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História e Epistemologia da Psicologia Naír Carolino

A Psicologia da Gestalt
Síntese baseada no capítulo Gestalt Psychology, do Livro A History of Modern Psychology (2011)

A Revolução de Gestalt
Após a onda de progresso/evolução orientada por Wundt, surge um novo movimento da
Psicologia na Alemanha. Este movimento pode ser considerado como uma revolução à
Psicologia de Wundt.
Wundt concentrou-se na natureza dos orgãos sensoriais e sensações, impulsionando a
Psicologia para outros contextos. Porém, os psicólogos da Gestalt não concordaram com a
sua visão, assumindo uma atitude de oposição, referindo “Ficamos chocados com a tese de
que todos os fatos psicológicos consistem em átomos inertes não relacionados e que quase
os únicos fatores que combinam esses átomos e assim introduzem a ação são associações"
(Köhler, 1959).
Uma ideia base na Psicologia da Gestalt é a aceitação do valor da consciência, não tentando
reduzi-la a átomos ou elementos. Ainda, argumentavam que não poderíamos reduzir o
mundo físico a elementos sensoriais individuais, podendo estes estar de alguma forma
ligados, formando, assim, a nossa perceção. Para além disto, consideravam que, quando
combinados os elementos individuais, estes formam algo novo, que não existia previamente,
isto é, a noção de que o todo é diferente da soma das suas partes.

Influências Antecedentes da Psicologia da Gestalt


A base da abordagem de Gestalt relaciona-se com o trabalho do filósofo Immanuel Kant,
que considerava que os elementos sensoriais são organizados de uma forma significativa e
não de uma forma mecânica. Isto é, no processo da perceção, a mente forma ou cria uma
experiência completa. Este processo não é passivo mas sim ativo, no sentido em que a
mente organiza os elementos numa experiência coerente. A mente dá forma ou estrutura
aos dados brutos da experiência.
Influenciando as teorias da Gestalt, Franz Brentano teve um papel de revelo dado que
considerou que mais do que estudar os elementos da experiência consciente, com recurso à
introspeção, os estudos deveriam-se focar no ato de experimentar. Esta consideração iria ao
encontro dos métodos desenvolvidos posteriormente pela Gestalt.
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Outra influência vem de Ernst Mach que no seu livro “The Analysis of Sensations” (1885),
abordou os padrões espaciais como figuras geométricas e padrões temporais,
considerando-os como sensações. Estas sensações espaciais e temporais eram
independentes dos seus elementos individuais. Mais especificamente, a forma de espaço de
um círculo poderá ser branca ou preta, grande ou pequena e, mesmo assim, manter a sua
qualidade elementar de circularidade. Considerou, ainda, que a nossa percepção não se
altera mesmo alterando a orientação do objeto físico (por exemplo, uma cadeira continua a
ser uma cadeira, quer a olhemos de lado, de baixo ou de outro ângulo).
Christian von Ehrenfels desenvolveu as ideias de Mach propondo que as qualidades da
experiência não podem ser explicadas como combinações de elementos sensoriais.
Designou essas qualidade da experiência como qualidade da gestalt, sendo que as
percepções são baseadas em algo maior do que uma fusão de sensações individuais (por
exemplo, uma melodia é uma forma de qualidade sendo que soa igual apesar de transposta
para um tom abaixo/acima). A melodia é independente das sensações de que é composta.
Para Ehrenfels, a própria forma é um elemento desenvolvido pela mente, que opera nos
elementos sensoriais, esta é capaz de criar forma com base nas sensações elementares.

Gestalt - Definição
O termo não tem tradução (para o inglês), embora tenha integrado a linguagem quotidiana
da psicologia. Termos comumente usados são “forma" e “configuração".
Köhler constatou que a palavra era usada sob duas perspetivas na língua alemã. A primeira
denota forma como uma propriedade de objetos. Nesse sentido, Gestalt diz respeito a
propriedades gerais que podem ser expressas em termos angulares ou simétricos e
descreve características como a triangularidade em figuras geométricas ou os tempos de
uma melodia. A segunda denota uma entidade inteira ou concreta que tem como um dos
seus atributos uma forma específica. Nesse sentido, a palavra poderá se referir a triângulos,
ao invés de à noção de triangularidade.

Fenómeno Phi
Wertheimer numa viagem de comboio observou um fenómeno - a impressão de movimento
- isto é, a percepção de movimento aparente (observação de movimento físico quando este
não ocorre). Na sua investigação identificou o Fenómeno Phi. Projectou uma luz por duas

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ranhuras, uma vertical e outra com 20-30 graus de verticalidade. Primeiramente, a luz
atravessou por uma ranhura e depois por outra outra, com um intervalo relativamente longo
(mais de 200 milissegundos). Neste sentido, identificou a perceção de 2 luzes sucessivas
(primeiro uma luz numa ranhura e depois a outra luz na outra ranhura).
Seguidamente, diminuiu o intervalo entre as luzes, obtendo a perceção de 2 luzes contínuas.
Quando atingido um intervalo de 60 milissegundos, considerado o intervalo de tempo ótimo
entre as luzes, a sua perceção era a de uma linha única de luz que parecia mover-se de uma
ranhura para a outra e na direção inversa.
Com esta experiência, concluiu que o movimento existe tal como é percepcionado, não
devendo ser explicado por um somatório de sensações simples. Ou seja, a experiência
sensorial não pode ser analisada com base no somatório dos elementos sensoriais.

Princípios de Gestalt
O princípio gastáltico considera que “o todo difere da soma dos seus elementos
individuais” (Koffka, s.d.; Koehler, s.d.; Wertheimer, s.d.). Os fenómenos são percepcionados
na sua totalidade, ou seja, sem dissociação dos seus elementos contextuais. Esta
abordagem difere da abordagem estruturalista radical, segundo a qual as sensações simples
constituem elementos construtores da forma percebida.
Neste sentido, é definida a Lei da Pregnância (Pragnanz) - a qual refere que qualquer arranjo
visual (tudo o que se vê num determinado momento) tende a ser simplificado, sendo os
elementos discrepantes organizados de forma estável e coerente (ex., percebemos uma
determinada figura, percepcionando as restantes sensações como pertencentes a um plano
de fundo).
Quando se refere “figura”, considera-se qualquer objeto realçado contra ou em comparação
a um plano de fundo, recuado e sem realce.
Os princípios, de seguida enumerados, sustentam a Lei de Pragnanz, ilustrando a tendência
para perceber os arranjos visuais em formas que organizam com maior simplicidade os
elementos discrepantes de forma estável e coerente.

1. Princípio da Figura-Fundo - num determinado campo visual, alguns objetos são


destacados (figura), enquanto outros recuam para um planos fundo.

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2. Princípio da Proximidade - num determinado arranjo visual, os objetos que se encontram


mutuamente próximos tendem a ser percepcionados como formando um grupo.
3. Princípio da Similaridade - num determinado arranjo visual, tendemos a agrupar objetos
com base na sua semelhança.
4. Princípio da Continuidade - tendência para perceber as formas harmoniosas ou
contínuas em vez de descontínuas ou desarticuladas.
5. Princípio do Acabamento - tendência para acabar/completar perceptivamente os objetos
que não se encontram, de facto, completos.

A nossa tendência para organizar as percepções faz com que, por vezes, o ambiente
perceptual seja diferente do ambiente físico, podendo levar a ilusões ou enganos.

A difusão da Psicologia da Gestalt


Na década de 1920, o movimento Gestalt era visto como uma escola de pensamento
coerente, dominante e em ascensão na Alemanha. Centrada no Instituto Psicológico da
Universidade de Berlim, este movimento atraia jovens estudantes de várias partes do mundo,
sendo na sua maioria mulheres. Este Instituto possuía um dos maiores laboratórios do
mundo, estando apetrechado de todos os instrumentos e condições necessárias para a
investigação de questões psicológicas, segundo a abordagem de gestalt. Neste âmbito, foi
lançado um periódico “Gestalt Psychological Research” que foi aceite e respeitado por toda
a parte.
Durante a tomada do poder na Alemanha por parte dos nazis, os psicólogos da gestalt
viram-se forçados a deixar o país, dirigindo-se então à comunidade sediada nos Estados
Unidos da América. De uma forma geral, livros, artigos e periódicos tiveram uma boa
aceitação, chegando mesmo a ser traduzidos para inglês. Posteriormente, vários foram os
autores que ajudaram a difundir e a desenvolver as teorias da Psicologia da Gestalt. Porém,
várias foram as barreiras que lentificaram todo o processo de difusão deste movimento, são
algumas delas:
- O behaviorismo estava no auge de sua popularidade;
- A língua constituiu-se uma barreira (material escrito em alemão);
- Muitos psicólogos acreditavam incorretamente que a psicologia da Gestalt abordava
apenas aspetos relacionados com a percepção;

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- Os fundadores Wertheimer, Koffka e Köhler sediaram-se em pequenas faculdades nos


Estados Unidos, as quais não possuíam programas de graduação;
- A psicologia americana apresentava avanços posteriores às ideias de Wundt e Titchener,
às quais os psicólogos da Gestalt se opunham.

Contributos e críticas à Psicologia da Gestalt


As críticas dirigidas à Psicologia da Gestalt referem-se à aceitação dos fenómenos (ex.,
como o fenómeno Phi) como algo natural, não sendo considerado um problema científico
com necessidade de ser investigado. Para além disso, os conceitos base não eram definidos
com rigor e clareza para serem considerados cientificamente significativos. Defendendo-se,
os psicólogos da Gestalt consideraram que, numa ciência em construção, as explicações e
definições poderão ainda estar incompletas, o que não significa que não tenham conteúdo
ou que sejam vagas.
Outra das críticas, que advém do momento vivido pela Psicologia (experimental), refere-se ao
facto de nas suas investigações, as teorias prevalecerem sob os dados e pesquisas
empíricas. Vários críticos consideraram que havia faltava de controlo adequado e os dados
não quantificados não eram passíveis de análise estatística. Para os psicólogos da Gestalt,
os dados qualitativos prevaleciam sob os dados quantitativos, sendo que grande parte das
suas investigações foi num formato exploratório.
Apesar das críticas supramencionadas, a escola de Gestalt influenciou muito o trabalho
acerca da percepção, aprendizagem, pensamento, personalidade, psicologia social e
motivação. A Psicologia de Gestalt estabeleceu-se como uma corrente individual,
continuando a fomentar o interesse pela experiência consciente como objeto de estudo,
acreditando que esta ocorre e é um objeto legítimo para investigação. Porém, é reconhecido
que este objeto não pode ser alvo de uma investigação com uma metodologia precisa e
objetiva.
Apesar de todas as críticas, as suas teorias serviram de base para novas escolas/correntes
de pensamento, como por exemplo, na Psicologia Humanística Americana e a Psicologia
Cognitiva.

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