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Ana Maria Machado

ENTREVISTA

curitiba
2021
Copyright desta edição Coordenação da coleção
© 2021 Medusa Andréia Guerini
Dirce Waltrick do Amarante
Edição Karine Simoni
Ricardo Corona Sérgio Medeiros
Eliana Borges Walter Carlos Costa

Projeto gráfico
Eliana Borges
Comitê editorial
Revisão Caetano Galindo (UFPR)
Nylcéa T. de Siqueira Pedra Fábio de Souza Andrade (USP)
Gonzalo Aguilar (UBA)
ISBN 978-65-86276-15-2 Henryk Siewierski (UnB)
Kathrin Rosenfield (UFRGS)
Impresso no Brasil / 1a. Edição Luana Ferreira de Freitas (UFC)
Foi feito o depósito legal Malcolm McNee (Smith College)
Marco Lucchesi (UFRJ e ABL)
Editora Medusa Myriam Ávila (UFMG)
www.editoramedusa.com.br Odile Cisneros (Universidade de Alberta)
editoramedusa@hotmail.com Susana Kampff Lages (UFF) Organização
facebook.com/EditoraMedusa

Andréia Guerini
Dirce Waltrick do Amarante
Dados internacionais de catalogação na publicação
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP) (Câmara Brasileira do Livro,SP,Brasil)

Ana Maria Machado: entrevista / Andréia Guerini,

Dirce Waltrickdo Amarante,(orgs.);colaboração Ingrid Bignardi.--1.


ed.--Curitiba, PR: Medusa, 2021.

Vários colaboradores
Colaboração
ISBN 978-65-86276-15-2

Ana Cláudia Suriani da Silva


1. Entrevistas 2. Literatura - Adaptações 3. Machado, Ana Ma-
ria,1942 -- Crítica e interpretação 4.Machado, Ana Maria,1942
--Traduções 5.Tradução e interpretação 6.Traduções - Análise
Elton Uliana
7.Tradutores - Brasil. Guerini, Andréia.
Gisele Marion Rosa
II. Amarante, Dirce Waltrickdo. III. Bignardi, Ingrid.
21-83188 CDD-418.02 Ingrid Bignardi
Índices para catálogo sistemático:
1. Tradução e interpretação 418.02
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB- 8/9380

coleção palavra de tradutor


Sumário

9 APRESENTAÇÃO

15 ENTREVISTA

47 ENSAIOS SOBRRE ANA MARIA MACHADO


TRADUTORA E TRADUZIDA
AS MÚLTIPLAS LEITURAS E TRADUÇÕES DE
“TRATANTES” DE ANA MARIA MACHADO - ANA
CLÁUDIA SURIANI DA SILVA

“TRATANTES”: TRADUZINDO O QUE REPELE


TRADUÇÃO EM ANA MARIA MACHADO - ELTON
ULIANA

TRATANTES - ANA MARIA MACHADO

FLAKES, ANA MARIA MACHADO, TRANSLATION


- ELTON ULIANA

TRANSLATOR’S COMMENTARY - ELTON ULIANA

A LEITURA DE MUNDO DO UNIVERSO INFANTIL


EM CONSTRUÇÃO NA TRADUÇÃO LITERÁRIA
- GISELE MARION ROSA

163 CRONOLOGIA DA AUTORA

180 COLABORADORES
9

APRESENTAÇÃO

Ana Maria Machado é autora de livros para


crianças, jovens e adultos, ou uma “contadora de his-
tórias”, como costuma se definir. Trabalhou em jornais,
revistas e rádio dentro e fora do país e escreveu impor-
tantes ensaios sobre, principalmente, literatura e leitu-
ra, que merecem sempre ser relidos, sobretudo, neste
momento histórico em que a cultura do nosso país está
sob ataque. Vale lembrar o que diz Ana Maria Machado
em Balaio: livros e leituras:
Ler e escrever é sempre deter alguma forma de
poder. Mesmo que nem sempre ele se exerça
sob a forma do poder de mandar nos outros ou
de fazer melhor e ganhar mais dinheiro (por ter
mais informação e conhecer mais). [...] o poder
de compreender o texto suficientemente para
perceber que nele há várias outras possibilida-
des de compreensão sempre significou poder
– o tremendo poder de crescer e expandir os
limites individuais do humano.1
E prossegue a escritora:
Constatar que dominar a leitura é se apropriar
de alguma forma de poder está na base de duas
atitudes antagônicas dos tempos modernos.
Uma, autoritária, tenta impedir que a leitura se
espalhe por todos, para que não se tenha de
compartilhar o poder. Outra, democrática, de-
1
Machado, Ana Maria. Balaio: livros e leituras. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2007, p. 134.
10 11

fende a expansão da leitura para que todos te- Na vasta obra de Ana Maria Machado, destaca-
nham acesso a essa parcela de poder.2 -se a faceta de tradutora, por isso este livro se debruça
sobre as traduções que a autora fez de obras literárias
Desde 2003, Ana Maria Machado é membro da para o português, e também enfoca sua obra traduzida
Academia Brasileira de Letras3, onde ocupa a cadeira para outras línguas. Deve-se lembrar ainda que a escri-
de número 1. Entre os muitos prêmios que recebeu, tora foi responsável por inúmeras adaptações de livros,
destaca-se o importante Prêmio Hans Christian Ander- principalmente os voltados ao público infantojuvenil.
sen, o maior prêmio de literatura infantojuvenil, em Ana Maria Machado começou traduzindo por afe-
2000. to, como o fez com Robin Hood para o seu irmão mais
Muitos de seus livros para crianças se tornaram moço, Nilo, que tinha assistido ao filme e queria ler o li-
clássicos da literatura infantojuvenil, entre eles, Menina vro. Ao dar a ele esse “presente”, descobriu, como nos
bonita do laço de fita, publicado em 1986 e protagoni- conta neste livro, “que podíamos compartilhar aquilo
zado por uma menina negra. Se hoje protagonistas ne- e conversar sobre a leitura”. A partir dessa experiência,
gras ou negros já são comuns e há toda uma literatura começou a se interessar pela tradução: “talvez por uma
voltada à diversidade, à época o livro foi um divisor de sensação mista de poder e generosidade, que fazia
águas e incentivou o diálogo e a representatividade na muito bem ao meu coração adolescente”.
literatura infantojuvenil brasileira. Sobre o ofício do tradutor, Ana Maria Machado
De fato, sua contribuição à cultura brasileira é afirma que a traição é inevitável e que ela se dá “não
imensa e sua obra vem ganhando cada vez mais des- apenas porque os idiomas são diversos, mas porque
taque no exterior. Um exemplo desse reconhecimento os contextos e as culturas são diferentes e sempre se
nacional e internacional foi o “II Congresso Interna- perde algo e se acrescenta também alguma coisa. Daí a
cional de Literatura Brasileira Ana Maria Machado e o importância de uma atitude que eu tendo a chamar de
compromisso literário”, realizado em maio de 2021, em amorosa para com o texto original, seu autor, sua cultu-
uma parceria entre a Academia Brasileira de Letras e o ra, de modo a reduzir os danos ao mínimo inevitável”.
Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Sala- Na primeira parte deste livro há uma entrevista
manca (Espanha)4. inédita com Ana Maria Machado, na qual ela discorre
2
Machado, Ana Maria. 2007, p.135.
sobre seu trajeto pela tradução e vai acrescentando ou-
3
https://www.academia.org.br/academicos/ana-maria-machado tros temas que perpassam a tarefa do tradutor. Enfatiza
4
https://cebusal.es/congresos/congreso-ana-maria-machado/apresenta- sempre que “usamos linguagens que, por definição,
cao/?lang=pt-br#
são inexatas. Mas com cada uma delas somos capazes
12 13

de dizer tudo. Apesar de sabermos que a categoria do se destaca pela exploração da língua portuguesa atra-
impossível é infinita. Esse é um dos mais fascinantes vés do emprego de trocadilhos, neologismos e metáfo-
aspectos de se trabalhar com a língua, seja escrevendo, ras [...]. “Tratantes” não é uma exceção a essa regra: o
seja lendo, seja falando”. título nos apresenta um jogo de palavras que continua
Na segunda parte, passamos a palavra a pesqui- ao longo da narrativa, encapsula as várias camadas de
sadores e tradutores para que falem sobre Ana Maria leitura e dá unidade ao conto”.
Machado traduzida para o inglês e da escritora como Elton Uliana expõe o seu processo de tradu-
tradutora da cultura brasileira. Colaboram nesta edição ção de “Tratantes” para o inglês e, ao final, oferece ao
a professora Ana Cláudia Suriani da Silva, que atua na leitor a versão em língua inglesa assinada por ele, ao
University College London (UCL), Elton Uliana, tradutor lado do texto de partida. Já Gisele Marion Rosa analisa
e membro colaborador e editorial do projeto Brazilian alguns aspectos da tradução para o inglês de Do Outro
Translation Club, também afiliado à UCL, e a pesquisa- Mundo, livro repleto de “imagens brasileiras reveladas
dora Gisele Marion Rosa, mestre em Semiótica e Lin- por fatos conjugados ao comportamento dos persona-
guística Geral na área de concentração de Estudos da gens que resultam em imagens nacionais de um Brasil
Tradução de Literatura Infantil e Infantojuvenil pela USP. escravocrata e anterior à realidade das crianças repre-
Os textos revelam o interesse de diferentes gerações sentadas na narrativa”.
pela obra da autora. Uma cronologia, organizada por Ingrid Bignardi,
Suriani da Silva relata a atividade de tradução acompanha este livro, que chega ao leitor como uma
colaborativa do conto “Tratantes”, do primeiro livro forma de homenagem à artista brasileira que, em de-
de contos para adultos de Ana Maria Machado, Con- zembro, completa oitenta anos.
tos Inéditos (republicado agora no livro Vestígios)5, de-
senvolvida nas disciplinas de graduação da University Andréia Guerini
College London, entre 2016 e 2020, que contou com Dirce Waltrick do Amarante
a participação de Ana Maria Machado em algumas das Organizadoras

oficinas oferecidas. Essa atividade resultou num total


de 50 trabalhos. Como salienta a professora e pesqui-
sadora brasileira, “em seus textos Ana Maria Machado

5
O conto “Tratantes”, que antes estava apenas em uma versão online, foi
publicado como parte do livro Vestigios (Alfaguara/Companhia das Letras),
em 2021.
ENTREVISTA
17

COM A PALAVRA ANA MARIA MACHADO

1. Você tem uma grande produção bibliográfica


como escritora de ficção e de ensaios. No entanto,
sua produção não se resume a essas duas vertentes,
já que se dedicou e tem se dedicado também à tra-
dução a partir de títulos em inglês, francês e espa-
nhol. Poderia nos falar um pouco de Ana Maria como
tradutora? Qual foi sua primeira tradução e por que
seguiu nessa atividade?
Ana Maria Machado: A primeira tradução, que eu re-
cordo, foi quando eu ainda era adolescente, estava es-
tudando na Cultura Inglesa, e sempre lia uns livros da
biblioteca deles, com vocabulário facilitado. Meu irmão
Nilo, um pouco mais moço, queria ler um Robin Hood
dessa coleção, porque tínhamos visto o filme. E eu tra-
duzi para ele, capítulo a capítulo, a mão, num caderno.
Como um presente especial. Foi uma maravilha desco-
brir que podíamos compartilhar aquilo e conversar so-
bre a leitura. Comecei a me interessar por isso, nem sei
bem por quê. Talvez por uma sensação mista de poder
e generosidade, que fazia muito bem a meu coração
adolescente.
Logo em seguida, ainda como estudante secun-
darista, no final da década de 1950 eu trabalhava em
O Metropolitano, um jornal da AMES (Associação Me-
tropolitana dos Estudantes Secundários), na seção de
18 19

cultura, que então tinha como editor o Roberto Pontual mudanças com que eu não concordava, e nem me sub-
– que mais tarde se notabilizaria como um dos mais meteram o resultado antes de imprimir. Por exemplo,
importantes críticos de arte brasileiros. E ele sempre num texto em primeira pessoa, numa voz totalmente
me dava longos artigos para traduzir. O mais remoto coloquial, em que o personagem dizia algo como “saí
que lembro, não deve ter sido o primeiro, tinha como de casa às duas da tarde”, editaram para “... às quator-
título How clear is clarity? E começava com a citação ze horas”. Com minha assinatura na tradução! (Ainda
de um parágrafo do Joyce. Nunca esqueci, foi um belo Ana Maria Martins Machado). Fiquei furiosa com a falta
desafio. de respeito. E não quis mais trabalhar com a Bloch.
Fui pegando a prática. Quando casei, fui morar Todas essas traduções foram do inglês, mas
em São Paulo em 1966, e só consegui emprego em um passei depois a traduzir também do francês e do es-
único colégio, dando aulas de inglês. Ganhava muito panhol, que dominava bem. E prossegui nessa ativida-
menos do que antes, no Rio, onde dava aulas em três de, basicamente, porque me permitia fazer meu pró-
lugares. Para complementar o salário, passei a escrever prio horário e planejar o que ganharia, de forma muito
como freelancer para a imprensa e comecei a fazer tra- disciplinada. A grande maioria das traduções que fiz
duções. Em 1967, tive meu primeiro filho e resolvi ficar ao longo da vida foi desse tipo – um equilíbrio entre
em casa pelo menos um ano com o bebê. Então achei necessidades de tempo e dinheiro, e vontade de tra-
que podia substituir o trabalho com as aulas no colé- balhar em casa. Só muito depois, já consagrada como
gio pelo ofício de traduzir, em que eu faria meu pró- autora infantojuvenil, e dando consultoria nessa área, é
prio horário e, com disciplina, poderia ganhar mais do que me permiti traduzir por prazer alguns títulos que
que como professora. Saí me oferecendo para algumas escolhia e recomendava aos editores.
editoras. O primeiro livro que traduzi, para a Editora
Bloch, foi nesse momento, sobre dramaturgos norte- 2. A propósito, essa tradução da Bloch, que você
-americanos. Chamava-se Dentro e Fora da Broadway, mencionou que foi modificada, recebeu alguma crí-
de Jean Gould. Depois, para a mesma editora, traduzi tica?
um alentado Manual de Sociologia. Em seguida, sem- AMM: Que eu saiba, não. Só mesmo a minha.
pre para eles, traduzi os primeiros de ficção, ambos do
Saul Bellow – Dangling Man e Seize the Day. Mas quan- 3. Quais títulos foram escolhidos por você? Lembra
do foram publicados, me aborreci muito, pois vi que de alguns?
tinham mexido demais em minha tradução, feito muitas AMM: Alguns que lembro: Duas vidas, dois destinos
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– Katherine Paterson, O Mestre das Marionetes - Ka- os Contos de Grimm, Lineia no Jardim de Monet, Só
therine Paterson, Ponte para Terabítia – Katherine um Minutinho, os livros de Katherine Paterson, Alan
Paterson, A redação – Antonio Skármeta, Outroso: Um Garner e Graciela Montes, Janet e Allan Ahlberg, que
Outro Mundo – Graciela Montes, Peter Pan – James mencionei anteriormente.
Barrie, Lineia no Jardim de Monet – Cristina Björk, A
Maldição da Coruja – Alan Garner, A Lua de Gomrath 6. A tradução por prazer mudou a sua prática tradu-
– Alan Garner, Alice no País das Maravilhas – Lewis Car- tória?
roll, Uma História de Natal – Charles Dickens, Pêssego, AMM: Não creio.
Pera, Ameixa no Pomar – Janet e Allan Ahlberg, Só um
Minutinho – Yuyi Morales, O Jardim Secreto – Frances 7. Ao traduzir você segue alguma “teoria”? Comen-
Hodgson Burnett, A Princesinha – Frances Hodgson te sobre as suas estratégias de tradução.
Burnett. AMM: Não. Primeiro leio integralmente o texto para
ter a visão do conjunto. Em seguida, começo a traduzir
4. Qual a razão dessas escolhas? e vou em frente. Não tenho teorias nem estratégias
AMM: Eram livros de muito boa qualidade, de que prévias.
eu gostava e achava que nossas crianças deveriam ter
acesso a eles no Brasil. 8. Em que medida a tradução ajuda/influencia no seu
processo criativo e ensaístico?
5. De um modo geral, como você escolhe o que vai AMM: Com toda certeza, traduzir faz parte de um pro-
traduzir? cesso de trazer à consciência a linguagem e as formas
AMM: Muitas vezes, talvez a maioria, não escolhi. Fo- de usá-la. Então, nesse sentido, deve ajudar o processo
ram propostas dos editores, que decidi a partir de di- de criação de meu próprio texto. E vice-versa. O fato
ferentes considerações: o texto em si, tamanho, prazo de eu escrever, permanentemente, de forma cotidiana,
de entrega, pagamento, condições do contrato. Das há muitas décadas – e de ter dado aulas de literatura,
minhas escolhas, geralmente obras infantis, parti do e de ter lido muita ficção e poesia, e estudado teoria
fato de que gostava muito dos originais e tinha von- literária – deve ajudar no processo de traduzir.
tade de ver os textos em português com uma boa tra- Provavelmente, por me aguçar a sensibilidade para
dução, à disposição das crianças brasileiras. Foi assim detectar como funciona tudo isso. Mas não creio que
com Alice, Peter Pan, O Jardim Secreto, A Princesinha, eu seja capaz de apontar exemplos concretos de como
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isso se processa. Sei que o trabalho com tradução é encomenda dos editores, apenas para pagar as con-
muito atento e consciente, e que a escrita criativa não tas, e me escondia porque não queria que meu nome
é assim. Pelo contrário, tem muito mais a ver com me ficasse associado àqueles títulos.
entregar e me deixar levar pela linguagem num primei-
ro momento. E só depois, no processo de revisão e 10. Admite-se ainda uma separação entre textos
reescrita, entrar com uma atitude mais objetiva e racio- teóricos (ensaísticos) e ficcionais. Mas entramos cada
nal, que me leva a cortar, substituir, acrescentar, trocar vez mais na era da pós-crítica em que esses gêneros
de posição, modificar. Ou seja, há influências mútuas textuais não se separam mais. Maurice Blanchot foi,
das duas atitudes, mas eu não sou capaz de avaliar em a nosso ver, um grande pós-crítico. Como você vê
que medida uma atua sobre a outra. isso? Quanto de criação pode ter em um texto teóri-
co ou ensaístico?
9. A propósito, no site da Academia Brasileira de AMM: Não creio que esses gêneros sejam separados
Letras consta a relação de suas obras ficcionais e intrinsecamente e nunca acreditei nisso. Tanto assim
ensaísticas. No entanto, não há menção à sua pro- que, ao ir estudar na França em minha pós-gradua-
dução como tradutora, que também é expressiva e ção, escolhi seguir o seminário de Roland Barthes e ser
bastante relevante. Saberia explicar a razão dessa orientada por ele – acho que ninguém mais emblemá-
exclusão? tico dessa atitude de não separação do elemento cria-
AMM: Boa pergunta, mas jamais pensei nisso. Também tivo nos antigos “gêneros”.
não tem a lista do que escrevi para a imprensa, onde Pode-se comprovar isso em seus textos, bem
trabalhei de 1963 a 1980. Talvez porque a tradução, como no de ensaístas como Italo Calvino, Roberto Ca-
para mim, sempre esteve mais associada à atividade lasso, Ernesto Sábato, Umberto Eco, George Steiner,
cotidiana do ganha pão do que à expressão criati- Carolyn Heilbrum, Susan Sontag, Vargas Llosa, Jorge
va – ainda que uma coisa não exclua a outra. Porém, Luís Borges, Albert Camus e tantos, tantos outros –
acho que não seria capaz de fazer essa relação de mi- desde o fundador do gênero, Michel de Montaigne.
nhas traduções agora, se quisesse, porque já esqueci Adoro ler ensaio que se permita ser criativo. Se o en-
quais foram muitos desses títulos. Teria de fazer uma saio não for tese acadêmica, que precisa seguir normas
pesquisa trabalhosa para reconstituir essa listagem – e predeterminadas, pode perfeitamente ser muito criati-
até mesmo incluir, por exemplo, traduções de ficções vo e gostoso de ler.
candidatas a bestseller, que fiz sob pseudônimo, por
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11. Você traduziu muitos livros considerados infanto- Em livro para adultos, o tradutor não precisa se
juvenis. Há especificidades nas traduções de textos preocupar com isso. Se há no texto uma alusão a um
para jovens e crianças? personagem de Shakespeare, por exemplo, ele pode
AMM: Não exatamente na tradução em si, mas manter e confiar que seu leitor a conhece ou terá seus
claramente há especificidades no texto original do qual próprios meios para sanar essa ignorância. Em livro para
se traduz e ao qual é necessário ser fiel. E há dificul- crianças, se houver uma referência ocasional à Mary
dades muito particulares que complicam muito a tare- que tinha um carneirinho, é um problema. Se tiver que
fa. Por si só, comentar isso dá um livro. Sobretudo no explicar, rompe-se o texto e se perde o fio. Se eliminar,
caso dos infantis, já que os juvenis se equiparam aos perde-se uma alusão. Vai sempre ser preciso pesar prós
de adultos. e contras em cada caso e buscar soluções fiéis ao espí-
Por exemplo, em muitos casos é necessário casar rito do original e transmissíveis ao leitor. Além do mais,
a nova versão com a ilustração – mantida na edição na- a qualidade literária da obra muitas vezes está ligada à
cional, mas não traduzível. Como, por exemplo, enca- intertextualidade, não dá para simplesmente se desviar
rar o desafio de incorporar um café da manhã à base da piscadela cultural e ignorar esse fato.
de panqueca e cereais (antes que estes se tornassem Para não falar de dificuldades pontuais que se tor-
populares por aqui) em livro para criança muito peque- nam mais difíceis de driblar sem perdas, no caso do
na, que não conhecia “flocos de milho”. Ou elaborar leitor infantil... Como, por exemplo, gêneros diferentes
criativamente uma intertextualidade com alusões a nur- de palavras nas duas línguas. Numa tradução feita por
sery rhymes, parlendas ou outros elementos folclóricos minha filha Luísa Baeta, de um Moby Dick adaptado
ou da cultura tradicional de um país, desconhecidas de para crianças, era preciso respeitar o sentido profundo
nosso leitor infantil. de uma obra que se estrutura em torno a um enfren-
Muitos dos bons livros infantis se fazem em cima de tamento de virilidades, o embate entre os dois gran-
jogos de palavras, usando a linguagem como brinquedo, des machos (Capitão Ahab e o cachalote Moby Dick),
mas dentro do repertório do público a que se destinam. ambos referidos no masculino com o pronome he, o
Isso traz questões muito específicas, que vão desde a tempo todo, ao longo de todo o relato. Mas em portu-
métrica e a versificação de cada cultura a uma constante guês baleia é feminino, não pode ser ele... E cachalote
visitação do acervo comum de referências, pressuposto é polissílabo, palavra de uso muito menos frequente
na cumplicidade do leitor com quem se divide um códi- que baleia, fica pesado ao ser repetido demais num
go comum que se possa supor compartilhado. texto para crianças. Essa dificuldade obriga a pesar a
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decisão em cada página, cada período. Ou, num caso infantojuvenil mudou ao longo dos anos?
inverso, no clássico infantil Black Beauty, ao se traduzir AMM: Sim, existe, mas não sei resumir exatamente por
o nome do garanhão como Beleza Negra, a concordân- onde passa. Até mesmo porque o leitor não conhece li-
cia nominal vai toda para o feminino, mas o comporta- mites e é capaz de se apossar daquilo que não foi pen-
mento do personagem não é o de uma égua... Poderia sado especialmente para ele. Vive fazendo isso pelos
dar vários exemplos similares, é um tipo de problema séculos afora – desde as histórias do rei Arthur e dos
muito mais comum do que se imagina. Mas num texto cavaleiros da Távola Redonda, passando pelas Viagens
conciso e em linguagem direta, como costuma ser o de de Gulliver, Robinson Crusoé, Os Três Mosqueteiros,
uma obra infantil, as perífrases devem ser evitadas e as até as histórias em quadrinhos em geral.
dificuldades aumentam. Mas de um modo geral – e cada vez me convenço
mais disso – creio que a principal diferença não está
12. Quando você traduz para criança e se vê dian- na linguagem (embora a destinada ao público infantil
te de passagens como as citadas acima você opta tenda a ser mais concreta e usar menos construções na
por explicar em paratextos, como notas? Aliás, como ordem inversa, ou abusar menos de longos períodos
você avalia a função dessas explicações em tradu- com excesso de orações subordinadas, sobretudo as
ções de textos literários? que obriguem ao uso de subjuntivos compostos), mas
AMM: Eu ia responder que jamais. Mas me dei conta na extensão e variedade do repertório cultural ao qual
de que não é verdade, ainda que seja raríssima essa se pode recorrer em alusões e referências, no pressu-
ocorrência. Em um ou outro caso, para crianças maio- posto de um acervo comum de informações.
res, posso ter eventualmente recorrido a algo desse b. Não sei. Tendo a achar que é a criação estética
tipo, interrompendo a fluência do texto. De preferên- com palavras, que seja acessível TAMBÉM a crianças.
cia, em posfácio (como no Alice e no Peter Pan). Acho Se não for estética, não é literatura, é só livrinho infantil.
que essas notas só se justificam em casos de absoluta E se for literatura, também tem muito a oferecer aos
necessidade. Mas eles existem. adultos, até mesmo muita coisa que a criança leitora
não percebe ainda.
13. A respeito da literatura para crianças e jovens, c. Creio que não. Mas, se mudou, foi pouco. Con-
você concordaria que existe uma separação entre ela tinuo achando exatamente o mesmo de literatura infan-
e a literatura para adultos? Como você definiria a til. Ou seja, isso que acabo de escrever acima. Quanto
literatura infantojuvenil? Seu conceito de literatura à juvenil, não creio muito que isso exista. Acho que é
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aquela literatura de que os jovens se apropriam com resistência. Texturas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
gosto. No entanto, vejo que hoje em dia cada vez mais 2001.
as editoras tendem a separá-la numa faixa própria (tipo “[...] inventar histórias é só um jeito diferente de per-
jovem adulto...), então pode ser que exista, mas eu ain- guntar e sair experimentando possíveis respostas”.
da não consiga enxergar. Tenho discutido essas ques- (Machado, 2007, p. 33). Machado, Ana Maria. Balaio:
tões em alguns ensaios e conferências que publiquei livros e leituras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
ao longo dos anos. Não é o caso de repetir aqui, mas
podem consultar e citar. 14. Interessante esse termo “livrinho infantil”. Há
*** muitos deles no mercado. Isso ajuda ou atrapalha na
“No termo literatura infantil, o adjetivo não limita o formação do leitor?
sentido do substantivo, como ocorre normalmente na AMM: Acho que leitura e livro nunca atrapalham. Mas
língua, mas, pelo contrário, o amplia, fazendo-o abran- é uma tristeza, um empobrecimento e um desperdí-
ger um campo mais vasto. [...] Referimo-nos àquela que cio se toda a dieta leitora se reduzir a isso e eliminar
pode ser lida também por crianças, o que aumenta o a literatura do cardápio. Ou quando se gasta dinheiro
campo semântico coberto pelo substantivo literatura, público para fornecer amplamente esse tipo de leitura
que normalmente não inclui a noção de que abarca em vez de algo que valha a pena, alimente o espírito e
obras ao alcance de leitores mais jovens. Não tem nada faça crescer.
a ver com livros para crianças. Tem a ver com literatura,
arte da palavra, beleza, ambigüidade, polissemia, qua- 15. Você traduziu Alice no país das maravilhas, de
lidade de texto, aquilo que Roman Jakobson chamou Lewis Carroll. Trata-se de um texto que exige um
de função poética da linguagem.” Machado (1999, p. trabalho inventivo que dê conta dos jogos de lin-
13, grifos da autora) Machado, Ana Maria. Contracor- guagem do escritor inglês. Como foi traduzir esse
rente: conversas sobre leitura e política. São Paulo: Áti- texto? Quais as “liberdades” que você se concedeu?
ca, 1999. Em algum momento chegou a adaptar o texto de
Machado (2001, p. 102): “Memória do que vi e vivi, partida no sentido de resumi-lo, por exemplo?
muitas vezes na infância. Imaginação que nunca foi tão AMM: Foi um desafio apaixonante. A liberdade que
soberana como em meu tempo de menina. Daí o papel me concedi foi aproximá-lo do leitor brasileiro, tanto na
fundamental do universo infantil na minha relação com linguagem quanto no repertório cultural – o que me pa-
a literatura”. Machado, Ana Maria. Por uma cultura de receu parte intrínseca da tradução. Mas não fiz nenhum
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resumo, supressão ou adaptação de outro tipo.


17. Traduzir é trair? Traduttore/Traditore?
16. Ao traduzir, não apenas Alice, você já se deparou AMM: Creio que provavelmente, sim, em alguma me-
com algo “intraduzível”, não é mesmo? dida. É inevitável, inerente a esse trabalho em si, por
AMM: Certamente. Mas, que jeito? A gente traduz... mais que se queira evitar. Não apenas porque os idio-
E torce para que as musas colaborem, piscando para mas são diversos, mas porque os contextos e as cultu-
o leitor. ras são diferentes e sempre se perde algo e se acres-
Talvez, sobretudo, jogos fônicos. Ou vocabulário centa também alguma coisa. Daí a importância de uma
sensorial – por exemplo, como ser fiel a diferenças su- atitude que eu tendo a chamar de amorosa para com o
tis entre palavras que se referem a sensações olfativas texto original, seu autor, sua cultura, de modo a reduzir
como, em português cheiro, aroma, perfume, fragrân- os danos ao mínimo inevitável.
cia, olor, fedor, inhaca, bodum, catinga, bafio, cecê,
fartum... 18. Quando você traduz, você se sente autora da
Ou como distinguir numa tradução a diferença en- “obra alheia”, para usar a expressão de August
tre bagunça, confusão, zorra, muvuca, baderna, desor- Willemsen, tradutor de Euclides da Cunha e Guima-
dem... rães Rosa para o holandês?
Na verdade, eu concordo muito com algo que o AMM: Acho que não. Certamente, não muito. Sinto-
George Steiner desenvolveu muito bem: a ideia de -me mais como uma transportadora de objetos frágeis,
que, por mais que saibamos que a tradução é impossí- que deve fazer a entrega de algo precioso e delicado,
vel, temos de apostar na hipótese de que tudo é sem- sem deixar quebrar.
pre viável, possível de ser aproximado em uma tradu-
ção. Porque somos humanos. Assim, o que é humano 19. Qual foi a tradução que lhe deu mais prazer? Há
não nos é estranho. Inclusive a certeza da inexatidão. algum livro que gostaria de retraduzir?
Usamos linguagens que, por definição, são AMM: Difícil escolher. No nível lúdico, alguns infantis,
inexatas. Mas com cada uma delas somos capazes de como Each peach, pear, plum. Ou Slug needs a hug.
dizer tudo. Apesar de sabermos que a categoria do Ambos com problemas muito específicos e desafiantes
impossível é infinita. para resolver, mas achei que valia a pena enfrentar.
Esse é um dos mais fascinantes aspectos de se traba- Além disso, há aquele outro tipo de prazer que men-
lhar com a língua, seja escrevendo, seja lendo, seja falando. cionei há pouco, o de estar dando um presente cole-
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tivo, ajudar a revelar algo precioso. Assim, tive muito avalia as ilustrações de suas traduções ou livros au-
prazer em fazer outras traduções, no sentido de dar a torais? As ilustrações podem ser consideradas tradu-
conhecer, em ajudar a trazer algo ótimo para os pe- ções intersemióticas dos seus textos. Você as apro-
quenos brasileiros, – como a própria Alice no País das va com antecedência? Conversa diretamente com o
Maravilhas. E também Peter Pan. Além da obra de Alan ilustrador?
Garner, de Katherine Paterson e a de Graciela Montes. AMM: Esse assunto, por si só, dá margem a um livro
No caso de livros como Alice, há um atrativo espe- mais alentado do que este. E cheio de matizes, impos-
cial, pois a protagonista é uma personagem extrema- sível de generalizar, sempre pedindo para que se ana-
mente lógica, que enfrenta o mundo equipada apenas lise caso a caso. Por exemplo, cansei de ver editores
com a razão e a linguagem – e por meio desse raciocí- estrangeiros recusarem (às vezes com veemência quase
nio lógico e das palavras vai nos revelando a injustiça e ofensiva) a incorporação de determinados ilustradores
a falta de sentido do mundo, num jogo fascinante que brasileiros ao partir para a tradução de meus livros –,
o tempo todo faz apelo à inteligência. inclusive um artista que talvez seja o mais famoso e pre-
Gostaria de ter tido a chance de traduzir Winnie the miado deles – alegando que as crianças locais não o
Pooh, de A. A. Milne (O Ursinho Puff), um livro que eu entenderiam. Acho isso uma pena. As nossas crianças
adoro e que contava e recontava para meus filhos, tra- são acostumadas a ler livros traduzidos com as ilustra-
duzindo oralmente na medida do possível. Um de nos- ções originais e não estranham nada nesse visual que
sos favoritos absolutos. Divertidíssimo, todos o ama- nos chega de outra cultura. Mas as europeias, america-
mos, para sempre. Mas quando eles cresceram, saiu a nas e asiáticas devem reagir muito aos nossos traços,
tradução da Monica Stahel para a Martins Fontes, tão sobretudo ao que guardam do humor e da caricatura,
perfeita que ficou irretocável e definitiva. Admirável. pela impressão que nos passam os editores deles.
Mas há um, não traduzido para o português, que Ficando mais limitada à resposta direta a sua
eu amaria traduzir e ter entre nós, para alguma edição pergunta, confesso que é lamentável mas raramente
linda (tenho em duas diferentes, uma inglesa só com o tenho a oportunidade de conversar com o ilustrador,
texto, uma americana com fotos lindas): The Tree, belo o que é uma pena. Ao longo da carreira, em mais de
ensaio do John Fowles. Um texto que não canso de metade do percurso, a prática editorial sempre foi a de
reler. que o editor só me mostrava depois de tudo pronto.
Muitas vezes eu nem conseguia ter acesso à informa-
20. Agora que você falou em fotografia, como você ção de quem estava me ilustrando.
34 35

E não dá para generalizar. Em alguns casos, po- guas assim, que nem faço ideia de como sejam. Em
demos trocar ideias e é sempre ótimo, enriquecedor muitas eu nem decifro meu nome naquele alfabeto na
para todas as partes e para o resultado final quando capa, quando recebo o livro. Em outras (como alemão,
isso acontece. Uma delícia, se podemos trabalhar as- sueco, dinamarquês, norueguês), dá para eu reconhe-
sim. Em outras, o ilustrador já sabe muito bem o que cer meu nome e uma ou outra palavra, mas nada além
quer e costuma ser muito cioso de sua visão – só me disso – porém, se o tradutor se comunica comigo (em
resta concordar e respeitar. Hoje em dia, após meio sé- inglês ou espanhol, muitas vezes) para consultar sobre
culo de carreira, tenho encontrado uma atitude muito alguma dúvida, eu posso trocar ideias e tentar esclare-
bem-vinda: o editor pede minha opinião na própria es- cer alguma coisa.
colha do ilustrador e até me mostra antes os rafes, para Em outros casos, eu conheço a língua mas as edi-
que eu possa me manifestar em algum aspecto. Mas toras não permitem que haja esse contato – e isso é
ainda é uma exceção à prática geral. muito mais comum do que se imagina. No início da mi-
Posso estar enganada, mas tenho a impressão nha carreira, era ainda mais frequente. Falta de respeito
de que a profissionalização do mercado editorial e o mesmo, e não consigo que se inclua essa exigência no
surgimento de ilustradores que têm formação em de- contrato, já são tantas condições leoninas que a gente
signer gráfico (antes eram mais oriundos da publicida- tem de negociar e driblar...
de ou da imprensa) são fatores que têm contribuído Às vezes, em edições posteriores, quando o
muito para o maior entrosamento de todos os atores absurdo foi grande demais, dá para tentar corrigir. Ou
nessa área. trocar de editora quando acaba aquele contrato, e par-
tir para uma nova tradução (fiz isso com o infantil Bisa
21. Muitos de seus livros já foram traduzidos para Bia, Bisa Bel e o romance O Mar Nunca Transborda,
diferentes idiomas. Como você avalia as traduções ambos em espanhol). Mas nem sempre consigo. Por
deles para outras línguas? Você chega a opinar sobre exemplo, cansei de dizer a minha editora mexicana de
a tradução? O tradutor entra em contato para tirar Beijos Mágicos que vassoura em castelhano é escoba
dúvidas? e não é basura – mas não me livrei dessa bruxaria em
AMM: Há uma imensa variedade de experiências, não duas décadas e sucessivas edições. Outras vezes, con-
posso dar uma resposta geral. Em primeiro lugar, de- segui evitar o pior. O tradutor de O Menino Pedro e
pende do idioma. Tenho livros em árabe, basco, co- seu Boi Voador para o espanhol simplesmente deixara
reano, chinês, japonês, russo, sérvio, turco e outras lín- de traduzir o longo último parágrafo do conto, mas eu
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pude reclamar porque me mandaram as provas e tomei el plato solo huesos de aceituna. Al padre le falta-
conhecimento da barbaridade a tempo. Então descobri ron las verduras. El abuelo acabó sin confitura. Y la
que tinha sido uma decisão dele, consciente, ao final abuela, muy triste y muy gulosa, hacía pucheros al
de um ótimo trabalho até então, porque esse parágra- ver que ya no estaba el aguacate con salsa rosa.
fo era todo rimado e metrificado e ele não conseguia Sólo Pedro comió como nunca había comido. Y
achar equivalentes em sua língua... Então eu mesma con todas sus ganas se reía burlón:
traduzi e mostrei a ele que era possível – coube-lhe re- – Os lo tenéis merecido! Quien os mandó decir
tocar minha sugestão. que era mentira mi amigo Buey Volador?
Mas em outras ocasiões, o tradutor consulta,
22. Poderia mostrar como era e como ficou? troca ideias. E até trabalhamos juntos. Quando
AMM: Faz 20 anos. Não tenho mais o original do que isso ocorre, é ótimo. Por exemplo, O Gato do
sugeri. Mas posso mostrar como era o trecho final eli- Mato e o Cachorro do Morro em espanhol virou El
minado: Perro del Cerro y la Rana de la Sabana, porque em
“Da irmã de Pedro comeu o feijão. E todo o arroz conjunto a tradutora Kurusa e eu chegamos a essa
de seu irmão. Do prato da mãe, raspou a salada. fórmula, já que eu achava mais importante manter
Da verdura do pai, não sobrou nada. O avô ficou a rima, a musicalidade e o sentido da história do
sem a laranjada. E a avó, gulosa e aflita, fazia beici- que ser literal. Então trocamos alguns personagens
nho sem a batata frita. animais para manter o que eu queria. De qualquer
Só Pedro comeu direito. E ria à toa, o gozador: modo, eles já pretendiam mesmo publicar com no-
– Pra vocês todos, bem feito! Quem mandou rir de vas ilustrações... Curtimos muito fazer a tradução
Boi Voador?” juntas. Tanto que, anos depois, novamente em du-
Tudo isso ia simplesmente ser suprimido, ainda que pla, partimos para o desafio de traduzir A Jararaca,
fossem as frases finais da história. O livro acabaria ape- a Perereca e a Tiririca.
nas com o Boi Voador entrando pela janela. Mas posso Não consegui trabalhar a dois na tradução de
mostrar como ficou, depois de minhas sugestões, devi- Mas que Festa! para o espanhol. Mas na versão
damente adaptadas pelo tradutor – e explicitadas pela para o francês, consegui e foi ótimo, fizemos as
exigência de racionalidade e correção: adaptações multiculturais necessárias à realidade
“De la hermana de Pedro se comió la espinaca. Y da nova cultura para a qual a história estava via-
de su hermano, la carne de vaca. La madre vio en jando, nos entendemos lindamente para as novas
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ilustrações que passaram a ser necessárias, incor- pessoal da mesma editora (Alfaguara) na Espanha
porando imigrantes magrebinos no lugar de mi- se encantou, quis fazer lá, mas era dificílimo. Só
grantes nordestinos, foi um prazer. E foi essa edi- conseguimos graças ao trabalho de Ana Garralón,
ção francesa que serviu de guia para as traduções autora de um levantamento precioso desse mate-
anglo-canadense, dinamarquesa e sueca. rial de cultura tradicional, que nos permitiu ir en-
  Também na Coleção Unidunitê, de quatro livros contrando os caminhos. Traduzir do portenho para
para crianças bem pequeninas (Cadê Meu Traves- o mexicano, cotejando com o ibérico, foi outra
seiro?, Delícias e Gostosuras, Vamos Brincar de etapa, e bem difícil, mas fizemos. O Chile partiu
Escola? e Que Lambança!), trabalhei junto com os da versão argentina, outros países recorreram às
tradutores em espanhol para as diversas versões – outras, fomos fazendo.
argentina, mexicana e espanhola – que, inclusive, No caso de livros para adultos, tenho expe-
têm títulos variados. O último que citei é Menudo riências variadas. Não tenho como julgar o sérvio,
Lío na Espanha, ¡Qué confusión! na América Latina. por exemplo, mas tive muita sorte com o inglês,
E o texto é diferente nos diferentes países, porque o francês e o italiano, com magníficos tradutores,
todo ele gira em torno de parlendas, incorporando sensíveis, inteligentes, bem preparados. Às vezes
cantigas de ninar ou do folclore infantil tradicio- me mostraram em meu texto coisas que eu nem
nais, que variam de um país para outro. Inicialmen- desconfiava que ali estivessem. Por exemplo, a
te, eu achei que seria impossível traduzir, por ser dupla (Jane Lessa e Didier Voïta) que traduziu O
uma colcha de retalhos, trazendo para o texto uma Mar Nunca Transborda para a Editions des Fem-
porção de citações submersas (tipo “a mochila que mes notou que na mesma página, distante alguns
no Tororó deixei...”) e acenos à intertextualidade, parágrafos apenas, eu me referira a uma banda de
e todo composto em versos – com rima e métrica. congo que tocava na pracinha do vilarejo e às me-
Uma armadura muito rígida. Mas fomos trabalhan- ninas que, em bando, de canga, ouviam a música.
do juntos, por muitos e muitos meses, com calma. E eu nem tinha consciência de como esses termos
Como eu vivi dois anos de minha infância em Bue- se respondiam, tão próximos... Sou infinitamente
nos Aires, tinha uma memória de canções e brinca- grata a eles, Didier e Jane, pela sensibilidade e
deiras infantis, na qual podia buscar equivalências beleza do trabalho que fizeram. Também foi muito
– e assim fizemos os primeiros quatro, na Argenti- bom trabalhar com Cláudia Poncioni e Didier La-
na. Os leitores amaram. Fez o maior sucesso. Aí o maison, que traduziram Aos Quatro Ventos e Um
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Mapa Todo Seu, com muita independência, mas 25. Italo Calvino afirma que traduzir é o verdadeiro
sabendo que podiam me consultar quanto quises- modo de ler um texto. Você concorda?
sem - da mesma forma que fizeram Renata Wasser- AMM: Concordo, sim. Calvino, como sempre, é um lei-
man em sua tradução para o inglês de Tropical Sol tor muito agudo.
da Liberdade e Giulia Manera, que verteu Infâmia
para o italiano, com uma atenção muito delicada à 26. A literatura brasileira é ainda relativamente pou-
variação de vozes da obra. co traduzida. A que se pode atribuir esse fato?
AMM: Não pretendo ter respostas, mas acho que pode
23. Em que consiste a autotradução e a tradução dos ter alguma relação com a imagem internacional que o
próprios textos em colaboração com outro tradutor? Brasil tem e cultiva. Não é a de um país de livros, es-
AMM: Não sei descrever. A dificuldade está em verter critores e leitores e, por isso, não encontra respeito ge-
para uma língua que não é a minha, e que não domino, neralizado ou ampla curiosidade nessa área. Diferente
por mais que eu possa conhecer. A facilidade está em da Argentina, que todo mundo associa a livros, Borges,
eu poder continuar criando nessa segunda fase, den- Cortázar etc. Ou do Chile, visto como país de poetas –
tro de um espírito semelhante ao da criação original, de Neruda a Gabriela Mistral. Nós somos associados a
na primeira fase. Ou seja: tenho liberdade para sugerir uma cultura do corpo – samba, futebol, carnaval, surfe,
mudanças – como o gato do mato deixar de ser gato biquíni fio dental, depilação, modelos deslumbrantes.
de la selva para se converter em rana de la sabana, no Nossas celebridades internacionais não são literárias.
caso citado antes. Ou então, evocamos uma imagem de natureza, não de
cultura, mais ligada a florestas, praias, paisagens. Nos
24. O tradutor, que antes de tudo é um leitor, mostra termos que ouvi certa vez de um jornalista sueco que
para você alguma novidade a respeito do seu texto me entrevistou em Gotemburgo, nossa imagem no ex-
ao escolher palavras e adaptar a sua sintaxe à língua terior ficou durante muitos anos prisioneira dos três –s:
de chegada? sun, soccer, sex. E quando conseguimos sair disso, foi
AMM: Claro. apenas para acrescentar mais dois –s-: slums, shooting.
Parece não haver muito espaço para livros.
E somos um país enorme, com uma literatura
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extremamente diversificada, difícil de ser reduzida a obra. Pelo menos, é o que alguns deles alegam.
uma cara só. Tem muita gente interessante escrevendo.
Fica muito disperso e multifacetado. Um continente 27. Cogita-se criar um Instituto Machado de Assis,
cultural. Precisaria de um trabalho muito consisten- algo como Instituto Cervantes ou Instituto Goethe.
te para apresentá-lo internacionalmente. Ainda mais Esse projeto aparentemente não foi para frente,
em tempos muito novidadeiros, como os nossos, em mas, se fosse, certamente promoveria nossa língua e
que tudo sai de moda muito rápido. Mais de uma cultura. Não está faltando de fato um instituto dessa
vez, jornalistas estrangeiros que me entrevistaram e natureza no Brasil?
cobriam literatura há algum tempo comentaram o fato AMM: Sem dúvida. É muito desejável e faz falta. Mas
de que, após Jorge Amado, Guimarães Rosa, Clarice com independência de injunções políticas superficiais,
Lispector e Paulo Coelho, a cada feira internacional ou para não se transformar num mero braço oficial de pro-
evento desse tipo aparecem dezenas de nomes novos, teção às patotas da vez.
ninguém consegue acompanhar. Não se constrói uma
presença que vá evoluindo. 28. Como você definiria o papel do tradutor de lite-
Tivemos vários momentos de alguma política ratura para a cultura de um país?
consistente nessa área de incentivo de tradução de AMM: Não sei definir, mas tenho certeza de que é fun-
nossos autores, com bolsas para tradutores e editores damental. Tenho imensa admiração por esses tantos
estrangeiros que nos publicassem – como as da Bi- tradutores que, tantas vezes, a partir de uma paixão
blioteca Nacional. Sempre funcionaram bem e deram por um autor, um livro, ou um aspecto específico de
bons resultados. Mas foram sempre iniciativas momen- nossa cultura mergulham numa trabalheira insana para
tâneas, pontuais, de continuidade reduzida, que não nos traduzir. E sempre me sinto grata aos inúmeros
se sustentaram ao longo do tempo. Uma espécie de profissionais que me propiciaram o contato com uma
estímulo em soluços. Quando iam engrenando, eram quantidade imensa de obras da literatura universal,
interrompidas, para talvez recomeçar mais tarde – e por graças a sua mediação. Devo muito aos tradutores, ao
vezes com outros critérios para seleção nos editais, ou- longo de toda minha vida leitora. Desde Monteiro Lo-
tros nomes, outras tendências, sempre recomeçando. bato que me apresentou por primeira vez à mitologia
Para um editor estrangeiro, isso atrapalha muito, não grega, aos contos de fada, a Robinson Crusoé, a Mark
dá para ir construindo um catálogo em torno àquele Twain, passando pelos tradutores que me permitiram,
autor ou àquela coleção, acompanhando a evolução da ainda adolescente, conhecer Os Desastres de Sofia
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ou O Pequeno Príncipe, e tantos e tantos outros livros tados para a juventude. Para só falar em alguns dos que
onde me perdi por horas sem fim e foram formando a atualmente ocupam cadeiras entre nós, lembremos de
pessoa que sou. Geraldo Holanda Cavalcanti (a quem devemos Ungare-
Os Três Mosqueteiros e Tarzan, A Ilha do Tesou- tti e Eugenio Montale sem português), Marco Lucchesi
ro e O Conde de Montecristo, todas as aventuras das (capaz de traduzir de línguas que até Deus duvida que
coleções Os Audazes ou Terramarear, e os romances existam), Geraldo Carneiro (brilhantíssimo tradutor de
de amor açucarados, e a obra de Cronin, de Dickens, Shakespeare).
de Pearl Buck, de Somerset Maugham, de Zevaco, de
Conan Doyle, de Sabatini, tanta coisa que li traduzida, 30. Como a crítica vem recepcionado a sua obra tra-
ainda muito jovem, quando não tinha como chegar ao duzida?
original. E depois os clássicos todos... Enfim, o traba- AMM: Não dá para responder de modo genérico a
lho dos tradutores que nos ajudam a compartilhar essas uma pergunta desse tipo, a respeito de uma obra tão
e tantas outras obras fundamentais é essencial para a vasta, traduzida em contextos tão diversos.
cultura de um país, tanto quando levam nossa cultura
ao mundo quanto no sentido inverso, ao nos trazerem 31. Quais seus projetos para o futuro na área da tra-
a cultura do mundo. Sem eles não saberíamos quanto dução, da literatura e de ensaios?
somos todos iguais mesmo vivendo em terras tão dis- AMM: Na minha idade, meu grande projeto para o
tantes, nem quanto somos diferentes uns dos outros. futuro seria conseguir sobreviver com saúde e lucidez.
Não me atrevo a sonhar com mais que isso.
29. Você acha que caberia a um tradutor uma cadei-
ra na Academia Brasileira de Letras?
AMM: Claro que cabe. Sempre lá estão, ao longo dos
anos, fortes e presentes entre nós. Já tivemos tantos,
alguns dos mais brilhantes e emblemáticos que tra-
balharam no Brasil, de Raymundo Magalhães Junior a
Antonio Houaiss, passando por Oscar Dias Correia (tra-
dutor de Dante), Ivan Junqueira (com suas magníficas
versões de Dylan Thomas e de T.S. Eliot) e Carlos Hei-
tor Cony, com dezenas de clássicos traduzidos e adap-
Ensaios sobre Ana Maria Machado
tradutora e traduzida
49

AS MÚLTIPLAS LEITURAS E TRADUÇÕES DE


“TRATANTES” DE ANA MARIA MACHADO

Ana Cláudia Suriani da Silva


University College London
1. Introdução

Na University College London (UCL), a tradução é um


componente obrigatório no currículo de línguas estran-
geiras. Dedicamos em média duas horas semanais da
grade horária dos cursos de graduação para o ensino
e a prática da tradução e versão de textos literários e
não-literários. A tradução ocupa um lugar central nos
nossos cursos porque é considerada tão importante
quanto as quatro habilidades – ler, escrever, ouvir e
falar – priorizadas pelos métodos e abordagens mais
atuais de ensino de línguas. De fato, ela é apontada
por alguns autores como a quinta habilidade no ensino
de línguas estrangeiras (Tecchio e Bittencourt, 2011).
Seu uso em sala de aula favorece, em primeiro lugar, o
desenvolvimento de uma série de habilidades linguísti-
cas: estimula a reflexão sobre o significado de palavras
dentro de um contexto, uma maior consciência acerca
das diferenças linguísticas e que os alunos assumam
mais riscos (Atkinson, 1993). Segundo Gaballo (2009),
o processo de tradução colaborativa é particularmen-
te importante na formação de tradutores, uma vez
que os habilita a refletir sob perspectivas diferentes e
a considerar as soluções alternativas propostas pelos
50 51

colegas. Em segundo lugar, a tradução propicia o de- “Tratantes” de Ana Maria Machado foi desenvolvida
senvolvimento da competência intercultural dos alunos nas disciplinas do quarto ano de graduação PORT0010
de língua estrangeira (Gaballo, 2009; Hurtado-Albir e Short Fiction and the Making of Modern Brazil e de
Gomes, 2020; Salomão, 2020). A atividade tradutória mestrado PORT0011 Advanced Translation From and
requer, portanto, não apenas habilidade com o idioma, Into Portuguese, University College London, entre
mas também compreensão da cultura e da alteridade. 2016 e 2020, resultando num total de 50 trabalhos de
Os alunos se conscientizam do papel dos tradutores curso. A atividade consistiu na preparação da tradução
como mediadores entre culturas e que qualquer comu- do conto e discussão durante as oficinas sobre a forma
nicação intercultural envolve tradução (Katan, 2014)5. do conto, os elementos da narrativa, questões linguís-
Na UCL podemos oferecer oportunidades de ticas e interculturais da tradução, o público alvo e o
tradução colaborativa entre estudantes, professores processo de edição da tradução. Em 2017, 2018 e 2019
e parceiros externos, porque a universidade promove contamos com a participação da escritora Ana Maria
o Community Engaged Learning (CEL), uma forma de Machado nas oficinas, o que nos permitiu discutir tam-
aprendizagem experiencial que permite que 1) seus bém o processo criativo do conto. Nas oficinas, os alu-
alunos apliquem seus conhecimentos teóricos à práti- nos tiveram a oportunidade de compartilhar com seus
ca, desenvolvam habilidades transferíveis e se prepa- colegas suas soluções e dúvidas, de esclarecer algumas
rem para a vida; 2) seus professores abram a sala de questões do texto comigo e com a autora, a qual tem
aula para a comunidade e experimentem formas mais ampla experiência como tradutora e costuma colaborar
criativas de ensino; 3) os parceiros externos, como es- com seus tradutores. Posteriormente, os alunos sub-
critores, tradutores e profissionais que trabalham com a meteram para avaliação individual suas traduções e um
língua portuguesa em Londres, possam promover sua comentário sobre a tradução. Devido a uma greve no
missão e objetivos, o que resulta na criação de um im- primeiro trimestre de 2020, o comentário foi eliminado
pacto social positivo (UCL Website). do trabalho de curso nesse ano:
A atividade de tradução colaborativa do conto
PORT0010, 2016-17: tradução do conto completo e
5
Silva, Ana Cláudia Suriani da e Pinto, Paula Tavares, “Virtual Language Ex- um comentário de 1000 palavras sem bibliografia (14
change: a tradução como estratégia de aprendizagem de língua estrangeira trabalhos)
entre alunos da Unesp e da UCL”, in: Perspectivas de internacionalização
em casa: intercâmbio virtual por meio do Programa BRaVE-Unesp, organi-
zado por Ana Cristina Biondo Salomão, José Celso Freire Junior, São Paulo: PORT0010, 2017-18: tradução de um trecho de 1000
Cultura Acadêmica Editora, 2020, pp. 61-77.
52 53

palavras e um comentário de 1000 palavras (13 traba- ção para se ajustarem à natureza variável do conteúdo
lhos) e da linguagem do conto em todos os níveis do texto.
O conto “Tratantes” foi escolhido para essa
PORT0010, 2018-19: tradução de um trecho de 1000 atividade tradutória porque explora todas as potencia-
palavras e um comentário de 1000 palavras sem biblio- lidades do conto, da narrativa e da linguagem, apre-
grafia (12 trabalhos) sentando, portanto, ao tradutor desafios que são ao
mesmo tempo morfológicos, discursivos, estilísticos e
PORT0010, 2019-20: tradução do conto completo (11 culturais.
trabalhos) Como se tratam de alunos de graduação na
maioria falantes nativos do inglês que não possuem co-
PORT0011, 2017-18: tradução de um trecho de 500 nhecimento profundo de teorias de tradução, na ativi-
palavras do conto e um comentário de 750-1000 pala- dade tradutória predominou uma abordagem empírica
vras sem bibliografia (3 trabalhos) com tendência para a domesticação do texto (Venuti,
2004), ou seja, para uma tradução em que predomi-
Para este texto, escolhi o corpus dos 27 trabalhos pro- nasse um estilo transparente e fluente para minimizar
duzidos nos anos 2016-17 e 2017-18 pelos alunos de a estranheza do texto de chegada (TC) para os leitores
graduação. anglófonos (Shuttleworth & Cowie, 1997, p. 59), que
fosse sintético e produzisse um efeito comparável ao
2. Escolha do conto e estratégias de tradução do original.
Discutimos brevemente alguns princípios tradu-
Enganam-se os que creem que o conto é particular- tórios, como a questão da relação entre interpretação
mente fácil de se traduzir por ser uma forma de prosa e intraduzibilidade linguística e cultural de um texto
de ficção curta. É exatamente a sua brevidade e forma (Venuti, 2019, p. 8) e do conflito entre a tradução literal
condensada que o tornam ideal para se discutir uma e livre, as quais exigem uma reflexão sobre a relação
série de questões centrais à tradução literária, entre as entre a unidade da tradução (UT) e a análise do discur-
quais a estrutura da narrativa e o sentido que a lingua- so. Como explica Newmark, “the freer the translation,
gem adquire na ficção. Forma e conteúdo são indis- the longer the UT; the more literal the translation, the
pensáveis para a leitura do conto, o que exige que o shorter the UT, the closer to the word, or, in poetry, even
leitor e o tradutor sejam flexíveis em sua leitura e tradu- to the morpheme. Free translation has always favoured
54 55

the sentence; literal translation the word. Now, since Em “Tratantes”, Ana Maria Machado “oferece
the rise of text linguistics, free translation has moved uma amostra, através de um episódio, um flagrante ou
from the sentence to the whole text” (Newmark, 1988, um instantâneo, um momento singular e representati-
p. 54). Isso exige que os estudantes tomem consciên- vo” (Coutinho, 2008, p. 69), ou seja, um dia na vida de
cia do uso da linguagem, dos símbolos, das definições Dona Lídia. Lídia é uma viúva que valoriza a rotina, a
flutuantes de palavras e que se tornem conscientes do companhia de seus netos e medita sobre os proble-
efeito total do conto (Poe, 1842), da atmosfera e do mas e as alegrias que a sua casa lhe proporcionam. O
tom predominante na história, que estabelecem as ex- conto explora a intimidade das relações familiares, ao
pectativas do leitor. Discutimos também a diferença en- mesmo tempo em que reflete sobre a preciosidade
tre as visões instrumentalista e hermenêutica da tradu- dos momentos de convivência entre gerações, reve-
ção. A primeira se concretiza através de uma sequência lando-nos a importância da mulher como guardiã da
de equivalências entre as unidades na língua de partida memória familiar construída e transmitida de geração
e de chegada. A segunda, muito mais eficaz para a tra- em geração. Sendo o último texto da antologia Contos
dução literária, possibilita traduções múltiplas, por re- (Machado, 2012), “Tratantes” apresenta-nos também
sultar de interpretações únicas do texto, apoiadas pela um intrigante desfecho sobre as duras verdades e as
consciência linguística e pelo repertório cultural de vulnerabilidades da velhice. Como nos disse a escritora
cada tradutor. Além de ser preciso tornar os estudantes em umas das oficinas, “Tratantes” também é uma his-
sensíveis às variações e invenções linguísticas, é neces- tória sobre a dificuldade de se falar sobre a morte. De
sário conscientizá-los sobre o universo social e cultural fato, sem mencionar diretamente a morte, Ana Maria
da história, o que exige não somente sensibilidade na Machado recria no conto o poder da ficção em capturar
escolha das palavras na língua de chegada, mas tam- a fragilidade e a alegria inefável da condição humana.
bém pesquisa sobre elementos contextuais nem sem- O conto, portanto, tem um forte apelo universal, pois
pre muito evidentes no texto. contempla a inocência da infância e a tranquilidade
Pedi também aos alunos que imaginassem um agridoce da velhice, além de construir paralelos entre a
leitor ideal para a sua tradução – mesmo sabendo que o natureza cíclica do tempo, da vida das personagens e
primeiro e o segundo corretores e o examinador externo das plantas através da descrição do ciclo de floração e
seriam muito provavelmente os únicos a lerem seus tra- do jardim de Lídia.
balhos – para que refletissem sobre a recepção do texto O texto possui todas essas camadas interpreta-
no meio acadêmico e no sistema literário inglês. tivas devido à sua forma narrativa. No conto, “every ex-
56 57

traneous statement, every unnecessary word, must be Glauco Ortolano, a escritora “spent her summers at her
eliminated in order to bring the tale within the bounds grandparents’ home in a small fishing village on the Rio
of patience” (Lawrence, 1917, p. 274). Sua linguagem coast. She recalls that the only evening entertainment
simples, que não desmente a longa carreira de Ana Ma- the village offered consisted mostly of storytelling, as
ria Machado como autora de literatura infanto-juvenil, people gathered on her grandmother’s front porch.
é subversivamente repleta de imagens e jogos de pala- So it was there and then that little Ana Maria began
vras com uma variedade de significados que correm o to hear the folk stories that would eventually appear in
risco de se tornarem obscuros quando traduzidos para her own work” (Machado e Ortolano 2002, p. 110). Ao
o inglês. O estudante do português como língua es- traduzir o conto é importante, portanto, recriar a orali-
trangeira, como é o caso dos meus alunos, é jogado dade do texto e essa reformulação da infância que Ana
em um território ausente de referências temporais e Maria Machado opera a partir da perspectiva de Lídia.
geográficas que o permitam localizar a ação em uma
região e um período histórico brasileiros específicos. A 3. Desafios da tradução
identidade brasileira do conto é construída de forma
mais indireta, através da alusão literária, das plantas a) O título do conto
tropicais, dos hábitos das personagens e dos registros
que constroem o espaço e os laços familiares a partir Considerada como uma das escritoras mais versáteis
de um ponto de vista feminino. e abrangentes da literatura brasileira contemporânea,
Além disso, “Tratantes” tem uma história dentro em seus textos Ana Maria Machado se destaca pela ex-
de outra história, pois Lídia conta aos netos uma história ploração da língua portuguesa através do emprego de
que aprendeu com a avó. Esse mise-en-abyme chama a trocadilhos, neologismos e metáforas. Como escreve,
atenção do leitor para a origem do conto. Em várias en- Maria Nikolajeva “her serious messages are wrapped in
trevistas concedidas à imprensa brasileira e internacio- humour, sometimes in nonsense, sometimes in hilarious
nal, Ana Maria Machado fala sobre as fontes criadoras word play. Most importantly, she never lets social com-
da sua obra. Em entrevista à Rio TV Câmara em 2013, mitment eclipse the high artistic quality of her work”
a escritora ressalta o papel da memória, da observação (Nikolajeva, 2000, p. 6). “Tratantes” não é uma exceção
e da imaginação (Rio TV Câmara 2013, 00:16:34) e, em a essa regra: o título nos apresenta um jogo de palavras
entrevista a Glauco Ortolano, a importância das histó- que continua ao longo da narrativa, encapsula as várias
rias de pescadores que ouviu na infância. Como escreve camadas de leitura e dá unidade ao conto.
58 59

A palavra “tratante” reaparece em várias oca- – Quer massagem, vó? – perguntou o neto, como sem-
siões com significados diferentes ao longo do texto. pre, sabendo que a resposta nunca deixava de ser po-
Na primeira ocorrência, Lídia a usa para se referir ao sitiva.
marceneiro e ao técnico “incapazes de cumprir um – Vou buscar o tratante – anunciou a menina. (Macha-
compromisso” (Machado, 2012, p. 38), pois deveriam do, 2012, p. 39)
ter consertado o ar-condicionado e a porta do armário.
“Tratantes” ganha aqui o sentido conotativo da pala- Na terceira ocorrência, “tratante” é uma brinca-
vra. Segundo, por exemplo, o Dicionário Priberam da deira corriqueira entre Lídia e os netos: a avó prepara
Língua Portuguesa: “que ou quem trata ardilosamente o lanche favorito e conta histórias para os netos, e eles
de qualquer coisa ou que procede com fraude e velha- fazem massagem na avó com o creme hidratante. Esse
caria. = MALANDRO, VELHACO”. jogo de palavras é significativo para a construção de
uma atmosfera afetiva entre os membros da família.
ST: “A gente confia, espera, o tempo passa, não apa- A cumplicidade da avó em adotar a linguagem usada
rece ninguém. São todos uns tratantes. Incapazes de pela criança (por exemplo, o neologismo “cedão” que
cumprir um compromisso.” (Machado, 2012, p. 38) emerge no discurso indireto-livre e “tratante” na fala
abaixo) recria o relacionamento afetuoso das persona-
Na segunda ocorrência, a palavra significa “lo- gens. Essa conexão entre linguagem e relações pes-
ção hidrante”. Ana Maria Machado explora a intuição soais é uma marca da prosa de Ana Maria Machado.
linguística das crianças de criar neologismos a partir de Segundo, Nikolajeva, “in most of Machado’s work there
regras gramaticais adquiridas e de erros de pronúncia is some reference to language and its importance in
de palavras polissilábicas comuns entre crianças peque- human life and relationship” (Nikolajeva, 2000, p. 7).
nas. Desta vez, a neta, talvez sem saber a palavra corre-
ta para uma loção hidratante, usa a palavra “tratante”. TP:
A omissão da primeira sílaba “hi” de “hidratante” gera — A gente brincou de tratante.
uma palavra com som semelhante a “tratante”, palavra — A vovó tratou da gente e a gente tratou dela — ex-
derivada do verbo “tratar”, sinônimo de “cuidar”. “Tra- plicou a irmã.
tantes” assume, portanto, significados diferentes para As duas mulheres sorriram.
as personagens adultas e crianças do texto. — E ainda me passaram tratante no pé, fizeram massagem
TP: e tudo — contou a mais velha. (Machado, 2012, p. 42)
60 61

Na quarta ocorrência (acima), a palavra é novamente está em traduzi-lo para o inglês, mantendo esses múl-
empregada no sentido de “loção hidratante”. tiplos significados. O problema, no entanto, como nos
Esses dois novos significados de “tratantes” explica Francisco Javier Díaz-Pérez, é que trocadilho e
– “loção hidratante” e “brincadeira”– ecoam a ter- efeitos semânticos e pragmáticos (TP) raramente têm
nura entre Lídia e seus netos. A palavra adquire uma uma equivalência, porque se originam em característi-
coloração emocional e conotações pessoais, que os cas estruturais da língua de partida para as quais não
tradutores não devem ignorar. Todas esses múlti- há correspondente na língua de chegada (Díaz-Pérez,
plos sentidos da palavra devem ser levados em con- 2014, p. 111). Isso se deve ao fato de que os trocadi-
sideração ao traduzir o título do conto, porque ele: lhos resultam da existência de homófonos, homógra-
fos, aglomerados polissêmicos e expressões idiomáti-
cas específicas de cada língua e sua cultura. Uma vez
. reflete a ambivalência de sentido que a palavra assu- que o português e o inglês são línguas assimétricas,
me ao longo da narrativa; encontrar uma tradução para o jogo de palavras do tí-
. captura os diferentes registros discursivos da narra- tulo exigiu que os alunos se valessem de uma gama
tiva (narrador, Lídia, netos), pois “tratantes” assume muito ampla de manobras linguísticas. As 23 soluções
significados diferentes para as personagens adultas e abaixo revelam inúmeras tendências tradutórias, que
crianças; vão do sacrifício do trocadilho em prol do conteúdo
. condensa a estrutura do conto, pois antecipa, sem semântico, passando por tentativas de reprodução do
revelar, a inversão semântica da segunda parte; trocadilho em inglês com a criação de neologismos até
. brinca com as expectativas do leitor sobre o desen- criações infiéis (Jull Costa, 2017, p. 115) que se apoiam
volvimento da história. em outros elementos da história.

Por todas essas razões, o título foi o primeiro


desafio, como escreve Margarett Jull Costa, da “appa-
rently untranslatable cultural ‘aura’ around: (1) words –
naming the physical world; (2) phrases – puns, idioms,
proverbs; (3) references – historical, geographical and
cultural” do conto (Jull Costa, 2007, p. 111). O desafio
62

Tabela 1: Soluções para as várias ocorrências da palavra “tratante”

traitors
63
64 65

A equivalência semântica foi um dos grandes


desafios para os estudantes. A tradução literal, “scoun-
drel” ou “rascal”, segundo um estudante, não transmi-
te os significados multidimensionais do termo. A equi-
valência semântica só poderia ser alcançada criando
uma palavra que reproduzisse um erro de fala infantil
ao pronunciar “hidratante”. Entre as soluções que ten-
taram transmitir o trocadilho, seja com um neologismo
ou jogo de palavras, encontramos, “(Mis)treatmen-
ts”, “Cweam” e “Disapointments”. Cwen (TC 24), por
exemplo, é um neologismo, derivado de “cream” (em
português, “creme”), que reproduz um erro de pro-
núncia comumente cometido pelas crianças inglesas.
Embora o trocadilho se perca com essa solução, o es-
tudante considerou-o mais apropriado, pois o registro
da criança é mantido.
Entretanto, a maioria das soluções sacrificaram
o trocadilho em prol do conteúdo semântico. “Some
Help, They Are”, “Those who care and those who do
not”, “Full of Empty Promisses”, por exemplo, são pa-
ráfrases que se valem de uma palavra não relacionada
(Baker, 2014, p. 34). TC 27 traduziu o título como “Full of
Empty Promisses” porque a expressão, que foi cunha-
da no final do século XVI, “is widely used and well-esta-
blished in British English”. O estudante explica que, em
primeiro lugar, “the oxymoronic contrast between ‘full’
and ‘empty’ is inspired by Machado’s humorous mani-
pulation with words in many other cases throughout the
source text”. Em segundo lugar, “it evokes the general
66 67

sense of Lídia’s frustrations right from the title, whereas mo tempo, dá ao marceneiro e ao técnico a conotação
‘Flakes’ is ambiguous”. Finalmente a expressão permi- de vigaristas, que não cumprem com a palavra ou são
tiu criar o mesmo efeito do jogo de palavras que se confiáveis. “Rascals”, por sua vez, significa literalmente
repete ao longo do texto, ao traduzir todas as ocor- “patifes”, mas também é uma forma afetuosa de ser
rências de “tratantes” como “full of empty promisses”. referir às crianças. Ao traduzir o título por “Rascals” ou
No texto de chegada, a neta de Lídia chama a loção “Little Rascals”, os estudantes capturam a ambivalên-
hidratante de “empty promisses”, o que, segundo o cia da palavra e a reviravolta na história. “Rascals” per-
estudante, joga com a ideia das promessas mirabolan- mite que o foco se transfira para a relação entre a avó
tes dos anúncios e embalagens de antirrugas: e seus netos, a qual é de fato um elemento importante
do conto, como vimos acima.
TC: A gente confia, espera, o tempo passa, não apa- A decisão de traduzir o título como “Rascals”
rece ninguém. São todos uns tratantes. Incapazes de leva em consideração a tradução das várias ocorrên-
cumprir um compromisso. cias da palavra no conto. O estudante TC 26 explicou
que optou por traduzir a primeira ocorrência de tratan-
TC 27: You count on them, wait around, and they never tes por “good for nothing”. Essa expressão comunica
turn up. Full of empty promises the lot of them, unable melhor do que “rascals” o descontentamento de Lídia
to follow through with a commitment. com as pessoas que lhe prestam serviços. Ambos trans-
mitem, segundo o estudante, a forma desonesta com
TC: — Vou buscar o tratante — anunciou a menina. que os negócios não foram cumpridos. Para o título,
no entanto, utiliza o termo que transmite em inglês a
TC 27: “I’ll fetch the empty promises,” her granddau- ambiência semântica do título em português.
ghter announced. Finalmente, o título “Yesterday-today-and-to-
morrow” é a solução que um estudante encontrou para
Outras soluções deslocaram o jogo de pala- a tradução de “manacás”, uma das flores que Lídia cul-
vras para outro elemento do conto, por exemplo, “The tiva em seu jardim.
Scoundrels Treat”, “Rascals” e “Little Rascals”. “The
Scoundrels Treat” consegue manter com a palavra TP: os manacás ontem roxos e hoje lilases, que amanhã
“scroundel” a descrição lúdica que Lídia dá aos netos, estariam brancos (Machado, 2012, p. 39)
acentuando seu comportamento travesso e, ao mes-
68 69

TC 21: on the yesterday-today-and-tomorrow’s that há um sinal de renascimento nos botões que estão por
were purple yesterday, had taken on a more lilac colour florescer. Portanto, essas plantas passam a representar
today and would be white tomorrow. ciclos de vida e a encorajar ainda mais seu desejo de
valorizar cada dia que lhe resta para viver. A solução
Dois fatores se encontram por trás da decisão “Yesterday-today-and-tomorrow” captura, portanto, a
do aluno em traduzir o título como yesterday-today- ligação entre o espaço, os hábitos da personagem, a
and-tomorrow’s. O primeiro está relacionado à função passagem do tempo e a construção da memória, atra-
conotativa imediata da expressão. O estudante vés de rituais familiares intergeracionais.
transferiu para o título do texto de chegada a referência
à passagem do tempo e ao jardim de Lídia. Ambos b) Vozes narrativas
são elementos-chave na história, especialmente, a
passagem do tempo, devido à sua ligação com a A aura da aparente simplicidade do conto de Ana Maria
memória. Na cena do jardim, Lídia rega as plantas Machado se desmancha quando analisamos com mais
enquanto aguarda a companhia dos netos. As cuidado as unidades de tradução no nível da oração.
observações da personagem indicam seu desejo de O conto é altamente complexo em termos de sintaxe,
se lembrar das coisas exatamente como elas eram, porque a autora joga com a perspectiva narrativa para
pois ela está consciente da passagem do tempo e do manipular o ritmo do tempo, criar a atmosfera afetiva
seu envelhecimento. Lídia também tenta incentivar do conto e uma imagem para a protagonista que são
seus netos a valorizarem a importância da construção aos mesmo tempo subjetivos e fragmentados devido,
da memória familiar através de rituais e da contação de um lado, à consciência de que morte se aproxima
de histórias. No final da história, “fabricavam juntos e, do outro, de que cada instante deve ser aproveitado
lembranças” (Machado, 2012, p. 40). ao máximo, sobretudo aqueles dias preciosos na com-
Em segundo lugar, essa solução escolhida para panhia dos netos. Escrito na terceira pessoa, com um
o título faz referência a uma característica da persona- narrador onisciente, a história gira em torno de um dia
gem. O nome vulgar de uma das suas plantas em inglês da vida de Lídia. Depois da morte do marido e com a
sinaliza, além da passagem do tempo, a dedicação de inevitabilidade da velhice, ela se torna cada vez mais
Lídia ao seu jardim. Essa dupla implicação não é ime- dependente de terceiros, o que muitas vezes lhe causa
diatamente óbvia. Lídia menciona a sorte de ter visto decepções e frustações. No entanto, no tempo presen-
as suas plantas crescerem e também nota que ainda te da narrativa, Lídia é presenteada com “um dia ple-
70 71

no” na companhia dos netos (Machado, 2012, p. 40). tratar de uma marca registrada do estilo da escritora,
Nas oficinas, discutimos demoradamente a pre- que usa frases e orações simples ou incompletas para
dominância do discurso indireto-livre e os morfemas descrever os hábitos metódicos e reproduzir o monólo-
que distinguem entre si as diversas vozes no conto, go interior da personagem. Outros interviram mais di-
construindo a personagem Lídia e imprimindo uma voz retamente na sintaxe, mesmo que fosse simplesmente
feminina ao texto. Como Gayatri Spivak argumenta, a para juntar orações incompletas ou repetir a denomi-
tradução é uma abordagem fundamental na busca pela nação da personagem ou do pronome pessoal, a fim
a agenda feminista mais ampla de alcançar a solidarie- de respeitar as normas sintáticas do inglês. Reprodu-
dade entre as mulheres (Spivak, 2009). Assim sendo, zo aqui apenas dois exemplos de cada abordagem:
também é imperativo no processo tradutório transmi-
tir as vozes das mulheres, uma vez que o texto retrata TP: Não tinha pressa mesmo. Todo o tempo do mundo
a esfera doméstica e gira em torno das personagens ia caber naquele dia. Deixou-se ficar, entregue a cada
Lídia, sua filha, neta e Hermínia. Os temas da família, segundo de carícias, de olhos fechados, ouvindo a con-
casamento, viuvez e vida doméstica conferem ao texto versinha dos pequenos, respondendo de vez em quan-
uma qualidade universal, enquanto a descrição deta- do. Depois foi resolver um almoço especial, só com
lhada da rotina diária e a interação entre as gerações coisa bem simples de que criança gosta. E banana frita
tornam o texto relacionável e acessível. de sobremesa. Com sorvete. (Machado, 2012, p. 40)

Discurso indireto-livre TC 01: She wasn’t in a rush either. All the time in the
world would fit in that one day. She let herself be still,
Predomina no conto o discurso indireto-livre. O tempo, giving herself over to every second of being stroked,
a atmosfera e a construção da personagem convergem eyes closed, listening to the chatter of the little ones, re-
numa complexa construção sintática que mistura frases plying from time to time. Then it was on to sorting out a
longas e curtas, diálogos e introspecções, que mesclam special lunch, with only the simple little things that chil-
a voz das personagens a do narrador. Novamente os dren like. And fried banana for dessert. With ice cream.
estudantes usaram abordagens diferentes para recons-
truir essa teia de discursos e ritmos frasais. A maioria TC 02: There was no hurry at all. All the time in the wor-
notou ser indispensável aderir fielmente à estrutura ld would fit into that day. There she lay with her eyes
narrativa meticulosa de Ana Maria Machado, por se closed, enjoying the constant tickling and listening to
72 73

the little ones’ conversation, occasionally chipping in. veu ler um pouco. Acendeu a lâmpada na cabeceira,
Then she decided to make a special lunch with just the pegou a Bíblia, abriu a esmo, como às vezes fazia. Teve
basics that every child loves, and fried banana with ice o cuidado de abrir mais para o princípio do livro. Dis-
cream for pudding. traía-se mais com o Velho Testamento, aquelas histó-
rias movimentadas, cheias de peripécias e traições. //
Um terceiro grupo, confessou combinar as duas Quando percebeu, já se passara um bom tempo. (Ma-
estratégias acima e fazer mudanças estruturais frasais chado, 2012, p. 38)
mais profundas. Por exemplo, o estudante TC 22 man-
teve-se fiel à sintaxe da autora no primeiro excerto: TC 22: And she was sick and tired of lying in bed doing
nothing. She decided to read for a while. She turned on
TP: Mas a refeição não precisava ser feita por ela. Já the lamp which lay on the headrest of the bed, picked up
estava à sua espera sobre a mesa. Prontinha. Com uma the Bible and opened it randomly, as she often did. She
bela fatia de mamão já sem sementes. Com manteiga, made sure to open it somewhere near the beginning
geleia e mel para o pão. E uma porção de comprimi- of the book. She found the Old Testament more enter-
dos, os primeiros do dia, a lembrar aquilo tudo que não taining, and got carried away with those lively stories
dava para esquecer. (Machado, 2012, p. 39) brimming with mischief and treachery like she always did,
when she finally realised that a long time had passed.
TC 22: But now at least she didn’t have to make the
meal herself. It was already on the table waiting for her. Neologismos
All ready. With a nice slice of seedless papaya. With bu-
tter, jam and honey for the bread. And a handful of pills, Uma das particularidades do português é a sua rica for-
the first dose of the day to remember all that couldn’t mação sufixal, em especial a formação de palavras por
be forgotten. meio de sufixos diminutivos e aumentativos. A língua
No segundo, entretanto, inverteu a ordem de portuguesa possui, segundo Helga Prade, 22 sufixos
palavras, frases e orações e alterou a estrutura dos pa- diminutivos, sendo os sufixos –inho e –zinho os mais
rágrafos, juntando a oração do parágrafo seguinte à úl- recorrentes pois podem facilmente ser acrescentados
tima oração do parágrafo anterior: em substantivos, adjetivos e outras palavras invariáveis
(Prade, 2013). Quando ensinamos o uso do diminuti-
TP: E cansara de ficar na cama sem fazer nada. Resol- vo e aumentativo para os alunos do português como
74 75

língua estrangeira, temos de explicar não somente a história é, de fato, o diminutivo. “The first encounter
sua regra de formação, mas também os vários signifi- with one” é a palavra “igualzinho” a qual “intensifies
cados que adquirem no contexto. Nas aulas de língua the likeness between the handyman and carpenter in
do primeiro ano, na disciplina PORT0001 Beginners’ terms of not following on their promises. ‘Passarinhos’,
Portuguese, eu dou prioridade ao ensino da formação however, later on in the same paragraph, simply means
do diminutivo, por ser muito mais comum do que o birds of very small size that would be chirping jollily at
aumentativo e por ser usado para expressar carinho e first sign of morning.” Para “igualzinho”, continua o es-
afetividade. Pronunciados com a entonação correta, tudante, ele precisou criar “the same level of compa-
permitem que os alunos traduzam a polidez britânica rison, therefore the use of ‘just like’ lays the idea of si-
em frases mais naturais e mais curtas, típicas do por- milarity between both carpenter and handyman”. Para
tuguês brasileiro coloquial, como “Um cafezinho, por “passarinho”, por sua vez, o estudante anota que há “a
favor”, que corresponderia em inglês a “May I have a few ways to describe a small bird; translating it simply
coffee, please”. as ‘birds’ does give a generic picture of an animal not
No que diz respeito à tradução, como constata too big or too small but still too generic, ‘little birds’
Prade, nem sempre há termos equivalentes nessas duas emphasize the small size of mentioned birds just fine,
línguas para a diversidade sufixal da língua portuguesa, but the third choice ‘birdies’ really captures the childlike
o que exige que os tradutores, na falta da equivalência, vocabulary that sparked the memory of the granddau-
compensem com outros recursos linguísticos. Era de se ghter talking about how she favoured sleeping over at
esperar, portanto, que a abundância de formas diminu- her grandmothers, because of the ‘birdies outside to
tivas e aumentativas em “Tratantes” chamasse especial listen to’”. Fica evidente na autorreflexão desse estu-
atenção dos meus alunos. Isso se dá, provavelmente dante sobre o processo tradutório dos diminutivos a
por quatro razões: 1) não há uma equivalência no inglês importância de capturar ao mesmo tempo o sentido da
para a maioria dessas formas; 2) elas não expressam palavra e a voz narrativa de quem a utiliza.
apenas o valor de tamanho; 3) elas efetuam a conexão Aparecem no conto não menos do que oito
entre linguagem e relações pessoais no conto; e 4) ca- palavras no diminutivo – igualzinho, passarinho, fres-
racterizam a voz narrativa no nível da menor unidade quinho, cantinho, saquinho, mãozinha, cheirinho e ce-
de tradução, que é o morfema. dinho – e dois aumentativos: barulhão e cedão, este
O estudante TC 09 anotou que um dos elemen- o neologismo de que pretendo ainda tratar neste su-
tos mais proeminentes do texto ao longo de toda a bitem. “Cedo”, “cedinho” e “cedão” são justapostos
76 77

para ilustrar com humor as nuances de significado que dão”, como TC 11, que cunhou o termo “earlierer”, o
o sufixo em português pode transmitir. Ana Maria Ma- qual soa, para o estudante, “like a cute invention of a
chado explora a plasticidade da língua portuguesa com child”.
o aumentativo e o diminutivo “cedão” e “cedinho”, fa-
zendo uso, como afirma Maria Nikolajeva, “of the con- TC 11: In her own house, she could never tell whether
ventionality of language and the power that languages it was that sort of early or whether she’d have to wait
gives adults over children” (Nikolajeva, 2000, p. 8), para a long time for morning to come, unsure whether even
criar um jogo de palavras semelhante ao do título do li- the birdies were still asleep because it was earlierer. //
vro infanto-juvenil Palavras, Palavrinhas, Palavrões (Ma- This day, the grandma woke up earlierer, before it was
chado, 1981). early.
O segundo e terceiro parágrafos exploram a re-
lação entre esses termos: Outros estudantes optaram por repetir o advérbio de
intensidade “really” para distinguir os períodos da
TC: Em sua própria casa, ela nunca sabia se já madrugada correspondentes a “cedinho” e “cedão”,
era cedinho ou se ia demorar muito a amanhe- como TC 02 e TC 03:
cer e até os pássaros estavam dormindo, porque
ainda era cedão. // Pois nesse dia a avó acorda- TC 02: In her own house, she never knew if it was really
ra cedão, antes do cedinho. (Machado, 2012, p. 38) early yet or whether it was still really, really early, mea-
ning it would take ages for the sun the come up, and
“Cedão” e “cedinho” são expressões utilizadas the birds would still be asleep. // That day, grandma
especificamente pela escritora para marcar e distinguir had woken up really, really early, even earlier than really
o registro do narrador, de Lídia e da criança. Essas flu- early.
tuações do registo no nível da palavra representam um
grande desafio para o tradutor no que diz respeito à TC 03: At her house, she never knew if it was really early
fidelidade formal do texto, pois embora essas palavras or if it was going to be a long time until morning and
sejam essencialmente parte do vocabulário de uma even the birds were still sleeping, because it was still
criança, é difícil replicá-las com tal efeito em inglês. reeaally early. // Well, that day grandma had woken up
Alguns estudantes esforçaram-se em criar uma palavra reeaally early, earlier than really early.
em inglês que pudesse expressar o sentido de “ce-
78 79

Um outro grupo optou pela domesticação do


trecho, valendo-se de paráfrases que se mantivessem O último exemplo, que escolhi para comentar nesse su-
fiéis ao sentido do trecho: bitem, é uma solução mais criativa que captura o cará-
ter lúdico do trecho. TC 15 adiciona a imagem de uma
TC 05: In her own house, she never knew whether it was “‘great big moon’ as symbolic of Machado’s night time
already early morning or whether dawn was hours away, ‘cedão’”:
even the birds were sleeping because it was still very
early. //These days the grandma wakes up very early, TC 15: At her own house, however, she never knew if
before dawn. it was already the morning, or if the morning was ages
away, and the birds were still sleeping under a great big
TC 09: In her own home she could never tell when it moon. // But on that day grandma awoke beneath the
was very early morning or if it would take a long time big moon, before the morning’s little rays of sunshine.
until breaking dawn, even the birdies were asleep, that’s
because it was even earlier than early morning. // Well, Mais adiante no seu comentário, o estudante explica
on this specific day the grandmother did wake up even que se lembrou, “in this instance, of the criticism that
earlier than early morning. Clarice Lispector’s translators have often faced for the
tendency to ‘normalize’6 her texts, through failure to
TC 12: In her own house, she never knew if it was alrea- maintain her deliberate ‘violation of grammatical nor-
dy early morning or if it would take a while for the sun ms’7. By introducing a noun (the moon) to the phrase, I
to rise and even the birds would be asleep, because it hoped to reinstate the sense of physicality and scale of
was still early. // So this day the grandmother woke up Machado’s neologism that a translation such as ‘late at
early, before early morning. night’ would have otherwise sacrificed.”

TC 21: At her own home, she never knew if it was just c) Expressões idiomáticas
a little bit early or if it was practically the middle of the
night and the birds were fast asleep because there was O objetivo da tradução é conectar dois idiomas e cul-
a long time to go before dawn. // On that particular
6
Nota de rodapé presente em TC 15: Tace Hedrick. “‘Mãe é para isso?”:
day Lidia had awoken while it was still night, before the Gender, Writing and English Language Translation in Clarice Lispector’, Lu-
break of dawn. so-Brazilian Review, Vol. 41 (2005), 56-83, (p. 57).
7
Nota de rodapé presente em TC 15: Tace Hedrick (p. 57).
80 81

turas por meio do conteúdo compartilhado do texto de e se pergunta que horas são. A mudança de registro
chegada. A fidelidade ao original em termos de signi- é notável, pois o narrador passa da definição do tem-
ficado é fundamental, mas isso não impede ou mesmo po de maneira convencional, com as palavras “cedo”
exije em certos momentos que o tradutor tome liberda- e “cedinho”, para a criação de um neologismo, “ce-
de artística. Na verdade, muitas vezes as soluções mais dão”. A força da lembrança de Lídia e a propensão do
criativas excedem as traduções literais por transmitirem narrador para evocar a memória emocional, destacam
o sentido e a atmosfera do original com mais precisão. a importância de aproveitarmos o momento presente.
Um desafio particular para os estudantes nesse senti- Além disso, o narrador sugere a consciência de Lídia
do, além da palavra “tratantes”, foi a expressão “vida à sobre a transitoriedade da vida. Depois de uma intensa
flor da pele”. Da oficina com a autora em 2017, percebi descrição dos prazeres de um café-da-manhã farto e
que a expressão ganhou uma dimensão muito mais sim- calórico, ficamos sabendo que para Lídia nada ia “im-
bólica para os estudantes do que para a própria autora. portar a esta altura”. Os estudantes perceberam, por-
A uma pergunta sobre as intenções por trás do uso da tanto, que a atmosfera emocional e sensorial do conto
expressão, Ana Maria Machado respondeu que “vida se condensa na expressão “vida à flor da pele”, pois as
à flor da pele” era uma expressão bastante corriqueira palavras “vida”, “flor” e “pele” reforçam o paralelismo
na língua portuguesa e seu uso não estaria relacionado entre o ciclo da vida das personagens e das plantas, a
necessariamente ao espaço físico do conto. dicotomia entre a morte iminente e a vida, que trans-
Sem querer discordar da autora, a expressão borda do corpo de Lídia através de recordações ale-
“vida à flor da pele”, como compreenderam meus alu- gres e prazeres sensoriais passageiros.
nos, encapsula a atmosfera emocional do conto. Como Reproduzo abaixo as soluções para a expressão
vimos acima, o carpe diem e a transitoriedade da vida da amostra de 27 traduções:
são temas importantes no conto. O narrador onisciente
descreve as recordações que trazem alegria e saudosis- Tabela 2: Soluções para a expressão idiomática “Vida à flor
mo para Lídia, como a memória das viagens e cafés-da- da pele”.
-manhã na companhia do marido e das noites em que a
neta dormia em sua casa. A primeira conversa descrita TC 01 As if she had thin skin, allowing her to feel life with exquisite
entre Lídia e sua neta é uma memória da qual a avó sensitivity.
claramente gosta muito. Lídia se encontra na mesma TC 02 Riding the crest of a wave.
situação que a neta. Acorda no meio da madrugada
82 83

TC 03 Wide open to life’s sensations. Muitos estudantes usaram a expressão “thin skin” (TC
TC 04 She made the most of every lovely second. 01, 08, 10, 12, 16). Segundo o Dicionário Webster onli-
TC 05 Sem tradução.
ne “thin skin” significa “a tendency to get easily upset
or offended by the things other people say or do”. O
TC 06 She still had a lot of life in her.
estudante TC 01 explicou que utilizou essa expressão
TC 07 The precious moments of life.
para se manter fiel à palavra pele: “after considering
TC 08 Bringing life to her thin skin. several options such as ‘sensitive’, ‘emotional’ or ‘thin-
TC 09 Life exposed openly. -skinned’”. E continua explicando que “this also plays
TC 10 Bringing life to the thin skin. on the fact that the children are moisturising the grand-
TC 11 Life in the most delicate form. mother’s skin”.
TC 12 Thin skinned.
Um outro grupo de estudantes investiu em so-
luções que reforçassem o papel do jardim como me-
TC 13 Such raw emotions straight from the tip of their fingertips.
táfora da natureza cíclica da vida e da unidade familiar
TC 14 Making the best out of her life.
transmitida pelo universo doméstico (TC 15, 16 e 27).
TC 15 And so she lay, fresh as a daisy A expressão “fresh as a daisy”, explica o estudante TC
TC 16 Her bare skin blossomed into life. 15, retém a qualidade idiomática do original e ainda
TC 17 It made her young again se beneficia “from the long-held association of daisies
TC 18 Far too much pleasure. with Freya, the Norse goddess of fertility, the basis from
TC 19 Youthful fingertips that brushed over her skin
which the flower has come to symbolize childbirth, mo-
therhood, and innocence in English-language literatu-
TC 20 Now this is living!
re (in Shakespeare’s Hamlet, for example, references
TC 21 Sem tradução
to daisy chains abound as symbolic of Ophelia’s inno-
TC 22 Life in its purest form. cence)”. TC 16 optou, por sua vez, por uma “exegetic
TC 23 Sem tradução translation, which ‘expresses and explains additional
TC 24 A sensory symphony. details that are not explicitly conveyed.’”8. “Her bare
TC 25 Sem tradução skin blossomed into life” perpetua a imagem floral e
TC 26 Sem tradução
ao mesmo tempo mantém a dicotomia entre a vida e
TC 27 Life in full bloom. 8
Nota de rodapé em TC 16: Shuttleworth & Cowie, Dictionary of Transla-
tions Studies, p. 53.
84 85

a morte. A inclusão de “bare”, segundo o estudante, frutas tropicais e hortaliças ludicamente personificadas,
“also insinuates the fragile vulnerability evoked by ‘flor de pés de alfaces e cenouras que possuem ombros e
da pele’”. cabeleiras verdes, encontramos uma profusão de flores
Por último, o estudante TC 02 anotou que “the que não necessariamente possuem correspondentes
original Portuguese implies a sense of unease, as the na língua inglesa.
ticklish nerves in Lydia’s feet anticipate and react to A experiência dos leitores brasileiros e anglófo-
stimulation, whilst simultaneously maintaining the une- nos será naturalmente diferente, pois algumas referên-
quivocally positive connotations that accompany her cias podem ser desafiadoras, sem uma nota explicativa.
state of ‘prazer profundo’. As such, the English terms No entanto, o leitor anglófono que se interessar pelo
life on the edge and senses on high alert overempha- conto de Ana Maria Machado provavelmente estará em
sise the sense of danger and bring unwanted negative busca de algum grau de imersão cultural. Desta forma,
connotations, channelling the meaning of the phra- domesticar excessivamente o texto talvez seja desacon-
se in an undesired direction.” Ele preferiu optar por selhável. O mais importante, quem sabe, seja encontrar
“riding the crest of a wave”, porque essa expressão um equilíbrio que mantenha o sabor exótico do texto
“achieves a balance between the almost euphoric sen- sem prejudicar sua compreensão. Além disso, uma tra-
se of profound pleasure and its precarious longevity, dução adequada deve potencialmente, como escreve
as the wave could break at any time, thus maintaining Elton Uliana em outro capítulo deste livro, viabilizar
the sense of threat conveyed in the Portuguese”. “imagens corriqueiras do jardim” e objetivar “uma vi-
são cultural da situação destas plantas dentro do ima-
d) Su­bstituições culturais ginário do leitor, pretendendo-se criar assim imagens
familiares ao leitor da tradução” (2021, p. 118).
O nome das flores Mesmo assim, como vemos nas soluções da ta-
bela 3, o espectro da transposição cultural variou do
“Tratantes” está repleto de itens culturalmente especí- exotismo, onde os nomes das flores não são traduzidos
ficos que representam mais um desafio para o tradutor e são destacados com itálico ou aspas, ao transplante
na busca da tradução mais apropriada para o inglês. O cultural, onde a palavra é inteiramente domesticada.
texto contém marcas culturais que transportam o leitor Por exemplo, a flor “marias-sem-vergonha” pode ser
para um ambiente doméstico em um sítio do interior facilmente traduzida em inglês por “busy Lizzies”. No
ou de uma vila de pescadores. Ao lado de árvores de entanto, o fato de serem chamadas “shameless Ma-
86 87

rias” em português é significativo: elas receberam esse


nome comum devido à sua capacidade de reprodução
e propagação, característica que o narrador explora no
texto. O uso da equivalência “busy Lizzies” exigiu de
todos os estudantes uma adaptação da descrição do
narrador, o que implicou na perda da conotação sexual
da flor no texto de partida.
Todos os estudantes, seguindo as recomenda-
ções de Michael Henry Heim, parecem ter julgado in-
dividualmente as palavras que deveriam ser dosmeti-
cadas ou estrangeirizadas, a fim de construir um texto

Tabela 3: Soluções para marias-sem-vergonha e manacás


que contivesse ambas as características (Heim, 2013, p.
89).
88 89
90 91

Em relação à “marias-sem-vegonha”, o estu- Muitas traduções mantiveram a palavra em português.


dante TC 25 escreveu em seu comentário que “when Em outras encontramos uma variedade de soluções:
confronted with translating the names of the flowers, “raintree plants”, “nightshades”, “petúnias”, “yester-
such as ‘tagetes’ and ‘marias-sem-vergonha’, I conside- day-today-and-tomorrows”, por exemplo. Apenas um
red the possibility of leaving them in the original Por- estudante (TC 01) inseriu uma frase explicativa para
tuguese. This was because I was primarily concerned contextualizar o leitor (Gill, 2009).
with conveying the singularity of the Brazilian domestic O estudante TC 16 ainda ressaltou que é ne-
sphere. To leave them in the original would ensure that cessário prestar atenção ao registro do texto ao esco-
the English version evoked the Brazilian essence of the lher a denominação mais apropriada para a planta na
original. However, it was necessary to find English al- língua de chegada: “‘Manacá’ required a more libera-
ternatives for the names of the flowers in order for the ted approach. Although commonplace in Brazil, this
text to make sense. This was especially the case with name fails to resonate in an English setting (nor is the
‘marias-sem-vergonha’ that ‘faziam justiça ao nome’. plant cultivated here). However, maintaining this ima-
In order for the flowers to do their name justice in the gery was crucial, since this specific flower changes co-
translation, it was inevitable that an appropriate English lour over three days. Thus, ‘os manacás’ become ‘kis-
epithet be found. I did consider ‘Touch-me-nots’, whi- s-me-quicks’, which is the most common terminology
ch is the literal translation of ‘marias-sem-vergonha’, for the aforementioned flower. Its old-fashioned tone
however this did not invoke the subsequent descrip- and register are also suitable for Lydia’s age group.”
tion of the flowers as ‘profusas e oferecidas’. Therefore,
‘busy Lizzies’ was my final choice because it was in kee- Alusões literárias
ping with the description of the flowers and is similar to
the Portuguese in its colloquial name. In the same vein, A alusão literária “Jacaré veio? Nem ele” é o primei-
I translated the other plant names in order to render ro obstáculo interpretativo e tradutório do texto, pois
the text familiar and domestic for the English reader. encontra-se logo no primeiro parágrafo. Trata-de de
Striking the right balance between retaining the Brazi- uma pergunta retórica seguida da resposta satírica de
lian and yet also accessible tone of the original proved Lídia, que traduz a frustação inicial da personagem com
to be challenging throughout the translation process.” o técnico e o marceneiro. Ana Maria Machado nos ex-
Ao contrário de marias-sem-vergonhas, “mana- plicou na oficina de 2018 que se trata de uma expres-
cás” não possui uma tradução em inglês e a opção pela são idiomática provinciana, pouco comum, usada em
etimologia latina prejudicaria o tom informal do texto. São Paulo, a qual foi cunhada por Mário de Andrade
92 93

em Macunaíma (1928). Analisando mais de perto a ex- the reader to read into any ‘regional’ or ‘class-based’
pressão, percebemos que Mário de Andrade utilizou a connotations of the characters within the story, a very
mesma estrutura sintática em vários trechos do roman- common issue when translating idiosyncrasies within an
ce, por exemplo, em “Porém jacaré abriu? nem eles!” individual’s language.”
(capítulo 4), “Porém jacaré acreditou? nem o herói!” TC 08 justificou a tradução de “Jacaré” por “Mr.
(capítulo 5), “Porém jacaré saiu? nem ela!” (capítulo 6), Fox” com base num argumento mais abrangente para
“jacaré achou? nem ele!” (capítulo 13), “Porém jaca- os nomes próprios do conto. O estudante explica que
ré fastou? nem tacho!” (capítulo 14). Evidentemente, “cultural transposition is similarly exposed in the way
a construção da expressão depende de um estrutura that the names have been changed. Translators have
sintática particular, da presença de “Jacaré” como par- agreed that there are, generally, two ways of transla-
te da interrogação e de uma resposta negativa que se ting names. Either the name can be left unchanged or
abre com o advérbio “nem”. A alusão literária em “Tra- it can be revised to imitate the conventions of the tar-
tantes” mantém essa estrutura e significa simplesmente get language. The latter is ‘tantamount to literal trans-
que ninguém apareceu para ajudar Lídia. lation, and involves no cultural transposition. It is a form
Como era de se esperar, traduzir essa alusão of exoticism in the sense that the foreign name stands
literária transformada em expressão idiomática foi um out…as a signal of extra-cultural origins’9, something
grande desafio para os alunos, sobretudo no primei- that, as previously mentioned, I wanted to avoid. By
ro ano que oferecemos as oficinas de tradução. Isso transforming the names to English phonology, (Lídia has
porque, na oficina de 2017, a alusão literária passou become Lydia to fit with the common English spelling,
despercebida, por mim e mesmo pela autora. Os es- Ernane has become Ernie, and Hermonia has become
tudantes construíram, portanto, uma gama de hipó- Harmony), a sense of empathy and cultural similarity
teses inventivas, muitas delas hilárias, como a de que between the reader and the characters has been crea-
“the Yacare caiman is common in Brazil and newspaper ted. Most prominently is perhaps the nickname ‘Jacaré’
articles reveal how the reptile often finds his way into which I chose to change to ‘Fox’ in order to maintain
suburban spaces” (TC 13). TC 04, por sua vez, “deci- the animal symbolism whilst simultaneously choosing a
ded to maintain this very idiomatic use of a nickname word that could be used as a name in England.”
for a handyman as I felt that I wanted to transfer some
of the texts idiolect in its true form, deciding finally to
9
Nota de rodapé em TC 08: Higgins, Ian. Haywood, Louise. A Course in
use, ‘Not even Jacaré turned up.’ I decided to avoid an Translation Method: Spanish to English (London: Routledge, 1995). A página
English equivalent such as, ‘a man in a van’, to evade da citação não foi fornecida pelo estudante.
94 95

Tabela 4: Soluções para a alusão literária “Jacaré veio?” As soluções de 2018 para “Jacaré veio?” se be-
neficiaram do esclarecimento da alusão literária feito
pela autora. A maioria dos estudantes substituiu-a por
expressões idiomáticas que sacrificavam a alusão literá-
ria, mas transmitiam o seu significado no contexto do
conto. “Did anyone come? Not a soul”, por exemplo
(TC 22), “was the most fitting option as it incorporates
a corresponding tone into the narrative, simultaneous-
ly making the character’s sense of solitude explicit, like
the original text, and also deploying a rhetorical ques-
tion which is rather characteristic of the English langua-
ge”. TC 19, por sua vez, “deemed necessary to include
further explanation that does not feature in the source
text. On a strategical level, in the absence of “Typical
no-shows”, the cause of the grandmother’s complaints
becomes ambiguous when the preceding remark is not
read in its intended sense. As a result, the inclusion of
Sem tradução
the explanatory remark both transmits the idea of repe-
Sem tradução titive carelessness by the handymen as well as encapsu-
Sem tradução lating the quintessential rant by a senior”. Finalmente,
TC 24 optou por “On her tod”, uma expressão igual-
mente pouco comum em inglés, para comunicar “the
same universal image of Lídia being all alone, and yet is
still remains entirely local to the reader”.
A primeira substituição da alusão literária a Ma-
cunaíma por uma do universo literário inglês ocorreu
num trabalho submetido no ano letivo de 2018-19.
O estudante procurou encontrar uma expressão
adequada que transmitisse ao mesmo tempo a refe-
96 97

rência literária do original e seu sentido no conto, che- manos. Foram os aspectos mais distintamente brasi-
gando à expressão “it was like waiting for Godot”, da leiros e autorais do texto os mais complicados de se
peça de Samuel Beckett, Esperando Godot (1958), uma traduzir.
referência suficientemente conhecida para produzir no Embora deva ser dito que o conceito de uma
público alvo um efeito semelhante ao do texto de par- tradução perfeita não existe, acredito que as diferen-
tida. tes abordagens proporcionaram aos estudantes, indi-
vidualmente, a melhor possibilidade para efetivamente
4. Conclusão traduzirem o conto de Ana Maria Machado para o in-
glês. Mais importante do que julgar as soluções e as
O estudante TC 13 comentou que entendia agora estratégias de cada estudante, ou mesmo o resultado
por que Abigail Lee Six definiu a sua tradução de Tor- final da tradução como um todo, é perceber a reflexão
mento, de Pérez Galdós, como uma relação de muitos por trás de cada solução, as quais, no conjunto, visam
meses (Six, 1997, p. 16): “This originally struck me as transmitir pelo menos alguns traços característicos do
strange yet, having now undertaken and completed my texto de partida e respeitar, ao mesmo tempo, as con-
translation of Ana Maria Machado’s ‘Tratantes’, an exer- venções da língua de chegada.
cise smaller in both scale and time, I now understand Do ponto de vista teórico, as oficinas de tradu-
the love-hate relationship between translator and text. ção colaborativa do conto “Tratantes” com a partici-
As “Tratantes” is riddled with stylistic idiosyncrasies pação da autora e as traduções individuais dos meus
and abundant cultural references, easy and equivalent alunos nos permitiram discutir algumas questões teó-
translations were as scarce as hen’s teeth.” ricas da tradução, como, a questão da equivalência e
Usando o significado fundamental da história da “intraduzibilidade”, assim como da domesticação e
como ponto de partida para governar a direção da tra- estrangeirização do texto de chegada. Tanto nas ofici-
dução, os estudantes delinearam em seus comentários nas quanto nos comentários dos alunos, ficou evidente
as decisões estratégicas que tiveram em mente en- que as soluções encontradas partem de interpretações
quanto tomavam decisões tradutórias pontuais, espe- únicas do texto, da consciência linguística e do reper-
rando assim produzir uma tradução coerente para seu tório cultural de cada tradutor. Como escreve Lawren-
leitor imaginário. Os temas universais de vida, morte, ce Venuti, “translation is imitative yet transformative. It
infância, velhice e jardinagem me pareceram ser mais can and routinely does establish a semantic correspon-
facilmente traduzidos, pois são fundamentalmente hu- dence and a stylistic approximation to the source text.
98 99

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16-21.
Independente das teorias de tradução que um tradutor
Spivak, Gayatri Chakravorty (2009), Outside in the Teaching Machi-
endosse ou rejeite, certas indagações de caráter em-
ne, London: Routledge Classics.
pírico permanecem inevitavelmente pertinentes, como
Tecchio, Iliane & Bittencourt, Marcelina Julia Gomes (2011), “A tra- por exemplo: “será que a tradução está indo longe
dução no ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras”, Revista demais?” ou “será que está indo longe o suficiente?”.
Magistro, 2(4), pp. 152-165, http://publicacoes.unigranrio.edu.br/ Como reconciliar estas questões tão inerentes à compe-
index.php/magistro/article/view/1471/765, acesso em 22 de junho tência tradutória, de maneira apropriada, equilibrada e
de 2021. desejável? Durante o tempo que trabalhei na tradução
Venuti, Lawrence (2004), The Translator’s Invisibility: A History of do conto “Tratantes”, de Ana Maria Machado, publica-
Translation, Shanghai: Shanghai Foreign Language Education do com o título “Flakes” no Alchemy Journal of Trans-
Press. lation (Alchemy, 2020), tive a oportunidade de abordar
pessoalmente a autora com essas e outras perguntas
Venuti, Lawrence (2019), A Thesis on Translation: An Organon for
igualmente relevantes, particularmente por se tratar de
the Current Moment, New York: Flugschriftencom, https://flugs-
um texto cujos aspectos linguísticos centrais parecem
chriftencom.files.wordpress.com/2020/07/flugschriften-5-lawrence-
rejeitar tradução, a começar pelo título. Este artigo
-venuti-theses-on-translation-v.2.0.pdf, acesso em 22 de junho de
tem como objetivo descrever minha abordagem para
2021. a versão inglesa da estória de Machado, assim como
Haywood, Louise; Hervey, Sánderl Higgins, Ian (1995), Thinking analisar procedimentos tradutórios fundamentais im-
Spanish Translation: A Course in Translation Method: Spanish to
English, London: Routledge. Venuti, Lawrence. Theses on Translation: Organon for the Current Mo-
10

ment. New York: Flugshriftencom, 2019, p. 8.


104 105

plementados no texto de chegada. Para isso, apoio-me português – tive mais uma vez o privilégio de discutir
amplamente no modelo metodológico definido por com Machado vários detalhes sobre seu conto, prin-
Andrew Chesterman em seu iluminador estudo Memes cipalmente aqueles que pareciam oferecer obstáculos
of Translation (Chesterman, 1997), particularmente com à tradução.11 Adequadamente, descobri que a autora,
relação a estratégias de tradução. Além disso, elucido dona de uma obra de mais de cem livros infantis e ga-
detalhes relevantes sobre a recepção do texto no siste- nhadora do Prêmio Hans Christian Andersen em 2000,
ma literário e acadêmico anglófonos. Tendo escolhido colabora frequentemente com seus tradutores, e entu-
a profissão de tradutor, e por isso não podendo con- siasmadamente encoraja-os a tomar decisões criativas,
tar com o luxo de me ver derrotado pelo que se mos- e muitas vezes de risco, para a resolução de aspectos
tra “resistente à tradução”, parte do meu argumento, “intraduzíveis” de seus textos. A experiência participa-
como já argumentei em outros lugares (Uliana, 2018), é tiva com Machado não poderia ter sido mais prazerosa
que não é necessariamente o “intraduzível” que repre- e frutífera, de fato, pude testemunhar não só a ativida-
senta um obstáculo para a tradução, mas sim a tradu- de de uma autora incomum, mas também de uma ex-
ção que constitui um impedimento irrevogável para o periente tradutora. Além disso, se é verdade que algo
“intraduzível”. pode ser considerado trivial neste complexo processo
Machado e eu nos encontramos durante um de relocação linguística e cultural de um texto que teve
seminário organizado pelo Departamento de Línguas sua origem em outro lugar, também é verdade que
Europeias, Cultura e Sociedade da University College uma das vantagens de se trabalhar com uma escrito-
London (UCL), onde a autora falava com alunos do úl- ra viva é que se pode perguntar até sobre os detalhes
timo ano de bacharelado em Língua Portuguesa e Es- mais aparentemente insignificantes do texto, o que foi
panhola sobre a tradução deste mesmo conto, que a muitas vezes o caso.
eles havia sido solicitada como parte de um módulo Como a questão da “intaduzibilidade” permeia
em tradução avançada, evento do qual eu participei minha análise, delineio de passagem aqui a ideia de
como estudante de mestrado em Estudos de Tradução Lawrence Venuti sobre o tema, uma idea cujos teo-
na mesma universidade. Um ano depois, em 2019, já res centrais são adotados neste trabalho (2019). Para
formado e membro colaborador e editorial do proje-
to Brazilian Translation Club, também afiliado à UCL 11
Para detalhes sobre o Brazilian Translation Club, acesse a publicação bilín-
– iniciativa criada para disseminar literatura brasileira gue da Revista Qorpus dos contos traduzidos dentro do projeto, revista pu-
blicada pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Tradução, da Uni-
em inglês e tradutores emergentes trabalhando com o versidade Federal de Santa Catarina: https://qorpuspget.paginas.ufsc.br/
files/2021/03/QORPUS_EDIÇÃO-ESPECIAL_BTF_FINAL.pdf?fbclid=IwAR-
0MuBAYEbtavgU2fXuxiBF0PlPHwkyx2qcjJAp9AnXAjVXZclNMypqbX6A
106 107

Venuti, assumir que algo é intraduzível significa endos- discurso, canaliza a visão do leitor ora para o ponto de
sar uma visão instrumentalista do ato tradutório. Neste vista do narrador, ora para o da protagonista, direcio-
cenário, a tradução é entendida como uma reprodução nando, e por que não dizer, desestabilizando o leitor
ou transferência de uma invariante, contida no texto em seu modo de acesso ao objeto intencionado. Esta
fonte ou causada por ele: um significado, uma forma sucessiva migração de perspectivas é um aspecto es-
ou um efeito invariante. E assim sendo, ocorre também trutural e crucial do conto, que fundamentalmente es-
uma rejeição do processo hermenêutico que toda tra- pero ter preservado na tradução. É importante ressaltar
dução envolve. Dentro da concepção deste trabalho, que, durante uma das minhas conversas com Machado,
se todo texto pode suportar interpretações potencial- constatei que a autora constrói sua linguagem narrati-
mente infinitas, então todo texto pode ser traduzido de va mais ou menos livremente, sem preocupação com
maneiras potencialmente infinitas. qualquer tipo de fórmula, e que apenas se torna cons-
“Tratantes” foi extraído do primeiro livro de ciente de certas técnicas, métodos teóricos e suas de-
contos para adultos de Machado, Contos Inéditos nominações no momento em que os críticos literários
(2012), um texto que apresenta a mesma inventividade as identificam, muitas vezes para a surpresa da própria
temática e formal que transformou sua autora em uma autora. Tendo dito isto, acho importante observar que
das mais conceituadas da literatura brasileira, e uma a tese de doutorado de Machado na França, orientada
das mais traduzidas também. A narrativa do conto, rea- por ninguém menos que Roland Barthes, envolveu uma
lizada na terceira pessoa, frequentemente e sem óbvia extensa pesquisa sobre diversos aspectos da obra de
sinalização autoral, passa por contínuas reconfigura- Virginia Woolf, autora reconhecida, entre outras coisas,
ções em focalização e voz, mudando constantemente pelo pioneiro uso do “discurso indireto livre” nas suas
de tempo e lugar, exteriorizando-se e interiorizando-se variações de “fluxo de consciência” e “monólogo inte-
imperceptivelmente, sem que se torne possível, mui- rior”. Portanto, é possível sugerir que este mergulho ri-
tas vezes, identificar com clareza quem está falando o goroso na obra de Woolf tenha influenciado Machado,
que, se a voz do próprio narrador, a da protagonista ou se internalizado no trabalho da autora, mesmo que
Lídia, ou se o que estamos presenciando é a intimida- de maneira inconsciente.
de do pensamento de um dos dois personagens ou, Crucialmente, o foco temático de “Tratantes”
até mesmo, dos dois simultaneamente. Esse método se manifesta tanto na história de uma mulher que, fra-
narrativo, que faz um uso sofisticado do “discurso in- gilizada, se aproxima da morte e candidamente, num
direto livre”, mesclando continuamente pensamento e processo de rememoração, se despede das coisas mais
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simples e belas da vida, quanto nos próprios limites e mente significa assimilação (Venuti, 2017). Minha “es-
possibilidades da linguagem em preservar tais memó- tratégia discursiva” (Baker: p. 31) visa a naturalidade
rias. Nesta mesma linha de complexidade, tanto temá- de expressão e fluência, mantendo aproximação for-
tica quanto formal, o conto é repleto de reminiscências mal e estilística do texto original, assim como corres-
familiares, de alusões a imagens subjetivas do lar, assim pondência semântica sempre que possível. Paradoxal-
como a pitorescos retratos da materialidade edênica da mente, entretanto, porque o português é uma língua
casa onde reside a protagonista, cenário constante da intensamente flexionada e o inglês muito pouco, sinto
estória. Isto inclui especificidades linguísticas e culturais que é justificável, em certos momentos, ceder a uma
que exigem cuidado atento e rigoroso durante o pro- espécie de “infidelidade criativa” não apenas do por-
cesso de tradução, de modo que que o texto se torne tuguês (Costa: p. 167), mas também das convenções
inteligível e interessante para o leitor anfitrião, presumi- linguísticas da língua inglesa, tentando não ir além das
damente de forma análoga à experiência do leitor ori- supostas restrições do léxico e da sintaxe geralmen-
ginal. Para que a magnífica estória de memória, morte te “permitidas” aos tradutores. Reconheço que, para
e relações familiares de Machado atinja seu potencial manter o caráter elusivo, melancólico e filosófico do
de impacto mais completo no público e mercado edi- texto de Machado, alguns ajustes desse tipo devem ser
torial anglófonos, ela deve mostrar, na minha opinião, implementados, de maneira que nem sempre o texto
fluência e coesão perfeitas em inglês, e, ao mesmo de chegada conforma plenamente com as normas e ex-
tempo, reter a qualidade meticulosamente descritiva e pectativas linguísticas de seu novo ambiente. Da mes-
poeticamente elusiva da prosa de Machado. Essas ca- ma forma, alguns desvios semânticos e de referências
racterísticas são, entre outras, o que tornam o trabalho intratextuais, como mudanças em pronominalizações,
da autora tão brilhantemente único e tão fascinante de visibilidade, repetições e conectivos podem ser obser-
traduzir. vadas em minha tradução, como passo a descrever a
Neste contexto, minha abordagem geral pode seguir.
ser concebida amplamente como “domesticação”. É “Tratantes” representa um desafio particular
interessante que, para teóricos como Venuti, tradução para tradutores por uma série de razões incomuns.
por definição é uma forma de domesticação: o tradutor Há uma quantidade significativa de jogos de palavras,
reescreve o texto original para torná-lo desvendável e trocadilhos e itens culturais. A palavra “tratante (s)”,
atraente para leitores que falam uma língua diferente por exemplo, aparece no texto com três funções se-
e vivem em uma cultura diferente, e isso necessaria- mânticas distintas e representa uma teia complexa de
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trocadilhos perceptivelmente elaboradas pela autora. tuação semiótica da palavra. Na segunda ocorrência, a
Esses recorrentes jogos de palavras no texto tornam-se palavra refere-se à pronúncia incorreta de “hidratante”
aspectos praticamente impossíveis de serem reprodu- (“creme” ou “loção”) por uma criança, tornando-se as-
zidos em inglês ou em qualquer outro idioma, mas isto sim, “tratante”:
não impede que eles sejam recriados de outra forma.
TP: – Mas só quando a gente acabar de passar tratante
Estratégias semântica-lexicais no seu pé – disse a menina, concentrada, a lhe espalhar
a loção perfumada pelo calcanhar.
Na primeira ocorrência da palavra, “tratantes”
significa alguém que não é confiável, uma pessoa com TC: – Great! But only after we finish putting this lotion
a qual não se pode contar: on your flaky skin – said the girl, as she smoothed the
scented lotion onto her grandma’s ankles.
Texto de Partida: A gente confia, espera, o tem-
po passa, não aparece ninguém. São todos uns tratan- Aqui, a adição do adjetivo flaky (escamosa, des-
tes. Incapazes de cumprir um compromisso. cascada) tem uma implicação substancial na imagem
que o texto cria. A imagem da pele da protagonista
Texto de Chegada: We rely on people, we wait, descascando está ausente no original e representa uma
the time passes, and no one ever shows up. They’re all tentativa de se criar uma ressonância com o uso ante-
flakes. Incapable of sticking to their word. rior de flakes, aludindo metaforicamente à ideia da vida
que se esvai e à morte iminente, temas que permeiam
Há aqui uma mudança de tropo (Chesterman: continuamente o texto. Este esquema apresenta ao lei-
p. 107), que embora seja do mesmo tipo que está pre- tor um item de conhecimento específico para ajudá-lo
sente no texto de partida, não apresenta relação lexical a fazer a ligação entre as aparições da palavra “flake”
com ele. Uso flakes como título do conto, assim como e suas variações no texto, condicionando desta forma
na primeira aparição de “tratantes” no texto – uma gí- o ponto de vista do mesmo de maneira que qualquer
ria inglesa que denota exatamente alguém que muda que seja a imagem individual e concreta que ela ou
de ideia toda hora, que não aparece para os compro- ele construa na mente, o conteúdo estará sendo guia-
missos, alguém de quem não se pode depender, uma do por esse esquema textual. Esta foi uma proposição
pessoa não confiável – abordando assim a primeira si- que tomei a liberdade de estabelecer para que alguma
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recuperação do jogo de palavras de Machado se evi- imagem da pele do pé de Lydia, que está descascan-
denciasse na tradução, uma estratégia que simultanea- do e sendo carinhosamente esfregado pelos netos com
mente subtrai e adiciona conteúdo semântico ao texto, o auxílio do “trantante” [moisturizing lotion], possa de
assim como recria um certo caráter lúdico característico alguma forma aludir de maneira afetuosa (e graciosa)
do original, tornando-se, portanto, parte de um proces- ao tema principal da estória, que é a morte da prota-
so de ressignificação, processo este que agradou bas- gonista. Pressionar um item lexical em uma “equiva-
tante a autora, para a felicidade do tradutor e do conto. lência presumida” (Levine: p. 67) desta maneira pode
Subsequentemente, quando Lídia, a protagonista, re- não ser o procedimento ideal num texto original, no
conta a passagem acima à sua filha, volto a reproduzir entanto, a tradução inevitavelmente modifica o lirismo,
essa estratégia, supostamente inscrevendo na tradução a aura semântica ou as imagens do original, e a ela,
uma simetria correspondente a do original com relação afortunadamente, sempre há a possibilidade de se in-
a este jogo de palavras e sua ressonância ao longo do corporar diferentes nuances e camadas de sentido que
texto: podem ou não estar presentes originalmente. De fato,
uma inesperada aliteração, bem recebida por Macha-
TP: “– E ainda me passaram tratante no pé, fizeram do, se faz ressoar em “flaky feet” como um elemento
massagem e tudo – contou a mais velha.” aural e semântico externo ao texto original, abrandan-
do, a meu ver, ou talvez desviando a atenção do fato
TC: “– They even rubbed moisturizing lotion into my de que a inserção de um termo como “flaky” neste
flaky feet and everything – said grandma.” momento da narrativa pareça um pouco forçada de-
mais, ou pressurizada, especialmente para leitores mo-
Para voltar a referir-me à palavra “flaky” posteriormen- nolíngues, sem acesso ao original. Vale a pena lembrar
te no texto, criando a chamada “simetria artificial” (Wri- que “Flakes”, em minha tradução, embora publicado
ght: p. 13) que sugere verbalmente, ou pelo menos apenas em formato monolíngue, foi acompanhado de
insinua, a situação textual a respeito da loção hidra- uma extensa “nota do tradutor”, elucidando detalhes
tante (“tratante”), presente com humor no texto fon- importantes sobre a composição do texto, como o
te, acrescentei a expressão “flaky feet” [pé escamoso], exemplo anterior.12 Essa segunda situação com a pala-
para que se pudesse fazer uma alusão não só ao título
e sua significação, mas também, tangencialmente, à 12
“Tratantes” foi publicado também com o título “(Mis)Treaters” na tradu-
própria ideia da morte. É concebível, a meu ver, que a ção de Bianca Costa Sales, Revista Qorpus, edição especial “Brazilian Trans-
lation Club”, vol. 11, número 1, Março 2021, Universidade Federal de Santa
Catarina.
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vra “tratantes” ganha seu efeito no texto de chegada – Grandma treated us to stories, and we treated grand-
com a inserção excessivamente consciente da palavra ma to a foot massage – explained the granddaughter.
“flaky” na descrição do pé de Lydia, que de outra for-
ma seria bastante normal, sinalizando assim um proces- Aqui há uma adição de informações novas não inferí-
so de tradução. Alguns leitores irão, sem dúvida, achar veis e consideradas relevantes para o leitor do texto
esse recurso absurdamente exagerado, talvez porque de chegada, mas que não está presente no texto de
o seja. Usando para meu resgate uma ideia que Terry partida. Para compensar a terceira situação semióti-
Eagleton aplica a formas narrativas, e a alargando aqui ca de “tratante”, incluí o verbo “to treat” [cuidar uns
para incorporar a “tradução”, a única tradução autên- dos outros/presentear uma pessoa, fazer um carinho]
tica seria aquela que é consciente de uma certa “falsi- em seu passado simples, que, a meu ver, é uma for-
ficação”, e que tenta se articular levando este fato em ma doce de inscrever uma ideia semelhante a ideia do
consideração (Eagleton: p. 107). Mesmo assim, talvez texto de partida, mesmo que perdendo um pouco a
seja verdade que a tradução neste momento tenha ido transparência do conceito. A perda ou mudança inevi-
um pouco longe demais. tável está na dissimilaridade entre “flake” and “treat’,
E, finalmente, quando o menino repete a pala- mas parafraseando a legendária tradutora Margaret
vra no final da história, a personagem a usa no sentido Jull Costa (Costa: 2013), o tradutor deve ser necessa-
de “cuidar”, “tomar conta” ou “tratar bem” um do ou- riamente um leitor exímio e atento, mas não se pode
tro. Uma vez que as camadas de significado elucidadas esperar que leia o futuro ou faça mágica. Em todo
pela palavra “tratante” são crucialmente importantes caso, espero ter restabelecido, o sentido de recipro-
para todo o desenho do texto, sugerindo, como fazem, cidade tão ternamente sugerido pela autora, que pre-
que há uma forma e simetria dentro do mundo ficcional tendi reforçar com a adição da expressão “to look after
da estória, decidi recriar em inglês duas das três analo- each other” [olhar um pelo outro/cuidar um do outro].
gias do original:
Estratégias sintáticas
TP: – A gente brincou de tratante.
– A vovó tratou da gente e a gente tratou dela – expli- O segundo aspecto bastante complexo da pro-
cou a irmã. sa de Machado está na constante “mudança na voz”
(Eagleton: p. 73) e no uso sofisticado do “discurso indi-
TC: – We played games and looked after each other reto livre” (Wood: p. 57).
well all day.
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TP: Um dia inteiro com eles. Um presente. as frases continuam correspondendo umas às outras,
mas suas estruturas internas mudam.
TC: A full day with the grandchildren. What a gift!
Quem está falando estas frases? Estaríamos nós dian- TP: Daí a pouco ia se levantar. Já estava sem po-
te da voz do narrador, ou seriam os pensamentos de sição na cama, virando de um lado para outro. Des-
Lydia? Esta inexequível subjetividade, tão meticulosa- de antes que os passarinhos começassem a cantar.
mente trabalhada neste e em outros lugares do texto, a
ponto de, em minha opinião, causar um efeito de natu- TC: A short while later she was ready to get up.
ralidade, é deixada em suspensão elusiva para o leitor She had struggled to find a comfortable posi-
preencher. Como comentou Virginia Woolf (Woolf: p. tion, tossing and turning from one side of the bed
174), a “forma duradoura da vida” não pode ser intei- to the other and had been doing so even befo-
ramente evidente na página impressa, ela é o produto re the birds had begun singing their morning song.
decorrente da interação entre leitor e texto. Ficcionali-
dade é a razão pela qual textos literários tendem a ser Uma série de mudanças similares na estrutura de fra-
mais ambíguos que textos não literários, e como Um- ses e sentenças foram implementadas (Chesterman: p.
berto Eco já dizia, o texto é uma máquina preguiçosa, 105), e podem ser observadas na leitura comparativa
ele exige que o leitor trabalhe. dos textos. Em muitos casos, o tom de frases inteiras
Nesta mesma linha de raciocínio, às vezes, me se torna amplificado ou amortecido, dependendo da
senti compelido a reinstaurar o nome ou denominação situação semiótica da narrativa, de acordo com o efei-
do personagem, assim como pronomes pessoais, com to que se queira atingir. Além disso, em concordância
mais frequência do que no original para maior clareza com a própria Machado, eu “anglicizei” (Wright: 149)
de expressão, particularmente quando o sujeito do tex- o nome da protagonista Lídia (Lydia) e mudei o nome
to em português está oculto no verbo, recurso não dis- de seu falecido marido Ernane para Ernest. É apropria-
ponível na gramática inglesa de modo geral. Nota-se do, a meu ver e neste caso específico, que tais nomes
também em vários momentos da tradução “mudanças próprios não chamem a atenção para si mesmos como
de unidade”, assim como “mudanças na estrutura fra- sendo de uma língua estrangeira no contexto da minha
sal” (Chesterman: p. 95), onde duas ou mais sentenças estratégia geral de tradução para esse conto. Meu prin-
do original se unem no texto de chegada, ou, ao con- cipal motivo para essa mudança é que um leitor inglês
trário, uma sentença do original se separa em duas na pronunciaria o “a” de Ernane não como uma vogal la-
tradução. Desta forma, no trecho abaixo, por exemplo, tina, mas como uma vogal inglesa, produzindo o som
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de “ei” em sua elocução, um fator que traria um caráter visão cultural da situação dessas plantas dentro do ima-
estranho ao texto, um texto que de fato poderia ser si- ginário do leitor, pretendendo-se criar assim imagens
tuado em qualquer lugar não especificado do mundo, familiares ao leitor da tradução. Obviamente esta es-
e não especificamente em um país de língua inglesa ou tratégia é apenas uma opção entre várias, pois acredi-
românica. to que ter optado por outros nomes comuns de flores
não teria diminuído a qualidade descritiva da tradução,
Filtro cultural mas como a própria autora salientou, ao reconstruirmos
esse caráter tão pitoresco do conto, já que o léxico in-
Uma quantidade significativa de “filtros cultu- glês nos permite, certamente adiciona-se refinamento
rais” (Chesterman: p. 108) foi implementada, como, por estético ao trabalho. Fundamentalmente, a voz de Ma-
exemplo, a substituição de nomes de plantas brasilei- chado será conhecida nesse conto através das minhas
ras por nomes ingleses de situação etimológica seme- palavras, e a meu ver, são detalhes como este que con-
lhante, ou seja, nomes que coloquialmente descrevem tribuem para uma representação mais autêntica e origi-
a planta ou flor real de uma forma ou de outra como no nal da voz da autora.
texto fonte: Um outro exemplo de filtro cultural, ocorre na
seguinte passagem:
TP: Que as marias-sem-vergonha no canto sombreado
junto ao muro faziam justiça ao nome, profusas e ofe- TP: Jacaré veio? Nem ele.
recidas por entre a folhagem. [...] os manacás ontem
roxos e hoje lilases, que amanhã estariam brancos. TC: Did anyone come? Not a soul.

TC: That the touch-me-nots in the shaded corner by the Aprendi com Machado que “jacaré” era um termo usa-
wall did justice to their profuse nature, growing wildly do frequentemente por Mário de Andrade para desig-
throughout the foliage. […] yesterday the kiss-me-qui- nar um sujeito inespecífico, como, por exemplo, o ter-
cks were purple, today they were lilac and tomorrow mo “malandro” ou “neguinho”, para mencionar apenas
they would be white. alguns casos semelhantes. Neste sentido, na tentativa
de render um termo que poderia ser considerado “in-
A expectativa e efeito potencial dessa manipulação é traduzível” sem o apoio de uma explicação dentro do
a emulação do aspecto composicional do original, que texto ou mesmo extratextual, decidi traduzir a passa-
viabiliza imagens corriqueiras do jardim e objetiva uma gem com um tipo específico de manipulação, para usar
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o conceito de Theo Hermans (Hermans, 2014), em que ração com o texto de partida envolve também proces-
desfaço a linguagem do original e refaço-a com o auxí- sos interpretativos, sendo que estes devem se relacio-
lio de uma expressão idiomática inglesa com significa- nar de alguma maneira com as ideias de equivalência
do semelhante, ou seja, uma pessoa inespecífica (“not que o analista-avaliador necessariamente, mesmo que
a soul”), no caso, a ausência desta pessoa. Se é verda- inconscientemente, terá em mente. Portanto, muitas
de que uma tradução não pode ultrapassar a sombra vezes, a interpretação do analista-avaliador é suprimida
de sua fonte, é justamente nesta sombra que se pensa e/ou privilegiada sob uma suposição de acesso direto
quando se fazem mudanças deste tipo, que embora ao texto fonte (Venuti: 2019, p. 7).
aparentemente dissociadas do original, se afastam dele Para finalizar, apresento alguns aspectos da re-
precisamente para alcançar um efeito supostamente si- cepção do texto na Inglaterra e nos Estados Unidos,
milar no leitor. que refletem opiniões de leitores especializados e não
Estas classificações propostas aqui, de manei- do público leitor em geral – ressalvo que a leitura crítica
ra bastante flexíveis, pois há momentos em que umas é uma atividade que demanda uma vigilância peculiar,
se entrelaçam com outras, são basicamente de três alerta ao tom, temperamento, passo, gênero, sintaxe,
tipos, como definidas anteriormente por Chesterman gramática, textura, ritmo, estrutura narrativa, pontua-
(Chesterman: pp. 87-113): sintáticas e/ou gramaticais, ção, ambiguidade – de fato tudo o que se enquadra
semânticas e pragmáticas. Todas elas estão centradas dentro do cabeçalho “forma”. Mas acreditamos que
em uma meta e na resolução de problemas, sendo que isto seja um excelente termômetro para a recepção
todas procuram conformar-se com normas de expec- mais abrangente do texto. Na ocasião da finalização
tativas do ambiente cultural e linguístico de chegada do trabalho de tradução de “Tratantes” e após a sub-
do texto. Todas elas fazem parte da minha estratégia missão do mesmo para a banca examinadora da UCL,
geral de manter correspondência semântica e proximi- trabalho submetido como parte da finalização de meu
dade formal com o texto fonte sempre que possível, mestrado, as seguintes apreciações foram feitas pela
sem que a versão inglesa perca fluência e legibilidade, Dr Ana Claudia Suriani da Silva, professora do módulo
musicalidade e ritmo, força e convicção. A importância de tradução avançada na Universidade, junto com seu
organizacional dessas estratégias se torna evidente no colega Dr Zoltán Biedermann, que deu nota ao traba-
momento da leitura, e pode ser ainda mais evidenciada lho como segundo leitor:
na leitura bilíngue dos contos, que aqui se proporciona.
Neste tópico, vale mencionar que qualquer análise ou Sua tradução é claramente de padrão
avaliação de uma tradução simplesmente pela compa- profissional. Não há erros de tradução e
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suas soluções para conceitos culturalmente foi selecionado e o mesmo nível de recepção pôde
vinculados (cheiro, por exemplo), jogos de ser constatado nas palavras de membros da audiência,
palavras e trocadilhos são extremamente todos tradutores e teóricos que avaliaram a tradução
imaginativas. Seu comentário mostra um após a apresentação. Para minha satisfação, o compo-
alto nível de consciência da difícil tarefa de nente emocional do final do conto que “colocou lágri-
produzir uma tradução que seja coerente mas nos olhos” de Biedermann, também comoveu a
em todos os níveis, desde a menor unida- plateia presente. Torna-se desnecessário dizer o quan-
de de tradução (a palavra) até o nível de to, como tradutor e por que não dizer, porta-voz de
todo o texto. Seu comentário é analítico e Machado neste ambiente anglófono, o reconhecimen-
apoia totalmente suas decisões de tradu- to foi bastante recompensador. E finalmente, a editora
ção; é bem argumentado e claro. É extre- Iliria Osum do jornal Alchemy, editado pela Universida-
mamente consistente e congruente com a de da Califórnia em São Diego, que publicou o conto
sua tradução real, que foi, “diga-se de pas- em 2020 juntamente com a nota explicativa do tradu-
sagem”, um imenso prazer de ler [minha tor, comentou que:
tradução] O conto “Flakes” de Ana Maria Macha-
(Dr Suriani da Silva) do, traduzido por Elton Uliana, explora, len-
ta e muitas vezes docemente a relação en-
Também fiquei bastante impressionado não tre uma avó e seus netos; a fascinante nota
apenas com a tradução (o parágrafo final do tradutor Uliana fornece uma perspectiva
colocou lágrimas em meus olhos), mas tam- adicional sobre a simplicidade enganosa da
bém com o comentário. história.
(Dr Biedermann)
Talvez seja verdade que “simplicidade” tenha sido usa-
Esses gratificantes comentários me levaram a submeter da aqui como uma característica não necessariamen-
“Flakes” para uma seleção de trabalhos a serem apre- te positiva ou desejável, pois logo a seguir a palavra
sentados oralmente durante o simpósio sobre tradução “enganosa” parece vir resgatar essa “simplicidade” e
“It’s Time to Talk”, em 2019 em Londres, promovido discutivelmente aproximar a descrição do conto a uma
pela Sociedade dos Autores (Society of Authors) e As- esfera cujos elementos sejam mais “complexos” ou
sociação dos Tradutores Britânicos (Translators Asso- “sofisticados”, ao contrário de “simples” – pelo menos
ciation), dais quais sou membro desde 2018. O texto foi esta minha primeira impressão. Assim como é verda-
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de que, para a leitora, não foi propriamente a tradução que nos encontramos pessoalmente, uma durante meu
o veículo que possibilitou a mudança da caracterização mestrado e outra como parte de um workshop do Bra-
da estória de “simples” para “complexa” ou “sofisti- zilian Translation Club, assim como serei eternamente
cada”, mas sim o comentário do tradutor. Neste caso, grato à autora por ter sempre atendido aos meus e-mails
não posso evitar uma certa sensação de que fiquei pronta e carinhosamente. Esperamos que “Flakes” seja
devendo para a autora, uma sensação que é aliviada apenas o início de uma parceria duradoura.
de certa forma pela frase “[o comentário] fornece uma
perspectiva adicional”, que parece sugerir que o tex-
to em si já engloba perspectivas semânticas e formais Bibliografia
que insinuam, demonstram ou pelo menos delineiam
esta “complexidade” à qual se refere a editora. Fora Baker, Mona. In Other Words: A Coursework on Translation. London:
esses relatos mais oficiais, “Flakes” foi lido por colegas Routledge, 2012.
e amigos que também gostaram muito da estória, e Chesterman, Andrew. Memes of Translation: The Spread of Ideas in
muitos deles se tornaram admiradores do trabalho de Translation Theory. Amsterdam: John Benjamins, 1997.
Machado. Costa, Margaret Jull. Mind the Gap: Translating the Untranslatable.
Embora algumas passagens do conto, parti- Em: Anderman, G. Voices in Translation: Bridging Cultural Divides.
cularmente onde a replicação do jogo de palavras do Clevendon: Multilingual Matters, 2017.
título se tornou impossível na língua inglesa, me impul- Costa, Margaret Jull. An Interview with Margaret Jull Costa. Condu-
sionaram para longe da situação formal e até semântica zida por Sanches, Julia & Bercobien, Megan. In: Asymptote. April
do texto original, este distanciamento se torna, se pres- 2013. Disponível em:
sionado a um certo extremo, uma forma de equivalên- https://www.asymptotejournal.com/interview/an-interview-with-
cia funcional, portanto não um distanciamento per se, -margaret-jull-costa/
mas uma forma de aproximação. Desta maneira, acre- Da Silva, Ana Cláudia Suriani et al (eds.). “Brazilian Translation Club:
dito que o significado de um texto literário não seja fixo Edição Especial” In: Do Amarante, Dirce Waltrick et al (eds.) Qor-
no sentido de ser inerente a um conjunto de palavras pus. 2021, vol. 11, número 1. Disponível em:
específicas que desconsidera o processo interpretati- < https://qorpuspget.paginas.ufsc.br/files/2021/03/Qorpus_espe-
vo. Se fosse este o caso, não haveria possibilidade de cial-BTC_FINAL.pdf >
tradução. Finalmente, foi um prazer indescritível e um Eagleton, Terry. How to Read Literature. New Haven: Yale University
privilégio enorme poder ter contado com a colaboração Press, 2013.
e o afeto de Ana Maria Machado durante as duas vezes Hermans, Theo (ed.). The manipulation of Literature. London: Rout-
126 127

ledge, 2104. TRATANTES


Levine, Suzanne Jill. The Subversive Scribe: Translating Latin Ameri-
can Fiction. Minnesota: Saint Paul, 1995. Ana Maria Machado
Machado, Ana Maria. Contos Inéditos. Rio de Janeiro: Editora Ob-
jetiva, 2012.
Machado, Ana Maria. Flakes. Trans. by Elton Uliana, Alchemy Não dormiu bem. Acordou muito cedo, toda
Journal of Translation, Winter, 2020. < http://alchemy.ucsd. suada. O ar condicionado não estava funcionando. Fa-
edu/2020/02/11/flakes/> zia um barulhão e não refrescava nada. O técnico já
Uliana, Elton. “The Concept of Equivalence in the Age of Transla- prometera umas duas vezes que viria e não apareceu.
tion Technology”. In: Arab World English Journal for Translation & Igualzinho ao marceneiro que garantira vir logo ver a
Literary Studies, vol. 2, no. 2, Maio 2018. Disponível em: porta do armário e acabar com aquele rangido desa-
<http://dx.doi.org/10.24093/awejtls/vol2no2.16> gradável toda vez que se abria. Jacaré veio? Nem ele.
Venuti, Lawrence. Translation Changes Everything. Abingdon: Rout- A gente confia, espera, o tempo passa, não aparece
ledge, 2013. ninguém. São todos uns tratantes. Incapazes de cum-
Venuti, Lawrence. “Translating Full Throttle: A Conversation with prir um compromisso.
Lawrence Venuti”. In: Peter Constantine (interviewer), World Litera- Daí a pouco ia se levantar. Já estava sem posi-
ture Today. 2017. Disponível em: ção na cama, virando de um lado para outro. Desde an-
+https://www.worldliteraturetoday.org/2017/november/translating- tes que os passarinhos começassem a cantar. Lembrou
-full-throttle-conversation-lawrence-venuti-peter-constantine > da neta e sorriu no escuro. Recordou como uma vez a
Venuti, Lawrence. A Thesis on Translation: An Organon for the Cur- menina lhe explicara que gostava de dormir em casa da
rent Moment. New York: Flugschriftencom, 2019. Disponível em: avó porque, se acordasse antes de todo mundo, tinha
<https://flugschriftencom.files.wordpress.com/2020/07/flugschrif- muito passarinho no quintal para ouvir. Aí ela tinha cer-
ten-5-lawrence-venuti-theses-on-translation-v.2.0.pdf> teza de que em pouco tempo clareava, porque já era
Woolf, Virginia. The Common Reader. London: Paladim, 1987. cedinho. Em sua própria casa, ela nunca sabia se já era
Wright, Chantal. Literary Translation. London: Routledge, 2016. cedinho ou se ia demorar muito a amanhecer e até os
pássaros estavam dormindo, porque ainda era cedão.
Pois nesse dia a avó acordara cedão, antes do
cedinho. E cansara de ficar na cama sem fazer nada. Re-
solveu ler um pouco. Acendeu a lâmpada na cabeceira,
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pegou a Bíblia, abriu a esmo, como às vezes fazia. Teve a conversa era silenciosa, com algum jornalista que ela
o cuidado de abrir mais para o princípio do livro. Dis- nem conhecia. Mas a refeição não precisava ser feita
traía-se mais com o Velho Testamento, aquelas histórias por ela. Já estava à sua espera sobre a mesa. Prontinha.
movimentadas, cheias de peripécias e traições. Com uma bela fatia de mamão já sem sementes. Com
Quando percebeu, já se passara um bom tem- manteiga, geleia e mel para o pão. E uma porção de
po. Chegava-lhe às narinas o chamado da refeição que comprimidos, os primeiros do dia, a lembrar aquilo
Hermínia preparava na cozinha. O aroma do café fres- tudo que não dava para esquecer.
co que se exalava do filtro de papel enquanto a bebi- A leitura se prolongou além da mesa. Prosseguiu
da pingava na garrafa térmica. O perfume das laran- na cadeira da varanda, sob o sol ameno da manhã. Os
jas recém-espremidas, que logo seriam refrescadas na destinos do país continuavam a preocupá-la. Não tinha
geladeira. E o cheiro tentador do toucinho derretido jeito, não conseguia se desligar dos acontecimentos
na frigideira, à espera de que ela se levantasse e seu que se sucediam, por mais que tivesse razões para só
bom-dia desse o sinal verde para que dois ovos fossem olhar para o próprio umbigo. Acabava se demorando
fritos. Ovos com bacon, colesterol puro. Durante tantos com o jornal. Depois foi dar uma volta no quintal. Sabia
anos Lídia se privara deles. Agora, de vez em quando que era um privilégio ainda morar na mesma casa em
deixava um bilhete para a empregada na véspera e se que criara os filhos e acompanhara cada planta crescer.
permitia de novo esse prazer guloso. Não era isso que Não abria mão de aproveitá-la. Em breve, quando se
ia importar a esta altura. Nada mais faria diferença, e fosse, os herdeiros a venderiam e dividiriam o dinheiro.
ela sabia disso muito bem. Talvez fosse essa a forma de que ela ainda continuasse
Levantou-se e foi lavar o rosto. Logo mergulha- a ampará-los.
ria na gema ensolarada o pão francês fresquinho e cro- Abriu a torneira, ajustou a força do jato que saía
cante, acabado de vir da padaria. da mangueira. Reduziu a água a um leve chuvisco que
Antes de sentar-se à mesa, pôs os óculos, esco- apenas borrifasse as folhas. Viu que o canteiro de tage-
lheu um CD (hoje Mozart), passou os olhos pela primei- tes e calêndulas continuava a se renovar em seu ama-
ra página do jornal. O de sempre. Mas levou-o para a relo dourado. Que novos vermelhos explodiam nos va-
mesa. Gostava de ler os artigos de opinião, acompa- sos de gerânios. Que as marias-sem-vergonha no canto
nhar um ou outro colunista. Quando Ernane era vivo, sombreado junto ao muro faziam justiça ao nome, pro-
os dois conversavam sobre as notícias enquanto toma- fusas e oferecidas por entre a folhagem. Conferiu os
vam o café da manhã que ela havia preparado. Agora, jasmins que haviam caído durante a noite; os manacás
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ontem roxos e hoje lilases, que amanhã estariam bran- almas e dedos infantis. Tênue mas capaz de a transpor-
cos. Constatou com alegria que em ambos os arbustos tar em prazer profundo, de carinho gostoso, ao mesmo
ainda havia botões, promessas de renovação no canti- tempo morno e fresco. Vida à flor da pele. Vontade de
nho perfumado que de noite a encantava. que não acabasse nunca.
Na horta, os ombros das cenouras já começa- – Hoje a gente pode ficar muito tempo. Não
vam a se mostrar, saindo da terra sob as cabeleiras ver- vai ter aula, é conselho de classe – informou o menino,
des. No mais recente canteiro de alfaces, alguns pés já como se adivinhasse seus pensamentos. – Dá para ficar
estavam quase no ponto de serem colhidos, talvez aju- o dia todo.
dados pela sombra rala do arbusto de fruta-de-conde, Um dia inteiro com eles. Um presente. Lem-
onde duas temporãs estavam vestidas por um saqui- brou-se de uma revista que costumava ler no avião, no
nho de pano que ela mesma preparara, em sabedoria tempo em que viajava muito para acompanhar Erna-
aprendida de sua avó, para que alguma eventual praga ne. Tinha uma seção chamada: “Um dia pleno”, com
não lhes atingisse a perfeição da forma ou a doçura do o roteiro de 24 horas intensas, aproveitando tudo ao
gosto. máximo, cada vez em uma cidade.
– Dona Lídia, as crianças já chegaram – avisou – Que bom! – saudou a avó. – Então vamos brin-
Hermínia. car de fazer coisas boas o dia inteiro.
Interrompeu a rega e foi até a varanda, onde – Mas só quando a gente acabar de passar tra-
os pequenos vieram encontrá-la, aos pinotes para os tante no seu pé – disse a menina, concentrada, a lhe
abraços e agrados matinais. Sentaram-se todos. espalhar a loção perfumada pelo calcanhar.
– Quer massagem, vó? – perguntou o neto, Não tinha pressa mesmo. Todo o tempo do
como sempre, sabendo que a resposta nunca deixava mundo ia caber naquele dia. Deixou-se ficar, entregue
de ser positiva. a cada segundo de carícias, de olhos fechados, ouvin-
– Vou buscar o tratante – anunciou a menina. do a conversinha dos pequenos, respondendo de vez
Num instante estava de volta, vidro de hidratan- em quando. Depois foi resolver um almoço especial, só
te na mão. Lídia deitou-se na rede, esticou as pernas, com coisa bem simples de que criança gosta. E banana
cada um se sentou de um lado e tomou um de seus frita de sobremesa. Com sorvete.
pés entre as mãos. Fechou os olhos e ficou sentindo as Enquanto não chegava a hora, ficaram no jar-
mãozinhas das crianças a espalhar a loção. Um levíssi- dim. Mexeram na terra, plantaram, limparam um can-
mo aroma de lavanda. Em toque ainda mais leve, de teiro. Examinaram minhocas e até um caracol. Depois,
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um bom banho. Na frente da televisão, ficaram vendo últimos dias.


desenhos até a comida ficar pronta. – Como é que acaba, vovó? – perguntou a me-
Barriga cheia, deu moleza. Lídia ia deitar um nina, de repente. – Eu dormi antes do fim da história.
pouco e sugerir que as crianças ficassem brincando por – Então eu vou contar, para você aprender e
perto. Mas o pedido da neta foi mais forte: um dia contar para a sua neta. Porque esta história eu
– Conta uma história… aprendi com a minha avó.
Ajeitaram-se todos na rede da varanda. Ela no E foi encadeando as palavras, enquanto a tarde
meio. De cada lado um neto, bem aninhado. O sono foi ia embora e a noite chegava, numa história que ia durar
chegando enquanto ela falava em príncipes e prince- mais que ela, e um dia, quem sabe?, talvez fosse con-
sas, das histórias que, em pequena, ouvira de sua avó. tada, em feitio de despedida, a uma menina pequena
Daí a pouco, as crianças ressonavam tranquilas. Ela lhes por uma mulher mais velha que se lembraria daquele
acariciou os cabelos, deu um cheirinho em cada um. dia pleno. Enquanto tivesse memória.
Acabou cochilando também.
Quando acordou, a filha estava de pé à sua
frente. Já era tarde, viera buscar os meninos.
– O que vocês fizeram o dia inteiro? – pergun-
tou ela.
“Fabricamos lembranças”, podia ser a resposta
que Lídia não chegou a dar, porque o neto foi logo
anunciando:
– A gente brincou de tratante.
– A vovó tratou da gente e a gente tratou dela
– explicou a irmã.
As duas mulheres sorriram.
– E ainda me passaram tratante no pé, fizeram
massagem e tudo – contou a mais velha.
A filha se sentou na cadeira de vime, segurou a
mão da mãe, ficaram conversando um pouco. Desde
menina, nunca se sentira tão próxima dela como nesses
135

FLAKES 13

Ana Maria Machado


Translation Elton Uliana

SHE DIDN’T SLEEP WELL. She woke up very


early, in a sweat. The air conditioning wasn’t working. It
would make a loud noise but nothing of fresh air. Twi-
ce the technician had promised to come and fix it but
never turned up. Just as the joiner had assured her that
he would come and have a look at the cupboard’s door
and finally put an end to that horrible creaking noise
that it made every time that it was opened. Did anyone
come? Not a soul. We rely on people, we wait, the time
passes, and no one ever shows up. They’re all flakes.
Incapable of sticking to their word.
A short while later she was ready to get up. She
had struggled to find a comfortable position, tossing
and turning from one side of the bed to the other and
had been doing so even before the birds had begun
singing their morning song. She thought of her grand-
daughter and smiled in the darkness. She remembered
how the little girl had once told her how much she en-
joyed staying at grandma’s house because if she awoke
before everyone else, she would hear lots of birds sin-
13
Source text: ‘Trantantes’, Ana Maria Machado, in Contos Inéditos, Ana
Maria Machado (Rio de Janeiro: Editora Objetiva), 2012.
Target text: ‘Flakes’, Ana Maria Machado, trans. by Elton Uliana, in Contos
Inéditos, Ana Maria Machado (Rio de Janeiro: Editora Objetiva), 2012.
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ging in the garden. On hearing their song, she could this point? She knew full well that nothing would make
be sure that it would soon lighten up outside as their a difference.
melody meant that dawn was already upon them. In her She got up and went to wash her face. Soon
own house, she never knew if dawn had already broken she would dip the crunchy French bread, fresh from the
or whether she would have to wait a while longer for the bakery into the sunny yolk.
birds to arise as it was still the early hours. Before sitting down at the table, she put on her
Well, on that very day, grandma had woken up glasses, chose a CD (today it was Mozart), and glanced
in the early hours, before dawn. And she was sick and over the front page of the newspaper. Like always. But
tired of lying in bed doing nothing. She decided to this time she brought the newspaper to the table. She
read for a while. She turned on the lamp which lay on liked to read the opinion articles, following one journa-
the bedside table, picked up the Bible and opened it list or another. When Ernest was alive, the two would
randomly, as she often did. She made sure to open it discuss the daily news over the breakfast that she used
somewhere near the beginning of the book. She found to prepare for them. Now the conversation was a si-
the Old Testament more entertaining, and spent lots of lent dialogue with some journalist whom she had never
time reading those lively stories brimming with mischief even met. But now at least she didn’t have to make the
and treachery, when she finally realised that a good meal herself. It was already on the table waiting for her.
amount of time had passed. The tempting fragrance All ready. With a nice slice of seedless papaya. With bu-
of the meal that Herminia was preparing in the kitchen tter, jam and honey for the bread. And a handful of pills,
wafted in. The aroma of the fresh coffee that evapora- the first dose of the day to remember all that couldn’t
ted from the filter paper as the liquid dripped into the be forgotten.
thermos. The perfume of the freshly squeezed oranges, Her reading surpassed breakfast time. She con-
that would later be left to chill in the fridge. And the tinued reading on the chair on the veranda, under the
tempting scents of bacon sizzling in the frying pan, all mild heat of the morning sun. The future of the country
awaiting Lydia’s morning call which would signify the worried her. There was no way out, she couldn’t ma-
go-ahead for her two eggs to be fried. Eggs with ba- nage to detach herself from the events taking place in
con, cholesterol on a plate. For so many years Lydia the country even though she herself had enough on her
had deprived herself of them. Now, from time to time plate. She ended up taking longer than expected to
she left a note for the maid the day before so that she read the paper. After that she went for a walk in the
could enjoy the indulgent treat. What would it matter at back garden. She knew that she was lucky to still live
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in that same house in which she had raised her chil- herself had made, a skill taught to her by her grandmo-
dren and where she had lived to see each plant grow. ther, to deter any pest from affecting the perfect form
She would not miss out on the pleasure of enjoying it. and the sweetness of its taste.
Soon when she would be dead and gone, the inheritors - Madam, the children have just arrived - Hermi-
would sell it and share the money amongst themselves. nia called.
Perhaps that was the only way that she could continue She stopped watering the plants and went to
to support them. the veranda where the children had come to find her,
She turned the tap on, adjusted the force of the full of beans waiting to receive their morning hugs.
jet that came out of the hose. She reduced the streng- They all sat down.
th of the water to a light drizzle that barely dampened - Do you want a massage, grandma? – her
the leaves. She noticed that the bed of marigolds and grandson asked, as he always did, knowing that the res-
daffodils had returned to their golden yellow colour like ponse would always be affirmative.
they always did. That vibrant reds had exploded in the - I’ll go and find the lotion - the little girl annou-
geranium pot. That the touch-me-nots in the shaded nced.
corner by the wall did justice to their profuse nature, In a snap of fingers she was on her way back,
growing wildly throughout the foliage. bottle of lotion in hand. Lydia laid down on the ham-
She checked the jasmines that had fallen during mock, she stretched out her legs, as the children sat on
the night; yesterday the kiss-me-quicks were purple, to- either side of her, and each took a leg between their
day they were lilac and tomorrow they would be white. hands. She closed her eyes and begun to feel the little
To her pleasant surprise she saw that both bushes still hands of the children rubbing the lotion into her legs.
had their buds, a sign of rejuvenation yet to come in the She smelt the faint aroma of lavender. Once again, she
scented corner that enchanted her at night. felt the tender touch of the children’s fingers around her
In the vegetable patch the shoulders of the car- legs. Gentle, but capable of provoking a deep pleasu-
rots had begun to show, sprouting from the ground re, every touch was full of affection, tender yet vigo-
surrounded by grass that looked like green hair. In the rous. Life in its plenitude. I wish it would never end.
newest bed of lettuce, a few gems were almost ready - Today we can stay longer. There’s no school,
to be picked already, perhaps helped by the dim shade it’s teacher’s training day – said the
provided by the sugar-apple bush, where two prema- boy, as if he could guess her thoughts. – We can stay
ture ones were covered by a little cloth bag which she all day.
140 141

A full day with the grandchildren. What a gift! - Tell us a story grandma…
Lydia remembered the magazine she used to read on They all got cosy in the hammock on the pa-
the plane when she accompanied Ernest on his busi- tio with grandma in the middle, all nice and snug. As
ness trips. There was a section called ‘A Whole Day’ she talked about princes and princesses, remembering
which detailed the schedule for a full-on 24 hours of from the stories that her own grandmother had told her,
activities, making the most of everything the city had to the children began to doze off. It didn’t take long befo-
offer, a new adventure in each edition. re they were fast asleep. Lydia stroked their hair, gave
- Excellent! – she said to the children. We can each a cuddle and ended up falling asleep herself.
play games and potter all day. When she woke up it was already late, her daughter
- Great! But only after we finish putting this lo- was standing in front of her. She had come to collect
tion on flaky feet – said the girl, as she smoothed the the children.
scented lotion onto her grandma’s ankles. - What did you guys do all day? – She asked.
Lydia wasn’t in a rush to go anywhere. She wanted to fit - ‘We made memories’, could have been the
all the time in the world into that one day. With every answer that Lydia didn’t get to say, because her grand-
stroke, she allowed herself to be transported to another son jumped in saying:
dimension, with her eyes closed, listening to the kids - We played games and looked after each other
talk amongst themselves, and answering them from well all day.
time to time. After that, she would arrange a special - Grandma treated us to stories, and we treated
lunch, full of the simple things that kids enjoyed. With grandma to a foot massage – explained the granddau-
fried bananas and ice-cream for afters. ghter.
While they waited, the children played in the The two women smiled.
garden. Digging the soil, sowing some seeds, and ti- - They even rubbed moisturizing lotion into my
dying up. They inspected earthworms and even a snail. feet and everything – said grandma.
After all that, a good wash was in order. They sat in front The daughter sat in the wicker chair holding her mo-
of the TV watching cartoons until lunch was ready. ther’s hand, and they chatted for a while. Since being a
Their bellies full, sure enough, they all felt lazy. Lydia little girl, she had never felt so close to her mum as she
was just about doze off for a nap and suggested that had in the last few days.
the kids carried on playing. But she couldn’t resist her - How does it end, grandma? Asked the girl su-
granddaughter’s request ddenly. I fell asleep before the end of the story.
142 143

- In that case I will tell you, so that you can learn publishing industry, it must display perfect fluency and
and tell your granddaughter one day, just as I learned cohesion in English whilst retaining both the meticulou-
this story with my grandmother. sly descriptive and poetically elusive quality of Macha-
And she did, weaving the words while the after- do’s prose. These characteristics are, amongst others,
noon faded, and the night came, in a story that would what make Machado’s work so brilliantly unique. My
last much longer then she herself. And one day, who ‘discursive strategy’ (Baker: 31) aims at naturalness of
knows, perhaps it would be told in the form of a fa- expression and fluency whilst maintaining formal and
rewell, to a little girl by an older woman who would stylistic approximation to Machado’s original text. Para-
recall this perfect day whilst she could still remember it. doxically, because Portuguese is an inflected language
and English is not, I felt justifiable to indulge at times in
some kind of ‘creative infidelity’ (Costa: 167) not only to
Portuguese but also to English linguistic conventions,
TRANSLATOR’S COMMENTARY hopefully not beyond the supposed restrictions on lexi-
con and syntax generally allowed to translators. I recog-
Ana Maria Machado is a prolific journalist and one of nise that in order to maintain the elusive, melancholic,
the most celebrated children’s writers in Brazil and her philosophical character of Machado’s text, some adjust-
stories for adults have captivated generations of rea- ments of this kind should be implemented.
ders. Her career spans from the mid-seventies until now ‘Tratantes’ pose a particular challenge for trans-
with over forty publications translated in a variety of lan- lators for a number of interesting reasons:
guages. During the years of 2013 and 2014, Machado 1. There is a significant amount of play-on-
presided the Brazilian Academy of Letters, of which she -words, puns and cultural items – to start with the
is an elected member since 2003. Contos Inéditos is title, the word tratante(s) appears in the text with
Machado’s first short story book for adults which I am three distinctive semantic functions and represent
honoured with the task of translating. a complex web of puns or play-on-words so per-
My overall approach can be thought of in a ceptively crafted by the author, one which is prac-
general manner as ‘domestication’ (Venuti 2013). If tically impossible to be reproduced in English or
Machado’s magnificent story of memory, family rela- any other language. In the first instance tratante
tions and death is to have any impact on the English means somebody who is unreliable, undepen-
audience and attract the attention of the Anglophone dable, or in a more contemporary slang, a ‘flaky’
person or ‘flake’. The second occurrence of the
144 145

word refers to a child’s mispronunciation of the cess one will inevitably loose in lyricism, semantic
word hidratante (‘hydration’- as in ‘moisturizing’ aura or imagery but nevertheless there is always
cream). And finally, when the boy repeats the the possibility of incorporating different nuances
word in the end of the story, the character uses and layers of meaning in the text which may or
it in the sense of ‘looking after’ or ‘taking care’ of may not be present originally. To compensate for
each other. Since the layers of meaning elicited the third meaning of tratante, I have included the
by the word ‘tratante’ is a crucially important to expression ‘looked after each other’, which, in my
the whole design of the text, suggesting, as they view, is a sweet way of inscribing similar idea in
do that there is a shapeliness and symmetry to the TT, even if loosing slightly the playfulness of
the fictional world of the story, I have decided to the concept. In any case, I hope to have re-stab-
recreate in English two of the three analogies of lished instead the sense of reciprocity so tenderly
the original by: (a) using ‘flakes’ as the story’s title, suggested by the author.
addressing the first semiotic situation in the text 2. The second complex aspect of Machado’s
(unreliable/undependable people). In order to re- prose in the constant ‘shift in voice’ (Eagleton: 73)
fer to the word again later in the text, creating an and the sophisticated use of free indirect speech
‘artificial symmetry’ (Wright: 13) which verbally su- (Wood: 57). I felt compelled at times to re-instate
ggests, or at least insinuates the textual situation the character’s name or denomination more often
concerning the moisturizing lotion (tratante) whi- than in the ST for clarity of expression, particular
ch is humorously present in the ST , I have added where the subject is occult in the verb, a feature
the expression ‘flaky skin’, so that an allusion not which is not available in the English grammar.
only to the tittle and its signification can be made 3. I have ‘anglicised’ (Wright: 149) the name of
but also, tangentially, to the idea of death itself. the protagonist Lídia (Lydia) and have changed
It is conceivable, in my view, that the image of the name of her deceased husband Ernane to Er-
Lydia’s skin which is flaking off and which is being nest. It is appropriate, in my view and this specific
tenderly rubbed by the grandchildren, can in case, that such a proper noun should not call at-
some ways allude to the main theme of the story tention to itself as being of a foreign language in
which is the protagonist’s death. Pressing a lexical the context of my translation strategies. My main
item into a ‘presumed equivalence’ (Levine: 67) in reason for this change is that that an English rea-
this manner might not be the ideal procedure in der would pronounce the ‘a’ of Ernane not as a
original writing, however, during a translation pro- Latin vowel but as an English one, a factor that
146 147

would bring an odd character to a text that could A LEITURA DE MUNDO DO UNIVERSO INFANTIL EM
be set in any unspecified place in the world, and CONSTRUÇÃO NA TRADUÇÃO LITERÁRIA
not specifically in a romance language country.
4. A number of phrase and sentence structure Gisele Marion Rosa*
change were implemented (Chesterman: 105) –
5. Substitution of Brazilian plant names by En-
glish ones which have similar etymological situa- A Literatura Infantil traz em sua composição
tion – names that colloquially describe the actual uma diversidade de valores e elementos culturais que
plant or flower in one way or another. podem ser lidos e interpretados em um contexto singu-
lar que combina realidade e fantasia a partir da visão de
Bibliography mundo de seu autor. Com isso, a linguagem caracterís-
tica desse universo, cujo público-alvo é a criança, ten-
Baker, Mona. 2012. In Other Words: A Coursebook on Translation.
de a ser multifacetada, pois agrega símbolos, imagens,
London: Roultedge.
construções lexicais peculiares, imaginação e muita
Chesterman, Andrew. 1997. Memes of Translation. Amsterdam:
criatividade com o objetivo de levar ao seu público-al-
John Benjamins Publishing.
vo, pela narrativa, histórias envolventes que colaborem
Costa, Margaret Jull. 2007. ‘Mind the Gap: Translating the “untrans-
na construção da sua leitura de mundo.
latable”’ from Anderman,G., Voices in Translation: Bridging Cultural
Desse modo, observamos que a produção lite-
Divides. Clevedon: Multilingual Matters.
rária brasileira contém obras narrativas voltadas à crian-
Eagleton, Terry. 2012. The Event of Literature. New Haven: Yale Uni-
ça que trazem em sua elaboração contextos relevantes,
versity Press.
de cunho social, que apresentam a esse público não
Levine, Suzanne Jill. 1995. The Subversive Scribe: Translating Latin
apenas um retrato histórico de sua própria sociedade,
American Fiction. Minnesota: Saint Paul.
mas desvenda as suas relações intrínsecas, muitas ve-
Munday, Jeremy. 2016. Introduction to Translation Studies: Theories
zes veladas no cotidiano do leitor. Isso ocorre através
and Applications, 4rd Edition. London: Routledge.
da construção de personagens, diálogos e símbolos
Venuti, Lawrence. 2013. Translation Changes Everything. Abingdon:
que decodificam essa realidade com qualidade estéti-
Routledge.
ca e significativa a ponto de ser traduzida para outras
Wood, James. 2008. How Fiction Works. New York: Picador.
línguas e culturas e, consequentemente, despertando
Wright, Chantal. 2016. Literary Translation. London: Routledge.
o interesse acadêmico em aprofundar reflexões e análi-
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ses daquilo que elas oferecem. Posto isso, destacamos em favor da formação de leitores com um discurso sóli-
como exemplo a relevância da obra Do Outro Mundo e do e de base igualitária em congressos, comitês, pales-
sua autora, Ana Maria Machado. tras, além de publicações em revistas e livros especiali-
Ana Maria Machado, aclamada escritora brasi- zados.
leira de Literatura Infantil e Juvenil, apresenta uma tra- Antes mesmo de conquistar o mercado editorial
jetória de vida e carreira literária que sempre estiveram com publicações próprias, Machado já era responsável
atreladas ao papel da leitura na formação do indivíduo, por despertar o interesse do pequeno leitor de gera-
ou em outras palavras, uma declarada militância da lei- ções anteriores pelos diferentes mundos que a litera-
tura em defesa de sua democratização da sociedade tura estrangeira é capaz de oferecer, graças à ponte
brasileira. Carioca, nascida em 1941 com formação uni- intercultural que construiu com as traduções literárias2
versitária em Letras Neolatinas, professora de língua e que acumula. A autora tradutora é responsável por uma
literatura no nível secundário e superior em terras brasi- invejável lista de publicações que permitiram que mui-
leiras e estrangeiras, essa pintora e jornalista, escritora tas gerações de pequenos leitores tivessem acesso, em
e leitora do mundo já percorreu as mais variadas áreas sua língua, aos universos fantásticos dos Irmãos Grimm,
de produção artística dentro e fora da literatura que Dickens, Mark Twain e tantos outros.
poderíamos ficar aqui tecendo, biografia e bibliografia, Dessa maneira, observamos que Ana Maria Ma-
em uma teia interminável - metáfora muito apreciada chado contribuiu com o enriquecimento e construção
pela escritora - um sem número de páginas afora. Sua da leitura pela tradução da Literatura Infantil estrangei-
produção literária não é somente vasta, com mais de ra em seu país e passou a, também, ter as suas obras
150 títulos e sete milhões de exemplares vendidos, traduzidas para diversas línguas nas últimas décadas,
mas também é reconhecida e premiada pela crítica es- especialmente para o espanhol e inglês. E como as
pecializada, por leitores nacionais e, também, interna- obras de outros autores de sua geração, suas narrati-
cionais1. Com isso, amparada por uma visibilidade além vas são consideradas referência para teóricos e críticos
das fronteiras, ela pôde dar início a uma luta incansável da Literatura Infantil, tal como Coelho (1993) e Lajolo
(1999), precisamente por apresentarem “uma intenção
1
Ana assumiu a cadeira de número um da Academia Brasileira de Letras
em 2001 e obteve o reconhecimento internacional de sua obra com a maior
de estimular a consciência crítica do leitor; levá-lo a
premiação do gênero, o Prêmio Hans Christian Andersen em 2000. Lygia desenvolver sua criatividade latente; dinamizar sua ca-
Bojunga (1982) e Ana Maria Machado são as únicas escritoras brasileiras
que receberam esse prêmio. Até o ano da premiação de Ana, somente três 2
A relação completa de suas traduções pode ser encontrada em: https://
autores do Hemisfério Sul haviam recebido este prêmio que equivale ao dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/AnaMariaMachado.htm
Nobel de Literatura do gênero infantil.
150 151

pacidade de observação e reflexão em face do mun- sentar a época da escravidão no Brasil. Há um resgate
do que o rodeia; e torná-lo consciente da complexa de caráter social e, também, uma releitura da história
realidade em transformação que é a sociedade onde brasileira a partir do contato dessas crianças com uma
ele deve atuar, quando chegar a sua vez de participar personagem que vivenciou outra realidade que, até en-
ativamente do processo em curso” (Coelho: 1993). tão, elas conheciam apenas nos livros de escola.
Logo, a partir dessa breve apresentação da tra- Por certo, trata-se de uma ficção histórica em
jetória literária de Machado, representante de uma ge- Do Outro Mundo, pois há uma fonte rica de imagens
ração de autores que mantém um “diálogo constante brasileiras reveladas por fatos conjugados ao compor-
com a sociedade, colocando em discussão aspectos tamento dos personagens que resultam em imagens
ideológicos” (Gregorin: p. 193) para o público infantil, nacionais de um Brasil escravocrata e anterior à realida-
destacamos a riqueza e relevância de Do Outro Mundo. de das crianças representadas na narrativa. Esta apre-
A obra nos auxilia a refletir sobre a pertinência da cons- senta, entrelaçada à sua ficção, fatos que aconteceram
trução de narrativas que levem ao leitor, em formação em nossa sociedade e revelam significativa parte de
de sua visão de mundo, temáticas sociais capazes de nossa história. Estão aqui presentes, portanto, imagens
transpor fronteiras nacionais, no momento em que são do Brasil a partir da visão de mundo da escritora e pos-
traduzidas para crianças em outros países e falantes de terior reconstrução pela tradutora.
outras línguas. Os personagens, com cerca de 11 e 12 anos de
O livro teve a sua primeira publicação em 2002 idade, faixa etária determinada para os leitores na edi-
pela Ática, e a sua tradução, From Another World, em ção brasileira, vão passar uns dias de férias em uma pe-
2005 pela editora canadense Groundwood Books, que quena propriedade que fez parte de uma grande fazen-
trabalha amplamente com o mercado editorial norte- da de café no passado, no interior de São Paulo, pois
americano. os pais de alguns deles resolveram transformá-la em
Posto isso, apresentamos o enredo do livro, que uma pousada para turistas da cidade. São eles, além de
trata da história de um garoto, contemporâneo à época Mariano, os irmãos Léo e Elisa e a amiga Terê que vão
atual, contada para o leitor em 1a pessoa. Essa história apresentando para o leitor urbano uma outra realida-
é repleta de mistérios e acontecimentos sobrenaturais de, muito mais colada na natureza, com descrições de
que o personagem principal, Mariano, viveu com seus lugares e atividades provenientes desse espaço rural.
amigos, em torno de outra personagem, Rosário, fun- Em meio à natureza e rotina tranquila, a autora constrói
damental no desenvolvimento da narrativa por repre- um verdadeiro locus amoenus, onde a turma de amigos
152 153

depara-se com fatos terríveis da época da escravidão “They passed a law against keeping old people
quando descobrem que eles ocorreram naquela mes- as slaves (...)”
ma fazenda, cuja senzala, agora um “puxadinho” refor- “Rosario’s story took place at the very end of the
mado da pousada, guarda segredos que precisam ser years of slavery. Because of the new laws, Sinho Peça-
revelados. nha, their master, couldn’t buy any new slaves.
Nesse momento, o leitor entra em contato com Since trading in slaves had been forbidden, and
marcas que garantem a historicidade da obra, como os the black market was being represssed (...)”
exemplos3 a seguir: “And they had told us at night in the senzala that
everyone was talking a lot about abolition, the end of
“Fizeram uma lei que proibia velho de ser cativo (...)” slavery”
“Essa época de que ela estava falando já era bem no From Another World, 75, 79, 94
final da escravidão.
O tal Sinhô Peçanha não conseguia comprar escravos Logo, observamos na obra traduzida o uso fre-
novos, porque o tráfico fora proibido e o contrabando quente de acréscimo (Aubert:1993) e/ou paráfrases
estava sendo reprimido (...)” como recursos tradutórios com o objetivo de preencher
“E tinham contado na senzala que todo mundo estava as lacunas que ficariam para o leitor estrangeiro, preci-
falando muito em abolição, no fim do cativeiro(...)” samente por desconhecer fatos de nossa história. Por
Do Outro Mundo, 53, 57 e 67 exemplo, em “O tal Sinhô Peçanha” e “Sinho Peçanha,
their master”, em que não há necessidade de relembrar
Há, como podemos ver, um entrelaçamento de o leitor da língua fonte que o personagem referido é o
fatos históricos com a própria história que a autora deseja senhor de escravos, pois a marca cultural está impressa
contar. Na tradução para o inglês, foi possível constatar, no termo “Sinhô”, este mantido no discurso traduzido,
pelo levantamento de várias dessas marcas históricas em o que acreditamos ser uma eficaz estratégia de expres-
nossa leitura, a tentativa sólida de resgatar no discurso sividade de nossa cultura para o leitor da língua meta.
traduzido aquilo que fora revelado para o leitor da língua Além disso, o suspense da história ocorre por
fonte. Vejamos os equivalentes aos trechos destacados: causa do primeiro contato que a turma faz com o fan-
tasma de uma garotinha escrava, Rosário, que se en-
3
Exemplos retirados da Dissertação de Mestrado orientada pelo Profº Dr. contra “presa” na área da antiga senzala. Ela vai reve-
Francis Henrik Aubert (FFLCH/USP): Rosa, G. (2011) “A Tradução Cultural: a
imagem brasileira em Do outro mundo de Ana Maria Machado”. lando aos poucos, nos vários encontros mediados por
154 155

um castiçal da época, que ela era viva e fora encontrado garantir que ele não seja esquecido. Carvalho (apud
pelas crianças no meio dos objetos guardados. Desse Pereira e Antunes 2004: p. 78) defende que é “reflexão
modo, quando as crianças acendem esse castiçal, ele sobre os valores do passado e do futuro, [que] permite
se torna um objeto mágico e simbólico, pela presença que a criança construa a sua própria identidade históri-
da luz que esclarece e ilumina suas consciências, e que ca”.
garante o retorno de Rosário para o mundo deles e, as- Assim, é possível estabelecer uma análise da
sim, tem o poder de revelar aos garotos as atrocidades narrativa em dois eixos principais, os fatos ocorridos no
cometidas naquele lugar. passado e os fatos do presente que resultam em uma
Notamos, aqui, uma relação direta entre o título promessa de mudança de comportamento dos perso-
do livro Do Outro Mundo com as diferentes interpre- nagens, a partir da consciência e reflexão de ambos e,
tações possíveis dentro da narrativa do texto no que consequentemente, do próprio leitor da obra: “ao dar
diz respeito aos “mundos” ou realidades divergentes voz à personagem infantojuvenil, deixando que ela re-
dentro da sociedade brasileira, isto é, a distância, os vele seus pensamentos; ao confrontar personagens de
desencontros ou a indiferença que coexistem histori- tempos distintos; e ao fazer com que o enredo mescle
camente, pelos fatos e consequências da escravidão, realidade com ficção.” (Antunes 2004: p. 84).
representados no discurso das personagens crianças. Vejamos os seguintes excertos retirados de des-
Por fim, em meio aos relatos de Rosário, uma crições do passado e do presente que apresentamos,
enormidade de marcas culturais, marcas que revelam brevemente, como forma de exemplificar essa linha de
parte da identidade brasileira, percorre a narrativa. análise que compõe parte de um estudo mais aprofun-
Além dos elementos da natureza, como as descrições dado (Rosa: 2011) sobre a tradução da obra.

. PASSADO
dos lugares, o livro vai apresentando a diversidade dos
costumes da sociedade contemporânea, como a rela-
ção das crianças com o meio urbano e rural em um eixo
sincrônico; mas também diacrônico, da época da escra- “(...) Rosário contou que ela e a mãe já tinha
vidão, como as atitudes de brancos e negros, pelo pon- nascido na fazenda, mas que a Vó Galdina ain-
to de vista de Rosário, uma criança que teria testemu- da era criança quando tinha sido laçada na África
nhado e sofrido esse momento histórico, e deixa para (...) onde fora vendida a um traficante. Falou dos
essa nova geração de leitores, representada pelas per- horrores da travessia do mar no porão do navio,
sonagens crianças, uma responsabilidade social para todo mundo amontoado, adoecendo (...) um fe-
156 157

dor incrível de vômito, mijo, suor, fezes, feridas had studied slavery in school, so what Rosario was
infeccionadas, tudo misturado. (...)” saying wasn’t exactly new. But it made me so mad,
Do Outro Mundo, p. 59. I couldn’t even speak. How can someone hand-
le that, being so angry about something and not
“(...) Rosario told us that she and her mother had being able to do anything?“
been born in Brazil, on the farm. But Grandma From Another World, 82.
Galdina was still a child when she had been cau-
ght in Africa (...) where she was sold to a dealer. Trata-se de uma sequência de trechos que descreve
She had told about the horrors of the sea journey uma imagem reveladora do passado brasileiro cujas
in the hold of the ship, everybody crammed in, atrocidades do período da escravidão não são mas-
getting ill (...) with the horrible stench of vomit, caradas, pois as crianças aprendem sobre esses fatos
piss, sweat, feces and infected wounds all mixed históricos na escola. Assim, revela-se a consciência dos
together. (...)” brasileiros, demonstrando também que haveria uma
From Another World, p. 82. “culpa” da parcela branca da sociedade que não repa-

. PRESENTE
rou efetivamente na grande parte da sociedade brasilei-
ra que descende dos escravos trazidos da África. Nesse
“Não posso falar pelos meus amigos ali ao lado, trecho, vemos que a autora faz um apelo à consciência
mas eu ia ouvindo aquelas coisas e morrendo do leitor, pelas palavras do próprio narrador e que é li-
de vergonha de ser branco e brasileiro. Já tinha teralmente recuperada na tradução: “e não poder fazer
estudado sobre a escravidão no colégio. O que nada?”/ “ and not being able to do anything?”.
Rosário estava contando não era exatamente Ademais, observa-se a presença do preconcei-
uma novidade. Mas me deixava uma revolta, que to social também nos seguintes trechos, cujo contexto
nem dá para explicar. Como é que a gente pode refere-se ao debate das crianças, no final da história,
aguentar isso, de ter tanta raiva de uma coisa e sobre as responsabilidades em relação a essa experiên-
não poder fazer nada? (...)” cia que viveram. Elisa e Léo, os personagens negros
Do Outro Mundo, p. 59. dizem:

“I can’t speak for my friends, but as I listened “(...) Um preto ou um mulato ser contra a escravi-
I felt so ashamed of being white and Brazilian. I dão é a coisa mais natural do mundo. Nós que fo-
158 159

mos escravizados. Não dá para esquecer nunca. no lugar dos próprios escravos, pela fala em 1ª pessoa
Mas vocês é que escravizaram e precisam lembrar do plural “Nós que fomos escravizados” e, consequen-
disso o tempo todo” (...) quando um preto ou um temente, dentro do mesmo raciocínio, uma declaração
mulato fala nisso, as pessoas não prestam muita que culpabiliza e atribui responsabilidade aos descen-
atenção. (...) Se quem faz a denúncia é alguém dentes dos brancos “vocês é que escravizaram, e pre-
mais clarinho, pode ser que o pessoal preste mais cisam lembrar disso o tempo todo”. Na tradução dos
atenção. (...) Todos nós rimos, mas sabíamos que respectivos trechos, notamos a omissão da 1ª pessoa
não era só uma brincadeira, que tinha um bocado do plural na fala das crianças negras, pois especificam
de verdade naquilo que o Léo estava dizendo.” serem os seus ancestrais os escravizados, entretanto,
Do Outro Mundo, p. 80. há uma equivalência literal que mantém a ideia do ori-
ginal no que diz respeito à parcela de culpa dos repre-
“(...) for a black person or a mulatto – someone sentantes da raça branca para uma situação negativa
from mixed blood like Leo and I – being against atual, como vemos em “Our ancestors were the ones
slavery is the most natural thing in the world. Our who were slaves”; e “you were the ones who enslaved
ancestors were the ones who were slaves. We can us, and your job is to remember that all the time”.
never forget it. But you were the ones who ensla- Entendemos, portanto, que essa tradução
ved us, and your job is to remember that all the reforça a representação de uma sociedade que convive
time. /(...) when a black person talks about slavery, com o preconceito racial, pois há uma divisão declarada
people don’t pay much attention. (...) But if the entre dois lados definidos pela cor da pessoa, branca e
person who fights for these issues has fairer skin, preta. Além disso, temos uma seleção lexical que pode
maybe people will listen more. (...) Everyone lau- ser utilizada de modo pejorativo na língua portuguesa,
ghed, but we knew it wasn’t just a joke. There was como “preto” e “mulato”; “clarinho” e “cara-pálida”,
some truth in what Leo was saying.” respectivamente para negros e brancos. Os equivalentes
From Another World, p. 109-110. selecionados foram “black person” e “mulatto”; “fairer
skin” e “pale face”. No caso do léxico “mulatto”,
Concluímos que esses excertos trazem refle- sabemos que já se encontra dicionarizado na língua
xões importantes e pontuais em que identificamos uma inglesa, porém, aparece no discurso traduzido seguido
noção de coletividade das crianças que representam os de um acréscimo “someone from mixed blood”.
negros e descendentes de escravos ao se posicionarem Em virtude da breve análise dos exemplos apre-
160 161

sentados, defendemos que a obra Do Outro Mundo tasse trazê-lo para a realidade ali tratada. Do mesmo
representa de forma contundente o trabalho exímio de modo, a escolha dos léxicos e a construção do sentido
Ana Maria Machado que buscou em toda sua produ- na tradução foram capazes de representar a busca no
ção textual formar leitores conscientes de sua realida- passado pelas razões e fatos que justificam problemas
de social, que se assumam defensores incansáveis da atuais, tais como o preconceito racial, temática central
igualdade de direitos tão necessária em momentos que da narrativa original, e indiscutivelmente presente na
ainda testemunhamos a democracia sofrer ameaças vi- sociedade atual do leitor tanto do texto fonte como
síveis, extremamente carente de uma fundamentação do texto meta. Logo, trata-se de uma colaboração re-
mais sólida e mais segura no nosso país. corrente de Ana Maria Machado, na autoria deste livro,
Por ser uma obra narrativa, como vimos, a Li- com a formação da visão de mundo e de consciência
teratura Infantil é dotada de uma mensagem a ser social, ao levar a realidade brasileira para outras fron-
decodificada, interpretada, que se apresenta em uma teiras e outros leitores, por meio da sua tradução, que
linguagem reveladora na sua maneira peculiar de ex- não compartilham do mesmo espaço físico e cultural
pressar os valores sociais, costumes e visão de mundo do texto de origem.
de uma sociedade. Portanto, o ponto crucial desta pro-
dução artística é que ela será compreendida por um
público leitor específico, exclusivo que, na verdade,
encontra-se em processo de formação como leitor e Bibliografia
como indivíduo. Assim, a importância em analisarmos
como a sua tradução foi construída revelou-se essencial Aubert, F. H. Em busca das refrações na literatura brasileira tradu-

para que seja possível refletir sobre os elementos tex- zida: revendo a ferramenta de análise. Literatura e Sociedade, v. 9,

tuais e imagéticos que os pequenos leitores formarão p. 60-69, 2006.

em sua leitura da representação cultural de um outro ______________ “Indagações acerca dos marcadores culturais na

país, seus valores e visão de mundo. tradução”. In: Revista de Estudos Orientais. Vol. 5. 2006. p. 23-36.

Em suma, observamos uma interessante relação Coelho, N. N. (1993) Literatura Infantil: Teoria. Análise. Didática. São

na tessitura da tradução de Do Outro Mundo que pre- Paulo: Moderna.

cisou transmitir fatos históricos do passado e presente, Gregorin Filho, J. N. (2006) “Literatura Infantil Brasileira: da colo-

construídos em uma linguagem simples, direta, dialo- nização à busca da identidade”. In: Via Atlântica (USP), v. n.9, p.

gando com o leitor, constantemente, como que se ten- 185-194.


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1976 – Publicou a tese Recado do nome sobre a obra
de Guimarães Rosa
1977 – Recebeu o Prêmio João de Barro com o livro
História Meio ao Contrário
1978 – Recebeu o Prêmio Jabuti
1980 – Chefe do setor de jornalismo do sistema Jornal
do Brasil
1980 – Recebeu o Prêmio Casa de Las Américas com o
livro De Olho nas penas
1981 - Recebeu o Prêmio Personalidade Cultural (União
Brasileira de Escritores)
1981 – Recebeu o Prêmio CREFISUL de Literatura
1993- Tornou-se Hors concours dos Prêmios da Funda-
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1994 – Recebeu o Prêmio Personalidade Cultural (União
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Brasileira de Escritores) 2012 – Recebeu o Prêmio Ibero-americano de Literatu-


1994 – Recebeu o Prêmio Adolfo Aizen (Literatura In- ra infantojuvenil da Fundação SM da Espanha
fantil e conjunto da obra, União Brasileira de Escritores) 2013 – Recebeu o Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bour-
1995 – Prêmio Internacional José Marti “Menção Espe- bon de Literatura pelo romance Infâmia
cial” 2016 – Recebeu o Prêmio FNLIJ (Fundação Nacional
2000 – Recebeu o Prêmio Hans Christian Andersen do Livro Infantil e Juvenil) na categoria Reconto Hors-
2001 – Recebeu o Prêmio Jornalista Amigo da Infância -concours, com o livro Histórias Russas
2001 – Recebeu o Prêmio Machado de Assis (Academia
Brasileira de Letras)
2003 – Eleita para a cadeira nº 1 da Academia Brasileira RELAÇÃO DE OBRAS
de Letras Livros
2003 – Recebeu o Prêmio Personalidade Cultural Inter- Machado, Ana Maria. Vestígios: contos. São Paulo:
nacional (União Brasileira de Escritores) Companhia das Letras, 2021.
2004 – Recebeu o Prêmio Vento Forte (Teatro Infantil) Machado, Ana Maria; Gwinner, Patricia. Raul da ferru-
2005 – Recebeu o Prêmio Mulher da Paz (Associação gem azul. Rio de Janeiro: Salamandra, 1979.
Mil Mulheres para o Nobel da Paz) Machado, Ana Maria. Era uma vez um tirano. Rio de
2006 – Recebeu o Prêmio Ibero-americano de Literatu- Janeiro: Salamandra, 1982.
ra Infantil e Juvenil - “Hors Concours” Machado, Ana Maria. Camilão, o comilão. Histórias de
2006 – Recebeu o Prêmio Mulher do Ano (Conselho recreio. Ilustração: Linares. São Paulo: Abril Cultural,
Nacional de Mulheres do Brasil) 1982.
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Brasileira de Filologia e Faculdade CCAA) tem segredos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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COLABORADORES Elton Uliana é um tradutor brasileiro radicado em


Londres. Ele tem mestrado em Estudos de Tradução
pela University College London (UCL) e um BA Hons
em Literatura Inglesa pelo Birkbeck College, University
of London. Ele é filiado à Translators Association UK e
Ana Cláudia Suriani da Silva é Associate Professor in membro do Out of the Wings Collective, um projeto es-
Brazilian Studies, University College London (UCL). É pecializado em pesquisas sobre tradução de teatro no
doutora em Letras Modernas e mestre em Literatura King’s College London. É o coeditor do Clube Brasileiro
Europeia pela Universidade de Oxford e mestre em de Tradução da UCL, um projeto criado para dissemi-
Teoria e História Literária pela UNICAMP. Sua pesquisa nar escritores brasileiros contemporâneos. Seus traba-
tem foco na relação entre os processos criativos de um lhos publicados incluem contos de Ana Maria Macha-
texto, seu gênero e meios de publicação, e na circulação do e Sérgio Tavares, peças de Caio Fernando Abreu,
de ideias entre a Europa e o Brasil através da imprensa. poemas de Gertrude Stein e John Milton, trabalhos de
É membro da rede internacional de pesquisa “Imprensa pesquisa em Teoria da Tradução e uma tradução para
e Circulação de Ideias: o papel dos periódicos nos o português de três peças do dramaturgo britânico
séculos XIX e XX” (CNPq, Casa de Rui Barbosa), lidera o Howard Barker a ser publicada em 2021, assim como
projeto de pesquisa “Mulheres na Imprensa Brasileira” uma coleção de poemas de Rufo Quintavalle.
(UCL, UNESP, UNICAMP), e coordena o SELCS Brazilian
Translation Club, uma série de oficinas de tradução
que tem como objetivo divulgar a literatura brasileira Gisele Marion Rosa é tradutora, mestre em Semiótica
contemporânea no mundo anglófono. Suas publicações e Linguística Geral na área de concentração de Estudos
incluem os livros Machado de Assis Philosopher or da Tradução de Literatura Infantil e Infantojuvenil pela
Dog: From Serial to Book Form (2010; publicado em USP. Sua produção bibliográfica é composta por refle-
português como Machado de Assis: Do folhetim ao xões acerca da tradução de literatura e linguagem dos
livro, 2015), Comparative Perspectives on the Rise of quadrinhos, além de traduções acadêmicas e de ficção
the Brazilian Novel (2020, com Sandra Vasconcelos) e infantojuvenil.
Cultural Revolution of the 19th Century: Theatre, the
Book-Trade, and Reading in the Transatlantic World Ingrid Bignardi é doutoranda em Estudos da Tradução
(2015, com Marcia Abreu). (PGET) pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Mestre em Estudos da Tradução (2018) pela UFSC. Li-
cenciada e Bacharel em Letras Língua Italiana e Lite-
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raturas pela Universidade Federal de Santa Catarina.


Atualmente é Editora Assistente da revista Cadernos
de Tradução. É também Editora Redacional e revisora
da revista Appunti Leopardiani. Além disso, desenvolve
pesquisas na área de História da Tradução, Literatura
Italiana e Estudos da Recepção.
Ana Maria Machado Entrevista foi composto nas fon-
tes Avenir e Copperplate, impresso sobre os papéis
Supremo 250 gramas e Avena 80 gramas, com tira-
gem de 500 exemplares para a Editora Medusa, em
Curitiba, Paraná, Brasil, na primavera de 2021.

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