre-privatization tariffs in La Paz and El Alto were
below cost recovery levels, and so the government raised tariffs before the concession
contract was signed. As tariff reduction was not an objective, government officials
decided to use the bid process to maximize water service expansion in low-income
areas. 38 The Request for Proposals for the La Paz-El Alto contract fixed the length of
160 Coleção Jovem Jurista 2021

Cabe tratar do desenho regulatório envolvido na questão. Em 1994,


o governo nacional deu o primeiro passo para a criação de um regulador
nacional do setor de águas: a Superintendencia de Aguas. A Lei SIRESE
foi aprovada ainda em 1994 e delineou a estrutura regulatória. Em 1997, o
Decreto Supremo nº 24.716 aprova o Regulamento da Organização Institu-
cional e Concessões do Setor das Águas e o Regulamento do Uso de Bens
do Domínio Público e Servidões para Serviços de Água, abrindo espaço
para as concessões dos serviços.

Entretanto, apenas em 1999, formalizou-se a existência do órgão re-


gulador, a Superintendência de Saneamiento Básico (SISAB), no mesmo
ano em que foi criado o marco legal para o abastecimento de água e esgo-
to, pela a Lei nº 2029 – Ley de Servicios de Agua Potable y Acantarillado
Sanitario – modificada pela Lei nº 2066 – Ley Modificadora a la Ley 2029.
Destaca-se o art. 9º, introduzido pela Lei nº 2066:

Artículo 9°. – COMPETÊNCIA NACIONAL. Las políticas,


normas y regulación de los servicios de Agua Potable y
Alcantarillado Sanitario son de competencia nacional. Las
concesiones, la regulación de los servicios de Agua Potable
y Alcantarillado Sanitario y las servidumbres relacionadas
con los mismos son competencia de la Superintendencia de
Saneamiento Básico.

Trata-se, mais uma vez, de um órgão nacional competente para regu-


lar o serviço de saneamento básico. Anteriormente a 1997, os provedores
de serviços de água e saneamento eram controlados e supervisionados
por municípios. Posteriormente, todas as prestadoras de serviço de água
ou saneamento precisaria ter uma concessão do Superintendente para a
prestação desse serviço. Isso demonstra, por meio de mais um caso, que
os interesses envolvidos no serviço de saneamento básico envolvem múl-
tiplos entes federados.

O contrato com a empresa privada incluía metas de expansão para


cada cinco anos, que seriam monitoradas no final de cada período. O re-
gulador boliviano era o responsável pelo monitoramento das metas, per-
mitindo revisões tarifárias e fixando as tarifas máximas de conexão ao final
de cada período de cinco anos.48 As metas eram ambiciosas:

the concession, the tariffs and connection fees, the required sewer expansion schedule,
and the minimum acceptable water expansion schedule. Interested private companies
were asked to submit bids of the number of in-house water connections they would
commit to install in the El Alto subsystem by December 31, 2001.” (KOMIVES, Kristin
Designing pro-poor water and sewer concessions: early lessons from Bolivia, Water
Policy,v. 3, p. 61-79, 2001.)
48 KOMIVES, Kristin; COWEN, Penelope J. Brook.
Expanding water and sanitation services to low-income households: the case of the
La Paz-El Alto concession. In: SMITH S. (ed.). The private sector in water: competition
and regulation. Washington, DC: World Bank, 1999.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 161

The targets stipulated in the contract for the period 1997–


2001 included installing 71,752 new water connections in La
Paz and El Alto by December 2001. This would have entailed
100 per cent water coverage in La Paz and 82 per cent
coverage in El Alto (where 50 per cent should have been new
connections).49

O contrato previa, ainda, que a única forma de abastecimento de água


seria interna em cada domicílio. Ficou estipulado não só que a empresa
não era obrigada a fornecer água por meios alternativos, como fontanários
comunitários, como também que ela deveria fechar as torneiras durante a
instalação de água encanada para a população.

Essa impossibilidade era parte da característica de inflexibilidade do


contrato destacada nos textos acadêmicos. O contrato não previa apenas
as metas de expansão para o serviço público, como também meios para
atingi-las e a constante aprovação pelo ente regulador dos materiais e téc-
nicas utilizadas, com objetivo de garantir a alta qualidade do fornecimento
do serviço para os mais pobres. Entretanto, amarrar a prestação pode ge-
rar consequências perversas:

One problem with the Bolivian standards is that they limit


Aguas del Illimani’ s flexibility to reduce investment costs.
Aguas del Illimani must use specific materials and designs,
even though there may be less expensive ways of meeting
output goals. The Superintendent recognizes that the
materials and design standards could make it difficult for the
concessionaire to serve some poor neighborhoods.50

A impossibilidade de acesso à água por meios alternativos e mais ba-


ratos foi um ponto de insatisfação considerável para a população51 e que
gerou dificuldades para a empresa em alcançar a população mais pobre.

Outro ponto que gerou forte incontentamento foi o aumento tarifário.


Em 1996, o governo alterou a fórmula tarifária, subindo a tarifa em 19%
para a população, dado que as cobranças anteriores não eram capazes de

49 HAILU, Degol; OSORIO, Rafael; TSUKADA, Raquel. Privatisation and renationalisation:


what went wrong in Bolivia’s water sector? International Policy Centre for Inclusive
Growth, 2009, Working Papers.
50 KOMIVES, op. cit., p. 61-79
51 Sobre isso: “The concession contract required that communal standpipes be elimina-
ted and that dwellings be provided with in-house connections (Komives, 1999). The
underlying reason was to help the government achieve the political target of provi-
ding universal in-house water access, as stated in a national water plan. Standpipes,
however, were inexpensive alternatives to in-house connection for some households,
especially those that were unable to afford the high initial costs of connection to the
utility network. This was a potential cause for discontent on the part of the low-income
households, which would have to search for alternative (and usually more expensive)
sources of water”. (HAILU; OSORIO; TSUKADA op. cit.)
162 Coleção Jovem Jurista 2021

cobrir os custos operacionais. Essa fórmula, entretanto, apenas passou a


ser implementada em maio de 1997 pela empresa privada:

Until 1996, the state-owned SAMAPA applied a complicated


tariff structure that included more than 150 categories, 15 of
which were for metered customers. Under this arrangement,
consumers were not charged for the first 10m3 , and
according to a study from that period, the mean tariff was
approximately US$ 0.32/m3. In December 1996, the National
Council of Tariffs undertook steps to amend and simplify
this arrangement. The new policy was to become effective
in December 1996, but was not implemented by Aguas
del Illimani, the winning consortium operating water and
sanitation services in La Paz/El Alto, until May 1997, when an
additional 19 per cent increase awarded to the company on
take-over also became effective.52

A cobrança se dava de forma progressiva,53 mas a parcela da popula-


ção que se beneficiava com a não cobrança nos primeiros 10 m3 claramen-
te sentiu a mudança de forma considerável e a projetou como responsabi-
lidade da empresa privada.54 O aumento das tarifas ao longo do contrato
também acabou ocorrendo por dois outros fatores: (i) a “dolarização” da
tarifa; e (ii) uma taxa de regulação estatal de 2%. Esses fatores conjunta-
mente levaram a um aumento, segundo Laurie e Crespo, de 35% nos cus-
tos reais entre 1997 e 2004.55

No início dos anos 2000, estudo sobre o impacto do contrato e seu


mandato para expandir a rede para as áreas mais pobres da metrópole
demonstrou que a extensão para abastecer os bairros mais pobres ainda
não tinha sido alcançada.56 A empresa investiu mais nos bairros em que as
conexões custavam menos e demandavam menos dificuldades técnicas
para serem implementadas.

52 BARJA, Gover; URQUIOLA, Miguel. Capitalization, regulation and the poor: access to
basic services in Bolivia. Helsinki: UNU/WIDER, 2001.
53 Ainda que de forma progressiva, existiam famílias que não possuíam medidores para
que fosse calculado o seu gasto mensal, o que fazia com que a cobrança fosse feita
por meio de uma tarifa fixa. Essa tarifa fixa. Em El Alto, as famílias com medidores pa-
gavam entre US$ 0,75 e US$ 0,88 por mês por conexão, refletindo seu baixo uso, em
comparação com as casas sem medidores que pagavam U$ 2,38 mensais por conexão.
LAURIE, Nina; CRESPO, Carlos. Deconstructing the best case scenario: lessons from
water politics in la Paz-El alto, Bolivia. Geoforum, v. 38, n. 5, p. 841-54, 2007.
54 No entanto, o estudo de Barja e Urquiola demonstra que as tarifas até 1999 de Santa
Cruz, cidade que permaneceu com a prestação pelo Poder Público, sofreu aumento
superior ao sofrido em La Paz e El Alto, como demonstrado pela figura 11 de seu traba-
lho. Sobre isso, afirma: “Nevertheless, cross-subsidies persist, and even though higher
tariffs were the ultimate outcome, increases in La Paz were smaller than in Santa Cruz
where no reform has taken place.”. (BARJA; URQUIOLA, op. cit.)
55 LAURIE; CRESPO, op. cit.
56 KOMIVES, op. cit., p. 61-79.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 163

No entanto, não foram encontradas muitas informações sobre o nú-


mero real da expansão promovida pela empresa privada quando da re-
cisão do contrato. A literatura encontrada sobre o tema foca essencial-
mente na forte mobilização social para o fim do contrato, muito embora
o governo tenha usado o não atingimento das metas contratuais como
argumento para a recisão. Isso demonstra o impacto que a população teve
para o futuro da prestação contratual.

A priorização inicial de investimento em áreas com mais facilidades e


que dessem maior retorno econômico, a impossibilidade de fornecimento
de água por meios alternativos pela empresa privada, por meio, por exem-
plo, de fontes comunitárias, agregadas ao aumento tarifário, colocou a re-
lação com a empresa Aguas del Illimani em grande tensão, principalmente
com a população.

Com isso, iniciou-se forte pressão popular, por meio de manifesta-


ções pelo fim do contrato com a empresa privada e retomada do serviço
pelo Poder Público, que se somaram às manifestações contra a prestação
privada em Cochabamba. Evo Morales, com já forte força política, princi-
palmente após 2002, liderava a bandeira de maior participação do Estado
na prestação de serviços públicos e incentivava os protestos contra a em-
presa privada.

Diante desse cenário, em 2005, o contrato foi reincindido após ape-


nas 7 anos de prestação sob o argumento de que as metas contratuais não
tinham sido cumpridas. A SISAB multou a Aguas del Illimani em $ 450.000
quando a concessão terminou pelos descumprimentos contratuais.

Em janeiro de 2007, o governo de Morales concluiu negociações so-


bre a rescisão do contrato e emitiu um decreto que transformou o consór-
cio Aguas del Illimani em uma empresa pública, a Empresa Pública Social
de Agua y Saneamiento (EPSAS), uma empresa pública municipal. Assim,
a prestação de serviços de fornecimento de água e esgoto retornou à
prestação pelo Poder Público.

Diante desses fatos, é possível apontar alguns principais problemas


envolvendo a prestação da empresa privada do serviço público de sanea-
mento básico que geraram a rescisão do contrato: (i) contrato desenhado
sem estabelecimento de órgão regulador independente; (ii) inflexibilida-
de contratual; (iii) descumprimento de metas contratuais; (iv) má relação
com a opinião pública, gerada pela falta de transparência no pacto firma-
do com a empresa privada, nos aumentos tarifários e nas pretensões por
trás de comportamentos como fechar fontanários comunitários.
164 Coleção Jovem Jurista 2021

Comentários sobre os casos

O primeiro indício que é possível extrair do estudo dos casos é que,


ao contrário do que alguns fazem parecer, usando casos internacionais
para defender a não participação da iniciativa privada no saneamento bá-
sico no Brasil, a reestatização dos serviços pode ocorrer por diferentes
razões. Sobre isso, David Alexander McDonald, de Queen’s University, Ca-
nadá, que dedica grande parte de sua produção acadêmica ao estudo da
remunicipalização de serviços de saneamento básico, dispõe:

What, then, is driving remunicipalization in the water


sector today? To begin with, it should be noted that not
all remunicipalizations happen by choice. There are many
instances where policy makers would prefer to have private
service provision but are forced to re-municipalize because
of an insufficient number of (credible) private sector bidders
for a contract.

[...]

Having said that, the majority of remunicipalizations are


planned and deliberate. Many are driven by dissatisfaction
with private sector service performance, including concerns
with rising costs to consumers, worsening service quality,
non-achievement of infrastructure promises, public mistrust
of private companies, anti-trust activities on the part of large
private utilities, and corruption.57

No caso de Hamilton, Canadá, ainda que a experiência com o setor


privado tenha sido problemática sob vários aspectos, principalmente am-
bientais e financeiros, inicialmente a cidade optou por permanecer com
a iniciativa privada, o que acabou não ocorrendo por motivos ligados ao
rigor do certame. No caso de Buenos Aires, Argentina, por sua vez, o cená-
rio político fez com que o contrato sequer chegasse ao final, sendo rompi-
do pela Administração Pública por “culpa da concessionária”. No caso de
La Paz e El Alto a população se mobilizou significativamente pela rescisão
contratual.

Esse ponto inicial já demonstra que a generalização de que a “onda


de reestatização” dos países demonstra a falha completa da experiência
de outros países que privatizaram não se sustenta. É preciso observar as
peculiaridades de cada caso, a fim de compreender o que levou à reestati-
zação, seja para não repetir os mesmos erros e gerar experiências traumá-
ticas, prejudiciais à Administração e aos cidadãos, seja para, eventualmen-
te, poder argumentar que o caminho para o Brasil é ou não a prestação do

57 MCDONALD, David Alexander. Remunicipalization: the future of water services?. Geo-


forum, v. 91, p. 47-56, 2018. 10.1016/j.geoforum.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 165

serviço pelo Poder Público. Por isso, passa-se à análise comparativa e que
leva aos erros gerais cometidos.
Tabela 2. Comparação entre os processos de desestatização e reestatização entre os
casos de Hamilton, Canadá; Buenos Aires, Argentina; e La Paz e El Alto, Bolívia

Hamilton – Canadá Buenos Aires – Ar- La Paz e El Alto –


gentina Bolívia

Contratação Direta, após proposta Licitação pelo critério Licitação, utilizando


não solicitada de Philip menor tarifa. como critério o maior
Utility Management número de ligações
Company. ao serviço de água e
esgoto.

Período do contrato 10 anos 30 anos 30 anos

Rompimento com o Após o término do Antes do fim do con- Antes do fim do con-
Setor privado contrato. trato pelo Poder Públi- trato pelo Poder Públi-
co, que alegava culpa co, que alegava culpa
do concessionário. do concessionário.

Problemas na relação Contratação sem con- Desenho contratual; Desenho contratual;


com o setor público corrência; Desenho institucional Desenho institucional
identificados a partir Desenho contratual; regulatório; regulatório;
do caso Desenho institucional Descumprimento de Descumprimento de
regulatório e fiscali- metas contratuais. metas contratuais;
zação; Má relação com a
Descumprimento de opinião pública.
metas contratuais.

Em primeiro lugar, faz-se importante observar como se deu a con-


tratação do parceiro privado para a prestação do serviço de saneamento
básico nos casos estudados. Como demonstrado, em Hamilton, a contra-
tação se deu de forma direta, sem mecanismo de concorrência, enquanto
em Buenos Aires e em La Paz e El Alto a contratação se deu após proce-
dimento de licitação, nos quais o concessionário foi escolhido por meio
do critério de menor tarifa e pelo critério de maior número de ligações,
respectivamente.

A licitação, segundo Rafael Carvalho Oliveira Resende,58 é o processo


administrativo utilizado pela Administração Pública e pelas demais pes-
soas indicadas pela lei com o objetivo de selecionar a melhor proposta,
por meio de critérios objetivos e impessoais para celebração de contratos.
Nesse sentido, a não utilização de processo de licitação no município de
Hamilton, Canadá faz com que não haja garantia de que a melhor proposta
tenha sido selecionada para a prestação do serviço.

Os princípios da competitividade, isonomia, procedimento formal e


julgamento objetivo são basilares ao processo licitação e foram afastados
na contratação da empresa Philip Utility Management Company. Isso aca-

58 Rezende. Licitações e contratos administrativos. 5a. ed. Ver. atual. e ampl. Rio de Ja-
neiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 25.
166 Coleção Jovem Jurista 2021

ba por explicar os problemas enfrentados pelo município com a falta de


expertise da empresa para a prestação do serviço.

Em Buenos Aires, por sua vez, a contratação se deu após procedi-


mento licitatório e o critério de julgamento utilizado foi o de menor tarifa,
desde que assegurado que o coeficiente tarifário pudesse garantir o cum-
primento do contrato. Entretanto, em menos de um ano após a licitação
foi requerido ajuste tarifário pela empresa que venceu o certame por ter
oferecido a menor tarifa. O critério de menor tarifa, de fato, é uma opção
comum em concessões de serviços públicos, mas solicitação de reajuste
em momento tão próximo à licitação pode indicar que a proposta não era
concreta no que poderia oferecer.

Já, em La Paz e El Alto, também foi realizado procedimento licitató-


rio, porém com critério não muito comum de escolha, o de maior número
de ligações ofertadas. Essa foi a forma de governo de tentar incentivar um
contrato que visasse à universalização dos serviços. Entretanto, é possível
dizer que essa opção pode ter gerado incentivo para que fossem pro-
postas ofertas de ampliação irreais, sem que essa ampliação tivesse sido
pensada de acordo com um plano de tarifação que zelasse pelo princípio
da modicidade tarifária.

Nos três casos é possível abordar dificuldades com o desenho con-


tratual. Este ponto é importante, pois muitos prejuízos aos cidadãos e até
o Poder Público são decorrentes do desenho contratual e não, necessaria-
mente, da opção pela prestação de serviço por uma empresa privada. O
desenho contratual é essencial para determinar quem ganha e quem perde
com a sua distribuição de riscos e responsabilidades: dois contratos dife-
rentes, a depender de seu desenho, podem produzir o mesmo benefício
líquido social com efeitos distributivos completamente divergentes para
os grupos de interesse envolvidos – governos, empresas prestadoras de
serviços e consumidores.59

Em Hamilton, o contrato foi criticado por ter sido desproporcional-


mente benéfico a Philip Utility Management Company. A crítica em relação
ao contrato canadense se concretizou com a alocação de responsabili-
dades por danos ambientais causados pela má prestação do serviço de
saneamento básico da empresa ter recaído sob o Município. É verdade
que cabe ao Poder Público, em seu papel de regulador, encarregar-se de
fiscalizar a atividade desempenhada pelo parceiro privado a fim de evitar
danos, mas não parece adequado dispor que não há responsabilidade por
parte do prestador quando um dano ambiental decorre de falha na sua
prestação.

59 FARIA, Ricardo Coelho; FARIA, Simone Alves de; MOREIRA, Tito Belchior Silva. A pri-
vatização no setor de saneamento tem melhorado a performance dos serviços? Pla-
nejamento e Políticas Públicas, v. 28, 2005.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 167

Já no caso de Buenos Aires, as muitas alterações contratuais no início


da vigência do contrato, beneficiando a empresa privada, foram criticadas.
Contudo, é possível apontar que essas alterações se deram para tentar ba-
lancear a estrutura contratual que dificultava financeiramente a ampliação
do serviço de saneamento a áreas sem cobertura. O desenho contratual
pretendeu favorecer os consumidores como grupo pelo critério de menor
tarifa, mas a “tarifa de infraestrutura” dificultou significativamente a am-
pliação de acesso aos mais pobres.

No caso de La Paz e El Alto, as altas metas de ampliação dos serviços


nos primeiros anos e a inflexibilidade para a prestação dos serviços aca-
bou deixando os consumidores mais pobres, que não tinham acesso ao
serviço em maior dificuldade. Em uma lógica econômica, espera-se que
empresas privadas atendam aos seus requisitos de expansão da forma
menos arriscada possível do ponto de vista financeiro, expandindo pri-
meiro para bairros onde se espera que a demanda seja mais alta e onde
os custos de expansão são mais baixos. Ainda, a impossibilidade de a ope-
radora apresentar oferta que fosse diversificada o suficiente para atender
às variações na demanda de diferentes tipos de famílias, gerou mais um
desincentivo a buscar conectar os bairros mais pobres, onde parcela sig-
nificativa das famílias acabaria optando por não se conectar aquele único
modelo de serviço ofertado.

Assim, é possível afirmar que o desenho contratual teve papel impor-


tante no futuro da relação da empresa privada com o Poder Público e com
os consumidores. Ainda, quando na elaboração do desenho contratual, é
preciso dividir o grupo de consumidores entre aqueles que já possuem
acesso e aqueles que ainda não possuem acesso ao serviço de saneamen-
to. Sobre este ponto, destaca-se o apontado por Caroline e van den Berg:

Although the move to private sector provision offers


an opportunity to address inefficiencies, the Argentine
experience shows that many incentive distortions carried
over into the concession contracts may make it difficult to
provide services effectively, particularly to the poor. Also,
distortions may become more conspicius as the utiliy’s service
objectives become embedded in an “arm’s-lengh” contract
(rather than the softer undertakings which exist between a
public corporation and its government owner).60

Outro ponto que deve ser apontado é que alterações contratuais, em-
bora possam ajudar a recuperar assimetrias originais no contrato, envol-
vem riscos pois podem afetar a credibilidade do regulador e trazer críticas
políticas perigosas à estabilidade do contrato como a crítica muito feita
no caso de Buenos Aires – de que o governo realizou revisões em favor
da empresa privada em desfavor da população. Além disso, pode envol-
60 BERG, op. cit., p. 4.
168 Coleção Jovem Jurista 2021

ver muitos custos com litígios entre as partes para determinar os novos
termos, de modo que o ideal é que o contrato já nasça bem desenhado e
equilibrado – ainda que isso seja um desafio, claro.

Além do perigo da perda de credibilidade do regulador por alterações


contratuais, os casos abordados envolveram outros claros problemas de
desenho institucional regulatório,61 que apontam mais um ponto sensível
a ser considerado em processos de abertura à atuação privada. A cidade
canadense estudada realizou contratação de forma direta, sem nenhum
mecanismo de concorrência regulado, bem como não teve ao longo da
prestação pelo parceiro privado um órgão do poder público efetivamente
responsável pela garantia da regularidade da prestação do serviço e pela
fiscalização do contrato.

A relação parecia sempre se dar entre poder concedente e a em-


presa privada, sem nenhuma estrutura que se pretendesse independente
para atuar como regulador. Muito embora o Município pudesse realizar o
papel de regulador, ainda que de forma paralela ao seu papel de Poder
Concedente, essa dupla função se dificulta. Isso pois, a tendência é que
o Município tente defender a relação com o ente privado, ainda que sob
altos custos, pois recai sobre ele o ônus político da escolha pela presta-
ção privada do serviço, deixando de lado o seu papel como regulador. A
ausência ou enfraquecimento do papel regulador do Estado, essencial em
cenários nos quais empresas privadas atuam, principalmente em serviços
públicos, contribuiu para o insucesso do caso.

No caso da cidade argentina, por sua vez, foi criado órgão regulador
para atuar na concessão, a agência, chamada Ente Tripartito de Obras y
Servicios Sanitarios, ETOSS, que contava com representantes do municí-
pio de Buenos Aires, da província de Buenos Aires e do governo federal da

61 Importante destacar qual é a noção de regulação que se utiliza no presente trabalho.


Nesse sentido, destaca-se que utilizou-se a noção apontada pelo Professor Alexandre
dos Santos Aragão: “A noção de regulação implica a integração de diversas funções:
pressupõe que um quadro seja imposto às atividades econômicas, devendo respeitar
certo equilíbrio dos interesses das diversas forças sociais presentes. Esse quadro nor-
mativo é estabelecido por decisões gerais e abstratas, constantes geralmente de re-
gulamentos; pela aplicação concreta das suas regras; e pela composição dos conflitos
que delas advêm, dando lugar, nestas duas últimas hipóteses, a decisões individuais.
Há, portanto, três poderes inerentes à regulação: aquele de editar a regra, o de asse-
gurar a sua aplicação e o de reprimir as infrações, mesmo que essas infrações sejam
dirigidas, inclusive, a empresas públicas ou ao próprio Estado agindo economicamen-
te de forma direta em atividades típicas do setor privado.
A regulação, sob quaisquer destas formas, possui três principais searas: (a) a regu-
lação dos monopólios, quando a competição é restrita ou inviável, evitando que eles
lesem a economia popular, controlando os preços e a qualidade dos serviços ou pro-
dutos; (b) regulação para a competição, como forma de assegurar a livre concorrência
no setor privado e, no caso de atividades econômicas sensíveis ao interesse público, o
seu direcionamento na senda deste; e (c) regulação dos serviços públicos, asseguran-
do a sua universalização, qualidade e preço justo”. (ARAGÃO, Alexandre dos Santos.
Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 3. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 26-27.)
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 169

Argentina. Entretanto, em uma concessão que deveria durar 30 anos, após


menos de quatro anos, a agência foi deixada de lado, enquanto o governo
federal negociava diretamente com a concessionária.

Caiu por terra a ideia de que eventuais problemas contratuais seriam


resolvidos por um órgão regulador independente, que consideraria todos
os interesses em jogo – da concessionária, dos usuários e dos diferen-
tes entes da federação. Essa supressão da agência culminou em falta de
transparência das negociações contratuais e falta de regras claras sobre
os reajustes tarifários.

No caso de La Paz e El Alto, quando no momento da assinatura do


contrato o novo marco regulatório que regeria as novas relações com as
empresas privadas, bem como a lei que formalizou a criação de ente regu-
lador sequer haviam sido publicados, o que significa dizer que o contrato
fora pensado e assinado sem que o desenho institucional regulatório ti-
vesse sido formado e estivesse estável para regulá-lo. Não é possível, con-
tudo, dizer que houve necessariamente reflexo desse contexto nos fatos
que seguiram o contrato, mas a existência de um regulador independente
bem estruturado costuma ser visto como pressuposto para um bom de-
sempenho contratual.

Sobre a importância de um regulador independente destacam Degol


Hailu, Rafael Guerreiro Osório e Raquel Tsukada:

Regulation has been advocated as a necessary bargaining


process that strikes a “balance between providing private
companies with the incentives to invest and operate
efficiently, and protecting the interests of other social and
economic actors” (Rees, 1998: 8). A strong regulator is seen
as desirable to reduce the risks for private investors, as well
as to protect consumers’ interests as regards the concession
commitments on coverage expansion, investment targets
and price levels. Sound regulation also makes the concession
bid more competitive by attracting more private bidders.62

O que se extrai, neste ponto, dos casos é que essa desorganização


regulatória prejudica a credibilidade não só da agência reguladora, como
no caso argentino, como também do próprio Poder Concedente, como
nos três casos, que se demonstra incapaz de lidar com sua própria escolha
política, de forma favorável à população e à própria Administração Públi-
ca. A falta de regras claras e a ausência de responsabilidades regulatórias
bem definidas tornam o processo desequilibrado em relação aos múltiplos
interesses em jogo e aumentam as chances de litígios entre os atores en-
volvidos.

62 HAILU; OSORIO; TSUKADA. op. cit.


170 Coleção Jovem Jurista 2021

Por fim, foi possível observar descumprimentos contratuais nos casos


em tela. Esses descumprimentos se constroem como consequências dos
problemas apontados anteriormente, bem como de crises econômicas e
políticas que alteraram significativamente o contexto de prestação daque-
le em que houve a contratação – principalmente nos casos argentino e
boliviano. É possível, portanto, dizer que, embora as empresas privadas
dos casos discutidos tenham a sua parcela de responsabilidade pelo não
alcance dos objetivos pactuados, o Poder Público – aqui em sentido am-
plo – tem também a sua parcela de responsabilidade, principalmente pelos
problemas de desenhos institucional e contratual.

COMPARAÇÃO ENTRE OS CASOS ESTUDADOS E O


AMBIENTE CRIADO PELO NOVO MARCO DO SANEAMENTO
BÁSICO NO BRASIL

Descritos e analisados os casos, é possível contribuir para o debate sobre


a participação privada na prestação de serviços de saneamento básico
no Brasil, por meio de experiências internacionais. Nesse sentido, preten-
de-se analisar neste capítulo, como o Novo Marco do Saneamento Básico
no Brasil, representado pelas alterações trazidas pela Lei nº 14.026/2020,
enfrenta ou não os problemas apontados, para que, então, possam ser
identificadas as fragilidades do Marco.

Contratação sem concorrência

Em relação ao primeiro problema apontado nos casos estudados – ausên-


cia de concorrência na contratação direta, que acabou levando à contra-
tação de empresa sem expertise técnica para a prestação do serviço em
Hamilton – é possível afirmar que o Novo Marco do Saneamento Básico
tem como um dos seus objetivos primeiros garantir a concorrência.

Até o Novo Marco, era possível que os entes federados contratassem


diretamente empresas estatais para a prestação, por meio dos chamados
contratados de programa. Com o Novo Marco, busca-se a livre concorrên-
cia, por meio da obrigatoriedade de licitação para novas contratações de
entidades que não integrem a administração do titular do serviço e com a
vedação do contrato de programa.

Os primeiros leilões, após a sanção do Novo Marco, parecem demons-


trar que essa alteração significará aumento significativo da participação
privada no setor, por meio de certames concorridos. Segundo a Confede-
ração Nacional da Indústria, 24 grupos participaram dos três leilões que
ocorreram até a produção do presente artigo.63
63 “Na avaliação da CNI, os três leilões foram bem-sucedidos e mostram um caminho a
ser perseguido. Houve competição limpa e disputada, com participação de mais de 20
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 171

O primeiro leilão envolveu uma concessão comum do serviço de água


e esgoto da região metropolitana de Maceió, Alagoas, cuja vencedora foi
a empresa BRK Ambiental. A empresa venceu a concorrência, cujo critério
era o maior valor de outorga, com um valor de outorga de R$ 2 bilhões. O
segundo leilão buscou parceiro para a Parceria Público Privada, na moda-
lidade concessão administrativa, do serviço de esgotamento sanitário nos
municípios Cariacica e Viana, no Espírito Santo. A vencedora foi a empresa
Aegea com deságio de 38,12% em relação à tarifa máxima. O terceiro tra-
tou de uma Parceria Público Privada, também na modalidade concessão
administrativa, envolveu 68 municípios do Mato Grosso do Sul e também
teve a Agea como vencedora do certame com um deságio de 38,46% em
relação à tarifa máxima.

É preciso destacar que, ainda que os leilões tenham sido um sucesso


pela participação de muitos grupos, para que essa prestação se dê da
melhor forma, é necessário cumprimento das previsões contratuais, por
todas as partes envolvidas, e manutenção da fiscalização do cumprimento
do contrato e das normas setoriais. Essa necessidade acaba indicando a
essencialidade da observância dos outros dois problemas apresentados
nos casos.

Problemas com o desenho institucional regulatório

O segundo problema enfrentado nos casos é relacionado aos desenhos


institucionais regulatórios. No caso de Hamilton, Canadá, o Estado parece
que abriu mão de sua função de regulador e não foi possível observar ne-
nhum órgão dedicado a essa função, bem como o Município demonstrou-
se inábil para lidar com a tarefa. Já no caso de Buenos Aires, Argentina,
os múltiplos interesses envolvidos, que deveriam ter sido representados
pela agência interfederativa, dificultaram a uniformidade no tratamento
da questão. O modelo fracassou levando ao afastamento da agência nas
negociações, que acabaram se dando diretamente entre o poder nacional
e a empresa. Em La Paz e El Alto, por sua vez, o novo desenho institucio-
nal e a nova legislação sobre água e serviço de esgoto ainda estavam em
formação quando o contrato de concessão foi assinado, o que pode ter
impactado o desenho contratual e a devida mensuração do cenário para
investir pela empresa privada.

grupos privados e públicos, incluindo novos entrantes de outros setores de infraestru-


tura, que vêm se aproximando desse mercado de saneamento.
O novo marco legal trouxe segurança jurídica para investimentos no setor e estabele-
ceu regras que privilegiarão a eficiência na gestão dos serviços de água e esgoto. Esse
é o caminho para a universalização do saneamento básico”, afirma o presidente da
CNI, Robson Braga de Andrade. Disponível em: https://noticias.portaldaindustria.com.
br/posicionamentos/leiloes-de-saneamento-bem-sucedidos-mostram-disposicao-do-
-setor-privado-para-investir/. Acesso em: out. 2020.
172 Coleção Jovem Jurista 2021

O Novo Marco do Saneamento Básico não pode ser apontado como


isento de tentativas de implementar regulação no setor. Sua dificuldade
esbarra naquelas enfrentadas no caso argentino e não no caso canadense.
A Lei nº 14.026/2020 tenta conciliar todos os interesses envolvidos – na-
cional, estadual e municipal.

O cenário que envolve múltiplos agentes é o seguinte:

(i) Atribuição à ANA de editar normas de referência;

(ii) Aplicação formal da interpretação do STF na ADI nº 1.842-RJ, por


meio da aplicação dos conceitos de interesse local e interesse co-
mum, alterando a titularidade do serviço. Quando o interesse for
comum, a titularidade será exercida pelo Estado e pelos Municí-
pios que compartilham efetivamente instalações operacionais.

A ANA, segundo o Novo Marco do Saneamento, fica responsável por


uma espécie de supervisão regulatória dos serviços de saneamento. A al-
teração segue mesma linha de ampliação das atividades da agência nacio-
nal que as Medidas Provisórias nº 844 e nº 868 já vinham implementando.
A influência do papel federal pode ser percebida pela exigência de que as
entidades reguladoras e fiscalizadoras subnacionais adotem as normas de
referência para que a União forneça recursos financeiros. Desse modo, o
papel regulador da ANA se impõe de forma significativa, principalmente
àqueles com poucos recursos financeiros.

Além do papel de destaque da União, por meio da ANA, os Municípios


perderam significativamente o seu poder. Com as alterações referentes à
titularidade em função de interesse comum, em alguns casos é difícil que
a titularidade se mantenha municipal. Ainda, há a formação de regiões
metropolitanas, unidades regionais de saneamento e blocos de referência
que são definidas com objetivo de incentivar a prestação regionalizada.

Destaca-se que o projeto de lei pretendia que a adesão à prestação


regionalizada fosse facultativa, mas com o veto presidencial, conforme
abordado no tópico pertinente, pretende-se a compulsoriedade da partici-
pação dos municípios. O Novo Marco define também, por meio do § 1º, do
art. 50, que um dos critérios de priorização na aplicação de recursos não
onerosos da União é a viabilização da prestação de serviços regionalizada.

O que se percebe é que o desenho institucional já foi pensado para


aumentar o papel e a influência da Agência Nacional na regulação do ser-
viço público e para aumentar o papel do Estado nas prestações regio-
nalizadas. Em contrapartida, os municípios perdem significativamente o
seu poder,64 compartilhando, em muitos casos, a titularidade do serviço.
64 Na análise da FGV CERI: “As alterações referentes à titularidade praticamente extin-
guem a possibilidade do titular ser o município, o que é visto como um entrave a pro-
moção de segurança jurídica no setor. No entanto, a redação atual não deixa claro se
para considerar a titularidade dos municípios em conjunto com o Estado é necessário
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 173

Assim, perderam espaço também na definição da entidade independente


que será responsável pela regulação e fiscalização, já que o art. 8º, § 5º,
determina que “O titular dos serviços públicos de saneamento básico de-
verá definir a entidade responsável pela regulação e fiscalização desses
serviços, independentemente da modalidade de sua prestação”.

Essa diminuição do poder municipal e aumento da importância dos


Estados e da agência reguladora nacional significa que o Brasil seguirá
o mesmo caminho de descredibilização da regulação independente pela
forte interferência da União como ocorreu em Buenos Aires? Não neces-
sariamente.

Na Argentina, o modelo de regulação pensado era a criação de uma


agência tripartite, com a participação dos três níveis da federação por
meio de representantes, que foi deixada de lado para negociações direta
entre o poder nacional e a concessionária. Isso quer dizer que o modelo
regulatório desenhado foi abandonado e, com isso, houve descredibiliza-
ção, falta de transparência na negociação e rompimento com a ideia de
um terceiro independente. No desenho proposto pelo Novo Marco, a dimi-
nuição do poder municipal65 e o crescimento do protagonismo da ANA se
dão como uma proposta de tratamento da questão, ou seja, faz parte do
desenho regulatório proposto, mas não implica o abandono das agências
reguladoras infranacionais, dado que o Marco não autoriza a ANA a subs-
tituir as agências em seus papéis.

É possível, como já demonstrado, questionar se esse desenho criado


pelo Novo Marco do Saneamento fere o princípio federativo, mas fato é
que o Marco dá importância a uma regulação independente e orientada
nas melhores práticas nacionais e internacionais que, em teoria, se mani-
festarão pela atuação da ANA, ao mesmo tempo em que obriga a criação
de órgão regulador que será responsável pela regulação e fiscalização dos
serviços.

Até 2018, segundo informações da FGV CERI, apenas metade dos


municípios definiram o órgão responsável pela regulação do saneamento
– 53 agências regulam saneamento no Brasil: 22 municipais, 25 estaduais,
1 distrital e 5 consórcios.66 Esse cenário que abria espaço para um vácuo

apenas o compartilhamento de infraestrutura ou se também é necessário que o muni-


cípio faça parte de uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião.
Com isso, apesar da alteração proposta, o cenário ainda permite insegurança jurídica”.
(SMIDERLE; CAPODEFERRO; PARENTE. op. cit.
65 Essa opção legislativa é justificada, por vezes, como resposta ao fim do subsídio cru-
zado. A ideia é que as unidades regionais de saneamento serão formadas com base na
sustentabilidade econômico-financeira, reunindo municípios pobres e ricos e dando
transparência à prática do subsídio cruzado. Essa proposição atende a questionamen-
tos que apenas interessaria a iniciativa privada os municípios superavitários, deixando
os mais pobres às concessionárias públicas.
66 SMIDERLE; CAPODEFERRO; PARENTE, op. cit.
174 Coleção Jovem Jurista 2021

regulatório, como ocorreu em Hamilton, tenderá a mudar com as altera-


ções legais.

Por outro lado, ainda que o modelo instituído preveja a necessidade


de definição pelos titulares da entidade que regulará e fiscalizará o servi-
ço, o que tende a incentivar a criação de agências reguladoras, há dúvi-
das quanto a materialização no mundo real do diálogo entre Municípios e
Estados para definirem, entre outros pontos, como se dará e quem será
responsável pela regulação do serviço. Sobre esse ponto, destaca Lucas
Van de Bilt Schiozer:

No caso da RMSP, a titularidade sobre os serviços cabe ao


seu órgão deliberativo, o Conselho de Desenvolvimento
– CD/RMSP. Criado em 2011 a partir da reformulação da
RMSP, este é composto por 58 membros: 39 prefeitos, 17
representantes (secretários) do Estado e 2 representantes
da Assembleia Legislativa.

Passados oito anos da criação CD/RMSP, há registro de


apenas 15 reuniões do órgão, cujas principais pautas foram
temas como a eleição de seu presidente e vice, criação
de câmaras temáticas e, após a edição do Estatuto da
Metrópole, acompanhamento da elaboração do Plano de
Desenvolvimento Urbano Integrado – PDUI, que estabelece
as diretrizes para o desenvolvimento territorial das regiões
metropolitanas e seus projetos estruturantes.

Após anos de discussões, o PDUI da RMSP foi aprovado pelo


CD/RMSP em sua última reunião, em 24 de abril de 2019. Nas
minutas finais do Caderno de Propostas e Projeto de Lei, não
há menção à gestão compartilhada por Estado e Municípios
dos serviços de saneamento básico.

Da atuação do CD/RMSP até o momento, verifica-se que a


forma de gestão compartilhada do saneamento em regiões
metropolitanas, conforme concebido pelo STF, é inexistente.
As soluções são fornecidas individualmente pelos Municípios,
sem intervenção do órgão metropolitano.67

Esse cenário descrito se deu após decisão do STF sobre a titularidade


do serviço de saneamento básico em regiões metropolitanas ser compar-
tilhada entre Estados e Municípios. É possível, a partir dele, preocupar-
-se em relação à governança interfederativa proposta com o Novo Marco
do Saneamento e os problemas regulatórios que podem vir dela. Nesse

67 SCHIOZER, Lucas Van de Bilt. Saneamento básico em regiões metropolitanas e o PL


3.261/2019. Jota, 2019. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/arti-
gos/saneamento-basico-em-regioes-metropolitanas-e-o-pl-3-261-2019-29062019.
Acesso em: out. 2020.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 175

ponto, demonstra-se relevante observar os casos internacionais, e esse


nacional apontado pelo trecho destacado, para evitar repetir problemas
já identificados.

Por fim, a experiência de La Paz e El Alto também acende o alerta


quanto a contratos desenvolvidos anteriormente à consolidação das alte-
rações legislativas, inclusive representando mudança tão brusca que des-
perta inconformismo na população. Cabe destacar que alguns contratos
de concessão e projetos de reestruturação da prestação de serviços de
água e esgoto já vinham sendo desenhados antes das alterações do Novo
Marco do Saneamento Básico entrar em vigor no Brasil, como é o caso
do contrato de concessão de blocos de Municípios do Rio de Janeiro e da
nova estrutura de governança jurídico-institucional envolvendo a CEDAE.

Sobre isso, cabe destacar o apontado por Juliana Jerônimo Smideler


e Edson Daniel Gonçalves:

Já como um ponto a desenvolver, que merece atenção,


destaca-se a fragilidade jurídica do modelo escolhido em
face do novo marco legal do saneamento. No dia 24/06 o
Projeto de Lei nº 4.162/2019, que altera a Lei do Saneamento,
foi aprovado no Senado Federal e encaminhado para sanção
presidencial. De acordo com o novo marco, é vedada a
formalização de novos contratos de programa para a
prestação de serviços de saneamento básico. Com isso, o
modelo de governança jurídico-institucional desenvolvido
(Figura 2) não é mais possível, uma vez que o serviço de
captação e tratamento de água (sistema upstream) na ETA
Guandu e sistema produtivo Imunana-Laranjal não poderá
ser formalizado por contrato de programa, devendo assim
também ser licitado.68

Portanto, nesses casos, o ideal é que haja compatibilização entre os


projetos já em desenvolvimento e o previsto no Novo Marco, para que não
haja insegurança jurídica na consolidação dos projetos ou reinvindicações
judiciais quanto ao modelo escolhido.

Desenho contratual

O desenho contratual apresentou problemas em todos os casos estuda-


dos. Esse ponto é importante, pois, como já apontado, o desenho contra-
tual pode fazer com que a relação entre o Poder Público e o setor privado
se dê de forma desequilibrada. É possível afirmar que muitas experiências

68 SMIDELER, Juliana Jerônimo; GONÇALVES, Edson Gabriel. Inovações e desafios na


privatização da CEDAE. Blog do IBRE, 2020. Disponível em: https://blogdoibre.fgv.
br/posts/inovacoes-e-desafios-na-privatizacao-da-cedae. Acesso em: dez. 2020.
176 Coleção Jovem Jurista 2021

traumáticas, inclusive no setor do saneamento, se deram não pela opção


de contratar empresas privadas, mas por conta de contratos desequilibra-
dos ou por conta de inflexibilidades contratuais

O desequilíbrio que favorece desproporcionalmente o setor privado


afeta a promoção do interesse público e, no caso específico do saneamen-
to, dificulta a universalização, como é possível observar no caso da rela-
ção do Município de Hamilton com a empresa Philip Utility Management
Company. O desequilíbrio que favorece excessivamente o Poder Público,
por sua vez, afasta a iniciativa privada e, com isso, as chances de conse-
guir boas propostas, como foi o caso do novo contrato que o Município
de Hamilton pretendia assinar com a iniciativa privada, após a experiência
traumática anterior.

O Novo Marco do Saneamento Básico estabelece algumas cláusulas


essenciais na elaboração de contratos relativos à prestação dos serviços
públicos de saneamento básico em seu art. 10-A:

Art. 10-A. Os contratos relativos à prestação dos


serviços públicos de saneamento básico deverão conter,
expressamente, sob pena de nulidade, as cláusulas essenciais
previstas no  art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, além das seguintes disposições:

I – metas de expansão dos serviços, de redução de perdas na


distribuição de água tratada, de qualidade na prestação dos
serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e
de outros recursos naturais, do reúso de efluentes sanitários
e do aproveitamento de águas de chuva, em conformidade
com os serviços a serem prestados.

II – possíveis fontes de receitas alternativas, complementares


ou acessórias, bem como as provenientes de projetos
associados, incluindo, entre outras, a alienação e o uso de
efluentes sanitários para a produção de água de reúso, com
possibilidade de as receitas serem compartilhadas entre o
contratante e o contratado, caso aplicável,

III – metodologia de cálculo de eventual indenização relativa


aos bens reversíveis não amortizados por ocasião da extinção
do contrato; e

IV – repartição de riscos entre as partes, incluindo os


referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea
econômica extraordinária.

O artigo obriga que sejam refletidas nos contratos objetivos impor-


tantes do Novo Marco, como a universalização por meio das cláusulas
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 177

sobre metas de expansão. Além disso, traz ponto fundamental, princi-


palmente a partir da leitura dos casos estudados no presente trabalho: a
necessidade de repartição de riscos. Não especifica, entretanto, como isso
se dará, conferindo flexibilidade para os desenhos contratuais.

Destaca-se também o § 3º, do art. 11, que dispõe que “Os contratos
não poderão conter cláusulas que prejudiquem as atividades de regulação
e de fiscalização ou o acesso às informações sobre os serviços contrata-
dos”. Esse artigo e sua aplicação são essenciais para reduzir a assimetria
de informação. Como no caso de Hamilton, Canadá, muitas vezes o poder
público não tem acesso a todas as informações necessárias à fiscalização
dos serviços. Assim, é essencial que os contratos incluam obrigação de
compartilhamento de informações, a fim de evitar que questões importan-
tes da prestação estejam fora do alcance do regulador.

Há, entretanto, acerca do equilíbrio contratual um ponto que deve


ser observado com cautela. O art. 37 da Lei nº 11.445/2007 dispõe “Os
reajustes de tarifas de serviços públicos de saneamento básico serão rea-
lizados observando-se o intervalo mínimo de 12 (doze) meses, de acordo
com as normas legais, regulamentares e contratuais”. O artigo estabelece
a periodicidade mínima, mas não a máxima para reajustes. Isso implica di-
zer que o contrato pode prever um intervalo muito longo para que sejam
feitos reajustes ou, no limite, sequer prever intervalos, o que pode fazer
com que a variação da moeda recaia sobre o concessionário, levando a
um desequilíbrio.69

O Novo Marco, portanto, de maneira geral, dá base para que bons


contratos sejam desenhados, ainda que sejam necessárias cautelas na ela-
boração dos contratos, como a periodicidade dos reajustes tarifários. A
elaboração de contratos eficientes e equilibrados, no entanto, não neces-
sariamente se concretiza na prática. Apenas a partir da Lei não é possível
afirmar que a participação privada se dará de forma positiva a todos os
envolvidos. É necessário, então, atenção especial à cada formulação con-

69 Nesse sentido, está o estudo desenvolvido por Pezco e Portugal Ribeiro Advogados
para a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de
Água e Esgoto (ABCON) e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Ser-
viços Públicos de Água e Esgoto (SINDCON), intitulado Regras padronizadas sobre
distribuição de riscos, equilíbrio econômico-financeiro e modelos regulatórios: “Des-
sa forma, ao lado da definição de intervalo mínimo de reajuste contratual, é preciso
definir um intervalo máximo. O prazo de um ano, no ambiente inflacionário brasileiro,
representa variações de custos tipicamente da ordem de grandeza de 4%. Esse núme-
ro é uma medida geral e simples das perdas tarifárias reais estimadas com a poster-
gação de um reajuste. [...] Propomos, em vista disso, a definição de um prazo máximo
de reajuste igual ao prazo mínimo, de doze meses. Em qualquer contrato, o IPCA ou
uma fórmula paramétrica podem ser aplicados automaticamente a quaisquer paga-
mentos devidos pelo poder concedente na forma de contraprestação ou de cobrança
a usuários de natureza tarifária. Há duas opções para a realização desses reajustes.
Uma opção é utilizar como referência o IPCA e a alternativa é a fórmula paramétrica
que destaca custos, principalmente o de energia”. Disponível em: https://conteudo.
abconsindcon.com.br/estudo-regulacao. Acesso em: dez. 2020.
178 Coleção Jovem Jurista 2021

tratual, especialmente nos pontos em que já foram apresentados proble-


mas em casos internacionais.

Até a produção do presente trabalho, segundo informações do Banco


Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS),70 não foi assi-
nado contrato com a iniciativa privada após a entrada em vigor do Novo
Marco do Saneamento, ainda que já estejam disponíveis algumas minutas.
Destaca-se que a atuação do BNDS no auxílio no desenvolvimento dos
projetos de concessão e parceria público-privada relacionados ao sanea-
mento básico é considerada positiva por agregar visão de corpo especia-
lizado à elaboração de editais, minutas contratuais etc.

A minuta do contrato de concessão da região metropolitana de Ma-


ceió, Alagoas, já está disponível.71 Nela, há cláusulas prevendo o compar-
tilhamento de informações como Poder Concedente e a Agência Regu-
ladora;72 o risco ambiental é atribuído à Contratada em relação a fatos
ocorridos posteriormente ao termo de transferência do sistema;73 e é ne-
cessária anuência do Contratante para que haja transferência total ou par-
cial da concessão ou transferência direta do controle societário.74 Essas
cláusulas parecem prevenir essa relação dos principais problemas aponta-
dos no caso Hamilton, Canadá.

Além disso, o contrato prevê, no capítulo dedicado ao equilíbrio eco-


nômico financeiro, que a taxa de desconto real anual a ser utilizada no

70 Disponível em: https://saneamento.bndes.gov.br/pt/home/. Acesso em: out. 2020.


71 Edital de licitação, contratos e anexos e estudos referenciais encontram-se disponíveis
em http://seinfra.al.gov.br/concessao-regiao-metropolitana-de-maceio. Acesso em:
out 2020.
72 Exemplo é a cláusula 20.8 da Minuta: “20.8. Durante o prazo da Concessão, a Contra-
tada obriga-se a apresentar ao Contratante e à Agência Reguladora, anualmente, até o
último dia do mês de março, relatório operacional, destacando informações sobre: i. a
execução das Obras de Aperfeiçoamento do Sistema, notadamente as executadas no
ano anterior, evidenciando, para cada obra já executada ou em execução, o montante
efetivamente investido, a respetiva depreciação e amortização; ii. as estatísticas de
atendimento, com análise de pontos críticos e medidas saneadoras implementadas
ou a serem implementadas; e iii. atualização do Inventário de Bens Vinculados, com
indicação do estado de conservação de cada um dos bens”.
73 Esses termos estão na Cláusula 31.2, mais especificamente na Cláusula 31.2.14: “31.2. A
Contratada, a partir do início da vigência da Concessão, é integral e exclusivamente
responsável por todos os riscos e obrigações relacionados à exploração e prestação
dos Serviços, inclusive, mas sem limitação, pelos seguintes: [...] 31.2.14. responsabilida-
de civil, administrativa e criminal por danos ambientais decorrentes da realização das
Obras de Aperfeiçoamento do Sistema, da operação e manutenção dos Bens Vincu-
lados e da prestação dos Serviços, relativamente a fatos ocorridos posteriormente ao
Termo de Transferência do Sistema”.
74 Nesse sentido estão a Cláusula 14.2 e seguintes. Destacam-se a 14.2 e 14.4: “14.2 A
transferência total ou parcial da Concessão ou transferência direta do controle so-
cietário da Contratada, sem prévia anuência do Contratante e demais requisitos es-
pecificados na legislação, implicará a caducidade da Concessão. [...] 14.4. Para fins de
obtenção da anuência para transferência total ou parcial da Concessão, nos casos em
que ensejar perda das condições de habilitação previstas no Edital, o pretendente da
assunção da operação transferida deverá apresentar o cumprimento das condições de
habilitação do Edital”.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 179

cálculo do valor presente será composta pela média diária dos últimos 12
(doze) meses da taxa real bruta de juros de venda das Notas do Tesouro
IPCA+ com juros semestrais (NTN-B).75 Trata-se de uma taxa flexível como
parâmetro para equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O uso de ta-
xas fixas definida na licitação para todo o período contratual não incorpo-
ra mudanças macroeconômicas que alteram o risco do contrato.

Dessa forma, essa taxa flexível parece ajudar a prevenir essa rela-
ção do problema que ocorreu no caso de Buenos Aires, no qual o cenário
macroeconômico alterou significativamente os riscos do investimento e
essas alterações não foram incorporados no equilíbrio econômico-finan-
ceiro. Destaca-se que essa taxa flexível também foi adotada na minuta do
contrato de concessão de municípios do Rio de Janeiro,76 o que indica que
esse pode ser um novo caminho positivo incorporado nos contratos de
saneamento básico.

Assim, é possível afirmar que os desenhos contratuais disponíveis por


meio das minutas apresentadas indicam um cenário positivo e responsivo
aos problemas já enfrentados nos casos internacionais apontados. No en-
tanto, é preciso lembrar que o Novo Marco do Saneamento conferiu liber-
dade contratual e não delimitou como seriam essas cláusulas apresenta-
das anteriormente, bem como não delimitou o prazo máximo de reajustes
de tarifas, de forma que, embora elas tenham sido incorporadas nessas
minutas específicas, podem não ser em outras. O desafio em relação ao
desenho contratual é específico para cada titular do serviço e regulador
responsável, ainda que a Lei possa dar diretrizes.

Descumprimento de metas contratuais

Outro problema apontado nos casos estudados foram os descumprimen-


tos de metas contratuais. O Novo Marco do Saneamento Básico impõe que
sejam estabelecidas metas de universalização nos contratos firmados nos
termos do art. 11-B:

Art. 11-B. Os contratos de prestação dos serviços públicos de


saneamento básico deverão definir metas de universalização

75 Assim dispõe a Cláusula 31.7: “31.7. A taxa de desconto real anual a ser utilizada no
cálculo do valor presente de que trata a cláusula 0 será comporta pela média diária
dos últimos 12 (doze) meses da taxa real bruta de juros de venda das Notas do Tesou-
ro IPCA+ com juros semestrais (NTN-B) ou, na ausência deste, outro que o substitua,
ex-ante a dedução do imposto sobre a renda, com vencimento em 15.08.2050 ou ven-
cimento mais compatível com a data do termo contratual, publicada pela Secretaria
do Tesouro Nacional, apurada no início de cada ano contratual, multiplicada por um
spread ou sobretaxa equivalente a 238,3% a.a., base 252 (duzentos e cinquenta e dois)
dias úteis, mediante a aplicação da seguinte fórmula”.
76 A minuta do contrato de concessão foi disponibilizada para consulta pública. Dispo-
nível em: http://www.rj.gov.br/consultapublica/Documentos.aspx. Acesso em: out.
2020.
180 Coleção Jovem Jurista 2021

que garantam o atendimento de 99% (noventa e nove por


cento) da população com água potável e de 90% (noventa
por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos
até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas
de não intermitência do abastecimento, de redução de
perdas e de melhoria dos processos de tratamento.

A Lei nº 14.026, de 2020, no § 9º do art. 11, autoriza a dilação desse


prazo em caso específico:

§ 9º Quando os estudos para a licitação da prestação


regionalizada apontarem para a inviabilidade econômico-
financeira da universalização na data referida no caput deste
artigo, mesmo após o agrupamento de Municípios de
diferentes portes, fica permitida a dilação do prazo, desde
que não ultrapasse 1º de janeiro de 2040 e haja anuência
prévia da agência reguladora, que, em sua análise, deverá
observar o princípio da modicidade tarifária.

No entanto, como visto nos casos internacionais estudados, apenas


fixação de objetivos não leva a sua concretização. É necessário que sejam
estabelecidos incentivos e penalidades para que as metas sejam atingidas
e que as metas sejam possíveis. É nessa linha que o § 7º da Lei nº 14.026,
de 2020 assevera que no caso de não atingimento das metas

deverá ser iniciado procedimento administrativo pela agência


reguladora com o objetivo de avaliar as ações a serem
adotadas, incluídas medidas sancionatórias, com eventual
declaração de caducidade da concessão, assegurado o
direito à ampla defesa.

Ainda, destaca-se que, levando em consideração o ocorrido em La


Paz e El Alto, é possível dizer que o ideal pode estar em dizer o que deve
ser atingido e não engessar sobremaneira como as metas serão atingi-
das. Alguns acadêmicos indicam que muito embora a empresa Aguas del
Illimani não tenha conseguido cumprir todas as metas contratuais esta-
belecidas, possivelmente por serem inalcançáveis da maneira que foram
propostas, a existência de metas e punições claras implicou em tentativas
reais da empresa em tentar cumpri-las.77

A Lei não prevê incentivos claros ao cumprimento do contrato ou a


forma com que as metas estabelecidas serão atingidas. As minutas contra-
tuais já abordadas de Alagoas e do Rio de Janeiro, por sua vez, preveem
o que se chama de Indicador Geral de Desempenho (IDG). As tarifas, após

77 “The lesson is that when privatisation contracts stipulate clear targets, concessionaires
do attempt to reach them—though this did not fully happen in Bolivia. Nonetheless,
we are aware that the distributional impacts of privatisation go beyond coverage and
affordability.” (HAILU; OSORIO; TSUKADA, op. cit.)
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 181

serem devidamente ajustadas, são multiplicadas pelo IDG, que pode variar
entre 0,9 – gerando uma diminuição da tarifa – e 1,0 – que mantém a tarifa
calculada.78 Ainda, nos contratos, há cláusula que determina que “caso a
CONCESSIONÁRIA atinja o Indicador de Desempenho Geral – IDG abaixo
do mínimo de 0,90 em 2 (dois) anos consecutivos ou 3 (três) vezes não
consecutivas em menos de 5 (cinco) anos” é possível declarar a caducida-
de da concessão por inexecução do contrato.

Dessa forma, para que seja mantida uma boa remuneração e, para
que o próprio contrato seja mantido, é necessário que as metas sejam
atingidas. Essa estrutura e os incentivos e as consequências que trazem,
localizadas nas minutas indicadas, parecem promissores. Ainda assim,
destaca-se que essas minutas não representam todos os contratos que
serão firmados, bem como para que essas consequências negativas do
descumprimento das metas ocorram é necessária fiscalização efetiva, o
que nos retorna ao segundo ponto trabalhado neste tópico.

Má relação com a opinião pública

Nos casos de Buenos Aires e La Paz e El Alto, mais acentuadamente nas


cidades bolivianas, a população teve papel importante na decisão pela
rescisão contratual. Vários foram os motivos para tal, mas alguns merecem
destaque: falta de transparência nas negociações contratuais, no caso de
Buenos Aires, e falta de informação sobre o atingimento das metas de
ampliação dos serviços e sobre as limitações contratuais da empresa, no
caso de La Paz e El Alto.

Processos de desestatização tendem a gerar fortes discussões políti-


cas, o que é esperado, dado que se trata de uma alteração do papel do Es-
tado, deixando de ser provedor para se colocar em papel de regulador. É
natural que parte da população sinta que a escolha de desestatização não
é a que melhor atenda aos interesses públicos envolvidos, a unanimidade
é impossível e faz parte do jogo democrático que as pessoas discordem
sobre os rumos que devem ser tomados.

No entanto, existem algumas medidas que são fundamentais para


provar à população que os interesses buscados são legítimos, ainda que
78 Observa-se o que dispõe a cláusula 29.1.2 da minuta do Rio de Janeiro, que é igual à
cláusula 28.1.2 da minuta de Alagoas: “29.1.2. As Tarifas Efetivas serão calculadas com
base na seguinte fórmula: Tarifa e = Tarifa b * IDG + Tarifa b * ITS
Onde: Tarifa e: Tarifa Efetiva;
Tarifa b: Tarifa base, reajustada na forma da cláusula 28 deste Contrato;
IDG: Indicador de Desempenho Geral, calculado conforme Anexo III – Indicadores de
Desempenho e Metas de Atendimento;
ITS: Índice de Tarifa Social, calculado conforme Anexo III – Indicadores de Desempe-
nho e Metas de Atendimento deste Contrato.
29.2. O percentual de redução das Tarifas Efetivas, aplicado pelo IDG, não poderá ser
superior a 10% (dez por cento)”.
182 Coleção Jovem Jurista 2021

parte da população discorde do caminho tomado. Em geral, essas me-


didas se relacionam com processos de transparência: nos processos de
escolha dos licitantes; nos objetivos do certame; nas metas e na divulga-
ção de dados operacionais e financeiros da concessionária contratada. A
clareza é fundamental para renovar o pacto com a população.

Segundo o art. 2º, inciso IX, da Lei nº 11.445/2007, os serviços pú-


blicos de saneamento básico serão prestados com base no princípio da
“transparência das ações, baseada em sistemas de informações e proces-
sos decisórios institucionalizados”. Esse princípio está previsto também
no Capítulo destinado à Regulação, no art. 21, com redação dada pela Lei
14.026/2020, que dispõe:

Art. 21. A função de regulação, desempenhada por entidade


de natureza autárquica dotada de independência decisória
e autonomia administrativa, orçamentária e financeira,
atenderá aos princípios de transparência, tecnicidade,
celeridade e objetividade das decisões.

Assim, a Lei parece traçar caminhos importantes no que diz respeito à


transparência, mas, novamente, caberá à prática institucional das agências
exigir informações e transmiti-las, de modo compreensível, à população
para concretizar tal princípio. Ainda é cedo para dizer se esse caminho
será tomado, mas os casos internacionais demonstram que esse se trata
de elemento essencial para a manutenção do pacto social e, consequente-
mente, da prestação dos serviços pela iniciativa privada.

Conclusão

O Novo Marco do Saneamento Básico, representado pelas alterações in-


troduzidas pela Lei nº 14.026, de 2020, principalmente, à Lei nº 11.445, de
2007, abriu mais espaço à iniciativa privada no setor de saneamento bá-
sico no Brasil. Diante das significativas alterações, uma série de críticas
foram desenhadas, dentre elas a de que o Brasil está indo no caminho
contrário a diversos países do mundo.

A crítica, em geral, é feita demonstrando o número de países que


reestatizaram o serviço e deve ser levada em consideração diante da
quantidade de casos apontados. No entanto, em nada contribui ao debate
apenas apontar esse fato sem o empenho em compreender os problemas
que ocorreram na relação com a inciativa privada. Fortalece-se apenas o
maniqueísmo sem embasamento da ideia de que o gestor público busca o
interesse público e, assim, atende melhor à população, enquanto o gestor
privado busca o lucro a qualquer custo.
Saneamento básico e participação da iniciativa privada 183

A partir disso, o presente trabalho se propôs a compreender como se


iniciou e deu a relação com a empresa privada e posterior reestatização
nas cidades de Hamilton, Canadá; Buenos Aires, Argentina; e La Paz e El
Alto, Bolívia. Diante dessa análise, foi possível identificar que os principais
problemas envolviam os seguintes pontos: contratação sem concorrência;
dificuldade regulatória e de fiscalização; desenho contratual; descumpri-
mento de metas contratuais; e má relação com a opinião pública.

Identificados os problemas, tentou-se fazer uso útil das experiências


internacionais observando se o Novo Marco do Saneamento Básico es-
tabelece mecanismos que possibilitem contornar esses problemas ou se
o Brasil parece seguir caminho do fracasso da relação entre saneamento
básico e a iniciativa privada. Algumas vicissitudes apontadas nos casos
devem ser observadas na relação específica com a iniciativa privada tra-
çada por meio de contrato, não sendo possível impedi-las exclusivamente
pela Lei, tal como desequilíbrio contratual e descumprimento de metas de
desempenho.

Ainda assim, é possível dizer que em relação à maior parte dos pro-
blemas identificados o Novo Marco do Saneamento Básico parece apontar
caminho possível para uma boa prestação envolvendo a participação ou
atuação da iniciativa privada. Destaque às soluções indicadas para garan-
tir ampla concorrência e atingimento de metas contratuais de universali-
zação.

A principal dificuldade a ser enfrentada, por sua vez, será a regula-


tória, envolvendo o manejo de tantos interesses envolvidos – nacional,
estadual e municipal. Essa dificuldade se concretiza não apenas na prá-
tica, pois parece árdua a operacionalização de adotar e implementar as
normas de referência da ANA e a conjugação das pretensões estaduais e
municipais para a prestação de serviço, como também no âmbito jurídico.
Fortes são as críticas feitas ao modelo adotado diante de dois argumentos
principais: princípio federativo e titularidade municipal de atividades de
interesse local.

Esses pontos, por certo, serão enfrentados pelo STF, dado que já fo-
ram impetradas a nº ADI 6.492, ajuizada pelo Partido Democrático Tra-
balhista, e a ADI nº 6.536 ajuizada por quatro partidos políticos: Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), o
Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Trabalhadores (PT). As-
sim, ao menos a insegurança jurídica diante de possível inconstitucionali-
dade, promete ser sanada em breve.

Já em relação às dificuldades práticas, será necessário diálogo entre


os gestores públicos para que as prestações regionalizadas sejam, de fato,
concretizadas, visando à universalização, bem como para que as normas
de referência sejam devidamente aplicadas. A postura cooperativa não
184 Coleção Jovem Jurista 2021

pode ser esperada apenas dos Estados, dos Municípios e das agências
infranacionais de regulação, mas também da ANA, cujo papel é fundamen-
tal para que todo esse sistema se equilibre. A agência federal deve, para
emitir as normas de referência, mais do que nunca, ampliar sua consulta
pública e seu diálogo com os demais entes federados e órgãos para legi-
timar suas escolhas, que deverão ser incorporadas para o recebimento de
recursos financeiros da União, tão necessários para algumas localidades.

Dessa forma, mais úteis são os casos internacionais para observar os


problemas que devem ser evitados do que para mostrar a impossibilidade
da atuação privada no setor de saneamento básico. O dilema ideológi-
co diante da participação privada em setores de titularidade pública não
deve ser um empecilho para análise e implementação de políticas públicas
que melhorarão a vida dos cidadãos, principalmente diante do cenário de
crise econômica e incapacidade de provimento do Estado brasileiro.

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a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar o nome e as atri-
buições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos, a Lei nº 11.107, de
6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos
serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal, a Lei nº
11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais
do saneamento básico no País, a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010,
para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada
dos rejeitos, a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metró-
pole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões, e a Lei nº
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PLANO BASE EROSION AND PROFIT SHIFTING: FALHAS
EM RELAÇÃO AOS INTERESSES DOS PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO
Maria Luiza Belmiro Gomes

Resumo
O presente estudo busca analisar a maior exposição dos países em desen-
volvimento às estratégias de planejamento tributário agressivo e as falhas
do Plano Base Erosion and Profit Shifting (BEPS) em atender aos interes-
ses desses países. Para isso, serão analisadas, inicialmente, as principais
estratégias de planejamento tributário agressivo utilizadas por empresas
multinacionais com o objetivo de reduzir sua carga tributária, ocasionando
uma erosão da base tributária dos países que deixam de receber tais recei-
tas. Diante desse cenário, serão analisadas as ações formuladas e imple-
mentadas no âmbito do Plano BEPS, elaborado com o objetivo de equipar
os governos com regras e instrumentos que garantam que os lucros das
empresas multinacionais sejam tributados onde as atividades econômicas
que geram tais lucros são realizadas. Posteriormente, serão analisadas ra-
zões que explicitam a maior exposição dos países em desenvolvimento às
estratégias de planejamento tributário agressivo, bem como evidências
que demonstram a desconsideração dos interesses desses países durante
a formulação e implementação do Plano BEPS. Com base nessas constata-
ções, será analisada a legitimidade do Plano BEPS, formulado pela OCDE
e pelo G20, organizações compostas, majoritariamente, por nações de-
senvolvidas, além de serem discutidas possíveis ações com o potencial
de atender aos interesses dos países em desenvolvimento no que tange à
perda de receita tributária como decorrência das estratégias de planeja-
mento tributário agressivo.

Palavras-chave:
Plano BEPS; Planejamento Tributário Agressivo; OCDE; G20; Países em
desenvolvimento; Empresas Multinacionais; Ação nº 13; Pilar Um.

Abstract
The study aims to analyze the increased exposure of developing countries
to aggressive tax planning strategies, compared to developed countries,
190 Coleção Jovem Jurista 2021

and the failures of the BEPS Plan in meeting the interests of developing
countries. Initially, the main aggressive tax planning strategies used by mul-
tinational companies will be examined, which causes an erosion of the tax
base of countries that do not receive such revenues. Given this scenario,
the study will analyze the actions formulated and implemented within the
scope of the BEPS Plan, designed to equip governments with rules and ins-
truments to address tax avoidance, ensuring that profits are taxed where
economic activities generating these profits are performed. Subsequently,
the study will analyze reasons that explain the greater exposure of deve-
loping countries to aggressive tax planning strategies, as well as evidence
that suggests the negligence of the interests of these countries during the
formulation and implementation of the BEPS Plan. Based on these findings,
the study will examine the legitimacy of the BEPS Plan, formulated by the
OECD and the G20, organizations composed mainly of developed nations,
in addition to discussing possible actions with the potential to serve the
interests of developing countries.

Keywords
BEPS Plan; Aggressive Tax Planning; OECD; G20; Developing countries;
Multinational Enterprises (MNEs); Action nº 13; Pillar One.

Introdução

Como decorrência do atual contexto de globalização, as empresas multi-


nacionais passaram a representar, nas últimas décadas, uma grande par-
cela do PIB mundial.1 A mudança de modelos operacionais em nível nacio-
nal para modelos globais permite que haja a exploração, por parte dessas
empresas, de brechas e lacunas nas legislações fiscais de diferentes países
para se chegar a um planejamento tributário que proporcione uma redu-
ção da carga tributária para o grupo econômico.2

No entanto, estratégias para a realização de planejamento tributário


agressivo tendem a causar uma erosão da base tributária doméstica, im-
pactando diretamente o atendimento de setores como educação, saúde e
segurança pública dos países afetados.3 Além disso, tais estratégias pre-
judicam os cidadãos, que passam a arcar com uma maior carga tributária
para financiamento dos serviços públicos.4 Empresas nacionais também
são prejudicadas por essas estratégias, tendo em vista a dificuldade em
1 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014, p. 4. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
2 Ibid., p. 4/5.
3 OECD. Combating international tax avoidance. Disponível em: https://www.oecd.org/
about/impact/combatinginternationaltaxavoidance.htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
4 Ibid.
Plano base erosion and profit shifting 191

competir com empresas multinacionais que exploram técnicas para a re-


dução da carga tributária.5

Estima-se que, anualmente, os países percam, em média, entre $100 e


$240 bilhões devido às estratégias de planejamento tributário agressivo, o
que equivale a 4%-10% da receita global de imposto de renda corporativo.6

A maior dependência dos países em desenvolvimento do imposto de


renda pago por empresas multinacionais significa que o prejuízo é ainda
maior para esses países, quando em comparação com os países desenvol-
vidos.7 Além disso, fatores como exigências regulatórias mais brandas, alta
dependência do setor extrativista – mais vulnerável a estratégias de pla-
nejamento tributário agressivo8 – e baixa capacidade de coleta de dados
sobre as multinacionais atuantes em seus territórios9 fazem com que os
países em desenvolvimento sejam mais expostos a estratégias de planeja-
mento tributário agressivo. Proporcionalmente, países em desenvolvimen-
to tendem a ter uma perda três vezes maior do que países desenvolvidos
em decorrência dessas estratégias.10

Diante da grande perda de receita fiscal sofrida pelos países devido


às estratégias de planejamento tributário agressivo realizadas por em-
presas multinacionais, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE) e o G20 formularam o Plano Base Erosion and
Profit Shifting (Plano BEPS), por meio do qual foi formulado um pacote
de 15 ações definidas com o objetivo de equipar os governos com regras
e instrumentos nacionais e internacionais necessários ao combate dessas
estratégias, de forma a garantir que os lucros das empresas multinacionais
sejam tributados onde as atividades econômicas estão sendo realizadas e
onde o valor é criado.11

Face a essas considerações, será testada, no presente trabalho, a


hipótese de que o Plano BEPS tenha beneficiado em menor medida os
países em desenvolvimento, a despeito de esses países serem os mais pre-
judicados em relação às estratégias de planejamento tributário agressivo.

5 Ibid.
6 OECD. Understanding tax avoidance. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/
beps/. Acesso em: 11 ago. 2020.
7 Ibid.
8 UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR AFRICA (UNECA). Illicit financial
flow: report on the high level panel on illicit financial flows from Africa. p. 67. Dispo-
nível em: https://www.uneca.org/sites/default/files/PublicationFiles/iff_main_repor-
t_26feb_en.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
9 UNITED NATIONS. Developing countries’ reactions to the G20/OECD Action Plan on
Base Erosion and Profit Shifting. p. 378. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/
wp-content/uploads/2015/10/11STM_G20OecdBeps.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
10 CRIVELLI, Ernesto; DE MOOIJ, Ruud; KEEN, Michael. Base erosion, profit shifting and
developing countries. IMF Working Paper WP/15/118 (2015). Disponível em: https://
www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2015/wp15118.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
11 OECD. BEPS Actions. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/beps/beps-actions/.
Acesso em: 29 set. 2020.
192 Coleção Jovem Jurista 2021

Para isso, evidenciarei, em primeiro lugar, a maior exposição dos países


em desenvolvimento a essas estratégias e, em segundo lugar, as falhas da
OCDE e do G20, formuladores do Plano BEPS, em atender aos interesses
desses países, conforme capítulos descritos a seguir.

No Capítulo I, serão apresentadas as estratégias de planejamentos


tributários agressivos utilizadas pelas empresas multinacionais e como tais
estratégias tendem a erodir a base tributária dos países. No Capítulo II, se-
rão explicitadas as ações formuladas no âmbito do Plano BEPS, por meio
das quais a OCDE e o G20 buscam equipar os países com mecanismos ap-
tos ao combate às estratégias de transferência de lucros e erosão da base
tributária. No capítulo III, serão explicitados os seguintes fatores como de-
terminantes para a maior exposição dos países em desenvolvimento às
estratégias de planejamento tributário agressivo: (a) menores exigências
regulatórias com relação às atividades desenvolvidas por empresas multi-
nacionais em seus territórios; (b) maior dependência dos impostos pagos
por empresas multinacionais; (c) maior dependência do setor extrativista;
e (d) baixa capacidade de coleta de informações sobre as empresas mul-
tinacionais atuantes em seus territórios.

Nos Capítulos IV e V, serão apresentadas evidências que demons-


tram a desconsideração dos interesses dos países em desenvolvimento no
âmbito do Plano BEPS. No Capítulo IV, será explicitada a marginalização
dos países em desenvolvimento do sistema de troca de informações entre
países previsto na Ação nº 13 do Plano BEPS, considerada uma ação prio-
ritária pelos países em desenvolvimento no combate às estratégias de pla-
nejamento tributário agressivo em seus territórios.12 Nesse mesmo sentido,
no Capítulo V, será explicitada a exclusão dos interesses dos países em
desenvolvimento no âmbito da proposta apresentada pelo Secretariado
da OCDE referente ao Pilar Um do “Programa de Trabalho para o Desen-
volvimento de Solução Consensual para lidar com os Desafios decorrentes
da Digitalização da Economia”.13

A partir das considerações realizadas nos Capítulos IV e V, o Capítulo


VI tem o objetivo de questionar a legitimidade do Plano BEPS, formulado
por organizações internacionais compostas, em grande medida, por na-
ções desenvolvidas, além da apresentação de propostas para atendimen-
to dos interesses dos países em desenvolvimento no que tange ao com-
bate das estratégias de planejamento tributário agressivo. Por fim, será
apresentada uma conclusão.
12 OECD. Action 13: Country-by-Country Reporting. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action13/. Acesso em: 29 set. 2020; International/OECD.
Developing countries’ reactions to the G20/OECD Action Plan on Base Erosion
and Profit Shifting. p. 379. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/
uploads/2015/10/11STM_G20OecdBeps.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
13 OECD. OECD invites public input on the Secretariat Proposal for a “unified approach” under
Pillar One. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/oecd-invites-public-input-on-the-secre-
tariat-proposal-for-a-unified-approach-under-pillar-one.htm. Acesso em: 29 set. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 193

Não se busca, por meio do presente trabalho, questionar a efetivi-


dade das ações do Plano BEPS, mas sim analisar a legitimidade do Pla-
no – formulado por organizações compostas majoritariamente por nações
desenvolvidas – face aos interesses dos países em desenvolvimento, mais
expostos às estratégias de planejamento tributário agressivo. Isso será re-
alizado a partir da análise de evidências que demonstram a desconside-
ração dos interesses dos países em desenvolvimento no âmbito do Plano
BEPS, quais sejam, a menor participação desses países do sistema de tro-
ca de informações entre países e a desconsideração dos seus interesses na
proposta apresentada pelo Secretariado da OCDE no âmbito do Pilar Um
do “Programa de Trabalho para o Desenvolvimento de Solução Consensu-
al para lidar com os Desafios decorrentes da Digitalização da Economia”.

I. A EROSÃO DA BASE TRIBUTÁRIA E AS ESTRATÉGIAS DE


TRANSFERÊNCIA DE LUCROS

Como efeito direto da globalização, as empresas também se tornaram


mais “globais”, de forma que companhias multinacionais representam,
atualmente, uma grande parcela do PIB mundial, além de as negociações
intragrupo representarem uma parte crescente dos negócios dessas com-
panhias.14 Nas últimas décadas, há uma tendência de crescimento dos
lucros das empresas multinacionais. No entanto, não houve uma corres-
pondência entre o aumento dos lucros e o aumento do pagamento de
imposto de renda corporativo.15 De acordo com um estudo realizado pela
OCDE, algumas multinacionais utilizam estratégias que lhes permitem pa-
gar 5% dos tributos devidos, enquanto empresas menores tendem a pagar
até 30% do que seria devido, estratégias que, apesar de legais, tendem a
erodir a base tributária dos países que deixam de receber o pagamento
desses impostos.16

Pode-se dizer que a globalização possibilitou às empresas multinacio-


nais a exploração de brechas e lacunas nas legislações fiscais de diferen-
tes países para se chegar a um planejamento tributário que proporcione
uma redução da carga tributária para o grupo econômico.17 Há, então, uma
direta correlação entre o fenômeno da globalização e a utilização de es-
14 OECD. Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting. 2013, p. 7. Disponível em: ht-
tps://www.oecd.org/ctp/BEPSActionPlan.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
15 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014, p. 4. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
16 OECD. OECD urges stronger international co-operation on corporate tax. Disponível
em: http://www.oecd.org/newsroom/oecd-urges-stronger-international-co-opera-
tion-on-corporate-tax.htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
17 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
194 Coleção Jovem Jurista 2021

tratégias tributárias que levam em consideração legislações tributárias de


diferentes países. Dessa forma, no atual contexto, as políticas fiscais de
um país não estão mais circunscritas somente ao seu território, podendo
impactar negativamente a capacidade de outros países recolherem sua
receita tributária devida.18

Exemplos do atual cenário de globalização e de mudança dos mode-


los operacionais são representados por grandes empresas multinacionais,
como Starbucks, Google e Amazon. Representantes dessas três empresas
apresentaram alguns esclarecimentos ao Comitê de Contas Públicas do
Reino Unido, Public Accounts Committee, evidenciando o uso de estra-
tégias que têm um efeito erosivo sobre a base tributária dos países que
deixam de recolher as receitas tributárias devidas.

Representantes da empresa Starbucks informaram ao Comitê de


Contas Públicas que a empresa apresentou prejuízo em 14 dos 15 anos
em que operou no Reino Unido. O Comitê de Contas Públicas considerou
essa afirmação inconsistente com o fato de que a empresa apresenta uma
participação de mercado na escala de 31% no Reino Unido, além de ma-
nifestações da empresa aos seus acionistas no sentido de que a empresa
estava obtendo lucros no Reino Unido. Dessa forma, tais inconsistências
poderiam evidenciar a ocorrência de transferência de lucros obtidos no
Reino Unido para outras jurisdições de tributação mais reduzida, como
Holanda e Suíça.19

No caso da empresa Google, seus representantes informaram ao Co-


mitê de Contas Públicas do Reino Unido que questões tributárias influen-
ciaram a decisão sobre a localização das empresas do grupo econômico e
que grande parte das vendas da empresa fora dos Estados Unidos é fatu-
rada na Irlanda, país que é reconhecido por apresentar uma menor carga
tributária em comparação com outros países europeus.20

Com relação às operações da empresa Amazon na Europa, grande


parte de seus lucros são pagos por meio da “Amazon EU”, empresa com
sede em Luxemburgo. De acordo com investigação da Comissão Euro-
peia, as autoridades fiscais de Luxemburgo concederam benefícios fiscais
indevidos à “Amazon EU” na escala de €250 milhões e, como resultado,
quase três quartos dos lucros da empresa não foram tributados.21 O fisco

18 INDEPENDENT COMMISSION FOR THE REFORM OF INTERNATIONAL CORPORA-


TE TAXATION (ICRICT). Declaration of the Independent Commission for the Reform
of International Corporate Taxation. Junho, 2015. Disponível em: https://www.icrict.
com/icrict-documentsthe-declaration. Acesso em: 12 set. 2020.
19 UK PARLIAMENT. HM Revenue and Customs: Annual Report and Accounts – Public
Accounts Committee Contents. Disponível em: https://publications.parliament.uk/pa/
cm201213/cmselect/cmpubacc/716/71605.htm. Acesso em: 12 ago. 2020.
20 Ibid.; TAX FOUNDATION. Corporate Income tax rates in Europe. Abril de 2020. Dis-
ponível em: https://taxfoundation.org/2020-corporate-tax-rates-in-europe/. Acesso
em: 13 ago. 2020.
21 EUROPEAN COMMISSION. State aid: Commission finds Luxembourg gave illegal tax
Plano base erosion and profit shifting 195

luxemburguês aprovou um nível de pagamento de “royalties” por parte da


“Amazon EU” à “Amazon Europe Holding Technologies”22 que não refletia
a realidade econômica e que reduziu consideravelmente os lucros tributá-
veis da “Amazon EU”.

Apesar de a maior parte dos lucros da Amazon ser tributada em Lu-


xemburgo – e, ainda assim, em quantum abaixo do devido –, grande par-
te da atividade econômica da Amazon na Europa se concentra no Reino
Unido. De acordo com o Comitê de Contas Públicas do Reino Unido, em
2011, £3,35 bilhões das vendas da Amazon foi realizada no Reino Unido, o
que representa cerca de 25% das vendas internacionais fora dos Estados
Unidos, além de a Amazon ter mais de 15.000 funcionários no Reino Uni-
do. Esses dados evidenciam que, comparativamente, a Amazon apresenta
uma considerável parcela de sua atividade econômica no Reino Unido, e
não em Luxemburgo, apesar de este último recolher a maior parte dos
impostos devidos pela empresa em solo europeu.23

Diante desse cenário, serão evidenciadas, a seguir, as principais estra-


tégias de planejamento tributário agressivo utilizadas por empresas mul-
tinacionais.

Um dos grandes mecanismos utilizados para redução da carga tribu-


tária de um grupo econômico é a transferência de lucros entre empresas
de um mesmo grupo. Estima-se que as transações intragrupo correspon-
dam a mais de 60% da atividade econômica global.24 Para garantir o es-
tabelecimento de um adequado preço de transferência envolvendo essas
transações, utiliza-se o chamado “arm’s length principle”. De acordo com
esse princípio, os preços de transferência estabelecidos em transações
intragrupo devem ser os mesmos daqueles estabelecidos em operações
entre partes independentes.25

Importante destacar que a realização de operações entre companhias


de um mesmo grupo econômico com o consequente estabelecimento de
preços de transferência em relação a essas transações não significa, neces-

benefits to Amazon worth around €250 million. Outubro 2017. Disponível em: https://
ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_17_3701. Acesso em: 14 ago.
2020.
22 A Amazon Europe Holding Techologies é uma empresa holding que atua como inter-
mediária entre a Amazon EU, empresa operacional do grupo Amazon na Europa, e a
empresa matriz nos Estados Unidos. Vide: EUROPEAN COMMISSION. State aid: Com-
mission finds Luxembourg gave illegal tax benefits to Amazon worth around €250
million. Outubro 2017. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/
detail/en/IP_17_3701. Acesso em: 14 ago. 2020.
23 UK PARLIAMENT. HM Revenue and Customs: Annual Report and Accounts – Public
Accounts Committee Contents. Disponível em: https://publications.parliament.uk/pa/
cm201213/cmselect/cmpubacc/716/71605.htm. Acesso em: 12 ago. 2020.
24 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. Tax abuses, poverty and human rights. Outu-
bro 2013, p. 28. Disponível em: https://www.ibanet.org/Article/NewDetail.aspx?Arti-
cleUid=4A0CF930-A0D1-4784-8D09-F588DCDDFEA4. Acesso em: 11 out. 2020.
25 Ibid., p. 28.
196 Coleção Jovem Jurista 2021

sariamente, que estratégias de planejamento tributário agressivo estejam


sendo realizadas pelo grupo. No entanto, quando os preços de transferên-
cia estabelecidos nessas operações estão em desacordo com as normas
aplicáveis internacionalmente e com o “arm’s length principle”, a autori-
dade tributária nacional pode considerar que os preços de transferência
foram estabelecidos de forma incorreta, o que pode ser uma evidência de
planejamento tributário agressivo.26

Apesar de a utilização do “arm’s length principle” ser importante para


o estabelecimento dos preços de transferência em operações intragrupo,
a utilização desse princípio tem se mostrado altamente vulnerável à mani-
pulação.27 Muitas vezes, os abusos surgem devido à assimetria de informa-
ções entre os dirigentes das empresas multinacionais, que têm mais infor-
mações acerca do valor do ativo transacionado, e as autoridades fiscais,
que não têm acesso a essas informações. Ainda, a questão é particular-
mente problemática quando essas transações envolvem bens intangíveis,
os quais costumam ser únicos e difíceis de avaliar.28

Além disso, nem todos os países possuem mecanismos de adminis-


tração e “enforcement” adequados para assegurar que os preços de trans-
ferência em transações intragrupo estão sendo estabelecidos em confor-
midade com o “arm’s length principle”. Sobre esse ponto, a OCDE observa
que muitas vezes essas transações intragrupo são subprecificadas e alme-
jam tão somente uma transferência da maior parte dos lucros do grupo
para as empresas que operam em países com menor carga tributária.29 A
OCDE também destaca que as estratégias de transferência de lucros utili-
zadas por empresas multinacionais levam em consideração as caracterís-
ticas de diferentes sistemas tributários, de modo que uma ação descoor-
denada por parte dos governos não será capaz de enfrentar o problema.30

Como um exemplo de um cenário de transferência de lucros para a


obtenção de benefícios fiscais, se uma empresa matriz tem sede em um
país que adota uma alíquota de imposto de 30% e há uma subsidiária com
sede em um país que adota uma alíquota de imposto de 20%, então a
empresa matriz terá incentivos para transferir seus lucros para sua subsi-
diária sediada no país com tributação mais reduzida, de modo que o grupo

26 UNITED NATIONS (UN). United Nations practical manual on transfer pricing for deve-
loping countries. 2017, p. 27. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/
uploads/2017/04/Manual-TP-2017.pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
27 PRINCIPLES FOR RESPONSIBLE INVESTMENT (PRI). Aggressive tax planning: noti-
cing the signs. Disponível em: https://www.unpri.org/governance-issues/aggressive-
-tax-planning-noticing-the-signs/587.article. Acesso em: 12 out. 2020.
28 Ibid; UNITED NATIONS (UN). United Nations practical manual on transfer pricing for
developing countries. 2017, p. 28. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-
-content/uploads/2017/04/Manual-TP-2017.pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
29 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. Tax abuses, poverty and human rights. Outu-
bro 2013, p. 28. Disponível em: https://www.ibanet.org/Article/NewDetail.aspx?Arti-
cleUid=4A0CF930-A0D1-4784-8D09-F588DCDDFEA4. Acesso em: 11 out. 2020.
30 Ibid., p. 29.
Plano base erosion and profit shifting 197

econômico manterá seu nível de lucros, mas haverá uma tributação mais
reduzida sobre esse lucro.31

A utilização do “arm’s length principle”, o qual asseguraria que essa


operação intragrupo seria realizada em condições de mercado, tem se
mostrado insuficiente diante do atual contexto de crescentes transações
com ativos intangíveis, com relação aos quais há maiores dificuldades no
correto estabelecimento do preço de transferência. Isso abre brechas para
a ocorrência de transações que objetivam unicamente a transferência de
lucros para redução da carga tributária do grupo econômico.32

Como outra estratégia usualmente utilizada pelas corporações para


redução da carga tributária do grupo econômico, tem-se o chamado debt
shifting, ou empréstimos intragrupo. Os governos tendem a oferecer de-
dução de impostos referente ao pagamento de juros sobre empréstimos,
que é considerado um item de despesa para o devedor. No entanto, se
o credor e o devedor forem empresas integrantes de um mesmo grupo
econômico, embora sediadas em diferentes países, há um incentivo para
que sejam pactuados empréstimos entre empresas para redução da carga
tributária. Nesse caso, haverá um incentivo para que as empresas sediadas
em países com tributação menos elevada concedam empréstimos para
suas afiliadas sediadas em países com tributação mais elevada, que pode-
rão desfrutar de uma grande dedução fiscal referente ao pagamento de
juros.33

De acordo com a iniciativa Principles for Responsible Investment, há


evidências de que, em certos casos, os saldos da dívida intragrupo de cer-
tas empresas são mais elevados do que os saldos da dívida com contra-
partes externas, da mesma forma que há evidências de que as taxas de
juros pagas sobre empréstimos intragrupo são mais elevadas do que as
taxas pagas em empréstimos entre partes independentes, o que pode ser
uma evidência de utilização dos empréstimos intragrupo como uma forma
de redução da carga tributária.34

Além das práticas anteriormente evidenciadas, uma terceira prática


comumente utilizada como estratégia para a realização de planejamentos
tributários agressivos refere-se ao pagamento de royalties entre empresas
de um mesmo grupo econômico. Sobre essa estratégia, devem ser consi-
deradas três premissas essenciais: (i) muitas empresas multinacionais são
31 CONTRACTOR, Farok. Tax avoidance by multinational companies: methods, policies
and ethics. Rutgers Business Review, v. 1, n. 1, 2016, p. 39.
32 UNITED NATIONS (UN). United Nations practical manual on transfer pricing for deve-
loping countries. 2017, p. 27-28. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-con-
tent/uploads/2017/04/Manual-TP-2017.pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
33 CONTRACTOR, Farok. Tax avoidance by multinational companies: methods, policies
and ethics. Rutgers Business Review, v. 1, n. 1, 2016, p. 33.
34 PRINCIPLES FOR RESPONSIBLE INVESTMENT (PRI). Aggressive tax planning: noti-
cing the signs. Disponível em: https://www.unpri.org/governance-issues/aggressive-
-tax-planning-noticing-the-signs/587.article. Acesso em: 12 out. 2020.
198 Coleção Jovem Jurista 2021

tecnologicamente intensivas e a maior parte de seu valor reside em sua


tecnologia e em seus ativos intangíveis; (ii) mesmo que os custos com
pesquisa ou desenvolvimento tecnológico tenham sido desenvolvidos em
um país A – de mais elevada tributação –, as regras atuais permitem que
haja a transferência de bens intangíveis para uma afiliada sediada em um
país com menor tributação, que, então, cobrará “royalties” para as em-
presas afiliadas sediadas em países de mais elevada tributação para uso
desses ativos; e (iii) muitos governos permitem deduções relacionadas ao
pagamento de royalties.35

Diante desse cenário, há incentivos para que as empresas sediadas


em países com menor carga tributária sejam as proprietárias dos ativos
intangíveis – ainda que não tenham desenvolvido esses ativos – e para
que as empresas sediadas em países de mais elevada tributação paguem
royalties sobre o uso desses ativos, despesa que será dedutível do imposto
de renda.36

As práticas de planejamento tributário agressivo evidenciadas ante-


riormente prejudicam os governos, pois reduzem as receitas tributárias e,
ao mesmo tempo, elevam os custos relacionados à adoção de práticas de
enforcement como forma de blindagem em relação a essas estratégias.37
Tais práticas também prejudicam os demais contribuintes, os quais aca-
bam precisando arcar com uma maior parcela da carga tributária. Além
disso, referidas práticas prejudicam os negócios das empresas nacionais,
que competem de forma desigual com as empresas multinacionais. Sobre
esse ponto, estima-se que a alíquota efetiva de impostos pagos por em-
presas multinacionais seja 5% mais baixa do que a alíquota efetiva paga
por empresas nacionais.38

Em 2015, foram concluídas as negociações que culminaram na formu-


lação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU), de forma que os governos de diferentes
países se comprometeram a erradicar a extrema pobreza e a fome, reduzir
a desigualdade e garantir acesso à educação gratuita e de qualidade para
todas as crianças e adolescentes, além de acesso à água potável, sanea-
mento, saúde reprodutiva e moradia segura e acessível.39

35 CONTRACTOR, Farok. Tax avoidance by multinational companies: methods, policies


and ethics. Rutgers Business Review, v. 1, n. 1, 2016, p. 31.
36 Ibid., p. 31.
37 COMMITTEE ON WORKERS’ CAPITAL (CWC). Investor brief on tax evasion
and tax avoidance. p. 2. Disponível em: https://www.taxjustice.net/wp-content/
uploads/2013/04/Investor-Brief-on-tax-evasion.pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
38 COMMITTEE ON WORKERS’ CAPITAL (CWC). Investor brief on tax evasion
and tax avoidance. p. 3. Disponível em: https://www.taxjustice.net/wp-content/
uploads/2013/04/Investor-Brief-on-tax-evasion.pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
39 UNITED NATIONS. Sustainable development goals. Disponível em https://www.
un.org/sustainabledevelopment/sustainable-development-goals/. Acesso em: 12 out.
2020.
Plano base erosion and profit shifting 199

A tributação é a fonte de receita mais importante para os governos e


é essencial para o atingimento desses objetivos globais, sobretudo para os
governos de países em desenvolvimento.40 No entanto, os países perdem,
em média, entre $100 bilhões e $240 bilhões por ano devido a estratégias
de empresas multinacionais que exploram lacunas na arquitetura do sis-
tema tributário internacional para deslocar artificialmente os seus lucros
para países com menor carga tributária e onde há pouca ou nenhuma ati-
vidade econômica sendo desenvolvida.41

Nesse mesmo sentido, o Secretário-Geral Adjunto de Desenvolvimen-


to Econômico e Economista-Chefe do Departamento de Assuntos Eco-
nômicos e Sociais da ONU, Elliott Carlton Harris, pontuou que as políticas
tributárias não são mais um assunto restrito aos especialistas. Sistemas
fiscais eficazes são essenciais para a geração de recursos internos e para
que, consequentemente, sejam atingidos os objetivos de desenvolvimento
para os países que mais precisam.42

Embora as estratégias de planejamento tributário corporativo possam


ser tecnicamente legais, o efeito geral dos planejamentos tributários agres-
sivos é uma erosão da base tributária dos países de forma não pretendida
pela legislação doméstica.43 Como consequência, os países deixam de rece-
ber receita fiscal que poderia ser destinada ao atendimento dos objetivos
explicitados anteriormente, o que tende a afetar de forma ainda mais gravo-
sa os países em desenvolvimento, mais dependentes dos tributos pagos por
corporações, conforme será evidenciado no Capítulo III.

Diante desse cenário, será evidenciado, no próximo capítulo, o Plano


BEPS, formulado com o objetivo de combater as práticas descritas neste
capítulo.

II. O PLANO BASE EROSION AND PROFIT SHIFTING (BEPS)

Em setembro de 2013, após o lançamento do relatório Addressing Base


Erosion and Profit Shifting, os países da OCDE e do G20 iniciaram discus-
sões sobre um plano de ações para abordar as estratégias de erosão da
base tributária e de transferência de lucros. Foram identificadas 15 ações

40 EUROPEAN NETWORK ON DEBT AND DEVELOPMENT (EURODAD). Tax games: the


race to the bottom – Europe’s role in supporting na unjust global tax system. Dispo-
nível em: https://www.eurodad.org/tax-games-2017. Acesso em: 11 out. 2020.
41 OECD. Understanding tax avoidance. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/
beps/. Acesso em: 11 out. 2020.
42 UNITED NATIONS – ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL (ECOSOC). Corporate tax re-
form must focus on developing countries’ needs, combating inequality, speakers tell
special meeting of economic and social council. Disponível em: https://www.un.org/
press/en/2019/ecosoc6978.doc.htm. Acesso em: 10 ago. 2020.
43 INTERNATIONAL BAR ASSOCIATION. Tax abuses, poverty and human rights. p. 27.
Disponível em: https://www.ibanet.org/Article/NewDetail.aspx?ArticleUid=4A0CF-
930-A0D1-4784-8D09-F588DCDDFEA4. Acesso em: 11 out. 2020.
200 Coleção Jovem Jurista 2021

relacionadas a três pilares principais: alteração de regras domésticas re-


lacionadas às atividades transfronteiriças, necessidade de alteração subs-
tancial das normas de tributação internacional existentes e aprimoramento
da transparência em relação às operações de empresas multinacionais.44

Em novembro de 2015, após dois anos de trabalho, foi consolidado


um pacote de ações abrangente para endereçar as principais problemáti-
cas relacionadas à erosão da base tributária e às estratégias de transferên-
cia de lucros. Dessa forma, o pacote de medidas do Plano BEPS representa
a primeira renovação substancial das regras tributárias internacionais em
quase um século.45

Atualmente, o Plano BEPS está em fase de implementação por parte


dos países. O pacote de ações do Plano BEPS foi projetado para ser im-
plementado por meio de mudanças nas legislações nacionais dos países e
por meio de tratados fiscais. Em 2018, entrou em vigor o chamado Instru-
mento Multilateral, Multilateral Instrument (MLI), como forma de facilitar a
implementação do Plano, tendo mais de 90 jurisdições aderido ao referido
instrumento. Os países da OCDE e do G20 também concordaram em con-
tinuar trabalhando juntos para garantir uma implementação consistente e
coordenada das ações e para tornar o projeto mais inclusivo.46

Como resultado dessa busca por inclusão, a OCDE estabeleceu o


Quadro Inclusivo, Inclusive Framework, em 2016, reunindo todos os paí-
ses e jurisdições interessados ​​e comprometidos com a implementação do
pacote de medidas do Plano BEPS. O Quadro Inclusivo, que conta atual-
mente com mais de 135 membros, está monitorando e revisando por pares
a implementação dos padrões mínimos do Plano BEPS. Além das jurisdi-
ções, outras organizações internacionais e órgãos fiscais regionais estão
envolvidos no trabalho do Quadro Inclusivo, buscando também consultar
empresas e a sociedade civil em seus diferentes fluxos de trabalho.47

Enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização da econo-


mia tem sido uma das principais prioridades do Plano BEPS e do Quadro
Inclusivo desde 2015, com o lançamento do Relatório da Ação nº 1 do Pla-
no. A pedido do G20, o Quadro Inclusivo continuou a trabalhar na ques-
tão, apresentando um relatório provisório em março de 2018. Em janeiro
de 2019, os membros do Quadro Inclusivo concordaram em apresentar
propostas relacionadas aos desafios decorrentes da digitalização da eco-
nomia em dois pilares. O Pilar Um tem como foco a alocação dos lucros
de empresas multinacionais entre as jurisdições onde atuam, enquanto o
44 OECD/G20, BASE EROSION AND PROFIT SHIFTING PROJECT. Tax challenges ari-
sing from digitalisation – Report on Pillar One Blueprint. 2020, p. 3-4. Disponível em:
http://www.oecd.org/tax/beps/tax-challenges-arising-from-digitalisation-report-on-
-pillar-one-blueprint-beba0634-en.htm. Acesso em: 26 out. 2020.
45 Ibid., p. 3-4.
46 Ibid.
47 Ibid.
Plano base erosion and profit shifting 201

Pilar Dois visa implementar um imposto mínimo global a ser pago pelas
corporações.48

Após uma breve exposição acerca da elaboração do Plano BEPS e do


atual estágio de implementação, serão explicitadas, a seguir, as ações do
Plano. O objetivo deste capítulo é o de descrever os principais aspectos
relacionados ao Plano BEPS, para posteriormente ser analisada a adequa-
ção da formulação e implementação do Plano no que tange aos interesses
dos países em desenvolvimento.

Ação nº 1

Em um contexto de crescente digitalização, o relatório referente à Ação nº


1 do Plano BEPS concluiu que havia um alto risco de que serviços e bens
intangíveis comercializados pela internet (como streaming de filmes ou
música) não estivessem sendo tributados, reconhecendo ser um grande
desafio para autoridades fiscais o recolhimento de tributos sobre produtos
ou serviços relacionados a vendas on-line, especialmente quando adqui-
ridos de fornecedores no exterior (vendas business to consumer – B2C).49
Para enfrentar esses desafios, mecanismos foram acordados no âmbito do
Relatório da Ação nº 1 do Plano BEPS, os quais exigem que fornecedores
estrangeiros se registrem na jurisdição do consumidor, além da recomen-
dação da adoção de um regime mais simplificado para facilitar a adoção
de mecanismos de compliance por parte da administração fiscal.50

Ação nº 2

A Ação nº 2 do Plano BEPS busca combater planejamentos tributários


em que empresas multinacionais exploram as diferenças do tratamento
tributário em duas ou mais jurisdições fiscais para alcançarem uma “dupla
não tributação”.51 Por exemplo, no caso de uma transação entre empresas
pertencentes ao mesmo grupo econômico em que, no país A, o pagamen-
to feito por uma empresa seja considerado dedutível para fins fiscais por
ser considerado uma receita dedutível e, no país B, o pagamento recebido
pela empresa afiliada seja considerado como um pagamento de dividen-
dos, haverá uma dedução de impostos em ambos os países. Como resul-
48 Ibid.
49 OECD/G20. Inclusive framework on BEPS. Progress Report July 2018-May 2019, p.
5. Disponível em: oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-progress-report-
-july-2018-may-2019.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
50 Ibid., p. 5.
51 OECD. Action 2: Neutralising the effects of hybrid mismatch arrangements. Disponí-
vel em: https://www.oecd.org/tax/beps/beps-actions/action2/. Acesso em: 8 ago.
2020; PWC. BEPS: novos desafios para a tributação internacional. Maio 2017, p. 6. Dis-
ponível em: https://www.pwc.com.br/pt/eventos-pwc/assets/arquivo/bulletin-beps.
pdf. Acesso em: 9 ago. 2020.
202 Coleção Jovem Jurista 2021

tado, não haverá recolhimento de tributos em nenhuma das jurisdições.


Buscando abordar essa questão, o relatório referente à Ação nº 2 do Plano
BEPS orienta a implementação de mudanças na legislação doméstica dos
países, de forma que países neguem dedutibilidade fiscal para pagamen-
tos que já sejam dedutíveis em outra jurisdição.52

Ação nº 3

A Ação nº 3 descreve abordagens para garantir a tributação de certas


categorias de rendimentos de uma empresa multinacional na jurisdição
da empresa matriz, a fim de combater estruturas offshore que resultam na
transferência de receitas da empresa matriz para empresas controladas
com sede em países com menor carga tributária.53 As chamadas Control-
led Foreign Company (CFC) rules, ou regras referentes à Empresa Estran-
geira Controlada, buscam reduzir os riscos de que contribuintes causem
uma erosão da base tributária do país de residência da empresa a partir
de uma transferência de receita para empresas controladas com sede em
jurisdições de tributação favorecida.54

Ação nº 4

A Ação nº 4, por sua vez, apresenta recomendações sobre as melhores


práticas legislativas para evitar a erosão da base tributária por meio da
dedutibilidade das despesas com juros em operações entre empresas que
sejam parte de um mesmo grupo econômico.55 Essa ação é de grande
relevância, tendo-se em vista que grupos de empresas podem obter re-
sultados econômicos mais favoráveis alocando montantes de dívidas para
empresas do grupo sediadas em países com tributação mais elevada, ten-
do-se em vista a dedutibilidade de certas despesas, conforme já eviden-
ciado.56

52 OECD. Action 2: Neutralising the effects of hybrid mismatch arrangements. Disponí-


vel em: https://www.oecd.org/tax/beps/beps-actions/action2/. Acesso em: 8 ago.
2020.
53 OECD/G20. Inclusive framework on BEPS. Progress Report July 2018-May 2019. p.
21,. Disponível em: oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-progress-repor-
t-july-2018-may-2019.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
54 OECD. Action 3: Controlled foreign company. Disponível em: https://www.oecd.org/
tax/beps/beps-actions/action3/. Acesso em: 8 ago. 2020.
55 OECD. Action 4: Limitation on interest deductions. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action4/. Acesso em: 8 ago. 2020; OECD. Action Plan on
Base Erosion and Profit Shifting. 2013, p. 17. Disponível em: https://www.oecd.org/
ctp/BEPSActionPlan.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
56 PWC. BEPS: novos desafios para a tributação internacional. Maio 2017, p. 7. Disponí-
vel em: https://www.pwc.com.br/pt/eventos-pwc/assets/arquivo/bulletin-beps.pdf.
Acesso em: 9 ago. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 203

Ação nº 5

A Ação nº 5 busca combater práticas tributárias consideradas danosas,


tendo como foco os chamados regimes tributários preferenciais – jurisdi-
ções que são, muitas vezes, o destino dos lucros de empresas multinacio-
nais. Como critérios para definição de um regime tributário preferencial,
têm-se: (i) alíquotas baixas ou zero tributação; (ii) o regime tributário é
carente de transparência: (iii) falta de trocas de informações com outras
jurisdições; e (iv) o regime tributário não requer o desenvolvimento de
atividades econômicas em contrapartida à tributação.57 Nesse sentido, o
Fórum sobre Práticas Nocivas, órgão criado pela OCDE em 1998, tem o
objetivo de avaliar os regimes preferenciais para identificar as caracterís-
ticas de tais regimes que possam facilitar a erosão da base tributária e a
transferência de lucros entre empresas para fins de planejamento tributá-
rio agressivo.58

Ação nº 6

Nas últimas décadas, acordos fiscais bilaterais têm servido para preve-
nir a dupla tributação e remover obstáculos ao comércio transfronteiriço
de bens e serviços. Essa extensa rede de acordos tributários, no entanto,
também deu origem a abusos de tratados e aos chamados arranjos treaty
shopping.59 Esses arranjos envolvem a tentativa de uma empresa acessar
indiretamente os benefícios de um acordo tributário pactuado entre duas
jurisdições sem ser residente dessas jurisdições, o que normalmente ocor-
re por meio da utilização de uma shell company.60 Dessa forma, a Ação nº
6 busca garantir que somente empresas residentes dos países que sejam
partes de um tratado possam se beneficiar das condições do tratado.61

Ação nº 7

A Ação nº 7 propõe a mudança da definição de estabelecimento perma-


nente. Sobre esse ponto, importante salientar que as legislações e tra-
tados fiscais estabelecem que os lucros de uma empresa não residente
57 OECD. Action 5: Harmful tax practices. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/
beps/beps-actions/action5/. Acesso em: 13 out. 2020.
58 Ibid.
59 OECD. Action 6: Prevention of tax treaty abuse. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action6/. Acesso em: 13 out. 2020.
60 Uma “shell company” é definida pela “Securities and Exchange Commission” (SEC)
como uma empresa que não apresenta operações ou ativos nominais. Vide: Securities
and Exchange Commission. Use of form S-8 and form 8-K by shell companies. Dis-
ponível em: https://www.sec.gov/rules/proposed/33-8407.htm. Acesso em: 13 out.
2020.
61 OECD. Action 6: Prevention of tax treaty abuse. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action6/. Acesso em: 13 out.2020.
204 Coleção Jovem Jurista 2021

somente são tributáveis se essa empresa possuir um estabelecimento per-


manente no país, de forma que a definição de estabelecimento perma-
nente é crucial para determinar se uma empresa não residente deverá, ou
não, pagar impostos sobre os seus lucros em determinado país.62 O Plano
BEPS, no âmbito da Ação nº 7, busca uma revisão da definição de estabe-
lecimento permanente, tendo em vista que há certas estratégias utilizadas
para contornar a definição atualmente existente, como acordos em que os
contribuintes substituem as subsidiárias por meio das quais atuavam por
acordos com distribuidores, evitando o pagamento de impostos.63 Apesar
de o relatório final sobre a Ação nº 7 não determinar qual seria a definição
apropriada de estabelecimento permanente, 40 jurisdições optaram por
reduzir a receita necessária para a criação de um estabelecimento perma-
nente.64

Ações nº 8, 9 e 10

As Ações nºs 8, 9 e 10 têm o objetivo de garantir que a tributação dos


lucros das empresas multinacionais esteja alinhada com a atividade eco-
nômica desenvolvida por essas empresas e com o valor associado às suas
atividades.65 Dessa forma, essas ações abordam orientações sobre os pre-
ços de transferência, de forma a fortalecer os padrões existentes, incluin-
do uma orientação acerca da utilização do arm’s length principle e uma
abordagem para a correta precificação dos ativos intangíveis.66 O relatório
final sobre essas ações aborda o nível adequado de retorno relacionado às
transações dentro de um mesmo grupo econômico, o que tem o objetivo
de evitar planejamentos baseados em um deslocamento de capital para
empresas de um grupo que não apresentem um nível mínimo de funcio-
nalidade.67

Ação nº 11

No âmbito da Ação nº 11, foi destacado que a falta de dados sobre a tri-
butação das empresas tem sido uma limitação importante para medir os
efeitos fiscais e econômicos das estratégias de planejamentos tributários
62 OECD. Action 7: Permanent stablishment status. Disponível em: http://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action7/. Acesso em: 8 ago. 2020.
63 Ibid.
64 OECD/G20. Inclusive framework on BEPS. Progress Report July 2018-May 2019. p.
20. Disponível em: oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-progress-repor-
t-july-2018-may-2019.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
65 OECD. Action 8-10: Transfer pricing. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/beps/
beps-actions/action8-10/. Acesso em: 8 ago. 2020.
66 Ibid.
67 OECD/G20. Inclusive framework on BEPS. Progress Report July 2018-May 2019. p.
21. Disponível em: oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-progress-report-
-july-2018-may-2019.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 205

agressivos, bem como para medir o impacto das medidas acordadas como
parte do Plano BEPS.68 Dessa forma, foi considerado que o aumento da
qualidade dos dados e dos instrumentos analíticos disponíveis é crucial
para a aferição da efetividade do Plano BEPS no combate aos planejamen-
tos tributários agressivos.69

Ação nº 12

A Ação nº 12 fornece recomendações com relação à elaboração de re-


gras que exijam a divulgação de informações relacionadas a estratégias
de planejamentos tributários agressivos por parte de contribuintes e con-
sultores, tendo como objetivo o aumento da transparência em relação a
essas estratégias.70 Essa ação é importante, tendo em vista que a falta
de informações sobre estratégias relacionadas a planejamentos tributá-
rios agressivos é um dos principais desafios enfrentados por autoridades
fiscais em todo o mundo, sendo tais informações essenciais para que as
administrações fiscais respondam de forma célere aos riscos de erosão da
base tributária aos quais estão expostas, o que é feito por meio de avalia-
ções de risco, auditorias e mudanças legislativas.71

Ação nº 13

Intitulada Contry-by-Country Reporting, ou Declaração País a País, a Ação


nº 13 é considerada um grande avanço e diz respeito ao fornecimento de
informações por parte de grandes empresas multinacionais às autoridades
fiscais dos países onde são sediadas.72

No mesmo sentido que as Ações 11 e 12 destacadas anteriormente,


a OCDE salienta, no âmbito da Ação nº 13, que a falta de dados de qua-
lidade sobre a tributação das empresas multinacionais tem sido uma das
principais dificuldades para se medir os efeitos fiscais e econômicos dos
planejamentos tributários agressivos.73 Dessa forma, referida ação prevê
que as grandes empresas multinacionais devem elaborar um relatório com
dados agregados sobre alocação global da renda, lucro, impostos pagos e
atividade econômica em relação às jurisdições fiscais onde operam, sendo
esse relatório fornecido anualmente às autoridades fiscais do país onde
68 OECD. Action 11: BEPS data analysis. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/
beps-actions/action11/. Acesso em: 13 out. 2020.
69 OECD. Action 11: BEPS data analysis. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/
beps-actions/action11/. Acesso em: 12 ago. 2020.
70 OECD. Action 12: Mandatory disclosure rules. Disponível em: http://www.oecd.org/
tax/beps/beps-actions/action12/. Acesso em: 12 ago. 2020.
71 Ibid.
72 OECD. Action 13: Country-by-country reporting. Disponível em: http://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action13/. Acesso em: 12 ago. 2020.
73 Ibid.
206 Coleção Jovem Jurista 2021

tal empresa multinacional é residente. Posteriormente, tais relatórios po-


dem ser compartilhados com os países onde as empresas têm atividade
econômica sendo desenvolvida por meio de um sistema de troca de infor-
mações.74

Ação nº 14

Considerando-se o surgimento de novos desafios relacionados à tributa-


ção, a necessidade de processos robustos para a resolução de conflitos
torna-se cada vez mais evidente.75 Nesse sentido, o artigo 25 da Conven-
ção Tributária da OCDE, Model Tax Convention, trata do Mutual Agree-
ment Procedure, que é um mecanismo por meio do qual as autoridades
competentes dos Estados Membros podem resolver divergências relativas
à interpretação ou aplicação da Convenção Tributária da OCDE com re-
lação a um acordo bilateral. De acordo com a OCDE, esse mecanismo é
de fundamental importância para a correta interpretação e aplicação dos
tratados fiscais.76

Ação nº 15

Por fim, a Ação nº 15 trata da Multilateral Convention to Implement Tax


Treaty Related Measures to Prevent Base Erosion and Profit Shifting (Multi-
lateral Instrument) ou Acordo Multilateral, o qual permite que os governos
modifiquem os tratados fiscais bilaterais existentes de maneira sincroniza-
da e eficiente para implementar as medidas desenvolvidas no âmbito do
Plano BEPS, sem a necessidade de despender recursos para a renegocia-
ção de cada tratado bilateral.77 Esse Acordo entrou em vigor em 2018 e
conta com a adesão de mais de 90 jurisdições.78

Apesar de o Plano BEPS apresentar um amplo conjunto de ações para


abordar as problemáticas envolvendo estratégias de planejamento tribu-
tário agressivo, o Plano apresenta falhas com relação ao atendimento dos
interesses dos países que mais sofrem em razão dessas estratégias: os
países em desenvolvimento. Para sustentar essa constatação, serão apre-
sentadas, no próximo capítulo, as razões pelas quais os países em desen-
volvimento estão mais expostos às estratégias de planejamento tributário

74 OECD/G20. Inclusive framework on BEPS. Progress Report July 2018-May 2019. p.


27. Disponível em: oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-progress-repor-
t-july-2018-may-2019.pdf. Acesso em: 8 ago. 2020.
75 OECD. Action 14: Mutual agreement procedure. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action14/. Acesso em: 8 ago. 2020.
76 Ibid.
77 OECD. Action 15: Multilateral instrument. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/
beps/beps-actions/action15/. Acesso em: 11 ago. 2020.
78 Ibid.
Plano base erosion and profit shifting 207

agressivo e, nos Capítulos IV e V, as falhas do Plano BEPS em atender aos


interesses desses países.

III. PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: MAIOR EXPOSIÇÃO


ÀS ESTRATÉGIAS DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
AGRESSIVO

Conforme explicitado no Capítulo I deste trabalho, as multinacionais se


utilizam de estratégias de planejamento tributário agressivo para reduzi-
rem o pagamento dos impostos devidos, explorando, para isso, as diferen-
ças entre os regimes tributários de diferentes jurisdições.

Conforme será demonstrado neste capítulo, essa problemática tende


a afetar de forma ainda mais grave os países em desenvolvimento,79 ten-
do em vista os seguintes fatores: (i) menores exigências regulatórias em
relação às atividades desenvolvidas por empresas multinacionais em seus
territórios, o que leva a uma maior exposição a planejamentos tributá-
rios agressivos; (ii) maior dependência dos impostos pagos por empresas
multinacionais; (iii) maior dependência do setor extrativista; e (iv) baixa
capacidade de coleta de informações sobre as empresas multinacionais
atuantes em seus territórios.

De acordo com um estudo publicado pela revista The World Bank


Economic Review, os níveis de renda mais baixos em países em desenvol-
vimento são espelhados por uma menor qualidade em termos de gover-
nança, conforme alguns indicadores de corrupção, eficácia do governo,
estabilidade política, capacidade regulatória, estado de direito – rule of law
– e responsividade política. Em relação a todos esses seis indicadores, veri-
ficou-se que empresas enfrentam exigências regulatórias mais brandas em
países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos, o que pode
ser um indicativo de que países em desenvolvimento apresentam maio-
res brechas – tanto legislativas quanto em termos de enforcement – em
relação aos países desenvolvidos, o que facilita práticas de planejamento
tributário agressivo para redução da carga tributária do grupo.80

Conforme analisado no referido estudo, nos países em desenvolvi-


mento, a fração de empresas que divulgam um retorno entre 0% e 0,1% ao
fisco varia de acordo com a localização de sua empresa controladora. Nos
casos de empresas que possuem controladoras com sede em países com

79 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 out. 2020.
80 JOHANNESEN, Niels. Are Less developed countries more exposed to tax avoidance?
Method and evidence from micro-data. The World Bank Economic Review, v. 34, n.
3, p. 4, out. 2019. Disponível em: https://academic.oup.com/wber/advance-article/
doi/10.1093/wber/lhz002/5606636. Acesso em: 18 ago. 2020.
208 Coleção Jovem Jurista 2021

tributação mais reduzida, a divulgação de retorno entre 0% e 0,1% é de


cerca de 5%. Por outro lado, no caso de empresas que possuem sua em-
presa controladora sediada em países com tributação mais elevada, a por-
centagem de divulgação de retornos entre 0% e 0,1% é de cerca de 2,5%.81

No caso dos países desenvolvidos, a porcentagem de empresas que


relatam ao fisco um retorno entre 0% e 1% é de cerca de 2%, indepen-
dentemente do país onde a empresa controladora tenha sede – ou seja,
um país de baixa ou elevada tributação. Essa constatação sugere que os
sinais mais evidentes de transferência de lucros observados em países em
desenvolvimento não estão presentes em países desenvolvidos. Isso re-
presenta a primeira evidência de que a exposição à transferência de lucros
entre empresas de um mesmo grupo econômico para redução da carga
tributária é maior em países em desenvolvimento do que em países de-
senvolvidos.82

Para uma maior compreensão, vide a Tabela 1 abaixo:

81 Ibid., p. 10.
82 Ibid.
Plano base erosion and profit shifting 209

Tabela 1. Porcentagem de Corporações que Divulgam um Retorno entre 0% e 0,1% nos


Países onde Têm Sede

Corporações com sede em Corporações com sede em


países em desenvolvimento países desenvolvidos

Empresa controladora com 5% 2%


sede em país de tributação mais
reduzida

Empresa controladora com sede 2,5% 2%


em país de elevada tributação

Ainda com relação à divulgação de lucros entre 0% e 0,1% por parte


das empresas nos países onde operam, o estudo aponta que uma redução
de 10 pontos percentuais na alíquota de imposto no país onde a empresa
controladora está sediada eleva a probabilidade de que a empresa afilia-
da divulgue lucro zero em cerca de 3,6 pontos percentuais em países em
desenvolvimento, mas de apenas 1,6 ponto percentual no caso de países
desenvolvidos.83

Constatações semelhantes são feitas em relação aos lucros que são


reportados, ou seja, resultados acima de 0,1% de lucro. Nesses casos, cons-
tatou-se que uma redução em 10 pontos percentuais na alíquota de im-
posto no país onde a empresa controladora está sediada reduz os lucros
relatados pela empresa afiliada em cerca de 7,5% em países em desenvol-
vimento, enquanto nos países desenvolvidos essa redução é de cerca de
2%.84

Os resultados do estudo sugerem que o aumento do PIB per capita


reduz o efeito que uma diminuição na alíquota de imposto no país onde a
empresa controladora está sediada tem sobre a propensão de a empresa
afiliada divulgar lucro zero na jurisdição onde está operando, indicativo de
transferência de lucros para a empresa controladora. Dessa mesma forma,
o aumento da qualidade dos indicadores de governança tem o mesmo
efeito e em escala ainda mais elevada.85 Embora os resultados do estudo
corroborem a conclusão de que os países em desenvolvimento estão mais
expostos a estratégias de planejamento tributário agressivo por parte de
empresas multinacionais, ainda não estão claros quais aspectos do desen-
volvimento conduzem a essa correlação, de modo que estudos adicionais
ainda devem ser realizados para uma maior exatidão.86

Some-se às conclusões do estudo supracitado o fato de que os paí-


ses em desenvolvimento são mais dependentes dos impostos pagos por
empresas multinacionais, de forma que tributos pagos por empresas cor-
respondem, em média, a 15,3% de todas as receitas fiscais na África e, em
83 Ibid., p. 11-12.
84 Ibid., p. 15-16.
85 Ibid., p. 12-13.
86 Ibid., p. 14.
210 Coleção Jovem Jurista 2021

média, a 15,4% das receitas fiscais na América Latina e no Caribe, em com-


paração à média de 9% nos países membros da OCDE.87

Na Ruanda, por exemplo, 70% de sua receita fiscal é proveniente do


pagamento de impostos realizado por empresas multinacionais. No Bu-
rundi, apenas uma empresa contribui com quase 20% da arrecadação do
fisco nacional. Na Nigéria, as empresas multinacionais representam cerca
de 88% da base tributária do país.88 A maior dependência dos países em
desenvolvimento do imposto de renda pago por empresas significa que
esses países sofrem os efeitos de planejamentos tributários agressivos de
forma mais acentuada do que países desenvolvidos.89

Como uma outra razão para a maior exposição dos países em de-
senvolvimento às estratégias de planejamento tributário agressivo, tem-se
que esses países são altamente dependentes do setor extrativista para
suas exportações e receitas fiscais,90 o qual está particularmente sujeito a
estratégias de planejamento tributário agressivo.

Nesse sentido, conforme estudos de caso realizados pela Comissão


Econômica das Nações Unidas para a África, United Nations Economic
Commission for Africa – UNECA, há uma estreita relação entre países alta-
mente dependentes da indústria extrativista e a incidência de estratégias
de planejamentos tributários agressivos.91 Os estudos também apontam
que, na África, os meios pelos quais se efetivam as estratégias de plane-
jamento tributário agressivo e de evasão fiscal incluem preços de trans-
ferência abusivos, tarifação comercial incorreta, faturamento incorreto de
serviços e de bens intangíveis e pactuação de contratos em condições
desfavoráveis para os países.92

Em termos quantitativos, estima-se que, nos últimos 50 anos, o con-


tinente africano tenha perdido mais de US$ 1 trilhão em fluxos financeiros
relacionados a estratégias de planejamentos tributários agressivos e de-
vido à evasão fiscal. Essa soma é, aproximadamente, equivalente à assis-
tência recebida pela África nesse mesmo período. Atualmente, estima-se

87 OECD. Corporate tax remains a key revenue source, despite falling rates worldwi-
de. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/corporate-tax-remains-a-key-revenue-
-source-despite-falling-rates-worldwide.htm. Acesso em: 24 ago. 2020.
88 OECD. Part 1 of a report to G20 development working group on the impact of BEPS in
low income countries. Julho 2014, p. 11. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/part-
-1-of-report-to-g20-dwg-on-the-impact-of-beps-in-low-income-countries.pdf. Acesso
em: 24 ago. 2020.
89 OECD. Understanding tax avoidance. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/
beps/. Acesso em: 11 ago. 2020.
90 The World Bank. Extractive industries. Disponível em: https://www.worldbank.org/
en/topic/extractiveindustries/overview. Acesso em: 26 ago. 2020.
91 United Nations Economic Commission for Africa (UNECA). Illicit financial flow: report
on the high level panel on illicit financial flows from Africa. p. 67. Disponível em:
https://www.uneca.org/sites/default/files/PublicationFiles/iff_main_report_26feb_
en.pdf. Acesso em: 13 ago. 2020.
92 Ibid., p. 24.
Plano base erosion and profit shifting 211

que o continente africano perca, anualmente, aproximadamente US$ 50


bilhões em receita tributária devido às referidas estratégias.93

Por fim, saliente-se que os países em desenvolvimento apresentam


dificuldades para a obtenção de dados e informações sobre os seus con-
tribuintes. De acordo com um questionário elaborado pela ONU sobre a
implementação das ações do Plano BEPS por parte dos países em desen-
volvimento, os países participantes pontuaram que a falta de informações
com relação às operações das empresas multinacionais atuantes em seus
territórios é um grande obstáculo para determinarem se os ganhos dessas
empresas estão alinhados com a atividade econômica desempenhada por
elas. Além disso, os países em desenvolvimento apresentaram preocupa-
ções em relação à falta de informações sobre as atividades das partes
relacionadas a essas empresas e do grupo econômico como um todo.94

Observa-se, conforme exposto neste capítulo, que alguns fatores são


determinantes para a maior exposição dos países em desenvolvimento às
estratégias de planejamento tributário agressivo, quais sejam: (i) menores
exigências regulatórias com relação às atividades desenvolvidas por em-
presas multinacionais abrem brechas para a realização de planejamento
tributário agressivo; (ii) maior dependência dos impostos pagos por em-
presas multinacionais; (iii) maior dependência do setor extrativista; e (iv)
baixa capacidade de coleta de informações sobre as empresas multinacio-
nais atuantes em seus territórios.

A despeito dessas evidências, o Plano BEPS, elaborado com o intuito


de auxiliar os países a conter a perda de receita tributária devido às estra-
tégias de planejamento tributário agressivo, parece priorizar os interesses
dos países desenvolvidos em detrimento dos interesses dos países em de-
senvolvimento.

Essa constatação será analisada, nos próximos capítulos, a partir das


seguintes evidências: (i) a marginalização dos países em desenvolvimento
do sistema de troca de informações entre países – Ação nº 13 do Plano
BEPS;95 e (ii) a desconsideração dos interesses dos países em desenvol-
vimento no âmbito da proposta apresentada pelo Secretariado da OCDE
referente ao Pilar Um do “Programa de Trabalho para o Desenvolvimento
de Solução Consensual para lidar com os Desafios decorrentes da Digita-
lização da Economia”.96
93 Ibid., p. 13.
94 UNITED NATIONS. Developing countries’ reactions to the G20/OECD Action Plan on
Base Erosion and Profit Shifting. p. 378. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/
wp-content/uploads/2015/10/11STM_G20OecdBeps.pdf. Acesso em: 31 out. 2020.
95 OECD. Action 13: Country-by-Country Reporting. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action13/. Acesso em: 29 set. 2020; International/OECD.
developing countries’ reactions to the G20/OECD Action Plan on Base Erosion
and Profit Shifting. p. 379. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/
uploads/2015/10/11STM_G20OecdBeps.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
96 OECD. OECD invites public input on the Secretariat Proposal for a “unified approach”
212 Coleção Jovem Jurista 2021

IV. FALHA DO PLANO BEPS EM ATENDER AOS INTERESSES


DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: MARGINALIZAÇÃO
DO SISTEMA DE TROCA DE INFORMAÇÕES

De fato, o Plano BEPS representou um grande avanço em relação ao com-


bate às estruturas de planejamento tributário agressivo. Com relação à re-
alidade dos países em desenvolvimento, algumas ações parecem ter maior
relevância.

Quando questionados por representantes da ONU sobre as maiores


dificuldades enfrentadas para determinação do lucro tributável das multi-
nacionais atuantes em seus territórios, países em desenvolvimento alerta-
ram, dentre outros pontos, para a dificuldade na obtenção de informações
sobre os contribuintes e para a falta de dados para análise dos riscos de
perda de receita tributária.97 Diante desses pontos destacados, grande
parte dos países em desenvolvimento entrevistados identificou a Ação nº
13 do Plano BEPS como uma das mais importantes para o enfrentamento
das estratégias de planejamento tributário agressivo em seus territórios.98

No entanto, a despeito de ser considerada uma ação prioritária no


combate às estratégias de planejamento tributário agressivo, será explici-
tado, neste capítulo, que o Plano BEPS falha em atender aos interesses dos
países em desenvolvimento em relação à implementação da Ação nº 13.

Conforme já salientado, referida ação prevê que as empresas multi-


nacionais deverão preparar um relatório no país onde sejam residentes,
Declaração País a País, com dados agregados sobre alocação global de
renda, lucro, impostos pagos e atividade econômica nas jurisdições fiscais
onde operam, sendo esse relatório compartilhado com as administrações
tributárias dessas jurisdições, para avaliação do risco de erosão da base
tributária e transferência de lucros.99 A forma de intercâmbio de informa-
ções pode ser realizada por meio: (i) da Convenção sobre Assistência Mú-
tua Administrativa em Matéria Tributária; (ii) de tratados bilaterais; e (iii)
de acordos de trocas de informações fiscais.100

Com relação à Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em


Matéria Tributária, ela foi desenvolvida conjuntamente pela OCDE e pelo
Conselho da Europa em 1988, tendo sido alterada pelo Protocolo de 2010.
A Convenção estabelece que as partes prestarão entre si assistência ad-
under Pillar One. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/oecd-invites-public-inpu-
t-on-the-secretariat-proposal-for-a-unified-approach-under-pillar-one.htm. Acesso
em: 29 set. 2020.
97 International/OECD. Developing countries’ reactions to the G20/OECD Action Plan
on Base Erosion and Profit Shifting. p. 378. Disponível em: https://www.un.org/esa/
ffd/wp-content/uploads/2015/10/11STM_G20OecdBeps.pdf. Acesso em: 31 out. 2020.
98 Ibid., p. 379.
99 OECD. Action 13: Country-by-Country Reporting. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action13/. Acesso em: 27 set. 2020.
100 Ibid.
Plano base erosion and profit shifting 213

ministrativa em matéria tributária, a qual compreende, dentre outros pon-


tos, um sistema de troca de informações. De acordo com a Convenção, as
Partes signatárias deverão trocar quaisquer informações previsivelmente
relevantes para a administração ou o cumprimento de suas legislações
internas relativas aos tributos abrangidos pela Convenção. Essa troca de
informações pode ocorrer de três formas: (i) troca de informações a pe-
didos; (ii) troca automática de informações; e (iii) troca espontânea de
informações.101

No primeiro caso, o Estado requerente solicita acesso a informa-


ções e o Estado requerido deve fornecer as informações abrangidas no
escopo da Convenção. Caso as informações disponíveis não permitam que
o Estado requerido cumpra a solicitação, esse Estado deverá tomar todas
as medidas necessárias a fim de fornecer ao Estado requerente as infor-
mações solicitadas.102 Além da troca de informações mediante solicitação,
duas ou mais partes da Convenção podem estabelecer que, relativamente
a determinados casos, procederão de forma automática à troca de infor-
mações.103 A Convenção também prevê que a troca de informações será
realizada de forma espontânea em algumas circunstâncias, como no caso
de uma Parte ter razões para presumir que possa haver uma perda de re-
ceita tributária em relação à outra Parte.104

Observa-se que para aderir à Convenção sobre Assistência Mútua Ad-


ministrativa em Matéria Tributária, é necessário que o país signatário tenha
meios para coletar as informações e, com isso, realizar o intercâmbio de
informações com outras jurisdições. Dessa forma, países que têm dificul-
dades para coletar informações de empresas atuantes em seus territórios
encontrarão obstáculos para aderirem à referida Convenção.

No caso dos países africanos – fortemente prejudicados por estra-


tégias de planejamento tributário agressivo, conforme já salientado – há
uma baixa adesão à referida Convenção, conforme pode ser observado a
seguir:

101 Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8842.htm.
Acesso em: 31 out. 2020.
102 Ibid., art. 5o.
103 Ibid., art. 6o.
104 Ibid., art. 7o.
214 Coleção Jovem Jurista 2021

• Em vigor
• Assinado
• Requerido
• Não Signatário
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).105

Conforme destacado, a Convenção sobre Assistência Mútua Adminis-


trativa em Matéria Tributária destaca a troca automática de informações
como um dos mecanismos para que os países signatários realizem o inter-
câmbio de informações. Para isso, foi adotado um acordo para a troca au-
tomática das Declarações País a País apresentadas pelas empresas multi-
nacionais – o Acordo Multilateral entre Autoridades Competentes sobre o
Intercâmbio de Relatórios País a País (MCAA – CbC). Há uma ainda menor
participação de países em desenvolvimento nesse Acordo, sobretudo de
países africanos.106

Além da baixa adesão de países africanos no âmbito da Convenção


sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária e da menor
adesão dos países em desenvolvimento – em comparação com os países
desenvolvidos – no âmbito do Acordo Multilateral entre Autoridades Com-
petentes sobre o Intercâmbio de Relatórios País a País, percebe-se que os
acordos bilaterais para intercâmbio dos relatórios País a País são, em sua

105 OECD. Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters. Disponível


em: http://www.oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/convention-on-mutual-
-administrative-assistance-in-tax-matters.htm. Acesso em: 31 out. 2020.
106 OECD. Signatories of the Multilateral Competent Authority Agreement on the Ex-
change of Country-by-Country Reports (CbC MCAA). Disponível em: https://www.
oecd.org/ctp/exchange-of-tax-information/CbC-MCAA-Signatories.pdf. Acesso em:
31 out. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 215

maioria, pactuados entre países desenvolvidos. Isso fica claro a partir da


análise da base de dados da OCDE.107

Em fevereiro de 2020, o Quadro Inclusivo sobre o Plano BEPS di-


vulgou um documento de consulta pública sobre uma revisão da Ação
nº 13 do Plano. Conforme será apresentado adiante, Organizações Não
Governamentais e outras entidades pronunciaram-se sobre a necessidade
de se estabelecer a publicidade dos relatórios fornecidos pelas empresas
multinacionais, considerando-se o prejuízo do atual modelo de troca de
informações em relação aos países em desenvolvimento.108

Sobre os benefícios advindos da troca de informações entre países,


o Tax Justice Network, uma rede internacional independente focada em
pesquisa, análise e advocacia na área de regulamentação financeira e
tributária internacional, aponta que, para as autoridades fiscais, há três
benefícios principais. Em primeiro lugar, a troca de informações permite
que a autoridade fiscal tenha acesso a informações detalhadas sobre as
operações da empresa multinacional que atua em sua jurisdição, podendo
alocar recursos para os setores ou atividades que envolvam os maiores
riscos de erosão da base tributária. Em segundo lugar, o sistema de troca
de informações permite não só que as jurisdições tenham conhecimento a
respeito das atividades/setores onde há maior risco de perda de receita,
mas também para onde essa receita está sendo destinada. Em terceiro
lugar, as Declarações País a País fornecem evidências para que as auto-
ridades fiscais e legisladores entendam as implicações das mudanças das
regras tributárias internacionais.109

Além disso, o Tax Justice Network aponta que, para além dos bene-
fícios para as autoridades fiscais, o acesso aos dados traz grandes bene-
fícios para os contribuintes, investidores e trabalhadores, o que explica a
necessidade de publicidade de tais dados. Em relação aos contribuintes,
em primeiro lugar, o acesso às informações permite que eles efetivamente
controlem a forma como as autoridades fiscais estão lidando com os ris-
cos de erosão da base tributária e com a transferência de lucros entre em-
presas de um mesmo grupo econômico. Em segundo lugar, a publicação
desses dados pode ser uma ferramenta em termos de compliance, tendo
em vista que a população terá conhecimento sobre os maiores contribuin-
107 OECD. Country-by-country reporting exchange relationships. Disponível em: https://
www.oecd.org/tax/beps/country-by-country-exchange-relationships.htm. Acesso
em: 31 out. 2020.
108 OECD. Public Consultation Document: Review of Country-By-Country Reporting
(BEPS Action 13). Fevereiro 2020 – Março 2020. Acesso em: https://www.oecd.org/
tax/beps/public-consultation-document-review-country-by-country-reporting-beps-
-action-13-march-2020.pdf. Acesso em: 31 out. 2020.
109 TAX JUSTICE NETWORK. Submission by the Tax Justice Network to the OECD: Re-
view of Country-by-Country Reporting (BEPS Action 13). Disponível em: https://
www.dropbox.com/s/qovaugzkxsym3ia/oecd-public-comments-received-2020-cbc-
-review.zip?dl=0&file_subpath=%2FComments+received%2FTax+Justice+Network+.
pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
216 Coleção Jovem Jurista 2021

tes do país e sobre a alocação de suas receitas, lucros e sobre o pagamen-


to de impostos corporativos.110

Para os investidores e trabalhadores, o acesso a essas informações


também parece benéfico. Evidências apontam que investidores não en-
xergam grandes benefícios em obterem um retorno mais elevado se a ra-
zão desse maior retorno for um menor pagamento de impostos por parte
das empresas nas quais investem.111 No caso dos trabalhadores, o acesso
às informações permite uma visão mais abrangente sobre os lucros da em-
presa em relação à produtividade e remuneração dos seus funcionários,
podendo prover uma base mais sólida para que os trabalhadores nego-
ciem suas condições de trabalho.112

Nesse sentido, referido grupo pontuou que o escopo da consulta pú-


blica não abrange um dos principais pontos envolvendo o sistema de troca
de informações entre países, qual seja, a decisão da OCDE de eliminar a
possibilidade de que os dados fornecidos pelas empresas multinacionais
sejam públicos. De acordo com o atual modelo, os dados não são públicos
e o acesso somente é permitido se os países cumprirem requisitos com-
plexos relacionados ao sistema de intercâmbio de informações, o que tem
o resultado prático de excluir os países em desenvolvimento.113

De acordo com informações concedidas pela OXFAM,114 confedera-


ção que busca soluções para o combate à pobreza, desigualdade e injus-
tiça social,115 nos 5 anos de implementação das Declarações País a País,
nenhum país de baixa renda beneficiou-se do sistema de troca de infor-
mações e poucos países de renda média se beneficiaram. Isso decorre dos
elevados custos para coleta dessas informações e compartilhamento com
outras jurisdições, o que tem inviabilizado o acesso por parte dos países
em desenvolvimento às informações fiscais das empresas que operam em
seus territórios.116

Nesse mesmo sentido, a Organização Não Governamental Action Aid


apresentou resposta à referida consulta pública formulada pela OCDE,
tendo afirmado que não há dúvidas de que o sistema de troca de infor-

110 Ibid.
111 Ibid.
112 Ibid.
113 Ibid.
114 A OXAM é uma confederação formada por 19 organizações e mais de 3000 parceiros,
que atua em mais de 90 países na busca por soluções para o problema da pobreza,
desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento
e ações emergenciais. Vide: OXFAM INTERNATIONAL. About us. Disponível em: ht-
tps://www.oxfam.org/en/what-we-do/about. Acesso em: 13 ago. 2020.
115 OXFAM INTERNATIONAL. About us. Disponível em: https://www.oxfam.org/en/wha-
t-we-do/about. Acesso em: 23 ago. 2020.
116 OXFAM. OECD Public Consultation on Country-by-Country Reporting – OXFAM Com-
ments. Março 2020. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/qovaugzkxsym3ia/
oecd-public-comments-received-2020-cbc-review.zip?dl=0&file_subpath=%2FCom-
ments+received%2FOxfam.pdf. Acesso em: 27 set. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 217

mações entre países é crucial para uma maior transparência do sistema


tributário internacional. No entanto, muitos países em desenvolvimento
foram marginalizados devido aos arranjos complexos que são necessários
para a efetivação de um sistema de troca de informações. De acordo com
a organização, é essencial que o acesso aos dados seja público às admi-
nistrações fiscais dos países em desenvolvimento e que, além disso, cida-
dãos, investidores, jornalistas e a sociedade civil de forma geral tenham
acesso a esses dados.117

Observa-se, portanto, que apesar de a Ação nº 13 do Plano BEPS ser


um dos principais mecanismos para que os países em desenvolvimento
combatam as estratégias de planejamento tributário agressivo em seus
territórios, o atual modelo de troca de informações entre países tende a
excluir os países em desenvolvimento, os quais têm dificuldades com re-
lação à coleta de informações sobre as empresas multinacionais atuantes
em seus territórios. Sem a capacidade de coletar tais dados, os países em
desenvolvimento encontram uma barreira à participação no sistema de
troca de informações, o qual requer que os países tenham capacidade de
coletar dados internamente para enviar a outras jurisdições em troca do
recebimento de informações.

Como resposta a esse panorama, Organizações Não Governamentais


e outras entidades se posicionaram, em sede de consulta pública, sobre
a necessidade de publicidade dos dados divulgados pelas empresas mul-
tinacionais, para que os países em desenvolvimento possam ter acesso a
esses dados e, consequentemente, mais ferramentas para o combate às
estratégias de planejamento tributário agressivo em seus territórios. Além
disso, referidas organizações apresentaram os benefícios da publicidade
das informações para contribuintes, trabalhadores e investidores.

V. FALHA DO PLANO BEPS EM ATENDER AOS INTERESSES


DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: UMA ALOCAÇÃO
DESIGUAL DOS DIREITOS DE TRIBUTAR

Inicialmente, importante destacar que as regras de tributação inter-


nacional foram elaboradas anteriormente à atual conjuntura de crescente
digitalização. Essa digitalização permite que empresas se localizem em
diferentes países e que tenham consumidores de seus produtos e servi-
ços, também, em diferentes países. Dessa forma, empresas multinacionais
podem se envolver na vida econômica de uma jurisdição sem que tenham,

117 ACTION AID. Actionaid’s response to public consultation on OECD BEPS Action 13
Country-by-Country Reporting. Março 2020. Disponível em: https://www.dropbox.
com/s/qovaugzkxsym3ia/oecd-public-comments-received-2020-cbc-review.zip?-
dl=0&file_subpath=%2FComments+received%2FActionAid.pdf. Acesso em: 28 set.
2020.
218 Coleção Jovem Jurista 2021

necessariamente, uma presença física significativa nesses territórios.118 De


acordo com as regras de imposto de renda internacional em vigor, as ju-
risdições não têm direitos – ou têm direitos mínimos – para tributar em-
presas que não possuam presença física em seus territórios, ainda que
tais empresas tenham uma relevante presença econômica. A crescente
digitalização da economia surge, então, como um grande desafio para a
regra de tributação internacional que exige uma presença física para que
haja tributação de empresa não residente.119

De acordo com a OCDE, enfrentar os desafios advindos da crescen-


te digitalização é uma das prioridades do Plano BEPS desde 2015.120 Em
2019, foi dado um importante passo nesse sentido. Membros do Quadro
Inclusivo do Plano BEPS pactuaram um acordo sobre um Programa de
Trabalho para o desenvolvimento de uma solução consensual para lidar
com os desafios decorrentes da digitalização da economia. Esse trabalho
concentra-se em dois pilares: (i) o “Pilar Um” diz respeito à alocação dos
direitos de tributação, procedendo a uma revisão das atuais regras de dis-
tribuição dos lucros de empresas multinacionais; e (ii) o “Pilar Dois” busca
abordar questões ainda não tratadas no âmbito do Plano BEPS, além de
garantir que empresas que operam internacionalmente paguem um nível
mínimo de impostos, independentemente de onde estejam sediadas ou
das jurisdições onde operam.121

No que tange ao Pilar Um, o objetivo do Programa de Trabalho é ana-


lisar novas possibilidades de distribuição dos direitos de tributação sobre
o lucro de empresas multinacionais como forma de garantir que, em uma
era cada vez mais digital, a atribuição dos direitos de tributação deixe de
ser atrelada apenas à presença física.122

O Secretariado da OCDE apresentou uma proposta de alocação dos


direitos de tributação ao Quadro Inclusivo, a qual foi aberta para consul-
ta pública no período entre 9 de outubro de 2019 e 12 de novembro de
2019.123 Nos próximos parágrafos, será evidenciado como a proposta do

118 OECD. OECD invites public input on the Secretariat Proposal for a “unified approach” under
Pillar One. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/oecd-invites-public-input-on-the-secre-
tariat-proposal-for-a-unified-approach-under-pillar-one.htm. Acesso em: 14 nov. 2020.
119 Ibid.
120 OECD. Programme of work to develop a consensus solution to the tax challenges
arising from the digitalisation of the economy. p. 5. Disponível em: http://www.oecd.
org/tax/beps/programme-of-work-to-develop-a-consensus-solution-to-the-tax-
-challenges-arising-from-the-digitalisation-of-the-economy.htm. Acesso em: 14 nov.
2020.
121 Ibid.
122 OECD. Tax Challenges Arising from Digitalisation – Report on Pillar One Blueprint.
p. 7-8. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/tax-challenges-arising-from-
-digitalisation-report-on-pillar-one-blueprint-beba0634-en.htm. Acesso em: 14 nov.
2020.
123 OECD. OECD invites public input on the Secretariat Proposal for a “unified approach” under
Pillar One. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/oecd-invites-public-input-on-the-secre-
tariat-proposal-for-a-unified-approach-under-pillar-one.htm. Acesso em: 14 nov. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 219

Secretariado da OCDE parece buscar atender, prioritariamente, aos inte-


resses dos países membros da OCDE em detrimento dos interesses dos
países em desenvolvimento.

Como premissas do modelo proposto pelo Secretariado OCDE, têm-se:

(i) a opção pela manutenção da estrutura da contabilidade separada


em detrimento de uma abordagem unitária em relação às contas
das empresas que compõem o grupo econômico;124

(ii) a divisão do lucro tributável em “lucro residual” e “lucro de rotina”


e alocação de somente parcela do lucro residual de acordo com
um novo fato gerador – não mais atrelado à necessidade de pre-
sença física da empresa multinacional não residente para fins de
tributação;125

(iii) a consideração do fator “vendas” na fórmula para alocação dos


direitos de tributação sobre os lucros das empresas multinacio-
nais.126

De acordo com a “contabilidade separada”, modelo atualmente vi-


gente no sistema tributário internacional, as contas de um grupo de em-
presas multinacionais são separadas entre as entidades que operam em
diferentes países. Dessa forma, a tributação do lucro do grupo econômico
dependerá de onde esse lucro está alocado.127 Para evitar que decisões
estratégicas de transferência de lucros entre companhias de um mesmo
grupo econômico sejam tomadas com a única finalidade de redução da
carga tributária, essas transações são norteadas pelo arm’s length princi-
ple, segundo o qual os preços de transferência em transações entre partes
relacionadas devem ser semelhantes aos preços utilizados em transações
entre partes independentes, conforme já explicitado no Capítulo I deste
trabalho.128

Conforme o modelo proposto pelo Secretariado da OCDE, parte do


lucro residual – entendido como o lucro obtido internacionalmente, e não
no país de residência da multinacional129 – seria alocado de acordo com

124 OECD. Secretariat Proposal for a “unified approach” under Pillar One. p. 4. Disponível
em: http://www.oecd.org/tax/beps/public-consultation-document-secretariat-pro-
posal-unified-approach-pillar-one.pdf. Acesso em: 14 nov. 2020.
125 Ibid., p. 9.
126 Ibid., p. 5.
127 DE MOOIJ, Ruud; LIU, Li; PRIHARDINI, Dinar. An assessment of global formula appor-
tionment. IMF Working Paper WP/19/213. Outubro 2019, p. 6. Disponível em: https://
www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2019/10/11/An-Assessment-of-Global-For-
mula-Apportionment-48718. Acesso em: 12 set. 2020.
128 Ibid., p. 6.
129 O lucro residual é aquele que resta após a alocação do chamado “lucro de rotina”,
“routine profit”, o qual é auferido no país de residência da empresa. Vide: OECD. Public
Consultation Document. Secretariat Proposal for a “unified approach” under Pillar
One. Outubro 2019, p. 9. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/public-con-
sultation-document-secretariat-proposal-unified-approach-pillar-one.pdf. Acesso em:
220 Coleção Jovem Jurista 2021

uma fórmula que leva em consideração as vendas realizadas pela empresa


multinacional. Por outro lado, com relação ao “lucro de rotina” – aquele
obtido no país de residência – continuariam a vigorar as regras de esta-
belecimento permanente e de transferência de lucros com base no arm’s
length principle.130

Nesse sentido, a contabilização dos lucros das empresas do grupo


econômico continuaria sendo realizada de forma separada, mas a aloca-
ção de parte do lucro residual da empresa multinacional seria determinada
com base nas vendas realizadas pela empresa. Dessa forma, nos países
onde há consumo dos produtos/serviços das multinacionais, haveria a tri-
butação mesmo sem haver um estabelecimento permanente. O Secreta-
riado da OCDE entende que, por meio desse modelo, haveria uma aloca-
ção de receita tributária para os países onde a atividade econômica está
sendo desenvolvida, ou seja, onde as vendas estão sendo realizadas.131

Em recente estudo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apresen-


tou considerações sobre a realização de uma reforma do atual sistema
tributário internacional no que tange à tributação dos lucros de empresas
multinacionais.132 Foi entendido que a despeito de os modelos da “conta-
bilidade separada” e “contabilidade unitária” apresentarem distorções, o
modelo da “contabilidade unitária” é menos vulnerável à manipulação para
práticas de planejamento tributário agressivo.133

Para além disso, no referido estudo, houve uma constatação no sen-


tido de que um modelo que leve em consideração as vendas realizadas
pela empresa multinacional e o fator empregabilidade em conjunto – em
12 set. 2020.
130 OECD. Secretariat Proposal for a “unified approach” under Pillar One. p. 6. Disponível
em: http://www.oecd.org/tax/beps/public-consultation-document-secretariat-pro-
posal-unified-approach-pillar-one.pdf. Acesso em: 14 nov. 2020.
131 OECD. Public Consultation Document – Secretariat proposal for a “unified approach”
under Pillar One. Outubro 2019, p. 9. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/beps/
public-consultation-document-secretariat-proposal-unified-approach-pillar-one.pdf.
Acesso em: 12 set. 2020.
132 DE MOOIJ, Ruud; LIU, Li; PRIHARDINI, Dinar. An assessment of global formula appor-
tionment. IMF Working Paper WP/19/213. Outubro 2019, p. 6. Disponível em: https://
www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2019/10/11/An-Assessment-of-Global-For-
mula-Apportionment-48718. Acesso em: 12 set. 2020.
133 Como os lucros e prejuízos são contabilizados separadamente de acordo com o mo-
delo da “contabilidade separada” atualmente vigente, há uma abertura de brechas
para que as empresas de um mesmo grupo econômico transacionem os seus lucros
com o objetivo de auferir uma vantagem tributária. Em contraste, por meio do critério
da repartição com base em fórmula, o lucro total da corporação é atribuído para cada
jurisdição onde há presença econômica com base em fatores como a proporção de
vendas, ativos ou folha de pagamento. Vide: DE MOOIJ, Ruud; LIU, Li; PRIHARDINI, Di-
nar. An assessment of global formula apportionment. IMF Working Paper WP/19/213.
Outubro 2019, p. 10-11. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Is-
sues/2019/10/11/An-Assessment-of-Global-Formula-Apportionment-48718. Acesso
em: 12 set. 2020; OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not
yet losing sleep over global tax reform. 2014, p. 23. Disponível em: https://www-cdn.
oxfam.org/s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-
-tax-reform-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 221

comparação com um modelo que considere tão somente o fator “vendas”


– será mais benéfico para os países em desenvolvimento, tendo-se em
vista que há uma grande contratação de mão de obra, por parte das em-
presas multinacionais, nesses países.134

O modelo proposto pelo Secretariado da OCDE foi alvo de críticas no


âmbito da consulta pública formulada para discutir a proposta.

De acordo com a Comissão Independente para Reforma da Tributa-


ção Corporativa Internacional, Independent Commission for the Reform of
International Corporate Taxation (ICRICT), os governos devem se afastar
do atual sistema baseado na “contabilidade separada” para um sistema de
“contabilidade unitária”. Conforme o entendimento da Comissão, o mo-
delo proposto pelo Secretariado da OCDE mantém, em grande medida, o
sistema de transferência de lucros que tem como base o arm’s length prin-
ciple, o qual, conforme já salientado, não é adequado ao atual contexto de
crescente digitalização da economia.135

Como uma segunda consideração da referida Comissão, não é pos-


sível distinguir conceitualmente os lucros de “rotina” (ou seja, gerados lo-
calmente) e “residuais” (ou seja, gerados internacionalmente) de multina-
cionais, visto que todos os lucros são resultado das atividades globais da
empresa. Para a formulação dessa proposta de divisão dos lucros, não foi
apresentada, pelo Secretariado da OCDE, uma metodologia robusta, tam-
pouco os fundamentos teóricos sobre os quais essa distinção de lucros
possa se apoiar.136

Dessa forma, a Comissão sustenta que todo o lucro do grupo econô-


mico deveria ser distribuído – e não somente parcela do chamado “lucro
residual” – de acordo com uma fórmula balanceada, que abarque os in-
teresses dos países desenvolvidos e dos países em desenvolvimento. Em
contraste com a proposta do Secretariado da OCDE, que mantém em vi-
gor o atual modelo do arm’s length principle, uma proposta que considere
todo o lucro da empresa multinacional para a distribuição a partir de uma

134 DE MOOIJ, Ruud; LIU, Li; PRIHARDINI, Dinar. An assessment of global formula appor-
tionment. IMF Working Paper WP/19/213. Outubro 2019, p. 27-28. Disponível em:
https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2019/10/11/An-Assessment-of-Glo-
bal-Formula-Apportionment-48718. Acesso em: 12 set. 2020; COBHAN, Alex; FACCIO,
Tommaso; FITZGERALD, Valpy. Global inequalities in taxing rights: an early evaluation
of the OECD tax reform proposals. Center for Open Science, outubro 2019, “prelimi-
nar draft”, p. 21; JOHANNESEN, Niels. Are less developed countries more exposed to
tax avoidance? Method and evidence from micro-data. The World Bank Economic
Review, v. 34, n. 3, p. 4, out. 2019. Disponível em: https://academic.oup.com/wber/
advance-article/doi/10.1093/wber/lhz002/5606636. Acesso em: 18 ago. 2020.
135 INDEPENDENT COMMISSION FOR THE REFORM OF INTERNATIONAL CORPORATE
TAXATION (ICRICT). ICRICT response to the OECD Consultation on the Secretariat
Proposal for a “unified approach” under Pillar One, p. 2, novembro 2019. Disponível
em: https://www.icrict.com/icrict-documents-submission-to-oecds-unified-approa-
ch-under-pillar-1-proposal. Acesso em: 12 set. 2020.
136 Ibid., p. 2.
222 Coleção Jovem Jurista 2021

fórmula equilibrada garantiria uma distribuição mais equitativa dos direi-


tos de tributação sobre os lucros de empresas multinacionais.137

Sobre a alocação de parte do lucro residual com base no critério de


vendas realizadas no país, referida alocação tende a beneficiar os países
desenvolvidos em detrimento dos países em desenvolvimento, conside-
rando que os países desenvolvidos consomem mais produtos e serviços e,
como consequência, terão maiores direitos de tributação.138 A exclusão do
fator “empregabilidade” da fórmula de alocação remove um importante
fator de produção e direciona renda tributária prioritariamente para os
países desenvolvidos.139 Vide a seguir:

The choice of allocation factor is critical, as research by


the International Monetary Fund shows that the tax base
is significantly affected by the choice of the weighting
of factors in the formula and that ‘developing countries
gain mostly if employment receives a large weight in
the formula’. Excluding employment from the allocation
formula inexplicably removes a major factor of production
and inevitably skews the outcomes away from developing
countries towards developed countries”.140 (grifo nosso)

Nesse mesmo sentido, de acordo com o Tax Justice Network, o mo-


delo proposto pela OCDE mantém, em grande medida, o arm’s length
principle como norteador da alocação dos lucros entre empresas afiliadas
de um grupo econômico.141 Além disso, referida entidade salienta que a
divisão artificial dos lucros em “lucro residual” e “lucro de rotina” confere
maior complexidade e incerteza ao sistema de distribuição de lucros entre
empresas de um mesmo grupo econômico.142

De forma similar à consideração trazida pela ICRICT, o Tax Justice


Network considerou que um ponto de atenção no modelo apresentado
pelo Secretariado da OCDE é a falta de evidência quanto ao impacto do
referido modelo ou comparação com outras propostas apresentadas. Em
comparação, referida rede internacional independente aponta o estudo
realizado pelo FMI, no qual é apresentada uma série de dados para de-
monstrar o impacto de diferentes modelos de alocação dos direitos de

137 Ibid., p. 4.
138 Ibid., p. 5.
139 Ibid., p. 5.
140 Ibid., p. 3.
141 TAX JUSTICE NETWORK. Submission by the Tax Justice Network to the OECD com-
ments on the Secretariat Proposal for a “unified approach” under Pillar One. p. 2.
Disponível em: https://www.dropbox.com/s/3pb98p1o3qnz3me/oecd-public-com-
ments-secretariat-proposal-unified-approach-november-2019.zip?dl=0&file_subpa-
th=%2FPublished+15+November+2019%2FTax+Justice+Network.pdf. Acesso em: 12
set. 2020.
142 Ibid., p. 3;
Plano base erosion and profit shifting 223

tributação sobre os lucros de empresas multinacionais.143 Nesse sentido, o


Tax Justice Network evidencia que o estudo apresentado pelo FMI aponta
que a adoção do modelo da “contabilidade unitária”, em conjunto com
uma fórmula equilibrada para alocação dos direitos de tributação e que
considere o elemento “empregabilidade”, será mais justa e equânime.144

Repise-se que no referido estudo realizado pelo FMI, foi destacado


que o modelo da “contabilidade unitária” é menos vulnerável à manipu-
lação, sendo mais eficiente no combate às estratégias de planejamento
tributário agressivo.145 Além disso, o estudo aponta a importância de se
considerar o fator “empregabilidade” em uma fórmula de alocação de lu-
cros para que haja um efetivo atendimento dos interesses dos países em
desenvolvimento.146 Apesar da evidência empírica apresentada pelo FMI,
esses pontos não foram abordados na proposta apresentada pelo Secre-
tariado da OCDE ao Quadro Inclusivo do Plano BEPS.

A OXFAM também se posicionou, em sede de consulta pública, sobre


a proposta apresentada pelo Secretariado da OCDE. De acordo com a or-
ganização, é necessário que a OCDE publique o impacto de todas as pro-
postas apresentadas, não podendo ser esperado que países e governos
se pautem em uma proposta que não é sustentada a partir de uma análise
minuciosa e informada.147

As respostas apresentadas, no âmbito da consulta pública, por parte


da ICRICT e do Tax Justice Network consideram que a proposta de aloca-
ção dos direitos de tributação apresentada pelo G24, grupo de países em
desenvolvimento e emergentes, parece mais adequada e justa ao apresen-
tar uma fórmula equilibrada para divisão dos direitos de tributação entre
países. De acordo com a referida proposta, haveria a alocação de todo o
lucro da empresa multinacional por meio de uma fórmula que inclui os fa-
tores empregabilidade, usuários digitais e uso de recursos naturais, fatores
que refletiriam, efetivamente, as atividades que geram valor ao longo da
cadeia de abastecimento e de produção de uma empresa multinacional.148

143 Ibid., p. 4-5.


144 Ibid., p. 4-5.
145 DE MOOIJ, Ruud; LIU, Li; PRIHARDINI, Dinar. An assessment of global formula appor-
tionment. IMF Working Paper WP/19/213. Outubro 2019, p. 10-11. Disponível em: ht-
tps://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2019/10/11/An-Assessment-of-Glo-
bal-Formula-Apportionment-48718. Acesso em: 12 set. 2020.
146 Ibid., p. 10-11.
147 OXFAM. Oxfam submission for the OECD Public Consultation on the unified approa-
ch. p. 2. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/3pb98p1o3qnz3me/oecd-publi-
c-comments-secretariat-proposal-unified-approach-november-2019.zip?dl=0&file_
subpath=%2FPublished+15+November+2019%2FOxfam.pdf. Acesso em: 12 set. 2020.
148 INDEPENDENT COMMISSION FOR THE REFORM OF INTERNATIONAL CORPORATE
TAXATION (ICRICT). ICRICT response to the OECD Consultation on the Secretariat
Proposal for a “unified approach” under Pillar One. Novembro 2019, p. 3. Disponível
em: https://www.icrict.com/icrict-documents-submission-to-oecds-unified-approa-
ch-under-pillar-1-proposal. Acesso em: 12 set. 2020; TAX JUSTICE NETWORK. Sub-
mission by the Tax Justice Network to the OECD comments on the Secretariat pro-
224 Coleção Jovem Jurista 2021

Nessa mesma linha, um recente estudo que compara as diferentes


propostas de alocação de direitos de tributação dos lucros de multinacio-
nais concluiu que a abordagem adotada pelo Secretariado da OCDE tende
a beneficiar os seus países membros e oferece poucos benefícios aos pa-
íses em desenvolvimento – membros do G24 e G77. Em contrapartida, a
utilização de um fator duplo de alocação (vendas e emprego) atende aos
interesses de países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que beneficia
os países membros da OCDE – apesar de os mesmos se beneficiarem em
maior medida de um modelo que considere apenas o critério de vendas
para alocação dos direitos tributários.149

De fato, a proposta do Secretariado da OCDE tende a deslocar a


base tributária de países com tributação favorecida e onde, muitas vezes,
não há qualquer geração de receita. Esses países recebem, muitas vezes,
grande parte dos lucros de empresas multinacionais devido à tributação
favorecida que oferecem, o que ocorre a partir das estratégias de trans-
ferências de lucros explicitadas no Capítulo I deste Trabalho. Os maiores
perdedores de um modelo de alocação de direitos tributários que descon-
sidere o elemento “estabelecimento permanente” – independentemente
do critério de alocação utilizado – são os paraísos fiscais ou países que,
apesar de não serem considerados paraísos fiscais, são países que apre-
sentam menores alíquotas de impostos.150

No entanto, os interesses dos países em desenvolvimento continuam


sendo relegados para um segundo plano no âmbito da proposta apresen-
tada pelo Secretariado da OCDE ao Quadro Inclusivo.

Em primeiro lugar, ao adotar como premissa de seu modelo a “con-


tabilidade separada” e ao alocar somente parcela do lucro “residual” de
acordo com o novo fato gerador a ser criado, a OCDE mantém, em gran-
de medida, o sistema atualmente vigente de transferência de lucros entre
empresas com base na utilização do arm’s length principle. Conforme já
demonstrado, a utilização do referido princípio não garante que seja esta-
belecido o valor de mercado nas transações com bens intangíveis – cada
vez mais comuns na atual Era Digital. Como consequência, é mantido um
modelo que abre grandes brechas para a ocorrência de planejamento tri-
butário agressivo, o qual, conforme já demonstrado, afeta particularmente
os países em desenvolvimento.

posal for a “unified approach” under Pillar One. p. 2. Disponível em: https://www.
dropbox.com/s/3pb98p1o3qnz3me/oecd-public-comments-secretariat-proposal-
-unified-approach-november-2019.zip?dl=0&file_subpath=%2FPublished+15+Novem-
ber+2019%2FTax+Justice+Network.pdf. Acesso em: 12 set. 2020.
149 COBHAN, Alex; FACCIO, Tommaso; FITZGERALD, Valpy. Global inequalities in taxing
rights: An early evaluation of the OECD tax reform proposals. Center for Open Scien-
ce, out. 2019, “preliminar draft”, p. 23.
150 Ibid., p. 23.
Plano base erosion and profit shifting 225

Em segundo lugar, ao adotar como critério para a distribuição da par-


te “residual” do lucro das empresas multinacionais somente o fator ven-
das, e não uma combinação com critérios como “empregabilidade”, o Se-
cretariado da OCDE tende a beneficiar jurisdições desenvolvidas, as quais,
conforme já salientado, apresentam os maiores mercados consumidores e,
por consequência, terão maiores direitos de tributação sobre os lucros de
empresas multinacionais.

Conforme já destacado, em oposição à proposta apresentada pelo


Secretariado da OCDE, uma proposta que considere todo o lucro da em-
presa multinacional para fins de distribuição dos direitos de tributação a
partir de uma fórmula equilibrada garantiria uma maior equidade na alo-
cação dos direitos de tributação dos lucros de empresas multinacionais.

Importante salientar que o Secretariado da OCDE desempenha um


importante papel dentro da estrutura da OCDE, sendo responsável por
coletar dados, formular análises e recomendações que informarão as deci-
sões do Conselho da OCDE.151 Dessa forma, a formulação de uma propos-
ta, por parte do Secretariado da OCDE, que tenda a favorecer os países
desenvolvidos em detrimento dos países em desenvolvimento pode ser
um indicativo de uma atuação enviesada da própria OCDE no âmbito do
Plano BEPS, o que pode ser um fator prejudicial à legitimidade do Plano,
conforme será explorado no próximo capítulo.

VI. ANÁLISE SOBRE A LEGITIMIDADE DO PLANO BEPS

Conforme análise realizada nos Capítulos IV e V, o atual desenho da Ação


nº 13 do Plano BEPS parece beneficiar, prioritariamente, os interesses dos
países desenvolvidos e, no que tange ao Pilar Um, a proposta do Secreta-
riado da OCDE parece buscar atender, também prioritariamente, os inte-
resses dos países desenvolvidos. Ambas as constatações podem ser uma
evidência de uma atuação enviesada da OCDE e do G20 no que tange à
estruturação do Plano BEPS.

Inicialmente, é importante salientar que o Plano BEPS foi desenvolvi-


do por um grupo de 44 países – dentre os quais se incluem todos os mem-
bros da OCDE.152 As discussões nas reuniões de consulta pública acerca
do Plano foram dominadas por multinacionais, superando a representati-
vidade de setores da sociedade civil e acadêmica, por exemplo, sendo as
empresas muitas vezes duplamente representadas – por seus consultores
fiscais e determinados segmentos da indústria. Tais empresas estão sedia-
151 OECD. Organisational structure. Disponível em: http://search.oecd.org/about/struc-
ture/. Acesso em: 15 set. 2020.
152 BURGERS, Irene; MOSQUERA, Irma. Corporate taxation and BEPS: a fair slice for de-
veloping countries? Erasmus Law Review, n. 1, p. 30, ago. 2017. Disponível em: http://
www.erasmuslawreview.nl/tijdschrift/ELR/2017/1/ELR_2017_10_01_004. Acesso em:
22 ago. 2020.
226 Coleção Jovem Jurista 2021

das, predominantemente, nos Estados Unidos e em países europeus, os


quais buscam proteger a competitividade de suas empresas.153

Conforme já salientado, como forma de aproximar os países em de-


senvolvimento das discussões e decisões tomadas no âmbito do Plano
BEPS, a OCDE garantiu a participação desses países no Quadro Inclusivo,
resultando na participação de mais de 100 países. Apesar disso, pode-se
dizer que os países em desenvolvimento não possuem um poder de voz
e de voto que tenha sido capaz de orientar as discussões que culminaram
nas Ações do Plano BEPS, bem como em sua implementação.154 Isso se
deve, em grande medida, ao fato de que esses países foram os últimos a
chegar nas mesas de discussões, tendo, pois, um menor conhecimento e
experiência nos debates devido à falta de inclusão inicial.155

Nesse sentido, ao responder a um questionário sobre a implementa-


ção do Plano BEPS, representantes da Índia salientaram que os interes-
ses dos países em desenvolvimento e suas particularidades deveriam ser
levadas em consideração na estruturação do Plano e que a abordagem
no sentido de esperar que os países em desenvolvimento implementem
todas as decisões tomadas pelos países desenvolvidos parece paternalista
e deve ser evitada.156

Formuladores e implementadores do Plano BEPS, a OCDE e o G20 já


apresentam, em suas estruturas, uma atuação que parece não abarcar os
interesses de todos os países, haja vista serem organizações internacionais
compostas, com poucas exceções, por nações desenvolvidas.157

No caso da OCDE, organização fundada em dezembro de 1960, seus


objetivos são alcançar um alto nível de crescimento econômico para os
153 INDEPENDENT COMMISSION FOR THE REFORM OF INTERNATIONAL CORPORATE
TAXATION (ICRICT). Evaluation of the Independent Commission for the Reform of
International Corporate Taxation for the Base Erosion and Profit-Shifting Project of
the G20 and OECD. Outubro 2015, p. 3. Disponível em: https://www.icrict.com/icrict-
-documentsbeps. Acesso em: 12 set. 2020.
154 BURGERS, Irene; MOSQUERA, Irma. Corporate taxation and BEPS: a fair slice for de-
veloping countries? Erasmus Law Review, n. 1, p. 31, ago. 2017. Disponível em: http://
www.erasmuslawreview.nl/tijdschrift/ELR/2017/1/ELR_2017_10_01_004. Acesso em:
22 ago. 2020.
155 Ibid., p. 31.
156 UNITED NATIONS. Questionnaire: Countries’ experiences regarding base erosion
and profit shifting issues. Disponível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/
uploads/2014/09/20140923_CommentsIndia_BEPS.pdf. Acesso em: 24 ago. 2020.
157 Os membros da OCDE são: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Co-
lômbia, Coreia do Sul, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Es-
tônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia,
Lituânia, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Polônia, Por-
tugal, Suécia, Suíça, Reino Unido, República Tcheca e Turquia. A Colômbia tornou-se
membro da OCDE em 2020. Vide: OECD. Member countries. Disponível em: https://
www.oecd.org/about/members-and-partners/. Acesso em: 23 ago. 2020; Os mem-
bros do G20 são: Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do
Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia,
Turquia e União Europeia. Vide: G20. G20 participants. Disponível em: https://g20.
org/en/about/Pages/Participants.aspx. Acesso em: 25 ago. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 227

seus membros, contribuir para uma expansão econômica sólida nos pa-
íses membros e não membros e contribuir para o comércio mundial em
uma base multilateral e não discriminatória.158 A OCDE busca, de fato, um
envolvimento com países não membros e com suas questões econômicas
como forma de assegurar a implementação de suas diretrizes. No entanto,
o poder de decisão no âmbito da organização pertence ao Conselho da
OCDE, o qual é composto por um representante de cada país membro e
por um representante da Comissão Europeia, de forma que os países não
membros não participam desse Conselho e, tampouco, dos processos de
tomada de decisão.159

Considerando que a principal proposta e objetivo da OCDE é apre-


sentar diretrizes ligadas ao desenvolvimento econômico dos seus países
membros, os quais, de acordo com a própria organização, são países de-
senvolvidos – representantes de, aproximadamente, 60% do PIB mun-
dial–,160 há fundamento para que o poder decisório tenha como foco os
interesses desses países. No entanto, ao se autoproclamar como a orga-
nização líder no estabelecimento de padrões e diretrizes em matéria de
tributação internacional161 e uma das criadoras do Plano BEPS, é esperado
que a OCDE tenha os meios para abordar as principais questões relacio-
nadas aos planejamentos tributários agressivos não só no âmbito de seus
países membros, mas também no âmbito dos países em desenvolvimento.
Isso, no entanto, é dificultado diante de uma estrutura de governança e de
tomada de decisão que somente considera as vozes e votos de grandes
potências e, portanto, o atendimento de seus interesses.162

No caso do G20, a questão da representatividade é ainda mais pro-


blemática, tendo em vista uma sobre representação do continente euro-
peu – além da participação de grandes potências europeias, a União Euro-
peia também é uma participante do grupo – e uma sub-representação do
continente africano e de outros países em desenvolvimento. Além disso, o
G20 não tem personalidade jurídica e não possui um Tratado ou Carta que
oriente sua atuação e preveja suas competências e princípios procedimen-
tais. A falta de mecanismos de prestação de contas à comunidade interna-
cional, seu arranjo informal e a realização de reuniões a portas fechadas,

158 OECD. Convention on the Organisation for Economic Co-operation and Develop-
ment. Disponível em: https://www.oecd.org/general/conventionontheorganisationfo-
reconomicco-operationanddevelopment.htm. Acesso em: 23 ago. 2020.
159 FUNG, Sissie. The questionable legitimacy of the OECD/G20 BEPS Project. Erasmus
Law Review, n. 2, p. 80, dez. 2017. Disponível em: http://www.erasmuslawreview.nl/
tijdschrift/ELR/2017/2/ELR_2017_010_002. Acesso em: 23 ago. 2020.
160 OECD. The OECD: Organisation for Economic Co-operation and Development. 2008.
Disponível em: https://www.oecd.org/newsroom/34011915.pdf. Acesso em: 23 ago.
2020.
161 OECD. Setting the Tax Agenda. Disponível em: http://www.oecd.org/ctp/tax-global/
setting-the-tax-agenda.htm. Acesso em: 23 ago. 2020.
162 OECD. Organisational structure. Disponível em: http://search.oecd.org/about/struc-
ture/. Acesso em: 15 set. 2020.
228 Coleção Jovem Jurista 2021

sendo suas deliberações reportadas apenas por parte de seus membros,


torna a legitimidade do G20 amplamente questionável.163

Considerando os questionamentos à legitimidade do Plano BEPS de-


vido à falta de participação efetiva dos países em desenvolvimento nas
discussões e processo decisório do Plano, bem como a falta de represen-
tatividade no âmbito da OCDE e do G20, qual seria a melhor forma de
os países em desenvolvimento abordarem suas problemáticas em matéria
tributária?

Alguns apontam que a criação de uma “Organização Tributária Inter-


nacional” poderia ser um caminho promissor,164 uma vez que esse órgão
poderia conceder um igual poder de voz e voto aos países desenvolvidos
e em desenvolvimento. Outros defendem que esse poder deve ser confe-
rido à ONU, como é o caso da OXFAM, confederação que busca soluções
para o combate à pobreza, desigualdade e injustiça social.165 De acordo
com a OXFAM, o Plano BEPS não foi capaz de abordar as problemáticas
dos países em desenvolvimento devido à falta de participação desses paí-
ses nas discussões envolvendo a implementação do Plano.166

Ao mesmo tempo, referida organização considera que a estrutura do


Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional em Matéria Tribu-
tária da ONU – órgão tributário já existente no âmbito da ONU – não é
adequada às necessidades dos países em desenvolvimento, visto que (i)
o mandato do Comitê é limitado, tendo um maior enfoque sobre tratados
ligados à dupla tributação; (ii) o financiamento do Comitê e de seu corpo
de membros é limitado, compreendendo somente 25 membros; e (iii) não
é um órgão político, o que significa que a atuação de seus membros não
é voltada aos interesses dos países que representam, questão que pode
distanciar os interesses dos países das discussões.167

Com base nessas constatações, a OXFAM sustenta que a criação de


um organismo internacional, no âmbito da ONU, com atribuições relacio-
nadas à tributação internacional, poderia proporcionar um ambiente inclu-
163 FUNG, Sissie. The questionable legitimacy of the OECD/G20 BEPS Project. Erasmus
Law Review, n. 2, p. 80, dez. 2017. Disponível em: http://www.erasmuslawreview.nl/
tijdschrift/ELR/2017/2/ELR_2017_010_002. Acesso em: 23 ago. 2020.
164 TANZI, Vito. Is there a need for a world tax organisation? In: RAZIN, Assaf; SADKA,
Efraim (Eds.). The economics of globalization: policy perspectives from public eco-
nomics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
165 OXFAM INTERNATIONAL. About us. Disponível em: https://www.oxfam.org/en/wha-
t-we-do/about. Acesso em: 23 ago. 2020.
166 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014, p. 12. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_01.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
167 OXFAM SUBMISSION. To the Report of the Secretary-General to the Economic and
Social Council on options for further strengthening the work and operational capaci-
ty of the Committee of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Dispo-
nível em: https://www.un.org/esa/ffd/wp-content/uploads/2015/03/ITCM2015_Ox-
fam.pdf. Acesso em: 24 ago. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 229

sivo para os países em desenvolvimento, os quais teriam poder de voz e


de voto. Esse organismo também poderia buscar abordar questões espe-
cíficas relacionadas à erosão da base tributária em países em desenvolvi-
mento, como a concessão de incentivos fiscais e o “race to the bottom”,
conforme será explicitado abaixo, a tributação de indústrias extrativistas e
a transparência das empresas atuantes no território desses países. Ainda,
se adequadamente financiado, poderiam ser realizadas reuniões periódi-
cas, além da criação de uma convenção tributária no âmbito da ONU que
garanta uma estrutura sólida ao organismo e que preveja seus objetivos e
aspectos procedimentais.168

Por outro lado, Christine Lagarde, ex-Presidente e Diretora Geral do


FMI, considera que as nações não estariam dispostas a entregar seus po-
deres de tributação à ONU.169 De acordo com seu entendimento, a tributa-
ção, no último século, foi definida, conceituada, projetada e implementada
em uma base puramente territorial, sendo a cobrança de impostos con-
siderada um atributo de soberania, de modo que qualquer proposta que
tenda a minorar esse caráter da tributação será fortemente contestada
por muitos países no mundo. Nesse mesmo sentido e ainda mais cético
em relação às propostas, Jim Yong Kim, ex-presidente do Banco Mundial,
salienta que deve-se ter muito cuidado ao pensar que a solução para um
problema seja adicionar uma nova instituição, considerando que sua ma-
nutenção seria proveniente da chamada Assistência Oficial ao Desenvolvi-
mento, Official Development Assistance (ODA),170 a qual não tem crescido
nos últimos anos.171

Considerando as falhas apontadas no âmbito do Plano BEPS em efe-


tivamente atender aos interesses dos países em desenvolvimento172 e a
despeito das discordâncias sobre a implementação de um órgão a ser
responsável por abordar as problemáticas envolvendo a erosão da base
tributária e as estratégias de transferência de lucros em países em desen-
168 Ibid.
169 THE GUARDIAN. IMF Chief talks Panama Papers fallout: time to “think outside the
box” on global tax. Abril 2016. Disponível em: https://www.theguardian.com/busi-
ness/2016/apr/11/panama-papers-imf-christine-lagarde-global-tax. Acesso em: 23
ago. 2020.
170 A Assistência Oficial ao Desenvolvimento é definida como a ajuda governamental
destinada a promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar dos países em
desenvolvimento. Excluem-se os empréstimos e créditos para fins militares. A ajuda
pode ser fornecida bilateralmente, de doador a receptor, ou canalizada por meio de
uma agência multilateral de desenvolvimento, como a ONU ou o Banco Mundial. Vide:
OECD. Net ODA. Disponível em: https://data.oecd.org/oda/net-oda.htm. Acesso em:
23 ago. 2020.
171 THE GUARDIAN. IMF Chief talks Panama Papers fallout: time to “think outside the
box” on global tax. Abril, 2016. Disponível em: https://www.theguardian.com/busi-
ness/2016/apr/11/panama-papers-imf-christine-lagarde-global-tax. Acesso em: 23
ago. 2020.
172 SIGNÉ, Landry; SOW, Mariama; MADDEN, Payce. Illicit financial flows in Africa Dri-
vers, destinations, and policy options. Brookings, 2020, p. 16. Disponível em: https://
www.brookings.edu/wp-content/uploads/2020/02/Illicit-financial-flows-in-Africa.
pdf. Acesso em: 27 set. 2020.
230 Coleção Jovem Jurista 2021

volvimento, há uma urgência para que medidas sejam postas em prática.


Caso contrário, a perda de receita tributária devido às estratégias de pla-
nejamento tributário agressivo continuará a ser um entrave em termos de
desenvolvimento econômico e social para os países em desenvolvimento.

Dentre outras medidas, é essencial que a transparência seja promovi-


da e incentivada, de forma a beneficiar, igualmente, países desenvolvidos
e países em desenvolvimento. Conforme já salientado, os países em de-
senvolvimento foram marginalizados do sistema de troca de informações
entre países, o qual, até o momento, somente beneficiou os países desen-
volvidos, os quais possuem expertise técnica para a implementação das
medidas necessárias à participação desse sistema.

Diante desse cenário, é necessário que os dados fornecidos pelas em-


presas sejam públicos para as administrações fiscais dos países em de-
senvolvimento e, também, para outros atores, como contribuintes, inves-
tidores e trabalhadores, haja vista os benefícios advindos da publicidade
dessas informações.173 Como via alternativa, até que os países em desen-
volvimento adquiram capacidade técnica e financeira, a OCDE poderia
permitir que esses países recebam informações sem a obrigação de enviar
informações em troca.174

Conforme exposto no Capítulo III deste trabalho, os países em desen-


volvimento são altamente dependentes da indústria extrativista, havendo
uma estreita relação entre a dependência econômica desse setor e a ele-
vada incidência de estratégias de planejamentos tributários agressivos.175
Dessa forma, é essencial que, no âmbito da tributação internacional, sejam
abordadas as particularidades das estratégias de planejamento tributário
agressivo envolvendo esse setor da economia como forma de melhor au-
xiliar os países em desenvolvimento a implementarem as mudanças legis-
lativas e regulatórias necessárias ao combate dessas estratégias.

Igualmente, é importante salientar que países em desenvolvimento


perdem vultosas somas de receita tributária devido à concessão de incen-
173 TAX JUSTICE NETWORK. Submission by the Tax Justice Network to the OECD: Re-
view of Country-by-Country Reporting (BEPS Action 13). Disponível em: https://www.
dropbox.com/s/qovaugzkxsym3ia/oecd-public-comments-received-2020-cbc-re-
view.zip?dl=0&file_subpath=%2FComments+received%2FTax+Justice+Network+.pdf.
Acesso em: 28 set. 2020; OXFAM. OECD Public Consultation on Country-by-Country
Reporting – OXFAM Comments. 6 de março de 2020. Disponível em: https://www.
dropbox.com/s/qovaugzkxsym3ia/oecd-public-comments-received-2020-cbc-re-
view.zip?dl=0&file_subpath=%2FComments+received%2FOxfam.pdf. Acesso em: 27
set. 2020.
174 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014, p. 14. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
175 UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR AFRICA (UNECA). Illicit financial
flow: report on the high level panel on illicit financial flows from Africa. p. 67. Dispo-
nível em: https://www.uneca.org/sites/default/files/PublicationFiles/iff_main_repor-
t_26feb_en.pdf. Acesso em: 13 ago. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 231

tivos fiscais de forma desvantajosa aos seus interesses, o que conduz ao


chamado race to the bottom – guerra fiscal. Por vezes, empresas se esta-
belecem em países em desenvolvimento e não pagam impostos durante
20 anos, como é o caso do setor de mineração na Tanzânia.176 De acordo
com a ICRICT, embora cada país seja responsável por seu próprio sistema
tributário, os países são afetados pela escolha da política tributária dos
demais países.177

Em um cenário de normalidade, os incentivos fiscais são concedidos


para estimular o investimento estrangeiro ou a expansão da atividade eco-
nômica em geral ou em setores específicos. No entanto, eles podem ter
um efeito pernicioso quando abusados. A esse respeito, é essencial que os
países estabeleçam padrões sub-regionais de incentivos fiscais para aca-
bar com o chamado race to the bottom, ou seja, a guerra fiscal existente,
em que o resultado da competição tende a ser danoso para todos os pa-
íses envolvidos, já que a competição em torno da concessão dos maiores
incentivos conduz à imposição de alíquotas baixíssimas de impostos.178

Ademais, alguns países utilizam a prática denominada tax holidays,


que significa a concessão de incentivos fiscais durante determinado perí-
odo, o qual, normalmente, é concedido para empresas estrangeiras como
forma de atrair investimento, o que tende a dificultar a competição entre
empresas nacionais e estrangeiras, enfraquecendo negócios locais, ques-
tão que também deve ser tratada em fóruns regionais.179

Além disso, a despeito das limitações já evidenciadas neste capítulo,


é importante que os países, sobretudo os países desenvolvidos, concedam
apoio financeiro ao Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional
em Matéria Tributária da ONU, como forma de incentivar discussões so-
bre questões inovadoras e emergentes em matéria tributária. Esse Comitê
tem, dentre outras funções, a atribuição de promover a cooperação fiscal
entre jurisdições e a avaliação de como questões emergentes podem afe-
tar essa cooperação, também sendo responsável por fazer recomenda-

176 UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR AFRICA (UNECA). Base erosion
and profit shifting in Africa: reforms to facilitate improved taxation of multinational
enterprises. Janeiro 2018, p. 34. Disponível em: https://www.uneca.org/sites/default/
files/PublicationFiles/base-erosion_rev.pdf. Acesso em: 17 ago. 2020.
177 INDEPENDENT COMMISSION FOR THE REFORM OF INTERNATIONAL CORPORATE
TAXATION (ICRICT). Declaration of the Independent Commission for the Reform of
International Corporate Taxation. Junho 2015, p. 12. Disponível em: https://www.icrict.
com/icrict-documentsthe-declaration. Acesso em: 12 set. 2020.
178 UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR AFRICA (UNECA). Illicit financial
flow: report on the high level panel on illicit financial flows from Africa. p. 42. Dispo-
nível em: https://www.uneca.org/sites/default/files/PublicationFiles/iff_main_repor-
t_26feb_en.pdf. Acesso em: 13 ago. 2020.
179 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing sleep
over global tax reform. 2014, p. 7-8. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
232 Coleção Jovem Jurista 2021

ções sobre a prestação de assistência técnica em matéria tributária aos


países em desenvolvimento.180

Conclusão

É inquestionável que a atuação da OCDE e do G20 por meio do Plano


BEPS representa um grande avanço para garantir que as empresas multi-
nacionais sejam tributadas nos países onde o valor é criado. No entanto,
apesar de os países em desenvolvimento serem os mais prejudicados de-
vido às estratégias de planejamento tributário agressivo, esses países são
os que menos tendem a se beneficiar do Plano BEPS em relação a dois im-
portantes pontos: (i) o sistema de troca de informação entre países – Ação
nº 13 do Plano BEPS;181 e (ii) a implementação do Pilar Um no âmbito do
“Programa de Trabalho para o Desenvolvimento de Solução Consensual
para lidar com os Desafios decorrentes da Digitalização da Economia”, por
meio do qual busca-se criar um novo fato gerador para a tributação dos
lucros de empresas multinacionais.182

Com relação ao item “(i)” acima, foi demonstrado que a despeito de a


implementação da Ação nº 13 ser uma prioridade para os países em desen-
volvimento,183 esses países foram marginalizados do sistema de troca de
informações entre países devido aos arranjos complexos que são neces-
sários para a efetivação de um sistema de troca de informações.184 Como
consequência, as trocas de informações ocorrem, na maioria dos casos,
entre nações desenvolvidas.185

Dessa forma, foi evidenciada a importância de que o acesso aos dados


seja público às administrações fiscais dos países em desenvolvimento.186
180 Ibid.
181 OECD. Action 13: Country-by-Country Reporting. Disponível em: https://www.oecd.
org/tax/beps/beps-actions/action13/. Acesso em: 26 out. 2020.
182 OECD/G20. Base Erosion and Profit Shifting Project. Tax Challenges Arising from Di-
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183 UNITED NATIONS. Developing countries’ reactions to the G20/OECD Action Plan on
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184 ACTION AID. Actionaid’s Response to Public Consultation on OECD BEPS Action 13
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185 OECD. Country-by-Country Reporting Exchange Relationships. Disponível em: ht-
tps://www.oecd.org/tax/beps/country-by-country-exchange-relationships.htm.
Acesso em: 31 out. 2020.
186 TAX JUSTICE NETWORK. Submission by the Tax Justice Network to the OECD: Re-
view of Country-by-Country Reporting (BEPS Action 13). Disponível em: https://
www.dropbox.com/s/qovaugzkxsym3ia/oecd-public-comments-received-2020-cbc-
-review.zip?dl=0&file_subpath=%2FComments+received%2FTax+Justice+Network+.
pdf. Acesso em: 28 set. 2020.
Plano base erosion and profit shifting 233

Como uma medida alternativa, até que os países em desenvolvimento ad-


quiram capacidade técnica e financeira para realizarem a coleta de infor-
mações para envio a outras jurisdições, poderia ser permitido, no âmbito
do Plano BEPS, que os países em desenvolvimento recebam informações
sem a obrigação de enviar informações em troca.187

No que tange ao item “(ii)”, restou demonstrado que a proposta apre-


sentada pelo Secretariado da OCDE mantém, em grande medida, o siste-
ma baseado no arm’s length principle, o qual não tem sido suficiente ao
combate aos planejamentos tributários agressivos. Em relação à alocação
dos direitos de tributação com base na criação de um novo fato gerador
– relacionado às vendas realizadas pela empresa multinacional e desvin-
culado da atual concepção de estabelecimento permanente –, a proposta
parece atender prioritariamente aos interesses dos países desenvolvidos.
Como esses países consomem mais produtos e serviços do que países em
desenvolvimento, caso seja adotada uma fórmula que tenha como base
tão somente o critério “vendas”, os países desenvolvidos terão maiores
direitos de tributação.188

A análise dos dois pontos supracitados pode ser uma evidência de


que houve uma atuação enviesada durante a estruturação e implementa-
ção do Plano BEPS por parte da OCDE e do G20, que, conforme analisado,
são organizações formadas, majoritariamente, por países desenvolvidos.189

Tendo em vista as falhas do Plano BEPS em tratar dos interesses dos


países em desenvolvimento e a despeito das discordâncias sobre a im-
plementação de um órgão no âmbito da ONU que seja responsável por
propor soluções voltadas à erosão da base tributária e às estratégias de
transferência de lucros,190 há uma urgência para que medidas sejam pos-
tas em prática como forma de assegurar, efetivamente, os interesses dos
países em desenvolvimento. Caso contrário, a perda de receita tributária
devido às estratégias de planejamento tributário agressivo continuará a
ser um entrave em termos de desenvolvimento econômico e social para
esses países.
187 OXFAM. Business among friends: why corporate tax dodgers are not yet losing
sleep over global tax reform. 2014, p. 14. Disponível em: https://www-cdn.oxfam.org/
s3fs-public/file_attachments/bp185-business-among-friends-corporate-tax-reform-
-120514-en_0_1.pdf. Acesso em: 10 ago. 2020.
188 INDEPENDENT COMMISSION FOR THE REFORM OF INTERNATIONAL CORPORATE
TAXATION (ICRICT). ICRICT response to the OECD consultation on the Secretariat
Proposal for a “unified approach” under Pillar One. Novembro 2019, p. 5. Disponível
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189 OECD. Member countries. Disponível em: https://www.oecd.org/about/members-an-
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190 THE GUARDIAN. IMF chief talks Panama Papers fallout: time to “think outside the
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ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DAS DOAÇÕES EMPRESARIAIS
SOBRE A PRODUÇÃO LEGISLATIVA DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS
Rodrigo Tamussino Roll

Resumo
A influência do dinheiro privado sobre os processos democráticos é preo-
cupação constante tanto das doutrinas nacional e internacional quanto da
jurisprudência pátria. Este trabalho busca colaborar com a investigação do
tema a partir de um levantamento teórico, que inclui revisão bibliográfica
e análise da ADI nº 4.650/DF, e uma pesquisa empírica. Acredita-se que,
por meio da exploração e análise dos dados referentes às doações em-
presariais de campanhas eleitorais de 2010, 2014 e 2018, e às proposições
legislativas apresentadas por deputados(as) federais do Rio de Janeiro
durante os anos de 2011, 2015 e 2019, será possível traçar correlações para
apurar a influência do financiamento empresarial sobre a atuação parla-
mentar e para averiguar se houve alguma alteração significativa com o
fim desse tipo de doação privada. Embora os resultados da pesquisa não
tenham indicado a existência de uma correlação evidente entre os dois
parâmetros analisados, foram feitas reflexões relevantes acerca do foco
que é dado às doações empresariais, como mecanismo de influência, em
detrimento da atividade do lobby, que deveria passar a ser o ponto central
dos debates acadêmicos e jurisprudenciais sobre o tema.

Palavras-chave
Democracia; Processo eleitoral; Financiamento de campanhas; Doações
empresariais; Atuação legislativa; Influência; Lobby.

Abstract
The influence of money in politics and policies is a common concern amon-
gst national and international academics, and also relevant to the appli-
cation and interpretation of the Federal Constitution. This study seeks to
collaborate with the investigation of the subject with a theoretical analysis,
which includes a literature review and a brief study on an important ruling
from the Supreme Court (ADI nº 4.650/DF), and an empirical investiga-
244 Coleção Jovem Jurista 2021

tion. I believe that, with the investigation and analysis of the data related
to corporate donations to the political campaigns of 2010, 2014 and 2018,
and the bills of law presented by the congressmen and congresswomen
from Rio de Janeiro during the years of 2011, 2015 and 2019, it will be pos-
sible to create correlations to attest the influence of this kind of campaign
funding on the actual parliamentary work and to assess if there was any
significant modification with the prohibition of the corporate donations.
Although the results of this research haven’t indicated to the existence of
a clear correlation between the two analysed parameters, there were dis-
cussed important thoughts regarding the relevancy that it is usually given
to the corporates donations, as a mechanism to influence decision-making,
at the expense of lobbying, which should be at the center of the academic
debates on this matter.

Keywords
Democracy; Electoral process; Political finance; Corporate donations; Par-
liament; Influence; Lobby.

Introdução

Uma contextualização necessária: “Devolve, Gilmar”

Há aproximadamente 6 anos, no dia 2 de abril de 2014, o Ministro Gilmar


Mendes requeria vista de um processo que seria, anos depois, um impor-
tante marco para o processo eleitoral brasileiro. Trata-se da ADI nº 4.650,1
proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que
discutia, em linhas gerais, a constitucionalidade das doações empresariais
feitas a campanhas políticas. Isoladamente e analisado sob uma perspec-
tiva de 2020, o debate suscitado pela ADI pode ser considerado pouco
relevante – tanto em termos de impacto quanto de interesse social –, es-
pecialmente se considerarmos que as discussões no âmbito do STF não
ensejavam o mesmo engajamento social dos dias atuais.2 Contudo, o con-

1 STF, ADI no 4.650/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julg. 17.09.2015, DJE
24.02.2016.
2 Sobre o ponto, recordo-me da surpresa de professores que tive na FGV Direito Rio
quando percebiam que seus alunos de primeiro ano conheciam quase todos os mi-
nistros do STF e as discussões que ali ocorriam. Em outras palavras, não se trata de
mérito exclusivo dos discentes da FGV, mas de uma ampliação da relevância social da
Suprema Corte do país. E aqui não trato apenas do que a doutrina (Nesse sentido, cf.
ARGUELHES, Diego; RIBEIRO, Leandro. Ministrocracia: o Supremo Tribunal individual
e o processo democrático brasileiro. Dossiê STF em discussão, CEBRAP, São Paulo, v.
37, p. 13-32, jan./abr. 2018; e VIEIRA, Oscar. Supremocracia. Revista Direito GV, São
Paulo, p. 441-464. jul./dez. 2008.) chama de “ativismo judicial”, mas principalmente
da indignação popular com seus representantes de forma geral, o que fez com que,
de certa forma, a população se aproximasse das discussões do STF e até protestasse
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 245

texto em que o debate estava inserido é muito significativo: o país vivia


um período único de efervescência e descontentamento popular, iniciado
com os protestos de junho de 2013.3

É nesse contexto que a vista do Ministro Gilmar Mendes, mais espe-


cificamente sua duração de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses, se tornou alvo
de críticas,4 uma vez que era compreendida como uma obstrução, já que
havia maioria formada em favor da proibição de doações eleitorais de em-
presas, representando um verdadeiro obstáculo ao que se acreditava ser
um grande avanço nas regras do jogo democrático brasileiro. Com efeito,
a Reforma Política – da qual fazia parte o modelo de financiamento de
campanha5 – simbolizava um passo necessário, sob a perspectiva popular,
para superar a crise de representatividade que se instaurara no país e ge-
rara um descontentamento popular sem precedentes com a classe política
– e até com a própria democracia em si.6 Portanto, é compreensível que,
em um julgamento com tanto apelo popular e uma maioria já definida, um
longo pedido de vista tenha gerado revolta.
contra a atuação de determinados (ou todos) ministros, como é o caso em questão.
3 Para mais, nesse sentido, cf.: MENDES, Vinícius. “Junho de 2013 é um mês que não
terminou”, diz socióloga. BBC Brasil, 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/por-
tuguese/brasil-44310600. Acesso em: 10 ago. 2020.
4 Cf. Redação Migalhas (01.04.2015). Protesto no STF pede fim do julgamento sobre
financiamento de campanhas. Migalhas, Uol. Disponível em: https://migalhas.uol.com.
br/quentes/218326/protesto-no-stf-pede-fim-do-julgamento-sobre-financiamento-
-de-campanhas. Acesso em: 10 ago. 2020.
5 Nesse sentido, cf. o entendimento da jurisprudência, por meio de trecho do voto do
Min. Relator (Luiz Fux) da ADI no 4.650/DF: “Ciente desse desafio, um dos pontos
centrais da Reforma Política é precisamente o do financiamento de campanhas elei-
torais. Nos últimos anos, verificou-se uma crescente influência do poder econômico
sobre o processo político, como decorrência do aumento nos gastos de candidatos
e de partidos políticos durante a competição eleitoral.” (p. 2 do voto, grifo nosso);
bem como o entendimento da doutrina em DA GRAÇA, Luís Felipe Guedes. O que é
reforma política? DAPP FGV, 2014. Disponível em: http://dapp.fgv.br/o-que-e-refor-
ma-politica/. Acesso em: 10 ago. 2020; e em SPECK, Bruno Wilhelm (2015, p. 263):
“Na opinião pública, as doações milionárias das empresas minam a legitimidade das
instituições da democracia representativa. Uma das expressões dessa desconfiança é
a demanda por uma reforma política, em cujo centro está a questão da reforma do
sistema de financiamento. Mesmo que o financiamento privado não tenha o impacto
negativo que lhe é atribuído na opinião pública, a presença de doações milionárias
nas disputas eleitorais consolida a imagem da influência plutocrática sobre o sistema
político, minando a sua legitimidade”.
6 Nesse sentido, cf. CHADE, Jamil. Brasileiro é quem menos confia em político, diz
pesquisa mundial. Estadão, 2016. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/
noticias/geral,brasileiro-e-quem-menos-confia-em-politico--diz-pesquisa-mun-
dial,10000050380. Acesso em: 10 ago. 2020; RUEDIGER, Marco Aurélio. O dilema do
brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro. FGV DAPP, 2017.
Disponível em: http://dapp.fgv.br/o-dilema-brasileiro-entre-descrenca-no-presen-
te-e-esperanca-no-futuro/. Acesso em: 10 ago. 2020; BRASILEIROS não se sentem
representados por políticos em exercício, aponta pesquisa. G1, 2018. Disponível em:
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rina (29.04.2019). Pesquisa mostra que 83% estão insatisfeitos com democracia no
Brasil. Folha, 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/04/
pesquisa-mostra-que-83-estao-insatisfeitos-com-democracia-no-brasil.shtml. Acesso
em: 10 ago. 2020.
246 Coleção Jovem Jurista 2021

Esses detalhes sobre o contexto político à época do julgamento da


ADI nº 4.650 podem parecer, à primeira vista, irrelevantes para um estu-
do sobre o financiamento de campanhas e suas consequências, mas acre-
dito que sejam fundamentais para a compreensão do porquê este tema
fora escolhido. Trata-se não apenas de um dos marcos mais relevantes de
alterações ocorridas no processo eleitoral do país, mas também de uma
das primeiras discussões sobre o cenário político brasileiro que consegui
acompanhar de maneira mais detida. Não seria exagero dizer que esta
questão me acompanhou ao longo de grande parte da graduação pois,
embora já tivesse sido julgada pelo STF – e entrado em vigor a “minirre-
forma eleitoral” votada pelo CN (Lei nº 13.165/15)7 –, ainda permanecia um
pôster do Centro Acadêmico de Direito (CAMM) com os dizeres “Devolve,
Gilmar”, nos corredores da faculdade.

A partir dessa alteração das regras sobre financiamento de campa-


nhas eleitorais que surgiu o interesse de estudo, logo no início da gradua-
ção, sobre o sistema político brasileiro.8 Posteriormente, em grande parte
por mérito das lições do prof. Michael Mohallem nas aulas sobre formação
das leis e lobby – e subsequentes debates aprofundados sobre o tema
–, interessei-me mais ainda pelas diferentes acepções do poder exercido
por grupos de interesse sobre o Parlamento. Por mais que o debate sobre
o lobby tenha amadurecido nos últimos anos,9 há ainda poucos dados e
transparência sobre esta atividade, o que dificulta imensamente – para não
dizer que de fato inviabiliza – a realização de pesquisas empíricas sobre
o tema. Todavia, se a análise do lobby no país não daria pistas relevantes
sobre a influência do poder econômico sobre o político, as doações em-
presariais de campanha certamente teriam muito a oferecer.

Isso se dá porque, como será visto no Capítulo I, embora haja mui-


tos estudos e discussões doutrinárias acerca das formas de financiamento
eleitoral no Brasil, mostrou-se ainda pouco explorado o estudo empíri-
co acerca da relação entre as doações empresariais e a atuação dos(as)
parlamentares brasileiros(as).10 Dito isso, diante da disponibilização dos
dados das primeiras eleições gerais ocorridas sem a doação empresarial

7 A legislação também proibiu o financiamento empresarial de campanhas, agora no


plano normativo propriamente dito, vide seu art. 20, que suprimiu a redação antiga da
Lei no 9.504/97 no que diz respeito à possibilidade de o candidato receber recursos
de doações de pessoas físicas “ou jurídicas”.
8 ROLL, Rodrigo. Brasil: uma democracia doente – Rousseau e a crise de representati-
vidade. In: VARGAS, Daniel (Org.). Justiça na contemporaneidade: como os clássicos
nos ensinam a entender e questionar a realidade. Curitiba: Juruá, 2018. p. 135-140.
9 A título de exemplo, cf. Ministro da CGU defende transparência como o melhor tra-
tamento para o lobby (27.08.2019). Controladoria-Geral da União. Disponível em: ht-
tps://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2019/08/ministro-da-cgu-defende-
-transparencia-como-o-melhor-tratamento-para-o-lobby. Acesso em: 20 set. 2020; e
MOHALLEM, Michael et al. Novas medidas contra a corrupção. Rio de Janeiro: Escola
de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, 2018.
10 Nesse sentido, cf. FIGUEIREDO FILHO (2009); MANCUSO (2012); SPECK (2015); SIL-
VA e CERVI (2017).
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 247

de campanhas (2018), buscou-se fazer uma investigação comparativa so-


bre como (ou se) ocorre a influência do financiamento de empresas na
atuação dos(as) deputados(as) federais. Ou seja, procurou-se, primeiro,
examinar empiricamente se é possível observar a influência das doações
empresariais sobre a atuação dos(as) parlamentares; e, segundo, se houve
alguma alteração na produção legislativa dos(as) deputados(as) com o
fim das doações empresariais. Dessa forma, seria possível tanto compre-
ender melhor de que maneira ocorre essa influência do privado sobre o
público, quanto analisar o peso e a relevância das diferentes formas de in-
fluência. Passemos ao desenvolvimento das reflexões decorrentes dessas
hipóteses iniciais.

Metodologia do trabalho

A partir do interesse inicial de analisar a influência do setor privado sobre


a atuação política, optou-se por estudar de que maneira as doações em-
presariais de campanhas políticas conseguem, de fato, induzir a atuação
parlamentar. Ora, naturalmente não é possível identificar explicitamente,
nas proposições legislativas, benefícios direcionados a uma empresa es-
pecífica isoladamente. Com isso, somado às já destacadas dificuldades
metodológicas inerentes ao tema de estudo, faz-se necessário exercício
interpretativo para identificar os setores afetados/beneficiados pela atua-
ção parlamentar analisada, como será explicitado na Metodologia de aná-
lise. Com efeito, é importante frisar que tanto o financiamento empresarial
quanto o próprio lobby – ou demais formas de influência – buscam não
um benefício direto e concreto para a empresa interessada, mas sim uma
alteração no setor econômico em que ela está inserida. É neste ponto que
está, inclusive, a distinção entre uma forma legítima de influência e a cor-
rupção.11

Outra ponderação metodológica importante diz respeito ao fato de


que a atuação parlamentar pode se dar tanto de modo a beneficiar de-
terminado setor quanto a dificultar seu desenvolvimento. Explica-se. Da
mesma forma que a indústria petrolífera pode buscar incentivos econô-
micos para o setor – seja por meio de isenções fiscais, seja por aumento
ou diminuição das barreiras de entrada ao setor, a depender da empresa
–, ela pode, também, perquirir o enfraquecimento das regulamentações
ambientais ou dos incentivos promovidos à indústria de energia renovável,
por exemplo. Por isso o cuidado nas classificações das proposições legis-
lativas é fundamental para as posteriores correlações com os dados das
doações empresariais, como será mais bem debatido no próximo tópico.

11 NOWNES, Anthony. Lobbying: the preconditions of an anti-corruption promise. Anti-


-Corruption Resource Centre – U4 and CMI, 2017; e CAMPOS, Nauro; GIOVANNONI,
Francesco. Lobbying, corruption and political influence. Public Choice, n. 131, p. 1-21,
2007.
248 Coleção Jovem Jurista 2021

Ainda, cabe destacar os ensinamentos de SPECK (2015, p. 247 e 248,


grifo nosso), no que diz respeito a questões metodológicas relevantes
para estudos sobre o financiamento de campanhas e sua influência sobre
os(as) candidatos(as):

Desta forma, enquanto o centro gravitacional do tema


do financiamento político está no dinheiro, a inclusão de
outros recursos materiais, midiáticos, institucionais ou até
reputacionais torna a delimitação do tema mais difícil.

Na prática muitos pesquisadores acabam adotando


um caminho pragmático, focando exclusivamente no
financiamento de campanhas eleitorais, porque esses
recursos são facilmente mensuráveis e os dados são mais
acessíveis. Mesmo aderindo a esse caminho é importante
lembrar que o tema do dinheiro na política é mais amplo
do que os recursos financeiros mobilizados nas disputas
eleitorais, e que outros recursos cuja mensuração é
mais difícil podem ter peso igual ou superior ao dinheiro
mobilizado nas campanhas eleitorais.

Feitas essas considerações, cumpre explicitar as perguntas metodo-


lógicas e hipóteses deste trabalho. Como já adiantado, o objetivo principal
deste estudo é fazer uma investigação comparativa sobre como (ou se)
ocorre a influência do financiamento de empresas na atuação dos(as) de-
putados(as) federais. A partir desse objetivo, chegou-se a duas perguntas
norteadoras, quais sejam: (i) é possível observar a influência das doações
empresariais sobre a atuação dos(as) parlamentares?; e (ii) houve alguma
alteração na produção legislativa dos(as) deputados(as) com o fim das
doações empresariais?. Como será discutido no Capítulo I, referente aos
estudos e bibliografia sobre o tema, trata-se de proposta de suprir verda-
deira lacuna na produção acadêmica, conforme indica MANCUSO (2012, p.
28, grifos nossos):12

Em primeiro lugar, salta à vista a ausência de estudos sobre


eventuais vínculos entre financiamento de campanha e
comportamento parlamentar de representantes eleitos.
Esta lacuna contrasta, por exemplo, com a vasta literatura
internacional – principalmente dos Estados Unidos – sobre

12 Nesse sentido, cf. também SILVA e CERVI (2017, p. 78): “Alguns trabalhos recentes já
têm tentado investigar se haveria efeitos mais perceptíveis da dependência econômi-
ca sobre o comportamento parlamentar e as contrapartidas recebidas pelos doadores.
Notou-se até então que, em alguns casos, houve valorização nas ações de empresas
que financiaram campanhas vitoriosas ou ainda obtenção de maior volume de contra-
tos públicos e com maior valor (CLAESSENS, FEIJEN e LAEVEN, 2008; OLIVEIRA e
ARAUJO, 2013; BOAS, HIDALGO e RICHARDSON, 2014). Contudo, ainda não há con-
firmação empírica entre doação empresarial e apoio a determinada agenda parlamen-
tar em votações em plenário (SANTOS et al., 2015)”.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 249

a relação entre contribuições de campanha e votos de


congressistas em plenário. Há, portanto, amplo espaço para
trabalhos que procurem mensurar a influência dos doadores
sobre o comportamento dos parlamentares, em termos
de apresentação de projetos e emendas, confecção de
relatórios e pareceres, votos em comissões e em plenário,
etc. Eventuais trabalhos nesta linha também precisarão ser
sensíveis aos problemas de determinação mútua (o perfil
de atuação parlamentar pode atrair financiamento e o
financiamento pode reforçar o perfil de atuação parlamentar)
e de omissão de variáveis relevantes (que outros fatores,
além do financiamento, podem afetar o perfil de atuação
parlamentar?).

Também caminham nesse sentido os apontamentos de SPECK (2015,


p. 262, grifo nosso), a saber:

Do ponto de vista dos representantes eleitos, a análise


do comportamento dos parlamentares nas votações é
um campo de pesquisa promissor para medir o impacto
do financiamento político. Adicionalmente, a atuação dos
parlamentares na elaboração da legislação e o acesso aos
parlamentares são campos importantes para a pesquisa. A
modificação de projetos de lei durante a sua tramitação no
Congresso é apontada como uma das formas de atender as
demandas dos financiadores. Por outro lado, os especialistas
argumentam frequentemente que o financiamento cria
acesso aos legisladores que, por sua vez, será usado pelos
lobistas para apresentar as demandas individuais ou coletivas
do setor privado.

Para tanto, de maneira mais específica, busca-se traçar uma correla-


ção entre os setores de atuação dos doadores empresariais e os setores
impactados/beneficiados pela atuação legislativa dos(as) deputados(as)
federais. Diante desses questionamentos, as hipóteses deste trabalho são
de que: (i) é possível observar a influência das doações empresariais sobre
a atuação dos(as) parlamentares a partir de uma correlação entre os se-
tores econômicos dos doadores e aqueles objeto das proposições dos(as)
parlamentares; e (ii) houve alteração na atuação dos deputados federais
após o fim das doações empresariais.

Quanto à primeira hipótese, tem-se que a doutrina majoritária – como


será explicitado no Capítulo I – entende que o financiamento empresarial
de campanhas é, na verdade, investimento do setor privado, isto é, que
as empresas doam para determinado(a) candidato(a) esperando algum
retorno financeiro indireto. É dizer, o financiamento empresarial pode ser
250 Coleção Jovem Jurista 2021

interpretado como verdadeiro “pré-lobby”, uma vez que as pessoas jurí-


dicas não têm poder de voto (direitos políticos) e muito menos ideolo-
gia política.13 Portanto, acredita-se que há, sim, uma vinculação positiva
entre os doadores empresariais – que representavam a maior parte das
cifras (astronômicas) doadas14 – e os(as) parlamentares, de modo que esta
doação representava um fator importante de influência por parte desses
grupos de interesse.

Quanto à segunda hipótese, acredita-se que houve alteração na atu-


ação parlamentar com o fim das doações empresariais pois, sem esta for-
ma relevante e concreta de influência, perde-se importante mecanismo
de pressão para fazer valer determinada pauta de grupos de interesse.
Evidente que, como será discutido no Capítulo I, há outras formas de influ-
ência legítima, como é o caso do lobby, que podem servir de mecanismos
de pressão do setor privado. Contudo, dificilmente estes podem ser tão
efetivos quanto as doações, que podem até determinar o próprio resul-
tado eleitoral, ou seja, definir se um(a) candidato(a) será (re)eleito(a) ou
não.15 Outra consideração importante diz respeito à capacidade de em-
presas que já doavam anteriormente terem maior (ou a mesma) influência
mesmo após a proibição das doações empresariais, o que pode significar
tanto que estão sendo utilizadas outras formas de pressão (lícitas e/ou
ilícitas), quanto que o poder de influência das doações é tão forte que se
mantém mesmo após uma legislatura inteira. Quanto a esse ponto, faz-se
necessária breve análise com relação à prática do lobby e sua regulamen-
tação ao final deste estudo.

13 Cumpre frisar, mais uma vez, que não se trata de argumentação sob a ótica da integri-
dade/legitimidade, ou seja, não se discute a idoneidade de empresas que doam para
campanhas políticas. Assim como o lobby, esta prática pode ser vista como forma
legítima de influência do setor privado sobre o público. Portanto, como será melhor
demonstrado no Capítulo I, o que se questiona é se deve o setor privado poder influir
desta maneira no processo eleitoral. Com isso, investiga-se, neste estudo, se esta in-
fluência era observável na atuação parlamentar e se ela sofreu alguma alteração com
a posterior proibição das doações empresariais.
14 “No total dos recursos externos de R$ 3,1 bilhões arrecadados na campanha de 2010,
75% são provenientes de empresas, 14% de doações de cidadãos e 11% são recursos
próprios dos candidatos. Esses valores apresentam certa variação, dependendo dos
cargos disputados. Há uma clara linha crescente em relação ao peso do financiamento
pelas empresas dos cargos com menos poder político para os cargos de maior impor-
tância. Enquanto os deputados estaduais financiam 44% das suas campanhas com re-
cursos próprios, os candidatos disputando a Presidência recebem 91% de empresas.”
(SPECK, 2015, p. 253-255).
15 “Certamente um dos efeitos mais observados do impacto do dinheiro sobre a com-
petição política é o desequilíbrio causado pelas presenças díspares de recursos em
campanhas. Quer dizer, portanto, que candidatos mais bem financiados são aqueles
que apresentam maiores números de votos em eleições proporcionais e majoritárias.
(SAMUELS, 2001; PEIXOTO, 2010; FIGUEIREDO FILHO et al., 2013; SPECK e MANCU-
SO, 2012; SPECK e CERVI, 2013; EDUARDO, 2014). Mas mais do que bem votados,
um grande volume de receitas afeta positivamente a chance de sucesso eleitoral dos
competidores (CERVI, 2010; SACCHET e SANTOS, 2012; CERVI, 2013; MANCUSO e
FIGUEIREDO FILHO, 2014).” (SILVA e CERVI, 2017, p. 78).
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 251

Feitos esses esclarecimentos necessários acerca da metodologia des-


te trabalho, passemos agora à metodologia de pesquisa e análise propria-
mente ditas, isto é, como foi realizado o levantamento de informações e
como elas foram desenvolvidas ao longo de cada parte deste estudo.

Metodologia de análise

Este trabalho buscou reunir tanto elementos mais teóricos, como a dou-
trina, legislação e jurisprudência sobre o tema, quanto uma análise verda-
deiramente empírica para poder construir uma sólida proposta de estudo
sobre a influência do financiamento empresarial de campanhas – e, em
última análise, da influência do dinheiro empresarial em todas as suas pos-
síveis acepções – sobre a atuação dos(as) parlamentares brasileiros(as).
Dito isso, o presente estudo é organizado a partir de: (i) revisão bibliográ-
fica acerca do entendimento da doutrina sobre o financiamento de cam-
panhas no Brasil, mais especificamente sobre o financiamento empresarial
e sua influência na política; (ii) análise do julgamento da ADI nº 4.650 e
de sua relevância como marco para o financiamento eleitoral no país; (iii)
levantamento empírico de (iii.1) dados referentes às doações empresariais
feitas a candidatos(as) ao cargo de deputado federal pelo Rio de Janeiro;
e (iii.2) PLs, PLPs e PECs apresentadas pelos(as) deputados(as) estuda-
dos(as); e, por fim, (iv) breves conclusões e novas hipóteses acerca da
influência privada na política, com enfoque para o papel crucial que a ativi-
dade do lobby passa a ter no Brasil. A partir dessa estrutura de análise, que
contempla diferentes ferramentas metodológicas para buscar uma melhor
compreensão sobre o tema, passa-se agora a explicitar cada uma a partir
de sua característica metodológica, ou seja, agrupando-se as análises te-
óricas e as empíricas.

Do levantamento teórico

De início, foi de extrema relevância para o estudo do tema em questão a


realização de revisão bibliográfica acerca do financiamento eleitoral. Para
tanto, realizou-se um levantamento dos principais trabalhos sobre o as-
sunto, para contextualizar o objeto de estudo, e identificaram-se os en-
tendimentos centrais com relação aos diferentes tipos de financiamento,
mais especificamente, sobre o financiamento empresarial e suas possíveis
influências no pós-eleições. Somado a esta etapa inicial de mapeamento
dos principais pontos, fez-se, também, uma análise mais concreta da atu-
ação parlamentar, a partir da doutrina e do próprio Regimento Interno da
Câmara dos Deputados (RICD). Trata-se de etapa fundamental para per-
mitir uma melhor compreensão desse universo da influência econômica
sobre os(as) parlamentares, uma vez que indica outros possíveis objetos
252 Coleção Jovem Jurista 2021

de análise para serem testados em pesquisas futuras, para além do estudo


dos PLs, PLPs e PECs.

Posteriormente, fez-se uma análise crítica do julgamento do STF na


ADI nº 4.650, de modo a viabilizar uma compreensão acerca do que moti-
vou e fundamentou a decisão da Suprema Corte de proibir o financiamen-
to empresarial de campanhas políticas. Esta etapa foi relevante, também,
para confirmar o entendimento majoritário sobre o tema – tanto na dou-
trina quanto na jurisprudência – e para a elaboração de hipóteses que par-
tem de uma decisão concreta, com fundamentações e premissas específi-
cas. Por fim, a partir da análise do julgamento do STF, foi possível delimitar
no tempo os marcos mais relevantes no que diz respeito ao financiamento
de campanhas no país.

Por último, fez-se um levantamento da doutrina nacional e internacio-


nal sobre lobby para agregar informações sobre o tema às conclusões do
trabalho. Como será indicado, o debate sobre a regulamentação do lobby
pode ter um papel crucial para a identificação e equalização das influên-
cias econômicas sobre o setor político no país em virtude da possibilidade
de crescimento desta prática como “substituição” ao financiamento em-
presarial de campanhas políticas. Em outros termos, os resultados obtidos
podem ter indicado que, com o fim das doações empresariais, a academia
deve focar suas análises na influência exercida pelo setor privado através
do lobby, de modo que as discussões em torno de sua regulamentação po-
dem ser cruciais para a compreensão da influência privada sobre a política
e para orientar futuras análises sobre o tema.

Do levantamento empírico

Para apurar a influência do financiamento empresarial de campanhas so-


bre a atuação legislativa da Câmara dos Deputados, este trabalho se pro-
pôs a analisar e correlacionar dados empíricos tanto do lado das doações
quanto da própria atividade legiferante – atuação fim do Parlamento. Com
efeito, ante a impossibilidade fática de análise das doações empresariais
e da atuação legislativa referente a todos(as) os(as) parlamentares, nas
três esferas federativas do país, e em todas as eleições realizadas até o
momento, optou-se pelo estudo aprofundado de deputados(as) federais
do Rio de Janeiro eleitos(as) e reeleitos(as) nos três últimos pleitos, quais
sejam, 2010, 2014 e 2018.

A escolha do Rio de Janeiro se deu pelo simples fato de ser o estado


de registro eleitoral do autor. Quanto ao marco temporal escolhido, este
deve-se ao intuito deste trabalho de, também, analisar se houve alguma
alteração na influência empresarial sobre a atuação legislativa dos(as)
deputados(as) federais após o julgamento da ADI nº 4.650, que proibiu
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 253

o financiamento empresarial de campanhas. Isto é, buscou-se apurar se,


mesmo sem as doações empresariais, a atividade legislativa se manteria,
em termos de temáticas das propostas apresentadas, e, se for o caso, se
a influência dos diferentes setores empresariais permaneceria visível na
atividade legiferante. Também, é importante frisar que os dados referen-
tes a eleições mais antigas, especialmente anteriores a 2004, não são tão
acessíveis e facilmente manipuláveis quanto os que dizem respeito aos
pleitos mais recentes.

Ainda, com o objetivo de manter o rigor metodológico da pesquisa,


optou-se por analisar apenas os(as) deputados(as) federais do Rio de Ja-
neiro que foram eleitos(as) e reeleitos(as) nos três últimos pleitos para
que se pudesse comparar diretamente a influência de seus doadores e
a alteração em sua atividade legiferante. Cabe destacar que a atuação
legislativa estudada foi restrita ao primeiro ano de cada mandato, ou seja,
2011, 2015 e 2019, o que se deu pelo fato de que o vínculo com os doadores
estaria ainda recente e, também, porque os(as) deputados(as) costumam
apresentar mais propostas no início das legislaturas.16 Feitos esses esclare-
cimentos iniciais, passemos à metodologia utilizada para o levantamento
dos dados.

Inicialmente, a partir dos dados obtidos no site do Tribunal Superior


Eleitoral (TSE),17 criou-se uma planilha com todos(as) candidatos(as) ao
cargo de deputado federal eleitos(as) nos pleitos de 2010, 2014 e 2018,18
e filtrou-se pelos nomes dos(as) candidatos(as) do Rio de Janeiro que se
repetem três vezes. Para tanto, foi necessário não apenas reunir os dados
disponibilizados em planilhas diferentes para cada eleição em uma única,
mas também corrigir eventuais erros de digitação (especialmente relacio-
nados à não identificação de acentos) nos nomes dos(as) candidatos(as).
Com isso, chegou-se ao espaço amostral preliminar de 9 (nove) depu-
tados(as) federais, quais sejam: Alessandro Lucciola Molon; Aureo Lidio

16 Nesse sentido, confira análise com relação às PECs: “Observa-se que, em geral, o nú-
mero de PECs teve picos de apresentação nos primeiros anos das Legislaturas, tanto
na Câmara quanto no Senado. Esse comportamento já foi observado anteriormente
pela equipe do Congresso em Números”. SGANZERLA, Rogério; VASCONCELLOS,
Fábio; SCOVINO, Fernanda; CASTRO, Matheus. Introdução. Parte 1 – Trinta anos de
propostas e modificações constitucionais. In: CERDEIRA, Pablo; VASCONCELLOS, Fá-
bio; SGANZERLA, Rogério (Orgs.). Três décadas de reforma constitucional: onde e
como o Congresso Nacional procurou modificar a Constituição 1988. Rio de Janeiro:
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, 2018. p. 42. Sobre as
observações apontadas acerca de análises anteriores do projeto, cf. CERDEIRA, Pablo
de Camargo; VASCONCELLOS, Fábio; SGANZERLA, Rogério; CUNHA, Brenda; CARA-
BETTA, João; SALES, Alifer; SCOVINO, Fernanda. Congresso em números: a produção
legislativa do Brasil de 1988 a 2017. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro
da Fundação Getúlio Vargas, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/10438/24019.
Acesso em: 10 out. 2020.
17 Especialmente http://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/ e https://www.tse.jus.
br/hotsites/pesquisas-eleitorais/candidatos_anos/2010.html.
18 Dados disponibilizados na plataforma Github, como será explicado ao final desta In-
trodução. Nesse sentido, confira p. 256, nota de rodapé no 25.
254 Coleção Jovem Jurista 2021

Moreira Ribeiro; Benedita Souza da Silva Sampaio; Glauber de Medeiros


Braga; Hugo Leal Melo da Silva; Jandira Feghali; Jean Wyllys de Matos
Santos; Pedro Paulo Carvalho Teixeira; e Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio
Maia. Contudo, como o deputado federal Jean Wyllys renunciou ao seu
mandato referente às eleições de 2018 ainda antes de tomar posse em
2019,19 ele foi excluído da análise, restando apenas os(as) demais 8 (oito)
supracitados(as).

A segunda etapa para o levantamento dos dados foi a uniformização


das informações disponibilizadas pelo TSE sobre as doações de cada can-
didato(a) em cada um dos pleitos estudados. Dessa forma, foram importa-
dos os dados do site do TSE20 referentes ao nome do(a) candidato(a), ano,
partido, nome do doador, CNPJ, valor doado e espécie de recurso (forma
como foi feita a doação). Como se pode ver na planilha das doações,21
as pessoas físicas não foram nem incorporadas à tabela para facilitar a
análise, de modo que restaram somente doadores com a numeração cor-
respondente a um CNPJ.22 Com isso, foram mantidas tanto doações feitas
pelos Diretórios Nacionais/Estaduais/Distritais e Comitês Financeiros dos
partidos dos(as) deputados(as), quanto doações realizadas por outras
candidaturas. Essas doações partidárias foram identificadas e destacadas
para que fossem diferenciadas das demais.

Entretanto, cumpre salientar que, em alguns casos, foi disponibilizado


o nome da empresa que fez a doação originalmente, isto é, o nome e o
CNPJ de quem fez a doação ao partido ou à outra candidatura que, pos-
teriormente, repassou a um(a) dos(as) candidatos(as) em análise. Nesses
casos, os CNPJs foram alterados para os CNPJs das empresas doadoras
(e não dos partidos), mas foi preservada a informação de que se trata de
doação de certa forma indireta, uma vez que, no nome do doador, foi man-
tida a entidade partidária ou candidatura, criando-se uma coluna a mais
para indicar o “doador originário”, a qual foi utilizada em todas as análises.
Ainda, para facilitar o estudo, criou-se outra planilha com as doações agre-
gadas por doador, pois os dados do TSE correspondem a cada doação
feita, ou seja, há diversos casos em que um mesmo doador – geralmente
outra candidatura ou órgão partidário – realizou várias doações peque-
nas, de modo que seria interessante também ter este dado compilado em

19 VIVAS, Fernanda; CALGARO, Fernanda Renúncia de Jean Wyllys ao terceiro mandato


é oficializada na Câmara.G1, 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/no-
ticia/2019/01/29/renuncia-de-jean-wyllys-ao-terceiro-mandato-e-oficializada-na-ca-
mara.ghtml. Acesso em: 17 out. 2020.
20 Confira nota de rodapé de no 17, p. 253.
21 Dados disponibilizados na plataforma Github, como será explicado ao final desta In-
trodução. Nesse sentido, confira p. 256, nota de rodapé no 25.
22 Esta é, inclusive, a justificativa para o fato de as doações de 2018 não terem sido ana-
lisadas, uma vez que já era aplicável a decisão do STF de proibir o financiamento em-
presarial de campanhas. Portanto, não caberia reunir os dados de 2018 se só haveria
doação pública e/ou de pessoas físicas (CPFs).
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 255

uma versão mais condensada da planilha para facilitar a visualização das


informações.

Após a organização dos dados obtidos, foram criadas duas colunas


para análise, quais sejam, “Setor (macro)” e “Setor (micro)”, com as quais
se buscou classificar o setor a que pertencia cada doador. Foram feitas
duas colunas distintas para classificação devido à grande variedade de
doadores e à dificuldade de agregar diferentes doadores em um mesmo
setor. Assim, foi possível realizar uma dupla filtragem das classificações
para que se aumentasse o grau de objetividade da análise e, também, para
que classificações indevidas fossem menos prováveis. Para realizar as
classificações, foi utilizado o CNPJ de cada empresa doadora como termo
de busca na internet, que indicou diferentes sites que compilam informa-
ções cadastrais das empresas, especialmente sobre a atividade principal
e as atividades secundárias (os que com mais frequência disponibilizavam
esses dados eram: “CNPJ Rocks”, “CNPJ Biz”, “CNPJ Brasil” e “Compras
Dados Fornecedores” (Governo Federal).23

Por último, fez-se um levantamento da produção legislativa de cada


um dos(as) 8 (oito) deputados(as) analisados(as) nos anos de 2011, 2015
e 2019. Para tanto, utilizou-se a ferramenta de busca de propostas legisla-
tivas da Câmara dos Deputados24 e filtrou-se pelos anos e deputados(as)
desejados, bem como pelos tipos de proposições definidas para o estudo,
quais sejam, PLs, PLPs e PECs. Evidente que não se trata da totalidade da
atuação legislativa e nem se pretendeu realizar um estudo completo so-
bre as influências econômicas no mandato dos(as) deputados(as). Como
será visto no Capítulo I, há diversos mecanismos de atuação dos(as) par-
lamentares que podem ser possíveis “gargalos” para a influência do setor
privado. Contudo, nem todos são observáveis ou facilmente acessíveis,
além disso, os escolhidos representam as proposições legislativas mais re-
levantes no âmbito do Legislativo.

De maneira análoga ao levantamento das informações referentes às


doações, foi mantida grande parte das informações disponibilizadas com
o intuito de criar uma base de dados que pode ser utilizada para demais
pesquisas, posteriormente, e também foram criadas duas classificações
para análise, as mesmas “Setor (macro)” e “Setor (micro)”. Nesse caso,
o fator utilizado para a análise foi a leitura das propostas legislativas e
constitucionais, sob a ótica tanto do tema da proposição (macro) quanto
do setor propriamente afetado (micro). Portanto, assim como no caso dos
dados referentes às doações, deve-se levar em conta as duas categorias
de análise interligadas para uma correlação mais completa e precisa. Para
realizar a correlação das informações levantadas, utilizou-se a linguagem
23 Disponíveis, respectivamente, em: https://cnpjs.rocks/; https://cnpj.biz/; https://
www.cnpjbrasil.com/; e http://compras.dados.gov.br/docs/home.html.
24 Disponível em: https://www.camara.leg.br/busca-portal/proposicoes/pesquisa-sim-
plificada.
256 Coleção Jovem Jurista 2021

de programação “R”, que possibilitou a criação de gráficos específicos


para cada deputado(a) em cada ano de análise, facilitando a visualização
dos resultados obtidos – os quais estão disponíveis no Capítulo III. Todos
os dados levantados – que foram organizados nas três planilhas utilizadas
como base –, assim como o código elaborado para a formulação dos grá-
ficos utilizados neste trabalho, estão disponíveis na plataforma Github,25
de forma aberta, para que todos(as) os(as) interessados(as) possam aces-
sar e utilizar os dados. Trata-se não apenas de compromisso ético com a
transparência das informações utilizadas neste estudo, mas também de
parte do objetivo deste trabalho, qual seja, fomentar o aumento da produ-
ção acadêmica sobre o tema.

Como já brevemente adiantado, este estudo tem uma série de desa-


fios metodológicos em virtude de seu ineditismo. Desse modo, embora
grande parte da doutrina e até da jurisprudência – como será demonstra-
do no Capítulo I – concorde que há influência do setor econômico na seara
política, esta relação ainda não foi propriamente demonstrada, salvo por
estudos pontuais e com perspectivas distintas.26 Evidente que isso não
ocorre ao acaso: há uma série de fatores envolvidos na influência do setor
privado sobre a atuação parlamentar que não são facilmente observáveis
– como é o caso da corrupção e do “Caixa 2”, do lado das doações em si, e
das inúmeras formas que um(a) parlamentar dispõe para poder “compen-
sar” a empresa por sua doação, do lado da atuação legislativa. Ademais,
para além da dificuldade de levantar e “limpar” os dados, a classificação de
doadores e de propostas legislativas exige um tremendo esforço para se
criar um denominador comum passível de análise e de comparação. Como
também já adiantado, a própria escolha de analisar PLs, PLPs e PECs en-
seja um enviesamento do estudo, omitindo informações que poderiam ser
encontradas em outros loci de influência. E o mesmo ocorre com a neces-
sária filtragem dos(as) deputados(as) que serão objeto de estudo, uma
vez que os resultados podem não representar a Câmara dos Deputados
como um todo.

Todavia, este trabalho não tem a pretensão de dar uma resposta fi-
nal à questão da influência empresarial sobre a política. Trata-se de um
primeiro passo para buscar tanto a compreensão empírica quanto teórica
de um fenômeno pouco explorado. Assim, acredita-se que seja possível
colaborar para o debate em questão com a metodologia utilizada, com
os dados levantados, com as conclusões obtidas e com os aprendizados
que se extraem deste estudo, pois, a partir dele, a academia pode compre-
ender que o foco não deve ser a análise de PLs, PLPs e PECs, mas sim de
outras formas de atuação parlamentar, por exemplo.

25 Disponível em: https://github.com/Rodrigo-Roll/TCC_Rodrigo_Roll/.


26 Para um levantamento sobre os estudos neste ponto, cf. MANCUSO (2012). Cf. tam-
bém FIGUEIREDO FILHO (2009); ABRAMO (2014); NUNES (2019) e SANTOS (2011).
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 257
258 Coleção Jovem Jurista 2021

I. O FINANCIAMENTO ELEITORAL NO BRASIL

As diferentes formas de financiamento eleitoral e seu papel no jogo


democrático

O financiamento das campanhas políticas representa uma parte vital do


processo democrático. Embora haja uma série de questionamentos27
quanto às cifras que são movimentadas nesse processo, especialmente
no Brasil, é inegável que o acesso a recursos financeiros seja indispensá-
vel para a ampla disseminação de ideias e para a apresentação dos(as)
mais variados(as) candidatos(as) em um determinado pleito eleitoral.28
Em outras palavras, a possibilidade de competir por recursos faz parte
das regras do jogo democrático e, inclusive, fomenta o que Przeworski
(1994)29 chama de “institucionalização da incerteza”, atributo essencial de
uma democracia, a saber:

Numa democracia, várias forças políticas competem entre


si dentro de estruturas institucionais. Os participantes da
27 Cf. trecho do voto do Min. Relator (Luiz Fux) da ADI no 4.650/DF: “Na mesma Au-
diência, o expositor e professor Geraldo Tadeu demonstrou que o gasto per capita
nas campanhas eleitorais no Brasil é bastante superior aos da França, da Alemanha
e do Reino Unido. No Brasil, essa cifra atinge o montante de $10,93, enquanto que
na França é de $0,45, no Reino Unido, de $0,77, e na Alemanha chega a 2,21. Quan-
do comparado proporcionalmente ao PIB, o Brasil também se encontra no topo do
ranking dos países que mais gastam com campanhas eleitorais: 0,89% de toda a ri-
queza gerada no país se presta a financiar candidaturas a cargos representativos.
Aqui, ultrapassamos, inclusive, os Estados Unidos, em que apenas 0,38% do PIB vai
para as campanhas eleitorais”. (p. 2 do voto, grifos nossos)
28 Nesse sentido, cf. “Nesse processo, partidos políticos e candidatos precisam de aces-
so a dinheiro para poder alcançar o eleitorado e explicar seus objetivos e políticas,
além de receber ‘inputs’ da população sobre suas propostas. Campanhas eleitorais
dinâmicas podem engajar cidadãos no processo eleitoral, e partidos políticos ativos
podem envolver as pessoas no diálogo democrático entre eleições. Portanto, o finan-
ciamento de campanhas tem um papel positivo nas democracias: ele pode ajudar
a fortalecer os partidos políticos e candidatos, além de providenciar oportunidades
para que haja uma competição mais igualitária. De fato, o acesso suficiente ao finan-
ciamento que é providenciado sem amarras é crucial para a ‘overall vibrancy’ de um
sistema democrático e eleitoral – o qual ajuda os cidadãos a acreditar na (e confiar)
política e nos políticos”. – Tradução livre de: “In this process, political parties and
candidates need access to money in order to reach out to the electorate and explain
their goals and policies, and receive input from the people about their views. Dynamic
election campaigns can engage citizens in the electoral process, and active political
parties can involve people in the democratic dialogue between elections. Thus politi-
cal finance has a positive role to play in democracies: it can help strengthen political
parties and candidates, and provide opportunities to compete on more equal terms.
Indeed, sufficient access to funding that is provided with no strings attached is crucial
to the overall vibrancy of an electoral and democratic system – which helps citizens
believe in (and trust) politics and politicians”. (OHMAN, Maguns. Introduction to poli-
tical finance. In: FALGUERA, Elin, JONES, Samuel; OHMAN, Magnus (Org.). Funding of
political parties and election campaigns: a handbook on political finance. Stockholm:
IDEA, 2014. p. 1.) (grifos nossos)
29 PRZEWORSKI, Adam. Democracia e mercado: reformas políticas e econômicas no
Leste Europeu e na América Latina. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. p. 25-31.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 259

competição democráticas investem recursos econômicos,


organizacionais e ideológicos desiguais na disputa. Alguns
grupos têm mais dinheiro do que outros para gastar na
política. Alguns dispõem de mais competência e vantagens
organizacionais do que outros. Uns possuem recursos
ideológicos melhores, isto é, argumentos mais convincentes.
Se as instituições democráticas são universalistas – isto é,
neutras em relação à identidade dos participantes –, os que
detêm maiores somas de recursos têm mais probabilidade
de sair vencedores nos conflitos submetidos ao processo
democrático. Tenciono defender a tese de que os resultados
desse processo são determinados conjuntamente pelos
recursos e pelas instituições e, portanto, a probabilidade
de um grupo qualquer, identificado por sua posição na
sociedade civil, chegar a realizar seus interesses de uma
determinada forma e dentro de um determinado grau é, de
um modo geral, distinta da de outros grupos. (p. 26-27)

[...] Resumindo, numa democracia todas as forças devem lutar


continuamente pela satisfação de seus interesses. Nenhuma
delas encontra refúgio em suas posições políticas. Ninguém
pode esperar pelos resultados para modificá-los depois;
todos devem subordinar seus interesses à competição
e à incerteza. O momento crucial da transição do regime
autoritário para o regime democrático é a passagem daquela
limiar além do qual ninguém pode intervir para reverter os
resultados do processo político formal. A democratização é
um ato de submissão de todos os interesses à competição,
é uma ação de institucionalização da incerteza. O passo
decisivo em direção à democracia é dado pela transferência
do poder de um grupo de pessoas para um conjunto de
regras. (p. 31, grifo nosso)

Dito isso, cumpre agora elucidar de que maneiras esse financiamento


de campanhas políticas pode se dar em um regime democrático. Basi-
camente, são três opções: (i) exclusivamente público; (ii) exclusivamente
privado;30 ou (iii) misto. Na primeira hipótese, os partidos políticos rece-
bem subsídios unicamente do Estado, isto é, as campanhas políticas são fi-
nanciadas pelo dinheiro do contribuinte, que é repassado às candidaturas
pelos partidos. Nesse ponto, é importante destacar que a transferência de
recursos estatais pode se dar não apenas de forma direta, mas também in-
direta, ou seja, “[...] pode ser direto, implicando a transferência de dinheiro
a partidos ou candidatos, ou indireto, na forma de subsídios, isenções tri-
30 Cabe destacar, aqui, que a problemática central deste tipo de financiamento gira em
torno das doações empresariais, e não das doações de pessoas físicas, como será mais
bem discutido.
260 Coleção Jovem Jurista 2021

butárias ou cessão de recursos públicos, tais como espaços, funcionários


ou materiais” (SPECK e DOLANDELI, 2014, p. 13). Ainda, no que diz res-
peito à forma indireta de financiamento estatal, há o acesso “gratuito” à
mídia, viabilizado pela compra de tempo de exposição dos candidatos nos
canais televisivos por parte do Estado.31

Há fatores relevantes que devem ser considerados quando se discute


o financiamento público de campanhas políticas, como a elegibilidade/cri-
térios de acesso a esses recursos e a alocação deles entre aqueles que são
elegíveis.32 Diante de inúmeras e complexas variáveis, há diversos modelos
de financiamento público possíveis, conforme aprofundado por SPECK e
DOLANDELI (2014, p. 17-25). Já os objetivos principais dessa forma de
financiamento de campanhas foram muito bem resumidos por OHMAN
(2014, p. 22-23):

Às vezes o propósito de fornecer um financiamento público é


para garantir que todas as forças políticas relevantes tenham
acesso a recursos suficientes para alcançar o eleitorado,
encorajando, assim, o pluralismo e proporcionando ao
eleitorado uma variedade maior de políticos e políticas
para serem escolhidos. Outro objetivo pode ser o de limitar
a vantagem de competidores com acesso a recursos
significativos ao garantir a todos o acesso a fundos de
campanha. [...] Há uma terceira vantagem potencial de se
fornecer financiamento público de campanhas: a ameaça
de retê-lo caso os partidos políticos (ou candidatos)
não cumpram outras regras, como o limite de gastos ou
requerimentos que devem ser cumpridos, pode ser um
incentivo altamente efetivo para fazer com que respeitem
as regras.33

Com relação ao financiamento exclusivamente privado, este se dá


a partir de doações feitas por pessoas físicas e/ou jurídicas, bem como
por doações do(a) próprio(a) candidato(a). Dessa forma, evita-se que
31 Amplamente conhecida no Brasil como a propaganda eleitoral obrigatória, conside-
rada como fator relevante (ao lado dos debates eleitorais, no caso de cargos majori-
tários, via de regra) para a ampla exposição de ideias e propostas dos candidatos
durante o período eleitoral.
32 OHMAN, Maguns. Getting the political finance system right. In: FALGUERA, Elin; JO-
NES, Samuel; OHMAN, Magnus, Org. Funding of political parties and election cam-
paigns: a handbook on political. Finance. Stockholm: IDEA, 2014. p. 23.
33 Tradução livre de: “Sometimes the purpose of providing public funding is to ensure
that all relevant political forces have access to enough resources to reach the electo-
rate, thereby encouraging pluralism and providing the electorate with a wider choice
of politicians and policies. Another goal can be to limit the advantage of competitors
with access to significant resources by giving everyone access to funds for campaig-
ning. [...] There is a third potential advantage of providing public funding: the threat to
withhold it if political parties (or candidates) fail to follow other rules such as spending
limits or reporting requirements can prove a highly effective incentive to obey the ru-
les”.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 261

todos(as) os(as) candidatos(as), principalmente os(as) menos populares


entre o eleitorado, tenham acesso a recursos de forma quase que automá-
tica, isto é, faz-se com que os(as) candidatos(as) tenham que atrair finan-
ciadores a partir de sua imagem e propostas. Esta forma de financiamento
preserva recursos do erário público – e, indiretamente, do contribuinte –
ao mesmo tempo que incentiva a competição política entre os(as) candi-
datos(as) pela busca de financiadores. Trata-se, também, de maneira de
aproximar e engajar ainda mais o eleitorado com relação ao processo de-
mocrático, uma vez que os(as) candidatos(as) efetivamente dependem do
suporte financeiro do maior número possível de eleitores(as) – o que vai
além do voto em si, especialmente em países em que o voto é obrigatório.

Por último, reunindo elementos dos dois extremos anteriormente ci-


tados, há o financiamento misto. Nesse caso, pode-se optar pelas mais
distintas conformações presentes nas variedades de cada um dos mode-
los, público e privado. Assim, é possível que seja imposto um teto para as
doações privadas, ou que o financiamento público esteja condicionado a
determinados requisitos, entre outras inúmeras possibilidades. Ademais,
pode-se proibir determinadas doações por se entender que estas preju-
dicam o processo democrático, como é comum ocorrer com entidades
estrangeiras, sindicatos, doadores anônimos, entidades públicas e empre-
sas de forma geral.34 Para dados a respeito das regulamentações acerca
desses tipos de doações ao redor do mundo, confira a base de dados do
International Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA).35

Cabe, ainda, destacar que há diversas formas inovadoras sendo tes-


tadas, em caráter experimental, para aprimorar as formas existentes de
financiamento eleitoral.36 Tais iniciativas não se restringem a um dos mo-
delos específicos de financiamento, o que ressalta o fato de não haver me-
canismo ideal, apenas conformações mais eficientes e melhor adequadas
ao espírito democrático. Apenas a título de exemplo, citarei dois casos: (i)
o crowdfunding; e (ii) os democracy vouchers. O primeiro busca incentivar
as doações de pessoas físicas por meio de plataformas de doação coletiva,
isto é, cria-se uma campanha arrecadatória para que os(as) eleitores(as)
que se identificam com a campanha de seu(sua) respectivo(a) candida-
to(a) possam doar pequenas quantias que, somadas, representam uma
cifra considerável.37 O financiamento coletivo já é realidade nos EUA, ten-

34 Ibid, p. 21, tabela 2.1 “The rationale behind different types of donations bans”.
35 Political Finance Database, IDEA. Disponível em: https://www.idea.int/data-tools/
data/political-finance-database. Acesso em: 10 set. 2020.
36 Nesse sentido, cf. MOHALLEM, Michael; COSTA, Gustavo. Crowdfunding e o futuro
do financiamento eleitoral no Brasil. Revista Estudos Eleitorais, v. 10, n. 2, maio/ago.
2015 e MOHALLEM, Michael. Doação ou investimento? Alternativas ao financiamento
desigual de campanhas eleitorais. In: FALCÃO, Joaquim (Org.). Reforma eleitoral no
Brasil: legislação, democracia e internet em debate. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2015.
37 Para mais, cf. MOHALLEM e COSTA, Ibid., p. 164-171.
262 Coleção Jovem Jurista 2021

do sido muito relevante para as eleições presidenciais de 2008 e 2012,38


e também no Brasil39 – embora não haja uma definição regulatória clara
sobre o ponto no ordenamento jurídico brasileiro.

Quanto ao segundo, os democracy vouchers, eles buscam aumentar


o engajamento da sociedade com o processo eleitoral a partir do envio de
vouchers para as casas dos(as) eleitores(as). Cada voucher tem o mesmo
valor – de maneira que cada eleitor(a) tem direito a doar a mesma quan-
tia – e representa uma parte do fundo público disponível para campanhas
políticas, de modo que os(as) eleitores(as) podem escolher qual(is) can-
didato(s) deve(m) receber uma maior parte da cifra pública para financiar
sua(s) campanha(s) política(s) – e, consequentemente, qual(is) deve(m)
receber menos. Essa inovação foi utilizada em Seattle, nos anos de 2017
e 2019, para as eleições do Legislativo municipal.40 Após esses esclareci-
mentos acerca do funcionamento das diferentes formas de financiamento
eleitoral e de suas inovações, passemos, de forma mais específica, aos im-
pactos do financiamento empresarial de campanhas.

A influência do dinheiro privado na política: um desvirtuamento da


poliarquia?

O conceito de “poliarquia” foi cunhado por Robert Dahl (1997)41 para teori-
zar acerca de uma democracia “perfeita”. Para ele, uma poliarquia deveria
ser responsiva, isto é, seus cidadãos deveriam ter oportunidades plenas
de: (1) Formular suas preferências; (2) Expressar suas preferências a seus
concidadãos e ao governo, de forma individual e coletiva; e (3) Ter suas
preferências igualmente consideradas na conduta do governo. Além do
direito de voto, elegibilidade para cargos públicos e eleições livres e idô-
neas, a responsividade também se subdivide em outros direitos,42 que hoje
consideramos como básicos em um Estado Democrático de Direito. Acre-
dito que este conceito basilar da Ciência Política pode ajudar a demonstrar
a importância do voto para um regime democrático, de modo que as críti-
cas ao poder/consequências do financiamento empresarial de campanhas
que serão apresentadas sejam analisadas sob essa perspectiva, ou seja,
como problemas centrais de uma democracia.

38 Ibid., p. 164-165.
39 Cf. MELLO, Bernardo. “Vaquinhas” em apoio a candidatos já somam R$ 4,5 milhões;
veja quem recebeu mais contribuições. SONAR – A escuta das redes, O Globo, 2020.
Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/va-
quinhas-em-apoio-candidatos-ja-somam-r-45-milhoes-veja-quem-recebeu-mais-con-
tribuicoes.html. Acesso em: 2 nov. 2020.
40 Cf. BEEKMAN, Daniel. Seattle mailing out “democracy vouchers” ahead of 2019 City
Council elections. The Seattle Times, 2019. Disponível em: https://www.seattleti-
mes.com/seattle-news/politics/seattle-mailing-out-democracy-vouchers-ahead-of-
-2019-city-council-elections/. Acesso em: 10 out. 2020.
41 DAHL, Robert. P ​ oliarquia​. São Paulo, EDUSP, 1997.
42 Ibid., p. 27.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 263

Dito isso, cumpre trazer trecho do prefácio do já citado relatório IDEA


(2014),43 escrito pelo ex-Secretário-Geral da ONU e ex-Presidente da Co-
missão Global sobre Eleições, Democracia e Segurança,44 Kofi Annan, para
elucidar a relevância da preocupação com o impacto do dinheiro privado
sobre eleições:

Durante o curso de minha carreira, eu presenciei o


impacto negativo do dinheiro na política e na governança.
Há evidências crescentes de que corrupção e doações
desreguladas estão exercendo uma influência indevida na
política e minando a integridade das eleições. Em alguns
países, o dinheiro do crime organizado já infiltrou a política
para ganhar controle sobre os oficiais eleitos e as instituições
públicas. Essas ameaças à política democrática ajudam a
explicar porque um grande número de pessoas ao redor
do mundo estão perdendo a esperança nos políticos e nos
processos democráticos.45

O diplomata não destaca apenas preocupações com o impacto ne-


gativo do dinheiro na política, ele também relaciona essas consequências
com a descrença dos cidadãos com políticos e com a própria democra-
cia em si, como adiantado na Introdução deste trabalho. Assim, surgem
questionamentos relevantes com relação à influência do dinheiro privado,
especialmente empresarial, nas eleições, conforme leciona SPECK (2015,
p. 257, grifo nosso):

Além das tendências de financiamento no decorrer do


tempo, outras preocupações se referem à relação entre
financiamento e o voto. Os recursos influenciam o sucesso
eleitoral? Novamente, uma primeira análise gráfica da
relação entre a proporção de recursos arrecadados e a
proporção dos votos conquistados mostra que os dois
dados são intimamente vinculados. Quanto mais recursos
um partido conseguir arrecadar, mais votos ele terá.

A partir dos dados apresentados pelo autor, percebe-se que o finan-


ciamento privado não é apenas necessário para a ampla divulgação das
candidaturas e propostas de campanha, mas sim verdadeiramente deci-

43 FALGUERA, Elin; JONES, Samuel; OHMAN, Magnus, Orgs. Funding of political parties
and election campaigns: a handbook on political finance. Stockholm: IDEA, 2014. p.
23.
44 Global commission on elections, democracy & security (tradução livre do inglês).
45 Tradução livre de: “Over the course of my career, I have witnessed the negative impact
of money on politics and governance. There is increasing evidence that corruption and
unregulated donations are exercising undue influence on politics and undermining the
integrity of elections. In some countries, money from organized crime has infiltrated
politics to gain control over elected officials and public institutions. These threats to
democratic politics help explain why large numbers of people around the world are
losing faith in politicians and democratic processes”.
264 Coleção Jovem Jurista 2021

sivo para a eleição. Com isso, questiona-se a isonomia entre os(as) can-
didatos(as) e o livre convencimento dos(as) eleitores(as). É dizer, caberia
ao setor empresarial (CNPJs) – que não tem poder de voto – este poder
de decidir um pleito eleitoral? Seria esse enorme poder de influência de-
sejável em uma poliarquia? Trata-se de questionamentos relevantes e que
serão mais bem explicitados no Capítulo II, contudo, não são o foco deste
trabalho.

O objetivo aqui, como já repisado, é ir além: busca-se analisar de que


forma essa influência do dinheiro privado ocorre e se ela é observável,
indo além do processo eleitoral per se. Embora o impacto no desempenho
eleitoral dos(as) candidatos(as) seja uma questão crucial para a democra-
cia – já que pode representar uma possível distorção artificial da vontade
popular –, a capacidade de influência de grupos econômicos específicos
sobre o mandato como um todo a partir dessas doações é ainda mais
preocupante. Trata-se de possível deturpação do próprio processo legis-
lativo, ou seja, do próprio serviço prestado pelos(as) candidatos(as) elei-
tos(as), que poderia estar direcionado a interesses específicos em detri-
mento do interesse público. Para esclarecer o ponto, cabe citar, mais uma
vez, passagem de SPECK (2015, p. 260-261, grifos nossos):

Influenciar o processo legislativo ou conceder favores ilegais

Uma das suspeitas centrais em relação ao financiamento


privado é a de que os políticos eleitos respondam mais às
demandas dos financiadores do que às dos seus eleitores.
Os interesses dos doadores influenciariam a atuação dos
políticos em cargos eletivos. Há duas versões diferentes
para esta suspeita (FLEISCHER, 1997; SPECK, 2012). Na
primeira, os mandatários políticos dariam atenção especial
aos financiadores, tipicamente segmentos econômicos,
como bancos ou construtoras, como grupo de pressão.
Na formulação de políticas públicas, na elaboração de leis
e em outras decisões políticas, os financiadores teriam
mais acesso a políticos e administradores, em função das
contribuições de campanha. O financiamento político, ao
lado de outros canais de influência, como lobbying ou redes
pessoais, garantiria o acesso privilegiado de representantes
de grupos de pressão aos legisladores ou governantes,
quando estes tomam decisões importantes para o setor. O
financiamento seria um meio de acesso aos tomadores de
decisão, ressaltando os interesses coletivos de determinados
segmentos econômicos.

Na segunda versão os representantes eleitos se


mobilizariam para que os seus financiadores, agora
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 265

tipicamente empresas individuais, obtenham vantagens


financeiras nas suas transações econômicas com o Estado.
Essas transações englobam contratos com o Estado,
benefícios tributários, acesso a financiamentos públicos
e processos de fiscalização, entre outros. As vantagens
seriam tipicamente conhecidas pela administração pública
e frequentemente envolveriam a transgressão de regras,
como leis de licitação e procedimentos para concessão de
financiamentos, entre outros. Neste caso, o financiamento
de campanhas e partidos seria uma alternativa à corrupção
de agentes da administração pública. Tendo a mesma
finalidade do pagamento de um suborno, ele se diferencia
pelos mecanismos adotados. O contato com a esfera política
pode ser um caminho mais eficiente para a obtenção de
vantagens ilegais pela administração pública.

Este trabalho pretende analisar a primeira versão apresentada pelo


autor supracitado, qual seja, a de que os(as) candidatos(as) eleitos(as)
acabam sendo, de certa forma, mais influenciados em sua produção legis-
lativa pelos setores que os(as) financiaram. Como já adiantado, trata-se
de uma análise do financiamento empresarial de campanhas como forma
de “pré-lobby”, isto é, como mecanismo facilitador da influência do setor
privado sobre a atuação política. Cumpre ressaltar que, como explicita-
do nos trechos seguintes à última passagem trazida de SPECK (2015),46
o financiamento era forma legítima de grupos de pressão acessarem os
legisladores, diferentemente da segunda versão evidenciada pelo autor,
que retrata verdadeiras vantagens ilegais. Reitera-se a todo momento a
distinção entre corrupção e influência legítima (“lobby”), pois o senso co-
mum tende a confundir os dois.47 Ainda, por mais que possamos classificar
a corrupção como uma forma de influência do setor privado sobre a atua-
ção política, trata-se de interferência de difícil observação empírica e que,
portanto, não cabe ser objeto deste estudo.

46 “O que separa as duas modalidades mais claramente são os mecanismos de influên-


cia e as avaliações do ponto de vista normativo. Nas democracias representativas
contemporâneas os representantes e governos eleitos respondem não somente às
suas próprias convicções políticas e aos programas pelos quais foram eleitos, mas
estão sujeitos à influência e pressão por eleitores na sua base eleitoral, de grupos de
interesse que fazem lobby e dos partidos políticos que tentam exercer controle sobre
os seus representantes, além dos financiadores de campanhas. Diferentes concepções
de democracia atribuem diferentes graus de legitimidade a esses canais de influência.
Para alguns o financiamento político é uma forma legítima de exercer pressão; para
outros ela favorece os interesses de grupos abastados. Um desafio adicional é que a
atribuição de determinada decisão de um representante eleito a um canal específico
de influência resulta difícil. Na política o debate público e as urnas são as arenas para
justificar ou condenar as relações entre decisões tomadas por políticos eleitos e os
financiadores de campanha”.
47 Nesse sentido, cf. KIM, Suyani. Lobby e corrupção: entenda a diferença. Politize!, 2016.
Disponível em: https://www.politize.com.br/lobby-ou-corrupcao/. Acesso em: 7 set.
2020.
266 Coleção Jovem Jurista 2021

Dito isso, há autores que já buscaram mapear essa influência das do-
ações empresariais sobre os políticos eleitos.48 Algumas dessas análises
já feitas envolvem estudos sobre: (i) o acesso ao financiamento e bancos
públicos (sobretudo o BNDES); (ii) a obtenção de contratos com o go-
verno; (iii) o desempenho econômico das empresas de acordo com suas
doações; (iv) o aumento da proteção comercial em termos de desvios da
Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul; (v) benefícios tributários con-
cedidos; e (vi) benefícios em geral. Contudo, como já adiantado na Intro-
dução deste trabalho, percebe-se uma lacuna nos estudos sobre eventuais
vínculos entre as doações e a atuação parlamentar. Para além de Mancuso
(2012), Figueiredo Filho (2009), em suas considerações finais, também in-
dica para uma ausência de análises referentes à correlação entre doações
empresariais e a atividade legiferante:

[...] Todavia, o fato de ter chamado a atenção para a ausência


de um debate mais aprofundado sobre grupos de interesse,
financiamento de campanha e comportamento congressual
já me deixa com uma certa sensação de dever cumprido.

Antes de traçar um histórico da legislação sobre as doações no país,


cumpre evidenciar de que forma é possível analisar a relevância da atua-
ção parlamentar sobre o setor econômico. Dito de outra forma, acredito
ser importante trazer, brevemente, alguns elementos principais do Regi-
mento Interno da Câmara dos Deputados para dar maior concretude ao
que a doutrina já indica como sendo um campo promissor de observação
para se traçar a correlação entre o dinheiro empresarial e sua influência na
política. Com efeito, é indiscutível que o Legislativo tenha um papel funda-
mental sobre o funcionamento do setor econômico, afinal, são os(as) de-
putados(as) e senadores(as) que definem as regras aplicáveis a uma série
de áreas, vide as competências legislativas privativas da União previstas
no art. 22 da Constituição Federal de 1988. No entanto, há diversos instru-
mentos que podem ser utilizados pelos(as) parlamentares nesse sentido,
o que torna ainda mais complexa a análise dos loci de poder na atuação
legislativa.

Com isso, pode-se apontar tanto para características que dizem res-
peito ao papel que certos(as) deputados(as) têm em virtude de suas fun-
ções na Câmara, quanto para as ferramentas de produção legislativa. Nes-
se sentido, cumpre destacar as prerrogativas que têm os líderes (art. 10,
RICD), os membros da Mesa (art. 15, RICD), a Presidência (art. 17, RICD) e
os membros das Comissões (art. 24, RICD), especialmente seus Presiden-
tes (art. 41, RICD). Trata-se de distinção importante pois pode indicar que
esses(as) deputados(as) devem receber maior atenção do setor privado
quando da realização de doações, isto é, embora essas funções sejam atri-
buídas apenas com o início dos trabalhos legislativos – e, portanto, muito
48 Cf., por exemplo, Mancuso (2012) para um levantamento bibliográfico sobre o tema.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 267

tempo após o período de campanha – parlamentares que desempenha-


vam essas atividades na legislatura anterior podem representar maiores
focos do financiamento privado.

Por fim, quanto às ferramentas legislativas disponíveis, cabe salientar


que, não obstante sejam os PLs, PLPs e PECs os instrumentos principais
(arts. 108 e 201, RICD) – acompanhados das Propostas de Decreto Legisla-
tivo ou de Resolução, que têm escopo menor do que os demais (cf. art. 109,
II e III, RICD) –, há também formas de atuação indireta dos(as) parlamen-
tares no processo legislativo. Desse modo, a atividade legislativa dos(as)
parlamentares não se resume a projetos próprios, uma vez que desempe-
nham papel importante as Indicações (art. 113, RICD), os Requerimentos
(art. 114, RICD), os Pareceres (art. 126 e seguintes, RICD) e, sobretudo, as
Emendas (art. 118 e seguintes, RICD). Com efeito, essas ferramentas legis-
lativas, somadas aos votos dos(as) parlamentares quando da apreciação
das matérias propostas, também devem ser consideradas quando em aná-
lise a influência do setor privado sobre a atuação parlamentar. No entanto,
como adiantado na metodologia deste trabalho, o levantamento e estudo
de todas essas formas de desempenho da função legislativa exigiria um
esforço analítico enorme, o que foge ao escopo deste estudo.

Após explicitadas (1) as formas de financiamento de campanhas; (2)


os entendimentos doutrinários acerca da influência das doações empresa-
riais sobre a política; e (3) os mecanismos legislativos disponíveis e rele-
vantes para a observação dessa possível influência na atuação parlamen-
tar, cumpre agora traçarmos breve histórico das regulamentações dessas
questões no cenário brasileiro para que possamos situar a alteração pro-
movida pelo STF.

Um breve histórico dos marcos legais sobre financiamento de


campanhas no Brasil

Com base nos levantamentos de Backes (2001),49 Speck e Dolandeli (2014)


e Santano (2018)50 podemos ter uma boa noção acerca da evolução da le-
gislação eleitoral sobre financiamento de campanhas políticas no Brasil.
Segundo Backes (2001, p. 5), a questão da política financeira parece ape-
nas surgir com o Código Eleitoral de 1950 (Lei nº 1.164/1950), que previu,
entre outros pontos: (a) a obrigatoriedade de os partidos estabelecerem
parâmetros para controlarem suas finanças; (b) a fiscalização das contas
49 BACKES, Ana Luiza. Legislação sobre financiamento de partidos e de campanhas
eleitorais no Brasil, em perspectiva histórica. Consultoria Legislativa, Câmara dos De-
putados. Dez./2001.
50 SANTANO, Ana Claudia. Uma análise econômica da legislação referente ao financia-
mento da política no Brasil: reformas e efeitos. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando
Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Direi-
to constitucional eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 515-541. (Tratado de Direito
Eleitoral, v. 1.) ISBN 978-85-450-0496-7.
268 Coleção Jovem Jurista 2021

por parte da Justiça Eleitoral; e (c) vedações para determinados tipos de


doações, quais sejam, as provenientes de entidades estrangeiras, autori-
dades públicas, sociedades de economia mista e concessionárias.

Em 1965, aparece no ordenamento jurídico uma preocupação com


o abuso de poder econômico, veiculado pela Emenda Constitucional nº
14 e pelo Código Eleitoral de 1965. Ainda, com o advento da Lei Orgâni-
ca dos Partidos Políticos (Lei nº 5.682/1971), foram implementadas outras
vedações, tais como: a proibição de doações por empresas privadas com
fins lucrativos e por sindicatos/entidades de classe. A Lei nº 5.682/1971
também previu a necessidade de um limite de gastos para as campanhas
eleitorais, a ser estabelecido por cada partido político, e, pela primeira
vez, dispôs sobre o financiamento público de partidos, criando-se o Fundo
Partidário.

Com a Constituição de 1988 e o gradual aumento do eleitorado, pas-


sou-se a ter previsões mais detalhadas sobre o abuso do poder econômico
e o acesso aos recursos do fundo partidário. Especialmente após o impea-
chment do ex-presidente Collor, as doações ilegais e a influência indevida
do dinheiro privado ganharam relevância nas discussões legislativas e no
apelo popular, tendo sido gerado um relatório a partir da CPI que discutiu
o impedimento do ex-presidente,51 diante do escândalo político que cir-
cundou o processo de impeachment, foi criada a Lei nº 8.713/1993 – em
caráter temporário para regular o pleito de 1994 –, que considerou reco-
mendações do relatório da CPI, tais como um aumento na fiscalização das
despesas eleitorais e a possibilidade de doações empresariais, com um
teto estipulado. Em seguida, com base nessa legislação temporária, pro-
mulgou-se a Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos) e a Lei nº 9.504/1997 (Lei
das Eleições), agora de forma perene. Todavia, como indica SANTANO
(2018, p. 522, grifo nosso):

Apesar destes importantes avanços, o sistema de


financiamento da política fixado nas leis nos 9.096/95
e 9.504/97 sofreu muitas críticas, além de constantes
intervenções oriundas das “minirreformas” eleitorais e
das resoluções do TSE. De fato, tratava-se de regras com
diversos problemas de aplicabilidade, o que, de certa
forma, comprometia a dinâmica econômica das eleições.
No entanto, no afã de combater a corrupção e de somente
reagir a escândalos, a legislação terminou sendo costurada
como uma “colcha de retalhos”, tanto por parte do Poder
Legislativo como pelo Poder Judiciário, perdendo, inclusive,
a sua coerência em alguns pontos, bem como permitindo o
51 Inteiro teor do relatório em: BRASIL. Congresso Nacional. Relatório final da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito. Brasília, 1992. Disponível em: http://www2.senado.
leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/88802/CPMIPC. pdf?sequence=4. Acesso em: 4 out.
2020.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 269

significativo aumento da judicialização de suas disposições,


ja que durante este tempo também se presenciaram
mudanças no modo de se julgar questões eleitorais. A
judicialização das causas eleitorais conferiu um poder
desmedido – e muitas vezes muito mal utilizado – aos juízes
eleitorais, produzindo-se resultados pouco democráticos,
como a substituição do legislador ou, em algumas situações,
a substituição do eleitor.

Como indicado, algumas alterações relevantes nas normas referentes


ao financiamento de campanhas se deram por meio de resoluções do TSE.
É pertinente destacar uma dessas alterações – que é, inclusive, observá-
vel na análise empírica feita no Capítulo III –, qual seja, a Resolução nº
23.406/2014.52 Conforme indica MANCUSO et al. (2018),53 essa resolução
viabilizou um aumento na transparência com relação aos dados do finan-
ciamento de campanhas. Isso se deu pois a norma obrigou os prestadores
de contas – partidos e campanhas políticos/as – a informarem a origem
dos recursos que recebiam de terceiros e repassavam para outrem. A tí-
tulo de exemplo, podemos supor um caso em que uma empresa “A” doou
um valor “X” para um partido “B”, e este partido “B” repassou esse valor
doado a uma campanha “C”. Em outras palavras, antes dessa norma, uma
análise das doações recebidas pela campanha “C” não permitiria identifi-
car a origem empresarial do valor “X”, o que dificultava ainda mais qual-
quer estudo acerca da influência das doações empresariais sobre os(as)
parlamentares.

Portanto, até o julgamento da ADI nº 4.650, e a subsequente altera-


ção legislativa promovida pela Lei nº 13.165/15, as regras sobre financia-
mento eleitoral no Brasil previam que:54 (1) as doações deveriam ser, obri
52 Nesse sentido, cf. também a Resolução TSE no 23.406/2014 (art. 20).
53 MANCUSO, Wagner; HOROCHOVSKI, Rodrigo; CAMARGO, Neilor. Financiamento
eleitoral empresarial direto e indireto nas eleições nacionais de 2014. Revista Bra-
sileira de Ciência Política, Brasília, n. 27, p. 9-36, set./dez. 2018. DOI: 10.1590/0103-
335220182701.
54 Também sobre o ponto, confira o seguinte trecho do voto do Min. Fux na ADI no 4.650:
“1. As pessoas jurídicas podem fazer doações e contribuições até o limite de 2% (dois
por cento) do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição, ressalvados os casos
definidos em lei (Lei no 9.504/97, art. 81, § 1o);
2. As pessoas jurídicas também podem realizar doações diretamente a partidos políti-
cos, hipóteses em que as agremiações poderão aplicar ou distribuir pelas diversas elei-
ções os recursos financeiros recebidos a candidatos, observados os limites impostos
pela legislação (Lei no 9.096/95, art. 39, caput, e § 5o; e Resolução TSE no 23.376/2012,
art. 20, § 2o, II c/c art. 25, caput e inciso II);
3. As pessoas naturais podem fazer doações e contribuições em dinheiro para campa-
nhas eleitorais, limitadas a até 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos
no ano anterior ao pleito (Lei no 9.504/97, art. 23, caput, e § 1o, I);
4. As pessoas naturais podem fazer doações e contribuições ‘estimáveis em dinheiro’,
relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que
o valor não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) – (Lei no 9.504/97, art. 23,
caput, e § 7o);
5. Se o candidato utilizar recursos próprios, o limite de gastos equivalerá ao valor
270 Coleção Jovem Jurista 2021

gatoriamente, efetuadas por cheque cruzado em nome do partido político


ou por depósito bancário diretamente na conta do partido político (art.
39, §3º, Lei nº 9.096/1995); (2) os recursos do Fundo Partidário (que eram
da ordem de R$ 25 milhões de reais em 2014)55 deveriam ser aplicados na
criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participa-
ção política das mulheres, observado o mínimo de 5% (cinco por cento)
do total (art. 44, V, Lei nº 9.096/1995); (3) os(as) candidatos(as) só pode-
riam utilizar na campanha o limite de 50% de seu patrimônio declarado na
Receita Federal; (4) as “doações ocultas”, repassadas pelos partidos polí-
ticos e/ou campanhas, eram proibidas; (5) as doações empresariais eram
permitidas, até o limite de 2% de seu faturamento, e as físicas também, até
o limite de 10% do rendimento bruto no ano anterior; e, por fim, (6) eram
vedadas as doações eleitorais por parte de (6.1) Entidade ou governo es-
trangeiro, (6.2) Órgão da administração pública direta ou indireta, (6.3)
Empresa que tem concessão para realizar serviço público, (6.4) Entidade
de classe ou sindical, (6.5) Pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba
recurso do exterior, (6.6) Entidades beneficentes e religiosas, (6.7) Enti-
dades esportivas e (6.8) Organizações não governamentais que recebem
recursos públicos.

Passemos agora à análise do julgamento da ADI nº 4.650 e às subse-


quentes alterações que ocorreram nas normas referentes ao financiamen-
to de campanhas no Brasil.

II. ADI Nº 4650: O FIM DA INFLUÊNCIA DO INTERESSE


PRIVADO SOBRE OS AGENTES POLÍTICOS?

O julgamento da ADI nº 4.650 e as teses apresentadas

Diante dos questionamentos suscitados com relação à influência do di-


nheiro privado, especialmente empresarial, nos pleitos eleitorais – bem
como em virtude do anseio popular por reformas políticas –, o Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) impetrou Ação Direta
de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal em face de diversos
dispositivos das Leis nºs 9.504/97 e 9.096/95. Assim, pugnou-se pela in-
constitucionalidade (i) das doações empresariais de campanhas eleitorais;
máximo estabelecido pelo seu partido, na forma da lei (Lei no 9.504/97, art. 23, caput,
e § 1o, II);
6. As pessoas naturais também podem realizar doações diretamente para partidos
políticos, hipótese em que as agremiações poderão aplicar ou distribuir pelas diversas
eleições os recursos financeiros recebidos, observados os limites impostos pela legis-
lação (Lei no 9.096/95, art. 39, caput, e § 5o; e Resolução TSE no 23.376/2012, art. 20,
§ 2o, II c/c art. 25, caput e inciso I)”. (Voto do Min. Fux na ADI no 4.650, p. 9-10.)
55 Cf. Partidos dividem mais de R$ 25 milhões do Fundo Partidário (05.06.2014). TSE.
Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Junho/partidos-
-dividem-mais-de-25-milhoes-do-fundo-partidario. Acesso em: 13 out. 2020.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 271

e (ii) da ausência de limites claros para as doações de pessoas físicas ou


para o uso de recursos dos(as) próprios(as) candidatos(as). Em sua ini-
cial,56 a OAB parte de premissas doutrinárias já evidenciadas no Capítulo I
deste trabalho, quais sejam, (a) o financiamento é essencial para a demo-
cracia; (b) contudo, o seu encarecimento torna a política dependente do
poder econômico; (c) o modelo de financiamento eleitoral vigente à época
gerava distorções, uma vez que (c.1) o volume desigual doado afeta dire-
tamente o desempenho eleitoral; e (c.2) as doações privadas criam uma
vinculação perniciosa entre doador e político.

Com efeito, a OAB buscou a tutela do Judiciário para equalizar a com-


petição eleitoral ao mesmo tempo em que impedia influências considera-
das indevidas por parte de pessoas não naturais, isto é, pessoas que não
têm direito de voto por serem meras ficções jurídicas. Para tanto, requereu
que o STF reconhecesse as inconstitucionalidades aludidas e estipulasse
um prazo máximo para que o Congresso Nacional fizesse as alterações ne-
cessárias para estipular limites às doações de pessoas naturais, de modo a
impedir o que chamou de “lacuna jurídica ameaçadora” – caso a ADI fosse
julgada procedente e o jogo eleitoral passasse a vigorar num limbo quanto
às matérias impugnadas. Em suma, baseou seus argumentos jurídicos na
violação dos princípios da igualdade (art. 5º, caput, c/c art. 14, ambos da
CRFB/88), democrático (art. 1º, caput e parágrafo único, c/c art. 14, ambos
da CRFB/88), republicano (art. 1º da CRFB/88) e da proporcionalidade.

Do outro lado, as Presidências da República, da Câmara dos Deputa-


dos e do Senado Federal, bem como a Advocacia-Geral da União (AGU),
defenderam que a possibilidade de haver doações empresariais per se não
afronta o equilíbrio do processo eleitoral. Sustentaram que se tratou de es-
colha política do legislador e que há uma série de mecanismos de fiscaliza-
ção das contas que permitem a manutenção de um processo justo e sem
influências indevidas. Sobretudo, o argumento principal das requeridas
envolve o princípio da separação dos Poderes, uma vez que a intervenção
do Judiciário proposta pela OAB seria uma extrapolação da atuação dos
magistrados sobre uma função eminentemente legislativa.

Com efeito, o longo e complexo julgamento do STF resultou, por


maioria – vencidos os Ministros Teori Zavascki, Celso de Mello e Gilmar
Mendes –, na procedência, em parte, do pedido formulado pela OAB, para
declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam
as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Cabe agora
56 Para mais, cf. SARMENTO, Daniel, OSORIO, Aline. Eleições, dinheiro e democracia. Re-
vista Brasileira de Direitos Fundamentais & Justiça, v. 8, n. 26, p. 15-38, 2014. https://
doi.org/10.30899/dfj.v8i26.233. Trabalho desenvolvido para dar subsídios adicionais
aos argumentos e conclusões apresentados na petição inicial da Ação de Direta de
Inconstitucionalidade 4.650, Rel. Min. Luiz Fux, ajuizada pelo Conselho Federal da Or-
dem dos Advogados do Brasil em face de diversos dispositivos das Leis nos 9.504/97
e 9.096/95, que dispõem acerca do financiamento de campanhas eleitorais por pes-
soas naturais e jurídicas.
272 Coleção Jovem Jurista 2021

elucidar algumas das premissas adotadas pelos(as) Ministros(as) em seus


votos, bem como suas justificativas, que os(as) fizeram chegar a diferentes
conclusões sobre a constitucionalidade (e, em última análise, a influência)
do financiamento empresarial e do limite às doações de pessoas físicas.

De início, o Ministro Relator (Luiz Fux), provocado pelos argumentos


das Procuradorias das Presidências da República, da Câmara dos Depu-
tados e do Senado Federal, bem como pelas razões expostas pela AGU,
suscita discussões relevantes sobre o papel e os limites do STF no que se
refere ao tema em análise e, de modo geral, à Reforma Política. Confira-se
trecho do voto do Ministro Relator (p. 15-17 do voto, grifos nossos):

Inicialmente, repiso que me parece indisputável que a


Reforma Política deva ser capitaneada pela classe política,
e não pelo Poder Judiciário. Sucede que não se pode
olvidar que o produto final deste debate interessa, em
alguma medida, aos próprios agentes decisórios que estão
no exercício do poder e foram eleitos segundo as regras
vigentes. Esse cenário coloca uma questão de sinceridade
e realidade institucional, que poderia ser resumida em
uma pergunta direta e imediata: é factível confiar única e
exclusivamente aos agentes políticos a prerrogativa de
reformulação das regras concernentes ao financiamento de
campanhas, quando, em verdade, foi o exato sistema em
vigor que permitiu a sua ascensão aos cargos que ocupam?
A resposta é, a meu juízo, negativa.

[...] Frise-se, ademais, que essa opção por uma postura mais
particularista do Supremo Tribunal Federal não tem que ver
com uma suposta expertise para tratar com processo eleitoral.
Na realidade, muitos membros da classe política detêm
vasto conhecimento sobre a temática, além de conseguirem
vislumbrar desenhos constitucionais muito efetivos em
termos práticos. Contudo, o controle jurisdicional, aqui,
decorre verdadeiramente da posição de maior insulamento
de que desfruta o Poder Judiciário em face do poder político
quando comparado com o Legislativo e o Executivo.

Após superada a controvérsia referente ao limite de atuação do STF


com relação ao tema, o voto do Ministro Relator passa a questionar a exis-
tência das doações empresariais de campanha como efetivamente um “di-
reito” das pessoas jurídicas. Em outras palavras, o Ministro ressalta que (p.
26 do voto, grifos nossos):

Deveras, o exercício de direitos políticos é incompatível


com a essência das pessoas jurídicas. Por certo, uma
empresa pode defender bandeiras políticas, como a de
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 273

direitos humanos, causas ambientais etc., mas daí a bradar


pela sua indispensabilidade no campo político, investindo
vultosas quantias em campanhas eleitorais, dista uma
considerável distância. É o que defende o saudoso filósofo
norte-americano Ronald Dworkin: as “empresas são ficções
legais. Elas não têm opiniões próprias para contribuir
e direitos para participar com a mesma voz e voto na
política” [Do original: “Corporations are legal fictions. They
have no opinions of their own to contribute and no rights to
participate with equal voice or vote in politics.”] (DWORKIN,
Ronald. “The Devastating Decision”. In: The New York Times
Review of Books, 25.02.2010, disponível em (http://www.
public.iastate.edu/~jwcwolf/Law/DworkinCitizensUnited.pd
f). Assim é que autorizar que pessoas jurídicas participem da
vida política seria, em primeiro lugar, contrário à essência do
próprio regime democrático.

Sobre o ponto, o Ministro apresenta uma premissa importante, qual


seja, a de que as pessoas jurídicas não têm os mesmos direitos que as pes-
soas naturais no que se refere à participação política e ao papel no jogo
democrático. Mas não é só. O Ministro Relator não apenas reconhece que
a essência da democracia é composta de pessoas naturais – e apenas es-
sas têm o direito ao voto –, mas também indica que o modelo de doações
empresariais permite a captura do político pelos titulares do poder eco-
nômico. Com isso, conclui que as doações empresariais não se prestam a
representar um corolário da liberdade de expressão, mas sim “[...] denota
um agir estratégico destes grandes doadores que visam a estreitar suas
relações com o poder público, de forma republicana ou não republicana”
(p. 30 do voto).

O Relator ainda refuta os argumentos que defendem que tal proi-


bição seria ineficaz, uma vez que os doadores continuariam doando por
meio de “Caixa 2”, pois sustenta que a doação empresarial é disfuncional
per se, de modo que sua mera existência já é incompatível com a Consti-
tuição Federal. Ainda, destaca que a proibição das doações empresariais
não impede um avanço do controle e da fiscalização das prestações de
conta no âmbito eleitoral. Por fim, assevera que a possibilidade de se man-
ter doações empresariais enquanto estão vedadas as doações por entida-
des sem fins lucrativos e também pelos sindicatos seria anti-isonômico,
ou seja, permitiria a perpetração de uma desigualdade injustificável entre
diferentes tipos de pessoas jurídicas.

Pode-se constatar, de maneira ainda mais evidente, a incorporação


das teses doutrinárias apresentadas no Capítulo 1 pelo STF no seguinte
trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa (p. 3, grifos nossos), que
274 Coleção Jovem Jurista 2021

aponta de maneira clara a relação entre os interesses regulatórios das em-


presas e as doações feitas a determinados atores políticos:

Na medida em que o candidato constitui um potencial eleito


apto a ocupar uma posição de poder, forte é a tentação
por alguns empreendimentos econômicos interessados,
evidentemente, na atuação econômica do Estado, nas
regulações, as mais diversas que o Estado tem competência
para promover e, naturalmente, esperam que essas
regulações venham a se subordinar aos seus interesses.

O financiamento de campanha pode apresentar para a


empresa, assim, um meio de acesso no campo político
suscetível de propiciar benefícios outorgados pela pessoa
eleita. É o chamado “toma lá, dá cá”, tão conhecido de
todos aqueles que acompanham a vida política brasileira.

Proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra


a influência do poder econômico significa, pois, impedir que
o resultado das eleições seja norteado pela lógica do dinheiro
e garantir que o valor político das ideias apresentadas
pelo candidato não dependa do valor econômico do vetor
comunicacional que as veicula.

Da mesma forma, e focando agora principalmente nos impactos da


doação empresarial sobre a produção legislativa, o Ministro Marco Aurélio
elucida, em seu voto (p. 2-3, grifos nossos), as preocupações do professor
Timothy Kuhner com a influência do dinheiro privado nas eleições, confira:

(1o) O poder financeiro é distribuído desigualmente em todas


as democracias; e como o poder econômico traduz-se em
poder político, a igualdade política torna-se cada vez menor.

(2o) Os doadores de campanhas veem o financiamento como


um meio de obter acesso a e influência sobre os candidatos,
agentes e partidos políticos, acabando o “dinheiro” por
pautar todo o debate eleitoral.

(3o) Os interesses dos financiadores ultrapassam o processo


eleitoral e alcançam o processo legislativo, de modo que
a formulação das leis responderá a esses interesses em
detrimento da sociedade como um todo.

(4o) As atividades de financiamento privado eleitoral, de


maneira geral, são controladas em grau insuficiente pelo
poder público, incluído o Judiciário.

Os resultados da conjunção desses fatores, prossegue o autor,


são inquietantes: o poder financeiro acaba promovendo
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 275

influências indevidas sobre as decisões políticas do país, os


cidadãos médios não são levados em consideração – digo
eu, são invisíveis – e o esforço de espírito público em obter
o bem comum revela-se, na realidade, uma competição
entre grupos de interesses que buscam maximizar ganhos.
O sistema político mostra-se carente de transparência,
dependente do dinheiro privado, vazio de ideologia
partidária e marcado por um processo eleitoral injusto e
corrompido. O dinheiro faz as vezes do eleitor.

Diante disso, pode-se constatar que o entendimento do STF que pre-


valeceu no julgamento da ADI nº 4.650 também corrobora a percepção
da literatura de que as doações privadas, precisamente o financiamento
empresarial, exercem uma influência negativa tanto sobre a igualdade do
pleito eleitoral, quanto sobre a posterior atuação dos(as) representantes
eleitos(as), já que estes(as) acabam por representar os interesses de seus
doadores em detrimento da sociedade, isto é, dos(as) verdadeiros(as)
eleitores(as). Contudo, os votos vencidos também apresentam questões
relevantes, especialmente sobre os efeitos do que restou decidido pelo
colegiado.

O fim das doações empresariais: a solução do problema?

Com a decisão do STF, e a posterior edição da Lei nº 13.165/2015, os dis-


positivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às
campanhas eleitorais foram declarados inconstitucionais e depois altera-
dos para prever, no âmbito privado, apenas as doações de pessoas físicas,
limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo do-
ador no ano anterior à eleição. Como o STF rejeitou a modulação dos efei-
tos da declaração de inconstitucionalidade, a decisão aplicou-se apenas
a partir do pleito de 2016. Todavia, sob a ótica da influência do dinheiro
empresarial sobre os(as) representantes eleitos(as), ainda restam questio-
namentos quanto à eficácia da proibição das doações empresariais.

É dizer, embora os(as) Ministros(as) do STF tenham deixado claro


que a proibição das doações empresariais se deu não apenas devido aos
seus efeitos no sistema político, como a captura dos(as) candidatos(as)
pelo setor econômico, mas também por sua completa incompatibilidade
com o regime democrático, em virtude dos impactos negativos no sistema
eleitoral per se, criou-se muita expectativa sobre a eliminação da influên-
cia privada na política. Como já adiantado, o modelo de financiamento de
campanhas representou objeto de discussão central na sociedade dentro
da agenda da Reforma Política, e a proibição das doações empresariais foi
recebida com muito entusiasmo.
276 Coleção Jovem Jurista 2021

No entanto, como alertaram os votos vencidos no julgamento da ADI


nº 4.650, o fim das doações empresariais não significaria o término da
influência do setor econômico sobre a política. O Ministro Gilmar Mendes,
em seu voto (p. 68), ressaltou que o modelo de financiamento sem as
doações empresariais já foi adotado no Brasil e, ainda assim, não impediu
os escândalos do governo Collor, que culminaram em seu impeachment,
confira:

Relembro que ja convivemos com a proibição de doação


por parte de empresas privadas. Contudo, a história
demonstrou que a proibição de contribuição por pessoas
jurídicas não colocou fim aos abusos, aos gastos excessivos,
tampouco à corrupção, conforme evidenciado por ocasião
do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Outro ponto, suscitado no voto do Ministro Teori Zavascki (p. 19, grifo
nosso), trata de uma visão cética quanto à relação entre o fim das doações
empresariais e o término da influência privada sobre o sistema político. O
Ministro não somente critica a proposta do que chama de “messianismo
judicial” – que seria uma atuação excessiva do STF, indo além de seus li-
mites constitucionais e interferindo nas competências de outros Poderes
–, como também sugere que as doações não deixarão de ocorrer, pois se
manteriam de forma ilegítima e sem fiscalização:

So por messianismo judicial se poderia afirmar que, declarando


a inconstitucionalidade da norma que autoriza doações por
pessoas jurídicas e, assim, retornar ao regime anterior, se
caminhará para a eliminação da indevida interferência do
poder econômico nos pleitos eleitorais. É ilusão imaginar
que isso possa ocorrer, e seria extremamente desgastante à
própria imagem do Poder Judiciário alimentar na sociedade,
cansada de testemunhar práticas ilegítimas, uma ilusão que
não tardará em se transformar em nova desilusão.

Por outro lado, o antídoto para os gastos excessivos de


campanha eleitoral não é declarar a inconstitucionalidade
das fontes de financiamento, cuja eliminação formal
provavelmente seria imediatamente substituída por
suplementação informal e ilegítima, como também mostram
os exemplos históricos. A solução mais plausível será a
criação de limites de gastos, acompanhada de instrumentos
institucionais de controle e de aplicação de sanções, em
casos de excessos. E a definição dos limites adequados é
questão que não encontra resposta imediata nas normas
constitucionais.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 277

A proposta deste trabalho é antes analisar os dados eleitorais e legis-


lativos do que realizar uma leitura crítica do julgado do STF. Portanto, o
objetivo de trazer os principais pontos dos votos dos(as) ministros(as) na
ADI nº 4.650 foi complementar o levantamento doutrinário realizado no
Capítulo 1 para explicitar que as teses e premissas aqui expostas não se
limitam a artigos acadêmicos, mas de fato prestaram-se a embasar uma
decisão que promoveu alteração importante no modelo de financiamento
eleitoral do país. Diante disso, torna-se ainda mais relevante uma investi-
gação empírica para apurar como realmente a influência empresarial se
expressa e, sobretudo, se a decisão do STF, e a consequente proibição das
doações empresariais, alterou de alguma forma essa influência. É precisa-
mente isso que se passa a explicitar agora.

III. ANÁLISE EMPÍRICA ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE


DOAÇÃO EMPRESARIAL DE CAMPANHAS E A ATUAÇÃO
PARLAMENTAR

Raio X dos(as) deputados(as) estudados(as)

Antes de adentrar nos resultados da pesquisa empírica, é pertinente fa-


zer uma brevíssima introdução para destacar algumas informações acer-
ca dos(as) deputados(as) estudados(as). De início, cumpre ressaltar que
apenas Benedita da Silva (PT), Jandira Feghali (PC do B) e Rodrigo Maia
(DEM) foram eleitos(as) e reeleitos(as) nas três últimas eleições (2010,
2014 e 2018) pelo mesmo partido, isto é, não mudaram de sigla nesses
últimos anos. Por outro lado, Alessandro Molon (ex-PT, agora PSB), Aureo
Ribeiro (ex-PRTB, agora SD), Glauber Braga (ex-PSB, agora PSOL) e Pe-
dro Paulo (ex-MDB, agora DEM) elegeram-se com duas siglas diferentes
no período estudado. Por último, Hugo Leal (ex-PSC, ex-PROS, e agora
PSD) elegeu-se com uma sigla diferente em cada pleito analisado.

Outra questão relevante é que o filtro utilizado para a definição da


amostra deste estudo foi o(a) candidato(a) ter sido eleito(a) nos três úl-
timos pleitos (2010, 2014 e 2018), de modo que a informação referente a
eleições anteriores não foi considerada para a definição do coorte, mas
pode ser pertinente para suscitar algumas questões ao longo da análise
dos dados obtidos. Portanto, cabe elucidar que apenas os deputados Ales-
sandro Molon, Aureo Ribeiro e Pedro Paulo foram eleitos pela primeira vez
ao cargo de deputado federal no ano de 2011. Os demais já haviam sido
eleitos(as) em pleitos anteriores, tendo Glauber Braga e Hugo Leal quatro
eleições ao cargo cada um, Benedita da Silva cinco, Rodrigo Maia seis e
Jandira Feghali sete.57

57 Todas essas informações foram extraídas do site da Câmara dos Deputados (www.
278 Coleção Jovem Jurista 2021

Além disso, apenas os deputados Rodrigo Maia, Glauber Braga e Au-


reo Ribeiro não tiveram outros mandatos eletivos para além do mandato
de deputado federal, os demais, em sua maioria, haviam sido, antes, depu-
tados(as) estaduais. Outro ponto importante é o fato de que apenas os(as)
deputados(as) Pedro Paulo e Benedita da Silva permaneceram licenciados
de seus mandatos por períodos consideráveis, o primeiro por motivos po-
líticos, e a segunda por motivos de saúde. Por fim, cumpre apontar que
Rodrigo Maia foi o presidente da Câmara dos Deputados desde 2016 até
2020, enquanto os demais ocupam ou já ocuparam cargos de relevância
em diferentes comissões parlamentares, permanentes e especiais.

Os resultados obtidos com relação aos doadores

Como adiantado na Introdução deste trabalho, foi realizado um levanta-


mento dos dados referentes às doações empresariais58 feitas às campa-
nhas políticas dos(as) deputados(as) federais Alessandro Lucciola Molon,
Aureo Lidio Moreira Ribeiro, Benedita Souza da Silva Sampaio, Glauber
de Medeiros Braga, Hugo Leal Melo da Silva, Jandira Feghali, Pedro Paulo
Carvalho Teixeira e Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia, nos pleitos de
2010 e 2014. Os dados extraídos foram organizados em uma planilha59 que
representa, em cada linha, uma doação. Dessa forma, foi possível identi-
ficar, objetivamente: (i) o(a) candidato(a) que recebeu a doação (dentre
os oito analisados); (ii) o ano do pleito (2010 ou 2014); (iii) o partido do(a)
candidato(a) que recebeu a doação; (iv) o doador; (v) o doador originário;
(vi) o CNPJ do doador; (vii) o valor da doação; e (viii) a espécie do recurso
utilizado para doar (cheque, transferência eletrônica ou depósito). Já a
partir de uma análise subjetiva deste trabalho, foram criadas as variáveis
“Setor (macro)” e “Setor (micro)”, ambas com o objetivo de classificar o
setor econômico a que pertence a empresa doadora.

Após a organização dos dados na planilha, constatou-se a existência


de 991 (novecentos e noventa e uma) doações, i.e., durante as campanhas
de 2010 e 2014 para as eleições de deputados(as) federais, os(as) oito
candidatos(as) analisados(as) analisados receberam, no total, 991 contri-
buições de CNPJs. No entanto, como diversos doadores realizaram mais
de uma doação, foi necessário condensar os dados para facilitar a visu-
alização, de modo que foi criada uma aba específica para apresentar os
camara.leg.br), nas abas referentes às biografias de cada deputado.
58 Cabe reiterar que, para fins de levantamento empírico dos dados, foram considera-
das “doações empresariais” as doações identificadas com numeração referente a um
CNPJ. Portanto, foram incluídas no levantamento as doações feitas por partidos po-
líticos (Diretórios nacionais/estaduais/distritais e/ou Comitês Financeiros) e outras
campanhas políticas. Naturalmente, os dados referentes a empresas privadas – foco
principal deste trabalho – foram destacados e isolados nas análises feitas ao longo
deste capítulo.
59 Conforme adiantado, todos os dados levantados para este trabalho estão disponíveis
em: https://github.com/Rodrigo-Roll/TCC_Rodrigo_Roll/.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 279

valores totais doados por cada CNPJ a cada candidato(a) e a cada ano.
Após essa concentração das informações levantadas, chegou-se a um to-
tal de 235 (duzentos e trinta e cinco) doações. Porém, essa informação
pouco diz sobre as doações em si, apenas evidenciando que os doadores
preferem realizar várias doações esparsas ao invés de concentrar as quan-
tias doadas em uma ou poucas doações. O que de fato é relevante para o
estudo em questão é antes o valor total das doações.

Acerca do valor, podemos observar pelo Gráfico 1 – Soma das Doa-


ções Recebidas por candidato – que o candidato Pedro Paulo foi quem
mais recebeu doações (próximo de 5 milhões de reais), seguido de Rodri-
go Maia (próximo de 4 milhões), Hugo Leal (aproximadamente 3 milhões
e 200 mil reais), Jandira Feghali (aproximadamente 2 milhões e 800 mil
reais), Aureo Ribeiro (aproximadamente 2 milhões e 600 mil reais), Be-
nedita da Silva (aproximadamente 1 milhão e 200 mil reais), Alessandro
Molon (aproximadamente 1 milhão de reais) e, por último, Glauber Braga
(aproximadamente 700 mil reais). Pode-se perceber, também, que a maior
parte dos valores recebidos foi doada durante as campanhas de 2014, que
totalizou cerca de 12 milhões e 500 mil reais, enquanto as campanhas de
2010 contaram com cerca de 8 milhões de reais, o que já demonstra um
encarecimento das campanhas dos(as) deputados(as) federais analisa-
dos(as), em linha com o que indica a doutrina estudada.

Fonte: Elaborado pelo autor.

É relevante pontuar que, em 2010, apenas três dos candidatos ana-


lisados (Alessandro Molon, Aureo Ribeiro e Pedro Paulo) estavam dispu-
tando uma vaga na Câmara dos Deputados pela primeira vez, de modo
280 Coleção Jovem Jurista 2021

que todos os demais já eram, de certa forma, figuras públicas conhecidas


pelos(as) eleitores(as). Diante disso, por mais que não se tenha aqui as
informações referentes às doações feitas em pleitos anteriores, já é curio-
so notar o aumento no vulto das doações de 2010 para 2014, a despeito
de se tratar de tentativa de reeleição por todos os analisados e, para a
maioria, a segunda, terceira e até sexta reeleição. Apenas destaco esta
questão pois, em linhas gerais, acreditaria que um(a) candidato(a) à re-
eleição deveria ter que gastar menos recursos com a divulgação de sua
campanha uma vez que já fora eleito(a) no pleito anterior. Evidente que
há outras variáveis em jogo nesse debate, como o fato de que se há um
aumento de gastos de outras candidaturas, a manutenção da quantidade
de recursos utilizados em outra eleição pode não ser mais suficiente. No
entanto, é um dado interessante pois ilustra uma das análises feitas pela
doutrina especializada.
Gráfico 2. Valores das doações recebidas por candidato

Fonte: Elaborado pelo autor.

O Gráfico 2 (Valores das Doações Recebidas por Candidato), por sua


vez, permite-nos identificar o valor de cada doação recebida por cada
candidato(a). Podemos perceber que não há apenas uma dispersão das
doações, como adiantado logo no início deste capítulo, mas que também
há poucas doações que se destacam pelo elevado valor. As barras, colori-
das de acordo com os dados de cada candidato(a), representam a região
do eixo “x” (valor das doações em reais/1.000) em que se concentram a
maioria das doações, ou seja, podemos ver que, independentemente do(a)
candidato(a), a maior parte das doações se concentra entre algo próxi-
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 281

mo de 0 (zero) e 200 mil reais.60 Contudo, é interessante notar que há


algumas poucas doações que destoam muito, em termos de valor, dessa
concentração (vide as bolas pretas isoladas ao longo das linhas de cada
candidato(a)). Por exemplo, a deputada Jandira Feghali recebeu uma do-
ação de cerca de 1,4 milhão de reais e outra de aproximadamente 300 mil
reais, enquanto grande parte de suas doações estão concentradas entre
0 (zero) e 200 mil reais. Os três candidatos que apresentam menor varia-
ção no valor das doações recebidas são também os três que receberam
menos, em termos de valor (Glauber Braga, Alessandro Molon e Benedita
da Silva).
Gráfico 3. Doadores acima de 200 Mil

Fonte: Elaborado pelo autor.

Para facilitar a visualização das empresas (e, consequentemente, dos


setores econômicos) que mais doaram, em termos de valor total (reais),
aplicou-se mais um filtro para observar apenas os doadores que chegaram
a um mínimo de 200 mil reais doados (vide Gráfico 3 – Doadores aci-
ma de 200 mil). Foram 21 (vinte e um) CNPJs que se enquadraram nessa
filtragem, sendo quatro deles referentes a partidos políticos ou demais
campanhas eleitorais.61 É curioso notar que a soma dos valores doados
60 As linhas pretas que cruzam cada barra em um ponto específico representam as me-
dianas dos valores doados, logo, é possível notar que a maior parte das doações rece-
bidas pelo deputado federal Rodrigo Maia beiram 100 mil reais, enquanto as recebidas
pela deputada federal Benedita da Silva beiram 0 (zero) reais. No entanto, dado o
valor máximo de uma doação recebida (cerca de 1 milhão e 400 mil reais), podemos
perceber que os valores das doações recebidas pelos candidatos estão altamente
concentrados.
61 A saber: Diretório Nacional; Diretório Estadual/Distrital; Comitê Financeiro Único; e a
282 Coleção Jovem Jurista 2021

pelos partidos (por meio de seus Comitês Financeiros Únicos, Diretórios


Estaduais/Distritais e Diretórios Nacionais) são as quantias mais elevadas
– e que, portanto, mais se destacam no Gráfico 3. Com efeito, essa soma
(incluindo o valor doado pela campanha do candidato César Maia) chegou
a mais de 6 milhões de reais, ao passo que o segundo setor que mais doou,
o setor de Construção, totalizou “apenas” algo em torno de 2 milhões de
reais, conforme mostra o Gráfico 4 – Doadores acima de 200 mil (por setor
macro).62
Gráfico 4. Doadores acima de 200 mil (por setor macro)

Fonte: Elaborado pelo autor.

campanha de César Maia.


62 Apenas para esclarecer a intersecção entre a classificação “Setor (macro)” e “Setor
(micro)”, apresento aqui os setores (micro) que correspondem aos doadores cujas
somas doadas chegaram a um mínimo de 200 mil reais: Transportes; Serviços; Políti-
co; Plano de saúde; Partido; Obras; Incorporações; Engenharia; Energia; Bebidas não
alcoólicas; e Bancário.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 283

Gráfico 5. Soma das doações recebidas por setor (macro) +100K

Fonte: Elaborado pelo autor.

A partir desses dados, foi feito mais um corte para focar apenas nas
doações de empresas privadas, ou seja, foi retirada a informação referente
aos valores doados pelos partidos políticos e campanhas políticas. O re-
sultado foi o Gráfico 5 – Soma das doações recebidas por setor (macro) +
100K, que mostra, para cada candidato(a), o valor total doado por setor
econômico – utilizando-se agora como limite mínimo da soma das doa-
ções o valor de 100 mil reais.63 Com esse gráfico, é possível visualizar quais
setores estão entre os que mais doaram para cada candidato(a) e, assim,
poderemos cruzar os dados com a classificação feita acerca dos setores
afetados/correspondentes às propostas legislativas analisadas. Espera-se
que, seguindo a hipótese deste trabalho, o(a) deputado(a):

Alessandro Molon tenha apresentado mais propostas legislativas vol-


tadas aos setores “macro” de Serviços (composto, no caso das doações de
maior valor feitas ao candidato,64 majoritariamente pelos setores “micro”
63 Aqui o valor mínimo de corte foi reduzido para facilitar a visualização dos valores to-
tais doados por cada setor (macro) para cada candidato(a). Essa redução foi necessá-
ria pois, caso contrário, os candidatos Alessandro Molon, Benedita da Silva e Glauber
Braga apresentariam pouquíssimas (ou nenhuma) informação no gráfico, devido ao
fato de eles terem recebido menos doações (em termos de reais doados).
64 Apenas para reiterar que os setores “macro” de cada candidato podem ser compostos
por setores “micro” distintos, uma vez que as variáveis são complementares e foram
elaboradas justamente para que fosse possível uma dupla classificação. Dessa manei-
ra, facilita-se a identificação do setor econômico do doador como, por exemplo, ao se
identificar que as maiores doações recebidas pelo candidato Alessandro Molon que
foram oriundas do setor “macro” de Serviços foram compostas por doações dos seto-
res “micro” de Obras e de Telecomunicações. Ademais, por mais que haja uma certa
284 Coleção Jovem Jurista 2021

de Obras e Telecomunicações), Financeiro (composto pelo setor “micro”


Bancário) e Comercial (composto, majoritariamente, pelos setores “micro”
de Alimentos e de Bebidas Alcoólicas);

Aureo Ribeiro tenha apresentado mais propostas legislativas voltadas


aos setores “macro” de Serviços (composto majoritariamente pelo setor
“micro” de Obras), Imobiliário (composto pelo setor “micro” de Incorpora-
ções), de Construção (composto pelo setor “micro” de Obras) e Ambiental
(composto pelo setor “micro” de Tratamento de resíduos não perigosos);

Benedita da Silva tenha apresentado mais propostas legislativas vol-


tadas aos setores “macro” de Saúde (composto pelos setores “micro” de
Rede hospitalar, Plano de saúde e Medicamentos), de Produção (compos-
to majoritariamente pelos setores “micro” de Plástico e de Bebidas alcoó-
licas) e de Construção (composto pelo setor “micro” de Obras);

Glauber Braga tenha apresentado mais propostas legislativas voltadas


ao setor “macro” de Construção (composto pelo setor “micro” de Obras);

Hugo Leal tenha apresentado mais propostas legislativas voltadas


aos setores “macro” de Saúde (composto pelo setor “micro” de Plano de
saúde), de Produção (composto majoritariamente pelo setor “micro” de
Plástico), Financeiro (composto pelo setor “micro” Bancário) e Comercial
(composto pelos setores “micro” de Agricultura e Energia);

Jandira Feghali tenha apresentado mais propostas legislativas voltadas


aos setores “macro” de Produção (composto pelos setores “micro” de Trans-
portes, Minério e Medicamentos), de Construção (composto pelo setor “mi-
cro” de Obras) e Ambiental (composto pelo setor “micro” de Serviços);

Pedro Paulo tenha apresentado mais propostas legislativas voltadas aos


setores “macro” de Serviços (composto pelos setores “micro” de Engenha-
ria, Obras e TI), de Saúde (composto pelo setor “micro” de Rede hospitalar),
de Produção (composto majoritariamente pelo setor “micro” de Bebidas não
alcoólicas), Imobiliário (composto majoritariamente pelo setor “micro” de In-
corporações), Financeiro (composto pelo setor “micro” Bancário) e de Cons-
trução (composto pelo setor “micro” de Obras); e, por último,

Rodrigo Maia tenha apresentado mais propostas legislativas volta-


das aos setores “macro” de Produção (composto pelos setores “micro”
de Bebidas não alcoólicas e Alimentos), Imobiliário (composto pelo setor
“micro” de Incorporações), Financeiro (composto pelos setores “micro” de
Investimentos e Bancário), de Construção (composto pelo setor “micro”
de Obras) e Comercial (composto pelos setores “micro” de Bebidas alco-
ólicas e Transportes).
correlação entre as duas classificações feitas através das variáveis “Setor (macro)” e
“Setor (micro)”, pode-se identificar setores “micro” que se correlacionam, também,
com outro setor “macro”, como é o caso da variável “Obras” no setor “macro” Serviços
e, também, no setor “macro” Construção.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 285

Os resultados obtidos com relação às propostas legislativas

Passemos agora aos dados levantados acerca dos Projetos de Lei,


Projetos de Lei Complementar e Propostas de Emenda Constitucional
apresentados pelos(as) deputados(as) estudados durante os anos de 2011,
2015 e 2019 (primeiros anos de cada uma das três últimas legislaturas).
Como explicitado na Introdução deste trabalho, os dados obtidos tam-
bém foram organizados em uma planilha,65 na qual cada linha representa
uma proposta legislativa apresentada. Dessa forma, foi possível identificar,
objetivamente: (i) o(a) deputado(a) federal que apresentou a proposta,
dentre os(as) oito estudados(as); (ii) o ano de apresentação (2011, 2015
ou 2019); (iii) o número da proposição; (iv) sua ementa; (v) se a proposta
foi apresentada em coautoria ou apenas por aquele(a) deputado(a); (vi)
a data de apresentação; (vii) a situação da proposição; e (viii) seu link
de acesso no site da Câmara dos Deputados. Já a partir de uma análise
subjetiva deste trabalho, foram criadas as mesmas variáveis utilizadas na
planilha com os dados das doações, quais sejam, “Setor (macro)” e “Setor
(micro)”,66 com o objetivo de identificar o tema da proposta e o setor eco-
nômico impactado por ela, respectivamente.
Gráfico 6. Quantidade de PLs apresentados por candidato

Fonte: Elaborado pelo autor.

65 Conforme adiantado, todos os dados levantados para este trabalho estão disponíveis
em: https://github.com/Rodrigo-Roll/TCC_Rodrigo_Roll/.
66 Mais uma vez, cumpre salientar que as categorias “Setor (macro)” e “Setor (micro)”
deste levantamento empírico não apresentam as mesmas variáveis que as categorias
de mesmo nome no levantamento dos dados acerca das doações de campanha. Fo-
ram utilizados os mesmos nomes apenas para facilitar a correlação entre os dados dos
dois levantamentos.
286 Coleção Jovem Jurista 2021

Após uma organização inicial da planilha, chegou-se a um total de


229 (duzentos e vinte e nove) propostas apresentadas ao longo desses
três anos iniciais de cada legislatura. Como se vê pelo Gráfico 6 (Quan-
tidade de PLs apresentados por candidato),67 o deputado Aureo Ribeiro
foi quem mais apresentou propostas legislativas nesse período analisado
(60), seguido dos(as) deputados(as) Hugo Leal (58), Alessandro Molon
(32), Glauber Braga (20), Jandira Feghali (19), Benedita da Silva (18), Pe-
dro Paulo (12) e, por último, Rodrigo Maia (10). Percebe-se, também, que
no ano de 2011 foi apresentada a maior parte das proposições (cerca de
40%), seguido de 2019 (pouco mais que 30%) e, por último, 2015 (pouco
menos de 30%), o que evidencia um certo equilíbrio entre os anos. Ainda, é
interessante notar que os dois deputados que receberam o maior número
de doações (em termos de valor em reais), Rodrigo Maia e Pedro Paulo
(cerca de 4 milhões de reais e 5 milhões de reais, respectivamente), foram
também os que menos apresentaram propostas legislativas (10 e 12 pro-
postas, respectivamente).
Gráfico 7. PLs Apresentados por setor (macro)

Fonte: Elaborado pelo autor.

Para facilitar a visualização dos dados, também foi feito um corte para
a apresentação das informações referentes ao levantamento das proposi-
ções legislativas. Neste caso, fez-se uma filtragem nos dados para selecio-
nar apenas os setores “macro” que receberam um mínimo de três propos-
tas, como se vê no Gráfico 7 - PLs apresentados por setor (macro). Com

67 Para fins de esclarecimento: onde se lê “PLs”, considerar “PLs, PLPs e PECs”. Foi utili-
zada a primeira abreviatura apenas para facilitar a visualização gráfica.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 287

isso, percebe-se o setor que figurou mais vezes como assunto ou tema de
proposições foi o Comercial e Consumidor (cerca de 30 vezes), seguido
dos setores de Tributos (cerca de 25 vezes), Penal (24 vezes), CLT (cerca
de 14 vezes), Mobilidade urbana (cerca de 13 vezes) e demais presentes
no Gráfico 7. Contudo, como adiantado, no caso dos dados referentes às
proposições legislativas apresentadas, a coluna “setor (macro)” foi preen-
chida com base no tema/assunto da proposta, enquanto a coluna “setor
(micro)” foi preenchida com base no setor econômico que estaria sendo
impactado pela proposição. Com isso, embora os dados referentes ao as-
sunto/tema das propostas legislativas possam ser interessantes à análise,
em caráter complementar, importante focar, principalmente, nas informa-
ções do “setor (micro)”.
Gráfico 8. PLs apresentados por setor (micro)

Fonte: Elaborado pelo autor.

Dito isso, o Gráfico 8 – PLs apresentados por setor (micro) explicita


melhor os setores econômicos diretamente impactados pelas propostas
legislativas apresentadas pelos(as) deputados(as).68 Nesse gráfico, já es-
tão também indicados quais parlamentares apresentaram propostas rela-
cionadas a quais setores “micro”. Como se pode ver, o setor/grupo mais
afetado (que foi mais vezes objeto de propostas legislativas) pelas pro-
postas é o setor de Trânsito e DETRAN (15), seguido de Trabalhadores e
hipossuficientes (14), Movimentos sociais (13), Telecomunicações (13), Ad-
68 Para fins de visualização e análise, foi excluído deste gráfico o setor “Outros”, que
representa setores isolados ou que não apresentaram dados significativos, isto é, tra-
tam-se de proposições legislativas que não impactavam diretamente nenhum setor
econômico ou grupo social de maneira clara. Este “setor” teve 16 ocorrências.
288 Coleção Jovem Jurista 2021

ministração Pública (11), Criança e Adolescente (11), Financeiro e grandes


fortunas (11), Sistema penal e/ou carcerário (11), Deficientes e/ou idosos
(10), Alimentos e bebidas (8) e demais presentes no gráfico. Uma das des-
cobertas mais relevantes da pesquisa foi que, além de haver uma altíssima
pluralidade nos temas das proposições legislativas e, consequentemen-
te, nos setores/grupos afetados, percebe-se que a produção legislativa
é mais voltada a grupos sociais, e não a grupos econômicos. Por essa ra-
zão, misturam-se setores econômicos, como os de Telecomunicações e
Automobilístico, por exemplo, com grupos sociais, como Trabalhadores e
hipossuficientes e Criança e Adolescente.
Gráfico 9. PLs por setor (micro) e parlamentar

Fonte: Elaborado pelo autor.

Para facilitar ainda mais a correlação entre os setores econômicos


que mais doaram para as campanhas políticas e os setores que mais fo-
ram objeto das proposições legislativas, elaborou-se o Gráfico 9 – PLs por
setor (micro) e parlamentar. A exemplo do Gráfico 5, foram isolados, por
parlamentar, os setores “micro” (da planilha das proposições legislativas)
que mais se relacionam com os oito setores “macro” (da planilha das do-
ações de campanha) que mais doaram e seus respectivos setores “micro”
(também da planilha das doações de campanha).69 Apenas foram excluí-

69 Com efeito, sabendo que nem todos os setores “micro” estão aqui representados pois
foi realizado um filtro para tratar apenas dos dados referentes aos maiores doadores
(e aos respectivos setores correspondentes na planilha de proposições legislativas),
os setores “macro” (da planilha de doações) de Construção e Imobiliário podem ser
identificados no setor “micro” (da planilha de propostas legislativas) Imobiliário; o
setor “macro” de Serviços (subdividido nos setores “micro” de Engenharia, Incorpo-
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 289

dos, para fins de visualização, os setores “micro” (da planilha das proposi-
ções legislativas) Energia, Imobiliário e Transportadores, uma vez que os
dois primeiros apresentam somente duas ocorrências cada um e apenas
nas proposições legislativas do deputado Aureo Ribeiro (sendo as do pri-
meiro em 2019 e, as do segundo, uma em 2011 e outra em 2015), e o último
apresenta apenas uma ocorrência, dentre as proposições legislativas de
2015 do deputado Rodrigo Maia. Feitos esses esclarecimentos, passemos
à análise do Gráfico 9.

Como se vê, o que de fato ocorreu, em termos de comprovação da


hipótese inicial de que haveria uma influência das doações empresariais
de campanha sobre a apresentação de propostas legislativas, foi que o(a)
deputado(a):

Alessandro Molon não apresentou mais propostas legislativas volta-


das ao setor “macro” de Serviços (composto, majoritariamente pelos se-
tores “micro” de Obras e Telecomunicações), embora tenha apresenta-
do, no âmbito do setor “macro” Financeiro (composto pelo setor “micro”
Bancário), uma proposta, e, no âmbito do setor “macro” Comercial (com-
posto, majoritariamente, pelos setores “micro” de Alimentos e de Bebidas
Alcoólicas), duas propostas. Ainda, em uma análise mais detida dessas
propostas supostamente correlacionadas aos setores econômicos de seus
maiores doadores, percebe-se que a proposta “financeira” impacta nega-
tivamente a distribuição de lucros dos bancos, de modo que acredito que
a instituição da cobrança de imposto de IRPF sobre a distribuição de lu-
cros e dividendos não estaria alinhada aos interesses do Banco BRJ ou do
Banco Itaú (ambos doadores das campanhas de 2010 e 2014 do Molon,
respectivamente). Aliás, a proposta em questão foi apresentada apenas
em 2019, então até seria possível argumentar que o fato de ter havido
doações do setor financeiro em 2010 e 2014 fez com que o deputado não
apresentasse propostas nesse sentido nos anos de 2011 e 2015, mas me
parece uma correlação ainda fraca pois há apenas uma proposta sobre o
setor. O mesmo ocorre com relação às propostas relacionadas ao setor de

rações, Telecomunicações e TI) pode ser identificado nos setores “micro” Imobiliário
e Telecomunicações; o setor “macro” Financeiro pode ser identificado no setor “mi-
cro” de Financeiro e grandes fortunas; o setor “macro” de Produção (subdividido nos
setores “micro” de Plástico, Bebidas alcoólicas, Transportes, Minério, Medicamentos,
Bebidas não alcoólicas e Alimentos) pode ser identificado nos setores “micro” de Ali-
mentos e bebidas, Rede hospitalar e farmácias, Trânsito e DETRAN, Automobilístico
e Energia; o setor “macro” Comercial (subdividido nos setores “micro” de Alimentos,
Bebidas alcoólicas, Energia e Transportes) pode ser identificado nos setores “micro”
de Alimentos e bebidas, Trânsito e DETRAN, Automobilístico e Energia; o setor “ma-
cro” de Saúde (subdividido nos setores “micro” de Rede hospitalar, Plano de saúde e
Medicamentos) pode ser identificado no setor de Rede hospitalar e farmácias; e, por
fim, o setor “macro” Ambiental (subdividido nos setores “micro” de Tratamento de
resíduos não perigosos e Serviços) pode ser identificado no setor “macro” Ambiental
(como se trata de tema de beneficiários/impactados não identificáveis, acredito que
faz sentido que a comparação seja feita com a classificação do próprio tema/assunto
das proposições legislativas).
290 Coleção Jovem Jurista 2021

“Alimentos e bebidas”, vez que ambas impactam negativamente o setor


pois propõem a criação da exigência de que se inclua alerta sobre riscos
à gravidez nos rótulos e/ou embalagens de bebidas alcoólicas. No entan-
to, mais uma vez, as propostas são de 2011 e o deputado apenas recebeu
doações do setor de bebidas alcoólicas em 2014, o que suscita os mesmos
questionamentos feitos anteriormente;

Aureo Ribeiro não apresentou mais propostas legislativas voltadas


aos setores “macro” de Serviços (composto majoritariamente pelo setor
“micro” de Obras), Imobiliário (composto pelo setor “micro” de Incorpora-
ções), de Construção (composto pelo setor “micro” de Obras) e Ambiental
(composto pelo setor “micro” de Tratamento de resíduos não perigosos).
Na verdade, o deputado foi o único a apresentar propostas diretamente li-
gadas ao setor imobiliário, mas o fez apenas em duas oportunidades (uma
em 2011 e outra em 2015). Na primeira, propôs legislação para disciplinar
a aplicação de multa às Construtoras e Incorporadoras por atraso na en-
trega de imóvel ao comprador-consumidor e, na segunda, propôs legisla-
ção para alterar a Lei nº 7.433/1985, que dispõe sobre os requisitos para
lavratura de escrituras públicas. Ora, como foi evidenciado pelo Gráfico
5, o deputado Aureo apresenta uma enorme discrepância nos valores re-
cebidos de doações por setor. Em outras palavras, o setor de Construção
somou doações em valores acima de 1,5 milhão de reais e, se considerar-
mos também os setores de Serviços (com o “micro” correspondente de
Obras) e Imobiliário (com o “micro” correspondente de Incorporações)
nessa conta, as campanhas do deputado foram basicamente financiadas
por um setor. Dessa forma, por mais que seja interessante notar que ele
foi o único deputado – dentre os estudados – a apresentar propostas es-
pecificamente voltadas a esse setor Imobiliário, não faria sentido sua atu-
ação legislativa com relação ao setor de Telecomunicações, de Alimentos
e bebidas e de Trânsito e DETRAN, haja vista que ele não recebeu grandes
quantias desses setores;

Benedita da Silva não apresentou mais propostas legislativas volta-


das aos setores “macro” de Produção (composto majoritariamente pe-
los setores “micro” de Plástico e de Bebidas alcoólicas) e de Construção
(composto pelo setor “micro” de Obras), embora tenha apresentado duas
proposições relacionadas ao setor “macro” de Saúde (composto pelos se-
tores “micro” de Rede hospitalar, Plano de saúde e Medicamentos). Con-
tudo, a maior parte da atuação legislativa da deputada é voltada a grupos
sociais, conforme identificado nas análises dos setores impactados. Tam-
bém, cumpre destacar que uma das duas propostas relacionadas ao setor
de Saúde é apenas uma “Homenagem”, pois institui a Semana Nacional
de Conscientização Sobre as Doenças negligenciadas – sem um aparente
impacto para seus doadores do setor, quais sejam, Amil, Nortecor Hospital
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 291

de Clínicas, Laborvida Laboratórios Farmacêuticos e Eurofarma Labora-


tórios;

Glauber Braga não apresentou mais propostas legislativas voltadas


ao setor “macro” de Construção (composto pelo setor “micro” de Obras).
Na verdade, não há nenhuma proposta do deputado voltada para o setor.
Sua atuação, a exemplo da deputada Benedita da Silva, voltou-se majori-
tariamente a questões sociais, sendo o único setor impactado que se des-
tacou em suas proposições o Financeiro, que foi negativamente afetado
pela atuação legislativa do parlamentar;

Hugo Leal não apresentou mais propostas legislativas voltadas aos


setores “macro” de Saúde (composto pelo setor “micro” de Plano de
saúde), de Produção (composto majoritariamente pelo setor “micro” de
Plástico), Financeiro (composto pelo setor “micro” Bancário) e Comercial
(composto pelos setores “micro” de Agricultura e Energia). Contudo, o
deputado apresentou algumas propostas voltadas ao setor de Rede hospi-
talar e farmácias e ao setor Financeiro, mas ainda representam pouco com
relação às propostas voltadas ao setor de Trânsito e DETRAN, assim como
demais setores não relacionados com os dos seus doadores. Ainda, as
proposições em questão foram todas apresentadas em 2011, enquanto as
doações recebidas desses setores ocorreram majoritariamente em 2014;

Jandira Feghali não apresentou mais propostas legislativas volta-


das aos setores “macro” de Produção (composto pelos setores “micro”
de Transportes, Minério e Medicamentos), de Construção (composto pelo
setor “micro” de Obras) e Ambiental (composto pelo setor “micro” de Ser-
viços). Na verdade, o único setor que se destacou nas proposições legisla-
tivas da deputada, dentre os que mais doaram aos candidatos analisados,
foi o Financeiro, que, naturalmente, foi negativamente impactado pelas
propostas da deputada federal pelo Partido Comunista do Brasil;

Pedro Paulo não apresentou mais propostas legislativas voltadas


aos setores “macro” de Serviços (composto pelos setores “micro” de En-
genharia, Obras e TI), de Saúde (composto pelo setor “micro” de Rede
hospitalar), de Produção (composto majoritariamente pelo setor “micro”
de Bebidas não alcoólicas), Imobiliário (composto majoritariamente pelo
setor “micro” de Incorporações), Financeiro (composto pelo setor “micro”
Bancário) e de Construção (composto pelo setor “micro” de Obras). Inclu-
sive, a análise dos dados referentes às propostas legislativas apresentadas
pelo deputado foi ainda mais desafiadora pois ele teve pouquíssimas pro-
posições apresentadas. Dentre essas, apenas um setor/grupo teve mais
de uma proposta legislativa (3) apresentada em seu favor, qual seja, o de
Trabalhadores e hipossuficientes. O único setor, dentre os que doaram
valores mais expressivos às candidaturas do deputado, que foi objeto de
proposta legislativa foi o Financeiro: um Projeto de Lei que dispõe sobre
292 Coleção Jovem Jurista 2021

as normas de área de vigilância patrimonial de estabelecimentos finan-


ceiros. Não parece ser uma proposta o suficiente para estabelecer uma
correlação, ainda mais diante da ausência de proposições relacionadas aos
demais setores que doaram para suas campanhas – que foram as que mais
receberam recursos; e, por último,

Rodrigo Maia não apresentou mais propostas legislativas voltadas


aos setores “macro” de Produção (composto pelos setores “micro” de Be-
bidas não alcoólicas e Alimentos), Imobiliário (composto pelo setor “mi-
cro” de Incorporações), Financeiro (composto pelos setores “micro” de In-
vestimentos e Bancário), de Construção (composto pelo setor “micro” de
Obras) e Comercial (composto pelos setores “micro” de Bebidas alcoóli-
cas e Transportes). Assim como o deputado Pedro Paulo, Maia apresentou
pouquíssimas propostas legislativas (cerca de 10). Os únicos setores, que
se correlacionam com os de seus doadores, representados em suas pro-
postas, foram o de Alimentos e bebidas e o de Telecomunicações. Toda-
via, assim como em outros casos, algumas dessas propostas apresentadas
parecem afetar negativamente os setores, pois introduzem proibições e/
ou encargos aos setores, como a vedação da utilização de gordura vegetal
hidrogenada na composição de alimentos destinados ao consumo huma-
no e a obrigatoriedade de os fabricantes de aparelhos de telefonia móvel
informarem seus usuários acerca de eventuais riscos à saúde.

Quanto à análise da alteração da atuação legislativa pós ADI nº 4.650,


não se verificou alterações relevantes. Desse modo, quando observados
os gráficos com as proposições legislativas de cada deputado(a) por setor
“micro” e por ano (Gráficos de 10 a 17, anexados ao final deste trabalho),
percebe-se que não há uma mudança na atuação legislativa, pelo menos
não de forma considerável. Os(as) deputados(as) Alessandro Molon, Be-
nedita da Silva, Glauber Braga e Jandira Feghali70 apresentaram distribui-
ções bem equilibradas de suas propostas legislativas por ano, tendo os
setores “micro” baixa correlação com seus maiores doadores, como de-
monstrado, pois esses parlamentares tiveram atuações legislativas mais
voltadas a grupos sociais, e não a setores econômicos propriamente ditos.

Por sua vez, os deputados Pedro Paulo e Rodrigo Maia apresenta-


ram pouquíssimas proposições se comparados aos demais, o que dificulta
qualquer análise: Rodrigo Maia não teve nenhuma proposta apresentada
em 2019 (N/A) e apenas três em 2015 e seis em 2011, relacionadas a seto-
res diversos, enquanto Pedro Paulo apresentou oito propostas em 2019,
bem dispersas em termos de setores (à exceção do setor “micro” Tra-
balhadores e hipossuficientes, que teve três propostas), apenas uma em
2015 e três em 2011, cada uma relacionada a um setor sem qualquer rela-
ção com seus doadores. Por fim, os deputados Aureo Ribeiro e Hugo Leal

70 Cabe destacar que o deputado Alessandro Molon não apresentou nenhuma proposta
legislativa no ano de 2015 (N/A).
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 293

apresentaram distribuições distintas pelos anos. No primeiro, observa-se


uma altíssima dispersão de setores nas propostas apresentadas em 2019,
sendo dezessete propostas e dezesseis setores “micro” diferentes, e uma
maior concentração de alguns setores “micro” nos anos de 2015 e 2011,
mas mantendo-se o equilíbrio com relação aos setores que mais doaram
para suas campanhas. Já o segundo, teve alta concentração de setores em
2011 (também em virtude do maior número de propostas apresentadas
nesse ano em relação aos demais) e relativo equilíbrio em 2015 e 2019, não
sendo possível, assim como com os demais, identificar correlações claras
com a alteração gerada pela ADI nº 4.650.

CONCLUSÃO

Considerações sobre os resultados obtidos

Antes de trazer aqui as reflexões finais deste estudo, cabe relembrar as


perguntas de pesquisa e hipóteses iniciais do trabalho. Como amplamen-
te discutido e tendo por base a revisão bibliográfica e a jurisprudência
sobre o tema, este estudo buscou fazer uma investigação comparativa
sobre como (ou se) ocorre a influência do financiamento de empresas na
atuação dos(as) deputados(as) federais. Ou seja, procurou-se, primeiro,
examinar empiricamente se é possível observar a influência das doações
empresariais sobre a atuação dos(as) parlamentares; e, segundo, se houve
alguma alteração na produção legislativa dos(as) deputados(as) com o
fim das doações empresariais.

De maneira mais específica, buscou-se traçar uma correlação entre


os setores de atuação dos doadores empresariais e os setores impacta-
dos/beneficiados pela atuação legislativa dos(as) deputados(as) federais.
Diante desses questionamentos, as hipóteses deste trabalho foram de que:
(i) é possível observar a influência das doações empresariais sobre a atu-
ação dos(as) parlamentares a partir de uma correlação entre os setores
econômicos dos doadores e aqueles objeto das proposições dos(as) par-
lamentares; e (ii) houve alteração na atuação dos(as) deputados(as) fede-
rais após o fim das doações empresariais.

Ora, como evidenciado pela análise dos dados apresentados no Capí-


tulo III, a resposta para as duas perguntas de pesquisa deve ser negativa,
assim como as hipóteses iniciais formuladas não foram confirmadas. Des-
se modo, (i) não foi possível observar uma influência clara das doações
empresariais realizadas sobre a atuação dos(as) parlamentares a partir de
uma correlação entre os setores econômicos dos doadores e aqueles obje-
to das proposições dos(as) deputados(as); e (ii) não houve uma alteração
significativa na atuação legislativa dos(as) parlamentares analisados com
294 Coleção Jovem Jurista 2021

o fim das doações empresariais de campanha. No entanto, esses achados,


definitivamente, não significam que as hipóteses doutrinárias não existam,
isto é, não se pode afirmar que não há influência das empresas privadas
doadoras sobre a atividade parlamentar.

Como amplamente discutido neste estudo, há diversas ressalvas me-


todológicas importantes que devem ser (e foram) feitas quando da análise
dessa influência. Há múltiplas variáveis em jogo, sendo que nem todas são
observáveis, como o dinheiro doado em forma de “Caixa 2”, o lobby re-
alizado durante o curso dos mandatos e as demais questões envolvendo
o coorte realizado para esta pesquisa, e.g., a seleção específica de de-
putados(as) federais do Rio de Janeiro, a definição de eleições e anos
específicos de cada legislatura para análise e até a própria utilização das
doações empresariais e de PLs, PLPs e PECs como parâmetros de corre-
lação. Todavia, acredito que a relevância e validade deste levantamento
empírico inédito realizado por este trabalho não devem ser descartadas.
Trata-se de achados importantes para um compromisso de longo prazo da
academia com a exploração do tema, de modo que os resultados podem
indicar qual deve ser o melhor caminho a ser adotado para pesquisas que
buscam examinar a influência do setor privado sobre o público (mais es-
pecificamente, a classe política). Explico.

Como minuciosamente apontado, tanto a escolha das doações em-


presariais para representar o possível mecanismo de pressão/influência
adotado pelo setor privado, quanto a opção por verificar a existência des-
sa influência por meio da observação dos PLs, PLPs e PECs apresentados
(representando aqui a atuação parlamentar) foram orientadas pelos apon-
tamentos doutrinários e jurisprudenciais,71 mas não são a única escolha
possível e, de longe, a escolha “correta”. O próprio caráter exploratório
e, de certa forma, inédito desta análise fez com que fossem inúmeras as
possibilidades de escolha de parâmetros para análise. Com isso, apesar
das limitações metodológicas – exaustivamente repisadas – do trabalho
em virtude dos coortes de tempo, parlamentar e UF, que fazem com que
não se possa afirmar que os resultados obtidos sejam representativos para
toda a Câmara dos Deputados, em todos os anos, acredito que este estudo
tenha indicado que tanto as doações empresariais quanto as proposições
legislativas não são parâmetros ideais para aferir a existência da influência
debatida. Portanto, quais devem ser esses parâmetros? Acredito que a

71 Cumpre apenas repisar que a decisão do STF na ADI no 4.650 foi de extrema relevân-
cia para o aprimoramento da competição eleitoral no país. Em outros termos, embora
os achados deste estudo indiquem que não há correlação clara entre as doações em-
presariais realizadas e a atuação parlamentar, com todas as ressalvas feitas, o fim do
financiamento empresarial de campanhas políticas foi fundamental per se: a simples
existência dessa forma de financiamento – como demonstrado pela doutrina nacional
e internacional – era prejudicial à democracia e à competição eleitoral. Assim, as possí-
veis consequências do financiamento sobre a atuação parlamentar não representavam
o único problema deste tipo de doação de campanhas políticas.
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 295

atividade de lobby, especialmente após o fim das doações empresariais,


deverá ser esse locus de análise.

Uma nova proposta para a análise da influência privada na política:


a prática do lobby

Diante dessas conclusões acerca dos dados analisados, cabe refletir sobre
outras possíveis formas de influência do setor privado sobre o público,
bem como outros loci de observação/manifestação dessa influência na
atuação parlamentar. Começando por este último ponto, acredito que este
trabalho tenha evidenciado que dificilmente pode-se identificar o setor
econômico beneficiado/impactado pelos PLs, PLPs e PECs. Na verdade,
grande parte dessa atuação legislativa dos(as) deputados(as) estuda-
dos(as) voltava-se para grupos ou questões sociais, e não necessariamen-
te econômicas.

Assim, acredito que, em análises futuras, podem ser examinadas ape-


nas as proposições legislativas que tenham, efetivamente, algum impacto
econômico. Outra saída é promover uma investigação mais aprofundada
da atuação parlamentar, ou seja, incluindo a análise da atuação dos(as)
deputados(as) nas Comissões do CN e no Plenário, de modo a monitorar
não apenas os posicionamentos dos(as) parlamentares exarados em suas
próprias proposições, como foi feito, mas também com relação a proposi-
ções relevantes dos(as) demais parlamentares. Com efeito, pode ser feito
um levantamento acerca dos votos proferidos pelos(as) deputados(as)
em temas estratégicos das Comissões e do Plenário, além de uma análi-
se das emendas apresentadas. Naturalmente, esse levantamento exigirá
maior esforço, em virtude da maior quantidade de informações e da difi-
culdade de mapeá-las.

Todavia, gostaria de reiterar que a validade de análises com base em


PLs, PLPs e PECs não deve ser descartada; deve-se apenas atentar para
as questões suscitadas neste estudo, como a possível filtragem das pro-
postas focadas em grupos sociais e a maior frequência de propostas que
impactam negativamente determinados setores econômicos. Até pode-se
considerar, como debatido em alguns casos, que a ausência de propos-
ta(s) legislativa(s) voltada(s) a afetar um determinado setor seja um dado
relevante, uma espécie de influência de setores econômicos altamente e
frequentemente regulados para que se evite um aumento no número de
propostas voltadas a eles. Dessa forma, a influência poderia estar em um
“não fazer”, ao invés de em uma atuação propositiva.

Quanto ao primeiro ponto, referente às diferentes formas de influên-


cia, acredito que seja a principal reflexão a ser feita a partir dos resultados
obtidos e do fim do financiamento empresarial de campanhas com a ADI
296 Coleção Jovem Jurista 2021

nº 4.650. Com efeito, como não ficou clara a correlação feita partindo-se
das doações empresariais – e tendo em mente que esta já não foi uma
possibilidade em 2018 e, até o momento, não será em pleitos futuros –, de-
ve-se buscar outros parâmetros para investigar a questão da influência do
dinheiro privado, tão debatida pela doutrina e pela jurisprudência. Como
adiantado, mesmo considerando os resultados deste trabalho, a decisão
final do STF não deve ser questionada, haja vista que o financiamento em-
presarial representava um problema democrático e, sobretudo, eleitoral
per se. No entanto, talvez o argumento utilizado pela maioria do Plená-
rio – e, repise-se, amparado na doutrina especializada sobre o tema –, no
que diz respeito aos impactos das doações empresariais sobre a atuação
do(s) candidato(s) já eleito(s), deveria ter problematizado outra forma de
influência: o lobby. E não digo isso para buscar a criminalização desta ati-
vidade legítima, como já explicitado, mas para viabilizar um debate sobre
seus contornos.

Ora, se há dúvidas acerca dos interesses dos empresários, à época,


com as doações feitas a candidaturas políticas, bem como questionamen-
tos sobre a correlação entre as doações e possíveis benefícios aferidos
por meio da atuação do(a) candidato(a) eleito(a) – como demonstrado
por este estudo e outros já citados –, então o foco da influência pode
estar em outro mecanismo. Evidente que há uma série de possibilidades
dentro dessa questão, sendo muitas delas de difícil investigação pois são
práticas ilegais, como o “Caixa 2”, e que já são combatidas pelos órgãos
de fiscalização, dentro do limite do possível. No entanto, esse não é o caso
do lobby.

Trata-se de mecanismo legítimo – como já discutido – para que os


diferentes setores da sociedade possam pressionar os tomadores de deci-
são.72 Como se pode ver, o lobby tem como objetivo principal viabilizar a
influência de determinado grupo sobre o processo de tomada de decisão,
portanto, diferentemente do financiamento empresarial de campanhas –
que era justificado, como visto, sob o pretexto de facilitar a divulgação de
propostas e ideias de determinado(a) candidato(a) –, este pode ser toma-
do como parâmetro explícito e incontestável da influência exercida por
determinado(s) setor(es). Dito de outra forma, o lobby pode ser tomado
como “termômetro” perfeito da influência exercida sobre parlamentares
(ou quaisquer outros cargos eletivos ou públicos que envolvam a tomada
de decisões no âmbito público) por grupos organizados.

Além disso, se havia preocupação, durante a vigência do financia-


mento empresarial, de que as doações poderiam influenciar os(as) can-
didatos(as) mesmo após eleitos(as), não há motivo para que esse receio
72 Ou, segundo MULCAHY (2015, p. 6), “qualquer comunicação, direta ou indireta, com
agentes públicos, tomadores de decisão ou representantes com o propósito de in-
fluenciar no processo de tomada de decisão, conduzido por ou em nome de qualquer
grupo organizado” (tradução livre do inglês).
Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 297

tenha desaparecido apenas devido ao fim dessas doações. Como analisa-


do nos Capítulos I e III, as cifras doadas apenas aumentavam – até mesmo
nas eleições de 2018, em que essa possível forma de influência já estava
com seus dias contados – e, como levantado pelos próprios votos diver-
gentes no julgamento da ADI nº 4.650, essa tentativa de influência não
desapareceria automaticamente. Portanto, com essas alterações no jogo
eleitoral, a atividade de lobby apenas ganhou mais relevância como um
dos poucos mecanismos legítimos de influência que permanecera no ce-
nário brasileiro.

Diante disso, acredito que a proibição do financiamento empresarial


de campanhas representou, de fato, um marco importante para o aprimo-
ramento do processo eleitoral brasileiro. No entanto, penso que o julga-
mento da ADI nº 4.650 não eliminou a influência do setor privado sobre o
público, seja porque ela se mantém por outros mecanismos, seja porque
as próprias doações empresariais não representavam a forma principal de
exercer e analisar esta influência. Ainda, entendo que qualquer tentativa
de acabar com a influência do setor privado sobre o público seja infrutífe-
ra. Afinal, a influência per se não deve ser criminalizada ou combatida, uma
vez que faz parte do jogo democrático. O que deve ser combatido são os
meios indevidos de influência, como o “Caixa 2”, a corrupção, entre outros.

Por fim, espero que os resultados obtidos e as reflexões feitas neste


trabalho contribuam para que o lobby passe a ser o foco das discussões
a respeito da influência do setor privado sobre o público. Dito de outra
forma, a proibição do financiamento empresarial de campanhas – e os re-
sultados que indicam que as doações não representam influência clara
sobre os(as) candidatos(as) posteriormente eleitos(as) – torna ainda mais
urgente o amadurecimento do debate sobre o lobby no Brasil. Em última
análise, sem uma regulamentação sólida do lobby no país, fica ainda mais
difícil delimitar o exercício da influência legítima por parte do setor priva-
do, bem como fica impraticável o avanço exploratório da academia sobre
o tema, buscando sua compreensão a partir das mais variadas acepções
da influência.

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302 Coleção Jovem Jurista 2021

Gráfico 12. PLs Benedita por setor (micro)

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Fonte: Elaborado pelo autor.


Dinheiro, eleições e atuação parlamentar 303

Gráfico 14. PLs Hugo por setor (micro)

Fonte: Elaborado pelo autor.

Gráfico 15. PLs Jandira por setor (micro)

Fonte: Elaborado pelo autor.


304 Coleção Jovem Jurista 2021

Gráfico 16. PLs Pedro Paulo por setor (micro)

Fonte: Elaborado pelo autor.

Gráfico 17. PLs Maia por setor (micro)

Fonte: Elaborado pelo autor.


COMO EXTINGUIR UMA GOLDEN SHARE? UMA ANÁLISE
CRÍTICA E PROPOSITIVA SOBRE OS POSSÍVEIS
MECANISMOS DE EXTINÇÃO DAS AÇÕES PREFERENCIAIS
DE CLASSE ESPECIAL INSTITUÍDAS NAS COMPANHIAS
OBJETO DE DESESTATIZAÇÃO
Ana Carolina Alhadas Valadares

Resumo
O presente trabalho foi formulado com o propósito de fornecer uma res-
posta alternativa aos questionamentos apresentados no âmbito da Con-
sulta nº 025.285.2017-3, em trâmite no Tribunal de Contas da União. Dessa
forma, objetiva-se responder às seguintes perguntas: (i) se é possível su-
primir os direitos conferidos às golden shares; (ii) qual seria o ente respon-
sável pela referida extinção; (iii) e se essa operação exigiria o pagamento
de uma contrapartida pecuniária ao ente público que anteriormente pos-
suía a titularidade dessas ações. Para tanto, o instituto das golden shares
é analisado por meio do recurso ao histórico dessa participação acionária
tanto no âmbito internacional como nacional. Em sequência, são indica-
dos os principais questionamentos, apresentados ao longo dos anos, pela
doutrina de Direito Público e pelos teóricos de Direito Privado, em de-
corrência da emissão dessas ações. Com enfoque no contexto brasileiro,
são identificados os casos em que o Poder Público poderia ter alterado o
curso de deliberação das companhias, mas optou por não recorrer às prer-
rogativas conferidas pelas ações preferenciais de classe especial. Diante
dessa exposição, é demonstrado que essas ações não só podem ser extin-
tas, como devem ser retiradas do capital social das companhias privadas,
para que haja a plena observância do art. 173, caput, da CRFB/88. Em
seguida, é traçado um paralelo entre o cenário europeu, que demandou a
extinção dessas ações por expressa determinação judicial, e o caso bra-
sileiro, em que se questiona a possibilidade de a própria Administração
Pública revisitar os fundamentos que ensejaram a emissão dessas ações.
Assim, é relatado todo o andamento da Consulta nº 025.285.2017-3, com
a respectiva indicação do posicionamento de cada um dos ministros e dos
agentes envolvidos no processo para que, ao final, seja possível concluir
que: as golden shares devem ser extintas, quando superadas as razões de
interesse público que motivaram a sua previsão, sendo necessário, para
306 Coleção Jovem Jurista 2021

tanto, apenas a decisão do Conselho de Parcerias de Investimentos, sem


qualquer tipo de contrapartida pecuniária.

Palavras-Chave
Golden share; Ações preferenciais de classe especial; Desestatização; Tri-
bunal de Contas da União.

Abstract
The present work was formulated with the purpose of providing an alter-
native answer to the questions presented in the scope of Consultation no.
025.285.2017-3, in progress in the Federal Court of Accounts. Thus, the
objective is to answer the following questions: (i) whether it is possible to
suppress the rights linked to the golden shares; (ii) which entity would be
responsible for the extinction of these shares; (iii) and whether this opera-
tion would require the payment of a pecuniary consideration to the public
entity that previously owned these participation. To this end, the golden
shares institute is analyzed through the use of the history of this shares,
both internationally and nationally. In sequence, the main questions made
by the doctrine of Public Law and Private Law, related to these shares,
are presented. With a focus on the Brazilian context, cases are identified
where the public body could have altered the companies’ deliberation cou-
rse, but chose not to resort to the privileges conferred by the special sha-
res. In view of this exposure, it is characterized that these actions can not
only be extinguished, but must be withdrawn from the share capital of
private companies, so that there is full observance of article 173, caput of
CRFB/88. Next, a parallel is drawn between the European scenario, which
required the extinction of these shares by express judicial determination,
and the brazilian case, in which we discuss the possibility of the public
administration itself review the fundamentals that gave rise to the issue of
these shares. Thus, the entire progress of Consultation no. 025.285.2017-3,
indicating the position of each of the ministries is related, so that at the
end, it’s possible to realize that: golden shares must be extinguished, when
the reasons of public interest that motivated its prediction are overcome,
being necessary, for that, only the decision of the Investment Partnerships
Council, without the need of any kind of pecuniary consideration.

Keywords
Golden share; Special class of shares; Privatization; Federal Court of Ac-
counts.
Como extinguir uma golden share 307

Introdução

Por quais motivos o Estado opta por deixar de explorar diretamente uma
determinada atividade econômica? Com essa retirada, as atividades ante-
riormente desenvolvidas pelas entidades da Administração Pública podem
ser apropriadas pelos agentes privados?

Tais questões surgem na ordem do dia, com maior ou menor inten-


sidade, a depender da previsão de uma agenda de desestatizações,1 no
âmbito dos programas de governo do Poder Executivo. Este processo, de
natureza eminentemente política, usualmente é deflagrado em cenários de
crise econômica,2 em que a alienação dos ativos titularizados pelo Estado
parece ser a saída ideal para o incremento das finanças públicas.3

No entanto, ainda que o objetivo final do aludido processo seja um


só, qual seja, a retirada do Estado da economia, diversos são os procedi-
mentos que podem ser empregados para a consecução das desestatiza-
ções. Nesse sentido, o art. 4º, da Lei nº 9.491/97, elencou ao longo de seus
incisos as modalidades operacionais que podem ser empregadas pelo
Poder Público quando da deflagração desses processos. Dessa constata-
ção extrai-se, portanto, que não há uma modelagem padrão capaz de ser
aplicada indistintamente a todos os procedimentos de desestatização sob

1 Segundo o §1o, do art. 2o, da Lei no 9.491/97, considera-se desestatização: “a) a alie-
nação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras
controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria
dos administradores da sociedade; b) a transferência, para a iniciativa privada, da exe-
cução de serviços públicos explorados pela União, diretamente ou através de entida-
des controladas, bem como daqueles de sua responsabilidade; c) a transferência ou
outorga de direitos sobre bens móveis e imóveis da União, nos termos desta Lei”.
2 Nesse sentido, Armando Castelar Pinheiro e Fabio Gimbiagi na obra “Os antecedentes
macroeconômicos e a estrutura institucional da privatização no Brasil” destacam: “No
último quarto de século, enquanto o Brasil lutava para estabilizar a economia e reto-
mar o crescimento sustentado, formou-se gradualmente um elo entre a privatização
e a política macroeconômica. Ao enviar ao Congresso Nacional, em março de 1990, a
Medida Provisória 155, contendo o que viria a ser a base legal do Programa Nacional
de Desestatização (PND), o Executivo tencionava usar a privatização para reduzir a
dívida pública e consolidar o plano de estabilização promulgado na mesma ocasião”.
Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/15306/1/Cap%20
1-%20Os%20antecedentes%20macroeconômicos%20e%20a%20estrutura%20intitu-
cional_P_BD.PDF. Acesso em: 25 jun. 2020.
3 No caso brasileiro, em âmbito federal, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda em
2018, comprometeu-se a obter um trilhão de reais, em operações de desestatização,
por meio da alienação de ativos: “Calculamos que temos cerca de R$ 1 trilhão em ati-
vos (da União) a ser privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras”, disse
Paulo Guedes, em agosto de 2018, ainda na campanha presidencial, antes de se tornar
ministro da Economia no governo de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://www.bbc.
com/portuguese/brasil-53759942. Acesso em: 28 nov. 2020. Da mesma forma, já em
2020, o atual Ministro se comprometeu a obter os mesmos valores, com a venda dos
imóveis de propriedade da União: “O ministro da Economia, Paulo Guedes, retomou o
discurso de que pode vender R$ 1 trilhão em imóveis para abater dívida”. Disponível
em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/04/30/venda-de-imoveis-recua-
-mas-ministro-volta-a-prometer-r-1-tri.ghtml. Acesso em: 28 nov. 2020.
308 Coleção Jovem Jurista 2021

pena, inclusive, de que estes deixem de garantir o maior retorno financeiro


possível para o ente desestatizante.

Dentre as escolhas que podem ser realizadas pelo gestor público


quando da elaboração da referida modelagem, destaca-se, para os fins
do presente trabalho, a possibilidade de previsão, no estatuto social das
companhias objeto de desestatização, da emissão de uma golden share.
Este instrumento societário é capaz de garantir ao antigo controlador da
estatal determinadas prerrogativas sobre a companhia que não corres-
pondem à participação acionária por ele detida após a alienação do con-
trole da sociedade.

Ainda que a referida previsão pareça, em um primeiro momento, in-


compatível com o próprio objetivo almejado quando da realização de um
processo de desestatização, esta se justifica em razão da subsistência de
um interesse público subjacente à atividade econômica desempenhada
pela companhia. A manutenção do Estado na composição acionária des-
tas pessoas jurídicas garante, portanto, a tutela do interesse público e a
implementação de determinadas políticas públicas de maneira endógena.

A noção de interesse público, no entanto, não é estática e pode ser


alterada com o decorrer do tempo, a partir das transformações sociais
e das próprias modificações sofridas pelo mercado e, de maneira mais
ampla, até mesmo em razão de transformações geopolíticas. Diante deste
contexto, uma questão se põe: diante da superação da concepção de inte-
resse público que ensejou a emissão da golden share poderia esta ação ser
extinta e o processo de desestatização finalizado por completo?

Não há, até o presente momento, no ordenamento jurídico brasileiro,


uma resposta definitiva para tal indagação. Dessa forma, este trabalho se
propõe a responder à referida questão e, ainda, a delinear os possíveis
mecanismos que podem ser empregados para a extinção destas ações.
Para tanto, serão tomados como base os seguintes questionamentos apre-
sentados pelo então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles ao Tribunal
de Contas da União no âmbito da Consulta nº 025.285.2017-3: (i) se é pos-
sível a supressão das golden shares nas companhias que foram objeto de
desestatização; (ii) se essa extinção poderia ser feita sem o pagamento de
uma contraprestação pecuniária; e, (iii) se a decisão acerca da extinção
dessa classe de ações compete ao Conselho do Programa de Parcerias de
Investimento, ou, apenas ao Ministro da Economia.

Desse modo, para que seja possível indicar, ao final desta exposição,
as respostas às indagações anteriormente suscitadas, o presente trabalho
abordará, em sua primeira seção, o histórico das golden shares, tanto no
exterior quanto no Brasil, com o objetivo de indicar as principais caracte-
rísticas que conferem a este título mobiliário um caráter sui generis. Em se-
Como extinguir uma golden share 309

quência, serão abordadas as principais críticas formuladas em decorrência


da emissão desta classe de ações.

No tópico subsequente será mencionado que, no Brasil, os entes de-


sestatizantes titulares de tais ações não exerceram, até o presente mo-
mento, as prerrogativas que estes títulos lhes concedem. Diante desta
constatação, será possível observar que as razões de interesse público
que justificaram, no passado, as emissões de tais ações por parte das so-
ciedades elencadas no tópico anterior foram superadas e que, portanto,
mostra-se imperiosa a extinção das mencionadas golden shares.

Já no item seguinte, será feito um paralelo entre o contexto inter-


nacional em que essas ações passaram a ser extintas, por determinação
do Tribunal Constitucional Europeu, para que reste evidente o distancia-
mento existente entre este episódio e o contexto nacional. Feita esta di-
ferenciação, nesse mesmo momento será relatado o trâmite da Consulta
nº 025.285.2017-3, em curso no âmbito do Tribunal de Contas da União, e
serão indicados os principais argumentos apresentados pelos ministros da
Corte de Contas.

Por fim, serão apresentadas as seguintes soluções às questões levan-


tadas: (i) que as golden shares devem ser extintas se não mais subsistir o
motivo que ensejou sua previsão; (ii) que compete ao Conselho do Pro-
grama de Parcerias e Investimentos a decisão quanto a extinção pontual
de cada uma das ações e, que, (iii) não há fundamento jurídico para o
pagamento de qualquer indenização ao ente federativo que possuía a ti-
tularidade da golden share.

I. GOLDEN SHARES – HISTÓRICO E CRÍTICAS

Experiência Internacional

Previstas pela primeira vez no âmbito dos processos de privatização Bri-


tânicos iniciados nos anos 1980 pela primeira-ministra Margaret Thatcher,4
as golden shares são um instrumento societário de governança corpora-
tiva5 capaz de garantir ao Estado a prerrogativa de intervir nas delibera-

4 “O conceito de ‘golden share’ surgiu durante a privatização britânica dos anos 80,
quando as empresas públicas como Britol e Jaguar, foram vendidas pelo governo
conservador da Primeira-Ministra Margaret Thatcher.” (tradução livre) (BAEV, 1995).
5 Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Coorporativa, governança corporativa é
“o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e
incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração,
diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”. Disponível
em: https://www.ibgc.org.br/conhecimento/governanca-corporativa. Acesso em: 10
abr. 2020.
310 Coleção Jovem Jurista 2021

ções de uma companhia, agora privada, em prol da tutela de um interesse


público.

Sua criação se deu em um contexto de liberalização da economia,


marcado pela necessidade de restabelecimento do equilíbrio orçamentá-
rio afetado pela grave crise econômica então vivenciada pelo Reino Unido,
pela necessidade de contenção dos empréstimos concedidos pelo Estado
às empresas públicas,6 e, ainda, pela busca de uma maior eficiência e por
mecanismos alternativos de funding7 dessas companhias.

No entanto, ainda que o fundamento dos planos de privatização fos-


se a ressignificação do papel desempenhado pelo Estado, por meio da
redução de sua atuação enquanto agente econômico, mostrava-se neces-
sário o desenvolvimento de um mecanismo que permitisse a intervenção
do Poder Público nas companhias privatizadas que atuavam em setores
estratégicos ou na prestação de serviços públicos tidos como essenciais.
Os objetivos primordiais dessa interferência consistiam na salvaguarda da
continuidade da prestação dos serviços bem como na garantia de que o
controle societário permaneceria sob a titularidade do acionista que o ad-
quiriu diretamente do ente estatal.

Nesse sentido, Schwind (2017) pontua que, quando da criação dessa


nova classe de ações, havia a necessidade de compatibilização desse redi-
recionamento da atuação do Estado com a possibilidade de manutenção
de certa ingerência do Poder Público sobre essas companhias, a fim de
resguardar interesses estratégicos:

Em outras palavras, apesar de ser necessária a transferência


do controle de certas companhias à iniciativa privada, o
Estado entendia que era imprescindível manter um certo grau
de intervenção estatal em virtude da importância estratégica
das empresas para a economia e para a satisfação de
necessidades especiais. Não se podia permitir, por exemplo,
que as companhias recém-privatizadas tivessem suas
atividades interrompidas ou que o seu controle acionário
fosse adquirido por estrangeiros, possivelmente por meio
de aquisição hostil. (grifos nossos)

6 Esse procedimento recebia o nome de Public Sector Borrowing Requirement – PSBR


e, atualmente, é denominado The Public Sector Net Cash Requirement e consiste na
“quantidade de dinheiro que o governo tem para emprestar quando os tributos e ou-
tras fontes de financiamento não são suficientes para pagar por todos os serviços que
devem ser fornecidos.” (tradução livre). Disponível em: https://dictionary.cambridge.
org/pt/dicionario/ingles/public-sector-borrowing-requirement. Acesso em: 10 abr.
2020.
7 “Corresponde à mobilização de recursos de terceiros via mercado de capitais ou
mercado bancário com prazo de amortização compatível ao prazo de maturação do
investimento que se pretende implantar”. Disponível em: https://www.bndes.gov.br/
SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Hotsites/Relatorio_Anual_2014/glossario.html. Acesso
em: 10 abr. 2020.
Como extinguir uma golden share 311

Previu-se, portanto, no capital social de tais pessoas jurídicas uma


ação preferencial resgatável, com valor nominal de uma libra, que atribuía
ao seu titular poderes especiais8 – as golden shares.9

Referida participação societária, de titularidade exclusiva do ente


desestatizante, confere ao seu proprietário prerrogativas especiais que
permitem a sua prevalência em determinadas deliberações da companhia,
independentemente do percentual acionário por este detido.10 Sobre o ca-
ráter intuitu personae11 dessas ações, cabe trazer à colação a definição
elaborada por Omarova (2017):

No contexto da ação governamental, o termo golden


share denota uma ampla gama de disposições legais que
confere ao governo direitos, especiais e não transferíveis,
de governança coorporativa em empresas privadas. É um
instrumento “que dá ao Estado um poder contínuo sobre
certas decisões corporativas fundamentais”. (tradução livre).
(grifo nosso)

Quanto aos poderes conferidos às aludidas golden shares britânicas,


estes se diversificam em cada uma das empresas. No entanto, usualmente
compreendem: a exclusividade para alterar as previsões que estabelecem
os poderes conferidos a essa classe de ações; a possibilidade de exercício
do poder de veto em deliberações sobre a dissolução da companhia e a
emissão de novas classes de ações; e a permissão para transferência de
um percentual significativo dos ativos da companhia. Destaca-se, ainda,
que em algumas sociedades restou estabelecido que, caso um acionista
detivesse mais de 15% (quinze por cento) do capital votante, caberia aos
administradores “(i) notificar o acionista para que procedesse à venda das

8 PELA, 2012.
9 Segundo Pela (2012), o governo do Reino Unido emitiu tais ações no processo de
privatização das seguintes empresas: (i) “British Aerospace, fabricante de aeronaves
civis e militares e de materiais bélicos”, (ii) “Cable & Wireless, prestadora de serviços
de telecomunicação”, (iii) “Amersham International, responsável pela fabricação de
produtos radioativos para uso em medicina e pesquisa”, (iv) “Britoil, cujas atividades
se concentravam no setor petrolífero”, (v) “Sealink, prestadora de serviços de trans-
porte marítimo”, (vi) “Enterprise Oil que também atuava no setor petrolífero”, (vii)
“Jaguar, fabricante de automóveis”, (viii) “British Telecom, prestadora de serviços de
telefonia”, (ix) “British Gas, que atuava no setor de gás natural”, (x) “Rolls-Royce, cujas
atividades se concentravam no setor aeroespacial, aeronáutico e de defesa”, (xi) “Bri-
tish Airports Authority, responsável pela gestão dos aeroportos do Reino Unido”, (xii)
“British Petroleum, indústria petrolífera”, (xiii) “British Steel, indústria de aço”, (xiv)
“National Power, geradora de energia” e, (xv) “as prestadoras de serviço de sanea-
mento básico e fornecimento de água”.
10 “O governo britânico reteve a chamada golden share em ambas as empresas, o que
permitiu que o governo prevalecesse sobre todos os acionistas, independentemente
do número de ações detidas pelo governo.” (tradução livre) (BAEV, 1995).
11 Aludida característica, inerente às golden shares, será relevante ao longo do desen-
volvimento do presente trabalho tendo em vista que – conforme será futuramente
demonstrado – em razão de tal particularidade, estas ações não poderão ser alienadas
pelos entes desestatizantes que as titularizam.
312 Coleção Jovem Jurista 2021

ações em determinado prazo; e (ii) em caso de recusa ou atraso por parte


do acionista, proceder diretamente à venda das ações” (PELA, 2012).

De uma forma geral, historicamente, essas ações conferem ao Esta-


do o poder de veto ou a exclusividade para aprovação de determinadas
matérias afetas ao desenvolvimento das operações da companhia. Nesse
sentido, Fidalgo (2017) elenca os seguintes direitos usualmente atribuídos
às golden shares:12

Normalmente, a instituição desse tipo de ação envolve (i) o


direito de apontar membros do Conselho de Administração
da companhia privatizada; (ii) o poder de veto sobre algumas
matérias, como a alienação do controle da companhia,
transferência de subsidiárias, dissolução da companhia,
venda de ativos, etc.; (iii) o direito de restringir a aquisição
de certa quantidade de ações por nacionais ou estrangeiros;
(iv) o direito de restringir o número de diretores estrangeiros
da companhia.” (grifo nosso)

Essa vasta flexibilidade do instrumento, que permite que os poderes


conferidos a tal ação, em cada uma das sociedades e, para além disso, em
cada um dos países que empregaram as golden shares em suas privatizações,
sejam distintos, inviabiliza a construção de um conceito geral que abarque
em sua definição as prerrogativas que esse título confere a seu titular.13

Do mesmo modo, a possibilidade de estabelecimento de um prazo


de vigência a essas previsões e a forma com que as ações preferenciais
podem ser instituídas em cada ordenamento jurídico não possibilitam a
delimitação de contornos mais detalhados dessa ação. Isso porque, tais
títulos podem ser previstos sem qualquer prazo, ou por um período de
tempo delimitado e, ainda, por intermédio de leis, atos de privatização
específicos, previsões em contratos de alienação de ações e, também, por
acordos de acionistas (KUZNETSOV, 2005).

Na França,14 por exemplo, a golden share, intitulada action spécifique,


foi introduzida pela Lei nº 86-912 de 1986, segundo a qual, caberia ao Mi-

12 No mesmo sentido, Bensoussan (2007) prevê que a essas ações são conferidos os
poderes de: “nomear membros para órgãos de direção e o direito de ser ouvido (para
vetar ou não) previamente determinadas deliberações acerca de interesses conside-
rados relevantes nas companhias privatizadas, como alteração de nome, objeto social,
sede social, dissolução, aquisição e alienação de subsidiárias, alienação de participa-
ção do capital social, dentre outros”. Para maiores definições das prerrogativas confe-
ridas a esse título: BAEV, 1995.
13 “Realmente não se pode enunciar, a priori, um conceito abstrato de golden share, já
que elas representam, em sua origem, a veste jurídica de certas políticas públicas.”
(PELA, 2012).
14 Segundo Pela (2012), essa ação foi prevista nas seguintes companhias francesas: “So-
cieté National Elf-Aquitaine, principal companhia no setor de energia francês, Com-
pagnie des Machines Bull, que atuava no ramo de informativa. Agence Havas, que
atua no ramo de comunicações e publicidade; e Societé Matra, cujas atividades se
Como extinguir uma golden share 313

nistro da Economia, em cada processo de privatização, a decisão acerca


da necessidade de criação dessas ações no capital social da companhia,
que vigorariam pelo prazo de 5 (cinco) anos, caso não fossem convertidas
em participação acionária ordinária. Em uma alteração legislativa subse-
quente operada pela Lei nº 93-923 de 1993, a action spécifique passou a
ser instituída mediante decreto e não mais por ato ministerial, e deixou de
ter um prazo de vigência (PELA, 2012).

A partir dessa breve exposição histórica sobre o contexto de criação


das golden shares no âmbito internacional e da indicação de seus atribu-
tos centrais, é possível indicar as principais características que este título
mobiliário sui generis ostenta. Dentre elas ressalta-se: (i) seu caráter ex-
cepcional, sendo previstas, portanto, apenas em sociedades que prestam
serviços públicos ou desempenham atividades estratégicas da perspecti-
va estatal; (ii) sua natureza intuitu personae, que veda a transferência de
tais títulos, seja de forma onerosa ou gratuita; e, (iii) sua flexibilidade tanto
para constituição e vigência quanto para previsão das prerrogativas que
serão atribuídas a seus titulares.

Golden shares à brasileira

No Brasil, as golden shares foram introduzidas no ordenamento jurídico,


em um contexto similar ao experimentado pelo Reino Unido quando da
criação desse título, por meio da edição dos diplomas legais instituido-
res do Programa Nacional de Desestatização15 (PND). Nesse sentido, ainda
que a Lei nº 8.031/90 (Primeira Lei do PND) – oriunda da conversão da
Medida Provisória nº 155/90 – tenha sido clara ao estabelecer em seu art.
1º que, um dos objetivos fundamentais do programa16 era a “reordena[ção]
concentravam no setor aeroespacial”, “Thomson S.A. e a Thomson CSF, integrantes
do mesmo grupo econômico, tinham como atividade principal a industrialização de
produtos eletrônicos utilizados no setor de defesa da França, como radares” e, tam-
bém, a “Societé Aerospatiale, cujas atividades no setor aeroespacial também estavam
vinculadas à defesa da França”.
15 O termo não se confunde com privatização. Esta é espécie do gênero maior deses-
tatização, que representa, de maneira mais ampla, o fenômeno que marca a saída da
atuação do ente público em um determinado segmento, incluindo-se aí, além da priva-
tização, a abertura de capital ou ainda a delegação da prestação de serviços públicos
a particulares, a partir de concessões, por exemplo.
16 Lei no 8.031/90 – “Art. 1o. É instituído o Programa Nacional de Desestatização, com
os seguintes objetivos fundamentais: I – reordenar a posição estratégica do Estado na
economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo
setor público; II – contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o sa-
neamento das finanças do setor público; III – permitir a retomada de investimentos nas
empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV – contribuir
para modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e re-
forçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V – permitir que
a administração pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do
Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI – contribuir
para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de va-
lores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que
314 Coleção Jovem Jurista 2021

[d]a posição estratégica do Estado na economia”, havia, na época, “uma


preocupação com interesses estratégicos da União, que poderiam ser afe-
tados após a alienação de suas ações”, SCHWIND (2017).17

Assim, o art. 8º, da Lei nº 8.031/90 previu a possibilidade de emissão


de ações de classe especial por empresas submetidas aos procedimen-
tos de privatização disciplinados pela referida lei. No entanto, tal artigo,
ao conferir autorização para a emissão dessas ações, foi silente ao dispor
sobre as hipóteses em que estas poderiam ser previstas, deixando à dis-
cricionariedade do agente público a identificação das companhias em que
haveria razões que justificassem a sua emissão.18 Nos termos do aludido
artigo:

Art. 8º – Sempre que houver razões que o justifiquem, a União


deterá, direta ou indiretamente, ações de classe especial do
capital social de empresas privatizadas, que lhe confiram
poder de veto em determinadas matérias, as quais deverão
ser caracterizadas nos estatutos sociais das empresas, de
acordo com o estabelecido no art. 6º, inciso XIII e §§ 1º e 2º
desta lei. (grifos nossos)

Do mesmo modo, com os vetos presidenciais realizados pelo ex-pre-


sidente Fernando Collor ao Projeto de Lei de Conversão nº 27 de 1990,
a norma deixou de prever quais prerrogativas seriam conferidas ao ente
desestatizante titular dessa participação especial. Retirou-se, desse modo,
do texto final da Primeira Lei do PND,19 o §1º, do art. 6º, que dispunha que,
para além dessas ações não gozarem de valor pecuniário, seu detentor te-
ria o poder de veto sobre as seguintes matérias: “a) alterações estatutárias
de qualquer natureza; b) fixação de preços; e, c) transferência do controle
acionário”, sem prejuízo de outras.

Procedimentalmente, sob a égide da Lei nº 8.031/90 e do Decreto


nº 1.204 de 1994, para que as ações de classe especial fossem emitidas, o

integrarem o Programa”.
17 SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e em­presas priva-
das com participação estatal. Rio de Janeiro: Editora Alme­dina, 2017.
18 Do mesmo modo, o Decreto no 1.204 de 1994 – que altera e consolida a regulamen-
tação da Lei no 8.031/90 –, em seu art. 43 se limitou a reproduzir a disposição acima
mencionada: “Art. 43. Havendo razões que o justifique, a União deterá ações de classe
especial do capital social de sociedade privatizada, que conferirão poder de veto de
determinadas matérias previstas no respectivo estatuto”. (grifo nosso)
19 Ao vetar o dispositivo foram ventiladas as seguintes razões de veto: “Revelam-se ex-
cessivos os poderes conferidos aos detentores de ações de classe especial, o que re-
dundará, à toda evidência, na redução do valor do controle acionário da empresa a ser
privatizada, quando, na realidade, tais poderes devem depender das especificidades
de cada empresa, tal como preceitua, de modo satisfatório, o inciso XIII do próprio
art. 6º e o inciso XV do art. 21 do Projeto”. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/LEIS/Mensagem_Veto/anterior_98/VEP-LEI-8031-1990.pdf. Acesso em:
15 maio 2020.
Como extinguir uma golden share 315

Gestor do Fundo Nacional de Desestatização20 deveria recomendar à Co-


missão Diretora do Programa Nacional de Desestatização21 a sua criação
e, ainda, indicar os poderes que estas seriam capazes de conferir ao seu
proprietário. Na etapa seguinte, a Comissão Diretora deveria elaborar um
parecer fundamentado indicando a quantidade de ações, as prerrogativas
que lhes seriam atribuídas e, também, quando aplicável, como se daria
sua respectiva aquisição.22 Por fim, quando da publicação das condições
da privatização, tanto na imprensa oficial quanto nos jornais de grande
circulação, o art. 11, alínea “l” da lei previa que deveria haver “a indicação,
se for o caso, de que será criada ação de classe especial, e os poderes nela
compreendidos”.

Assim, a Lei nº 8.031/90 limitava-se a permitir, sempre que houvesse


fundamento, a emissão de golden shares, com poderes de veto sobre as
matérias elencadas nos respectivos estatutos sociais das companhias, que
poderiam ser subscritas exclusivamente pela União.23

Em 1997, a Lei nº 8.031/90 foi revogada quando da edição da Lei nº


9.491/97 (Segunda Lei do PND), que alterou os procedimentos relativos ao
Programa Nacional de Desestatização.24 Com relação às ações de classe
especial, destaca-se que, novamente, a norma não dispôs sobre qualquer
parâmetro objetivo que deveria ser observado para a sua criação. Contu-
do, estas passaram a deter, para além do poder de veto, alguns “poderes
especiais”25 que poderiam ser disciplinados estatutariamente:

Art. 8º – Sempre que houver razões que justifiquem, a União


deterá, direta ou indiretamente, ação de classe especial do
capital social da empresa ou instituição financeira objeto

20 Lei no 8.031/90 – “Art. 21. Competirá ao Gestor do Fundo Nacional de Desestatização:


XV– recomendar à Comissão Diretora a criação de ações de classe especial e as ma-
térias que elas disciplinarão sempre respeitando o previsto no art. 6º, inciso XIII e seus
parágrafos desta lei”.
21 Lei no 8.031/90 – “Art. 6o. Compete à Comissão Diretora do Programa Nacional de
Desestatização: XIII – sugerir a criação de ações de classe especial e as matérias que
elas disciplinarão, nas condições fixadas nos §§1o e 2o deste artigo”.
22 Decreto no 1.204 de 1994 – “Art. 43, §2o. Caberá à comissão diretora, com base em
parecer fundamentado, sugerir a criação de ações de classe especial, especificar sua
quantidade e as matérias passíveis de veto e estabelecer, quando for o caso, a forma
de sua aquisição”.
23 Lei no 8.031/90 – “Art. 6o §2o. A ação de classe especial somente poderá ser subscrita
pela União”.
24 Com a referida inovação legislativa, o procedimento de emissão das golden shares
também foi alterado. Desse modo, segundo o art. 6o, I, “d”, cabe apenas ao Conselho
Nacional de Desestatização “recomendar, para aprovação do Presidente da República,
meios de pagamento e inclusão ou exclusão de empresas, inclusive instituições finan-
ceiras, serviços públicos e participações minoritárias, bem como a inclusão de bens
móveis e imóveis da União no Programa Nacional de Desestatização; d) a criação de
ação de classe especial, a ser subscrita pela União”.
25 “Na prática, essa alteração legislativa teve por objetivo incluir, dentre as prerrogativas
da ação de classe especial, a de indicar membros do Conselho de Administração das
companhias privatizadas.” (PELA, 2012).
316 Coleção Jovem Jurista 2021

da desestatização, que lhe confira poderes especiais em


determinadas matérias, as quais deverão ser caracterizadas
nos seus estatutos sociais. (grifo nosso)

Foi apenas em 2001, com a reforma da Lei das Sociedades Anônimas


(“Lei nº 6.404/76”, LSA, Lei das S.A.) materializada pela edição da Lei nº
10.303/01, que as golden shares, agora denominadas “ações preferenciais
de classe especial instituídas em companhias objeto de desestatização”,
passaram a ser disciplinadas sob uma perspectiva societária.26 O texto da
referida legislação assim dispõe:

Art. 17, § 7º – Nas companhias objeto de desestatização


poderá ser criada ação preferencial de classe especial,
de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o
estatuto social poderá conferir os poderes que especificar,
inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia-
geral nas matérias que especificar. (Incluído pela Lei nº
10.303, de 2001). (grifos nossos)

Desse modo, consolidava-se, a partir da legislação vigente, uma ex-


pansão objetiva e subjetiva do instrumento.27 No âmbito subjetivo, as gol-

26 Nesse sentido, Pela (2012) pontua que o fundamento para a inclusão dessa previsão
no âmbito do Projeto de Lei no 3.519, de autoria do Deputado Federal Luiz Carlos
Hauly era garantir que os procedimentos de desestatização, em que essas ações fo-
ram previstas unicamente com base nos diplomas regulamentadores do PND não fos-
sem questionadas judicialmente. Assim, segundo constou da justificação de tal inicia-
tiva legislativa: “A Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990, que cria o Programa Nacional de
Desestatização e dá outras providências, previu a criação de ações de classe especial,
que confeririam à União poder de veto em determinadas matérias, as quais deveriam
ser caracterizadas nos estatutos sociais das empresas privatizadas. [...] Ocorre que
essa previsão de criação de ações de classe especial, tem sido questionada sob o ar-
gumento de que ‘essas ações não existem na legislação brasileira’ e que ‘seria preciso
criar essa espécie nova de ação para depois se dizer que o estatuto da companhia
privatizada deveria atribuir essas ações à União.” (Diário do Senado Federal, edição de
18 de abril de 2001, p. 06140-06141).
Dentre os questionamentos suscitados com relação à adoção das golden shares e,
aos quais o Deputado Luiz Hauly faz referência, destacam-se as ações ajuizadas em
razão do processo de Privatização da Companhia Vale do Rio Doce (Ação Popular
no: 1997.39.00.12696-8 – em trâmite na 1a Vara da Justiça Federal do Pará – e a ADI
no: 1597-4). Nesse sentido, Pela (2012) pontua que quando do julgamento da ADI os
ministros do STF não conheceram do pleito dado que “(i) a ação de classe especial
já estava prevista no artigo 8o da Lei no 8.031/90 e, portanto, não foi introduzida
no ordenamento brasileiro por normas regulamentares; (ii) nesse sentido, não houve
qualquer violação ao princípio constitucional da legalidade; (iii) a alegada incompati-
bilidade da ação de classe especial com os preceitos da Lei no 6.404/76 não deveria
ser apreciada em ação direta de constitucionalidade”.
27 Para além dos dispositivos que regulamentaram a matéria em âmbito Federal, com a
edição da Lei no 10.303/01, que permitiu a emissão das golden shares em favor dos
demais entes da federação, alguns estados também editaram disposições que auto-
rizaram a possibilidade de recurso a tal instrumento no âmbito de seus próprios Pro-
gramas Estaduais de Desestatização o que demonstra claramente a expansão desse
recurso. Esse foi o caso do Estado do Rio de Janeiro (art. 8o, da Lei no 2.470/95) e
do Estado de São Paulo (art. 9o, da Lei no 9.361/96), que elaboraram normas muito
similares à previsão federal.
Como extinguir uma golden share 317

den shares podem, agora, ser instituídas por todos os entes da federação,28
aos quais poderão ser conferidos tanto o poder de veto quanto outros
poderes especiais a serem definidos pelo estatuto social, numa ampliação
da dimensão objetiva.

Cabe ressaltar que, com uma inovação legislativa aprovada em 2016,


caso as golden shares venham a ser implementadas no âmbito de novos
processos de desestatização, a emissão dessas ações deverá ser feita de
acordo com a já mencionada Segunda Lei do PND e, ainda, com a Lei nº
13.334/16 (Lei do Programa de Parcerias de Investimento – Lei do PPI),29
que trouxe apenas modificações procedimentais com relação à previsão
das ações preferenciais de classe especial.

Desse modo, tendo em vista que, com a Lei do PPI, compete ao Con-
selho do Programa de Parcerias de Investimentos o exercício das compe-
tências atribuídas ao Conselho do Programa Nacional de Desestatização,
na forma do art. 7º, V, alínea “c”, caberá ao aludido órgão colegiado a
recomendação acerca da emissão dessa ação de classe especial.

Novamente, assim como realizado quando da análise da experiência in-


ternacional, mostra-se necessário um exame analítico dos contornos dessas
ações instituídas no Brasil, a fim de que se extraiam bases comuns desse
instrumento e sejam identificadas quais razões foram empregadas, à época,
para justificar a emissão das referidas ações preferenciais de classe especial
na forma do disposto pelo art. 8º, da Lei nº 9.491/97, ou ainda, pelo art. 8º, da
Lei nº 8.031/90, a depender do momento de sua constituição.

No histórico brasileiro, há relatos da aplicação de golden shares em


quatro casos de desestatização:30 (i) na Companhia Eletromecânica Cel-
ma, atualmente GE Celma (Celma); (ii) na Embraer S.A. (Embraer); (iii) na
Companhia Vale do Rio Doce, agora denominada, Vale S.A. (Vale); e, (iv)

28 “Desta forma: algumas alterações substanciais são percebidas com a Lei 10.303: po-
dem ser as golden shares criadas também pelos Estados e Municípios quando da pri-
vatização das suas companhias estatais; são necessariamente preferenciais; podem
conferir outros poderes, devidamente especificados no estatuto, e, por fim, as referi-
das ações são de propriedade exclusiva do ente desestatizante, que não pode transfe-
rí-las a terceiros, sejam estes particulares ou mesmo outras pessoas jurídicas de direito
público.” (BENSOUSSAN, 2007).
29 “O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foi criado, no âmbito da Presidência
da República, pela Lei no 13.334, de 2016 com a finalidade de ampliar e fortalecer a
interação entre o Estado e a iniciativa privada por meio da celebração de contratos
de parceria e de outras medidas de desestatização. Com a lei que instituiu o PPI, duas
estruturas foram criadas na Administração Federal: o Conselho do PPI e a Secretaria
do PPI. O Conselho é o órgão colegiado que avalia e recomenda ao Presidente da Re-
pública os projetos que integrarão o PPI, decidindo, ainda, sobre temas relacionados
à execução dos contratos de parcerias e desestatizações. A Secretaria, vinculada ao
Ministério da Economia, atua em apoio aos Ministérios e às Agências Reguladoras para
a execução das atividades do Programa”. Disponível em: https://www.ppi.gov.br/so-
bre-o-programa. Acesso em: 15 maio 2020.
30 Nesse sentido: PAVEZI, 2014.
318 Coleção Jovem Jurista 2021

no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB Brasil RE), os quais se passa a


abordar em sequência.

A ação de classe especial prevista no capital social da Celma, cujo objeto


social compreendia a fabricação, reparação e revisão de motores aeronáu-
ticos, diferencia-se das demais experimentadas no contexto brasileiro. Isso
porque, esta é a única que não mais subsiste em razão da previsão constante
do edital de alienação das ações da companhia – Edital nº PND/A-02/91/
CELMA – de que a referida golden share teria vigência por apenas 10 (dez)
anos, prorrogáveis por mais 10 (dez) anos31 a critério da União.32

Especificamente quando dessa privatização, ou seja, da alienação do


controle da companhia a um agente privado, a União seria titular de uma
ação ordinária de “classe B” com poder de veto sob as seguintes matérias:

a) mudança do objeto social da Companhia no que diz


respeito às suas atividades de projetar, construir reparar,
revisar motores aeronáuticos, inclusive, ferramentas,
instrumentos, peças, acessórios e componentes;

b) alteração de limites de participação no capital social da


CELMA;

c) alteração da composição do Conselho de Administração,


para o qual serão indicados um membro pela União e outro
pelos empregados da Companhia.33

O fundamento para tal previsão, portanto, residia na necessidade de


garantia da continuidade e aprimoramento da prestação de um serviço
que está diretamente atrelado à salvaguarda da segurança nacional – fun-
damento este que autoriza, até mesmo, a própria intervenção direta do
Estado na economia na forma do art. 173, caput, da Constituição Federal.34

No caso da Embraer,35 a alienação do controle da companhia se deu


em 1994 a partir da publicação do Edital nº PND-A-05/94/Embraer em

31 Caso esta dilação de prazo não fosse operada, a referida ação seria convertida em
ação ordinária.
32 Segundo Pela. “Não há notícias sobre o uso dessa faculdade pela União Federal”.
33 Decisão no 206/92 – Plenário TCU.
34 CRFB/88 – “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme defini-
dos em lei”.
35 Segundo o art. 3o de seu Estatuto Social, a Embraer tem por objeto social: “I. Projetar,
construir e comercializar aeronaves e materiais aeroespaciais e respectivos acessó-
rios, componentes e equipamentos, mantendo os mais altos padrões de tecnologia
e qualidade; II. Promover ou executar atividades técnicas vinculadas à produção e
manutenção do material aeroespacial; III. Contribuir para a formação de pessoal téc-
nico necessário à indústria aeroespacial; IV. Executar outras atividades tecnológicas,
industriais, comerciais e de serviços correlatos à indústria aeroespacial; V. Projetar,
construir e comercializar equipamentos, materiais, sistemas, softwares, acessórios e
componentes para as 2 indústrias de defesa, de segurança e de energia, bem como
Como extinguir uma golden share 319

que: (i) limitou-se o percentual de ações que poderiam ser adquiridas por
estrangeiros a 40% (quarenta por cento), e (ii) explicitou-se que seria ins-
tituída, a favor da União, uma única golden share nos seguintes termos:

deverá ser criada “golden share”, a ser detida exclusivamente


pela União, com veto nas seguintes matérias: I – mudança
do objeto social; II – alteração e/ou aplicação da logomarca
da empresa; III- criação e alteração de programas militares
que envolvam – ou não – a República Federativa do
Brasil; IV – capacitação de terceiros em tecnologia para
programas militares; V – interrupção do fornecimento de
peças de manutenção e reposição de aeronaves militares;
VI – transferência do controle acionário; VII – quaisquer
modificações no estatuto social que alterem os arts. 9 e 15
e seus parágrafos, ou quaisquer vantagens, preferências ou
direitos atribuídos à “golden share”.

Além dessas disposições, que foram refletidas no art. 9º do Estatuto


Social da Embraer, seu parágrafo primeiro ainda passou a prever a neces-
sidade de prévia anuência da União para realização de oferta pública de
aquisição de ações, caso qualquer acionista ou grupo de acionistas venha
a adquirir 35% (trinta e cinco por cento), ou mais, do total de ações de sua
emissão.

O parágrafo segundo estabeleceu também como se dará o procedi-


mento de deliberação das matérias sobre as quais a União possui algum
poder de voto ou de veto. Assim, se a matéria for aprovada pelo Conse-
lho de Administração, seu Presidente deverá notificar o membro eleito
pela União e o Ministério da Economia para que o primeiro possa vetar
ou ratificar o resultado da deliberação. Em seguida, será realizada uma
nova reunião do Conselho de Administração que, diante da manifestação
da União, poderá alterar seu posicionamento ou confirmar a deliberação,
caso o ente público não tenha exercido a prerrogativa de que dispõe. Por
fim, caso haja a necessidade de submissão do tema à aprovação da As-
sembleia Geral, a União poderá novamente se posicionar pela rejeição ou
aprovação do conteúdo deliberado.

Além das prerrogativas usuais de veto conferidas às golden shares, o


art. 27, § 1º, também dispôs que a União terá o “direito especial” de eleger
um membro efetivo e seu respectivo suplente, para o Conselho de Admi-
nistração.

promover ou executar atividades técnicas vinculadas à respectiva produção e ma-


nutenção, mantendo os mais altos padrões de tecnologia e qualidade; e VI. Executar
outras atividades tecnológicas, industriais, comerciais e de serviços correlatos às in-
dústrias de defesa, de segurança e de energia”. Disponível em: https://ri.embraer.com.
br/show.aspx?idCanal=Kacx+BqjYTwZmMKBRQu5Yg==. Acesso em: 23 maio 2020.
320 Coleção Jovem Jurista 2021

Extrai-se, portanto, do próprio objeto social definido no estatuto, que


o fundamento para a instituição dessa ação preferencial de classe especial
no capital social da Embraer era, também, a tutela da defesa nacional –
uma razão de Estado36 – em virtude da atividade de aviação militar empre-
endida pela companhia.

Na terceira experiência brasileira com tal classe de ações, em 1997,


quando da elaboração do edital de privatização da Vale,37 foram previstas
duas ações preferenciais de classe especial. A primeira, uma golden share,
instituída em favor da União, conferiria ao ente público participação direta
na Companhia, e a segunda, denominada “ação preferencial de classe A”
lhe garantiria participação indireta.

Essa participação indireta seria garantida pela emissão dessas ações


“Classe A” pela Sociedade de Propósito Específico adquirente das ações
da Vale. Diferentemente da participação direta, essas ações teriam um
tempo determinado de vigência, 5 (cinco) anos, e seriam de titularidade
do BNDES Participações S.A. que poderia se utilizar das prerrogativas des-
ses títulos em prol do interesse da União.

Findo este prazo, o atual estatuto social da companhia prevê uma


“clássica” golden share fracionada em 12 (doze) ações preferenciais de
classe especial de propriedade da União. Referidas ações gozam dos mes-
mos direitos políticos conferidos às ações ordinárias, com exceção ao di-
reito de eleição dos membros do Conselho de Administração. Dentre os
poderes especiais assegurados ao ente público, referido documento pre-
viu o direito de eleger e destituir um membro, e seu respectivo suplente,
do Conselho Fiscal. E previu, ainda, que o detentor dessa ação terá direito
de participação na distribuição de dividendos, lucros e eventuais bonifi-
cações.

36 Para maior aprofundamento: CORRÊA e JÚNIOR, 2013, e HEINEN, 2019.


37 Segundo o art. 2o de seu Estatuto Social, a Vale tem por objeto social: “I. realizar o
aproveitamento de jazidas minerais no território nacional e no exterior, através da
pesquisa, exploração, extração, beneficiamento, industrialização, transporte, embar-
que e comércio de bens minerais; II. construir ferrovias, operar e explorar o tráfego
ferroviário próprio ou de terceiros; III. construir e operar terminais marítimos próprios
ou de terceiros, bem como explorar as atividades de navegação e de apoio portuário;
IV. prestar serviços de logística integrada de transporte de carga, compreendendo a
captação, armazenagem, transbordo, distribuição e entrega no contexto de um sis-
tema multimodal de transporte; V. produzir, beneficiar, transportar, industrializar e
comercializar toda e qualquer fonte e forma de energia, podendo, ainda, atuar na pro-
dução, geração, transmissão, distribuição e comercialização de seus produtos, deriva-
dos e subprodutos; VI. exercer, no País ou no exterior, outras atividades que possam
interessar, direta ou indiretamente, à realização do objeto social, inclusive pesquisa,
industrialização, compra e venda, importação e exportação, bem como a exploração,
industrialização e comercialização de recursos florestais e a prestação de serviços de
qualquer natureza; VII. constituir ou participar, sob qualquer modalidade, de outras
sociedades, consórcios ou entidades cujos objetos sociais sejam, direta ou indireta-
mente, vinculados, acessórios ou instrumentais ao seu objeto social”. Disponível em:
http://www.vale.com/PT/investors/corporate-governance/Documents/Estatuto-So-
cial-2020_p.pdf. Acesso em: 23 maio 2020.
Como extinguir uma golden share 321

Com relação às matérias sobre as quais será possível o exercício do


poder de veto, foram listadas as seguintes hipóteses:

Art. 7º. A ação de classe especial terá direito de veto sobre


as seguintes matérias: I – alteração da denominação social;
II – mudança da sede social; III – mudança no objeto social
no que se refere à exploração mineral; IV – liquidação da
sociedade; V – alienação ou encerramento das atividades
de qualquer uma ou do conjunto das seguintes etapas dos
sistemas integrados de minério de ferro da sociedade: (a)
depósitos minerais, jazidas, minas; (b) ferrovias; (c) portos e
terminais marítimos; VI – qualquer modificação dos direitos
atribuídos às espécies e classes das ações de emissão da
sociedade previstos neste Estatuto Social; VII – qualquer
modificação deste Artigo 7º ou de quaisquer dos demais
direitos atribuídos neste Estatuto Social à ação de classe
especial.

Quanto à sistemática para o recurso a tais prerrogativas, o art. 8º, §


2º, estabelece que o acionista que possui a ação de classe especial será
convocado para a Assembleia Geral em que serão deliberadas as matérias
sobre as quais ele poderá exercer o poder de veto.

Dentre os principais fundamentos que ensejaram a previsão dessa


ação no edital de privatização da Vale havia o receio de que o controle
acionário da companhia pudesse ser adquirido por investidores estrangei-
ros o que acabaria por, consequentemente, deslocar as decisões negociais
da companhia para o exterior. Ademais, à época, o minério de ferro era
essencial para o desenvolvimento da indústria de base e para toda a eco-
nomia do país, sendo necessária, portanto, a instituição de um mecanismo
capaz de assegurar que nenhuma etapa produtiva desse bem seria aliena-
da. Assim, a criação desta golden share estaria associada à necessidade
de se garantir a estabilidade no fornecimento de um bem do qual o país
mostrava forte dependência naquele momento econômico.

Por fim, a última ação preferencial de classe especial a ser emitida,38


no âmbito do Programa Nacional de Desestatização, foi a prevista no ca-
pital social do IRB-Brasil RE.39 O estatuto social da referida companhia

38 Cabe pontuar que a privatização do IRB Brasil RE levou aproximadamente 13 (treze)


anos para ser concretizada, assim, o procedimento iniciado no começo dos anos 2000
só foi finalizado em 2013 em virtude de uma série de questionamentos judiciais acerca
de sua constitucionalidade (vide ADI no 2.223-7).
39 Segundo o art. 2o de seu Estatuto Social, o IRB-Brasil RE tem por objeto social: “efe-
tuar operações de resseguro e retrocessão no País e no exterior, não podendo explo-
rar qualquer outro ramo de atividade empresarial, nem subscrever seguros diretos”.
Disponível em: https://mz-filemanager.s3.amazonaws.com/0d797649-90df-4c56-aa-
01-6ee9c8a13d75/estatuto-social-politicas-codigoscentral-de-downloads/341afaf-
554dc117d66f712a7794d33b03427b41c7ecd546644763c065f9be9c7/estatuto_so-
cial.pdf. Acesso em: 23 maio 2020.
322 Coleção Jovem Jurista 2021

prevê uma golden share em benefício da União e a referida participação


acionária lhe confere a prerrogativa de vetar as deliberações sobre as se-
guintes matérias:

Art. 8º: I – mudança de denominação da Sociedade ou de


seu objeto social; II – transferência de controle acionário
da Sociedade, observado o disposto no § 1º deste art. 8º;
III – alteração ou aplicação da logomarca da Sociedade;
IV – definição das políticas de subscrição e retrocessão,
representadas por normas de caráter geral, sem indicação
individualizada de negócios, devendo esse direito ser
exercido de forma a se buscar o equilíbrio econômico-
financeiro das carteiras correspondentes, salvo disposição
expressa em acordo de acionistas do qual a União faça
parte; V – operações de transformação, fusão, incorporação
e cisão que envolvam a Sociedade, que possam implicar em
perdas de direitos atribuídos à Golden Share; e VI – qualquer
alteração dos direitos atribuídos à Golden Share, sem a
anuência escrita manifestada pela União.

O parágrafo 3º do mesmo artigo passou a prever também como seria


o procedimento de participação da União nas deliberações sobre os temas
em que esta pode exercer seu poder de veto. De início, o Conselho de
Administração deverá notificar o membro eleito pela União para que este
possa vetar ou aprovar a matéria. Caso a temática dependa da aprovação
da Assembleia Geral, esta somente será pautada se a União não tiver exer-
cido seu direito de veto.

Já com relação aos poderes especiais conferidos ao ente público, es-


tes compreendem a possibilidade de indicação: (i) do Presidente do Con-
selho de Administração e de seu suplente correspondente; e, (ii) de um
membro do Conselho Fiscal e seu respectivo suplente.

Prevista, inicialmente, no edital de privatização formulado nos anos


2000, a aludida golden share deveria ter sido emitida em um cenário mar-
cado pelo monopólio legal do mercado de resseguros. Desse modo, o in-
tuito de sua emissão seria conferir uma garantia de que, com a saída do
Estado do controle da companhia, este segmento financeiro não seria sub-
metido a um possível risco sistêmico.40

Deve-se ressaltar, no entanto, que ainda que as ações preferenciais


de classe especial previstas nas companhias objeto de desestatização
busquem, em alguma medida, a concretização de um interesse público

40 “A ideia de risco sistêmico contém, assim, um juízo de probabilidade de que altera-


ções, desequilíbrios, anomalias, ou choques sofridos por um determinado segmento
venham a contagiar todos os integrantes daquele sistema, ou, até mesmo, extrapolar
as fronteiras dele”. (GONÇALVES, SAMPAIO; POSNER et al., 2012).
Como extinguir uma golden share 323

específico – conforme indicado ao longo da presente seção –, as emissões


dessas ações não são imunes a críticas. Nesse sentido, os questionamentos
sobre a instituição das golden shares podem ser divididos em três verten-
tes: (i) no âmbito do Direito Societário; (ii) no campo do Direito Público; e,
ainda, (iii) no âmbito do Direito Administrativo Societário, considerações
estas que passam a ser analisadas no tópico subsequente.

Questionamentos acerca da instituição dessas ações

No âmbito do Direito Societário

Conforme pontuado por Schwind (2017): “A aceitação da figura das gol-


den shares não é unânime. Questiona-se a sua compatibilidade com deter-
minadas regras e princípios do direito societário”.

Tais alegações que, em certa medida, suscitam até mesmo questiona-


mentos acerca da licitude dessa classe de ações baseiam-se em argumen-
tações de que a previsão desses títulos violaria os seguintes princípios do
direito societário: (i) da proporcionalidade entre os direitos conferidos a
um acionista e sua respectiva participação acionária; (ii) da isonomia entre
os acionistas; (iii) do princípio majoritário; (iv) da tipicidade das espécies e
classes de ações; (v) da impessoalidade dos títulos; (vi) da livre circulação
dos valores mobiliários.41

De início, com relação a uma suposta inconciliabilidade entre as gol-


den shares e os princípios da proporcionalidade – popularmente conhe-
cido como a regra que estabelece “uma ação, um voto” (“one share, one
vote”) – e da isonomia entre os acionistas, cumpre esclarecer que a Lei das
Sociedades Anônimas, ao cristalizar a aludida regra em seus arts. 109, §1º,42
e 110, caput,43 e §2º 44 estabeleceu que esta previsão deve ser observada
em relação às ações pertencentes à mesma classe. Portanto, a emissão
de uma única ação, de classe especial, ou seja, de uma classe distinta das
demais, com prerrogativas específicas, não viola as referidas garantias.

Quanto a uma possível quebra do princípio majoritário, que estabele-


ce que as deliberações assembleares devem ser guiadas pela maioria dos
votos, ressalta-se que o art. 12945 da Lei nº 6.404/76 taxativamente prevê

41 Pela (2012) e Schwind (2017) elencam estes como os principais questionamentos diri-
gidos à essa ação no cenário brasileiro.
42 Lei no 6.404/76 – “Art. 109, § 1o. As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos
seus titulares”.
43 Lei no 6.404/76 – “Art. 110. A cada ação ordinária corresponde 1 (um) voto nas delibe-
rações da assembleia-geral”.
44 Lei no 6.404/76 – “Art. 110, § 2o. É vedado atribuir voto plural a qualquer classe de
ações”.
45 Lei no 6.404/76 – “Art. 129. As deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exce-
ções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computan-
do os votos em branco”.
324 Coleção Jovem Jurista 2021

que essa regra pode ser mitigada com base nas exceções previstas em lei.
Desse modo, dado que a própria legislação societária prevê em seu art. 17,
§7º, que as ações preferenciais de classe especial podem exercer “o poder
de veto às deliberações da assembleia geral”, não há que se falar em qual-
quer ilegalidade decorrente de sua emissão.

Com relação ao dever de observância da tipicidade das espécies e


classes de ações, este encontra-se previsto no art. 1546 da Lei das S.A.,
segundo o qual as companhias podem emitir somente ações ordinárias,
preferenciais ou de fruição. Nessa perspectiva, Pela (2012) destaca que “é,
portanto, vedado às sociedades anônimas brasileiras emitir ações atípicas,
cujos direitos deixem de corresponder àqueles previstos em lei para as
ordinárias, preferenciais ou de fruição”.

No entanto, o questionamento acerca da compatibilidade dessa re-


gra com a emissão das golden shares se fazia pertinente apenas antes de
2001, quando não havia previsão na Lei nº 6.404/76 de que essas ações
se enquadrariam na classe das ações preferenciais. Assim, com a inserção
do §7º no art. 17 da LSA, pela Lei nº 10.303/01, resta superada qualquer
suposta inobservância da regra da tipicidade das espécies e classes de
ações.47

Em sequência, conforme abordado anteriormente, essas ações são


de titularidade exclusiva do ente público desestatizante e conferem uni-
camente a seu proprietário as prerrogativas ali estabelecidas em razão da
existência de um interesse público subjacente. Diante dessa previsão, de
que as ações preferenciais de classe especial são emitidas intuitu perso-
nae, questionou-se a sua conformidade com os diplomas societários em
razão de uma possível violação do princípio da impessoalidade dos valo-
res mobiliários. A fim de demonstrar que esta hesitação não possui fun-
damento cabe trazer à tona o argumento levantado por Schwind (2017):

Na realidade, o recurso às classes de ações já representa a


admissão de elementos intuitu personae nas companhias.
A emissão de classes de ações preferenciais, com direito
de voto restrito a determinadas matérias, é um exemplo
de introdução desses elementos. [...] Portanto, há a
possibilidade de introdução de elementos pessoais nas
sociedades anônimas. (grifos nossos)

46 Lei no 6.404/76 – “Art. 15. As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens
que confiram a seus titulares, são ordinárias, preferenciais, ou de fruição”.
47 Pela (2012) sustenta que antes mesmo da reforma da Lei das Sociedades Anônimas as
golden shares poderiam ser previstas: “mesmo antes da reforma da Lei no 6.404/76
pela Lei no 10.303/01, a emissão de golden shares por companhias brasileiras não vio-
lava a tipicidade das espécies e classes de ações, desde que observada, obviamente,
a disciplina importa pelos artigos 16 e 18”.
Como extinguir uma golden share 325

Do mesmo modo, a previsão que impede a alienação de tal título,48 o


que faz com que o mesmo seja um bem fora do comércio, suscita dúvidas
com relação a uma aparente afronta ao princípio da livre circulação dos
valores mobiliários e, no limite, a uma suposta descaracterização da noção
de sociedade anônima. Com relação a esse ponto, ressalta-se que a Lei das
S.A. permite, desde que observados determinados requisitos,49 que haja
a restrição da circulação dos títulos. Todavia, ainda que não o fizesse, tal
limitação decorre do interesse público que justificou, de início, a própria
emissão da golden share.

Reconhece-se, portanto, que as suposições de que as emissões das


ações preferenciais de classe especial violariam princípios basilares do Di-
reito Societário não encontram respaldo na Lei de Sociedades Anônimas.

Ainda que a análise das especificidades societárias deste mecanismo


de participação não seja o objeto do presente estudo, tais questionamen-
tos são pertinentes para que a seguinte conclusão possa ser extraída: as
golden shares não podem ser entendidas como um mero instrumento de
participação societária.

Explica-se. As golden shares, ao serem empregadas, têm como ob-


jetivo principal a realização de uma transição gradual entre um modelo
de gestão até então estatal e a completa atuação privada. Desse modo, a
previsão desse valor mobiliário funciona, na realidade, como um estágio
intermediário das privatizações, em que há uma superação da governança
feita inteiramente pelo Poder Público e o recurso a um modelo regula-
tório intrassocietário, conforme será abordado detalhadamente na seção
seguinte.

À vista disso, diante de seu contexto de criação e propósito, as ações


preferenciais de classe especial emitidas pelas companhias desestatizadas
não possuem as mesmas características que as ações das demais classes
emitidas por outras companhias. Trata-se, desse modo, de uma política de
Estado e não de mero instrumento econômico-financeiro apto a financiar
a companhia e a gerar retorno financeiro para seu detentor.

48 “Desta forma: algumas alterações substanciais são percebidas com a Lei 10.303: po-
dem ser as golden shares criadas também pelos Estados e Municípios quando da pri-
vatização das suas companhias estatais; são necessariamente preferenciais; podem
conferir outros poderes, devidamente especificados no estatuto, e, por fim, as referi-
das ações são de propriedade exclusiva do ente desestatizante, que não pode transfe-
rí-las a terceiros, sejam estes particulares ou mesmo outras pessoas jurídicas de direito
público”. (BENSOUSSAN, 2007). (grifo nosso)
49 Para contornar tal crítica, Schwind (2017) pontua que “em determinados casos, é ple-
namente admissível que se prevejam restrições à circulação de ações de emissão da
companhia. No Brasil, admite-se, por exemplo, que o estatuto da sociedade anônima
fechada imponha limites à circulação de ações, desde que (i) regule tais restrições
detalhadamente; (ii) não impeça a negociação das ações e (iii) não sujeite o acionista
ao arbítrio dos órgãos da administração da empresa ou da maioria dos acionistas,
conforme previsto no artigo 36 da Lei no 6.404”.
326 Coleção Jovem Jurista 2021

No campo do Direito Público

Da perspectiva do Direito Público, a emissão das golden shares, por parte


das sociedades desestatizadas em favor de um ente público suscita in-
dagações de duas ordens. A primeira é atinente à necessidade ou não de
compatibilização desse mecanismo sui generis de participação societária
com o disposto no art. 173, caput, da Constituição Federal.

A segunda – concernente à mecânica do instrumento – consiste em


saber se ao Estado, enquanto titular da ação, é conferida a prerrogativa de,
com base em sua discricionariedade, exercer as atribuições que o aludido
título lhe confere. Ou, se, por outro lado, a Administração Pública estaria
constrita a exercer as prerrogativas que o estatuto social elenca quando o
interesse público que ensejou a própria emissão do título fosse atingido.50

De início, deve-se rememorar que o constituinte originário, ao fazer


uma escolha eminentemente política, exarou no texto constitucional dis-
posições acerca da ordem econômica que deveria ser implementada e
tutelada pelo Estado. Dentre as aludidas previsões, que concederam à
Constituição Federal o status de “Constituição Econômica”, destacam-se
a garantia da livre iniciativa e da propriedade privada consignadas no art.
170 da CRFB/88.51 Tal opção, que instrumentaliza a concretização de um
modelo liberal, para além de assegurar aos agentes privados o livre exer-
cício das atividades econômicas,52 retirou da esfera dos papéis típicos do
Estado o de player econômico.

Contudo, os mesmos agentes políticos constataram que a saída por


completo do Estado da economia poderia gerar efeitos deletérios aos ad-
ministrados em razão da imposição de obstáculos ao acesso a determina-
dos bens e serviços categorizados como essenciais. Desse modo, criou-se
uma engenharia constitucional capaz de conciliar “institutos do Estado Li-
beral, não intervencionista, com o Estado Social, altamente dirigista” (MO-
REIRA NETO, 1989).

50 Tal ponto será abordado posteriormente, quando da análise do caso da operação so-
cietária que seria empreendida entre a Embraer e a Boeing para a constituição de uma
joint venture então denominada Boeing-Brasil Comercial.
51 CRFB/88 – “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho huma-
no e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional;
II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante trata-
mento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação;   VII – redução das desigualdades regionais e
sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e admi-
nistração no País”. 
52 CRFB/88 – “Art. 170, Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qual-
quer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos,
salvo nos casos previstos em lei”.
Como extinguir uma golden share 327

Para tanto, mostrou-se primordial autorizar que o Estado pudesse


atuar na economia, enquanto participante, por meio de instrumentos que
possibilitam sua atuação direta, e, também, na qualidade de interventor,
pelo emprego de mecanismos de fomento e regulação das atividades eco-
nômicas.53

Comumente, a doutrina majoritária, ao analisar essa faceta empre-


sarial do Estado, invoca o princípio da subsidiariedade,54 segundo o qual
poderia o Poder Público se inserir no espectro econômico, quando a inicia-
tiva privada não o fizesse de forma satisfatória.55 Pela vertente predomi-
nante, no entanto, o fundamento único de validade para essa modalidade
de atuação do Estado reside no caput do art. 173.56 Quanto a este último
posicionamento, Neto e Mendonça destacam:

São, portanto, improcedentes as tentativas de se emprestar


status constitucional ao princípio da subsidiariedade. Aqui,
como talvez em nenhuma outra área, o uso de categorias
originalmente desenvolvidas para o campo dos direitos
fundamentais converte-se em veículo de captura ideológica
do texto constitucional. Não resta dúvida: a subsidiariedade
é proposta como limite não à intensidade, mas à abrangência
da intervenção estatal. O princípio se relaciona ao conceito de

53 “Pode-se manter, em face da atual Constituição, a mesma distinção que surtia das
anteriores, qual seja a de que ela reconhece duas formas de ingerência do Estado na
ordem econômica: a participação e a intervenção. Ambas constituem instrumentos
pelos quais o Poder Público ordena, coordena e atua a observância dos princípios da
ordem econômica tendo em vista a realização de seus fundamentos e de seu fim, já
tantas vezes explicitados aqui.” (SILVA, 2014).
54 Esse posicionamento foi, em certa medida, internalizado pelo próprio Poder Executivo,
na medida em que, a Proposta de Emenda Constitucional (“PEC”) 37/2020, intitulada
PEC da Reforma Administrativa, propõe a positivação de tal princípio no caput do art.
37 da CRFB/88, por meio da adoção da seguinte redação: “Art. 37. A administração
pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, im-
parcialidade, moralidade, publicidade, transparência, inovação, responsabilidade, uni-
dade, coordenação, boa governança pública, eficiência e subsidiariedade e, também,
ao seguinte [...]”. Para embasar essa inserção, a mensagem de encaminhamento da
aludida proposta assim a justifica: “O princípio da subsidiariedade está associado com
a valorização do indivíduo e das instâncias mais próximas a ele, prestigiando sua au-
tonomia e sua liberdade. Tal princípio, historicamente consolidado, visa a garantir que
as questões sociais sejam sempre resolvidas de maneira mais próxima ao indivíduo-
-comunidade, e só subsidiariamente pelos entes de maior abrangência, ressaltando, no
âmbito da Administração pública, o caráter do federalismo”. Disponível em: https://
www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1928147&filena-
me=PEC+32/2020. Acesso em: 28 nov. 2020.
55 “À atuação direta [...] aplica-se o princípio da proporcionalidade, o que significa que
somente se legitimará a intervenção estatal se outra alternativa não for mais satisfató-
ria. Sob esse prisma, o princípio da proporcionalidade se manifesta como princípio da
subsidiariedade”. (2015).
56 No mesmo sentido, André Cyrino assim se posiciona: “Especificamente, é oportuno
aprofundar a interpretação do caput do art. 173 da Constituição, o qual substancia o
limite básico da intervenção direta, em harmonia com o princípio da subsidiariedade”.
(CYRINO, 2015).
328 Coleção Jovem Jurista 2021

Estado Mínimo, não ao de Estado de Direito. Seu compromisso


é com o liberalismo econômico, não com o liberalismo
político. A tese da constitucionalização da subsidiariedade
não é apenas insustentável à luz da Constituição atual, mas
também sob o prisma do constitucionalismo democrático.
Em suma: trata-se de postulado ideológico particular, não
de princípio constitucional. (grifos nossos)

Filiado à tal tese, Aragão (2018), também pontua:

Fundamento mais específico para a Subsidiariedade é o


caput do art. 173 da Constituição Federal, para o qual o
Estado explorará atividades econômicas apenas em casos
de relevante interesse coletivo ou segurança nacional. (grifo
nosso)

Nesse cenário, a intervenção direta do Estado demanda a manifes-


tação de uma das duas hipóteses previstas no aludido dispositivo, quais
sejam: “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a re-
levante interesse coletivo”. Sobre esses requisitos, o mesmo autor ressalta
que, “não é a atividade econômica em si que tem que ser de “relevante
interesse coletivo”, mas sim a atuação do Estado nela” (ARAGÃO, 2018).

Desse modo, pode-se concluir que, a aprovação do parlamento,57 ne-


cessária para a criação das empresas estatais, torna pressuposta a exis-
tência de uma das hipóteses autorizativas do caput do art. 173 da Consti-
tuição Federal, não existindo, até o momento, notícia de eventual controle
jurisdicional quanto à aplicação desse conceito jurídico indeterminado.

No entanto, a atuação direta lato sensu configura-se como uma facul-


dade e não como um curso obrigatório de atuação. Dessa forma, a escolha
pelo seu desempenho é uma opção administrativa do Poder Público,58 que
também dispõe de outros institutos jurídicos para intervir na ordem eco-
nômica e condicionar o comportamento dos particulares.

Nesse sentido, destaca-se o desempenho da função regulatória, que


encontra seu fundamento jurídico de validade no art. 174 da Constituição
Federal.59 Referido padrão de intervenção denota a ressignificação do pa-
pel desempenhado pelo Estado, uma vez que há a substituição do “Estado
Empresário” pelo “Estado Regulador”. A ingerência do Estado sob o mer-

57 Deve-se esclarecer que a referida lei específica apenas autoriza a constituição sendo
necessário, ainda, a realização dos procedimentos administrativos necessários para a
constituição de uma pessoa jurídica tais como o registro na respectiva Junta Comer-
cial.
58 “O fato de o Estado poder exercer essas atividades econômicas não quer dizer que
deva necessariamente fazê-lo por si próprio”. (ARAGÃO, 2018).
59 CRFB/88 – “Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
Como extinguir uma golden share 329

cado passa a se dar, portanto, de maneira indireta e, usualmente, por meio


da edição de atos normativos que disciplinam o exercício das atividades
econômicas empreendidas pelos players privados.60 Nas palavras de Ara-
gão (2013):

Podemos condensadamente definir a regulação da economia


como o conjunto de medidas legislativas, administrativas,
convencionais, materiais ou econômicas, abstratas ou
concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da
autonomia empresarial ou meramente indutiva, determina,
controla, ou influencia o comportamento dos agentes
econômicos, evitando que lesem os interesses sociais
definidos no marco da Constituição e os orientando em
direções socialmente desejáveis. (grifo nosso)

Diante de tais distinções, e à contextualização anteriormente realiza-


da, pode-se concluir que as golden shares são previstas em uma conjun-
tura em que o Estado opta por não mais titularizar a prestação direta da
atividade econômica, mas em que a sua atuação, enquanto regulador – ou
seja, enquanto aquele que é capaz de restringir ou induzir as decisões ge-
renciais da companhia – não é prescindível.

As ações preferenciais de classe especial emitidas pelas companhias


desestatizadas são, portanto, um instrumento jurídico híbrido, capaz de
conjugar essas duas formas de intervenção do Estado na economia, figu-
rando, assim, como um mecanismo de regulação endógeno à estrutura
societária. Nesse sentido, Aragão (2018), ao analisar os aspectos regulató-
rios que a atuação direta do Estado na economia pode adquirir, pontua:61

[...] denota o que podemos chamar de regulação


intrassocietária, com o Estado rompendo a assimetria
informacional via de regra existente entre concessionário
e Poder Concedente/regulador, sendo ele próprio sócio
da concessionária, ainda que minoritário, facilitando assim
o acesso a informações, sua fiscalização e regulação, por
dentro da própria concessionária, por vezes até mesmo
através de uma ação de classe especial. (grifos nossos)

Da mesma forma, Bensoussan (2007), assim se posiciona:62

60 Essa forma de atuação, por meio da edição de atos normativos, segundo Aragão
(2018), recebe o nome de regulação jurídica. No entanto, a atividade regulatória, lato
sensu, exercida pelo Estado, não se esgota no recurso a tal instrumental.
61 “Ao exercer diretamente atividades econômicas, ou seja, o atuar como agente eco-
nômico, o Estado pode visar não apenas a atender imediatamente os cidadãos, mas
também a influenciar outros agentes econômicos, sejam eles do mesmo setor, de se-
tores a montante (fornecedores de insumos para a atividade econômica) ou a jusante
(adquirentes das matérias-primas e insumos produzidos pela atividade econômica es-
tatal), ou até mesmo da economia em geral”. (ARAGÃO, 2018).
62 Os próprios doutrinadores de Direito Societário defendem tal ponto: “Trata-se de um
330 Coleção Jovem Jurista 2021

[...] através da golden share, o Poder Público atua


internamente, na própria empresa, atuando na defesa da
coletividade e sobre o mercado. (grifo nosso)

Tal regulação, no entanto, não se confunde com a regulação jurídi-


ca, que, conforme indicado anteriormente, se restringe à edição de atos
normativos e consubstancia a atuação indireta do Estado na economia. A
compreensão das golden shares, enquanto um instrumento jurídico, capaz
de viabilizar o exercício de verdadeira regulação intrassocietária, deman-
da, portanto, o entendimento do conceito de regulação material ou ope-
racional (ARAGÃO, 2018). Para além disso, demanda o entendimento de
que o termo “regulação” deve ser compreendido, de maneira ampla, como
a intervenção do Estado no domínio econômico,63 e que para a concreti-
zação desse propósito, a Administração Pública pode se valer dos mais
distintos institutos jurídicos que estão à sua disposição.

Segundo o autor, enquanto a regulação jurídica só poderia ser exer-


cida por aqueles entes que detém o jus imperii estatal, a regulação opera-
cional seria o resultado da atuação direta do Estado:

[o] termo “regulação jurídica”, que constitui a principal forma


de atuação indireta do Estado, [é distinto] da “regulação
operacional”, que se dá mediante a atuação direta do
Estado na economia, não através da edição de regras e
atos jurídicos, mas, sim, de operações econômicas que
influenciam os agentes privados, às vezes até com maior
cogência prática que a edição de normas jurídicas. (grifo
nosso)

Dessa forma, Eizirik (2011) coloca que seria possível até mesmo subs-
tituir algumas funções das agências reguladoras pelas golden shares:64

A golden share caracteriza-se como um instrumento direto


de política pública que pode substituir, em certa medida,
as funções de uma agência estatal reguladora. Esta age
externamente à companhia, enquanto à golden share permite
ao Estado, mediante o controle interno na própria sociedade
privatizada, atuar nela em favor da coletividade e sobre o
mercado. (grifo nosso)

Contudo, ainda que seja possível a emissão dessas ações com obje-
tivos regulatórios, essa função dúplice exercida por tal título demanda a

mecanismo regulatório-societário sem dúvida útil e relevante”. (SALOMÃO FILHO,


2011).
63 ORBACH, 2012.
64 Da mesma forma Bensoussan (2007) se coloca: “constituem instrumento direto de
política pública, que pode substituir, em certa medida, a função desempenhada pelas
agências reguladoras”. (grifo nosso)
Como extinguir uma golden share 331

observância da regra disposta no art. 173, caput, da Constituição Federal,65


e, portanto, a configuração de uma hipótese de imperativo da segurança
nacional ou relevante interesse coletivo. Assim, ainda que os diplomas re-
gulamentadores do instrumento – quais sejam a Lei do PND, a Lei do PPI e
a Lei das S.A. – sejam silentes quanto às hipóteses que autorizam a emis-
são dessas ações, e que os termos empregados pela Constituição Federal
sejam conceitos jurídicos indeterminados,66 o dispositivo estabelece, sem
dúvidas, uma zona de certeza positiva e uma zona de certeza negativa,67
na qual esta participação societária deverá encontrar seu fundamento de
validade.68

Nesse sentido, Fidalgo (2017) assim descreve as referidas zonas de


certeza positiva para cada uma das hipóteses do art. 173 da Constituição
Federal:

O requisito relativo à segurança nacional deve ser


entendido como abarcando necessidades relacionadas
à defesa do país, à proteção da soberania e do seu povo.
65 Sobre tal tópico, Aragão (2018), destaca que ainda que o recurso à atuação direta,
com objetivos regulatórios, possibilite a intervenção do Estado na economia de uma
forma que a edição de atos normativos possivelmente não permitiria, esta atuação
direta só se justifica caso configurada uma das hipóteses do art. 173, CRFB/88: “a
atuação direta do Estado na economia pode faticamente impor aos particulares, por
razões econômicas, ações que através de normas jurídicas não poderiam ser cogen-
temente prescritas, mas apenas se tal objetivo for de relevante interesse coletivo, nos
termos do art. 173, CF”.
66 “A linguagem do art. 173 traz um claro exemplo do recorrente uso de conceitos jurí-
dicos indeterminados na Constituição econômica brasileira. [...] Os conceitos jurídi-
cos indeterminados possuem um espaço de apreciação aberto ao intérprete, que será
exercido em distintos níveis. Não se trata, exatamente, de um campo de discriciona-
riedade, mas de uma zona de interpretação quanto ao sentido do conceito fixado na
norma”. (CYRINO, 2015).
67 Ao abordar as dificuldades inerentes à delimitação de quais atividades podem ser
enquadradas dentro das hipóteses de “imperativo de segurança nacional” e “relevan-
te interesse coletivo”, Cyrino (2015) recorre à obra de Binenbojm (2006) e emprega
os conceitos de “zona de certeza negativa” e “zona de certeza positiva” da seguinte
forma: “De todo modo, fato é que essas ideias evolveram no sentido de que o conceito
teria espaços de maior ou menor certeza. O conceito jurídico indeterminado apresen-
taria, assim, duas zonas fortes de apreciação: “uma zona de certeza positiva (o que é
certo que ele é), dentro da qual não existe dúvida acerca da utilização da palavra ou
expressão que o designa, e uma zona de certeza negativa (o que é certo que ele não
é), em que, igualmente, inexistiria dúvida acerca de sua utilização, só que para excluir
a sua incidência”.
68 Reconhece-se, ainda, que nas zonas de incerteza, será possível encontrar um funda-
mento de validade para as golden shares, desde que sua constituição seja devidamen-
te fundamentada, assim como ocorre nos casos de constituição de empresas estatais.
Cyrino (2015) ainda sugere a observância dos seguintes standards para a interpreta-
ção do art. 173, CF, nesses casos de “penumbra”: “Nesse sentido, sugerem-se como
possíveis standards interpretativos do art. 173 da Constituição – principalmente para
as zonas de incerteza – os seguintes: (i) quanto menor a vantagem comparativa do
Estado, mais estreito deverá ser o sentido do art. 173; (ii) quanto maior o clamor de-
mocrático por uma determinada intervenção, mais flexível poderá ser a interpretação
das zonas de incerteza do art. 173; e, (iii) quanto mais essencial for a atividade que se
pretende atribuir à empresa estatal, maiores serão as possibilidades de atuação direta
do Estado na economia”.
332 Coleção Jovem Jurista 2021

Embora inúmeras atividades possam estar abrangidas por


esse conceito, variando a depender do contexto histórico
subjacente – determinadas atividades podem ser necessárias
à segurança nacional em determinados momentos históricos
e em outros deixarem de sê-las – fato é que há atividades
que, com certeza, não poderão se subsumir a esse critério.

[...]

“O que se pode dizer, por sua vez, com relação às atividades


de ’relevante interesse coletivo’? Esse termo é muito mais
amplo do que “segurança nacional”. Dele é possível extrair
que será permitida a exploração direta de atividades
econômicas pelo Estado nas hipóteses em que haja um
interesse coletivo, isto é, um interesse compartilhado por
um determinado grupo de pessoas, e que seja relevante,
importante. (grifo nosso)

Dessa forma, caso o cenário em questão não admita a clássica inter-


venção direta do Estado na economia, por meio da criação de empresas
estatais, não há que se permitir a emissão de uma golden share em favor
do ente público. Por outro lado, se estivermos diante da hipótese em que
a atuação do Estado, na qualidade de player econômico é autorizada, as
golden shares podem ser instituídas em benefício da Administração Pú-
blica.

Caso contrário, a previsão de tal ação no estatuto social das com-


panhias se prestaria a obstar o pleno exercício da liberdade de iniciativa
garantido constitucionalmente às empresas privadas e a reduzir o próprio
valor de alienação do controle da sociedade quando do momento de sua
desestatização. Este cenário este poderia configurar, até mesmo, a prática
de uma verdadeira regulação expropriatória pelo Estado, na medida em
que, segundo Cyrino (2014) essa regulação excessiva é assim conceituada:

Trata-se de medidas regulatórias permeadas de aparente


legitimidade e editadas dentro dos parâmetros de
competência instituídos pela lei, as quais, todavia, se
revelam demonstrações de desmesurado poder estatal.
Regulações cujo feitio de legítimas normas limitadoras da
atividade econômica encobre um ato de inconstitucional
esvaziamento da propriedade privada, entendida em seu
sentido amplo, enquanto garantia de proteção de bens e
direitos contra o confisco. (grifos nossos)

Do mesmo modo, Schwind (2017) já pontuava, com base no dever de


fundamentação dos atos administrativos, a necessidade de ampla motiva-
ção da decisão que prevê a emissão da golden share:
Como extinguir uma golden share 333

Entretanto, caso se pretenda instituir golden shares em favor


do Estado, a decisão pela adoção desse mecanismo deverá
ser devidamente fundamentada. Será essencial que o Estado
indique precisamente quais interesses pretende proteger
com a criação de golden shares em seu favor. (grifo nosso)

No entanto, resta salientar que, ainda que haja esse dever de funda-
mentação e de observância do art. 173, caput, da Constituição Federal, o
mero cumprimento de tal requisito formal não é capaz de justificar, in-
definidamente, a permanência dessa classe de ações. Isso porque, assim
como, quando da emissão dessa ação, o ente desestatizante reconheceu
que o Estado não deveria mais exercer diretamente aquela atividade eco-
nômica,69 o mesmo poderá ocorrer, posteriormente, com relação aos fun-
damentos que embasaram a criação da golden share.

É dizer, o “imperativo de segurança nacional” ou o “relevante interes-


se coletivo” que autorizou a intervenção direta do Estado na economia em
um dado contexto, e, em sequência a titularidade desse título sui generis
pelo ente público, não conferem à tal agente a garantia de perpetuidade.

Sustenta-se, portanto, que para além da observância do aludido dis-


positivo constitucional quando da emissão das ações preferenciais de
classe especial, é necessário que o fundamento que ensejou a criação
dessas ações seja revisitado frequentemente, para que seja identificado
se ainda há correspondência entre o novo cenário fático experimentado
pela companhia e o conteúdo do art. 173, caput, CRFB/88. Assim, caso tal
correlação não mais subsista, a referida classe de ações pode ser excluída
para que não haja uma violação direta ao texto constitucional.

Desse modo, deve-se acrescer às características das golden shares


anteriormente indicadas: (i) o dever de observância ao previsto no art.
173, caput, da Constituição Federal, isto é, que sua emissão esteja adstrita
a um cenário em que reste configurado um “imperativo de segurança na-
cional” ou “relevante interesse coletivo”; e também, (ii) a necessidade de
revisitação constante dos fundamentos que ensejaram a emissão da ação
preferencial de classe especial, para que se afira uma possível superação
dessas hipóteses e, portanto, a perda de seu fundamento de validade.

No entanto, ainda que as golden shares sejam emitidas com o obje-


tivo de concretizar medidas regulatórias, e se submetam, ao menos em
parte, ao regime jurídico de Direito Público, estas ostentam a roupagem
jurídica de participação acionária e, por tal motivo, devem ser regidas,

69 Sobre a necessidade de interpretação do aludido dispositivo constitucional à luz do


cenário experimentado no momento de constituição dessas entidades, Fidalgo (2017)
assim pontua: “Trata-se de conceitos jurídicos indeterminados, isto é, conceitos polis-
sêmicos, elásticos, que admitem, em abstrato, uma série de possíveis interpretações, e
precisam ser preenchidos, caso a caso, com informações extraídas da realidade”.
334 Coleção Jovem Jurista 2021

ainda, pelas disposições da LSA.70 Retoma-se, aqui, a necessidade de com-


patibilização dos institutos de Direito Societário com os normativos do
Direito Administrativo de modo que esses dois ramos, quando aplicados
de maneira concomitante, nas palavras de Aragão (2018) “se som[em] e
se modifi[quem] reciprocamente, em um processo de construção jurídica
contínua e sempre inacabada”, derivando na constituição de um novo ni-
cho de pesquisa denominado e difundido pelo mesmo autor como Direito
Administrativo Societário.

No âmbito do Direito Administrativo Societário

Essa imprescindível aproximação de dois saberes específicos com origens


aparentemente distantes, no entanto, não é completa e suscita questio-
namentos relevantes quando são empreendidos esforços para a referida
compatibilização. No caso das golden shares, a principal indagação se dá
quanto a um possível enquadramento do ente público que titulariza tal
ação na qualidade de acionista controlador da companhia.
O cerne deste questionamento reside no fato que a Lei das Socieda-
des Anônimas (Lei nº 6.404/76) e o Estatuto das Estatais (Lei nº 13.303/16)
divergem com relação aos critérios que devem ser empregados para a
configuração do controle societário.

Por uma perspectiva, para fins de identificação do acionista contro-


lador em uma sociedade anônima, deve-se analisar o cenário fático,71 uma
vez que tal diploma legal emprega a intitulada tese do controle dinâmico,
sendo necessário, portanto, que o acionista em questão preencha, de ma-
neira cumulativa, os requisitos elencados pelas alíneas do art. 116 da Lei
das S.A.,72 o qual se traz à colação:

70 Acerca do caráter híbrido dessas ações Fidalgo (2017) destaca: “Parece-nos que esse
tipo de intervenção guarda um pouco de intervenção direta e um pouco de regulação,
e cada um desses aspectos será mais ou menos acentuado a depender do caso con-
creto e do grau de efetiva influência do Estado na gestão das atividades da companhia
participada. A classificação da natureza de uma golden share, a depender dos poderes
concretos reservados ao Estado, poderá pender para o lado das intervenções regula-
tórias ou das diretas”.
71 “O controle da sociedade anônima constitui um poder de fato, não um poder jurídico,
visto que não há norma que o assegure. O acionista controlador não é sujeito ativo do
poder de controle, mas o tem enquanto for titular de direitos de voto em número sufi-
ciente para obter a maioria nas deliberações assembleares.” [...] “A caracterização do
poder de controle não prescinde da circunstância fática de que ele seja efetivamente
exercido. Além de titular dos direitos de sócio que lhe permitam dirigir ou eleger quem
dirigirá a companhia, o acionista controlador deve efetivamente dirigi-la e eleger a
maioria dos administradores”. (EIZIRIK, 2011).
72 Nesse sentido, Lamy Filho (2017) pontua a necessidade de observância dos 4 (quatro)
requisitos presentes no art. 116 da LSA, para que o acionista se enquadre no conceito
de acionista controlador: “A pessoa ou grupo de pessoas somente é acionista contro-
lador, no conceito legal, quando coexistem quatro requisitos: (a) é titular de direitos
de sócio que lhe assegurem, (b) de modo permanente, (c) a maioria dos votos nas
Como extinguir uma golden share 335

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa,


natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por
acordo de voto, ou sob controle comum, que:

a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de


modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações
da assembléia-geral [sic] e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e

b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades


sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Recorrendo à doutrina especializada, Eizirik (2011) explicita que o alu-


dido dispositivo deve receber a seguinte interpretação:

O presente art. 116 define o controlador como aquele


que “é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de
modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações
da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia”.

A expressão “de modo permanente” contida no presente


dispositivo quer significar que existe um acionista ou um
grupo deles que, possuindo 50% mais uma das ações
votantes, não poderá ser destituído do seu direito de eleger
a maioria dos administradores por parte de qualquer outro
grupo de acionistas e que, por isso mesmo, efetivamente
exerce, sempre, esse direito de comando.

Essa maioria do capital votante outorga, outrossim, ao


controlador o direito de, sempre, deliberar majoritariamente
em matérias próprias das assembleias gerais. E reveste a
maioria da administração, por ele eleita, do caráter de
estabilidade, na medida em que a maioria dos seus membros
somente poderá ser destituída por ele, controlador. (grifos
nossos)

No entanto, ainda que o referido artigo seja claro quanto às premissas


que devem ser observadas para a identificação do acionista controlador, a
partir das demais disposições da Lei das Sociedades Anônimas e da práti-

deliberações da Assembleia Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores


da companhia e (d) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e
orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”. Da mesma forma, Eizirik (2011)
se posiciona: “Nos termos do caput deste artigo, a caracterização do acionista contro-
lador requer a observância cumulativa dos 3 (três) requisitos mencionados nas alíneas
“a” e “b”: (i) a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral; (ii) o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia; e (iii) o uso efetivo do poder de
controle para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da
companhia”.
336 Coleção Jovem Jurista 2021

ca societária, a doutrina indica que existem 3 (três)73 modalidades de con-


trole acionário, quais sejam: controle majoritário; controle compartilhado
e controle minoritário (EIZIRIK, 2011).

O controle majoritário pode ser conceituado como aquele que me-


lhor reflete a disposição constante no art. 116 da LSA, na medida em que
há uma certa correspondência entre o exercício do controle, e, portanto,
entre o desempenho das funções executivas e gerenciais da companhia e
a efetiva propriedade das ações.

Na mesma linha, o controle compartilhado também é identificado


pelo cumprimento dos requisitos presentes no art. 116 da LSA. Contudo,
nesse caso, o controle não é exercido por um único agente, por um único
proprietário, mas sim por um conjunto de acionistas, que por meio de de-
terminados instrumentos contratuais – em geral, um acordo de acionistas
aliado a um acordo de voto – possuem mais de 50% (cinquenta por cento)
das ações da companhia e constituem um bloco de controle na forma do
disciplinado pelo art. 118 da Lei nº 6.404/76.

Esse mero arranjo contratual, no entanto, não é suficiente para que se


tenha a configuração de uma hipótese de controle compartilhado. É ne-
cessário, ainda, que os acionistas que compõem o acordo, sejam capazes
de interferir diretamente na gestão da companhia, em razão dos poderes
que lhes são conferidos. Desse modo, segundo Eizirik (2011), o seguinte
cenário deve ser concretizado:

Para que o acordo de acionistas possa configurar hipótese


de controle compartilhado com o acionista minoritário é

73 Comparato (2014) em sua obra, ao recorrer à classificação realizada por Berle e


Means, em The Private Corporation and Private Property, indica a existência de 5 (cin-
co) espécies de controle: (i) controle com quase completa titularidade acionária; (ii)
controle totalitário; (iii) controle exercido mediante um expediente ou artifício legal;
(iv) controle minoritário; (v) controle administrativo ou gerencial. Em linhas gerais,
estes podem ser definidos da seguinte forma:
(i) controle com quase completa titularidade acionária: há uma correspondência quase
exata entre controle e propriedade das ações;
(ii) controle totalitário: nesse caso, a companhia tem outros acionistas, mas um acionista
é capaz de prevalecer;
(iii) controle exercido mediante um expediente ou artifício legal: nesse caso, os acionis-
tas recorrem a algum instrumento jurídico que permite que haja o deslocamento do
controle da sociedade pra um determinado grupo ou agente, seja através do recurso
ao “controle piramidal ou em cadeia num grupo societário, a existência de ações sem
direito de voto, a emissão de ações com voto limitado e o voting trust”;
(iv) controle minoritário: um determinado agente ou grupo é capaz de gerenciar as ativi-
dades da companhia, mesmo sendo detentor de menos da metade do capital social; e,
(v) controle administrativo ou gerencial: não se baseia na propriedade acionária, mas sim
nos poderes de nomeação e manutenção dos diretores.
Alguns autores, como Carvalhosa (2014) sustentam que essa classificação não pode
ser empregada no contexto brasileiro: “Nem cabe invocar, para tanto, a classificação
de controle trazida por Berle e Means, por se referir ao contexto legal norte-america-
no cuja sistemática é totalmente diversa do Direito expresso contido no art. 116 ora
comentado”.
Como extinguir uma golden share 337

imprescindível que, em função dos direitos que lhe são


atribuídos, fique claro que o grupo controlador abriu mão
de seu poder de determinar, isoladamente, as decisões da
assembleia geral e de eleger a maioria dos administradores.
(grifos nossos)

Por outro lado, o controle minoritário, ainda que seja exercido de


acordo com o art. 116 da LSA, se manifesta em companhias em que há uma
grande pulverização acionária e, que, portanto, um determinado acionis-
ta, ou conjunto de acionistas, é capaz de prevalecer nas deliberações e,
exercer o controle sobre a companhia, sem que para tanto detenha a pro-
priedade de mais de 50% (cinquenta por cento) das ações. Sua presença
no ordenamento jurídico brasileiro, no entanto, suscita questionamentos
da doutrina.

Isso porque, por um lado, autores como Eizirik (2011) sustentam que
“a Lei das S.A., ao não exigir, neste artigo, um percentual mínimo de ações
para definir o controle acionário, admitiu implicitamente o controle mino-
ritário”. E por outro, teóricos como Carvalhosa (2014) defendem que essa
figura, “transplantada” do ordenamento jurídico norte-americano, não en-
contra correspondência no direito societário brasileiro, uma vez que seu
exercício está condicionado à abstenção dos demais acionistas, não sen-
do, portanto, um mecanismo de controle em si mesmo:

O poder de controle das companhias somente se configura,


como reiterado, se for permanente, ou seja, sem nenhuma
dependência de outros acionistas para que seja exercido. O
poder de controle, portanto, é autônomo e autárquico. Daí
a razão por que se estabelece o poder-dever de controle
somente quando um ou mais acionistas ostentam, ou então
congregam, via acordo de controle, a maioria absoluta do
capital votante da companhia.

Não há, pois, em nosso regime legal a figura do “controle


minoritário”, que, vez por outra, é referido nos ambientes
leigos do mercado de capitais. (grifos nossos).

Diante dessas 3 (três) espécies de controle, questiona-se se as prer-


rogativas conferidas ao ente estatal detentor da golden share atribuem ao
seu titular o poder de controle da companhia agora privada.

Deve-se rememorar que ainda que os poderes conferidos às golden


shares possam variar, casuisticamente, a depender das previsões estabe-
lecidas no estatuto social de cada uma das companhias, a partir de uma
análise generalista dos poderes usualmente conferidos à esta participa-
ção, pode-se concluir que este título não outorga a seu proprietário o po-
der de controle. Isso porque, tradicionalmente, tais ações são incapazes
338 Coleção Jovem Jurista 2021

de conceder ao seu titular a garantia de que este prevalecerá, “de modo


permanente”, sob todas as deliberações da companhia. Ou seja, o fato de
o próprio estatuto social delimitar em quais hipóteses o ente desestatizan-
te poderá vetar a deliberação em pauta, automaticamente, inviabiliza que
este ostente a referida posição.

Diante dessa constatação, não é possível sustentar que as golden


shares seriam um instrumento capaz de viabilizar o exercício, pela Ad-
ministração Público, do controle minoritário74 sobre a sociedade. É dizer,
essa classe de ações não confere ao ente da Administração Pública os
poderes de: (i) prevalecer, de modo permanente, nas deliberações da as-
sembleia geral; (ii) eleger a maioria dos administradores da companhia; e,
(iii) de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos
da companhia.

Nesse sentido, e analisando especificamente as ações preferenciais


de classe especial emitidas no âmbito do Programa Nacional de Deses-
tatização, Fidalgo (2017) pontua que as prerrogativas inerentes ao título
não preenchem, de forma concomitante, os dois requisitos necessários à
configuração do exercício do poder de controle no âmbito da Lei de So-
ciedades Anônimas:

O direito de veto/bloqueio não se confunde com a titularidade


da maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral
(exigida pelo art. 116 da Lei das S.A. para a configuração de
poder de controle), e, em sendo assim, faltaria, na maioria
dos casos, pelo menos um dos requisitos para a atribuição
do poder de controle. O poder de controle exige ainda o
direito de indicar a maioria dos administradores, o que nem
sempre ocorre no caso concreto. (grifos nossos)

Portanto, pelas normas do Direito Societário, em virtude da inexistên-


cia da figura do “controle negativo”, proveniente do poder de veto,75 as
74 Faz-se aqui alusão exclusiva ao controle minoritário uma vez que a quantidade de
ações preferenciais de classe especial detidas pelo ente público jamais poderá ser
superior a 50% (cinquenta por cento) do total de ações da companhia. Tendo em
vista que, se a Administração Pública permanecesse detentora de mais da metade
do capital social da sociedade, o processo de desestatização não teria sido realizado,
estaríamos, na realidade, diante de uma sociedade de economia mista. Já quanto ao
controle compartilhado, não se tem conhecimento que o ente estatal tenha firmado,
com os demais acionistas da companhia, um eventual acordo de acionistas cujo objeto
corresponda às prerrogativas conferidas às golden shares. Isso porque, os poderes
atribuídos a esta classe de ações devem ser empregados em prol do interesse público
e não submetidos a eventuais acordos de voto com os demais acionistas privados, que
possuem interesses díspares, sob pena de desvirtuamento do próprio racional do ins-
tituto. Destaca-se, no entanto, que não há qualquer vedação para a elaboração desse
tipo de ajuste com objetos distintos.
75 Pela (2012): “Nas golden shares emitidas por companhias privatizadas ao abrigo do
artigo 17, §7o, da Lei no 6.404/76, o veto consiste no bloqueio direto da deliberação
tomada por maioria de votos, em Assembleia Geral”. Assim, Fidalgo (2017) pontua que
este poder não se confunde com a prevalência nas deliberações: “O direito de veto/
Como extinguir uma golden share 339

golden shares não concedem ao seu titular o poder de controle da com-


panhia76 uma vez que não há o preenchimento, simultâneo, das condições
impostas pelo art. 116 da LSA.

Já à luz do Estatuto das Estatais,77 e, ainda, do Decreto Lei nº 200/67,78


para fins de identificação do acionista controlador sociedade de economia
mista é necessário recorrer ao estatuto social de tais companhias tendo
em vista que o referido texto legal emprega a tese do controle estático.79
Desse modo, em função da necessidade de delimitação do regime jurídico
ao qual as empresas estatais são submetidas, a análise empreendida limi-
ta-se a aferir se o Estado é proprietário de mais de 50% (cinquenta por
cento) das ações com direito a voto emitidas pela companhia.

Quanto à diferenciação desses dois conceitos de controle, cabe tra-


zer à tona o exposto por Tonin (2018):

É na Assembleia Geral, órgão soberano e “primário ou

bloqueio não se confunde com a titularidade da maioria dos votos nas deliberações da
assembleia-geral (exigida pelo art. 116 da Lei das S.A. para a configuração de poder de
controle” [...] “O direito de veto, por si só, não confere, necessariamente, uma influên-
cia preponderante. Isso dependerá, logicamente, das matérias com relação às quais
esse direito de veto poderá ser exercido”.
76 Nesse sentido, SALOMÃO (2019) pontua que as golden shares podem conferir poder
de controle ao seu titular caso sejam intencionalmente formatadas para desempenha-
rem tal função: “Basta prever virtualmente em estatuto, além da composição da Dire-
toria e do Conselho de Administração, todas as matérias relevantes para os negócios
sociais, atribuindo poder de veto das alterações estatutárias e com o poder de eleger
a maioria dos membros do Conselho, pode-se controlar a sociedade. [...] Sendo a po-
sição do titular da golden share de mero bloqueio e a nomeação de cargos de adminis-
tração, ele só poderá ser caracterizado como controlador na medida em que ele possa
ele mesmo exercer o poder sobre a companhia, i.e., na medida em que o controle seja
gerencial. [...] Através da proteção da inamovibilidade da administração e do bloqueio
a qualquer alteração estatutária que possa diminuir seus poderes, a administração
estará efetivamente controlando a companhia – no sentido de ‘uso efetivo do poder
para dirigir as atividades sociais’ (art. 116, b). Quanto ao requisito mencionado na letra
‘a’ do mesmo dispositivo, está preenchido enquanto requisito negativo, i.e., enquanto
poder de impedir que se tomem deliberações. Há também o poder de eleger a maioria
dos administradores da companhia”. No mesmo sentido, Pela (2012): “[...] ressalvada a
verificação concreta, caso a caso, do caráter permanente da preponderância nas deli-
berações sociais, os critérios legais de identificação do acionista controlador, em tese,
podem ser atendidos pelo titular da golden share. O referido acionista é, com efeito,
potencial titular do poder de controle”.
77 Lei 13.303/16 – “Art. 5o. Para os fins desta lei, considera-se: III – Sociedade de Eco-
nomia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada
por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima,
cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da
Administração Indireta”.
78 Decreto Lei no 200/67 – “Art. 4o. Sociedade de economia mista é a entidade dotada
de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a for-
ma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à
União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração
indireta”.
79 Nesse sentido (SAADI, 2019) posiciona-se: “O critério não é o da materialidade, mas
o da formalidade: participação majoritária ou não no capital votante da empresa. For-
malidade traz segurança jurídica e simplicidade para a caracterização da figura, neste
contexto”.
340 Coleção Jovem Jurista 2021

imediato da corporação” que acontece a definição do


controle e a demonstração efetiva do exercício do poder de
controle, pois é onde ocorre a formação da vontade social
e as deliberações societárias. Nas sociedades de economia
mista, a definição do poder de controle é pré-estabelecida,
pois, por imposição legal, o ente estatal terá a maioria das
ações com direito a voto. O Estado terá e exercerá o poder
de controle. (grifo nosso)

Deve-se esclarecer que a abordagem quanto a uma suposta aplica-


bilidade da Lei nº 13.303/16 às sociedades que possuem em sua estrutura
de capital uma ação preferencial de classe especial é aqui realizada para
a resolução de um conflito que não subsiste em concreto.80 Explica-se, as
golden shares são emitidas por companhias submetidas a um processo de
desestatização, ou seja, por sociedades que deixaram de integrar a Admi-
nistração Pública em razão da alienação de seu controle a um agente pri-
vado. Portanto, a presença do Estado, enquanto seu acionista minoritário,
ainda que de classe especial, não atrai a incidência do regime jurídico ao
qual a sociedade, ora privada, outrora se submeteu.

O que se observa na realidade é que os poderes conferidos às ações


preferenciais de classe especial consistem, de modo geral, no poder de
veto sobre determinadas matérias selecionadas, o que não confere, e nem
poderia conferir,81 ao ente estatal o status de acionista controlador nem no
âmbito do Direito Público nem na esfera do Direito Privado.

II. A (IN) UTILIZAÇÃO DO INSTITUTO NO ÂMBITO DAS


EMPRESAS BRASILEIRAS OBJETO DE DESESTATIZAÇÃO

No entanto, ainda que fosse possível sustentar que as golden shares per-
mitem que o ente desestatizante exerça uma espécie de controle minori-
tário sobre a companhia, tal conclusão, conforme anteriormente indicado,
dependeria da análise fática dos casos em que o Estado efetivamente go-
zou de tais prerrogativas, com o objetivo de identificar se este foi capaz de
modificar os rumos que seriam seguidos pela companhia. Esta análise não
poderá ser levada a feito, no caso brasileiro, tendo em vista que o Poder

80 O próprio art. 1o da Lei das Estatais, ao definir seu âmbito de incidência elenca apenas
as (i) empresas públicas; (ii) sociedades de economia mista e suas respectivas sub-
sidiárias, nada dispondo, portanto, sobre as companhias nas quais o Estado detém
participação minoritária no capital social.
81 Fidalgo (2017): “O Estado não pode, a nosso ver, adotar técnicas societárias com a
finalidade de burlar o regime constitucional aplicável às empresas estatais. Não nos
parece legítimo que o Estado controle uma companhia senão através da constituição
de uma sociedade de economia mista e da aplicação do regime previsto nos arts. 37 e
173 da Constituição Federal. Os privilégios atribuídos pela golden share ao Estado não
poderão, portanto, configurar o exercício do poder de controle, sob pena de desvir-
tuar o tratamento constitucional atribuído às sociedades de economia mista”.
Como extinguir uma golden share 341

Público – aqui entendido como a União Federal, nas 4 (quatro) sociedades


em que esta ação foi emitida, jamais vetou qualquer deliberação, ou seja,
jamais alterou a deliberação majoritária tomada pela Assembleia Geral.

Desse modo, o presente capítulo se propõe a analisar em que cená-


rios se ventilou a possibilidade de exercício dessas prerrogativas, mas em
que mesmo assim o ente público optou por se abster.82

Na história recente,83 dois foram os principais casos em que se susci-


tou a possibilidade de exercício das prerrogativas conferidas pelas golden
shares pela Administração Pública: o primeiro, na Vale, em decorrência do
desastre de Brumadinho;84 e, o segundo, na Embraer, em razão das tratati-
vas iniciadas pela empresa com a Boeing para a constituição de uma joint
venture.85

No caso da Vale, no dia 25 de janeiro de 2019, ocorria o conhecido


desastre de Brumadinho, em razão do rompimento da barragem da Mina
do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais. Em linhas gerais, a re-
ferida barragem de rejeitos86 fora construída pela empresa, em 1976, com

82 Deve-se pontuar, que ainda que as prerrogativas de veto das golden shares não te-
nham sido empregadas pelos entes públicos que titularizam essas ações, tais agentes
sempre exerceram a prerrogativa de indicar membros para os órgãos deliberativos
das referidas companhias. Portanto, serão abordadas na presente seção apenas as
hipóteses em que o ente público optou por não vetar uma determinada deliberação
da Assembleia Geral, ou por não intervir diretamente na gestão da companhia.
83 De acordo com o voto do Ministro Walton Alencar, proferido no âmbito da Consulta
no 025.285.2017-3, em trâmite perante o TCU e que será posteriormente analisada,
nas seguintes hipóteses questionou-se o recurso a essas prerrogativas: “No Brasil, em
1999, o Governo pretendeu valer-se dos direitos conferidos pelas ações de classe es-
pecial para vetar a alienação, a um grupo francês, de 20% das ações ordinárias de
emissão da Embraer. Em 2008, cogitou opor-se à aquisição, pela Vale, da mineradora
sul africana Xstrata, com troca de ações, ante o receito de que o centro de decisões da
mineradora brasileira fosse transferido para o exterior. Em 2019, discutiu a possibilida-
de de opor-se à fusão da Embraer e Boeing. A perspectiva de veto do Poder Público
certamente influenciou os termos do acordo firmado entre as duas companhias, que
manteve a linha de aviação militar na companhia brasileira”.
84 Governo diz que grupo estuda eventual afastamento da diretoria da Vale. Disponível
em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/01/28/governo-diz-que-grupo-es-
tuda-eventual-afastamento-da-diretoria-da-vale.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.
85 Governo poderá utilizar golden share para barrar Boeing-Embraer. Disponível em: ht-
tps://valor.globo.com/politica/noticia/2019/01/28/governo-diz-que-grupo-estuda-e-
ventual-afastamento-da-diretoria-da-vale.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.
86 “Uma barragem é uma estrutura, feita em cursos de água, que possui o objetivo de
conter ou acumular grandes quantidades de substâncias líquidas ou misturas de lí-
quidos e sólidos. Suas principais finalidades são: o abastecimento de água, produção
de energia elétrica e prevenção de enchentes. As barragens de rejeitos são utilizadas
na mineração (processo que visa extrair substâncias minerais a partir de depósitos
ou massas). As atividades que transformam rocha em matéria prima na mineração
são chamadas de beneficiamento. Quando o beneficiamento é feito, sobram alguns
resíduos (água + resíduos sólidos), que devem ser armazenados para evitar danos
ambientais à natureza. Mas nem todas as barragens são construídas da mesma forma.
Tanto a que se rompeu em Mariana quanto a em Brumadinho são barragens que foram
construídas à montante, mas elas também podem ser feitas, por exemplo, à jusante, ou
em linha de centro”. Barragem de rejeitos e os casos Mariana e Brumadinho. Disponível
em: https://www.politize.com.br/barragem-de-rejeitos/. Acesso em: 1 out. 2020.
342 Coleção Jovem Jurista 2021

o objetivo de conter os resíduos oriundos do beneficiamento de minério


de ferro, que era explorado pela Companhia na localidade.

No presente caso, a barragem foi construída pelo recurso ao méto-


do de alteamento a montante; “nesse sistema, quando a barragem fica
cheia, ela vai sendo elevada por meio de degraus construídos sobre o di-
que (ou barreira de contenção) inicial”.87 E, ainda que esta estivesse inativa
há aproximadamente 3 (três) anos, foi submetida ao que um painel de
especialistas contratado para investigar as causas do acidente denominou
de “liquefação estática”, um fenômeno que se manifesta “quando um ma-
terial sólido passa a se comportar como líquido”.88 O relatório, elaborado
por tais especialistas e contratado por um escritório de advocacia que re-
presenta a Vale,89 ainda indicou os seguintes fatores como determinantes
para a ocorrência do desastre:90

Segundo o relatório do painel de especialistas sobre as causas


técnicas do rompimento da Barragem I do Feijão, análises do
estado de tensão dentro da estrutura mostraram ainda que
partes significativas dela estavam sob carregamentos muito
elevados devido a sua inclinação, ao alto peso dos rejeitos e
ao nível de água. “A construção de uma barragem íngreme a
montante [método no qual a barreira de contenção recebe
camadas do próprio material do rejeito da mineração], o
alto nível de água, rejeitos finos fracos dentro da barragem
e a natureza frágil dos rejeitos geraram as condições para o
rompimento”, conclui o estudo divulgado hoje.91

87 Entenda o que é minério de ferro, rejeito e barragem. Disponível em: https://g1.globo.


com/economia/noticia/2019/01/30/entenda-o-que-e-minerio-de-ferro-rejeito-e-bar-
ragem.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.
88 Brumadinho: combinação entre deformações causou rompimento da barragem. Dispo-
nível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-12/brumadinho-combina-
cao-entre-deformacoes-causou-rompimento-da-barragem. Acesso em: 1 out. 2020.
89 Íntegra do relatório disponível em: http://www.b1technicalinvestigation.com. Acesso
em: 1 out. 2020. “Este site foi criado para divulgar o Relatório que apresenta os resul-
tados da avaliação da (s) causa (s) técnica (s) do rompimento da Barragem I da Mina
de Ferro do Córrego do Feijão (a ‘Investigação’) realizada por um painel de quatro
especialistas em engenharia geotécnica com especialização em barragens de água e
rejeitos: Peter K. Robertson, Ph. D. (Presidente); Lucas de Melo, Ph.D.; David Williams,
Ph.D.; e G. Ward Wilson, Ph.D. (‘o painel’). A Investigação foi encomendada pela Vale
S.A. (‘Vale’), e os painelistas e consultores do Painel foram contratados por assessores
jurídicos externos à Vale. O Relatório reflete a experiência profissional e julgamento do
Painel na revisão e avaliação dos dados relevantes solicitados e informações técnicas
para determinar a (s) causa (s) técnica (s) da falha na Barragem I. O Painel não ava-
liou questões relacionadas à potencial responsabilidade corporativa ou pessoal pela
falha. O Painel foi auxiliado em seu trabalho por vários consultores, mas as conclusões
apresentadas no Relatório refletem o julgamento profissional e são exclusivamente
atribuíveis ao Painel.” (tradução livre).
90 Brumadinho: combinação entre deformações causou rompimento da barragem. Dispo-
nível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-12/brumadinho-combina-
cao-entre-deformacoes-causou-rompimento-da-barragem. Acesso em: 1 out. 2020.
91 O relatório ainda apontou vários gatilhos que podem ter contribuído para a desestabi-
lização da barragem: “carregamento rápido, como construção ou lançamento de rejei-
Como extinguir uma golden share 343

Diante desse acidente e, da contabilização de 259 (duzentos e cin-


quenta e nove) mortos e 11 (onze) desaparecidos,92 bem como dos graves
impactos ambientais causados pelo rompimento da barragem, dias após
a tragédia, o então presidente em exercício, Hamilton Mourão, prestou a
seguinte declaração que é reproduzida em sequência:93

O presidente da República em exercício, general Hamilton


Mourão, disse no início da noite que a decisão sobre
eventual afastamento da diretoria da Vale após a tragédia
de Brumadinho é assunto do conselho de administração da
empresa.

Tem que reunir o conselho de administração”, disse Mourão,


nesta noite, sobre a discussão do eventual afastamento
da diretoria da Vale durante as investigações sobre o
rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em
Brumadinho (MG). “A ideia seria fazer por meio do conselho,
mas o presidente [Jair Bolsonaro] está fora, ele tem que
decidir isso”, completou.

[...]

Essa questão [do afastamento da diretoria da Vale] está


sendo estudada pelo grupo de crise, vamos aguardar quais
as linhas de ação que o grupo está levantando”, disse
o general antes. Questionado na ocasião se o colegiado
poderia recomendar o afastamento dos diretores durante a
investigação das responsabilidades pelo ocorrido, Mourão
disse que precisava estudar essa possibilidade. “Não tenho
essa certeza.” (grifos nossos).

No entanto, ainda que o vice-presidente tenha colocado que o ga-


binete de crise, criado pelo governo federal,94 estaria estudando a possi-

tos; carregamento cíclico rápido, como sismos ou detonações; carga por fadiga, como
detonações repetidas; descarregamento, como aumento dos níveis de água no solo
e movimentos, como dentro da fundação ou devido à presença de camadas fracas;
erosão interna e/ou ‘piping’; interação humana; perda localizada de resistência devido
ao fluxo de nascentes subterrâneas; perda de sucção e resistência em zonas não-sa-
turadas acima do nível da água; ‘creep’ (deformações específicas que se desenvolvem
com o tempo sob carga constante)”. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-
-gerais/noticia/2019/12/12/estudo-contratado-pela-vale-diz-que-barragem-em-bru-
madinho-se-rompeu-por-liquefacao.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.
92 Um ano após a tragédia da Vale, dor e luta por justiça unem famílias de 259 mor-
tos e 11 desaparecidos. Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noti-
cia/2020/01/25/um-ano-apos-tragedia-da-vale-dor-e-luta-por-justica-unem-familias-
-de-259-mortos-e-11-desaparecidos.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.
93 Governo diz que estuda eventual afastamento da diretoria da Vale. Disponível em:
https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/01/28/governo-diz-que-grupo-estuda-
-eventual-afastamento-da-diretoria-da-vale.ghtml. Acesso em: 1 out. 2020.
94 “O governo federal determinou a criação de 2 gabinetes de crise para apurar a situa-
ção, 1 político no Palácio do Planalto e outro operacional no Ministério do Meio Am-
344 Coleção Jovem Jurista 2021

bilidade de a União Federal recorrer aos poderes que lhe são conferidos,
na qualidade de acionista especial, para recomendar o afastamento95 da
diretoria da Vale em uma eventual reunião do Conselho de Administração,
tal ação não seria possível.96 Isso porque, conforme indicado na seção “A
Consulta nº 025.285.2017-3” do presente trabalho, a ação preferencial de
classe especial, detida pela União, no presente caso, não confere ao ente
da Administração a referida faculdade.

Observa-se, portanto, que pode haver um certo equívoco na compre-


ensão da dinâmica das golden shares, na medida em que esse tipo de ação
pode ser entendido, pelos próprios agentes públicos, como uma “carta
branca” para que a Administração Pública possa intervir, a qualquer mo-
mento, na gerência da companhia.

Já o segundo caso, em que houve certa pressão pública para que a


União Federal exercesse o seu poder de veto, foi aquele referente à opera-
ção societária que seria realizada entre a Embraer e a Boeing.

O início das tratativas para a efetivação de tal transação comercial foi


anunciado em 21.12.201797 pelas duas companhias, e as bases sob as quais
a operação se desenvolveria foram divulgadas ao mercado em 05.07.2018,
pelo fato relevante emitido pela Embraer.98 Referido comunicado, que re-
fletia os termos do memorando de entendimentos firmado pelas Compa-

biente. [...] Os ministérios que farão parte do gabinete de crise são: Meio Ambiente,
Minas e Energia, Desenvolvimento Regional e Defesa.” Disponível em: https://www.
poder360.com.br/governo/bolsonaro-cria-gabinete-de-crise-e-deve-visitar-brumadi-
nho-neste-sabado/. Acesso em: 28 nov. 2020.
95 Vice-presidente diz que não sabe se governo pode recomendar afastamento durante
investigações do desastre de Brumadinho, mas avalia a questão. Disponível em: ht-
tps://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,gabinete-de-crise-estuda-afastar-diretoria-
-da-vale-diz-mourao,70002697626. Acesso em: 28 nov. 2020.
96 Dias depois, o Ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni destacou: a “golden share não
permite interferência na gestão da Vale” [...] “não há condição de haver qualquer grau
de intervenção até porque essa não seria uma sinalização desejada ao mercado”.
Disponível em: https://www.infomoney.com.br/negocios/governo-tem-poder-para-
-mudar-direcao-da-vale-entenda-como-funciona-a-golden-share/. Acesso em: 1o out.
2020.
97 Fato relevante de 21.12.2017 emitido pela Embraer.“A Embraer S.A., em cumprimento
à Instrução CVM no 358 de 3 de janeiro de 2002 e alterações posteriores, informa aos
seus acionistas e ao mercado em geral que divulgou conjuntamente com a Boeing o
comunicado abaixo (“Comunicado”).“CHICAGO & SAO PAULO, 21 de dezembro de
2017 – Boeing (NYSE: BA) e Embraer S.A. (B3: BOVESPA: EMBR3, NYSE: ERJ) confir-
maram hoje que as duas companhias encontram-se em tratativas em relação a uma
potencial combinação de seus negócios, em bases que ainda estão sendo discutidas.
Não há garantia de que qualquer transação resultará dessas discussões. Boeing e Em-
braer não pretendem fazer comentários adicionais sobre essas discussões. Qualquer
transação estará sujeita à aprovação do Governo Brasileiro e dos órgãos reguladores,
dos conselhos de administração das duas companhias e dos acionistas da Embraer”.
Disponível em: https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyP-
cmLw==. Acesso em: 1 out. 2020.
98 Fato relevante de 05.07.2018 emitido pela Embraer – Disponível em: https://ri.em-
braer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==. Acesso em: 1o out.
2020.
Como extinguir uma golden share 345

nhias, naquele mesmo dia, foi dividido nas seguintes seções: (i) panorama
geral; (ii) termos financeiros; (iii) governança da nova sociedade; (iv) do-
cumentos definitivos e aprovações necessárias; e, (v) outras informações
relevantes.

Segundo esse documento, seria constituída uma joint venture,99 na


forma de uma sociedade anônima de capital fechado, que exploraria o se-
tor de aviação comercial anteriormente operado pela Embraer. Essa nova
sociedade seria de propriedade exclusiva de ambas as Companhias, na
qual, 80% (oitenta por cento) das ações seriam de titularidade da Boeing,
e 20% (vinte por cento) das ações, de propriedade da Embraer. Nos ter-
mos do fato relevante, não faria parte do objeto social dessa nova joint
venture: “os negócios referentes a defesa & segurança e a jatos executivos,
dentre outros”.100

Diante dessa cisão das operações atualmente desempenhadas pela


Embraer, a referida Companhia permaneceria existindo e operando e, em
cumprimento às atuais disposições de seu estatuto social, a União conti-
nuaria sendo detentora da ação preferencial de classe especial prevista
no capital social da companhia. O comunicado ainda foi claro no sentido
de que a operação dependia da: “(i) aprovação pela União; (ii) aprovação
pelos órgãos societários competentes de ambas as partes envolvidas na
operação; e, (iii) aprovação das autoridades regulatórias competentes”.

Em sequência, em 17.12.2018, o Conselho de Administração da Em-


braer aprovou o desenvolvimento das tratativas entre a Companhia e a
Boeing, nos seguintes termos, de acordo com o fato relevante emitido:

(i) Aprovou, em princípio, sujeito à autorização da União


na forma do item (ii) abaixo e às demais condições adiante
referidas, e, em continuidade às negociações objeto de
fatos relevantes anteriores, a parceria estratégica entre a
Embraer e The Boeing Co. (“Boeing”), que compreende (a
“Operação”):

(a) a segregação e transferência, pela Embraer, dos ativos,


passivos, bens, direitos e obrigações referentes à unidade
de negócio de aviação comercial para uma companhia
99 “Refere-se a um tipo de associação em que duas entidades se juntam para tirar pro-
veito de alguma atividade, por um tempo limitado, sem que cada uma delas perca a
identidade própria”. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?op-
tion=com_content&id=2110:catid=28&Itemid=23. Acesso em: 1o out. 2020.
100 Fato relevante de 05.07.2018 emitido pela Embraer – “A Operação implicará a trans-
ferência, pela Companhia para a Nova Sociedade, dos negócios de aviação comercial
atualmente desenvolvidos pela Companhia (ativos e passivos), bem como das opera-
ções, serviços e a capacidade de engenharia correlatos. Por outro lado, a Companhia
reterá os negócios referentes a defesa & segurança e jatos executivos, bem como as
operações, serviços e a capacidade de engenharia correlatos”. Disponível em: https://
ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==. Acesso em: 1
out. 2020.
346 Coleção Jovem Jurista 2021

fechada brasileira, a qual passará a desenvolver os negócios


e serviços de aviação comercial, atualmente desenvolvidos
pela Embraer (“Nova Sociedade” ou “JV Aviação Comercial”);

(b) para implementar a segregação descrita acima, uma


subsidiária da Boeing no Brasil (“Boeing Brasil”) irá adquirir
e subscrever ações representativas de 80% do capital social
da Nova Sociedade, de forma que a Embraer e a Boeing
Brasil passem a ser titulares, respectivamente, de 20% e 80%
do capital social total e votante;

(c) a celebração, pela Embraer, Boeing e/ou pela Nova


Sociedade, conforme o caso, de contratos operacionais de
longo prazo que regulem, dentre outros aspectos, a prestação
de serviços gerais e de engenharia, uso de informações,
pesquisa e desenvolvimento, uso e acesso de determinados
estabelecimentos, fornecimento de determinados produtos e
componentes, e ainda um acordo para maximizar potenciais
oportunidades na cadeia de suprimentos; e

(d) a formação, como parte da Operação, em adição à JV


Aviação Comercial, de outra joint venture, entre Embraer
e Boeing, para a promoção e desenvolvimento de novos
mercados e aplicações para o avião multimissão KC-390,
a partir de oportunidades identificadas em conjunto, e
desenvolvimento, fabricação e vendas do KC-390 (“JV KC-
390”), que terá a Embraer como controladora.

(ii) Autorizou o envio de notificação solicitando a aprovação


prévia da Operação pela União, em razão da titularidade da
ação ordinária de classe especial de emissão da Embraer
(golden share), nos termos do Art. 9o do Estatuto Social da
Companhia. (grifos nossos)

Referida condição suspensiva para a efetivação do empreendimen-


to, qual seja, a necessidade de obtenção de prévia autorização da União
Federal, foi superada em 10.01.2019, quando o ente público se posicionou
favoravelmente à aprovação da parceria comercial.101

Diante desse fato, foi celebrado, entre os players, um Master Transac-


tion Agreement (Acordo Global da Operação), com o propósito de esta-
belecer os termos e condições da referida operação societária, o que foi

101 Fato relevante de 10.01.2019 emitido pela Embraer – “Embraer S.A. (‘Companhia’ ou
‘Embraer’), em complemento ao Fato Relevante divulgado pela Companhia em 17 de
dezembro de 2018 (‘Fato Relevante’), vem comunicar que, nesta data, a União ma-
nifestou-se favoravelmente à aprovação da parceria estratégica entre a Embraer e
The Boeing Co., nos termos divulgados pelo Fato Relevante (a ‘Operação’)”. Dispo-
nível em: https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==.
Acesso em: 1 out. 2020.
Como extinguir uma golden share 347

efetivado em 24.01.2019.102 Em sequência, em 26.02.2019, o Conselho de


Administração da Companhia aprovou, com 96,8% dos votos válidos, a
efetivação da aludida transação comercial.103

Já em 01.01.2020, com o propósito de dar continuidade aos procedi-


mentos necessários à efetivação da operação comercial, a Embraer efe-
tivou a segregação interna do setor de aviação comercial, “por meio da
contribuição, pela Embraer, ao capital social da Yaborã Indústria Aeronáu-
tica S.A., do acervo líquido composto por ativos, passivos, bens, direitos
e obrigações referentes à unidade de negócio de aviação comercial da
Embraer”.104

No entanto, em 25.04.2020, a Boeing notificou a Embraer sua opção


pela rescisão do Acordo Global da Operação em razão da ocorrência de
um alegado descumprimento por parte da companhia brasileira. Nas pala-
vras do comunicado enviado ao mercado:105

A Embraer S.A. (“Embraer” – EMBR3 e ERJ), em atendimento


ao disposto na Instrução CVM 358/02 e no âmbito da
parceria estratégica entre a Embraer e The Boeing Company
(“Boeing” e a referida parceria, a “Operação”), informa a seus
acionistas e ao mercado que recebeu nesta data notificação
enviada pela Boeing, comunicando a sua decisão de

102 Fato relevante de 24.01.2019 emitido pela Embraer – “Embraer S.A. (“Companhia” ou
“Embraer”), em complemento aos Fatos Relevantes divulgados pela Companhia em
17 de dezembro de 2018, 10 e 11 de janeiro de 2019, vem comunicar que, nesta data,
a Embraer e The Boeing Company celebraram o Master Transaction Agreement, o
qual contém os termos e condições para implementação da parceria estratégica no
âmbito da aviação comercial e o Contribution Agreement, o qual contém os termos e
condições para criação de joint venture para promoção e desenvolvimento de novos
mercados e aplicações para o avião multimissão KC-390 (‘Operação’)”. Disponível em:
https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==. Acesso
em: 1 out. 2020.
103 Fato relevante de 26.02.2019 emitido pela Embraer – “Embraer S.A. (‘Companhia’) in-
forma que, nesta data, a Assembleia Geral Extraordinária da Companhia aprovou, com
96,8% dos votos válidos, a parceria estratégica com a The Boeing Company, na forma
Proposta da Administração divulgada em 24 de janeiro de 2019 (‘Operação’)”. Dispo-
nível em: https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==.
Acesso em: 1 out. 2020.
104 Fato relevante de 01.01.2020 emitido pela Embraer – “Dando continuidade ao Fato
Relevante divulgado em 24 de janeiro de 2019, por intermédio do qual a Embraer S.A.
(‘Companhia’ ou ‘Embraer’) divulgou a celebração de determinados contratos com
relação à parceria estratégica entre a Companhia e The Boeing Company (‘Boeing’)
(‘Operação’), bem como ao Fato Relevante divulgado em 3 de outubro de 2019, a
Companhia informa a seus acionistas e ao mercado que, na presente data, foi imple-
mentada a segregação interna do negócio de aviação comercial da Companhia, por
meio da contribuição, pela Embraer, ao capital social da Yaborã Indústria Aeronáuti-
ca S.A., do acervo líquido composto por ativos, passivos, bens, direitos e obrigações
referentes à unidade de negócio de aviação comercial da Embraer”. Disponível em:
https://ri.embraer.com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==. Acesso
em: 1 out. 2020.
105 Fato relevante de 25.04.2020 emitido pela Embraer. Disponível em: https://ri.embraer.
com.br/list.aspx?IdCanal=PXlq+a4Z+bixVnURyPcmLw==. Acesso em: 1 out. 2020.
348 Coleção Jovem Jurista 2021

rescindir o Acordo Global da Operação (Master Transaction


Agreement) (“MTA”), sob a alegação de que a Embraer
supostamente não teria atendido determinadas condições
constantes do MTA.

A Embraer acredita firmemente que a Boeing rescindiu


indevidamente o MTA, tendo criado falsas alegações
como pretexto para se furtar a sua obrigação de concluir a
Operação e pagar o preço de compra de US$ 4,2 bilhões
à Embraer. A Embraer entende que a Boeing adotou um
padrão sistemático de atrasar e violar o MTA em razão da
sua intenção de não concluir a Operação, por força da sua
própria situação financeira, das questões envolvendo o 737
MAX e de seus problemas reputacionais.

A Embraer entende que cumpriu todas as suas obrigações


contratuais previstas no MTA e buscará todas as medidas
cabíveis contra a Boeing como reparação dos danos sofridos
pela Embraer em razão da rescisão indevida e das violações
do MTA pela Boeing.

Diante da alegação de que não foi praticado qualquer ato em contrá-


rio ao Master Transaction Agreement, por parte da Embraer, a Companhia
iniciou um procedimento arbitral em face da Boeing.

Quanto a esse caso, ainda que a operação societária não tenha sido
efetivada, por questões aparentemente mercadológicas, a União, nos ter-
mos art. 9º, inciso I, do Estatuto Social da Embraer,106 poderia ter, desde
que de maneira fundamentada, recorrido às prerrogativas que a golden
share lhe confere, com o objetivo de vetar a união de ambas as empresas.

Contudo, naquele momento, a Administração Pública optou por não


transmutar a decisão tomada pelos demais órgãos e acionistas da Com-
panhia.107 Este comportamento indica que, na perspectiva de tal acionista,

106 Estatuto Social da Embraer: “Art. 9o – A ação ordinária de classe especial confere à
União poder de veto nas seguintes matérias: I. Mudança de denominação da Compa-
nhia ou de seu objeto social [...]”.
107 Essa opção administrativa, no entanto, foi questionada judicialmente, por meio da
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (“ADPF”) no 627-DF, com pedido
de medida cautelar, proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (“PDT”) em face
de, nos termos da inicial apresentada, “ato do Poder Público causador da lesão, a
permissão da União Federal na transferência do controle acionário da EMBRAER S/A
para a BOEING, ao não utilizar o poder de veto da golden share na Assembleia Geral
Extraordinária de acionistas da EMBRAER S/A.”. Para embasar o pleito elaborado no
âmbito desta ação judicial, o partido político mencionado sustenta que a União Fede-
ral teria violado os preceitos fundamentais: (i) da soberania (arts. 1o, inciso I; e 170, in-
ciso I, da CRFB/88) e da independência nacional (art. 4o, inciso I, da CRFB/88); (ii) do
desenvolvimento nacional, científico e tecnológico (arts. 3o, inciso II; e 219 e seguintes
da CRFB/88); (iii) do incentivo à autonomia tecnológica do país e, também, (iv) dos
valores sociais do trabalho e da busca do pleno emprego (arts. 1o, inciso IV; e 170,
caput e inciso VIII da CRFB/88), ao se abster de vetar a concretização desta operação.
Como extinguir uma golden share 349

a constituição de uma joint venture, entre a Embraer e a Boeing, para de-


senvolvimento do setor de aviação comercial, não seria capaz de atentar
contra o interesse público que justificou, anos atrás, a própria previsão da
golden share no capital social da Companhia.108

Diante de tais eventos, é possível extrair que, a previsão das ações


preferenciais de classe especial, em companhias federais objeto de deses-
tatização, no contexto atual: (i) parece não ser plenamente compreendida,
como pode ser observado no caso da Vale, uma vez que alguns agentes
acabam por ampliar a sistemática do instrumento, equiparando-o à pos-
sibilidade de ingerência irrestrita nas deliberações gerenciais das compa-
nhias; e, (ii) jamais tiveram suas prerrogativas postas em prática, por uma
opção de seu titular, conforme pode ser extraído da inércia da União dian-
te da operação societária que seria realizada entre a Embraer e a Boeing.

III. COMO EXTINGUIR UMA GOLDEN SHARE DA


COMPOSIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL DE UMA EMPRESA
DESESTATIZADA?

A ausência do exercício dos direitos conferidos pelas golden shares, por


parte do Poder Público, reflete, para além de uma opção administrativa,
uma verdadeira superação das hipóteses de “imperativo de segurança na-
cional” e de “relevante interesse coletivo”, que outrora ensejaram a emis-
são dessas ações pelas referidas companhias. Isso porque a maioria das
golden shares instituídas em benefício do ente desestatizante foram emi-
tidas em um contexto histórico que não possui mais aderência ao cenário
econômico e jurídico atual.

Segundo o autor da ação, o fato de o ente público ser titular de uma Golden Shares
imporia ao Estado o dever de exercer tais prerrogativas conferidas ao título sempre
que uma das matérias elencadas pelo estatuto social como passíveis de veto estivesse
em votação. Haveria, portanto, uma presunção de que todas as deliberações atinentes
àquelas matérias seriam contrárias ao interesse público que ensejou a emissão dessa
ação especial cenário este que, demandaria a intervenção do Poder Público na quali-
dade de veto player – “os atores individuais ou coletivos cuja concordância é necessá-
ria para uma mudança do status quo.” (TSEBELIS, 2002). Diante do prosseguimento
do feito, em 21.10.2019 a EMBRAER requereu seu ingresso no processo na condição
de amicus curiae e acostou aos autos parecer elaborado pelos professores da FGV
DIREITO SP, André Rosilho e Carlos Ari Sundfeld, em que estes sustentam que o poder
de veto é uma faculdade conferida ao ente público titular da ação sujeito, portanto, à
discricionariedade – composto pelo binômio conveniência e oportunidade – do Poder
Executivo. Não foi proferida qualquer decisão de mérito no processo, que perdeu seu
objeto em decorrência da desistência da operação.
108 Pontua-se, aqui que esse “silêncio” estatal pode ser entendido como eloquente, na
medida em que indica que, mantidas as mesmas condições para o desenvolvimento
da área de aviação militar explorado pela Embraer, e mantidas as prerrogativas da
golden share, as demais operações travadas pela Embraer podem ser efetivadas sem
obstáculos. Ou, por outro lado, essa abstenção pode representar apenas uma opção
pela manutenção das deliberações da companhia nas mãos de seus acionistas e ór-
gãos societários.
350 Coleção Jovem Jurista 2021

Desse modo, as ações preferenciais de classe especial detidas pela


União Federal e presentes no capital social da Vale e do IRB Brasil – RE não
têm mais um fundamento jurídico de validade à luz do disposto no art. 173,
caput, da Constituição Federal.109

Especificamente, com relação à Vale, o desenvolvimento de um mer-


cado de capitais hígido e a grande dispersão acionária110 experimentada
pela companhia fizeram com que esse justo receio anteriormente apre-
sentado, de que o deslocamento do centro decisório da sociedade traria
efeitos deletérios para as atividades desenvolvidas, fosse superado.

No caso do IRB Brasil-RE, deve-se relembrar que o processo de priva-


tização da companhia levou cerca de 13 (treze) anos para ser concluído.111
Desse modo, o próprio cenário em que a operação foi inicialmente ideali-
zada e aquele em que a efetiva alienação do controle da empresa ocorreu,
eram distintos.112

Em linhas gerais, inicialmente o setor de resseguros no Brasil era mar-


cado por um monopólio legal, diante o qual, cabia ao IRB – Instituto de
Resseguros do Brasil – efetuar todas as operações de resseguro e retro-
cessão em benefício das seguradoras do país. Nessa configuração, cabia à
entidade, ainda, a própria regulação do serviço.113

No entanto, com a Emenda Constitucional nº 13/96, o art. 192, inciso II,


da Constituição Federal passou pela seguinte modificação:

Redação original da CRFB/88

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma

109 A golden share prevista no capital social da Embraer pode, em alguma medida e den-
tro de alguns contextos específicos, ser justificada até os dias de hoje, em razão do
segmento de aviação militar explorado pela companhia. Fundamento este que permi-
te até mesmo, a intervenção direta do Estado na economia, sem que maiores questio-
namentos sejam suscitados. Nesse sentido, Cyrino (2015) destaca: “Segundo Marçal
Justen Filho, a segurança nacional consiste no “conjunto de condições necessárias e
indispensáveis à existência e manutenção da soberania nacional e ao funcionamento
das instituições democráticas. Pode-se dizer que esse é o seu sentido essencial, o qual
se relaciona ao próprio funcionamento e garantia da soberania estatal diante de riscos
de conflitos externos ou insurreições internas. Não se trata, é importante frisar, de
um conceito etéreo e autoritário de segurança nacional como o utilizado no período
militar brasileiro. Aqui há mais objetividade. O seu sentido é mais estreito, voltando-se
para uma preocupação com segurança sobre o território brasileiro”.
110 Composição Acionária da Vale S.A. Disponível em: http://www.vale.com/brasil/PT/
investors/company/shareholding-structure/Paginas/default.aspx. Acesso em: 20 out.
2020.
111 Depois de 13 anos, privatização do IRB-Brasil será concluído. Fonte: https://exame.
abril.com.br/economia/depois-de-13-anos-privatizacao-do-irb-brasil-sera-concluido/.
Acesso em: 20 out. 2020.
112 Deve-se destacar, no entanto, que a previsão de uma ação preferencial de classe es-
pecial, no capital social do IRB Brasil-RE só foi estabelecida no segundo edital de
alienação do controle da companhia.
113 Decreto-Lei no 1.186/39 – “Art. 3o. O Instituto tem por objeto regular os resseguros no
país e desenvolver as operações de seguros em geral”.
Como extinguir uma golden share 351

a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a


servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei
complementar, que disporá, inclusive, sobre:

II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de


seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão
oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador.

Redação dada pela EC nº. 13/96

“Art. 192 ..........................................

..........................................

II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de


seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do
órgão oficial fiscalizador”. (grifos nossos)

Com tal alteração no texto constitucional, passou-se a sustentar, por-


tanto, que o monopólio legal anteriormente previsto teria sido superado
e que, dessa forma, o mercado de resseguros estaria aberto à concor-
rência. Nesse contexto, cabe ao IRB o papel de mero player do mercado
e, à Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, na forma da Lei nº
9.932/99,114 a regulação do setor.115

Contudo, a constitucionalidade dessa lei foi questionada no âmbito


da ADI nº 2.223, e o Supremo Tribunal Federal, decidiu pela: (i) suspensão
do processo de privatização; (ii) inconstitucionalidade da norma; e (iii) ne-
cessidade de edição de uma lei complementar para que a referida transfe-
rência de competências e consequente alienação de ativos fosse possível.

Assim, apenas com a Lei Complementar nº 126/07116 o IRB passou a


desempenhar o papel de mera empresa estatal117 e, somente em 2013, o
BNDES lançou um novo edital de desestatização, com a previsão de uma
golden share no capital social da companhia, a ser titularizada pela União.

114 Lei no 9.932/99 – “Dispõe sobre a transferência de atribuições da IRB-Brasil Ressegu-


ros S.A. – IRB-BRASIL Re para a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, e dá
outras providências”.
115 Lei no 9.932/99 – “Art. 1o. As funções regulatórias e de fiscalização atribuídas à IRB-
-Brasil Resseguros S.A. – IRB-BRASIL Re pelo Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de
1966, incluindo a competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas
pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP”. (Vide ADIN 2.223-7, de 2000).
116 Lei Complementar no 126/07 – “Dispõe sobre a política de resseguro, retrocessão e
sua intermediação, as operações de co-seguro [sic], as contratações de seguro no ex-
terior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário; altera o Decreto-Lei
no 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990; e dá outras
providências”.
117 Lei Complementar no 126/07 – “Art. 2o. A regulação das operações de co-seguro [sic],
resseguro, retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de se-
guros, conforme definido em lei, observadas as disposições desta Lei Complementar”.
352 Coleção Jovem Jurista 2021

A opção por tal arranjo, para a concretização do processo de privati-


zação da companhia, se deu, portanto, após um contexto de instabilidade
e diante de um novo cenário, marcado pelo receio de que, com o ingresso
de novos agentes no mercado de resseguros, este setor, agora regulado
por uma nova entidade, não fosse suficientemente disciplinado. Esta hi-
pótese poderia submeter todo o sistema financeiro a um possível risco
sistêmico, logo após uma das maiores crises econômicas já vivenciadas.

Ademais, de acordo com as informações disponíveis sobre o referido


procedimento, era do interesse da União direcionar as atividades da com-
panhia para que houvesse o desenvolvimento de iniciativas estratégicas
no país. Nesse sentido, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES),
ao acompanhar o processo de desestatização do IRB emitiu uma nota téc-
nica em que assim justificou essa classe de ações:118

Uma das notas técnicas emitidas pelo BNDES contém


informação sobre afirmativa do Ministério da Fazenda no
sentido de que não era de interesse público que a União
deixasse de ter papel relevante no mercado ressegurador
e que o setor era considerado estratégico pelo Estado, o
que motivaria a sua permanência nos órgãos de governança
do IRB, em conjunto com os atores privados, participando
da elaboração e condução do planejamento da empresa,
especialmente quanto a projetos estratégicos para o País.
Assim, estaria justificada a subscrição da ação de classe
especial. (grifos nossos)

No entanto, esse risco que, em 2013, poderia ser enquadrado como


uma razão de “interesse público” apta a justificar a emissão da golden sha-
re, foi superado. Isso porque, com o desenvolvimento de suas atividades, a
SUSEP mostrou-se capaz de regular esse mercado sem que ao longo dos
últimos anos se tenha notícias de qualquer instabilidade no fornecimento
deste tipo de serviço.

Portanto, a ação preferencial de classe especial presente no capital


do IRB Brasil-RE também deve ser excluída, em decorrência dessa ne-
cessária revisitação das razões de “interesse público” que ensejaram sua
emissão há alguns anos.

Desse modo, pode-se concluir, que não se está mais diante de uma
nova forma de atuação estatal – regulação – desconhecida, e sobre a qual
não se tem a certeza de sua concreta efetividade. Há, atualmente, um
vasto arcabouço regulatório desenvolvido não só em torno dos setores
econômicos, mas também em torno das próprias golden shares que não
existiam anteriormente.

118 Informação extraída do relatório da Consulta no: 025.285.2017-3, em trâmite perante


o Tribunal de Contas da União.
Como extinguir uma golden share 353

Para além disso, o constante recurso à consensualidade nas relações


travadas entre o Poder Público e os agentes privados pode indicar, até
mesmo, uma superação por completo do instituto que passaria, desse
modo, a ser ultrapassado e obsoleto, na medida em que outros instru-
mentos – menos interventivos – são capazes de gerar o mesmo resultado
almejado.119

Dessa forma, mostra-se necessário o debate sobre a possibilidade de


extinção dessas ações para que haja o estrito cumprimento do texto cons-
titucional pela saída, por completo, do Estado do quadro de acionistas de
tais sociedades.

Paralelo necessário: a extinção das golden shares europeias

A discussão sobre a extinção das golden shares não é uma exclusividade


brasileira. No entanto, o debate acerca da possibilidade de exclusão dessa
classe de ações do capital social das companhias, a critério de seu próprio
titular, sim. Isso porque, nos demais países, a previsão de tais ações foi
revista, por determinação do Poder Judiciário, em razão de sua inconstitu-
cionalidade ou ilegalidade.

Esse foi o caso de diversas golden shares emitidas por empresas situ-
adas na Europa que, segundo a Corte de Justiça da Comunidade Europeia
(CJCE), violavam a Constituição Europeia e, portanto, as previsões que
regem o Mercado Comum Europeu.

Segundo Pela (2012), tais ações passaram a ser questionadas, em


1997, em virtude da edição de um comunicado, pela Comissão da Comu-
nidade Europeia, que dispõe sobre “certos aspectos legais relativos aos
investimentos intra-UE (União Europeia)”.120

Em linhas gerais, referido comunicado foi elaborado em decorrência


da edição de leis, pelos Estados-membros, sobre a troca de controle acio-
nário e a regulação de companhias privadas, e, ainda, em razão da imple-
mentação de programas de privatização por esses entes. Diante desse ce-
nário, na perspectiva da Comissão Europeia, poderia haver problemas de
incompatibilidade entre essas medidas e as regras que disciplinam a União
Europeia, principalmente “com os arts. 73b e 52 do Tratado [de Roma,

119 “Para Rafael Schwind, a ‘golden share’ acabou se transformando num instrumento ‘um
pouco obsoleto’ devido à evolução da regulação de mercado no país, com a criação
de agências e a consolidação de um marco regulatório.” “Muito do que a ‘golden share’
se propõe a fazer, pode ser implementado por meio de outros mecanismos”, sustenta
o especialista. “Tudo que ela pode prever, pode ser incluído num acordo de acionis-
tas.” Raridade no país, golden share dá lugar a acordos. Disponível em: https://valor.
globo.com/empresas/coluna/raridade-no-pais-golden-share-da-lugar-a-acordos.ght-
ml. Acesso em: 20 out. 2020.
120 Íntegra do comunicado disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/
TXT/?uri=CELEX%3A31997Y0719%2803%29. Acesso em: 1 nov. 2020.
354 Coleção Jovem Jurista 2021

com a redação dada pelo Tratado de Maastricht] relativo à liberdade de


circulação do capital e ao direito de estabelecimento, que inviabilizam o
funcionamento do mercado único”.121

Desse modo, este documento teve como objetivo principal indicar às


autoridades internas como os princípios da livre circulação de capitais e da
liberdade de estabelecimento deveriam ser interpretados, quando da for-
mulação dos atos normativos pelos Estados-membros. Para além disso, o
comunicado ainda assinalou que, mesmo que tais princípios sejam funda-
mentais para a estruturação do mercado comum, estes podem ser limita-
dos, em benefício da promoção de outros objetivos, como a concretização
de uma determinada política pública, ou, a tutela da segurança pública.

Nesse sentido, Pela (2012) pontua que as seguintes restrições são


aceitas, à luz da Constituição Europeia, de acordo com o comunicado em
questão:

Para as chamadas “restrições discriminatórias” – i.e.


dirigidas apenas a outros membros da União Europeia – tais
circunstâncias estão presentes se a restrição em análise: (i)
for aplicável a atividades em que há exercício de autoridade
pública pelo Estado-membro que a impôs; ou (ii) estiver
relacionada a políticas públicas, segurança ou saúde pública;
e (iii) constituir uma medida adequada e necessária para
assegurar a proteção dos interesses públicos, de forma
que não haja outro mecanismo capaz de atingir os mesmos
resultados com menor limitação aos princípios da liberdade
de circulação de capitais e liberdade de estabelecimento.
Além disso, para a Comissão, as restrições não devem ser
interpretadas extensivamente e não podem ser justificadas
somente por razões econômicas.

Já as chamadas “restrições não discriminatórias” –


entendidas como tais as endereçadas indistintamente aos
nacionais do Estado-membro que a impôs e aos demais
Estados-membros – podem ser admitidas se (i) realmente
forem aplicadas de forma não discriminatória, e não apenas
previstas como tais; (ii) fundarem-se em razões de interesse
geral; (iii) representarem medida adequada ao alcance do
objetivo por elas visado; e (iv) não excederem o que seria
necessário para atingir esse objetivo.

121 Quanto aos supostos artigos, que poderiam ser violados pelos legisladores nacionais,
o art. 73b estabelece que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capi-
tais entre Estados-Membros” e, o art. 52 dispõe que “as restrições à liberdade de esta-
belecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Mem-
bro são abolidas [...] a liberdade de estabelecimento inclui o direito de constituição e
gestão de empresas, nas condições previstas para os seus próprios nacionais”.
Como extinguir uma golden share 355

Para além dessas hipóteses, a nota ainda indica que estas limitações
devem ser submetidas ao exame da proporcionalidade, nos moldes da ju-
risprudência da Corte Europeia.

Diante desse arcabouço interpretativo fixado pela Comissão, especi-


ficamente com relação ao exercício do poder de veto sobre a deliberação
das companhias – uma das prerrogativas conferidas às golden shares –,
esta fixou que o gozo de tal prerrogativa é admitida quando: “for aplicado
de uma forma não discriminatória,122 for justificado por requisitos impera-
tivos de interesse geral; for adequado para garantir o objetivo que perse-
guem; e, não for além do necessário para alcançá-lo”.123

Assim, após a referida manifestação pela Comissão da Comunidade


Europeia e até 2017, segundo Fidalgo (2017), a CJCE analisou a emissão,
bem como as prerrogativas conferidas a pelo menos 11 (onze)124 golden
shares, nos seguintes países:125 Itália (Caso C-58/99 e C-174/04), Portu-
gal (Casos C-367/98 e C-171/08), França (Caso C-483/99), Espanha (Caso
C-463/00), Holanda (Casos C-282/04 e C-283/04), Reino Unido (Caso
C-98/01), Alemanha (Caso C-112/05) e Bélgica (Caso C-503-99).

Segundo Schwind (2017), a Corte de Justiça da Comunidade Euro-


peia, para além de analisar a efetiva observância dos princípios da livre
circulação de capitais e da liberdade de estabelecimento ainda examinou
os seguintes pontos de tensão:

Suposto caráter discriminatório dos poderes assegurados

122 Com relação às medidas não restritivas (aquelas aplicadas a cidadãos nacionais e ou-
tros investidores da UE), o comunicado indica que elas “são permitidas na medida em
que se baseiem num conjunto de critérios objetivos e estáveis, tornados públicos e
justificados por requisitos imperativos de interesse geral. Em todos os casos, o princí-
pio da proporcionalidade deve ser respeitado”. (tradução livre).
123 “No que diz respeito aos direitos conferidos às autoridades nacionais de vetar certas
decisões das sociedades, importante destacar que o próprio conceito de investimento
direto, tal como indicado na Diretiva 88/361/CEE, abrange ‘todos os tipos de inves-
timentos [...] que servem para estabelecer ou manter vínculos duradouros e diretos
entre o cedente do capital e a empresa à qual o capital é disponibilizado para o exer-
cício de uma atividade económica. Este conceito deve, portanto, ser compreendido
em seu sentido mais amplo [...]. No que se refere ao estatuto das sociedades por
quotas, existe participação sob a forma de investimento direto quando o bloco de
ações detido por uma pessoa permite ao acionista participar efetivamente na gestão
da sociedade ou no seu controle’. O Tribunal de Justiça tem afirmado repetidamente
que as medidas nacionais susceptíveis, como é o caso do direito de veto em causa, a
dificultar ou tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas
pelo Tratado devem preencher quatro condições: devem ser aplicadas de forma não
discriminatória; devem ser justificados por requisitos imperativos de interesse geral;
devem ser adequados para garantir a realização do objetivo que perseguem; e não
devem ir além do necessário para alcançá-lo” (tradução livre).
124 Segundo Pela (2012), novos processos podem ser instaurados nos próximos anos, ten-
do em vista que, em um levantamento realizado pela Comissão Europeia, 141 compa-
nhias europeias apresentavam golden shares.
125 “Tais processos foram instaurados a partir das informações fornecidas pelos Esta-
dos-membros à Comissão Europeia, em resposta ao ‘questionário sobre investimento
intracomunitário’ a eles endereçado em 1997”. (FIDALGO, 2017).
356 Coleção Jovem Jurista 2021

pelas golden shares (discriminação aqui compreendida


como previsão de restrições em virtude da nacionalidade
das empresas, o que era contrário aos propósitos de
integração comunitária), mas também a própria necessidade
e utilidade das prerrogativas estabelecidas em cada caso
(com fundamentos similares à violação dos postulados da
razoabilidade e da proporcionalidade). (grifos nossos).

De acordo com Fidalgo (2017), na maioria dos casos indicados,126 a


CJCE adotou o posicionamento de que as aludidas golden shares eram
excessivamente restritivas ao princípio da livre circulação de capitais, uma
vez que reduziam a atração de investimentos, e, ainda, limitavam o exercí-
cio das atividades gerenciais das companhias pelos acionistas controlado-
res, em decorrência do poder de veto do Estado, ou, ainda, da necessidade
de prévia autorização do ente público para a concretização de determina-
das operações.

Assim, ao apreciar os referidos processos à luz da orientação emitida


pela Comissão da Comunidade Europeia, a Corte Europeia indicou que
as golden shares são admitidas, no âmbito dos estados que compõem o
mercado comum, se

puderem ser justificadas por motivos específicos ou por


requisitos imperativos de interesse geral que sejam (a) não
discriminatórios, (b) não discricionários e (c) que observem
o princípio da proporcionalidade.127
126 Segundo a autora, apenas em um desses casos, C-503/99, a Corte de Justiça Euro-
peia não se posicionou pela necessidade de exclusão da aludida golden share: “Até o
momento, dos julgamentos da Corte de Justiça Europeia sobre golden shares, apenas
em um desses casos – C-503/99 – foi reconhecida a compatibilidade desse instrumen-
to com os princípios da Constituição Europeia. Trata-se do caso envolvendo golden
shares titularizados pelo Governo Belga na Societé de Distribution du Gaz S.A. – Dis-
trigaz e na Societé Nacional de Transport par Canalisations – SNTC, conferindo-lhe
(i) direito de ser notificado sobre qualquer transferência, alienação ou uso de bens
estratégicos dessas companhias; (ii) o direito de apontar dois membros do conselho
de administração; (iii) o direito de anular, a posteriori e em observância a um procedi-
mento específico, decisões do conselho de afetassem o interesse nacional no setor de
energia”. Cabe pontuar, que os direitos conferidos a esta golden share se aproximam
das prerrogativas usualmente asseguradas às ações preferenciais de classe especial
brasileiras.
127 KUZNETSOV, 2005. Nesse sentido, de forma mais didática, Fidalgo (2017) indica que
a CJCE admite a emissão de golden shares desde que as restrições à liberdade de
circulação de capitais e à liberdade de empresa: “(i) não sejam discriminatórias; (ii)
sejam justificadas em imperativos de interesse público; (iii) sejam estabelecidos crité-
rios claros, objetivos e públicos para o uso dos poderes atribuídos pelas golden shares;
(iv) sejam adequadas para atingir o objetivo para o qual foram criadas; e (v) não sejam
mais gravosas do que o estritamente necessário para esse fim. A Corte Europeia im-
põe, dessa forma, a observância aos princípios da proporcionalidade, da isonomia e
da segurança jurídica (‘não discricionariedade’). [...] Depreende-se, então, pelo menos
dois subparâmetros em adição àqueles já mencionados acima: (i) o poder de veto
associado à titularidade da golden share não pode se estender a todo e qualquer tipo
de decisão da sociedade, mas tão somente àquelas matérias relacionadas diretamen-
te com o interesse público que se visa proteger; e (ii) o poder de discricionariedade
Como extinguir uma golden share 357

Com relação ao primeiro requisito, as golden shares não podem es-


tabelecer restrições à liberdade de circulação de capitais e de estabeleci-
mento, com base na nacionalidade dos investidores, a menos que esta hi-
pótese seja expressamente autorizada pelo Tratado da União Europeia.128
Nesse sentido, a previsão dessas prerrogativas deve ser feita de forma ob-
jetiva e não discricionária para que haja a observância do segundo requi-
sito indicado.129 Para tanto, deve-se recorrer ao princípio da proporcionali-
dade, com o objetivo de atestar se o recurso à tal instrumento é realmente
necessário e proporcional para a concretização dos objetivos almejados.130

O paralelo entre o cenário vivenciado pela União Europeia e o expe-


rimentado pelo Brasil é necessário para demonstrar que as indagações
suscitadas, em ambas as localidades, acerca da emissão das golden shares
são diferentes. Isso porque, enquanto na Europa questiona-se judicialmen-
te a compatibilidade dessas ações com os preceitos que regem o merca-
do comum europeu, em âmbito nacional, busca-se estabelecer uma tese
que permita (ou obste) a revisão administrativa dessas ações, pelo próprio
ente público que as titulariza, em decorrência da superação das razões
que, de início, ensejaram suas emissões.

Desse modo, a falta de correspondência entre os dois contextos, que


suscitam dúvidas diversas e exigem o recurso a mecanismos distintos para
a extinção das golden shares, não permite a “importação” de um parâme-
tro externo apto a resolver os questionamentos postos diante do ordena-
mento jurídico nacional.

A Consulta nº 025.285.2017-3 atualmente em trâmite no Tribunal de


Contas da União

Conforme indicado na introdução deste trabalho e dessa seção, ques-


tiona-se, no Brasil, não (mais) a constitucionalidade ou a legalidade131 das

atribuído ao Estado no exercício dos direitos associados à golden share devem ser
limitado através da previsão de critérios claros e objetivos para esse fim”.
128 “De acordo com o Tribunal, as golden shares não podem recorrer à nacionalidade para
realizar discriminações. No caso de golden shares discriminatórias, os direitos espe-
ciais serão contrários ao direito comunitário, a menos que justificado por derrogações
expressas previstas no Tratado da União Europeia.” (tradução livre) (KUZNETSOV,
2005).
129 “Além disso, o Tribunal decidiu que as golden shares não devem ser discricionárias.
[...] Ao contrário, devem ser justificados por requisitos imperiosos de interesse geral
e qualificados por critérios estáveis ​​e objetivos que foram tornados públicos a fim de
restringir o poder discricionário do autoridades nacionais ao mínimo”. (tradução livre)
(KUZNETSOV, 2005).
130 “O Tribunal também concluiu que as golden shares devem estar sujeitas ao princí-
pio da proporcionalidade”. “O teste da proporcionalidade significa que a restrição em
questão deve ser cumulativamente necessária e proporcional ao objetivo prossegui-
do”. (tradução livre). (KUZNETSOV, 2005).
131 Cabe relembrar que algumas ações judiciais questionaram a legalidade das golden
shares à luz do ordenamento jurídico brasileiro, dentre elas: JFPA, Ação Popular
358 Coleção Jovem Jurista 2021

ações preferenciais de classe especial, mas sim, a possibilidade de o ente


desestatizante, que titulariza essa modalidade de participação acionária
abdicar de tal participação pela exclusão dessa classe de ações do capital
social das companhias desestatizadas.

Cabe pontuar que, no cenário brasileiro, a possibilidade de extinção


das golden shares não é um tema muito debatido, existindo dúvidas até
mesmo sobre essa possibilidade. Isso porque, ao contrário de sua insti-
tuição, que é regulamentada, não há qualquer previsão normativa clara
que estabeleça um procedimento próprio para essa extinção. Ademais,
os estatutos sociais das companhias que preveem essas ações de classe
especial apenas dispõem que os direitos a elas conferidos não poderão ser
alterados sem a anuência de seu titular.

Assim, com o objetivo de sanar este questionamento, em 19.07.2017,


o então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles apresentou uma Consulta
ao Tribunal de Contas da União.

Esse tipo de processo, disciplinado pelos arts. 264 e 265 do Regimen-


to Interno do TCU,132 consiste em um prejulgamento da tese, que objetiva
sanar uma dúvida, de uma das autoridades legitimadas, quanto à aplica-
bilidade de um determinado dispositivo legal, sob o qual o Tribunal de
Contas da União possui competência em razão da matéria.133
1997.39.00.12696-8, Primeira Vara; e STF, ADI 1597-4, rel. Min. Rosa Weber, distribuído
em 30.04.1997.
132 Regimento Interno do TCU: “Art. 264. O Plenário decidirá sobre consultas quanto a
dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à
matéria de sua competência, que lhe forem formuladas pelas seguintes autoridades:
I – presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo
Tribunal Federal;
II – Procurador-Geral da República;
III – Advogado-Geral da União;
IV – presidente de comissão do Congresso Nacional ou de suas casas;
V – presidentes de tribunais superiores;
VI – ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico
equivalente;
VII – comandantes das Forças Armadas.
§ 1o As consultas devem conter a indicação precisa do seu objeto, ser formuladas arti-
culadamente e instruídas, sempre que possível, com parecer do órgão de assistência
técnica ou jurídica da autoridade consulente.
§ 2o Cumulativamente com os requisitos do parágrafo anterior, as autoridades referidas
nos incisos IV, V, VI e VII deverão demonstrar a pertinência temática da consulta às
respectivas áreas de atribuição das instituições que representam.
§ 3o A resposta à consulta a que se refere este artigo tem caráter normativo e constitui
prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto.
§ 4o A decisão sobre processo de consulta somente será tomada se presentes na sessão
pelo menos sete ministros, incluindo ministros-substitutos convocados, além do Pre-
sidente.
Art. 265. O relator ou o Tribunal não conhecerá de consulta que não atenda aos requisitos
do artigo anterior ou verse apenas sobre caso concreto, devendo o processo ser ar-
quivado após comunicação ao consulente”.
133 Nas palavras de Fernandes (2016): “O efeito que se espera de uma consulta, ao ser res-
pondida, é que solucione a dúvida ocorrente e sirva de orientação para o consulente e
para todos aqueles que enfrentem caso similar”.
Como extinguir uma golden share 359

Desse modo, as seguintes questões foram apresentadas à Corte de


Contas, em caráter abstrato, pelo referido Ministro:

É possível suprimir direitos conferidos pelas ações de classe


especial (golden share), quando da desestatização de
empresas estatais sem contrapartida financeira, e seria o
CPPI [Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos]
a autoridade competente para tanto?134

Em sede de instrução processual, a Secretaria de Macroavaliação Go-


vernamental (SEMAG), encarregada da análise técnica da matéria susten-
tou que não há previsão legal – na LSA e na Lei Segunda Lei do PND – que
autorize a supressão dos direitos conferidos às golden shares, nem que
estabeleça qual seria o ente competente para a realização de tal escolha
administrativa. Diante dessa constatação, a unidade técnica se posicionou
no sentido de que:

a matéria objeto desta consulta deva ser discutida no


âmbito do Congresso Nacional, para criação de dispositivos
legais que, no mínimo: i) permitam a supressão de direitos
concedidos por meio de ações de classe especial; [...] e iii)
considerem as diversas peculiaridades que ensejaram a
criação das golden shares em cada empresa desestatizada.135
(grifo nosso)

Por outro lado, com relação a uma eventual compensação financeira


a ser devida ao ente público, em razão da perda da titularidade da referida
ação, a SEMAG pontuou que em virtude da permanência do Estado no
quadro de acionistas da companhia, por meio dessa participação especial,

No mesmo sentido, o Portal do TCU assim conceitua as Consultas: “O TCU pode ser
questionado, por exemplo, sobre o entendimento que possui em relação a um deter-
minado normativo. A consulta deverá ser realizada sempre em tese e nunca poderá
versar sobre o caso concreto e a resposta do TCU valerá para toda a Administração
Pública”. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/voce-sabe-co-
mo-o-tcu-atua-e-que-impactos-podem-resultar-de-seus-processos.htm. Acesso em:
1o nov. 2020.
134 Acórdão no 284/2020. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/docu-
mento/acordao-completo/*/PROC%253A02528520173/DTRELEVANCIA%2520des-
c%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520?uuid=9344c700-27c9-11eb-
-babe-0342dc596474. Acesso em: 1 nov. 2020. Cabe pontuar que todas as demais
referências feitas ao longo da presente seção têm como base o referido acórdão.
135 Da mesma forma o Ministério da Defesa destacou a necessidade de que cada uma das
golden shares seja analisada individualmente, quando da opção pela extinção da re-
ferida classe de ações, ao assim dispor em sua manifestação datada de 18.10.2017 por
meio do Ofício 185/GC3/11179: “observa-se que a matéria envolvendo a extinção das
golden shares não deve ser tratada de forma genérica, devendo a discussão no âmbito
do Poder Executivo e do Poder Legislativo levar em consideração as especificidades
de cada empresa, a viabilidade ou não da exclusão de direitos em cada empresa, por
meio de pareceres técnicos de especialistas no setor, bem como a metodologia de
precificação desses ativos”.
360 Coleção Jovem Jurista 2021

haveria uma presunção de que o retorno financeiro obtido quando das


operações de desestatização teria sido inferior ao esperado.

Nas palavras empregadas pela SEMAG seria “razoável pensar que,


com a eventual extinção desses direitos, a empresa tenderá a se valorizar.
Nesse sentido, entende-se que, a priori, existem valores associados às gol-
den shares, cuja extinção poderá beneficiar o acionista”.

Assim, com relação a este segundo ponto, a Secretaria indicou que o


Congresso Nacional deve editar normas que disponham “sobre o método
de precificação desses direitos”.

Diante de tais ponderações, com relação ao mérito da Consulta, a


SEMAG apresentou a seguinte proposta de encaminhamento:

b) nos termos do art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992, c/c os


arts. 1º, inciso XXV, do Regimento Interno do TCU, 99 e 100
da Resolução-TCU 259/2014, responder ao consulente que:

b.1) não existe previsão legal para a extinção de ações de


classe especial, tampouco competência definida para quem
poderá extinguir esses direitos;

b.2) em regra, deve existir contrapartida financeira para a


União, caso venha a ser permitida legalmente a supressão
dos direitos atribuídos a ações de classe especial. (grifos
nossos)

No mesmo sentido, o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputa-


do Rodrigo Maia, acostou ao processo parecer elaborado pela Secretaria
Geral da Mesa da casa, em que sustentou a necessidade de prévio aval do
Congresso Nacional para extinção das golden shares.

Naquele momento, o Ministro José Múcio, então Relator do caso, en-


caminhou os autos para o Ministério Público junto ao TCU (MPTCU)136 para
que este se manifestasse sobre a temática do processo.

Na perspectiva da referida entidade, não seria possível supor que


estas ações visariam garantir a perpetuidade da participação estatal no
quadro de acionistas das companhias em que as golden shares foram pre-
vistas. Assim, segundo o MPTCU, uma vez superadas as razões de interes-
se público que fomentaram a emissão das ações preferenciais de classe
especial, esses títulos deveriam ser extintos mediante o recurso ao mesmo
procedimento que viabilizou a sua criação, ou seja, por meio de delibe-

136 Sobre o MPTCU cabe destacar que este: “possui fisionomia institucional própria, que
não se confunde com a do Ministério Público comum, sejam os dos Estados, seja o da
União.” (MS 27.339, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 02.022009, Plenário,
DJE de 06.03.2009).
Como extinguir uma golden share 361

ração fundamentada do Conselho do PPI. Nos termos empregados pelos


representantes da entidade:

Como dito alhures, o fato de inexistir previsão expressa


quanto à extinção das ações de classe especial não pode
constituir óbice intransponível à alteração do quanto
previsto nos estatutos sociais das empresas sobre os
direitos que elas conferem, tampouco exige, no meu
entender, a alteração do arcabouço legal para permitir que
o ente desestatizante suprima as prerrogativas que lhe
foram conferidas por ocasião da venda das ações.

A legislação prevê que, sempre que houver razões que


justifiquem, o ente desestatizante deterá, direta ou
indiretamente, ação de classe especial do capital social da
empresa ou instituição financeira objeto da desestatização,
de forma que, não mais existindo um ou mais dos motivos
que ensejaram a subscrição da golden share, pode ser
revista a necessidade de sua manutenção.

Para tanto, devem ser seguidos, segundo entendo, trâmites


semelhantes aos observados para fins de inclusão dos
direitos assegurados pela golden share, a fim de viabilizar,
a critério do ente desestatizante, sua supressão. Ressalto,
todavia, que da mesma forma que a criação da ação de classe
especial reclama justificativa fundamentada, caso se decida
por suprimi-la, deverão, obrigatoriamente, ser refutados
os argumentos que embasaram a sua inclusão no estatuto
social da empresa, de modo a demonstrar claramente que
não mais subsistem razões que sustentem a permanência
dos direitos nelas previsto. (grifos nossos)

Com relação ao segundo ponto, qual seja, a uma eventual necessida-


de de indenização do ente desestatizante em decorrência da perda das
prerrogativas que as golden shares lhe conferiam anteriormente, o MPTCU
reconheceu que a emissão e a extinção dessas ações podem provocar
variações no valor das ações das companhias. No entanto, segundo a en-
tidade, seria impossível quantificar o referido impacto, “a menos que hou-
vesse normas específicas dispondo sobre métodos de precificação”. Além
disso, o MP junto à Corte de Contas ainda indicou, em sua manifestação,
que essas ações não foram emitidas com o intuito de gerar dividendos
ou um possível retorno financeiro a seus proprietários, sendo inexigível,
portanto, o pagamento de qualquer contraprestação em decorrência de
sua supressão.

Feitas tais considerações, em completa oposição ao proposto pela


SEMAG, o MPTCU apresentou a seguinte proposta de encaminhamento:
362 Coleção Jovem Jurista 2021

II – nos termos do art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992, c/c os


arts. 1º, inciso XXV, do Regimento Interno do TCU, 99 e 100
da Resolução-TCU 259/2014, responder ao consulente que:

a) é possível a supressão de direito conferido ao ente


desestatizante por ação de classe especial (golden share),
desde que observados os mesmos requisitos estabelecidos
pelo art. 8º da Lei 9.491/1997 para sua criação, devendo ser
devidamente fundamentada a decisão quanto à extinção do
direito, afastando-se as razões que justificaram a sua inclusão
ou indicando a superveniência de fatos novos capazes de
modificar o entendimento quanto à necessidade de sua
manutenção;

b) a discussão e fundamentação para supressão de direito


conferido por ação de classe especial deve ocorrer no âmbito
do Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos
(CPPI) a quem foram transferidas, por força do art. 7º, inciso
V, alínea ‘c’ da Lei 13.334/2016, as atribuições conferidas ao
Conselho Nacional de Desestatização (CND), a quem cabia
aprovar a criação de ação de classe especial;

c) dada a natureza essencialmente política e estratégica da


ação de classe especial e ante a inexistência de dispositivo
legal tratando da precificação da golden share, não é
possível atribuir um valor monetário a esse tipo de ação,
de modo que sua extinção não implica em contrapartida
financeira”. (grifos nossos)

Após a manifestação de tais agentes, o Ministro José Múcio pautou


pela primeira vez a Consulta nº 025.285.2017-3, na sessão do dia 18.07.2018.
Naquele momento, o Ministro Relator concordou com a tese apresentada
pelo MPTCU, de que seria possível a extinção dessa classe de ações, à cri-
tério do CPPI, sob o seguinte argumento:

Se o Congresso Nacional, por meio da Lei do PND, autorizou


o Poder Executivo a privatizar completamente empresas
estatais (exceto as especificadas no art. 3º), entendo que
implicitamente foi também autorizado àquele Poder
concluir integralmente determinada desestatização de uma
companhia mediante a supressão de golden shares. (grifo
nosso)

Já com relação a uma eventual exigência de contrapartida financeira


para a operacionalização de tal exclusão, o Ministro Múcio acolheu a tese
apresentada pela SEMAG e sustentou que essas ações têm conteúdo eco-
nômico e que a ausência de um ato normativo específico, que disponha
Como extinguir uma golden share 363

sobre o mecanismo de precificação das golden shares, não é um impediti-


vo para a quantificação desses valores. Assim, segundo o Relator:

Havendo potencial valor econômico associado à extinção


de ações de classe especial e considerando ser possível
a identificação direta dos agentes beneficiados por essa
medida (os demais acionistas) não vejo a possibilidade de a
União dispor gratuitamente desses direitos.

[...]

[Portanto,] bastaria que um único acionista concordasse em


pagar à União o benefício econômico quantificado que todos
os demais acionistas seriam beneficiados com a consequente
valorização da companhia.

Naquela sessão, ainda em 2018, o aludido Ministro submeteu ao Ple-


nário o seguinte acórdão para apreciação:

9.2. responder ao consulente que:

9.2.1. é possível a supressão de direito conferido à União


por ação de classe especial (golden share), desde que
observados os mesmos requisitos estabelecidos pelo art. 8º
da Lei 9.491/1997 para sua criação, devendo ser devidamente
fundamentada a decisão quanto à extinção do direito, com
o afastamento das razões que justificaram a sua inclusão
ou a indicação da superveniência de fatos novos capazes
de modificar o entendimento quanto à necessidade de sua
manutenção;

9.2.2. a discussão e fundamentação para supressão de direito


conferido por ação de classe especial (golden share) deve
ocorrer no âmbito do Conselho do Programa de Parcerias e
Investimentos (CPPI), a quem foram transferidas, por força
do art. 7º, inciso V, alínea “c”, da Lei 13.334/2016, as atribuições
conferidas ao Conselho Nacional de Desestatização (CND),
anteriormente responsável por aprovar a criação daquela
ação;

9.2.3. não existe legislação específica que disponha sobre as


competências relativas aos direitos específicos relacionados
no Parecer PGFN/CAS/960/2017 e, sendo assim, tais
competências não se incluem entre as atribuições do Ministro
de Estado da Fazenda;

9.2.4. deve ser avaliada, por meio de estudo técnico


próprio, a existência de eventual valorização econômica da
companhia decorrente da extinção de direito conferido à
364 Coleção Jovem Jurista 2021

União por ação de classe especial (golden share);

9.2.5. a extinção da ação de classe especial (golden


share), em qualquer caso, só se justifica se puder a União
obter vantagem financeira proporcional à correspondente
valorização estimada da companhia, em negociação com
os seus acionistas, por meio de procedimentos a serem
regulamentados por norma específica. (grifos nossos)

O julgamento, no entanto, não foi concluído, em virtude da apresenta-


ção de um pedido de vista pelo Ministro Vital do Rêgo e apenas no ano se-
guinte, na sessão de 11.10.2019, o processo voltou à pauta para que o minis-
tro revisor proferisse seu voto divergente. Na perspectiva do Ministro, não
caberia ao Tribunal de Contas da União a elucidação dos questionamentos
apresentados pelo Ministro Henrique Meirelles – mesmo posicionamento
emanado pela SEMAG–, tendo em vista que não há qualquer ato normati-
vo que discipline a matéria e que, portanto, uma atuação ativista da Corte
de Contas equivaleria à usurpação de competências do Poder Legislativo.

Contudo, o Ministro não deixou de consignar que entende que uma


possível valorização das ações da companhia, em virtude da extinção das
golden shares, seria um mero efeito colateral. E que, portanto, “não há
qualquer relação direta de causalidade a reclamar eventual compensação
à União – seria possível inclusive discutir se não estaríamos diante de um
caso de enriquecimento indevido da Administração”.

A Consulta foi novamente retirada de pauta, por um novo pedido de


vista, agora do Ministro Walton Alencar e retornou ao plenário do Tribunal
em 12.02.2020.

Com relação à possibilidade de supressão das prerrogativas conferi-


das às golden shares, o segundo ministro revisor (Ministro Walton Alencar)
destacou em seu voto que a própria dinâmica dessas ações demandaria
a sua extinção, quando fossem superadas as razões de interesse público
que, de início, justificaram a sua emissão. Quanto ao ente competente para
atestar que o cenário em que tais ações foram previstas foi superado, o
Ministro Walton destaca que “o Poder Legislativo não implantou ações de
classe especial nas estatais que vieram a ser privatizadas. Em vez disso,
autorizou o Poder Executivo a fazê-lo e, e quando, considerasse necessá-
rio”.

Ademais, de acordo com o referido Ministro, a exclusão dessas ações


do capital social dessas companhias seria uma forma de concretizar o pro-
cesso de privatização, outrora iniciado pelo Poder Executivo. Dessa forma,
o Ministro Alencar concluiu que cabe ao CPPI a avaliação e a correspon-
dente decisão sobre a necessidade de extinção ou manutenção dessa clas-
se de ações.
Como extinguir uma golden share 365

Por fim, acerca da necessidade de indenização do ente público, em


decorrência da perda de sua posição acionária, o Ministro pontuou que
não se tem certeza de que uma eventual supressão das golden shares se-
ria suficiente para gerar algum retorno financeiro para a companhia. Para
tanto, o julgador indicou os seguintes fatores:

Primeiro, não há como presumir que cada uma das


prerrogativas possua valor econômico.

[...]

Segundo, porque, diante de um caso concreto, ainda que se


possa intuir que a companhia possa se beneficiar da extinção
das ações de classe especial, a precificação desses ganhos é
incerta, por dependerem os eventuais ganhos de decisões
e circunstâncias que dificilmente o Governo será capaz de
prever.

Também porque é plausível a percepção de que as


prerrogativas da União propiciam maior conexão com o
Estado e conferem mais segurança ao empreendimento.

No entanto, caso seja possível a referida aferição, segundo o Ministro


Walton Alencar, o Poder Executivo deveria negociar este retorno financei-
ro com os possíveis interessados na valorização dos ativos da companhia,
uma vez que, por expressa disposição legal essas ações não podem ser
simplesmente transferidas aos acionistas privados dispostos a comprá-las.
Assim, após pontuar suas razões de voto o Ministro submeteu a seguinte
minuta de acórdão ao plenário:

9.2. nos termos do art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992, c/c
os arts. 1º, inciso XXV, do Regimento Interno do TCU, 99 e
100 da Resolução-TCU 259/2014, responder ao consulente
que:

9.2.1. é possível a supressão de prerrogativas conferidas à


União por ação de classe especial (“golden share”) nos
casos em que restar demonstrada a inexistência de razões
de interesse público relevante para o Estado vir a exercê-
las, mediante decisão fundamentada que afaste os motivos
que levaram à instituição de cada uma dessas prerrogativas,
assim como a inexistência de outros possíveis riscos ao
interesse público;

9.2.2. a discussão e fundamentação para supressão de direito


conferido por ação de classe especial (“golden share”) deve
ocorrer no âmbito do Conselho do Programa de Parcerias e
Investimentos (CPPI), a quem foram transferidas, por força do
366 Coleção Jovem Jurista 2021

art. 7º, inciso V, alínea “c”, da Lei 13.334/2016, as atribuições


conferidas ao Conselho Nacional de Desestatização (CND),
anteriormente responsável por aprovar a criação daquela ação;

9.2.3. é vedada a supressão gratuita de prerrogativas


conferidas à União por ação de classe especial (“golden
share”) nos casos em que seja previsível a valorização das
ações e possível sua mensuração econômica, ainda que por
estimativa.

Em sequência, o Ministro Vital do Rêgo tornou a se manifestar para


apresentar sua proposta de acórdão:

9.2. nos termos do art. 1º, inciso XVII, da Lei 8.443/1992, c/c os
arts. 1º, inciso XXV, do Regimento Interno do TCU, 99 e 100 da
Resolução-TCU 259/2014, responder ao consulente que:

9.2.1. não existe previsão legal para a extinção de ações de classe


especial, tampouco competência definida para quem poderá
extinguir esses direitos, de sorte que tal matéria deve ser tratada
no âmbito do Poder Legislativo, inclusive com relação a eventual
necessidade de compensação financeira à União.

Da mesma forma, o Ministro José Múcio optou por apresentar um


voto complementar. Em sua segunda manifestação, o Ministro Relator
pontuou que, ainda que tenha sustentado em seu voto inicial sobre a ne-
cessidade de indenização da União em virtude da supressão dessas ações,
entende que a referida interpretação não possui substrato legal. Portanto,
o Ministro Múcio alterou seu posicionamento e passou a defender que essa
lacuna legislativa seja tratada pelo Congresso. E, por fim, acolheu os argu-
mentos constantes no voto revisor do Ministro Vital do Rêgo.

Dando continuidade às deliberações, o Ministro Bruno Dantas, em sua


declaração de voto se filiou à tese inaugurada pelo Ministro Vital do Rêgo,
segundo a qual, não competiria ao TCU decidir sobre as questões formu-
ladas no âmbito da Consulta em análise. Contudo, o Ministro apresentou
as seguintes constatações sobre a necessidade de autorização legislativa
para concretização da referida operação e da dispensa de indenização ao
ente desestatizante:

Quando consideramos que a alienação de empresas estatais


deve ser precedida de autorização legislativa, as golden
shares, por serem um controle residual do Estado, também
devem ter sua extinção submetida ao crivo do Poder
Legislativo.

Corroboro a análise de Sua Excelência de que a finalidade


precípua das ações de classe especial não é a auferição
Como extinguir uma golden share 367

de ganhos financeiros, mas sim a garantia dos poderes


que justificaram sua criação, nos termos do art. 8º da Lei
9.491/1997.

Por fim, em sua última manifestação nos autos, o Ministro José Múcio
apresentou uma nova proposta de acórdão, em que este alterou o item
9.2.4 e extirpou o tópico 9.2.5 inicialmente elaborado:

9.2. responder ao consulente que:

9.2.1. é possível a supressão de direito conferido à União por ação


de classe especial (golden share), desde que observados os
mesmos requisitos estabelecidos pelo art. 8º da Lei 9.491/1997
para sua criação, devendo ser devidamente fundamentada
a decisão quanto à extinção do direito, com o afastamento
das razões que justificaram a sua inclusão ou a indicação
da superveniência de fatos novos capazes de modificar o
entendimento quanto à necessidade de sua manutenção;

9.2.2. a discussão e fundamentação para supressão de direito


conferido por ação de classe especial (golden share) deve
ocorrer no âmbito do Conselho do Programa de Parcerias e
Investimentos (CPPI), a quem foram transferidas, por força do
art. 7º, inciso V, alínea “c”, da Lei 13.334/2016, as atribuições
conferidas ao Conselho Nacional de Desestatização (CND),
anteriormente responsável por aprovar a criação daquela ação;

9.2.3. não existe legislação específica que disponha sobre as


competências relativas aos direitos específicos relacionados
no Parecer PGFN/CAS/960/2017 e, sendo assim, tais
competências não se incluem entre as atribuições do Ministro
de Estado da Fazenda;

9.2.4. não existe previsão legal que trate da necessidade ou


não de compensação financeira à União em caso de extinção
dos direitos conferidos por ação de classe especial, de sorte
que essa matéria, preliminarmente à referida extinção, deve
ser tratada no âmbito do Poder Legislativo.

Após concluídas as deliberações, por meio do Acórdão nº 284/2020


– TCU – Plenário, a Corte de Contas consignou a seguinte tese:

Não existe previsão legal para a extinção de ações de


classe especial, tampouco competência definida para quem
poderá extinguir esses direitos, de sorte que tal matéria
deve ser tratada no âmbito do Poder Legislativo, inclusive
com relação a eventual necessidade de compensação
financeira à União. (grifo nosso)
368 Coleção Jovem Jurista 2021

Desse modo, conforme pode ser extraído da tabela abaixo, ao longo


das 3 (três) sessões em que a matéria foi debatida, 2 (duas) teses dividi-
ram o Plenário do Tribunal de Contas. A primeira, apresentada pelo Minis-
tro Vital do Rêgo, consignava que o Congresso Nacional deveria decidir
sobre as questões apresentadas na Consulta. Já a segunda tese, defendida
pelo Ministro Walton Alencar, sustentava que as golden shares poderiam
ser extintas, por mera deliberação do CPPI, desde que o ente público fosse
“indenizado” pela perda dessas prerrogativas.

Ministro Data da Principais Pontos


Sessão

José Múcio 18.07.2018 As golden shares podem ser extintas, desde que devidamente
demonstrado que as circunstâncias que justificavam sua criação
foram superadas;
Compete ao Conselho do Programa de Parcerias e Investimen-
tos a discussão e consequente fundamentação da decisão pela
supressão desses direitos, tendo em vista que essa entidade foi
a responsável pela privatização da companhia e, pela criação da
ação de classe especial, e
É imprescindível a compensação da União em virtude da dispo-
sição dessas ações.

Vital do Rêgo 11.10.2019 Não poderia o Tribunal de Contas da União decidir acerca dos
pontos suscitados na consulta em virtude da ausência de norma-
tivos legais disciplinado o tema;
A avaliação acerca da extinção dessas ações perpassa por uma
análise da superação das questões relativas à segurança nacional
ou a relevante interesse coletivo que justificaram sua criação; e,
Não há qualquer relação direta apta a ensejar uma eventual
compensação à União, tendo em vista que a previsão dessas
ações não se deu com o objetivo de valorização financeira ou de
obtenção de dividendos.

Walton Alen- 12.02.2020 As golden shares devem ser extintas nas hipóteses de não
car subsistirem as razões de interesse público que justificaram sua
previsão;
Compete ao Poder Executivo, enquanto criador da ação pre-
ferencial de classe especial, a deliberação quando à supressão
dessas ações no âmbito do CPPI, e
É vedada a supressão gratuita das prerrogativas inerentes à
golden share nos casos em que seja previsível a valorização das
ações e sua mensuração econômica ainda que por estimativa.

Vital do Rêgo 12.02.2020 Nenhuma lei dispõe sobre a possibilidade de extinção dessas
ações;
Nenhuma norma estabelece quem seria o ente competente por
tal escolha; e,
Cabe ao Poder Legislativo elucidar os questionamentos apresen-
tados no âmbito da referida consulta.
Como extinguir uma golden share 369

Ministro Data da Principais Pontos


Sessão

José Múcio 12.02.2020 Nenhum dispositivo legal dispõe sobre a exigência ou dispen-
sa de contraprestação financeira para que haja a extinção das
golden shares.

Bruno Dantas 12.02.2020 Cabe ao Poder Legislativo decidir sobre eventual supressão de
direitos conferidos à golden share e sua eventual indenização;
Se mostra necessária a autorização do Poder Legislativo para
sua ulterior supressão; e,
A finalidade precípua da ação não é a obtenção de ganhos
financeiros, mas sim a garantia dos poderes que justificaram sua
criação.

José Múcio 12.02.2020 É possível a supressão da golden share desde que demonstrado
o afastamento das razões que justificaram a sua previsão;
A discussão e fundamentação para sua extinção deve ser feita
no âmbito do CPPI; e,
Não existe previsão legal que trate da necessidade ou não de
compensação financeira à União devendo tal matéria ser analisa-
da pelo Poder Legislativo.

Ademais, pode-se extrair da tabela anterior, bem como da represen-


tação a seguir realizada, que o processo de deliberação da Consulta nº
025.285/2017-3 não se mostrou linear em razão das recorrentes mudanças
de posicionamento por parte dos ministros no curso das sessões em que
a matéria foi debatida.

Ministro Data da Sessão Possibilidade ou Competência Necessidade de


Impossibilidade para Extinção Contrapartida
de Supressão da Financeira
Golden Share

José Múcio 18.07.2018 Possibilidade de Conselho do PPI Necessidade de contra-


extinção partida financeira

Marcos 18.07.2018 Possibilidade de extinção Conselho do PPI Necessidade de contra-


Bemquerer partida financeira

Vital do 18.07.2018 Apresentou pedido de Apresentou pedido Apresentou pedido


Rêgo vista de vista de vista

Vital do 11.10.2019 Cabe ao Congresso Nacio- Cabe ao Congresso Não é necessária uma
Rêgo nal a referida decisão Nacional a referida contrapartida financeira
decisão
370 Coleção Jovem Jurista 2021

Ministro Data da Sessão Possibilidade ou Competência Necessidade de


Impossibilidade para Extinção Contrapartida
de Supressão da Financeira
Golden Share

José Múcio 11.10.2019 Cabe ao Congresso Nacio- Cabe ao Congresso Não é necessária uma
nal a referida decisão Nacional a referida contrapartida financeira
decisão

Walton 11.10.2019 Apresentou pedido de Apresentou pedido Apresentou pedido


Alencar vista de vista de vista

Walton 12.02.2020 Possibilidade de extinção Conselho do PPI Necessidade de contra-


Alencar partida financeira

Vital do 12.02.2020 Cabe ao Congresso Nacio- Cabe ao Congresso Cabe ao Congresso


Rêgo nal a referida decisão Nacional a referida Nacional a referida
decisão decisão

Voto Com- 12.02.2020 Cabe ao Congresso Cabe ao Con- Cabe ao Congresso


plementar Nacional a referida gresso Nacional a Nacional a referida
José Múcio decisão referida decisão decisão

Bruno 12.02.2020 Cabe ao Congresso Nacio- Cabe ao Congresso Cabe ao Congresso


Dantas nal a referida decisão Nacional a referida Nacional a referida
decisão decisão

Proposta de 12.02.2020 Possibilidade de extinção Conselho do PPI Cabe ao Congresso


Acórdão Nacional a referida
José Múcio decisão

Acórdão 12.02.2020 Cabe ao Congresso Cabe ao Con- Cabe ao Congresso


Adotado Nacional a referida gresso Nacional a Nacional a referida
decisão referida decisão decisão

Assim, diante dessa recorrente oscilação de posicionamento, o Insti-


tuto de Resseguros no Brasil, admitido na Consulta nº 025.285.2017-3, na
qualidade de interessado,137 opôs embargos de declaração,138 com efeitos

137 Regimento Interno do TCU – “Art. 144. São partes no processo o responsável e o
interessado. § 2o. Interessado é aquele que, em qualquer etapa do processo, tenha
reconhecida, pelo relator ou pelo Tribunal, razão legítima para intervir no processo.
Art. 146. A habilitação de interessado em processo será efetivada mediante o deferimento,
pelo relator, de pedido de ingresso formulado por escrito e devidamente fundamen-
tado.
§ 1o. O interessado deverá demonstrar em seu pedido, de forma clara e objetiva, razão
legítima para intervir no processo.
§ 2o. O relator indeferirá o pedido que não preencher os requisitos do parágrafo anterior.
§ 3o. É facultado ao interessado, na mesma oportunidade em que solicitar sua habilitação
em processo, requerer a juntada de documentos e manifesta r a intenção de exercitar
alguma faculdade processual.
§ 4o. Ao deferir o ingresso de interessado no processo, o relator fixará prazo de até quinze
dias, contado da ciência do requerente, para o exercício das prerrogativas processuais
previstas neste Regimento, caso o interessado já não as tenha exercido.
§ 5o. O pedido de habilitação de que trata este artigo será indeferido quando formulado
após a inclusão do processo em pauta.
§ 6o. Quando o ingresso de interessado ocorrer na fase de recurso, observar-se-á o dis-
posto no art. 282”.
138 Cabe pontuar que, em virtude no âmbito das Consultas ao Tribunal de Contas da
União, não é cabível qualquer recurso em face do acórdão final, por ausência de auto-
Como extinguir uma golden share 371

infringentes, em razão da ausência de linearidade, clareza e uniformidade


na deliberação em questão. No entanto, na sessão do dia 25.11.2020, os
embargos foram conhecidos e desprovidos no mérito, uma vez que, se-
gundo o Ministro Raimundo Carreiro “não haver[ia] qualquer contradição
ou omissão a ser sanada”.139

Embora a Corte de Contas tenha se debruçado sobre o tema ao lon-


go desses últimos 2 (dois) anos, e tenha delimitado a tese de que caberá
ao Congresso Nacional a edição de um ato normativo específico, com o
objetivo de elucidar os questionamentos apresentados pelo Ministro Hen-
rique Meirelles, acredita-se, que a ausência de uma previsão legislativa ex-
pressa sobre a matéria – extinção de golden shares – não representa um
silêncio eloquente por parte do legislador, que demanda, atualmente a sua
complementação. Isso porque outros diplomas legais, que disciplinam o
processo de desestatização como um todo, podem e devem ser aplicados
ao caso em questão conforme será demonstrado na seção subsequente.

Proposta de resposta à Consulta nº 025.285.2017-3

Com o objetivo de sistematizar a proposta de resposta à Consulta nº.


025.285.2017-3, a presente seção será dividida em 3 (três) perguntas cen-
trais que serão respondidas ao longo das próximas páginas, quais sejam:

i. É possível suprimir direitos conferidos pelas golden sha-


res?

ii. Em caso de concretização de tal operação, qual possível


entidade poderia ser a responsável pela extinção das gol-
den shares?

iii. Seria possível a exigência de pagamento de alguma con-


traprestação ao ente público pelo fim da ação de sua ti-
tularidade?

Espera-se, portanto, que ao final desta exposição seja possível inven-


tariar os principais pontos abordados ao longo dos capítulos anteriores,
bem como, demonstrar que outra tese, com vasto embasamento legal,
poderia ter sido fixada pela Corte de Contas e que, aquele posicionamento

rização legal. No entanto, dado que os embargos de declaração não visam, por si só,
discutir o mérito da decisão atacada, estes são conhecidos pela Corte de Contas em
tais cenários. Nesse sentido: “Considerando, portanto, que não há que se falar em ca-
bimento de recurso em processos de consulta, por falta de amparo legal e regimental,
à exceção dos embargos de declaração.” (Acórdão Nº 1311/2018 – TCU – Plenário).
139 Acórdão no 3151/2020 – TCU – Plenário. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.
br/#/documento/acordao-completo/02528520173/%2520/DTRELEVANCIA%2520des-
c%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520?uuid=82cf28f0-3202-11eb-b9d-
0-19752bd4277d. Acesso em: 28 nov. 2020.
372 Coleção Jovem Jurista 2021

cristalizado no âmbito do Acórdão nº 284/2020 – TCU – Plenário compor-


ta questionamentos.

É possível suprimir direitos conferidos pelas golden shares?

Como exaustivamente pontuado, as golden shares são valores mo-


biliários sui generis, previstos no capital social das companhias objeto de
desestatização, com o propósito de assegurar a possibilidade de interven-
ção Estatal, em determinadas hipóteses, em prol da tutela do interesse
público. São, dessa forma, instrumentos capazes de viabilizar a atuação do
Estado enquanto empresário e, ainda, enquanto agente regulador.

Essa dupla atuação, portanto, deve observar, concomitantemente, os


limites previstos nos arts. 173 e 174 da Constituição Federal.

Com relação ao primeiro aspecto, as ações preferenciais de classe


especial só podem ser emitidas “quando necessárias aos imperativos de
segurança nacional ou relevante interesse coletivo”. Ou seja, só podem
ser previstas nas hipóteses em que seria autorizada a atuação direta do
Estado na economia pela constituição de empresas públicas ou socieda-
des de economia mista, na forma do caput do art. 173 da CRFB/88. Assim,
da mesma forma que a criação das empresas estatais demanda a demons-
tração, em sua lei autorizativa, das referidas hipóteses,140 a deliberação do
CPPI, em que será prevista a emissão das golden shares, deverá indicar,
em sua fundamentação, qual desses cenários ensejou a sua constituição.

No entanto, do mesmo modo que a lei que cria as empresas estatais


pode ser revista e estas sociedades podem ser submetidas a um processo
de desestatização, quando superadas as razões de interesse público que
ensejaram a sua constituição, a previsão das golden shares, no estatuto
social dessas companhias, pode ser revisitada.

Ainda que a Segunda Lei do PND e a LSA não disponham, de forma


expressa, acerca dessa possibilidade, essa omissão não implica no reco-
nhecimento de uma vedação nesse sentido. Isso porque as disposições
que permitiram, de início, a própria desestatização da companhia, auto-
rizam a supressão dos direitos conferidos pelas golden shares, dado que
a sua previsão representa apenas um estágio intermediário, transitório,
passível de ser empregado em um momento prévio à plena concretização

140 “Outro aspecto importante relacionado à exigência de autorização legal para a criação
de sociedades estatais reside no fato de que é nesse momento que se define o interes-
se público que deverá ser por ela atendido, seja um serviço público, seja um relevante
interesse coletivo ou um interesse relacionado à segurança nacional. [...] Deverá ser
qualificado o relevante interesse coletivo ou o imperativo de segurança nacional que
tornou necessária a intervenção do Estado de forma direta na economia, incluindo-se,
aí, a prestação de serviços públicos – é o que a doutrina denomina de ‘princípio da
especialidade’”. (SAMPAIO; FIDALGO, 2019).
Como extinguir uma golden share 373

dos processos de desestatização já iniciados, com a passagem a uma com-


pleta atuação privada.141

Para além disso, não só os dispositivos legais autorizam essa revisão,


como o texto constitucional a demanda. Uma vez superado o imperativo
de segurança nacional ou relevante interesse coletivo que embasou a sua
emissão, a permanência dessas ações no capital social das companhias
corresponde a uma frontal violação do caput do art. 173 da CRFB/88 – i.e.,
à garantia da liberdade de iniciativa e ao princípio da subsidiariedade.

Dessa forma, as deliberações do CPPI e o estatuto social dessas com-


panhias devem ser constantemente revisitados, uma vez que essas ações
não asseguram a perpetuidade do ente público no quadro de acionistas da
sociedade, em decorrência da constante alteração do cenário fático que
ensejou, de início, a sua emissão. Assim, superadas as hipóteses de rele-
vante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, as golden
shares devem ser extintas.

No entanto, isso não significa que, com a supressão dos direitos con-
feridos pelas ações preferenciais de classe especial, o Estado deixará de
intervir naquele segmento econômico por meio de outros instrumentos.
Significa apenas que não será mais viável a atuação direta e, consequen-
temente, o recurso à regulação endógena. Assim, caso o Poder Público
identifique a necessidade de condicionamento da atuação dos players,
daquele segmento de mercado, este deverá recorrer a mecanismos regu-
latórios “clássicos”, como as agências reguladoras.

Qual possível entidade pode ser a responsável pela extinção das


golden shares?

Para que seja possível indicar qual seria a entidade competente pela
extinção das golden shares deve-se relembrar o passo a passo do próprio
processo de desestatização, uma vez que a premissa aqui adotada é que
as ações preferenciais de classe especial correspondem a um estágio in-
termediário de tal procedimento.

Como inicialmente indicado, a Lei nº 9.491/97 disciplina, atualmente,


o Programa Nacional de Desestatização e confere uma autorização legis-
lativa genérica para que as empresas estatais, não listadas no art. 3º do

141 Nesse sentido Fidalgo (2017) destaca que “há, inclusive, quem afirme que a criação de
golden shares impediria que o processo de privatização se concluísse, questionando-
-se se a detenção e existência das golden shares constituiriam apenas uma das fases
do processo de privatização, prévia à completa alienação da sociedade estatal para a
iniciativa privada, ou uma situação permanente”.
374 Coleção Jovem Jurista 2021

referido diploma legal,142 sejam desestatizadas diretamente pelo Poder


Executivo.143

Em linhas gerais, este processo pode ser assim resumido: (i) a equipe
econômica, o ministro ao qual a estatal encontra-se vinculada e o Presi-
dente da República assentem com a desestatização da companhia; (ii) em
seguida, o Conselho do PPI, em uma reunião colegiada, delibera sobre a
inclusão da estatal na lista de possíveis privatizações e, caso o resultado
final seja pela inserção da estatal no âmbito do PPI ou do PND, o Presi-
dente da República edita um decreto formalizando tal inclusão; (iii) caso a
estatal seja incluída no PPI (etapa facultativa), inicia-se a fase de estudos
em que caberá à equipe técnica a delimitação de qual será a modelagem
de desestatização adotada; (iv) posteriormente, como uma etapa obriga-
tória, a companhia será incluída no PND, novamente via decreto presiden-
cial; (v) em seguida, a minuta do edital de privatização será analisado e
aprovado (ou rejeitado) pelo Tribunal de Contas da União; (vi) após esse
trâmite, se estivermos diante de uma das companhias listadas no art. 3º, da
142 Lei no 9.491/97 – “Art. 3o. Não se aplicam os dispositivos desta Lei ao Banco do Brasil
S.A., à Caixa Econômica Federal, e a empresas públicas ou sociedades de economia
mista que exerçam atividades de competência exclusiva da União, de que tratam os
incisos XI e XXIII do art. 21 e a alínea ‘c’ do inciso I do art. 159 e o art. 177 da Constituição
Federal, não se aplicando a vedação aqui prevista às participações acionárias detidas
por essas entidades, desde que não incida restrição legal à alienação das referidas
participações”.
143 Não se ignora que há grande discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a necessi-
dade ou a dispensa de autorização legislativa específica para a privatização de em-
presas estatais, em razão disposto no artigo 37, XIX da CRFB (Art. 37. A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distri-
to Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XIX – somente por lei
específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública,
de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste
último caso, definir as áreas de sua atuação.). Nesse sentido, Sampaio e Fidalgo (2019)
pontuam: “O fundamento apresentado por quem defende a necessidade de prévia
autorização legislativa, em síntese, consiste em argumentar que, se a Constituição Fe-
deral exige a participação do Poder Legislativo para confirmar a existência e relevante
interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional a justificar a criação de uma
empresa estatal nos termos do art. 173 da Constituição Federal, por paralelismo de for-
mas seria necessária a aprovação do Poder Legislativo para dizer que esse interesse
ou imperativo já não mais existe, autorizando a extinção da estatal ou a alienação de
seu controle. Em sentido contrário se encontra a corrente que defende que a neces-
sidade de autorização legal prévia à extinção de uma empresa estatal não encontra
previsão expressa na Constituição Federal, de modo que a sua imposição constituiria
violação à competência do Chefe do Poder Executivo para organizar a Administração
Pública.”. No entanto, no presente caso, filia-se a tese de que, ainda que o art. 37, XIX,
da CRFB/88 demande uma autorização legislativa para a constituição de empresas
estatais, a Lei do PND confere uma autorização legislativa genérica para a extinção
dessas sociedades. Dispensável, portanto, uma autorização específica, por parte do
Congresso Nacional, uma vez que esta saída do Estado da economia se dá de forma
a atingir o comando constitucional cristalizado no caput do art.173 da CRFB/88. As-
sim, tendo em vista que o Poder Legislativo já se manifestou sobre as hipóteses de
desestatização, ao editar a Segunda Lei do PND, e, que, portanto, compete ao Poder
Executivo a opção pela desestatização de uma determinada empresa estatal e a cor-
respondente previsão das golden shares, não há que se falar na necessidade de prévia
autorização do Congresso para a extinção dessa classe de ações.
Como extinguir uma golden share 375

Lei nº 9.491/97 – Correios, Eletrobras, Petrobras e Bancos Públicos – será


imprescindível a obtenção do aval do Congresso Nacional; (vi) por fim,
será dada publicidade ao edital e a venda das ações terá início.

A opção pela emissão de uma golden share, e em seguida, pela aliena-


ção das demais ações da empresa estatal ocorrerá, portanto, no momento
da inclusão da estatal no PPI. Isso porque, de acordo com o art. 6º, II, “d”,
da Lei nº 9.491/97,144 caberia ao Conselho Nacional de Desestatização re-
comendar, para aprovação do Presidente da República, a criação de ação
de classe especial, no entanto, dado que com a edição da Lei nº 13.334/16,
o CPPI passou a exercer as competências conferidas ao CND,145 caberá a
este novo colegiado a referida recomendação.

Desse modo, uma vez que coube ao Conselho do Programa de Parce-


rias de Investimentos a decisão pela emissão das golden shares, caberá ao
mesmo ente, com base no princípio da simetria das formas, a identificação,
no caso concreto, da permanência ou da superação das razões de interes-
se público que justificaram a criação dessas ações e, no segundo caso, a
consequente deliberação por sua extinção.

Aludido princípio, também denominado de princípio do paralelismo


das formas, preceitua que devem ser empregados para a extinção de um
determinado instituto jurídico os mesmos procedimentos que foram ob-
servados quando de sua constituição. Nesse sentido, a doutrina assim o
conceitua:

O princípio da simetria representa que os pressupostos


formalísticos utilizados para a elaboração de um instituto
deverão ser utilizados para o desaparecimento desse
instituto também. Isto é, o raciocínio esposado pelo princípio
do paralelismo das formas nada mais representa do que uma
lógica coerente a ser adotada tanto para a elaboração de um
ato quanto para a exclusão desse mesmo ato.146

Assim, diante do fato de que compete ao CPPI recomendar a inclusão


de um projeto no âmbito do Programa de Parcerias de Investimento, o
que inclui a indicação das empresas em que o controle deve ser alienado
por completo pelo ente público, é possível sustentar que cabe à mesma
entidade a indicação, ao Poder Executivo, de que a golden share deve ser

144 Lei no 9.491/97 – “Art. 6o. Compete ao Conselho Nacional de Desestatização: II – apro-
var, exceto quando se tratar de instituições financeiras: d) a criação de ação de classe
especial, a ser subscrita pela União”.
145 Lei no 13.334/16 – “Art. 7o. Fica criado o Conselho do Programa de Parcerias de In-
vestimentos da Presidência da República - CPPI, com as seguintes competências: V
– exercer as funções atribuídas: c) ao Conselho Nacional de Desestatização pela Lei no
9.491, de 9 de setembro de 1997”.
146 REIS, 2013.
376 Coleção Jovem Jurista 2021

extinta e de que, por conseguinte deve haver a retirada completa do Esta-


do daquele setor econômico.

É possível a exigência de pagamento de alguma contraprestação ao


ente público pelo fim da ação de sua titularidade?

Conforme sustentado ao longo do presente trabalho, as golden sha-


res são verdadeiros instrumentos regulatórios, previstos no capital social
das companhias desestatizadas não com o objetivo de auferir dividendos
ou qualquer tipo de benefício econômico, mas sim com o propósito de
viabilizar o exercício de uma regulação endógena à estrutura societária. E,
nem poderiam tais ações ser emitidas com o propósito exclusivo de obter
qualquer retorno financeiro, dado que esta não seria uma razão de inte-
resse público apta a ensejar a emissão desses títulos, na forma do disposto
pelo art. 173, caput, da CRFB/88.

Nesse sentido, as referidas ações, previstas atualmente no capital so-


cial da Vale, da Embraer e do IRB não têm qualquer finalidade econômica
e representam uma participação acionária extremamente reduzida, quase
irrelevante, e suficiente, apenas, para viabilizar o exercício da regulação in-
trassocietária, como pode ser extraído do estatuto social das companhias:

Vale

Art. 5º – O capital social da Vale é de R$77.300.000.000,00


(setenta e sete bilhões e trezentos milhões de reais),
totalmente subscrito e integralizado, dividido em
5.284.474.782 (cinco bilhões, duzentos e oitenta e quatro
milhões, quatrocentas e setenta e quatro mil e setecentas e
oitenta e duas) ações escriturais, sendo R$77.299.999.823,12
(setenta e sete bilhões, duzentos e noventa e nove milhões,
novecentos e noventa e nove mil, oitocentos e vinte e três
reais e doze centavos), divididos em 5.284.474.770 (cinco
bilhões, duzentos e oitenta e quatro milhões, quatrocentas e
setenta e quatro mil e setecentas e setenta) ações ordinárias
e R$176,88 (cento e setenta e seis reais e oitenta e oito
centavos), divididos em 12 (doze) ações preferenciais de
classe especial, todas sem valor nominal. (grifos nossos)

IRB

Art. 5º – O capital social da Sociedade é de R$ 1.953.080.000,00


(um bilhão, novecentos e cinquenta e três milhões e oitenta
mil reais), totalmente subscrito e integralizado, representado
por 936.000.000 (novecentas e trinta e seis milhões) ações
ordinárias e 1 (uma) ação preferencial de classe especial
Como extinguir uma golden share 377

de titularidade da União, emitida na forma do art. 8º


deste Estatuto Social (“Golden Share”), todas escriturais,
nominativas e sem valor nominal. (grifos nossos)

Embraer

Art. 6º - O capital social da Companhia, subscrito e totalmente


integralizado, é de R$ 5.159.617.052,42 (cinco bilhões,
cento e cinquenta e nove milhões, seiscentos e dezessete
mil, cinquenta e dois reais e quarenta e dois centavos),
dividido em 740.465.044 (setecentos e quarenta milhões,
quatrocentos e sessenta e cinco mil e quarenta e quatro)
ações ordinárias e nominativas, sendo uma ação ordinária
de classe especial (art. 9º), todas sem valor nominal. (grifos
nossos)

Dessa forma, os ganhos econômicos147 que poderiam ser obtidos com


a desestatização de tais companhias já foram apropriados pelo Poder Pú-
blico no momento em que foram alienadas as demais ações e, em que foi
concretizado parte substancial do processo de privatização.148 Nesse sen-
tido, Schwind (2017) ressalta:

Não há, entretanto, uma relação direta entre a instituição de


golden shares e a perda de valor da empresa. Muito embora
seja intuitivo afirmar que a instituição de golden shares gera
uma redução no preço das ações de emissão da companhia
e a diminuição da liquidez dessas ações, isso pode não
ocorrer na prática. Nesse sentido, um estudo desenvolvido
pela Oxera Consulting Ltd. Em 2005, a pedido da Comissão
da Comunidade Europeia, analisou a variação do preço de
negociação em bolsa das ações de emissão de empresas
que apresentavam golden shares, tais como Cimentos de
Portugal – Cimpor, Volkswagen AG, British Airport Authority,
Portugal Telecom, entre outras. O estudo conclui que não

147 Cabe aqui pontuar que não há que se falar, no presente caso, na necessidade de paga-
mento de um prêmio de controle em decorrência da supressão dessas ações. Isso por-
que, para além delas não conferirem o controle ao ente público, como demonstrado
anteriormente, essas ações não serão adquiridas pelos demais acionistas. Há, assim,
uma mera supressão dos direitos conferidos ao seu titular.
148 Deve-se reconhecer, no entanto, que alguns doutrinadores defendem que a previsão
das golden shares reduz, automaticamente, o valor das demais ações da companhia,
uma vez que cria certa insegurança sobre os rumos das decisões gerenciais das em-
presas, que podem ser alteradas pelo Poder Público. Nesse sentido, Eizirik (2011) des-
taca: “O direito de veto do ente público sobre determinadas matérias acarreta uma
diminuição no valor de mercado das empresas privatizadas, justificando-se, no entan-
to, pela prevalência do interesse público no que se refere à manutenção das atividades
empresariais privatizadas, à qualidade dos serviços prestados ou à fixação de preços
públicos”. Contudo, como indicado no trecho retirado da obra de Schwind (2017), não
há, até o momento, claras evidências empíricas – no cenário europeu – que confirmem
essa hipótese.
378 Coleção Jovem Jurista 2021

há evidências de que o preço de negociação das ações


de emissão das companhias tenha sido influenciado pela
instituição de golden shares. (grifos nossos)

Ademais, como pontuado pelo Ministério Público junto ao TCU não há


uma relação de causalidade automática entre a extinção das golden shares
e a consequente valorização da participação dos demais acionistas.

A configuração de tal hipótese é, desse modo, um mero efeito cola-


teral da supressão dos direitos conferidos às ações preferenciais de classe
especial. Efeito este que também é obtido quando há uma eventual des-
regulação de algum setor econômico em que apenas a iniciativa privada
atua, sem que haja, nesse cenário, qualquer indenização ao Estado para
que este deixe de regular.

Portanto, o fato de as ações preferenciais de classe especial serem


titularizadas pelo Estado e previstas, no âmbito das empresas desestatiza-
das, com objetivos regulatórios obsta o pagamento de qualquer possível
contraprestação ao ente público, sob pena de desvirtuamento da própria
dinâmica do instrumento.

Conclusão

Este trabalho foi elaborado com o objetivo de demonstrar que a tese ini-
cialmente fixada pelo Tribunal de Contas da União, no âmbito do Acórdão
nº 284/2020 – TCU – Plenário, proferido quando do julgamento da Con-
sulta nº 025.285.2017-3, comportaria outra resolução, de acordo com os
normativos atualmente vigentes.

Para tanto, no primeiro capítulo desta exposição, foi analisada a expe-


riência internacional com o referido instituto, com o objetivo de delimitar
o contexto em que as golden shares foram criadas, bem como as prerro-
gativas usualmente conferidas ao ente público em decorrência da titulari-
dade dessa participação acionária especial. Nesse momento, foi possível
identificar que os poderes atrelados a essas ações variam de acordo com
o ordenamento jurídico e, ainda, de acordo com os normativos internos de
cada sociedade, não sendo possível, portanto, a construção de um con-
ceito geral que abarque em sua definição as prerrogativas que esse título
confere a seu titular.

Em seguida, foram analisados os contornos atribuídos às golden sha-


res brasileiras, de acordo com os dispositivos legais que disciplinaram sua
previsão ao longo dos anos. Além disso, foram estudados os processos
de desestatização em que as ações preferenciais de classe especial foram
emitidas, para que, diante dessa análise, fosse possível extrair as prerro-
Como extinguir uma golden share 379

gativas tipicamente conferidas ao ente desestatizante, no Brasil e, ainda o


contexto em que essas ações foram emitidas.

Na seção seguinte, foram indicados os principais questionamentos


sobre a instituição das golden shares no âmbito do Direito Societário, no
campo do Direito Público, e no âmbito do Direito Administrativo Societá-
rio.

Com relação às críticas elaboradas pelos doutrinadores de Direito So-


cietário, foi possível demonstrar que estas se baseiam em argumentações
de que a previsão desses títulos violaria os seguintes princípios do direi-
to societário: (i) da proporcionalidade entre os direitos conferidos a um
acionista e sua respectiva participação acionária; (ii) da isonomia entre
os acionistas; (iii) majoritário; (iv) da tipicidade das espécies e classes de
ações; (v) da impessoalidade dos títulos; (vi) da livre circulação dos valo-
res mobiliários.

Já quanto aos questionamentos elaborados da perspectiva do Direito


Público, indicou-se que estes são de duas ordens: o primeiro, atinente à
necessidade ou não de compatibilização desse mecanismo sui generis de
participação societária com o disposto no art. 173, caput, da Constituição
Federal e o segundo, relativo à dúvida se esta classe de ações confere ao
Estado a prerrogativa ou a obrigatoriedade de exercer as atribuições que
o aludido título lhe confere.

Por fim, com relação às críticas que se apresentam no âmbito do Di-


reito Administrativo Societário, a principal indagação se dá quanto a um
possível enquadramento do ente público que titulariza tal ação na qualida-
de de acionista controlador da companhia.

Após esses apontamentos, destacou-se que, para o propósito desta


produção, as principais críticas são aquelas formuladas pelo Direito Pú-
blico e pelo Direito Administrativo Societário. Diante disso, esclareceu-se
que a emissão das golden shares deve ser feita de acordo com o art. 173,
caput, da Constituição Federal e, portanto, restrita aos casos de “impera-
tivos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo”. E, ainda, que
estas ações não conferem ao Poder Público o poder de controle sobre a
companhia agora privada.

Em sequência, indicou-se que o ente desestatizante jamais gozou das


prerrogativas conferidas pelas golden shares tendo em vista que as hi-
póteses de “imperativo de segurança nacional” e de “relevante interesse
coletivo”, que outrora ensejaram a emissão dessas ações, foram superadas
em razão do desenvolvimento do cenário econômico e jurídico. Para em-
basar tal conclusão, demonstrou-se que os motivos que fundamentaram
a previsão das ações preferenciais de classe especial no capital social da
Vale e da Embraer não mais subsistem. Assim, concluiu-se que, diante des-
380 Coleção Jovem Jurista 2021

sa nova configuração, essa classe de ações deve ser suprimida para que
haja a plena observância do art. 173, caput, da CRFB/88.

Com relação à possibilidade de supressão dessas ações, traçou-se um


paralelo entre o cenário experimentado pela Europa e o contexto brasi-
leiro. Desse modo, foi possível demonstrar que, na União Europeia, essas
ações foram contestadas por violarem as disposições que regem o mer-
cado comum europeu e que, diante disso foram declaradas inconstitucio-
nais pela Corte de Justiça da Comunidade Europeia e, consequentemen-
te, extintas. No caso brasileiro, de forma distinta, evidenciou-se que não
se questiona mais a constitucionalidade ou a legalidade dessas ações em
abstrato, mas sim a possibilidade de supressão dessas ações, à critério do
próprio ente desestatizante, caso este identifique a superação das razões
que ensejaram a previsão das golden shares.

No capítulo seguinte, foi abordado o andamento da Consulta nº


025.285.2017-3, atualmente em trâmite perante o Tribunal de Contas da
União em que se questiona: (i) a possibilidade de supressão dos direitos
conferidos pelas ações preferenciais de classe especial; (ii) sem contrapar-
tida financeira; e, (iii) se seria o CPPI a autoridade competente para tanto.
Nesse momento foram inventariados os argumentos apresentados pelos
ministros, bem como pela unidade técnica (SEMAG) e pelo MPTCU, que
resultaram na fixação da tese de que:

Não existe previsão legal para a extinção de ações de


classe especial, tampouco competência definida para quem
poderá extinguir esses direitos, de sorte que tal matéria deve
ser tratada no âmbito do Poder Legislativo, inclusive com
relação a eventual necessidade de compensação financeira
à União.

Por fim, foi possível demonstrar que a decisão da Corte de Contas


deveria ter sido no sentido de que: (i) as golden shares podem ser extintas,
uma vez que a superveniência de um cenário em que inexista relevante
interesse social ou de um imperativo de segurança nacional impede que
esse tipo de ação seja mantido, sob pena de violação do princípio da livre
iniciativa; (ii) por deliberação do CPPI, tendo em vista que, de acordo com
o princípio da simetria das formas, o ente competente para a previsão
de um determinado instituto deve ser encarregado da decisão pela sua
extinção; (iii) sem que haja o pagamento de qualquer contraprestação fi-
nanceira, dado que as golden shares constituem um instrumento utilizado
para a tutela de razões estratégicas do Estado e não um mecanismo para
obtenção de algum tipo de retorno econômico-financeiro.
Como extinguir uma golden share 381

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