Você está na página 1de 49

UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

EZEQUIEL FERNANDO NOSTER PERINE

MOVIMENTOS SOCIAIS E OS DIREITOS HUMANOS

Ijuí (RS)
2014
1

EZEQUIEL FERNANDO NOSTER PERINE

MOVIMENTOS SOCIAIS E OS DIREITOS HUMANOS

Monografia final do Curso de Graduação em


Direito objetivando a aprovação no componente
curricular Monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas
e Sociais

Orientadora: MSc. Anna Paula Bagetti Zeifert

Ijuí (RS)
2014
2

Dedico este trabalho a todos que de uma


forma ou outra me auxiliaram e ampararam-
me durante estes anos da minha caminhada
acadêmica.
3

AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me dado saúde e força para


superar as dificuldades.
A esta universidade, seu corpo docente,
direção e administração que oportunizaram a
janela que hoje vislumbro um horizonte
superior, eivado pela acendrada confiança no
mérito e ética aqui presentes.
A minha orientadora MSc. Anna Paula Bagetti
Zeifert, pelo suporte no tempo que lhe coube,
pelas suas correções e incentivos.
A minha família, pelo amor, incentivo e apoio
incondicional.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram
parte da minha formação, o meu muito
obrigado.
4

"Os direitos humanos são a baliza, a referência


e os suportes, que dão humanidade ao mundo.
Sem eles, nossas sociedades iriam para a
barbárie" (Cristovam Buarque).

“O conflito não está mais associado a um setor


considerado fundamental da atividade social, à
infraestrutura da sociedade, ao trabalho em
particular; ele está em toda a parte.”
(Touraine).
5

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise dos movimentos sociais e
as conquistas, consolidações e ampliações dos Direitos Humanos através desses movimentos.
Para isso foi realizada uma retrospectiva histórica dos direitos humanos verificando de que
forma se deu seu desenvolvimento no decorrer dos anos, desde a conquista de sua primeira
geração de direitos com a Revolução Francesa, até os dias atuais. Ainda, analisou-se também,
como perspectiva central, os movimentos e conquistas voltados para a América do sul,
concernentes aos ocorridos no Brasil após o período da ditadura. Não pretende-se esgotar as
possíveis análises sobre a questão, no entanto, delimitou-se o estudo no período que
compreende o fim da Ditadura militar, visto que esse foi o momento histórico no qual todas as
manifestações foram fortemente reprimidas. Nessa perspectiva compreende-se e demonstra-se
através de resultados obtidos por diversos movimentos, em diferentes épocas, em prol dos
direitos humanos, que a participação popular torna-se elemento preponderante na luta pela
conquista e ampliação dos direitos.

Palavras-Chave: Direitos humanos. Gerações de direitos. Movimentos sociais.


6

ABSTRACT

This monographic research is an analysis of social movements, conquests,


consolidations and extensions of the Human Rights through these movements. For this, a
historical retrospective of human rights verifying how its development occurred over the
years, since the conquest of his first generation of rights in the French Revolution to the
present day was held. It is also analyzed as a central perspective the movements and
achievements focused on South America, related to the facts occurred in Brazil after the
dictatorship period. It is not intended to exhaust all possible analyzes for the question,
however, the study delimited itself around the period which comprises the end of military
dictatorship, since this was the historical moment where all manifestations were strongly
repressed. In this perspective, it is understandable and it is demonstrated through results from
different movements at different times, in favor of the human rights, that popular participation
becomes a prominent element in the fight for rights conquest and expansion.

Keywords: Human Rights. Generations of rights. Social movements.


7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................08

1 DIREITOS HUMANOS......................................................................................................10
1.1 Aspectos históricos dos Direitos Humanos.....................................................................10
1.2 As Gerações de Direitos Humanos nascidas pós Revolução Francesa.........................16
1.3 Sistema internacional de proteção dos direitos humanos: a inserção do Brasil..........21

2 MOVIMENTOS POR DIREITOS HUMANOS NO BRASÍL: UMA ANÁLISE A


PARTIR DA ABERTURA DEMOCRÁTICA.....................................................................29
2.1 Os movimentos sociais no Brasil: aspectos históricos....................................................29
2.2 Direitos Humanos e a sua conquista por meio dos movimentos sociais.......................34
2.3 Os Direitos Humanos no Brasil pós abertura democrática e a incorporação das
normas internacionais de proteção no direito brasileiro.....................................................39

CONCLUSÃO............................................................................................................... ..........44

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... ..........46


8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisa os Movimentos sociais e a forma como esses movimentos


contribuíram para a conquista e ampliação dos direitos humanos. Assim como, descrever a
trajetória histórica dos Direitos Humanos; estudar as gerações de direitos humanos nascidas
pós Revolução Francesa, mais especificamente, com a formação do Estado Moderno; verificar
quais os movimentos sociais que contribuíram para a implantação dos direitos humanos no
Brasil após a abertura democrática; compreender o funcionamento do sistema internacional de
Direitos Humanos; ainda, investigar os movimentos sociais que colaboraram para o
movimento de Direitos Humanos no Brasil no período compreendido entre 1964 a 1988, bem
como a incorporação das normas de proteção no direito brasileiro.

Como os movimentos sociais colaboraram efetivamente para o movimento de direitos


humanos no Brasil? Este é o problema a ser abordado no presente trabalho, com o intuito de
verificar a forma com que esses movimentos se organizaram para chegar a resultados
positivos em relação a conquista e ampliação dos direitos humanos.

Inicialmente, no primeiro capítulo, abordaram-se os aspectos históricos dos direitos


humanos, levando em conta a discussão levantada pelos doutrinadores até os dias de hoje, ou
seja, para alguns os direitos humanos existem desde há antiguidade enquanto que, para outros
doutrinadores e, é com esses que nós concordamos, os direitos humanos surgem para a
humanidade a partir do momento em que se rompe com o pensamento de que o Estado é
anterior e superior às partes, o modelo de Estado denominado Organicista.

Ainda, a questão da nomenclatura utilizada para uma melhor compreensão do texto, as


“gerações de direitos” ou, “dimensões de direitos”, como preferem alguns doutrinadores,
nascidas a partir da Revolução Francesa de 1789, elas refletem as conquistas de direitos pelo
9

homem e, vêm evoluindo com o passar dos anos e hoje encontra-se em sua 4° geração de
direitos.

Verificou-se, também, como funciona o sistema internacional de proteção desses


direitos, de que forma estão estruturados e organizados e, a partir de que momento o Brasil
começou a fazer parte desse sistema.

Em relação ao segundo capítulo, por estar voltado mais para a questão dos
movimentos sociais, no primeiro item abordam-se os aspectos históricos dos movimentos
sociais ocorridos no Brasil, tendo como paradigma os movimentos ocorridos na Europa e
Estados Unidos. A contribuição dos movimentos sociais para a conquista dos direitos
humanos, analisando de forma mais detalhada e específica alguns movimentos ocorridos após
a abertura democrática com a queda da Ditadura Militar em 1985.

Para finalizar, no terceiro e último capítulo, analisou-se a questão da incorporação das


normas de direito internacional no ordenamento jurídico brasileiro e a questão da hierarquia
dessas normas, assim como, a própria soberania nacional frente aos acordos e tratados
firmados pelo País em âmbito internacional.

Para a realização deste trabalho foi utilizado o método hipotético-dedutivo, e no seu


delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na
rede de computadores.
10

1 DIREITOS HUMANOS

No presente capítulo serão abordados os aspectos históricos dos Direitos Humanos,


analisando a dicotomia existente, ainda hoje, quanto ao momento histórico em que podemos
reconhecer a consagração dos valores que representam os direitos humanos. Assim como, o
surgimento da primeira geração de direitos nascida após a Revolução Francesa e, a sua
consequente evolução que se convencionou chamar de gerações de direito.

Ainda, compreender o funcionamento do Sistema Internacional de Direitos Humanos,


seu surgimento, órgãos e instâncias voltadas à proteção dos Direitos Humanos e, verificar os
Tratados e convenções do qual o Brasil faz parte.

1.1 Aspectos históricos dos direitos humanos

Destacamos, preliminarmente, que não serão abordados todos os fatores históricos que
influenciaram para a construção de uma visão moderna de direitos humanos devido a
limitação do presente trabalho. No entanto, serão elencados os principais fatos históricos
concernentes para uma boa compreensão do tema.

Compreendemos que os Direitos Humanos são o resultado de um processo histórico


revolucionário que envolveu, não somente aspectos éticos, mas, também, questões políticas e
jurídicas. Em um determinado momento da história ou, contexto histórico, houve a
positivação de direitos geralmente na forma de uma Carta Magna visando conter o poder do
Estado, representado pelo Rei ou Ditador, dependendo do caso, para que esse, então, não
pudesse intervir de forma arbitrária na vida e nos bens do indivíduo.

Destacamos, ainda, que os Direitos Humanos é uma verdadeira conquista da sociedade


moderna, quanto ao seu reconhecimento e efetivação. É dever de toda sociedade evoluída
reconhecê-los pois, carregam uma carga moral muito grande, determinando o caráter de toda
uma nação, independente do sistema social ou econômico que adota, envolvendo ainda,
conceitos como justiça, liberdade e igualdade.

Quanto a questão terminológica que adotaremos para nos referir aos Direitos humanos,
pois há várias, conforme André Ramos Tavares (2002, p. 352), podemos encontrar, no que
11

tange aos Direitos Humanos, as seguintes expressões: “direitos naturais, direitos humanos,
direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais,
liberdades públicas e direitos fundamentais do homem”, entre outras. Todas relativas e
relacionadas aos direitos individuais, sociais, econômicos e políticos.

Portanto, destacaremos duas dessas nomenclaturas que são as mais facilmente


encontradas na doutrina, direcionadas para os direitos humanos. A primeira delas denominada
de Direitos do Homem foi a primeira forma que se utilizou para referir-se a um rol de direitos
que remonta ao jusnaturalismo, onde pregava que bastava ser homem para possuir direitos e
poder usufruí-los, ou seja, concernente da própria qualidade de pessoa humana enquanto
pertencente a mesma espécie.

Para Maria Victoria Benevides, citada por Herkenhoff (2011, p.13), Direitos do
Homem “são aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem
distinção de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, classe social, profissão, condição de saúde
física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral.”

No entanto, a expressão “homem” sofreu diversas críticas por se achar que o sexo
feminino estaria excluído de usufruir desses direitos. (HERKENHOFF, 2011, p.14). Nesse
sentido, Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 31), expressa o seguinte comentário:

[...] o termo "direitos humanos" se revelou conceito de contornos mais


amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal sorte que
estes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem
o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e
garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se,
portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja
denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema
jurídico do Estado de Direito.

Dessa forma, o autor refere-se àqueles direitos reconhecidos e que estão positivados
constitucionalmente, assegurando, assim, os direitos de cada ser humano a ter uma vida mais
digna, como nos explica José Afonso da Silva (2009, p. 178): “trata-se de situações jurídicas
sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo
sobrevive.”
12

Convém ressaltar que a expressão direitos humanos é mais utilizada pelos


doutrinadores do Direito Internacional, estão positivados no âmbito externo dos países
participantes, ou seja, diferem dos direitos fundamentais pela abrangência geográfica,
enquanto esses dizem respeito a leis internas, aqueles figuram no plano internacional.

Para José Joaquim Gomes Canotilho apesar dos termos serem usados como sinônimos,
há algumas distinções que precisam ser feitas:

Segundo a sua origem e significado poderíamos distinguí-las da seguinte


maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em
todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos
fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente
garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem
arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,
intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos
objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. (CANOTILHO,
2002, p. 391)

A respeito da segunda terminologia a ser abordada “direitos fundamentais”, podemos


compreender do enunciado supra surgir para a humanidade quando positivados em um
ordenamento jurídico e, limitados pela geografia e cultura de um povo. Ainda, encontramos o
mesmo entendimento por Sarlet (2009, p. 29):

[...] o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser


humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional
positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos
guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se
àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional, e que, portanto aspiram à validade universal, para todos os
povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoca caráter
supranacional.

Verificamos não ser tarefa das mais fáceis conceituar os direitos humanos, pelo fato de
serem várias as ideias terminológicas que cercam o tema. A doutrina tem tentado construir
alguns conceitos não sem algum receio de trazer algo insatisfatório para o leitor. Até porque,
como pontua José Afonso da Silva (2005, p. 175).

A ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no


envolver histórico dificultam definir-lhes um conceito sintético e preciso.
Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem várias
13

expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos,


direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos,
liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do
homem.

Nesse sentido, a terminologia que adotaremos para a realização do presente trabalho


será a de Direitos Humanos, vinculando-os ao âmbito externo, com abrangência internacional,
compatibilizando-se, assim, bem mais com os objetivos aqui almejados, além do que, deixar
claro, que os destinatários dos direitos são os seres humanos em geral.

Atualmente, ainda existe um grande embate doutrinário quanto ao momento, a origem


exata em que os direitos humanos começaram a fazer parte da história humana. Para alguns
doutrinadores essas liberdades começaram a aparecer já na antiguidade e, para outros, o
nascimento desses direitos se dariam somente com o surgimento do Estado Moderno.

É o caso, por exemplo, de Herkenhoff (2011, p. 39) quando nos diz que a sociedade
antiga não conheceu o fenômeno da Limitação do Poder do Estado, e que nem por isso
deixaram de privilegiar a pessoa humana na criação da ideia de direitos humanos, pois,
segundo o mesmo autor, a simples técnica de estabelecer limites através de constituições e leis
não garantem que elas sejam respeitadas. Assim, destaca o autor que os direitos humanos
podem ser reconhecidos na Antiguidade pelos seguintes códigos:

Código de Hamurabi (Babilônia. século XVIII antes de Cristo), no


pensamento de Amenófis IV (Egito. século XIV a. C). na filosofia de
Mêncio (China. século IV a. C), na República. de Platão (Grécia. século IV
a. C.), no Direito Romano e em inúmeras civilizações e culturas ancestrais,
[...] (HERKENHOFF, 2011, p. 39).

No entanto, não compartilhamos com o mesmo pensamento desses doutrinadores pelo


fato de, na época, não terem existido nenhum tipo de mecanismo que limitasse o poder estatal
pela lei, que é uma das formas de garantir o respeito pelos direitos humanos. Pois, na
antiguidade isso dependia muito da caridade, virtude e sabedoria dos governantes.

Conforme Herkenhoff (2011, p.42), a técnica de limitar o poder pela lei teve suas
raízes históricas implantadas no século XIII, por volta do ano 1215, quando os barões e bispos
impuseram ao Rei João Sem Terra a Carta Magna. Esse ficou sendo, também, o marco do
14

Constitucionalismo que nada mais é que um conjunto de regras visando limitar o poder
político e estabelecer direitos e garantias em prol da sociedade.

Assim, concordamos com Gilmar Antônio Bedin (2002, p. 19), quando diz que, os
direitos humanos surgiram em meados do século XVII e XVIII. Ainda, nos esclarece o
referido autor:

[...] a idéia de que os homens possuem direitos é, ao contrário do que


normalmente se pensa, uma invenção moderna, tendo surgido e se
institucionalizado no decorrer do século XVIII. Além disto, é
imprescindível que realcemos, imediatamente, o fato de que o seu
surgimento constitui-se, no que se refere à história, em verdadeira ruptura
com o passado. (BEDIN, 2002, p. 19).

A Sociedade antiga estava organizada em um modelo organicista, ou seja, a tese


central era a crença de que o todo (Estado) era anterior e superior as partes (indivíduo), como
podemos perceber na afirmação de Aristóteles (1997), em sua obra Política, que:

[...] na ordem natural a cidade tem precedência sobre a família e sobre cada
um de nós individualmente, pois o todo deve necessariamente ter
precedência sobra as partes [...] De fato, cada indivíduo isoladamente não é
auto-suficiente, consequentemente em relação à cidade ele é como as outras
partes em relação a seu todo [...] (BEDIN, 2002, p. 21).

Por isso não podermos falar ainda, em proteção aos direitos humanos no mundo
antigo, pois, deveria ocorrer primeiro essa ruptura com o passado, com a figura deôntica do
dever e não do direito.

A história costuma dividir a sociedade medieval em três classes: o Clero com a função
de oração, ensino, cuidar dos enfermos; os Nobres imbuídos de administrar, vigiar e proteger;
e o povo, o único que trabalhava para manter os demais. A respeito comenta Miaille (1979),
citado por Darcisio Corrêa (2010, p. 381):

O que é preciso notar é que cada uma dessas categorias políticas é regida por
regras de direito específicas. O Clero tem as suas próprias jurisdições, tal
como a nobreza; o imposto não é devido nem pelo clero nem pela nobreza,
enquanto é pesadamente cobrado sobre os rendimentos do terceiro estado,
etc.
15

Podemos perceber que há uma tremenda injustiça e desigualdade nessa forma de


organização do Estado, porém, já no século XVII, começam a acorrer algumas modificações
nessa estrutura organizacional. Estas mudanças dizem respeito principalmente ao modo de
pensar em relação ao panorama econômico e político da época e, com o surgimento de uma
nova classe social, a burguesia, um segmento urbano essencialmente mercantil em busca de
novos valores.

Conforme José Damião de Lima Trindade (2002, p. 24), burgueses era uma
denominação genérica dos habitantes dos “burgos”, pequenas cidades que surgiam nos
cruzamentos de rotas comerciais. Formadas na grande maioria por pessoas livres que, aos
poucos foram acumulando algum capital nas práticas do comércio.

Ainda, segundo o mesmo autor, nos séculos XV e XVI, essa classe estava bem
diversificada em vários ramos de atividades e muito influente na maioria das cidades da
Europa Ocidental. A sociedade Feudal já havia se tornado um empecilho para esses
empreendedores, dificultando seu progresso e maior enriquecimento, assim, ansiavam maior
liberdade para os seus negócios. Portanto, viam com bons olhos e interesse as reivindicações
dos camponeses, porque a seu modo, também sentiam as amarras do feudalismo.

É num clima de extrema insatisfação popular que o povo foi às ruas protestar contra os
privilégios da Nobreza, aos tributos e, principalmente à servidão imposta. A intenção era
derrubar o governo absolutista do Rei Luis XVI, alicerçada, ainda, na teoria do direito divino
dos Reis. A Revolução utilizou como tema: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

Foi, portanto, segundo Corrêa (2010, p. 384):

[...] o politicamente delegado Terceiro Estado que realizou a Revolução


Francesa de 1789, comandado pela burguesia que detinha o poder
econômico e se constituía na nova classe economicamente emergente da
época. Para a derrubada dessa estrutura feudal em decadência e da crise
institucional do absolutismo a burguesia necessitava do apoio das massas
populares para êxito do processo revolucionário.

Ainda, de acordo com o mesmo autor, o exposto anteriormente fortalece e evidencia a


teoria de que, a doutrina do contratualismo jusnaturalista serviu como instrumento de luta
utilizada pela nobreza liberal e pela grande burguesia, em favor de suas reivindicações
16

revolucionárias. Uma vez que, essa doutrina reconhece o fundamento do Estado, não como
uma ordem divina, mas, como uma convenção estipulada entre seus membros.

Compreendemos, portanto, do enunciado acima que a sociedade buscava direitos que a


protegesse e que a libertasse do absolutismo do monarca, já que a ideologia liberal da
revolução considerava o Estado como o principal inimigo da liberdade individual. Sendo
assim, nasce a partir daí a primeira geração de direitos que veremos no item seguinte,
encampada pelo Terceiro Estado contra a exploração sofrida pela nobreza e pelo Clero.

1.2 As Gerações de direitos humanos nascidas pós Revolução Francesa

Como podemos acompanhar no item anterior, vencida a Revolução de 1789, que ficou
conhecida como Revolução Francesa, tem inicio a uma evolução histórica dos Direitos
Humanos surgida da luta contra a opressão e da tirania imposta aos povos pelos governos
absolutistas. Pode não ter sido um fenômeno isolado, como veremos mais adiante, mas, foi
extremamente importante para o acontecimento de alguns fenômenos contemporâneos
relativos a conquista de direitos.

Destacamos primeiramente, existir certa divergência entre os doutrinadores quanto a


terminologia a ser utilizada para fazer referência a essa evolução histórica de direitos ocorrida
após a revolução Francesa. Alguns doutrinadores preferem fazer uso da expressão “gerações
de direitos”, enquanto outros preferem a terminologia “dimensões de direitos”.

Portanto, para aqueles que defendem o uso do vocábulo “dimensão”, a alegação é de


que o termo “geração” passa a ideia de substituição ou de sucessão da geração passada por
uma mais nova, o que não aconteceria com o termo “dimensão” já que traria a ideia de
acumular, acrescentar novas tutelas e não sua sucessão.

Contrario senso, a nosso ver, o vocábulo “dimensão” dá a ideia de superioridade entre


uma dimensão e outra, parecendo haver uma hierarquia entre as dimensões, o que, não é essa
a ideia que queremos passar. Portanto, utilizaremos assim, o termo “geração”, para a
realização do presente trabalho.
17

Salientamos que, as gerações de direito não são estáticas, ou seja, elas evoluem no
tempo de acordo com as necessidades da sociedade, as mudanças históricas e outros fatores
que de alguma forma contribuem para que a sociedade se modifique e atendam aos anseios do
homem. Portanto, podemos dizer que, as gerações de direito elencadas aqui não serão as
mesmas para sempre, elas sofrerão modificações com o passar do tempo. Como bem sublinha
Norberto Bobbio (2002, p. 18).

Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII, como a


propriedade sacre inviolable foram submetidos a radicais limitações nas
declarações contemporâneas, direitos que as declarações do século XVIII
nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são agora proclamados
com grande ostentação nas recentes declarações. Não é difícil prever que, no
futuro, poderão emergir novas pretensões que no momento nem sequer
podemos imaginar, como o direito a não portar armas contra a própria
vontade, ou o direito de respeitar a vida também dos animais e não só dos
homens.

Entendemos que a primeira geração de direitos tenha surgido das lutas do povo pela
opressão causada pelos governos tiranos de orientação absolutista. Assim, em 26 de agosto de
1789, pressionado pelo povo e pelos deputados o Rei Luis XVI é obrigado a sancionar a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, considerada, também, a mais importante
declaração dos direitos fundamentais, pois, foi a que teve maior repercussão e relevância para
a história dos direitos humanos.

Lembra-nos Flávio de Campos Pinheiro (2008, p. 06), citado por Flávio Rodrigo
Masson Carvalho (2008) que:

Foi na idade Média que surgiu os antecedentes mais diretos das declarações
de direitos, com a contribuição da teoria do direito natural. Podemos citar
como exemplo a magna Carta (1225), a Petition of Rights (1628), o Hábeas
Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1689), a Declaração de
Independência dos Estados unidos da América (1776), a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a Convenção de Genebra (1864),
a Constituição Mexicana (1917), a Constituição de Welmar (1919), Carta
das Nações Unidas (1945), e finalmente a mais aceita entre todas as nações
a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).

Ainda, segundo Corrêa (2010, p. 386) precedendo a Declaração Francesa “aconteceu a


Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, menos expressiva, publicada em 16 de junho de
1776, e em nome da qual foi proclamada a independência dos Estados Unidos de América.”
Como nos esclarece Mondaini, citado pelo mesmo autor:
18

[...] a declaração de direitos da Virgínia assinala um momento histórico em


que as treze colônias já haviam dado início a guerra de Independência,
lutando não apenas pelo rompimento dos seus laços com a Inglaterra, mas
também pela transformação do status do indivíduo nascido no Novo Mundo
– de Súdito a cidadão.(MONDAINI, 2006, p. 48)

Segundo Bedin (2002, p. 41), podemos compreender o desenvolvimento dos Direitos


Humanos através de pelo menos duas classificações, uma proposta por T. H. Marshall, em sua
obra Cidadania, Classe social e Status, publicada em 1967 onde, nessa obra o autor sugere a
seguinte classificação, em três fases distintas: direitos civis; direitos políticos e direitos
sociais.

E numa segunda proposta, pontua Bedin (2002, p. 42), temos a classificação proposta
por: Germán Bidart de Campos (1991), Celso Lafer (1991) e Paulo Bonavides (1993). Para
estes autores, os direitos do homem podem ser classificados da seguinte maneira:

a) direitos de primeira geração (direitos civís e políticos)


b) direitos de segunda geração (direitos econômicos e sociais)
c)direitos de terceira geração (direitos de solidariedade ou direitos do
homem no âmbito internacional).

No entanto, para o professor Bedin (2002, p. 42) essa divisão apresenta uma grande
lacuna em não abranger e, não poderia mesmo, pois foi proposta somente em 1950, um
fenômeno novo que é a questão dos direitos do homem no âmbito internacional. Portanto,
como referência, utilizaremos a proposta de classificação feita pelo referido professor. Qual
seja:

a) direitos civis ou direitos de primeira geração;


b) direitos políticos ou direitos de segunda geração;
c) direitos econômicos e sociais ou direitos de terceira geração;
d) direitos de solidariedade ou direito de quarta geração.

Os direitos civis ou de primeira geração, marcam a passagem de um Estado autoritário


para um Estado de Direito, são aqueles relativos essencialmente as liberdades individuais,
próprios da declaração de Virgínia (1776) e da Declaração Francesa (1789), portanto,
nascidos no bojo das revoluções do século XVIII, também conhecidos como direitos
negativos pois, estabelecidos contra o Estado. Conforme Zulmar Fachin (2006, p. 203): “esses
19

direitos não foram concebidos pelo Estado, mas conquistados em face do poder exercido
arbitrariamente”.

Segundo Bedin (2002, p. 43), esses direitos estabelecem um marco divisório entre a
esfera pública e a esfera privada, característica fundamental da sociedade moderna. Na
especificação feita por Bedin citado por Darcísio Corrêa (2006, p. 173) os principais direitos
civis podem ser assim elencados:

a) liberdades físicas (direito à vida, direito de ir e vir, direito à segurança


individual, direito à inviolabilidade de domicílio e direitos de reunião e de
associação, sendo este introduzido apenas no século XIX); b) liberdades de
expressão (liberdade de imprensa, direito à livre manifestação do
pensamento e direito ao sigilo de correspondência); c) liberdade de
consciência – filosófica política e religiosa (de crença, de culto e de
organização); d) direito de propriedade privada; e) direitos da pessoa
acusada (direito ao princípio da reserva legal, direito à presunção de
inocência e direito ao devido processo legal); f) garantias dos direitos
(direito de petição, direito ao mandado de segurança, além dos direitos ao
habeas data e ao mandado de injunção).

O direito à vida é o mais elementar de todos, é através dele que o ser humano é capaz
de realizar seus sonhos, suas vontades, como afirma José Afonso da Silva, citado por Bedin
(2002, pag. 44), que ele “constitui a fonte primária de todos os outros bens jurídicos.” Faz
parte de nosso cotidiano de tal maneira que, qualquer ameaça em restringí-lo, torna-se uma
questão polêmica, como é o caso, hoje, do aborto e da eutanásia.

Quanto aos direitos de segunda geração, por outro lado, se caracterizam pelo fato de os
direitos por ela compreendidos serem considerados direitos positivos, isto é, direitos de
participar do Estado, e, são denominados, também, de direitos políticos. (BEDIN, 2002, p.
56).
Nesse sentido trazemos as considerações de André Ramos Tavares (2009, p. 470),
acerca das liberdades políticas:

Já as liberdades políticas referem-se à participação do indivíduo no processo


do poder político. As mais importantes são as liberdades de associação, de
reunião, de formação de partidos, de opinar, o direito de acesso aos cargos
públicos em igualdade de condições.
20

Englobam ainda, o direito ao sufrágio universal, ou seja, “um direito público subjetivo
de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e
das atividades do poder estatal.”, Carlos Fayt citado por Bedin (2002, p. 57). Foram direitos
conquistados no decorrer do século XIX consolidando-se no início do século XX.

Compreendemos também, a importância do plebiscito, do referendo e da iniciativa


popular que são mecanismos de participação direta do cidadão na formação do poder político.
A Constituição Brasileira de 1988, os reconhece em seu art. 14, incisos I,II,III, in litteris:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.

Os Direitos de Terceira Geração também denominados Direitos Econômicos e Sociais


surgiram no início do século XX, por influência da Revolução Russa, da Constituição
Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1923. (BEDIN, 2002, p. 63):

Ainda, segundo o mesmo autor:

Esta terceira geração de direitos compreende os chamados direitos de


créditos, ou seja, os direitos que tornam o estado devedor dos indivíduos,
particularmente dos indivíduos trabalhadores e dos indivíduos
marginalizados, no que se refere à obrigação de se realizar ações concretas,
visando a garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem-estar social.
Estes direitos, portanto, não são direitos estabelecidos “contra o estado” ou
direitos de “participar do Estado”, mas sim direitos garantidos “através ou
por meio do Estado”. (BEDIN, 2002, p. 62).

Entendemos que essa geração engloba dois tipos de direitos, segundo José Afonso da
Silva (1993) citado por Bedin (2002, p. 63), que seriam: “os direitos relativos ao homem
trabalhador; e os direitos relativos ao homem consumidor”. Quanto aquele se refere ao
homem enquanto produtor de bens e partícipe de uma relação de emprego, e quanto a esses ao
homem como sujeito que consome bens e serviços públicos.

Os direitos de Solidariedade ou Direitos de quarta geração têm como marco o ano de


1948, data da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Compreendem os direitos do
21

homem no âmbito internacional, entre esses direitos podemos citar o direito ao


desenvolvimento; ao meio ambiente sadio; à paz; e à autodeterminação dos povos. Como diz
Bonavides (1993) citado por Bedin (2002, p. 73):

[...] não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um


indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por
destinatário o gênero humano mesmo num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Referida geração de direito provoca um deslocamento do lugar do direito diante do


Estado, ou seja, é um direito sobre o Estado e não por meio, ou, contra o Estado. Além dessas
quatro gerações já se fala em uma quinta geração, proveniente dos avanços tecnológicos,
direcionados à proteção dos direitos de imagem, honra, enfim, “direitos virtuais”, decorrentes
dos avanços da internet.

1.3 Sistema internacional de proteção dos direitos humanos: a inserção do Brasil

Compreendemos que a construção dos Direitos Humanos vem ocorrendo de forma


gradual, sistemática, já, há muito tempo, como podemos acompanhar no item anterior. No
entanto, a proteção desse direito de forma universal, por meio do Direito Internacional é mais
recente, para ser mais preciso, somente depois da Segunda Guerra Mundial, devido as
atrocidades cometidas pelo nazismo durante esse nefasto e horrível período da história
humana.

Dessa forma, a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos só veio a


ocorrer em meados do século XX, em decorrência da segunda guerra mundial. Nas palavras
de Thomas Buergenthal citado por Piovesan (2013, p.189):

O moderno direito internacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do


pós guerra. Seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas
violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas
violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteção
internacional de direitos humanos existisse.

Assim, destaca Piovesan (2013, p. 190) que, se a “Segunda Grande Guerra significou a
ruptura, o pós-guerra tomou ares de reconstrução dos direitos humanos.” Ainda, a certeza de
22

que essa reconstrução e efetiva proteção não fiquem no âmbito de um único Estado mas,
estenda-se a todos, pois, trata-se de tema a orientar a ordem internacional contemporânea.

Como precedentes históricos desse processo de Internacionalização dos direitos


humanos podemos destacar e, assevera Flávia Piovesan (2013, p. 181): “O Direito
Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho como os
primeiros marcos desse processo.”

O Direito Humanitário, foi a primeira expressão utilizada para destacar que há limites
no plano internacional à liberdade e à autonomia dos povos, ainda que em caso de conflito
armado. É o direito que se aplica na hipótese de guerra proteger militares postos fora de
combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros), e população civil, ainda, assegurar a
observância de direitos fundamentais, como assevera Piovesan (2013, p. 183).

Para Celso Lafer, citado pela mesma autora:

Este Direito (direito humanitário) trata de um tema clássico de Direito


Internacional Público - a paz e a guerra. Baseia-se na ampliação do jus in
bello, voltada para o tratamento na guerra de combatentes e de sua
diferenciação em relação a não combatentes, e faz parte da regulamentação
jurídica do emprego da violência no plano internacional, suscitado pelos
horrores da batalha de Solferino, que levou à criação da Cruz Vermelha.
(PIOVESAN, 2013, p. 183).

Destacamos que o Direito Humanitário faz parte do Direito Internacional, por isso,
rege as relações entre dois ou mais Estados através de tratados ou convenções, uma boa parte
dos acordos encontram-se firmados nas convenções de Genebra de 1949. Esses acordos
restringem o uso de certas armas e a utilização de alguns métodos de combate, para, evitar
assim, entre outras coisas, o sofrimento desnecessário.

A Convenção de Viena de 1969 define tratado internacional em seu art. 2, “a”, como
sendo “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito
internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos
conexos, qualquer que seja sua denominação específica.”

Quanto a Liga das Nações, criada pelo Tratado de Versalhes, sua Sede era em Genebra
na Suíça, e sua forma de organização é bem parecida com a da atual ONU, sendo composta de
23

um Secretariado, Assembleia geral e um Conselho executivo. Surgiu após a Primeira Guerra


Mundial, em 1919 e autodissolvida em 1946, “tinha como finalidade promover a cooperação,
paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e
independência política dos seus membros.” (PIOVESAN, 2013, p. 183).

Seu objetivo principal era reunir todas as nações e, dessa forma, arbitrar e mediar os
conflitos entre as mesmas, no entanto, o que pareceu ser uma ótima alternativa para a
manutenção da paz mundial, com o tempo mostrou-se frágil e, os primeiros sinais de fracasso
começaram a aparecer. Assim, em não ter obtido êxito na prevenção da Segunda Guerra
Mundial acabou por ser dissolvida em sua 21ª sessão, em 18 de abril de 1946.

Ao lado da Liga das Nações e do Direito Humanitário, temos a Organização


Internacional do Trabalho (International Labour Office, agora denominada International
Labour Organization) criada após a Primeira Guerra Mundial que tinha por objetivo promover
padrões internacionais de condições de trabalho e bem estar (PIOVESAN, 2013, p. 185).

Na visão de Luis Henkin, citado por Piovesan (2013, p. 185);

A Organização Internacional do Trabalho foi um dos antecedentes que mais


contribuiu à formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. A
Organização Internacional do Trabalho foi criada após a Primeira Guerra
Mundial para promover parâmetros básicos de trabalho e de bem-estar
social. Nos setenta anos que se passaram, a Organização Internacional do
trabalho promulgou mais de uma centena de Convenções Internacionais, que
receberam ampla adesão e razoável observância.

Destacamos ainda, que, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga


das Nações e do Direito Humanitário, marcaram o fim de uma época em que as relações de
direito internacional ocorriam no âmbito estritamente governamental, ou seja, regulando
relações entre os Estados. Agora busca-se a salvaguarda dos Direitos do ser humano e não das
prerrogativas dos Estados (PIOVESAN, 2013, p. 187).

Assim, de acordo com a mesma autora, para que os direitos humanos se


internacionalizassem deveriam ser rediscutidos os conceitos da própria soberania estatal e o
status do indivíduo:
24

[...] foi necessário redefinir o âmbito e o alcance do tradicional conceito de


soberania estatal, a fim de permitir o advento dos direitos humanos como
questão de legítimo interesse internacional. Foi ainda necessário redefinir o
status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro
sujeito de Direito Internacional. [...] essas noções contemporâneas
encontram seu precedente histórico no desenvolvimento do Direito
Humanitário, da Liga das Nações e da Organização Internacional do
Trabalho. (PIOVESAN, 2013, p. 190).

Portanto, o Estado deixa de ser o único sujeito de Direito internacional e , na medida


em que admite intervenções em seu território, abre mão da chamada soberania nacional
absoluta, em prol da proteção dos direitos humanos.

Vale ressaltar, também, que o Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, contribuiu de


forma significativa com o processo de internacionalização dos direitos humanos. Após a
Segunda Guerra Mundial, os aliados debateram sobre o modo que poderiam responsabilizar
os Alemães pelas atrocidades e pelos abusos cometidos, chegando a um consenso, qual seja,
convocar um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra.

Segundo o entendimento de Flávia Piovesan (2013, p. 196), sobre o significado do


Tribunal de Nuremberg:

O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de


internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas consolida a
idéia da necessária limitação da soberania nacional, como também
reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito
Internacional.

Assim, explica Henkin, citado por Piovesan (2013, p. 193);

Em 8 de agosto de 1945, os governos do Reino Unido, dos estados Unidos,


Provisório da República Francesa e da união da repúblicas socialistas
soviéticas, celebraram um acordo estabelecendo este Tribunal para os
julgamentos dos crimes de Guerra, cujas ofensas não tivessem uma
particular localização geográfica. De acordo com o art. 5º, os seguintes
Estados das Nações Unidas expressamente aderiram ao acordo: Grécia,
Dinamarca, Iuguslávia, Paises Baixos, Checoslováquia, Polônia, Bélgica,
Etiópia, Austrália, Honduras, Noruega, Panamá, Luxemburgo, Haití, Nova
Zelândia, Índia, Venezuela, Uruguai e Paraguai. O Tribunal foi investido do
Poder de processar e punir as pessoas responsáveis pela prática de crime
contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, como definido
pela Carta.
25

Ressaltamos que o Tribunal utilizou fundamentalmente o costume internacional, ainda


que tenha surgida alguma polêmica com base na alegação da afronta ao princípio da
legalidade penal, para poder condenar os criminosos envolvidos na prática dos crimes contra a
paz, crime de guerra, e dos crimes contra a humanidade previstos pelo acordo de Londres
(PIOVESAN, 2013, p. 196).

O processo de Internacionalização dos direitos humanos, e proteção, veio a ocorrer de


forma universal com o advento da Carta das Nações Unidas em 1945. Como podemos
acompanhar no art. 55 da Carta: “[...] as Nações Unidas favorecerão: c) o respeito universal e
efetivo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça,
sexo, língua ou religião.”

Com a preocupação em relação à paz mundial aumentando, em 1948 é adotada


a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada por 48 países, como um código a ser
respeitado pelos Estados, tendo como base a dignidade da pessoa humana, objetivando
delinear uma ordem pública mundial.

Destacamos, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos assinada


solenemente em Paris, no ano de 1948, não apresenta força jurídica obrigatória e vinculante,
sua juridicização veio a ocorrer somente em 1949 com a elaboração de dois tratados. Versam
eles sobre a transformação dos dispositivos da declaração em força juridicamente vinculante e
obrigatória. São eles: “Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.” (PIOVESAN, 2013, p. 232).

Nesse sentido, destaca Piovesan (2013, p.464), que o sistema internacional de proteção
aos direitos humanos é constituído de um modelo global, e outro regional, ambos formados
por tratados, convenções, recomendações, etc.

O Sistema Global de proteção dos direitos humanos tem como fonte normativa
imediata a Carta das Nações Unidas de 1945, ao estabelecer que os Estados- partes devem
promover a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. A referida Carta é
formada por tratados internacionais que refletem a consciência ética contemporânea, na
medida em que invoca o consenso internacional acerca de temas centrais dos Direitos
Humanos (PIOVESAN, 2013, p. 233).
26

Ao lado dos Sistemas Globais de proteção foram constituídos no Ocidente Sistemas


Regionais de proteção, sendo o europeu e o interamericano os que mais evoluíram desde
então.

Nessa visão explana Fernando G. Jayme (2005, p. 64):

O sistema interamericano de promoção e proteção dos direitos fundamentais


do homem teve seu início formal em 1948, com a Declaração Americana dos
Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela IX Conferência Internacional
Americana, em Bogotá. Nesta Conferência, também foi criada a
Organização dos Estados Americanos, cuja Carta proclama os “direitos
fundamentais da pessoa humana” como um dos princípios fundamentais da
Organização. A forma de concretização deste princípio encontra-se definida
no documento constituinte, mediante o reconhecimento de que “as
finalidades do Estado não se cumprem apenas com o reconhecimento dos
direitos do cidadão”, mais também “com a preocupação pelo destino dos
homens e das mulheres, considerados como não cidadãos, mas como
pessoas”; conseqüentemente, deve-se garantir “simultaneamente tanto o
respeito às liberdades políticas e do espírito, como a realização dos
postulados da justiça social”.

A política nacional de direitos humanos começou a ser desenvolvida no Brasil a partir


de 1985, com o fim do regime militar autoritário, onde reinava a violência arbitrária e o
desrespeito às garantias individuais. Impulsionado, ainda, pela Constituição Federal de 1988,
onde consagra os princípios da prevalência dos Direitos Humanos e da dignidade da pessoa
humana, dessa forma, o Brasil é inserido no cenário de proteção internacional dos Direitos do
Homem (PIOVESAN, 2013, p. 369).

De acordo com Piovesan (2013, p. 371), o fim da Guerra Fria possibilitou a criação de
um novo cenário para a efetivação e, afirmação dos Direitos Humanos. Como avalia Louis
Henkin, citado pela mesma autora:

O fim da Guerra Fria abriu oportunidades para preencher lacunas e suprir


deficiências, no que tange à concepção e conteúdo dos direitos humanos,
desenvolvidos no século passado, quando profundas diferenças ideológicas
impossibilitavam, por vezes, o alcance do consenso. O fim da Guerra Fria
trouxe esperança ao persuadir os governos a fortalecer seu
comprometimento para com os parâmetros da Declaração Universal dos
direitos humanos, aderindo a pactos ou convenções até então recusados, e a
abandonar reservas que esvaziavam o conteúdo dos instrumentos
ratificados.
27

A partir de então o Brasil vem aos poucos ratificando vários tratados internacionais de
proteção aos direitos humanos. Com isso, o País já é signatário de importantes tratados de
direitos humanos, como destaca Piovesan (2013, p. 375), sendo que, iniciou-se com a
validação em 1° de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a mulher.

Assim, a partir da Carta Constitucional de 1988, importantes tratados internacionais de


direitos humanos foram ratificados pelo Brasil. Dentre eles destaca-se as seguintes
ratificações:

a) da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de


julho de 1989; b) da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) da
Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) do
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992;
e) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em
24 de janeiro de 1992; f) da Convenção Americana de Direitos Humanos,
em 25 de setembro de 1992; g) da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995;
h) do Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de
Morte, em 13 de agosto de 1996; i) do Protocolo à Convenção Americana
referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San
Salvador), em 21 de agosto de 1996; j) da Convenção Interamericana para
Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras
de Deficiência, em 15 de agosto de 2001; k) do Estatuto de Roma, que cria o
Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002; l) do Protocolo
Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; m) do Protocolo
Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento
de Crianças em Conflitos Armados, em 27 de janeiro de 2004; n) do
ProtocoloFacultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre
Venda, Prostituição e PornografiaInfantis, também em 27 de janeiro de
2004; e o) do Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, em 11 de
janeiro de 2007; p) da Convenção sobre os Direitod das pessoas com
Deficiências e seu Protocolo facultativo, em 1° de agosto de 2008; q) do
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civís e Políticos,
bem como do segundo Protocolo ao mesmo Pacto visando à abolição da
Pena de Morte, em 25 de Setembro de 2009; e r) da Convenção internacional
para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado, em 29
de novembro de 2010.

Entendemos ser de extrema inteligência e, demonstra preocupação para com seus


cidadãos, a posição adotada pelo Brasil ao aderir aos mecanismos e instrumentos
internacionais de direitos humanos. Esse esforço reflete uma imagem mais positiva do país no
28

contexto internacional, simbolizando, dessa maneira, o seu aceite para com a ideia
contemporânea de globalização dos direitos humanos (PIOVESAN, 2013, p. 377).

No decorrer do capítulo podemos acompanhar o momento histórico em que os Direitos


Humanos começaram a fazer parte da história do homem enquanto ser social, assim como, o
nascimento das gerações de direitos surgidas após a Revolução Francesa. Ainda, compreender
o Sistema Internacional de Direitos humanos, sua organização e, de que forma se dá a
participação do Brasil neste sistema.

No próximo capítulo analisaremos de que forma os movimentos sociais auxiliaram


para a conquista e ampliação dos direitos humanos, em particular os ocorridos no Brasil no
conturbado período de Ditadura.
29

2 MOVIMENTOS POR DIREITOS HUMANOS NO BRASÍL: UMA ANÁLISE A


PARTIR DA ABERTURA DEMOCRÁTICA

O presente capítulo, primeiramente, é uma retomada Histórica dos Movimentos


Sociais de um modo geral, tendo como paradigma os chamados Movimentos Clássicos, o
modo como se organizavam e suas teorias. Ainda, o conceito utilizado por alguns
doutrinadores para definir esses movimentos.

Em seguida, então, far-se-a uma reflexão dos Movimentos Sociais ocorridos na


América Latina, tendo como paradigma os Movimentos verificados na Europa e Estados
Unidos. Desta forma, analisaremos, portanto, os Movimentos ocorridos no Brasil e de que
forma eles se organizaram. Tendo em vista, sempre, a contribuição efetiva para o
desenvolvimento dos Direitos Humanos.

Ainda, investigar de que forma os Movimentos Sociais ocorridos nas décadas de 70 e


80 contribuíram para a retomada do processo democrático no Brasil depois de um duro golpe
Militar ocorrido no País em 1964.

Verificam-se, também, os avanços dos Direitos Humanos após o período de Ditadura


que foram verdadeiras conquistas dos Movimentos Sociais.

2.1 Os movimentos sociais no Brasil: aspectos históricos

Antes de analisar os Movimentos Sociais ocorridos no Brasil faz-se necessário uma


retomada histórica mais globalizada, verificando suas raízes, conceitos, teorias, correntes
doutrinárias, para que, então, com essa bagagem de conhecimento possamos partir para uma
investigação interna.

Assim sendo, segundo Maria da Glória Gohn (2012, p. 20), um dos pioneiros a utilizar
o termo “movimentos sociais” foi Lorenz Von Stein em 1842, atribuindo ao termo o sentido
de uma luta contra determinada situação. Pois, os primeiros estudos realizados tendo como
objeto as ações sociais coletivas similares aos movimentos sociais da atualidade eram tidos
como distúrbios populares.
30

Destacamos que não há uma definição única e universalizante para representar os


Movimentos Sociais, pois, a tarefa envolve vários fatores sociais, culturais e a época em que o
conceito estaria inserido, ou seja, o conceito se modifica se adapta a cada sociedade.

Compreendemos, no entanto, que os Movimentos Sociais carregam um forte desejo de


transformação que pode ser, ou ocorrer, de forma parcial voltada para apenas um grupo
específico de manifestantes e a satisfação de seus anseios ou, podem também, transformar
todo um sistema vigente, ganhando assim, caráter revolucionário.

Importante contribuição nesse sentido é feita por Gohn (1995, p. 44), para teorizar os
movimentos sociais de forma que mais se aproxime do nosso objetivo:

Ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais


pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas
demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas
ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas
em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um
processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao
movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da
força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial
de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.

Destaca Gohn (2012, p. 27), existir três correntes teóricas a respeito dos movimentos
sociais: “a histórico-estrutural, a culturalista-identitária e a institucional/organizacional-
comportamental.”

A primeira, tido como “clássica” tem suas fontes teóricas a partir de autores como
Marx, Gramsci, Lenin e outros. Sua abordagem até os anos de 1950 retratam o movimento
social inserido em lutas de classes e subordinados, ligados aos meios de produção, conhecidos
também, como movimentos operários, em suas lutas contra o sistema capitalista de produção.

A segunda corrente teórica, a “culturalista-identitária”, sofreu várias influências, como


destaca Gohn (2012, p, 29):

[...] influencias que abarcam o idealismo kantiano, o romantismo


rousseauniano, as teorias utópicas e libertárias do século XIX, o
individualismo nietzschiano, a abordagem da fenomenologia e as teorias da
sociologia weberiana, a escola de Frankfurt e teoria crítica de forma geral.
Hegel é também fonte de inspiração [...] Outros autores que também
31

influenciaram a produção teórica culturalista-identitária foram Foucault nos


anos 60-70, Habermas, Bobbio, Arendt e Giddens nos anos 1980, e Bourdieu
com suas análises sobre os processos de dominação e a interiorização de
estruturas objetivas nas práticas dos indivíduos por meio do Habitus.

Destaca-se que essa corrente introduzirá em cena os chamados “Novos Movimentos


Sociais”, ao descrever que as novas ações abrem espaços sociais e culturais para sujeitos e
temáticas que antes não apareciam no cenário clássico, e que, não tinham visibilidade, como é
o caso dos índios, negros, mulheres, jovens, etc.

A terceira corrente doutrinária denominada de “institucional/organizacional-


comportamentalista”, tem raízes nas teorias liberais dos séculos XVII e XVIII, de Adam
Smith, John Locke e J. S. Mill, entre outros. Essa teoria se desenvolveu basicamente nos
Estados Unidos, porém, possui muitos adeptos na Europa.

Como elementos que constituem os movimentos sociais tomamos como base os


ensinamentos de Touraine, citado por Annes Viola (2008, p. 31), que destaca serem:

[...] a identidade, ou seja, a defesa aos direitos adquiridos contra as


diferentes formas de dominação; os oponentes ou adversários, que podem
estar representados tanto pelo Estado quanto pelo Mercado ; e a dimensão
metassocietal, ligada ao apelo em defesa da liberdade e da cultura.

Percebe-se, portanto, que os Movimentos Sociais “clássicos”, centrados nos conflitos


de base econômica, giravam em torno da luta pelo poder político, associados à idéia de
revolução, como movimentos ligados aos sindicatos, ou seja, ligados ao mundo do trabalho
faziam uso da greve para obter benefícios em suas negociações.

Quanto aos Movimentos Sociais no Brasil, podemos dizer que eles remontam a
história da escravidão como marco inicial, reconhecido por todos os historiadores brasileiros.
Os quilombos foram, justamente, a expressão marcante da luta por direito e por justiça, uma
vez que sofreram uma das fases mais terríveis da nossa história, que foi a existência da
escravidão humana.

Os Quilombos eram formados, e organizavam-se para receber escravos que fugiam


dos engenhos onde viviam e trabalhavam, além de atraírem brancos pobres, indígenas e
caboclos, motivados pela perspectiva de uma vida melhor (BRITO, 2005).
32

Outro movimento social inspirado nos valores liberais foram os abolicionistas,


formados por uma elite minoritária, de cunho político e social, lutou pelo fim da escravidão
no Brasil, e que contou com a participação de políticos, advogados, médicos, jornalistas,
artistas, estudantes, etc. Sua grande conquista foi a Lei do ventre Livre (1871), Lei dos
Sexagenários (1885) e a Lei Áurea (1888).

No final do período imperial e primeiros anos da República, temos os chamados


“Movimentos Messiânicos”, geralmente conduzidos por líderes religiosos, com forte apelo
político e formado fundamentalmente por camponeses pobres. Podemos destacar, entre esses,
a revolta do Contestado no Paraná, de Canudos na Bahia, de Caldeirão no Ceará. Lutavam
contra a opressão e a miséria que assolava o povo, todos foram fortemente reprimidos com
sangrentas lutas e muitas mortes por parte dos revoltosos.

Praticamente durante todo o século XX os movimentos sociais ainda estavam


organizados em torno dos Sindicatos. A classe operária oprimida pelas contradições do
Capitalismo buscava constantemente melhorias nos setores e nas condições de trabalho além,
do forte apelo político do movimento, existia a intenção de derrubar o sistema de governo
capitalista.

Notamos que os movimentos sociais ligados aos direitos humanos tiveram um papel
importantíssimo na redemocratização política do país. Segundo Solon Eduardo Annes Viola
(2008).

Desde a Ditadura Militar, os movimentos sociais trazem conquistas para a


sociedade, mesmo que estas ainda não sejam suficientes. “Os direitos civis e
políticos foram conquistas do movimento social em luta contra o
autoritarismo militar. A redemocratização insere-se como uma conquista dos
movimentos. [...] desde as primeiras resistências ao estado autoritário no
combate às violações da privacidade e da cidadania. Posteriormente, lutaram
pela anistia de exilados e perseguidos políticos, em defesa da livre
manifestação de pensamento, pelas eleições diretas e pela constituinte
soberana. Ao longo do período de abertura política, produziram um universo
intenso de lutas contra a carestia, em defesa da reforma agrária e de moradia
digna. Estas últimas são questões não resolvidas e se fazem presentes na
atual estrutura, mesmo que esta não favoreça a participação mais efetiva dos
movimentos sociais.
33

Uma novidade nos movimentos sociais na atualidade, segundo Maria da Glória Gohn
(2010, p. 12), é a sua organização em “redes” sociais e temáticas compostas por associações
comunitárias, fóruns, conselhos, câmaras, assembleias e, que podem ser agrupadas em três
grandes blocos:

1) Os movimentos e ações de grupos identitários que lutam por direitos:


sociais, econômicos, políticos, e, mais recentemente, culturais.
2) Movimentos e organizações de luta por melhores condições de vida e de
trabalho, no urbano e no rural, que demandam acesso e condições para –
terra, moradia, alimentação, saúde, transportes, lazer, emprego, salário etc.
3) Os movimentos globais ou globalizantes como o Fórum Social Mundial.
São lutas que atuam em redes sociopolíticas e culturais, via fóruns,
plenárias, colegiados, conselhos etc. (GOHN, 2010, p. 13).

A intenção dessa articulação em redes temáticas como nos esclarece Ilse Scherer-
Warren (2004), é aproximar atores sociais diversificados que tenham uma mesma identidade
social, tanto a nível local quanto global, a fim de ganhar visibilidade, ou seja, impressionar,
causar maior impacto frente as reivindicações na esfera pública. Como exemplo na luta pelos
direitos humanos em face da exclusão social, podemos destacar além de outras redes de
organização o Fórum Social Mundial.

Destacamos, também, que no cenário da América Latina ocorreram mudanças


significativas, com alguns países vizinhos, uma delas é a retomada das lutas dos indígenas no
que se refere as ações coletivas de lutas e movimentos sociais frente a colonização Europeia.
Vários desses movimentos inclusive elegeram como representantes de suas nações lideres
provenientes dos movimentos populares, que agora lutam pela ampliação de seus direitos,
reconhecimento de suas culturas, alfabetização da língua primitiva, assim como, a distribuição
de terras em território de seus ancestrais.

Segundo Negri e Cocco, citado por Gohn (2008, p. 59);

Os novos movimentos, dos quais Evo [Morales] é a expressão, não só


renovaram as lutas a favor do controle público do fogo, da água e da terra,
dando nova força aos tradicionais projetos de “independência” nacional e
desenvolvimento, mas foram eles mesmos fato inovador, que mostrou
sujeitos de tipo novo, em particular a multiplicidade das comunidades
indígenas.
34

Portanto, depois dessa retomada histórica dos Movimentos sociais passaremos para o
próximo item, com o intuito de verificarmos na prática os resultados dos movimentos sociais
quanto aos avanços na conquista e ampliação dos direitos humanos no Brasil.

2.2 Direitos Humanos e a sua conquista por meio dos movimentos sociais

Compreendemos que os direitos humanos é uma construção que vem ocorrendo ao


longo dos anos através dos movimentos sociais, como um produto das lutas contra as diversas
formas de governos autoritários. Sempre que a sociedade se depara com algum tipo de
injustiça ou, oprimida de alguma forma, ela se acha no direito de rebelar-se contra seus
opressores; contra formas arbitrárias de governos.

Nesse sentido podemos acompanhar o comentário de Annes Viola (2008, p.19):

O direito da sociedade de reagir às diferentes formas de opressão recolocou


a questão dos direitos humanos no centro dos debates políticos da
modernidade, a cada período mais intenso de tirania, absolutismo, fascismo
e ditadura, a humanidade construiu movimentos de rebelião que propunham
a recuperação das lutas em defesa dos direitos humanos. Sempre que
vitoriosos, esses movimentos proclamaram seus compromissos com os
princípios clássicos da liberdade, da igualdade e dos valores comprometidos
com as múltiplas formas de fraternidades.

O que ocorre é que as promessas feitas à população quando não cumpridas, não
efetivadas, ou ainda, quando reivindicadas e não acolhidas, tornam-se aspirações para
manifestações seja de cunho político ou social. Ou seja, a sociedade civil é o palco de origem
para os clamores e anseios por justiça social, portanto, a organização em defesa dos direitos
humanos foi a resposta encontrada para enfrentar esses abusos, demonstrando assim, caráter
coletivo e universal, uma vez que muitos se beneficiam com os resultados.

A perversa situação que se instalou no país no período de 1964-1985 corresponde à


fase de grande repressão na sociedade brasileira, imposta pelo regime militar. A Ditadura
sufocou e desmobilizou os movimentos sociais a ponto de quase instaurar a total descrença
pela política, assim mesmo as lutas persistiam e ocorriam vários movimentos de protestos
pelo país, o povo se sentia acuado e desamparado, ansiando por mudanças.
35

Os anos 1970 foram de pouca atuação já que a maioria dos movimentos sociais agia na
clandestinidade, os poucos que ocorreram procuravam satisfazer as necessidades mínimas de
sobrevivência da população pobre. Ainda assim, a década ficou marcada pelo ressurgimento
dos movimentos sociais na conjuntura política brasileira. Através dos setores populares, os
movimentos que surgiram reivindicavam creches, habitação, transporte, postos de saúde e
melhorias em favelas, reflexo da péssima situação econômica sofrida pelo Brasil durante o
período do Regime Militar. (GOHN, 1995, p. 104).

A década de 1980 ficou marcada pelo movimento pelas “Diretas Já”, como ficou
conhecido, as pessoas queriam de volta o direito de participar da vida política do pais, ou seja,
direitos referentes a segunda geração, vistos anteriormente e que foram tolhidos pela
Ditadura. O povo queria de volta o direito de poder escolher o Presidente do País pelo voto
direto, com isso, o movimento ficou conhecido como um dos maiores movimentos de massa
do país. E, em 1985 ocorre o retorno do Poder Civil, culminando com uma nova Constituição
em 1988 e as eleições diretas para presidente em 1989.

Notamos que os Movimentos Sociais depois do período de Ditadura, ou seja, a partir


de 1985, também conhecido como período de redemocratização do país, sofreram algumas
mudanças significativas quanto a sua organização. Os sindicatos e os partidos políticos já não
eram mais os elementos de transformação que foram no século XIX e XX, representando os
operários nas lutas por melhores condições de trabalho, o foco do movimento agora é outro,
como veremos adiante, com isso, entra em cena as ONGs um sujeito novo em meio as
reivindicações.

A Organização das Nações Unidas as definem como “entidades civis sem fins
lucrativos, de direito privado, que realizam trabalhos em benefício de uma coletividade”.
Porém, na década de 1960, elas eram utilizadas como uma espécie de “assessoria” aos
movimentos sociais realizados na clandestinidade. As ONGs proporcionavam um ambiente de
discussão sobre temas relativos às “etnias, gêneros, crianças e adolescentes; ao meio
ambiente, às questões urbanas e rurais; à comunicação, à educação, aos direitos humanos”
mas, não se comprometiam com a direção política dos movimentos sociais (ADILSON
CABRAL, 2014).
36

Contudo, com a abertura democrática elas começam a se reorganizar, motivadas com a


continuidade de suas ações, se afirmam na condição a serviço dos movimentos populares e
proporcionam um ambiente de discussão dos mais variados temas, preservando sempre sua
autonomia e comprometimento para com a sociedade civil.

A década de 1980 marcou o surgimento de inúmeros movimentos sociais em todo o


território brasileiro, como assevera Gohn (1995, p. 124), abrangendo diferentes temáticas, tais
como: direitos das mulheres, movimentos feministas (lutam por vários direitos entre eles a
descriminalização do aborto), acesso a terra, negros (contra o racismo e o preconceito),
crianças, meio ambiente, indígenas, saúde, transportes, moradia, estudantes, idosos,
aposentados, desempregados, ambulantes, escolas, creche, ainda, os movimentos
antimanicomial – lutam contra a má qualidade no tratamento com os doentes mentais (contra
o manicômio).

Portanto, convém nesse momento abordar de forma mais detalhada esses movimentos,
principalmente os relacionados com a luta pelos direitos humanos, ocorridos após o período
da ditadura enfrentado pelo nosso país e, que se revela ponto preponderante desse item para
demonstrar a relação efetiva entre os movimentos sociais e as conquistas realizadas em favor
dos direitos humanos. Os movimentos seriam os seguintes:

a) Luta pela moradia: Hoje denominado Movimento Nacional de Luta pela Moradia
(MNLM), foi criado em 1990 depois de várias ocupações de áreas e conjuntos habitacionais,
tendo como proposta principal acabar com o déficit habitacional, buscando a mobilização e a
organização nacional dos movimentos pela moradia, unificando forças com todos os sem-
tetos, inquilinos, mutuários e ocupantes. O movimento conta hoje como seus apoiadores a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Central Única dos Trabalhadores
(CUT), e vínculo com o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), além de estar
organizado em 14 estados da União. (WIKIPEDIA, 2014, grifo nosso)

b) Luta pela terra: O movimento de luta pela terra também denominado de


Movimento “Sem-Terra”, fortemente relacionados com os direitos de cidadania e a exclusão
social, lutam pela reforma agrária e definem seus adversários sociais como sendo os
latifundiários e os grandes empresários do agronegócio, lutam em nome de um projeto ou
utopia de transformação social, cultural, política e uma sociedade mais igualitária, com justa
37

distribuição das terras rurais para quem nela trabalha. Suas principais formas de atuações são
as ocupações, acampamentos, marchas, assim como, manifestações de solidariedade para com
outros movimentos (SCHERER-WAREN, 2014, grifo nosso).

C) Movimento Negro: Os movimentos negros existem para resgatar a memória de um


povo que batalhou - enquanto escravos - por sua liberdade em um passado não muito distante;
a mobilização do povo negro se deu logo após a abolição da escravatura, em 1888. Nos dias
de hoje, o movimento busca vencer o preconceito e a discriminação, além de buscar maior
acesso à saúde, educação e o mercado de trabalho. Em 1978, diversos grupos do movimento
negro fundaram o Movimento Negro Unificado – MNU lutavam pelo reconhecimento dos
seus direitos e pela criminalização do racismo. O artigo 5º da Constituição Federal de 1988
define o racismo e qualquer outra forma de discriminação como crime, e esta foi uma
conquista devida, em grande parte, à militância negra. Podemos dizer que esse dispositivo
Constitucional, na medida em que proíbe o critério de raça como forma de avaliar ou
diferenciar um cidadão, garante o princípio da igualdade entre brancos e negros. Em 2004 o
Projeto de Lei 3.627, instituiu reservas de vagas para alunos negros de escolas públicas, nas
universidades federais e em 2005, foi criado o PROUNI pela Lei 11.096/2005, que permite
Programa Universidade para Todos e que favorece os negros. Outra grande conquista
importante dos afro-brasileiros foi a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, que entrou
em vigor no dia 20 de outubro de 2010 (ROBERTO, 2014, grifo nosso).

d) Direitos das mulheres: Desde o século XIX que as mulheres se mobilizam no


Brasil e no Mundo para lutar em favor dos direitos civis, políticos e sociais e, desde então tem
conquistado várias batalhas. Apesar de ainda haver desigualdade entre homens e mulheres
elas agora têm direito ao voto, podem se candidatar, estudar e trabalhar fora de casa sem a
autorização do marido. Ainda, é mérito do movimento, a aprovação do Estatuto Civil da
Mulher que equiparou os direitos dos cônjuges. Apesar das leis civis e Constitucionais
garantirem avanços para a proteção dos direitos das mulheres, o maior desafio na atualidade é
mudar o sentimento de posse que ainda impera na sociedade e que, em nome dele se pratica
diversas formas de violência contra a mulher. Bandeira de luta empunhada pelas mulheres
latino-americanas, na atualidade, é pela descriminalização do aborto, o que, já é realidade
entre as Americanas, Canadenses e Europeias. Segundo Conceição Oliveira “se uma mulher
desejar interromper uma gravidez por questões socioeconômicas poderá fazê-lo sem maiores
38

riscos para sua saúde em um hospital, de forma plenamente legal.” (VIOMUNDO, 2014, grifo
nosso).

e) Meio ambiente: Conhecido como Movimento Verde ou, ainda, Movimento


ecológico, esses movimentos têm como principal preocupação a mobilizações em defesa do
meio ambiente, reivindicando medidas de proteção ambiental. A advogada Simone Brummer
(2014, grifo nosso), especializada em direito ambiental e urbanístico entende que a questão
ambiental é “questão de sobrevivência na Terra.” Ressalta ainda:

Inicialmente identificado como um debate limitado pelas suas características


técnicas e científicas, a questão do meio ambiente foi transferida para um
contexto muito mais amplo, com importantes ramificações nas áreas política,
econômica e social. Esta evolução deve-se, em grande parte, à forma como
foi tratado o tema no âmbito multilateral, cujos três marcos principais foram
as Conferências de Estocolmo, do Rio de Janeiro e de Johanesburgo. (LAGO
apud BRUMMER, 2014, p. 1)

Ainda, o artigo 225 da Constituição Federal consagra o meio ambiente ecologicamente


equilibrado como um direito fundamental da pessoa humana, sendo uma extensão do direito à
vida.

f) Movimentos antimanicomial: Há mais ou menos 35 anos, parentes de pessoas com


problemas mentais e trabalhadores da área da saúde mental fundaram o Movimento dos
Trabalhadores em Saúde mental (MTSM), dando origem à reforma psiquiátrica, assumindo
assim, um papel preponderante nas denúncias de prática de tortura, fraudes e corrupção contra
o governo militar, que faziam uso dessas práticas. A professora e pesquisadora Nina Soalheiro
(2014, grifo nosso), considera uma grande conquista o fechamento de leitos de hospitais
psiquiátricos e, explica melhor:

O Brasil tinha um parque manicomial estimulado durante o período da


ditadura e financiado pelo Estado, o chamado estímulo à indústria da
loucura. Depois de muitos debates e com a aprovação da lei em 2001 – Lei
10.216/ 2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) – começa a surgir de maneira
mais forte a substituição deste modelo hospitalocêntrico e de exclusão por
uma rede de serviços que vai sendo configurada no país inteiro.

Nessas últimas três décadas o movimento tem conseguido importantes avanços, como
é o caso da criação dos Centros de Atenção Psicossociais (Caps), para atendimento e
39

tratamento dos doentes. Além do que, maior investimento por parte do Ministério da Saúde
quanto à forma do tratamento dos enfermos que passou a ser não apenas com medicamentos
mas, com acompanhamento de profissionais da área.

g) Movimento Indígena: Para finalizar a série de movimentos elencados,


responsáveis por grandes conquistas e avanços na seara dos direitos humanos, abordaremos
um pouco do movimento indígena que vem, nos últimos anos demonstrando grande agitação
na reivindicação de seus direitos. A bandeira de luta levantada pelo movimento é a
regularização fundiária da “terra”, ou seja, que seja demarcada a terra que lhes pertence por
direito, para que, então, eles possam usufruir sem maiores transtornos. Além disso, que essas
áreas demarcadas sejam acompanhadas de rígida fiscalização por parte dos órgãos
competentes para que elas não percam essa caracterização. A partir do momento que eles
estiverem com suas propriedades devidamente regulamentadas, diz Ricardo Weibe N. Costa –
Membro da Comissão Nacional de Políticas Indigenistas (2014, grifo nosso), ficará mais fácil
a reivindicação por demais direitos, tais como: saúde e educação diferenciados, projetos de
sustentabilidade, dentre outros.

Depois de verificarem-se algumas contribuições dos movimentos sociais para a


conquista dos direitos humanos, acompanharemos agora, como se deu a incorporação dos
diversos Tratados e Normas internacionais de proteção aos direitos humanos após o período
de ditadura, ou, da redemocratização do País.

2.3 Os Direitos Humanos no Brasil pós abertura democrática e a incorporação das


normas internacionais de proteção no direito brasileiro.

Após um período de 21 anos de Ditadura, marcado pela supressão dos direitos


Constitucionais, deflagrou-se no país o processo de redemocratização e, é com a Constituição
Federal de 1988 que se instrumentaliza a defesa dos direitos humanos no Brasil, incorporando
diversos tratados de proteção atribuindo-lhes status diferenciado. (PIOVESAN, 2013, p. 83).

Compreendemos que, para alguns a intervenção militar de 1964 seria algo passageiro,
ou seja, um ato realizado pelo exército como uma espécie de poder moderador, em que, esse
poder viria a corrigir eventuais desvios na rota política do país. Mas, o que ocorreu realmente
40

não passou nem perto, para desapontamento daqueles que acreditavam e apoiavam o golpe
militar (HERRKENHOFF, 2011, p. 98).

A respeito da organização institucional do regime repressivo militar na experiência


brasileira, escreve Luciano Martins citado por Piovesan (2013, p. 84):

O regime militar revogou direitos constitucionais, civis e políticos; suprimiu


ou censurou canais de representação de interesses; e estabeleceu uma
ditatura do poder Executivo sobre outros poderes da República (Legislativo
e Judiciário) e da Federação (Estados). Isto foi alcançado fundamentalmente
através do Ato Institucional n. 5 (1968) e seus sucessores. Pela primeira vez,
desde a proclamação da República (1889), as Forças Armadas, agindo como
instituição, tomaram controle direto das principais funções governamentais;
houve uma parcial abolição das práticas corporativas, mediante a introdução
de atores não burocráticos que obtiveram o controle no processo de decisão;
houve ainda a criação de um extensivo aparato de inteligência para efetuar o
controle ideológico (...). A tomada do Governo pelos militares, como
instituição, acrescida do fato de um general-Presidente receber seu mandato
das Forças Armadas, perante a qual era responsável, consolidaram a noção
de uma fusão entre os militares e o poder.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 simboliza a ruptura com o regime militar


autoritário, incorporando, dessa forma, os Direitos Humanos como fundamento no
ordenamento jurídico do Estado Brasileiro. Conhecida, também, como “constituição cidadã”,
estabelece que a dignidade da pessoa humana consagrada em seu art. 1°, inciso II, deve ser
promovida e garantida a todas as pessoas sem preconceitos de qualquer natureza.

No entender de José Afonso da Silva citado por Piovesan (2013, p. 89):

É a primeira vez que uma Constituição assinala especificamente, objetivos


do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os
fundamentais, e entre eles, uns que valem como base das prestações
positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e
cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana.

Percebe-se que a Carta Constitucional de 1988, realça uma forte orientação


internacionalista que se traduz nos princípios de prevalência dos Direitos Humanos, da
autodeterminação dos povos, do repúdio ao terrorismo e, inclusive, ao racismo, assim como,
da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, nos termos do art. 4°, incisos
41

II, III, VIII e IX, consagrando, dessa forma, o primado pelos Direitos Humanos. (PIOVESAN,
2013, p. 101).
Portanto, em nome dessa prevalência dos Direitos Humanos, o Brasil está ao mesmo
tempo reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania Estatal.
Dessa forma, rompe-se com a concepção tradicional da soberania absoluta, porém, vale
ressaltar, que é de extrema importância para o sucesso das ratificações dos instrumentos
internacionais de proteção dos Direitos Humanos essa ruptura.

Como ponderou Celso Lafer, citado por Piovesan (2013, p. 104):

O princípio da prevalência dos direitos humanos foi um argumento


constitucional politicamente importante para obter no Congresso a
tramitação da Convenção Americana dos Direitos humanos- O pacto de San
José. Foi em função dessa tramitação que logrei depositar na sede da OEA,
nos últimos dias de minha gestão (25-09-92), o instrumento correspondente
de adesão do Brasil a este significativo Pacto.

A Constituição de 1988 inova, segundo Piovesan (2013, p. 114) ao incluir no texto


constitucional, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte,
ao descrever que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros
direitos decorrentes dos tratados internacionais.”

No dizer de Augusto Cançado Trindade:

Assim, a novidade do artigo 5º (2) da Constituição de 1988 consiste no


acréscimo, por proposta que avancei, ao elenco dos direitos
constitucionalmente consagrados, dos direitos e garantias expressos em
tratados internacionais sobre proteção internacional dos direitos humanos
que o Brasil é parte. Observe-se que os direitos se fazem acompanhar
necessariamente das garantias. É alentador que as conquistas de direito
internacional em favor da proteção do ser humano venham projetar-se no
direito constitucional, enriquecendo-o e demonstrando que a busca de
proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas raízes
do pensamento tanto internacionalista como constitucionalista. (apud
PIOVESAN, 2013, p. 114).

Ressaltemos, portanto, que as normas de direito provenientes de Tratados e acordos


internacionais de proteção aos direitos humanos apresentam valor Constitucional, com
interpretação do princípio elencado no art. 5°, § 2, CB/88, ao entender que tais normativas
passam a fazer parte do catálogo dos direitos constitucionalmente previstos.
42

Com a Emenda Constitucional n° 45, incorporou-se ao art. 5° do texto constitucional o


parágrafo 3°, que prevê “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” Dessa forma,
os tratados que versarem sobre direitos humanos ganham status de norma constitucional.

Com relação a hierarquia infraconstitucional dos demais tratados internacionais, ou


seja, dos tratados tradicionais, extrai-se do art. 102, III, b, da Constituição Federal de 1988,
que o Supremo tribunal Federal tem a competência para julgar mediante recurso
extraordinário e declarar a inconstitucionalidade de tratados ou lei federal, entendendo-se,
então, terem os tratados hierarquia infraconstitucional, mas supralegal. (PIOVESAN, 2013, p.
122).
Nesse sentido, é a contribuição de André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros,
citado por Piovesan (2013, p. 133):

Quanto aos tratados em geral, a doutrina e a jurisprudência têm entendido,


não sem exitações, que o tratado e a lei estão no mesmo nível hierárquico,
ou seja, que entre aquela e este se verifica uma paridade – paridade essa que,
todavia, funciona a favor da lei. De facto, a lei não pode ser afastada por
tratado com ela incompatível; mas se ao tratado se suceder uma lei que bula
com ele, essa lei não revoga, em sentido técnico, o tratado, mas afasta sua
aplicação, o que quer dizer que o tratado só se aplicará se e quando aquela
lei for revogada.

No âmbito interno, em busca de políticas de proteção e promoção dos Direitos


Humanos no Brasil o Governo Federal, a partir de 1985, estabeleceu diálogos e realizou
parcerias com organizações não governamentais no sentido de unir forças e buscar soluções
para a violação dos Direitos Humanos. Dessa forma, o Brasil se tornou um dos primeiros
países a cumprir recomendações específicas da Conferência Mundial de Direitos humanos, ao
criar em 1996 o PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos). (PORTAL BRASIL,
2014).

O Programa original conferiu maior ênfase à garantia e proteção aos direitos civis,
hoje conta com a versão PNDH 3, que tem como diretriz a garantia da igualdade na
dissemelhança com respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade
do Estado brasileiro, prevista na Constituição Federal. Ainda, de acordo com o Portal Brasil
(2014):
43

O programa é ainda estruturado nos seguintes eixos orientadores:


1. Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil;
2. Desenvolvimento e Direitos Humanos;
3. Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades;
4. Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência;
5. Educação e Cultura em Direitos Humanos e
6. Direito à Memória e à Verdade

Dando continuidade aos programas relacionados aos Direitos Humanos são criados
diversos outros programas tanto Federais quanto Estaduais, além da realização de
conferências como estratégias para formular e disseminar o tema.

Destaca-se, ainda, na órbita interna, a atuação do Ministério Público, por meio de seus
promotores e Procuradores de Justiça, em defesa da cidadania e dos direitos humanos, de
forma autônoma, nas mais diversas áreas e instâncias. Para isso, o Ministério Público conta
com Promotorias de justiça espalhadas em todo o território nacional, defendendo o cidadão
nas questões relativas à saúde, educação, direito do idoso, discriminação racial, e diversas
outras áreas.

Por conta do empenho por parte do governo e dos órgãos não governamentais, através
dos movimentos sociais, podemos perceber importantes avanços em relação aos direitos
humanos no Brasil. Podemos destacar a diminuição na taxa de mortalidade infantil nas
últimas duas décadas; progressos quanto ao combate à violência doméstica e, ainda, avanço
quanto a união civil de pessoas do mesmo sexo.

Por outro lado, o País deixa a desejar quanto ao fazer cumprir, ou seja, o respeito aos
direitos humanos não são observados como deveriam. Por conta disso destacamos a violência
policial e sua impunidade; a superlotação dos presídios brasileiros; a pobreza que apesar de
ter diminuído ainda assola grande parte da população, revelando, talvez falta de estratégia por
parte do governo federal, estadual e municipal.
44

CONCLUSÃO

Ante o exposto, pode-se concluir que os movimentos sociais em defesa dos direitos
humanos foram preponderantes e estiveram presentes nos eventos mais importantes da
história da humanidade, em relação às conquistas e ampliação desses direitos, combinando
uma multiplicidade de formas de ação em sua trajetória, desde audiências com autoridades à
passeatas, carreatas, ocupações de áreas públicas, vigílias e, ainda, formação de alianças com
políticos e partidos políticos.

Acompanhamos a importância dos movimentos sociais que lutaram para a implantação


de políticas de respeito aos direitos humanos no Brasil, tais como: Movimento negro; pela
terra; moradia; feminista; indígena, entre outros. Ainda, aqueles nascidos na década de 70 e
80 , e que, colaboraram efetivamente para a retomada do processo democrático no país,
movimento como “diretas já” é importante exemplo dessa luta e para a concretização dos
direitos humanos.

Compreende-se, também, que os direitos humanos vão além de leis e normas


positivadas em um código, elas representam parte da própria essência do ser humano, ou seja,
cada um deveria ter consigo a ideia de que é errado subjugar outros seres humanos à
escravidão, ou excluir outros pela cor da pele, diferença de crença ou opção sexual.

Quando a Constituição de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana em seu


texto, ela estava se referindo justamente a esses valores, vantagens e prerrogativas que tornam
a existência do ser humano mais tranquila, voltadas para a paz, conjugada com princípios e
garantias que lhe proporcionam efetivação na prática.
45

O ser humano, toda vez que se sente oprimido, discriminado, se vê no direito de


mobilizar-se e lutar por mudanças que lhe tragam melhores condições de vida, na perspectiva
de transformar a sociedade, isso, nós podemos acompanhar em todas as épocas e culturas,
cada uma a seu modo e de acordo com suas necessidades.
46

REFERÊNCIAS

BEDIN, Gilmar Antônio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí, Ed. Unijuí, 3 ed.
2002.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Elsevier,
4. ed., 1992.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 abr.
2014.

BRITO, Paulo Afonso Barbosa de. Movimentos sociais populares. Disponivel em:
<http://www.tvbrasil.org.br>. Acesso em: 29 abr. 2013.

BRUMMER, Simone. Histórico dos movimentos internacionais de proteção ao meio


ambiente. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18162/historico-dos-movimentos-
internacionais-de-protecao-ao-meio-ambiente/1> Acesso em: 29 abr. de 2014.

CABRAL, Adilson. Movimentos sociais, as ONGs e a militância que pensa, logo existe.
Disponível em: <http://www.comunicacao.pro.br/artcon/movsocong.htm>. Acesso em: 23
mai. de 2014.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina,


2002.

CARVALHO, Flávio Rodrigo Masson. Os direitos humanos, a Declaração Universal dos


Direitos Hhumanos de 1948 e o pensamento filosófico de Norberto Bobbio sobre os
direitos do homem. Disponível em:< http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5147>. Acesso em:
20 jun. 2013.

CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. Ijuí, 3. ed.


Unijuí, 2002.

______.Estado, cidadania e espaço público: as contradições da trajatória humana. Ijuí, Ed.


Unijuí, 2010.
47

COSTA, Ricardo Weibe N. Movimento indígena no Brasil. Disponível em: <


http://www.geomundo.com.br/mato-grosso-do-sul-50134.htm> Acesso em: 12 de maio de
2014.

COSTA, Willian Cézar Nonato da. A hierarquia dos tratados internacionais de Direitos
Humanos no ordenamento jurídico brasileiro sob a ótica do neoconstitucionalismo.
Disponívelem:<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6828 > Acesso em:
29 maio 2013.

FACHIN, Zulmar. Teoria geral do direito constitucional. Londrina: IDCC Instituto.

GOHN, Maria da Glória . Novas teorias dos movimentos sociais. 4. ed. São Paulo: Edições
loyola, 2012.

______. História dos movimentos e lutas sociais. São Paulo: Loyola, 1995.

______. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1995.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: LTr.
2002.

JAYME, Fernando G. Direitos humanos e sua efetivação pela corte interamericana de


direitos humanos. Belo Horizonte – Del Rey. 2005.
Movimento Nacional de Luta pela Moradia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Nacional_de_Luta_pela_Moradia> Acesso em: 28
abr. de 2014.

OLIVEIRA, Conceição. 28 de setembro: dia de luta pela descriminalização do aborto na


América Latina. Disponível em: < http://www.viomundo.com.br/blog-da-mulher/28-de-
setembro-dia-de-luta-pela-descriminalizacao-do-aborto-na-america-latina.html> Acesso em:
29 abr. de 2014.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São


Paulo: Saraiva, 2006.

PORTAL BRASIL. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-


justica/2012/04/PNDH-3-reune-politicas-sobre-direitos-humanos>. Acesso em: 08 abr. de
2014.

ROBERTO, José. Movimento negro. Disponível em:<


http://sociohistoria2011.blogspot.com.br/2012/02/movimento-negro.html> Acesso em: 28 de
abr. de 2014.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais de luta pela terra. Disponível em: <
http://geopr1.planalto.gov.br/saei/images/publicacoes/2009/nota_tecnica_movimentos_sociais
_de_luta_pela_terra.pdf> Acesso em: 28 abr. 2014.
48

______. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Disponível em: <


http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922006000100007> Acesso
em: 02 maio 2014.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26 ed. São Paulo: Malheir
os Editores, 2005.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

TAVARES, Viviane. Avanços e retrocessos na luta antimanicomial. Disponivel em: <


http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Noticia&Destaques=0&Num=746>. Acesso em:
28 abr. 2014.

TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo:
Fundação Peirópolis, 2002.

VIOLA, Solon Eduardo Annes Viola. Movimentos sociais e direitos. Disponível em: <
http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/solonviola/movimento.html>. Acesso em: 05 abr.
2014.

______. Direitos humanos e democracia no Brasil. São Leopoldo, Ed.Unisinos, 2008.

Você também pode gostar