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O lobby na

indústria de alimentos Com Igor Britto


introdução

Quando lemos a palavra lobby, logo pensamos em movimentações ilegais


de dinheiro para que se favoreça economicamente um grupo sobre outro.
Mas não é bem assim que ele funciona: as relações governamentais,
quando pautadas na transparência, podem ser muito benéficas para a
população em geral.

Mas como isso funciona em relação à alimentação? É possível que políticos


favoreçam grandes empresas do ramo alimentício e dificultem o acesso à
informação? O que nós, brasileiros, ganhamos e perdemos com essa
prática?

Quem vai nos ajudar a falar sobre isso é Igor Rodrigues Britto, advogado e
professor especialista em Direito do Consumidor.

Boa leitura!
Afinal,
o que é lobby?

De acordo com Britto, lobby é uma das expressões utilizadas para indicar
toda a estratégia a as ações de relacionamento entre pessoas da sociedade
(empresas e ONGs, por exemplo) e agentes públicos e parlamentares, para
influenciá-los em suas decisões sobre políticas públicas e projetos de lei.

Essa palavra acabou tendo uma conotação negativa, associada a


relacionamentos “de portas fechadas” e diálogos baseados em influência
daqueles que patrocinaram campanhas políticas. Em razão disso, adota-se
também outras expressões, como advocacy e relações governamentais.

“São as mesmas ações e estratégias, de representantes de empresas e


outras entidades, para convencer parlamentares a tomar decisões que
sejam mais favoráveis a suas causas.”

Não há uma regulamentação específica que garanta maior transparência


entre governantes e representantes da sociedade civil, de forma que
essas relações sejam pautadas pela ética, responsabilidade e interesse
público.

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O lobby está
dentro da lei?

Conforme o advogado Igor Britto, o lobby compreende um grupo de ações


que são legítimas, que é o desejo de determinadas instituições de
influenciar nas decisões de políticas públicas ou processos legislativos. É
claro que existem interesses dos mais diversos, e muitas vezes antagônicos
-- mas, em uma democracia, é importante que todos tenham acesso aos
agentes públicos.

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Portanto, o lobby é legal, desde que esses diálogos
sejam pautados na ética e transparência.

Sabemos que muitos desses atos de lobby foram pautados por


estratégias de corrupção ativa e passiva, por influências unicamente
baseadas no interesse econômico e contrárias ao interesse público. Mas
o que fazer?

A regulamentação dessas atividades é polêmica: se por um lado alguns


defendem a regulamentação para garantir a transparência das relações,
outros alegam que ela pode dificultar o acesso da população aos agentes
públicos para apresentar opiniões e influenciar positivamente e legalmente
na tomada de decisões.

Qual a formação de um lobista?


A formação desses agentes é variada: ciências políticas, direito, relações
internacionais… Muitos ainda trabalham defendendo interesses específicos
de empresas, como por exemplo nutricionistas de produtoras alimentícias
que mantém um relacionamento com políticos para defender o direito à
alimentação adequada e saudável, ou biólogos que participam na defesa de
reservas naturais. A formação é mais relativa aos interesses da pessoa
jurídica.

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Quando o lobby
vira crime?

De certa forma, muitas grandes empresas e grupos econômicos acabam


exercendo a atividade de lobby às escuras, por defender interesses que
não casam com o bem-estar da população. 

Hoje, já é proibida a doação para campanhas políticas feitas por pessoa


jurídica. Entretanto, ainda há um resquício de poder muito forte de influência
de grandes grupos econômicos no parlamento brasileiro baseados em
grandes doações de campanhas para partidos e alguns candidatos eleitos
no passado. Quando essas influências são pautadas por contrapartidas,
para Igor, “obviamente isso deve ser perseguido e sujeito a fiscalizações e
punições quando ferirem o interesse público.”

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O exemplo dos
refrigerantes

O tema de tributação das bebidas adoçadas no Brasil tem sido pautado por
uma discussão política muito forte. Os grandes fabricantes de refrigerante,
engarrafadores e distribuidores têm mostrado grande influência sobre os
parlamentares. Muitas dessas empresas possuem benefícios tributários no
Brasil, e recebem isenções, créditos tributários e alíquotas muito baixas,
que não estão em conformidade com os impactos negativos que seus
produtos causam na saúde pública do país. 

Enquanto são beneficiados com baixas alíquotas de imposto, ao mesmo


tempo causam um grande gasto público, porque são produtos que estão
relacionados ao excesso de ingredientes críticos -- neste caso, o açúcar.
Eles causam graves danos na saúde e, por outro lado, segundo Britto,
recebem como regalia índices tributários imorais. 

Isso tudo acontece porque grandes empresários dessa área são


responsáveis por enormes doações de campanhas para alguns partidos e
deputados, e demonstram um grandíssimo poder na tomada de decisões e
na legislação.

“É muito difícil combater isso por causa dessa influência, que precisa ser
revista. Também é necessário que o público conheça esse tema e pressione
o setor público, sabendo dessa relação e destes benefícios que nós
achamos imorais.”

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Desequilíbrio entre arrecadação e gasto
Recentemente, após a greve dos caminhoneiros, o governo resolveu
garantir subsídios na produção e distribuição de diesel. Para isso, precisou
compensar a perda de arrecadação em alguns outros setores. Um deles foi
o de produção e distribuição de refrigerantes, pois sua carga tributária já é
muito baixa. O setor fez grande mobilização perante os deputados e
senadores que representam seus interesses, para tentar reverter essa
decisão. Também fez grande pressão política sobre o governo brasileiro,
trazendo dados falsos para alarmar a população, como se esse aumento
dos tributos fosse causar fechamento de fábricas, diminuição de empregos
e crises econômicas.

Na verdade, essa indústria contribui muito pouco com impostos e para


a economia brasileira em geral, quando comparado ao gasto que geram
para a saúde pública em campanhas de combate e prevenção de
obesidade e doenças crônicas não transmissíveis associadas ao alto
consumo de açúcar. 

Para Britto, isso significa que a tributação destes alimentos, de produtos e


bebidas ultraprocessados que estão ligados a doenças crônicas não
transmissíveis, deve levar em conta o aumento nos gastos de saúde pública
que causam.

A situação pode ser comparada ao que ocorre com a indústria do tabaco,


que já conta com mais impostos e mais restrições na publicidade pelo
problema de saúde pública que o tabagismo representa. Se passarmos a
reconhecer que o excesso no consumo de açúcar, sódio e gordura também
tem uma relação direta com algumas das principais doenças modernas, as
empresas responsáveis têm que aceitar uma mudança na tributação; nas
regras de publicidade, que precisam sofrer restrições para que não induza o
consumidor ao erro; e também nos rótulos, para garantir uma informação
precisa sobre a verdadeira composição de cada produto e sobre os riscos
que apresentam.
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De quem é
a culpa?

Segundo o advogado, há uma culpabilização do consumidor por essas


escolhas alimentares. A verdade é que as pessoas precisam de uma
contribuição do governo e das indústrias para a garantia de um ambiente
alimentar mais saudável -- que contribua para uma dieta menos danosa. 

Isso exige mudanças nas políticas de educação alimentar, no acesso a


alimentos mais saudáveis e na disponibilização de dados claros sobre o que
é oferecido no mercado. Alguns estímulos são necessários, tanto para o
setor produtivo quanto para a população em geral, para que ela possa ter
uma mudança de comportamento. Tudo indica que essas mudanças só
serão possíveis se houver a intervenção do governo, sendo mais duro com
a tributação e as exigências em informações mais transparentes ao
consumidor.

A comparação entre as informações que as pessoas recebem sobre


alimentação saudável com a grande oferta de informações (por muitas
vezes enganosas) sobre alimentos que são anunciados como saudáveis
e não são impedem que as pessoas façam escolhas conscientes sobre o
que elas devem comer para ter uma vida equilibrada. São três direitos
fundamentais que devem ser defendidos: o direito à saúde, a uma
alimentação saudável, e à liberdade de escolha.

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Tendências
para o futuro

No processo de discussão sobre criar regras para rótulos, publicidade e até


mesmo tributação de alimentos, a indústria nitidamente tenta evitar a
comparação do setor produtivo dos alimentos ultraprocessados com os
fabricantes de cigarro. Em sua defesa, dizem que a comparação não é
possível de se fazer pois há um conhecimento claro de que o cigarro faz
mal a saúde, e por isso ele merece todo tipo de restrição.

Mas, de acordo com Igor, essa comparação é, sim, possível. Há um sentido


lógico em comparar o processo que o governo brasileiro deve passar de
discussão de regras para alimentos ultraprocessados, principalmente
aqueles cuja composição contém um alto teor de ingredientes críticos,
pelos mesmos motivos.

No momento em que o Brasil reconheceu que era preciso restringir


a indústria da publicidade na sua liberdade de se comunicar com
seus consumidores em razão da relação destes produtos (cigarros)
com os gastos em saúde pública, nós podemos fazer essa mesma
comparação com alimentos ultraprocessados.

Se, em certa medida, estamos reconhecendo que esses alimentos


possuem, direta ou indiretamente, um impacto nos gastos com a saúde
pública, essa indústria também deve sofrer certas restrições. Portanto, a
relação, apesar de ser evitada, tem o mesmo sentido: tudo o que colocar
em risco a saúde merece o controle do governo, pois as pessoas têm o
direito de serem alertadas sobre os perigos de cada substância para ter a
plena liberdade de fazer escolhas mais conscientes. 

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Se, em certa medida, estamos reconhecendo que esses alimentos
possuem, direta ou indiretamente, um impacto nos gastos com a saúde
pública, essa indústria também deve sofrer certas restrições. Portanto, a
relação, apesar de ser evitada, tem o mesmo sentido: tudo o que colocar
em risco a saúde merece o controle do governo, pois as pessoas têm o
direito de serem alertadas sobre os perigos de cada substância para ter a
plena liberdade de fazer escolhas mais conscientes.

Segundo o advogado, a tendência é de que essas discussões se


aproximem cada vez mais, à medida em que as descobertas científicas
avancem e liguem os alimentos ultraprocessados às doenças crônicas não
transmissíveis de forma mais definitiva.

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Sobre o especialista:
Igor Britto

Igor Britto é advogado especialista em Direitos do Consumidor pelo IDEC


(Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). É mestre em Direitos
Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória. Pós Graduado em
Direito do Consumidor e em Direito Econômico pela Universidade de
Coimbra e em Direitos Humanos pela Universidade Carlos III de Madrid,
atualmente é professor universitário de Direito do Consumidor, Direito
Empresarial e Direito Administrativo.

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anotações
COM IGOR BRITTO

o lobby na
indústria de alimentos

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