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Porém nada disso significa que o teatro média com a TV e o cinema, mas para

deve ficar contente com suas salas redu- encontrar o povo, que deve ser o desti-
zidas. Deve ir às ruas, não para fazer natário de tôda arte.

José Celso M. Correa

1. ta Vinícius de Moraes - um dia virá ''e


A idéia de burguesia nacionalista foi des- eu nem quero saber o que êste dia vai:
mistificada. Já não se acredita na aliança ser, até o sol raiar." E vamos esperar por
das classes trabalhadoras e da burguesia. êsse dia. Ou então esta ideologia pode ain-
Nesse contexto político, Brasil 68, que efi- da se beneficiar com a imagem mística do
cácia tem o teatro? homem brasileiro "sempre de pé", "o ser-
tanejo antes de tudo é um forte", o "car-
Depois de ajudar a mistificar a boa cons- cará que pega, mata e come". E não se
ciência burguesa, antes e imediatamente dá uma transformação social. é o pú-
após o golpe, qual poderia ser a eficácia blico mais progressista. Não me refiro ao
política do teatro hoje? O que poderia outro. O que econômicamente decide O'
atuar politicamente sôbre a platéia dos tea- teatro em São Paulo - provindo do TBC,
tros progressistas, vinda majoritàriamente a burra e provinciana burguesia paulista
da pequena burguesia em lenta ascenção que ainda quer que o teatro lhe forneça
ou da camada da "alta-burguesia" da clas- a ilusão de que ela é uma grande burgue-
se estudantil? O que vai exatamente pro- sia. Esta classe, que tem em Primo Car-
curar êste público que dentro de uma cer- bonari seu mais fiel retratista, ainda espe-
ta instabilidade de opções vai aos poucos ra que a mistifiquem criando sublitera-
e beneficiando das ra·r as e magras possi- tos e dignas Antígones ou fresquíssimas
bilidades que o subdesenvolvimento brasi- mulheres de branco ao lado de homens
leiro oferece? No teatro, e no caso de tô- de "smokings", assexuadas e de belas
da cultura, êste público em geral tem pro- vozes empastadas, tomando chá ou gua-
curado consumir urna justificativa da me- raná nas garrafas de uísque estrangeiro
diocridade de soluções que seu "status" e soltando leves plumas, falando o que es-
oferece enquanto participação na vida na- ta burguesia julga ser o "bom gôsto". Va-
cional. mos falar do melhor público até agora.
O público que procura pelo menos uma
Esta justificativa ideológica tem girado em ideologia na cultura e não simplesmemc
tôrno de um maniqueísmo que o coloca uma badalação. Entretanto hoje com o fim
corno vítima, emocionada ou gozadora, das dos mitos das burguesias, progressistas e
pedras do seu caminho. Isto é: os milita- das alianças mágicas e invisíveis entre ope-
res, os americanos, o burguês reacionário, rários e burguesia, êste público mais avan-
( êsse adjetivo é necessário) Estas figuras çado não está mais muito longe do outro.
estão impedindo sua realização e partici- faz um bloco único ainda na
pação mais profunda no processo brasi- expectativa de uma mistificação (em ní-
leiro e ao teatro se vai para rir ou cho- veis diferentes, não importa). E tomado"
rar por causa delas - "Nós somos o bem no conjunto - a única possibilidade de:
e nada temos com isso". Ou então esta eficácia política que pode sofrer será at
justificativa partirá para o historicismo. - da desmistificação - a da destruição de
"Esta situação medíocre de hoje é um mo- suas defesas, de suas justificativas man!"
mento de um processo." "Nós somos os queístas e historicistas (mesmo apoiadas
têrmos de uma contradição, mas como can- nos Gramscis e nos Lukács). E a sua re-

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pos1çao no seu devido lugar. No seu mar- tiva e confusa e que excite o sentido esté-
co zero. Esta platéia representa a ala mais tico, seja mais eficaz politicamente.
ou menos privilegiada dêste país, ala que
vem se beneficiando ainda que mediocre- é um momento de invenção de uma
mente de tôda falta de história e da es- saída para uma situação nacional insus-
t<'_gnação dêste gigante adormecido. O tea- tentável. Esta saída terá que ser encontra-
tro tem hoje a necessidade de desmistifi- da dentro de um contexto de um mundo
car, colocar êste público no seu estado já distante dos bons anos pacíficos do pós-
original, cara a cara com sua miséria, a guerra. Hoje no mundo da terceira guer-
miséria do seu pequeno privilégio feito às ra mundial, na violência que acaba com
custas de tantas concessões, de tantos opor- te>dos êstes conceitos bonzinhos, no mo-
tunismos, de tanta castração e recalque e mento em que eclode o fenômeno de guer-
de tôda a miséria de um povo. O impor- ras e das revoluções aparentemente impos-
tante é colocar êste público em têrmos de síveis no Vietnã e na própria América La-
nudez absoluta, sem defesa, incitá-lo à ini- tina, fenômenos onde o fator invenção,
ciativa, à criação de um caminho nôvo, criação é fundamental, a eficácia do tea-
inédito, fora de todos os oportunismos até tro tem que estar ligada à existência dês-
então estabelecidos - batizados ou não te mundo de violência, a tão grande dis-
como marxista. A eficácia política que se tância dos caminhos do transformismo, do
pode esperar do teatro para êste setor que reformismo, da educação das massas e tu-
êle atende - para a pequena burguesia do o mais. Uma peça como "Galileu Ga-
- é a eficácia de ajudar a estabelecer em lilei", que pretendo montar em breve, por
cada tim, a necessidade de iniciativa indi- exemplo, corre o risco de mistificar o pú-
vidual - a iniciativa de cada um come- blico. Foi escrita em 39, quando se ope-
çar a atirar sua pedra contra o absurdo rava a luta contra o nazismo. A peça é
brasileiro. O importante é mostrar que o tôda escrita dentro de um sentido histo-
dever do brasileiro não é quebrar o seu ricista - a história como movimento, uma
próprio galho e depois apelar pros Garau- fase negra que será superada, todos sa-
dys. Mas, sim, começar a mandar sua pe- bemos que um dia o pensamento de Ga-
dra contra êste absurdo que é a vida quo- lileu terá vigência aceita. Depois da bom-
tidiana dêste país. Depois de tudo o tea- ba de Hiroshima o próprio Brecht rees-
tro como único lugar fora da comunica- creveu a peça, já impressionado com o fa-
ção de massa, sem os entraves dos pro- to de que o tipo de eficácia do pensa-
dutores e sem a necessidade de encarar o mento de Galileu passava a ser outro, dia-
espectador como simples cifra de consumo, metralmente oposto do que êle imaginava.
tem que se encaminhar no sentido de des- E passou a ver as conseqüências da ciên-
pertar a iniciativa individual. Isto pode pa- cia desvinculada da política. Hoje, con-
recer escoteiro, mas é a única condição forme fôr montada a peça, ela poderia
para um país onde tudo tem que ser in- ser conformista. Pois não há hoje uma lu-
ventado, criado, onde o fator de castra- ta palpável contra o que se poderia (mal)
ção pessoal em função de ortodoxias po- comparar ao nazismo, aqui no Brasil. A
líticas importadas e atitudes que somente peça poderia levar o espectador a uma su-
revelam um super comodismo e a abso- per crença no poder mágico da dialética,
luta falta de criatividade, tem sido a no- na própria tese engendrando a antítese, nas
ta mais importante. O teatro não pode ser contradições caminhando por aí e na cren-
um instrumento de educação popular, de ça de que há realmente um fenômeno es-
transformação de mentalidades na base do pont5neo de reação histórica ao atual es-
bom meninismo. A única possibilidade é tado coisas. Na realidade não há opo-
exatamente pela deseducação, provocar o sição. Esta tem que ser suscitada, criada,
espectador, provocar sua inteligência recal- não mistificada ou fantasiada. O importan-
cada, seu sentido de beleza atrofiado, seu te não é denunciar somente os generais e
sentido de ação protegido por mil e um americanos. É mostrar que enquanto nós
esquemas teóricos abstratos e que somen- nos entregamos ao nosso oportunismo, so-
te o levam à ineficácia. Num momento de mos os beneficiários do estado de coisas
desmistificação como é êste que o país que êles nos criaram. E não adianta cho-
vive hoje, o importante é a procura de rarmos ou rirmos nos teatros em que isso
através da ação. Neste momento é mostrado. Estamos colaborando. A eficá-
portanto o sentido da inovação, da desco- cia do teatro político hoje é o que God-
berta, do rompimento com o passado no dard colocou a respeito do cinema: a aber-
campo do teatro, deve ecoar, ser o re- tura de uma série de Vietnãs no campo
flexo e ao mesmo tempo refletir, todo um da cultura - uma guerra contra a cultu-
.esquema de projetos e de conscientização ra oficial, a cultura de consumo fácil.
de nossa realidade. Talvez muito mais im- Pois com o consumo não só se vende o
portante do que uma peça bem pensante produto, mas também se compra a cons-
e ultra bem conceituada, cheia de verda- ciência do consumidor. O sentido da efi-
des estabelecidas (que ainda não são ver- cácia do teatro hoje é o sentido da guer-
dadc.s, nem podem ser, num momento co- rilha teatral. Da anticultura, do rompimen-
mo êste de perplexidade), uma peça inven- to com tôdas grandes linhas do pensa-

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mento humanista. Com todo descaramen- rada. Com isso depois dêste golpe uma
to possível, pois sua eficácia hoje sõme!l- coisa ganhou sentido. O sentido de
te poderá ser sentida como provoc_aça?
A a arte, a arte pela arte. Nada com mais
cruel e total. O dia em que este pa1s ti- eficácia política do que a arte pela arte,
ver um teatro em que cada dramaturgo, porque a arte em si é . um fenôm,eno de
ator diretor, cenógrafo, cada platéia, se criação, de descomprom1sso com formulas
mar{ifeste sem mêdo - é porque alguma feitas é sentido de reivindicação e por-
coisa de nôvo poderá estar acontecendo tanto' de subversão. Um filme como "Ter-
neste São Paulo engravatado, recalcado, ra em Transe" dentro do pequeno público
introjectado, sem iniciativa e escravizado que o assistiu e que o entendeu, te.m mui-
à imbecilidade do vídeo da TV que com- to mais eficácia política do que mil e um
pra tudo. filmecos politizantes. "Terra em Transe"
é positivo exatamente no sentido de colo-
É claro que se nos dirigíssemos a .um car quem se comunica com. o filme
outro público, e pudéssemos ter um circo estado de tensão e de necessidade de cna-
para dois mil lugares, por exemplo, ção com êste país. A a vio-
se pudesse abrigar outras camadas A
lência que tem a arte e forte, n?
aí a coisa seria outra. Mas para este pu- campo do teatro que mil mamfestos redi-
blico que paga o mínimo de três cruzei- gidos dentro de tôda prudência que a P.o-
ros novos (ingresso-estudante) para ver o lítica exigiria. A arte não tem compromis-
espetáculo, para nós que somos mes- sos e neste país parado, onde não aconte-
ma classe e para ela falamos, somente a ce nada onde você passa matando o tem-
violência e principalmente a violência da po e o 'tempo passa matando você: a art;e
arte sim da arte, sem o cartilhismo e o sôlta: e livre poderá vir a ser a cotsa mais
barato, nossa intuição cria- eficaz possível. Não é a toa qu.e tôdas. as
dora poderá talvez captar os pontos sensí- grandes revoluções são precedtdas e Im-
veis desta platéia morta e adormecida. pulsionadas por uma correspondente fase
de criatividade no campo da arte. Uma
Hoje eu não acredito mais na eficiência arte de encomenda, carneira, é sintoma de
do teatro racionalista. Nem muito menos estagnação social. E todo mundo tem mê-
no pequeno teatro da crueldade, que na do da arte que se fará necessàriamente
realidade não passa de um teatro de cos- agora no país. Pois ela será ameaçadora,
tumes: dos maus costumes, com suas pros- perigosa e testemunhará, se não fôr de en-
titutas folclóricas e tudo mais. Para um comenda tôda esta fase violenta e desca-
público mais ou menos heterogêneo que rada qu; o Brasil e o mundo atra-
não reagirá como classe, mas sim como vessando. Não acho que tenham mats sen-
indivíduo, a única possibilidade é o teatro tido as perguntas de se fazer ou não se
da cruelõade brasileiro - do absurdo bra- fazer arte num momento de crise política,
sileiro - teatro anárquico, cruel, grosso principalmente uma arte f.Jra das comu-
como a grossura da apatia em que vive- nicações de massa hoje no Brasil, como
mos. É incrível como um acontecimento é o caso do teatro. Não há o que ensi-
de importância tão limitada de repente nar nem o que doutrinar através das ar-
adquire as dimensões de um escândalo na- tes ' ou até mesmo das comunicações de
cional! O violão quebrado de Sérgio Ri- massa (aliás impossível hoje, pois as co-
cardo. país precisa de mais violões municações de massa estão nas mãos de
quebrados. É incrível que um simples vio- um mercado produtor e consumidor total-
lão que não feriu ninguém aliás, signifi- mente dependente desta: ordem O
que tanto dentro do marasmo e do recal- importante é como artistas, nos manifes-
que da passividade do homem brasileiro tarmos sem menor preconceito dentro e
pequeno burguês prá cima. A eficácia po- fora de nosso campo de atividades. Hoje
lítica numa platéia que não vai se mani- mais do que nunca é um momento de se
festar como classe não será medida pela confiar na arte e dar uma guinada enor-
certeza do critério sociológico de uma pe- me. Apanhar tôda esta fôrça que faz ge-
ça, mas pelo nível da agressividade. Nada nial Villa-Lobos, os Ary Barrosos e todos
se faz com liberdade neste país, e não é os festivos, enfim que foi canalizada no
só culpa da censura. Esta realmente pou- sentido de manter a imagem idolatrada dês-
co trabalho tem. Se se fôr medir a cen- te país, e investir todo êsse potencial no
sura com a violência do que quotidiana- sentido de deixar vir nossa ira recalcada
mente nos recalca!!!?? A única possibili- à tona.
dade de eficácia é obrigar a se tomar po- Se hoje um violão provoca
sições e fazer êste país que é uma dita- não é atoa. Há quem tem que atirar VIO-
dura de classe média, tentar sair do seu lões e quem tem que recebê-los na cara.
marasmo. Não se trata mais de proselitis- O problema é começar, por todos os la-
mo, mas de provocação. Cada vez mais dos. E em matéria de teatro e em ma-
essa classe média que devora sabonetes e téria de arte, que eficácia política terá es-
novelas estará mais petrificada e no ta arte que sair desta ira afogada em to-
tro ela tem que degelar, na base da por- dos êstes anos de bom comportamento!?

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Como artista com "O Rei da V ela" des- tarem o contrário. O ôlho, a pele de Os-
cobri o poder de subversão da forma, que wald, sentia. E a coisa saía com a cara que
é subversão do conteúdo, também. Num tinha mesmo. É quase incrível que depois
l;}aís de tradição oportunista e ditadura de do esculacho do segundo ato do "Rei da
classe média, isto é o escândalo. Num país Vela" aparecesse ainda no Brasil tôda dra-
colônia, deslumbrado com os valôres esta- maturgia compadecid a com o fim da aris-
belecidos, que poder não possui o artista?! tocracia pseudo ScarletO'ha riana do café.
E como êle tem recalcada sua criatividade Era quase incrível que o realismo socia-
neste país!!! Como tudo contribui para lista romântico e açucarado falasse depois
que cada geração aborte seus artistas e seus do cinismo descarado do primeiro e do ter-
revolucionários!!! Uma arte brasileira vio- ceiro atos de ··o Rei da \'ela".
lenta vem aí, isto é certo. E Oswald de
Andrade é inevitàvelmente um de seus pre-
cursores. Depois dos caminhos tentados res- Nós procurávam os uma peça que tradu-
ta agora a antropofagia. A carne humana zisse tôda nossa de rompimento
velha que já devia ter sido devorada está conosco mesmo . Fizemo , no grupo, uma
aí, fedendo e mandando brasa, para o seu espécie de revolução culrural. Principal-
mundo de mortos. A eficácia política é mente num laboratório. e pé ie de psico-
devorar tôda a mitologia dêste país e jo- terapia do grupo que fizemo no Rio com
gar seu violão. E quem joga seu violão Luiz Carlos .!aciel F altava o texto. "O
pode jogar outras coisas também . E pode Rei da Vela- foi eo;::on:rado. E por isso
acertar. Porque não? passamos a eh · -lo no -o ··manifesto".
Com "O Rei da ela·· a ruptura é total.
2. ão com ·õea uma linha que vi-
Qual a ideologia implícita na escolha de nha seguin o Ofizina. ma- com todo um
''O Rei da V ela''? A referida escolha mar- caminho da rasileira diretamente
ca uma ruptura em relação às escolhas compro.::ne - o Estado Nôvo e com
anteriores? Especifique o significado polí- os ·ol imen · mo posteriores. Oswald
tico da ruptura. hoje fala - • en e a nós. Hoje com o
fim de os moi ano da festividade,
Sem o golpe, sem o desga te da fe ti ·i- êle é a --- ilichde de um marco de rup-
dade pós-golpe, sem tal ez o incêndio do tura com óda uma rradi ão de teatro bra-
Oficina, que nos obrigou a rever no o tra- _i!eiro. poli ';::o ou destinada a uma
balho anterior em nossas sem enzrandeced ora e mistificador a da
as reflexões em todos os sentido : de de o no sa realidade. O Brasil não tem uma tra-
político até o estético mais imediato. e di ão de culmra reYolu ionária. Oswald
principa-lmente sem o enfado ab oluto de oniza uma. Toda no a cultura tem
tudo que fizemos até então, como forma uma rradição de ompromisso ou então de
e conteúdo, "O Rei da Vela" talvez não ti- criação de um Bra il fi rício para consu-
vesse existido. Era terrível para mim ver a mo da boa con iência da burguesia brasi-
platéia dos sábados se deliciando com a leira e da classe média. H oje em dia pode-
mensagem bobóca, nojenta mesmo, que se dizer que exi te uma ultura brasileira
"Ralph", personagem de "Vida Impressa - mas se formos Yer de perto o que é
em Dólar", concluía no final da peça. essa cultura, eremos que não passa da
Com que dificuldades os atôres enguliram aceitação de tudo que aí está e sempre
aquêle texto ridículo em que tanto acredi-
távamos cinco anos atrás. E como aquela estêve. Uma cultura que parte de uma
platéia se comovia e se dignificava, se es- idéia ufanista, filha do Estado Nôvo. O in-
querdizava e até protestava através de crível é a semelhança do espírito, por
todo aquêle açúcar melado que lambusava exemplo, da "cultura nacional" do integra-
tudo. Regime urgente - Dietil. Aquilo não lismo, com suas editôras, seus Alberto Tôr-
podia continuar. Fomos encontrar no Os- res, seu culto do nacional a qualquer pre-
wald dos anos 33, anterior a tôda babo- ço, com o projeto de cultura nacional da
seira do ufanismo do Estado Nôvo, de todo esquerda festiva. Uma mesma cultura exó-
desenvolvimentismo, das crenças na bur- tica, folclorista, apologética, grandiloqüe n-
guesia progressista, nas tragédias da aris- te, romântica, pseudo-revo lucionária, tem
tocracia decadente - enfim, de tôda mis- sido nossa tradição. Oswald ri disso tudo e
tificação que o chamado povo brasileiro furiosament e devora êste Brasil de pape-
(classe média prá cima) inventou para fu- Ião fabricado para substituto de nossa his-
gir ao olhar detalhado, cara a cara, com tória real. Oswald é a possibilidade de uma
a cara dêste país parado. "O Rei da Vela" cultura crítica, fora do oficialismo, lirismo,
escrito antes de tudo isso não do romantismo político. E é o oposto disto.
em nenhuma destas canoas furadas. Uma É a devoração antropofágic a de todos os
ge!lerosa, furiosa, anarquizant e, revo- mitos criados para impedir êste país de co-
luciOnána, via a burguesia brasileira à sua pular com a sua realidade e inventar sua
maneira. ApesaT de tôdas as teses do Par- história. Neste sentido, é um monumento
tido Comunista da época tàticamente apon- isolado.
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3 influenciada por todo o teatro de vanguar-
Em que sentido a dramaturgia de "O Rei da europeu. Por exemplo - "O Homem e
da V ela'' rompe com a dramaturgia tradi- o Cavalo" é bastante influenciada pelo
cional? "Mistério Bufo" de Maiacovsky, mas é
uma vitória, como devoração de Oswald
'·O Rei da Vela" rompe com a dramatur- sôbre o russo genial! A peça para muitos,
gia tradicional no sentido de chutar a idéia é quase um plágio de Maiacovsky. Mas,
de uma "pré-idéia" do que seja uma peça. que profundo sentido de porralouquice!
U ma peça de teatro, nos livros de drama- Esta arte em que nós, brasileiros somos
urgia, é "ataque - clímax - resolução mestres! Que devomção genial êle faz do
- conflito", ou mais ou menos isso, quer russo!!! Oswald faz para o teatro brasileiro
a peça seja mais ou menos aristotélica. Tea- o que tem sido feito em todos outros se-
tro é assim ou assado. Oswald esquece e tores da arte. A eliminação de limites e
ignora tudo. Parte para a invenção do barreiras, nos gêneros, a intercomunicação
·· eu Teatro, um teatro não linear. Um de todos. A arte colocando tôda a experi-
teatro na base de colagem. Passa a devorar ência de significar o mundo e as coisas -
tôdas às formas de dramaturgia possíveis e como experiência estética. Neste sentido
imagináveis. Acreditando que a forma tea- êle descobre uma forma de expressão total-
tral é sempre expressão de um conteúdo, mente brasileira, um "pop" brasileiro,
cita tudo o que pode citaT. Usa tôdas as quando ainda não se falava em "pop". Nós
formas teatrais e não teatrais. Circenses, não podemos ter um teatro na ba·se dos
literárias, subliterárias, para expressar tudo compensados do TBC, nem da frescura da
o que pretende. Não parte do pressuposto comédia dell'arte de interpretação, nem do
de ter uma idéia e se utilizar de uma peça russismo socialista dos dramas piegas do
para expor linearmente esta idéia, tema, operariado, nem muito menos do joanadar-
ou seja lá o que fôr, como desenvolvimento quismo dos shows festivos de protesto. Nes-
em uma ação. Sua obra é a mais moderna- sa forma de arte popular está na revist.1,
mente aberta possível, no sentido de Um- no circo, na chanchada da Atlântida, na
berto Ecco. É barroca, se intromete em verborra·gia do baiano, na violência de tudo
tudo, palpita sôbre tudo, devora tudo, uti- que recalcamos e do nosso inconsciente. É
liza tudo. Um impurismo total. Sua única isso que temos que devorar e esculham-
grande fidelidade é seu sentido anárquico bar. É dêste material que é feito o país,
de apreensão do mundo, utilizando não so- plumas e recalques. Somente soltando tudo
mente as coisas em si: mas as formas ar- é que podemos explodir numa obra como
tísticas e subartísticas através das quais a de Oswald. tste rompimento de repente
essas coisas se expressam. Em relação à passa a ser um painel que ilumina tôda
dramaturgia brasileira, então, sua grande consciência possível de seu tempo, de sua
lição é a coragem da criação, a falta de realidade. - E também da nossa.
mêdo do certo ou do errado, do mau e do
bom gôsto, que faz com que êle invente 4.
seus valôres, na sua própria obra. Esta não Em têrmos de espetáculo, em que consis-
te m preocupações de fidelidade a uma vi- te a renovação de "O Rei da Vela"?
_ão engajada conforme a cartilha de al-
gum partido, não tem ortodoxia alguma.
ão tem problemas de forma. Entra com Em têrmos de espetáculo "O Rei da Ve-
a literatura, com a música, a conferência, la" é principalmente um texto sôbre o tex-
o discurso, a chanchada, a obscenidade, etc. to de Oswald. Uma obra de direção. A
Tudo é instrumento de expressão. Tudo é minh<l' maneira de sentir e interpretar, ler
Jingm1.gem. Outra lição é seu sentido de e reler, e recriar a obra a partir do texto
riatividade espontânea, de beleza, sem re- de Oswald. O crítico Alberto D'Aversa,
gras que vinha do fato mesmo de não sa- com a mania primária dos tempos do PH,
ber se seria ou não montado. O teatro de muito "Academia de Sílvio D'Amico", ma-
Oswald se fôsse escrito de acôrdo com os nia de rotular, dividir e subdividir o mun-
do e tudo em duas categorias (o que é que
padrões do teatro da época dêle, ou mes- há com o número dois?) disse que há duas
mo de hoje, seria de intensa mediocridade. possibilidades; ou se segue uma obra como
Mas êle não isolava o teatro das outras ela é, como foi escrita, ou se usa a obra
artes ou do mundo. Sua obra é plena de como pretexto para criação de alguma coi-
ressonâncias plásticas, rítmicas, cinemato- sa que pouco tenha a ver com ela. Isso é
gráficas, literárias, de histórias em quadri- uma besteira. Nem uma coisa nem outra.
nhos, sub-literatura, etc. Nela está tôda A obra de direção é sempre, inevitàvelmen-
sua vivência total de ser humano. Oswald te, uma interpretação. Uma leitura. É sem-
está violenta e generosamente presente. E pre relativamente fiel e relativamente infiel,
o uso e abuso da simbologia fálica na sua mesmo quando se pretende seguir uma peça
peça é fonte inesgotável de interpretações. à risca. Hoje, depois da psicanálise, da so-
É uma obra de autor, em que o homem ciologia do conhecimento, é óbvio que estas
entra com tudo: seu falus, sua inteligên- colocações são impossíveis. Já se tomou
cia, sua revolta. É claro que é uma obra consciência de que tôda interpretação, de

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crítica, de direção, ou seja de contato de texto que o diretor escreve com os movi-
"outro", do "consumidor" com obra de mentos de cena serve não somente para
arte, pressupõe imediatamente, a criação contar a história, dar mais rítmo, mas para
de uma segunda obra. Quando um indiví- transmitir uma série de significados que
duo vê um quadro êle o recria quer queira terão que ser lidos. O espetáculo é rico de
quer não. Pois o quadro entra numa retina uma cenografia das mais falantes que nos-
e numa cabeça que não são de quem pin- so teatro já teve. A cenografia de Hélio
tou. Ora, numa direção de espetáculo, isto Eichbauer merecia ganhar a Bienal de ar-
é mais que evidente. E se é assim, vamos tes plásticas êste ano. Seus figurinos, seus
nos entregar até o fim à recriação dêsse acessórios, falam, gritam tôda uma série de
objeto. Então eu me permiti, na direção, signos tão importantes quanto as falas da
ter a mesma liberdade que Oswald quando peça. Aliás estas somente são compreendi-
"leu" e interpretou o Brasil de seu tempo. das a pa-rtir da relação consciente ou não,
Li a obra de Oswald como uma manifes- que o espectador estabelecer entre os ele-
tação da realidade que me circula e enxer- mentos audio-visuais e o texto escrito. O
tei todo o contexto que a envolve, como todo, enfim, do espetáculo. Não é para dar
eu o apreendo. Criei um tipo de espetá- mais "vida" que a peça é feita em três
culo, juntamente com o cenógrafo, com os estilos diferentes. Isto é uma opção de sen-
atôres etc., de tal maneira que o que é tido dada pela direção. Isso não pode ser
dado ao público é uma "coisa" qüe é a julgado, como foi pelo crítico Décio de Al-
nossa interpretação, a minha, a dos atôres, meida Prado, como uma questão de equi-
do cenógrafo etc. Acho estranho, por líbrio: primeiro ato, circo; segundo, revis-
exemplo, quando vêm me dizer que acham ta; terceiro, ópera. Ora, porque não "cine-
o texto inferior ao espetáculo ou vice ver- ma", porque não "TV", porque não "bal-
sa. Ora, no momento em que êle está em let"? Se o terceiro ato foi concebido em
cena tôda noite, êle é uma "coisa" que não têrmos de ''ópera" (aliás foi a primeira in-
pode ser seccionada. Tudo que está em tuição de "mise-en-scene" da obra: o tercei-
cena é opção minha e tem que ser visto a ro ato ficou de pé em três dias de ensaio
partir daí. A crítica não compreende isso. tal o entrosamento de conteúdo - forma
Os críticos se portam aliás como se fôssem que se obteve) é por razões que a crítica
deuses de bôlso diante dos fatos, julgando deveria interpretar. Não por um equilíbrio
com critérios de bem e mal. Escrevem um idiota. negócio de equilíbrio é absur-
tipo de crítica que somente serve para se do no espírito de um espetáculo como êste.
conhecer a êles, os críticos. Nunca o espe- O porquê disso nós começamos a concei-
táculo é criticado. A crítica não se confor- tuar no programa, mas não é função nossa
ma com o espetáculo que está diante de si. mas sim, do crítico ler o sentido desta for-
E não quero optar sôbre êle. Cria então ma. Mas como crítico é insensível à polí-
um espetáculo mental, que não existe. E tica, por exemplo (não deve ter êsses pro-
julga a partir da abstração mental, da ca- blemas!) o terceiro ato desaparece da crí-
beça do próprio crítico. A referida crítica tica, não existe. Mas o que se vai fazer?
de l''Aversa é um exemplo. me bola um Realmente espetáculos como "Onde Canta
espetáculo na cabeça (imaginem se reali- o Sabiá" de Grisolli, muitos de Abujamra
zado, em comparação com as coisas que
e de outros diretores são tentativas de es-
êle vem fazendo ultimamente)' e daí des-
tabelecer entre nós um tipo de arte - a
tila todo um mundo de critérios de velho
arte da direção a do "texto'' da direção.
conservadorismo italiano, falando em "phy-
sique du rôle", cheio de preconceitos con- Dirigir não é como no tempo do TBC,
tra "mecânica popular" e outras fossili- manter o equilíbrio dos atos, ilumina-r di-
dades. Ora, tudo que está no espetáculo reitinho, fazer o ator falar empastado, dar
tem que ser lido e interpretado a partir do ritmo aqui e ai, meter uns cenários bem
que está aí e foi proposto como valor. Já pesados de compensado e pronto. Há já
foi o tempo da crítica juiz, da crítica fas- mais de um século de arte super criadora
cista do "bem" e do "mal", do ritmo e do de direção que hoje é a única forma de
não ritmo, do funciona e não funciona. A produzir um teatro como arte. Recriação
inovação do espetáculo (aliás êste estilo que é criação. Aliás muita gente t>abe dis-
não é nôvo no Brasil: Abujamra, Grisolli, so. Isso já foi feito e somente ainda não
e outros já fizeram espetáculos dêste tipo) foi mais desenvolvido por falta de uma
está em que) o que o interessa é o que se crítica que se constituísse em intérprete,
passa naquele momento diante dos olhos do em exegese dêsse tipo de teatro. Nós te-
espectador. O que está ali é um "texto de mos que criar entre novos realizadores,
direção". Um texto de espetáculo que tem enfim, entre a mentalidade nova de tea-
que ser lido pelo público. Assim tudo en- tro, atôres, cenógrafos, diretores, um ór-
tra numa esfera de significados. O espetá- gão de imprensa que permita que nós fa-
culo não é mais somente para alegrar, aba- lemos de nossa experiência. Dirão: basta
far, deslumbrar, divertir, prender o espec- inovar que as coisas espontâneamente se-
tador. O espetáculo fala por uma série de rão tidas como novas. Mentira a ideologia
signos e mensagens que envia à platéia. O do nôvo, da demonstração de que algo de

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nôvo por mm1mo que aparece em 5.
um espetáculo é um fator importantíssimo. Quais as reações do público ao espe-
táculo?
O sr. Décio de Almeida Prado, por exem- O público reage ao espetáculo até não
plo, é mestre em retirar as cargas explo- reagindo. Temos sessões silenciosas, trági-
sivas de tôdas as inovações. Tudo que se cas. O público parece não entender nada.
faz de nôvo neste país em teatro êle elo- Ou então se revolta. Ou está apático ou
gia e incorpora dentro de uma tradição não acha nada, sei lá. A platéia muitas
calma do "já feito". E a coisa que pode- vêzes lotada, sai sem nenhuma reação. Ou-
ria ter um aspecto nôvo, recebe um golpe tras vêzes, entretanto o espetáculo recebe
de esterilização e entra na rotina de um adesão total e histérica da platéia, que se
processo mole e anêmico do teatro brasi- manifesta a favor, e outro, que fica con-
leiro. "O Rei da Vela" é nôvo numa sé- tra. Às vêzes levantam-se da sala e reti-
rie de coisas. Mas não há a ideologia de ram-se, em protesto. Alguns saem silencio-
um nôvo setor que hoje faz a crítica. Por- sos. Outros se manifestam em voz alta.
tanto, a crítica que deveria ser a cons- Um espectador teve um ataque quase his-
ciência da classe teatral é a consciência térico e chegou a chamar Oswald no pei-
de um teatro morto, ou melhor uma cons- to, para levá-lo ao DOPS. Chegaram mes-
ciência morta. mo a fazer um poema, afirmando que nós
deturpamos/ o sentido da peça. Nêle se pe-
O grande aspecto nôvo quem percebe é dia que Oswald lavasse "com sangue" nos-
quem está criando arte neste país. Assim so pecado de tê-lo deturpado. Enfim, é
o pessoal do cinema nôvo, da música bra- uma relação de luta. Luta entre atôres e
público. Metade dêste, pràticamente, não
sileira, vê e revê "O Rei da Vela", incor- adere. Ou detesta. Ou não entende. A pe-
pora sua experiência em suas realizações, ça agride intelectualmente, formalmente,
em seus projetas. Eu ouço as músicas, ve- sexualmente, politicamente. Isto é, chama
jo e revejo filmes e vou descobrindo que muitas vêzes o espectador de burro, re-
alguma coisa nova está nascendo no país. calcado e reacionário. E a nós mesmos
E se até no teatro isto chega, é bom sinal. também. Ora ela não pode ter a adesão
de um público que não está disposto a
Resumindo, o que há de mais nôvo no se transformar, a ser agredido. Ela não vai
"Rei da Vela" é um estilo de direção que com as boas consciências, com as boas al-
fala através das maquilagens, dos mínimos mas. Mas em compensação ela tem a ade-
acessórios, das interpretações, do fato de são de um grande setor da platéia que
serem atôres jovens que fazem papéis de se comunica com a violência do espetá-
personagens maduros, etc. Tudo isso é uma culo. Tem servido para mim e para o
opção nova. Se tudo isso fôr julgado a Oficina como ponto de contacto com tu-
partir de categorias do teatro quadrado do que vem surgindo de creativo e nôvo
tradicional, não funciona. Neste caso, nos- no Brasil. Antes do "Rei da Vela", nós
sa bomba, "Quatro num Quarto" funciona vivíamos isolados. Depois da encenação
bem mais. Para mim foi uma grande des- nós fizemos grandes amigos e um bom
coberta. Pela primeira vez eu falei com número de inimigos também. Mas como
inteira liberdade. Estou presente no espe- compensou! As novas relações, tôdas que
táculo conforme me encontrei com Oswald. o grupo fêz e faz através da peça, com
Assim como cada ator e cenógrafo. Todos gente que está criando em todos os seto-
nós fazemos "O Rei Vela". Transfor- res da arte, abriu o comércio que sempre
mamos a peça num comentário nosso, ul- faltou o teatro e outros setores da cultu-
tra pessoal, inclusive, sôbre o todo da ra. "O Rei da Vela" deu-nos a consciên-
realidade brasileira. Cada um de nós assi- cia de pertencermos a uma geração. Pela
na o espetáculo. Quem se abre e quer primeira vez eu sinto isso. Há uma gera-
descobrir tudo que nós queremos comuni- ção que vai começar a intercambiar, a co-
car, vai encontrar abertura imensa de meçar a criar. Fui violentamente influen-
nossa parte. Há tôda simbologia fálica e ciado por "Terra em Transe". Hoje fico
não fálica da peça ser lida e inter- satisfeito em saber que Arnaldo Jabor, Ca-
pretada pelo espectador. Há tôda a colo- cá Diegues, Leon Hirschman, Gustavo
cação do problema do ator da nova gera- Dahl e tantos outros receberam o que eu
ção perante uma tradição de teatro de quis comunicar com o espetáculo. Fico sa-
chanchada, interrompida abruptamente pe- tisfeito de Caetano Velloso ter escrito que
la aridez cafonamente aristocratizante do agora compõe "depois" de ter visto a pe-
TBC. Há milhões de- coisas. Para mim, ça. Que Nelson Leirner acha a coisa pa-
inclusive, o problema é grande. Como me ra o teatro tão importante como o néo-
atirei de cabeça, acabei descobrindo coisas dadaísmo na pintura. Enfim, eu não deve-
que nunca cheguei a imaginar. E que me ria citar nomes, pois tanta gente falou e
comprometeram. ainda fala na comunicação da peça, mas

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serve para ilustrar. Eu sinto que a obra mesmo. Depois de "O Rei da Vela" tenho
se comunica violentamente, mesmo quan- vontade imensa de debater, de espinafrar.
do a platéia permanece silenciosa. Ela está O espetáculo tem defeitos aos milhares.
agindo mentalmente. Ou para se achar, o Mas não é isso que impede sua comuni-
fim da burrice ou para destilar veneno cação. O caso está na esfera dos valôres.
(que destila pelo telefone ou então no que Hoje já adivinhamos de ante-mão as pes-
escreve no questionário que nós mantemos soas que aceitam ou não a peça. As rea-
permanenteme nte no teatro). Ou então pa- ções começam a pas_ar a ser previsíveis.
ra se comunicar conosco. Os 50% que se Temos ainda a vontade de realizar uma
comunicam com a peça, valem. E para temporada popular. Será outra experiência.
falar a verdade são muito importantes os E vamos ao Rio. Queremos percorrer tôda
outros 50% que a detestam. O interessan- a América Latina e ir in !u-ive à Europa.
te é justamente que ela divide o público.
Sempre. O público estudantil, inclusive. O O espetáculo é um diálogo terrível com
que é igualmente muito positivo. Queira- o público. A comuni
-se ou não um público dividido político e negativa da pe-
ça, entretanto, já no- uom:e problemas.
socialmente. Ela divide também o público Tanto que o espetáculo terminou por ser
intelectual. Traz de volta muita gente que mutilado e exatamente no "texto da dire-
não ia mais ao teatro, achando-o coisa ve- ção". Por pressõe do público que ficou
lha, desatualizada, desparticipante . Une as atingido pela iolência. Pelo canhão do
platéias que pagam sete cruzeiros novos aos boneco. . . Imaginem, uma pessoa sair de
sábados, unânimes em não entender nada casa para ir fazer uma reclamação contra
ou em reagir violentamente contra. Mas um pedaço de madeira e de repente a se-
une um público nôvo, sintoma de menta- guranç<l do país pas a a ser, ter ou não
lidade nova, que se forma neste país. E ter nquêle canhão naquele boneco? Enfim,
mais positivamente une o público mais po- estas reações determinaram que não tivés-
pular. F izemos, como experiência, uma semos mais debates, o que é uma pena.
sessão para o público do bairro; a reação Estamos. entretanto, programando um.
foi a mais genial possível. Reação de riso Queremo realizá-lo. Será fundamental. De-
livre, do deboche de tôda problemática de bate com intelectuais, estudantes, políticos,
que êles realmente sàmente podem rir pra artistas, público em geral. Vamos ver o
valer. Mas há ainda a carreira da peça que vai dar. E continuamos até lá com
tôda. Vamos ver. as reaçõe mais imprevisíveis. Fico hoje sa-
tisfeito em saber que o teatro tem o po-
Mas a maior reação, em todo caso, foi der de suscitar essas reações fortes. En-
minha mesmo. E dos que fizeram o es- fim o teatro comunica pela porrada algu-
petáculo. Esta entrevista eu nunca daria ma coisa. Confirma assim, tudo que se
a propósito de outra peça. O Brasil de prevê de recalque infantil que esta platéia
hoje, ou o Oswald, ou nós, não sei, tem tem. Portanto, ela está tôda mistificada e
uma coisa estranha. Atribuo tudo, um pou- aí está para receber, mesmo, violões e ou-
co espiritamente, ao espírito de Oswakl tros bichos e objetos pela cara.

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