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FRIEDMAN, S.

- TERAPIA FAMILIAR CON EQUIPO DE REFLEXIÓN – Una


práctica de colaboración. Trad. Zoráide Valcárel. Madri: Amarrortu Editores, 2005.

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PRIMEIRA PARTE. El Processo de Reflexión

1 – PROCESOS DE REFLEXIÓN – actos informativos y formativos.


Tom Andersen

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Processos reflexivos: atos informativos e formativos

Podem tomar emprestado meus olhos, porém não devem tirá-los!


Tom Andersen

No que diz respeito à psicologia do ato criativo em si, tenho mencionado os


seguintes aspectos inter-relacionados: a mudança de atenção para algo
não observado previamente, que era irrelevante no contexto antigo e é
relevante para o novo; o descobrimento de analogias ocultas, o trazer à
consciência axiomas tácitos e hábitos de pensamento que estavam
implícitos no código e dados como certos, a revelação do que sempre
esteve lá.

Isto leva ao paradoxo de que quanto mais original for uma descoberta,
mais óbvia parecerá mais tarde. O ato criativo não é um ato de criação, no
sentido do Antigo Testamento. Ele não cria algo do nada: revela,
seleciona, reorganiza, combina, sintetiza fatos, idéias, faculdades e
habilidades preexistentes. Quanto mais familiar são as partes, mais
surpreendente será a nova totalidade."
Arthur Koestler (1964, pg. 119-20)

Minha maneira de falar da origem e desenvolvimento dos processos


reflexivos mudou ao longo dos anos. A princípio teu costumava me referir a
teorias, como se estes processos tivessem nascido da inteligência. Agora
não penso assim. Acho que foram principalmente consequências de
sentimentos. Embora eu não estivesse ciente disso quando apareceu pela
primeira vez o processo reflexivo em março de 1985, hoje penso que foi
uma solução para o malestar que sentia como terapeuta. Ser terapeuta é
antes de tudo, estar com os outros, e é difícil estar com outro, quando esse
estar juntos se torna desconfortável a ambos.

Este começo bastante pessoal poderia indicar o valor limitado que este

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capítulo talvez tenha para aqueles que preferem descrições objetivas. No
entanto, espero que aqueles que são atraídos pela tradição hermenêutica
e sua premissa de que o conhecimento está ligada ao contexto, ao tempo
e à pessoa, considerem-no de valor menos limitado. Começo por referir-
me brevemente ao círculo hermenêutico.

O Círculo hermenêutico.
Este conceito foi discutido por dois filósofos alemães Martin Heidegger e
Hans-Georg Gadamer (Wachthauser, 1986, Warnke, 1987). Segundo eles,
o que chegamos a compreender é determinado em grande parte pela vida
que temos vivido. Essa vida já vivida nos deu uma variedade de
pressupostos gerais, ou seja, pressupostos sobre como podemos
compreender melhor aos seres humanos.

Gadamer diz que, inevitavelmente, somos preconceituosos; quando nos


encontramos com uma pessoa à qual temos que entender, nós já
começamos a entendê-la mesmo antes de havermos nos encontrado com
ela. Gadamer chama isso de "preconceito" e Heidegger chama de
"compreensão prévia". Alguns supõem que (ou seja, trazem consigo o
entendimento anterior de que) as palavras e os atos de uma pessoa são
gerados a partir de seu "núcleo interno". Quem inicia o relacionamento
com uma pessoa levando consigo este conhecimento prévio, busca no
comportamento desta pessoa sinais que reflitam e indiquem a dinâmica do
suposto núcleo inerior. Uma alternativa à compreensão prévia de um
núcleo interior é a de que o centro de uma pessoa está fora dela, na
linguagem e nas conversações em que participa. A melhor maneira de
entendê-la é se concentrar em suas conversações e em sua linguagem.

Estes são apenas dois exemplos dos diferentes entendimentos prévios de


seres humanos que existem. Quando tentamos compreender o outro (no
âmbito dos nossos entendimentos anteriores), poderemos ver ou ouvir algo
que não tínhamos visto ou ouvido antes. Essa nova informação pode ser

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oposta aos nossos entendimentos anteriores, matizando-os ou mesmo
modificando-os. Denomina-se círculo hermenêutico à influência do
entendimento anterior sobre a compreensão atual e à que esta última
exerce sobre a primeira quando difere dela.

Outros Preconceitoss
O conceito de entendimento prévio não se aplica apenas à compreensão
dos seres humanos, mas a todos os fenômenos que devemos entender
(ou seja, dar-lhes um sentido), incluindo os processos reflexivos, o
escrever sobre tais processos ou a leitura qu o outro faz do escrito.

Meu entendimento prévio é que há muita diferença entre os processos


reflexivos e o que eu escrevo sobre eles. Esses processos englobam
muito mais do que jamais poderei ver ou ouvir. Portanto, o que eu escrevo
é uma versão simplificada e tem a ver com o que eu considero útil
observar e ouvir (de acordo com minhas compreensões anteriores). Para
explicar o que vi e ouvi, emprego minhas metáforas e minha linguagem, e
nunca posso dar como certo que minhas palavras evocarão nos leitores as
mesmas imagens e pensamentos que evocam em mim
Neste capítulo, me expressarei em uma linguagem a mais próxima
possível da linguagem cotidiana das pessoas "comuns". Meu preconceito
é de que os leitores me interpretarão no âmbito de seus preconceitos e um
capítulo como esse poderia proporcionar-lhes uma oportunidade para
refletir sobre seu próprio trabalho e suas compreensões prévias.

Um Matiz
O "objetivo" deste capítulo não é apenas descrever os processos
reflexivos, mas também os contextos em que esses processos surgiram e
evoluíram. Dado que minhas póprias compreensões prévias fazem parte
desses contextos, dedico algum espaço para esclarecer de que modo o
fazer parte de diversos processos reflexivos voltou-se contra meus
preconceitos e meu ser-no-mundo como terapeuta, matizou-os e mudou-

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os. Os processos reflexivos podem ser visto como círculos hermenêuticos.

Percepção das sensações de incômodo


Esta seção versa sobre o corpo e os sentimentos, por isso talvez para
alguns vai parecer fora do contexto. Se assim for, proponho que passem
diretamente para a introdução dos processos reflexivos (seção "Duas
Introduções").

Na condição de médico rural residente no norte da Noruega, aprendi a


conhecer o cotidiano das pessoas e as enfermidades físicas mais comum.
A dor persistente ou grave e rigidez em diferentes partes do corpo
(pescoço, ombros, costas, etc.) eram as queixas mais comuns na prática
geral, mas eram "demasiadamente comuns" para interessar à academia. A
escola de medicina na qual estudei não nos preparou como médicos, para
tratar essa situação, deixando-nos à deriva com nossas incertezas. Eu tive
a sorte de encontrar a fisioterapeuta norueguesa Gudrun 0vreberg, que
me apresentou à sua professora, Aadel Bîlow-Hansen, outra fisioterapeuta
norueguesa. Ambas me permitiram examinar um mundo que até então eu
não tinha investigado. A experiência ensinou Bülow-Hansen que a
respiração e o movimento são dois aspectos cruciais da vida; a nossa
respiração influi em nossos movimentos e estes influenciam naquela. Na
língua norueguesa há duas palavras para designar respiração: uma, a
mais fisiológica ("a puste"), significa "respirar", a outra, talvez mais solene
e sagrada, ("a ande") significa "alentar" [to spirit]. Quando alguém morre,
nós noruegueses quase sempre dizemos que "expirou". Também dizemos
que aspiramos o ar fresco das montanhas ou de outros locais
semelhantes. Ser-no-mundo é ser-respirando. Todas as expressões, todas
as palavras que emitimos coincidem com a fase de exalação; nosso riso
anuncia nossos sentimentos alegres; sentimentos tristes despertam
nossas lágrimas; nossos gritos transmitem sentimentos de raiva, e assim
por diante. E todos os pensamentos, sentimentos e sensações são
trazidos para o primeiro plano durante a expiração

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Nossos movimentos, por vezes delicados e sutis, às vezes, bruscos e
grosseiros, fazem parte da interação entre os músculos que se estendem
várias partes do corpo (por exemplo, joelho) e os que as flexionam. Os
extensores localizados na parte da frente do joelho e os flexores
localizados atrás, são antagonistas. Quando ambos trabalham sua ação
comum equilibra o joelho. Precisamos de todos os extensores e flexores,
para equilibrar as diversas partes do corpo para caminhar, sentar, levantar,
girar, e assim por diante.

Bülow-Hansen observou que quando uma pessoa passa por um período


difícil (por exemplo, quando está preocupada, irritada ou triste e não quer
que os outros precebam) seu equilíbrio se ressente, no sentido em que os
músculos flexores aumentam sua atividade limitando os extensores. A
pessoa tende a "enrolar-se" e o corpo tende a "fechar-se". A maioria dos
leitores provavelmente já viu pessoas que cruzam os braços sobre o peito
e se inclinam para a frente, "fechando" o corpo. Nesse ato de fechamento
intervém os flexores dos braços, a frente dos ombros, a nuca, o estômago
e a parte frontal da bacia.

Bülow-Hansen aponta que quando os músculos extensores são contraídos


simultaneamente contrai-se a respiração. Aprendeu que se ela conseguia
ajudar uma pessoa a se alongar e abrir o corpo, algo interessante
acontecia. Quando estiramos o corpo, produz-se uma inalação
espontânea, essa inalação é acompanhada por um certo desejo para
continuar se estirando, o que estimula maior inalação. Este ciclo continua
até que o tórax se enche de ar; em seguida, quando o ar sai dos pulmões
passivamente, parte da tensão desaparece em todos os músculos
(incluindo os flexores). Nesse processo de alongamento, respirar e liberar
a tensão, o equilíbrio muscular em todo o corpo se modifica. Por vezes,
pode-se ver uma mudança na posição do indivíduo

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Observar atentamente este processo, a fim de escrever um livro sobre ele,
contribuiu para algum conhecimento "formigar" sob a minha pele.
Enquanto escrevia o livro, entre 1983 e 1986, comecei a perceber
gradualmente que a maneira como Bülow-Hansen trabalhava, determinava
o quê ela pode afetar. E a sua maneira de trabalhar era em relação com
o outro.
Uma das maneiras em que induzia o outro a alongar uma parte do corpo
era apertando com a mão um músculo tenso (por exemplo, o joelho) até
causar dor. A dor é seguida por um alongamento espontâneo (do joelho) e
uma inalação subsequente. Quando a sua mão era muito suave, Büllow-
Hansen não podia ver qualquer outra resposta na respiração. Se a sua
mão apertava um pouco mais, causando mais dor, ela via um aumento na
inalação, seguido pela expulsão de ar durante a fase de expiração. No
entanto, se sua mão agia com demasiada força, causando muita dor ou
apertando por muito tempo, o outro inalava de maneira aflita , em seguida,
retinha o ar como se aferrando a ele, em vez de expulsá-lo. Bülow-Hansen
efetuava o processo observando constantemente a respiração do outro. Se
visse que a respiração não aumentava em absoluto, sua mão trabalhava
com maior dureza; se via cortar a respiração, porque sua mão era muito
forte, afrouxava imediatamente a pressão.

Isso me ensinou pelo menos duas coisas. Primeiro, permitiu-me visualizar


as idéias de Gregory Bateson sobre a mudança. Bateson entendia a
mudança como uma diferença que ocorre ao longo do tempo. Também
entendia que uma diferença não vem sozinha, mas em conjunto com
outras diferenças, por exemplo, se a temperatura cai, pomos um casaco.
Como disse sinteticamente Bateson (1972) em sua famosa declaração:
"Uma diferença que faz diferença" (p. 453). A declaração de Bateson e o
trabalho de Bülow-Hansen me ensinaram que há três diferenças, das quais
só uma faz diferença. O excessivamente habitual não faz diferença. O
excessivamente inusitado também não faz diferença. O adequadamente
inusitado faz uma diferença. Essas variações podem ser aplicadas

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livremente em muitas situações e circustâncias, inclusive nas
conversações.

A outra coisa que eu aprendi com Bülow-Hansen era que ela olhava (eu
suponho que também ouvia e talvez até mesmo cheirava) como o outro
respondia às suas mãos antes de continuar a trabalhar. Aplicada à
psicoterapia, isso significa que tenho que esperar e ver como o outro
responde ao que eu digo ou faço, antes de dizer ou fazer em seguida. O
que eu diga ou faça a seguir deve ser influenciado pela resposta do outro
ao que eu acabei de dizer. Tenho que prosseguir devagar o suficiente para
poder ver e ouvir o que é para o outro, participar na conversação

Se é algo muito incomum, ele se sente desconfortável e me avisa por um


ou mais sinais. Há muitos sinais, e apenas mencionarei brevemente alguns
exemplos que lembrarão aos leitores o que eles já sabem: falar menos,
baixar ou desviar o olhar, transmitir a sensação de que seria melhor
abandonar a conversa do que continuar a participar na mesma, etc.
Podemos ver que o outro sente desconfortável.

Podemos também observar a nossa própria sensação de incoômodo


quando forçamos outra ou outras pessoas para participar de algo muito
incomum para elas. Se percebermos isso o nosso corpo nos avisará.
Quanto eu estou preocupado, experimento esse sentimento por trás da
parte inferior do meu externo. Alguns dizem que sentem no estômago,
outros por trás dos olhos, testa, na região lombar, etc

Duas Introduções
A idéia de que as conversações terapêuticas eram algo adequadamente
incomuns para o outro, serenou o ambiente daquelas em que participei.
Essa idéia foi um dos dois prelúdios para a formação da primeira equipe
reflexiva, em março de 1985, e eu acho que isso influenciou o segundo
prelúdio, ou seja, uma nova maneira de propor intervenções.

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No começo nossa equipe atendia segundo o modelo de Milão, mas em
1984 houve uma mudança na forma como intervir. Começamos a dizer às
famílias: "Além de o que você viu, nós vimos isso" e "Além do que você
tentou fazer, pode tentar isso (nossa sugestão)"

A intenção era destacar que as considerações que a família fazia eram tão
valiosas como as nossas. Anteriormente tínhamos uma tendência para
tentar encontrar as intervenções corretas, e se as famílias discordavam
destas, facilmente se instalava uma disputa: ou tinham razão as famílias,
ou nós. A mudança da antiga posição e/ou para a nova posição de
ambos/e fez com que o encontro fosse mais "democrático".

Em retrospecto, poderia dizer-se que estes dois prelúdios foram uma


preparação importante para implementar a idéia das conversações abertas
(reflexão). Essa idéia já havia surgido em 1981 e eu tinha mencionado a
Skorpen Aina, com que trabalhava na época. No entanto, não a adotamos,
contidos pelo medo de que ao nos referirmos à família usássemos
palavras ofensivas. Quando finalmente o fizemos, ficamos surpresos como
era fácil falar sem usar palavras desagradáveis ou ofensivas. Mais tarde
comprovamos que o nosso modo de falar depende do contexto em que
falamos. Se escolhermos falar sobre as famílias sem a sua presença,
caímos facilmente na linguagem fria "profissional". Se optamos por falar
sobre eles em sua presença, o faremos espontaneamente de maneira
amistosa usando uma linguagem comum.

A equipe reflexiva
A idéia da conversa aberta permaneceu dormente por quatro anos até que
começamos a aplicá-la em Março de 1985 (a equipe incluiu Magnus Hald,
Eivind Eckhoff, Trygve Nissen e eu). Um jovem terapeuta conversou com
uma mãe, um pai e filha sobre sua vida familiar triste. A mãe, que achava
difícil imaginar um futuro positivo, havia buscado o hospital psiquiátrico

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várias vezes (algumas por tentativa de suicídio). O terapeuta se viu em
desespero e não conseguia encontrar perguntas para ajudar a planejar um
futuro alternativo. Os membros da equipe, que seguíamos a conversa por
trás de uma espelho unidirecional, chamamos o terapeuta para a nossa
sala e lhe transmitimos nossas perguntas otimistas. Ele as formulou para a
família, mas não tardou a voltar o pessimismo geral.

Tentamos a mesma tática três vezes, sempre com as conseqüências


pessimistas. Então, depois de uma breve discussão atrás do espelho,
propusemos à família e terapeuta que escutássem o que falamos.
Dominados pelo medo, nós esperávamos que eles rejeitássem a proposta,
mas eles aceitaram.

Por acaso, nas salas onde trabalhávamos havia um microfone um


microfone e alto-falante. Então, acendemos a luz na nossa sala e
escurecemos a do terapeuta e família.. Ligamos o nosso microfone e eles
apagaram o deles. E lá estávamos nós, sentados na sala iluminada,
visíveis e vulneráveis. (Finalmente pudemos compreender como as
famílias que entrevistávamos percebiam este dispositivos: como algo ao
mesmo tempo emocionante e assustador).

No início tropeçávamos em nossas palavras, nos perguntávamos se havia


possibilidades que a família, por diversas razões, ainda não tinha visto.
Nossas especulações foram se animando, à medida que imaginávamos
um futuro otimista. Quando devolvemos a luz e o som para o consultório
em que se encontravam, a família havia mudado completamente. Seus
membros falavam com veemência sobre o que eles poderiam fazer no
futuro. Até riam! Meu pensamento imediato foi que isso era algo muito
diferente e que me faziaz sentir bem.

Pouco depois de deixamos de recorrer à conexão e desconexão de luz e


som. Em vez disso, mudamos de sala. O terapeuta familiar e a família

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conversavam no consultório, enquanto a equipe ouvia na outra sala, atrás
do espelho unidirecional. Em seguida, a equipe ia para a "sala de
conversação", enquanto o terapeuta ea família mudavam-se para a "sala
de escuta". Quando a equipe dava por terminada a conversa, repetia-se a
mudança de sala e a família comentava sobre o que a equipe havia
expressado na "sala de conversação". O terapeuta ficava sempre com a
família e separado do resto da equipe.

Duas Descrições
Passou algum tempo antes que fôssemos capazes de descrever o nosso
processo. Ao princípio, nós o descrevíamos como um "heterarquia". Muitos
não terão ouvido nunca essa palavra, mas todo mundo já ouviu seu
antônimo: hierarquia. Uma hierarquia governa de cima a baixo, uma
heterarquia governa por intermédio do outro.

Portanto, é provável que a sensação de alívio experimentado em março de


1985 tenha a ver com a passagem de uma relação hierárquica em terapia
a uma relação heterárquica. Em termos mais comuns, uma relação
heterárquica poderia ser chamada de "relação democrática", "relação
igualitária" ou a relação com colaboradores igualmente importantes.

Algum tempo depois chegamos a uma outra descrição: O processo de


reflexão da equipe inclui deslocamentos entre falar e ouvir. O falar a outro
ou outros pode ser descrito como uma "conversa exterior"; por outro lado,
enquanto escutamos os outros falarem, mantemos com nós mesmos uma
"conversa interior". Se deixarmos que um determinado tema passe mais de
uma vez das falas externas às internas e destas para aquelas, poderíamos
dizer que passa através da perspectiva de várias conversas exteriores e
interiores. Bateson mostrou grande interesse na importância de múltiplas
perspectivas: uma mesma questão poderia ser entendida de forma
diferente nas diferentes perspectivas e, ao agrupá-las (como neste
processo reflexivo), essas diferentes formas de compreender a questão

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poderiam criar novas idéias dela. (Bateson, 1980).

Diferentes Procesos Reflexivos


Uma vez captada a idéia de que o deslocamento entre as conversas
internas e externas é um elemento importante, poderíamos estabelecer
esses processos de muitas maneiras diferentes e em vários contextos
diferentes. Aqui estão alguns exemplos:
1- Poderia haver uma equipe na sala ao lado, atrás de um espelho de
visão unidirecional ou poderia se usar uma única sala, com a equipe
escutando e falando em um canto.
2- No caso de um terapeuta sem uma equipe, um colega pode estar
presente para conversar com ele durante o intervalo de "reflexão".
Se o terapeuta está sozinho, sem equipe, falar com um membro da família
(pessoa X), enquanto os outros escutam. Em seguida, o terapeuta falaria
com os outros membros, enquanto X ouve a conversa; em seguida o
terapeuta solicitaria a opinião de X e, eventualmente, voltaria a conversar
com ele. Nesse caso, a família e o terapeuta se convertem em uma
equipe reflexiva.
4- Se o terapeuta entrevista um cliente sozinho, ambos podem falar sobre
um assunto abordando-o sob a perspectiva de uma pessoa ausente (por
exemplo, a mãe do cliente). Pergunta-se a este o que supõe que pensaria
(conversa interna) ou diria (conversa externa) sua mãe sobre aquele
ponto. Uma vez apresentados os pensamentos da mãe, o terapeuta pode
pedir ao cliente: "E o que você mesmo pensa sobre o que pensa sua mãe?
5- Durante um seminário ou consulta ocorrendo em um salãoo e diante de
uma platéia a totalidade das pessoas poderia ser uma equipe reflexiva.
Os formatos aplicáveis são infinitos; suponho que o elemento limitante é a
nossa própria criatividade. Estes processos podem também ser aplicados
noutros contextos além da terapia.
Por exemplo:
1 - Na supervisão, o entrevistador supervisionado poderia falar com o
supervisor, enquanto outros supervisionandos ouvem a conversa. Em

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seguida se inicia uma conversa entre os outros supervisionandos e o
supervisor, que é ouvida pelo entrevistador supervisionado; finalizando, o
supervisor conversa com o entrevistador supervisionado.
2 - Poderiam ser organizadas reuniões do corpo médico em que metade
dos seus membros fale sobre um determinado tema, enquanto a outra
metade ouve; em um segundo momento a segunda metade conversa e a
primeira ouve, e assim por diante.
3 - O pessoal administrativo poderia se reunir para discutir certos assuntos.
O grupo poderia ser dividido em vários grupos menores. Um subgrupo fala
de uma questão particular, enquanto outros subgrupos ouvem. Em
seguida, a discussão continuaria no subgrupo seguinte, e depois de um
tempo, em outro subconjunto, e assim por diante.
4 - Na pesquisa qualitativa, o pesquisador pode falar com um colega, por
exemplo, sobre os seus "dados" e suas tentativas de encontrar algo neles,
seja uma categoria específica ou algo desconhecido ou ainda não
"descoberto". Em seguida, os ouvintes poderiam expressar o que
pensaram sobre que ouviram do trabalho do pesquisador e as incógnitas
buscadas, antes que o pesquisador formule seu próprio comentário sobre
o que ouviu.

Algunas Pautas
Eu seria o primeiro a preveni-los contra o uso de uma determinada prática
num processo reflexivo. Quanto menos planejado seja este, maior é a
possibilidade de que a situação determine sua forma. É importante que os
envolvidos no processo possam dizer e fazer o que seja para eles
confortável e natural.

Quando o que fala com a família sou eu, nunca dou por certo que haverá
um diálogo entre os membros da equipe reflexiva, mesmo quando eles
estão sentados lá, prontos para falar. Eu sempre digo à família: "Várias
pessoas escutaram a nossa conversa. Vocês gostariam de ouvir quais são
os seus pensamentos? O que seria melhor para vocês? Nós poderíamos

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terminar nossa conversa aqui, ou continuá-la sem ouvir a equipe. O que
seria melhor? '
Se os familiares querem conhecer as reflexões (especulações) da equipe
costumo dizer-lhes: "Talvez a conversa da equipe seja interessante e
vocês desejem ouvi-la. Também é possível que seus pensamentos voem
para outra parte. Se assim for, deixem-nos voar, porque vocês não estão
obrigados a ouvir a equipe. Ou talvez vocês prefiram relaxar, sem escutar
ou pensar muito. Ou talvez vocês queiram fazer outra coisa. Façam o que
for mais confortável.
Eu nunca diria outro membro da equipe como deve conduzir uma conversa
ao participar na equipe.reflexiva. No entanto, no que me diz respeito eu
fixei três orientações. A primeira é falar (especular) a partir de algo que eu
tenha visto ou ouvido durante a conversa entre família e terapeuta. Eu
costumo começar por referir a isto: "Quando a mãe disse que ela ainda
pensava muito em seu pai, que havia morrido recentemente, vi que seu
marido discretamente acenou com a cabeça, concordando, também vi que
as crianças ouviram atentamente a sua mãe, embora sem olhar“. Em
seguida, eu procuro falar em um tom indagador dizendo, por exemplo, "Eu
me pergunto se falar dele ou pensar nele é fácil para todos, ou se é
doloroso para alguns. Se alguns ainda acham doloroso falar sobre isso, o
que a família poderia fazer para aqueles que querem falar sobre ele
possam fazê-lo e aqueles que ainda não estão prontos para isso não
tenham que participar dessas conversas?

Evitamos as declarações, opiniões e significados. É muito fácil que os


membros da família ouçam os significados como algo que deveriam
considerar, ou mesmo fazer, e se o significado da equipe é diferente do
deles, eles podem ter a sensação de que este é "melhor". Se isso
acontecer, algumas famílias podem sentir-se criticadas.

Se eu integro uma equipe e um outro membro integrante profere um


significado forte (por exemplo: "Estou totalmente convencido de que o pai

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deveria fazer isso"), talvez eu lhe pergunte, referindo-me à conversa
mantida entre a família e ele: "O que você viu ou ouviu que o levou a
formular essa opinião? ". Assim eu abro a possibilidade de discutir o visto
ou ouvido. Se se discute o visto e ouvido poderiam ser emitidas outras
opiniões, além da primeira. Se o terapeuta se aferra a sua opinião,
poderíamos discutir como essa se encaixa na perspectiva de vários
membros da família: "O que você acredita que o pai pensa a respeito
dessa opinião? O que pensaria a mãe? Que pensaria o irmão do pai?
Estes intercâmbios de pontos de vista poderiam lembrar a todos que eles
já sabem: 1) se um membro da equipe viu ou ouviu alguma coisa
diferente, poderia propor uma outra visão, e 2) uma opinião muda seu
significado dependendo do contexto (perspectiva) em que ocorre.

A segunda diretriz é que me sinto à vontade para comentar tudo que ouço,
mas não tudo que vejo. Se um membro da família tenta esconder alguma
coisa, por exemplo, se a mãe aperta os dentes para que os outros não
percebem sua tristeza profunda, ou se o pai tenta esconder seus
sentimentos de raiva e os punhos cerrados poderiam denunciá-lo, nunca
comento. Costumo me lembrar a conversa entre Zeus e Hermes, quando
este assumiu o cargo de mensageiro dos deuses (isto é, o transmissor de
mensagens):
Hermes prometeu a Zeus não mentir, mas não prometeu dizer toda a
verdade. Zeus compreendeu. Mães, pais e outras pessoas não são
obrigados a revelar tudo o que eles pensam e sentem.

Aplico minha terceira diretriz quando a conversa da família e da equipe


ocorre na mesma sala. Normalmente, e particularmente quando alguns de
seus membros nunca tenham assistido a essas conversas abertas, eu
digo à equipe (com a família escutando): "Não vou dar diretrizes nem a
vocês nem a mim mesmo, mas com o tempo eu tive algumas experiências
que gostaria de compartilhar. Recomendaria que quando vocês falam,
façam entre vocês sem incluir a família na conversa. Se ela for incluida,

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seja falando com seus membros ou olhando-os, vocês os obrigam a ouvi-
lo, então eles não podem deixar os seus pensamentos voarem para outros
lugares. (E eu acrescento para mim mesmo: "Se isso for impossível, é
impossível, então deixemos que aconteça").

Quatro Questões
Desses processos surgiram quatro questões. Uma pergunto somente a
mim mesmo, em meu diálogo interno, duas, sempre proponho
abertamente, e a quarta coloco algumas vezes abertamente e outras
apenas para mim mesmo.
A primeira repito a mim mesmo constantemente: "O que está acontecendo
agora é adequadamente inusitado ou é demasiadamente inusitado"?. Se
há sinais de que é muito incomum, eu tenho que mudar o tópico de
conversação ou falar de outra forma.
A segunda e terceira estão inter-relacionadas, são geralmente formuladas
no início de uma sessão e parecem ser particularmente importantes na
primeira reunião. A segunda questão relaciona-se com a história da
presença da família no consultório. De quem foi a idéia? Como reagiram
os outros membros da família? Eram todos a favor o alguns estavam
relutantes? Minha intenção é averiguar quem entre os presentes deseja
falar e quem não. Isso me ajuda a ter certeza de que conversarei com
aqueles que desejam falar e que não o farei com quem não deseja. A
terceira pergunta, dirigida a todos os presentes, formulo-a da seguinte
maneira: "Como vocês gostariam de usar a reunião?". Convido todos a
responder. Aqueles que se mostraram reservados em relação a virem às
reuniões, frequentemente não têm resposta, enquanto que aqueles que
queriam vir tendem a ter uma resposta. Esta é a pergunta mais aberta
que eu encontrei até agora. Permite respostas muito diferentes: "Eu quero
discutir a minha filosofia de vida", "Eu entendo que não pode seguir
adiante sem fixar um objetivo e queria discutir como fazer istor", ou "Eu
estou tão cansado e exausto, eu só quero sentar aqui e descansar, sem
pensar ou falar.

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É extremamente importante que eu responda às respostas dadas a esta
pergunta: "Como gostaria de usar este encontro?") falando sobre os temas
que eles desejam discutir e abstendo-se de falar sobre aqueles que não
querem abordar.

Se eu sentir que a abordagem de um assunto novo gera uma certa


tensão, talvez formule a quarta questão. Não devemos tomar por certo
que todos podem falar sobre qualquer coisa, de qualquer maneira e a
qualquer momento. Daí o valor que pode ter esta pergunta, seja formulada
abertamentou eu faça a mim mesmo: "Quem pode ou deve falar com
quem, sobre o assunto, de que maneira e em que momento?". Talvez
seria melhor dividir o grupo original em subgrupos de conversa. Desta
forma, podemos garantir que as pessoas que querem falar do tema terão
oportunidade de fazê-lo e aqueles que nesse momento não estão
preparados para discuti-lo estarão dispensados de participar dessa
conversa.

O sistema criado pelo problema


Este conceito foi introduzido por Harold Goolishian e Harlene Anderson
(Anderson e Goolishian, 1988; Anderson, Goolishian e Winderman, 1988).
Eles apontaram que a pessoa que tem um problema atrai a atenção de
muitas outras pessoas. Podem ser familiares, amigos, vizinhos, colegas,
funcionários públicos, inclusive terapeutas.

Essas pessoas criam um sistema de significados sobre como entender e


resolver o problema. Se os significados são adequadamente diferentes, as
conversções entre quem propõem esses significados criarão, talvez novos
significados mais úteis. Se os significados são demasiadamente diferentes
é provável que essas conversações cessem.

Goolishian e Anderson dizem que o grande problema surge quando

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cessam as conversas. Quando um terapeuta entra neste tipo de cenário,
já cheio de significados, deve ser cauteloso quanto a oferecer mais
significados. É mais seguro fazer perguntas e interessar-se pelos
significados já presentes. Se o terapeuta se conecta amigavelmente com
os membros do sistema de significados, adicionará a incorporação de
seus significados à conversa. Isto poderia reduzir as tensões e até mesmo
alterar os vários significados, tornando possível a retomada das
negociações paralisadas.

Ir ao sistema de significados
Quando um terapeuta local precisa da minha ajuda, eu vou para o
consultório e trabalho lá com ele e seu cliente ou clientes. O terapeuta e eu
podemos constituir uma equipe reflexiva durante a reunião. O terapeuta e
os clientes decidem se continuo a trabalhar com eles, mas muitas vezes
uma reunião é o suficiente para eles continuarem a trabalhar sem mim.

Prestar atenção aos outros


Os membros da família que querem falar, vão fazê-lo por quanto tempo for
necessário. Intuo que é correto dar aos clientes o tempo que necessitem
para me dizer o que querem que eu saiba. Isso significa que eu, como
ouvinte, devo ter cuidado para não interromper. É interessante prestar
atenção aos monólogos dos vários clientes, porque o monólogo não
perturbado parece abarcar deslocamentos entre conversas internas e
externas. As conversas internas ocorrem quando o cliente deixa de falar
com o outro e faz uma "pausa". Na realidade, não se trata de uma pausa,
simplesmente, o cliente "se retrai", "move-se para outro lugar” ou “se reúne
com outra pessoa”. Podemos perceber quando desvia o olhar para outro
lugar. Suponho que em todas as "pausas" o cliente examina
minuciosamente ou bem se detém e pousa em algo que está em outro
lugar ( ou seja busca um ou vários significados). Depois da pausa seus
olhos tornam a olhar para os presentes ou ao terapeuta, se estão só ele,s
e a conversação pode continuar.

19
Portanto, a conversa inclui algo visível, além do que se diz e se pode
pouvirr. Essas mudanças entre as conversa;ões internas e externas são
altamente significativas se estáo presentes uma ou mais pessoas para ver
e ouvir. Peggy Penn e Marilyn Frankfurt (1994) chamam essa contribuição
do outro ou os outros "servir de testemunha(s)”. (Conforme também a
declaração de Lev Vigotsky (1988) sobre as chamadas conversas
egocêntricas).

Ouvír é também ver


Não apenas são visíveis as pausas, mas também as "aberturas". Nós, os
profissionais, podemos tomar essas "aberturas" como ponto de partida
para nossas perguntas. Eu costumava acreditar que as perguntas eram
escolhidas mais ou menos por instinto. Agora não penso assim; o ouvinte,
além de ouvir tudo o que é dito, vê como é dito. Há pequenas mudanças
no modo de se expressar que podem nos fazer pensar: "O que eu acabo
de ouvir, que foi seguido pelo que eu vi, parece significar algo para ela.
Talvez valha a pena falar mais sobre isso”. Existem muitas dessas
pequenas mudanças: alguma expressão nos olhos, a cabeça caindo, uma
tosse, um movimento na cadeira, as mãos ao redor do pescoço, um mão
procurando algo na outra sem encontrar, e assim por diante.

Parece que esses movimentos ocorrem quando a pessoa ouve as palavras


que a pessoa está dizendo, como se fossem particularmente significativas,
ou quando os seus próprios dizeres a movem. E em todas as línguas, o
verbo mover tem dois significados: um físico e outro emocional.

Notei que a pessoa a quem é dada a oportunidade de falar sem ser


interrompida muitas vezes para e e reinicia sua fala, como se a primeira
tentativa não tivesse sido suficiente boa. O cliente procura a melhor
maneira de se expressar, as melhores palavras para dizer o que quer
dizer, o melhor ritmo, etc. Suas expressões (das quais as palavras são
apenas uma parte) e a atividade simultânea (o modo de expressar as

20
palavras) têm atraído meu interesse. Então é lógico que analisamos não só
o que o cliente diz, mas como o faz.

Uma das questões inspiradas por esta análise é: "Notei que você disse
isso. Se procurasse algo mais nessa palavra, o que poderia encontrar?".
Por exemplo, uma mulher disse que em sua família, a palavra capital era
"independência". Não só repetiu, mas pronuncioi com tal expressão em
seu rosto, que foi natural tomá-la como ponto de partida para a pergunta:
"Se você examinasse detalhadamente a palavra, que veria?" Ela
respondeu: "Essa palavra eu não gosto" “O que você não gosta quando
examina a fundo a palavra?" insisti. Ela cobriu o rosto com as mãos e
respondeu, chorando:." Me custa muito falar de solidão ... sim, signifiqua
estar sozinha ... ".

Vejamos outro caso, o de um jovem pai que havia abandonado sua esposa
e seu filho de sete anos. Algum tempo depois, afirmou que, muitas vezes,
ele e seu filho sentiam-se tristes. Ao dizer "tristes” deixa escapar um
suspiro audível e visível, então eu perguntei: "Quando o seu filho está
triste, a tristeza é cheia de tristeza ou há outros sentimentos nele? '. O pai
respondeu que havia também raiva no sofrimento de seu filho, e eu
perguntei? "Se a ira de seu filho pudesse falar, o que diria?" Ele
respondeu: "Por que você me deixou? Você disse que eu era a pessoa
mais importante para você. Por que você me abandonou?”

Vou dar mais um exemplo: um homem falava sobre a relação entre ele e
sua esposa de tal maneira que entre o medo e incerteza, eclodiu a guerra
(ou a raiva). Perguntei-lhe: "O medo está contido na raiva ou a raiva está
contida no medo?" Ele ficou intrigado e pensativo por um longo tempo
antes de poder responder. Essa questão acompanhou-o constantemente
durante três meses.
Um quarto exemplo é o de uma pergunta a um homem que, tomado de
uma fúria violenta, socou outro sem dizer nada. A pergunta foi: "Se o

21
punho houvesse sido capaz de falar, enquanto ele se movia em direção à
pessoa em que ia bater, o que teria dito?" Houve várias respostas: "Eu me
sinto estúpido", "Não me escutam", "Ninguém comprendeu que eu estava
ofendido. "

Finalmente, o caso de uma mulher que falava de paz e respondendo a


uma pergunta, disse que "paz" era uma palavra importantísssima para ela.
Perguntei-lhe o que ouviria e veria se tentasse caminhar pela palavra.
Disse que entrava em uma paisagem onde ouvia o final da Segunda
Sinfonia de Gustav Mahler. Perguntei se ela estava acompanhada ou
sozinha. Ao mencionar a pessoa com quem teria gostado de estar,
começou a chorar.

Estas perguntas têm uma coisa em comum: o que estamos procurando


averiguar é o que há dentro da expressão, na palavra; nos sentimentos;
nos movimentos, etc Não perguntamos o que há atraz, debaixo ou acima
do expressado e sim o que há dentro. E para poder formular tais
perguntas, o ouvinte deve ver e ouvir o que foi expressado.

Embora, surpreendentemente, essas questões tendam a agradar os


clientes, são realmente muito delicadas, uma vez que é delicado centrar a
atenção em tais palavras. Não acredito que qualquer um possa falar sobre
elas imediatamente, porque as emoções contidas nelas tendem a ser
muito fortes. Por isso considero mais seguro introduzir algumas perguntas
“externas” antes de formular aquelas sobre “examinar a fundo as palavras”.
Por exemplo, à senhora que falava da independência, perguntei primeiro:
"Como se expressava em sua família a palavra "independente": De forma
aberta ou implícita?". Respondeu que a expressavam abertamente. Então
fiz uma segunda pergunta: "Referiam-se a você ter que ser independente
ou à independência em geral?”. Respondeu que ela deveria ser
independente. Ao responder ambas perguntas, a mulher não hesitou em
usar a palavra, não a evitou. Sua capacidade de usá-lá me revelou que

22
estava preparada para a pergunta seguinte: "Se examinar cuidadosamente
a palavra, o que você vê?".

Para ouvir e ver cuidadosamente e com precisão é necessário cumprir um


importante pré-requisito: o ouvinte (por exemplo, o terapeuta) deve abster-
se de pensar que o falante quis dizer algo diferente do que disse. No que
foi expresso, não há nada mais do que o expressado, no dito nada mais
que o dito, no mostrado não há mais do que se mostrou. Nada mais.

Outras perguntas, mais simples, também têm valor. Concretamente,


depois de uma introdução: "Notei que você disse que ..." vem a pergunta:
"Você pode falar mais sobre o que pensava ao dizer isso?", ou bem: "Que
pensamentos passaram quando disse tal coisa?" Ou, mais simplesmente,
"Você pode adicionar algo"?.Outras perguntas possíveis seriam: "Se você
tivesse que escolher uma palavra muito semelhante (à palavra em
questão), qual poderia ser?”, ou bem, "Se você fosse escolher o seu
oposto, o que seria?” Todas estas perguntas podem trazer à luz nuances
que talvez nos permitam ver e ouvir mais do que tenhamos visto e ouvido
antes. No entanto, não escapam à questão fundamental: "É uma pergunta
adequadamente ou demasiadamente incomum? E como espero o leitor
tenha captado, a resposta a esta última pergunta encontra-se nos
pequenos sinais que o outro emite para o terapeuta saber se ele sentiu-se
desconfortável ou não. Se aceitarmos a noção do adequadamento
incomum, como podemos nos tornar mais sensíveis para o outro? Existe
um procedimento simples que pode ser útil.

Clientes como co-investigadores das contribuições dos terapeutas


para conversas terapêuticas

Nos últimos três anos trabalhei em colaboração com duas equipes, uma

23
em Harstad, Noruega do Norte, e outra en Estocolmo, Suécia1, procurando
formas de aumentar a sensibilidade dos terapeutas para sua própria
contribuição à terapia (Andersen, 1993).
Criamos o seguinte procedimento: depois fr um determinado tempo (por
exemplo, um ano) após a conclusão do tratamento, os terapeutas pedem
aos seus clientes que voltem a vê-los para falar o que sentiram ao
participar das sessões de terapia. Também estará presente um profissional
visitante. Os terapeutas iniciam a reunião enfatizando que eles queriam
manter essa conversa. Os terapeutas e o profissional visitante mencionam
informações sobre evolução de tratamentos, segundo os quais a
colaboração estabelecida entre clientes e terapeutas afeta de forma
impactante, para o bem ou para o mal, o resultado da terapia (Lambert,
1989; Lambert, Shapiro e Bergin, 1986). Portanto, é razoável investigar as
sessões de terapia com os clientes.

Em seguida, o colega visitante pergunta aos terapeutas que aspectos da


terapia querem tratar e esclarecer durante a reunião, enquanto os clientes
escutam a conversa. Na fase seguinte, o visitante convida os clientes a
comentar sobre o que escutaram (ou seja, o diálogo que ele manteve com
os terapeutas); também pergunta se desejam discutir algum aspecto das
sessões de terapia.

Na sequência o visitante pergunta aos terapeutas o que pensaram


enquanto ouviam sua conversa com os clientes. O leitor já percebeu que
esta reunião é uma variante dos processos reflexivos.

O profissional visitante deve ter em mente uma coisa: seu trabalho é falar
sobre o processo das conversações terapêuticas e não de seu

1
A equipe deHarstad estava integrado por Leif Hugo Hansen, Ingeborg Hansen, Torill Ida
Aandahl e Torgeir Finsas; o de Estocolmo, por Annica Forsmank, Marianne Borgengren y
Bo Montan.

24
conteudo. Se tocarem nos temas tratados nas conversas terapeuticas,
deverá ser unicamente para esclarecer o processo.

Se os clientes querem seguir conversando sobre questões já tratadas em


algum momento da terapia, o visitante deve reconhecer em tal disposição
o desejo de recomeçar a terapia e deixar isso nas mãos dos terapeutas.
Em outras palavras, o visitante deve retirar-se.

Ao abordar o processo terapêutico, o visitante devem sentir-se livre para


fazer qualquer pergunta. No entanto, aos terapeutas é mais interessante
falar sobre aquelas partes da terapia em que experimentaram incertezas e
dúvidas, produziram-se paralizações ou houveram periodos tensos e
incomodos, em que, retrospectivamente, percebem que falharam.

Os comentarios dos clientes sobre tais questões podem ser muito valiosos.
O colega visitante talvez se guie pela ideia de que agora os terapeutas têm
a oportunidade de ouvir aquilo que talvez foi muito incomum para os
clientes, surgiu em um momento inoportuno, foi discutido em um contexto
inadequado, etc., e portanto, a oportunidade de ter mais claro o que não
devem fazer em futuros trabalhos.

Os terapeutas participantes deste "processo de avaliação" tem feito alguns


comentários interessantes:
"É um processo tão único como o processo terapêutico, porem somente
são relevantes aquelas perguntas sobre as quais todos os presentes
possam falar. As perguntas comuns, proprias das avaliações comuns,
soariam artificiais, e eu não teria participado de algo assim”.

" A experiencia, a sensação, de estar ali sentado e ouvir o quão árduo


havia sido para uma cliente participar de uma forma de conversa sobre a
qual ela não havia exercido impacto algum, me fez compreender o quão
importante é para os clientes e para mim encontrar uma maneira de falar

25
que satisfaça a ambas as partes antes de iniciar a “verdadeira” conversa".
"Tendo participado disto, me sinto cada vez mais convencido de que os
clientes são os melhores supervisores. Esta é uma alternativa para a
supervisão profissional. Na verdade, daqui em diante quero ter ambas".

"Esta experiência me ensinou a estar dentro das relações terapêuticas e


também a “me colocar” fora delas e contemplar o todo, inclusive a mim
mesmo desde fora."

"Estar dentro deste triângulo peculiar foi algo muito especial, pela grande
aproximação reciproca que senti. Ao ouvir e me sentir tão próximo dos
clientes, pensei que talvez deveriamos nos atrever a expressar mais
abertamente nossos sentimentos, nos momentos em que nós (os
terapeutas) lutamos com eles. "

"Fiquei muito surpreso pelo muito que recordaram das conversas


(terapêuticas). Eu havia esquecido a maior parte da conversa. "
"Sentir-se tão perto e estar em pé de igualdade foi uma experiência
única."

Ainda que não solicitemos a opinião dos clientes a respeito deste


processo, alguns expressaram espontâneamente sua satisfação por
haverem se interado do que pensavam os terapeutas sobre o tratamento
que haviam feito juntos. Aqueles que haviam deixado o atendimento
sentindo que tanto eles como a terapia haviam falhado, perceberam esta
conversa posterior como um processo reparador e dignificante. Parece que
o processo lhes foi muito útil.

Fecha-se o círculo
Os Processos reflexivos parecem ser uma prática útil relativamente fácil
de aplicar e útilizável em muitas circunstâncias diferentes. É também uma
prática que se estuda a si mesma. Clientes e terapeutas são

26
colaboradores, mas também co-investigadores. Acredito que esta
evolução é boa em muitos aspectos.

Premissas (compreensões prévias) revisadas


Talvez não seja uma perda de tempo analisar se os processos reflexivos
representam uma forma alternativa de alcançar o conhecimento e é
possível inclusive que esta analise produza um conhecimento alternativo.
Por acaso os processos reflexivos não podem ser considerados uma
alternativa em concordância com tantas outras coisas do chamado período
pós-moderno?

Minha participação em diversos processos reflexivos levou-me a rever


algumas das minhas próprias premissas básicas e a ler o que outros
escreveram sobre elas.

Para alguns, a era pós-moderna é um conceito temporal, a saber, o


período que se segue ao "modernismo", o qual na opinião de muitos
começa com Descartes. Para outros, o pós-modernismo representa um
conjunto de reações frente ao modernismo, entre as quais não é
certamente a menor a relativa ao modo em que ocorre o conhecimento e
as premissas e supostos em que se baseia esse modo de conhecer. É
uma reação não só a respeito de que tipo de conhecimento se considera
relevante, mas também como este conhecimento, e o processo através do
qual se obtém, influi sobre nós e modela nossa vida. Estas questões são o
foco de vários livros (veja Polkinghorne, 1983, 1988, Gergen, 1991, 1994,
Kvale, 1992; Shotter, 1993).

Na discussão a seguir, assinalei algumas premissas "modernas", centrais


1. É possível adquirir um conhecimento verdadeiro (objetivo,
correto) dos seres humanos (o que significa que esse
conhecimento é generalizável e aplicável a todos os seres
humanos em todos os contextos e em todos os momentos).

27
2. Os seres humanos funcionam a partir de um "centro interior"
(Que podemos chegar a conhecer verdadeiramente)
3. A linguagem é uma ferramenta para expressar nossos
pensamentos (que tem origem no "centro interior").
4. A linguagem deve ser inequívoca e literal, está a serviço da
informação.

Estimulados pelo progresso das técnicas de engenharia e das ciências


físicas, caímos na tentação de compreender os seres humanos do mesmo
modo que compreendemos as partes inanimadas de natureza; a
avaliação objetiva dos sinais externos (proferimentos e comportamentos)
pode refletir e explicar a "subjacente" (o centro interior).

São necessários especialistas que saibam como (por quais métodos)


podemos alcançar o verdadeiro conhecimento e que possuam também o
conhecimento que indique se o que chegamos a conhecer é ou não o
verdadeiro (que conheçam as normas). Constituem-se corpos colegiados
para proteger e aperfeiçoar os métodos e as normas.

Naturalmente se estabele uma hierarquia: especialistas e leigos. Vejo


nisso um sinal do período moderno.

Dentro de marcos hierárquicos, alguém torna-se um prestador de ajuda e


alguém um receptor de ajuda, um governante e um governado, um
observador e um observado um controlador e um controlado, e assim por
diante.

Estas divisões separam as pessoas não só no que diz respeito às suas


funções, mas também com relação aos privilégios. Tem sido afirmado
correntemente que a cultura do conhecimento acima mencionada
(modernismo) foi desenvolvida durante um período da cultura ocidental
em que as condições econômicas e materiais favoreciam as pessoas

28
independentes, que confiavam em si mesmas, de modo, que a
independência e confiança tornaram-se pré-requisitos para a vida
econômica e material em constante expansão (Samson, 1981).

Na minha opinião, uma cultura hierárquica é perigosa, porque a


distribuição desigual dos privilégios gera facilmente rancor nos menos
favorecidos, e esse rancor, por sua vez, gera facilmente um desejo de
vingança. Além disso, se o rancor e esse desejo de vingança são
reprimidos, tal situação poderia causar mais rancor e talvez até mesmo
violência.

Premissas alternativas
Primeiro, mencionarei outras premissas sobre os seres humanos e seu
ser-no-mundo.
1-Uma alternativa às explicações estáveis e generalizadas da vida
humana (por exemplo, o diagnóstico de transtornos de caráter) é
que um ser humano muda constantemente e se adapta aos
diversos contextos que, por sua vez (como todos sabemos),
variam constantemente. Portanto seria possível compreender
contextualmente a uma pessoa num dado momento. Tal
compreensão é compatível com o conceito de realidades múltiplas:
uma pessoa pode ser compreedida de muitas maneiras, pois não
só ela muda (fala e age de maneira diferente) ao variarem as
circunstâncias em diferentes períodos, mas também mudam
aqueles que tratam de compreendê-la. Aqueles que tentam
compreender o fazem a partir do que veem e ouvem. Se a pessoa
que compreende escutasse algo diferente do que escutou e ouviu
e visse algo distinto (do que buscou com o olhar e viu), sua
compreensão, então seria diferente.
2-Uma premissa alternativa à de que uma pessoa é governada
desde um centro interior é de que a pessoa não está no centro,
mas o centro da pessoa está fora dela, na coletividade que integra

29
com as outras. O centro interior não forma o indivíduo nem a
coletividade, mas a coletividade forma o indivíduo e o centro
interior, supondo que esse centro exista. (Shotter, 1993). O
significante na coletividade são as conversas que se entabulam
dentro dela; o significante a respeito das conversas é a linguagem
em que estão os interlocutores.
3- Uma premissa alternativa da linguagem é que, além de
informar, forma. Wittgenstein tem inspirado a muitos, ao expressar
que a linguagem em que estamos por um lado determina as
possibilidades e por outro, as limitações do que chegamos a
compreender (Grayling, 1988). A linguagem vai intervir na formação
do que chegamos a pensar e compreender. John Shotter inspira-se
em Bakhtin e Voloshinov para avançar ainda mais no tema e dizer
que nossas expressões não só formam o que chegamos a pensar
mas, de fato, formam a pessoa em sua totalidade, incluindo sua
configuração fisiológica. O trabalho de Bülow-Hansen e minha
colaboração com Gudrun Ovreberg me levaram às mesmas
conclusões (Andersen, 1993).

A linguagem deve ser entendida como uma atividade e não só como as


palavras faladas. 'Expressão' é uma palavra mais abarcante e aberta do
que ‘palavra’. As expressões compreendem toda a atividade que
acompanha a emissão de uma palavra falada, e essa atividade, por sua
vez, compreende - e não precisamente como seus elementos menos
importantes - os movimentos físicos e respiração, a interação entre
tencionar e relaxar músculos. Na interação entre deixar vir a tensão e
deixá-la ir ocorre a formação. O formado (expressado) pode consistuir
diversas coisas: a escultura passa a ser a expressão do escultor, o
crescendo, a do músico; os olhos bem abertos, escrutadores, e a boca
fechada e rígida, a do o refugiado; a doença, a do paciente, e assim por
diante. O expressado (por exemplo, a imagem, o texto, a música, a casa, a
dança, o muro de pedra e a história clínica do paciente) torna-se a

30
impressão para essa pessoa e para as demais. Em suma, a impressão
está relacionada com o que foi expressado, ou bem poderia ser
considerado que é um resultado (o produto) do expressado. Nossa cultura
presta muita atenção aos produtos e os avalia rapidamente, por exemplo,
como bons ou maus, úteis ou inúteis, caros ou baratos. Talvez preste
atenção a como foi expressado esse produto (ou seja, ao método ou a
destreza postos em jogo), embora não tanto como ao produto em si.

Um terceiro aspecto disso é que a pessoa que se expressa, ao expressar-


se como o faz, dá forma a sua vida e seu self (seja um ou vários). Toda
pessoa está realizando constantemente algum tipo de atividade (quer
dizer, está se expressando constantemente); e assim, toda pessoa está
sendo formada constantemente: está se transformando, reformando ou
conformando a si mesmo. Shotter (1993) diz que uma parte essencial da
"auto-formação" é o “auto-posicionamento” em relação aos que nos
rodeiam (ou seja, dos que veem e ouvem nossas expressões).

Nem tudo o que eu poderia dizer e fazer é aceitável para a sociedade . A


outra pessoa presente tem uma noção do que aceita a sociedade e, em
sua resposta a como me vê e ouve, me informa se estou dentro dos limtes
ou fora deles.

Nos olhos do outro ou dos outros encontraremos, talvez, uma resposta à


pergunta do que é aceitável para a sociedade. E minha própria resposta à
resposta do outro contribuirá na minha formação como pessoa
responsável. Esses limites, refletidos no rosto do outro e aos que,
supostamente, devo responder, estão ligados à tradição e a cultura da
sociedade assim como ao seu ambiente natural.

Na cultura hierárquica, os produtos são de interesse primário, e os


métodos (habilidades) de interesse secundário. Até que ponto há interesse

31
pelo ser-no-mundo do indivíduo quando se aplicam as destrezas e se
modelam os produtos? Duvido que esse interesse seja considerável.

Talvez seria interessante propor uma alternativa para isso. Primeiro


deixemos que uma sociedade rejeite aqueles produtos que não são
aceitáveis. Logo deixemos que as pessoas ao formar os diversos produtos
aceitáveis (que não devem classificar-se pelo seu valor de venda nem
aplicando uma norma), procurem formações simultâneas de seus "próprios
selves", ´quer dizer daqueles selves com os que se sentem comodos e
pelos quais são responsáveis.
4 - Uma premissa alternativa a respeito das palavras tal como são
ouvidas, faladas e escritas no papel, é que as palavras referem-
se apenas a outras palavras. Essa suposição foi feita pelo filósofo
francês Jacques Derrida (Samson, 1989). As palavras têm
significados em suas semelhanças e diferenças com outras
palavras. Por exemplo, a palavra "escuro" cria significado se
pensamos simultaneamente no cinza ou branco. Derrida diz que
as palavras se referem a outras palavras, não aos objetos que
estão "lá fora". A impressão, a “imagem” ou idéias peculiares do
que está "lá fora" e do que falamos são formadas pelas palavras
que escolhemos para nossas descrições

Na década de 1920, o Círculo de Viena, que representava a ciências


físicas e se preocupava por aplicar uma linguagem inequívoca, pensava
que se deveria evitar a linguagem metafórica. (Polkinghorne, 1983). Nas
últimas três ou quatro décadas, muitos têm questionado esse ponto de
vista argumentando que é impossível não falar metaforicamente (Johnson,
1987; Lakoff e Johnson, 1980). Todas as palavras (metáforas) são
ambíguas e se referem a outras palavras (outras metáforas).
Consequentemente, todas as palavras podem ser objecto de sucessivas
gradações ou nuances.

32
Chegando a esse ponto eu me remeto a "novas perguntas", já mencionado
neste capítulo, que parecem ter algum valor no trabalho terapêutico. Por
exemplo: ”Tenho notado que em algum momento você usou tal palavra. É
uma palavra pequena ou grande?". Se o outro responde que é uma
palavra importante, poderíamos perguntar: "Se a palavra fosse grande o
suficiente para que você pudesse entrar nela caminhando, o que vocë
veria ou ouviria?". Com perguntas como esta são muitas vezes obtidos
"histórias" interessantes

Hábitos de fala e hábitos de movimento


Wittgenstein dizia que estamos na lenguaje. A meu entender, ele quis dizer
que a linguagem não está dentro de nós mas que nóa estamos na
linguagem. Por analogía, presumo que estamos nos movimientos, nas
conversações, nas colectividades. Uma coletividade existe em una cultura
e una cultura está na natureza.

A expressão de Martin Heidegger "ser-no-mundo" poderia ser desdobrada


assim: vida é ser-nos-movimentos, ser-em-linguagem, ser-nas-
conversações, ser-nas -comunidades, ser-na-cultura, ser-na-natureza.

Os hábitos do indivíduo, que existem dentro desses marcos abrem


possibilidades e estabelecem limites sobre o que pode ser expresso. É
importante esclarecer até que ponto uma conversa, comunidade ou cultura
oferece novas oportunidades para se adquirir novos hábitos de fala e
movimento.

Diálogos internos e externos


Ao longo de sua breve carreira, Lev Vigotsky manifestou grande interesse
na relação entre os diálogos internos e externos (Vigotsky, 1988). Pensava
que ao interagir com os adultos, a criança pequena aprendia
primeiramente a imitar os sons e, assim, adquiria uma linguagem "de
fora", quer dizer, uma linguagem que ainda não tinha significados pessoais

33
para ela. No entanto, aproximadamente entre três e sete anos, a criança
desenvolve uma linguagem "egocêntrica" ao falar para si mesmo durante
os jogos. Viotsky observou que a presença de um ouvinte adulto
aumentava a tendência da criança para falar para si mesma. O adulto não
participava da conversa, mas estava presente e ouvia.

Vigostsky viu nessa fala em voz alta um precursor das conversações


internas (inaudíveis) em que as palabras possuem um significado pessoal.
Eu tendo a pensar que as conversações exteriores nos trazem ideias que
ainda não nos haviam ocorrido e que nossas conversas internas (com nós
mesmos) decidem quais dessas novas ideias queremos incluir em nossos
hábitos de conversação.

Bakhtin observa a importância das respostas que as nossas expressões


provocam em quem as ouve e vê. Poderíamos expandir os nossos hábitos
de fala e fazer com que as respostas dos outros os corrijam. Simplificando,
não podemos ver nosso rosto quando está expressando algo (o rosto vivo
é uma parte crucial das expressões!). Bakhtin considera que, no máximo,
podemos ver nossos rostos refletidos nos olhos do outro. E o mesmo vai
acontecer com ele. "Nós emprestamos os nossos olhos para o outro."

Existem três tipos de conversas internas dignas de atenção. O primeiro


inclui as conversas que temos em nossos sonhos; são conversas
compostas por “cenas” fugazes em que a maioria do que acontece (tudo o
que acontece?) é percebido simultaneamente. O segundo, as conversas
inaudíveis que temos com nós mesmos na vida diária são mais coerentes
do as oníricas, mas às vezes são desagregadoras. O terceiro, as que
fazemos com nós mesmos ao escrever. A escrita nos obriga a formar
sequências mais longas e consistentes. Por exemplo, escrever sobre o
nosso trabalho poderia fornecer uma perspectiva significativa e alternativa
comparada ao que emerge quando se fala com o outro. Lembrem-se do
que eu disse sobre as múltiplas perspectivas, de que se ocupou Gregory

34
Bateson, e as diferenças (entre as diferentes perspectivas) que fazem
diferenças (nas perspectivas particulares).

Podemos nos identificar com a linguagem do observador e nos tornarmos


distantes e frios com a linguagem do participante, adotar atitude de
intimidade com a língua do técnico e permanecer imóveis e, solitários, ou a
lnguagem da religião e nos tornarnos distantes e violentos.

Qualquer pergunta que alguém faz é escolhida entre as muitas perguntas


possíveis e qualquer resposta é uma das muitas respostas possíveis.
Portanto, cabe considerar que todas as perguntas e todas as respostas se
dão limitando o possível (simplificação de processos).

Provavelmente as metáforas que nós escolhemos para construir as


perguntas e respostas têm um efeito limitante, da mesma maneira que o
método que emprega um cientista tem um efeito limitante em sua busca de
conhecimento.

Afirmações como "Muitas pessoas senis sofrem de depressão" criam uma


determinada compreensão em quem ouve. Uma simples reformulação,
"Muitas pessoas que parecem senis são solitárias" muito provavelmente
criará um entendimento diferente e talvez até mesmo um entendimento
que inspire algumas idéias sobre como se relacionar com a pessoa seniI.
Outra reformulação possível é: "Muitas pessoas idosas que têm
dificuldade em participar nas conversações parecem solitárias." Essas três
formulações indicam que a linguagem (expressões) pode contribuir à
formação do "prestador de ajuda" e do "desvalido", tornando-os mais
competentes ou incompetentes.

Quando a linguagem cria a deficiência


Gergen (1990a, 1990b) foi provavalmente o primeiro a mencionar a
"linguagem da deficiência" (por exemplo, a linguagem da patologia). Esta

35
linguagem originalmente desenvolvida por profissionais, tornou-se a
linguagem cotidiana de todos. Em novembro de 1991, pouco antes de sua
morte, Goolishian organizou com Harlene Anderson a segunda conferência
Galveston em San Antonio, Texas, sob o título "A despatologização da
saúde mental " (The dis-diseasing of mental health) mental]. No anuncio da
conferência, lemos:

O tema central desta conferência será a exploração do conceito


wittgensteiniano de que os limites da realidade cognoscível são
determinados pela linguagem que temos para descrevê-la. Esse tema
nos peritirá dialogar sobre as conotações da " linguagem da deficiência"
utilizada no campo da saúde mental e sobre os efeitos produzidos por
esses termos em nosso trabalho teórico, clínico e de pesquisa. Também
abordará a distinção pragmática que é preciso estabelecer entre os
conceitos de construtivismo e construcionismo social.

Temos a impressão de que no último século do movimento de saúde


mental, nós adicionamos milhares de termos ao vocabulário mundial.
Infelizmente, a maioria desses termos adcionnnnados e construídos
refletem certo sentido central de deficiência. A linguagem da deficiência
criou, em muitos aspectos, uma realidade psicológica e teórica que
podemos descrever metaforicamente como um buraco negro. É um
buraco negro socialmente construído do qual apenas se houver saída
há atividade significativa clínica ou de pesquisa

Descrições alternativas
O que aconteceria se nós, como profissionais, começamos a identificar e
descrever o que fazemos de forma diferente?

Costuma-se dizer que durante uma conversa, uma pessoa ouve e a outra
fala. O que aconteceria com nossa conversa se nós escolhêssemos outras
metáforas e disséssemos, por exemplo, que o ouvinte é tocado por aquilo
que o outro expressa?

36
A pessoa que é tocada, na próxima vez se moverá. No entanto não se
moverá passivamente. Participará ativamente no sentido de que intervirá
no seu próprio movimento. Uma maneira de esclarecer o que a pessoa
movida quer é que ela analise a linguagem, procurando entender a
situação e o que fazer: O passo seguinte seria expressar esse significado.
Esta expressão será sua maneira de tocar ao outro ou outros.

Há muitas maneiras de tocar: acariciar, apertar, empurrar, segurar, bater,


etc. Se "nós olhamos dentro" dos toques que damos aos outros ao
expressar algo, qual dessas palavras (ou que outras palavras) vemos?

Imagino que há uma vasta gama de possibilidades e me pergunto se talvez


não devêssemos evitar unicamente os pontos extremos. Não deveríamos
evitar, por um lado, o não tocar (ignorar, não fazer caso) e por outro lado, o
aferrar-seou evitar um empurrão? Que outra palavra poderíamos encontrar
nos termos ignorar, passar por alto, não fazer caso, aferrar-se, separar-se
de um empurrão? Será que a nossa responsabilidade não deve induzir-nos
a buscar constantemente um freio que nos impeça de ir a extremos?

Os extremos correspondentes para o ouvinte, poderiam ser, em primeiro


lugar, evitar não ser tocado e movido, e, por outro lado, evitar qualquer
empurrão?

Quanto mais escrevo (e penso) sobre tudo isso, mais isso se torna uma
questão de responsabilidade coletiva.

Há que escolher as premissas

Neste capítulo, usei várias vezes, deliberadamente, o palavra "premissa".


Há muitas coisas que consideramos boas ou más, certas ou erradas,
essenciais ou não essenciais, porque supomos que são. Estes tipos
premissas não podem surgir de algo observado e avaliado. Provavelmente

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são os resultados de nossas especulações ou, se ousamos usar a palavra
mais altissonante, são os resultados a que chegamos "filosofando." O
Dicionário Webster define a filosofia como "a busca de um entendimento
geral dos valores e da realidade, principalmente através da especulação
ao invés de observação". Na "terapia", como na "pesquisa" e na vida
diária, muitas coisas relacionadas ao conhecimento baseado em
premissas prévias. Às premissas subjacentes que escolhemos
(compreensão prévia) eu as denomino opções filosóficas. Koestler (1964)
as chama de o eu, a comunidade, a linguagem, as conversações, as
emoções, os desejos, a fala , a escuta, o expressado, o criado,o formado.
O que é novo, ou o que poderia contribuir para o novo, resulta de uma
nova forma de combinar o que já é conhecido.

É precisamente neste sentido que as premissas e sua escolha se tornam


importantes. Quais unidades de informação (bits) são essenciais, quais
devem combinar-se com outros e de que maneira? Em última análise,
essas perguntas contêm opções sobre quais pressupostos são mais úteis
para nós.

O que poderia nos ajudar nessa busca é nos perguntarmos enquanto


participamos em diversas conversações: “O que me ocupa nesses
momentos é o mais esencial ou há outra coisa mais essencial?

Palavras Finais

Seria interessante especular sobre como o corpo participa da criação de


significado. Johnson (1987) descreve a maneira em que se acredita que o
corpo percebe (sente) uma alteração no ambiente, antes que seja captada
pela mente. Afirma que a percepção está ligada a algo aprendido na mais
remota infância, por exemplo, o corpo sente a diferença entre o exterior e o
interior, entre acima e abaixo, entre opor-se a uma força e acompanhá-la.
Nossas primeiras experiências sensoriais convertem-se em hábitos e em

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base das metáforas que desenvolvemos (que aprendemos com os outros)
mais tarde na linguagem através da qual nos tornamos "nós mesmos".

Também nos sentimos tentados a especular sobre como a nossa


compreensão do outro torna-se uma expectativa que o outro satisfaz.
(Jones, 1986). Neste sentido, os olhos do outro não me refletem
passivamente. Portanto, poderia ser útil considerar quais olhos alheios
tomaremos emprestado , para não tomar os de qualquer um.

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