Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
personagens da linguagem
CARLOS
DE OLIVEIRA
&
NUNO
JÚDICE
Ida Alves
© Oficina Raquel, 2021
© Ida Alves, 2021
EDITORA
Raquel Menezes e Jorge Marques
ASSISTENTE EDITORIAL
Mario Felix
CAPA e DIAGRAMAÇÃO
Daniella Riet
IMAGEM DA CAPA
“Geometric pattern” © Hemera Technologies Photo Images
via Canva.com
CDD P869.1
CDU 821.134.3-1
www.oficinaraquel.com.br
SUMÁRIO
ESCLARECIMENTO – 9
APRESENTAÇÃO – 12
Contextualização do estudo – 12
Organização e abordagem teórico-crítica – 20
Nota de leituras – 25
ANEXO – 315
ESCLARECIMENTO
1. Para marcar essa data, criei, em março de 2021, com a parceria da Profa. Dra. Andreia Castro, da
UERJ, o site Escritor Carlos de Oliveira, que pode ser acessado em https://escritorcarlosdeoliveira.
com.br/ . Reunem-se aí informações biobibliográficas e imagens que podem ajudar os jovens
pesquisadores e demais interessados. Também neste ano de 2021, será publicada a primeira
antologia brasileira de sua poesia, sob minha organização e com a colaboração de leitores especiais
da obra de Carlos de Oliveira, como Rosa Martelo (Universidade do Porto) e Osvaldo Silvestre
(Universidade de Coimbra), ao lado de Leonardo Gandolfi (UNIFESP) e Luis Maffei (UFF).
9
defendida, em maio de 2000, ainda não havia o catálogo online de
dissertações e teses – Capes. A divulgação de algumas passagens foi
realizada, também, em artigos de revistas impressas / eletrônicas ou
capítulos de livros de circulação acadêmica restrita, só encontráveis em
algumas bibliotecas universitárias. Na ata de defesa, a Banca registrou,
com ênfase, que o trabalho deveria ser publicado. Era também, no
Brasil, a primeira tese de doutorado que discutia toda a obra poética
de Carlos de Oliveira e a de Nuno Júdice. Mas faltou oportunidade e o
tempo foi correndo.
2. Seu primeiro livro de poesia, A noção de poema, foi publicado em 1972. Nos primeiros anos da
década de 70, começam a publicar Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorges,
António Franco Alexandre e Helder Moura Pereira.
10
que está abrindo, nos últimos anos, outras trilhas para o entendimento
de sua obra e suscitando novas e provocadoras questões.
Ida Alves3
Contextualização do estudo
6. Atualmente, a relação entre fake news e política demonstra a que ponto essa interferência chega,
ainda mais no contexto da pandemia de coronavírus que o mundo ainda enfrenta enquanto
escrevemos esta nota.
13
frequentemente pelo leitor comum discurso confessional e sem utilidade
específica, parecia estar, mais enfaticamente naquele tempo finissecular,
condenada ao desaparecimento. Como a palavra poética poderia
competir com a mass media e o poderio tecnológico? Como se faria ouvir
na agitação consumista das grandes metrópoles? Como enfrentaria os
sistemas político-econômicos que redefiniam as fronteiras do mundo,
num movimento de indiferenciação cultural? Como atrairia o homem
comum, em meio ao turbilhão da vida, para a leitura ou audição de
poesia?
7. A esse respeito, ver o site da LyraCompoetics, rede de investigação internacional sobre poesia,
com sede na Universidade do Porto, que mantém uma série de depoimentos de poetas sobre
“poesia e resistência”. https://ilcml.com/lyracompoetics/.
14
acadêmicos, projetos, programas, dissertações, teses etc,. constata-se a
predominância de estudos e pesquisas dedicados à narrativa8.
10. Essa mudança caracterizaria a definição de duas fases poéticas na obra do escritor. A primeira,
compreendendo a produção poética produzida nas décadas de 1940 e 1950; a segunda, nas décadas
de 1960 a 1980. Leia-se GUSMÃO, 1981.
11. Em julho de 198l, no Jornal de Letras, Artes e Ideias de Lisboa, em despedida de Carlos de
Oliveira, Gastão Cruz publicou o texto intitulado “Que lhe diremos, mestre?”. Depois, em
homenagem aos 10 anos de falecimento do autor, no mesmo jornal esse poeta e Fiama Hasse Pais
Brandão lembravam o rigor e a atenção à escrita que caracterizavam o seu trabalho estético.
12. Em agosto de 2021, será publicada a primeira antologia brasileira da poesia de Oliveira, sob o
título Trabalho poético, sob nossa organização, editora Oficina Raquel, Rio de Janeiro.
17
O outro poeta, Nuno Júdice, nascido em 1949 em Mexilhoeira
Grande (Algarve), era um jovem nos anos 70 e rapidamente construiu
vasta obra literária, com predomínio da poesia sobre a prosa, também
algum teatro, e significativas incursões pela crítica literária, representativa
de seu magistério universitário, além de ser presença assídua como
cronista ou crítico em diversos jornais e revistas portugueses. Sua obra
nos possibilita discutir de forma imediata uma teorização da escrita e da
leitura na poesia portuguesa mais recente, uma vez que, à semelhança de
Carlos de Oliveira, a poesia de Nuno Júdice, desde o seu primeiro livro,
A noção de poema (1972), preocupou-se sobremaneira com a realização
do poema e a compreensão do “ato poético”, questionando o sujeito lírico
e sua existência no texto e no mundo. Em 1991, lançou Obra poética,
reunindo nove livros de poesia publicados de 1972 a 1985, com mais
o inédito Rimbaud inverso. Com regularidade, vem publicando outros
livros de poesia, intercalando-os com obras narrativas e ensaísticas, a
destacar O processo poético (1992) e As máscaras do poema (1998), obras
significativas para a reflexão sobre o poético e sua linguagem. Desde
então, novos títulos foram publicados. Na poesia, Poesia reunida –
1967-2000 (2001), Pedro lembrando Inês (2002), Cartografia de emoções
(2002), O estado dos campos (2003), Geometria variável (2005), As coisas
mais simples (2006), A matéria do poema (2008), O breve sentimento do
eterno (2008), Guia de conceitos básicos (2010), Fórmulas de uma luz
inexplicável (2012), Navegação de acaso (2013), O fruto da gramática
(2014), A convergência dos ventos (2015), O mito da Europa (2017), A
pura inscrição do amor (2017) e Regresso a um cenário campestre (2020).
Também continuou a publicar ficção, teatro e ensaio13.
Além disso, há outra questão que não pode ser relegada: trata-se
de examinar o espaço ocupado por Portugal nas poéticas desses dois
escritores. Nas obras de outros importantes poetas portugueses do
século XX – e citamos apenas alguns, como Sophia de Mello Breyner
Andresen, Jorge de Sena e Ruy Belo –, Portugal é nomeado ou evocado
com certa constância crítica. Já a segunda fase da obra poética de Carlos
de Oliveira e toda a obra de Nuno Júdice realizam um apagamento (que
sabemos aparente) da imagem de Portugal, ou seja, parecem buscar
uma escrita poética isenta ou bastante transformadora das vivências
portuguesas particulares para a elaboração de um discurso mais
universalista, abdicando do território nacional em prol da universalidade
do território poético. Nesse sentido, seria possível a aproximação
com a escrita de Herberto Helder, voz quase paradigmática para os
poetas que começaram a publicar na década de 1970 e interlocutor
também de Carlos de Oliveira, responsável por uma obra de grande
liberdade e insubmissão a quaisquer fronteiras impostas ao exercício
da poesia. Mas, dissemos “aparente”, porque a esse movimento de
apagamento contrapõe-se uma atividade de afirmação da cultura em
língua portuguesa na sua pluralidade e capacidade de dialogar com
outras culturas, delineando-se melhor a própria identidade nacional
num mundo globalizado, de falsa homogeneidade. Assumir a língua
como elemento de diferença talvez seja a questão fundamental para os
poetas, por isso a pertinência de analisar o contraste entre apagamento
e presença de Portugal na escrita de seus autores.
20
discutir relações teórico-críticas importantes que a poesia mantém com
outras áreas de conhecimento, como a linguagem, a história e a filosofia.
Acreditamos que a teorização sobre a escrita e a leitura, realizada pelos
poetas aqui estudados, impõe uma abordagem metodológica que repense
a relação entre poética e representação, entre textualidade e realidade do
mundo. Exige que se pense o escrever e o ler como atividades críticas a
dobrarem-se sobre seu próprio processo de elaboração, numa análise
rigorosa de sua validade ou de suas consequências na compreensão do
mundo e dos sujeitos (escritor / leitor). Assim, as áreas de conhecimento
aqui entrecruzadas são fundamentais, uma vez que nossa premissa é a
confiança de que o trabalho poético é uma ação cognitiva14 importante
para questionar o ser e o estar no mundo, o pertencer a uma história
comum. A ação artística, especialmente em tempo de crise – quando
se aceleram as transformações sociais, econômicas e tecnológicas, cada
vez mais responsáveis pela destruição de fundamentos e pela dissolução
de identidades –, mantém-se como princípio de resistência e garantia
da “condição humana”. Dessa forma, ao considerarmos o par “poesia e
linguagem”, procuraremos enfatizar as pesquisas em torno da metáfora
como processo cognitivo que permite, na linguagem poética, a inovação
na apreensão imagética do mundo e do sujeito. Para isso, recorremos ao
trabalho desenvolvido por Paul Ricoeur em A metáfora viva (a primeira
edição francesa é de 1975), estudo básico ao qual se aliam outras
pesquisas posteriores sobre metáfora e conhecimento.
17. PESSOA, 1981, p. 406: “O que quer Orpheu? Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço.
A nossa época é aquela em que todos os países, mais materialmente do que nunca, e pela primeira
vez intelectualmente, existem todos dentro de cada um, em que a Ásia, a América, a África e a
Oceania são a Europa, e existem todos na Europa. Basta qualquer cais europeu – mesmo aquele
cais de Alcântara – para ter ali toda a terra em comprimido. E se chamo a isto europeu, e não
americano, por exemplo, é que é a Europa, e não a América, a fons et origo deste tipo civilizacional,
a região civilizada que dá o tipo e a direção a todo o mundo. Por isso a verdadeira arte moderna
tem de ser maximamente desnacionalizada – acumular dentro de si todas as partes do mundo. Só
assim será tipicamente moderna [...]”.
24
uma crítica da modernidade e, no âmbito da cultura portuguesa,
a constituição de um discurso crítico autônomo capaz de pensar
Portugal, não orgulhosamente só (mote salazarista de triste memória),
mas necessariamente inserido dialogicamente no mundo político,
econômico, social e cultural do século XXI.
Nota de leituras
19. Nas referências bibliográficas, indicaremos os livros de Carlos de Oliveira pelas seguintes siglas:
Turismo (T), Mãe pobre (MP), Colheita perdida (CP), Terra de harmonia (TH), Cantata (C), Sobre o
lado esquerdo (SLE), Micropaisagem (M), Entre duas memórias (EDM), Pastoral (P), Finisterra (F),
O aprendiz de feiticeiro (AF) e Obras de Carlos de Oliveira (O).
20. Em relação aos livros de Nuno Júdice observados, usaremos as seguintes
siglas: Obra poética (OP), A noção de poema (NP), O pavão sonoro (PS), Crítica
doméstica dos paralelepípedos (CDP), As inumeráveis águas (IA), O mecanismo
romântico da fragmentação (MRF), Nos braços da exígua luz (NBEL), O corte
na ênfase (CE), O voo de Igitur num copo de dados (VICD), A partilha dos
mitos (PM), Lira de líquen (LL), A condescendência do ser (CS), Enumeração de
sombras (ES), As regras da perspectiva (RP), Uma sequência de outubro (SO),
Um canto na espessura do tempo (CET), Meditação sobre ruínas (MSR), O
movimento do mundo (MM), A fonte da vida (FV), Raptos (R), Teoria geral do
sentimento (TGS), O processo poético (PP) e As máscaras do poema (MP).
26
dos dois poetas arrolada ao final não é exaustiva, reportando-se apenas
aos textos aqui analisados ou diretamente pesquisados. Mas incluímos,
em separado, uma relação mais atualizada das obras de Nuno Júdice,
escritor ainda muito ativo.
27
EXERCÍCIO DO POÉTICO:
RELAÇÕES NECESSÁRIAS
28
orientação criadora é “o exercício da sabedoria da linguagem”21, como
explicava o poeta português Ruy Belo, ou a prova de fogo do narrador,
segundo reflete Walter Benjamin:
A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo.
Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser
familiar. [...]
Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus
gestos, aprendidos na experiência do trabalho, que sustentam de cem
maneiras o fluxo do que é dito. [...] Podemos ir mais longe e perguntar
se a relação entre o narrador e sua matéria – a vida humana – não
seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a
matéria-prima da experiência – a sua e a dos outros – transformando-a
num produto sólido, útil e único? [...] Assim definido, o narrador figura
entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns
casos, como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio. Pois
pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui
apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia.
O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por
ouvir dizer). Seu dom é poder contar sua vida; sua dignidade é contá-la
inteira (BENJAMIN, 1994, p. 220-221).
Com essa perspectiva mais ampla, a narratividade não é um
gênero, o rótulo de uma forma literária, mas um processo por meio do
qual usamos a linguagem verbal para dar conta da experiência de mundo
dos sujeitos que nele existem. Por isso, a poesia torna-se também uma
prática narrativa, já que os poetas, por meio de seus poemas, contam
versões provisórias da experiência de viver, narrando histórias do
sujeito, do mundo e da própria linguagem, constituindo uma memória
do humano.
22. No original: “Le premier caractère commun de ces types les plus archaïques de “poésie” c’est
d’avoir une finalité nettement définie, non esthétique: magique, historique, juridique, didactique.
Et le second caractère commun de ces mêmes types archaïques c’est d’atteindre cette finalité
(conservation des rites, des généalogies, des connaissances agricoles, nautiques, juridiques, etc.)
par le moyen de techniques très apparentes, techniques de la mémoire orale; c’est-à-dire des
mnémotechniques. Ce que nous appelons poésie n’est pas né comme plaisir, mais comme outil.
Toute l’histoire ultérieure de la poésie sera l’histoire des changements d’usage et de destination de
cet outil”.
30
não reconheciam mais a poesia como uma prática útil ou um meio de
conhecimento necessário à compreensão da realidade experimentada.
29. Lembre-se a importância, a partir da década de 1960, da estética da recepção, com a publicação
das obras de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser. Hoje, a existência dominante do espaço virtual
estabelece novas indagações e outros problemas a serem discutidos sobre criação, circulação,
divulgação e recepção literárias.
33
conseguem dar, e o poético continue a exercer, sem que se pense nisso,
sua função essencial: manter a memória humana, pondo em xeque a
cada texto a presença e a ação do homem no mundo que o rodeia.
34
Nossa ideia nuclear é a de que o discurso poético mantém-se
fiel a um ato específico de conhecimento: o de apreensão do mundo
(lembremos o famoso verso de Hölderlin (1991, p. 429): “Mas o que
fica, os poetas o fundam.”). E um dos nossos objetivos é discutir tal
elaboração discursiva como um exercício, um trabalho consciente a que
os poetas se dedicam com rigor, explorando processos de construção e
possibilidades de configuração e refiguração do mundo, seguindo Paul
Ricoeur. Dessa forma compreendemos o que escreve Manuel Gusmão
num texto intitulado “Da poesia como razão apaixonada”:
O que permite que a poesia possa ser esse trabalho de construção
antropológica aberta é, no fundo, radicalmente, do ponto de vista
de uma teoria da linguagem, é ela ser apropriação, re-aprendizagem,
exploração dos possíveis da linguagem como componente histórica
e trans-histórica da antropogénese. A poesia não é um sub-sistema
estruturalmente especificável da língua, ou um desvio, doença ou
margem, desprezível ou privilegiada, do que podemos fazer com
palavras. A poesia não é um outro separado do que chamam linguagem
comum e que imaginam pobre e utilitária, antes é a linguagem, como
diz Meschonnic, “mais carregada de comum”, ou seja, factor tendencial
de comunidade como determinação e horizonte da individuação. Sem
ter que pressupor qualquer transparência ou homogeneidade. A poesia,
a literatura, re-produz, refaz todos os actos de linguagem que possamos
enumerar. [...]
A poesia não faz mais que a faculdade da linguagem: jogar figuras,
indefinidamente diferentes, do loquens e do faber, do sapiens e do
ludens, etc. (GUSMÃO, 1994, p. 246)
Acreditamos ser a poesia um discurso útil. Assim, o que também
se intenta demonstrar aqui é como isso se apresenta na realidade
textual. Será a poesia a dar a palavra final, e é ouvindo o que os poetas
dizem em suas obras que definimos a seguir três relações necessárias à
compreensão do poético em nossa contemporaneidade.
35
Poesia e linguagem: o processo metafórico
“(Como, porém, levar água a um tigre
pousado numa nuvem?)”
Nuno Júdice, O mecanismo romântico da fragmentação
30. MOUNIN, 1968, p. 46 (tradução nossa): “D’abord, il faut constater que l’histoire de la poésie
tout entiére est l’histoire d’une succession de langages – à des degrés divers – absolument neufs.”
[Primeiramente, é preciso constatar que toda a história da poesia é a história de uma sucessão de
linguagens – em graus diversos – absolutamente novas.]
36
contrastando os subsistemas linguísticos – o fonológico, o morfológico,
o sintático e o semântico – para atingir grau elevado de significado
ou conotação31. Enfim, a modernidade literária do século XX trazia à
cena a matéria indispensável para o exercício da criação: a língua. E
os poetas, que sempre a consideraram fundamental, expressaram e
divulgaram, por meio do exercício crítico ou na prática do próprio
poema, as condições de trabalho com essa matéria. Sobre isso, escreveu
o poeta e crítico António Ramos Rosa, nome marcante na produção
poética portuguesa a partir da década de 1950:
O que caracteriza fundamentalmente a poesia moderna é a recusa de
uma ilusão que durante séculos dominou a literatura tradicional [...] A
moderna consciência poética descobriu que o objeto que o poeta diz
não é independente da linguagem que o formula. Assim, a linguagem
já não traduz a realidade, pois ela própria cria uma nova realidade.
(ROSA, 1989, p. 32)
O usuário cotidiano de um sistema linguístico muitas vezes
recorre a procedimentos típicos da linguagem literária, como a utilização
de diferentes relações fonológicas, sintáticas, morfológicas e semânticas
que determinam tropos como aliteração, onomatopeia, hipérbato, elipse,
anacoluto, antítese, ironia, hipérbole, metáfora etc. Esses procedimentos
são, por vezes, tão repetitivos e condicionados a determinados objetivos
de comunicação que acabam por servir apenas ao nível denotativo da
linguagem, à referencialidade de primeiro grau32, perdendo parte de sua
força significativa pela previsibilidade e conformação ao discurso diário,
com mínimo grau de inovação. Superar esse uso, transformar o comum
em particular, deslocar e reorganizar as estruturas verbais para alcançar
resultados inéditos, levando à desautomatização, são formulações da
função poética que Jakobson apontou nos textos centrados no desvio
linguístico e imagético – como o poético e o publicitário, por exemplo.
Ora, a questão fundamental em poesia, como já afirmou há certo tempo
Jakobson (1973, p.5) em “O que fazem os poetas com as palavras” , está
31. Sobre conotação e denotação, acompanhamos considerações de Luiz Costa Lima (1974).
32. Sobre referencialidade, cf. LIMA, 1974; RIFFATERRE, 1984. A denominação “referência de
primeiro e de segundo grau” vem de RICOEUR, s.d. a.
37
“nas relações entre som e sentido”, e tudo é, “nos seus diversos níveis,
significante”.
33. Em relação a essa diferença, lembre-se a distinção feita por Heidegger entre obra de arte e
instrumento: a obra de arte caracteriza-se pelo fato de se impor como digna de atenção enquanto
tal; o instrumento se esgota no uso e na referência ao mundo (HEIDEGGER, 1999).
38
Lembremos que os dois poetas cujas obras analisaremos
adiante expõem em seus trabalhos poéticos e em reflexões literárias
uma consciência bastante segura sobre o desenvolvimento de seu
ofício criativo, com uma atenção muito direcionada ao processo
de metaforização, o que os leva a discutir, em sua escrita, como
se processam as imagens no poema e como se organizam nele as
metáforas. Nuno Júdice sobre isso escreve em Máscaras do poema e
em O processo poético; Carlos de Oliveira, em O aprendiz de feiticeiro,
anota reflexões sobre imagens vitais de sua obra, além de haver, em sua
poesia, principalmente em Micropaisagem, a reflexão sobre o processo
metafórico como fundamento da escrita poética.
41
Encampamos a tese defendida por Ricoeur sobre a metáfora viva,
entendendo essa metáfora como relação de sentido instituída além
da palavra, ou seja, implicação significativa no nível da frase. Ricoeur
recolhe em Benveniste a diferença entre “uma semântica, em que a
frase é portadora da significação completa mínima, e uma semiótica
para a qual a palavra é um signo no código lexical” (RICOEUR, s.d.
a, p. 151), acarretando a formulação de uma “teoria da tensão” que se
opõe a uma “teoria da substituição”. Ao discutir essa oposição, o filósofo
deseja delimitar o problema “da criação de sentido de que é testemunho
a metáfora de invenção.” Mais adiante invoca outra problemática em
relação à referência do enunciado metafórico na ação de redescrever a
realidade. Citamos ainda:
Mas a possibilidade de o discurso metafórico dizer qualquer coisa sobre
a realidade esbarra com a constituição aparente do discurso poético que
parece não referencial e centrado sobre si mesmo. A esta concepção não
referencial do discurso poético opomos a ideia de que a suspensão da
referência literal é a condição pela qual pode ser libertado um poder de
referência de segundo grau, que é propriamente a referência poética. É
necessário então não falar apenas de duplo sentido, mas de “referência
desdobrada”, segundo uma expressão recolhida em Jakobson. (Cf.
RICOEUR, s.d. a, p. 9).
A metáfora viva é, portanto, a marca de diferença da poesia que
se reconhece um trabalho de escrita a partir do ato de leitura, pois ler é
intervir na elaboração imagética para efetivar a redescrição do mundo35.
Exemplificamos com Carlos de Oliveira e o trabalho de permanente
reescrita de seus poemas em busca de um rigoroso controle da metáfora,
rejeitando a imagem e a emotividade carregadas de tradição (repetição)
em prol da metaforização originada na experiência de inovar e depurar
o sentido, com outra compreensão do que seja a referência em poesia e
35. RIFFATERRE (1984, p. 100), sobre significação em poesia, escreve: “Dos primórdios da retórica
à semiótica moderna, longamente se estudou a significação indirecta, embora como fenómeno
estritamente fechado no texto. A aproximação mais frutífera – de facto, a única satisfatória –
consiste em levar em conta simultaneamente o leitor e o poema: aquele que interpreta ao mesmo
tempo que aquilo que interpreta. Porque não é no autor, como durante muito tempo pensaram
os críticos, nem no texto isolado que se encontra o lugar do fenómeno literário, mas sim numa
dialéctica entre o texto e o leitor.”
42
o valor da metáfora na enunciação do poético. O processo de reescrita
é cuidadosamente demonstrado por Rosa Maria Martelo em sua tese,
mas não deixamos de registrar aqui um exemplo dessa transformação
necessária, para que se destaque o resultado do processo metafórico em
torno do tempo. Num poema de Mãe pobre, primeira versão, lemos:
Pureza experiente é ser-se forte,
mas a impiedade cabe bem na guerra:
pra sempre dobe o tempo os ciclos da morte
sobre a mesquinha escuridão da terra. (apud MARTELO, 1996, p. 456)
Na versão definitiva,
Pureza experiente é ser-se forte
mas a impiedade cabe bem na guerra:
para sempre dobe o tempo os ciclos da morte
no tear que tece a translação da terra. (O [MP], p. 54, grifo nosso)
É o que faz também um leitor especial como Nuno Júdice em
relação à poesia francesa e alemã dos séculos XVIII e XIX, quando se
apropria da textualidade alheia e reelabora o jogo metafórico numa
nova experiência da imagem perpassada de ironia, impondo uma outra
leitura à leitura da tradição, o que significa uma ação de paródia na
formulação defendida por Linda Hutcheon: “repetição com distância
crítica, que marca a diferença em vez da semelhança” (1989, p.17). É o
tom, por exemplo, de um conjunto de textos em prosa, o qual encerra
Obra poética. Sob o título de Rimbaud inverso e com um aviso de que “O
pastiche é um pastis”, a escrita de Júdice absorve a escrita de Rimbaud
e revela seus excessos imagéticos, “Delírios do verbo – alquimia”
(JÚDICE, 1991, p. 338).
43
Pois bem, isso é fundamental para a leitura das obras poéticas
de Carlos de Oliveira e Nuno Júdice. Com propostas diferentes,
com linguagens diversas, os dois põem em questão os “enunciados
semânticos” e realizam na prática a tese de Ricoeur: “É provável que
a referência ao real deva ser abolida para que seja libertada uma
outra espécie de referência a outras dimensões da realidade” (s.d.a,
p.222). Com essa perspectiva, pensamos que também ganha coerência
nossa tese de que podemos compreender a obra de Carlos de Oliveira
principalmente como uma teorização da escrita, e a de Nuno Júdice
principalmente como uma teorização da leitura, já que, se no primeiro
há a discussão e a prática de uma escrita que deseja ultrapassar o
referencial (de 1º grau) para libertar outra espécie de referência
(de 2º grau), conforme nos demonstra o magnífico conjunto de
poemas intitulado Micropaisagem, na obra do segundo, o poema se
dá como “objeto de leitura” e como “abertura activa ao texto” (apud.
RICOEUR,s.d. a, p. 313). Nesse sentido, podemos lembrar textos de
Júdice que impõem ao leitor a ação ativa de compreensão do que vai
lendo, principalmente por expor uma série de referências literárias que
precisam ser recuperadas para que o sentido do texto ganhe unidade.
Um exemplo radical disso é o texto em prosa “Génese e explicação
do poema ‘Interrogação a uma amiga morta’”, em que o poeta faz a
desconstrução do processo de leitura necessário para a compreensão
do poema, mostrando a relação entre as metáforas que estão no texto
e as referências que estão fora dele. Vejamos fragmentos – primeiro do
poema, depois da explicação:
Pergunto o que queres:
a rosa que não abriu sob o céu de abril?
Um túmulo branco no centro da terra?
Os seios de fogo da rapariga matinal?
Os dedos sem mancha dos amantes? (FV, p. 102)
44
É um poema que parte de uma reflexão antroposófica. Há uma
interrogação a uma amiga morta, que se refere ao próprio enigma da
morte, que é inacessível aos vivos. O poema abre com uma pergunta:
Pergunto o que queres – nessa sua nova condição.
A rosa que não abriu sob o céu de abril? É uma metáfora da vida: abril
é o mês do regresso de Proserpina, que vem restituir a vida à natureza.
Por isso a morte é um momento transitório dentro desse ciclo natural.
Quanto à flor, surge nesta sequência, embora remeta também para uma
tradição literária, dado que a notícia súbita e brusca da sua morte me
evoca Malherbe, na sua “Consolation à Monsieur du Périer”: “Et rose
elle a vécu ce que vivent les roses, / l’espace d’un matin.”
Um túmulo branco no centro da terra? Trata-se novamente de uma
referência à ligação com a terra. O branco, por outro lado, é a cor do
luto para os romanos. Também o centro da terra se refere à ideia de Ísis:
a deusa branca, de que fala Robert Graves, a que associo a sua figura
depois da morte. (FV, p. 150)
Muito coerentemente, Ricoeur fará com que A metáfora viva seja
seguida por Tempo e narrativa, obra na qual desenvolveu e aprofundou
a questão da mimese, além de ter desdobrado a discussão da relação
real-obra-leitor. Mas, por ora, voltemos ao problema da referência. Ao
fazer a avaliação crítica de diversos estudos sobre a metáfora, o filósofo
francês, em determinado momento de sua reflexão, analisa o conceito
de G. Frege de referência e sua teoria da denotação, a qual que só seria
possível aos enunciados da ciência e recusado aos da poesia. Ricoeur (s.d.
a., p.330) questiona que “o discurso literário manifesta uma denotação
de segunda ordem, graças à suspensão da denotação da primeira ordem
do discurso”. Assim, a relação entre metáfora e referência expõe que a
metáfora é esse processo de suspender a referência literal para recompor
outro grau de referência: “Se é verdade que é numa interpretação que
sentido literal e sentido metafórico se distinguem e se articulam, é
também numa interpretação que, graças à suspensão da denotação de
primeira ordem, se liberta uma denotação de segunda ordem, que é
propriamente a denotação metafórica” (s.d. a, p. 330)36.
da nossa história, por nós são tomadas e deixadas, onde não são reconhecidas e onde de novo são
interrogadas, aí o mundo mundifica” (1999, p. 35).
47
inquirições e investigações em todas as épocas38, constituindo-se uma
“história do tempo” assaz ampla e inesgotável. A partir dela, podemos
dizer de maneira geral que se confrontam duas concepções temporais: a
objetiva e a subjetiva. A segunda nos interessa especialmente, na medida
em que significa compreender o tempo como duração mental, categoria
subjetiva porque interior ao ser, ideia que foi desenvolvida inicialmente
por Santo Agostinho, cujas indagações sobre o tempo como uma
experiência da alma, dependente, consequentemente, do sujeito e de
sua interioridade, influenciarão sobremaneira as abordagens da questão
temporal ao longo dos séculos.
Quando meço o tempo, não meço sílabas em si, nem o passado, nem o
futuro, nem o presente em si. Eu meço os tempos da alma. A impressão
que as coisas fazem na alma enquanto passam e permanecem – esta
experiência é que se mede. Ela é presença, e não as coisas que passam.39
Trata-se da noção de distentio animi a que Santo Agostinho reduz
a extensão do tempo, considerando um tríplice presente: o presente do
futuro (a expectativa), o presente do passado (a memória) e o presente
do presente (a atenção).
40. Foi o caso da Revolução Francesa, que estabeleceu um novo calendário, com nomeações
inéditas e uma quantificação diferente para substituir a ordem temporal e a consciência histórica
do Antigo Regime.
49
Assim, a reflexão sobre a temporalidade é invocada aqui como
uma das formulações fundamentais da vivência humana e, por isso,
tema que se reflete de forma determinante na arte. A pintura rupestre,
nos primórdios da humanidade, talvez tenha sido a primeira tentativa
de aprisionamento do existente, do passageiro, registro de fatos
vivenciados ou desejados, gesto carregado de intenção ritual. O homem
moderno herdou essa ânsia e o desenvolvimento científico colaborou
para “ordenar” o tempo e torná-lo uma “realidade” cotidiana. Nas
últimas décadas do século XIX, por exemplo, o tempo dos relógios
é soberano41. Lembremos, sob a perspectiva da temporalidade, a
motivação para a criação da fotografia (1816), apreensão do instante,
e, depois, do cinema (cerca de 1900), o movimento controlado da
imagem no tempo. O literário também se voltou continuamente para
essa problematização, mesmo sem nomeá-la, e o narrar, o poetar e o
dramatizar “representavam” o tempo, principalmente nos séculos XIX
e XX, quando a aceleração temporal levou o homem a experimentar
mais agudamente a fugacidade, o contraste entre passado e presente,
entre tradição e renovação. Não é no século XIX, em meio à onda de
progresso, à transformação das cidades, que o termo “modernismo”
começa a circular com maior desenvoltura42?
41. Apenas para ilustrar tal soberania, registremos alguns dados: “Nos finais do século XVIII, a
média anual da produção londrina rondava as 130.000 peças [...] Genebra produzia 70 a 80.000 [...]
A partir de 1885, [...] a indústria relojoeira suíça exporta neste ano cerca de três milhões de relógios
e mecanismos completos; este número sobe para 13 milhões em 1913, para cerca de 21 milhões em
1946 e para mais de 60 milhões em 1966” (ROMANO, 1993, p. 31-32).
42. BERMAN (1989, p. 17) registra que “Rousseau é o primeiro a usar a palavra moderniste
no sentido em que os séculos XIX e XX a usarão.” Mais adiante (p. 145), dedica um capítulo a
Baudelaire, “que fez mais do que ninguém, no século XIX, para dotar os seus contemporâneos de
uma consciência de si próprios como modernos.”
50
Se um dia todos os relógios se recusassem a obedecer, a nossa
sociedade afundar-se-ia por completo. Os transportes ferroviários e
aéreos parariam catastroficamente, pois não podem funcionar a não
ser respeitando horários bem precisos. [...] a rede de distribuição de
energia eléctrica sofreria certamente um colapso [...]. O sistema das
comunicações ficaria profundamente desorganizado, e assim também
os meios de comunicação de massa [...] Estes poucos exemplos bastam
para recordar que a nossa sociedade se reproduz diariamente graças
a actividades inúmeras, cuja ordenação, às vezes subtilíssima, só é
possível porque os vários poderes públicos impõem a todos um tempo
não meramente qualitativo mas também, ou mesmo principalmente,
quantitativo: medido e anunciado pelos relógios. (ROMANO, 1993,
p. 16-17)
Em meio a essa aceleração, formou-se a multidão de que fala
Baudelaire e gerou-se a modernização do século XX, que será marcada
por problemas e tensões decorrentes de muitos fatos que prometiam
o progresso: o crescimento urbano, o crescimento populacional, o
desenvolvimento de mercados de consumo, o desenvolvimento técnico-
científico, o domínio dos meios de comunicação, a força econômica de
determinados países sobre os mais pobres etc. O homem contemporâneo
nascido em meio a essa violenta “modernização”, habitante de um
mundo dito “globalizado”, é impelido a produzir, a “ocupar o tempo”,
a preencher os vazios, a multiplicar as tarefas, na ânsia de aproveitar
o máximo que a publicidade oferece, de agir continuamente conforme
padrões culturais impostos, de viver mais, aproveitando os milagres da
ciência. O sujeito perdeu o domínio do tempo interior, pois foi educado
e incentivado a valorizar o tempo exterior, o time is money capitalista, e,
apesar de tantas facilidades materiais,
o público moderno multiplica-se numa multidão de fragmentos,
que falam linguagens incomensuravelmente confidenciais; a ideia de
modernidade, concebida em inúmeros e fragmentários caminhos,
perde muito da sua nitidez, ressonância e profundidade e perde a
sua capacidade de organizar e dar sentido à vida das pessoas. Em
consequência disso, encontramo-nos hoje numa era moderna que
perdeu contacto com as raízes da sua própria modernidade (BERMAN,
1989, p. 17).
51
Foi, afinal, sobre as contradições das experiências do tempo,
já no fim do século XX, que se estabeleceu o binômio Modernismo/
Pós-modernismo43. Se o Modernismo apontava para o futuro, para
a transformação do homem e do mundo, livrando-se das carências
e dificuldades do passado, o Pós-modernismo, com todas as suas
ambiguidades internas e externas, questiona a possibilidade dessas
utopias.
43. Sobre essas contradições e a problemática do tempo “pós-moderno”, é útil a leitura de COELHO,
1984; LYOTARD, 1997; e EAGLETON, 1998.
52
fenomenologias puras teriam tentado em vão fazê-lo “aparecer em si”
(REIS, 1994, p. 59).
55
explicitar o movimento pelo qual um texto exibe um mundo, de algum
modo, perante si mesmo” (1994, p. 123).
56
Qualquer leitura descompromissada, mas atenta, comprova
nessa produção poética um diálogo mais persistente entre o poético
e o filosófico, sendo a figuração da temporalidade o núcleo temático
dessa interseção, tópus de interrogação e reflexão crítica. Na cultura
portuguesa, o tempo histórico sempre esteve em questão, como bem
demonstram Os lusíadas, que Oliveira Martins, em sua História de
Portugal, afirmou ser o epitáfio de uma época. A acentuação da crise
na história coletiva portuguesa e na história individual vai, no século
XX, marcar uma poesia da memória, da morte, das ruínas, escrita de
um sujeito que se contempla e narra um mundo em fragmentação,
questionando em todos os sentidos o canto épico da pátria que
fundamentou sua cultura.
59
Na Antiguidade, cabia ao poeta guardar a memória coletiva,
conhecer a verdade, sendo esse um dom de iniciados. Marcel Detienne,
e citamos via Costa Lima, observa que:
“Por sua memória, o poeta tem acesso direto, em uma visão pessoal, aos
acontecimentos que evoca; tem o privilégio de entrar em contato com o
outro mundo. Sua memória lhe permite decifrar o invisível”. A memória
não é portanto apenas o suporte material da palavra cantada, a função
psicológica que sustenta a técnica formular, é também e sobretudo a potência
religiosa que confere ao verbo poético seu estatuto mágico-religioso. Com
efeito, a palavra cantada, pronunciada por um poeta dotado de um dom
de vidência, é uma palavra eficaz; por sua virtude própria, ela institui um
mundo simbólico-religioso que é o próprio real (apud LIMA, 1980, p. 9).
Para a filosofia grega, memória não se relacionava à história,
subtraindo-se à experiência temporal. Aristóteles distinguia a mnemê,
habilidade de conservar o passado, da mamnesi, reminiscência,
habilidade de evocar voluntariamente o passado e a memória
propriamente dita. A dessacralização da memória significava a sua
inclusão no tempo e sua utilização pragmática na comunidade, como
ocorreu quando se desenvolveu a escrita entre os gregos, criando-se
novas técnicas de memória: a “mnemotecnia”.
44. “A História é a ressurreição do passado”, afirma Michelet, citado por Alfredo Bosi (in: NOVAES,
1992, p. 28).
45. Temos em mente Hannah Arendt (1995, p. 17): “A condição humana compreende algo mais que
as condições nas quais a vida foi dada ao homem. [...] O que quer que toque a vida humana ou entre
em duradoura relação com ela, assume imediatamente o caráter de condição da existência humana.
É por isso que os homens, independentemente do que façam, são sempre seres condicionados.
Tudo o que espontaneamente adentra o mundo humano, ou para ele é trazido pelo esforço humano,
torna-se parte da condição humana.”
61
Poesia e filosofia: criação e conhecimento
“Às vezes, um verso transforma o modo
como se olha para o mundo;”
Nuno Júdice, O movimento do mundo
62
“conceito é um incorpóreo, ainda que se encarne ou se efective nos corpos.
[...] Diz o acontecimento, não a essência ou a coisa. É um acontecimento
puro, uma ecceidade, uma entidade. [...] é simultaneamente absoluto e
relativo [...] não tem referência: é autorreferencial, põe-se a si próprio
e põe o seu objecto, ao mesmo tempo que é criado” (1992, p. 25-26).
A arte, por sua vez, trabalha com “afectos e perceptos, um bloco de
sensações. As sensações, perceptos e afectos, são seres que valem por
si próprios e excedem todo o vivido. (1992, p.144-145) [...] A obra de
arte é um ser de sensação, e nada mais: existe em si. E a ciência? Esta
não tem os conceitos por objecto, mas funções que se apresentam como
proposições em sistemas discursivos” (1992, p. 105-112). Mesmo que
haja dificuldade natural para a compreensão imediata dessas diferenças,
percebemos que um divisor entre essas áreas é a relação com a referência.
Nesse sentido, realmente a filosofia, embora diferente, aproxima-se da
poesia, quando ambas pensam a criação e o conhecimento no acontecer
da linguagem.
46. Esses textos foram posteriormente publicados em Tatuagem e palimpsesto: da poesia em alguns
poetas e poemas, 2010.
47. Bronowski, discorrendo sobre a relação entre pintura e conhecimento, escreve: “Chamei a esta
conferência ‘O acto de reconhecimento” porque, quando apreendemos o sentido da imagem e o eco
que em nós produz, reconhecemo-nos no artista, reconhecemo-nos identificados com a sua criação e,
reciprocamente, reconhecemos toda a raça humana dentro de nós próprios” (1983, p. 150).
65
A linguagem poética definiu-se como capacidade ou habilidade de
recriar o existente, de registrar ou assumir o desejo de deter sua passagem
e fragilidade, provando a liberdade da criação. Essa linguagem, tal como
a prática religiosa ou filosófica, permite o conhecimento antropológico
de que fala Gusmão, ou seja, através dela o homem examina sua
humanidade e põe em xeque a superação de limites e da perenidade
da matéria física. Através da poesia, esse conhecimento se processa, é
transmitido e vivenciado: conhecer o homem e o mundo, praticar o
permanente exercício de busca do abstrato, do incerto, do imaterial, do
que flui por entre nossas mãos carregadas de tempo. Escreve Fernando
Guimarães (1992, p. 62-63), ao indagar sobre a natureza do discurso
poético:
O pensamento analógico e simbólico, a sedução pelas formas sensíveis e
espirituais do imaginário, a revelação intuitiva do saber, a confrontação
com o próprio sistema da linguagem serão as linhas fundamentais que
permitem traçar o perfil do que a poesia é essencialmente. Dir-se-ia que
esse perfil traz consigo o segredo de não pertencer a ninguém, sem que –
importa notá-lo desde já – o espaço que se forma a partir de tal ausência
acabe por irrealizar a poesia. É nesta ambiguidade que assenta um dos
seus maiores poderes, o qual muitos não lhe reconhecem: o de ser uma
forma de conhecimento. Tem este conhecimento uma característica
especial, pois ele diz respeito a uma realidade cuja configuração deriva
do próprio acto criativo do homem, se admitirmos que ao homem
esse poder de criação lhe é facultado pelo exercício de uma linguagem
instauradora. Esta deixa de ser um intermediário entre as coisas e o
homem, o real e o concebido, a matéria e a voz. Da palavra se serve o
poeta para que já não haja aquele hiato, aquela separação entre o que
se nomeia e o acto de nomear. Reside aqui, sem dúvida, a razão por
que a imagem desempenha um papel tão importante na poesia. Ela é o
conhecido.
Por isso entendemos a poesia, na concretude dos poemas,
como um trabalho sobre a linguagem que se oferece e que não cessa
de ocorrer. Sob essa perspectiva, a importância da ação metafórica não
pode deixar de ser pensada. Seguimos as reflexões de Paul Ricoeur que
vêm, no âmbito da hermenêutica, tensionar a categorização da metáfora,
66
defendendo o seu teor cognitivo, já que produz sentido novo; é um ato
de predicação, que possibilita re-conhecer o mundo.
Caem
do céu calcário,
acordam flores
milénios depois,
rolam de verso
em verso
fechadas
como gotas,
e ouve-se
ao fim
da página
um murmúrio
orvalhado. (O [M], p. 242)
67
POESIA PORTUGUESA DOS ANOS 1960 AOS ANOS
1990: UM ESBOÇO DE MAPA
68
Manuel da Fonseca, Sidónio Muralha, Francisco José Tenreiro e Políbio
Gomes dos Santos.
48. A respeito, leia-se “Surrealismo: do ‘cadáver-esquisito’ ao gato resplendente andando pela noite”,
de Hermínio Monteiro, publicado em A Phala, p. 91-99.
69
Pedro Oom e António Maria Lisboa. Já em meados dos anos 193049,
porém, circulava em Portugal (Lisboa, principalmente) dados sobre o
movimento surrealista francês, e Jorge de Sena, em 1942, cita André
Breton e René Char em epígrafes de seu livro de poesia Perseguição.
53. Para conhecimento detalhado da produção dos anos 1950, é indispensável a leitura de
MARTINHO, 1996.
73
vimos, por Ruy Belo: “Só o poeta se fica na linguagem”. Não é por acaso
que vários poetas escrevem, então, poemas sobre o poema ou sobre a
palavras, de Eugénio de Andrade, Carlos de Oliveira, António Ramos
Rosa, a Herberto Helder, Ruy Belo, Fiama Hasse P. Brandão, Luiza Neto
Jorge. É um fenómeno novo esta proliferação de “artes poéticas”, que
apontam para o conceito de poesia como criação verbal e da linguagem
poética como um fim em si. A mensagem do poema será, portanto, a
sua própria linguagem (1999, p. 123-124).
Nesse período de mudanças cruciais para a nova configuração
da sociedade ocidental, com diferentes relações sociais, econômicas e
políticas, a poesia, na paisagem cultural portuguesa de enfrentamento
do salazarismo (cada vez mais contestado pela manutenção de um
projeto colonialista em fracasso), responde com a vontade de partilhar
as transformações estéticas mundiais e contribuir para repensar, em
Portugal, as relações de opressão nos diversos níveis da sociedade,
acentuando a discussão sobre linguagem poética e comunicação,
linguagem poética e sociedade, depuração discursiva e consciência
formal. Assim, não só se definem as propostas do Experimentalismo
(a publicação coletiva Poesia Experimental I54, que contou com dois
números, se deu em Lisboa, em 1964 e 1966) em diálogo explícito com
o Concretismo brasileiro e com o desenvolvimento de pesquisas sobre
a linguagem e a criação poética, considerando-se a importância que
tomou a visualidade do signo na realidade urbana dos anos 1960, como
se radicaliza, com os poetas de Poesia 61 (Fiama Hasse Pais Brandão,
Gastão Cruz, Luiza Neto Jorge, Maria Teresa Horta e Casimiro de Brito)
uma linguagem da brevidade e de tensão social e política, em torno
do corpo mutilado, do silêncio, da morte e também do corpo vivo,
erotismo e linguagem55, o que levará num crescendo à quebra da frase,
à renúncia da discursividade, à especialização do diálogo, ou seja, ao
56. Versos retirados do livro Hematoma, de Gastão Cruz, de 1961. Apud SILVEIRA, 1986, p.138.
75
exemplo, com a narrativa visual O escritor, de Ana Hatherly, sobre o
qual, aliás, a autora diz ser “um texto-não-texto”57.
57. A propósito, leia-se artigo em que a autora explica a estrutura de O escritor (HATHERLY, 1979,
p. 107-112).
58. Não se trata da nomeação de um movimento, mas de uma publicação conjunta de cinco jovens
poetas: Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta, Luiza Neto Jorge e Casimiro
de Brito.
59. Manuel Gusmão utiliza uma interessante expressão para reunir as diversas individualidades
poéticas que surgem e se destacam nos anos 1960, contribuindo para um outro contorno da poesia
portuguesa contemporânea: tempo constelado. Realmente, a década de 1960, principalmente em
seu início, é um momento altamente importante para a compreensão do que vai tornar-se a poesia
portuguesa a partir de 1970. A diversidade de trabalhos é muito forte, assim como a qualidade
particular de cada um. É um “tempo constelado”, sem dúvida. Cf. GUSMÃO, 1997, p. 189-198.
60. Para maior precisão, registre-se que Herberto Helder publicou pela primeira vez em 1958;
tratava-se de um folheto com o longo poema “O amor em visita”.
76
sua primeira recolha, A colher na boca, incluindo o poema “O amor em
visita”, e Ruy Belo publica seu primeiro livro de poesia, Aquele grande
rio Eufrates. Essas publicações significarão para os olhos vindouros a
concretização de práticas poéticas que já se tinham anunciado em 1950:
uma linguagem poética do cotidiano, assumindo a discursividade em
tom prosaico, pondo em debate a aura poética, mas rigorosa em domínio
do verso, como se constata em Ruy Belo; de outro lado, explorando a
liberdade imagética, redefinindo o jogo com a metáfora, descentrando a
linguagem e os sentidos instituídos, retornando a uma magia do verbo
num eco bem prolongado e transformado da escrita surrealista, como
nos mostra Herberto Helder.
77
A partir dos anos 1960, em direção às décadas de 1970 a 1990, não
podemos mais ignorar que falar de poesia é falar de individualidades,
de obras singulares com algumas perplexidades comuns frente à ação
poética, frente a uma história partilhada, portuguesa e ocidental.
Nesse tempo, a arte instituiu de forma mais determinante práticas
desconstrutoras dos discursos oficiais, corroendo mais intensamente
as relações com as instituições sociais, como facilmente se comprova
com os movimentos contraculturais e antimodernistas mundo afora, ou
seja, uma reação à própria modernidade, vista agora como mais um elo
da tradição, um espaço já “clássico” para o olhar de 199061. Negam-se
também os projetos da história moderna, rejeitando-se “a crença ‘no
progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de
ordens sociais ideais’ sob condições padronizadas de conhecimento e de
produção” (HARVEY, 1992, p. 42), o que irá constituir o discurso pós-
modernista a partir da década de 1970, com todas as suas ambiguidades
e indefinições categoriais.
61. Fernando Pinto do Amaral, em encontro com escritores portugueses realizado em 22 de abril
de 1999, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em conversa informal
com o auditório, comentou que, em Portugal, estava saindo uma publicação em série de autores
portugueses sob a rubrica de Literatura Clássica Portuguesa. Estavam ali não só os clássicos
(séculos XVI-XVII), como poetas das décadas de 1940, 1950 e 1960.
78
A década de 1970, em Portugal, será o momento de repensar
o legado de sua modernidade, de reavaliar, sob outros pressupostos,
a sua tradição lírica e a sua tradição cultural, não para a escolha de
paradigmas, mas para a compreensão e debate do lugar da arte num
tempo marcadamente em crise de valores e de certezas, com destacáveis
momentos de impasses sociais, políticos, econômicos e culturais.
Daí a possibilidade de se dizer que é também uma poética da pós-
modernidade. Nessa década ocorre a Revolução dos Cravos, que liberta
o país do atraso e aprisionamento salazaristas, mas trará em seu bojo
a discussão, agora livre, de velhas questões portuguesas: a identidade
cultural de Portugal, a inserção do país na Europa, a relação de Portugal
com as ex-colônias, o redimensionamento da própria sociedade
portuguesa e o lugar nela ocupado pelos artistas e intelectuais62.
81
Linhas que se encontram na linguagem poética
“Em que limites começa o meu limite?
Entre que marcos de fronteira alguma se marcam
os extremos por onde passo ou não passo?”
Nuno Júdice, A fonte da vida
O mapa que esboçamos anteriormente pretendeu indicar
a diversidade de caminhos que recortam o “território” da poesia
portuguesa contemporânea dos últimos 40 anos do século XX. Cada
poeta situou-se nesse panorama pelas relações entretecidas com outros
poetas e suas obras. Assim, ao nos aproximarmos de um, estamos, na
verdade, aproximando-nos de mais poetas que estavam em diálogo
frente a seu tempo e à literatura. Quando falamos de “diálogo”, isto
não significa a busca apenas de semelhanças, o que tornaria a conversa
mais fácil, porém menos interessante. É muitas vezes pelas diferenças
que os poetas falam mais e melhor de sua escrita, e reconhecer isso já é
caminhar por esse território vasto sem perder o rumo.
Em direção ao sujeito
“Nos umbrais desta página recebo o poema que chegou de
longe, duma memória escura, voluntária, atravessando lama,
sono, olvido. Desvendo-lhe as feições, sílaba a sílaba. Quando
grito por fim “eis uma cara nova”, penso logo “afinal, eras tu”.
Reconheci apenas outro rosto esquecido na aridez do mundo,
recolhi-o da sombra donde veio, e aqui lho deixo, adoradora de
estátuas muito antigas, petrificado no papel.”
Carlos de Oliveira, Sobre o lado esquerdo
Luiz Costa Lima, em O controle do imaginário (1984), evidencia
que “ao colapso da época clássica, fundada no princípio da semelhança
entre a ordem humana e a ordem natural, correspondeu um novo surto
de interesse pela subjetividade” (p. 110). Perdida a ideia de totalidade, o
sujeito tornou-se um núcleo aglutinador da dispersão, o que lhe deu no
Romantismo uma importância por vezes desmedida. O mundo se reflete
num eu carregado de emotividade a construir uma imagem heroicizante
ou, no mínimo, idealista de sua presença na realidade.
84
Pessoa vai colocar as pessoas, ou personae, poéticas, na cena da
linguagem do Eu, jogando um fingimento cujo drama – real – se
resume no facto da sua inteira, única e final realidade: mas a realidade
indicível, tão proibida como o incesto, que é essa da autenticidade do
ser literário, mais absoluta e profunda do que a do ser real com todos
os seus sentimentos, emoções, dores, alegrias ou amores (Ophelia que
o diga, vítima implacável da realidade de Álvaro de Campos) (JÚDICE,
1992, p. 157).
Ao contrário, Presença havia defendido a individualidade
criadora e assumira um sujeito enredado em sua psicologia e buscas
interiores, uma experiência de subjetividade narcísica a que reagirá a
poesia neorrealista, que rasura o eu para que se torne um nós combativo,
adotando como estratégia de aproximação e incentivo à compreensão
uma “sinceridade” de emoção a referir-se ao sofrimento comum, à luta
necessária e à morte. A situação do sujeito, no contexto neorrealista, é
um eco da heroicização do eu romântico, expurgado, porém, do direito
à solidão e egoísmo, formulando-se uma “poética de testemunho”66, ou
seja, a imposição de uma função social para o sujeito poético, que está
no mundo e precisa falar sobre ele.
86
características lá estão, de outra, mais restrita, há que se pensar o que
significa essa “despersonalização”, ou seja, não ausência do sujeito
emissor, mas a transformação da subjetividade em torno de uma
“persona” textualizada, deslocando-se o sujeito referencial para dar voz
a um sujeito que tem sua referência no interior do próprio texto, por
meio da estruturação discursiva.
67. Temos em mente reflexões sobre “a natureza dos pronomes” de BENVENISTE, 1988.
68. “É preciso ter no espírito que a ‘terceira pessoa’ é a forma do paradigma verbal (ou pronominal)
que não remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto colocado fora da alocução.
Entretanto existe e só se caracteriza por oposição à pessoa eu do locutor que, enunciando-a, situa-a
como ‘não pessoa’” (BENVENISTE, 1988, p. 292).
87
quando poisa
gota a gota
nas flores antecipadas. (O [M], p. 236)
O dorso sob
um beijo a electricidade fria da noite
lábios subindo a encontrar o corpo
suor e água pó montanhas altas
humedecendo o dorso
o sentido da carne o frio
o rio aberto
vector
o dorso o olhar o fogo
o dorso todo humedecendo o beijo (CRUZ, 1990, p. 33)
Ora, frente a esse despojamento da “pessoa”, que tem realmente a
sua mais violenta prática no Experimentalismo (pois acaba despojando-
se da própria linguagem verbal), reage a poesia de 1970 a 1990 com
a recuperação da subjetividade, sua presença como pessoa no texto e
na história. É o que ocorre, por exemplo, na poética de Ruy Belo, sem
que isso signifique qualquer traço de inocência sobre a relação poeta
e autor, sujeito no texto e sujeito real. “Escrevo como vivo, como amo,
destruindo-me. Suicido-me nas palavras. Violento-me. [...] Ao escrever,
mato-me e mato.” (1990, p. 11).
89
Na praia sob um chapéu à Hockney
eu vi uma história da guerra
o sol que me caía no corpo também caía
no vosso corpo
90
o discurso do poder. No poema de António Franco Alexandre, o sujeito
nega-se a compactuar com uma imagem exterior de si (nada disto é a
minha vida), buscando-se na escrita (aqui estou eu), na formulação de
uma voz que grita, rompendo com um falso eu (errei!, errei!). Mas toda
essa presença do eu é reconhecida como ficção, configuração textual sob
a qual se mascaram os sujeitos reais, escritor e leitor. Depois de Pessoa,
é impossível na poesia portuguesa confiar na primeira pessoa, pois
sua presença no texto é, afinal, uma interrogação sobre a sua própria
existência.
Em direção à narratividade
“Conta-me, então, que desejo imenso te guiou
contra o sentido dos rios?”
Nuno Júdice, As regras da perspectiva
No início do artigo intitulado “O poético e o narrativo”, publicado
em Poétique nº 28, Laurent Jenny indaga: “Os poemas, por muito líricos
que sejam, não nos contam também ‘histórias’?” (In: TODOROV et al.,
1982, p. 95). A pergunta do autor suscita reflexões bastante pertinentes
e muito atuais sobre as fronteiras entre gêneros. Não só a questão se
apresenta dominantemente na poesia contemporânea como muitos
se têm dedicado a desenvolver estudos nessa direção, como é o caso
de Dominique Combe, autor de Poésie et récit: une rhétorique des
genres (publicado com o apoio do Centre National de la Recherche
Scientifique), de 1989, obra que nos guia em alguns momentos.
91
Para esse autor, “A Poética geral pode ser dividida em três espécies de
poema perfeito: a epopeia, a tragédia, a comédia, e essas três espécies
podem se reduzir a duas somente: uma consiste na representação; a
outra, na narração”69. A análise dessa discussão em outros “tratadistas”
confirma também a relação entre poesia e narrativa. O problema está na
concepção que se tem da poesia lírica em contraste com a poesia épica
e a dramática. Se, para essas duas últimas, compreende-se a presença
da “fábula” (encadeamento de ações) como conteúdo narrativo, para a
lírica (expressão dos sentimentos), mesmo os clássicos desconsideram
a questão.
69. Apud COMBE, 1989, p. 64. No original: “La Poétique générale peut être distinguée em trois
espèces de poème parfait, en l’épopée, la tragédie, la comédie, et ces trois espèces peuvent se réduire
à deux seulemente, dont l’une consiste dans la représantation, l’autre dans la narration”. Tradução
nossa.
92
restrições formais impostas pela versificação” (COMBE, 1989, p. 92)70 –,
e o Simbolismo, com a narrativa poética.
70. No original: “est né du désir de libérer la poésie des contraintes formelles imposées par la
versification”.
71. Apud LAURENT. In: TODOROV et al., 1982, p. 95.
93
recentes, ao reino sherazadiano do poème-fleuve. Julgo tratar-se de
um sintoma que marca uma certa crise do espírito analítico, com o
concomitante fascínio por uma apropriação metafísica do tempo, que
atinge também alguma filosofia “pós-moderna” [...], num fim de século
inegavelmente dominado pela presença de formas romanescas que
parecem muitas vezes querer negar a própria possibilidade da narração
hoje (BARRENTO, 1996, p. 76-77).
Se considerarmos a narratividade como proposta e não como
forma, é mais fácil aceitar que o texto poético é também narrativo,
ainda mais na contemporaneidade, quando se acentuou a necessidade
de manter a experiência da narrativa como reação ao individualismo, à
indiferenciação e à massificação. Lembremos o filme As asas do desejo, de
Wim Wenders, em que anjos, vivendo a eternidade, acompanham a vida
humana, o desenrolar da(s) sua(s) história(s), seduzidos pela diferença
entre homens e anjos: a fragilidade da vida. No filme, destaca-se, porém,
a figura de um velho que tira sua força de sobrevivência da vontade de
continuar a narrar a história, guardando a experiência humana que não
pode desaparecer, como desaparecem cidades e pessoas. Nesse sentido,
também se expressa Jorge de Sena, quando escreve que
Nós, os poetas, não somos profetas, contrariamente às ilusões românticas.
Somos aqueles que, falando poeticamente, devem continuamente
recordar àqueles que pensam que sabem muito, que nós – seres humanos
– não sabemos nada, para além da gramática convencional de algumas
ciências. Mas assim sendo, sabemos mais num plano diferente, uma vez
que somos, como somos, os registos e arquivos da experiência humana
através da linguagem (1977, p. 271).
Essa necessidade de narrar é, afinal, a metáfora da própria arte
que não se afasta do mundo, mesmo que o negue ou o silencie. Toda
a poesia sempre participou desse jogo, mas foi no século XX que essa
participação se transformou em polêmica, em reflexão, e pôs em crise
os próprios limites do poético, como fez, por exemplo, Fernando Pessoa
quando redimensionou a subjetividade na lírica e reagiu a uma tradição
retórica da poesia. Em meados do século, a poesia neorrealista, apesar
de suas falhas largamente apontadas por contemporâneos e críticos
posteriores, contribuiu para a reavaliação do nível de representação de
94
mundo que o discurso poético pode e deseja fazer. Assumiu o narrativo
poético como ação ideológica, muitas vezes pecando por dogmatismo,
mas, há que se reconhecer, abrindo caminho para as transformações
que o discurso poético português iria sofrer. Nesse sentido, a obra de
Carlos de Oliveira é um paradigma dessa necessidade de transformação
e da consciência de que a escrita poética é uma escrita rigorosa e
concentrada do tempo, inevitavelmente uma forma de narrar o mundo.
Em direção ao dialogismo
“Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido
festejará um dia seu renascimento.”
Mikhail Bakhthin, Estética da criação verbal
Falar de intertextualidade hoje é cada vez mais um lugar-comum
em estudos literários, pois é impensável falar do texto sem observar o
processo dialógico que o constitui, na medida em que a escrita é, por
natureza, o resultado de um diálogo com outros textos e sistemas de
significação. Nesse sentido, podemos dizer que sempre houve a ação
intertextual, como, por exemplo, no Renascimento, quando era uma
prática estética comum a retomada de textos alheios como modelos
a serem seguidos e valorizados. Em língua portuguesa, virão logo
à lembrança os sonetos camonianos, tão próximos dos de Petrarca.
Entretanto, foi a modernidade teórica, no século XX, que nomeou essa
ação e vem discutindo sua especificidade. Mikhail Bakhtin foi o primeiro
a enunciar teses sobre o dialogismo textual, em seu Problemi poetik
dostoievskovo (primeira edição de 1929, e segunda revista e ampliada de
1963), tendo seu trabalho sido divulgado por Julia Kristeva, que, ao final
da década de 1960, sistematizou o conceito de intertextualidade. Desde
então, não cessaram os estudos nessa área, ampliando abordagens e
definindo estratégias, como, entre outros, fizeram Laurent Jenny, Gérard
Genette e Antoine Compagnon73, e o tema tornou-se produtivo para a
análise de diversas obras.
73. Cf. JENNY, 1979; GENETTE, 1982; e COMPAGNON, 1979. Em relação a este último, a edição
brasileira (1996) não apresenta o texto integral.
99
Pois bem, aqui a teorização sobre a intertextualidade é
necessariamente convocada, porque a poesia portuguesa contemporânea
tem, no trabalho intertextual, uma estratégia recorrente de pensar a
literatura, sua cultura e o mundo. Os poetas portugueses, principalmente
a partir da década de 1960, vão mais declaradamente demonstrar que a
escrita se faz com leituras, em busca de encontros e contrastes. Note-
se, por exemplo, como Fiama Hasse Pais Brandão lê Pessoa, em “Hora
obscura”, instalando-se num lugar de diferença capaz de reavaliar os
discursos que a escrita pessoana suscitou no contexto da sociedade
portuguesa sob regime ditatorial:
Por muito que a minha escrita decalque as páginas de fernando pessoa
eu digo numa fissura do verso uma outra coisa. Que nas
comemorações
de sua morte me apercebi de que ele não regressaria aonde estivera
presente:
a calecute.
101
crítica e avaliadora de uma tradição, de uma cultura, de uma sociedade.
“A intertextualidade é, pois, máquina perturbadora.” (Cf. JENNY, 1979,
p. 44-46.)
102
Em relação à segunda direção, o poema dialoga com textos não
verbais, como a pintura e a música, discutindo a questão de representação,
os limites de significação, o próprio pensamento estético que permite
a produção de objetos artísticos. Ao dialogar com textos verbais não
literários, percebe-se que a poesia volta-se para a filosofia e a história,
absorvendo linguagens, pondo em crise discursos, questionando
conceitos e valores. Nesse sentido, compreende-se que realmente houve,
para essa poesia, “um alargamento da base referencial” (JÚDICE, 1997b,
p. 84).
104
realidades diversas. Além disso, devemos considerar também como
prática intertextual o próprio processo de reescrita a que Carlos de
Oliveira submete seus textos publicados nos anos quarenta e cinquenta.
106
porque a leitura cessa de ser uma viagem confiante feita em companhia
de um narrador digno de confiança, e torna-se um combate com o autor
implicado, um combate que o reconduz a si mesmo (1997, p. 282).
Tendo em vista esse panorama da poesia portuguesa
contemporânea, podemos agora nos deter nas obras poéticas desses dois
autores envolvidos pela atividade constante de escrever e ler sujeitos,
mundos e textos.
107
CARLOS DE OLIVEIRA: INVENTOR DE JOGOS74
74. A existência agora de um espólio catalogado, no Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira,
Portugal, abre novos caminhos de análise e interpretação. O curador do espólio, Prof. Osvaldo
Silvestre, vem, nestes anos recentes, revendo também, em apresentações e artigos que devem ser
consultados, algumas de suas leituras anteriores.
75. A bibliografia crítica sobre Carlos de Oliveira já é extensa. Na década de 1990, em Portugal, houve
um aumento significativo dessa produção: foram defendidas algumas dissertações de mestrado e teses
de doutorado e publicaram-se estudos mais extensos sobre sua obra, como os de SILVESTRE, 1995,
DIOGO, 1995, GOULART, 1997, LOPES, 1996, MARTELO, 1996, além de diversos textos curtos,
como ensaios e comunicações em revistas literárias, coletâneas de artigos e anais de congressos. No
Brasil, embora o movimento de leitura da obra de Carlos de Oliveira esteja restrito a alguns centros
acadêmicos de Letras, especialmente no Rio de Janeiro, com a produção ao longo das décadas de 1980
e 1990 de poucas teses de doutorado, dissertações de mestrado e algumas comunicações e artigos, há
certa constância e, nos anos mais recentes, novas dissertações e teses foram defendidas. No novo site
que criamos em 2021, Escritor Carlos de Oliveira – Centenário, https://escritorcarlosdeoliveira.com.
br/ , registra-se de forma atualizada e detalhada essa fortuna crítica.
108
contemporânea pela meditação sobre o poético, com suas tensões e
limites, que foi desenvolvendo ao longo dos anos no interior de sua
própria escrita. Diferentemente de Nuno Júdice, Oliveira não se dedicou
à crítica e à ensaística; toda a sua reflexão se espraia pelas páginas de
poesia, romances e “crônicas” (O aprendiz de feiticeiro) que nos deixou.
109
Amazónia.
Nome
do sangue que trago em mim:
sangue-declaração de guerra,
sangue dos olhos com fome
das latitudes da Terra.
– Somos assim.
XX
Cinza,
os sinos dobrados
já pela tarde fria.
– Porque arde em mim ainda,
de mágoa e bronze,
o sol do dia?
110
escrita literária engajada e preocupada com sua atuação na sociedade,
contribuindo para a desalienação do homem comum. Esse é o tom
até Terra de harmonia (1950). Porém, o escritor cedo demonstraria
compreender que a palavra literária não se curva sem insatisfação
e angústia a projeto exterior, tendo que deslocar para a margem os
problemas de sua própria elaboração. Por isso, a obra de Oliveira
torna-se testemunho de questões fundamentais em literatura, como o
problema da mimese e da referência, tensionando o “falar do mundo”
com a “criação de mundos”, representação e ficção.
Cai em gotas,
das folhas,
a manhã deslumbrada.
(O [T], p. 19)
Por isso, também, não consideraremos que as últimas obras
Pastoral e Finisterra componham o réquiem do fim da História ou da
utopia, mas sim que toda sua escrita vai se direcionando para uma
teorização do poético, com a discussão sobre as formas de apreensão
do mundo e determinação de outra função da narratividade: a
ressignificação do mundo na sua dimensão temporal (Cf. RICOEUR,
1994, p. 124.). Não falaremos de fim, mas de continuidade e de retorno,
que se sustentam pela preocupação de rever e reescrever suas obras
do passado, reelaborando as estruturas linguísticas, reavaliando as
estruturas imagéticas, em busca de maior homogeneidade de sua
113
produção literária e de uma identidade que só narrando se pode
reconhecer78.
sua obra”. Por isso essas Obras. Não aparece aí Alcateia, cuja reescrita jamais foi concluída. Cf. nota
dos editores.
118
em pedra.”), c) a precariedade e brevidade de tudo (“Pobre / sedução da
terra / cada árvore destas / é um bosque morto / na esperança / e o fio
de água / sob a ponte romana / uma saudade / já perdida / nas margens
desses rios / que me esperam / nos astros”), d) o confronto entre céu e
terra (“Aves / desta canção astral [...] levai-nos / do chão onde as cidades
/ podres nos poluem / ao céu deserto / e puro:/ naves, / ao incerto mar
/ da eternidade.”), e) o contraste entre as ideias de transitoriedade e
permanência – o processo da memória (“Sonhos / enormes como
cedros / que é preciso / trazer de longe / aos ombros / para achar /no
inverno da memória / este rumor / de lume:/ o teu perfume, / lenha / da
melancolia.”) e f) o desejo de transformar a linguagem em via de acesso
a outras realidades que no poema se edificam:
Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lajes ou a vida, tanto,
que levantar a torre do meu canto
é recriar o mundo pedra a pedra;
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras do fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento.
(O [C], p. 181)
Fundamental em Cantata é a expressão do projeto de memória
a garantir a existência, mesmo transformada, para além do tempo.
Nos poemas, a primeira pessoa se dilui na linguagem, isto é, poucas
vezes o eu pronominal é marcado, prevalecendo um sujeito material,
elemento da natureza a receber vida por meio da escrita. Assim, “As
palavras cintilam”, “Os versos que te digam”, “A morte passa”, “A pedra
119
abriu”, “O dia acende o teu olhar”. O mundo se apresenta na cena do
poema ressignificado como metáforas essenciais que um tu/vós deverá
compreender, reencontrando o sujeito criador. Dessa forma, cada poema
é uma memória, conjunto de vestígios e marcas da vida: os sentimentos,
imagens do real e imagens de um imaginário pessoal. O poema “Fóssil”84
é a mais forte metáfora desse processo de transformação da vida em
escrita, do transitório ao desejo do permanente:
A pedra
abriu
no flanco sombrio
o túmulo
e o céu
duma estrela do mar
para poder sonhar
a espuma
o vento
e me lembrar agora
que na pedra mais breve
do poema
a estrela
serei eu.
(O [C], p. 185)
Note-se que, na pedra do poema, “a estrela serei eu”; portanto, em
direção ao futuro, o sujeito escrevente vai se fossilizando na sua escrita,
ficando como um vestígio de vida na sua ausência. Em direção ao
passado, o sujeito escava-se como sítio arqueológico que deseja expor à
luz, reencontrando não o real, para sempre perdido porque sob o signo
da morte, e sim imagens que são os vestígios, a memória dessa vida
84. Em ROMANO, 1997, p. 90, lemos a seguinte explicação: “O próprio conceito de fóssil sofreu
transformações: no sentido original, aceite até ao fim do século XVIII, ‘fóssil’ permanecia fiel à
sua etimologia, do latim fodere ‘escavar’, ‘cavar’ ou ‘extrair’ [...] Parece que o termo se deve ao
alemão Georg Bauer, alias agrícola, para quem os fósseis eram não só os restos vegetais ou animais
mineralizados, mas também as pedras, os minerais etc. [...] Werner, em 1714, tratando dos “fósseis”,
dava ao termo o significado de ‘pedras’.”
120
fadada à precária existência no presente. É no confronto entre ausência e
presença, passado e futuro, passagem e permanência, que Cantata define
o traço mais forte da escrita de Carlos de Oliveira: a busca arqueológica
de imagens vitais para o poeta e a inscrição de seu ser na linguagem,
que se torna um corpo a desafiar o domínio do tempo. A fossilização é
um processo material que dá à morte a possibilidade de outra espécie de
vivência, assim como a escrita para o poeta é a sua forma de configurar
o tempo como uma espécie de eternidade, porque, mesmo morta a
realidade biológica que um dia foi, o ser pode permanecer por meio
do processo de leitura, de decifração de sinais, que o leitor exerce como
condição do jogo literário. Sem dúvida, Cantata nos fala de refigurações
por meio da palavra poética.
122
exemplo, no primeiro texto do livro, “Look back in anger”, no qual se
cruzam dois sujeitos – o que viveu as agruras da guerra e o que herdou
“imagens latentes”, revelando-as “numa pura suspensão de cristais”, a
escrita.
86. Partimos da ideia de que “O corpo expande-se na casa. [...] E não apenas a casa aberta
comunica com a paisagem, por uma janela ou um espelho, como a mais fechada casa é aberta
para um universo. [...] É como uma passagem do finito ao infinito, mas também do território à
desterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 158-159).
123
palavras hesitam de repente, incertas, disjuntivas, e o poema esboroa-se
no rasto da criança.” (p. 214) e
A cidade caía
casa a casa
do céu sobre as colinas,
construída de cima para baixo
por chuvas e neblinas,
encontrava
a outra cidade que subia
do chão com o luar
das janelas acesas
e no ar
o choque as destruía
silenciosamente,
de modo que se via
apenas a cidade inexistente.
(O [SLE], p. 225)
Aproximar-se desse “inexistente” é o projeto de escrita rigorosa
dessa poesia que se autoexaminará em Micropaisagem (82 textos
distribuídos em 12 conjuntos de poemas, todos com 14 versos curtos),
obra também publicada em 1968. Mais uma vez a crítica é uníssona sobre
a importância desse livro no conjunto da obra de Carlos de Oliveira.
Extremamente densa, móvel em termos de composição e imagética, a
escrita torna-se um verdadeiro puzzle, e o livro, um tabuleiro de jogo
em que os dados são as palavras, em lances sem acaso. O próprio Carlos
de Oliveira fala-nos que foi “obra lenta, elaborada com todo o vagar na
‘alquimia’ dos papéis velhos” (O [AF], p. 585), porque
O trabalho oficinal é o fulcro sobre que tudo gira. Mesa, papel, caneta,
luz eléctrica. E horas sobre horas de paciência, consciência profissional.
Para mim esse trabalho consiste quase sempre em alcançar um texto
muito despojado e deduzido de si mesmo, o que me obriga por vezes a
transformá-lo numa meditação sobre o seu próprio desenvolvimetno
124
e destino. É o caso da “Micropaisagem”. Um texto diante do espelho:
vendo-se, pensando-se. (O [AF], p. 587)
O estudo de Nelson de Matos intitulado “Micropaisagem, um
espaço de rigor e harmonia”, publicado em A leitura e a crítica (1971),
ainda nos parece muito esclarecedor sobre a organização desse livro,
principalmente em relação ao conjunto de 24 poemas que formam
“Estalactite”, impressionante exercício de contenção expressiva que vai
refletir como espelho o trabalho de elaboração da linguagem poética e
a criação metafórica. Tal trabalho se constitui, claramente, em torno de
um eixo: a memória, que será fonte e objetivo do poético. Diz Carlos de
Oliveira, em outro lugar: “A memória, uma estalactite.” (O [AF], p. 586).
Mas, voltando ao estudo de Nelson de Matos, há um momento em que
ele cita Derrida:
Escrever é retirar-se. Não para a sua tenda para escrever, mas da
sua própria escritura. Cair longe da sua linguagem, emancipá-la ou
desampará-la, deixá-la caminhar sozinha e desmunida. Abandonar a
palavra. Ser poeta é saber abandonar a palavra. Deixá-la falar sozinha, o
que ela só pode fazer escrevendo (apud MATOS, 1971, p.110 ).
Valendo-se dessa citação, o crítico considera que em
Micropaisagem a linguagem é “sujeito do livro, ser falante que nele
escreve e simultaneamente sobre ele e sobre si vai reflectindo”87.
Realmente, o leitor desse livro depara-se com o próprio processo de
elaboração poética como estratos de imagens que vão se sobrepondo e se
metamorfoseando no labirinto do discurso. Essa teorização do poético
demonstra que o poema cria suas próprias referências e se liberta do
poder de referência de primeiro grau típica da linguagem ordinária,
pondo em prática a “teoria da interação” de que fala Ricoeur (s.d.a, p.
213), quando considera a metáfora-discurso.
87. MATOS, 1971, p. 110. A citação de Derrida é retirada de L’écriture et la difference. Paris: Seuil,
1967, p. 106: “Écrire, c’est se retirer. Non pas dans sa tente pour écrire, mais de son écriture même.
S’échouer loin de sur langage, l’émanciper ou le désemparer, le laisser cheminer seul et démuni.
Laisser la parole. Etre poête, c’est savoir laisser la parole. La laisser pareler tout seule, ce qu’elle
ne peut faire que dans l’écrit”. Citamos em português a partir da edição brasileira pela Editora
Perspectiva, 1995 (coleção Debates, 49), p. 61.
125
A tese que eu aqui sustento [...] estabelece que a suspensão de referência,
no sentido definido pelas normas do discurso descritivo, é a condição
negativa para que se liberte um modo mais fundamental de referência
cuja explicitação é tarefa da interpretação. Essa explicitação põe em jogo
o próprio sentido das palavras realidade e verdade, que devem, também
elas, vacilar e tornar-se problemáticas (RICOEUR, s.d.a, p. 341).
Leiam-se, com essa perspectiva, dois poemas:
III
Se o poema
analisasse
a própria oscilação
interior,
cristalizasse
um outro movimento
mais subtil,
o da estrutura
em que se geram
milénios depois
estas imaginárias
flores calcárias,
acharia
o seu micro-rigor.
IV
Localizar
na frágil espessura
do tempo
que a linguagem
pôs
em vibração,
o ponto morto
onde a velocidade
se fractura
126
e aí
determinar
com exatidão
o foco do silêncio.
(O [M], p. 237-238)
Esse “foco do silêncio” não será talvez o espaço da criação de
sentido própria à metáfora viva?
127
profundidade aquosa,
coavam
lentamente
as chamas
da lareira
transformando-as
quase
num depósito
vítreo
de fulgor
e penumbra.
II
O poema
filtra
cada imagem
já destilada
pela distância,
deixa-a
mais límpida
embora
inadequada
às coisas
que tenta
captar
no passado
indiferente.
III
Pior
para as coisas.
128
Este álcool decantado
gota a gota
bebe-se
e embriaga
um pouco
mas
por outro lado
apura,
aguça
a lucidez
do texto,
IV
restitui
com mais intensidade
as chamas
não
mas
essa essência
quase vítrea
de penumbra
e fulgor
que deixaram
nuns olhos.
Melhor
para as coisas.
(O [M], p. 290-293)
A organização interna desse livro nos faz pensar em terrenos
sobrepostos. Cada conjunto de poemas vai se associando numa
geologia poética que precisamos analisar: camadas de versos, imagens
129
e de metáforas que se elaboram no tempo, “estratos sobrepostos” (O
[AF], p. 586). A leitura inocente, distraída, torna-se impossível porque
o que se lê é o próprio acontecer da linguagem, com suas surpresas e
impossibilidades. Assim, essa escrita impõe ao leitor também um
trabalho de pesquisa, de refiguração interpretativa para conhecer as
“ilhas caligráficas” que “O poeta / [o cartógrafo?] observa”.
130
obra poética em dois volumes, sob o título de Trabalho poético. Carlos
de Oliveira faleceu em 1981.
88. Já se estudou o aspecto numérico dessa organização. Cf. MACHADO, 1998, p. 75-99.
131
mas insistindo na resistência a ele. Fala-se, assim, de esquecimento e
memória, da morte, único espaço sem tempo.
III
sente-se a lentidão, o peso,
minarem cada gesto; e antes
do gesto, a ideia de o fazer;
dançam agora dois a dois,
reconstituem a unidade
cindida ainda há pouco; os pares
mortais; a vocação
de transformar o tempo em rostos;
somam-se duas mortes
e obtém-se uma criança; ela, sim:
resistirá, crescendo,
ao desgaste do dia,
procurará na outra noite
o corpo que define o seu;
protege-a a espuma, a máscara,
até de madrugada; e então,
IV
das duas uma: reproduz-se
também; ou extingue em si
o fluxo da dança;
[...] (O [EDM], p. 371-372)
Entre duas memórias, portanto, testemunha a atenção que o
escritor dá ao problema da representação em arte, aos processos de
transformação das imagens, distinguindo cuidadosamente a atividade
de criação da atividade falhada da mera reprodução. É uma questão
importante na obra de Carlos de Oliveira e na própria reflexão estética
que a poesia neorrealista possibilitou – o que não se deve esquecer, para
não reduzir o projeto neorrealista às produções menos importantes
132
e mais ortodoxas de alguns de seus participantes, por demais
preocupados com uma retórica política incapaz de compreender o
fenômeno estético.
Dir-se-á depois
por púlpitos postos em silêncio;
peso também a decompor-se
no mesmo pouco som;
se desaba o desenho da nave antes de fermentar
a cor da sua pedra,
como fermentam leite e lã
de ovelhas mais salinas.
90. “Com efeito, não são poucos os títulos de obras anunciados ao longo da vida de Carlos de
Oliveira e que nunca vieram a ser publicados. Basta citar alguns exemplos: em 1944, ao publicar
Alcateia, anunciava um novo romance, Os dias e as noites; em 1962, na publicação da recolha
Poesias (1945-1960), anunciava dois livros de poesia inéditos, Convívio de amigos e Dicionário do
povo; em 1968, na edição de Micropaisagem, era anunciado o romance Duas mortes para cada um
e os livros de poemas Convívio de amigos (novamente) e Jornal de actualidades; em 1978, na edição
de Finisterra, era anunciada a publicação de O inventor de jogos e do III volume do Trabalho poético.
Eis um conjunto de títulos que sempre ficaram inéditos. Porventura alguns terão sido publicados
com título diferente. [...] Não sabemos também se algum deles existe manuscrito; a única coisa de
que possuímos informação é que alguns deles chegaram a estar escritos” (VÉRTICE, 1982, p. 734).
91. Recordemos texto de José Cardoso Pires sobre Carlos de Oliveira, intitulado “Sobre o Lado
Esquerdo” e publicado em Jornal de Letras, Artes e Ideias (7 a 20 de julho de 1981, p. 17): [...]
Conversámos quase linha a linha sobre esse admirável levantamento de uma paisagem [Finisterra],
que nos era nossa, eu com o pudor dos entusiasmos profundos, ele com o discorrer sereno e
aparentemente desencantado com que costumava enfrentar os problemas do ofício e da vida e que
não queria dizer renúncia nem desespero, isso nunca.” (Grifo nosso.)
135
Saber que seja
este hálito: se terra
ou ar movido
já por metais mutáveis
na linha das colinas.
Como se propaga
esta sombra e fica
gradualmente gráfica
num som
de minas e éter; ou
ter desenhado o horizonte
com o seu traço
mais volátil: vermos só
a tinta evaporar-se.
Não há outro
registo, mas alíneas
deste. Assim flutua;
cálculo e acaso; a cal
ainda tensa das casas
sobre
o crepúsculo esponjoso.
(OLIVEIRA, 1992, p. 389)
Se há desistência ou pessimismo em relação à ideologia ou à
política (estava-se num período pós-Revolução dos Cravos, vivenciando-
se desapontamentos com os rumos tomados (Cf. RIBEIRO, 1993, p.
494-495.)), não há a desistência da poesia. E isso não era uma afirmação
formalista ou idealista, e sim uma forma de resistência necessária para o
poeta. Pastoral não é o discurso do fim, mas o discurso de enfrentamento
desse fim; por isso a esperança transfigurada em poesia ainda pode
existir, e é com esse entendimento que o poema “Chave”, nesse livro, é
lido aqui como espaço afirmativo da linguagem:
136
Se uma película de vidro
adere à pele da pedra; se algum
vento vier.
E levanta-se então.
Minuciosamente. Ergueu-se
o halo
das colinas; a lenta beleza
levitada em cada grão
de pedra. Irradiando as lanças
que o brilho do vento
restituiu à luz, no aro
mais espesso do ar.
137
1991, n. 38, p. 10), Finisterra transformou-se num marco92 da escrita
ficcional portuguesa contemporânea e realizou uma síntese da própria
obra do autor, já que essa narrativa, claramente subversora de instâncias
discursivas (como sujeito, espaço e tempo), realiza a confluência da sua
prosa com sua poesia, constituindo um texto mesclado, o qual o crítico
Manuel Gusmão já disse ser “o exemplo extremo do trabalho poético de
um autor” (GUSMÃO, 1988, p. 47).
94. “Poderíamos dizer (forçando as leis etimológicas) que a relação que o poeta estabelece entre
a cal e a água, polos onde o sentido se gera, é a chave explicativa do enigma da escrita: o poema é
caligrafia (“para / a cal / florir / nesta caligrafia / de pétalas / letras”). Isto é, o poema aparece como
cal (i)-grafia, grafia da cal: combinação metafórica de pétalas e letras, formação de flores calcárias
(que em si mesmas contêm o elemento que lhes dá origem), e, no limite, de estrelas que povoam
um “céu calcário” (na sequência que a rima acentua: pedra – pétala – letras – estrela)” (COELHO,
1972, p. 121).
139
narrativa que fica. Finisterra, como a poesia de Micropaisagem, revela-
se a “câmara escura” da escrita de Carlos de Oliveira, inventor de jogos.
96. Escritor norte-americano (1903-1987), da geração de William Faulkner, John Steinbeck, John
dos Passos e Ernest Hemingway. Sua obra referência mais conhecida é A estrada do tabaco (1932),
que narra a vida da gente pobre branca do Deep South, num Neorrealismo à americana.
141
com José Gomes Ferreira; em “Corvos”, o poema de Edgar Allan Poe;
em “Gás”, o corte de árvores com reflexos literários de Tchekov; em “Na
floresta”, diversos versos da literatura portuguesa; em “Fausto”, Enseada
amena, de Augusto Abelaira; em “Autor, encenador, actor”, a escrita de
José Gomes Ferreira; “À espera de leitores”, a novela Maria Adelaide, de
Teixeira-Gomes, e a escrita de Irene Lisboa; em “Janela acesa”, em que
se pensa a elaboração de um texto como composição de um filme; em
“O que é o povo”, contos tradicionais; em “O iceberg”, Afonso Duarte;
em “Coisas desencadeadas”, a poesia em geral; em “Micropaisagem”,
reflexões sobre seu próprio livro, de igual título; em “A fuga”, esboço de
Finisterra.
99. Anotações de aula feitas durante curso ministrado por esse professor sobre a obra de Carlos de
Oliveira, a convite da pós-graduação da Faculdade de Letras da UFRJ, em abril de 1998.
145
que põem no frémito da vida o toque do que é precário, passageiro, e
simultaneamente consciência disso. Pobre e pequena alma, luz duma
vela consumindo a cera de que nasce até se extinguir. (O [AF], p. 414)
Em “A fuga”,
Aparentemente o céu é sempre igual e confuso. Mas um observador que
sabe aquele mapa de cor e lhe sobrepõe o outro, o das figuras mitológicas
que o povoam desde os pastores caldeus ou mais de trás ainda, bichos,
deuses, sonhos, variando de nome, forma e signo na imaginação do
mundo, recolhe o velho espanto, participa dele, elabora a sua metafísica
poética e não se cansa.
[...]
O céu real é talvez irreal. Nada me garante que não contemplo um
universo morto, um deserto. Talvez a máquina de facto parasse. Mas
trabalha ainda nos meus olhos. Tece neles a sua própria harmonia. (O
[AF], p. 593 e 599)
A vivência temporal sobressai entre todos os núcleos temáticos,
e isso equivale a uma intensa preocupação com a História, aliás bem
compreensível em alguém licenciado em “ciências histórico-filosóficas”
e com formação marxista. O sujeito ficcional que é o “aprendiz de
feiticeiro” configura experiências do tempo e seus efeitos. A escrita
torna-se, por meio da leitura, esse lugar de “refiguração efetiva do
tempo, tornado assim tempo humano, pelo entrecruzamento da história
e da ficção” (RICOEUR, 1997, p. 315), com o princípio de criação
enfrentando o princípio de destruição. Nesse embate sem fim, o sujeito
ficcional experimenta os sentimentos do jogo da vida: angústia, medo,
melancolia, desilusão, mas também coragem, esperança e resistência.
Caminheiro cansado
sem nenhum bordão,
onde houver um sonho
para ser sonhado
149
está meu coração.
(O [(MP], p. 43) 101
Porém, já se percebe nesse momento de sua escrita a tensão que
envolve esse sujeito, dividido entre o apelo exterior e uma interioridade
que precisa se refletir na linguagem para encontrar sua identidade –
como é o caso de “Viagem entre velhos papéis”, em Colheita perdida
(1948)102 –; uma história própria construída no tempo. Terra de harmonia
(1950) é um conjunto textual que tenta equilibrar essas direções, mas
o que se acaba afirmando é a figura do “poeta artífice”103, entregue ao
trabalho poético e à arqueologia de seu ser. Vai-se de uma poética que
tenta dar uma versão de mundo a outra que se preocupa com a criação
de mundos. É o salto de Cantata (1960).
104. “Pode-se concluir que o motivo da forma circular, de elementos significativos que insinuem o
arredondado, colhido no âmbito das múltiplas relações plásticas do texto [Casa na duna], da magia
ótica, sugere o efeito de real pelo efeito estético: a forma vazia de sentido, enquanto geométrica (por
exemplo, o círculo, a esfera), será preenchida de sentido artístico e humano pela categoria da precária
e opressiva brevidade das coisas, uma categoria tensionada em processo permanente com a esperança
e a alegria da mudança. [...] Não é um risco afirmar-se que a imagem da circularidade se manifesta na
escrita do Poeta como uma imagem recorrente, obsessiva” (VAL, 1994, p. 29-30 e 49).
105. Lembremos que, de acordo com o Novo dicionário da língua portuguesa, geometricamente um
círculo é a “região de um plano limitada por uma circunferência”, e esta é o “lugar geométrico dos
pontos equidistantes dum ponto fixo” (HOLANDA, 1986).
151
cósmico, a que tanto o autor se refere, em O aprendiz de feiticeiro (mas
não só): o planetário, a abóbada celeste, a esfera, o horizonte, os astros
que os grãos de areia reduplicam.
XIII
olhá-las
como imagens
no espelho
que as reflecte
de novo
compreensíves
e tornar
a juntá-las
obsessivamente
ao rimo da pedra
dissolvida
quando poisa
gota a gota
nas flores antecipadas,
(O [M], p. 246-247)
153
Jogo de paisagens
“Trago a janela de muito longe.”
Carlos de Oliveira, O aprendiz de feiticeiro
Em O Aprendiz de feiticeiro, no texto “Manual de Jogos” (1963), o
autor conta que achou por acaso, numa feira de livros, uma obra intitulada
Manual de jogos, de autor desconhecido, editada em Lisboa nos fins do
século XIX. A leitura do livro provoca algumas interessantes reflexões:
primeiro, pela dedicatória que ali ficou registrada, atravessando o tempo
e levando a imaginar as relações entre quem havia dado o livro, uma
mulher, e quem o havia desejado ganhar, um homem; segundo, pelo
conjunto de jogos que registrava, fazendo com que Carlos de Oliveira
descrevesse alguns desses jogos, discorrendo sobre o princípio lúdico
e as habilidades/qualidades pertinentes, o que rapidamente transferiu
para a própria prática literária. “O ‘Manual’ (terceira parte, consagrada
aos jogos de prendas) traz alguns textos que vale a pena meditar, do
ponto de vista literário, pelo seu espírito quase contemporâneo. Quase?”
(O [AF], p. 427). Em síntese, tem-se a literatura como jogo com regras
elementares deduzidas das leis gerais de outros jogos. Encontra-se,
portanto, o escritor com o inventor de jogos, personagem que sabemos
aparecer em Cantata (1960).
154
Toda paisagem resulta de uma seleção e apreensão do que
se vê. É o resultado de uma relativização, porque é sempre, num
determinado momento, a versão de um espaço estático a ganhar
movimento e significação a partir dos olhos que a miram. As paisagens
são franqueadas a todos, mas, paradoxalmente, únicas, irrepetíveis, já
que constituem espacializações organizadas por um determinado olhar
num determinado momento. Da natureza à paisagem, entra em questão
a relação cultural do sujeito espectador com o mundo à sua volta.
não existe o tal olho inocente. O olho se situa, vetusto, frente a seu
trabalho, obcecado por seu próprio passado e pelas insinuações passadas
e recentes do ouvido, nariz, língua, dedos, coração e cérebro. Não
funciona como um instrumento autónomo e único, mas como membro
submisso a um organismo completo e caprichoso. [...] O olho seleciona,
rejeita, organiza, discrimina, associa, classifica, analisa, constrói. Não
atua como um espelho que, tal como capta, reflete; o que capta já não
o vê tal qual, como apenas dados sem nenhum atributo, senão como
coisas, alimentos, gentes, inimigos, estrelas, armas. Nada se vê desnudo
ou desnudamente (GOODMAN, 1976, p. 25)107.
Na obra de Carlos de Oliveira produzida de 1960 a 1980, dominam
as paisagens calcáreas provocadas pela desertificação (com consequente
erosão e despovoamento) que avança pelo campo108 e pela folha de papel,
outro deserto em abstração que será povoado pela escrita. Mas há outras
paisagens que, em nossa dissertação de mestrado, já referida, tentamos
descrever: a floresta, o abismo e o labirinto ( Cf. ALVES, 1990, p. 92-
127.). Não repetiremos a pesquisa realizada, porém importa retomar
a significação dessas paisagens numa outra relação de leitura, mesmo
porque o escritor diz: “Preciso quase sempre de imagens e, embora me
107. Na tradução da primeira edição em inglês para o espanhol, feita por Jem Cabanes: “no existe el
tal ojo inocente. El ojo se sitúa, vetusto, frente a sua trabajo, obsesionado por su próprio pasado y por
las insinuaciones pasadas y recientes del oído, la nariz, la lengua, los dedos, el corazón y el cerebro.
No funciona como um instrumento autónomo y solo, sino como miembro sumiso de un organismo
complejo y caprichoso. [...] El ojo selecciona, rechaza, organiza, discrimina, asocia, clasifica, analiza,
construye. No actúa como un espejo que, tal como capta, refleja; lo que capta ya no lo ve tal cual,
como datos sin atributo alguno, sino como cosas, alimentos, gentes, enemigos, estrellas, armas. Nada
se ve desnudo o desnudamente”. A tradução do espanhol para o português é nossa.
108. A desertificação do campo é um dado referencial ligado à realidade da região da Gândara, tão
presente na memória biográfica do autor.
155
digam que é um hábito grosseiro em escritos destes, não desisto de ligar
tudo o que penso ao mundo comum, cotidiano: os objectos, a paisagem,
os homens” (O [AF], p. 433).
156
paisagem interpretada como fonte de imagens primordiais para a escrita
de Carlos de Oliveira.
160
A passagem irrevogável do tempo torna normal o movimento
de esquecimento, essa outra forma de morte, contribuindo para o
silenciamento das histórias, o apagamento das imagens e a perda dos
seres. A escrita de Carlos de Oliveira age para deter esse movimento,
transformando a passagem em presença, o esquecimento em memória.
161
o mundo. Sob nosso ponto de vista, há no discurso poético a formação
de um outro tipo de memória, que guarda a condição humana contra
a destruição. Esse é, por exemplo, o estrato mais fundo de um poema
como “Colagem, com versos de Desnos, Maiakovski e Rilke”:
Palavras,
serei apenas mitos
semelhantes ao mirto
dos mortos?
Sim,
conheço
a força das palavras,
menos que nada,
menos que pétalas pisadas
num salão de baile,
e no entanto
se eu chamasse
quem dentre os homens me ouviria
sem palavras?
(O [SLE], p. 208)
O primeiro livro de Carlos de Oliveira, Turismo, indicava um
percurso do sujeito em busca das paisagens primevas, a alimentar seu
imaginário e a configurar um passado. Mas a busca naquele momento
ficou recalcada pela problemática social. A reescrita do livro inverteu
essa situação, e Turismo transformou-se numa viagem interior, com a
definição de duas trilhas da memória em sua obra: a memória do sujeito
e a memória da escrita. Note-se que nessa versão o poeta criou uma
terceira parte que não existia, denominando-a “Infância”, e a posicionou
como abertura do livro. Assim, temos não só a recuperação de uma
escrita do passado, como a nomeação do espaço-origem do sujeito lírico.
109. Cf. PARRADO, 1996, p. 4: “Terra de harmonia é, em todas as suas versões, ainda que
diferentemente em cada uma delas, um livro onde a questão intertextual se coloca de forma
incontornável, relacionando-se, inclusive, (in)directamente (em 1976), com o problema da
reescrita da obra própria. Harmonioso apenas numa leitura imediata, nele são tornados visíveis,
de maneira ostensiva, procedimentos e referências intertextuais diversos que relevam a dimensão
de encontro/confronto com a tradição que o acto de produção poética instaura. Um acto que,
acentue-se, implica a (relativa) conquista, o tomar da palavra dos /aos outros para a fazer sua”.
166
já foi apontado e analisado (PARRADO, 1996, p. 73), mais de 50% dos
poemas desse livro se fazem em diálogo com textos de outros autores.
Temos que concordar com Luís Filipe Praxedes Parrado (p. 74) que “o
poema não é apenas um efeito da linguagem no leitor, ele revela-se, no
essencial, um efeito da linguagem sobre a própria linguagem (para além
do facto da linguagem escapar ou resistir à transparência de qualquer
efeito comunicativo)”. Porém, não é só Terra de harmonia o lugar dessa
memória textual. Em todos os outros livros ela ocorre, não só com textos
alheios, como também evocando outros do próprio poeta. Vai estar
presente, por exemplo, em Sobre o lado esquerdo, ainda estará presente
em Pastoral com resíduos camonianos. Está em O aprendiz de feiticeiro,
em Finisterra. Sempre a memória-escrita revelando a memória-leitura.
167
NUNO JÚDICE: PERSEGUIDOR DA ETERNIDADE
Único livro que traz uma epígrafe: o texto é do poeta Rui Diniz e
aparece sem qualquer referência bibliográfia114
A arte, diz-se, põe hoje problemas de sua teoria no próprio acto de
sua invenção. Põe-se a si mesma em causa no interior de si mesma;
procura, no gesto com que se cria, definir-se, postular-se, explicar-se
de forma mais próxima de si; mais correcta porque elimina o processo
de dicotomia estabelecido pela existência de dois ofícios: o teórico e o
prático, e mais verosímil porquanto é por um gesto de invenção (mas
apresentado aqui com grande honestidade e clareza) que elabora a sua
teoria, as suas axionomias; porquanto é ainda práxis a sua teorização.
Os itinerários dessa escrita convergem para o que texto acima
anuncia: uma práxis que é sua própria teorização. Por isso se discutem
o espaço do poema, a elaboração da escrita, a missão do poeta,
as paisagens literárias, o diálogo entre artes (literatura e pintura,
114. Poeta que também estreou na década de 1970, com Ossuário: ou a vida de James Whistler.
Lisboa: & etc, 1977. Pelas informações colhidas, parece ser este o único livro que publicou. Cf.
AMARAL, 1991, p. 172.
171
literatura e música), o diálogo entre poetas – com, por exemplo, a
evocação de Hölderlin, Mallarmé, além de Pessoa, que atravessa
essa obra e toda a produção de Nuno Júdice, com experiências
questionadoras do tempo e do espaço, sentindo a inquietude da vida
e sua precariedade. Como escreveu Manuel Gusmão em resenha
sobre esse primeiro livro do poeta, “há uma ironia de composição
que traça os limites complexos, dentro dos quais se abre um espaço
de releitura de outros textos. O livro assume-se como lugar de uma
linguagem plural (lugar de linguagens), como releitura de outros
livros” (1972, p. 3).
115. MARQUES, 1989, p. 12. Diz Júdice: “A noção de poema era um livro com um duplo propósito.
Era por um lado um manifesto, e por outro uma tentativa de desligar o poema de tudo o que lhe
fosse exterior. O primeiro poema do livro era o que reflectia melhor essa intenção. A parte mais
substancial do livro, vista hoje, talvez se desprendesse já desse objectivo programático.”
172
Ganhei o conhecimento seguro da indecisão – alma, movimento
de vulnerabilidade... Ó balbuciar visionário das palavras solitárias...
condenação obscura... divina... imprecisa...
[...]
[...]
173
Esse texto é também um bom exemplo da escrita dominante em
A noção de poema, que explica, por exemplo, a frase inicial da resenha
de Manuel Gusmão já citada: “Este livro pode aparecer como irritante.”
E realmente era, justamente pelo propósito de manifesto e pelo uso
de uma retórica poética provocadoramente anacrônica. Mas, como o
próprio poeta comenta hoje (na entrevista também referenciada), há ali
muito mais que um “enfant terrible” a brincar com a seriedade da poesia;
há os fundamentos de uma poética que demonstram a impossibilidade
de qualquer unidade ou projeto de totalidade, assumindo um sujeito
dilacerado e em confronto com as pseudoverdades da tradição. Essa
obra inicial também testemunha mais explicitamente as consequências
da escrita pessoana sobre a poesia portuguesa mais recente.
175
Se a escrita constitui um rio ao contrário, como disse Carlos de
Oliveira, também a poesia de Nuno Júdice navega nesse rio, buscando
perscrutar o tempo e o espaço para reordenar o caos que envolve a
vida. A metaforização da viagem, aliás, é bem presente nesse momento,
narrando-se naufrágios, caminhadas, buscas, batalhas e movimentos
diversos no interior do ser, numa experiência onírica ou visionária. A
fluidez da água (rio ou chuva), o vento, o silêncio e a morte falam de uma
vivência tensionada do tempo e de uma natureza conturbada, espelho
em que o sujeito narcísico se contempla e se multiplica nos reflexos de
si. Leia-se o poema “No barco”:
Sobre estas escuras águas pouso o corpo e flutuo.
Do mesmo modo flutua a memória sobre a minha obscura alma,
e o seu desenho reflecte-se na atmosfera sombria
do entardecer. “Ficarei”, pergunto,
e sem esperar resposta olho a outra margem e o cais
a aproximar-se. Por fim, não desembarco. À espera do regresso
seguro-te as mãos, embora ninguém esteja comigo. Em silêncio
respiro o cheiro das máquinas; “para onde me conduzes,
ó infindável morte, por entre os vivos e as suas sombras”, ouço-me
dizer-te. Para que não me respondas, deixando-me preso
a um banco do barco, sacudido pelos temporais, vendo a chuva cair
por detrás dos vidros. (OP [CDP] p. 92)
No entanto, a escrita é uma cena teatral, e o poema, um lugar
de observação, onde se exercita a visão interior capaz de conhecer os
mundos que constituem a existência. Assim, o poema torna-se uma
janela a partir da qual o poeta se põe a olhar o horizonte, as paisagens
diversas, a mudança de estação e o seu próprio eu em encenação. Assim,
contrapõem-se nesses poemas, nos limites da existência ficcional, o
sujeito enunciador/o sujeito-escrevente, o sujeito enunciado/, o sujeito-
leitor:
Foi na véspera dos maiores temporais desse ano. A olhar para o vento,
guardando um silêncio que apenas a morte quebraria, a gaivota deixou
o seguro abrigo dos rochedos para se lançar em inútil desafio contra
176
o espesso cinzento das nuvens. O que eu vi naqueles intermináveis
dias... [...] Desci à verdadeira profundidade da imperfeição, seguindo a
linha sinuosa do litoral, até aos grandes rochedos que limitam o ser aos
gemidos incertos de humanidade. O que então reflecti de impaciência
animal! O horizonte tornara-se-me um vício de ausência e de horror
para comigo. [...] Uma presença incógnita sobre as escarpas destruiu o
muro de piedade que me protegia. Descobri que o medo é a melhor parte
de mim. Um rumor de sons juntou-me na humilhação aos inumeráveis
seres que esse inverno desalojara do sentimento. (OP [IA], p. 107)
A presença material das palavras contrasta com o muito que fica
ausente e silenciado. O jogo poético se estabelece a partir do desejo de
apreender os sentimentos, as emoções na sua gênese, definindo um
momento único em que o abstrato e o fugaz parecem estar “aprisionados”
no verso. A teorização do poético acaba por esbarrar na impossibilidade
de regras gerais, pois cada poema é um objeto irrepetível, particular,
produto de uma experiência de sensações, ou imagens, ou desejos
que só existem na realização ficcional. O sujeito poético dividido se
autocontempla, examinando “o mecanismo romântico da fragmentação”
capaz de mover essa escrita em busca de sentido. O sujeito é, sob essa
perspectiva, uma “outridade” que se precisa (re)conhecer, um espaço
que se tenta ocupar, como se lê em “Descrição de um lugar”:
Sou um reflexo no vidro. Olho-me
fixamente, e o poema capta-me nesta atitude.
Pudesse eu conhecer-me como se conhece
o poema...
Deixo um retrato de mim, morto,
há um ano por esta altura. Que me aconteceu,
entretanto? De quem é este corpo
que me é estranho, pálido habitante de um movimento
indeciso e aparente? Quem sinto quando me toco,
quem me dorme, quem me pensa,
quem me escreve? O meu rosto encobre um pronome. Vivo
do mito. Quem me impede o sentimento? Quem me abre
um caminho que não sigo, condenado a outro
177
de mim próprio?
No entanto, estou aqui. Entre mim e o poema,
opaco a ambos, sem nada para dizer.
(OP [MRF] p. 150)
Nesses primeiros livros do autor, a questão da representação se
impõe fortemente. A escrita poética é a apresentação sempre incompleta
de algo, uma forma habilidosa de nomear o inexistente, criando, no
poema, uma outra realidade, que estabelece formas diferentes de
referencialidade. Assim, o que continuamente se discute é, afinal, de que
forma o processo poético dá conta do real e do imaginário, realizando
redescrições dos mundos diversos que constituem a existência do
sujeito-escritor e do sujeito-leitor.
178
criação de dedos no vazio do corpo, do copo
a brusca meditação cortada.
Ó terra: fala
a voz de raízes doces na concavidade da tarde
o conhecimento fúnebre um rigor no crescimento
na composição num cálculo de puro
mover-se
a descida
para o chão
pó
o que fica
(OP [NBEL], p. 204)
Frente à mutabilidade de tudo, à precariedade, o olhar poético
busca um espaço de indiferenciação entre ausência e presença,
configurado no encontro entre o céu e a terra, limite que se mira, mas ao
qual nunca se chega, representação simbólica da obsessão existencial de
conhecer o invisível e de se integrar à unidade, miragem do equilíbrio
entre o divino e o humano. O horizonte como imagem torna-se uma
estrutura simbólica fundamental na poesia de Nuno Júdice, falando-nos
dessa miragem e das contradições do poético: potencialidade do dizer
e impossibilidades da escrita. O horizonte é, assim, uma linha de fuga
na pintura que todo poema acaba por ser, dirigindo o olhar do sujeito
lírico e do sujeito-leitor para o longínquo, metáfora da liberdade e da
totalidade perdida, o algures desejado.
Nas obras dos anos 1980, devemos destacar A partilha dos mitos,
que desejamos ler como uma obra-balanço da relação entre poeta e
poesia, escrita e leitura, apresentando-nos linhas fundamentais do
trabalho de Nuno Júdice: a literatura como obsessão, a exuberância
metafórica, lição de Herberto Helder, num exercício intenso de testar a
potência das analogias, a vivência angustiada do tempo e a consequente
angústia do ser. É também nesse conjunto de poemas que a questão da
emotividade e subjetividade ganha maior reflexão crítica sobre a entrega
total à escrita, à poesia, ao trabalho verbal como ação de metamorfose
irrecusável.
Escrevia; as palavras e as frases sucediam-se ao ritmo da sua própria
respiração. Sentia-se vivo, assim; nada o distraía desse trabalho, nem o
barulho da chuva, que ouvia nos intervalos da música, nem o silêncio
súbito que se estabeleceu, quebrado depois pelo vento nas ramas do
bosque. Escrevia: atingira a própria finalidade, consumava-se num
sacrifício de si ao papel, deixando-o manchado com as impressões do
seu corpo. Tanspunha-se para o espaço da folha, e ficava vazio, despido
de sentimento e emoções, numa apatia que o deixava prostrado ao
longo da noite, sem dormir, com os sentidos despertos unicamente
para o bater irregular do coração.
Descobriu um dia que essa vida o destruía. […] (OP, p. 245)
A poesia é espelho em que o sujeito se mira sempre em busca da
imagem outra que o puro reflexo oculta. Assim, essa escrita obcecada
fala do tempo e da divisão do ser, motivando a reflexão metafísica,
a discussão sobre o conhecimento que a linguagem poética pode
tendo chegado agora à visão horrível de uma obra pura, quase perdi a razão e o sentido das palavras
mais familiares”. Diz Blanchot a respeito: “Quando se recordam estas alusões, não se pode duvidar
de que Igitur nasce de experiência obscura, essencialmente arriscada, para onde o arrasta, ao longo
desses anos, a tarefa poética. Risco que atinge o uso normal do mundo, o uso habitual da palavra,
que destrói todas as garantias ideais, que retira ao poeta a segurança física de viver, expõe-no,
enfim, à morte, morte da verdade, morte de sua pessoa, entrega-o à impessoalidade da morte.” Isso
ecoa na escrita de Júdice.
180
proporcionar. É realmente a apresentação da literatura/poesia como
mitologias do ser e a escrita/leitura como ritos de partilha e criação. O
sujeito que aí se apresenta é personagem de muitos papéis: demiurgo,
profeta, vítima de sacrifício, um deus criador cuja existência depende do
verbo. Em relação a isto, há nessa escrita o limite tenso entre o humano
e o divino, desde que se considere o divino como princípio criador,
abstraído da realidade e da matéria, elementos frágeis do humano.
118. É impossível não dialogar com Fiama Hasse Pais Brandão. Veja-se texto do livro
Homenagemaliteratura: “Estou a sentir que qualquer descrição acrescenta / o tempo de que disponho
para viver e ao qual / a consciência me concede um prazo divino / para pensar.” (1986, p. 47)
181
e eternidade, porque “[...] Reconheço a falésia / do dormente desejo de
eternidade, um flutuar / de precipitações no ritmo das pálpebras, o si- /
lêncio, vago íman da impaciência. Murmúrio / de génesis num pousar
de dedos, rebordo de limites / na abdicação do gesto. Mágico círculo
divino.” (OP, p. 232)
119. É o penúltimo livro em Obra poética (1991a). O último é Rimbaud inverso, que constitui
um conjunto de textos até então inéditos. Assim, Lira de líquen é, na verdade, o último livro já
publicado incluído na recolha.
182
sia? Quem, por detrás do seu rosto sonoro e
abstracto? Memória que a noite depressa apaga…
(OP , p. 283)
Nesse sentido, a poesia é um lago de Narciso, em que “o segredo
que oculto em mim persigo” (OP, p. 281), motivando esse desejo de
conhecimento de si e da outra vida que na poesia existe e perdura.
120. De acordo com o dicionário Larousse de la langue Française (1985), pastiche: “Imitation de
la manière d’ecrire, du style d’un écrivain, de la façon de parler, de jouer, etc, d’un artiste”; e pastis:
“liqueur anisée prise comme apéritif. pop. situation embrouillé, inextricable, ennui”.
183
na própria escrita que o configura. “– O verbo foi a minha obra
alquímica – e forneceu-me muita poesia de ferro-velho. [...] Vertigens
fixas do inexprimível, bebei, vós finalmente, as noites de silêncios no
estudo dos princípios!” (OP, p. 340)
185
cantar a própria passagem, de lado nenhum, para que
do mesmo modo para algum lado o olhar se dirija quando a voz
soar, precisa, e as sílabas se juntarem na matinal restituição
da paisagem. A isso se chama o poema: figura que dá voz
ao mundo íntimo das palavras que os lábios perdem,
repetindo a sua articulação invisível; um nó de emoções
que nenhum gesto ousa, atando à entoação abstracta da memória
uma eternidade de circunstância; e o quebrar de interiores marés
na margem humana que a estrofe decide sem o frágil eclipse
de um nome (CS, p. 48)
Essa série de livros constitui uma arte poética e uma reflexão
filosófica em torno do ser do poema e do ser do sujeito, ambos
questionados por um olhar cuja ânsia de conhecer ultrapassa as
aparências e a previsibilidade da linguagem comum. Por isso, também
aqui afirma-se e examina-se o processo metafórico, processo que busca
revelar outras imagens do que já não se vê, por estar demasiadamente
presente à nossa frente. Conhecer seria desvelar, ver por trás das imagens
que temos “o todo invisível que é a Criação”, e é disso que essa poesia
fala, seja quando filosofa sobre a existência do ser, seja quando teoriza o
poema e sua escrita. O tecido poético é fiado por vozes dialogantes que
superam a matéria em busca do inconcebível.
Há uma proposta essencial, um contrato, que une
a escrita a quem escreve; e não é a cumplicidade do criador
e da criatura, apenas, que pode resumir esse pacto
mas algo de mais profundo: união de existência que
concede o conhecimento do próprio inconcebível.
Mas, digo, nada ilude a possível contradição que os espaços
anulam – nuvens, horizontes, planaltos para lá do olhar
que dão acesso a outros céus; e aí se torna real
o sono sem pálpebras que os anjos referem. [...] (ES, p. 62)
Há, assim, uma escrita de tom platonizante, isto é, escrita de
confronto entre sombras e luz, entre simulacros e verdade, levando o
186
poeta a querer preservar a perdida imagem, mesmo que se desconheça
que imagem é essa. O paradoxo está na própria linguagem poética,
tecido de imagens nas mãos dos poetas, entregues ao desejo de superar
sua condição humana de efemeridade e mortalidade. Assim, o encontro
entre céu e terra não é apenas o encontro de dois espaços estáticos, mas
um círculo em movimento contínuo que faz a terra no céu e o céu na
terra. Questão de reflexo, questão de representação, experiência vital
daqueles que habitam no horizonte ou a ele querem chegar.
À minha volta um sentimento se demora: possuir
o céu, a respiração de um horizonte sem névoa
nem mistério, a plenitude que daria uma última
sabedoria; e, no entanto, apago o fogo desse conhecimento com
que alguém nos tenta – e aqueço-me na chama interior
de um desejo possível nos dias de silêncio
e incerteza, vagueando imóvel pelos limites que a sombra
coloca. É um fogo que não nos transporta para lado algum,
invisível até para os que possuem a visão da treva;
mas que arde depois de tudo, já, ser cinza, e brilha
até muito depois de a noite ter cerrado as pálpebras
do astro insistente – cuja cor pálida contaminou
os dedos da amada, pousados sobre o peito num
repouso que a memória não perturbará. Prometido,
o poder divino de interromper a queda não se nos concede
num acaso matinal; possa embora a luz diurna imitar
a imagem cega da ave que espera o voo, suspensa num fio
de eternidade. (ES, p. 22-23)
A linguagem poética se efetiva no domínio da metamorfose, da
metaforização, a qual, como já discutimos no primeiro capítulo, deve
ser entendida não como mera figura de linguagem, e sim como processo
de linguagem de amplo aspecto, que resulta numa outra percepção
cognitiva. Ou seja: “a realidade trazida à linguagem une manifestação e
criação” (RICOEUR, s.d. a, p. 357).
187
O primeiro poema de As regras da perspectiva, “Alegoria”, constitui
uma chave de leitura para compreender a reflexão sobre o poético,
sobre as muitas sombras que se cruzam no texto literário, demarcando
uma paisagem que não cessa de configurar a temporalidade. Por meio
do trabalho metafórico, “as sombras” ganham vida e visibilidade.
Porém, sua não concretude, já que são “imagens” de mundo, não o
mundo, possibilita-lhes a liberdade de ser em plenitude. Mais uma vez
podemos falar de uma escrita platonizante, porém, com inversão: é
no fundo da caverna que está o mundo significativo. O espaço da luz
não permite o mistério, impõe uma visão “descoberta”, “evidente”, e o
sujeito se submete ao que todos devem ver; é um aprisionamento pela
razão.
[...] No inverno,
os corpos não têm sombra; e os mortos ocupam essa
ausência roubando, a quem os não pressente, a decisão
da vida. Então, imóveis, nenhum gesto os toca – a esses
cujo silêncio só o amor resgataria. Condena-os
a excessiva nitidez do mundo, como se
o fascínio dessa aparência substituísse a imagem
do ser. Mas os outros, os que preferiram a obscuridade
da gruta à convicção do dia, calam
o conhecimento da madrugada; e a mudez dos seus lábios
constrói a figura fértil das frases
que anunciam o verso. Eles sabem que transformações
atormentam a imobilidade das nuvens. Os seus dedos
leram,
no horizonte, o contorno de um futuro luminoso (RP, p. 9)
Ora, na alegoria da caverna121 reescrita pelo poeta, a linguagem
poética é o lugar das sombras onde se reflete a luz da realidade, mas é a
sombra que doa sentido a essa luz122. Uma das “regras da perspectiva”
121. PLATÃO, 1998, p. 251-255.
122. Analisando a poética de Hölderlin e a essência da poesia, diz Heidegger (1996, p. 57): “La
poésie éveille l’apparition de l’irréel et du rêve face à la réalité bruyante et palpable dans laquelle
188
poética é saber da impossibilidade do regresso; outra, que a escrita poética
é a ilusão do eterno.
[...] Não há aqui repetição, mas a nostalgia
do único, um arquétipo que se confunde com a imagem
inscrita no fundo da memória, de que todas
as outras constituem o reflexo degradado. O verso,
porém, não faz senão romper essa totalidade,
lembrando na insistência da sílaba a
a pura impossibilidade do regresso; e na matéria
verbal da estrofe encontro, mais do que
o presente, um rosto usado
como o amor que me obriga ao passado (RP, p. 24)
Se o mito é tudo, a escrita poética não pode deixar de participar
dessa totalidade, assumindo também a perspectiva mítica para falar
do mundo. Para isso, o poeta penetra nos caminhos da criação/morte
(Orfeu), entrega-se à arte (musas) e tenta encontrar a identidade do
sujeito poético na permanente tensão do reconhecimento de si (Eco e
Narciso). O poético e o mítico dialogam, portanto, como linguagens
alegóricas sobre o mundo, “palavras que nos levam mais depressa até
esse horizonte / onde nunca pensámos chegar.” (RP, p. 73).
191
(procurada nos mais impossíveis caminhos,
os que entram pelo mar e os que saem do mar),
que nunca me ensinaste o verdadeiro caminho
(o que começa e acaba em ti, no meio de ti,
no fundo mais fundo do teu sexo
que refloresce como a erva do campo
depois das primeiras chuvas
de setembro.) O caminho da tua pele,
o que é indicado pelos teus cabelos e,
também, pelos teus olhos (o caminho sem saída
dos teus olhos) é o único
que não vem nos mapas: o caminho invisível
que não me ensinaste, deixando-me
à porta de todos os caminhos. (R, p. 12)
Os cinco livros restantes representam a maturidade poética do
autor, e vale comentar, ainda que brevemente, suas principais trilhas.
Uma delas continua sendo a temporalidade como problema crucial para
o sujeito lírico, pois sua experiência fala de fragilidade e fugacidade,
precariedade da vida. O ritmo temporal é extremamente marcado no
enunciado dos poemas, principalmente pela mudança de estações,
destacando-se, pela recorrência, o outono e o verão. O primeiro, como
tempo de morte e melancolia, mas também de transformação necessária
para o ressurgir da vida; o segundo, como excesso de luz, materialidade
do real, existência da vida e apelo da concretude. Leiam-se, com essa
visão, os poemas “As quatro estações: o outono” e “Bucolismo: o verão”,
dos quais transcrevemos apenas uma estrofe, respectivamente:
Não sei, no entanto, que estação é esta
na alma. Talvez uma indecisa nostalgia
provoque o regresso das tardes solitárias
de frio e chuva; e um luto de sol
se instale na superfície dos dedos, impe-
dindo o curso do verso. É como se abrisse
192
a janela, e me debruçasse para um lago
de névoa, onde apenas se ouvisse o ruído
monótono dos remos na sua incansável tarefa;
e uma voz me chamasse de dentro, distraindo-
-me desse tempo que se aproxima, com o
declínio das aves, com a lucidez nos lábios,
e um sentimento que insiste, sem se ver. (CET, p. 11)
e
A terra altera os elementos do quadro:
pendem para o real, isto é, para a sensação
que o corpo experimenta ao sacudir de si o
espírito, mergulhando na vida. Para todos
os lados, as cores vivas do verão definem
árvores, campos, caminhos e casas. O que se
ouve esvazia-se da origem humana: puros
ruídos que as palavras não definem, embora
o vento as reúna num som único. (CET, p. 77)
O tempo da natureza faz, assim, a fronteira entre o interior e o
exterior do sujeito lírico, que se contempla e se interroga mirando o
depósito de imagens que é a memória, confronto entre as faces diversas
desse sujeito, entre o passado e o presente, entre a realidade e sua ilusão
na escrita. O tempo fala de fragmentação e se reflete na pluralidade do
ser, lição pessoana que o poeta mais jovem reconhece e utiliza. Aliás,
Pessoa é também uma sombra nos versos de Nuno Júdice, e dele o poeta
contemporâneo traz os questionamentos acerca do sentir/pensar, a
impossibilidade da unidade e a certeza de que a escrita é fingimento.
Dele também virão o rumor marítimo e o cais, esse lugar à beira d’água,
limite da terra, ponto privilegiado para se olhar o horizonte.
Chego em frente do mar, das suas ondas,
das marés que setembro enfurece, dos cinzentos
e azuis que alternam com verdes estranhos;
[...]. Um barco abstracto
193
passou devagar pelo horizonte que a manhã não viu,
entrando no outro lado da terra, esquecido
por instantes da música dos portos. O poema, disseram-me,
ignorou essa distracção: atravessou
o limite da eternidade, vestiu-se com as palavras
nocturnas, deixou que a morte o contaminasse.
À beira-mar, não dou por isso; e digo-o,
devagar, repetindo em voz baixa
todas as suas contradições. (CET, p. 30)
Registre-se, ainda, a importância da figura feminina nessa escrita
carregada de tempo e memória. Mulheres diversas estão nos poemas
de Júdice; elementos femininos são a árvore, a noite, a sombra, a lua, a
morte, por exemplo. O feminino é o ventre do tempo, lugar que gera a
memória. O canto é ato de penetração, por vezes, de violação e uma forma
de amor que, nessa escrita, é um sentimento necessariamente carregado
de contradições, capaz de romper a “espessura do tempo”, insistindo na
permanência do sujeito frente ao desaparecimento inevitável.
Chamo as mulheres que o espelho empalidece; e
que do fundo da água enumeram os nomes do amor, so-
nâmbulas, perdendo sílabas na repetição de frases
mais longas. Aproximam-se, quando as fito, e quase deixam
a moldura obscurecida pela idade. Em que
pólen de memória os seus olhos adquiriram o fértil
brilho da imaginação? Por que se calam, quando
as interrogo, e os seus corpos uníssonos se dissipam
num sono de infinito? Vinde! Não vos percais no corredor
sem fim da nostalgia de um ser antigo! E resignai-vos
à medida vaga que o tempo oferece, com a música
de uns lábios afogados. (CET, p. 70)
A segunda trilha percorrida pela maturidade poética de Júdice
aponta para o problema da representação, na medida em que o poeta
considera que qualquer tentativa de reprodução é uma ação falhada, pois
194
perde-se inevitavelmente o fulgor do original. Desse modo, as paisagens
que se descrevem nos poemas, que olhamos por meio das palavras, estão
repletas de ruínas (culturais, sociais, históricas, filosóficas, poéticas e
pessoais), ou seja, são partes de uma unidade perdida, são fragmentos
que, no presente, lembram um tempo e uma história que se perderam, e
não há como recuperá-los a não ser como recriação.
196
político, mas humano. A escrita poética se recobre de uma nostalgia
originada da descrença na totalidade. Essa perda se ratifica em muitos
níveis, inclusive no teológico, pois o mundo contemplado está vazio
de deuses. A poesia continua a ser para o poeta um movimento de
preenchimento desse vazio, por isso é uma leitura de sinais e de vestígios.
De forma fiel, a escrita e a leitura são as ações privilegiadas pelo poeta
para enfrentar o emparedamento urbano ou o labirinto existencial.
Praticando essas ações libertadoras, o eu é um personagem de diversas
faces num jogo de espelhos que, afinal, constitui o jogo dos sentimentos
e do pensar. A linguagem é o tabuleiro onde esse xadrez acontece,
numa partida sem fim, sem vencedor ou vencido. Cabe sempre ao leitor
o movimento desse mundo lúdico, definindo-se também a ideia de
viagem para o interior do ser e do texto, constituindo-se uma anábase
sentimental, filosófica e poética, como se lê no poema “Anábase”:
Subo o rio do teu corpo num mapa antigo,
com o papel a desfazer-se e as letras apagadas
pelas chuvas da noite. Um barco de palavras
leva-me nessa expedição; e os remadores
calaram o seu ritmo monótono, ouvindo
o bater do casco nas águas do fundo.
Tu, o mais
abstracto dos pronomes,
vestida com o fogo surdo
da última vogal, [...]
198
enquanto um rumor de fonte
me ensina a encontrar-te (MM, p. 44-45)
Mas, se o sujeito lírico com frequência se dirige ou se refere a
um tu, seja a mulher amada, seja o próprio texto, seja o leitor, seja o
eu escrevente perspectivado pela leitura, a relação discursiva, dando
espaço ao outro, com efeito enfatiza ainda mais a fala do eu a dar voz
a sua emotividade e subjetividades “pensadas” na linguagem e pela
linguagem. Por isso se compreende a afirmação de Eduardo Lourenço
de que há na escrita de Nuno Júdice um “corpo-a-corpo da poesia
consigo mesma”,
o autotelismo da poesia, a sua “finalidade sem fim”; a auto-referencialidade
da literatura concretizada na presença directa ou intertextual da
literatura clássica greco-latina [...], de autores portugueses (Pessoa)
ou não (Hölderlin), contemporâneos (Lezama Lima, Ítalo Calvino) ou
não (Shakespeare, Dante), da literatura “culta” (“Elegia”, “Soneto”) ou
“popular” (“Romance de cordel do banqueiro suicida e da cómoda D.
Maria”) – mostrando afinal que a poesia não é mais do que a linguagem
dos iguais dispersos no tempo (e no espaço), como queria Almada
Negreiros (apud FRIAS, 1997, p. 96-97).
A relação entre pessoas, em sua obra, fala-nos igualmente de
amor como caminho necessário para ir ao fundo do ser, ou seja, de
atingir uma unidade, ainda que temporária, de estabelecer entre almas a
comunicação, preenchendo as faltas e os silêncios. Vários são os poemas
de amor que nos falam de “[...]almas / que comunicam no limite de / um
segredo de frases” (MM, p. 56). Por isso, Orfeu é o mito mais presente,
a representação ideal do poeta, perseguindo “a imagem da amada / nas
fontes do canto. Assim, abre o caminho / às sombras que se perderam /
no bosque.” (MM, p. 101)
199
Júdice são insistentes os poemas sobre o campo, como espaço metafórico
da vida, lugar aberto em que o sujeito se defronta com a imensidão do céu
como abismo silencioso sobre as cabeças humanas. O diálogo se impõe
pela ocorrência de imagens semelhantes, pela problemática a envolver os
sujeitos líricos que buscam afinal entender o enigma que envolve a vida,
desejo de conhecimento nunca saciado. Em ambos, o encontro do céu
e da terra se transforma na natureza do poema, onde o poeta perdura o
gesto original da criação e encontra uma razão para a persistência de sua
escrita, ainda que o mundo real fale de fracassos e de impossibilidades.
Claro que eu não diria que o caminho de
terra acaba logo ali, na extremidade do muro,
quando o camponês me diz que o muro
caiu no último inverno. E as pedras? Onde encontrar
estas pedras que parecem pedaços salvos
de um dilúvio? De resto, quando me despedi, o homem
ainda me disse: “No próximo inverno há-de
chover muito mais; e estes campos transformar-se-ão
num lago.” Olho, então, para o céu:
um céu azul, à espera da noite
limpa de lua, em que as constelações serão perfeita-
mente visíveis; e nada aponta para esse próximo
inverno. “Repare, continua ele, o vento. Alguma
vez sentiu este vento em pleno verão?” Sim,
o vento carregado de humidade, como se o mar
tivesse avançado até ao interior com a sua respiração
ofegante. “Talvez tenha razão”, respondo-lhe. E ele,
mudando de assunto: “Então, venha beber
um copo.” Não adianta dizer-lhe que não bebo,
que o álcool me queima o estômago. Perante o fim
dos tempos, cujo sinal vem com a fuga dos pássaros,
o melhor é esvaziar esse copo, de um trago,
e esperar pela noite para
ler os astros. (MM, p. 96)
200
Em relação ao tema do amor, o leitor apressado pode vir a
fazer uma leitura reducionista, ao considerar que a “fonte da vida” é o
amor rompendo a indiferença dos seres e a solidão. Mas, na verdade,
os poemas, em geral, deslocam essa visão idealista e falam de forma
recorrente de impossibilidade, simulação e negação. O amor pode
realmente suspender o tempo, preencher o vazio e ser ponte entre os
seres, mas não é exatamente em defesa da força do amor que os poemas
se fazem, e sim em defesa de uma linguagem que ainda insiste em falar
de amor num mundo indiferente, lembrando um poema incluso num
livro anterior, As regras da perspectiva, sob o título de “Canção”:
Amor, assim, orienta o sentido do verso
e o conduz, mais do que dita: porque o
verso repetido perde o sentido e não
seduz senão alguém que o repita. Não sei
que voz o canta na tarde que o dia
escurece; nem quem se espanta de que
o murmúrio apague a ânsia que arde no
canto do poema. Todas as palavras se
juntam nesse instante: e a música, com
que lavras a página, brota num fulgor
errante do desejo em que insiste o amor (RP, p. 57)
Se o fio da meada dessa produção dos anos 1990 parece ser
romântico, a meada é um romantismo crítico, isto é, uma reflexão
contínua sobre o sentimento e sua representação pela linguagem poética,
ao mesmo tempo que conclui sobre a ilusão dessa representação. O
poeta diz que a analogia é a fonte do poema (FV, p. 58), e é bom lembrar
que, a crer nisso, o poema cria um mundo suposto no qual intervêm
tanto o poeta como o leitor, sujeitos ao imponderável.
Escrevo-te, agora, por dentro deste poema.
Podia sonhar que vais nascer de dentro dele, ou
que estás dentro dele
como a flor futura habita o centro do inverso.
201
A analogia é o ponto aonde o poema vai beber,
como se vai à fonte, ou como se ouve, no silêncio
da terra, um rumor de águas subterrâneas.
Então, a tua voz abre-se, como se fosse
a própria flor. Entra em mim,
e percorre os espaços desertos da minha alma,
como se um vento empurrasse as portas e as janelas,
atravessasse as salas, e avivasse o fogo
nas cinzas do coração. Limito-me
a ouvir-te no intervalo dos versos, enquanto
a vida recomeça, devagar, o seu curso:
[...]. Então,
deixo que entres para dentro do poema; e vejo-te
avançar pelas frases, até ao fim da linha,
onde te espero,
como se cada sonho se não desfizesse
com o ar. (FV, p. 58-59)
Assim, o tema predominante é o trabalho na linguagem que o ato
poético de forma determinada exerce sobre as palavras. E esse trabalho
consiste numa arqueologia verbal, ofício de quem busca vestígios no
solo textual do poema, recuperando um mosaico de fragmentos que é a
memória inter e intratextual.
Num poema intitulado “Fons vitae”, Júdice escreve que essa fonte
é o coração (“[...] Nem há outros assuntos / quando nos encontramos,
e me começas a falar, / como se fosse o coração a única / fonte do
que dizemos.” (FV, p. 148); porém, essa metáfora, romântica por
excelência, é aqui metáfora moderna de uma escrita que reflete sobre
seus modos de sentir e ser, sobre os discursos das emoções, sobre as
palavras carregadas de imaginação. O poeta explica o próprio jogo da
escrita poética – resíduos, fragmentos, vestígios que se misturam num
amálgama, a memória –, vida reapresentada por imagens e não fatos,
transformação de um real que ficou para sempre perdido no tempo. A
202
memória é o tecido da existência com tramas constantemente rompidas
e que incessantemente busca-se recompor. Sob tal perspectiva, a fonte
da vida é a linguagem que nos faz existir para além da matéria, que
é capaz de reapresentar a vida onde só existem a morte e o silêncio.
“Perguntava se a poesia se faz com o sentimento” (FV, p. 24), e a resposta
é a própria escrita poética como memória fingida dos sentimentos e
permanente tensão entre o vivido e o imaginado, elaboração ficcional
dos sentimentos comuns da vida real. Logo, a poesia não se faz com
sentimentos, mas com as palavras que os dizem. “Tornar as palavras
sentimentos”, já se disse sobre a escrita de Carlos de Oliveira, e o mesmo
caberia também a Nuno Júdice.
203
nação em sua obra revela que a opção do poeta é por outro território,
questão que discutiremos em nosso último capítulo.
207
apontam para a construção ou a compreensão do poema (como “Casa
ou flores retóricas”). Os títulos de alguns livros, igualmente, indicam
explicitamente a preocupação com o poético, como podemos verificar
em A noção de poema, O mecanismo romântico da fragmentação, Lira de
líquen, As regras da perspectiva, Um canto na espessura do tempo, Teoria
geral do sentimento. Outros metaforizam a relação do poeta com a poesia
ou o seu lugar frente ao mundo, como O pavão sonoro, As inumeráveis
águas, Nos braços da exígua luz, A partilha dos mitos, Meditação sobre
ruínas, O movimento do mundo e A fonte da vida.
125. Se alargássemos nosso corpus de análise, essa afirmação seria válida para toda a sua obra
(narrativa, teatro e ensaio).
126. A própria poesia de Júdice nos indica claramente esses nomes, mas pode-se também consultar
208
portuguesa. Por isso, podemos dizer que, tal como Carlos de Oliveira,
Nuno Júdice pertence a esse grupo de poetas para os quais escrever é
ler criticamente, e ler é buscar em outras escritas trajetórias modelares
com as quais o poeta poderá melhor caminhar em seu próprio território
de palavras. Em entrevista, ao ser questionado se a escrita depende da
leitura, Júdice respondeu: “Ler e escrever são duas atividades que se
penetram e, por vezes, confundem. Escrevo porque muito do que leio a
isso me estimula – ou porque me surge como um modelo que gostaria
de atingir. Entendo o ut pictura poesis de Horácio nesta linha: a escrita
do poema é, antes de mais nada, uma cópia dos mestres” (ROZÁRIO,
1994, p. 286.).
215
A poesia é, portanto, um discurso rigoroso, exigente e nada
inocente em relação às suas próprias estratégias de elaboração e ludibria
facilmente aqueles que entendem o lirismo, a subjetividade, como
transferência direta de emoção e sentidos. Ora, a concepção de que
o poético é uma prática cognitiva une poetas e leitores numa “outra
comunidade”, a habitar um território que não se restringe ao solo nativo
ou nacional. Quando Júdice estuda a poética de Rilke, diz:
Poderá dizer-se dele, como se diz de Pessoa, que a sua pátria é a sua língua?
De certo modo, este é um traço que o identifica com o poeta português,
e poucos mais haverá a ligá-los, a começar pelo défice afectivo. Mas é
essa forte relação com a língua que marca, sem dúvida, uma época em
que outras referências, políticas ou culturais, religiosas ou filosóficas,
entram em crise profunda, da morte de Deus de Nietzsche à revolução
bolchevique. A perda da identidade, determinada por migrações,
rupturas sociais e nacionais, exílios, entre muitos outros aspectos dessa
época trágica que tem na lª Grande Guerra o seu epicentro, vai provocar
em muitos autores a procura de uma comunidade outra que a do sangue
ou da terra em que nasceram. O caso de Rilke é, por isso, emblemático
dessa fixação num território imaterial, que é o da poesia (p. 95).
Essa desterritorialização para se chegar a uma reterritorialização
no domínio da linguagem poética é um dos pontos-chave da obra de
Nuno Júdice. A intensa preocupação com o poético parece excluir o
mundo histórico real, mas o que se efetiva por meio desse posicionamento
é a forte reflexão sobre um discurso que se autoexamina, buscando
compreender sua presença naquele mesmo mundo. A esse respeito, em
entrevista já referenciada anteriormente, Júdice diz:
Levei sempre a sério a advertência platônica de que o poeta deve ser
expulso da cidade, isto é, coloquei sempre a minha poesia num espaço
a-político (fora da “Polis”) e nunca senti a necessidade de alterar essa
posição, mesmo em situações que exigiriam de mim, como cidadão,
uma intervenção na vida política concreta. É evidente que não é fácil
exercer a atividade poética quando existe censura, quando a sociedade
é injusta, quando há perseguições. Conheci esse quadro no Portugal
pré-democrático, até 1974; mas julgo que o empenhamento poético é
algo que na Poesia se justifica, e não em função de crenças ou combates
noutros níveis de realidade (Cf. ROZÁRIO, 1994, p. 284).
216
Ao mesmo tempo, se a nação é uma imagem construída por um
grupo na sua linguagem comum128, cada poeta afirma sua nacionalidade
na potencialização de sua língua, na abertura que ela lhe permite para
confrontar-se com as outras culturas, evidenciando-se as versões que
lhe são próprias, pois é confrontando as diferenças que se assume em
definitivo o território de palavras que nos deu um mundo para habitar.
A essa discussão voltaremos no último capítulo, tal a importância da
questão no trabalho dos poetas que ora estudamos.
128. Cf. ANDERSON, 1989, p.14: “Dentro de um espírito antropológico, proponho, então, a
seguinte definição para nação: ela é uma comunidade política imaginada – e imaginada como
implicitamente limitada e soberana”.
129. Embora aqui e ali se assuma um tom próprio ao cronista, como em: “Há um fenómeno que me
surpreende sempre em Lisboa: no mês de Agosto, quando a cidade se esvazia, vêem-se pelas ruas
pessoas que falam sozinhas, que gritam, que fazem movimentos sem uma lógica aparente. Sei que
esses loucos estão normalmente ali; e que, no inverno, não deixam a cidade” (p. 59).
217
comum mesmo que, finalmente, o verdadeiro sentido do poema nos
escape a todos – ou vá, como dizia Rimbaud, à frente da acção.
[...]
De facto, é para assistir a esse milagre da criação poética que o poeta
continua a escrever, mesmo que não se trate senão de um pequeno
milagre, em todo o caso, o único milagre a que nós, os habitantes de um
mundo que perdeu já todos os deuses e mistérios, podemos ainda ter o
direito de assistir (MP, p. 57-58).
218
Um ritmo próprio regula a invenção das imagens
que, sob a ilusão nascida da sua existência,
transmitem um nexo oculto. Ao escrever, então,
não me limito a designar realidades do mundo
aparente, antes dou uma ordem diversa aos elementos
que a tradição me legou e que, através
do sopro da imaginação, me sugerem o poema. Não
se pense, porém, que essa “inspiração” determina,
de forma absoluta, aquilo que escrevo: não só
uma disposição anterior me impõe a frase literária
como também o estilo, essa marca individual
da linguagem, me integra numa expressão
mais vasta de sentimentos e ideias, na corrente
humana de uma procura de outra verdade – que
a língua vulgar é incapaz de reproduzir. Nalguns,
o verniz das convenções dissimula o esforço
autêntico, a alma ou, por outras palavras, a
revelação divina que o poema manifesta; noutros,
pelo contrário, é aquilo que se designou
por “génio”, particular manifestação da loucura,
que imprime um ânimo profundo às palavras
devolvendo-lhes, num raro brilho, a sua significação
primeira. Então, elas deixam ver uma parte
desse todo invisível que é a Criação; nada
ensinam: e não se pode, com rigor, falar de
conhecimento, de compreensão de um objecto
específico. Vemos a luz sem fixarmos a fonte,
banhamo-nos na água sem tocarmos o fundo. (CS, p. 29-30)
219
perfil que nasce nessa obscura extremidade;
ou se um eco pálido da frase antiga atravessa
a memória para que o ar a inscreva. Ar: pedra
abstracta, respiração de alma, sulco diurno de
nuvem; que imagem se concretiza num limite
do olhar, para logo se perder, fugitiva, na poeira
de um vento súbito? Ouvir-se-á o verso que a
circunstância evoca; e talvez se pressinta
a música desse corpo que a noite desejou. As
rimas são pobres na sua falta; um ritmo se
perde quando os dedos não tocam a pele, nem
os lábios imprimem noutros lábios a sua humidade.
Deixo o espelho da estrofe entregue à
decifração de quem reflete. A direcção do som
não coincide com o sentido das palavras. (CET, p. 29)
Note-se que o primeiro texto intitula-se “Teoria do poema”,
e o segundo, “Lição de desenho no atelier”. Em ambos, a reflexão
sobre a transformação que a arte produz, criando algo que, mesmo
relacionado à realidade, não pertence a ela, pois sua existência depende
da contemplação, de uma perspectiva de olhar. Assim, ocorre o que
Ricoeur chama de “referência de 2º nível”, ou seja, o poema cria a sua
própria referência, libertando-se da referência ordinária: “A metáfora
é, ao serviço da função poética, essa estratégia de discurso pela qual a
linguagem se despoja da sua função de descrição directa para aceder
ao nível mítico em que a sua função de descoberta se liberta” (s.d.a,
p. 368).
220
realidade e representação, entre o sentir e o pensar. Na poética que
ora examinamos, esse embate ganha voz por meio de uma primeira
pessoa que assume sua condição de poeta frequentemente a pensar o
seu próprio processo de criação, a pensar sua própria existência como
poeta. Essa afirmação é válida para todos os momentos da obra poética
do autor, mas é principalmente no seu primeiro livro publicado, A noção
de poema, que essa posição se apresenta como centro em torno do qual
a escrita vai se fazendo.
A poesia é o teatro, diz-me uma voz interior. Representar-me
em cada poema, montar-me um personagem, uma acção, um
ambiente.
226
Uns afastam-se, em busca de cidades
obscuras, nórdicas, seguindo o caminho
do inverno. É verdade que a chuva atrai
os mais tristes, os poetas, os que se
demoram na contemplação dos vidros,
esperando que a humidade deixe ver
o reflexo de um rosto que se perdeu;
mas também o caminho que seguiste foi
esse, e nenhum canto me conduz através
dele, como outrora a flauta guiava
os passos do pastor. Que rebanhos, porém
podem distrair o amante da sua obsessão?, ou
que vida permite, ainda, que se atravessem
pontes sem regresso, e se deixe para trás
a paisagem conhecida, o refúgio das margens?
Romantic idea that the poet and poem are one. When I write, I know I am subjugating the poet – I
know that I am not necessarily the poet in the poem. We may attribute this invention to Pessoa” [Eu
aprendi a escrever com ele, mas então tive que me libertar para poder escrever livremente, porque
ele estava presente demais em Portugal, ele está sempre por demais presente em nosso século
XX. O que é importante é o relacionamento entre o poeta e a pessoa. Depois de Pessoa, é muito
difícil manter a ideia romântica de que o poeta e o poema são um. Quando eu escrevo, eu sei que
estou submetendo o poeta – eu sei que não sou necessariamente o poeta no poema. Nós podemos
atribuir essa invenção a Pessoa].
229
ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua prática
confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte. (TGS, p. 136)
Não esqueçamos que a escrita ensaística de Júdice é assaz atenta à
metáfora como núcleo de elaboração ficcional em poesia. Em O processo
poético, aliás, há um estudo sobre “A metáfora na poesia francesa de
transição dos séculos XIX e XX”, no qual, analisando modos de
utilização da metáfora por Baudelaire, Mallarmé e Claudel, conclui que
neste último poeta “há uma evidência máxima do jogo figurativo:
O signo poético adquire, assim, uma opacidade que faz com que a sua
leitura seja, em grande parte, determinada por esse dizer. Afastamo-
nos radicalmente tanto da comunicação imediata que o Romantismo
pretendia como do hermetismo sabiamente trabalhado do Simbolismo.
O poema cria um efeito de comunicação que decorre desse jogo entre
o sentido primeiro e o sentido segundo da imagem – o que deixa um
espaço de não resolução da leitura que decorre do aspecto fantasmático
de uma das leituras da imagem a partir do momento em que a outra
ganha espessura, ou objectividade. A oscilação do sentido deixa de
depender do factor subjectivo ou da polissemia, com que jogam as
estéticas romântica e simbolista, sendo um efeito do dizer do poema
(p. 43).
Ora, tal atenção ao “efeito do dizer do poema” se estende, como
práxis, a toda a sua poesia, que continuamente explora a potencialidade
das imagens para que o poema diga mundos (estamos pensando, é
claro, na “redescrição de mundos”, segundo Paul Ricoeur), lugares do
imaginário que só a linguagem poética pode dar a conhecer. Escreve
ainda Nuno Júdice: “o poema deve manter o seu estatuto subversivo,
também aqui desligado do sentido social da palavra subversão, mas
antes remetendo para a vida, até no sentido mais cotidiano da palavra,
230
fazendo com que o olhar “aprenda” com a leitura do poema uma nova
imagem do mundo”133. E, em seus versos, lemos:
Há uma proposta essencial, um contrato, que une
a escrita a quem escreve; e não é a cumplicidade do criador
e da criatura, apenas, que pode resumir esse pacto
mas algo de mais profundo: união de existência que
concede o conhecimento do próprio inconcebível. (ES, p. 62)
Essa prática metamorfoseante se aplica também à vivência
da(s) memória(s), porque, se esta(s) já é (ou são), objetivamente, uma
transformação do real, falar do que se lembra é duplicar a transformação,
é movimentar o que jaz imóvel a um canto do ser ou da vida. Os poemas
de Júdice obsessivamente falam da memória e do tempo, dos limites
representativos das palavras, das imagens que, por meio da linguagem,
se criam, a envolver sujeitos de diferentes espaços: o eu no poema, o
leitor/ouvinte do poema, o próprio poeta como criador desse jogo de
relações. Dar voz à memória é fazer com que esses sujeitos enfrentem
o tempo, recontando histórias silenciadas ou esquecidas, fazendo o
reconhecimento de lugares (des)habitados que passam a ser ocupados
nos poemas. Rememorar é saber ler vestígios de paisagens, “fixando
sombras”, formulando estratégias de permanência sobre a brevidade da
vida, permitindo o “povoamento”. Diversos poemas, em todos os livros,
apresentam essa formulação, demonstrando realmente a importância
dessa questão no contexto maior da obra de Nuno Júdice. Em As regras
da perspectiva, lemos:
Mudança: chave de tantas das figuras
que construíram o poema, moldaram a
sua forma, abriram à sonoridade do cre-
púsculo os versos inúteis da madrugada,
– inspira, uma vez mais, a passagem das
sombras que procuram o abrigo do tempo,
sonhando o destino perecível do humano;
É como se o poema existisse por essa única razão: fixar a tua sombra.
(p. 137)
Fixar a sombra é o que faz essa escrita poética que registra versões
dos fatos, transformações das formas, imagens dos seres, enfim, escrita
que assume ser a ficção de realidades perdidas no movimento da vida.
Com essa perspectiva, o tempo do poema é o presente, porque é sempre
no presente da leitura que o poema “acontece” ou “diz” a sua existência.
Justamente porque essa poética não é biográfica, o passado não importa.
Cada texto é um presente permanente e um desafio de superação, um ir
à frente, metaforizando-se a ânsia de atingir o limite da linguagem e do
ser, no movimento do olhar ou do voo que se dirige para o horizonte,
232
espaço que começa a ser significativo na obra poética a partir de 1982,
ano de publicação de A partilha dos mitos:
Sem dúvida, a sensação de divino aparece a muitos, próxima ou
longínqua,
no curso da vida. E, como o pálido brilho da chama, indica o sombrio
[caminho
de um futuro. Mas só o poeta a recebe como duração, algo que nasce
entre a vegetação dos minutos, que as mãos da alma colhem num
êxtase
[musical,
e só ele por instantes compartilha uma vibração de eternidade
na inércia nocturna das aparências. Assim se desprende da humana
corrente;
[...]
[...] É ele,
habitante casual de uma respiração de casulo, no fértil sopro se move;
em cujas garras, imóveis, o pássaro da incerteza jaz.
Canta, essa ave, uma voz azul que rasga os ombros da noite,
E aluz alastra enquanto permanece o canto. Ao olhar se abrem os
contornos
de naturezas mortas, vultos litorais de um rumor de florestas,
o sofrimento baço das paredes do quarto onde as ervas reflectem o mar
agitado pelo vento mental de uma inesperada manhã.
[...]
[...] Ainda vi as asas,
manchadas de sombra, modelando a argila da definitiva imagem. Que
[opaco horizonte
abriga o seu voo? Que faroleiros do limite avistaram, pela última vez,
esse ser de efémera matéria? Aqui, uma nostalgia se mantém nos
ouvidos.
[Nada
se evade da pura ânsia de ficar, partindo...
233
Uma relação sobrevive se o poeta, ou a ave, se afastam
do humano. (PM, p. 226-227)
Essa concepção temporal do poema pode ser relacionada à
experiência da narração mítica a que Nuno Júdice alude em passagens
diferentes de sua obra. O mito suspende a tripartição temporal cotidiana
(passado, presente e futuro) e se instala numa temporalidade contínua,
o eterno retorno.
234
se tudo fosse incompreensível,
finge perder-te à saída, quando a luz
de um sentido te ofusca; depois,
recupera a direcção certa: mesmo
que haja outras para além dessa, e
outras invisíveis no lugar que deixaste. Mas
não olhes para trás: o que ficou, é
o irrecuperável; e nenhum rumo
te transporta de regresso à origem, como
nenhum dos braços futuros te restitui
o amor revelado num primeiro abraço. (MM, p. 62)
O tom dessa poesia frequentemente é pessimista e melancólico134;
no entanto, esse tom deve ser relativizado porque, de fato, não é seu
tom único, e sim expressão variável de diferentes sujeitos poéticos que
vão aparecendo na cena poética, representando um “drama em gente”
a falar de corrupção, perda e morte. Porém, muitas vezes a melancolia
se transforma num breve sorriso de quem sabe que o canto se faz de
ficção e que é, apesar de tanta negação, uma janela aberta, mirando o
horizonte para além das ruínas do mundo.
237
movimento do mundo que o formou. Assim, também se oferece como
lugar de acolhimento em meio a ruínas.
O homem que falava sozinho na estação central de munique
que língua falava? Que língua falam os que se perdem assim, nos
corredores das estações de comboio, à noite, quando já nenhum
quiosque vende jornais e cafés? O homem de
munique não me pediu nada, nem tinha o ar de
quem precisasse de alguma coisa, isto é, tinha aquele ar
de quem chegou ao último estado
que é o de quem não precisa nem de si próprio. No entanto,
falou-me: numa língua sem correspondência com linguagem
alguma de entre as possíveis de exprimirem emoção
ou sentimento, limitando-se a uma sequência de sons cuja lógica
a noite contrariava. Perguntar-me-ia se eu compreendia acaso
a sua língua? Ou queria dizer-me o seu nome e de onde vinha
– àquela hora em que não estava nenhum comboio
nem para chegar nem para partir? Se me dissesse isto,
ter-lhe-ia respondido que também eu não esperava ninguém,
nem me despedia de alguém, naquele canto de uma estação
alemã; mas poderia lembrar-lhe que há encontros que só dependem
do acaso, e que não precisam de uma combinação prévia
para se realizarem. – É então que os horóscopos adquirem sentido;
e a própria vida, para além deles, dá um destino à solidão que empurra
alguém para uma estação deserta, à hora em que já não se compram
jornais nem se tomam cafés, restituindo um resto de alma ao corpo
ausente – o suficiente para que se estabeleça um diálogo, embora
ambos sejamos a sombra do outro. É que, a certas horas da noite,
ninguém pode garantir a sua própria realidade, nem quando outro,
como eu próprio, testemunhou toda a solidão do mundo
arrastada num deambular de frases sem sentido numa estação
morta. (CET, p. 34)
238
A imagem da extrema solidão que esse poema apresenta fala
dessa espécie de morte que é a ausência de diálogo, e, reagindo a esse
vazio social e humano, o poema é um lugar em que a linguagem se
manifesta impondo o diálogo, requisitando o encontro. A melancolia
desse texto evidencia que não há mais lugar para a ilusão romântica de
que a poesia pode transformar o mundo; no entanto, falando da ausência
de linguagem compartilhada numa estação morta, afirma a ideia de
que o exercício da linguagem pode transformar o sujeito, tornando-o
apto a reavaliar o mundo e sua posição nele. Diz o poeta: “Por isso, ao
contrário da ideia romântica da poesia como transformação do mundo,
prefiro a formulação: a poesia como transformação do eu”135.
240
que
não é só o motivo pessoal da memória de um poeta, nem
a tentativa de reconstituir a figura de uma portuguesa
morta em itália, nem o canto sacrificial de dido na ópera
de purcell, que me levaram a escrever, agora, este
poema. De
resto, nenhum poema terá uma razão imediata – e
mesmo
aqueles que nascem de um episódio concreto depressa
nos levam
para uma zona abstracta de confluências interiores
de impressões e gestos que, sem o verso, não teriam tradução.
Assim, o soldado de Giorgione sai do quadro onde o
pintor
o fixou e, trazendo atrás de si o cão que, séculos depois,
afugentou as vacas do pasto de wittigkofen, pergunta-me
pelo ruy belo – sem que eu possa responder, ocupado
a escrever
este poema e a tentar explicar à portuguesa enterrada
em pisa por que é que, precisamente, foi a ária de dido
numa ópera de purcell que a trouxe até junto de mim.136 (RP, p. 47-48)
O processo dominante de citação manifesta o desejo de manter
o diálogo, apesar das diferenças, definindo traços comuns a garantir o
encontro entre os homens, mesmo no vazio e no silêncio do mundo.
Assim, o tema da comunhão possível pela palavra, cada vez mais atenta
à necessidade de guardar o humano do vazio de uma linguagem a qual,
falando sem parar, nada partilha ou ensina, contrasta fortemente com
o tema das ruínas e da fragmentação do mundo e do sujeito, numa
realidade massificadora e artificial. É impossível não voltar a pensar
no filme Asas do desejo, em que, em meio às ruínas urbanas, o velho
narrador insiste na palavra.
136. Procuramos manter a mesma disposição gráfica do poema publicado no referido livro.
241
À janela: sujeito, mundo, texto
“Escrevo na linha infindável do horizonte,
procurando a medida que o tempo sugere
eterna.”
Nuno Júdice, Enumeração de sombras
A configuração de paisagens é recorrente na obra de Nuno Júdice,
já que o olhar do poeta ou dos sujeitos que habitam sua poesia contempla
lugares na alma ou na rua, transformando-os em paisagens textuais,
apenas vistas ou experimentadas na linguagem. O enquadramento para
a ação de ver é, de forma frequente, a janela, pois é a partir desse espaço-
moldura que o(s) sujeito(s) dirige(m) sua atenção para elementos
diversos, estabelecendo os limites da própria paisagem, as suas regras
de perspectiva. A janela cotidiana de cada um são os olhos por meio
dos quais olhamos o mundo real; para o poeta, a janela é o texto que
se abre para uma outra realidade, com paisagens sempre novas. “[...]
Proponho-te um jogo: abrir e fechar / janelas como quem folheia um
livro.” (MM, p. 102)
242
a vida natural, sublinha por sua vez esse claro
sentido e esse preciso sentimento. Assim,
é num fragmento do poema que a natureza se revela
e o espírito a impregna, absorvendo a luz e
as formas de tudo o que se lhe torna presente:
o dia e a noite, a primavera e o inverno,
a água e a terra. Mas não é só nas oposições
que se encontra algo da matéria sensível do cosmos;
também nas imagens que unem e conciliam os opostos,
e que se identificam com um conceito de beleza,
se distingue o conflito essencial da vida
e a obscura energia de um movimento imóvel. O amor,
digo, corresponde a essa paragem no curso
de um rio sem imagens; e poderá falar-se
de transparência, de visão pura, ou de êxtase,
no breve instante que condensa todos os instantes,
e na emoção sem sentido a que todos os sentidos
conduzem. (ES, p. 49-50)
O leitor dessa obra poética progressivamente vai percebendo a
importância que a paisagem tem nela. Já são agora, em 2021, 49 anos de
poesia, com mais de 35 livros de poesia publicados, apresentando como
traço comum justamente a valorização do olhar e a contemplação das
mais diversas paisagens. Sem dúvida, todo poeta é um contemplador, e
seu ato de ver é sempre dinâmico e provocador de transformações. O
poema é, assim, um olhar verbalizado, e, portanto, paisagens são todos
os poemas. Mas na escrita de Nuno Júdice não há apenas o resultado do
olhar, e sim o processo e a problematização desse olhar, com a avaliação
da paisagem que ele define. “O caso é simples – se retirarmos à / frase a
filosofia que a corrompe. Os olhos / é que importam para a compreensão
do / que está por dentro das palavras. / Uma imagem nunca se reduz
ao plano só da abstracção / poética. Entra para dentro da alma com o
seu peso concreto; e a memória com- /fere-lhe a espessura do tempo.”
(CET, p. 77) Lembremos que um de seus livros intitula-se As regras
243
da perspectiva, e há muitas referências à pintura, quadros, paisagens
criadas por outros artistas137. Ordenemos, então, os níveis de paisagem
que sua poesia nos aponta, observando, porém, que tal ordenação é um
artifício de exposição, pois, na obra, as paisagens se interseccionam
frequentemente.
137. Em conversa informal com Nuno Júdice a respeito de Carlos de Oliveira, o escritor observou
que seu interesse pelo outro poeta estava num ponto comum: a paisagem, apreciando especialmente
os livros Micropaisagem e Finisterra. Lembremos, aliás, que o subtítulo de Finisterra é Paisagem e
povoamento.
244
poema.” (p. 133). Em O mecanismo romântico da fragmentação (1975):
“Obstinadamente escrevo, / sobre a usual interpretação do discurso, / o
desejo de aprender as palavras fundamentais / da diferença.” (p. 141);
“Sou um reflexo no vidro. Olho-me / fixamente, e o poema capta nesta
atitude. / Pudesse eu conhecer-me como se conhece / o poema...” (p.
150). Em Nos braços da exígua luz (1976), devem-se observar os muitos
textos que falam de outros textos e descrevem a situação do autor frente
a sua escrita. Citemos apenas os títulos: “A camiliana noite”, “Sob o
tampo do poema”, “Vaga lição”, “Fortuna”, “Para que esse autor regresse”,
“Femme à l’ombrelle”, “1886”, “Teoria do círculo”. Em A partilha dos
mitos (1982): “A literatura mexia-se na minha cabeça / como um réptil
asfixiado.” (p. 234); “Com as mãos rasgo o limite, também / eu entro na
oca circunferência onde a lira / doente tocou o ocaso.” (p. 235); “Vede
como o poema se forma, / em estratos sucessivos,” (p. 239); “Escrevia:
atingira a própria finalidade, consumava-se num sacrifício de si ao
papel, deixando-o manchado com as impressões do seu corpo.” (p. 245);
“Avanço em parágrafos, ferindo os joelhos nas arestas das palavras /
mágicas.” (p. 258).
247
Uma curva no tempo, como num caminho,
desvia o homem da direcção antiga. De súbito,
uma paisagem diferente: casas de madeira,
a cobertura negra da ponte, o verde dos
campos. Aí, senta-se numa pedra; não sabe
onde está; nem ouve que o chamam,
do fundo, para que regresse.
Um dia,
talvez se encontrem. (MSR, p. 9-10)
Ora, de cidades fala bastante Nuno Júdice. Em geral, elas não são
nomeadas, porque, afinal, todas são iguais. O sujeito poético, da janela,
olha as ruas, as lojas, as pessoas que transitam em sua solidão; no carro,
olha o engarrafamento, as estradas que cortam os campos; nos prédios, o
248
vazio dos corredores, a ausência do contato e da comunicação. A cidade,
qualquer cidade, grande ou pequena, é um lugar de passividade, de
incomunicabilidade e de ausências, porém é nela que está o “movimento
do mundo” e a concentração de ruínas.
Desembarcou numa sala sem dourados nem cadeiras:
madeiras velhas, jarras com flores de plástico, janelas
de vidros partidos para a auto-estrada. Nem vento
nem mar: só o ruído dos carros entrava pelas fendas
para ecoar no tecto (madeiras à vista entre os restos
de estuque). Depois, na rua, pendurou-se nos ferros podres
de antigas varandas. [...]
[...] O vale, coberto de casas, e
os montes invadidos por ferro-velho, ocultam um passado
de rebanhos e pastores.
[...] (MSR, p. 127)
Em oposição à terra, há o mar, que não é, no segundo momento
da poesia de Júdice, um espaço muito recorrente. Quando se torna
paisagem do poema, é espaço da viagem, da alma e do imaginário, pois
é nele que melhor se pode ver o céu e o seu limite virtual: o horizonte,
fundamental nessa escrita poética. É interessante, ainda, observar que
a presença do mar é um vestígio pessoano, lembrando o “mar interior”.
249
como é metáfora múltipla: a) da interioridade desse sujeito, o lugar
da alma; b) do próprio tempo – eternidade; e c) do texto como limite
da escrita. É também um espaço de contradição, pois tanto significa a
potencialidade, a plenitude e a totalidade, como representa o vazio, a
solidão e a impossibilidade. Se o espaço celestial remete para o divino,
a espiritualidade plena, a superação da condição terrestre, também
intensifica a pequenez, o isolamento e a precariedade humana na terra.
138. “nous ne nous occupons pas de la phénomélogie, mais de ce dont la phénoménologie elle-
même s’occupe” (apud COLLOT, 1989, p. 12).
251
une tempo e espaço e toda uma série de relações se estabelecem no ser e a
partir dele: a memória, a paisagem de abismo e a vertigem, expandindo-
se na experiência amorosa e poética, configuradas em paisagens que se
apresentam à consciência.
139. No original: “L’Autre représente à l’origine pour le sujet un horizon parfaitemente englobant,
dans lequel il se trouve inclus. Le corps maternel est, pour le nourrison le premier horizon, il se
confond avec la chair même du monde”. Todas as traduções de Collot são nossas.
252
Nós nos propomos a mostrar que a linguagem poética tem sempre por
horizonte uma certa experiência de mundo, que, entretanto, não se dá
aí senão “no horizonte”, de maneira distanciada, indireta e paradoxal,
porque o poema, se ele procura designar as coisas, tende também a se
constituir ele próprio como um objeto puramente verbal (1989, p. 153)140.
Mais adiante (p. 153), afirmará que “palavras e coisas são os dois
horizontes do poema”141. Na linguagem poética, o eu que fala é um
outro, estabelecendo-se um espaço aberto que pode ser ocupado por
qualquer um, para vivenciar a experiência poética que se define por
três momentos essenciais: o apelo, a espera e a errância, os quais não
se organizam necessariamente de forma linear no poema. O apelo é a
necessidade que o poema tem de responder ao vazio e ao invisível das
coisas. Existe portanto uma apelo do horizonte desejando manifestar-
se na linguagem poética. A espera, “para o poeta, é colocar-se à escuta
do silêncio para perceber o eco imperceptível de um apelo ele próprio
inapreensível” (1989, p. 162)142. A errância é a busca do desconhecido,
do intervalo que há entre a palavra e o sujeito. “A experiência poética é
assim, como a própria existência, uma totalização sempre inacabada”
(p. 169)143.
140. “Nous nous proposons de montrer que le langage poétique a toujours pour horizon une
certaine expérience du monde, que pourtant ne s’y donee précisément, que ‘ en horizon’, de manière
détournée, indirecte et paradoxale, car le poème, s’il cherche à désigner les choses, tend aussi à se
constituer lui-même comme un objet purement verbal”.
141. “Mots et choses sont les deux horizons du poème [...]”.
142. “pour le poète, c’est se mettre à l’écoute du silence pour percevoir l’écho imperceptible d’un
appel lui-même insaisissable, tendu vers une réponse encore sans répondant”.
143. “L’expérience poétique est donc, comme l’existence elle-même, une totalization toujours
inachevée”.
253
poética não é nem identificante nem objetificante, mas modificante e
“mundificante” (1989, p. 174)144.
Assim, o referente do poema é um “universo imaginário” que
constitui uma versão singular de mundo, já que dependente de cada
subjetividade, concluindo que: “É a objetividade que é uma ficção; e o
imaginário é ao contrário um instrumento de conhecimento do real” (p.
175)145. O poema configura as infinitas variações de mundo, redefinindo
o referente, que é concebido como se fosse um reservatório contendo a
totalidade das experiências que temos do objeto. Portanto, o poema não
é fechado em si, mas se constitui como poema justamente pela abertura
ao além de si. “A textualidade do poema reenvia à textura do universo”,
já que “o poema faz ver o mundo na medida em que é ele próprio um
mundo que se faz ver” (p. 178)146.
144. “La notion de référence est trop souvent liée aux concepts d’identité et d’objectivité. La
référence est en général conçue comme le mouvement par lequel un mot s’identifie à un objet
défini une fois pour toutes en permettant de l’identifier. Or la référence poétique n’est ni identifiante
ni objectivante, mais modificante et mondifiante”.
145. “C’est l’objectivité qui est une fiction; et l’imaginaire est en revanche un instrument de
connaissance du réel”.
146. “La textualité du poème renvoie à la texture de l’univers [...] le poème fait voir le monde parce
qu’il est lui-même un monde qui se fait voir”.
254
Se até agora estava(m) em reflexão o(s) modos(s) como o poeta
experimenta o mundo por meio da linguagem, é chegado o momento
de pensar no outro que é o leitor. Estudando os dêiticos na linguagem
poética, Collot põe em discussão o lugar da leitura. A função dêitica ocorre
quando a linguagem mostra o mundo, e esse mostrar é particularmente
o movimento da escrita poética que não pode ser reduzida a apenas uma
estrutura linguística, pois o poema é um “discurso”, isto é, um sistema
de alocução. Naturalmente, Collot lê Benveniste e dele retira as reflexões
sobre as relações discursivas em torno dos “indicadores” (os pronomes
pessoais, demonstrativos, advérbios de lugar e de tempo). Essas formas
constituem os indicadores discursivos por excelência e põem em
funcionamento o dialogismo, demarcando a presença do emissor e
receptor, falante e ouvinte, escritor e leitor. No poema, essas relações se
elaboram em tensão, já que, se o poema é um “mundo suposto” (p. 201),
o leitor deverá participar de um pacto de enunciação. Nesse sentido, o
diálogo é o horizonte do poema e determina sua escrita/leitura.
Os pronomes eu e tu são vazios de referente fixo; eles não se “preenchem”
senão em função de cada nova situação discursiva que redistribui os
papéis de emissor e de receptor. No caso do poema, são a cena da escrita
e a cena cada vez diferente da leitura que representam esse papel de
contexto de referência (1989, p. 203)147.
Em sua conclusão, Collot considera que a noção de estrutura de
horizonte permite compreender que a escrita poética é constituída pela
união de dois movimentos: a constituição de uma estrutura e a abertura
de um horizonte, que se reflete nos níveis da referência e organização
semântica, e também nos níveis de percepção e interpretação. Assim, o
ato de escrita poética se reflete no ato de sua leitura, uma vez que, como
atividade hermenêutica, requer também dois movimentos: um ato de
imaginação e um ato de estruturação. Nesse momento, Collot, já ao final
de seu estudo, está claramente em diálogo com a estética da recepção,
que introduziu a noção de horizonte na linguagem da teoria literária. As
147. “Les pronoms Je et tu son vides de référent fixe; ils ne se “remplissente” qu’en fonction de
chaque situation discursive nouvelle que redistribue les rôles du locuteur et de l’allocutaire. Dans
le cas du poème, c’est la scène de l’écriture, et la scène chaque foi différente de la lecture que jouent
ce rôle de contexte de référence”.
255
citações que se misturam à sua própria escrita são retiradas de L’acte de
lecture, de Wolfgang Iser.
Toda obra oferece diversas perspectivas de interpretação; em cada
momento de seu percurso, o leitor, que ‘pode se situar simultaneamente
em todas as perspectivas’, é conduzido a escolher uma entre elas, as
quais correspondem por um lado a seu próprio ponto de vista sobre o
mundo, de outro às sugestões da própria obra. O ponto de vista retido
constitui então o ‘tema’ que guia sua atenção, o fio condutor de sua
interpretação. Porém, as perspectivas rejeitadas não são por esta razão
pura e simplesmente abandonadas; elas continuam se apresentando ‘na
margem do campo visual’, onde ‘elas adquirem a marca de horizonte
(1989, p. 255)148.
Podemos agora fechar os parênteses e reatar o diálogo com
a poesia de Nuno Júdice, considerando com uma perspectiva mais
alargada a questão do horizonte como paisagem forte em sua escrita.
As reflexões que Collot faz para ler a poesia francesa contemporânea
parecem se refletir na escrita do poeta português. O horizonte também
em Júdice é uma estrutura temporal e espacial que não apenas representa
os temas do longínquo, da referência impossível, do indizível, das
impossibilidades que geram realmente uma escrita perpassada de
melancolia, como também, e principalmente, do nosso ponto de vista,
estrutura o próprio conteúdo crítico do ato poético, enquanto atividade
de escrita e de leitura carregada de possibilidades de redescrição do
mundo por meio do processo de criação, que é realizado pelo escritor e
renovado pelo leitor. Na linguagem teórica de Ricoeur, podemos dizer:
mundo configurado pela escrita e refigurado pela leitura.
148. “Toute oeuvre offre plusieurs perspectives d’interprétation; à chaque moment de son parcours,
le lecteur, qui ‘me peut se situer simultanément dans toutes les perspectives’, est conduit à choisir
une d’entre elles, que correspond d’une part à son propre point de vue sur le monde, d’autre part
aux suggestions de l’oeuvre elle-même. Le point de vue retenu constitue alors le ‘thème’ qui guide
son attention, le fil conducteur de son interprétation. Mais les perspectives rejetées ne sont pas pour
autant purement et simplement abandonnées; elles demeurent apprésentées ‘en marge du champ
visuel’, où ‘elles acquièrent le caractère d’horizon’”.
256
interpretativa, mas um modo consequente de compreender mais
intensamente o diálogo aqui proposto entre esse poeta e Carlos de
Oliveira. Neste último, a escrita também recorta paisagens do mundo.
E esse recortar não é uma seleção (re)organizadora do real? Tal como
a poesia de Júdice, a de Oliveira interroga a linguagem poética e os
processos de sua construção, questionando a ação de conhecimento
que impele o homem a habitar o mundo, habitando a linguagem. Essa
posição estética exigiu a reflexão intensa sobre a própria elaboração
da escrita literária e um acompanhamento microcósmico da criação
imagética, buscando atingir, na brevidade dos versos, na contenção da
emotividade, na minúcia exploratória e reelaborativa de sua obra, o
ponto de fuga (o seu horizonte) que reunisse linhas de perspectiva a dar
conta do conhecimento de si (memória e vivência) e do conhecimento
do mundo (realidade e ficção). Na obra de Nuno Júdice, a permanência
dessas interrogações cognitivas pode significar a continuidade da
rejeição da realidade urbana contemporânea, múltipla, fragmentada,
caleidoscópica, artificial e desumanizadora, forçando o sujeito poético
a buscar na linguagem a capacidade humana original de doação de
sentidos ao mundo circundante. Os dois poetas contemplam o espaço
celeste e o confrontam com a terra. Escreve Nuno Júdice, em “Um
problema celeste”:
O céu não coincide com o paraíso
mas com as nuvens, o sol e,
mais em baixo,
os pássaros que, quando cantam,
o evocam.
257
Quando chove, porém,
parece que não existe céu.
Nesses dias, mais vale olhar a terra
onde as gotas caem,
formando charcos que,
quando voltar o sol,
hão-de reflectir o céu.
259
são produzidas por um olhar português e são estabelecidas no território
da língua portuguesa. Júdice acaba por realizar o que já afirmara Pessoa/
Bernardo Soares: a minha pátria é a língua portuguesa, e nesse lugar,
na linguagem, o seu Portugal é fingido silêncio, topos deslocado em
confronto tenso com o olhar europeu. É preciso imaginar-se outro para
se reconhecer, para dizer a identidade de sua cultura.
260
livros fechados; e convivo com azuis, verdes, castanhos,
roubados à terra pelos olhos que perdi no teu rosto ausente.
261
CARLOS DE OLIVEIRA E NUNO JÚDICE:
PERSONAGENS DA MESMA HISTÓRIA
149. Citado por Eduardo Prado Coelho (1997, p. 99). Manuel Maria Carrilho é filósofo e foi
ministro da Cultura de Portugal nos XIII e XIV Governos Constitucionais, dirigidos por António
Guterres.
262
Cultura poética
[...] verificamos que os próprios homens não são escritores da
linguagem, mas constituídos, formados pela linguagem. E isto
quer dizer que a própria linguagem é produtora de cultura.
Ou, por outras palavras, uma linguagem pode criar um espaço
simbólico tal que pode produzir uma cultura ou o próprio sujeito
dessa cultura.
Fernando Guimarães (apud SILVA e JORGE, 1993, p. 99-100).
A arte do século XX, ao refletir a velocidade das transformações
e a relatividade dos valores, definiu-se como atividade em contínua
elaboração, reavaliando o conceito de tradição. A descrença em
qualquer princípio totalizador, com a “destruição da imagem do
mundo”150 pelo domínio da técnica, gerou a modernidade e rompeu
em definitivo com a ideia de que a obra de arte poderia “imitar”
o mundo. Sem formular respostas definitivas, sem acreditar em
idealismos ou transcendentalismos, a arte contemporânea assumiu as
perplexidades do século XX e se constituiu, na sua diversidade, como
discurso interrogativo sobre a existência do sujeito, as experiências de
mundo e os próprios limites de sua atividade. Por isso, intensificou-
se, principalmente em relação à poesia, o diálogo com a filosofia,
compartilhando-se a necessidade de indagar sobre a condição humana
a partir da linguagem.
150. PAZ, 1991, p. 99: “Para a técnica o mundo não é nem uma imagem sensível da ideia nem
um modelo cósmico: é um obstáculo que devemos vencer e modificar. O mundo como imagem
desaparece e em seu lugar se erguem as realidades da técnica, frágeis apesar de sua solidez, já que
estão condenadas a ser negadas por novas realidades”.
263
assemelham-se pela reflexão contínua sobre a cultura que os formou e
com a qual continuam dialogando pelo ato de leitura de suas obras.
265
sua “comunidade de escritores”. Nesse sentido, é de destacar o poema
dedicado a Carlos Drummond de Andrade, estrangeiro de mesma
língua, espelho no mesmo nome, no qual Carlos de Oliveira presta
homenagem àquele que está “habituado / ao arquétipo escrito / da
lavoura” “na outra margem do mar”. Há, nessa comunidade de escritores
(poetas e romancistas) de épocas diversas, clássicos, românticos,
simbolistas e contemporâneos, falando do tempo, da morte, do mal-
estar da vida, mas, principalmente, da própria atividade literária. Leia-
se um soneto de Shakespeare “reescrito em português”:
Comparar-te a um dia de verão?
Há mais ternura em ti, ainda assim:
um maio em flor às mãos do furacão,
o foral do verão que chega ao fim.
Por vezes brilha ardendo o olhar do céu;
outras, desfaz-se a compleição doirada,
perde beleza a beleza; e o que perdeu
vai no acaso, na natureza, em nada.
Mas juro-te que o teu humano verão
será eterno; sempre crescerás
indiferente ao tempo na canção;
e, na canção sem morte, viverás:
Porque o mundo, que vê e que respira,
te verá respirar na minha lira. (O [TH], p. 148)
Em relação aos escritores portugueses evocados, o encontro/
desencontro faz revelar visões de mundo e textuais que o escritor
moderno contrasta e questiona com a situação portuguesa em que vive e
com a escrita que produz. Leia-se, por exemplo, o “Vilancete castelhano
de Gil Vicente”151, que Carlos de Oliveira “reescreve” na década de 1950,
escolhendo não a sátira do teatro vicentino, mas a melancolia mesclada
151. “Por mas que la vida pene, / no se pierda el esperanza, / porque la desconfianza / sola la muerte
la tiene. / / Si fortuna dolorida / tuviera quien bien la sienta, / sentirá que toda afront / se remedia
con la vida. / y pues doble gloria tiene / despues del mal la bonanza, / no se pierda el esperanza / en
quanto muerte no viene.” (VICENTE, 1979, p. 318).
266
à esperança transmitida pelo lírico, ecoando no tempo de desesperança
que é essa década em Portugal:
Por mais que nos doa a vida
nunca se perca a esperança;
a falta de confiança
só da morte é conhecida.
Se a lágrimas for cumprida
a sorte, sentindo-a bem,
vereis que todo o mal vem
achar remédio na vida.
E pois que outro preço tem
depois do mal a bonança,
nunca se perca a esperança
enquanto a morte não vem. (O [TH], p. 143)
Note-se que os escritores portugueses chamados a dialogar
são predominantemente poetas; portanto, é uma tradição lírica que é
invocada e que revela como temáticas a melancolia frente ao mundo e a
relação tensa com a pátria. Recordemos que esse diálogo é mais explícito
na primeira fase de sua produção e que, na segunda, a citação direta
vai rareando, até se transformar num processo de inscrição de vestígios
a ser recuperado pelo leitor. No entanto, mais importante é observar
que, entre os poetas citados, um deles é o mais confrontado: Camões.
A presença camoniana, ao longo de toda a obra de Carlos de Oliveira,
ocorre mais de uma vez152 e, significativamente, está presente também
no último livro de poesia. O Camões retomado é predominantemente
o lírico, e essa escolha evidencia uma posição que nega a tradição
ideológica de glória e de louvor pátrio com o uso e abuso dos versos
épicos camonianos, os quais, aliás, ao aparecerem na escrita de Carlos
de Oliveira, sofrem diluição e são invocados na “diferença”.
Tágides trazendo,
do alto mar à água doce,
152. Observe-se que o tom épico domina a primeira fase, quando o poeta é arauto, luta pela
transformação da história coletiva, da pátria portuguesa.
267
a escama, o fósforo, da espuma;
e o sal saturado de vento
a explodir no rio,
nas suas rugas;
com a luz eléctrica baixando
às páginas fac-similadas
do pelicano para a esquerda:
círculo completo
que as centrais, as redes,
mantêm tenso e branco
como a lua; já reconstituída;
a desprender-se do horizonte;
tágides, por fim sobre cavalos
claros; nuas; inventando
um som diferente
aos decassílabos. (O [EDM], p. 354)
Invocando o lírico, invoca também o poeta do tempo, do
desconcerto, mas principalmente atualiza o clássico em termos de
domínio do verso e consciência do trabalho poético, a linguagem
camoniana como (des)encanto e também como canto que se contempla
no domínio da língua. Em Pastoral, ainda é Camões que ressoa num
poema de tom amoroso-erótico, num discurso de resíduos formulado
por uma escrita desconstrutora que domina suas últimas obras.
Numa espécie
de fogo: amor é fogo
que arde sem se ver;
porque não é
de facto fogo este frio aceso;
da saliva à lava
passa pela espuma. (O [P], p. 403)
Portanto, se no primeiro momento da obra de Carlos de Oliveira
há um tom épico na voz do poeta moderno, arauto e combatente, no
268
segundo o tom é lírico, com gradual despersonalização do sujeito e
neutralização da sombra camoniana. Escritor que acredita no valor da
forma (“O amor das palavras vivas, incisivas, o aprofundamento dos
meios de expressão, é o dever mais elementar do romancista, do poeta”)
(O [AF], p. 470), não repudia a tradição clássica, mas põe em tensão
a presença camoniana na atualidade da cultura poética portuguesa, na
medida em que configura uma forma de poder153.
154. A presença pessoana, como tema ou como sombra a ser enfrentada, está em sua poesia,
romance, teatro e ensaística. Em entrevistas ou reflexões diversas, a importância de Pessoa para a
definição de sua própria escrita é confirmada sem dificuldade.
270
sentido de rigor e exigência poéticos, que reconhecem ser a literatura
uma continuidade de partilha de escritas através do tempo. Por isso, a
história da poesia contemporânea deve levar em conta que, mais do que
nunca, há uma simultaneidade de tempos, e os poetas, distantes entre
si pela geração, encontram-se necessariamente em diálogo. As obras
desses dois autores, portanto, narra uma “história” da poesia, na medida
em que demonstram ser a escrita literária uma atividade de reflexão no
tempo e sobre tempos diversos da linguagem.
Cultura portuguesa
“O futuro de Portugal foi, desde cedo, o ‘lá fora’, a distância,
nossa ou alheia. Foi a Índia, o Brasil, a África, recentemente e a
vários títulos, a Europa. Hoje, é a primeira vez que Portugal e os
portugueses têm de desenhar, de conceber, de inventar e se dar
um futuro a partir de si mesmos.”
Eduardo Lourenço (1998, p. 25).
Se aceitamos a ideia de que o texto literário é, no sentido mais
amplo, uma narrativa que configura e refigura mundos, pensar uma
literatura nacional é pensar também o modo como ela reflete a sua cultura
e sociedade. Assim, no contexto da literatura portuguesa, examinar
criticamente as obras poéticas de Carlos de Oliveira e de Nuno Júdice é
meditar sobre a cultura que os formou, fundada sobre uma determinada
língua e a partir de um território físico com sua realidade, História e
imaginário. Dessa forma, os poetas têm como questão comum Portugal,
sua identificação como país e nação na Europa, além de lugar de uma
cultura específica no âmbito ocidental155.
156. Ver artigo de Jacinto do Prado Coelho (1983, p. 129-134), “Portugal imaginário e verdadeiro
na poesia portuguesa”, no qual se apontam os muitos poetas que dedicaram versos a essa questão.
157. Cf. Eduardo Lourenço em SILVA e JORGE, 1993, p. 40.
158. Cf. VAL, 1994, p. 77, citando Du baroque, de Eugenio D’Ors: “Finisterres – Irlande, Bretagne,
la Galice espagnole, le Portugal, les premièrs iles de l’Océan... Au fond de leur âme, la panique.
La panique, acquise immémorialement du temps où ces terres se trouvaient au bord d’une mer
à laquelle on ne connaissait pas de limite” [Finisterras – Irlanda, Bretanha, a Galiza espanhola,
Portugal, as primeiras ilhas do Oceano... No fundo de suas almas, o pânico. O pânico, adquirido
imemorialmente do tempo onde essas terras estavam à beira de um mar do qual não se conheciam
limites].
272
para uns, formalismo esteticista; para outros, um discurso de falência e
desistência, um “mundo que parou”. Espantou, talvez, que essa escrita
que nunca negou sua adesão neorrealista, seu interesse político, calasse a
história social, a história da nação, para exilar-se num mundo de palavras.
159. Participou do I Congresso dos Escritores Portugueses (comissão), em maio de 1975, que
discutiu o nível de participação política do escritor na sociedade portuguesa pós-revolução. Cf.
RIBEIRO, 1993, p. 503 e passim.
273
Trata-se, então, de dois poetas de idades diferentes, de projetos
estéticos e ideológicos diversos, que se encontram numa mesma opção:
a rasura de Portugal como significante160 no silenciamento do canto
histórico valorizado pela tradição nacionalista, para que outra história
mais fundamental se possa ouvir. Ocorre uma urgente desterritorialização
política, social e mítica, reagindo de forma corajosa a uma História
imposta e cheia de lacunas, a uma sociedade centrada inutilmente em
si e como que parada no tempo. No entanto, é preciso que se entenda
que a rasura, o silenciamento não fazem a terra inexistir, pois ficam os
vestígios, os fragmentos, mesmo as ruínas, e, neles, está o Portugal que
lhes importa, paisagem materna, linguística e cultural, lugar primeiro
de conhecimento de si e do mundo, através de um imaginário que se
configura e se estrutura em língua portuguesa. Sobre isso, é relevante
lembrar um poema de Nuno Júdice intitulado “O nome de Estefânia no
castelo de Hohenzollern”, no qual o sujeito poético percorre um museu
estrangeiro e nele se depara com um nome português:
Os nomes nada significam sem a imaginação de um
corpo: rostos inexistentes dão figura a reis e
filósofos da Antiguidade. [...]
[...] Tudo integra uma
ordem genealógica que sobrevive à ignorância da
História. Salas, corredores, armaduras, quadros, des-
critos em bom alemão pela guia cuja memória invejo,
encontram os seus antigos habitantes do discurso
a que o tempo deu conveniente arrumação. [...]
[...] Reduzido a datas e efemérides,
o passado cansa – sobretudo quando nada se per-
cebe da língua em que nos falam. Foi então que o
nome de Estefânia, rainha de Portugal, me apareceu
inscrito numa parede da capela. O mais insignificante da visita;
uma simples notação de arquivo de
160. Aproveito afirmação de Eduardo Prado Coelho em debate registrado em SILVA e JORGE, 1993,
p. 40: “Chegamos àquilo que se pode traduzir assim: a identidade portuguesa é um significante”.
274
família. Nem um retrato, nem uma indicação bio-
gráfica. Mas esse nome voltou a chamar-me à realidade
de uma existência concreta, com os sentimentos
e emoções do ser. (CET, p. 43)
A obra poética de Carlos de Oliveira a partir dos anos 1960 e a
de Nuno Júdice a partir de 1970 faz a crítica do uso da linguagem para
falar do ser e do mundo, falam da portugalidade como cultura e não
território político, falam a partir de janelas que se abrem para territórios
de palavras. Há, assim, o que podemos chamar de reterritorialização,
movimento de ocupação da língua e nomeação dessa língua no espaço
cultural do mundo. Se “o país saltou do mapa” (CET, p. 79), o lugar
vago será preenchido por palavras que, sem falar dele, é ainda dele que
falam, pois falam de um lugar de cultura, de um lugar que se demarca
numa língua. Há, então, uma geografia imaginária, onde o mar, espaço
simbólico no imaginário português, é substituído pela terra, a partir
da qual se narra outra demanda simbólica da diferença cultural161.
Suas obras, assim, representam o esforço que a poesia portuguesa
contemporânea faz para cumprir a modernidade que Pessoa/Orpheu
defenderam: criar uma arte cosmopolita no tempo e espaço, assumindo
sua autonomia na linguagem162.
276
UM MODO DE FIM
277
meio cognitivo capaz de redescrever sempre criticamente o real, criando
mundos e redimensionando as relações entre sujeito, linguagem e
realidade, conforme mostram os estudos hermenêuticos de Paul
Ricoeur. Além disso, partindo do pressuposto de que a literatura é um
discurso configurador e refigurador da temporalidade, defendemos que
a linguagem poética é também uma ação eminentemente narrativa, a
dar conta da presença do sujeito na História.
280
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS163
De Carlos de Oliveira
De Nuno Júdice164
Poesia
JÚDICE, Nuno. A condescendência do ser. Lisboa: Quetzal, 1988.
______. Enumeração de sombras. Lisboa: Quetzal, 1989.
______. As regras da perspectiva. Lisboa: Quetzal, 1990.
______.Obra poética (1972-1985). [A noção de poema, O pavão
sonoro, Crítica doméstica dos paralelepípedos, As inumeráveis
águas, O mecanismo romântico da fragmentação, Nos braços da
163. Citamos todas as obras diretamente indicadas ao longo do estudo, mas também as que
indiretamente marcaram o percurso de reflexão e redação original da tese defendida em 2000.
Consideramos que pode ser uma fonte bibliográfica útil a jovens pesquisadores, por isso deixamos
aqui esta memória de leituras.
164. Para o poeta Nuno Júdice, listamos apenas as obras estudadas ao longo do estudo, considerando
o ano limite de 1999. Mas, ao final, em anexo, juntamos a relação atualizada de suas obras.
281
exígua luz, O voo de Igitur num copo de dados, A partilha dos
mitos, Lira de líquen e Rimbaud inverso]. Lisboa: Quetzal, 1991a.
______ e CHAFES, Rui. Uma sequência de outubro. Une sequence
d’octobre. Lisboa: Livro de Artistas – Comissariado para a
Europália 91, l991b.
______. Um canto na espessura do tempo. Lisboa: Quetzal, 1992.
______. O movimento do mundo. Lisboa: Quetzal, 1996.
______. Meditação sobre ruínas. Lisboa: Quetzal, 1996.
______. A fonte da vida. Lisboa: Quetzal, 1997a.
______ e MARTINS, Jorge. Raptos. Lisboa: Quetzal / Casa
Fernando Pessoa, 1998.
______. Teoria geral do sentimento. Lisboa: Quetzal, 1999.
Ensaio
______. A era do “Orpheu”. Lisboa: Teorema, 1986.
______. O processo poético. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, 1992.
______. Portugal, língua e cultura. Lisboa: Comissariado de
Portugal para a Exposição Universal de Sevilha, 1992.
______. Voyage dans un siècle de littérature portugaise. Bordeaux:
L’Escampette, 1993.
______. Viagem por um século de literatura portuguesa. Lisboa:
Relógio d’Água, 1997b.
______. As máscaras do poema. Lisboa: Aríon, 1998.
282
Artigos e crônicas em jornais e periódicos
______. Rimbaud et Mallarmé: des parcours complémentaires.
Ariane, n. 2. Lisboa, 1983. p. 233-236.
______. Percursos de Perse – sobre a dinâmica do espaço. In:
SEIXO, Maria Alzira (Coord. e pref.). Poéticas do século XX.
Lisboa: Livros Horizonte, 1984. p. 31-37.
______. O lugar do filólogo. Diário de Lisboa, 4 jan. 1990. p. 6.
______. O século XIX e o modernismo na ficção de Mário de
Sá-Carneiro. Colóquio/Letras, n. 117/118. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, set./dez. 1990. p. 54-59.
______. O duelo da subjectividade. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 11-17 jun. 1991. p. 18.
______. O castelo e o hamburguer. Ler, n. 15. Lisboa, 1991. p.
80-81.
______. Hölderlin e a reflexão poética. Runa. Revista Portuguesa
de Estudos Germanísticos [Colóquio Interdisciplinar Friedrich
Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto de Estudos Alemães –
Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 65-70.
______. O alfabeto da casa. Limiar, n. 7. Lisboa: 1996. p. 49-50.
______. Uma poesia da vida. Hablar / Falar de Poesia. Revista
Hispano-Portuguesa, n. 1. Lisboa: Casa Fernando Pessoa, out.
1997c. p. 6.
______. A poesia, hoje, ocupa o lugar da eloquência. Relâmpago,
n. 2. Lisboa, abr. 1998. p. 41-43.
______. Inquérito sobre a poesia portuguesa do século XX
[resposta]. Cadernos de Serrúbia, n. 3. Porto: Fundação Eugénio
de Andrade, dez. 1998. p. 41-42.
283
De outros poetas165
289
MARTINS, António Manuel. O jogo da verdade: perspectivas e
materializações do olhar em Finisterra, de Carlos de Oliveira.
Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1994.
MARTINS, Manuel Frias. Finisterra – paisagens e povoamento.
In: ______. Sombras e transparências da literatura. Lisboa:
Instituto Nacional – Casa da Moeda, 1983. p. 113-120.
MATOS, Nelson de. Micropaisagem, um espaço de rigor e
harmonia. In: ______. A leitura e a crítica. Lisboa: Estampa, 1971.
p. 107-154.
MENEZES, Salvato Teles. Carlos de Oliveira: uma poética do
realismo. O Diário. Lisboa, 24 de abril 1983. p. 6-7.
MORÃO, Paula. Carlos de Oliveira: a matéria da poesia. In:
BASÍLIO, Kelly; GUSMÃO, Manuel (Org.). Poesia & ciência.
Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F. – Groupe Universitaire d’Etudes de
Littérature Française, 1994. p. 137-147.
MOREIRA, Vital. Contribuição para uma bibliografia. Vértice, n.
450 e 451. Lisboa, 1982.
NUNES, Natália. A ressurreição das florestas. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1997.
OROFINO, Orlando. Trabalho poético de Carlos de Oliveira.
[Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.] Rio de
Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1980.
PARRADO, Luís Filipe Praxedes. Por uma voz própria: a
questão intertextual em Terra de Harmonia de Carlos de
Oliveira. [Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa
Contemporânea.] Lisboa: Universidade de Lisboa, 1996.
PEREIRA, José Paulo. Da descrição à memória: uma cartografia
transtornada. [Dissertação de Mestrado em Literatura
Comparada.] Lisboa: Universidade de Lisboa, 1995.
290
PEREIRA, Maria Eduarda Pais Vassalo. Carlos de Oliveira, “Na
floresta” de O aprendiz de feiticeiro. [Prova complementar para
Doutoramento em Literatura Portuguesa.] Lisboa: Universidade
de Lisboa. 1997.
PIRES, José Cardoso. Sobre o lado esquerdo. Jornal de Letras,
Artes e Ideias. 7-20 jul. 1981. p. 17.
POPPE, Manuel. Um prosador admirável – O aprendiz de
feiticeiro, de Carlos de Oliveira. Diário Popular. Lisboa, 22 abr.
1971. p. 8-10.
REIS, Carlos. Representação lírica e pragmática ideológica.
In: ______. O discurso ideológico do Neorrealismo português.
Coimbra: Almedina, 1983. p. 414- 447.
RODRIGUES, Urbano Tavares. O desejo da perfeição. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 28 jul. 1992. p. 16-17.
ROSA, António Ramos. Entre duas memórias. Colóquio/Letras,
n. 7. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, maio 1972. p. 80-82.
SANTOS, Acácio Luiz. Construção do tempo em Finisterra, de
Carlos de Oliveira: processos e exegese. [Dissertação de Mestrado
em Literatura Portuguesa.] Rio de Janeiro: Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 1993.
SEIXO, Maria Alzira. Paisagem e narração em Finisterra, de
Carlos de Oliveira. In: ______. A palavra do romance. Lisboa:
Livros Horizonte, 1986. p. 114-123.
SILVESTRE, Osvaldo Manuel. Slow motion: Carlos de Oliveira e
a pós-modernidade. Braga: Angelus Novus, 1995.
______ (sel., quadros cronológicos, introd., bibliogr. e notas).
Trabalho poético (antologia) de Carlos de Oliveira. Braga –
Coimbra: Angelus Novus, 1996.
SOARES, Francisco. Ritos de passagem – situação de uma poesia.
Letras & Letras, 18 dez. 199l. p. 6.
291
SOUZA, João Rui de. Minuciosa, áspera memória. [Resenha sobre
Entre duas memórias, de Carlos de Oliveira.] Crítica. Lisboa, jan.
1972. p. 5-6.
TEIXEIRA, Paulo. Transparência e harmonia. Jornal de Letras,
Artes e Ideias. Lisboa, 2 jul. 1992. p. 18.
TORRES, Alexandre Pinheiro. Em memória (fiel) de Carlos de
Oliveira. Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, jul. 1981. p. 13.
______. Um universo estético. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 2 jul. 1991. p. 17.
VAL, Terezinha de Jesus da Costa. O lugar poético de Casa na
duna. [Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa.] Rio
de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1977.
______. Do feminino em Carlos de Oliveira. Cadernos do 3º
Encontro Nacional Mulher & Literatura, n. 2. Florianópolis, 1989.
p. 138-142.
______. Estrutura/escritura em Casa na duna, de Carlos de
Oliveira. Boletim do Sepesp, n. 4. Rio de Janeiro: UFRJ, 1991. p.
69-80.
______. Finisterra: uma textura em contraponto. Anais do XIII
Encontro de Professores Universitários Brasileiros de Literatura
Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, FUJB, Fund. Cultural Brasil-
Portugal; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992. p. 239-
245
______. O lugar poético da escrita de Carlos de Oliveira. [Tese
de Doutoramento em Literatura Portuguesa.] Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras,
1994.
VÉRTICE. N. 450/451 [número duplo dedicado a Carlos de
Oliveira, com diversos estudos sobre sua obra]. Lisboa, set./out.,
nov./dez. 1982.
292
VIÇOSO, Vitor. Finisterra, de Carlos de Oliveira: os simulacros e
as metamorfoses do real. Vértice, II série, n. 38 e 39. Lisboa, 1991.
p. 9-24 e p. 69-78.
293
GARCIA, José Martins. Crítica doméstica dos paralelepípedos
(resenha). Colóquio/Letras, n. 16. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, nov. 1973. p. 79.
GUERREIRO, António. A intraduzível inquietação. Expresso.
Lisboa, 9 jul. 1988.
GUIMARÃES, Fernando. As inumeráveis águas [resenha].
Colóquio/Letras, n. 21. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
set. 1974. p. 92-93.
______. Nuno Júdice: o conceito e a figura. In: ______. A poesia
contemporânea portuguesa e o fim da modernidade. Lisboa:
Caminho, 1989. p. 119-124.
GUSMÃO, Manuel. Recensão a A noção de poema. Crítica, n. 5.
Lisboa, 3-4 abr. 1972.
LEPECKI, Maria Lúcia. Uma poética intervalar em 26 exemplos.
Diário de Notícias. Lisboa, 24 dez. 1989. p. 8.
______. Entre narrativa e poesia. Diário Popular. Lisboa, 30 nov.
1978. p. I-III.
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Nuno Júdice. In: ______. Um
pouco da morte. Lisboa: Presença, 1989. p. 247-260.
MARCH, Michael. Ghost, heroes and unread books. Interview
with Nuno Júdice. The New Presence. Internet edition, oct. 1997.
MARQUES, Carlos Vaz. Júdice em causa própria [entrevista].
Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 17 out. 1989. p. 12.
MARTINHO, Fernando J. B. Recensão a Nos braços da exígua luz.
Colóquio-Letras, n. 40. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
nov. 1977.
______. Dos compêndios da imaginação aos compêndios do real.
Relâmpago, n. 2. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, abr. 1998.
p. 89-90.
294
MARTINS, Manuel Frias. Discurso da cultura e campo estético.
In: ______. 10 anos de poesia em Portugal (1974-1984): leitura de
uma década. Lisboa: Caminho, 1986. p. 97-99.
MORÃO, Paula. Recensão a Lira de líquen. Colóquio/Letras, n. 97.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, maio/jun. 1987.
NAVA, Luís Miguel. Mnemónicas para Nuno Júdice. Diário de
Lisboa. Lisboa, 4 jan. 1990. p. 6-7.
______. Nuno Júdice – uma poética da água. Colóquio/Letras, n.
121/122. Lisboa: Calouste Gulbenkian, jul./dez. 1991.
PITTA, Eduardo. O cavalo de Leonardo [sobre Raptos]. Revista
Ler, n. 44. Lisboa, 1999. p. 118-120.
ROCHA, Luís de Miranda. Recensão a A noção de poema. A
Capital. Lisboa, 31 maio 1972. p. 2
ROSA, António Ramos. Nuno Júdice ou a (im)possibilidade da
relação originária. In: ______. A parede azul – estudos sobre
poesia e arte plásticas. Lisboa: Caminho, 1991. p. 107-113.
ROZÁRIO, Denira. Nuno Júdice: “eu sou o poema” [entrevista].
In: ______. Palavra de poeta – Portugal. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1994. p. 279-293.
SAN PAYO, Patrícia. Recensão a Meditação sobre ruínas. Revista
Românica. Lisboa: Cosmos, 1996. p. 196-200.
SANTOS, João Camilo dos. A poesia de Nuno Júdice e a questão
do ser. Lisboa: Colóquio/Letras, n. 135/136. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, jan./jun.1995. p. 186-191.
SILVEIRA, Jorge Fernandes da. Recensão a Antero – Vila do
Conde, de Nuno Júdice. Colóquio/Letras, n. 59. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, jan. 1981. p. 73-74.
VIEGAS, Francisco José. Nostalgia e contemporaneidade: a
poesia de Nuno Júdice. In: SEIXO, Maria Alzira (Coord. e pref.).
Poéticas do século XX. Lisboa: Livros Horizonte, 1984. p. 215-226.
295
Sobre outros temas
A PHALA - Um Século de Poesia (ed. especial). Lisboa: Assírio &
Alvim, dez. 1988.
ALVES, Ida Maria Santos Ferreira. O exercício da sabedoria da
linguagem. Convergência Lusíada, n. 15. Rio de Janeiro: Real
Gabinete Português de Leitura, 1998. p. 133-138.
AMARAL, Fernando Pinto do. O mosaico fluido – modernidade
e pós-modernidade na poesia portuguesa mais recente. Lisboa:
Assírio & Alvim, 199l.
______. Na órbita de Saturno. Lisboa: Hiena, 1992.
ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. São Paulo:
Ática, 1989.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 7. ed. rev. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1995.
ARISTÓTELES. Arte retórica e poética. Rio de Janeiro: Edições de
Ouro, s.d. [Coleção Universidade].
ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. [Intr.
Roberto de Oliveira Brandão.] São Paulo: Cultrix/Edusp, 1981.
BACHELARD, Gaston. La terre et les rêveries du repos: essai sur
les images de l’intimité. Paris: José Corti, 1974.
______. La terre et les réveries de la volonté; essai sur l’imagination
des forces. Paris: José Corti, 1976.
______. Problemas da poética de Dostoiévski. [Trad. Paulo
Bezerra.] Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.
______. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. [Trad.
Paulo Bezerra.] Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.
______. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
296
BARRENTO, João. A palavra transversal – literatura e ideias no
século XX. Lisboa: Cotovia, 1996.
______. A herança de Hölderlin. In: ______. Uma seta no coração
do dia. Lisboa: Cotovia, 1998.
BARTHES, Roland. O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix,
1974.
______. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1977.
______ et al. Literatura e realidade: que é o realismo? Lisboa:
Dom Quixote, 1984.
______. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
______. O grão da voz. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
BELO, Fernando. Linguagem e filosofia – algumas questões para
hoje. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. [Trad.,
apres. e notas Sergio Paulo Rouanet]. São Paulo: Brasiliense, 1984.
______. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. 7. ed.
São Paulo: Brasiliense,1994.
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I-II. 2. ed.
São Paulo: Pontes/Unicamp, 1988.
BERMAN, Marshal. Tudo o que é sólido se dissolve no ar. A
aventura da modernidade. Lisboa: Edições 70, l989.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1998.
BLANC, Mafalda Faria. O diálogo de Heidegger com Hölderlin.
Runa. Revista Portuguesa de Estudos Germanísticos [Colóquio
Interdisciplinar Friedrich Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto
de Estudos Alemães – Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 201-206.
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Lisboa: Relógio D’Água,
1984.
297
______. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
______. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
BLOOM, Harold. A angústia da influência: uma teoria da poesia.
Rio de Janeiro: Imago, 199l.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.
______. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1996.
BRITO, Casimiro de. Resposta breve seguida de uma deriva pelos
Fragmentos de Babel. Relâmpago, n. 2. Lisboa: Fundação Luís
Miguel Nava, abr. 1998. p. 27-30.
BRONOWSKI, Jacob. Arte e conhecimento – ver, imaginar, criar.
Lisboa: Edições 70, 1983.
BUESCU, Helena Carvalhão. A lua, a literatura e o mundo. Lisboa:
Cosmos, 1995.
______. A memória clássica e o tempo da infância. Reflexões
sobre a temporalidade em Hölderlin e Guérin. Runa. Revista
Portuguesa de Estudos Germanísticos [Colóquio Interdisciplinar
Friedrich Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto de Estudos
Alemães – Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 259-278.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. [Trad. Ivo
Barroso.] São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
______. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
CAMPOS, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo:
Perspectiva, 1977.
CARDOSO, Sérgio et al. Os sentidos da paixão. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
CARVALHO, Sílvia Maria (Org.). Orfeu, orfismos e viagens a
mundos paralelos. São Paulo: Editora da Unesp, 1990.
CASSIRER, Ernst. Linguagem, mito e religião. Porto: Rés, 1976.
298
CASTRO, E. M. de Melo e. Projecto: poesia. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1984.
______ e BATTELA, Nádia (Org.). O fim visual do século XX e
outros textos críticos. São Paulo: Edusp, 1993.
CHIAMPI, Irlemar (Coord.). Fundadores da modernidade. São
Paulo: Ática, 1991.
COELHO, Eduardo Prado. A palavra sobre a palavra. Porto:
Portucalense, 1972.
______. O reino flutuante. Lisboa: Edições 70, 1972a.
______. A letra litoral. Lisboa: Moraes, 1979.
______. Os universos da crítica. Lisboa: Edições 70, 1982.
______. A mecânica dos fluidos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984.
______. A noite do mundo. Lisboa: Instituto Nacional – Casa da
Moeda, 1988.
______. Tudo o que não escrevi – diário l (1991-1992). Lisboa:
Asa, 1992.
______. O cálculo das sombras. Lisboa: Asa, 1997.
COELHO, Jacinto do Prado. A letra e o leitor. Lisboa: Portugália,
1969.
COELHO, Jacinto do Prado. Portugal imaginário e verdadeiro
na poesia portuguesa. In: Camões e Pessoa, Poetas da Utopia.
Portugal: Publicações Europa-América, 1983, p.129-134.
COHEN, Jean. Estrutura da linguagem poética. 2. ed. São Paulo:
Cultrix, 1978.
COLLOT, Michel. La poésie moderne et la structure d’horizon.
Paris: PUF, 1989.
299
______; MATHIEU, Jean-Claude. Poésie et altérite. Paris: PUF,
1998. [Actes du colloque de juin 1988 – Rencontres sur la poésie
moderne.]
COMBE, Dominique. Poésie et récit – une rhétorique des genres.
[s.l.]: José Corti, 1989.
COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade.
Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996.
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna – introdução às teorias
do contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
CRUZ, Gastão. Uma poética da brevidade no contexto do
neorrealismo. A Phala – Um Século de Poesia (1888-1988). Ed.
especial. Lisboa: Assírio & Alvim, dez. 1988. p. 86.
______. Sobre poesia portuguesa contemporânea. Convergência
Lusíada n. 14. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura,
1997. p. 124-126.
______. A poesia portuguesa hoje. 2. ed. corr. e aum. Lisboa:
Relógio d’Água, 1999. [1. ed. Lisboa: Plátano, 1973.]
DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva/
EDUSP, 1974.
______. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
______; GUATTARI, Felix. O que é filosofia? [Trad. Margarida
Barahona e António Guerreiro.] Lisboa: Presença, 1992.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo:
Perspectiva, 1971.
______. A mitologia branca – a metáfora no texto filosófico. In:
______. Margens da filosofia. São Paulo: Papirus, 1991. p. 249-
313.
______. A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminura, 1997.
300
DIOGO, Américo António Lindeza. Modernismo, pós-
modernismo e anacronismo – para uma história da poesia
portuguesa recente. Lisboa: Cosmos, 1993.
DUFRENNE, Mikel. O poético. Porto Alegre: Globo, 1969.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário.
Lisboa: Presença, 1989.
EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
ECO, Umberto. Leitura do texto literário – lector in fabula. Lisboa:
Presença, 1983.
______. Sobre os espelhos. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1989.
FAUSTINO, Mario. Poesia-experiência. São Paulo: Perspectiva,
1977.
FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. São Paulo: Círculo do
Livro, s.d.
FOKKEMA, Douwe W. Modernismos e pós-modernismo. Lisboa:
Vega, s.d.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas – uma arqueologia
das ciências humanas. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas
Cidades, 1978.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e narrativa em Walter
Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1994.
______. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de
Janeiro: Imago, 1997.
GENETTE, Gérard. Palimpsestos: la littérature au seconde degré.
Paris: Seuil, 1982.
______. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, s.d.
301
GONÇALVES, Joaquim Cerqueira. O saber da poesia e o saber
da ciência. In: BASÍLIO, Kelly; GUSMÃO, Manuel (Org.). Poesia
& ciência. Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F. – Groupe Universitaire
d’Etudes de Littérature Française, 1994. p. 19-28.
GOODMAN, Nelson. Los lenguajes del arte: aproximación a
la teoría de los símbolos. Barcelona: Seix Barral, 1976. [Trad.
Jem Cabanes a partir da 1a. ed. em inglês: Languages of art: an
approach to a theory of symbols.]
______. Modos de fazer mundos. Porto: Asa, 1995.
GUIMARÃES, Fernando. Revisão da moderna poesia portuguesa.
Colóquio/Letras, n. 16. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
mar. 1971. p. 30-44.
______. Um novo caminho na poesia portuguesa contemporânea?
Colóquio/Letras, n. 16. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
set. 1973. p. 30-43.
______. A poesia contemporânea portuguesa e o fim da
modernidade. Lisboa: Caminho, 1989.
______. Conhecimento e poesia. Porto: Oficina Musical, 1992.
______. Simbolismo, modernismo e vanguardas. Lisboa: IN-CM,
1992a.
______. O anel da poesia [entrevista a José Jorge Letria]. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa, 2l dez. 1993. p. 16-17.
______. Os problemas da modernidade. Lisboa: Presença, 1994.
______. A poesia e o social. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.
47. Coimbra: Centro de Estudos Sociais, fev. 1997. p. 93-99.
GUINSBURG, J. (Org.). Romantismo. 3. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1993.
302
GUSMÃO, Manuel. Da poesia como razão apaixonada 1. In:
GRAFF, Marc-Ange (Org.). Poesia da ciência. Ciência da poesia.
Lisboa: Escher, 1991. p. 197-216.
______. Da poesia como razão apaixonada 2. In: MONTEIRO,
Ofélia Paiva (Org.). Poesia da ciência. Ciência da poesia. Lisboa:
Escher, 1992. p. 131-141.
______. Da poesia como razão apaixonada 3. In: BASÍLIO, Kelly;
______. (Org.) Poesia & ciência. Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F. –
Groupe Universitaire d’Etudes de Littérature Française, 1994. p.
235-248.
______. Literatura e conhecimento. Sep. de Românica – o lirismo
camoniano (Revista de Literatura – Faculdade de Letras de
Lisboa). Lisboa: Cosmos, 1995. p. 151-167.
______. Transformações da poesia portuguesa no princípio dos
anos 60. Sep. de Actas dos 3º Cursos Internacionais de Verão de
Cascais (8 a 13 jul. 1996). v. 4. Cascais: Câmara Municipal de
Cascais, 1997. p. 189-198.
HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade.
Lisboa: D. Quixote, 1990.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 2. ed.
Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
HARRIES, Karsten. A metáfora e a transcendência. In: SACKS,
Sheldon (Org.). Da metáfora. São Paulo: Educ – Pontes, 1992. p.
77-93.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 7. ed. São Paulo: Loyola,
1992.
HATHERLY, Ana. O espaço crítico: do simbolismo à vanguarda.
Lisboa: Caminho, 1979.
HEIDEGGER, Martin. Sobre o problema do ser. O caminho do
campo. São Paulo: Duas Cidades, 1969.
303
______. Carta sobre o humanismo. Lisboa: Guimarães, 1987.
______. Conferências e escritos filosóficos. 4. ed. [Coleção Os
Pensadores, 5.] São Paulo: Nova Cultural, 1991.
______. Approche de Hölderlin. Paris: Gallimard, 1996.
______. Ser e tempo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
______. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 1999.
HOBSBAWN, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1870. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da língua
portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Lisboa: Edições 70,
1989.
______. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio
de Janeiro: Imago, 1991.
HUYSSEN, Andreas. Memórias do modernismo. Rio de Janeiro:
Ed. UFRJ, 1996.
JABOUILLE, Victor et al. Mito e literatura. Sintra: Inquérito,
1993.
JAKOBSON, Roman. O que fazem os poetas com as palavras.
Colóquio/Letras, n. 12. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
mar. 1973. p. 5-9.
JAUSS, Hans Robert; ISER, Wolfgang et al. A literatura e o leitor:
textos da estética da recepção. [Sel., trad. e intr. Luiz Costa Lima.]
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
JEAN, Georges. La poésie. Paris: Seuil, 1966.
JENNY, Laurent et al. Intertextualidades. Poétique, n. 27.
Coimbra: Almedina, 1979.
304
JOBIM, José Luis (Org.). Palavras da crítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1992.
KHÉDE, Sonia Salomão (Coord.). Os contrapontos da literatura –
arte, ciência e filosofia. Petrópolis: Vozes, 1984.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva,
1974.
KUBLER, George. A forma do tempo – observações sobre a
história dos objectos. 2. ed. Lisboa: Vega, 1977.
LAKOFF, George. The contemporary theory of metaphor.
In: ORTONY, Andrew (Edt.). Metaphor and thought. 2. ed.
Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 202-251.
LAROUSSE de la langue française – lexis. Paris: Librairie
Larousse, 1985.
LEFEBVRE, Maurice-Jean. Estrutura do discurso da poesia e da
narrativa. Coimbra: Almedina, 1980.
LEPECKI, Maria Lúcia. Meridianos do texto. Lisboa: Assírio &
Alvim, 1979.
LEVIN, Samuel R. Language, concepts and worlds: three domains
of metaphor. In: ORTONY, Andrew (Edt.). Metaphor and thought.
2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. p. 112-123.
LIMA, Luiz Costa. A metamorfose do silêncio. Rio de Janeiro:
Eldorado, 1974.
______. .A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
______. Mímesis e modernidade. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
______. Carlos Drummond de Andrade: memória e ficção. In:
______. Dispersa demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1981. p. 159-175.
305
______. Teoria da literatura em suas fontes. 2. ed. rev. e ampl. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1983. 2 v.
______. O controle do imaginário: razão e imaginação no
Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1984.
LINS, Ronaldo Lima. Violência e literatura. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1990.
LOPES, Edward. Metáfora – da retórica à semiótica. São Paulo:
Atual, 1986.
LOPES, Silvina Rodrigues. Aprendizagem do incerto. Lisboa:
Litoral, 1990.
______. A legitimação em literatura. Lisboa: Cosmos, 1994.
LOTMAN, Yuri. La structure du texte artistique. Paris: Gallimard,
1975.
LOURENÇO, Eduardo. Tempo e poesia. Porto: Inova, s.d.
______. Sentido e forma da poesia neo-realista. 2. ed. Lisboa: D.
Quixote, 1983.
______. Ocasionais I (1950-1965). Lisboa: A Regra do Jogo, 1984.
______. Nós e a Europa ou as duas razões. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1988.
______. Nós como futuro. Lisboa: Assírio & Alvim, Cadernos do
Pavilhão de Portugal - EXPO 98, 1998.
______. O labirinto da saudade (psicanálise mítica do destino
português). Lisboa: Dom Quixote, 1991.
______. Fernando, rei da nossa Baviera. Lisboa: Imprensa
Nacional – Casa da Moeda, 1993.
______. A Europa desencantada. Lisboa: Visão, 1994.
______. Da língua como pátria. Jornal de Letras, Artes e Ideias.
Lisboa, 22 jun. 1994. p. 16-17.
306
______. O canto do signo – existência e literatura. Lisboa:
Presença, 1995.
______. O esplendor do caos. Lisboa: Gradiva, 1998a.
______. O imaginário português no fim do século. Jornal de
Letras, Artes e Ideias. Lisboa, dez.-jan. 2000. p. 20-23.
LYOTARD, Jean-François. O inumano – considerações sobre o
tempo. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1997.
______. O pós-modernismo. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1993.
______. O pós-modernismo explicado às crianças. 2. ed. Lisboa:
D. Quixote, 1993.
MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Dylan Thomas – consequência
da literatura e do real na sua poesia. Lisboa: Assírio e Alvim, 1982.
______. Os dois crepúsculos – sobre poesia portuguesa actual e
outras crónicas. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981.
______. Um pouco da morte. Lisboa: Presença, 1989.
MAN, Paul de. Lyric and modernity. In: ______ Blindness &
insigt. Londres: Metheuen & Co, University Paperbacks, 1983. p.
166-186.
______. The rhetoric of temporality. In: ______. Blindness &
insigt. Londres: Metheuen & Co, University Paperbacks, 1983. p.
187-228.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia, dos pré-
socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. São Paulo: Círculo do
Livro, s.d.
MARINHO, Maria de Fátima. A poesia portuguesa contemporânea.
Lisboa: Sá da Costa, 1977.
307
______. O surrealismo em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional –
Casa da Moeda, 1987.
______. A poesia portuguesa nos meados do século XX: rupturas e
continuidades. Lisboa: Caminho, 1989.
MARQUES, A. H. de Oliveira. História de Portugal. 3. ed,, 3v.
Lisboa: Palas, 1986.
MARTINHO, Fernando J. B. Poesia. Colóquio/Letras, n. 78.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, março 1984. p. 17-29.
______. Pessoa em abismo nos anos 80. Colóquio/Letras, n. 88.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, nov. 1985. p. 111-124.
______. Ecos de Hölderlin na poesia contemporânea portuguesa.
Runa. Revista Portuguesa de Estudos Germanísticos [Colóquio
Interdisciplinar Friedrich Hölderlin], n. 22. Coimbra: Instituto
de Estudos Alemães – Faculdade de Letras, fev. 1994. p. 227-242.
______. Tendências dominantes da poesia portuguesa da década
de 50. Lisboa: Colibri, 1996.
MARTINS, Manuel Frias. 10 anos de poesia em Portugal (1974-
1984): leitura de uma década. Lisboa: Caminho, 1986.
MESCHONNIC, Henri. Les états de la poétique. Paris: PUF, 1985.
______. Modernité modernité. Paris: Gallimard, 1993.
______. La poésie comme contre-savoir. In: BASÍLIO, Kelly;
GUSMÃO, Manuel. Poesia & ciência. Lisboa: Cosmos-G.U.E.L.F.
– Groupe Universitaire d’Etudes de Littérature Française, 1994.
p. 29-42.
MONIZ, António. Para uma leitura de sete poetas. Lisboa:
Presença, 1997.
MONTEIRO, Adolfo Casais. A palavra essencial. 2. ed. Lisboa:
Verbo, 1972.
308
MONTEIRO, Hermínio. Surrealismo: do “cadáver-esquisito” ao
gato resplendente andando pela noite. A Phala – Um Século de
Poesia (1888-1988). Ed. especial. Lisboa: Assírio & Alvim, dez.
1988. p. 91-99.
MORÃO, Paula. Viagens na terra das palavras. Lisboa: Cosmos,
1993.
MOUNIN, Georges. Poésie et sociéte. Paris: PUF, 1968.
MOURA, Vasco Graça. Várias vozes. Lisboa: Presença, 1987.
MOURÃO-FERREIRA, David. Vinte poetas contemporâneos.
Lisboa: Plátano, 1980.
NEVES, Margarida Braga. Humanismo e comunicação. Jorge de
Sena, tradutor de Hölderlin. Runa. Revista Portuguesa de Estudos
Germanísticos [Colóquio Interdisciplinar Friedrich Hölderlin],
n. 22. Coimbra: Instituto de Estudos Alemães – Faculdade de
Letras, fev. 1994. p. 243-258.
NOVAES, Adauto et al. Tempo e história. São Paulo: Companhia
das Letras/Secret. Mun. da Cultura, 1992.
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. 2 ed. São Paulo: Perspectiva,
1976.
PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1976.
______. O arco e a lira. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982.
______. Os filhos do barro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
______. Convergências: ensaios sobre arte e literatura. Rio de
Janeiro: Rocco, 1991.
PEREIRA, Miguel Baptista. Modernidade e tempo – para uma
leitura do discurso moderno. Coimbra: Minerva, 1990.
PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado de
argumentação – a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
309
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
______. Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de
escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
PIMENTA, Alberto. O silêncio dos poetas. Lisboa: A Rega do
Jogo, 1978.
PIRES, Daniel. Dicionário das revistas literárias portuguesas do
século XX. Lisboa: Contexto, 1986.
PLATÃO. Fedro ou da beleza. Lisboa: Guimarães, 1986.
______. A república – diálogo I. 4. ed. Mem Martins: Europa-
América, 1998.
REBELO, Luís de Sousa. Identidade nacional: as retóricas do
seu discurso. In: CRISTÓVÃO, Fernando et al. Nacionalismo e
regionalismo nas literaturas lusófonas [Actas do II Simpósio Luso-
Afro-Brasileiro de Literatura, Lisboa, abril de 1994]. Lisboa:
Cosmos, 1997. p. 21-33.
REIS, Carlos (Apres. crítica, sel., notas e sugestões de leitura).
Textos teóricos do neo-realismo português. Coimbra: Almedina,
1981.
REIS, José Carlos. Tempo, história e evasão. Campinas, São Paulo:
Papirus, 1994.
RELÂMPAGO. N. 2. Lisboa: Fundação Luís Miguel Nava, abr.
1998.
RIBEIRO, António Sousa. Configurações do campo intelectual
português no pós-25 de abril – o campo literário. In: SANTOS,
Boaventura de Sousa (Org.). Portugal: um retrato singular. Porto:
Afrontamento, 1993. p. 483-512.
RICOEUR, Paul. A metáfora viva. [Trad. de Joaquim Torres da
Costa e António M. Magalhães.] Porto: Rés, s.d.a.
310
______. Do texto à acção: ensaios de hermenêutica. Porto: Rés,
s.d.b.
______. Tempo e narrativa. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994-
1995-1997. 3 v.
RIFFATERRE, Michael. A ilusão referencial. In: BARTHES,
Roland et al. [Apres. Tzvetan Todorov.] Literatura e realidade.
Lisboa: Dom Quixote, 1984. p. 99-128.
ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Literatura –
texto. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1989. v. 17.
______. Enciclopédia Einaudi. Tempo – temporalidade. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1993. v. 29.
______. Enciclopédia Einaudi. Memória – história. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1997. v. 1
ROSA, António Ramos. Poesia, liberdade livre. Lisboa: Morais,
1962.
______. A alteridade na poesia moderna. Jornal de Letras, Artes e
Ideias. Lisboa, 14 fev. 1989. p. 32.
______. A poesia moderna e a interrogação do real I-II. Lisboa:
Arcádia, 1979-1980.
______. Incisões oblíquas. Lisboa: Caminho, 1987.
______. A parede azul – estudos sobre poesia e arte plásticas.
Lisboa: Caminho, 199l.
ROUANET, Sergio Paulo. Razões do iluminismo. 4. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
______. Mal-estar na modernidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
______; MAFFESOLI, Michel. Moderno pós-moderno. Rio de
Janeiro: UERJ, 1994.
311
SACKS, Sheldon (Org.). Da metáfora. São Paulo: Educ – Pontes,
1992.
SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
SANTIAGO, Silviano. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o
político na pós-modernidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
SANTOS, Maria Irene Ramalho de Sousa. A poesia e o sistema
mundial. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Portugal: um
retrato singular. Porto: Afrontamento, 1993. p. 483-512.
SEABRA, José Augusto. Poligrafias poéticas. Porto: Lello & Irmão,
1994.
SEIXO, Maria Alzira. Discursos do texto. Lisboa: Bertrand, 1977.
______ (Coord.). Poéticas do século XX. Lisboa: Horizonte, 1984.
______. A palavra do romance. Lisboa: Horizonte, 1986.
______. Poétique de la connaissance, ou comment dire le monde.
In: GRAFF, Marc-Ang (Org). Poesia da ciência – ciência da
poesia. Lisboa: Escher, 1991. p.47-57.
SENA, Jorge de. Dialécticas teóricas da literatura. Lisboa: Edições
70, 1977.
______. Dialécticas aplicadas da literatura. Lisboa: Edições 70,
1971.
______. Trinta anos de Camões (1948-1978). Lisboa: Edições 70,
1978. v.2
______. Fernando Pessoa & Cª Heterónima (estudos coligidos –
1940-1978). Lisboa: Edições 70, 1984.
______. O reino da estupidez I. Lisboa: Edições 70, 1984.
312
______. Estudos de literatura portuguesa III. Lisboa: Edições 70,
1988.
SILVA, Augusto Santos; JORGE, Vítor Oliveira. Existe uma
cultura portuguesa? [Mesa redonda, Porto, 1992, org. Sociedade
Portuguesa de Antropologia e Etnologia]. Porto: Afrontamento,
1993.
SILVA, Márcio Seligmann. Ler o livro do mundo – Walter
Benjamin: Romantismo e crítica literária. São Paulo: Iluminuras,
1999.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 8. ed., v.1.
Coimbra: Almedina, 1996.
SILVEIRA, Jorge Fernandes da. Portugal: maio de poesia 6l.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986.
______. Os postugueses. Folhetim/Folha de São Paulo. São Paulo,
22 abr. 1988. p. 2-5.
______. Escrever Portugal. Uma leitura em quatro fragmentos e
com um diálogo intertextual. Letras & Letras, n. 34. Lisboa, out.
1990. p. 15-16.
______. A casa do império. Cânones & contextos, v.3. [Anais do
5º Congresso Abralic]. Rio de Janeiro: Abralic, 1997. p. 531-537.
______ (Org.). Escrever a casa portuguesa. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 1999.
SMITH, Anthony. A identidade nacional. Lisboa: Gradiva, 1997.
SPINA, Segismundo. Introdução à poética clássica. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
STEINER, George. Extraterritorial – a literatura e a revolução da
linguagem. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
TAVANI, Giuseppe. Poesia e ritmo. Lisboa: Sá da Costa, 1983.
313
TODOROV, Tzvetan et al. Poétique – o discurso da poesia, n. 28.
[Trad. Leocádia Reis e Carlos Reis.] Coimbra: Almedina, 1982.
TRAVESSIA. Fins do moderno I. [Revista de literatura – UFSC.]
Florianópolis: Editora da UFSC, 1980.
VATTIMO, Gianni. Introdução a Heidegger. Lisboa: Edições 70,
1989.
______. Tratado lógico-filosófico. Investigações filosóficas. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
______. O fim da modernidade – niilismo e hermenêutica na
cultura pós-moderna. Lisboa: Presença, 1987.
VICENTE, Gil. Obras completas. [Coord. texto, introd. notas e
glossário, Álvaro da Costa Pimpão.] Porto: Civilização, 1979.
XIRAU, Ramón. Borges refuta o tempo. In: ______. Ensaios
críticos e filosóficos. São Paulo: Perspectiva, 1975.
314
ANEXO
Poesia
1972 – A Noção de Poema, Publicações Dom Quixote, Lisboa.
O Pavão Sonoro, «in «Novembro».
1973 – Crítica Doméstica dos Paralelepípedos, Publicações Dom
Quixote, Lisboa.
1974 – As Inumeráveis Águas, Assírio & Alvim, Lisboa.
1975 – O Mecanismo Romântico da Fragmentação (Prémio Pablo
Neruda), Inova, Porto.
1976 – Nos Braços da Exígua Luz, Arcádia, Lisboa.
1978 – O Corte na Ênfase, Inova, Porto.
1981 – O Voo de Igitur num Copo de Dados, & etc., Lisboa.
1982 – A Partilha Dos Mitos, A regra do Jogo, Lisboa.
1985 – Lira de Líquen (Prémio de Poesia do Pen Clube), Rolim,
Lisboa.
1988 – A Condescendência do Ser, Quetzal, Lisboa.
1989 – Enumeração de Sombras, Quetzal, Lisboa.
1990 – As Regras da Perspectiva (Prémio D. Dinis da Fundação
Casa de Mateus), Quetzal, Lisboa.
1991 – Uma Sequência de Outubro, Comissariado para a
Europália, Lisboa.
Obra Poética (1972–1985) , Quetzal, Lisboa.
1992 – Um Canto na Espessura do Tempo, Quetzal, Lisboa.
166. Agradecemos ao autor este anexo.
315
1995 – Meditação sobre Ruínas, (Prémio de Poesia da Associação
Portuguesa de Escritores, Prémio Municipal Eça de Queiroz de
Literatura da CML), Quetzal, Lisboa.
1996 – O Movimento do Mundo, Quetzal, Lisboa.
Poemas em Voz Alta (com CD/poemas ditos por Natália Luiza),
Presença/Casa Fernando Pessoa, Lisboa.
1997 – A Fonte da Vida, Quetzal, Lisboa.
1998 – Raptos, Quetzal/Casa Fernando Pessoa, Lisboa.
1999 – Teoria Geral do Sentimento, Quetzal, Lisboa.
2001 – Poesia Reunida (1997–2000), Dom Quixote, Lisboa (Prémio
da Crítica do Centro Português da Associação Internacional dos
Críticos Literários) .
2002 – Pedro lembrando Inês, Dom Quixote, Lisboa
Cartografia de Emoções, Dom Quixote, Lisboa
2003 – O Estado dos Campos, Dom Quixote, Lisboa (Prémio
Cesário Verde da Câmara Municipal de Oeiras, Prémio Ana
Hatherly da Câmara do Funchal ).
2005 – Geometria variável, Dom Quixote, Lisboa (Grande Prémio
de Literatura DST).
Geografia do Caos, Assírio @ Alvim, Lisboa.
2006 – As coisas mais simples, Dom Quixote, Lisboa (Prémio
Nacional António Ramos Rosa da Câmara de Faro).
2008 – A matéria do poema, Dom Quixote, Lisboa.
O breve sentimento do eterno, Edições Nelson de Matos, Lisboa.
2010 – Guia de conceitos básicos, Dom Quixote, Lisboa.
2012 – Fórmulas de uma luz inexplicável, Dom Quixote, Lisboa.
2013 – Navegação de acaso, Dom Quixote, Lisboa.
316
2014 – O fruto da gramática, Dom Quixote, Lisboa (Prémio
Tabula rasa).
2015 – A convergência dos ventos, Dom Quixote, Lisboa (Prémio
Literário António Gedeão da FENPROF).
2017 – O mito de Europa, Dom Quixote, Lisboa (Prémio Francisco
Sá de Miranda da Câmara Municipal de Amares).
2018 – A pura impressão do amor, Dom Quixote, Lisboa.
O mistério da beleza, Inéditos Expresso.
2019 – Estudos para um quadro, Nova Mymosa, (ed. limitada, 75
exemplares).
2019 – O coro da desordem, Dom Quixote, Lisboa (Prémio de
Poesia do Pen Clube).
2020 – Regresso a um cenário campestre, Dom Quixote, Lisboa
(prémio Maria Amália Vaz de Carvalho APE- Câmara Municipal
de Loures).
2021 – Uma tabuada de expectativas, Nova Mymosa, (ed. limitada,
75 exemplares).
Ficção:
1977 – Última Palavra: «sim», & etc., Lisboa.
1981 – Plâncton, Contexto, Lisboa.
1982 – A Manta Religiosa, Contexto, Lisboa.
1984 – O Tesouro da Rainha de Sabá, Conto Pós-Moderno, Rolim,
Lisboa.
1984 – Adágio, Quetzal, Lisboa.
1994 – A Roseira de Espinho, Quetzal, Lisboa.
1997 – A Mulher Escarlate, Brevíssima, Contexto-Civilização.
317
1998 – Vésperas de Sombra, Quetzal, Lisboa.
1999 – Por Todos os Séculos, Quetzal, Lisboa (Prémio Bordalo da
Casa da Imprensa).
2000 – A Árvore dos Milagres, Quetzal, Lisboa.
2003 – A Ideia do Amor e Outros contos, Publ. Dom Quixote,
Lisboa.
2004 – O anjo da tempestade, Publ. Dom Quixote, Lisboa. (Prémio
Fernando Namora da Sociedade Estoril-Sol).
2004 – O segredo da mãe, conto inspirado na obra de Graça
Morais, Quetzal, Lisboa.
2007 – O enigma de Salomé, Teorema, Lisboa.
2009 – Os passos da cruz, Dom Quixote, Lisboa.
2011 – O complexo de Sagitário, Dom Quixote, Lisboa.
2013 – A implosão, Dom Quixote, Lisboa
2016 – A conspiração Cellamare, Dom Quixote, Lisboa.
2018 – O café de Lenine, Dom Quixote, Lisboa.
Ensaio:
1986 – A Era de «Orpheu», Teorema, Lisboa.
1991 – O Espaço do Conto no Texto Medieval, Vega, Lisboa..
1992 – O Processo Poético, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
Lisboa.
Portugal, Língua e Cultura, Comissariado para a Exposição de
Sevilha.
1993 – Voyage dans un Siècle de Littérature Portugaise,
L’Escampette, Bordéus.
318
1997 – Viagem por um século de literatura portuguesa, Relógio
d’Água, Lisboa.
1998 – As Máscaras do Poema, Árion, Lisboa.
2005 – A viagem das palavras, Edições Colibri, Lisboa.
2005 – O fenómeno narrativo, do conto popular à ficção
contemporânea, Edições Colibri, Lisboa.
2006 – A certidão das histórias, Apenas Livros, Lisboa.
2010 – Abc da crítica, Dom Quixote, Lisboa.
2019 – Camões Por cantos nunca dantes navegados, Sibila, 2019.
(Prémio Jacinto do Prado Coelho da Associação Portuguesa de
Críticos Literários).
Teatro:
1979 – Antero – Vila do Conde, & etc, Lisboa.
1993 – Flores de Estufa, Quetzal, Lisboa.
2005 – Teatro, Artistas Unidos/Livros Cotovia, Lisboa.
2010 – O peso das razões, Assembleia da República, Lisboa.
2017 – Mulheres de Húmus, Cosmorama Edições, Maia.
Argumentos cinematográficos:
1975 – Brandos costumes de Alberto Seixas Santos, texto e
diálogos com Luísa Neto Jorge a partir do argumento de Alberto
Seixas Santos.
1978 – O construtor de anjos de Luís Noronha da Costa, argumento
e diálogos.
1982 – Gestos & fragmentos de Alberto Seixas Santos, texto e
diálogos com Robert Kramer.
319
Edições críticas e antologias:
1977 – Novela Despropositada de Frei Simão António de Santa
Catarina, o Torto de Belém, Assírio & Alvim.
1981 – Poesia de Guerra Junqueiro, col. Textos Literários, Ed.
Comunicação, Lisboa.
1981 – Poesia Futurista Portuguesa (Faro 1916-1917), Regra do
Jogo, Lisboa.
1992 – Sonetos de Antero de Quental, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda.
1993 – Poesia Futurista Portuguesa (Faro 1916-1917) , 2ª ed.
revista, Vega.
1998 – Cancioneiro de D. Dinis, Teorema, Lisboa.
2003 – Cancioneiro de D. Dinis, 2ª edição revista e corrigida,
Planeta de Agostini, Lisboa.
2005 – Infortúnios trágicos da Constante Florinda de Gaspar Pires
Rebelo, Teorema, Lisboa.
2016 – Nueve poetas portugueses para un novo siglo, (org.) UNAM,
México.
2018 – Cartas portuguesas, Cartas duma religiosa portuguesa e
Cartas familiares de uma ilustre desconhecida, Sibila publicações,
Lisboa.
Traduções:
1997 – Corneille, Sertório, Cotovia. Lisboa.
1999 – Corneille, A Ilusão Cómica, ed. Teatro Nacional S.
João,Porto.
2000 – Emily Dickinson, Poemas e Cartas, Cotovia, Lisboa.
2001 – Jorge de Montemor, Diana, Teorema, Lisboa.
320
2006 – Molière, D. João, Campo das Letras, Porto.
2010 – Poemas de amor de Pablo Neruda, Dom Quixote, Lisboa.
2011 – Um país que sonha (Cem anos de poesia colombiana),
Assírio @ Alvim, Lisboa.
2012 – Os versos do navegante, Antologia de Álvaro Mutis, Assírio
& Alvim, Lisboa.
2013 – Cyrano de Bergerac de Edmond de Rostand, Bichodomato,
Teatro Nacional D. Maria II.
2014 – Jaime Siles, Duas janelas, Não edições, Lisboa.
2014 – Juan Manuel Roca, Os cinco enterros de Pessoa, Glaciar,
Lisboa.
2014 – Jenaro Talens, De(s)apariciones, De(s)aparições/Di(s)
paritions, Segundo Santos Ediciones, Cuenca.
2015 – María Gómez Lara, Nó de sombras, Glaciar.
2015 – Mariana Bernárdez, Escreve-me nos olhos, Glaciar.
2016 – Adonis, O arco-íris do instante, D. Quixote.
2016 – William Shakespeare, Tanto amor desperdiçado,
Bichodomato.
2018 – Luis García Montero, As lições da intimidade, Abysmo.
2019 – Gérard d’Houville (Marie de Régnier), A inconstante,
Sibila.
2019 – Luis Vélez de Guevara, Reinar depois de morrer, Companhia
de teatro de Almada.
2021 – Jidi Majia, Planeta dilacerado, Sibila publicações.
321
Obras publicadas noutros países:
ALBÂNIA
2007 -Meditime mbi rrënoja, ed. Koçi, Tirana. (Trad. Anton
Papleka).
BÉLGICA
1997 – La Condescendance de l’être, Le Taillis Pré. (Trad. Michel
Chandeigne).
2000 – Le mouvement du monde, Le Taillis Pré. (Trad. Michel
Chandeigne).
BRASIL
2004 – Por dentro do fruto a chuva, Antologia poética, org. Vera
Lúcia de Oliveira, Escrituras, São Paulo.
BULGÁRIA
1999 – Lirika, Karina M., Sófia (trad. Georgi Mitzkov).
2009 – O mais simples (Poemas 2000-2009), Farrago, Sófia (trad.
Sidónia Pojarlieva).
CHINA
2017 – Variation on roses, The Chinese University Press, IPNHK,
Hong Kong.
COLÔMBIA
2013 – Defensa de lo sublime, Taller de Edición, Rocca, Bogotá
(trad. Lauren Mendinueta).
2014 – Breve Tratado de Pintura, Frailejón Editores, Medellin
(Traducción: Elkin Obregón S.)
322
DINAMARCA
1998 -Vandlinier, Brondum. Tastrup. (Trad. Merete Nissen e Per
Aage Brandt).
ESPANHA
1996 – Un canto en la espesura del tiempo, Ultimos contemporáneos,
Calambur, madrid (Trad. José Luis Puerto).
2001 – Antología, Visor dePoesia, Madrid. (Trad. Vicente
Araguas).
2008 – Tú, a quien llamo amor (Antología), Poesia Hiperión,
Madrid (Trad. Jesús Munárriz).
2013 – Devastación de sílabas, Ediciones Universidad de
Salamanca, Patrimonio Nacional, Edición, introducción y
selección de Pedro Serra.
2014 -El orden de las cosas, Editorial Pre-Textos, Madrid-Buenos
Aires-Valencia. (trad. Juan Carlos Reche)
2014 – Navegación sin rumbo, Editora Regional de Extremadura,
Mérida. (trad. Luis Marina)
El fruto de la gramatica, Valparaíso Ediciones (Trad. José Ángel
García Caballero.
2015 – Cantar de los cantares, Santos Ediciones, Cuenca (trad.
Jenaro Talens).
2016 – Implosión, Letour1987, Extremadura, (trad. Mario
Quintana).
FRANÇA
1990 – Enumération d’ombres, Editions de Royaumont, Paris.
(Trad. Michel Chandeigne).
1993 – Les degrés du regard, L’Escampette, Bordeaux. (Trad.
Michel Chandeigne).
323
1996 – Un chant dans l’épaisseur du temps suivi de Méditations sur
des ruines, Poésie/Gallimard, Paris. (Trad. Michel Chandeigne).
2000 – Lignes d’eau, Fata Morgana, Cognac (Trad. Jean-Pierre
Léger)..
2000 – Traces d’ombre, Ed. Metailié, Paris. (Trad. Geneviève
Leibrich).
2001 – Jeux de reflets, Ed. Chandeigne, Paris. (Trad. Michel
Chandeigne).
2003 – Pedro, évoquant Inês, Ed. Fata Morgana, Cognac. (trad.
Marie-Claire Vromans).
2006 – Source de vie, Ed. Fata Morgana, Cognac (trad. Marie-
Claire Vromans).
2006 – L’ange de la tempête, La Différence. (Trad. Cécile Lombard).
2011 – Géométrie variable, Vagamundo, Pont-Aven (trad. Cristina
de Melo).
2011 – Le mystère de la beauté, Editions Potentille (Trad. Lucie
Bibal et Yves Human).
2013 – Portugal : Un voyage dans le temps, Photographies de
Bernard Cornu, Les Perséides, Bécherel (éd. billingue, trad.
Anne-Marie Quint).
2013 – Histoire de chien, Vagamundo, Pont-Aven (tradução
francesa de Cristina Isabel de Melo e inglesa de Graham
macLachlan).
2015 – Le sentiment fugace de l’éternel suivi de Géographie du
chaos, Revue Nunc/Editions de Corlevour, Mayenne, (Trad.
Béatrice Bonneville- Humann e Yves Humann).
2015 – Manuel de notions essentielles, Atelier la Feugraie, Saint-
Pierre-la-Vieille (Trad. Béatrice Bonneville- Humann e Yves
Humann).
324
2017 – Navigation à vue, Revue Nunc/Editions de Corlevour,
Mayenne, (Trad. Béatrice Bonneville- Humann e Yves Humann).
2018 – Le nom de l’amour, La Nouvelle Escampette, Clermont-
Ferrand. (Trad. Max de Carvalho)
2019 – O labirinto do amor, Cahiers de l’Approche, Angoulême
(trad. Lucette Petit).
2020 – Le mythe d’Europe, Revue Nunc/Editions de Corlevour,
Mayenne, (Trad. Béatrice Bonneville- Humann e Yves Humann).
GRÉCIA
2006 – Por todos os séculos, Lagoudera, Atenas. (Trad. Nikos
Pratsinis).
HOLANDA
1998 – Recept om blauw te maken, Wagner & Van Santen,
Dordrecht. (Trad. August Willemsen).
2005 – De emotie in Kaart Gebracht, Wagner & Van Santen,
Dordrecht. (Trad. August Willemsen).
2019 – Het licht van Lissabon, Kleinood Grootzer. (Trad. Willem
M. Roggeman).
IRÃO
2009 -Meditação sobre ruínas, Teerão.
ISRAEL
2000 – Meditação sobre ruínas, Carmel, Telavive (Trad. Aharon
Shamir).
325
ITÁLIA
1991 – La poesia corrompe le dita, Colpo di fulmine Edizioni,
Verona (Trad. Adelina Aletti).
1994 – Adagio, Sestante, Ripatransone. (Trad. Fabio Pusterla).
2011 – A te che chiamo amore, Kolibris edizioni, Bologna, (trad.
Chiara de Luca).
2015 – La matéria della poesia, Kolibris edizioni, Bologna, (trad.
Chiara de Luca). Prémio Internacional Casa da Poesia de Como.
2017 – Formule di una luce inesplicable, Kolibris edizioni, Bologna,
(trad. Chiara de Luca). Prémio Internacional de poesia Camaiore.
2020 – La Cospirazione Cellamare, Grimaldi & C. Editori, Nápoles
(trad. Maria Luisa Cusati).
2021 -Ritorno allo scenario campestre, Delta 3 Edizioni, (trad.
Matteo Puppilo e Eleonora Rimolo).
LUXEMBURGO
2009 – Die Haut der Erde, Editions Phi, Institut Pierre Werner,
Luxemburg (trad. colectiva).
MARROCOS
2011 – A fonte das imagens, Antologia poética, Dar Attaouhidi,
Rabat (Trad. Said Benabdelouahed).
MÉXICO
1999 – Teoría general del sentimiento, Trilce, México (Trad. Blanca
Luz Pulido).
2010 – El misterio de la belleza, Universidad autónoma de Nuevo
Léon, (Trad. Blanca Luz Pulido).
326
2014 – A pedra do poema, Antología personal (2001-2013),
UNAM. (Trad. Marco Antonio Campos).
2018 – Meditación sobre ruinas, Textofilia, Univeridad Autónoma
de Nuevo León (trad. Blanca Luz Pulido).
2018 – La maleta del poeta, Trilce (trad. José Xaviedr Villarreal).
ROMÉNIA
2019 – Materia Poeziei, Editura Muzicala,Bucareste.
REPUBLICA CHECA
1999 – Sarlatová Zená, Argo, Praga. (Trad. Pavla Lidmilová).
SUÉCIA
1998 – Kallskrift, Aura Latina, Malmö. (Trad. Lasse Söderberg).
2012 – Ana Luísa Amaral, Nuno Júdice, Vasco Graça Moura,
Vintergatan asfalteras i vitt, Almaviva, Uppsala (trad. Marianne
Sandels).
2015 – Fritt navigerande, Almaviva, Uppsala (trad. Marianne
Sandels).
USA
2020 – The religious mantle, New Meridian Arts (trad. David
Swartz).
327
VENEZUELA
1996 – Antología poética, Ed. Angria, Caracas.(trad. Eduardo
Estévez en colaboración con Neni Tábora).
VIETNAM
1999 – Tutên tap tho, ed. Trinh Bay. (Trad. Diem Chau).
328
Que este livro dure até antes do fim do mundo.