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COMuNIDADES ATINGIDAS E
TERRITÓRIOS AFETADOS pELA
MINERAÇÃO: REALIDADES E
RESISTÊNCIAS
MuRILO DA SILVA ALVES1
KARINE GONÇALVES CARNEIRO2
TATIANA RIBEIRO DE SOuZA3
GEORGINA MARIA VÉRAS MOTTA4
LuCIA MARIA FANTINEL5
GuSTAVO SOARES IORIO6
TáDZIO pETERS COELHO7
1
Docente do Departamento de Ciências da Saúde da universidade Estadual de
Santa Cruz (DCS/uESC), doutorando em psicologia Social pela universidade
Federal de Minas Gerais (ppG-pSI-uFMG), mestre em Enfermagem e Saúde
pelo ppGES/uESB e membro do Laboratório de Estudos sobre Trabalho,
Sociabilidade e Saúde (LETSS/uFMG). murilosevla@gmail.com
2
Doutora em Ciências Sociais pela puC-Minas. professora Adjunta da uFOp
na graduação em Arquitetura e urbanismo e no mestrado em Direito. Coor-
denadora do Grupo de Estudos e pesquisas Socioambientais (GEpSA). karine.
carneiro@ufop.edu.br
3
Doutora em Direito público e mestre em Ciências Sociais pela puC-Minas.
professora Adjunta da universidade Federal de Ouro preto (uFOp) na gra-
duação e no mestrado em Direito. Coordenadora do GEpSA. tatiana.souza@
ufop.edu.br
4
Mestre em psicologia pela uFMG, doutoranda em psicologia Social pela mes-
ma instituição e membro do Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Sociabi-
lidade e Saúde (LETSS/uFMG). georginavmotta@gmail.com
5
professora aposentada do Departamento de Geologia, do Instituto de Geoci-
ências da uFMG. luciafantinel@gmail.com
6
Docente da universidade Federal de Viçosa (uFV) e do programa de pós-
-Graduação em Geografia na mesma instituição. iorio@ufv.br
7
professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da uFV e pesquisador
do grupo de pesquisa e extensão política, Economia, Mineração, Ambiente e
Sociedade (poEMAS). tadzioguaiabera@gmail.com
42 parte I
Introdução
O território pode ser considerado a matriz da vida social,
econômica e política das comunidades/sociedades. Os terri-
tórios da América Latina e da áfrica estão mais suscetíveis à
atuação e à exploração de empresas e empreendimentos mine-
rários, pois conjugam uma política pública mineral capturada
pelo interesse corporativo das multinacionais e do mercado
financeiro nacional e internacional, que mantêm o extrativismo
enraizado nos países, como base da dependência econômica.
As empresas e incorporadoras ao mesmo tempo que esca-
pam do controle do Estado, controlam o Estado e distanciam-
-se de uma relação de responsabilidade para com os territórios
minerados e suas comunidades, desorganizando-os social, eco-
nômica e ambientalmente – o que é parte da própria política
de atuação e do modus operandi dessas empresas. Esse contexto
pode ser percebido tanto durante os processos de implantação
e licenciamento de novos empreendimentos quanto ao longo
da fase de operação e também na ocorrência de rompimentos
de barragens, tais como os da Samarco/Vale/BHp Billiton, em
Mariana; o da Vale, em Brumadinho; e o vazamento da Hydro
Alunorte, Imerys e Vale, em Barcarena.
Nesse último aspecto, a permissividade que tem sido obser-
vada frente aos crimes cometidos por essas empresas – já que
os processos de reparação integral vêm se estendendo ao longo
do tempo – reforça o lugar de colônia do Estado brasileiro,
principalmente no que tange os aspectos socioeconômicos e
socioambientais, pois nossos territórios ainda são considerados
os locais onde quase tudo pode ser feito para atender os países
de origem dessas empresas – onde a legislação ambiental não
seria tão permissiva e, provavelmente elas não teriam condi-
ções de operar. O caso de Barcarena, no pará-Brasil, tipifica a
questão, pois as empresas Hydro Alunorte (Noruega) e Imerys
(França) registram vários danos ambientais que afetaram o
Capítulo 2 43
Metodologia
O GT Mineração/Minas, com o intuito de construir suas
contribuições para o programa popular da Mineração sob a
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As reuniões aconteceram nos dias 19 de julho 2019, na sede da universidade
Federal de Ouro preto em Belo Horizonte, 13 e 20 de setembro de 2019, na
Escola de Medicina da universidade Federal de Minas Gerais.
48 parte I
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A oficina foi realizada nos dias 4 e 5 de outubro de 2019, na Escola Sindical
7 de outubro, em Belo Horizonte/MG.
Capítulo 2 51
Comunidades/territórios e mineração
Discutir a mineração no Brasil implica necessariamente
na abordagem das questões relacionadas aos danos causados
pela mineração às comunidades e seus territórios, com especial
atenção para os danos causados às comunidades tradicionais e
aos povos indígenas, que já contam com instrumentos legais
52 parte I
b) Fortalecendo a comunidade:
– fortalecer o controle popular sobre o território por meio
dos protocolos de consulta, que incentivam o processo
de organização;
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c) Desenvolvendo produtos:
– produzir material sistematizado e em linguagem acessível
sobre as responsabilidades dos entes federados (muni-
cipais, estaduais e federal) na área da mineração, para
melhor controle social;
– elaborar cartilhas e materiais para diferentes meios de
comunicação (whatsapp, instagram, facebook etc.) reve-
lando os efeitos causados pela mineração e as estratégias
das empresas para apropriação e controle dos territórios;
– desenvolver anteprojeto de lei voltado para a garantia de
formas de participação popular (no processo de licencia-
mento e de fiscalização da mineração e no processo de
reparação de danos) que não se restrinjam às audiências
públicas, para que sejam mais efetivas e, sobretudo, man-
tenham o protagonismo das pessoas atingidas;
60 parte I
Considerações da temática:
comunidades/territórios e mineração
Conhecer os danos e riscos trazidos pela mineração para
as comunidades e territórios, além do modus operandi das em-
presas, é fundamental para buscar maneiras mais eficazes de
enfrentá-los. O grau de dependência e captura das subjetivi-
dades não favorece a luta contra a mineração, mas requer o
desenvolvimento de estratégias para conviver com ela de forma
menos danosa. Ressalte-se que as estratégias devem ser diversas,
porque os cenários são diversos, há localidades lidando com a
mineração consolidada, enquanto outras estão lidando com a
chegada da mineração no seu território.
portanto, é fundamental que os movimentos de resistência
à mineração conheçam e façam uso dos instrumentos legais já
existentes, que podem favorecer a proteção das comunidades e
dos territórios em face da mineração, e também desenvolvam
um projeto para a mineração no Brasil, que garanta a soberania
popular no processo de licenciamento e o protagonismo das
pessoas atingidas nos processos de reparação.
Saúde e mineração
O conceito de saúde relaciona-se historicamente à evolu-
ção da ciência e à concepção de mundo, ou seja, ao contexto
sócio-histórico, propiciando distintas definições e parâmetros
(Canguilhem, 1990). Nessa temática adotamos a abordagem
baseada na concepção positiva de saúde que assume a multicau-
Capítulo 2 61
d) Diversos:
– promover a luta pelo sistema público de saúde, com
fortalecimento do SuS;
– incentivar o surgimento de novas formas de trabalho e
renda nos territórios, promovendo a agricultura familiar,
manufatura de artefatos, artesanato, entre outras;
– valorizar o patrimônio material e imaterial e a tradição
da população das cidades/territórios minerários.
Educação e mineração
As reflexões sobre Educação e Mineração (EM) colocaram
em evidência as estratégias e práticas historicamente presentes
na relação das corporações mineradoras com a educação e com
as instituições de ensino, a natureza do debate sobre mineração
nas escolas situadas em territórios minerados e os referenciais
a serem adotados na perspectiva de uma abordagem crítica
sobre o tema.
Destacam-se, inicialmente, as formas adotadas pelo capital
privado para substituir as funções do Estado, especialmente
por meio de doações, benfeitorias e atividades promovidas nas
escolas; as estratégias empresariais para capturar projetos e
dinâmicas formativas nos territórios minerados; e, não menos
importante, a disputa de narrativas calcadas na “vocação mi-
neral” de Minas Gerais para influenciar conteúdos e sentidos
da educação. Milanez et al. (2019) analisam o papel do setor
mineral nas mudanças da política ambiental de Minas Ge-
rais e, apoiados em estudos sobre a relação entre corporações
transnacionais e Estado, abordam as formas sobre como nos
últimos 20 anos as corporações do setor extrativista mineral
têm exercido poder de influência sobre as políticas públicas.
Os debates no grupo Educação e Mineração sinalizam que o
Capítulo 2 71
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Dizemos relativamente porque, dada a indissociabilidade entre os diferentes
momentos do sistema econômico, é difícil pensar uma atividade econômica
completamente independente de outras.
80 parte I
Considerações da temática:
produção, trabalho, ambiente e mineração
As relações entre produção, trabalho, ambiente e mineração
são bastante delicadas, no entanto, engendram uma questão
de primeira ordem de importância. A mineração, pela forma
segundo a qual ela tem sido exercida, compromete as estruturas
de (re)produção e trabalho localmente engendradas, inserin-
do de maneira precária estes sujeitos numa rede de produção
global. A reprodução social se vê comprometida pela reestru-
turação do trabalho e pela ruptura de vínculos desses sujeitos
com seus ambientes.
Configura-se aí uma prática deliberada de expropriação,
na qual o acesso aos recursos e ao trabalho mal remunerado
é fundamental para sustentar uma atividade minerária vin-
culada aos circuitos mais lucrativos da economia globalizada,
86 parte I
a) Inversão da Minério-Dependência:
– aproveitar o excedente da própria mineração, estimu-
lando alternativas como polos têxteis e de agricultura
orgânica;
– utilizar a própria mineração para potencializar outros
setores, e que isso seja uma condicionante na concessão
de lavra na Agência Nacional de Mineração (ANM);
– incentivar a economia cooperativada, para a inversão da
minério-dependência;
– fortalecer a possibilidade de alternativas econômicas por
meio de organizações comunitárias, agricultura familiar;
assessoria técnica da Assistência Técnica e Extensão Ru-
ral – Ministério da Agricultura (ATER), organizando a
produção do pequeno produtor para atender a demanda
local (por exemplo, em escolas);
– aproveitar os ofícios e as potencialidades locais.
d) Diversos:
– criar um projeto de lei que estipule o beneficiamento de
parte do minério que é extraído no país (compensação
fiscal etc.);
– criar estratégia internacional para atingir a imagem das
empresas, para afetar a percepção dos acionistas acer-
ca dos danos causados pelas empresas mineradoras nos
territórios e suas populações;
– incluir a exploração da água e do petróleo como parte
das atividades de mineração;
– discutir com o GT de Ciência e Tecnologia do projeto
Brasil popular qual modelo de industrialização quere-
mos;
– rever o direito de uso das águas, a outorga, por causa
do preço diminuto cobrado às empresas de mineração e
também considerar as particularidades de regiões com
pouca disponibilidade hídrica;
– produzir material em linguagem acessível que traduza
o debate tecnocrático da economia mineral para que as
comunidades possam se inserir neste debate;
Capítulo 2 93
Considerações finais
No processo de elaboração e realização da GT Mineração-
-MG para a I Oficina do projeto Brasil, entendemos que as co-
munidades/territórios constituiriam o elo condutor e transver-
sal para discutir a mineração no estado, pois as outras temáticas
abordadas (saúde, educação, produção, trabalho, ambiente, e
política/economia) estão relacionadas às comunidades atingidas
e aos territórios afetados pela mineração e seu entorno.
A mineração, conforme se evidenciou nas realidades des-
critas nos cinco eixos apresentados, é uma atividade profun-
damente degradante e deletéria para a população. Controlar
e prevenir os danos, bem como responsabilizar as empresas
pelos impactos causados pela prática extrativo-minerária em
suas múltiplas dimensões, é passo fundamental no sentido de
diminuir tais danos sobre a reprodução social das comunidades
e seus territórios.
percebemos que o ponto crucial reside na lógica financeira
mineral e suas “vantagens e benefícios”, como a geração de
impostos, Compensação Financeira pela Exploração de Re-
cursos Minerais (CFEM), empregos diretos e indiretos nos
territórios. Nesse mesmo contexto, temos como afirmar que as
desvantagens da mineração são prejudiciais às comunidades e
devastadoras aos territórios. Os rompimentos das barragens de
Mariana e Brumadinho deram visibilidade midiática ao que
vem ocorrendo nos territórios em que a mineração se instala.
Nesses territórios, os impactos sobre a destruição dos modos
de vida, saúde, economia, reservas de agua, solo, dentre tantos
outros enunciados na oficina, são consequências da mineração.
para além do regime de compensação e reparação realiza-
dos pelas empresas mineradoras, é preciso discutir sobre este
modelo de mineração empreendido no estado de Minas Gerais
e no Brasil. Neste sentido, temos que nos questionar: a quem
Capítulo 2 95
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A replicação da oficina começa a ser realizada em outros estados. No dia 24 de
novembro de 2020, foi realizada a I Oficina de Trabalho do GT Mineração-
-BA, na forma virtual, por conta da pandemia de Covid-19. Adequando-se à
realidade da Bahia, as seguintes temáticas foram discutidas para a construção
de propostas e um plano de ações: mineração e fiscalização; mineração e ter-
ritório; mineração e mundo do trabalho; saúde e mineração. Esperamos que a
execução de propostas, planos de ações e compartilhamento de experiências e
resistências fortaleçam a construção de um programa popular da Mineração
pelos grupos de trabalho no Brasil.
96 parte I
Agradecimento
Agradecemos a revisão de conteúdo do texto realizada pelo
professor Cláudio Scliar.
Referências
ANTuNES-ROCHA, Maria Isabel; OLIVEIRA, Antoniel Assis; LIMA, Cleper
de Arruda. Educação do Campo: uma possibilidade para a reconstrução da
oferta escolar nas áreas campesinas atingidas pelo rompimento da Barragem
do Fundão, in: SILVA, F. A. et al. (ed.). Diálogos na formação docente com
diferentes sujeitos e espaços e espaços educativos. Curitiba: CRV, 2018, p. 297-310.
CANGuILHEM, George. O normal e o patológico (Maria Thereza Redig de
Carvalho Barrocas, trad., Manuel Barros da Motta, rev. técnico). Rio de
Janeiro: Forense-universitário, 1990. (Originalmente publicado em 1966).
CATETE, Clístenes pamplona et al. Barcarena/pA grandes empreendimentos:
uma análise geoespacial do contexto atual, in: CONGRESSO ABES/
FENASAN – 2017, São paulo, Anais… Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (ABES); Associação dos Engenheiros da Sabesp
(AESABESp). São paulo, p. 1-7. Disponível em: http://abes.locaweb.com.
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CLAuDINO, Sérgio. Educação, riscos e currículos escolares. Territorium: Revista
Internacional de Riscos, Coimbra, v. 25, n. 2, p. 5-18, 2018. Disponível em:
http://www.uc.pt/fluc/nicif/riscos/Documentacao/Territorium/T25II_Artg/
T25_II__artigo01.pdf. Acesso em: 16 dez. 2019.
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