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MANUEL CARLOS D E BRITO

lAommn ma ADimm AQ ESTUDOS D E HISTÓRIA


DA MÚSICA E M PORTUGAL

Ai,aÀT!2ií3VIMli'Ag,H;aJI*lMí 1989
8T «.M Editorial Estampa
Lisboa
VI — VESTÍGIOS D O T E A T R O M U S I C A L E S P A N H O L
E M P O R T U G A L D U R A N T E OS SÉCULOS XVII E XVIII

O teatro português encontra-se, desde o seu início, associado ao


teatro espanhol. É sabido a influência no teatro vicentino dos dra-
mas pastoris de Juan dei Encina, influência que já era reconhecida
pelos contemporâneos, como provam estes versos de Garcia de
Resende sobre G i l Vicente incluídos na sua Miscelânea (cit. in Braga,
1914: 60):

Ele foi o que inventou


isto cá, e o USOU
com mais graça e mais doutrina
posto que Juan dei Encina
O Pastoril começou

Dos quarenta e quatro autos conhecidos de G i l Vicente, dez


então escritos em espanhol e quinze s ã o bilingues. Esta ampla utili-
zação do idioma castelhano n ã o nos deve surpreender — todas as
rainhas portuguesas do século X V I foram espanholas, e como con-
sequência a corte era bilingue. A o mesmo tempo que o português se
afirmava definitivamente como língua poética, quase todos os poetas
portugueses deste século escreveram igualmente nos dois idiomas (cf.
Garcia Perez, 1890).
Falar do teatro espanhol da Renascença e do Barroco equivale
quase a falar de teatro musicado. U m a parte dos sessenta e tantos
vilancicos e romances compostos por Encina foram cantados nas
suas églogas ou representaciones. Cerca de duzentos e cinquenta
números cantados s ã o citados ou incluídos no teatro de G i l Vicente,
se bem que n ã o se conheça a música para a maioria deles (Freire,
1917/18). Versões musicais de umas vinte canções encontram-se no

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Cancionero de Palacio, uma no Cancioneiro Musical da Biblioteca Apesar destas limitações, o interesse pelo teatro levou a que em
Nacional de Lisboa e outra ainda no Cancioneiro de Elvas.'" 1588 o Hospital de Todos-os-Santos obtivesse o privilégio de todas
S ã o muito escassos os dados que nos permitam afirmar que G i l as representações teatrais em Lisboa. E m 1594 o espanhol Fernán
Vicente foi ele próprio compositor, como o foi Encina. No Auto da Diaz construiu o primeiro teatro permanente, o Pátio da Betesga ou
Sibila Cassandra aparece a cantiga bailada "Muy graciosa es la don- das Arcas. A sua viúva fez construir outro teatro, o Pátio das F a n -
zela", "feyta e enseada pelo autor". Na Fragoa de Amor a cantiga gas da Farinha, que durou somente de 1619 a 1623.
"El que quisiere apurarse" e no Auto da História de Deus a que Os Pátios de Lisboa eram provavelmente semelhantes aos currais
começa "Vocês daban prisioneros" foram também compostas pelo madrilenos — um pátio rectangular com um tablado numa das suas
próprio autor. T a m b é m a ensaiada com que termina a Farsa dos extremidades, rodeado por um edifício de dois andares com varan-
Físicos é apresentada com estes versos: das — e as representações tinham lugar igualmente da parte da
tarde. O Pátio das Arcas incendiou-se em 1697 ou 98 e foi recons-
Voyme a la huerta de amores truído com capacidai^'" para 500 espectadores, desaparecendo defini-
y traeré una ensaiada tivamente com o terramoto de 1755.
por Gil Vicente guisada Uma anedota contada pelo Pe. Baltazar Teles na sua Chronica
da Companhia de Jesus na Província de Portugal de 1645 explica
N ã o é aqui minha intenção tratar pormenorizadamente do teatro deste modo a origem do privilégio do Hospital de Todos-os-Santos,
vicentino nem dos seus aspectos musicais. A evocação de G i l Vicente ou Santa Casa da Misericórdia. U m certo Pe. Inácio, Jesuíta, pre-
é todavia pertinente para o tema que nos ocupa, na medida em que gava pelas ruas contra o teatro, acompanhado por um grupo de
ele foi um precursor do teatro espanhol do Siglo de Oro. Menendez rapazes, o que levou os actores a oferecer-lhe uma percentagem
y Pelayo considera que a legitima descendência de G i l Vicente n ã o se sobre as receitas em favor do Hospital, mas a representação de um
encontra em Portugal, mas sim em Espanha, onde foram represen- bailado lascivo conduziu o Jesuíta a retomar as suas invectivas con-
tadas algumas das suas obras, e se fizeram imitações de muitas tra as comédias (cit. in Freches, 1967: 24-5).
outras. O erudito espanhol acrescenta que com o desenvolvimento Como alternativa ao teatro profano, os Jesuítas desenvolveram o
subsequente do teatro espanhol, e sobretudo depois de atingida e seu teatro didáctico em latim, os Ludi priores e os Ludi solemnes,
fixada a sua forma definitiva por Lope de Vega, a dramaturgia apa- representados antes e depois da distribuição dos prémios escolares,
rentemente antiquada e obscura de G i l Vicente foi esquecida como a que deram origem às tragicomédias sobre temas hagiográficos, bíbli-
dos demais precursores (cit. in Braga, 1914: 75). cos, mitológicos e históricos. Ficaram famosas as tragicomédias
Efectivamente, a chamada escola vicentina, que inclui autores Sedecias, representada em C o i m b r a em 1570, perante o R e i
como Afonso Álvares, Baltasar Dias, António Prestes e António D . Sebastião, e A Conquista do Oriente, representada no Colégio de
Ribeiro Chiado, tende para a cristalização arcaizante do modelo Santo A n t ã o de Lisboa em 1619, por motivo da visita de Fihpe I I .
vicentino. Mais ainda que em Espanha, o teatro em Portugal sofreu A introdução em Portugal da cenografia barroca, com as suas muta-
os ataques combinados da Inquisição e dos Jesuítas. O índice expur- ções espectaculares e guarda-roupas sumptuosos parece dever-se ao
gatório de 1551 proíbe já sete autos de G i l Vicente. O índice de 1581 teatro jesuítico. É sabido que essas tragicomédias incluíam igual-
ordena especial vigilância sobre as obras teatrais, e o de 1624 proíbe mente coros, cuja música contudo não sobreviveu.
ou censura vinte e três autos, além dos de G i l Vicente (Rodrigues, Por sua vez, os pátios de comédias, além de alguns autos na
1980: 23; Saraiva e Lopes: 193). tradição vicentina, limitavam-se a apresentar as companhias que
vinham de Madrid ou de Sevilha por períodos mais ou menos cur-
tos. O Burlador de Sevilla, de Tirso de Molina, protótipo do drama
<" Anglés (1947-51), n.« 1, 10, 17, 18, 40, 72, 85, 108, 112, 146, 193, 234,
donjuanesco, começa com uma descrição de Lisboa, destinada talvez
246, 259, 273/274, 336, 350; "Quien con veros pena y muere" in Manuel Joa-
quim (1940: 50) e Manuel Morais (1977: 16); "Nina era la infanta" in Manuel à representação da peça nesta cidade.
Morais (1986: 7). A popularidade do teatro espanhol levou alguns portugueses a

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. :> I . v< I comédias nesta língua, entre eles Jacinto Cordeiro, Joi»de
Nt.iios I lagoso, Henrique Gomes e D . Francisco Manuel de leio. S. Alteza, que Deus guarde, me manda dizer a V. S.°, da sua
I >(sii- último conserva-se a comédia De Burlas hace amor veras. parte, que é servido que sexta-feira, à noite, que se contam 22 do
I). Irancisco Manuel de Melo é um exemplo típico do ditma corrente, venham ao paço os comediantes a representar a melhor
.|iic SC colocou a muitos portugueses na primeira metadtdo comedia que trouxerem e, sendo para ella necessário alguma fabrica,
século X V n . Ligado por laços de sangue com as casas reaisdePor- se obrará logo com noticia do que se houver mister. (Oliveira, 1894:
52-3).
iiigal e de Espanha, esteve ao serviço da corte de Madrid e.cimo
participante directo na guerra da Catalunha, escreveu em espanlol a
O apagado provincianismo a que havia chegado a corte portu-
sua clássica Historia de los Movimientos y Separación de Catana.
guesa nos inícios do século X V I I I é-nos confirmado por um diarista
Para fidalgos, escritores ou artistas as possibilidades de uma caneira
(la época, ao relatar as alterações produzidas pela chegada da nova
eram limitadas pela inexistência de uma corte em Lisboa. Divtrsos
Rainha, D . Mariana de Áustria:
compositores desta época partiram assim para Espanha em buscj de
oportunidades profissionais que n ã o podiam achar na sua pátria
No Paço se repetem m."" dias estes festejos, e aos Dom."' a noute.
A Restauração de 1640 contribuiu certamente para a decadência
ha saraos, e musicas das Senhoras; a que assistem os Reys, e a
do teatro espanhol em Lisboa, sem que por outro lado tivesse favo- nobreza toda, q despois da uinda da Rainha, continua na assistência
recido de imediato o desenvolvimento de um teatro nacional. As do Paço, com m." aceitação sua, e naõ menos divertim.'", como nas
consequências económicas das Guerras da Restauração, que só ter- cortes estrang."", e assi mesmo fez observar a Rainha o comer sempre
minaram definitivamente em 1713, assim como a personalidade dos com ElRey, e como tal, em meza de estado, o q ate aqui naõ houve
diferentes reis, n ã o foram favoráveis ao desenvolvimento de um tea- desde a morte dEl Rey D. Joaõ o 4.° [...] (Silva, 1705-9: 178).
tro de corte no século X V I I . D. J o ã o IV interessou-se exclusiva-
mente pela música religiosa. Seu filho D . Afonso VI era um enfermo Por todas estas razões, os vestígios referidos no título deste artigo
moral e físico que se entregou a uma boémia devassa, antes de aca- são extremamente reduzidos e na sua generalidade provavelmente
bar seus tristes dias prisioneiro no Palácio de Sintra. Os termos lamiliares à maioria dos investigadores da nossa música. A informa-
vagos em que estão redigidos dois raros ofícios referentes à represen- va o disponível continua a ser muito limitada, tanto pelo que se refere
tação de uma comédia na corte de D . Pedro II, pouco depois do seu A história do teatro, como à história da música teatral. Basta recor-
casamento com sua cunhada D . Maria Francisca de Sabóia, sugerem dar que a história fundamental do teatro português é ainda a que
ignorância e reduzido interesse pelos espectáculos teatrais: escreveu Teófilo Braga há mais de um século (Braga, 1871). Os pou-
cos dados desde então recolhidos n ã o alteraram substancialmente a
20 de junho de 1668 — Aviso do secretário do expediente ener- sua panorâmica pelo que se refere aos séculos X V I I e X V I I I , nem
cês, Pedro Sanches Farinha, ao presidente do senado da câmra: tão pouco é provável que novos contributos o venham a fazer no
S. Alteza, que Deus guarde, me ordena que avise a V. S.\ sua liituro. Sobretudo no capítulo da música teatral já se conhece relati-
parte, que é servido que se represente a primeira comediaríesteseu vamente bem o quase nada que se conserva nos arquivos e bibliote-
palácio, sexta-feira, á bocca da noite, dia em que se festejam os annos cas portuguesas. Os principais vestígios do teatro musical espanhol
da princesa, nossa senhora, e que V. S." avise aos comediantespm o em Portugal há que procurá-los provavelmente em arquivos espa-
que tenham entendido; e que a comedia será a que fôr mais celebre e nhóis, entre os documentos de companhias que actuaram em Lisboa
conforme com a celebridade deste dia. Guarde Deus a V. S.' mo neste período.
desejo. Do paço, etc.
E m Portugal, os vestígios mais palpáveis da música teatral no
Com V. S." passar a ordem aos comediantes será servido msé-os
que, sendo-lhes necessário alguma fabrica, virá o autor a dispoh e século X V I I encontram-se no repertório dos vilancicos religiosos, o
conferil-a a este palácio. qual, do mesmo modo que em Espanha, inclui peças intituladas ron-
Snr Monteiro-mor das, bailes, folias, jácaras, diálogos, loas, seguidillas, etc. O elemento
Idem dramático e coreográfico que sugerem os textos de numerosos vilan-
cicos n ã o foi até agora suficientemente esclarecido, mas danças de
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escrever comédias nesta língua, entre eles Jacinto Cordeiro, J o ã o de
Matos í-ragoso, Henrique Gomes e D . Francisco Manuel de Melo.
Deste último conserva-se a comédia De Burlas hace amor veras. S. Alteza, que Deus guarde, me manda dizer a V. S.', da sua
parte, que é servido que sexta-feira, à noite, que se contam 22 do
D. Francisco Manuel de Melo é um exemplo típico do dilema
corrente, venham ao paço os comediantes a representar a melhor
que se colocou a muitos portugueses na primeira metade do comedia que trouxerem e, sendo para ella necessário alguma fabrica,
século X V I I . Ligado poir laços de sangue com as casas reais de Por- se obrará logo com noticia do que se houver mister. (Oliveira, 1894:
tugal e de Espanha, esteve ao serviço da corte de Madrid e, como 52-3).
participante directo na guerra da Catalunha, escreveu em espanhol a
sua clássica Historia de los Movimientos y Separación de Cataluna. O apagado provincianismo a que havia chegado a corte portu-
Para fidalgos, escritores ou artistas as possibilidades de uma carreira guesa nos inícios do século X V I I I é-nos confirmado por um diarista
eram limitadas pela inexistência de uma corte em Lisboa. Diversos da época, ao relatar as alterações produzidas pela chegada da nova
compositores desta época partiram assim para Espanha em busca de Rainha, D . Mariana de Áustria:
oportunidades profissionais que não podiam achar na sua pátria.
A Restauração de 1640 contribuiu certamente para a decadência No Paço se repetem m."" dias estes festejos, e aos Dom."' a noute.
do teatro espanhol em Lisboa, sem que por outro lado tivesse favo- ha saraos, e musicas das Senhoras; a que assistem os Reys, e a
recido de imediato o desenvolvimento de um teatro nacional. As nobreza toda, q despois da uinda da Rainha, continua na assistência
consequências e c o n ó m i c a s das Guerras da Restauração, que s ó ter- do Paço, com m." aceitação sua, e naõ menos divertim.'", como nas
minaram definitivamente em 1713, assim como a personalidade dos cortes estrang."", e assi mesmo fez observar a Rainha o comer sempre
diferentes reis, não foram favoráveis ao desenvolvimento de um tea- com ElRey, e como tal, em meza de estado, o q ate aqui naõ houve
tro de corte no século X V I I . D . J o ã o I V interessou-se exclusiva- desde a morte dEl Rey D. Joaõ o 4." [...] (Silva, 1705-9: 178).
mente pela música reUgiosa. Seu filho D . Afonso V I era um enfermo
moral e físico que se entregou a uma boémia devassa, antes de aca- Por todas estas razões, os vestígios referidos no título deste artigo
bar seus tristes dias prisioneiro no Palácio de Sintra. Os termos são extremamente reduzidos e na sua generalidade provavelmente
vagos em que estão redigidos dois raros ofícios referentes à represen- familiares à maioria dos investigadores da nossa música. A informa-
tação de uma comédia na corte de D . Pedro I I , pouco depois do seu ção disponível continua a ser muito limitada, tanto pelo que se refere
casamento com sua cunhada D . Maria Francisca de Sabóia, sugerem à história do teatro, como à história da música teatral. Basta recor-
ignorância e reduzido interesse pelos espectáculos teatrais: dar que a história fundamental do teatro português é ainda a que
escreveu Teófilo Braga há mais de um século (Braga, 1871). Os pou-
cos dados desde então recolhidos n ã o alteraram substancialmente a
20 de junho de 1668 — Aviso do secretário do expediente e mer- sua panorâmica pelo que se refere aos séculos X V I I e X V I I I , nem
cês, Pedro Sanches Farinha, ao presidente do senado da câmara:
tão pouco é provável que novos contributos o venham a fazer no
S. Alteza, que Deus guarde, me ordena que avise a V. S.', de sua
futuro. Sobretudo no capítulo da música teatral já se conhece relati-
parte, que é servido que se represente a primeira comedia ríeste seu
palácio, sexta-feira, á bocca da noite, dia em que se festejam os annos vamente bem o quase nada que se conserva nos arquivos e bibliote-
da princesa, nossa senhora, e que V. S." avise aos comediantes para o cas portuguesas. Os principais vestígios do teatro musical espanhol
que tenham entendido; e que a comedia será a que fôr mais celebre e em Portugal há que procurá-los provavelmente em arquivos espa-
conforme com a celebridade d'este dia. Guarde Deus a V. S." como nhóis, entre os documentos de companhias que actuaram em Lisboa
desejo. Do paço, etc. neste período.
Com V. S." passar a ordem aos comediantes será servido avisal-os E m Portugal, os vestígios mais palpáveis da música teatral no
que, sendo-lhes necessário alguma fabrica, virá o autor a dispol-a e século X V I I encontram-se no repertório dos vilancicos reUgiosos, o
conferil-a a este palácio.
qual, do mesmo modo que em Espanha, inclui peças intituladas ron-
Snr Monteiro-mor
das, bailes, folias, jácaras, diálogos, loas, seguidillas, etc. O elemento
Idem
dramático e coreográfico que sugerem os textos de numerosos vilan-
cicos n ã o foi até agora suficientemente esclarecido, mas danças de
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camponeses, pastores, galegos, ciganos, negros e índios presentes em I " «.lis, iiii- agora fontes únicas de música teatral profana do século
tantos vilancicos, assim como os animados diálogos que entre si S V I I cm Portugal, encontram-se no M . M . 229.<" A primeira tem
estabelecem estas personagens pitorescas, parecem implicar uma .1 iiulicaçAo "l65()/Tono A 7./de comedia", a segunda intitula-se "Loa
dramatização rudimentar, associada talvez à sobrevivência da tradi- 1 iinliidd".
ção dos autos representados dentro da igreja (v. acima "As origens e I sia loa introdutória é cantada pelos sete planetas (Lua, Mercú-
a evolução do vilancico religioso até 1700", pp. 39-40). nn Vcmis, Sol, Marte, Júpiter e Saturno) que, como diz o texto,
A mais importante colecção de vilancicos do século X V I I que se i l c c m à ("idade Augusta, ao Augusto das suas festas. Cada um dos
conserva em Portugal é a do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra nelas apresenta-se sucessivamente ao público, e a L u a faz uma
(descrita em Brito, 1979). Entre os compositores do Mosteiro encon- leveri^iicia sobre as palavras "baxamos Ciudad Augusta". Marte por
tra-se o espanhol D. Francisco de Santa Maria, falecido em 1597. '.n.i ve/ diz:
O assento da sua morte informa-nos que c o m p ô s muitos coros para
tragédias, entre eles os da tragédia a que D . Sebastião assistiu em Portugueses valerosos
Coimbra, a já mencionada Sedecias de 1570 (Pinho, 1981: 172, que a vuestros aplausos llega Marte,
não identifica contudo a tragédia). Sabemos igualmente que o Mos- q en la guerra os teme
teiro emprestava as suas dependências para a representação de autos y en las paces os venera
feitos por leigos, e que às vezes os próprios frades colaboravam nes-
sas representações (Pinho, 1981: 58). É possível que uns quantos Relacionar estes ténues vestígios músico-teatrais com os alvores
vilancicos da colecção de Coimbra se destinassem a elas, mas os lia ópera, como o faz Pinho (1981: 240), parece-me excessivo. Há
manuscritos musicais omitem esse pormenor. Excepcional é, por nma manifesta diferença entre a ópera italiana, espectáculo total-
exemplo, a indicação "A Duo a entrada de Pedralves", que aparece mente cantado, e a música mais ou menos acidental presente no tea-
no início do vilancico Andai ao Portal Pastores, última composição i i o europeu desde a Idade Média até ao século X I X . Particular-
do M . M . 240.'2' mente no caso português é difícil determinar o grau e a natureza da
Este vilancico de Natal é um dos poucos com texto em português participação musical quando, como habitualmente sucede, só conhe-
na colecção de Coimbra. Aqui também o espanhol continua a ser a cemos o título da peça teatral, ou simplesmente a indicação de que se
língua habitual do vilancico, o que levou um autor do século X V I I a representou uma comédia, sem mais.
escrever: Pelo que se refere ao género semioperático da zarzuela, os seus
primeiros vestígios em Portugal não são anteriores ao século X V I I I .
Oygan, oygan lo que digo ,^ A situação da corte portuguesa no século X V I I não foi certamente
que sale flamante la xácara nueva j propícia a um género teatral essencialmente de corte. Creio que sob
por la lengua Castellana ] este aspecto n ã o se deve atribuir especial importância ao facto de a
por el alma portuguesa ^ música completa para a zarzuela Celos aún dei aire matan, habi-
(cit. in Lapa, 1930: 9) a tualmente considerada a primeira ópera espanhola que se conserva,
se encontrar na Biblioteca PúbUca de Évora. D o mesmo modo que
Mesmo assim, vários vilancicos de Coimbra servem de veículo ao muitos outros manuscritos da Biblioteca, essa música foi provavel-
fervor patriótico e bélico motivado pelas Guerras da Restauração. mente adquirida pelo grande coleccionador e arcebispo de Évora
De sabor patriótico é igualmente uma das duas únicas composições Dom Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas nos fins do século X V I I I .
expressamente destinadas a uma representação teatral. Essas duas E m Portugal, a primeira representação de uma zarzuela de que
há notícia data dos primeiros anos do século X V I I I . O título do

Ff. 47^7v; uma outra versão do mesmo texto, incluída no M . M . 228,


f. 29v, foi pubUcada em Brito (1983: 31-5). Ff. 4v-6v e 6v-l 1 v; ambas são anónimas.
libreto, impresso em Zaragoza em 1704, reza o seguinte: "Hazer instrumentos músicos [...]" e da "Comedia El poder de la armonia,
cucnia sin ia huespede zarzuela que se representa actualmente en fiesta de zarzuela". Os Ubretos (de que existem exemplares na Facul-
Villa Viciosa de Portugal, recreo dei Rey D. Pedro".^'•^ C o m a subida dade de Letras de Coimbra, Sala D r . Jorge de Faria, e na Biblioteca
ao trono de D . J o ã o V tornou-se mais frequente na corte este tipo de Geral da Universidade de Coimbra) eram de Luís Calisto da Costa e
representações. Assim, para celebrar a chegada da Rainha D . Mariana Faria, autor de várias outras comédias em espanhol, entre elas uma
de Áustria em 1708, os m o ç o s da Capela Real representaram a que se representou em Ponte de Lima em 1727, por motivo do bap-
comédia Eligir al enemigo, cuja música, composta de solos, duos, tizado do filho do seu amo, o Visconde de Vila Nova de Cerveira
quatros, e coros, era da autoria do trinitário Frei Pedro da Concei- (Freches, 1965: 100). A m ú s i c a da segunda foi composta por
ção (Nery, 1980: 40). D. Jaime de L a Te y Sagau, um impressor de música espanhol resi-
E m 22 de Outubro de 1711 representou-se na corte uma "Fábula dente em Lisboa, autor igualmente de vários vilancicos para as festas
de Acis y Galatea, Jiesta harmónica con Violines, Violones, Flautas, de Santa Cecíha e de S. Vicente, e de cantatas a solo (Vieira, 1900:
e Ubues, a la celebridad de los felizes anos dei Augustísimo Senor 11, 268). F o i representado por uma das Infantas e por cinco damas
D. Juan F [...]" (libretos na Biblioteca Nacional de Lisboa, L . 1324 da corte, mas ignoramos contudo se estas t a m b é m cantaram os
A. e L . 18436 P.). O autor do libreto foi Julião Maciel, cónego da Sé números musicais.
de Lisboa (Machado, 1741-59: I I , 921). Somente com três persona- A introdução directa da música barroca italiana em Portugal
gens, Galatea, Accis e Polifemo, é totalmente cantada e inclui árias, remonta provavelmente à chegada de três cantores da capela pontifí-
recitados, coplas, a dúo, a cuatro, etc. N ã o se conserva a música, cia em 1717, e à do próprio mestre da Cappella Giulia, D o m ê n i c o
mas confrontando os textos Cotarelo y Mori (1917: 42) concluiu Scariatti, em 1722 ou 23 (cf Pagano, 1985: 354-5). A partir desse
tratar-se de uma obra diferente da Accis y Galatea que se represen- momento sucedem-se na corte as serenatas, cantatas ou dramas pas-
tou na corte de Madrid em 19 de Dezembro de 1708, com libreto de toris no novo estilo italiano. No entanto a zarzuela espanhola n ã o
José de Caiíizares e música de Antonio de Literes, cuja partitura e desaparece totalmente em Portugal. Assim por exemplo, em 25 de
partes se encontram na BibUoteca Púbhca de Évora (Cód. C L I / 2 - 4 ) . Janeiro de 1718 cantou-se em casa do Marquês de Valença a c o m é -
A referência a violinos, violones, flautas e oboés é a primeira dia El imposible mayor en Amor le vence Amor. Na embaixada de
indicação concreta da existência de uma orquestra de corte que Espanha cantaram-se: em Abril de 1718 a zarzuela Vengar con el
conhecemos. Por outro lado, a presença de árias e recitativos consti- fuego el fuego, e em 18 de Dezembro de 1721 a zarzuela Las nuevas
tui um dos primeiros indícios da nova influência italiana em Portu- armas de Amor. Para o aniversário do Príncipe das Astúrias a 24 de
gal, se bem que ainda naturalmente por via espanhola. A o descre- Agosto de 1723, o embaixador fez representar a zarzuela El estrago
ver a representação de uma tragicomédia jesuítica no Colégio de en la fineza, e a 30 de Maio de 1727, por motivo do dia do santo do
Santo A n t ã o em 1709, o nosso já citado diarista afirma que "para o mesmo Príncipe representou-se a comedia famosa Endimión y Diana
que cá se sabe e se pode, se tratou de uma verdadeira ópera, como as e um Baile de Filida y Menandro. ^>
que se fazem em França e Itália". (Silva, 1705-9: 196-7).
E m 1712 e 1713 representaram-se igualmente duas zarzuelas na "Esta Comedia foy representada pela Sfíra Infante D. Francisca e pelas
corte, a primeira a 24 de Junho, dia do santo de D . J o ã o V , e a Damas do Passo e faziaõ os papeis Seg.Ino — A Snra Infante D. Francisca.
segunda a 22 de Outubro, aniversário do mesmo Rei. Tratou-se da Anfion — A Snra D. Ines An.' da Sylva. Niobe — A Snra D. Luísa M." do
"Fábula de Alfeo y Aretusa, fiesta armónica con toda la variedad de Pilar. Dirce — A Snra D. Theresa Barbara de Meneses. Polidoro — A Snra
D. Ines Franc' de Noronha. Porsidas — A Snra D. Victoria Josefa de Borbon.
Iris — ,4 Snra D. Lorença Franc. de Mello" (notícia biográfica sobre Luis
A informação sobre a existência deste raro libreto na Biblioteca Nacional Calisto da Costa e Faria transcrita em Nery, 1980: 79).
do Rio de Janeiro foi-me amavelmente comunicada por Manuel Ivo Cruz. "'Notícias da Gazeta de Lisboa. Na Biblioteca Pública de Évora conserva-se
Segundo Joaquim José Marques (1947: 59-60) a primeira utilização do a música de três peças de José de Caiíizares intituladas respectivamente El
termo ária na música portuguesa encontra-se no libreto dos vilancicos para a imposible mayor en amor le vence amor, Las nuevas Armas de Amor e El
festa de S. Vicente, cantados na Sé de Lisboa em 1709. estrago en la fineza (Códs. CLI/2-3, 2-6 e 2-5). A música das duas primeiras é

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E m Abril deste último ano havia chegado a Lisboa a faustosa dias em espanhol. F o i muito apreciada a comédia "casi toda de
embaixada do Marquês de los Balbazes, para tratar dos esponsais música" Endimión y Diana, representada em Santos por amadores
dos Infantes de Portugal e de Espanha. A 19 de Janeiro de 1728 o cm Janeiro de 1730 (Monfort, 1972: 568).
embaixador extraordinário fez representar na sua residência, no Contudo, o Pátio das Arcas esteve encerrado de 1727 a 1737, e
Palácio dos Condes de Redondo, a fiesta Amor aumenta el valor. A sintomaticamente reabriu com dois empresários franceses, Louis
música do 1.° acto era de José de Nebra, a do 2.° de Felipe Falconi e Irinité e Antoine Forestier. Ao longo deste ú h i m o período encon-
a do 3." de Jaime Facco. A representação incluiu uma Loa introdu- tramos mais notícias acerca de representações de comédias espanho-
tória, un entremez, La quinta dei gallego, entre o 1.° e o 2." actos, e las na província — em Bragança, Ponte de Lima, Braga, Porto,
um sainete, La estatua de Prometheo, entre o 2.° e o 3." actos (libre- Arrifana — do que em Lisboa. Ainda em 1750 representou-se em
tos na Bibhoteca Nacional de Lisboa e na Biblioteca do Palácio Alenquer a comédia de Moreto Primero es la honra (Monfort, 1972:
Nacional de Mafra). A 29 de Janeiro cantou-se a comedia harmó- .S99).
nica em estilo italiano Las Amazonas de Espana (libretos na Biblio- E m 1739, no entanto, o Marquês de Valença pubUcou o seu Dis-
teca Geral da Universidade de Coimbra e na Biblioteca do Palácio
curso apologético em defesa do teatro espanhol, que representa
Nacional de Mafra). Os gastos com estes dois espectáculos foram de
como que o dobre de finados pelo género em Portugal (Freches,
cerca de 2 milhões de reales, e o teatro armado para o efeito
1965: 107). Pela mesma época J o ã o Cardoso da Costa (1737) escre-
foi aparentemente demolido depois da partida do embaixador
via a propósito das cantatas:
(cf. Rodriguez Villa, 1872).
Quem foram os cantores em todas estas representações do primeiro Umas vêm lá das óperas italianas
quartel do século X V I I I ? Se é provável que para os espectáculos estas por boas são mais estimadas
organizados pelo Marquês de los Balbazes eles tenham vindo expres- outras sem cruz nem cunhos. Castelhanas
samente de Madrid, os outros foram possivelmente cantados ou são aqui Já de muitos reprovadas
pelos cantores da Capela Real, no caso dos espectáculos da corte, ou
por actores que se apresentavam por essa altura em Lisboa. A partir O novo estilo italiano, hmitado de início ao círculo restrito da
de 1710 há notícia de que as companhias de Ferrer, José Ferreira, corte, havia entretanto conquistado um público mais vasto, aristo-
Roíz, e Garcez trabalharam sucessivamente no Pátio das Arcas (Fre- crático e burguês. A chegada a Lisboa de uma companhia de ópera
ches, 1967: 25-6). Cotarelo y Mori (1917: 68-9) menciona os nomes cm 1731 deu início ao reinado quase absoluto da música italiana em
das actrizes-cantoras Petronilla Gibaja, La Portuguesa, que partiu Portugal, que durou mais de século e meio. Representativos desta
em 1721, de Juana e Rita de Orozsco, que aqui se mantiveram de transição são os primeiros intermezzi italianos representados na
1724 a 1736, de Juana de Inestrosa e de Rosa Rodriguez, La Gal- corte, e a primeira "ópera" em português de Ant óni o José da Silva,
lego. Esta úhima regressou a Madrid com a sua companhia de respectivamente de 1728 e 1733. Ambos t ê m por tema o D . Quixote
comédias em 1729 (cf. Monfort, 1972: 581-2 e nota 3). lie la Mancha. Pela mesma época representava-se em Londres a bal-
Se bem que a maioria das zarzuelas aqui citadas tivesse sido lad opera Don Quixote in England, com texto de Henry Fielding.i»)
representada por iniciativa do embaixador de Espanha, continuava a
existir no público o interesse pelo teatro espanhol. Autores como
Manuel Pacheco de Sampaio Valadares, Francisco de Sousa de
Almeida e A n t ó n i o Ferreira fizeram representar e pubUcaram come-
de Sebastian Durón e a da terceira de Antonio Literes. No Arquivo da Casa
Cadaval em Muge existe a música de uma peça intitulada Vengar con el fuego
el fuego (Ribeiro, 1952; 81). Da Comédia Endimión y Diana existem libretos na
Em 1734. Outras óperas do mesmo periodo sobre o tema de D. Quixote
Faculdade de Letras de Coimbra, Sala Dr. Jorge de Faria, e na Biblioteca do
iticluem as de Sajou (Veneza, 1680), Conti (Viena, 1719), Ristori (Dresden,
Palácio Nacional de Mafra. 1727), Treu (Breslau, 1727) e Antonio Caldara (Viena, 1727).

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VII — F O N T E S P A R A A HISTÓRIA D A ÓPERA
E M P O R T U G A L N O S É C U L O X V I I I (1708-1793)

O objectivo da presente comunicação é o de fazer uma descrição


sumária das principais fontes utilizadas para a preparação de uma
tese de doutoramento que irei apresentar em breve na Universidade
de Londres. Essa tese pretende constituir um estudo documental de
base sobre a actividade operática em Portugal desde o seu início até
;\o do Teatro de S. Carlos. N ã o irei aqui obviamente
referir todos os passos da minha pesquisa, todos os levantamentos
exaustivos e quantas vezes infrutíferos que realizei em bibliotecas e
arquivos, todas as procuras de referências à ópera na literatura por-
tuguesa ou sobre Portugal da mesma época, todas as falsas pistas
enfim que são o quinhão habitual da actividade de qualquer investi-
gador. Por outro lado ir-me-ei limitar tão-só àquelas fontes que
reputo fundamentais para o estudo da ópera em Portugal neste
período, e de que apresento um apanhado na bibhografia.
O ponto de partida de qualquer investigação histórica é normal-
mente o de procurar os estudos já existentes sobre o assunto, com a
tlupla finahdade de conhecer o estado em que se encontra a sua
pesquisa (e ao mesmo tempo de verificar se ela não se encontra pos-
sivelmente esgotada) e de encontrar as primeiras pistas para uma
pesquisa directa das fontes de primeira m ã o .
O primeiro estudo de conjunto sobre a ópera em Portugal no
século X V I I I foi feito por Teófilo Braga no 3.° volume da sua Histó-
ria do teatro português, pubhcado em 1871. Ele é decerto prejudi-
cado pelo seu tom caracteristicamente apaixonado e polémico, de
que é exemplo o seguinte passo:
A realeza da Europa inteira imitava no século XVIII o festim de
Baltazar, libando com vertigem as agonias de gerações inteiras, sem se
lembrar que a mão sinistra do tempo escrevia na parede do palácio a
palavra dos direitos do homem, o verbo revolucionário (Braga, 1871:
4-5).
Teófilo Braga aponta o interesse da realeza e da aristocracia pela
ópera italiana, assim como a influência desse interesse na burguesia, obscura história da nossa música teatral nesta época, poderei citar o
como um dos principais responsáveis pela geral mediocridade do pagamento de 19$200 rs a Frei Manuel de Santo Elias em 10 de
nosso teatro no século X V I I I , sem esquecer contudo outras razões Novembro de 1772 pela composição de "três árias novas com seus
talvez mais decisivas, como sejam a geral decadência do teatro em recitativos e um quarteto, dueto e final [...] para a tragicomédia
Portugal desde meados do século X V I , a sua quase total dependên- I) Alonso de Albuquerque", (Bastos, 1898: 720).
cia do teatro espanhol no século X V I I , e a persistente acção da cen- Alberto Pimentel, por seu turno, irá publicar em 1908 uma colec-
: i r a . Apesar das suas muitas incorrecções e deficiências de interpre- ção manuscrita de poemas pró e contra a cantora Anna Zamperini,
tação, a obra de Teófilo Braga tem o mérito de reunir pela primeira que "enzampennou" literalmente meia Lisboa entre 1772 e 1774,
vez uma apreciável quantidade de documentos da época, como antes de ser expulsa do país pelo Marquês de Pombal. Cabe aqui a
sejam a descrição da Sociedade para a subsistência dos teatros públi- piopósito referir o que desta cantora diz o historiador inglês Charles
cos feita por Timothée Verdier na edição de Paris do Hissope, as Kiirney, que a ouviu em Londres em 1767: "a pretty woman, but an
cartas de Gaubier de Barrault ao Conde de Oeiras sobre o Teatro do al/ccted Singer" {Burney, 1776-89: I V , 492).
Bairro Alto, as referências à ópera no teatro português da época, as Os resumos da história da ópera no século X V I I I que nos apre-
informações que sobre ela nos dá Volkmar Machado nas suas sentam Fonseca Benevides, Ernesto Vieira, ou Micherangelo L a m -
Memórias, etc, assim como de tentar estabelecer pela primeira vez l>criini pouco acrescentam ao que dissera Teófilo Braga, em quem
uma cronologia, apoiando-se segundo Ernesto Vieira em informa- aliás fundamentalmente se baseiam. A primeira cronologia verdadei-
ções de Joaquim José Marques. Este coleccionador de libretos viria lamente rigorosa e quase exaustiva que nos aparece é na reaUdade a
por sua vez a produzir alguns anos depois a sua própria cronologia que coligiu Manuel Carvalhais no seu trabalho inédito Subsídios
numa série de artigos publicados na Arte Musical e reeditados em para a história da ópera e da coreografia italianas em Portugal no
1947 por sua filha Laura Wake Marques. século XVHI, que me foi amavelmente cedido pelos seus descenden-
Teófilo Braga apoiou-se igualmente nos estudos documentais de tes. Carvalhais foi um dos maiores coleccionadores de libretos de
José Maria António Nogueira sobre as relações do Hospital de ópera do mundo, tendo antes de morrer vendido a sua colecção de
Todos-os-Santos com os teatros públicos no reinado de D . J o ã o V, cerca de 20 000 libretos à Biblioteca da Academia (hoje Conservató-
os quais lançam alguma luz sobre a introdução da ópera itahana rio) de Santa Cecília em Roma. O seu trabalho reproduz os dizeres
pela companhia de Alessandro Paghetti na Academia da Trindade e lio frontispício e outros elementos relevantes do libreto de cada
no Teatro da R u a dos Condes, e sobre a actividade de António José ópera, serenata e oratória em italiano cantada em Portugal durante
da Silva na Casa dos Bonecos do Bairro Alto. o século X V I I I , assim como dos argumentos dos bailados que se
dançavam nos intervalos das óperas. E m cada caso regista ainda
Em 1873 foi publicada uma série de artigos sobre o segundo tea-
todas as obras do mesmo título cantadas em toda a Europa durante
tro do Bairro Alto, construído depois do terramoto, cujo autor veio
o século X V I I I .
a ser identificado como sendo José Ribeiro Guimarães. Aí se d ã o a
conhecer pela primeira vez as contas deste teatro que se conservam A Usta de Carvalhais foi-me preciosa para o estabelecimento da
na Biblioteca Nacional. A discussão da localização deste e dos res- minha própria cronologia e para o levantamento (nem sempre fácil)
tantes teatros existentes no Bairro Alto, assim como da famosa dos libretos existentes nas principais colecções portuguesas: Biblio-
Ópera do Tejo, será feita pelo Visconde Júlio de Castilho nos seus teca Geral da Universidade de Coimbra (P-Cug), Faculdade de
estudos de olissipografia citados na bibliografia. Letras de Coimbra, Sala D r . Jorge de Faria (P-Cul), BibUoteca
Nos seus apontamentos para a história do teatro português inti- Pública de Évora (P-EVp), BibUoteca da Ajuda (P-La), BibUoteca da
tulados Carteira do Artista, o empresário Sousa Bastos, marido da Academia das Ciências (P-Lac), Fundação Calouste Gulbenkian
actriz Palmira Bastos, irá transcrever uma série de recibos de paga- (Serviço de Música) (P-Lcg), BibUoteca Nacional (P-Ln), Teatro
mentos a actores, autores teatrais e compositores, hoje provavel- Nacional de S. Carlos (P-Lt) e BibUoteca do P a ç o Ducal de Vila
mente perdidos. A título de exemplo, e pelo interesse que tem para a Viçosa (P-VV). S ó em muito raros casos estas colecções possuíam
libretos que n ã o existiam na colecção Carvalhais, a qual é mesmo

78 79
assim muito mais completa que qualquer das outras.
() levantamento de notícias teatrais do mesmo período incluídas
Nenhum dos autores que depois de Teófilo Braga e de Ernesto
n.i iidzcta de Lisboa foi feito por Claude-Henri Freches enquanto
Vieira abordaram a história da ópera em Portugal no século X V I I I
iii.i(|uim Manuel da Silva Correia tentou atribuir a produções ope-
parece ter tido acesso ao trabalho de Carvalhais, continuando por
1,1 hl as determinadas uma colecção de desenhos teatrais existentes no
isso a basear-se numa cronologia incompleta e em vários casos
Museu Nacional de Arte Antiga. Por sua vez José de Figueiredo
incorrecta ou mesmo fantasiosa, além de imprecisa em relação aos
géneros musicais, tomando frequentemente por óperas muitas das |iiil)licou a planta de um teatro da autoria de Bibiena, que ele identi-
simples serenatas que se cantavam na corte sem cenários nem guarda- li> I como pertencendo à chamada ó p e r a do Tejo, questão que é
-roupa. Devo no entanto precisar que me decidi a incluir essas sere- .ihiis ainda hoje controversa.
natas na minha própria cronologia, n ã o s ó para tentar desfazer essas I )ois estudos importantes para o tema que nos ocupa foram pro-
confusões, como para mostrar o peso relativo desse género semiope- (lii/idos recentemente por investigadores estrangeiros. O primeiro,
rático na vida musical da corte, tendo feito o mesmo em relação às uma tese de Joseph Scherpereel sobre os instrumentistas da Real
oratórias. < .1 mara, inclui elementos de muito interesse sobre a sua participação
na ópera e na música de câmara da corte, baseados sobretudo em
A partir do segundo quartel do século X X irão surgir vários
documentos do Arquivo da Casa Real. O segundo, da autoria de
estudos parcelares que representam assinalável progresso na investi-
Marita McClymonds, é t a m b é m na sua origem uma tese de douto-
gação documental do tema que nos ocupa. Está neste caso a notável
História do Palácio Nacional de Queluz de Caldeira Pires, onde o I a mento apresentada à Universidade de Berkeley. Trata-se de um
autor refere com bastante pormenor a actividade operática e musical estudo aprofundado do ú h i m o período da actividade criadora de
neste palácio, baseado em documentação coeva. D o mesmo modo Niccolò Jommelli, depois de se ter despedido da corte de Stuttgart e
Gustavo de Matos Sequeira, no seu Teatro de outros tempos, traz à lie regressar a Nápoles, sua terra natal, anaUsando em particular as
luz muitos detalhes ignorados, em especial pelo que se refere aos suas relações com a corte de Lisboa, através da correspondência
teatros reais, baseado sobretudo na documentação do Arquivo da existente entre ele e o Director dos Teatros Reais, assim como as
Casa Real, que se encontrava ao tempo no Arquivo dos Próprios suas últimas partituras.
Nacionais a Santa Luzia. O principal defeito do seu livro encontra-se Para finalizar esta breve resenha das principais fontes modernas,
no modo superficial e anedótico com que aborda o tema, e na gostaria ainda de referir o excelente resumo da história dos nossos
maneira totalmente vaga e descuidada com que cita as suas fontes, teatros publicado por Mário Moreau em nota ao capítulo sobre
pecha ahás comum a outros investigadores portugueses que, num I uisa Todi do seu hvro Cantores de Ópera Portugueses, sublinhando
País que dava e continua a dar muitas vezes pouco apreço à investi- a propósito que este capítulo constitui uma biografia exaustiva e
gação científica, parecem pretender desse modo pedir desculpa aos |M ovavelmente definitiva desta notável cantora, cuja carreira per-
seus leitores do seu saber e erudição. tence mais à história da música europeia que à história da música em
Vários trabalhos de natureza mais pontual merecem também ser Portugal. Quanto à difícil história da ópera no Porto antes da inau-
aqui referidos. Assim por exemplo o artigo de Vítor Ribeiro sobre guração do Teatro de S. J o ã o em 1798, os poucos dados recolhidos
O Pátio das Comédias e as representações teatrais, o qual, baseado nomeadamente por Magalhães Basto em diversos artigos publicados
em alguns documentos existentes no Arquivo da Misericórdia, levanta tio Primeiro de Janeiro e em O Tripeiro aparecem convenientemente
o véu sobre as polémicas teológicas à volta do teatro e as dificulda- resumidos na c o m u n i c a ç ã o de J o s é Pedro Martins apresentada ao
des postas pela hierarquia ao seu exercício no reinado de D. J o ã o V. Colóquio O Porto na época moderna. Nela o autor reconhece aliás a
É significativo o seguinte passo da proposta de reabertura dos tea- dificuldade de aprofundar mais este tema dada a escassez de docu-
tros da autoria do Provedor da Misericórdia, Conde de Ericeira: "Os mentação existente.
camarotes dos homens terão guarda e serventia diversa dos camaro- Existem ainda uns tantos trabalhos pubhcados modernamente
tes das mulheres e que nem os maridos as possam vêr juntos com as que incluí entre as fontes da época, por se tratar fundamentalmente
suas as comédias." de transcrições de textos coevos. Está neste caso o importante artigo
de Jaçqueline Monfort pubUcado em 1972, o qual nos dá a conhecer

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pela primeira vez uma riquíssima colecção de informações teatrais duas centenas e meia foram efectivamente cantadas em Lisboa. O
referentes ao reinado de D . J o ã o V que v ê m iluminar sobremaneira estudo aprofundado de materiais destas dimensões só é possível, e s ó
um período até hoje muito mal conhecido. tem aUás sentido, de forma parcelar e em referência a trabalhos de
Chegados aqui poderemos perguntar-nos qual é então o estado âmbito mais restrito, dedicados por exemplo a um dado compositor,
actual da pesquisa sobre a ópera em Portugal no século X V I I I . e não a um período de quase noventa anos. Mesmo assim um exame
E m primeiro lugar verificamos que n ã o existe ainda nenhum superficial de todas as partituras que foram efectivamente cantadas
estudo de conjunto actualizado e aprofundado desde que Teófilo permitiu-me corrigir alguns erros do catálogo impresso e verificar
Braga publicou a sua História do teatro português há mais de cem que uma grande parte das partituras de compositores itaUanos são
anos. Além disso a única cronologia razoavelmente completa e por- cópias feitas em Lisboa, com as eventuais alterações que eram intro-
menorizada ficou inédita. Ainda n ã o foi feito um levantamento deta- duzidas na época, quando uma ópera era de novo produzida. A qua-
lhado e exaustivo das diversas fontes documentais relevantes, em lidade da copisteria da corte era aliás excelente, o que permitiria que
particular da extensa documentação do Arquivo da Casa Real, para muitas dessas obras fossem hoje ressuscitadas utilizando directa-
já não falar do estudo dos libretos e das partituras. Importa também mente os materiais existentes, sem necessidade de uma transcrição
referir que a grande maioria dos trabalhos citados foi feita por histo- moderna. A casa Garland de Nova Iorque optou justamente pela
riadores do teatro ou por simples polígrafos, sem nenhuma formação reprodução facsimilada de manuscritos da época para a sua edição
musicológica ou mesmo musical, para já n ã o dizer um conhecimento monumental de ópera italiana dos s é c u l o s X V I I e X V I I I em
especializado no campo da ópera do século X V I I I , que era e conti- 60 volumes, e muitos desses manuscritos s ã o de leitura muito mais
nua a ser impossível de obter em Portugal. difícil que estas cópias da Ajuda.
Quanto às partituras, recorde-se que foram até agora publicadas Quanto aos libretos Umitei-me a fazer o levantamento das princi-
pela Fundação Gulbenkian a partitura completa de uma ópera por- pais colecções portuguesas porque uma Ustagem dos exemplares
tuguesa do século X V I I I , assim como as partituras de três aberturas existentes em todas as bibliotecas europeias e americanas seria
de óperas ou de serenatas. A ópera, a Spinalba de Francisco A n t ó - impossível de realizar em tempo útil, e toma-se aliás largamente
nio de Almeida, assim como umas quatro aberturas, encontram-se redundante desde a publicação do monumental trabalho de Cláudio
gravadas em discos que se encontram infelizmente esgotados. De Sartori Primo tentativo di un catalogo único dei libretti italiani a
entre elas, a chamada Sinfonia em Ré de J o ã o Cordeiro da Silva, stampa fino aWano 1800. Gostaria a propósito de recordar que o
que se encontra em manuscrito na Biblioteca de Elvas, parece cor- musicógrafo Joaquim de Vasconcelos possuía também uma razoável
responder à abertura da serenata Archelao do mesmo compositor, colecção de libretos de óperas cantadas em Portugal, muitos deles do
que se encontra na BibUoteca da Ajuda, e que se cantou no Palácio século X V I I I , que foi provavelmente vendida no estrangeiro, como o
de Queluz em 21 de Agosto de 1785. foi a colecção de Carvalhais, por não ter havido em Portugal
Por seu turno, o Teatro de S. Carlos possui cópia manuscrita nenhum organismo púbUco ou privado que as quisesse adquirir. U m
moderna do Amore industrioso de Sousa Carvalho e da música de caso mais curioso é o das 45 cartas de Niccolò JommelU adquiridas
Antonio Teixeira para as Guerras do alecrim e manjerona e para pela Biblioteca da Universidade de Berkeley a um antiquário inglês
As variedades de Proteu de A n t ó n i o José da Silva, as duas últimas em 1971. Essas cartas pertenciam ao Arquivo da Casa Real no
em realização de FiUpe de Sousa. Todas elas foram levadas à cena Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, e ainda hoje lá se
por mais de uma vez naquele teatro. encontra o seu registo na Caixa 260, tendo sido de lá desviadas em
Entrando agora na consideração das fontes da época propria- data incerta. Resta-nos a consolação de que outras seis cartas com a
mente ditas, começarei justamente por me referir às fontes musicais. mesma origem foram parar ao Arquivo do Teatro Nacional de
Destas as principais são sem dúvida constituídas pelas mais de sete- S. Carlos, ficando portanto em casa.
centas partituras de óperas, serenatas e oratórias do século X V I I I A inclusão entre as fontes da época da colecção de teatro de
coleccionadas quase todas nos reinados de D. José e de D . Maria I e cordel existente na Biblioteca do Teatro de D . Maria II tem a ver
que se conservam na BibUoteca da Ajuda. Dessas, somente umas com uma questão de base que se coloca em relação ao repertório dos

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nossos teatros públicos. A começar por Teófilo Braga, vários autores Mesmo assim o Arquivo da Casa Real é a fonte documental
têm muitas vezes confundido a produção de óperas italianas canta- isolada mais rica de todas as que me foi dado pesquisar. Ao longo de
das nos Teatros do Bairro Alto e da R u a do Condes com a represen- vários meses de trabalho no Arquivo Histórico do Ministério das
tação declamada de traduções dessas e de outras óperas, em particu- l-inanças reuni uma enorme quantidade de dados sobre a actividade
lar dos dramas de Pietro Metastasio. Por outro lado esses e outros musical e operática nas cortes de D . José e de D . Maria I, cujo
dramas de autores portugueses — designados frequentemente por tratamento me levou igualmente muitos meses a realizar. Juntamente
óperas nos folhetos impressos — incluem muitas vezes música de com outras fontes documentais, algumas das quais até hoje inéditas
cena sob a forma de árias, recitativos, duetos, tercetos, coros, etc, (e que, contra o que é costume, resolvi identificar na minha lista,
cujo compositor nunca é mencionado. D a í advém, aliás, o interesse antes mesmo da pubUcação da minha tese), esses dados permitir-me-
da identificação de Frei Manuel de Santo Elias como compositor -ão traçar um quadro relativamente pormenorizado da ópera de
teatral. corte na segunda metade do século XVIII.
Vi-me assim confrontado com o problema da inclusão no meu E m contrapartida, os resultados da procura de referências à
trabalho desse vasto e assaz confuso repertório de teatro musicado ópera na literatura coeva foram relativamente decepcionantes.
que os historiadores da nossa literatura têm de um modo geral igno- E sabido que o memoriahsmo português do século X V I I I é bastante
rado, e de que n ã o se conservam praticamente quaisquer fontes pobre quando comparado com o de outros países europeus, n ã o
musicais. Acabei por tomar a decisão de lhe fazer unicamente uma sendo por outro lado possível avaUar a importância que poderão ter
referência abreviada na minha tese, por considerar que ele deveria para a história social quaisquer diários ou correspondências epistola-
ser objecto de um estudo separado. Abri somente uma excepção res que existam ainda em arquivos privados. Quanto aos estrangei-
para as peças daquele que é de certo modo o iniciador do género no ros que nos visitavam, mostram-se de um modo geral mais interes-
nosso teatro do século X V I I I , António José da Silva, e para as quais sados em referir aquilo que em nós era específico e diferente, do que
se pode admitir que o colaborador musical foi em todos os casos em falar de coisas que se poderiam encontrar em qualquer outro
António Teixeira. Incluí ainda uma hsta das restantes "óperas" do local da Europa, como era o caso da ópera italiana. As referências
mesmo tipo que se sabe terem sido representadas nos Teatros do ao nosso teatro s ã o ahás de um modo geral depreciativas, o que n ã o
Bairro Alto e da Mouraria no reinado de D . J o ã o V, assim como é de admirar tendo em conta as limitações do repertório e dos acto-
daqueles textos teatrais de que se conhece o autor da música (caso de res nacionais, e sobretudo no último quartel do século a total exclu-
Marcos Portugal, por exemplo). são das mulheres do palco, com o consequente abuso dos travesti.
Este problema prende-se com outro que creio ter ficado claro na Pelo contrário a ópera de corte é habitualmente alvo de comentários
primeira parte da minha comunicação, e que dificultou grandemente mais favoráveis.
a minha pesquisa: o das limitações existentes ao nível dos estudos As referências à ópera nos jornais da época s ã o também muito
sobre a história do teatro em Portugal no século X V I I I . Devo no escassas, o que n ã o é de estranhar igualmente para quem conheça o
entanto confessar que apesar de um esforço bastante exaustivo de que foi ou n ã o foi o jornalismo português no século X V I I I . C o n -
pesquisa nas nossas bibliotecas e arquivos, n ã o me foi na realidade tudo, e incidentalmente, a leitura da Gazeta de Lisboa e do Hebdo-
possível identificar um número espectacular de novas fontes. Parece madário Lisbonense permitiu-me elaborar um calendário pormeno-
que aqui, como noutros campos, o desleixo e as vicissitudes históri- rizado dos concertos púbUcos em Lisboa nos finais do século. Esse
cas se conjugaram para dificultar o trabalho do investigador. Como calendário e outros elementos inéditos que recolhi sobre o assunto
se pode verificar pela minha hsta de fontes, essas dificuldades foram reunidos num artigo pubhcado na Revista de Musicologia de
mantêm-se, em especial pelo que se refere ao reinado de D . J o ã o V, Madrid (v. adiante "Concertos em Lisboa e no Porto nos finais do
julgo que não s ó em consequência dos conhecidos efeitos do terra- século X V I í r , pp. 1^7-87).
moto, como t a m b é m da deficiente organização dos arquivos reais, O único exemplo de crítica operática, ou mesmo de crítica teatral
que s ó c o m e ç a m a apresentar alguma coerência interna, pelo que diz tout court, do nosso século X V I I I é aquele que escreveu o portuense
respeito à música, a partir de meados da década de 1760. Francisco Bernardo de L i m a na sua efémera Gazeta Uterária, cuja

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publicação foi proibida ao fim de menos de dois anos. Trata-se, res doutorados, só pretenderem muitas vezes contratar professores
aliás, muito mais de um excelente ensaio literário, da pena de uma que já tenham concluído o seu doutoramento, mesmo quando conti-
das mais curiosas figuras do nosso Iluminismo, que de uma crítica nuam a n ã o oferecer quaisquer condições para a realização no seu
concreta à ópera em epígrafe. Muito mais informativas quanto às seio desse doutoramento. É o caso de n ã o se saber o que é que se
condições precisas em que funcionava o Teatro do Porto são as três pretende que nasça primeiro, se o ovo, se a gaUnha.
interessantíssimas cartas de Ricardo Raimundo Nogueira que desco- Este breve excurso para expUcar porque decidi pôr um ponto
bri na Biblioteca da Faculdade de Letras de Coimbra, e que espero final na minha pesquisa quando me convenci que n ã o era possível
vir a divulgar futuramente. Estas três cartas, juntamente com algu- nem provável encontrar mais fontes documentais dentro de um
mas referências dispersas incluídas nos registos de correspondência prazo útil e razoável. Ao longo dela n ã o me coibi de ir dando a
da Intendência Geral da Polícia, são praticamente os únicos elemen- conhecer alguns dos seus resultados parciais, de pubUcar outros tra-
tos totalmente novos que logrei encontrar para a história dos nossos balhos musicológicos fora do âmbito da minha tese, nomeadamente
teatros públicos. no estrangeiro, ou mesmo de colaborar em trabalhos fora do campo
É possível que, nomeadamente no Arquivo da Torre do Tombo da musicologia. Se isso me permitiu manter o contacto com outras
(P-Lan), se possam ainda vir a encontrar no futuro outros documen- áreas da musicologia e enriquecer de certo modo o próprio enfoque
tos relevantes para a história dos nossos teatros em geral e da ópera da minha tese, contribuiu por outro lado — juntamente com os
em particular mas, se eles existem, encontram-se submersos no meio deveres da leccionação a que estive obrigado nos últimos quatro
da gigantesca massa de documentação daquele nosso arquivo nacio- anos — para atrasar relativamente a sua conclusão. N ã o é portanto
nal, cuja catalogação é em muitos casos extremamente vaga e impre- um m é t o d o que eu possa recomendar sem reservas, sobretudo aos
cisa. Quem já alguma vez penetrou na sala de catálogos da Torre do investigadores mais jovens.
Tombo compreenderá decerto o que quero dizer. Apesar de todas as Umitações que apontei, creio que a recolha e
A questão da identificação de novas fontes leva-me a recoruar o tratamento sistemático da totalidade dos dados disponíveis me
um princípio fundamental que nenhum investigador pode ignorar e coloca em posição de poder traçar pela primeira vez com o necessá-
que é precisamente o da economia da pesquisa. Qualquer projecto de rio pormenor e rigor científicos o quadro geral da introdução e
investigação individual deve ser convenientemente deUmitado em desenvolvimento da ópera em Portugal até à fundação do Teatro de
termos do âmbito e da duração da sua pesquisa. Hoje em dia, sobre- S. Carlos. Julgo que o prévio estabelecimento desse quadro se torna
tudo, numa época em mutação acelerada em que a informação toda indispensável para o estudo e correcta perspectivação da obra de
ela envelhece rapidamente e em que a informática começa também já qualquer dos nossos compositores de ópera do século X V I I I , que se
a penetrar no campo das ciências humanas, n ã o tem normalmente encontra ainda por fazer.
sentido que um investigador dedique toda a sua vida a um único O meu próprio trabalho é dominado por uma perspectiva factual
projecto de investigação, a exemplo do que fizeram certos historia- e sociohistórica, envolvendo sobretudo uma tentativa de resposta a
dores alemães do século passado. De facto a conclusão de um dado perguntas deste género: que óperas (e também serenatas e oratórias)
projecto já não deve ser encarada como a coroação de toda uma se cantaram, quando, onde, quantas vezes, como, por iniciativa de
vida de pesquisa, mas antes como um contributo mais ou menos quem e para quem, como chegaram a Portugal, quem as cantou e
modesto para um dado campo de conhecimento em que colabora que impacto tiveram, e de um modo geral qual o lugar da ópera na
habitualmente um número cada vez maior de investigadores em todo nossa vida teatral e social no século X V I I I e na actividade musical
o mundo. D o mesmo modo a tese de doutoramento, que até há bem da corte. E m muitos casos ser-me-á possível definir as condições
pouco era encarada entre nós quase que como constituindo a coroa- cénicas e musicais concretas em que as óperas foram produzidas. Por
ção de uma carreira académica, começa já a ser considerada, como outro lado, e como já disse, a análise aprofundada dos textos dramá-
no resto do mundo, um mero ponto de partida dessa carreira. ticos e musicais propriamente ditos n ã o cabe num trabalho deste
Assiste-se até ao caso curioso de as nossas universidades, onde num tipo e destas dimensões. Quando muito poderei formular algumas
passado n ã o muito longínquo se contavam pelos dedos os professo- vagas generahzações sobre o estilo de David Perez ou de Jommelli,

87
de Piccinni ou de Paisiello, e sobre a sua possível influência nos tornar-se mais raros em Itália, e quando eram de quaUdade já não
nossos compositores nacionais. estavam dispostos a vir servir simuhaneamente nos teatros e na
Mas o que importa sobretudo verificar é que a segunda metade Capela Real.
do século X V I I I foi sem dúvida o período mais cosmopolita da Quanto à ópera nos teatros púbUcos, a sua história na segunda
nossa história musical. Se durante o reinado de D . J o ã o V , de que metade do século X V I I I é intermitente e com altos e baixos, o que se
tratei já com algum detalhe na c o m u n i c a ç ã o que apresentei ao compara aUás com o que sucedia em toda a parte, à excepção da
X I I I Congresso da Sociedade Internacional de Musicologia, a ópera própria Itália, em relação à ópera itaUana. Veja-se por exemplo o
italiana introduzida nos teatros públicos foi entusiasticamente rece- caso de Londres, que era talvez na altura a principal capital europeia
bida pela aristocracia e por uma parte da burguesia, a ópera de corte da ópera. Entre nós o período mais brilhante da ópera comercial
teve ao contrário uma importância muito reduzida, e uma e outra coincide com o da efémera Sociedade para a subsistência dos teatros
vieram a sucumbir vítimas da reacção geral aos teatros por parte da púbUcos, suportada exclusivamente por membros da burguesia, e
hierarquia religiosa e do próprio D . J o ã o V, nos últimos oito anos que durou menos de quatro anos.
do seu reinado. Quanto à segunda metade do século, ela cobre os De qualquer modo a reconstituição da história dos nossos teatros
reinados de D . José e de D . Maria I , e conhece várias fases. púbUcos continua ainda a ser difícil de fazer na totaUdade a partir
Na primeira, anterior ao terramoto, vemos D . José organizar um dos elementos de que dispomos. As próprias forças e motivos por
estabelecimento operático ao nível dos melhores da Europa de então. detrás da criação do Teatro de S. Carlos, que escolhi para terminus
Com o terramoto de 1755 dá-se um hiato de uns nove anos na acti- ad quem da minha tese, continuam ainda hoje a ser muito mal
vidade operática da corte, que virá a ser retomada numa escala um conhecidas, e esta e outras falhas do nosso conhecimento s ó poderão
pouco mais modesta, pelo que se refere sobretudo aos cantores e aos como já disse vir a ser colmatadas com a problemática descoberta de
teatros, embora o repertório fosse perfeitamente actuahzado em rela- novas fontes documentais.
ção ao que se produzia em todos os restantes teatros itaUanos da
Europa.
No reinado de D . Maria I assiste-se de início a uma quase total
interrupção das produções operáticas, em favor de simples serenatas
cuja execução era muito mais simples e barata, e a uma maior parti-
cipação dos compositores nacionais, todos eles perfeitamente inte-
grados aUás na tradição musical itaUana que era a Ungua franca da
BIBLIOGRAFIA
época. A retomada da actividade operática, nomeadamente em Sal-
vaterra, coincide com o casamento do Príncipe D . J o ã o e de
D . Carlota Joaquina em 1785, e talvez se possa atribuir mais a sua
responsabiUdade a esta Princesa que ao futuro D . J o ã o V I , o qual, a
dar fé numa anedota registada por Castelo Branco Chaves, quando
anos mais tarde assistia à ópera no Teatro de S. Carlos, geralmente I. Principais fontes modernas
adormecia na sua cadeira, e quando acordava costumava perguntar:
José Maria António Nogueira, "Archeologia do theatro portuguez (1588-1762)"
"Os bêbados já se casaram?" (Ruders, 1798-1802: 327). in Jornal do Commercio de 5, 6 e 12 de Abril de 1866.
Sabe-se que o próprio Teatro de S. Carlos tem esse nome em — idem in Boletim da Real Associação de Architectos Civis e Archeologos Portu-
homenagem à Princesa D . Carlota Joaquina, mas desconhece-se guezes 4.» Série, Tomo X (1904), n.° 8, pp. 381-91, e n.° 10, pp. 536-41.
— idem "Memórias do teatro portuguez (1588-1762)" in Esparsos. Coimbra,
qual a influência que ela terá tido na sua criação. De qualquer modo
Imprensa da Universidade, 1934, pp. 37-55.
a sua inauguração em 1793 coincide com o encerramento definitivo
dos teatros de corte, que c o m e ç a v a m de resto a encontrar sérias difi- Teófilo Braga, História do theatro portuguez [Vol. III] — A baixa comédia e a
culdades em contratar cantores castrados. Estes começavam já a ópera no século XVIII, Porto, Imprensa Portugueza-Editora, 1871.

m 89
[José Ribeiro Guimarães] "O Theatro do BairroAlto" in Jornal do Commercio José de Figueiredo, "O Teatro Real da Ópera" Boletim da Academia Nacional
n." 5572 e seguintes de 1873. de Belas Artes n.° III (1938), pp. 33-5.
- idem in Boletim da Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portu-
guezes 4.' Série, Tomo X I , n.° 8 (1908), pp. 54M3, n.° 10 (1909), pp. 663-70, e n." João Pereira Dias, Cenários do Teatro de S. Carlos, Lisboa, 1940 [sobre cenó-
II (1909), pp. 744-54. grafos e arquitectos teatrais do século XVIII].

Joaquim José Marques, Cronologia da ópera em Portugal [1735-1793], Lisboa, Claude-Henri Freches, "António José da Silva (O Judeu) et les Marionettes"
A Artística, 1947 [publicado originalmente como uma série de artigos na Arte Bulletin d'Histoire du Théâtre Portugais Tome V, Numero 2 (1954), pp. 325-44.
Musical em 1874]. — "Le théâtre aristocratique et Févolution du goflt au Portugal d'après la Gazeta de
Lisboa de 1715 à 1739" Bulletin des Études Portugaises Tome XXVI (1965), pp.
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1879, Cap. XXII, pp. 250-75 [sobre os teatros do Bairro Alto]. — introdução a António José da Silva, El prodígio de Amarante. Comédia famosa,
- idem, 2." ed. O Bairro Alto de Lisboa Vol. IV, Lisboa, Antiga Casa Bertrand Lisboa, Livraria Bertrand/Paris, Les Belles-Lettres, 1967, pp. 23-43.
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Lisboa, Tipografia Castro e Irmão, 1883. Joaquim Manuel da Silva Correia, "Teatros régios do século XVIII (Algumas
João Salgado, História do Theatro em Portugal, Lisboa, David Corezzi, 1885. considerações acerca dos desenhos da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga)"
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A.[ntónio] Sousa Bastos, Carteira do artista. Apontamentos para a história do
theatro portuguez e brasileiro [...] Lisboa Antiga Casa Bertrand - José Bastos, 1898. Joseph Elisée Albert Scherpereel. Documents inédits sur 1'orchestre et les ins-
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apresentada à Universidade da Califórnia do Sul em 1974 (publicada pela Fundação
Ernesto Vieira, Diccionario biographico de músicos portugueses [...J 2 Vols.,
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Colóquio "O Porto na época moderna" II in Revista de História Vol. III (1980), pp.
António Caldeira Pires, História do Palácio Nacional de Queluz, 2 Vols., Coim- 99-113 [reúne o grosso da informação sobre o assunto].
bra, Imprensa da Universidade, 1924-1926.
1.1. Trabalhos do autor
Vítor Ribeiro, "O Pátio das Comédias e as representações teatrais (1729)"
Arquivo Literário Vol. 2.°, Tomo 7." (1924), pp. 225-230. 'Um retrato inédito do compositor Francisco António de Almeida" Jornal de
letras, artes e ideias Ano I , n.° 24 (1982), p. 20.
Gustavo de Matos Sequeira, Depois do Terremoto, Lisboa, Academia das
Sciências de Lisboa, 1916-1933, I I Vol., Cap. XV, pp. 331-44 [sobre o Teatro do "Vestígios dei teatro musical espanol en Portugal a lo largo de los siglos XVII y
Salitre]. XVIII" Revista de Musicologia V, n." 2 (1982), pp. 325-35. [Comunicação apresen-
Teatros de outros tempos (Elementos para a história do teatro português), Lis- tada no V Encontro de Miisica Antiga Ibérica, Universidade de Salamanca, 29-30
boa, 1933. de Maio de 1982J.

90
"I,e rôle de Fópera dans la lutte entre TObscurantisme et les Lumières au Portu- Cartas do compositor Gaetano Maria Schiassi em Lisboa, para o Padre Martini
gal (1731-1742)" / "O papel da ópera na luta entre o Iluminismo e o Obscurantismo em Bolonha (1736-1753), em I-Bc Cod 1-4, 20, 21, 23 a 37, e L . 117, 165. 166.
em Portugal (1731-1742)" Informação Musical s.l., s.d. [Lisboa, 1983], pp. 32-43
[comunicação apresentada no XIII Congresso da Sociedade Internacional de Musi- José Soares Silva, Gazeta em forma de carta (anos de 1701-1716, Tomo I [1701-
cologia, Estrasburgo, Agosto-Setembro, 1982], -1709], Lisboa, Biblioteca Nacional, 1933 [transcrição parcial de P-Ln Ms. 512].
"A contratação do castrato Gizziello para a Real Câmara em 1751" Estudos
Italianos em Portugal 45-46-^1 (1982-83-84), pp. 281-96. Caetano Beirão, ed.. Cartas da Rainha D. Mariana Vitória para a sua família de
Espanha I (1721-1748) Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1936.
2. Principais fontes da época (As bibliotecas e arquivos são identificados pelas
siglas RISM, sempre que existam; v. acima, pp. 79, 86: l-Bc corresponde a Bolonha, Eduardo Brasão, ed.. Diário de D. Francisco Xavier de Meneses, 4.° Conde de
Civico Museo Bibliográfico Musicale). Ericeira (1731-1733), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1943.

2.0 Gerais Jaçqueline Monfort, "Quelques notes sur Thistoire du théâtre portugais (1729-
1750)" Arquivos do Centro'Cultural Português em Paris (1972), pp. 566-600 [trans-
Colecções de libretos em P-Cug, Cul J. F. (Sala Dr. Jorge de Faria). EVp, La, crição de notícias teatrais contidas numa colecção de gazetas manuscritas que se
IMC. LC, (Serviço de Música), Ln. Li, Pm, VV. conservam em EVp].
Colecções de partituras em P-La, Ln, VV. Theatro cómico Portuguez e Operas Portuguesas que se representaram nos
Colecção de teatro de cordel na bibhoteca do Teatro Nacional de D. Maria I I . Theatros piíblicos desta Corte. Bairro Alto e Mouraria [várias edições entre 1744 e
1792, que incluem as operas de António José da Silva].
Gazeta de Lisboa (1715-1763, 1778-1793).
Hebdomadário Lisbonense (1163-1161).
2.2. Teatros de corte nos reinados de D. José e de D. Maria I (1750-1793)
Richard Twiss, Traveis through Portugal and Spain in 1772 and 1773, Londres,
printed for the author and sold by G. Robinson, T. Becker and Robson, 1775. Cartas de Gaetano Maria Schiassi (v. 2.1.).

Sir N[athaniel] William Wraxall, Historical Memoirs of my own Time. Part the Cartas de Sebastião José de Carvalho e Melo para o embaixador em Roma,
first.from 1772 to 1780. Londres, T. Cadell & W. Davies, 1815. A. F. de Andrade Encerrabodes, sobre a contratação do castrado Gizziello e de
outros cantores (1751), em P-La 51-XIII-24, n.<» 65 a 79 (v. I.I.).
"De rétat actuei du Théâtre en Portugal" Journal de Littérature, des Sciences et
des Arts Vol. I I I (Paris, 1781), pp. 387-93. Certidão de Medição da obra do Offlcio de Pedreiro pertencente à Caza da
— traduzido in José Ribeiro Guimarães: Biografia de Luísa de Aguiar Todi, Lisboa, Opera [...] (1759), em P-Ui Caixa 248, n." 36.
Imprensa de J. G. de Sousa Neves, 1872, pp. 59-65.
Contas e outros documentos referentes a Enea nel Lazio (1767) e a La Pace fia
Marquis de Bombelles, Journal d'un ambassadeur de France au Portugal 1786- la Virtú e la Belezza (1777) [pertencentes ao Arquivo da Casa Real], em P-La 52-
-1788, Paris, Presses Universitaires de France, 1979. XIV-35, n.<« 79 a 86.
Boyd Alexander, ed, The Journal of William Beckford in Portugal and Spain Contas, correspondência e outros documentos dos teatros reais no Arquivo His-
1787-1788, Londres, Rupert Hart-Davis, 1954. tórico do Ministério das Finanças, Arquivo da Casa Real[AHMF]: Livros XX/Z/38
" trad. port. de J. G. Simões, Diário de [...] Lisboa, Imprensa Nacional de Publici- a 47,77; XX/G/19 a 29, 61; Caixas 1 a 3, 5, 9 a 51, 257 a 261, 315; Pasta n." 1.
dade, s.d. [1957]; 2." ed., Lisboa Biblioteca Nacional, 1984.
Colecções de desenhos e gravuras de cenários teatrais no Museu Nacional de
Cyrilo Volkmar Machado: Colecção de Memorias relativas às vidas dos pinto-
res, e escultores [...] que estiverão em Portugal, Lisboa, 1823: 2.^ ed. Coimbra, Arte Antiga e em P-Ln.
Imprensa da Universidade, 1922.
Seis cartas do Compositor Italiano Niccolò Jommelli e do seu irmão Fr. Igna-
2.1. Reinado de D. João V (1708-1750) zio, oferecidas ao Teatro Nacional de S. Carlos, em Maio de 1957, pelo Dr. Henri-
que Viana, em P-Lt [as restantes 45 cartas de Jommelli para o Director dos Teatros
Hospital Real de Todos-os-Santos, Arrendamento do Pátio das Comédias, em Reais encontram-se hoje na biblioteca da Universidade de Berkeley: as cópias das
/'-L/iCaixa31,n.'>s21 a 23. respostas encontram-se no AHMF].

92 93
Albert-Alain Bourdon, ed., "Description de Lisbonne extraite du Journal de la VIII — O P A P E L D A ÓPERA NA L U T A
campanne des vaisseaux du Roy en 1755, par le Chevalier des Courtils" Bulletin des ENTRE O ILUMINISMO E O OBSCURANTISMO
Ijudfs Portugaises Nouvelle Série, Tome 26 (1965), pp. 145-80.
E M P O R T U G A L (1731-1742)
Charles Burney, A General History of Music [...] Vol. I I (1789), Nova Iorque.
Dover Publications, Inc., 1957, pp. 934-36.

2.3. Teatros públicos (1765-1793)

Contas do Principio do Theatro da Caza da Opera do Bairro Alto de 1761 [...] a


1766, em P-Ln Cód. 7178.

Cartas de Gaubier de BarrauU ao Conde de Oeiras (1771), em P-Ln Cód. 619, ff


331 a 356.

Escripturas do Theatro da R. dos Condes 1772 a 1776, em P-Lt.


Se bem que um certo número de zarzuelas e de comédias espa-
Sociedade para a Subsistência dos Theatros Públicos de Lisboa. Apólices dos nholas com música tenha sido representado em Lisboa durante o
accionistas. Lisboa, 1771, em P-Cul i. F, 1-9^. primeiro terço do século X V I I I (v. atrás "Vestígios do teatro musical
espanhol em Portugal durante os séculos XVII e XVIIF', pp. 71-4),
a efectiva introdução da ópera em Portugal está intimamente ligada
Nota 17, atribuída a Thimothée Lecusson Verdier, sobre a história da Sociedade
para a Subsistência dos Theatros Públicos, em António Diniz da Cruz e Silva, a acontecimentos que marcam a italianização da nossa vida musical:
O Hyssope. Poema Heroi-Comico. Paris, na officina de A. Bobée, 1817, pp. 129-34. a contratação em R o m a de cantores italianos para a Capela Real e
de D o m ê n i c o Scariatti para mestre dessa Capela cerca de 1720,
Pedro J. A. Correia Garção, Obras Completas, 2 Vols. Lisboa, Livraria Sá da assim como a formação de uma orquestra de corte formada na sua
Costa-Editora, 1957-1958, em especial Teatro Novo. em II, pp. 7-39. maioria por estrangeiros (v. Usta in Walther, 1732: 489).
Libro para servir de Receita e despeza q se faz na festividade dos despozorios da O facto de estes cantores, e de o próprio Scariatti, terem deixado
Snr." Princeza com o Sor Infante D. Pedro por ordem e conta do Senado, 1760, a Cappella GiuUa para virem para Portugal merece um comentá-
Ms. no Gabinete de História da Cidade, Porto. rio.*" Com o afluxo crescente de ouro do Brasil, que tinha começado
na viragem do século, e sobretudo depois do Tratado de Madrid de
Francisco Bernardo de Lima, "11 Trascurato, Dramma Giocoso per Musica da 1715, que tinha posto um termo definitivo à longa Guerra de Inde-
rapresentarsi nel Teatro delia molto illustre cità dei Porto nelFano 1762" [recensão
crítica] in Gazeta litternria [...] Junho de 1762, pp. 96-109. pendência com a Espanha, o jovem Rei D . J o ã o V tinha-se sentido
em posição de tentar reaver para o seu país o lugar na Europa que
Ricardo R.-imui.^o Nogueira, Reflexões sobre O restabelecimento do Theatro ele tinha perdido desde meados do século X V I . Ora Portugal no
do Porto. Em tres cartas. 1778, ms. em P-Culi. F. 4-9-5. início do século X V I I I continuava a ser um país fanaticamente
devoto: havia um reUgioso para cada 36 habitantes e um terço da
Intendência Geralda PoliciajSecretarias. Livros. I. IIe III(1190-1192). em P-Lan.
terra pertencia à Igreja, a qual em 1739 possuía 477 conventos
(Godinho, 1970: 537). E m vez de colocar esta nova riqueza ao ser-
viço do poder civil absoluto, segundo o modelo de Luís X I V , o Rei

<" Três deles em 1717 e um outro em 1719 (Celani, 1907, 1909: XIV, 83,
752; X V I , 55). Scariatti partiu de Roma em Agosto de 1719, mas segundo
Pagano (1985) é possível que só tenha chegado a Lisboa em 1722 ou 23, acom-
panhado pelo Barão d'Astorga.

94 95
voltou-se para a exaltação da ecclesia triumphans. No dizer irónico
do seu contemporâneo Frederico I I da Prússia (1788: 13), "Ses plai- ou à Gazeta de Lisboa, assim como aos libretos e a um número
sirs éiaiení des fonctions sacerdotales, ses bâtiments des couvents, ses muito reduzido de partituras, que nos é necessário recorrer para ten-
arniées des moines et ses maitresses des religieuses". A maior realiza- tar reconstituir a história da ópera em Portugal neste período.
ção do seu reinado foi a edificação do Convento de Mafra, que ocu- Ao ler esses diários, damo-nos conta que os hábitos tradicional-
pou 45 000 operários durante 33 anos (de 1716 até à data da sua mente severos e provincianos da nobreza portuguesa estão a mudar
morte em 1750). E m 1716 obteve do Papa a elevação da Capela Real muito rapidamente. Os bailes, os jogos e as serenatas multiplicam-se
à dignidade de Igreja Patriarcal, à qual tentou conferir uma pompa e e duram às vezes até de manhã. Joga-se às cartas mesmo em casa de
uma riqueza litúrgica comparáveis às da Capela Pontifícia. alguns cónegos da Patriarcal. Estas inovações são o fruto de uma
abertura à influência europeia, depois do isolamento em que o País
Parece fora de dúvida que a contratação de cantores e de um
vivera durante todo o século X V I I . O suíço César de Saussure, que
mestre de capela romanos, assim como a formação de uma orquestra
esteve entre nós em 1730, diz que os comerciantes ingleses, franceses
permanente, se destinavam antes do mais a prover às necessidades
e holandeses de Lisboa tinham organizado um concerto uma vez por
dessa Capela. É verdade que desde a chegada de Scariatti se cantam
semana composto de uns vinte instrumentistas e oito ou dez vozes,
com bastante regularidade na corte serenatas, dramas ou cantatas
duas ou três das quais tinham sido aformoseadas por meio de uma
pastorais no dia do aniversário do Rei, da Rainha e dos Príncipes,
cruel operação (isto é, eram vozes de castrados). Esses músicos eram
ou nas suas festas onomásticas.'^' Muitas destas serenatas eram can-
na sua maioria italianos. Os subscritores não pagavam nada pelo
tadas nos aposentos da Rainha D . Mariana de Áustria, a filha do
espectáculo e os que o n ã o eram, ou eram estrangeiros (de visita),
Imperador-compositor Leopoldo I. No entanto este género de entre-
pagavam uma pequena quantia. Durante o Inverno os concertos
tenimento permanece estritamente privado: a nobreza s ó é admitida
alternavam com bailes, que custavam o dobro daqueles. Servia-se
a assistir a ele raramente e em número muito hmitado (cf. Monfort,
chocolate ou chá, vinhos finos e doçarias, e havia grande concorrên-
1972: 586, 592; Brasão, 1943: 140-3). O número de óperas cantadas
cia das colónias estrangeiras de ambos os sexos. Portugueses con-
na corte durante o reinado de D . J o ã o V é igualmente muito redu-
tudo encontravam-se poucos e portuguesas ainda menos, excepto
zido — uma meia dúzia somente, durante um período de quatorze
duas ou três senhoras cujos maridos haviam sido embaixadores em
anos.
França, Inglaterra e noutros países, e que se tinham assim humani-
O primeiro destes espectáculos consistiu em três intermezzi intitu- zado um pouco. Contíguas à sala de baile havia duas ou três salas
lados D. Chisciotte delia Maneia, representados no Carnaval de onde se serviam os refrescos e onde muitas vezes os homens jogavam
1728, e cuja música poderá ter sido composta por D o m e r ú c o Scar- forte (Chaves, 1983: 276).
iatti, o qual iria partir para Espanha com a sua aluna Princesa
D . Maria Bárbara no início do ano seguinte. Todas as óperas s ã o Todas estas novidades v ã o encontrar contudo resistências e
igualmente do género c ó m i c o , incluindo as de Francisco A n t ó n i o de mesmo a oposição das autoridades civis e eclesiásticas. Assim em
Almeida, as únicas cujo autor é conhecido (v. a Cronologia abaixo, 8 de Novembro de 1729 os bailes das Inglesas (talvez a assembleia
pp. 105-7). D . J o ã o V n ã o mostrou interessar-se demasiado por este acima referida) foram interrompidos por ordem do juiz. No entanto,
tipo de espectáculos, preferindo visitar as obras do Convento de a 24 de Janeiro, do ano seguinte já tinham recomeçado de novo, se
Mafra a assistir aos ensaios ou mesmo às próprias récitas, conforme bem que "aquelles naõ vaõ os escrupulosos" (Moníbrt, 1972: 582).
nos conta o diário do Conde de Ericeira (Brasão, 1943: 142-3). A situação teatral propriamente dita n ã o era das melhores. E m
Na ausência de outros documentos, provavelmente perdidos com 1727 D . J o ã o V havia proibido o Hospital Real de Todos-os-Santos,
o terramoto de 1755, é sobretudo a este e outros diários manuscritos que era administrado pela Santa Casa da Misericórdia, e era pro-
prietário do Pátio das Arcas ou das Comédias, de tratar com actores
e em consequência todas as representações teatrais tinham cessado.
E m 30 de Novembro de 1729 o Provedor da Misericórdia, Conde de
Em especial os dias 31 de Março, 6 e 24 de Junho, 25 e 26 de Julho, 6 de Ericeira, tendo em vista que o Hospital estava em risco de ter de
Setembro, 22 de Outubro e 27 de Dezembro.
fechar, devido à diminuição dos seus rendimentos, decidiu sohcitar
autorização ao Rei para nomear alguém que se incumbisse de orga- de Ericeira apresentou esta petição ao Rei, assinada por trinta dos
nizar as companhias teatrais, ou para alugar o Pátio das Comédias a melhores teólogos, e este mandou-a examinar (Monfort, 1972: 583).
alguém que o reabrisse. Para isso pediu a opinião de vários teólogos No mês anterior a comédia "quasi toda de musica" Endimión y
sobre se as comédias em si mesmas eram pecaminosas ou indiferen- Diana havia sido representada em Santos por amadores. Assistiram
tes, ao mesmo tempo que recordava que as comédias espanholas não muitas senhoras e algumas damas da corte "mas nem todo o apetite
eram do mesmo tipo daquelas que haviam sido condenadas pelos da Princesa [D. Mariana Vitória, mulher do Príncipe D . José] pode
Padres da Igreja. Por sua parte comprometia-se a cumprir as seguin- conseguir que a Rainha a visse".
tes condições: E m Janeiro de 1731 uma companhia italiana chega a Lisboa.
O diário do Conde de Ericeira (Brasão, 1943: 16) informa-nos que
/.° Os camarotes dos homens terão guarda e serventia diversa dos "Os que querem introduzir a Opera tem ajustado as Cantarinas por
camarotes das mulheres e que nem os maridos as possão ver juntos vinte mil cruzados, e hua planta p." o theatro no mesmo Pateo, e o
com as suas as comedias. Patriarcha os naõ et 'caraça mas falta-lhe a licença do Rey". Fosse
por opos iç ão de D . J o ã o V ou por qualquer outra razão, este pro-
2. ° Que as comediantes se não vestirão em trajo de homem nem
jecto contudo não parece ter tido seguimento. Nos cinco anos
nas tramoyas haja objectos indecentes.
seguintes n ã o encontramos notícia de quaisquer representações
3. ° Que se hande examinarprim.'° as comedias, bayles e entreme- públicas de ópera em Lisboa, continuando estas a ser substituídas
zes p." não hirpallavra nem acção indecente ao theatro. por serenatas, no sentido provável de concertos de música vocal e
4. ° Que hade procurar huma ordem dos Tribunaes a q.' toca para instrumental. E m Outubro de 1731 havia serenatas duas vezes por
q.' nenhuma pessoa de qualquer callidade q.' seja possa tirar come- semana nas casas de um certo Jorge e de D . Maurício. No ano
diante da Companhia emquanto durar o seu contracto com o Hospi- seguinte uma cantora veneziana casada com um arquialaudista
tal, ou com a pessoa a que arrendar o pateo. apresentava-se nas casas de D . Maurício e do cónego Lázaro Leitão,
da Patriarcal.'" As opiniões dividiam-se sobre qual das músicas era
E acrescenta o argumento de que: melhor: a das serenatas ou aquela que se cantava na Patriarcal ou na
Igreja de S. Roque (Brasão, 1943: 72, 94, 112; Códice C I V / 1 - 5 da
na nossa Corte sendo tão grave houve sempre comedias, e o que mais Biblioteca Pública de Évora, f. 7v).
he no mesmo Paliado, e nos Conventos de Relligiosos, e q.' os Pontí- E m Janeiro de 1733 as "Raquetas", fdhas do vioUnista da Capela
fices mais Santos e os Reys mais moderados as premetirão sempre nas Real Alessandro Paghetti, apresentavam-se duas vezes por semana e
suas cortes p." o divertim.° publico, e p." evitar mayores danos cir-
tinham-se mudado para melhores casas à Boavista. A uma das suas
cunstancia a que atenderão sempre as leis q.' athé decimulão alguãs
serenatas tinham assistido quarenta senhoras e num mês tinham
cazas de pecados públicos que nem sempre se acham nas q." se
representam. ganho mais de 3000 cruzados. Diogo de Sousa Mexia tinha-as
levado com outras estrangeiras ao Campo Grande, onde dera um
jantar, serenata, ceia e baile. Sobre estas cantoras o diarista afirma
Apensos a esta exposição encontram-se os pareceres de dois teó-
que, embora não tivessem grandes vozes e n ã o "explicassem" muito
logos jesuítas, um a favor, desde que aquelas condições fossem cum-
as letras, eram admiradas pelo seu estilo e variedade. Enquanto que
pridas, e o outro contra, argumentando que o modo como as actri-
a sua Casa das Músicas, assim como os bailes e os presépios (espec-
zes representavam excitava ad venerem, mesmo que representassem
táculos de teatro popular sobre o tema do Natal), tinham muito
coisas muito santas, além de que "as Mulheres que costumão vir de
público, o Pátio das Comédias ameaçava ruína (Brasão, 1943: 129,
Castella a Portugal representar Comedias, de ordinário são de mão
viver e hão de procurar ganhar dinh." pelos caminhos q.' costumam;
e como Non sunt facienda mala, ut veniant bona — julgo que o
Hospital busque outros meios p." o seu desempenho." (transcrito em •" Um dos mais ricos cónegos da Patriarcal, tinha sido secretário do Mar-
Ribeiro, 1924: 229-30). Mesmo assim, em Fevereiro de 1730 o Conde quês de Fontes durante a embaixada deste em Roma.

9^
autorização ao Rei para nomear alguém que se incumbisse de orga- de Ericeira apresentou esta petição ao Rei, assinada por trinta dos
nizar as companhias teatrais, ou para alugar o Pátio das Comédias a melhores teólogos, e este mandou-a examinar (Monfort, 1972: 583).
alguém que o reabrisse. Para isso pediu a opinião de vários teólogos No mês anterior a comédia "quasi toda de musica" Endimión y
sobre se as comédias em si mesmas eram pecaminosas ou indiferen- Diana havia sido representada em Santos por amadores. Assistiram
tes, ao mesmo tempo que recordava que as comédias espanholas não muitas senhoras e algumas damas da corte "mas nem todo o apetite
eram do mesmo tipo daquelas que haviam sido condenadas pelos da Princesa [D. Mariana Vitória, mulher do Príncipe D . José] pode
Padres da Igreja. Por sua parte comprometia-se a cumprir as seguin- conseguir que a Rainha a visse".
tes condições: E m Janeiro de 1731 uma companhia itaUana chega a Lisboa.
O diário do Conde de Ericeira (Brasão, 1943: 16) informa-nos que
1. " Os camarotes dos homens terão guarda e serventia diversa dos "Os que querem introduzir a Opera tem ajustado as Cantarinas por
camarotes das mulheres e que nem os maridos as possão ver juntos vinte mil cruzados, e hua planta p." o theatro no mesmo Pateo, e o
com as suas as comedias. Patriarcha os naõ et haraça mas falta-lhe a licença do Rey". Fosse
por opos iç ão de D . J o ã o V ou por qualquer outra razão, este pro-
2. ° Que as comediantes se não vestirão em trajo de homem nem
lecto contudo não parece ter tido seguimento. Nos cinco anos
nas tramoyas haja objectos indecentes.
seguintes n ã o encontramos notícia de quaisquer representações
3. ° Que se hande examinarprim.'" as comedias, bayles e entreme- públicas de ópera em Lisboa, continuando estas a ser substituídas
zes p." não hir pallavra nem acção indecente ao theatro. por serenatas, no sentido provável de concertos de música vocal e
4. ° Que hade procurar huma ordem dos Tribunaes a q.' toca para instrumental. E m Outubro de 1731 havia serenatas duas vezes por
q.' nenhuma pessoa de qualquer callidade q.' seja possa tirar come- semana nas casas de um certo Jorge e de D . Maurício. No ano
diante da Companhia emquanto durar o seu contracto com o Hospi- seguinte uma cantora veneziana casada com um arquialaudista
tal, ou com a pessoa a que arrendar o pateo. apresentava-se nas casas de D . Maurício e do cónego Lázaro Leitão,
da Patriarcal.*" As opiniões dividiam-se sobre qual das músicas era
E acrescenta o argumento de que: melhor: a das serenatas ou aquela que se cantava na Patriarcal ou na
Igreja de S. Roque (Brasão, 1943: 72, 94, 112; Códice C I V / 1 - 5 da
na nossa Corte sendo tão grave houve sempre comedias, e o que mais Biblioteca Pública de Évora, f. 7v).
he no mesmo Paliado, e nos Conventos de Relligiosos, e q.' os Pontí- E m Janeiro de 1733 as "Paqueta.s", filhas do vioUnista da Capela
fices mais Santos e os Reys mais moderados as premetirão sempre nas Real Alessandro Paghetti, apresentavam-se duas vezes por semana e
suas cortes p." o divertim." publico, e p." evitar mayores danos cir- tinham-se mudado para melhores casas à Boavista. A uma das suas
cunstancia a que atenderão sempre as leis q.' athé decimulão alguãs
serenatas tinham assistido quarenta senhoras e num mês tinham
cazas de pecados públicos que nem sempre se acham nas q.' se
ganho mais de 3000 cruzados. Diogo de Sousa Mexia tinha-as
representam.
levado com outras estrangeiras ao Campo Grande, onde dera um
jantar, serenata, ceia e baile. Sobre estas cantoras o diarista afirma
Apensos a esta exposição encontram-se os pareceres de dois teó-
que, embora não tivessem grandes vozes e não "explicassem" muito
logos jesuítas, um a favor, desde que aquelas condições fossem cum-
as letras, eram admiradas pelo seu estilo e variedade. Enquanto que
pridas, e o outro contra, argumentando que o modo como as actri-
a sua Casa das Miisicas, assim como os bailes e os presépios (espec-
zes representavam excitava ad venerem, mesmo que representassem
táculos de teatro popular sobre o tema do Natal), tinham muito
coisas muito santas, além de que "as Mulheres que costumão vir de
público, o Pátio das Comédias ameaçava ruína (Brasão, 1943: 129,
Castella a Portugal representar Comedias, de ordinário são de mão
viver e hão de procurar ganhar dinh." pelos caminhos q.' costumam;
e como Non sunt facienda mala, ut veniant bona — julgo que o ! obiíi mtís ojR úèí «fila;:
Hospital busque outros meios p." o seu desempenho." (transcrito em *" Um dos mais ricos cónegos da Patriarcal, tinha sido secretário do Mar-
Ribeiro, 1924: 229-30). Mesmo assim, em Fevereiro de 1730 o Conde quês de Fontes durante a embaixada deste em Roma.

M
um sucesso imediato C'Se principiarão a reprezentar no pateo das
135, 147; Monfort, 1972: 570; Códice C I V / 1 - 6 da B P E , f. 17v-18).
Comedias as Operas em portuguez porque em italiano naõ concorria
No início do ano falara-se que as "Paquetas" iriam cantar à corte (na
gente, que logo todo se enfadava"; notícia de 12 de Novembro de
ópera italiana de Francisco António de Almeida (La pazienza di
1737 in Monfort, 1972: 588). A música de todas as óperas de A n t ó -
Socrate, com provável libreto do secretário do Rei Alexandre de
nio José da Silva era muito provavelmente do P.= A n t ó n i o Teixeira,
Gusmão; Brasão, 1943: 132, 139), mas é pouco provável que tal tenha
examinador de canto c h ã o do Patriarcado, que tinha estado como
sucedido. Os espectáculos de corte durante todo o século X V I I I
bolseiro real em R o m a entre 1716/17 e 1728. Conserva-se no Palácio
eram cantados pelos castrados, pelos tenores e pelos baixos da
Ducal de Vila Viçosa a música das Guerras do alecrim e manjerona,
Capela Real e nunca por mulheres.
que lhe é atribuída, e a de /4s variedades de Proteu, anónima. Os
E m Abril as irmãs Paghetti começaram a dar as suas serenatas diários que tenho vindo a citar d ã o - n o como autor de Os encantos
todas as quartas-feiras em casas pertencentes a Rodrigo de Sousa, de Medeia (Monfort, 1972: 588) e um dicionarista musical do sécu-
perto do Convento da Trindade (aproximadamente onde hoje existe lo X V I I I atribui-lhe a c o m p o s i ç ã o de sete óperas (Mazza, 1944-45:
o Teatro da Trindade; cf. Sequeira, 1939: I I , 32-5, e mapas, 48-9; IS).*"' A música que dele sobrevive (e que já foi ressuscitada moder-
Monfort, 1972: 570). E m Dezembro aguardava-se a chegada de duas namente mais do que uma vez), mostra-o perfeitamente à vontade
outras cantoras e de um violoncehsta para as suas serenatas. Entre- no estilo operático itaUano. É de crer que ele tenha tido uma influên-
tanto dizia-se que Lázaro Leitão estava a preparar um teatro em sua cia decisiva no aparecimento entre nós deste tipo de ópera, dois anos
própria casa e à sua custa para apresentar óperas durante o Inverno e meio antes da verdadeira introdução da ópera italiana nos teatros
com os cantores itaUanos, para as quais iria convidar muitos nobres públicos.
(Brasão, 1943: 208, 215). Desde Junho, no entanto, um novo género
A p ó s a morte de António José da Silva, traduções e adaptações
de espectáculo atraía o povo e parte da nobreza: a ópera de bonecos,
de Ubretos de óperas italianas representadas como teatro declamado,
que se apresentava no Teatro do Bairro Alto (Brasão, 1943: 215,
com intervenção musical em grau variável, continuaram a ser leva-
260). Ignora-se quem terá introduzido esses bonecos em Lisboa, mas
das à cena nos Teatros do Bairro Alto e da Mouraria. Dos seus dois
conhece-se o autor dos textos: António José da Silva, "O Judeu".
imediatos sucessores, Alexandre A n t ó n i o de L i m a e José Joaquim
D o ponto de vista musical as óperas do "Judeu" são muito seme- de Sousa Rocha e Saldanha, o primeiro é principalmente responsá-
lhantes à opéra-comique francesa, ao Singspiel alemão ou à ballad vel por traduções de Ubretos de óperas italianas, enquanto o segundo
opera inglesa. C o m e ç a m normalmente por uma curta sinfonia ou publicou uma colecção original de Óperas segundo o gosto e cos-
abertura, ou então por um coro, e alternam os diálogos falados com tume português em 1761. As próprias óperas de António José da
árias, minuetes vocais, duetos, trios, recitativos e coros. Os números Silva foram frequentemente reeditadas durante o século X V I I I . E m
musicais s ã o em rt^édia em número de vinte e um. Se exceptuarmos a particular as Guerras do alecrim e manjerona foram representadas
Vida do grande D. Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança com frequência por profissionais e amadores,'^' não s ó em Lisboa
e as Guerras do alecrim e manjerona, uma espécie de comédia bur- e na província, como t a m b é m no Brasil. Tem-se dito que elas eram
guesa avant la lettre, as restantes seis óperas de A n t ó n i o José da originalmente destinadas a um púbUco de classe média e de pequena
Silva têm temas mitológicos, tratados numa mistura barroca de sério classe média. É verdade que os Ubretos das óperas italianas deste
e de cómico. Se as personagens nobres falam numa Unguagem pre- período representadas na Academia da Trindade e no Teatro da
ciosa, recheada de metáforas, os seus criados imitam-lhes o estilo, Rua dos Condes s ã o habitualmente dedicadas "alia Nobiltà di
ridicularizando-o, e têm por vezes saídas audaciosas, como aquela
criada que exclama, ao ver correr o sangue da princesa sua ama:
"Ainda assim, o sangue real é vermelho como os outros sangues!" Recentemente foram descobertas no Brasil novas fontes musicais anóni-
{As variedades de Proteu, in Silva, 1958: 61). mas da época para Anfitrião, Guerras do alecrim e manjerona e As variedades
É muito curioso notar que estas são ao que tudo indica as pri- de Proteu (cf. Cruz, 1984).
meiras óperas que se representaram num teatro púbUco em Lisboa. Um soneto de João Cardoso da Costa publicado em 1736 intitula-se
Vendo humas senhoras representar os encantos de Medea (Freches, 1954: 334).
O facto de serem cantadas em português assegura-lhes sem dúvida
101
100
Portogallo", mas isto não significa que a classe média não tivesse tro da Mouraria, s ó vindo a desistir desse projecto face à insistência
acesso a esses espectáculos. Por outro lado, a referência acima citada da Misericórdia em conservar o seu privilégio, e à possibilidade de o
mostra que pelo menos uma parte da nobreza frequentava também o empresário do Teatro da R u a dos Condes, Figueiró, lhe vir a exigir
Teatro do Bairro Alto, assim como os populares presépios. uma indemnização (Freches, 1954: 332; Monfort, 1972: 588-94).
E m Dezembro de 1735, na "sala delia Academia alia Piazza delia Toda esta actividade operática é interrompida bruscamente pela
Trinità" como reza o libreto, a companhia de Paghetti levou à cena a doença de D. J o ã o V , que é atacado de hemiplegia em 1742, e de um
ópera Farnace, com música do bolonhês Gaetano Maria Schiassi, terror rehgioso que o faz proibir todos os espectáculos e entreteni-
que chegara a Lisboa no mês anterior e que entre nós se iria fixar, mentos em Lisboa, aconselhado por um frade. Frei Gaspar da
tornando-se membro da Capela Real e compositor do Infante Encarnação, e apoiado pela Rainha D. Mariana de Áustria, a qual
D. Manuel, irmão de D. J o ã o V (Schiassi, 1735-53: L . 117, ff 165-6; como exemplo de ocupação mais segura fazia frequentes visitas às
Mazza, 1944-5: 39, sub voce "Romão Mazza"). Na Academia da igrejas (Monfort, 1972: 575; Castro, 1762-3: 372).
Trindade, e a partir de 1738 no novo Teatro da R u a dos Condes, Esta proibição ir-se-á manter em vigor em Lisboa até à morte do
serão levadas à cena óperas sérias de Schiassi, Leonardo Leo, Rei em 1750. Na ausência de espectáculos teatrais na capital, os diá-
Rinaldo di Capua, outro italiano que esteve entre nós de 1740 a rios da BibUoteca Pública de Évora mencionam aqueles poucos que
1742 (Gallico, 1980), e de outros compositores anónimos. Os títulos são levados à cena na província. E m 26 de Fevereiro de 1746 anun-
metastasianos dominam (v. Cronologia abaixo, pp. 104-7). A t é ciam que todos os bailes públicos e privados tinham sido suspensos,
1742 serão cantadas vinte e cinco óperas, não incluindo as reposições e que naquele momento n ã o havia quaisquer entretenimentos em
e os imermezzi. Os libretos impressos são habitualmente bilingues, Lisboa (Monfort, 1972: 596-99). Por sua vez, o compositor Schiassi,
ou pelo menos incluem um resumo do enredo em português. Para o escrevendo de Lisboa para o Padre Martini em 1 de Maio de 1747,
Teatro da R u a dos Condes vieram em 1740 alguns antigos colabora- informa-o que "Costi stà proibito [sic] tutti i divertimenti à causa
dores de Handel na Royai Academy of Music em Londres, tais delia maladia dei Re che dal primo giorno che gli diede un accidente
como o cenógrafo Roberto Clerici e os cantores Maria Caterina proibi le feste teatrali e danze e vuole che la gente sia santa per forza.
Negri e Annibale Pio Fabri, o último dos quais se viria a fixar em Le feste delle Chiese è Oratorii non sono proibiti onde di quello ne
Lisboa, como cantor da Capela Real. godo qualche parte anch'io" (Schiassi, 1735-53: 1-4, f. 23).

O entusiasmo do público é imediato. Os diários que tenho vindo É somente no reinado de D. José que a ópera de corte irá final-
a citar estão cheios de referências aos ensaios e aos espectáculos de mente adquirir uma importância e um brilho semelhantes aos das
ópera, aos cantores e às suas disputas. Os bailados despertam a outras cortes europeias. A ópera nos teatros púbUcos, por sua vez,
admiração pela novidade das suas "danças altas", mas a bailarina é terá uma existência irregular e relativamente precária durante a
impedida de se vestir de homem por ordem do Patriarca. Continua a segunda metade do século XVIII.'*''
haver ao que parece uma separação entre os sexos: várias damas da E m relação ao período que acabei de descrever, os documentos
nobreza alugam o teatro para récitas privadas, para as quais convi- que possuímos s ã o talvez insuficientes para nos permitir ilustrar cla-
dam as suas amigas e levam as suas filhas e as suas criadas (Mon- ramente o papel da ópera no progresso das Luzes em Portugal. N ã o
fort, 1972: 585, 587, 589-90). Os cantores s ã o por vezes convidados há aqui nada de semelhante aos esforços de Frederico II para fazer
para cantar nas casas da aristocracia. Os diários fornecem igual- da ópera um instrumento didáctico do despotismo esclarecido.
mente muitos pormenores sobre as finanças da ópera, os reveses de A crítica de ópera é, aliás, praticamente inexistente durante todo o
Paghetti, que se queixa da concorrência das comédias italianas que século X V I I I — n ã o temos o equivalente de um Benedetto Marcello,
se apresentavam no Pátio das Comédias e que, finalmente arruinado, de um Avison ou de um Algarotti.
faz passar a sua companhia para as mãos de António Gomes
Figueiró e de A n t ó n i o Ferreira Carlos. T a l não impede uma figura
da primeira nobreza como o Marquês de Abrantes de se preparar Sobre a história da ópera em Portugal durante todo o século XVHI,
também ele para promover espectáculos de ópera gratuitos no Tea- V. Brito (1989).

102 m
No entanto, para lá dos aspectos superficiais e anedóticos de que C R O N O L O G I A D A Ó P E R A E M L I S B O A (1728-1742)
se reveste a introdução da ópera em Portugal, para lá da futilidade
da aristocracia que acorre em massa aos Teatros da Trindade, da
Rua dos Condes, ou do Bairro Alto, devemos ver t a m b é m o inte-
resse mais reflectido de uma pequena elite intelectual que, outrora Tf, A
como hoje, queria que Portugal reentrasse no Mercado Comum da A,
cultura europeia. Esses poucos membros da nobreza de toga e de
espada, esses Ericeira e G u s m ã o entre outros, que crêem firmemente
nas virtudes do racionaUsmo e se apaixonam pelo teatro de Corneille
e de Metastasio, serão mais uma vez vencidos por uma sociedade
beata e retrógrada, pela ignorância e pela superstição dos seus pares
e da Igreja, e pelo obscurantismo do Rei. 1: libreto
in: música -40*'* ^ í"
'Am-
PAÇO DA RIBEIRA T. DO BAIRRO ALTO ACADEMIA DA
TRINDADE

1728 II D. Chisciotte delia


Maneia, imermezzi
1733 La pazienza di Socrate Vida do grande
m: F. A. de Almeida D. Quixote de
la Mancha
1: A. J. da Silva
1734 Esopaida ou vida Farnace
de Esopo m: G. M . Schiassi
1: A. J. da Silva
m: [António Teixeira]
1735 La finta pazza Os encantos de Medeia Vil

. m: F. A. de Almeida 1: A.J. da Silva


m: António Teixeira
1736 La risa di Demócrito Anfitrião ou Júpiter Alessandro nell'
e Alcmena Indie
1: A. J. da Silva 1: Metastasio
m: [António Teixeira] m: G. M . Schiassi
O labirinto de Creta // marito giocatore
I: A. J. da Silva intermezzi
m: [António Teixeira]
1737 Guerras do alecrim e Artaserse
manjerona 1: Metastasio
1; A. J. da Silva m: G. M . Schiassi
oisihJiíRitM :i m: António Teixeira

104 105
1737 As variedades de Proteu Demofoonte 1741 A ninfa Siringa ou os Didone abhandonaia
1: A. J. da Silva 1: Metastasio amores de Pan e Siringa 1: Metastasio
m: [António Teixeira] m: G. M . Schiassi m: Rinaldo di Capua
Eurene
m: G. M . Schiassi TEATRO DO BAIRRO
UOlimpiade ALTO E TEATRO
1: Metastasio DA MOURARIA Ipermestra
m: Rinaldo di Capua
Livietta e Tracollo
Adolonimo em Sidónia
m: G. B. Pergolesi
Ánagilda TEATRO DA
m: G. M . Schiassi MOURARIA
Siface
Encantos de Merlim
m: Leonardo Leo
1738 1742 • 'SH' Bajazet
Precipício de Faetonte Sesostri, Re d'Egitto
1: A. J. da Silva I : Apostolo Zeno
m: [António Teixeira] * Libreto existente na Biblioteca Nacional de Lisboa (L. 3024 E), a que falta a
// Siroe página de titulo.
I : Metastasio
[Semiramidéy

TEATRO DA RUA
DOS CONDES
La clemenza di Tito
1: Metastasio
EEmira
I : Metastasio
1739 La Spinalba ovvero Carlo Calvo
il Vecchio matto Demétrio
m: F. A", de Almeida 1: Metastasio
m: G. M . Schiassi af» O:
Merope
Siface
m: Leonardo Leo
Vologeso
Madama Ciana Endimião e Diana Alessandro nell'Indie
1: Frei Inácio Xavier I : Metastasio
do Couto Catone in Utica
1: Metastasio
m: Rinaldo di Capua
• w Ciro riconosciuto
Ézio
1: Metastasio

107
IX — A ÓPERA D E C O R T E E M P O R T U G A L
NO SÉCULO XVIII

Ali,

i-hV uí-l
. Aí; . t «í .''4 ^ ' •

A introdução da ópera em Portugal está relacionada com a


italianização da nossa vida musical promovida sob a égide de
e KOC .J) Kod«J D. J o ã o V no início do século X V I I I — coincidindo aliás com a que
ocorre em Espanha pela mesma altura em resultado do advento da
dinastia bourbónica. No caso português tal facto foi uma das conse-
quências artísticas da utilização do ouro do Brasil na prossecução de
uma política de prestígio virada sobretudo para as instituições reU-
giosas em geral e para a própria Capela Real, que D . J o ã o V conse-
guiu fazer elevar a Sé Patriarcal logo no início do seu reinado.
O historiador Teófilo Braga utilizou a expressão "ópera ao divino"
para descrever a sua paixão pela música de Igreja e pelo espectáculo
religioso em geral. A reforma do ensino da música e a importação de
músicos itaUanos está directamente Ugada à reforma da Capela Real.
E m 1713 foi criado o Seminário da Patriarcal, que iria ser a princi-
pal escola de música em Portugal durante todo o século X V I I I , e
com fundos da mesma Patriarcal o Rei enviou um certo número de
bolseiros para R o m a para aí estudarem música, entre eles A n t ó n i o
Teixeira, o presumível autor da música para todas as óperas de
Antórúo José da Silva, O Judeu, Joaquim do Vale MexeUm, J o ã o
Rodrigues Esteves e Francisco António de Almeida.
O contacto preferencial com a música romana foi decerto uma
das consequências da famosa embaixada do Marquês de Fontes ao
Papa. No primeiro quartel do século X V I I I a Cidade Pontifícia era
sem dúvida um dos maiores centros musicais da Europa, e a nossa
presença diplomática foi aU assinalada por diversas serenatas canta-
das na embaixada ou no Teatro Capranica durante a estada do
Marquês de Fontes e mais tarde do Conde das Galveias, em celebra-
ção de nascimentos ou aniversários reais ou da coroação de Inocên-
cio X I I I , com música de Nicola Porpora, Alessandro e D o m ê n i c o

m
Scariatti e Francesco Gasparini. Vários libretos de óperas de Anto- Uma excepção é o Festeggio armonico com música de Scariatti,
nio Hononcini, Giuseppe Orlandini e Alessandro Scariatti nesta .Il .laneiro de 1728, que a Gazeta de Lisboa diz ter sido cantada "em
altura levadas à cena em Veneza e em Roma foram t a m b é m dedica- huma espécie de teatro que para este fim se fabricou". O mesmo
dos ao embaixador de Portugal e ao Cardeal da Cunha (cf. Brito, icatro", no sentido de palco com bastidores, terá servido no mês
IWÍa). seguinte para a primeira verdadeira obra teatral, os intermezzi do
l*cla mesma altura vários cantores romanos, alguns deles oriun- /). Chisciotte de la Maneia, quiçá da autoria do mesmo Scariatti,
dos da própria Capela Papal (Cappella GiuHa), vieram servir para a posteriormente repetidos nos anos de 1730, 31 e 34. Durante todo o
(apela Real. Conhece-se o nome de quatro de entre eles, os sopra- íeinado de D . J o ã o V s ó se representaram umas seis óperas na corte,
nos castrados Cristini e Floriano (que tinha estado anteriormente ao Iodas do género c ó m i c o e durante o Carnaval, cantadas pelos canto-
serviço do Príncipe Ruspoli em Roma), o contralto D. Luiggi, e o les da Capela Real num palco montado no P a ç o da Ribeira, três
tenor Gaetano Mossi ou Mozzi (que havia cantado em óperas de delas (as únicas de que se conhece o autor) com música de Francisco
Vivaldi entre os anos de 1713 e 1718, e era parente da cantora Cate- António de Almeida, e uma pelo menos com Ubreto possivelmente
rina Leri ou Leli Mossi, identificada como "virtuosa deWambascia- adaptado pelo secretário do Rei, Alexandre de Gusmão.
tore di Portogallo" nos libretos das óperas cantadas no Teatro Ao contrário das serenatas, a representação de óperas é rara-
S. Bartolomeu de Roma entre 1723 e 25). E m 1730 havia já 26 can- mente mencionada na Gazeta de Lisboa, o que reforça a ideia de que
tores italianos na Capela Real e Patriarcal, número que se elevaria a eram consideradas um entretenimento privado. Os testemunhos da
46 trinta anos mais tarde. Entre os membros da orquestra contavam- época só mencionam, a assistência de damas e dos próprios criados
-se seis italianos, três catalães, dois boémios, um francês, e um por- da Rainha em púbUco, enquanto os fidalgos que o quisessem tinham
tuguês de origem alemã, além do mestre de capela D o m ê n i c o Scar- de pedir a autorização da mesma Rainha para assistirem de entre os
iatti e do vice-mestre de capela e organista Carlos Seixas (cf. bastidores. Aquando da primeira ópera que se cantou na corte, La
Wahher, 1732: 489). Alguns dos nomes que nos aparecem, tais como pazienza di Socrate de Francisco António de Almeida, em 1733, o
o do genovês Pietro Giorgio Avondano, introduzem dinastias de ins- próprio Capitão da Guarda D . Manuel de Sousa se foi embora por
trumentistas da orquestra real que se irão perpetuar até aos inícios se recusar a assistir ao espectáculo escondido. D . J o ã o V , ocupado
do século X I X . com as obras de Mafra, não assistiu a nenhum dos ensaios e repre-
De acordo com as recentes descobertas do musicólogo Roberto sentações desta ópera e a sua ausência poderá expUcar a proibição
Pagano (1985: 354-5), Scariatti terá chegado a Lisboa, vindo da Sicí- dos nobres a ela assistirem, dada a separação que ainda se mantinha
lia, somente em finais de 1722 ou inícios de 1723, mas já desde 1716 entre os dois sexos. Os cantores ficaram com o guarda-roupa da
os aniversários e festas onomásticas dos membros da família real se mesma ópera, pois tencionavam apresentá-la mais tarde aos nobres.
começam a celebrar com serenatas, que eram por vezes cerimónias Dois anos mais tarde, s ó os ministros estrangeiros, os fidalgos da
de gala, na presença da nobreza e do corpo diplomático e seguidas Câmara, os veadores, o Duque de Lafões e o Conde de Ericeira
de beija-mão, enquanto outras eram cantadas "em particular". puderam assistir em púbUco, tendo os outros nobres, constantes de
Na ausência de Ubretos impressos, a própria palavra serenata pode uma Usta, assistido novamente dos bastidores. Por sua vez, à estreia
querer significar simplesmente em muitos casos um sarau de música da Spinalba de Francisco A n t ó n i o de Almeida em 1739 assistiram
vocal e instrumental. A maioria das verdadeiras serenatas de que se somente alguns criados e o Conde de Ericeira em púbUco, e três ou
conservam os Ubretos são anónimas, enquanto as restantes s ã o da quatro nobres nos bastidores, tendo os restantes preferido ir assistir à
autoria de D o m ê n i c o Scariatti, de Francisco A n t ó n i o de Almeida e ópera no Teatro público da R u a dos Condes, onde pela mesma
do Barão d'Astorga, um composhor siciliano que viveu alguns anos altura se cantavam óperas de Gaetano Maria Schiassi e de Leonardo
em Lisboa. Os Ubretos têm sempre a indicação "da cantarsi" e tudo Leo.
indica que seriam executados como concertos vocais, sem cenários
O desinteresse ou oposição de D . J o ã o V ao teatro é demons-
nem g u a r d a - r o u p a , nos s a l õ e s do P a ç o ou nas casas da
trado pelas dificuldades que levantou à reabertura dos teatros públi-
aristocracia.
cos em 1727 e à introdução de uma companhia italiana de ópera em

110 111
Scariatti e Francesco Gasparini. Vários libretos de óperas de Anto- Uma excepção é o Festeggio armonico com música de Scariatti,
nio Bononcini, Giuseppe Orlandini e Alessandro Scariatti nesta de Janeiro de 1728, que a Gazeta de Lisboa diz ter sido cantada "em
altura levadas à cena em Veneza e em Roma foram t a m b é m dedica- huma espécie de teatro que para este fim se fabricou". O mesmo
dos ao embaixador de Portugal e ao Cardeal da Cunha (cf. Brito, "teatro", no sentido de palco com bastidores, terá servido no mês
I9«9a). seguinte para a primeira verdadeira obra teatral, os intermezzi do
Pela mesma altura vários cantores romanos, alguns deles oriun- D. Chisciotte de la Maneia, quiçá da autoria do mesmo Scariatti,
dos da própria Capela Papal (Cappella Giulia), vieram servir para a posteriormente repetidos nos anos de 1730, 31 e 34. Durante todo o
Capela Real. Conhece-se o nome de quatro de entre eles, os sopra- reinado de D . J o ã o V s ó se representaram umas seis óperas na corte,
nos castrados Cristini e Floriano (que tinha estado anteriormente ao todas do género c ó m i c o e durante o Carnaval, cantadas pelos canto-
serviço do Príncipe Ruspoli em Roma), o contrako D . Luiggi, e o res da Capela Real num palco montado no P a ç o da Ribeira, três
tenor Gaetano Mossi ou Mozzi (que havia cantado em óperas de delas (as únicas de que se conhece o autor) com música de Francisco
Vivaldi entre os anos de 1713 e 1718, e era parente da cantora Cate- António de Almeida, e uma pelo menos com Ubreto possivelmente
rina Leri ou Leli Mossi, identificada como "virtuosa deirambascia- adaptado pelo secretário do Rei, Alexandre de Gusmão.
tore di Portogallo" nos libretos das óperas cantadas no Teatro
Ao contrário das serenatas, a representação de óperas é rara-
S. Bartolomeu de Roma entre 1723 e 25). E m 1730 havia já 26 can-
mente mencionada na Gazeta de Lisboa, o que reforça a ideia de que
tores itaUanos na Capela Real e Patriarcal, número que se elevaria a
eram consideradas um entretenimento privado. Os testemunhos da
46 trinta anos mais tarde. Entre os membros da orquestra contavam-
época s ó mencionam, a assistência de damas e dos próprios criados
-se seis italianos, três catalães, dois boémios, um francês, e um por-
da Rainha em púbUco, enquanto os fidalgos que o quisessem tinham
tuguês de origem alemã, além do mestre de capela D o m ê n i c o Scar-
de pedir a autorização da mesma Rainha para assistirem de entre os
iatti e do vice-mestre de capela e organista Carlos Seixas (cf
bastidores. Aquando da primeira ópera que se cantou na corte, La
Walther, 1732: 489). Alguns dos nomes que nos aparecem, tais como
pazienza di Socrate de Francisco António de Almeida, em 1733, o
o do genovês Pietro Giorgio Avondano, introduzem dinastias de ins-
próprio Capitão da Guarda D . Manuel de Sousa se foi embora por
trumentistas da orquestra real que se irão perpetuar até aos inícios
se recusar a assistir ao espectáculo escondido. D . J o ã o V, ocupado
do século X I X .
com as obras de Mafra, não assistiu a nenhum dos ensaios e repre-
De acordo com as recentes descobertas do musicólogo Roberto sentações desta ópera e a sua ausência poderá expUcar a proibição
Pagano (1985: 354-5), Scariatti terá chegado a Lisboa, vindo da Sicí- dos nobres a ela assistirem, dada a separação que ainda se mantinha
lia, somente em finais de 1722 ou inícios de 1723, mas já desde 1716 entre os dois sexos. Os cantores ficaram com o guarda-roupa da
os aniversários e festas onomásticas dos membros da família real se mesma ópera, pois tencionavam apresentá-la mais tarde aos nobres.
começam a celebrar com serenatas, que eram por vezes cerimónias Dois anos mais tarde, s ó os ministros estrangeiros, os fidalgos da
de gala, na presença da nobreza e do corpo diplomático e seguidas Câmara, os veadores, o Duque de Lafões e o Conde de Ericeira
de beija-mão, enquanto outras eram cantadas "em particular". puderam assistir em púbUco, tendo os outros nobres, constantes de
Na ausência de libretos impressos, a própria palavra serenata pode uma lista, assistido novamente dos bastidores. Por sua vez, à estreia
querer significar simplesmente em muitos casos um sarau de música da Spinalba de Francisco A n t ó n i o de Almeida em 1739 assistiram
vocal e instrumental. A maioria das verdadeiras serenatas de que se somente alguns criados e o Conde de Ericeira em púbUco, e três ou
conservam os libretos s ã o anónimas, enquanto as restantes são da quatro nobres nos bastidores, tendo os restantes preferido ir assistir à
autoria de D o m ê n i c o Scariatti, de Francisco A n t ó n i o de Almeida e ópera no Teatro púbUco da R u a dos Condes, onde pela mesma
do Barão d'Astorga, um compositor siciliano que viveu alguns anos altura se cantavam óperas de Gaetano Maria Schiassi e de Leonardo
em Lisboa. Os Ubretos têm sempre a indicação "da cantarsi" e tudo Leo.
indica que seriam executados como concertos vocais, sem cenários
O desinteresse ou oposição de D . J o ã o V ao teatro é demons-
nem g u a r d a - r o u p a , nos s a l õ e s do P a ç o ou nas casas da
j<;au\o t Í Í S U J O J 'ÍU tijuuaí Í U O J . H I A O I - J
trado pelas dificuldades que levantou à reabertura dos teatros púbU-
aristocracia.
cos em 1727 e à introdução de uma companhia italiana de ópera em

lio
imite le diamant par le feu qu'il jette. La richesse, la délicatesse et le
1731. A p ó s o ataque que o deixou hemiplégico em 1742, o Rei Mag- bon goút se disputent à 1'envie. Le théâtre est superbe. II a cent quatre-
nânimo acabou por proibir todas as representações teatrais em Lis- -vingts pieds de long sur soixante de large. Le parterre occupe toute la
boa, apoiado pela Rainha D . Mariana de Áustria, a qual, segundo longueur de la salle. On y est assis commodément; il n'y a point
um testemunho contemporâneo, "Concorreo para se extinguirem os d'amphithéãtre comme en France. Quelque beau que ce soit ce mor-
theatros profanos das Comedias, e para exemplo de occupação mais ceau véritablement beau et digne d'un roi, il y a au milieu de sa mag-
segura visitava os templos com frequência" (Castro, 1762-3: I , 372). nificence de grands défauts. La salle ríest pas assez grande proportio-
Numa carta escrita de Lisboa em 1747 para o Padre Martini em nellement au théâtre. Les colonnes à pilastres qui soutiennent les loges
Bolonha, o compositor Gaetano Maria Schiassi afirma que desde o et se terminem par des figures de géants sont trop grasses pour la
ataque que o Rei sofrera só as oratórias e as festas de Igreja eram grandeur de la salle. II n'y a que trois loges à chaque rang; il en
faudrait davantage. Je la trouve trop petite pour une salle de repré-
ainda permitidas, e que D . J o ã o V queria fazer as pessoas santas à
sentation et de dignité, et trop grande pour un spectacle particulier.
força. A primeira fase do nosso teatro de ópera durara só nove anos.
Eu égard au théâtre, elle devrait être trois fois ce qu'elle est. Nonobs-
Numa das cartas escritas a sua m ã e Isabel Farnese, Rainha de tant ces défauts, on ne peut nier qu'on ne soit frappé, en entram dans
Espanha, a Princesa D . Mariana Vitória, mulher do futuro Rei cette salle, par Vor et la magnificence qui éclate et reluit de tous côtés.
D . José, queixa-se que D . J o ã o V s ó se interessava pela Patriarcal, e II y eut deux représentations pendam notre séjour à Lisbonne. Le
prevê que se ele morresse as coisas decerto mudariam, pois o seu roi nous y fit inviter chaque fois. II avait recommandé aux principaux
marido n ã o gostava tanto da Patriarcal. De facto, logo no início do seigneurs de sa cour de nous faire les honneurs du spectacle et de nous
seu reinado, D . José c o m e ç o u a organizar um verdadeiro teatro de ceder de préférence les bonnes places. Les Portugais, naturellement
corte. Fez contratar em ItáUa cantores como o castrado Gizziello e o polis et affables, s'acquittèrent à merveille de cet ordre. L'on joua la
tenor Anton Raaff, um dos membros da família Bibiena, Giovanni Clémence de Titus du célebre maítre Astasi [Metastasio], le Corneille
Carlo, como arquitecto teatral, e David Perez como director musical. du théâtre italien. Les décorations et le spectacle en sont superbes. Le
théâtre immense, orne somptueusement, enchantait nos regards. La
Bibiena chegou a Lisboa em 1752, tendo c o m e ç a d o a construir um
plupart de nous eurent également les oreilles affectées de la musique
teatro provisório no P a ç o da Ribeira, no Torreão da Casa da índia,
italienne. II y en a eu d autres à qui elle ne p>ut pas. Ce sont des
o chamado Teatro do Forte (sensivelmente no local do Torreão do chapons qui chantent et representem indifféramment les roles dhom-
Ministério do Exército, do lado Oeste do Terreiro do Paço), a Casa mes et de femmes. Le récitatif me parut des plus ennuyeux. Le goút
da ó p e r a , modernamente conhecida como Ópera do Tejo,''junto do de la musique italienne dêplut aux Français qui n'y étaient pas accou-
P a ç o da Ribeira (sensivelmente no actual local do Arsenal da Mari- tumés. Je ne prétends pas que leur goút doive prévaloir sur celui de
nha), um teatro no Palácio de Salvaterra e ainda um teatro mais toute VEurope qui prefere la musique italienne. Je me contente de dire
pequeno na Quinta de Cima da Ajuda. qu'elle ne me plut pas beaucoup.
(Bourdon, 1965: 162-3).
Existe uma descrição muito interessante da Ópera do Tejo, feita
por um oficial da esquadra francesa que visitou Lisboa em 1755: O mesmo autor sugere o papel de representação do poder que o
teatro teria na vida da corte, ao referir-se a ela nos seguintes termos:
Le roi entretient un ópera italien qui lui coute deux millions par an.
Cest un spectacle majestueux et véritablement pompeux dont il regale II ríy a point de cour en Portugal comme en France. On ne voit
sa cour deux ou trois fois par semaine. II a fait bâtir à cette occasion jamais manger le roi ni la reine. Personne ríassiste au lever ni au
une salle de spectacle de toute beauté et de la plus grande magnifi- coucher du roi. La reine ría pas de toilette publique. Jamais de jeux,
cence. Elie est octogone à quatre rangs de loges. Celie du roi est dans jamais d'appartements. Leurs Majestés vivent dans leur cour comme
le fond, ornée de colonnes en façon de marbre, revêtues de moulures des particuliers. On [ne] les voit qu'à íópera et par audiance quand on
de bronze doré. Deux autres loges dans le même goút sont placées à veut leur parler. Le roi a un bon usage, qu'on ne peut louer trop dans
droite et à gaúche au bord du théâtre. Les autres sont revêtues de um monarque, d'en donner deux publiques par semaine, Vune pour le
balustrades dorées qui en forment les devants, savoir celles du premier peuple, Vautre pour la noblesse, de sorte que ses sujets on la facilite de
et quatrième rang; celles du deuxième et troisième rang sont ouvertes parler directement à leur maítre.
en plein sur le devant et dorées magnifiquement d'un or brillant qui (Bourdon, 1965: 162). O A J Í-,.

112
A inauguração da ó p e r a do Tejo mereceu a seguinte descrição de umas 150 pessoas, em comparação com as 600 pessoas que cabiam
Charles Burney na sua General History of Music, a partir de infor- na Ópera do Tejo. Possuía unicamente uma tribuna para a família
mações fornecidas por um membro da colónia inglesa de Lisboa, real e dois camarotes de cada lado dessa tribuna. As récitas tinham
Gerard de Visme: lugar entre as 7 da tarde e as 10 da noite, e a elas se assistia em
silêncio absoluto. Durante os intervalos o púbUco, que n ã o incluía
aparentemente senhoras, virava-se de frente para a famíUa real.
the new theatre [...] surpassed, in magnitude and décorations, ali that Desconhecem-se as dimensões do Teatro de Salvaterra, mas sabe-se
modern times can boast. On this occasion Perez new set the opera of que era t a m b é m menor que a ó p e r a do Tejo. Os teatros provisórios
Alessandro neirindie, in which opera a troop of horse appeared on
que se montavam ocasionalmente durante o Verão no Palácio de
the stage, with a Macedonian phalanx. One of the King's riding-
Queluz — na Sala de Música, na Sala do Trono, na Sala dos
-masters rode Bucephalus, to a march which Perez composed in the
Manege, to the grand pas of a beautiful horse, the whole far excee- Embaixadores, da Serenata ou dos Espelhos, ou num pequeno jar-
ding ali that Farinelli had attempted [...] at Madrid, for thefitting of dim nas traseiras desta úhima sala — eram igualmente de dimensões
which he had unlimited powers. Besides these splendid décorations, reduzidas. E m 1778 construiu-se um teatro de madeira no local onde
his Portuguese Majesty had assembled together the greatest singers existe o Palácio que foi edificado para D . Maria I e que é hoje
then existing. utiUzado para residência dos Chefes de Estado estrangeiros que nos
(Burney, 1776-89: IV, 571). visitam.
Na parte final do século chegaram a imprimir-se 800 Ubretos
Esses cantores incluíam os castrados CaffareUi, Tommaso Guar- para os Teatros da Ajuda e de Salvaterra. Este número no entanto
ducci, Giovanni Manzuoli, e Giovanni Guadagni. Tudo indica que a poderá estar relacionado com uma certa rotação do púbUco nas
maioria deles tinha sido contratada somente para a inauguração do diversas récitas, assim como com a oferta de exemplares a cortes
teatro, uma vez que já n ã o se encontrava em Lisboa quando ele ruiu estrangeiras e a pessoas que n ã o tivessem podido assistir aos espectá-
sete meses mais tarde, no terramoto de 1 de Novembro de 1755. culos. É difícil determinar no entanto com exactidão o papel que a
Outros no entanto fugiram de Portugal aterrorizados e o próprio ópera teria na vida da corte e o seu efeito sobre o púbUco que assistia
Gizziello retirou-se dos palcos e recolheu-se a um convento, onde aos espectáculos, dada a quase inexistência de descrições contemporâ-
terminou os seus dias, enquanto Raaff mandou construir uma capela neas, e as escassíssimas referências que a ela são feitas na Gazeta de
na sua terra natal de Holzen bei Bonn, em acção de graças por ter Lisboa. Na Ajuda e em Queluz as récitas ou as estreias coincidiam
escapado vivo. De entre os principais cantores de ópera n ã o sabemos habitualmente com aniversários e festas onomásticas dos membros
quais os que D . José tencionava manter ao seu serviço. O que é certo da família real, enquanto em Salvaterra havia récitas quase diárias
que depois do terramoto os cantores de ópera passaram a ser contra- durante a temporada do Carnaval (de fins de Janeiro até Quarta-
tados simultaneamente para os teatros reais e para a Capela Real. -feira de Cinzas), alternando com a representação de comédias em
O terramoto ocasionou uma interrupção de uns oito anos nos italiano, sobretudo de Goldoni, feita pelos cantores e bailarinos.
espectáculos de ópera de corte, que foram novamente retomados É possível conhecer melhor a organização dos teatros de corte
numa escala mais modesta. À reconstrução de Lisboa reaUzada sob após o terramoto através da contabiUdade e correspondência do
a orientação do Marquês de Pombal presidiu um espírito mercanti- Arquivo da Casa Real que se conserva no Arquivo Histórico do
hsta que tem a sua expressão simbólica na transformação do Ter- Ministério das Finanças. Pelas cartas trocadas entre o Director dos
reiro do P a ç o em Praça do Comércio. Nessa reconstrução n ã o foram Teatros Reais e os cônsules de Portugal em G é n o v a se verifica que
incluídos nem a Casa da Ópera nem a Capela Real e Patriarcal, de ItáUa vinham n ã o s ó os cantores, os bailarinos, os instrumentistas
expressões profana e reUgiosa, respectivamente, do poder absoluto. e as partituras, como também guarda-roupas e adereços, instrumen-
A corte passou a viver na Ajuda, afastada do centro e c o n ó m i c o e tos, papel de música e até as mechas para as velas que iluminavam o
social da capital e do País. teatro, porque as que eram importadas do Maranhão produziam
O Teatro da Ajuda por exemplo tinha somente capacidade para demasiado fumo.

115
Na Biblioteca da Ajuda conserva-se uma série de cartas relacio- O corpo de baile dos teatros de corte era formado por uma dúzia
nadas com a contratação de Gizziello que ilustram bem os extremos de bailarinos itaUanos. U m visitante inglês achou "os bailes entre os
a que o novo rei estava disposto a chegar para conseguir reunir esses actos das óperas [...] dançados por homens de barba negra e ombros
cantores.'" Essas cartas têm o adicional interesse de serem parte da largos, vestidos de mulheres, uma visão repugnante" (Twiss, 1775:
correspondência trocada entre o Secretário de Estado dos Negócios 10-12). Como observou José Sasportes (1970: 157), o facto de só se
Estrangeiros, Sebastião José de Carvalho e Melo, e o nosso embai- utilizarem homens terá afastado de Lisboa os melhores bailarinos,
xador em R o m a , A n t ó n i o Freire de Andrade Encerrabodes. que se recusariam a dançar papéis de travesti, e impediu também o
A impressionante minúcia das instruções do futuro marquês denun- desenvolvimento entre n ó s do bailado feminino. Entre os coreógra-
cia bem a sua personalidade autoritária, incapaz de deixar seja o que fos deve-se citar François Sauveterre, um antecessor do famoso
for ao acaso ou à iniciativa do subordinado. François Noverre na corte de Stuttgart.
Outros aspectos são também de muito interesse para a história Entre outros itaUanos ao serviço dos teatros da corte contam-se
da nossa música neste período, como seja a distinção esboçada entre os poetas e libretistas Mariano Bergonzoni MartelU e depois de
a Capela da Patriarcal e a Real Câmara, que o mesmo é dizer entre 1769 Gaetano MartinelU, o autor do Ubreto do já citado Testoride
a música reUgiosa e a música profana da corte. Essa diferenciação, Argonauta, que iria ser o Ubretista e encenador da corte até à sua
que não existia decerto no reinado anterior, deduz-se igualmente dos morte em 1802. Tanto ele como Sauveterre tinham estado ao serviço
Ubretos das óperas cantadas entre 1752 e 1755, em que cantores do Duque de Wurttemberg em Stuttgart, tendo sido contratados
como Giovanni Simone Ciucci, Niccolà Conti, Tommaso Guarducci, para Lisboa quando a companhia do Duque se desfez parcialmente
D o m ê n i c o Luciani, Giovanni Marchetti, Lorenzo Maruzzi, Giuseppe em 1769. Durante a sua estada em Stuttgart, MartinelU havia traba-
MorelU, Ottavio Principii, Carlo Reina, Pietro SerboUoni e Fran- lhado com o compositor Niccolò JommeU e terá sido contratado
cesco Vaccai aparecem identificados como "virtuosos da Capela para Lisboa por influência deste. O arquitecto Giacomo AzzoUni,
Real", o que não acontece com CaffareUi, Giuseppe GalUeni, Giz- sucessor de Giovanni Bibiena, o maquinista do teatro, o ponto, o
zieUo, Gaetano Guadagni, ManzuoU, Anton Raaff ou VeroU. Vem a cabeleireiro, o mestre de esgrima, o alfaiate e o fiel do guarda-roupa
propósito recordar que o famoso Gaetano Majorano, deito Caffa- eram igualmente itaUanos. Na própria orquestra havia mais instru-
reUi, aparece unicamente no elenco da ópera Alessandro neWIndie, mentistas de origem italiana do que de qualquer outra nação.
com que se inaugurou a Ópera do Tejo em 31 de Março de 1755. A influência italiana na corte era de tal ordem que em 1787 o escri-
A primeira carta tem data de 5 de Março de 1751 e nela Sebas- tor inglês WilUam Beckford teve uma entrevista com o herdeiro do
tião José informa o embaixador que: trono numa espécie de Ungua franca, meio itaUana meio portuguesa,
que ele diz ser muito usada na corte, onde os cantores itaUanos eram
O mesmo S. [ D . José] he servido que V. S." ajuste logo o Muzico muito mais requestados do que outras pessoas de maior nível social e
Joaquino Conti detto Gizziello, sem que V. S." repare em que o preço
intelectual (Beckford, 1891: 397).
do ajuste seja maior do ordinário, porque já se sabe que o dito
Muzico não hade querer vir para este Reino sem que se lhe faça con- Pelo que se refere ao repertório, durante o período de 1752 a
veniência. E advirto a V. S." que no referido ajuste declare ao tal 55 ele é essencialmente constituído por óperas sérias de David Perez.
Muzico que vem para o serviço de S. Mag.' e para fazer o que se lhe Mas quando os espectáculos foram retomados a partir de 1763 a
ordenar: para que não succeda depois pertender aqui o título de Can- ópera buffa tornou-se muito mais popular. N i c c o l ò Piccinni c o m p ô s
tor ou da Sta. Igr." Patriarchal, ou da Real Camera, mas que pelo uma ópera buffa sobre Ubreto de Goldoni para a corte de Lisboa,
contrario se ache pronto a fazer o que se lhe ordenar. Notte critica, que foi estreada em Salvaterra em 1767. Por seu turno,
o continuado interesse pela ópera séria prende-se com o entusiasmo
<" Estas cartas encontram-se na Pasta 5I-X1II-24, n.™ 65 a 79. A sua exis- da corte portuguesa pela música de Niccolò JommelU, um impor-
tência foi-me amavelmente comunicada pela bibliotecária Dra. Maria da Con- tante agente da reforma deste género dramático na segunda metade
ceição Carvalho Geada, a quem deixo aqui expresso o meu reconhecimento por do século X V I I L D . J o s é havia já tentado contratá-lo em 1753, e
todo o auxílio prestado durante as minhas pesquisas na Biblioteca da Ajuda. quando este regressou a Nápoles em 1769 ofereceu-lhe uma pensão

116 117
de 400 sequins para que ele enviasse todos os anos uma ópera séria e maiona dos quais eram soldados, sob o comando de um alferes e de
uma buffa, assim como um certo número de obras religiosas. Por um sargento. E m comparação, na estreia da ópera em Ludwigsburg
essa altura David Perez teria já passado de moda como compositor em 1766 havia 24 Ratsherrn ou mirústros, 8 Pagens, 200 soldados,
de ópera, tendo passado a dedicar-se principalmente à música de 60 espectadores no palco e 250 espectadores para a cena do Anfitea-
igreja. tro no I I Acto, perfazendo 542 pessoas. Por outro lado, enquanto a
As relações de Jommelli com a nossa corte duraram s ó cinco orquestra parece ter sido uma das melhores da Europa, os cantores
anos, até à sua morte em 1774, e foram prejudicadas pela sua doença tinham aparentemente capacidades mais Umitadas do que os de
e pela sua incapacidade em cumprir os compromissos assumidos, Stuttgart, o que em certos casos exigia extensas revisões e adapta-
enquanto continuava a escrever óperas para Nápoles e para outros ções das partes vocais, reaUzadas sobretudo pelo jovem compositor
locais, o que deu origem a repetidas reclamações do Director dos J o ã o Cordeiro da Silva, que estava encarregue de dirigir as obras de
Teatros Reais. Jommelli viria somente a escrever duas novas óperas JommelU que se cantavam em Lisboa.
para a corte portuguesa, mas algumas das versões de óperas anterio- O contributo dos compositores portugueses para o repertório
res que ele reviu para Lisboa correspondem de facto a obras total- teatral propriamento dito é pequeno: cinco obras durante o reinado
mente novas. Mesmo assim, num período de treze anos cantaram-se de D . José e quatro durante o de D . Maria I . Por outro lado, a sua
nos teatros reais vinte óperas suas e quatro outras obras dramáticas actividade foi muito mais produtiva no campo da serenata e da ora-
mais pequenas. Aspectos importantes do estilo de Jommelli que tória, que substituíram a ópera como géneros favoritos da corte
influenciaram decerto os compositores portugueses desta época s ã o a durante aquele último reinado. No seu conjunto escreveram umas
ampla utilização de recitativos acompanhados, a substituição das três dúzias dessas obras no período de vinte e quatro anos entre
árias fmais de cada acto por conjuntos vocais, e a integração de 1778 e 1792. Entre estes compositores devem-se mencionar, além do
coros, recitativos, conjuntos vocais e comentários orquestrais em já citado J o ã o Cordeiro da Silva, Pedro A n t ó n i o Avondano (1714-
cenas dramáticas complexas. -1782), Luciano Xavier dos Santos (1734-1808), J o ã o de Sousa Car-
Os monarcas portugueses interessavam-se activamente pela esco- valho (1745-1798), sucessor de David Perez como mestre de música
lha dos textos e da música das óperas. Depois da sua chegada Mar- dos Infantes e director não oficial da música da corte, Jerónimo
tinelli foi encarregue de escrever uma ópera séria no gosto moderno, Francisco de L i m a (1741-1822), Braz Francisco de L i m a (m. 1813),
na qual se pudessem introduzir tercetos, quartetos e quintetos, mas A n t ó n i o da Silva Gomes e Oliveira e A n t ó n i o Leal Moreira (1758-
sem outros bailados além daqueles que podiam ser dançados entre -1819). Todos eles se formaram à sombra do Seminário da Patriar-
os actos. Referindo-se a um outro libreto que Martinelli estava a cal, de que se haviam de tornar igualmente mestres. J o ã o de Sousa
escrever para Jommelli, o Director dos Teatros Reais diz que o Rei Carvalho e Jerónimo Francisco de L i m a foram além disso durante
tinha Udo o primeiro acto, tinha gostado dele e o tinha aprovado, e seis anos bolseiros do mesmo S e m i n á r i o no C o n s e r v a t ó r i o di
noutro local informa o composhor que não lhe podia enviar uma S. Onofrio a Capuana em Nápoles, onde terão sido condiscípulos de
ária e um dueto do Demofoonte porque a partitura estava nas mãos Giovanni Paisiello. A ópera La Nitteti de J o ã o de Sousa Carvalho,
da Rainha, que guardava a sua música t ã o ciosamente que ele n ã o geralmente considerado o maior compositor português da segunda
tinha coragem de lha pedir. metade do século X V I I I , foi levada à cena em Roma, no Teatro delle
Ao tentar produzir as obras de Jommelli, no entanto, os teatros Dame, antes do compositor regressar a Portugal. Uma ópera de
de corte enfrentavam dois tipos de dificuldades. De um lado as con- Pedro A n t ó n i o Avondano, Berenice, foi igualmente cantada em Itá-
dições teatrais eram mais Umitadas do que aquelas que Jommelli Ua, em Macerata, em 1742.
tinha tido à sua disposição em Wiirttemberg, tornando difícil põr em As razões para a preferência pelas serenatas durante o reinado de
cena o mesmo tipo de espectáculos que haviam sido ali produzidos. D. Maria I parecem ter sido sobretudo de ordem económica. Canta-
Assim por exemplo no Vologeso, representado em 1769, foram das uma s ó vez num dos salões dos Palácios da Ajuda ou de Queluz,
empregues 63 figurantes — 13 Guardas Reais, 4 Ministros, 4 Fidal- embora pudessem ser repetidas em anos posteriores, eram muho
gos, 20 Guardas, 14 Guardas Romanos, 4 Pagens e 5 Animais (!), a mais baratas do que as óperas, n ã o exigindo cenário, guarda-roupa,

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bailarinos ou figurantes, e somente dois ensaios. O seu custo médio estava relutante em aceitar fazer papéis de servetta, e o secretário
orçava pelos 300$000 réis, em comparação com os 3 a 6 contos de teve de o tentar convencer de que na corte portuguesa esses papéis
réis que custava uma ópera.<" Quando D . José morreu em 1777, o não eram considerados tão desprezíveis como em ItáUa.
enviado da Áustria escreveu para a sua corte que se falava em aca- A ú h i m a ópera que se cantou nos teatros reais foi o já citado
bar com as caçadas e com a ópera, o que produziria uma poupança Riccardo Cor di Leone de Grétry, representado no Teatro de Salva-
anual de 800 contos de réis. N a realidade, durante o período de terra no Carnaval de 1792. U m a nota manuscrita da época num dos
dezasseis anos entre a morte de D . José em 1777 e o encerramento Ubretos diz que durante uma das récitas D . Maria I teve um dos seus
dos teatros de corte em 1792 houve somente 28 produções operáti- ataques de loucura mais fortes. Ainda em Junho desse ano 85 gravu-
cas, contra 64 no período de dezasseis anos entre 1761 e 1776. Os ras com personagens espanholas e 81 gravuras com personagens
compositores favoritos eram agora Pietro Alessandro Gughelmi, asiáticas foram compradas para os teatros reais. Mas com a inaugu-
Paisiello e Cimarosa, mantendo-se a ópera buffa como género ração do Teatro de S. Carlos no ano seguinte terminou entre nós o
dominante. As únicas excepções s ã o Attalo, Re di Bitinia de Robus- ciclo da ópera de corte, que havia durado uns sessenta anos.
chi, Riccardo Cor di Leone de Grétry (cantado naturalmente em Nenhum dos teatros reais sobreviveu até aos nossos dias. O teatro de
italiano), e Testoride Argonauta e Nettuno ed Egle de J o ã o de Sousa madeira de Queluz foi demolido em 1784. O de Salvaterra, junta-
Carvalho. mente com o palácio, foi vendido em 1862-63, e posteriormente
No reinado de D . Maria I um grande número de cantores retirou-se demolido. O da Ajuda ainda existia em 1868, quando os oficiais do
para Itália, e embora continuasse a haver um fluxo regular de novos 2.° Regimento de Lanceiros da Rainha aí representaram algumas
cantores para os substituir, começava a tornar-se cada vez mais difí- comédias, mas foi t a m b é m mais tarde demoUdo.'^'
cil arranjar bons castrados, que não estavam dispostos a vir servir
para tão longe e pelos períodos de doze e mais anos que os contratos
exigiam. Isto é-nos demonstrado pela correspondência trocada entre
o Director dos Teatros Reais, de um lado, e o cônsul em Génova,
três cantores reformados, e vários diplomatas portugueses, por outro.
O nosso encarregado de negócios em Roma menciona por exemplo
os nomes de cantores de primeira categoria, tais como o castrado
Crescentini e o tenor D o m ê n i c o Mombelh, que, embora não tives-
sem aceitado vir servir para os teatros da corte, haveriam em breve
de ter um papel fundamental no primeiro e provavelmente mais bri-
lhante período do nosso Teatro de S. Carlos. O secretário do embai-
xador de Portugal em Nápoles foi também encarregue de procurar
uma servetta {soubrette ou criadinha) nos Conservatórios do Loreto
e da Pietá dei Turchini. A única "rês" (sic) que lhe mostraram n ã o
era totalmente ignorante, tinha boa figura e boa voz, mas n ã o era
um perfeito soprano, e embora estivesse ainda no Conservatório

*" As despesas de D. José com a ópera, como as de outros monarcas seus


contemporâneos, foram frequentemente criticadas, se bem que os valores totais
que possuímos para os últimos anos do seu reinado sejam difíceis de avaliar em
termos relativos. Em 1773, por exemplo, essas despesas atingiram 55 contos de As referências bibliográficas do presente artigo foram reduzidas ao
réis, mas o vencimento anual de um Secretário de Estado era quase de mínimo dadas as características da publicação a que ele foi originalmente destinado.
10 contos de réis. O mesmo tema encontra-se desenvolvido em Brito (1989), Caps. 1 e 2.

120 121
X — U M R E T R A T O INÉDITO D O C O M P O S I T O R
F R A N C I S C O ANTÓNIO D E A L M E I D A

a V

Os dados biográficos e iconográficos de que dispomos sobre a


esmagadora maioria dos compositores portugueses do século X V I I I
são de um modo geral muito escassos. De alguns deles ignoramos
até as datas e locais de nascimento e morte. É esse por exemplo o
caso de Francisco Ant óni o de Almeida, autor da primeira ópera
representada em Portugal, La pazienza di Socrate (1733), cujo
libreto parece dever-se ao secretário de D . J o ã o V , Alexandre de
G u s m ã o (Brasão, 1943: 132), e de outras óperas de corte, serenatas e
peças sacras, entre as quais devemos destacar a ópera cómica La
Spinalba ovvero il vecchio matto (1739), reposta modernamente com
bastante sucesso em Lisboa, Roma, Paris e Londres. Diogo Barbosa
Machado n ã o o menciona na sua Biblioteca Lusitana (1741-1759),
ao contrário do que faz com outros compositores seus contemporâ-
neos, como Carlos Seixas ou A n t ó n i o Teixeira. José Mazza, no seu
Dicionário de Músicos Portugueses escrito nos fins do século X V I I I ,
chama-lhe "organista da Patriarcal e famoso compositor". Mais do
que um diarista da época o trata familiarmente por Francisco A n t ó -
nio, e por um deles ficamos a saber n ã o ter desdenhado escrever
música para as populares representações de Presépios que se faziam
na Mouraria (Monfort, 1972: 584). É curioso que o seu nome é men-
cionado na longa hsta da comitiva que acompanhou os reis ao Caia
aquando da famosa troca das infantas de Portugal e de Espanha em
Janeiro de 1729 (Natividade, 1752: 157), lista essa que cala contudo
os nomes dos prováveis mestre e vice-mestre da Capela Real D o m ê -
nico Scariatti e Carlos Seixas.
A úUima obra datada de Francisco A n t ó n i o de Almeida é uma
serenata a seis vozes, LLppolito, com Ubreto de D . Antonio Tedeschi,
executadafjio P a ç o da Ribeira em 4 de Dezembro de 1752, e é muito
possível que ele tenha sido uma das vítimas do terramoto de 1755.

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Juntamente com A n t ó n i o Teixeira, que partiu em 1716 ou
17, Francisco A n t ó n i o foi um dos músicos enviados a estudar em
Itália por D . J o ã o V , à custa das rendas da Sé Patriarcal. De há
muito se sabia que ele tinha estado em Roma pelo menos a partir de
1722, pois no segundo domingo da Quaresma desse ano foi execu-
tada uma oratória sua com Ubreto de Andrea Trabucc (Albiro
Mirtunziano, entre os Árcades), na Igreja de S. Girolamo delia
Carita. O título dessa oratória é / / Pentimento di Davidde e no pre-
fácio "A Chi legge" encontra-se um elogio ao "virtuoso talento dei
Giovine Compositor delia Musica, tanto piú degno delia tua ammi-
razione, quant'è piú breve il tempo che Egli si dolce professione
apprende; e quanto rendesi in Lui piú difficile per la diversità dei
próprio, e l'intelligenza dei nostro Idioma". É mais do que provável
ter Francisco A n t ó n i o contactado em Roma com Alexandre de
G u s m ã o , que aí se encontrava nessa mesma altura como agente da
Coroa. E m 1726 uma nova oratória sua, ÍM Giuditta (cuja partitura
existe na Biblioteca do Património Cultural Prussiano em Berhm
Oeste, como há pouco recordou o crítico Mário Vieira de Carvalho)
foi executada na Cidade Santa. Mas em Abril de 1728 (dois meses
antes de A n t ó n i o Teixeira) encontrava-se já de regresso a Portugal,
pois em 22 desse mês executou-se em Lisboa uma serenata de sua
autoria, / / Trionfo delia Virtú, com libreto de D . L u c a Giovine, con-
forme refere a Gazeta de Lisboa.
À amabilidade do meu antigo mestre e actual professor da Uni-
versidade de Roma, Pierluigi PetrobelU, devo a indicação de que
existia na BibUoteca ApostóUca Vaticana o único retrato até hoje
conhecido do compositor, que aqui se reproduz. Pertence este retrato
a uma colecção de caricaturas que se encontra nessa bibhoteca sob a
cota Cod. Ottoboniano Latino 3115. O autor é o famoso Píer Leone
Ghezzi (1674-1755) cujas caricaturas de romanos e de visitantes
estrangeiros famosos (entre elas a de Antonio Vivaldi) fazem dele
talvez o primeiro caricaturista profissional. As espessas sobrancelhas,
grosso nariz e beiça protuberante do nosso Francisco A ntónio d ã o -
-Ihe decerto um ar bem português e meridional. Mas o que é igual-
mente expressivo e digno de nota é a legenda lançada pelo próprio
punho de Ghezzi no canto da caricatura: "Signor Francesco Portu-
ghese il quale è venuto in Roma per studiare, e presentemente è un
bravíssimo compositore di Concerti, e di musica da Chiesa, e per
essere Giovane è uno stupore e canta con gusto inarrivabile, venendo
alia mia Academia di Musica Io Cavalier Ghezzi me ne sono lassata
la memoria il di 9 luglio 1724". Por ela vemos o apreço que o nosso

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jovem compatriota, apesar de ainda estudante, terá merecido de uma XI — A CONTRATAÇÃO DO CASTRADO GIZZIELLO
sociedade tão musical como era a sociedade romana do primeiro P A R A A R E A L C Â M A R A E M 1751
quartel do século X V I I I . E faz-nos reflectir na relativa obscuridade a
que se terá remetido ao regressar ao seu País — situação tantas vezes
repetida ao longo da nossa história...

E m 31 de Julho de 1750 falecia D . J o ã o V. Nos últimos oito


anos do seu reinado vivera dominado pela doença e por um terror
reUgioso que o levara a proibir qualquer tipo de divertimento pro-
fano em Lisboa, ajudado pelos conselhos de Frei Gaspar da Encar-
nação e apoiado pela Rainha D. Mariana de Áustria (Monfort,
1972: 575, 598)"'. Escrevendo de Lisboa para o Padre Martini em
1747, o compositor Schiassi queixava-se de que por causa da doença
do rei

sono proibiti tutti i divertimenti [...]


e vuole che la gente sia santa per forza.

contudo

le feste di chiesa e Oratorii non sono proibiti


schiassi, 1735-53: 1 -4, f. 23).

Igualmente as cartas deste período da Princesa D. Mariana Vitó-


ria para sua m ã e Isabel Farnese estão recheadas de lamentações
sobre o ambiente soturno que se vivia na corte portuguesa. Assim
em 10 de Abril de 1741 escrevia:

nous pasons bien tristement; car le deuille continue toujours avec la


même rigueur ce que tout le monde trouve bien ridicule et aussi nous
navons aucune musique les jours de gala; seulement dans ma chambre
je done ma lecsion mais il ni a point de serenates.

Castro (1762-3: 372) refere que a Rainha "Concorreo para se extinguirem


os theatros profanos das Comedias, e para e^iemplo de occupação mais segura
visitava os templos com Jrequência."

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