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FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA I

Olá, estudante!

Estamos aqui para apresentar a você o material


da disciplina Formação Sociocultural e Ética I. Ao
falar sobre este material, é preciso também falar
sobre a disciplina.

Talvez, alguns questionamentos passem por sua


mente neste momento: que disciplina é essa ? Por
qual motivo ela está na matriz curricular do meu
curso e preciso estudá-la?

Pois bem, esclarecer essas questões e fazer com


que você compreenda a importância da disciplina
é um dos nossos principais objetivos. Assim,
peço que continue sua leitura par a que, juntos,
cheguemos a conclusões importantes!

De início, quero convidar você para uma breve


experiência. Imagine a seguinte situação: você
está em uma entrevista de trabalho e além de
apresentar seu currículo, ela é fundamental para
a vaga que você pretende. Nessa entrevista, a
organização quer checar algumas competências
comportamentais dos candidatos e, por esse
motivo, você precisará apresentar sua habilidade
de comunicação e conhecimentos gerais,
apresentando um texto sobre política. E agora?
Como você se comportará para desenvolver um
texto e expor considerações e argumentos acerca
da política? Como você se sairia nessa prova?
Sobre tal experiência, é importante compreender
que ela será cada vez mais comum no mercado
de trabalho, e a chance de real mente vivenciar
uma situação como essa é muito grande. Assim, é
preciso que os estudantes estejam preparados
não apenas para situações de aprendizagem de
sua área de formação e para o exercício técnico
dela, mas também precisam ir além disso.

No decorrer do seu curso, você terá contato com


Formação Sociocultural e Ética I (FSCE I) e
Formação Sociocultural e Ética II (FSCE II). Elas
são consideradas disciplinas de formação geral e,
independentemente da área de formação,
integram as matrizes dos cursos oferta dos pela
UniCesumar.

Sobre isso, é preciso esclarecer que o Ensino


Superior, no Brasil, tem finalidades bem
delimitadas pela LDB – nossa lei de diretrizes e
bases da educação brasileira. Nesse sentido,
justifica-se a oferta das disciplinas considerando,
especialmente, o artigo 43, que trata a respeito
da finalidade desse nível de ensino em nosso
país:

Art. 43. A educação superior tem por finalidade: I -


estimular a criação cultural e o desenvolvimento do
espírito científico e do pensamento reflexivo; II -
formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores
profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar
na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho
de pesquisa e investigação científica, visando o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da
criação e difusão da cultura, e, desse modo,
desenvolver o entendimento do homem e do meio em
que vive; IV - promover a divulgação de
conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicações ou de outras
formas de comunicação; V - suscitar o desejo
permanente de aperfeiçoamento cultural e
profissional e possibilitar a correspondente
concretização, integrando os conhecimentos que vão
sendo adquiridos numa estrutura intelectual
sistematizadora do c onhecimento de cada geração; VI
- estimular o conhecimento dos problemas do mundo
presente, em particular os nacionais e regionais,
prestar serviços especializados à comunidade e
estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da
população, visando à difusão das conquistas e
benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na
instituição.
Uma rápida análise de todos os itens que
compõem tal artigo, faz-nos compreender a
amplitude da formação no Ensino Superior e a
relevância de disciplinas de formação geral,
justificando, então, a oferta de disciplinas como
FSCE I e FSCE II.

Além da formação geral, essas disciplinas


também estão relacionadas aos pilares
institucionais, ou seja, ao pilar espiritual, ao pilar
intelectual, ao pilar profissional e ao pilar
emocional estabelecidos como bases para a
missão da UniCesumar enquanto instituição de
educação.

Com a análise da figura que segue, é possível


compreender a relação entre os pilares e o
desenvolvimento que se almeja para os
estudantes:

Diante do exposto, a disciplina FSCE I visa


apresentar conteúdos de formação geral,
organizados a partir das seguintes temáticas:

o Política;
o Interesse social;
o Linguagens, comunicação e int eração.
Assim, este material contará com conceitos
basilares sobre os temas descritos, bem como
com textos diversificados que tratam sobre suas
respectivas temáticas de forma a fortalecer o
conhecimento dos estudantes a respeito de
conhecimentos gerais e, ainda, para que sua
formação cidadã seja continuamente trabalhada
do ponto de vista social e ético. Cabe esclarecer
que não será estudada a ética propriamente dita,
mas sim como considerar social e eticamente
uma série de temas transversais da sociedade em
que estamos inseridos.

Diante do exposto, convidamos você para uma


imersão em nosso material que aqui se
apresenta! Vamos lá?

Unidade 1 Política

A POLÍTICA E SEU CAMPO PRÓPRIO: COMO


ENTENDÊ-LA?
É n orm al q ue as pes soas question em c om o func ion a a p olític a
e c om o fazer p ar a en ten dê -la. C om ume nte , o cidad ão tem
d ificu ld ade p ar a c om preen der o c otid ian o d a polític a, is to é,
q uais s ão as aç ões r otine iras q ue vão in fluenc iar a vida d as
pe ssoas , c om o o va lor dos impos tos , a contr apar tid a d o Es tad o
em re alizar obr as e aper fe iç oame ntos n a adm in is tr ação
p úb lic a, o preç o d o combu stíve l, d o arr oz, d o feijão, d a ág u a,
en tre ou tr os. Tud o is to fica ain da m ais comp lic ado qu and o
falamos de c orrupç ão, desvios d e ver b as pú blic as e a p oss íve l
“m ord om ia” q ue os p olíticos br as ileir os, e m ger al, têm .
C on tu do, de fato, o que eu, um simples c id ad ão br as ile ir o,
tenh o que fazer p ar a c onhec er a p olític a? Existe alg um c urso
es pecífic o p ar a me lh or e ntendê -la? Só d e acomp anh ar o
n otic iár io eu c ons ig o c ap tar as d isc uss ões q ue p ass am n a
p olític a? São es sas e ou tras perg un tas qu e pre tend em os
res ponder n este tóp ic o, a fim de fac ilitar a c ompre ens ão
d aq ue la que é um a ar te, um a c iênc ia e um a p aixão.

POLÍTICA:
ARTE

CIÊNCIA

PAIXÃO
Antes de c ontin uar mos a falar s obre a polític a, ad ver tim os a
voc ê, ac adêm ic o, q ue é imp or tan te fazerm os um e xerc ício
s imp les e d id átic o p ar a m elhor e nte nder o jog o de in teress es e
p oder que s e c onvenc ionou cred itar a e la: afastar os
prec onceitos, is to é, es quecer tud o ( ou qu ase tu do!) aq uilo que
voc ê ouviu falar s obre o term o. Vem os e m n oss os d ias q ue o
pr ópr io prec onc eito es tá n a pau ta p olític a, e m uita en erg ia de
n oss os govern ante s e repre sen tan tes é g as ta em tor n o de um a
s oc ied ade men os pr econce ituos a. Se isto é e xigido dos n ossos
g overn an tes , tam bém é e xigido de qu alquer um q ue qu eir a ser
u m a pess oa letr ada p olitic amen te . Ess a tátic a er a em p reg ada
p or Ém ile Durk he im ( 1858 -1917), s empre ar gume n tand o qu e a
b oa s oc iolog ia er a fe ita p or aque les que “pur amen te”
pre te nd iam c onhec er a s ocie dade , esqu ecend o os c onc eitos
pré vios sobre de ter minados ass un tos e re apre nden do -os. É
es ta ide ia que pr op onh o aqu i: vamos afas tar os prec onceitos e
as pr en oções e p ass ar a c on hecer a polític a p or e la mes m a,
se m m istur arm os c once itos já form ad os ou op in iões pes soais,
d a míd ia, da família e de am igos de que “a p olítica é sem pre a
me sm a c ois a” ou “os p olític os s ão to dos igu ais”, por exemp lo.
En tão, vamos lá?

C on tu do, c om o d issem os an ter ior men te : de vem os es quecer


q uase tud o p ar a in iciar noss a c am in had a ao lab ir in to da
p olític a. U m d os te xtos m ais evoc ados ao se tr atar de p olítica
(e que busc a ch am ar a ate nç ão s obre a n ecess id ade d a p olític a)
é O analf abe to p olí ti co , d o teatrólog o alem ão Ber tolt Brech t
( 1898 -1956). Vem os q ue Brec ht afirm a que o p ior an alfabeto é
o p olítico, que é aque le que não ouve , n ão fala e n ão p artic ip a
d os ac on tec ime ntos polític os. Podem os pe ns ar q u e o
an alfabe to polític o é aq ue le que n ão p artic ip a d a polític a, mas
n ão! O an alfabeto polític o já é, por si, um an alfabe to ( aind a
q ue letr ad o) ! An tes d a p ar ticipaç ão p olític a, h á a nec essid ade
d o e nte nd ime nto s obre ela. Um a aç ão au tôn om a, n a qu al o
ind ivíd u o se ja um s ujeito (e não se torne s uje ito) de m and a,
ne cess ar iamen te, do seu e nten dimen to pré vio, e n o c aso d a
p olític a, ess e en ten dimen to deve ser abs olu tame nte
es tr atég ic o. Afin al, falam os, aq ui, de p od er e seu s jog os .
De vem os aprender um a se gund a liç ão: a h is tór ia. Es ta é um a
d isc ip lin a fund amen tal p ara a c ompr eens ão p olític a. O utr o
au tor que é mu ito citad o ao se tr atar da polític a é o filós ofo
italian o Nic olau Maqu iave l ( 1469 -1527), pr in cip alme nte o seu
livr o O pr ínci pe, c ons id erado u m te xto b ás ic o p ar a q ualq uer
u m que que ir a se aven tur ar e se aprofu nd ar n a p olític a.
Q uand o o leitor começ ar a ler ess e livro (e tem os cer te za que
voc ê vai se d ep ar ar com u ma sur pres a: O prí ncipe p arece m uito
m ais u m livro de h is tória d o qu e d os fam osos conse lh os p ara
os g overn an tes, igu al comumen te é citad o. A pr ime ir a me tade
d o livr o é fe ita, qu ase que e xc lus ivamen te, de n arr ativas de
fe itos polític os, mal ou bem s uced id os . A histór ia, p ar a e le (e
p ar a q u alq uer p olític o) de ve ter um se ntid o pr ático, um gu ia
p ar a as aç ões atu ais. Talve z o le itor es te ja reme mor and o seu
temp o de c olé gio e se per gun te : c om o aque la h is tór ia q ue lhe
foi e ns in ad a p ode ser u m gu ia p ar a s uas ações? No en tan to,
me u c ar o, até mes mo a his tór ia q ue lhe foi ens in ad a, e a form a
q ue você aprend eu, d epen deu d e um a d ecis ão p olític a, e nem
se mpre n oss os gover nantes acred itam q ue o h ome m de va
s aber gu iar su a própria vid a.
C heg am os, en tão, a um a terceir a liç ão: a d esc on fiança.
Aprend er p olítica en volve mu ito m ais qu e dec ifr ar p a lavr as,
m uito m ais qu e rec itar fatos histór ic os e s uas d atas . Falam os,
aqu i, d a neces sidade d o h om em r efle tir s obre os ru mos de su a
vida em s oc ied ade , e n ão ape nas c on fiar n o qu e lhe é d ito.
Ger alme nte, de par amo -n os c om alg um as s itu aç ões em n ossa
vida fam i liar que s ão m al res olvid as no p ass ad o e q ue sur gem
c om o fan tasm as e m n oss as vid as atu ais, não é mesm o? Na
p olític a, a s itu aç ão é mu ito seme lh ante, c om a d iferenç a que
e la é m uito m ais c omp le xa e com p otenc ial qu ase que in fin ito
n os r um os de noss as vid as . Sem falar que a p olític a não é
ape nas feita de h omen s, em carne e osso, dese jos e
ne cess id ades , m as també m de gr up os q ue p ossu em m aior ou
me n or forç a, em tor no de in teress es qu e n ós, e m n oss a vid a
c otid ian a, sequ er te mos p oss ib ilidade de conhecer . Des sa
form a, de scon fie de tud o q ue se r efere à p olítica. C ome ce por
es te livr o e b usq ue ou tras fontes. Desc on fie d os jorn ais,
te levis ão e red es s ociais . Forme s eu arc ab ouç o p ar ticu lar de
pe ns ame nto, pautado n a ciência, p ois apen as as sim p oderem os
n os torn ar au tôn om os de ntr o de n oss o lab ir in to s ocial.

V am os te ntar d em ons tr ar ess a lição: p alavr as, his tória e


de scon fianç a.
S e olh ar mos p ar a o r adic al d a p alavr a pol íti ca, verific am os que
ess e term o ve m d o gre go p olit ik os, q ue s ig nific a assu ntos
re lacionados a p olis, is to é, aos modelos de c id ade -es tad o da
Gréc ia An tiga. É c laro que as cid ades mud ar am mu ito do
per íod o em que o term o foi criad o até os d ias de hoje ; m as,
tan to as cid ades -es tad o d a Gréc ia qu anto as c id ad es br as ileir as
têm os mesm os ingr ed ien tes par a de fin irm os o qu e é a p olític a
e s eus e fe itos : p ovo, g over n antes e dis pu tas em torn o d o p oder
d o g overn o q ue s ome nte a polític a p ode pr op orcion ar . As sim,
se olh arm os par a e ss a e xp lic aç ão c lás sic a e m tor no do radical
d o term o, c on segu im os ver a pr ime ir a de fin iç ão s obre a
p olític a, c om os ass un tos relacion ad os às c id ades , ou se ja, a
form a de gover nar um a c id ade ( e d aí as sub divisõe s de q uem
g overn a e c om o govern a, que stões c lássic as d a ciênc ia p olític a)
e os pr ob le mas qu e as cid ades atr avess am ao lon go do per íod o
em que os polític os es tão n o poder .

De fato, ess a e xplic aç ão tem su a r azão de e xis tir . Qu an do


q ues tion am os um le ig o s obre o assu nto ( a noss a p osiç ão n o
m om en to), a pr ime ir a ide ia que vem à c abeç a s obre p olític a s ão
os p olíticos, os qu e e xercem um poder c on fer id o p ar a tratar
d os ass un tos relac ion ad os ao Es tad o. Ve ja q ue p olític a d á a
n oç ão de govern o, de algué m q ue lid era um grup o d e pess oas
q ue vive n as c id ad es. Aí alg uém pode q uestion ar : "mas n ão h á
p olític a n o c amp o? " C l ar o qu e s im ! Aos p ou cos vam os e n xergar
q ue e la ap arece c ons tan tem ente em n oss as vid as , pe lo sim ou
pe lo n ão – indepe nden te men te da n oss a von tade , ela vai
e xis tir . Retom an do, a figur a men tal s obre a p olític a é
c ons tan teme nte a mes ma: u m p olític o g over n and o se us
g overn ad os e um a p ilh a de prob lem as am on toad os, q ue
n orm alme nte s ão dir ecion ados aos p olític os p ar a qu e se jam
res olvid os, n a te ntativa de alcanç ar a s atisfaç ão d a popu lação
em relaç ão a de ter minados assu ntos .
C om seu livr o O Pr ínci pe, Maqu iavel passou a an alis ar o Es tad o
m oder n o de u m m od o d iferen te, talve z m uito m ais pe las
pr áticas ad otad as pe la classe p olític a d o qu e pe los au tor es d o
per íod o, e m alguns casos pre ocu p ad os em ide alizar alg o qu e,
n a prátic a, n ão ac on tec ia. A con tr ibu iç ão s obre a n oss a “n ova”
de fin iç ão de p olític a é or iun da d o e ntend ime nto d a obr a dele
u m a ve z q ue a p olítica p ode tam bém ser conce ituad a com o a
“ar te de c onq uis tar, m anter e e xercer o poder e o g overn o”.
Aí c om eçamos a d iferenc iar um pouc o como os estud iosos
pe ns am s obre a po lític a. O pr ime ir o de stes pens amen tos é a
p olític a c om o arte , a qu al s omen te os h ab ilid os os pr osp eram .
C om o tod a arte, é n ecess ár io u m d om es pec ial – às vezes até
me sm o “s obr en atur al” – p ara q ue e la se m ater ialize. O que se
p ass a n a c abeç a d o ar tis ta s ó se tr ans form a e m arte a p artir d o
m om en to em q ue es te a c oloca em pr átic a. E esta ar te, a “arte
d a p olític a”, n ão é tão fác il assim d e ser e fe tu ad a, pois
de pend e d o re lacion am en to interpes soal, d a c on duç ão de
pr ob lem as espec íficos do c amp o p olític o até as d i spu tas de
vaid ade, m uito c omu ns n o c onte xto da p olític a. Ass im , o
“ar tis ta d a p olític a” é algu ém que p ossu i es ta h ab ilidade de
c ond uzir s itu aç ões e tê -las sem pre a seu favor , ang ar iand o
s imp atizan tes e tr ans for mando ide ias em aç ões c oncr etas , que ,
de alg um a form a de vem mud ar a vida d as pes soas .

O s egu nd o pen samen to é ver a p olític a c om o ciênc ia. E é is to


q ue um cie ntis ta p olítico faz, u m a pr ofiss ão c on tem por âne a e
m uito d iferen te . Afin al, o que es tes profiss ion ais es tud am ? A
p olític a enq u an to ciê nc ia surg iu dep ois d o es tabe lec imen to das
c iênc ias s oc iais no c amp o de pes qu is a, m arc ad a, b asic amen te,
pe la filos ofia e pe la h istór ia até o in ício do sécu lo XIX, qu ando
h ou ve a p ercepç ão de que uma n ova ár ea de pe squ is a
ne cess itava sur gir . A par tir d o in ício do s écu l o XX, a c iênc ia
p olític a p ass ou a an alis ar a p olític a ap ós o n asc ime nto d a I dade
Modern a e, com es ta áre a de atu aç ão, pr ofis sion ais se gr aduam
p ar a an alisar os pr ocess os e s is tem as polític os e m vigê ncia,
s obre tu do em re laç ão aos polític os, p artid os e eleiç ões c omo
u m tod o. No Br asil, a c iên cia política é recen te, com o
es tabe lec ime nto d a áre a d a déc ad a d e 70 em d ian te e,
s obre tu do, com a e fe tivaç ão dos trab alhos d a ABC P –
Associaç ão Br as ileir a de C iência Polític a, n o in íc io da déc ad a d e
90.

C on tu do, é prec is o ser um c ien tista polític o p ar a c on hecer tu do


o qu e se p ass a n a p olític a? Prec is o fazer um “c urs inh o” b ás ico
s obre a áre a par a, en tão, ser u m “e xpert” n a polític a? A
res pos ta tend e a ser n ão. Um d os ob je tivos des te livr o é este :
apr oxim ar a p olític a (se j a ela ar te, c iênc ia ou p aixão) um p ouc o
m ais d as pess oas. Ass im, somen te aque les q ue des ejam
ingr ess ar n a c arre ir a ac adêm ica – lec ion an do ou pesq uisando –
de vem pr ocur ar es tud ar m ais s obre a te or ia e a pr átic a polític a
n o Brasil e no mun do. Por tan to, a p ol ític a enq u an to ciê ncia é
es pecífic a, mas au xilia a compree ns ão dos pr ocess os p olíticos
q ue ac on tecem no dia a dia, ob je to des ta pu blic aç ão e
p ar ticu lar men te d a vid a de tod os, de u m m od o qu e atin ge o
c am po in dividu al e u nivers al.

De ss a form a, a p olític a é t r atad a c om o c iênc ia, is to é, u m


c am po espec ífic o d o c on hec imen to d irec ion ad o à pes qu is a e ao
en sino sobre as m an eir as de com o a p olítica se c ons olidou ao
long o d os an os . Se gun do o e pis tem ólog o ( aqu ele que e stud a
c om o o c onhec im en to é pr oduzido) Gilles G as t on Gr anger, a
c iênc ia é “um a fon te s is tem atic ame nte or g an izad a do
pe ns ame nto ob je tivo”. Se un irm os e ss a de fin iç ão de c iênc ia à
p olític a, ch eg am os à c onc lus ão d o q ue faz a c iênc ia p olític a:
e xp lic ar, de m ane ir a or g an izad a e ob je tiva, o q ue é, qu an do e
c om o a p olític a aconte ce ( ou se manife sta) n os m ais d iver sos
es paç os d a s ocie d ade – desd e a u m peq uen o m un icípio a u ma
gr ande n aç ão. Gr anger tam bém diz q ue a c iênc ia é “mé todo de
pe ns ame nto e aç ão”, algo mu ito fam iliar c om a p olític a, n ão?
Or a, p ara se fazer po lític a, é nece ss ário pe ns ar e ag ir. Um a d as
re gras de our o d a p olític a – aque la d e oc up ar u m esp aç o
de ter minado antes qu e alguém o faç a – p ode ser e xplic ad a a
p ar tir d o pen samen to e d a aç ão: s em pe ns ame nto, base ad o n a
r azão, é imp oss íve l ag ir c alcu lad ame nt e p ar a, p os ter ior men te,
alcanç ar os resu ltad os esp erad os . É nes te se ntid o, por tan to,
q ue um cie ntis ta p olítico age: pe squ is a, p or meio d e d ivers os
m ater iais , p ar a c ons olid ar s eu p ens ame nto e , p osteriorme nte,
ag ir, p ub lic and o m ateriais, lecion and o, prestand o c onsu ltor ia,
isto é , faze nd o ciênc ia p olític a.

Noss a ú ltim a par te d a tr ilogia d iz que a polític a també m é


p aixão. Não deixa de ser . A paixão é um s en timen to mu ito for te
em relaç ão a ou tr a pess oa ou a u m tem a, p or e xe mp lo. E assim
d ivid im os a paixão em du as ocas iões: s obr e a p olític a e a
p aixão polític a . A pr im eir a, n orm alme nte , é oc as ionad a pe la
pr ópr ia atividade p olític a, m uito en volven te e, de fato,
ap aixon an te. A p ar tir de la, p ode -s e conhecer mu itas pess oas,
p ar ticip ar d as m ais var iad as form as p oss íveis (c om o c and idato;
m ilitan te p ar tid ário, de u m a c aus a ou b ande ir a; c omo
fisc alizador do g over no; c om o c id ad ão c omu m; e ntre outr as ),
além d e c ad a s ituação s er d iferen te um a d a ou tr a, e xig in do
u m a h ab ilid ad e n o re lacion amen to in terpes soal esp ecífic a. A
se gun da é a m ais pre ocu p an te e a que “vivenc iam os” n as redes
s oc iais, p or e xemp lo: a p aixão acerc a d e de term in ad as causas
ou p ess oas, qu e, m uitas veze s “ceg a” o h orizon te em re laç ão a
tem as pas síve is de soluç ão, mas q ue o viés ap aixon ad o n ão faz
c om q ue as p ess oas en xer guem a r esoluç ão d os proble m as,
m uitas vezes em de fes a d o seu ponto de vis ta (se mpre o
c orre to).

Por h ora, incluímos o g over no ne sta e xplic aç ão p orque é a


oc asião e m que m ais visu alizam os a pr átic a p olítica, is to é, n as
aç ões:

1) para a conquista do governo, como explicitado


anteriormente;
2) para a manutenção do governo: os projetos,
programas, as propostas veiculadas durante a
campanha, os servidores trabalhando, o cidadão que
paga os impostos, enfim, o funcionamento em si que
manterá o governo em pé;
3) o exercício do poder em relação ao governo, algo
complexo e que analisaremos na próxima seção deste
livro.
O fato é a imp oss ib ilid ad e de de fin irm os a p olític a em poucas
linh as ou págin as: c ada autor a c ar ac terizar á de um m od o
pec uliar – aind a qu e, em ger al, e la ten ha um c orp o es pec ífico,
as p ecu liar id ades des te c orp o ser ão c on fer id as p or c ad a
pe ssoa que d ecide es tud á -la. D a mesm a form a, c ad a pess oa
en volvid a n a p olític a a pr atic ar á se gu ind o su as convicç ões, su a
r azão ou, até mesm o, s u a p aixão, orie ntand o -se p ar a os
assu ntos per tinen tes c on forme s eus pr oce dimen tos. Noss o
ob je tivo, nes ta pr ime ir a p ar te é, em linh as g erais , e xp lic ar – ou
ap on tar c am inh os – p ar a a c om preens ão d a polític a ac adê mic a
( aq ue la – d os c ie ntis tas p olíticos) e a polític a d o dia a d ia,
e fe tu ad a desde o c id ad ão c omu m até o Pres i de nte d a
Repú blic a, p or e xemp lo. Há, com o de monstr amos, um a r elaç ão
en tre as du as : aind a que p areç am dis tan tes, a te or ia e a pr átic a
s ão in terdep ende nte s en tre s i e, por fim , a sen tenç a que
apre ndem os vale p ar a vár ias oc as iões d o re lacion amen to
h um an o: é mu ito difíc il se livrar d a p olític a, p ois e la se
m anifes tar á c ons tan teme nte em noss as vid as .

UNIDADE 2 – INTERESSE SOCIAL – ÉTICA,


DEMOCRACIA E CIDADANIA

A vid a em socie dade é pautada p or m últip las pers pectivas, a


p ar tir d as q uais nos coloc am os e m interação c om os dem ais,
pe ns am os a n ós mesm os e noss as at itudes e tam bém n os
re lacionamos com as ins titu ições. Ass im, c ad a um de n ós age
de difer en tes m aneir as , a depen der d a s itu aç ão em q ue n os
en contr am os : em casa, n o trab alh o, e ntr e amig os, c om re lação
aos es tud os, em n oss o plan ejame nto par a o fu tur o e tc .
C on tu do, aind a qu e p oss am os assu mir divers os papéis s ociais –
c om o filh o, cônjuge, empre g ad o, c oleg a de tr abalh o, usu ár io de
p olític a pú blic a ou e le itor, p or e xe mp lo – é pertin en te
c ons ider ar que n oss os valore s e modo de lidar m os c om a
s oc ied ade , em ger al, n ã o se alter am.

Os pilares da discuss ão des ta u nidade de estud o s obre


q ues tõe s de in teress e s ocial dize m resp eito a te m as de nosso
c otid ian o: étic a, dem ocr acia e c id ad an ia. Se, por um lad o,
p ode m p arecer te mas amp los e desc one xos c om se u pr ocesso
de form aç ão su per ior , p or outr o lado, tr ata -se de três pilares
fun d amen tais à su a c on form ação c om o ind ivídu o que se coloc a
c om o age nte ativo d e tr ans form aç ões s oc iais e p ode contr ibu ir
c om a m elhor ia d a vid a em c ole tivid ade .

V ocê c on hece as de finiç ões de é tic a, de de m ocr ac ia e de


c id ad an ia? Saber ia resp ond er o qu e cons titu i ou c ar ac ter iza
c ad a u m d os c once itos e su a re laç ão? E m ais: Saber ia
res ponder os m otivos pe los qu ais ess es c once itos s ão
imp or tan tes p ar a q ualq uer pess oa?

Perceb a q ue ess as perg un tas d izem res peito a tem as q ue tod os


n ós dever íam os c on hecer, mesm o q ue m in im am en te, u m a vez
q ue se re fer em a e leme ntos que vivenc iam os e imp ac tam
n oss as vid as. Entre tan to, p or ou tro lad o, n ão r ar as ve zes,
tem os d ificu ld ade e m c once ituar, es pec ialm en te as n oç ões de
é tica e de c id ad ania, ain d a que e ste jam in tim ame nte
re lacionad as c om a e xper iê ncia de mocrátic a qu e vivenc iam os .

Ao ab ord ar esses tem as em s alas de au la d e gr adu aç ão e de


p ós -gr ad u aç ão, é rec orren te en tre os alun os ass oc iá -los c om
de sigu ald ades e com c orrupç ão. Aind a q ue n ão se tr ate de
ass oc iaçõe s incorr etas acer ca de nu anc es dess as relaç ões ,
d izem res peito a aspec tos n egativos, os qu ais podem os
en fre ntar , em algu m a med id a, c om c on hec imen to s obre e sses
tem as e como se re lacion am .

Assim, n os par ágr afos que se gue m, vam os falar u m p ouc o


s obre alg uns d esses tem as e seu s c once itos .

O que é étic a? O que é dem ocrac ia? O q ue é c id ad ania? Três


term os, três c on ceitos c om s ign ificados d istin tos e c om
ap licaç õe s intim am en te re lacion ad as ! Tend o e m vis ta que a
d iscu ss ão em tor no d a tem ática de in tere sse s oc ial se
de sen volve a p ar tir desses pilares, in ic iem os nos sa e xp osição
pe la ab ord ag em s obre a é tic a.

A étic a é um d os r am os de es tu dos d a Filos ofia – que se


c ons titui c omo form a d e conhec ime nto p autad a pe la busc a d a
c ompr eens ão d a vida soc ial p or m eio d o es tabe lec ime nto de
re laç ões en tre a re fle xão e a aç ão p ar a o es tabe lec imen to de
pr áticas sociais ide ais. Ness e sen tid o, ten do em vis ta q ue a
F ilosofia bu sc a ens in ar os ind ivídu os a pen sar critic amen te, a
é tica se c oloc a c om o u m m od o d e or g an izaç ão r acion al d o
pe ns ame nto h um an o c om vistas à pr om oç ão d a pr ática social
m ais ade qu ad a à vida em c oletivid ade (TI BU RI, 2014).

Ain d a que se ja m ais corr iq ueiro ouvirm os falar s obre é tic a no


âmb ito de atu aç ões pr ofiss ionais – c om o a é tic a mé dic a, a étic a
em pres ar ial, a étic a pú b lic a, a é tica pr ofiss ion al e tc. -, é
ne cess ár io des tacar que a prátic a é tic a s e coloc a a todos que
vivem num a determ in ad a s oc ied ade, inde pend en teme nte de
ocup aç ão pr ofissional ou ou tros m arc ad ores soc iais, u m a vez
q ue o term o étic a é de origem gr eg a e re me te a c aráter, já
q ue eth os d iz re spe ito ao m odo de s er de um ind ivíd uo.

Nesse sen tido, a étic a d iz respe ito aos pr eceitos s oc iais ger ais
p ar a a vida em s oc ied ade , de m od o q ue o c ar áter d os
h ab itan tes d e de term in ad a c om un id ade s eja b alizad o
c oletivamen te, ou seja, p ar a que h aja prece itos p artilh ad os
pe lo gr up o a reger o fu ncioname nto daque la s ocied ade .

Is to p os to, é ne cess ário des tac ar q ue a é tic a c orres ponde à


m ater ializaç ão d a mor al, q ue cons is te n um a c ons truç ão
c oletiva de re gras e n orm as s oc iais , que s ão r econhec id as e
p ar tilh adas pe los ind ivíd uos de um a c omu nidade e, por tan to,
c ons ider ad as le gítim as . A moral é, ine vitavelmen te, um a
c on form aç ão de valores hum an os, cu lturais, te mp or ais e
s oc ietais, o que s ig nific a qu e a b as e d a é tic a exis te e m
dec orrê ncia d a vid a d a org anizaç ão d os h ome ns e le va em
c on ta a m ane ir a c om o e les se re lacionam en tre s i e c om o
amb ie nte , sen do p ass íve l de var iaç õe s ou d istin tas
c on figur aç ões – até mes mo con flitan tes – tan to ao
c omp ar arm os difere ntes gr upos s oc iais num d ad o m omen to
q uanto ao c omp ar arm os um mes mo agrup am en to (ou algun s)
em m omen tos d ivers os d a História. C om o a m or alidade imp lic a
em obrigaçõe s, a é tic a determin a m od os d e ag ir em
c oletividade.

Nesse sen tido, é per tine nte des tac ar que a própria noção d e
é tica se alter ou ao long o d os séc ulos : n a c lássica soc ie dade
gr eg a, ser étic o s ign ificava respe itar as leis e valores d a p ólis,
inc lu íd a a res tr ição e m term os d e cidad an ia; n o p eríod o
me dieval, a é tica foi p au tad a pe la intr ín sec a re lação e ntr e
p oder p olític o e r elig ião, u m a vez que os Re is e a I greja C atólic a
de ter minavam os modos de c on vivê ncia dos indivídu os
se gun do a me tafís ic a e a pre ocu p ação c om o re spe ito às
h ier arq uias ; n a m od ern id ade, ag ir e ticamen te imp lic a lanç ar
u m olh ar r ac ion al à s ocie d ade e c on sid erar a fr agm en taç ão ou
m ulticu ltur alism o c om o p ar âme tr o é tic o.

[...] a ética se preocupa em c omo os homens devem ser e não


em como eles efetivamente são! E, invoc ando antigos manuais,
eu poder ia acrescentar que a ética é o fundamento da regr a
mor al, esta última sim, d edic ada a responder à pergunta:
“Como devo agir ?” (EVANGELISTA, 2016, p. 8).
Is to p os to, a é tic a se coloc a, portanto, c om o um
c ompr om etime nto de c ad a indivíd uo c om relaç ão aos de mais,
per me and o e de limitand o a vid a e m s ocied ade p or meio de
n oss as aç ões , co mp ortamen tos, falas, p os ic ion amen tos e
ju lg ame ntos . As sim, a é tic a imp lic a em nos sa r esp ons ab ilid ade
c om re laç ão à vid a c oletiva e cotid ian a e deve se p autar p ela
pre oc up aç ão com a m ane ir a corre ta ou adeq uad a de nos
p or tarm os, n o se ntid o de qu e a liberd ade e os d ireitos de cad a
u m têm, no s eu se melh an te, o se u lim ite.

Esse é, inc lus ive , o princ ípio bás ico d a p ac tu aç ão social p ar a a


vida em s oc ied ade , de fin id o por au tor es c lássic os da Filos ofia
Polític a c om o c on tr ato s oc ial: a vid a em s oc ied ade dem an dar ia
u m c on jun to de nor mas s ociais a ser em res peitad as pelos
ind ivíd u os, a fim de que a c onvivênc ia fosse p oss ível (HOBBES,
2000; LOCK E, 2001; ROU SSEAU, 1999; 2002).

Par a avanç arm os aos d em ais conce itos relac ion ad os à tem átic a
d o in teress e social, c abe r ess altar que as imp lic aç ões d a é tica
es tão n o c amp o d e n oss a c onsc iênc ia acerc a d a mane ira como
ag im os r ac ion almen te e c om re laç ão aos nos sos sen timen tos,
ass im c om o n as inter aç ões que desen volvem os c om outr os em
n oss os e sp aços pess oais ( fam iliare s, am ig os e re laç ões
afe tivas) e s oc iais (c om o esp aços esc olares, lab or ais e
c omu nitár ios – igre ja, c lu be ou grup o d esp ortivo, volun tar iad o
e tc. ).

S e me fosse s olicitad o q ue busc asse um ú nico ter mo par a


tr atar d e é tic a na conte mp or ane id ade, e u esc olher ia a p alavr a
alter id ad e, cu ja pers pec tiva de res peito às d iferen ças e olhar
em p átic o apr ofund ar em os à fren te . Antes, c on tud o, c abe tratar
d o re gime p olítico em q ue a alter id ade d eve ser respe itad a de
m aneir a am pla: a de mocr ac ia.

As pr ime ir as re fle xões s iste m atizad as s obre o c on ceito de


“dem ocr ac ia” se enc on tr am n as d isc uss ões d a te or ia polític a
c láss ica sobre form as de g overn o. Ap es ar de n ão n eg ar a
e xis tênc ia de s oc ied ad es de mocr átic as an ter iores à Gréc ia
Antiga, o prime iro g over no den om in ado “de mocr ático” de que
se te m reg is tro e que se tor nou r eferenc ial p ara o pens am ento
c on tem por ân eo corre sp onde ao g overn o de Aten as.

A concepc ̧ ão greg a de de mocrac ia repu diava a ideia de


repr esen taç ão c om o mé tod o dem ocr ático. A ele ic ̧ ão de
repr esen tan tes er a c ons id erada c om o u m m é tod o ar is tocr átic o,
p ois se tr atava de um a se le c ̧ ã o n a q u al os in div ídu os ter iam
d iferen tes prob ab ilid ade s de ven cer, u m a ve z q ue p o ssu íam
c ap ac id ade s d iferen tes. Os pr inc íp ios de mocr átic os es tavam
re lacionados à p artic ip aç ão igu alit ár ia. O mé todo as soc iad o à
de mocrac ia er a, por tan to, o s or te io, u tilizad o e m Aten as p ara
pre encher os car g os qu e n ão exig issem cap acitaç ão ou
e xp erie ̂ n c ia esp ec ífic as, e o govern o d o p ovo s e m aterializava
n a noç ão d e igu ald ade p ol ític a, que se m an ifestava em
mé tod os n os qu ais prep onderavam opor tu nid ades ig ualit ár ias
de e xercer o p oder pol ític o ( MANI N, 1997). N ão p or ac as o, a
de mocrac ia er a o g over n o de m uitos, e m c on traste ao govern o
de p ouc os, ch am ad o de ar istocr ac ia ( ou de olig arqu ia, e m sua
form a de gener ad a).

S e p or um lad o p od e -se argu men tar q ue o esc op o d a c id ad ania


aten iense er a mu ito restr ito de vido à e xclus ão de m ulheres,
escr avos e es tr an geir os das dec is ões p úb lic as, p or outr o, o
re gime de mocr ático, ate niense ou torg ava m ais p oder p olítico à
c lasse tr ab alh ad or a e aos p obres em c omp ar aç ão à ver são
c on tem por ân e a. O r eg ime aten ien se pr op ic iava m ais c on tr ole
p or p ar te d a c lasse produ tiva, u m a ve z q ue os pr ob lem as er am
levados à es fer a pú bli c a.

D iscu tir de mocr ac ia n o âm bito d a prátic a e d a te or ia p olític a


c on tem por ân e as imp lic a lid ar c om um e viden te p ar ad oxo: ao
p ass o q ue a de mocrac ia é um a form a de g over no valor izad a
c om o “positiva”, e la se d is tancia de se u c once ito or ig in al,
re lacionado a p artic ip aç ão p op ular d ire ta.

Emb or a h aja d iferen tes perspec tivas s obre a dem ocr ac ia, uma
de las se sobrep ôs às d em ais a p on to de o Ociden te c ons iderá -
la como ún ic a form a p oss íve l (HEYWOOD , 2010), o liber al -
p lur alism o, pr ojeto dem ocr átic o b ase ad o na e xis tê nci a de um
c on jun to de g ar an tias le gais, com o as liberd ades cidad ãs, a
c omp etiç ão e leitor al e a livre org an izaç ão m ed iante gru pos de
pre ss ão.

De ntr e os autore s que de fendem tal pers pec tiva de mocr ática,
h á dis tinç ões e xpress ivas : en qu anto Schum pe ter ( 1961)
arg umen tava que a d esigu ald ade p olític a s eria u m aspec to
n atur al d a s oc ied ade e que c aber ia aos ind ivíd uos “c om uns ”
limitarem su a atu aç ão polític a ao m ome nto d e esc olh a de
repr esen tan tes ( voto) por que as m as sas ser iam inc ap azes de
g overn ar d evid o à su a irr aci onalid ade in ata, D ah l ( 1997)
arg umen ta q ue um a poliarqu ia – reg ime re al m ais pr óxim o de
u m a dem ocr ac ia – s eria c ar ac ter izada pe la fr agmen taç ão d o
p oder p olític o, o q u al n ão está c once ntr ado em ape nas um
gr up o de vido à dispers ão d os var iad os rec urs os n a s oc ied ade,
de m od o que a igu ald ade p olític a também se re lacion a à
d is tribu iç ão do p oder. C on forme p on tu ad o p or Albr ech t ( 2019),
de ntr e as de mais ver ten tes d a te oria dem ocr átic a, a maior ia
c ons is te em altern ativas a esse modelo.

No ger al, as te orias c ircu nd am, principalm en te, três c once itos
imp or tan tes n o es tu do d a democr acia:

1) Repres en tação

2) Partic ip aç ão

3) D eliber aç ão

Tais eixos p od em au xiliar a c om preens ão acerc a d as


se melh anç as e difere nç as en tre te or ias que serve m de base
p ar a a c ons truç ão de m ode los d e dem ocr ac ia e su as
res pectivas var iaç ões. Os reg ime s contemp or âne os s ão, n a
verd ade, mesc las de elemen tos p erte ncen tes aos três e ixos.

A represe ntaç ão se c ar ac ter iza p or ser indir eta, com alguém


q ue fala “em nome d os in teresses ” de outre m (GU RZA LAVALLE;
I SU NZA V ERA, 2010). Um a represe ntaç ão d em ocrátic a imp lica
víncu lo en tre repre sen tan te e repr esen tad os, d e m od o qu e
aqu ele te nh a cer ta m arg em de liberd ade p ar a atu ar , m as sem
es tar alhe io aos an seios des tes . Qu an do o r eprese ntan te age
e xc lus ivamen te voltad o aos própr ios inter esses, tr ata -s e de
u m a represe ntaç ão n ão d em ocr átic a ou de u ma mer a
tr ans ferên cia d e p oder . Dess a form a, u m a dem ocr ac ia
repr esen tativa é u m reg ime dem ocr átic o c ujas dec isões
p úb lic as s ão tom ad as pr ed om in ante men te m ed iante
me canism os de r e prese ntaç ão. As e le iç ões fazem p ar te de sses
me canism os, m as n ão são s u fic ien tes par a promover um a
repr esen taç ão dem ocr átic a, que e xige cer to c on trole p or par te
d os re presen tad os . Os atu ais s is tem as d e repres en taç ão s ão
imper fe itos p orque car ecem de ins tru men tos de c on tr ole m ais
e fe tivos d os re presen tad os em r elaç ão aos repres en tantes
( MANI N; PRZEWORSKI ; STO KES, 1999). A repre sen taç ão n ão
de mocrátic a acen tu a a d is tância en tre repr esen tan tes e
repr esen tad os.

A dem ocr ac ia de liber ativa se pau ta pe la ide ia de q ue a


d iscu ss ão é um mec an ism o p ar a en contr ar s olu ç ões c ole tivas e
su spen der a in flu ênc ia d as d ifere nç as de poder. Ness e sen tid o,
a de liber aç ão também contr ibu i p ar a q ue os ind ivíd uos
tr ansce nd am se us in teresses pr ivados (YOU NG, 2006) .

Por su a vez, a dem ocr ac ia p articip ativa está c en trad a, de


m aneir a ger al, em mec an ism os d e p ar tic ip aç ão d ire ta, em que
o en g ajam en to do cidad ão s e d á d e for ma n ão med iad a. A
cr ític a d a dem ocr acia p artic ipativa à de liber ativa res ide n o fato
de que alg uns pr ob le mas n ão p ode m s er s oluc ion ad os em
ins titu iç ões, um a vez que elas repr od uze m as de sigu ald ades .
De ss a form a, a inclus ão form al n ão é su fic ien te, pois o acesso
se r estr in ge a de term in ados gru pos que possuem recurs os,
c om o h ab ilid ades e posses econ ôm ic as. Ass im, o e ixo d a
“ p artic ip aç ão” s alien ta a imp ortânc ia de e nte nder a d em ocr ac ia
p ar a além d e seu as pec to in stituc ion al.

D ian te d as explan açõe s acerc a d os c on ceitos de étic a e


de mocrac ia, você de ve ter n otad o q ue o ter ceir o tem a de n oss o
e ixo de d isc uss ão sobre in teresse soc i al foi m enc ion ad o m ais
de um a vez: a c id ad an ia. Ass im , c abem, ag ora, c ons ider aç ões
s obre s eu c once ito.

Na teor ia c onstitucional moderna, cidadão é o indivíduo que


tem um vínculo jur ídic o c om o Estado. É o por tador de direitos
e dever es fixados por uma dete rminada estrutur a legal
(Constituiç ão, leis) que lhe c onfere, ainda, a nac ionalidade.
Cidadão são, em tese, livres e iguais perante a lei, por ém
súditos do Estado. Nos regimes democr átic os, entende -se que
os c idadãos par tic ipar am ou aceitar am o pacto funda nte da
naç ão ou de uma nova ordem jur ídic a (BENEVIDES, 1994, p. 7).
De ac ord o c om a in ter pretaç ão c lássic a de Mar sh all ( 1967) a
p ar tir d a pers pec tiva d a s oc ied ad e ing les a, o pr inc íp io de
igu ald ade prese nte n o c once ito de c id ad ania s eria ten sion ado,
ine vita velmen te, pelas des igu ald ades soc iais e xisten tes n as
s oc ied ades de c lasses, relac ion ad as ao fu ncionamen to d o
c ap italis ta es tru tur an te d o fu nc ion amen to de relaç ões
ec on ôm ic as e , em algu m a medid a, até me sm o d os g overn os.

C on tu do, n os c abe des tac ar, a pr inc íp io, o pr ime ir o “lad o”


de sse c on flito des tac ad o pe lo au tor clás sic o: as n oç ões de
c id ad an ia e d e cid ad ão imp lic am no es tabelecimen to de
c ond iç ões de igu ald ade ou de b usc a p ar a su a e fe tivaç ão.
S egu in do o cr itério é tic o de c ar áter, u m a socie dade
m or almen te e s tr uturad a de veria ser b alizad a p ela p oss ib ilid ade
de ac ess o seme lh ante de se us ind ivídu os a tod as as
op ortun id ades , espe cialme nte se pens ar mos o c on te xto
de mocrátic o e a pre ocu p ação c om o g overn o voltad o ao
atend ime nto das neces sidades s oc iais d a p opu laç ão .

Em s egu nd o lug ar, q u and o n os d ebruç am os s obr e as tens ões


g erad as pe la des ig u aldade de c lasses, dep ar am o -n os c om
arg umen tos c láss icos de d ivers os au tores: Maq uiave l ( 1976)
afir mou qu e o Estad o é sempre um es paç o de luta pe la
c onq uista ou manu tenç ão d o p od er e qu e o g over nante de ve
valer -se de es tr atég ias p ar a man ter s ua cond iç ão, ain d a que
n ão atend a aos ans eios d a pop ulaç ão; Mar x ( 1983) des tac ou a
lu ta en tre as c lasses s oc iais – b urgue sia e prole tar iado – c om o
ine vitável p ara a super aç ão d a c ond iç ão de de s igu ald ade de
d is tribu iç ão de rec ursos e e xplor aç ão d a mão -de -obr a; os
au tores d o e litism o c láss ic o, Mic he ls ( 1982), Pare to ( 1984) e
Mosca ( 1992) , afirm ar am que sem pre h aver ia um a m in or ia
org an izad a, de nomin ad a e lite, c ap az de ocu p ar os p ostos de
p oder e m an ter s u a cond iç ão d om in ante com relaç ão à m aior ia
de sor g an izad a p or c on ta de mú ltiplas von tades e pouc os
rec ursos, o p ovo.
Assim, a pre oc up aç ão c om a que stão d a c id ad ania não é
rece nte, o que re forç a a necess id ade de re fletirm os sobre esse
tem a d e inter esse s oc ial, um a vez que a pr eoc up aç ão de
de b ate s sobre aspec tos s oc iocu ltur ais e é ticos é, em p arte,
pr op orc ion ar a for mação c id ad ã a você, em d iálog o e par a além
d os c on te úd os espe cífic os de su a form aç ão pr ofission al.

En ten der, p or tan to, que a m ane ir a c om o as s ocied ades atu ais
es tão or g an izad as lim ita o e xerc ício da cidad an ia im plic a e m
rec on hecer q ue o p ar âme tr o étic o que d eve r ia b alizar as
re laç ões en tre os in divídu os e c om os govern os e dem ais
ins titu iç ões te m falh ad o, m as, p or ou tr o lad o, perm ite
pe ns arm os s obre c aminh os p oss íveis à super aç ão ou re duç ão
de ss as des ig u aldades n o c on te xto dem ocr átic o, em q ue
ins trum en tos de re p resen taç ão, p ar ticipaç ão e de lib eração se
c oloc am como caminh os p oss íveis ao e xercíc io d a c id ad an ia.
UNIDADE 3-LINGUAGEM , COMUNICAÇÃO E
INTERAÇÃO

O intuito da unidade 3, caro(a) estudante, é trazer algumas reflexões


básicas a respeito de um assunto que se relaciona a todos nós, sujeitos
humanos: a comunicação. Trata-se de um assunto que deveria ser acessível
a todos, mas – sabe-se que, por inúmeras questões, isso não é possível.

Assim, para iniciar a discussão aqui proposta, seguem alguns


questionamentos: você sabia que a língua vai muito além das regras
gramaticais? Sabia que ela é um organismo vivo e interfere muito em nossa
vida?

A falta de conhecimento entre linguagem e poder, os problemas no


processo de comunicação e o desconhecimento da língua como organismo
vivo acarretam inúmeros problemas em nossas práticas, desde as mais
banais até as mais sofisticadas.

Partindo dessa premissa, vamos pensar, mesmo que rapidamente, acerca


dos conceitos de língua e linguagem, nos elementos que compõem os atos
comunicativos, nas funções da linguagem e nas diferenças básicas
existentes entre o texto literário e o texto nãoliterário.

LÍNGUA & LINGUAGEM


A língua é o meio de comunicação utilizado por todos os falantes de
qualquer região do mundo. Muito mais do que isso, ela é, também, um
objeto de poder. A Linguística – ciência que estuda as línguas – propõe
inúmeras maneiras de se conceituar e compreender esse complexo tema.
Exemplo de tipo de linguagem:
Um conceito de cunho estruturalista vem de Ferdinand de Saussure (1970),
considerado o pai da Linguística moderna. Para ele, a língua é um sistema
de signos, isto é, um conjunto de unidades que relaciona um significante
(imagem acústica) com um significado (conceito). A língua está na
coletividade e se manifesta de duas formas: fala e escrita. Com base nessas
duas manifestações é possível pensar na dimensão histórica da língua
levando em consideração suas questões sociais. Fato é que a língua existe
desde o começo do mundo, e quando nascemos já somos impostos a ela
que, por sua vez, já está definida por seus usuários. De acordo com
Saussure (1970, p. 34):

Língua e escrita são dois sistemas distintos de signos; a única razão de


ser do segundo é representar o primeiro; o objetivo linguístico não se
define pela combinação da palavra escrita e da palavra falada; essa
última, por si só, constitui tal objeto. Mas a palavra escrita se mistura tão
intimamente com a palavra falada, da qual é a imagem, que acaba por
usurpar-lhe o papel principal; terminamos por dar importância à
representação do signo vocal do que ao próprio signo. É como se
acreditássemos que, para conhecer uma pessoa, melhor fosse
contemplar-lhe a fotografia do que o rosto.
Saussure (1970, p. 24) complementa – afirmando que “a língua é um
sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável, por isso, à escrita,
ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez,
aos sinais militares etc., etc. ela é apenas o principal desses sistemas”. É
importante que fique claro que o interesse de Saussure estava focado no
sistema e na forma da língua e não nos aspectos de sua realização na fala
ou nos textos. Em outras palavras, em seus estudos, ele não se preocupava
em analisar o uso da língua, embora ele nunca tenha “fechado as portas”
para esse tipo de análise.
Para Saussure, a linguagem, ao contrário da língua, sofre alterações:
modificam-se as palavras, novas expressões vão surgindo, o uso constante
da língua permite comunicações distintas em diversas épocas e/ou
situações. Para encerrarmos essa noção básica acerca da concepção
estruturalista, entende-se que a linguagem advém da língua e não podemos
confundir: a linguagem tem caráter individual e social e a língua possui
caráter adquirido e convencional.

Já uma concepção histórica, social e interativa põe em relevo a evolução da


língua. Depois de muitos estudos e de revisões do pensamento saussureano,
fica explícito que não é possível afirmar que a língua permanece a mesma,
homogênea e intacta, depois de tantas evoluções históricas e sociais que
ocorreram em todo o mundo desde os primórdios.

Irandé Antunes (2009) – afirma que não é possível pensar em língua como
objeto isolado, ao contrário: é preciso observar suas condições de uso.
Assim sendo, essa concepção de língua pensa no fenômeno linguístico a
partir de suas intenções sociocomunicativas, observando as interações
existentes entre seus interlocutores, além dos efeitos de sentido, seus
contextos de uso, deixando, dessa maneira, de ser um signo contido de
significado e significante e um amontoado de regras normativas. A partir
da quebra dessa visão estrutural, é possível entender toda a mobilidade da
língua. Antunes (2009. p. 23) complementa:

A língua é, assim, um grande ponto de encontro; de cada um de nós, com


os nossos antepassados, com aqueles que, de qualquer forma, fizeram e
fazem a nossa história. Nossa língua está embutida na trajetória de
nossa memória coletiva. Daí o apego que sentimos à nossa língua, ao
jeito de falar e nosso grupo. Esse apego é uma forma de selarmos nossa
adesão a esse grupo.
Na esteira dessas discussões, Marcos Bagno (2002) contribui para a
presente discussão ao trazer, de modo clarificado, algumas definições da
língua, conforme seguem:

a) A língua apresenta uma organização interna sistemática que pode ser


estudada cientificamente, mas ela não se reduz a um conjunto de regras
de boa-formação que podem ser determinadas de uma vez por todas
como se fosse possível fazer cálculos de previsão infalível. As línguas
naturais são dificilmente formalizáveis;

b) A língua tem aspectos estáveis e instáveis, ou seja, ela é um sistema


variável, indeterminado e não fixo. Portanto, a língua a apresenta
sistematicidade e variação a um só tempo;
c) A língua se determina por valores imanentes e transcendentes de
modo que não pode ser estudada de forma autônoma, mas deve-se
recorrer ao entorno e à situação nos mais variados contextos de uso. A
língua é, pois, situada;

d) A língua constrói-se com símbolos convencionais, parcialmente


motivados, não aleatórios, mas arbitrários. A língua não é um fenômeno
natural nem pode ser reduzida à realidade neurofisiológica;

e) A língua não pode ser tida como um simples instrumento de


representação do mundo como se dele fosse um espelho, pois ela é
constitutiva da realidade. É muito mais um guia do que um espelho da
realidade;

f) A língua é uma atividade de natureza sócio-cognitiva, histórica e


situacionalmente desenvolvida para promover a interação humana;

g) A língua se dá e se manifesta em textos orais e escritos ordenados e


estabilizados em gêneros textuais para uso das situações concretas;

h) A língua não é transparente, mas opaca, o que permite a variabilidade


de interpretação nos textos e faz da compreensão um fenômeno especial
na relação entre os seres humanos;

i) Linguagem, cultura, sociedade e experiência interagem de maneira


intensa e variada não se podendo postular uma visão universal para as
línguas particulares.

As reflexões de Bagno fortalecem a compreensão da versatilidade da língua


e a impossibilidade de estudá-la isoladamente, uma vez que ela é
ferramenta de comunicação e de interação social entre os sujeitos falantes.
Antunes (2009) afirma que língua e linguagem caminham e evoluem
juntas, portanto, “linguagem, língua e cultura são, reiteramos, realidades
indissociáveis”.

Nessa mesma perspectiva, Celestina Sitya (1995) afirma que a linguagem


possui várias funções, no entanto, destaca a importância da interação social,
da comunicação entre os sujeitos. Ela afirma que sendo a linguagem uma
forma de ação, ela “adentra-se nos campos da persuasão e do
convencimento, porque a linguagem como meio de interação social é
dotada de intencionalidade: seu fundamento está, pois, na argumentação
que procura persuadir e convencer” (SITYA, 1995, p. 12). Isto quer dizer
que a função primordial da linguagem é a argumentação, pois quem
enuncia algo sempre tem em vista persuadir seu interlocutor.
Ingedore Koch (1996, p. 17) propõe que a linguagem deve ser
compreendida como forma de ação, isto é, “ação sobre o mundo dotada de
intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se, portanto,
pela argumentatividade”. Com base nessa afirmação, todas as relações,
opiniões, interações que são construídas via linguagem são feitas não
apenas para expressar algo, mas também para provocar alguma reação no
outro. Dessa forma, fica explícito que tudo é intencional, mesmo que não
tenhamos consciência disso.

ELEMENTOS DO ATO COMUNICATIVO E


FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Pensemos, a partir de agora, mais detalhadamente nas funções da
linguagem. Para tal, acionaremos o modelo proposto por Roman Jakobson
(2010), relido aqui por Mário Eduardo Martelotta (2008).

Para Jakobson (2010), a linguagem possui várias funções, mas para que
possamos apreendê-las, é preciso compreender os elementos que
constituem o ato de comunicação. Observe o esquema a seguir:

O esquema nos mostra que, para existir comunicação, é preciso que haja
não apenas um remetente que envie uma mensagem qualquer para um
destinatário. Para que haja sucesso nesse ato, é preciso observar, por
exemplo, um contexto que seja compreensível para o destinatário.
Martelotta (2008) afirma que a noção de contexto está relacionada ao
conteúdo da mensagem, às informações que estão ligadas à nossa realidade
biossocial e que aparecem na mensagem enviada. Isso quer dizer que não
necessariamente as informações contextuais estejam todas explícitas na
mensagem, podendo fazer referência às informações ditas anteriormente ou
mesmo ao tipo de relação estabelecida entre os interlocutores.
Amplificando essa discussão, a noção de contexto também envolve todas as
informações referentes à produção da mensagem. Por exemplo, se
ouvirmos a frase: “passei muitos exercícios na aula de hoje”, certamente
ela possui sentidos diferentes se fosse dita por um professor de língua
portuguesa ou por um professor de musculação. Resumidamente, para que
o destinatário compreenda a mensagem, ele precisa entender o contexto em
que ela está inserida, levando em consideração assuntos que não estão
postos na mensagem.

O código é o conjunto de sinais utilizados para construir a mensagem. Pode


ser as línguas faladas ou escritas, a língua de sinais, as placas de trânsito
etc. Nunca é demais reforçar que a comunicação só acontece efetivamente
se o remetente e o destinatário conhecerem, mesmo que razoavelmente, o
mesmo código. É muito difícil, por exemplo, imaginar a comunicação entre
um japonês que não conheça o português e um brasileiro que não conheça o
japonês. Eles terão que utilizar sinais, gestos etc.

O canal é o meio pelo qual a mensagem é transmitida. Presencialmente, o


ar permite a comunicação entre os falantes. A distância, o telefone, as
mensagens de aplicativos, e-mails dentre outras tecnologias viabilizam a
comunicação. Martelotta (2008, p. 33) nos lembra, ao analisar a noção de
contexto, que “a comunicação é uma atividade essencialmente cooperativa.
É fundamental, portanto, algum tipo de interesse comum que crie uma
conexão psicológica entre os participantes, sem a qual a comunicação seria
prejudicada”.

Com base nesses elementos que constituem o ato comunicativo, Jakobson


(2010) propôs seis funções da linguagem, cada uma delas focada em um
desses elementos.

• Função referencial
A funç ão re feren cial é foc ad a em tr an sm itir as in form aç ões
d o re meten te ao des tin atár io. O foc o dess a funç ão es tá n o
c on te xto, um a ve z que a pre ocu pação e stá e m viab ilizar
c onh ecimen tos qu e fazem r eferên cia a p ess oas, ob jetos,
ac on tec imen tos e tc. B as ta pen s arm os nas n otíc ias de jorn al,
em te xtos c ien tífic os, e m livros d id áticos com o e xemp los
de sse tipo de funç ão .

• Função emotiva
A funç ão em otiva é b as ead a no reme te nte , isto é, n a em oç ão,
n a s ub je tivid ade, na pess oalidade que e le deixa tr ans par ecer
p or m eio através d a men sagem . Alg uns e xemp los, c om o d iár io,
re lato p ess oal e car tas, c arre gam e ss a funç ão. Mar telotta
( 2008) lembr a q ue, por e xemp lo, a en ton aç ão u tilizada n a
n arr aç ão de um jog o de fu tebol te m o intuito de, tam bém,
p ass ar e m oção; e as esc olh as voc abu lar es en tre as fr ases “e le
s aiu d o lar” e “aq uele c an alh a ab an donou o lar ”, a se gun da é
m ais e motiva p orq ue en volve o falan te c om a situ aç ão .

• Função conativa
A funç ão c on ativa in fluenc ia o c omp or tamen to d o d estin atário.
A ate nç ão está no des tin atár io, pois e le é o alvo da inform açã o.
Pense mos n as inú mer as pr op ag and as, p ales tr as, d isc urs os que
ten tam in fluen ciar ou c h am ar a atenç ão de quem r ecebe .

• Função fática
A funç ão fátic a tem o in tu ito de c om eçar , pr olon g ar ou fin alizar
u m ato d e comun ic aç ão. O foco é o c an al, já que n ão vis a a
c omu nicaç ão pr opr iame nte d ita, m as o estab ele cimen to d o
c on tato, o rec eb imen to d a m ens agem . O alô que a gen te d iz
q uand o telefon a p ara alg uém e os in íc ios de c on vers as s ão
b ons e xemp los de ss a funç ão .

• Função metalinguística
A funç ão me talingu ís tic a us a a lingu agem par a fazer re ferênc ia
à pr ópr ia lingu ag em. Cen tr ad a n o c ód ig o, ela se justifica
p orq ue os su je itos n ão se re ferem tão s ome nte a su a re alidade
b ioss ocial, mas aos próprios me canism os re lacion ad os à
lingu agem utilizad a p ar a ess e fim. Os d icionár ios e as
gr amátic as s ão e xem plos d essas fu nções, n o e ntan to, p od em os
en contr ar vários te xtos, inc lusive liter ários, que foc am a
atenç ão em c om en tar ou re fleti r ac erca d a pr ópr ia lin gu agem .

• Função poética
A funç ão p oé tic a está c en trada n a própria m ens age m e n a su a
form a. Seg und o Jak ob son ( 2010), nesse c as o, h á um a projeç ão
d o e ixo d a se leç ão s obre o e ixo d a c omu nicaç ão d os ele mentos
lingu ís ticos . Marte lotta ( 2008) e xp lic a es s a d efin iç ão
re tom and o os d ois tipos de arr an jos u tilizados n o pr ocess o
verb al: se leç ão e c ombinação .
Ao formar uma frase, inicialmente o falante seleciona as palavras que
melhor expressam suas ideias naquela situação de comunicação. Além
disso, o falante combina, de acordo com as regras sintáticas de sua
língua, as palavras selecionadas, de modo que elas constituam um
enunciado que faça sentido para o interlocutor (MARTELOTA, 2008,
p.88).
No entanto, como se constrói essa ideia de projeção do eixo de seleção
sobre o de combinação? Martelotta (2008) responde afirmando que é
preciso levar em consideração que a combinação das palavras está na
superfície da frase, tornando-se perceptível ao leitor/ouvinte. Já a seleção é
um processo psicológico que, geralmente, não é superficialmente
perceptível na estrutura da frase. Isso ocorre em textos caracterizados por
rimas, jogos de palavras, aliterações. Observe o poema A onda, de Manuel
Bandeira:

zoom_in

Realizando uma rápida análise, é fácil observar que o poema possui muitas
repetições de vocábulos e de rimas. A escolha não foi por acaso: o intuito é
criar o efeito estético, característica basilar do texto poético (literário). Por
meio de paranomásias (palavras com significados diferentes, mas com
grafia ou som similares), anáforas (repetição de palavras) e a disposição
dos versos – que não estão colocados de maneira regular na folha –, o poeta
sugere o movimento de uma onda. A musicalidade do poema confere
repetição e uma espécie de embriaguez que, inclusive, pode confundir o
leitor. A repetição de consoantes (n e d) e o abuso de vogais (a e o) criam o
ritmo das águas e do vai e vem das ondas.

Jakobson (2010) salienta que a função poética não está apenas em textos
literários. De alguma maneira, ela também pode aparecer em ditados
populares, por exemplo, no tão conhecido “água mole em pedra dura,
tanto bate até que fura”, em slogans e em propagandas. Além disso, o
crítico deixa explícito de que embora ele tenha estabelecido essas seis
funções da linguagem, isso não quer dizer que elas são estáticas, muito pelo
contrário: uma mesma mensagem pode apresentar mais de uma dessas
funções, ao passo que é preciso apenas verificar a hierarquia delas.

UNIDADE 4- ATUALIDADES

Olá, estudante! Chegamos a nossa unidade 4 e, com isso, chegamos


também em uma etapa muito importante do seu material de estudos, bem
como da disciplina. A seguir, você terá acesso ao nosso site de atualidades
que compõe a disciplina FSCE I.
Pode parecer curioso o fato de uma disciplina apresentar um site em seu
material de estudos, não é mesmo? Contudo, se resgatarmos toda a
trajetória dela até o momento, é possível identificar que ela tem dinâmica e
metodologia diferenciadas, e visando atingir os objetivos traçados para a
referida disciplina, o site abre caminho para a apresentação de diferentes
textos que circulam socialmente e tratam sobre as temáticas abordadas em
FSCE I.

Ainda sobre o assunto, propomos as seguintes indagações: você já parou


para pensar na importância do texto em nossas vidas? Já parou para pensar
que manifestamos o que pensamos sobre algo ou alguma coisa por meio
dos textos?

Façamos, agora, uma breve experiência: leia o texto que segue. Ele está,
propositalmente, sem a referência. Contudo, já adiantamos que se trata de
uma citação.

“Todo homem é de alguma forma político, mesmo que muitos cabeçudos


alienados não tenham consciência disso e até afirmem que são apolíticos.
Crassa tolice, pois se não são agentes em menor ou maior escala da
política, são os instrumentos, objetos ou marionetes dos agentes políticos
que os manipulam.”
O texto lido trata sobre política e traz afirmações interessantes. Você
acredita que estamos trabalhando com um texto mais atual ou mais antigo?
O que te levou à resposta dada? Consegue pensar em algo sobre o autor do
texto? Consegue pensar no contexto em que foi produzido?

O texto lido parece bem atual, não é mesmo? Porém, trata-se de um texto
de Nicolau Maquiavel, escrito em 1532, na obra O Príncipe!
É possível perceber, com essa breve experiência que é por meio dos textos
que, majoritariamente, nos comunicamos e interagimos uns com os outros.
Atualmente, movidos pelas tecnologias da informação e comunicação,
temos acesso a uma infinidade de informações, opiniões e conteúdos
diversos materializados por diferentes textos; por esse motivo, faz-se
importante lê-los com atenção especial a essa característica deles.

Para complementar a ideia apresentada, Marcuschi (2003, p. 153), ao fazer


considerações sobre a perspectiva dos gêneros, explica que

partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar


verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se
comunicar verbalmente a não ser por algum texto. Em outros termos,
partimos da idéia de que a comunicação verbal só é possível por algum
gênero textual. Essa posição, defendida por Bakhtin [1997] e também
por Bronckart (1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a
língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, e não em suas
peculiaridades formais.
As palavras de Marcuschi nos levam a reafirmar a importância dos textos
os quais as pessoas lançam mão para se manifestar. Assim, ao fazer uma
leitura, é importante que você, estudante, compreenda que alguém, em um
determinado tempo, envolvido por um determinado contexto, utilizando-se
de determinadas escolhas linguísticas, integrando um determinado grupo
social, elaborou um texto para apresentar uma ideia.

BIBLIOTECA VIRTUAL
As bibliotecas da Unicesumar dão suporte aos acadêmicos de todos os cursos da
instituição, disponibilizando um vasto acervo para consulta.

Convidamos você, estudante, para uma ação imersiva nos diferentes textos apresentados
em nosso site!
ACESSE AQUI
REFERÊNCIAS
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A.
P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. 2. ed.

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