Você está na página 1de 10

1º MÓDULO - DIREITO DIGITAL

Considerando que a sociedade está em constante transformação, o Direito


deve acompanhá-la. Contudo, é notória a dificuldade do sistema legal em acompanhar
essa evolução social e, para complicar ainda mais, a Informática vem fazendo com que
a sociedade mude em uma velocidade ainda maior, diariamente. Logo, a missão
legislativa, que já era muito difícil, tornou-se hercúlea.

A evolução social trazida pela Informática, fez com que o Direito necessitasse
de novos instrumentos para disciplinar as relações entre o homem e a tecnologia,
visando preservar o convívio, a harmonia e a paz social, como dito inicialmente. Disto,
surge o Direito Digital – mas não como um novo ramo do Direito, assim como são o
Direito Civil e o Direito Penal –, e sim como uma releitura do Direito tradicionalmente
conhecido, sob a ótica dos impactos e reflexos tecnológicos, conforme bem pontuado
pelos Professores Coriolano Camargo e Marcelo Crespo. Portanto, o Direito Digital vem
a propiciar uma nova forma de compreensão e interpretação dos problemas que agora
acontecem no meio ambiente virtual.

O Direito Digital “consiste na evolução do próprio Direito, abrangendo todos os


princípios fundamentais e institutos que estão vigentes e são aplicados até hoje, assim
como introduzindo novos institutos e elementos para o pensamento jurídico, em todas
as suas áreas”, conforme muito bem conceituado por Patricia Peck Pinheiro.

Outro conceito de Direito Digital é o aventando por Marcelo de Camilo Tavares


Alves, para o qual “o Direito Digital é o resultado da relação entre a ciência do Direito e
a Ciência da Computação sempre empregando novas tecnologias. Trata-se do conjunto
de normas, aplicações, conhecimentos e relações jurídicas, oriundas do universo

1
digital. Como consequência desta interação e a comunicação ocorrida em meio virtual,
surge a necessidade de se garantir a validade jurídica das informações prestadas, bem
como das transações, através do uso de certificados digitais. A tecnologia também foi
capaz de outorgar aos profissionais do Direito, ferramentas computacionais que
simplificaram e aperfeiçoaram suas tarefas. Entretanto, essa mesma tecnologia inovou
e potencializou a ocorrência de crimes, como a violação de direito autoral. Buscando a
materialidade e autoria dos delitos praticados neste ambiente, estudiosos de ambas as
áreas se unem na análise forense computacional”.

Após a devida conceituação de Direito Digital, é importante definirmos outros


termos bastante comuns nesta área e, nesta toada, temos o vocábulo Informática, que
é definido pelo Dicionário Aurélio como a “ciência que visa ao tratamento da
informação através do uso de equipamentos e procedimentos da área de
processamento de dados”. Em uma definição mais ampla e explicativa, a Wikipédia
informa que a Informática é um “termo usado para descrever o conjunto das ciências
relacionadas ao armazenamento, transmissão e processamento de informações em
meios digitais, estando incluídas neste grupo: a Ciência da Computação, a Teoria da
Informação, o processo de cálculo, a análise numérica e os métodos teóricos da
representação dos conhecimentos e da modelagem dos problemas. Mas, também a
informática pode ser entendida como ciência que estuda o conjunto de informações e
conhecimentos por meios digitais”.

Com efeito, trata-se de uma vasta área de conhecimento, entretanto, dentro da


Informática, destaca-se a Internet, definida pelo Michaelis Online como uma “rede
remota internacional de ampla área geográfica que proporciona transferência de
arquivos e dados, juntamente com funções de correio eletrônico para milhões de
usuários ao redor do mundo; net, rede, web”. Fica absolutamente claro que o conceito
trazido pelo respeitado Dicionário já encontra-se defasado. A Internet, hoje, é muito
mais do que transferência de dados ou correio eletrônico, pois, através dela, são
oferecidos serviços bancários, comércio bens e serviços, vídeos on demand,
comunicação em tempo real, sendo possível até se fazer uma graduação ou pós-
graduação online. Destarte, fica claro a dificuldade em se acompanhar estas
constantes mudanças trazidas pela Informática, pois se para o Dicionário é difícil
acompanhar estas inovações, imagine para os Poderes Legislativo e Judiciário.

Mas, e em números, o que é a Internet? Pois bem, no Mundo a Internet já


alcança 47% da população mundial, vide os dados apresentados pela União
Internacional de Telecomunicações (UIT), em 22/07/2016, o que representa,
aproximadamente, 4 bilhões de pessoas conectadas. A realidade brasileira não é
diferente, visto que o número de lares conectados à Internet chegou a 32,3 milhões de
domicílios em 2014, ou seja, 50% do total das casas do país estão conectadas à rede

2
mundial de computadores, conforme os dados obtidos pela pesquisa TIC Domicílios
2014, realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da
Comunicação (Cetic. Br).

Os números acima já são colossais e continuam crescendo assustadoramente, e


a razão principal são os dispositivos móveis, que hoje permitem o fácil acesso à
Internet, e a todos os derivados daí advindos. Esta é a conclusão da última edição do
Cisco Visual Networking Index (VNI) Global Mobile Data Traffic Forecast, que apresenta
as projeções de crescimento mundial do tráfego móvel. Segundo este estudo, até
2021, a população global terá mais telefones celulares (5,5 bilhões) do que contas
bancárias (5,4 bilhões), água canalizada (5,3 bilhões) e telefones fixos (2,9 bilhões). No
Brasil, o tráfego de dados móveis terá um crescimento duas vezes mais rápido que o
tráfego IP entre 2016 e 2021, e 77% das conexões móveis no País serão conexões
"inteligentes" até 2021.

Por tais razões, questões complexas, como proteção de marcas e domínios, e


simples, como uma compra online, exigem uma nova postura do operador do Direito,
uma nova forma de interpretar estes fatos. Ou seja, já não basta apenas um conjunto
de leis, sendo que é preciso estabelecer uma interpretação mais dinâmica, e desta
forma interagir no ambiente em que está a manifestação de vontade.

Assim, o Direito encontra dificuldades em solucionar situações que ainda não


são disciplinadas por leis específicas, vide os problemas ocasionados entre o aplicativo
Uber e os taxistas, o conflito entre operadoras de telefonia e o WhatsApp, a disputa
entre o Airbnb e os hotéis, entre outros diversos exemplos de situações litigiosas e
carentes de solução legislativa adequada. Como não há para nenhum destes casos um
desenlace legal previsto em nosso ordenamento, havendo, então, uma anomia

3
legislativa, o julgador vem se valendo dos princípios gerais do Direito para tentar
equalizar estas questões.

Em rápidas pinceladas, a questão da anomia legislativa apontada no parágrafo


anterior é mais complicada do que pode parecer em uma análise superficial, não
bastando, simplesmente, que seja elaborada uma norma para disciplinar a matéria.
Veja a situação do aplicativo Uber, onde diversos municípios legislaram com o fito de
proibi-lo ou, ao menos, restringi-lo. Contudo, instalou-se a dúvida sobre a competência
legislativa municipal sobre o tema, havendo manifestação da Ministra do Superior
Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, no sentido de que somente lei federal
poderia regulamentar o Uber, pois as legislações estaduais e municipais sobre o tema
violariam o art. 30, da Constituição Federal.

Sobremais, não é só a questão da competência legislativa que dificulta a


regulamentação legal do Uber. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou
inconstitucional lei da capital paulista que restringia o famigerado aplicativo, contudo,
o fez por outro fundamento. O Desembargador Relator Francisco Casconi proferiu voto
no sentido de que o Município pode legislar sobre esta matéria. Superada a
inconstitucionalidade formal, no mérito, a lei afrontou os princípios da livre iniciativa,
da liberdade de trabalho e da livre concorrência, fixados pela Constituição Federal,
razão de decretar-se sua inconstitucionalidade material. Como visto, há muitas
polêmicas sobre o Direito Digital quanto as inconstitucionalidades formais e materiais,
sendo que não nos estenderemos sobre este assunto neste momento, reservando o
tema para uma análise mais criteriosa e detalhada em futuro artigo.

Como já se pôde notar, o Direito Digital está presente em todos os ramos


Direito, pois a Informática e as tecnologias em geral invadiram todos os ambientes da
nossa sociedade. Consequentemente, surgiram novas situações, enquanto outras
condutas sofreram modificações em seu modus operandi. Hoje, temos delitos que se
esgotam na própria rede de computadores, os quais são classificados como crimes
digitais próprios, tendo como exemplo o tipo penal previsto no art. 154-A, do Código
Penal, acrescentado pela Lei Ordinária Federal nº. 12.737/2012, mais conhecida como
Lei Carolina Dieckmann. O citado artigo considera criminoso “invadir dispositivo
informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação
indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir
dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou
instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita”, penalizando a prática com até 01
ano de detenção e multa.

Por outro lado, antigas condutas – principalmente criminosas – ganharam um


novo meio de execução através da Internet: aqui temos os chamados crimes digitais

4
impróprios. Citem-se como exemplos os delitos contra a honra ou a ameaça (Código
Penal, art. 138 e ss. E art. 147) praticados via E-mail, redes sociais ou aplicativos de
comunicação instantânea. Estes crimes utilizam o computador/celular como um meio,
sendo que o seu resultado se dá no mundo real. Nestas situações, não foi necessário
legislar criando novas figuras penais, mas apenas reinterpretar os tipos criminais já
existentes, não havendo que se falar em analogia in malam partem.

O Direito Digital também enfoca os contratos feitos exclusivamente em


ambiente virtual, o comércio eletrônico, a lesão a direitos do consumidor, os direitos
trabalhistas pleiteados em razão da verificação e resposta de E-mails fora do local e
horário de trabalho, a infidelidade conjugal via websites de relacionamento ou
aplicativos de mensagens, além de páginas dedicadas a facilitar relacionamentos
extraconjugais, ocasionando consequências no âmbito do Direito de Família.

Enfim, o Direito Digital não possui os elementos necessários a ser considerado


um ramo autônomo do Direito. Inobstante isto, está presente em todos as áreas
jurídicas: no Processo Civil e Penal, com o Processo Judicial Eletrônico (PJe), razão,
ainda, de muitos problemas e dúvidas não só aos Advogados, mas também aos
serventuários da Justiça, Juízes e Promotores; no Direito Penal, com crimes digitais
próprios e impróprios; no Direito do Consumidor, com a regulação de compras online,
publicidade enganosa e abusiva, entre outros. Também marca forte presença nos
direitos autorais (pirataria, plágio etc.), tributário (como tributar serviços prestados
pela Internet, mas que não tem base em território nacional?) e trabalhista (horas
extras, sobreaviso, entre outros).

Em remate, estamos caminhando para uma verdadeira globalização, onde


fronteiras estão sendo facilmente superadas e o contato entre pessoas, empregas,
órgãos e governos de todo o mundo se dá em tempo real e a um custo cada vez
menor. Posto isto, é dever dos operadores do Direito compreender este novo
ambiente e interpretá-lo com as particularidades trazidas pela Informática e pelas
tecnologias em geral, sob pena de se tornarem ultrapassados e obsoletos a este novo
mundo cada vez mais virtual.

Entrevista com Dra. Ptarícia Peck Pinheiro, especialista em Direito Digital

Autora de um dos primeiros livros sobre Direito e Tecnologia na Língua


Portuguesa, a advogada Patrícia Peck Pinheiro sempre foi interessada por informática.
Aos 13 anos, já era programadora. A experiência com a computação revelou sua
inclinação para regras. Daí surgiu a busca pela Faculdade de Direito. Quando abriu o

5
escritório, em 2004, já tinha decidido que sua área seria a Digital, mesmo sendo
questionada pelos colegas sobre o fato de fazer “só isso”.

Hoje, o “só isso” se transformou em uma área promissora da advocacia. Como


ela mesma explica na entrevista a seguir, o Direito Digital deixou de ser entendido
como uma disciplina vertical, aquele Direito de Informática, de Tecnologia ou
Cibernético. Trata-se do Direito de uma Sociedade Digital que impõe desafios aos
advogados.

Vimos no seu perfil que você é programadora desde os 13 anos de idade. De


onde e como surgiu seu interesse por programação?

Patricia Peck: Fui muito inspirada pelo contexto que vivi na infância, já que
sempre tive a casa cheia de novas tecnologias trazidas pelos meus pais, que eram
comissários de voo. Sempre fui muito curiosa, estudei Basic e Cobol, aos 12 anos de
idade, e comecei a desenvolver programas para computador. Ao entrar na Faculdade
de Direito do Largo São Francisco, criei um site chamado “Urbanóide” para troca de
referências de Direito e Tecnologia, Softwares Livres e Tecnologia da Informação.

Você não pensou em seguir carreira na área de tecnologia da informação?

Patricia Peck: Sim, cheguei a pensar em seguir carreira na área da Tecnologia da


Informação. Mas como estudava com muitos livros, era autodidata e tinha feito alguns
cursos de programação, achei que seria mais proveitoso fazer a Faculdade de Direito,
pois complementaria mais os meus conhecimentos sobre as questões envolvendo as
leis, as regras e, principalmente, o comportamento do indivíduo, que sempre me
despertou muito interesse.

Por que escolheu o Direito? Desde o início da escolha da profissão de


advogada, você já sabia que atuaria com Direito Digital?

Patricia Peck: O que mais influenciou nessa escolha foi uma conversa que tive
com a minha professora de História. Ela perguntou por que eu gostava tanto dos
computadores. Respondi que, “ao escrever uma regra para a máquina, ela identifica e
cumpre a regra”. Foi em meio a esse debate de ideias que ela mesma sugeriu que eu
fizesse a faculdade das regras.

6
Mas desde o estágio eu tinha a fama no escritório de ser “a estagiária que
entende de tecnologia”, porque tinha um site e sabia programar. Então, para mim, era
natural pesquisar sobre a sinergia entre o Direito e a tecnologia.

Desde a formatura (em 1998), atuo com Direito Digital. Nessa época, escrevi
uma crônica para concorrer a um prêmio falando que no futuro a faculdade fecharia as
portas, porque todas as aulas seriam pela internet. Em 1999, enfrentamos o bug do
milênio – então, por causa da crônica e do rótulo de “advogada que entende de
tecnologia”, comecei a ser procurada para falar sobre quebras de contratos e outras
questões legais relativas ao bug.

O conhecimento em programação te ajudou na carreira como advogada?

Patricia Peck: Claro. O profissional de Direito Digital precisa de conhecimentos


jurídicos e técnicos. E isso vai ser um diferencial em sua carreira. No começo do
escritório, era muito comum que quem solicitasse os nossos serviços fossem o gestor
de TI, ou o CIO [Chief Information Officer, ou Gerente de TI, em tradução livre], ou
então os responsáveis da área que queriam investir no Marketing Digital. A demanda
era por profissionais que tivessem conhecimento jurídico, mas que também
entendessem de tecnologia, como programação e outras questões técnicas. Isso fez a
diferença para obter oportunidades de trabalho e a confiança dos clientes no começo
do escritório.

Por exemplo, ao acompanhar como se colhe uma prova eletrônica, o advogado


que tiver noções de tecnologia terá muito mais propriedade na verificação do
procedimento.

Outro fato curioso é que, ao ingressar na Faculdade de Direito, a maioria das


obras escritas sobre Direito e Tecnologia eram estrangeiras, dos Estados Unidos,
baseadas em autores que escreveram sobre computer law, cyber law, digital economy
ou digital society, com alguns poucos autores europeus. Por isso, em 2001, resolvi
escrever um livro em português sobre o tema que se tornou um manual de referência
utilizado hoje em muitas decisões do judiciário brasileiro.

Para ser um bom advogado na área digital é preciso entender de programação


ou desenvolvimento de sistemas?

Patricia Peck: Os conhecimentos técnicos são diferenciais para os profissionais


da área, já que o Direito Digital é transversal e abrange diversos segmentos. Hoje, é

7
importante que o advogado se especialize com certificações técnicas e estude temas,
como ITO e COBIT. Por exemplo, na discussão de privacidade e cibersegurança, é
indispensável entender como funciona a criptografia e a coleta de biometria. Nisso
tudo, o que mais impacta é conhecer sobre provas eletrônicas e perícia digital. É como
perguntar para a máquina o que aconteceu. Isso deveria ser ensinado nas graduações
de Direito para que os estudantes tivessem a oportunidade de, no laboratório, usar
softwares que fazem a coleta de prova eletrônica, tendo uma compreensão maior
sobre esse tipo de procedimento. É um cenário novo: a prova é eletrônica e a
testemunha é a máquina. É o novo pensar jurídico que exige do profissional
conhecimento técnico, prático e especializado.

Quais atributos um advogado precisa ter para ser bem-sucedido em Direito


Digital?

Patricia Peck: O advogado tem que ser curioso, gostar de tecnologia, e,


principalmente, de estudar e continuar se atualizando. A todo o momento surgem
novas informações e novas tecnologias. Essas mudanças exigem dedicação e um
contínuo aperfeiçoamento. Por exemplo, o bitcoin e blockchain ganham espaço no
mercado, preciso aprender e entender do que se trata para poder fazer um contrato,
um parecer ou uma petição que envolva essas inovações.

A melhor recompensa para esse esforço é que o Direito Digital dá a


possibilidade de você inovar, fazer algo que ninguém nunca fez. Mas o grande desafio
do profissional do Direito Digital continua sendo o conhecimento da matéria. Os
assuntos se renovam cada vez mais, é um volume de temas que vem aumentando
desde os anos 90, principalmente com a criação do ‘www’ por Tim Berners-Lee, mas
que quase não estão presentes na grade curricular da graduação de Direito. São
questões tratadas somente em especializações e cursos de pós-graduação.

O Direito Digital mudou muito, desde quando você começou a atuar nessa
área? Por conta da velocidade com que a tecnologia avança, pode-se afirmar que o
advogado que trabalha com Direito Digital precisa buscar atualização de forma mais
constante do que um profissional que atua em outra área do Direito?

Patricia Peck: Sim, além de saber a matéria, ele precisa manter uma atualização
constante, já que estamos falando de uma área em contínua evolução. O que
presenciamos é a revisitação dos institutos fundamentais do Direito relacionados a
diferentes temas, como à identidade, já que as pessoas se relacionam por meio de

8
interfaces e não presencialmente; à soberania, pois as fronteiras não são mais
geográficas; e às testemunhas, que passaram a ser máquinas.

O destaque é que o Direito Digital deixou de ser entendido como uma disciplina
vertical, aquele Direito de Informática, de Tecnologia ou Cibernético, para se tornar o
Direito como um todo, de uma Sociedade Digital. Por isso, ficou horizontal, transversal
e engloba todas as disciplinas do Direito: civil, criminal, contratual, tributário, de
propriedade intelectual, constitucional, trabalhista, entre outros.

Essas mudanças exigiram que tipo de atualização e/ou formação dos advogados
que lidam com Direito Digital?

Patricia Peck: Mediante essas novas situações que acontecem no ambiente


digital, foi necessário pensar em novos tipos de crimes aos quais os usuários estão
sujeitos. Atualmente, estão sendo rediscutidos institutos que são pilares do
pensamento jurídico, como privacidade, liberdade de expressão e a própria ética
digital. Por isso, escrevi meu primeiro livro, Direito Digital, que saiu em 2001 e está na
sexta edição, símbolo de como a área continua evoluindo.

Além da qualificação, outro desafio é a própria prática jurídica. Em 2004,


quando decidi abrir meu escritório, meus colegas me perguntavam se eu ia mesmo
trabalhar “só” com isso. Na época, éramos dois: um estagiário e eu. Hoje, somos 23
profissionais, sendo 17 advogados.

O avanço da tecnologia abriu mais oportunidades de trabalho para advogados


que querem atuar em Direito Digital?

Patricia Peck: Bastante. Em apenas 13 anos, o mercado cresceu e amadureceu


muito. Na esfera criminal, quase tudo que envolve prova está eletrônico. Testemunhas
se transformaram nas máquinas. Já no âmbito das redes sociais, há muito conflito
envolvendo exposição de marca, difamação, calúnia. Hoje, qualquer advogado tem
que pensar e refletir num cenário digital, de uso de bancos de dados de corporações e
de indivíduos.

As empresas passaram a se preocupar mais com as atitudes do trabalhador


quanto ao uso das ferramentas tecnológicas. Mau uso dos recursos, com finalidade
particular, vazamento de informações, discussão de horas extras por conta do uso dos
dispositivos de internet fora do horário de trabalho.

9
Ou seja, tudo isso gerou novas oportunidades de atuação de um especialista
em Direito Digital.

Em quais frentes um advogado que escolhe o Direito Digital como especialidade


pode atuar?

Patricia Peck: Muitas. Pode atuar na esfera consultiva, no contencioso,


trabalhista, civil, penal, entre outras. Pode focar em um segmento empresarial para
estabelecer os negócios entre as empresas, na questão do societário para o valuation
dos ativos intangíveis em uma fusão e aquisição, na parte de civil envolvendo
contratos, relações entre consumidores ou trabalhistas, ou a parte criminal no direito
penal que cresceu muito devido aos crimes eletrônicos e a fraude eletrônica.

Os casos mais corriqueiros são as celebrações de contratos das empresas que


têm o digital como core business, como o fornecimento de internet e o
desenvolvimento de softwares, mas a demanda envolvendo os consumidores vem
aumentando muito, por conta do crescimento das transações comerciais online,
trabalhistas, criminais e mídia social.

As primeiras aparições do Direito Digital aconteceram nos anos 90, com


contratos de telecomunicação, tecnologias, e hoje ele está presente em qualquer área
de atuação.

10

Você também pode gostar