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Introdução

Sobre o título do livro

Sobre a capa do livro

Livro I: Memórias das Torres Abolidas


Memórias das torres abolidas

Capítulo I: Amores

O Martírio dos Amantes: Asclepiadeu Quarto

Asclepiadeu Maior

Clepsidra

Reminiscências do Jardim

Canção de Maio

Capítulo II: Luminescências

Pastoral

Impermanência

Dormi, Iesu, Mater Ridet

O Desertor

Nascimento

O Vizinho Pianista

Capítulo III: Névoa

A Camélia

Retranca: Epitalâmio

Renka Solene
Jogging and Foxtrot

O Aviso

Um Sonho de Verão

Maximin: uma litania em arquilóquio terceiro

Capítulo IV: Experiência

Última Canção de Natal

A velha história da velha Licé

Mercúrio

Indolência

O Rinoceronte de Nicolau Tolentino

Um sáfico menor: Ars poetica

Capítulo V: Coda - suíte sobre Company, de Beckett

A voice come to one in the dark

A small boy you come out of Connoly’s Stores

A rat long dead

Yes I remember. The sun had not long sunk behind the larches

Crawls and Falls: The fable of one with you in the dark

Livro II: Poemas Novos


Wiegenlied

Um Anjo vê Ícaro agonizar

Um conto de fadas

O amor em tempos de náusea


À Música

Ladainha Renitente

Canção enamorada

Prosa Evangélica

Solidão

O Albatroz

Elogio à Cruz

Castidade

Sexteto sobre um tema antigo

Epitáfio de um poeta

Vênus

Magnus desrespectus respiciare malo est

Pavana da Saudade

À Lua

Do prazer do Egoísmo

Na lembrança de um pássaro morto

De Senectae Feminae Morte

Sobre a Morte de uma Velha Mulher

Livro III: Le Cronace ed I Dialoghi


Elegia feminina do amor infantil

Elegia masculina do amor maduro

Os carvoeiros escravos no norte de Minas


Elegia solene

A Cidade Jardim

Viro e Crisa: Caridade

Agnes e Nikéos: Piedade

Alexandra e Nikéos: Castidade

Carmina Secularae

O Casamento das Náiades

Adeus
Introdução
Não sou o tipo de poeta que busca não ser
entendido - o oposto, na verdade; mas creio que cada
propósito sofre dos mais diversos percalços numa
execução e, em frente a tais percalços, enseja-se a
possibilidade de que a consumação de uma
qualidade seja exatamente o seu contrário. Creio ser
este o caso aqui. Não acho que o leitor culto
encontrará dificuldades em entender ocasionais
referências e analogias que, aos pouco lidos, podem
parecer abstrusas, mas poderia incorrer no erro de
me filiar a tradição dos poetas herméticos na medida
em que deles me aproximo mais por conveniência
que por temperamento. Para ilustração, me lembro
que Bernanos, ao ser questionado pelos supostos
furos no seu Segneur Ouine, respondeu que seu livro
correspondia a estrutura do mal e o mal, sem forma
por excelência, deveria ser representado na sua
confusão aparecente e não numa descrição
impessoal e distante – tarefa mais dos catedráticos
que dos escritores. O leitor verá que uso da mesma
técnica aqui. No primeiro volume, as memórias das
torres abolidas, vários poemas têm imagens
evanescentes como se um Absoluto tépido guardasse
fragmentos que nos são tangíveis e reservasse o
Todo para si. Ora, quem quer que tenha lido o
primeiro dos poemas saberá ser exatamente este o
meu desejo e passará pelos outros poemas sem
grandes dificuldades, utilizando-se como método
hermenêutico essa premissa geral. Os poemas novos
têm descrições muito mais palpáveis, na verdade,
cada poema é uma peça única que tem de relação
com os outros tão somente a sua total independência
do todo: são todos afirmações de fragmentos
evanescentes da percepção humana cujo o vetor fora
a minha própria percepção - o que os diferencia do
primeiro volume, onde o ideal seria uma leitura de
cabo a rabo, fazendo uma meditação sobre as
diferentes opções da atenção humana. Há, portanto,
as três unidades aristotélicas neste livro: o épico,
épico sem espaço como a Invenção de Orfeu de
Jorge de Lima, lírico, cujos poemas novos
epitomizam, e dramático, cujo o título Le Cronace
ed I Dialoghi escancaram a proposta. Sobre o
terceiro livro, que pouco falei, vale a pena comentar
que nele houve o exercício de dramatizar diferentes
elementos em diferentes poemas. Os dialoghi
propriamente ditos usam nomes gregos e latinos, que
tem seus significados para os filólogos, e as elegias
encarnam sucessivamente diferentes espíritos que
pairam sobre a sociedade – o da jovem inocente, do
sobrinho enlutado, do homem em degredo, etc – e o
metro que escolhi, influenciado pelos trabalhos de
Érico Nogueira, mas principalmente por um estudo
trabalhoso de Milton e Virgílio, imita o hexâmetro
dactílico antigo e suas liberdades, eliminando a
concepção pitoresca que temos do mundo clássico.
Eu poderia comentar dos mistérios dessa
metrificação, que vou descobrindo paulatinamente
nos meus experimentos, mas ainda não me sinto
seguro disso, porque o tema cresce na medida em
que é investigado – ao interessado, é manifesta a
minha vontade de explorar todas as consequências
desse tipo de versificação num livro posterior. Até
aqui, o que tenho de mais hábil no manejo deste
verso é o casamento das náiades, uma dramatização
dos problemas da alquimia, onde tentei seguir
fielmente a forma como Mário Ferreira dos Santos
trata a simbologia em seu tratado, mas confesso que
é um livro ainda demais complicado para mim.
Creio faltar assinalar duas principais linhas
de discussão que o livro venha gerar. A primeira é
que devo agradecer imensamente a influência de
figuras como Wladimir Saldanha, João Filho,
Henrique Nascimento, Leonardo Antunes, Érico
Nogueira, Almir Castro Barros e o casal Schadieck
que, alguns sabendo disso e outros não, muito me
ajudaram a definir os propósitos deste livro. Não é
de todo isento dos discutelhos políticos este livro –
área onde me encontrei um satirista de extremo mal-
gosto, mas deixo os dois exemplos que mais
vingaram por motivos mais remotos que a mente
política pode imaginar. A segunda é uma frase que
pode soar um tanto estranha, mas que para mim é
clara como um lago. Eu não possuo nenhuma
ambição poética. Não digo que não busco poetizar,
mas que já me foi o tempo – e muito isso me alegra
– que fiz poesia por só fazer poesia. Para mim, a
poesia está bem localizada como filha da vida, assim
como a matéria do pensamento é filha da matéria
física. Creio ser a poesia a mais perfeita das
ambições imperfeitas, mas isso não faz-me lícito
dizer que vivo por ela. Um homem que vive pela
arte não pode fazer arte; e perceberá o leitor ao ler
este livro, principalmente no Elogio à Cruz, onde
ponho a poesia no grau das minhas prioridades.
Talvez em alguma edição deste livro, será salutar
trazer um livro em que trabalho chamado A Vida
Espiritual, que creio ser o duplo perfeito do livro que
o leitor tem em mãos. Um ilumina o outro, mas este
o serve, porque aquele é um exercício constante de
meditação, enquanto este é só fragmentário.
Naquele, supõe-se que vá se aprofundando o leitor
em si mesmo de formas concêntricas, e neste, a
saltar em abismos. Talvez venha o dia em que eu
consiga imprimir na poesia esse exercício de
meditação que nos diálogos platônicos e ferreirianos
sempre me impressionaram, mas aqui deixo o
testemunho do meu fracasso, por sobre o verniz da
beleza.
Livro I:
Memórias
das Torres
abolidas
Memórias das torres abolidas
Misteriosa é a memória
Com os seus Souvenirs doirados;
Não deixemos a merencória,
Porém, esquecer o lembrado.

O seu mistério é o mesmo,


O mesmo dos enamorados,
Que refletem nos corações
O refletir do céu ao Lago,

Que faz vislumbrar nesta terra


O azul cristalino do céu
E assim sabemos ser não mera
Falseação da noiva com véu.
Lá, tudo é questão de espera:
Espera da memória com Deus!
Capítulo I:
Amores
O Martírio dos Amantes: Asclepiadeu Quarto
Contra o Tédio incansável com
Que tu pagas os meus beijos, desejo tão
Estimável, eu venho aqui
Consagrar, com a una árvore arábica
E seu pássaro, um funeral.
Acontece que a toda prosápia da
Musa grega Melpômene
Cai diante de ti, e fenecemos juntos
Na irreconciliabilidade
Dos amantes. Mas vens a mim, desejo de
Desejar, e nem posso a paz
Mais querer, nem a guerra ambicionar, pois sou
Teu, ó fruto do vulgo sem
Língua, que aqui jaz à míngua do esquecimento.
Nestas horas, eu temo trair
O passado.
Ó Bom Deus, nos livrai das
chamas
Que a mente faz tão mais quente
Que a consagração própria do desejar!
Não virão, neste funeral,
As terríveis Mariposas com gritos roucos
De remorso, que querem nos,
Enlutados, seduzir com sua horridez;
Nem virão as tirânicas
Aves fora da estirpe única do Cernícalo.
Alegrai-vos então, escravos
Da Manhã!
E também, no fim, virá a Fênix
E, conjunta, a Rola antiga:
Misteriosa união que a Razão não explica!
Para todos que sofrem com
Esta dor de fim, eis a minha procissão:
Threnos
Aquele que de amor descomedido
Pelo formoso melro se perdeu
Jaz com o próprio amor aqui perdido,
Chora o seio que em pedra converteu.
Mas como espectador há o casal
Que no féretro vê espelho seu
E se vê então no seu funeral
Do seu próprio corpo que já morreu.
E supera a lógica do mortal
O fugaz que ao eterno cedeu:
Aquele que de amor descomedido
Pelo formoso melro se perdeu.
Afinal, não há no eterno o delido
E nem o pecado bem definido.
Asclepiadeu Maior
Tão antiga, também próspera é nossa provecta forte
Ascendência, de uns príncipes ou loucas princesas:
[nobres
Derrotados, também bárbaros, tão pródigas
[previsões,
A clamar e clamar para a Sã Virgem com muitas
[preces;
Ser e nada saber – tanto, porém, ver-se nos seus –
[assusta,
Por se ver que após nós nos também são por algum
[propósito.
Logo, todas as mui almas e mais outras têm d’anos
[como
Nós; até eu diria: vens tu do bell’Cáucaso; os olhos
[teus,
Com o mel de tal negr’olho, montanha à outra
[montanha fazem
Se mostrar em você; mas eu em algum ponto
[encontrei daquel’A-
Lexandria – após Magnus e após Ário também, eu
[penso.
Penso e anelo que tu, ó eufrosía dádiva, então nos
[ligue:
Teu presente ligado em tal passado eólio, assim
[como a carne
Dos amantes. Enfim, velho passado outro presente
[aqui.
Clepsidra
Dorme, mulher, sustentada pelos auspícios
Do meu regaço. A noite rui no silêncio
E teus cabelos negro-doirados se fazem
Rio e fluem como um Lethes mais noturno.
Se diverte nas ondas, minha Galateia,
E que me deixes ser teu Ácis e tua terra
E vamos espiar juntos os signos dos céus
Que antigos e inalcançáveis se refletem
Na tua límpida escuridão. Que nós tornemos
Tua orla florida – purpúrea primavera! -
Habitemos juntos a margem deste rio
E deixemos a angústia às ondas do mar,
Que sempre vão se quebrando em fuga inconstante,
Mas é eterno o amor das almas enamoradas.
Se me cabe a mim, não deixarei que nenhum
Gigante nos separe e nem que polifema
Obsessão nos possua em Lua invejadora…
Tu, Anjo de Luz, prosperará no correr
Dos séculos! E sempre será tua efígie
Muito marcada pelos olhos sorridentes
E pueris, tão negros como um rio estrelado.
Um lírio nos surpreende… e se desabrocham
Suas sépalas por um sopro tão leve e quente:
É a brisa do Sol que vem acalentar
Teu rosto delicado e as longas vestes diáfanas
Sobre teus seios com os mil brilhantes fogos
De Posilipo e as luzes furtivas do Oriente.
Aurora! Eclosão de esperas! - guardaste tu
Os prazeres ao arauto da primavera!
Flui então, minha amável Clepsidra, à constante
Inconstância te profetizaram os astros
Dourados … tu, na tua primavera florida,
Há de sonhar com as grutas no ocaso, ouvindo
O cantar secreto das sereias, que pregam
O Amor universal num Canto eternizado!

Reminiscências do Jardim
Dedo a dedo se escolhem os traços
Da beleza antiga de anos atrás;
E Deus, pouco a pouco montando retratos,
Vai esculpindo estátuas imemoriais.
E em teu corpo, meu amor,
Reside um quê de infinito;
Tuas curvas continuam sendo
Daquele jardim antigo!
Canção de Maio
Escapei da câmara obscura,
Onde a Miséria sustenta a Abundância
E onde Ekho rege os sons das mágoas.
Então segue comigo até o prado
Ver naufragar a carruagem do Sol
Na brisa leste-austral
Do céu azul-carmim.
E juntos, enquanto rimos
Das virações de nossas tão excêntricas
Imagens e tememos que a solerte
Luz nos abandone ao doce mar
Do esquecimento, vamos -
Enquanto nos há tempo!
Afinal, é o tempo o arauto
Dos homens, o anunciador dos presságios,
E a noite vem resplandecer os campos -
Nós ficamos para seus prodígios?
Ah! Com os olhos de Pierrot,
Cantemos com o coração!
Capítulo II:
Luminiscên
-cias
Pastoral
O sol já expôs
A misteriosa clareira;
E as flautas do prado
E seus tamborins
Acedem espaço
Ao seco som dos seus zangões.
O bosque já vai fechando,
Enquanto sobe a lua a colina
Oblíqua, e cessam os rituais
Que estilhaçavam os anos
Em vitrais esfumaçados.
É perplexa a mente de quem vê
A fina neblina
Jazer sob o Sol notívago;
E mouca… a dúvida
Vem – como à terra
Quieta o fogo vivo!
Impermanência
Descendemos dos rios impassíveis
E é nosso amor tão pequeno,
Frente o nosso esquecimento,
Que parece a memória uma fantasia.
Pois mostra-se a mente em tempos,
Enquanto esmaecem os olhos
E nós a encontramos nos sólios
De uma última agonia.
“Serei o segundo dos mortos!”
Nos disse o moribundo
E nós, meditabundos,
Nós encaramos o luar:
E temos a noção no fundo
Que a mente nos é passageira,
E que uma brisa fria e ligeira
Nos levará de volta ao mundo.
Dormi, Iesu, Mater Ridet
I
Dorme com a seda suave,
Marca do que há de entrave,
Entre a vida e o desejar.
Não dormindo tu ouvirias
Lágrimas da Mãe Maria
Num amor de suspirar.
II
Dorme para que o tesouro,
Que se afasta do curioso,
Possa ele te alcançar.
Não dormindo quem viria
Ao encontro da agonia
Para enfim te libertar?
III
Dorme pela dor do cárcere
Que na luta torna acre
O anelar de livração.
Não dormindo quererias
Tu morrer nas agonias
Pela dor do coração.
IV
Dorme assim como Cordeiro,
Que em martírio é primeiro,
O primeiro a morrer.
Não dormindo o olhar do Tigre,
Tigre que brilhando viste,
Desta lança irás sofrer.
V
Dorme com o sono brando
Dos teus olhos que faz tanto
A vigília e o fim no Ser.
Não dormindo o que se sabe,
Com certeza de verdade,
O que lá se há de ver?
VI
Dorme qual à Samaria
Perto Ele lá dormia
Sem um algo a dizer.
Não dormindo, o sofrimento
Todo em todos os momentos
Poderias tu sofrer?
VII
Dorme qual faz o desejo,
Degolando no versejo
Do profeta o professar.
Não dormindo a eternidade,
Nos dizendo suas verdades,
Sempre há de nos salvar.
VIII
Dorme contra do indeciso
O angustiar que busca o Cristo,
Silêncio da dúvida.
Não dormindo, tal insone
Vã promessa que consome,
Ela há de prosperar?
IX
Dorme, Cristo, tua mãe ri-te
Quem em doce sono viu-te
Dorme, Cristo, abranda-te.
Se não dormes, tua mãe chora
Com as cordas canta e ora:
Brando sono, embala-me.
O Desertor
Quem quer que tenha se esquivado
De suas responsabilidades
Com a pátria ou o lar
Vem a mim, pois sou eu o refúgio
Dos covardes e fracos.
Quem quer que tenha se omitido,
Deixando de ser o que o Ser
Outrora quisesse que fosse,
Vem a mim, pois cobrir-te-ei
Com mantos constelados.
Quem quer que tenha ouvido as ondas
Se quebrando no mar noturno
E convalescido ameaçou
Juntar-se às algas em silêncio
Ouve então meu canto angustiado.
Nascimento
Nasceste com a têmpora exposta à Lua
E carregas contigo todos os progressos
Da civilização. Rápido, como a lebre
No prado, vais correndo tu do caçador
E a décima terceira geração invejas -
Tu és sempre o único, último ou primeiro!
Sim! Pois temes e invejas a Morte, Rebento
Maldito, e crescerás roubando as rosas brancas
Que se colhem no ocaso do Ser… Mas o céu
Queima e a salvação de amanhã é incerta:
Tu desejas morrer, desejas ser a morte
Desde o seu próprio berço… elas ficarão,
No entanto, aqui, as rosas brancas que tuas mãos
Colheram, pois levamos só o que pertence
A nós e não pertencem a ti as volúpias
Pelo botão da Rosa, as graças do século,
Pois carregas contigo todas as misérias
Da civilização – e os progressos também!
O vizinho pianista
Ó melodia errante!
Vais e vens com teu sorriso distante…
E adornas com Violetas,
Escolhidas a dedo, um rasto
Jardim.
E ainda me lembro de ti,
Doce Souvenir, ostentando
Comigo a tua insígnia empoeirada,
Esperando a tua música
Se perder no imenso salão.
Afinal, vós sois um Troféu do Sol,
Nobilíssimo e passageiro
Como a graça do Estio -
Ah! e pensar que as Violetas vão morrer…
E deixar o jardim vazio.
Capítulo
III: Névoa
A Camélia
Flor que mais desaparece a cada dia,
Mas que a semente se fecunda nas bocas
Dos povos já moritura, e que a beócia
Docilidade saúda aquelas pétalas
De marfim, que então desfolham-se dos galhos.
É que nos apaixonamos pelo sangue
Que pulsa e nós cremos haver na Medusa
A resposta dos problemas da Quimera:
E, acreditando que o Ser é o que era,
Preservamos os suspiros, sem Camélia!
Retranca: Epitalâmio
E dividem o pão na Mesa;
Também creem que a alma esteja
Em um tal profundo oaristo
Que, sentido, não quer ser visto.
Mas pelo dividir do pão,
Eles podem nutrir o grão?
E conspurca-lhes nos seus corpos
Os miasmas de suas existências:
“Mas, por favor, me passe o copo?”
E pelo dividir do pão,
Não conseguem nutrir o grão.
Renka Solene
Naquele dia não havia
Somente o corpo teu,
Também havia o corpo
De todos homens e mulheres
E Santos que morreram antes
De ti e irão morrer também.
De todos homens e mulheres
E Santos que morreram antes
De ti e irão morrer também
Havia o corpo ali,
E todos os presentes, filho e filha,
Estavam por ali… chorando.
Havia um corpo ali,
E todos que estavam presentes, filho e filha,
Que estavam por ali chorando,
Um não era filho teu, e sim apóstolo,
A outra não era filha tua, e sim Maria,
Chorando pelo Cristo atormentado.
Um não era filho teu, e sim apóstolo,
A outra não era filha tua, e sim Maria,
Chorando pelo Cristo atormentado
E por Francisco, Boaventura ou Cecília…
As Madalenas seguem com os anjos
E sob a cruz a filha tua chorava em Romaria.
E por Francisco, Boaventura ou Cecília,
As Madalenas seguem com os anjos
E sob a cruz a filha tua chorava qual Maria.
Naquele dia não se ouvia
Somente o canto de Roberto Carlos,
Mas todo um coro nos dizia: Miserere Mei…
Naquele dia não se ouvia
Somente o canto de Roberto Carlos,
Mas todo um coro nos dizia Miserere Mei;
E, quando foste sepultada
Por um coveiro de sorriso frouxo,
Tu souberas estar acompanhada por um homem oco.
E quando foste sepultada
Por um coveiro de sorriso frouxo,
Sabendo estar acompanhada por um homem oco,
Fazia válido dizer que a mão,
Enquanto usada pouco,
Um afinado tato tem.
Fazendo válido dizer que a mão,
Enquanto usada pouco,
Um afinado tato tem,
Assim jogávamos as rosas brancas,
Livrando-nos do peso
Nos peitos e nas mãos.
E assim jogávamos as rosas brancas,
Livrando-nos do peso
Nos peitos e nas mãos, e
Naquele dia não havia
Somente o corpo teu
Também havia lá, havia lá o corpo meu…
Jogging and Foxtrot
Júbilo no corpo
De andrajos elásticos
Como fora uma vez
O do palpitar do moço
Que se jogara do prédio
Com um olhar paratático:
“Homem branco cai em
Gueto negro, negro, negro!”;
E a memória empilha-se
Pela mesa de jantar.
O suicídio é uma ofensa
Na era dos progressismos,
E só há perigo
Na tela e na mente,
Que a nossa rotina
Pode desligar:
Foxtrot, foxtrot, jogging
Já viu o novo talento
Da nossa poesia?
Jogging, foxtrot, foxtrot
Foxtrot, jogging, foxtrot.
Mas a chuva primitiva,
Que lá fora bate,
Resguarda-te o inimigo
Que anda a pé.
O Aviso
Que não te fies nas palavras,
Pois não são elas como moedas;
Ao corpo valem quase nada,
Quase nada na primavera.
Germinação! Eclosão! - nasce-se
Mais uma vez. A paixão é um túmulo
Que mesmo que se consumasse,
Seria mudo a vocês…
Eis o mistério claro-escuro
Dos enamorados: ouvir,
Enquanto surdo, um amor
Calado. Afinal, é esta,
É esta a mesma espera
Do amor e da paixão
E, mesmo que se quisesse que não,
São os ossos da primavera.
Um sonho de Verão
Em um terço da noite dividida,
Em três e mais três e mais três e três,
Sonhei com uma figura querida
Que sendo quem é, não soube o que fez.
Já era meia-noite naquele dia
Que equidistava do Ocaso e da Aurora;
O que significava não sabia,
Mas eu posso dizer que sei agora:
No peristilo do conservatório
Que somente pela noite se abria,
Ouvi d’uma contenda o falatório
Mas não posso dar aqui o que ouvia.
Pois infelizmente falha a memória
Às vezes nas coisas mais importantes,
Mas disso não será exemplo a história
Que contarei como contava antes.
Só sobraram no fim as armaduras -
Estilhaçadas, se me lembro bem:
Que mesmo sem devidas bocaduras
Diziam versos faustos, mesmo sem!
Os estudantes vão para o convento
Que habita por cima da maldição;
E então nós respondemos ao evento
Com três dísticos de estranha oração.
Nos confrange um espírito de Luz
Com sua aparição um tanto estranha;
Solerte à oração nos conduz
Mas a nossa mente não acompanha.
No ombro, um anjo, pequena pantera
Ela carregava; e Beatriz tem
Por nome quem eu sabia quem era,
Mas ela não me tinha por ninguém.
À sala correta uma tutora
Nos chamou, entretanto, e muito bem
Sabia tratar-se da protetora
Mas a figura estava lá também.
Em dupla solerte entravam no cômodo
Como a Luz invade o mais fino furo
E rápido então me assustei incômodo
No local que se demonstra inseguro.
E, assim que acordei do sonho sem ciência,
Pus-me a pensar da minha vida um todo
E vi que se tratava da consciência
O sonho que vos compartilho um pouco.
E então mais uma noite passo em claro,
Acrescendo ao nove o três;
Disso do céu à terra aqui se fez
Mais um poema sobre a Ciência e o Ato.
Maximin: uma litania em arquilóquio terceiro
Nasce, no Oriente com Sol já fálico, o dia atribulado
E traz a luz notícias do teu corpo.
Vejo-te, ó Maximin, pendurado por cordas e,
[suspenso,
Tu, desde a noite, o espaço de um quadrado
Tu percorreste com o teu já falecido corpo frio.
Meu tão misérrimo Jacinto negro,
Que Faetonte te crestas a pele em naufrágio pelo
[ocaso
E o sangue jorra no que jaz crestado,
Os tais corcéis do tufão pisotearam-te e fora o ínvio
[Deus
Aquele quem te assassinara e, como
Aldebarã às Plêiades, te perseguira como sempre
Persegue as coisas que parecem belas.
Pela soleira da nossa janela que só erma rua e praças
Desertas te mostrava, ouviste as vozes,
Creio, das prófugas cinzas de Dido e de Lady
[Macbeth;
tanto Chamava a
ânsia de surcar as águas
Do Flegetonte, que, em pélago, vinho e teu sangue
[transformara
A naufragar turícrema, com quente
Líquido, a mesa, mas são eles iguais a ti, a ti e a ele
Em sua doçura e em sua agra torridez, que

Ele, Vulcano, incendeia qual graves ofícios do


[Ciclope,
Que vê o agora em uno olho humano.
Logo tu, dentre os humanos o ser mais belo e dentre
[os Anjos
O ser mais sábio... um Deus traído pela
Sorte e privado dos teus tão devidos louvores e

[elogios:
Meu caro Maximin, piedade tende
Da miserável miséria que é minha e povoai de

[melros,
O amanhecer silencioso e triste.
Mas tu morreste e resistes ainda em memória, em
[obsessão, que
Resguarda - ou busca resguardar - o gáudio
De todo Mouro na amarga Veneza e que crê que
[esteja em tempo
De resguardar a sua Desdêmona; mas
Sei que, na realidade, a Europa jaz, posta de joelhos,
De Oriente a Ocidente jaz sangrando,
E a esfolar as suas calças rasgadas, enquanto todos
[eles
Rastejam para cá, querendo ver-te.

Já te esmagavam a noite e os augúrios dos Manes da


[sua parte
E de também o mundo todo, e, como a
Soma da vida brevíssima afasta-nos da esperança
[eterna,
Tu preferiste o teu deleite amargo.
Mas o que agora fará, se o vapor das papoulas vai
[cessando
Alfim? Vapor que antes esmaecia
Cada um dos vidros do quarto, o da frente e o de
[trás, nos impedindo
De ver teu rosto cadavérico. Ah!
Eras tu belo na vez em que vi: tu, colhendo um figo
[em raro
Jardim - tão doce, doce, doce, doce…
E quem diria que irias tu se decompor aqui tão perto
De mim, Ó meu amado Maximin! Eu
Logo abrirei as janelas, e o gás das papoulas e das
[rosas
Encontrará a luz acetilena:
E restabeleceremos assim qual perdemos, quando
[contra
O céu azul queimar sinistramente
O tal vapor das papoulas e rosas, amado Maximin!
Capítulo IV:
Experiência
Última Canção de Natal
Ouve meu canto, Senhor,
Canto das coisas mortais como nós mesmos,
A buscar nelas a luz da zona ardente,
Procurando incendiar a candeia
Deste meu cínico coração.
Ouve este canto distante de tudo:
Quem canta comigo já são as memórias
A resmungar melodias
Dos sólios milenares de luz
Abaixo de uma estátua de cupidos crioulos.
Aqui, o cuco ensina o canto à cotovia
E acolhemos inocentemente novos espetáculos
Com a introdução de tranquilizantes cornetas…
Como distamos de Thule!
Como aproximamo-nos de Roma!
Dispensamos a crisálida
E evolamos com as mariposas
Na alegria da Criação;
Nisto somos como larvas
A se encasular nas flores,
Destruindo a vida e recebendo de si
Aquelas rosas doentias.
Assim, eu vou sentindo o esvair da mente
Como minantes sombras do pó constrito,
Qual se nas guirlandas de natal,
Minha alma tivesse perdido.
A velha história da velha Licé: um Hiponacteu
Deixa-me cantar, Licé,
No teu ouvido: a seda que te guarda o
Corpo envelhecido já
Te despe e mostra-nos passar os anos.
E os vestígios já são tantos,
Que nem os belos mármores de Himeto
Da parede da tua casa
Ou os marfins dos africanos, quase
Raros como o Nada, fazem
Recuperar o teu amável auge,
Auge do mais puro Abril -
Cinara continua bela, bela,
Entretanto, qual jamais
Se viu! Portanto, deves aprender tu,
Ó Licé, a afastar
A pretensão e prosperar, então, a
Forma eterna da beleza,
Que assim tua mãe fizera, e assim também se
Fez aqui. Se não, trairás
O mundo e que sujeito com amor tão,
Tão profundo venderia
O amor por si à tumba dos herdeiros?
Que não sejas tu edaz
Qual é o Orco e a primavera:
Deves tu guardar o Sol
Conjunto das tuas joias mais douradas;
Já a Lua com as peças
De prata, sem suspiros do que se era!
Se Cinara teu destino
O mesmo não tivera pelos anos
Que seu fado encurtou,
Agora, pelo menos, tu não verás sem
Seus espasmos de risada,
O fogo que alimenta a juventude
Dispersar com dobres e
Restar somente fachos desta cinza -
Esta cinza que não é
Mais nada!
Mercúrio
Deus dos ladrões e mercadores,
Guardas do que são feitas as criaturas raras
De hoje até a Grécia esplêndida e tranquila.
Na pupila, cintila a luz olímpica
E bale n’alma a voz do fauno…
Nos lábios sibila os augúrios dos arautos
E cultiva no âmago a volúpia,
Característica das ninfas e das musas.
Assim é certo que vivias:
Auxiliando e confrontando a cabeça da Medusa.
(Eu penso que fiz para mim
Uma elegia)
Do teu couro e do teu Ciclone,
Inconspícuos olhos brilhantes
De uma Helena amaldiçoada,
O incômodo se esfrega nas farmácias,
Nas barbearias e tabacarias,
Enquanto com elas se incomoda também:
Choram as rotinas em tristes litanias!
Mas isso é de sobra,
E tens produzido bastante!
Indolência
Ao pé da figueira ou dos loureiros brancos,
Tu cantas e esqueces uma bela canção;
Passa o tempo e os figos ignorados são tantos,
Querendo ter teus dentes no amargo limão.
Musa Indolente, não desejas perfeição!
As abelhas de aço te trazem o mel
De mil vespas como uma contribuição,
Mas dispersas por arder o fel do limão.
E, aos poucos, se perde o tão belo rosto
Que nenhum Minotauro jamais possuiu;
E buscamos, num labirinto virgem, moucos
Por algo que nos mostre de onde surgiu.
O Rinoceronte de Nicolau Tolentino
O homem compenetrado
É gentil e diligente,
Mas turba se perguntado
De forma mui inteligente.
Nome: Alejandro, doutor.
Agora perdeu o emprego
Foi trabalhar de coveiro:
O que ele fazia antes
Ele agora faz melhor.
Mas visse um rinoceronte,
Tal pródigo enterrador,
Perguntar-nos-ia a fonte
E logo acrescentaria:
“Sem fontes não há valor”.
Se apontássemos os olhos,
Nos questionando viria:
“São estes meros escolhos
As tuas vãs filosofias?”
Seu pensamento avançado
Leu tudo que é francês
E então canta alucinado
Que nem um galo gaulês.
Sua filhinha tão novinha
Já sabe ler o beabá
Quando imita as garotinhas
Traz consigo o blá-blá-blá:
O seu pai, muito orgulhoso,
Da sua filha o falatório,
Já pensa ter superado,
Com pensamento ambicioso,
Os gregos e o latinório.
Pois é como ele ouvia
Nas classes de um professor:
“É a ideia do poder de
Mais valia, mais valia
Do que à verdade o amor.”
Um sáfico menor: Ars poetica
Haverá, na cinza já protelada,
Para sempre o espectro das rosas d’uma
Primavera já temporã, tomada
Pela cã neve:
Nela, o homem tenta manter o eterno
Pela forma do que é breve, e o facho,
Que na cinza ferve, da página já
Amarelada,
É um sopro que não tem quase nada
Que ver com a antiga lufada.
Coda: suíte
sobre
Company,
de Beckett
A voice come to one in the dark
São pensamentos, todos, idos e vividos
Depois pelo mistério da nossa memória…
Sonhamos! E somente estamos neste mundo
Por um sopro de lucidez, e se quiséssemos
Saber a nossa essência, esmiuçar o passado,
Seriamos levados a crer cegamente
Nas cavernas que há no Ser, onde as sereias
Nos chamam para que possamos contemplar,
Enfim, os melodiosos cantos da Verdade.
Como é a Verdade, assim é a Quimera:
Com a sua face busca esconder natureza
De fera… como se a solidez do Leão
De Neméia escondesse-nos a semeadura
Maldita das cabeças da Hidra de Lerna,
Mas seria o contrário? Não seria a Hidra
A mais temente de ocultar a rigidez
Do Leão? Pois, com seus pescoços de serpente,
Não dirá para este: “ Tu terminarás
Assim como tu és agora” - haverá
Palavras para as dúvidas? Pelos terrenos
Que habita a lucidez, o deserto dos céus,
A verdade é uma tragédia… tangível
Como as águas de Tântalo… e nos convida
Para a constante viração que ondula a Barca
De Caronte… mas atenção! Existe um som
Chamando por alguém na névoa nebulosa…
Atenderíeis vós?
A small boy you come out of Connollv's Stores
Ó Délia, quem te viu quem te vê
Nas chamas do amanhecer
Em lembrança assassinada!
Veja esta memória, que num garoto
Não é nada, se revelar como códice
De um sudário! “Mas não é mais longe
Do que se parece ?” O céu, digo,
E após o tapa o rosto da própria mãe
Em seu mistério de símbolo e revelação;
E, distantes, estaríamos falando
Conosco, com ele, com Ele ou contigo?
Como se o mastim houvesse então cindido,
Com as suas mandíbulas, o ser do Ser:
Mas não havia nada de não usual nisso.
Mas houve sempre, como há no visível
O invisível, algo de não usual no usual,
Pois a primeira luz que viste fora na Cruz
E também na janela arqueada;
E certamente aquela dona ambiciosa
Questionara a distância do céu
Quando se jogou da primeira janela.
E algum dia, no fim, falará
Todas essas verdades mudas com a tua boca
Já envelhecida, após o encontro com a Délia
Caçadora.
A rat long dead
E o rato agonizando
Abandonava o corpo animalesco;
E o corpo jaz sem alma, sem memória,
Mas como hipótese da mente
Que conta a história.
Mas és piedoso como a arte
E adotas um pequeno ouriço,
Contai-me mais, ó little master!
A mente então presente em corpo omisso,
Lá a piedade não fazia parte.
Mas foras diligente em recolar
A casa do seu companheiro,
Mas eras tu, ou ele, ou Ele ou nós?
Sua estrutura da memória é primeiro
E, após, a ânsia de contar.
Mas a casa do ouriço não possui
Um nome qual Haitch ou um outro,
Nem uma forma -
A diferir do esgoto
Que a prole dos ratos obstrui.
Yes I remember. The sun had not long sunk
behind the larches
Tu te lembras não somente por ti,
Mas há contigo a memória de um povo.
Povo que se apresenta presunçoso
No lenço em que carregas e então choras,
Peletizando a tua melancolia
Nas lágrimas que lavam as figuras
De seda. A Páscoa, a Páscoa é
Eterna! E a salmoura que tu derramas
Pelos teus pecados é livramento
Também do vulgo que nos acompanha.
Crawls And Falls:The fable of one with you in the
dark
“Os manuscritos não se consomem pelo fogo” -
Mikhail Bulgákov
Há, nestes atos da procura,
A paixão segundo nós mesmos.
Todos nós temos Mateus, Marcos
Lucas e João a lembrar
Da revelação que esquecemos:
Quatro vozes para um espírito
Trino, que sustenta a Beleza,
A Verdade e a Bondade em língua
Que seus amantes não entendem
E que fora no funeral
Do desejo e do desejante
Para prestar as condolências.
Exaltará a eternidade,
Nos traços da mulher amada,
Um desses quatro evangelistas;
E assim cantará a verdade
Nesta paixão tão limitada:
Falará sobre a cor sublime
Dos olhos negros que nos lembram
As mais altas e perigosas
Montanhas, e assim falará
Também dos cabelos líquidos
Que fizeram resplandecer
Estrelas em esquecimento
No Lethes veloz como o Ródano;
Falará do jardim eterno
Do qual viemos e da alegria
Igualmente eterna do amante
Pierrot e então tu cessarás
Como a segunda voz da Fuga.
Ele então reaparecerá,
Enfim, transfigurado em outro,
Exigindo que esteja pronta,
A mim e a ti, a Verdade,
Esse bem mais justo de todos;
E surgirão por isso as dúvidas,
As dúvidas do Sol notívago
Que atravessarão nós e o Cristo
Nos ocasos do Ser. E, então,
Buscamos dormir, invejando
As algas que dormem nas águas,
Porém tentamos preservar
As rosas brancas que colhemos
Como insígnias empoeiradas.
E vemos a velha contenda
Entre desejo e liberdade,
Tomar a forma de Camélia
Numa terceira voz não vista,
Marca da angústia do que somos:
Entre o pão e o grão, ou a mão
E o peito que carrega em si
Aquela chuva primitiva.
Peito mudo com o silêncio
Dos amores que não se entendem;
Peito que teme a luz que invade
As salas seguras da Ciência;
Peito que vislumbra queimar
O vapor de rosas na luz
Acetilena e então percebe
Desfazer o facho da cinza,
Da cinza que já não é mais.
Há um quarto no fim, um quarto
Que pede a luz da zona ardente
Humildemente nas guirlandas
De Natal - Ó Senhor, afasta-me
Da serpente tão duvidosa!
Tal quarto que, com a indolência
Envelhecera, agora ri
Dos costumes do que se era
E suplica com as mãos altas
Que o espectro da rosa entremeie
A neve cã ou que incendeie
Este mesmo facho de cinza
Nas páginas amareladas.
Mas na procura aqui jazemos
Com medo de que o
Eu seja um outro
E que tal Outro não nos seja
Também; e assim nós caminhamos
Entre as fábulas não ouvidas
Que Beckett conta em sua história
E, lendo seus relatos, não
Resta dúvida sobre o fato que
Misteriosa é a memória.
FINIS ET
INITIUM
CUM SIX
TURRIBUS
IN HARMO-
NIA JACENT
Livro II:
Poemas
Novos
Wiegenlied

Dorme, criança, os teus pais não vão acordar.


Fita na noite esta eterna Romaria
Eu te convido: dorme, pois já rui o dia
E a fumaça da aurora sufoca o luar.

Já vestiste tão, tão pequeno estas roupas


Que carregam o peso dos passados séculos
E dos passados séculos deves levar
O óbolo oco das tradições mais moucas.

E qual um vento nortenho vens fustigar


Os loureiros tropicais, esses frouxos óbolos
Das frouxas mãos dos teus pais. Onde pensas ir?
Onde vais? Com o peso das mãos dos teus pais?

Ora, que vens procurar nesta escadaria?


Fitando do alto o vórtice descendente,
O mistério infindo da infinita criação,
Rapto sereno da Páscoa auriesplendente?

- 'Ao peso da minha angústia, só me pesa


Me jogar.'
Um Anjo vê Ícaro agonizar

Vai, Ícaro, voar com asas maculadas


De virtude, e naufragar no delicioso
Céu poente, enquanto um líquido musgoso
Cobrindo a amplitude, triste desavisada,

Corrompe os vales do ocidente. Das ossadas


Da tua cera, só restará o voluptuoso
Invólucro do aéreo jovem esperançoso
Que tentou alcançar o Nada com o Nada.

Na minha carne de silêncio melodioso


Que Deus esmerilhou com um brilho estival
Meu coração - mas o que é um coração? -

Nutre de ti, Ícaro, uma inveja infernal


Pois sei que tu, Ícaro, com o vosso choro
Encontrarás algum consolo - mas eu não.
Um conto de fadas

Mais uma noite passo em choro sob o céu do


degredo, este monstro de mil olhos. Queria eu que
uma paixão infantil me levasse ao Teu reino
encantado, onde eu pudesse me esbaldar com as
frutas doces da estação; e levar num cesto de vime
pêras amarelas e rosas ao Teu castelo - Ó sonho puro
da gruta que me esconde!
O amor em tempos de náusea

O amor é cruel, assim como a guerra,


Não cora pelos juízos da inclemência;
E diz asperezas contra a indecência,
Recobrindo os seus olhos de megera.

Violento, morde, mata e berra:


Passado pela lança da paciência,
Sangrando pelo ferrão da indolência,
Morre, na medida na qual se era.

E morto não se crê até ser visto


Nos olhos hipócritas do leitor,
Que, qual Hera bem invejou Calisto,
Tal matou por inveja o próprio Amor.
À Música

Os homens enternados,
Empostados como corvos,
De dedos pressionados
Nas carnes das coxas aos ossos,
Contemplam do mesaninho
O canto solitário do oboé.

Nem o cantochão lhes arranca


Suspiro, nem a flauta,
Nem o lamento do violino
Penetram no seu jardim de fogo,
Com rosas de carvão.

Seus ouvidos estão selados


Pelo pavonear do mundo.
Têm, da lembrança celeste,
O gosto amargo dos condenados;
E não há prece que os salvem,
Pois não querem ser salvos.

(Ó Música, desejo dos inconsolados,


Sagração auriesplendente,
Que capta a atenção
Do fogo luminoso da mente
E retém a Páscoa, a Primavera,
Ou a Morte, se esta lhe desejar)
E o triste oboé continua seu canto,
Revelando a cada ouvido seu defeito;
E cada porta que bate o recebe
Como um miserável mendigo,
Preferindo o encanto do labor
À celebração da caridade.

(Ó frágil helianto,
Ó mendigo miserável
Não hão de te ver aqui
Até o Maio Azul...)

Já chega o fim do concerto;


Os aplausos preenchem a cúpula lunar:
Ó filantropos, ó homens de bem,
Como é triste o coração
De quem não sabe amar!
Ladainha Renitente

Eu sou um cálice renitente,


Cujo laço não se afrouxa;
Eu sou a páscoa auriesplendente
Que mutila minha alma oca:

Este papel de embrulho que guardo,


Com laivos dos meus cabelos brancos,
Guardo com o meu pecado,
Um verniz de amor de um falso helianto.
Canção enamorada

Por que estás lívida, amor?


Até pedras te brilham mais
E vozes ressoam em ti
Qual num templo sem candeiais.

Não te destacas da penumbra,


Nem das pilastras, nem do assoalho,
E frequentemente te obumbras
Em esperanças de vigário.

(É que tu jogaste o teu ventre


Em leito álgido e alheio
Deixando-o em sabor do vento,
Sob sonho vário e mais perfeito)

Ó, meu amor, eu te desejo


O brilho acicate do Sol
E acenderei com os meus beijos
O teu coração, que hesitou.
Prosa Evangélica

Eu adentrei à selva da perplexidade, sorvi


lentamente o cálice da noite; e meu coração
angustiou, por todos os pecados do mundo. Eu me
abracei ao liame do Absoluto, em face do abismo, e
vi escurecer a tarde nas sombras crescentes, e meus
lívidos pulmões encaneceram - por uma noite eu vi
infinitos sóis cintilando, como em um deserto Persa.
E então larguei o liame, que não se soltou de mim.
Estes sóis dadivosos me conduziam ao
inverno das esperas. Lá, com um arado roxo, aprendi
a aguardar as estações. Nestes vales áridos, eu ouvi o
sussurro medonho do vulgo que havia deixado para
trás - e me envergonhei das estrelas que me
guiavam; até os santos se viraram para mim, até
Maria, com seus olhos revirados - ah, vergonha
amarga de existir!
Daí segui para uma procissão de cruzes sem
Cristos, vergastado pelas luzes de outros olhos, e
lamentei o meu passado de pecador; e assim adentrei
à selva da perplexidade, sorvendo lentamente o
cálice da noite - e meu coração angustiou, segurado
pelo liame.
Solidão

A Solidão, amarga procura,


Um Sol eclipsado pela Lua.

Nos traz o astro dourado


Numa ânfora de prata,
Numa noite no deserto
Com mil olhos à cata
Do ladrão já degredado.

Leva teu regalo obscuro,


Afundando teus pés na areia
Carrega ele contigo;
E guarde-o bem guardado
Para enfim morrer
Quando encontrar um amigo.
O Albatroz

Tua penagem é como espuma


Cheia de brilho nobre e verdadeiro
E tão vaporosa tua pluma
Reflete a luz do Sol, se o Sol não veio.

Me guia em teu caminho peregrino,


Tão aéreo, mas proveitoso;
E faz da minha vista, carcumindo,
Um farol em rochedo pesaroso.
Elogio à Cruz
I

Há duas vias paralelas


Cravadas em seus arrimos:
Uma longa - e arquejada -
Feita de escarpas e cimos,
Onde florescem na base
Os amores de açafrão;
Mais em cima também dão
Cóleos chatos, amarelos,
Demarcando fase e fase
Dos quentes actinostelos -
Um olor púbere e orgânico,
Pelas apócrinas grasso,
Exalado estufa os ares
Através do som dos cálamos,
Tomados por terror pânico.
No topo, como um castelo,
Pairam anjos vaporosos,
azaléias amarelas,
Com crótalos dourilhados
Anunciando o fim da espera.
Qual se vai de terra em terra
Dá ela a mão aos pequeninos,
Ambiguidade fecunda,
Cravinhos no coração
Das meninas e meninos.
II

Frente aos clísteres de


Dálias, cóleos, samambaias,
Um muro feito de jaspe
Se alevanta e amedronta;
Tal o tamanho dos lados,
Do comprimento, que visto
Do alto nos toma toda
A vista do firmamento -
E ao remirar tal crescente
Contratempo, eu não pude
Deixar de deixar colher
Aquelas lágrimas minhas
Da bochecha ao vento,
O vento a as esmaecer.
Eu percebo ante o jaspe,
Antes que comece eu
Desesperar de verdade,
O jaspe gerando a vista,
A paisagem pelo Sol,
Que antes cria eu, na infância,
Ser o prazer, é verdade;
E espíritos outonais,
Um laranja e outro azul,
Pediam para contar-lhes
Os meus anais, eles todos
Um a um, e lhes contando
Fui sabendo que comigo
Eles vinham, eles vinham
Junto desde a puberdade,
Ansiosos para encontrar
O grande muro de jaspe -
- Encontraste! - exclamavam,
Felizes - e tão felizes! -
E entendi porque falavam,
E entramos juntos, qual sempre
Juntos nós fomos criados.
III

Um grande céspede quando


Nós entramos, tão vazio
Nos questionava, tão frio
O vento, relva verdíssima,
Mas de resto, não há nada.
"Nada!?" - suspiraram eles,
Os dois perplexos, mais que eu,
Confusos, ora, surpresos!
Perguntei-lhes pelo nome:
Ó Calma, Ó Castidade,
Agora vamos voltar?
Reticentes perceberam
Sumir o muro de jaspe.
E, com medo e pelo medo,
Surgiu latente de nosso
Peito, trino e sofredor,
Uma língua diferente,
A língua do trovador -
Esta língua incandescente
Sempre viva, sempre dor
É sempre uma auriesplendente
Liturgia a nosso Senhor.
E esperamos e esperamos,
Às vezes usando espelhos
Imitando o que vivemos,
E nos queimando, inábeis;
Mas no sétimo dia nós
Ouvimos um gorjear
De aves, águias muitíssimas
Voando em frente, argutas;
E as seguimos com nossos
Espelhos ... a nos queimar ...
Através destes brinquedos ...
E cantando novamente
Na língua do trovador;
E trinta e três dias foram
Seguindo os passos das aves,
Sem comida, e sem lar,
Somente a relva e a arte -
Bastou cessar os quarenta,
E um lume intenso surgiu
E logo vimos que os anjos,
Que ao longe víamos jovens,
Encheram campos qual nuvens
E tanto que a vista os viu.
IV

Com crótalos nos chamavam,


Alegres cor de açafrão,
E rendando aqueles cravos,
Cravinhos dos corações,
Um pouquinho de si mesmo
Punham eles um por um
Fazendo de cada dor,
Também de cada prazer,
Misteriosas orações;
Outros anjos, bem maiores,
Azuis ou alaranjados
Faziam isso com teias,
Sedas que continham tudo
O que havíamos passado;
E quando eles se doavam
Cresciam imensamente
Englobando o que tocaram
Qual uma aurora esplendente.
Logo vimos animados,
Que nós mesmos pela aurora
Também éramos tomados -
Meus companheiros se foram,
Então chamados aos pares,
E, qual era quando criança,
Me encontrei na solidão.
V

Por belos anjos passei


Sem conter o meu choro,
Pois caminhava sozinho
Pelo vale dos amores.
Então segui frente os anjos,
Ultrapassei seus mistérios,
E se foram vários anos
Té parar num cemitério.
Não havia anjo algum,
Todos eles já se foram, mas
Féretros atrás de féretros
Subiam o sol-nascer.
Cada um com a sua cruz
E inscrições tumulares:
'Et incipit vitam novam'
Diziam, cova a cova;
E na medida que a aurora
Passava minha cabeça
Via os túmulos corarem
Em efusões de vapor
Cobrindo com mar de jaspe, o
Firmamento superior.
Estas efusões tão nobres,
Fluindo às minhas costas,
Formavam um grande corpo
Nos caminhos que passei,
Sua cabeça sobre a minha
Se encastelava e mantinha
Um sorriso angelical,
Do filho que lá dormia
Calmamente com a mãe,
Embalado nos seus sonhos
De paraíso - e meu corpo
Também se ía, formar
Uma grandíssima cruz no
Corpo de Cristo Jesus.
Castidade

Pudera eu participar
Da sagração sempre evanescente
Das borboletas, dos lírios,
E esquecer os pensamentos incandescentes da carne,
Não me juntar às virgens suicidas;

Pudera eu enfrentar a noite,


O monstro de dez mil olhos,
Sem considerar que a branca azaléia cintila
No presente e no passado.

Ó branca azaléia,
tu roubaste a minha eternidade
E agora, a esperar por ela,
Estou liado a ti.
Sexteto sobre um tema antigo

Até quando, Lucrécia,


Tentarás conservar
Teu corpo profanado?
Estas palavras leves
Não podem penetrar
O teu espírito pesado

De vítima pura e inerme


Da situação. Viveste
Sim, dama molestada,
O ódio mais terrível
Da paixão. E, assim,
De si mesma vingada

Tomou para si o ódio


E o matou. Abaixo tua vaidade,
Ó musa irreparada,
Pois tua beleza casta
E imorredoura vencerá;
Aquilo que amas, Lucrécia,

Sempre estará contigo


E até na morte mais amarga,
Pórcia transfigurada,
Viverá para sempre
O teu amor antigo
Das manhãs infantis.
Pois a loba capitolina
Tratará de nutrir
Os teus filhos perdidos
E, enfim, Roma prosperará.
Epitáfio de um poeta

Lentamente eu vi
Deslindar o nó da serpente
Que desde quando cresci
Punge um veneno doce e quente;

Esse veneno, que como um verme


Prosperou, corroendo até os ossos
Dos potrinhos mais maravilhosos,
Hoje cedeu da doença à verve.
Vênus

Canta o amor de pura inocência

Na concha opalina ressoa


Com vento brando um trombone estridente;
Se Adônis a rejeita, o mar seminal,
De pura essência ambivalente,
Naufraga o amado num vagalhão irascível
E uma lufada de luxúria arrasta
Os amantes, para um litoral longínquo.
Magnus desrespectus respiciare malo est

Não ouvia música alguma o santificado,


Por se tratar do refúgio do tíbio e do banal;
E, assim, ele passara pelos seus pecados
A pagar mais de três vezes que o habitual.
Pavana da Saudade

Ó querida, mais profundo


dos amores da
minha vida;

eu te amei, ó
como amei profundamente
tua essência
marcescida:

O teu fasto,
que resplandecia entre
o pinheiro ressecado e o
burburinho dos casais do
belveder,

como amei
este fasto
que compõe hoje a
fina geometria das estrelas

(Oxalá a
noite fosse eterna para
eternamente vê-las);

mas me perco neste Sol


que demais é
quente,
entre as prostitutas
e o fuzil;

e por isso
já despeço-me de ti, pois
eu não posso
escrever o que não sinto,
nem o que
dolorosamente eu já senti.
À Lua

Já faz cinco anos


Que me sento
Nesta mesma mesa
Com alfenas povoando
O jardim que tenho visto.

Já colhi e plantei minha barba,


Apesar de novo,
Já subi e desci estes montes,
Povoados de casas,
E não me meto na cabeça
Que ando,
Pelo tanto que resisto.

Eu tenho o mesmo sofrimento


De cinco anos atrás.

Ainda não tentei o cachimbo,


Mas desembrulhei pães recheados,
Mulheres e mais mulheres,
Espetáculos e espetáculos
E até notícias
E partidas de xadrez.
(E eu, caros amigos,
vos enjuriei)

II

Não é comum a Lua,


Títere do meu títere,
Descer aos nossos olhos
Pela manhã -
Nos nossos antros,
Fúnebres e verdejantes,
Não é comum;

(Este céspede,
Vale da paciência miseranda,
Não nos entrega de bandeja
O esplendor da Lua
Numa mesa de café)

Devemos nos recolher em silêncio,


Em malvada misantropia,
Em horror - horro divino! -
Para vê-la.

(Mas e eu?
Eu a vi?)

Ah, como eu queria,


Sob folhas de bananêra
Eu queria
Me sentar
E morrer.

(Mas morrer lá
E não aqui)
Do prazer do egoísmo

Ah, se existissem outros!


O sólio regicida
Da tal alteridade
Já deveria atar-nos
Num fim cruel demais
Para viver.

Não sobraria nada


Que não o fel amargo, a
Cisão terrível do outro
Ser; um pequeno grito
Que tão estrídulo arde
Num não querer,
No anacoluto,
Na anulação.

Nos faltariam plácidos


Penedos, alegres campos
Tão raros e inocentes
Para deliciar-nos
Em tal aférese ímpar,
De formação exígua:
A solidão.

Ah, se existissem outros!


O amor seria não
Um desejar gentil
Tão amansado em acres
Individualidades;
Mas um querer

Tão descontente e tísico


Acabrunhado em corpos
Vazios, disformes,
Soltos e... amigos? Não!
Decerto não existem
Almas amigas...

Há simulacros doces,
Amores mais amargos,
Mas somos todos sós,
Ao léu das Potestades.
Nos alegremos! Pois
Somos bem-vindos!

Não nos desesperemos


Das outras almas. Nada
Alcança suas miragens;
Os outros são a sombra
De nossa solidão,
Pela algidez dos dias
Nos absorvendo pálidos
Para que nós

Não contemplemos o outro!


O tão sagrado sol
O calcinante crepúsculo
Árido que é divino,
Sublime e tépido,
qual as rosas castas e
Belas dos areais!

Que bom que não existem


Outras pessoas .... pois, assim,
Todos que choram, choram
Por mim e o Sol será
Brilho por mim,
No arrebol de amanhã.
Na lembrança de um pássaro morto

Tudo se passa
Como um vulto ébrio;
E a sombra esparsa
Do velho féretro

É verve elíptica,
É ânsia vaga
A água delida
Que se esfumaça.

O vento morto
Que te carrega
É, pois, o solto
Afã que impregna

Tão desconexo
Tua velha imagem,
Tal vulto bebêdo
Qual a miragem

Eterizante
Do teu piar:
Esse elegante
Eternizar de ossos.
De Senectae feminae mortem

In Anno Aetatis 16

Tu, qui magis omnibus nocisti


Senecti macrobium, iam vidisti
Tuam formam deparere hiemis
In vento, quam flores feriuntur

A nivis flocis, scalpeturque


Persicus a quercis ramis, dum
Iuventis ros miscet cum cruore
Corruptionis. Heu, mortale caro,

Tu morta es! In duabus annis


Iam facisti peccatum per me.
Sed, volo praetendo perpetuare
A antiquis verbis et nova tibia

Quem solem affectabat delere.


O Maria, benedicta tu
In mulieribus benedictusque
Fructus ventris tui, quam sunt laurorum

Folia ab desiderio benedicta


Apoliis, Dominus coliget
Cur seminatum hominum cordes:
Rosas corona! Rosas corona!

Fortunata mater, ergo tua


Anima manebit! Quamvis pali
Lapidesque obduscant omnia pascua -
Ars expurgat omnem malum nobis

Facentum terram. Sic ubi iaces,


Apud ideae levitatemque
Pennae fortitudinem apudque
Terrae crudelitate atque alacritas

Volantis firmamenti caerulei


Chrysoliti. Ergo, rogo Hermen
Ligare duos fecundos fratres
Tandem pascere cum capitalis

Lupa prodiga eos et apud


Hos sublimare in transitionibus
Suavibus novum regnum numquam
Ventum; sicque, huic loco ubi

Verbi sunt aurum, amici tuque


Tui exibunt. Apud terram caelumque,
Apud pennam et poetam, apudque
Mnemosynem et nunc - etiam apud

Sanguem errorem - tu, immortalis


Et liber, existet, simul tuis
Extraneis fratribus cum laetitia,
Per rosis coronata, ferendo
Coronas, quam in laetis diei
Tua proelia et, tandem, omni
In Elysiorum beatitudine
Agrorum, subridebit per me.
Sobre a Morte de uma Velha Mulher

Nos meus 16 anos

Tu, que mais que todos conheceste


A corrupção da velhice, viste
Tua forma desfazer-se no vento
Do inverno, como as flores feridas

Pelos flocos de neve ou qual pêssego


Escalpelado em ramos de roble,
Enquanto mistura o orvalho jovem no
Sangue corrupto. Carne mortal,

Tu estás morta! E por dois anos


Já a mim fizeste muita falta.
Mas eu pretendo perpetuar
Em verbo antigo e novo cálamo

Quem o Sol pretendia destruir.


Ó Maria, bendita és tu
Dentre as mulheres, e mui bendito
É o fruto do ventre, quais folhas

Dos louros benditas no desejo


De Apolo, porque o bom Senhor colhe
E planta nos corações dos homens:
Coroe com Rosas! Coroe com Rosas!

Mãe afortunada, pois a tua


Alma manterá! Mesmo que pântano
E pedras obstruam todo o pasto -
A arte expurga todo o mal que

A terra nos faz. E onde jazes?


Entre as sutilezas das ideias
E as durezas das penas e entre
A crueldade da terra e o que é álacre

No crisol do firmamento azul


E voador. Então, rogo a Hermes
Ligar os dois fecundos irmãos
Enfim alimentá-los com a loba

Capitolina,pródiga, e entre
Eles sublimar em transições
Suaves um novo reino nunca
Visitado; e assim, no lugar onde

Verbos são ouro, tu e teus amigos


De lá sairão. Entre a terra e o céu,
Entre a pena e o poeta, e também entre
A memória e o agora - ou até entre

Erro de sangue - tu, então imortal


E livre, sairá, junto dos teus
Estranhos irmãos com alegria
Por rosas coroada, levando
Coroas, enquanto em ledos dias
Teus guerreiros e, num dia, todos
Nos beatíssimos campos Elísios
Sorrirão a todos e a mim.
Livro III:
Le Cronace
ed I Dialoghi
Elegia feminina do amor infantil

Não houve amor antes deste verão: o mocinho


[moreno
Brincando em Sol com pretinhos lavando-se em
[córregos cheios;
Eu ia flainando na praça enquanto me olhava - e viu-
[me
Acenar! Dia tal me contará de seus primos pequenos
No metrô: 'como lhes crescem brotoejas, qual
[jabuticabas!', diz ele.
Meu Átis, um galho de pinheiro, levas o dia inteiro
A recolher malmequeres, brincar com a sorte - tu és
[um
Palhaço, sabes bem! Quando falávamos na rua
[Gonçalves
Dias das anotações escolares e ríamos pelos
Trejeitos dos professores - lá, precisarias de um
[Deus? Eu
Duvido muito - e logo tu ías embora - os fazeres te
[chamam – e
Muito eu pensava em você; daí via-te em braços de
[outra
Mulhere raiva tão negra borrava a vista - e eu
[chorava;
Quando ficavas mais perto, voltasse dos teus
[deveres,
O meu corpo de criança ia seduzir o teu, maduro,
E me lembrava das moças que enojei - e ia
[subjulgando
Minha inveja no amor ressentido; Desejas-me? Mais
[que
A elas? Meus peitos, meus olhos, minhas bagatelas...
[eu temo
Entre os dias e sonhos de himeneu. Vão florescendo,
Junto das árvores por essas praças, orquídeas minhas
De desejar e temor; e mais quero e temo a falta
Em semelhantes medidas, pois uma de outra vem
[elas
Nascidas - vai esquentando e desbotando a cor
[destes dias.
Logo verás: este rio de contra o qual eu bem te vi
Marca as passadas horas desde o dia em que nasci -
[e vê ele
Que eu envelheço. O tempo, ele mesmo um rápido
[rio
Vertiginoso, depena as árvores - quando se vê, se
Vai o verão, e heliotropo por heliotropo se vai
[embora a
Estação.
Viro e Crisaida: Caridade

Viro:

Que alguém me atenda à porta e tome o sofrimento


Que me naufraga, pois eu abandonei o meu tálamo
[quieto
Dos compromissos nupciais do Silêncio, onde um
[cobertor de
Bronze imita o céu, e o estraga; perdoa, minha irmã,
Erros meus, que por sofrer comumente mais erram
[os homens,
Sei, entretanto, que eram mais frequentes quanto
[mais rico
Isso porque eu, que livrado das dívidas era,
[pouquíssimo
Ambicionava, pois fui à ruína jurado dos deuses
Enquanto cria que um bem pelo Mal se legava;
[Crisaida,
Já que com ouro esmerou teu castelo e a riqueza que
[tens a
Todos os homens rubece, ampara-me como um filho
No teu ninho - mas filho degredado que vem
[buscando
Um Estado dentro do Estado cujo dever degredei, e
Vem me cobrar seu censor me forçando, tal Dânae
[ou Licurgo,
A cumprir a Lei.
Crisaida:

Quando tua mãe fenecia, paupérrimas nos deputou a


[velar a
Sua sepultura - e crias ser bom, pois tinhas prazer; e
Vens com aziaga ventura pedir lar e lazer bem onde
Dormem meus filhos, os netos do teu egoísmo?
[Bendita a
Dor que nos faz procurar um refúgio, mas meu
[coração es-
Tá duro e recrudesce em medida em que te vê, pois
[hoje
Afugento com riquezas os porcos obscuros, porém o
Passado não teme o ouro no presente: e que gáudio
Há no passado? Só névoa da mente, que se regurgita.
São do futuro as mais sublimosas criações dos
[humanos;
Como bem vês que com o trespassar pelos anos o
[homem,
A laborar com cavalos de Ares a terra imortal, e
[fazendo o
Solo tremer com altos torvelinhos os bisões bravios
Tudo subjulga a razão - e as Erínias nada têm com
Isso.

Viro:

Tuas opiniões me dardejam vergonha, e a vergonha


[congela-me;
Não sei se sabes que tenho nenhum regozijo em
[fazer o
Que faço, faço só por Esperança num mundo que sei
[já
Perdido; por má influência talvez, dum mal amigo,
[volto
A remirar dos cometas as tranças que ligam passado
Com o futuro - e espaço e espaço - por medo da
[Noite
Não conseguindo por todo eximir-me de servir o
[Dia.

Crisaida:

E não crês tu poderes fazer-se senhor da tua vida?

Viro:

Se a liberdade um dia cantasse a mim, eu seria,


Mas frustração, medo e vergonha agora
[embranquecem
A minha barba e enrugam a pele e sinto que o tempo
Passa mais rápido, como a noite, e desespero,
Mesmo por onde vaga a esperança. Ó Deus meu, por
[onde
Anda o meu redentor? Meu Tirésias? Para lembrar a
Minha dor num poema? E fazer verdejar pelos
[jovens
Vida na minha morte e tragédia?
Crisaida:

Bêbedo falas bobagens, pois fazes que fazes não em


[raiva,
Mas em prazer; tu és pérfido lobo em pele de ovelha
E se deres mais passos, eu temo inçar-me com a tua
Loucura.

Viro:

Dás mais valor que eu pra isso, a um pedacinho de


[mim ao
Menos; composta em dilemas, tu fazes temer a
[loucura
Apoderar-me de vez. A medida do homem é o hábito
E teu hábito é fabular a outros homens.

Crisaida:

Bom é o homem que teme os outros homens, pois


[este
Não cairá em miséria, desgraça no mundo estar só
E essa desgraça eu não deverei padecer, um mendigo
Não é tão miserável, não tanto qual uma pessoa
Na solidão.

Viro:

Mas só o homem gerado no Noto, a névoa bolçada,


Pode pedir; miserável que seja não é Nada abaixo
De quem não conseguirá no fim desejar salvação,
[pois
Hoje fizera o papel facultoso e embevece-se com
[isso, e
Crendo haver no dinheiro e no pão beatitude o doa
Crendo doar crucifixos, e cresce a soberba dos ricos,
A dissolverem-se em bronze das moedas, e cada
[problema
Pode ser pago e assim resolvido: e neste lugar não
Há local para os degredados, onde o dinheiro, a
Analogia perfeita das promessas entre os homens,
É soberano.

(Viro sai, foragido)


Agnes e Nikéos: piedade

Nikéos:

Cheia de falsos dizeres tu vens, qual gazua de ladras,


Vens creditando a verdade no falseamento e me
[enchem
De raiva os modos que guias a flauta; o canto é jogo
Para você, de evolar as pombinhas, trazendo os
[porcos obscuros
Para a luz lancetada do dia.

Agnes:

Duras palavras tu dizes e levas em conta o que achas


Mais do que é, pois tu ficas sentado o dia inteiro;
Sem um labor, ó Nikéos, reclamas da vida e do
[mundo
Não ouve o conselho dos pais, nem as imprecações
[que os homens
Lançam em ti e se faz de demente em desgraça, se
[sofres.
Caças tua presa no céu tu, enquanto apodreces na
[terra,
Como a planta que sorve as memórias dos mortos no
[Lethes.
Nikéos:

E tu desfruta em humilhar na falta do meu bom


[dever; se
Eu pudesse exercê-lo sem jugo do povo o faria,
Mulher perversa; tua graça homicida seduz a tristeza
Nos meus sentidos.

Agnes:

Não me toques! Pois sabes que temo a tua força,


[Cretino!
Não é papel teu, homem, ceder à fúria comigo:
Sujar o leito de sangue, com roxo hematoma em
[olho
Esquerdo, e meu corpo então convulçoso no frio
[divã no
Qual me deito.

Nikéos:

Tu me atormentas sem me tocar em empreitadas de


[lebre;
Vagas com medo de um lado do outro e rói
[expectativas
Em esperanças de achar Amarílis secreta por onde
Cortam as sebes.

(Sai Nikéos, sem ser justificado)


Alexandra e Nikéos: Castidade

Nikéos:

Guarda a flor da terra resquícios seus, os estelos


[florescem
Como quem morre - e faz dela o homem o seu bom
[senhor. E
É uma verdade, entretanto - embalde eu falo -, que
[asinha
Ela desfaz-se no invólucro das ninharias.

Alexandra:

Que bom que sabes, meu bem; gostaria de poder te


Proteger - mas não posso, pois não sei eu - tu bem
[vês que
Tento, porém eu percebo que o conhecimento supõe
[a
Identidade.

Nikéos:

Não mais quero as flores do estio ou da primavera,


Meu corpo cansa, e minhas mãos se engrassam e os
[rins me
Pesam; mais cóleos não vou recolher, se tiver
[sanidade;
A disciplina ainda eu temo.
Alexandra:

Se bem ouvi, o amargor passa no tempo, solvendo


No verdadeiro amor a lembrança do desejo, que
É só uma agitação.

Nikéos:

Não há mulher que mereça a desonra de um homem


[que a quer só
Por diversão; pois os anos se passam e o amor fora
[feito
Para amadurecer-nos e ver deslindar estes nós de
Vime já podres é a maior das satisfações – é
Que fomos feitos para ocupar o lugar das estrelas Na
noite amarga e não há deleite maior que cumprir o
Seu papel; ser os olhos que guardam a terra
[desolada,
Que guardam todas as pessoas, a orar por elas.
Seja qual dizes, se há alegria no mundo, mas tudo
Depende da minha esperança e fé, os pontífices que
[vão
Pela Terra e pelo Céu, semeando as promessas de
[Sião.

(os dois se deitam, pesarosos)


Adeus

Estes são os últimos versos que escrevo que têm de


[senhor o
Tempo. Adeus! Abandono-vos para voltar algum dia
Sem o hábito de marulhar com palavras, pois tomo
Como matéria inconsútil do poema o silêncio, que
[sofre
Somente pelos ditames de Deus - e os anos não
[roem,
Pois nele não é nada, que não solidão e vazio.
Quero a carne mais erma do ermo Estio em que a
[arte
Verdadeira é uma garrafa vedada no mar mais
Bravo, a borboleta que imita um furioso navio
No espelho licoroso que naufrago.

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