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PSICOLOGIA

APLICADA
AO CUIDADO

Sabine Heumann
Escolas modernas da
psicologia: Gestalt
e Humanismo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir a Gestalt a partir do trabalho de Max Wertheimer.


„„ Descrever o Humanismo, destacando os trabalhos de Carl Rogers e
Abraham Maslow.
„„ Relacionar Gestalt e Humanismo com a formação do enfermeiro.

Introdução
A psicologia, enquanto ciência, desenvolveu, ao longo de sua história,
diversas formas de entender os fenômenos psicológicos. Entre as escolas
clássicas, pode-se citar a psicanálise e o behaviorismo, por exemplo.
No entanto, há outras escolas psicológicas, classificadas como modernas,
com importantes contribuições para o entendimento do ser humano e
da sua subjetividade. Entre as escolas modernas da psicologia, a Gestalt
e o Humanismo merecem destaque, devido às suas contribuições e
diferenças na forma de pensar e entender os fenômenos psicológicos.
Neste capítulo, você estudará sobre as escolas modernas da psicologia,
especificamente a Gestalt e o Humanismo. Além disso, verá a definição da
Gestalt a partir dos trabalhos de Max Wertheimer, bem como a do Huma-
nismo a partir da visão de Rogers e Maslow. Por fim, verá a relação entre
ambas as teorias, Gestalt e Humanismo, com a formação do enfermeiro.
2 Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo

1 Gestalt: as contribuições de Max Wertheimer


para a psicologia
A psicologia da Gestalt é uma linha de pensamento dentro da ciência psicológica
que teve origem no início do século XX. O termo Gestalt, oriundo da língua
alemã, é utilizado em todo o mundo por não ter um equivalente em outras lín-
guas. Seu significado está relacionado com um entendimento de configuração,
forma, de “dar forma”. Quando se trata da psicologia da Gestalt, entende-se
que o termo Gestalt está relacionado com a ideia de uma organização, uma
unidade de sentido (TENUTA; LEPESQUEUR, 2011).
A teoria da Gestalt tem como objeto de estudo a compreensão dos princípios
que regem o processo perceptivo. Sendo assim, para compreender essa teoria,
faz-se necessária uma breve explanação acerca do conceito de percepção.
Entende-se por percepção o processo de atribuição de sentido a um fenômeno
por uma consciência, englobando o processamento, a organização e a interpre-
tação de um estímulo sensorial. Em geral, para se compreender o conceito de
percepção, traça-se um paralelo com a noção de sensação (FELDMAN, 2015).

„„ Sensação: processo de detecção de estímulos oriundos do meio (ambiente) e da


transmissão desses estímulos para o cérebro.
„„ Percepção: processo de organização e interpretação (atribuição de sentido) de
um estímulo sensorial (FELDMAN, 2015).

Max Wertheimer (1880–1943), um dos principais nomes da psicologia da


Gestalt, nasceu em Praga, na República Checa, e desenvolveu, juntamente
a Kurt Koffka e Wolfgang Köhler, os princípios dessa teoria na Escola de
Psicologia de Berlim. Suas principais contribuições estão relacionadas ao
desenvolvimento da visão gestaltista (ou gestáltica) dos fatos psicológicos, a
partir da afirmação de que a percepção do todo (uma totalidade) não é deter-
minada pelos seus elementos constitutivos (suas partes). Em outras palavras,
ele entende que o todo é diferente da soma das suas partes e, mais do que isso,
que as características das partes são determinadas pela natureza do todo, e
não o contrário, como comumente se pensava (FELDMAN, 2015).
Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo 3

Sendo assim, a visão da Gestalt apresenta um ponto de vista holístico, ou


seja, considera os aspectos globais para a análise das partes e do todo. O ho-
lismo surgiu em contrapartida ao elementarismo, que considera mais eficiente
analisar as partes que compõem uma totalidade. Na perspectiva holística,
quando se considera a análise de comportamentos do ser humano de maneira
geral, não se deve buscar explicações causais e lineares que reduzam o foco
de atenção a partes específicas de um funcionamento, mas sim a análise sistê-
mica, considerando a totalidade e a interação das partes (OLIVEIRA, 2000).
Essa compreensão proposta por Wertheimer inverte tudo o que havia sido
feito nas ciências do comportamento, que buscavam descrever teoricamente os
acontecimentos (um a um), de maneira detalhada, considerando cada uma das
suas partes de forma isolada, sem levar em consideração essa compreensão
sistêmica e holística. Vale destacar, ainda, que, de acordo com a teoria da Ges-
talt, esse entendimento serve não apenas para as ciências do comportamento,
mas também para as ciências biológicas de maneira ampliada. O todo deve
ser analisado primeiro, para a compreensão de um funcionamento, de uma
questão, de um problema (ENGELMANN, 2002).

A partir da visão de Wertheimer, entende-se que o que percebemos como todo


(organizado e com sentido) é diferente do somatório de suas partes. Ou seja, a teoria
da Gestalt propõe que aquilo que percebemos (o sentido que atribuímos a algo)
é fornecido pela sua totalidade (visão holística), e não por cada uma das partes de
maneira isolada (visão elementarista) (ENGELMANN, 2002).

Tendo como base essa compreensão holística e sistêmica, Wertheimer se


dedicou ao desenvolvimento das leis da organização da Gestalt, uma série
de princípios que descrevem como o ser humano organiza as informações
captadas no ambiente a partir do processo de percepção (FELDMAN, 2015).
A Figura 1, a seguir, apresenta as leis da organização da Gestalt.
4 Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo

(b) Proximidade
(a) Fechamento

(c) Semelhança (d) Simplicidade

Figura 1. Leis da organização da Gestalt.


Fonte: Adaptada de Feldman (2015, p. 117).

A partir das leis da organização da Gestalt, compreende-se que a percepção é organi-


zada a partir da noção do todo. Cada uma dessas leis é descrita a seguir (FELDMAN, 2015).
a) Lei do fechamento: relacionada à tendência de se fechar uma imagem para
se produzir um todo com sentido. Quando alguém vê a imagem da Figura 1a, a
tendência é de que perceba um triângulo, e não três formas isoladas. Ou seja, a
tendência é de que a pessoa perceba o todo, confirmando o que propõe a teoria.
b) Princípio da proximidade: demonstra a tendência de, quando se percebe aquela
imagem, identificar pares de pontos (próximos), devido à forma como estão orga-
nizados — de maneira próxima.
c) Princípio da semelhança: outra forma de compreender o todo. Quando se analisa
a imagem, a tendência é de que se observe linhas compostas por quadrados e
círculos, e não colunas mistas. Ou seja, quando se percebe um estímulo, a tendência
é agrupar os elementos semelhantes para produzir um todo com sentido.
d) Princípio da simplicidade: demonstra que, quando se percebe algo, a tendência
é fazer isso da maneira mais simplificada possível. Muito provavelmente, você
descreveria essa imagem como um quadrado com linhas em ambos os lados
(compreensão mais simples), e não como uma sobreposição das letras W e M
(compreensão mais sofisticada).
Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo 5

Além dessa compreensão acerca do processo de percepção, Wertheimer


desenvolveu a psicologia da Gestalt a partir de quatro princípios, conforme apre-
senta Hothersall (2019). O primeiro princípio é o pensamento holístico, citado
anteriormente. O segundo princípio é a compreensão fenomenológica, que
entende que os fenômenos são o foco da psicologia. Sendo assim, a psicologia
deve analisar os fenômenos psicológicos e buscar a sua essência — entendendo
que fenômeno é tudo o que se mostra, o que se manifesta, o que aparece.
O terceiro princípio da Gestalt está relacionado à sua metodologia, que engloba
experimentos reais, envolvendo um pequeno número de sujeitos. Por fim,
o quarto princípio é o isomorfismo, que considera que os processos psicológicos
estão diretamente relacionados aos processos biológicos, principalmente aos
cerebrais. Logo, as concepções da psicologia da Gestalt podem ser utilizadas
para a compreensão dos processos de base biológica do organismo.
As contribuições de Wertheimer, Koffka e Köhler foram fundamentais
para o desenvolvimento da psicologia da Gestalt. Entretanto, há ainda outra
escola que ficou conhecida como gestaltista: a de Leipzig (também locali-
zada na Alemanha). Para melhor compreensão dessas duas escolas e de suas
contribuições ao pensamento gestaltista, elas serão apresentadas a seguir
(ENGELMANN, 2002).

As escolas gestálticas
A primeira é a escola de Berlim, também conhecida como escola da ges-
taltqualität ou qualidade gestáltica. A segunda, conhecida como escola da
ganzheitspsychologie ou psicologia da totalidade, foi desenvolvida por Felix
Krueger, na Universidade de Leipzig (ENGELMANN, 2002).

Escola da gestaltqualität ou qualidade gestáltica

A escola da qualidade gestáltica pressupõe o entendimento de que o todo é


diferente da soma de suas partes. O termo qualidade gestáltica refere-se a esse
qualificador do todo, expressando sua importância e sua diferença da soma
de suas partes. Dessa forma, a qualidade gestáltica expressa uma categoria
própria, que é maior que a adição de suas partes (ENGELMANN, 2002).
6 Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo

Escola da ganzheitspsychologie ou psicologia da totalidade

A escola da totalidade, proposta por Kruger, tem o mesmo entendimento da


concepção de todo e da sua importância que a escola da qualidade gestáltica.
O que as diferencia é o fato de Kruger enfatizar mais a afetividade e os fenô-
menos psicológicos. Nessa escola, destaca-se a relação entre figura e fundo
e a interação entre fatores internos e externos, considerando que a totalidade
sempre será um produto da combinação de ambos os aspectos. Ou seja, deve-se
considerar, na análise de um fato, de uma pessoa, de um problema, aspectos
relacionados também ao contexto em que esse objeto de análise está inserido
(ENGELMANN, 2002).

A psicologia da Gestalt e a Gestalt-terapia


Quando se fala em Gestalt, muitas vezes, remete-se à Gestalt-terapia (GT). Por
isso, faz-se necessário conhecer a relação entre a psicologia da Gestalt e a GT.
Primeiro, vale destacar que a relação entre elas é bastante tênue, e há quem
diga que essa relação está apenas no termo. Na história da GT, há algumas
controvérsias. Alguns dizem que ela foi fundada por Fritz Perls, porém isso
não é unânime. Outros autores afirmam que ela foi fundada pelo chamado
Grupo dos Sete, do qual faziam parte Perls, Laura (sua esposa), Paul Goodman,
Isadore From, Paul Weisz, Elliot Shapiro e Sylvester Eastman.
O termo Gestalt-terapia foi utilizado pela primeira vez na publicação do
livro Gestalttherapy: excitement and growth in the human personality, em
1951, escrito por Perls, Hefferline e Goodman. Esse livro, considerado o marco
inicial da abordagem, provocou mudanças em alguns paradigmas da psicologia
da época, propondo uma nova teoria (HOTHERSALL, 2019).
Para Perls, o objetivo da terapia é fazer a pessoa querer experimentar a
vida no momento presente. O “por quê?” clássico da psicanálise dá lugar ao
“o quê? e ao “como?” na GT, e a forma como a pessoa se apresenta na situação
atual ganha destaque. O Gestalt-terapeuta não busca explicar os comporta-
mentos, mas sim trabalhar aspectos do presente, possibilitando ao cliente a
experimentação e a improvisação (GINGER; GINGER, 1995).
Conforme descreve Yontef (1998), a teoria da GT tem como visão de mundo
a teoria de campo, elaborada por Kurt Lewin, que compreende o entendimento
do fenômeno como parte de um campo total, amplo, não o analisando de forma
isolada. Dessa forma, a GT pressupõe que tudo o que ocorre no campo afeta o
todo, ou seja, as partes estão interligadas e reagem umas às outras — nenhuma
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deixa de ser afetada pelo que acontece com a outra. Com essa afirmação,
pode-se perceber uma relação da psicologia da Gestalt com a GT.
Além da teoria de campo, a GT tem como sustentação a visão de mundo e
de homem com base humanista, existencial-fenomenológica. De acordo com
essa visão, entende-se que o mundo e a existência têm o homem como elemento
central, sendo ele dotado de potencial, capaz de buscar suas próprias soluções,
quando em condições favoráveis. Quanto à base existencial, pode-se dizer que,
na GT, entende-se que o homem é um ser singular, particularizado no seu modo
de ser no mundo. Já no que diz respeito à base fenomenológica, entende-se
que esta pode servir como uma filosofia e como um método. Assim, quando
se fala em método fenomenológico, trata-se de uma descrição sistemática da
experiência imediata, a partir da suspensão de todo e qualquer pressuposto
acerca do fenômeno analisado. Já enquanto filosofia, a fenomenologia busca
estudar o fenômeno em si, o seu ponto mais essencial, sua essência (RIBEIRO,
1985; YONTEF, 1998).
Ou seja, a psicologia da Gestalt e a GT se relacionam, pois ambas estavam
interessadas na experiência consciente e na percepção, trazendo um ponto de
vista diferente do que vinha sendo proposto pelas teorias clássicas da psicologia
(HOTHERSALL, 2019).

2 Humanismo: o trabalho de Carl Rogers e


Abraham Maslow
O Humanismo surge a partir das décadas de 1960 e 1970, principalmente a
partir das contribuições de Rogers e Maslow. A abordagem humanista surge
em contraponto à psicanálise e ao behaviorismo, correntes fortes na época, a
qual defendia a ideia de que o ser humano é dotado de forças e potenciais, por
meio de uma visão mais otimista e lisonjeira da natureza humana, descrevendo
as pessoas como seres criativos, que buscam a autorrealização (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2019).
A psicologia humanista teve como principais influências as obras do neu-
ropsiquiatra Kurt Goldstein, da psicologia da Gestalt, entre outros. Goldstein,
por meio da publicação de The Organism, em 1934, e Human Nature in the
light of psychopathology, em 1940, introduziu conceitos desenvolvidos pelos
humanistas posteriormente, como a tendência ao crescimento e a autoatuali-
zação. Já no que diz respeito à influência da psicologia da Gestalt, destaca-se
a concepção holística de homem, enfatizando a visão de que o organismo é um
todo unificado, afetado pelo que acontece em suas partes de uma forma total.
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Assim, o Humanismo considera o homem como uma unidade irredutível, em


que tudo está relacionado com tudo, e o todo é mais do que a soma de suas
partes (ARJA CASTAÑON, 2007).

O trabalho de Abraham Maslow


Abraham Maslow (1908–1970), considerado o fundador e líder do movimento
humanista, nasceu nos Estados Unidos. Ele destacava, em sua obra, os as-
pectos positivos do ser humano, como felicidade, paz de espírito e satisfação.
Para desenvolver suas concepções, Maslow propôs uma hierarquia das cinco
necessidades inatas que direcionam o comportamento do ser humano, são
elas: as necessidades fisiológicas, de segurança, de afiliação (pertencimento) e
amor, de estima e de autorrealização. Essas necessidades são comuns a todos
e nos acompanham desde o nascimento (são inatas). No entanto, as formas
como cada um atuará para satisfazer essas necessidades são aprendidas ao
longo da vida, variando de pessoa para pessoa (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).
As necessidades de Maslow são organizadas de forma hierárquica, sendo
que as inferiores precisam ser satisfeitas (pelo menos de forma parcial) para
que as necessidades superiores passem a influenciar o comportamento hu-
mano. Elas são organizadas da seguinte forma, conforme descreve Schultz
e Schultz (2019).

Necessidades fisiológicas

Essas necessidades são as mais básicas do ser humano, as quais estão rela-
cionadas à sobrevivência, como alimentação, água e sexo. Entretanto, essas
necessidades, por estarem na base da pirâmide, são as mais fortes de todas.
Por exemplo, pessoas famintas têm necessidade apenas de comida, ou seja,
somente quando essa necessidade for suprida, mesmo que parcialmente, é que
elas passarão a ansiar por outras coisas mais sofisticadas, como as necessidades
de segurança.

Necessidades de segurança

São as necessidades que ocupam o segundo nível na hierarquia de Maslow,


contemplando aspectos relacionados a proteção, ordem e estabilidade. Apenas
quando essas necessidades estão parcialmente satisfeitas é que o compor-
tamento humano passa a ser motivado ou influenciado pela satisfação das
necessidades de afiliação e amor.
Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo 9

Necessidades de afiliação (pertencimento) e amor

Quando as necessidades fisiológicas e de segurança estão satisfeitas, o homem


ocupa-se das necessidades de amor e pertencimento. O sentimento de fazer
parte de um grupo e sentir-se amado por um amigo ou companheiro são alguns
exemplos dessas necessidades. À medida que as necessidades de pertencimento
e amor são satisfeitas, o ser humano ocupa-se das necessidades de estima.

Necessidades de estima

O quarto nível da hierarquia das necessidades de Maslow diz respeito à ne-


cessidade de reconhecimento, valorização, sucesso social. Essas necessi-
dades também englobam o sentimento de autovalorização, de autoestima.
Ou seja, as necessidades de estima estão relacionadas tanto ao reconhecimento
social quanto ao próprio reconhecimento. Quando essas necessidades são
satisfeitas em algum grau, passa-se para o último nível, as necessidades de
autorrealização.

Necessidades de autorrealização

São as necessidades mais elevadas na hierarquia de Maslow, com as quais o


ser humano se ocupa quando as demais já estão satisfeitas, ainda que não por
completo. A necessidade de autorrealização está relacionada ao desenvolvi-
mento mais completo do ser humano, ao alcance de seu máximo potencial,
variando de pessoa para pessoa. Por exemplo, um músico precisa compor
para atingir sua autorrealização; um arquiteto precisa realizar projetos; um
enfermeiro precisa ajudar seus pacientes, e assim por diante.
A visão de Maslow é positiva e otimista, pois focaliza a saúde psicológica,
o desenvolvimento, os potenciais. A visão humanista possui uma forte con-
fiança na capacidade do ser humano de moldar a vida e a sociedade, mesmo
diante de fatores biológicos e de constituição negativos. Ou seja, para Maslow,
o homem tem o livre-arbítrio para escolher a melhor maneira de realizar seu
potencial e é responsável pelo nível de desenvolvimento pessoal que atinge.
Além disso, para ele, o homem possui mais potencial do que imagina para
lidar com as questões da sua vida, mesmo em situações adversas, e, quando
em condições adequadas, pode atingir níveis muito altos de autorrealiza-
ção. A natureza humana é boa, afável, com um vasto potencial (SCHULTZ;
SCHULTZ, 2019).
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O trabalho de Carl Rogers


Carl Rogers (1902–1987), nascido em Chicago, nos Estados Unidos, criou uma
abordagem bastante popular em psicoterapia, a terapia centrada na pessoa.
Assim como Maslow, Rogers tem suas bases na psicologia humanista e entende
que o potencial de mudança é centrado no interior da pessoa. Sua principal
contribuição — e o que o diferencia de Maslow — foi a proposta de uma
única motivação humana, inata e imprescindível: a tendência humana de se
atualizar e desenvolver seus potenciais e capacidades, a tendência atualizante
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Para Rogers, a única necessidade do ser humano — que motivará todas as suas ações,
em última instância — é de se atualizar e desenvolver seus potenciais e capacidades.
Observe que, embora Maslow e Rogers tenham como base a psicologia humanista,
compartilhando uma visão positiva e mais favorável do ser humano, suas teorias
possuem algumas diferenças.
Para Maslow, o comportamento do homem é balizado por cinco diferentes ne-
cessidades, organizadas de forma hierárquica. A necessidade mais “sofisticada” —
a de autorrealização — apenas passará a influenciar as ações quando as demais
necessidades, abaixo dela, forem realizadas (ainda que em partes). Já para Rogers, há
apenas uma única necessidade que influencia o ser humano: a de se atualizar e atingir
seu máximo potencial (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Tendo em vista esse entendimento, os processos psicoterápicos da aborda-


gem centrada na pessoa têm como fundamento a consideração positiva (aceita-
ção, amor e aprovação recebida dos outros) para o desenvolvimento favorável.
Com o tempo e o desenvolvimento da pessoa, a consideração positiva passa a
vir de dentro, o que foi chamado por Rogers de autoconsideração positiva.
Essa postura favorável é crucial para o desenvolvimento coerente com a visão
humanista do ser humano como alguém dotado de potenciais e que tende a
realizá-los da forma mais positiva possível (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).
Para Rogers, à medida que a pessoa realiza seu potencial, atualizando-se,
ela se torna o que foi chamado por ele de pessoa de pleno funcionamento. As
pessoas de pleno funcionamento são cientes da própria experiência, tornando-
-se abertas a sentimentos positivos e negativos (sentindo-os mais intensamente
Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo 11

e percebendo sentimentos como medo e dor a partir de uma ótica positiva,


apreciando sua função para o desenvolvimento). Elas também sentem confiança
no seu próprio comportamento e nos seus sentimentos (pois são cientes de seu
potencial), são livres para fazer escolhas, são criativas e conseguem se adaptar
às novas necessidades que surgem no ambiente. Além disso, as pessoas de pleno
funcionamento sabem que podem enfrentar dificuldades, conhecem seu potencial
e não necessariamente são alegres ou contentes, mas podem ser descritas como
pessoas enriquecedoras e significativas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

Rogers é bem claro quanto à sua posição no dilema livre-arbítrio versus determinismo.
De acordo com ele, a pessoa de pleno funcionamento está apta a fazer suas escolhas
e a criar a sua identidade/personalidade, ou seja, ele acredita no livre-arbítrio, e não
no determinismo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2019).

3 A formação do enfermeiro: contribuições das


escolas modernas da psicologia
As escolas modernas da psicologia, especificamente Gestalt e Humanismo,
permitem uma compreensão de homem e mundo específica. Como visto, essa
visão tem uma perspectiva bastante positiva, focando no desenvolvimento
do potencial humano, na visão holística de ser humano e na relação entre
ele e o contexto em que está inserido. Esperidião e Munari (2000) levantam
alguns questionamentos acerca dessas compreensões na prática profissional
dos enfermeiros. De acordo com os autores, apesar da problematização e da
discussão sobre a importância de se considerar a integralidade do ser humano,
muitas vezes, observa-se uma visão fragmentada do seu funcionamento. Por
exemplo, quando, ao exercer o seu trabalho, o enfermeiro busca comparti-
mentalizar cada parte do ser humano, a visão holística apresentada e discutida
neste capítulo está sendo deixada de lado.
Seguindo essa reflexão, Lima et al. (2011) discutem a importância da
formação ético-humanista para o profissional da enfermagem. De acordo com
as autoras, o ensino em saúde não pode ser voltado apenas ao desempenho
técnico dos profissionais, mas também deve abarcar a dimensão humana,
o conhecimento e a habilidade para falar, ouvir, reconhecer e expressar senti-
12 Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo

mentos. Além disso, nesse sentido, elas destacam que a formação profissional
deve promover o enfoque no olhar integral. Assim, entende-se que o enfermeiro
deve trabalhar na busca pela assistência ampliada, centrada no indivíduo
como um todo, e não apenas na doença ou na dimensão biológica. Ou seja,
a concepção de integralidade está relacionada ao resgate da dimensão total
do ser humano, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos, espirituais e
sociais — o cuidado holístico.
Essas discussões reforçam aspectos mencionados anteriormente nas es-
colas do Humanismo e da Gestalt. Em geral, conforme apontam Lima et
al. (2011), as teorias da enfermagem compreendem que o enfermeiro é o
responsável pelo cuidado do ser humano de uma maneira integral, ou seja,
considerando suas necessidades biológicas, psicológicas, sociais e espirituais
(biopsicossocioespirituais), pois não é possível tratar ou cuidar de partes de
maneira isolada, apenas de um todo que se organiza e se complementa. Ou seja,
a discussão feita pelas autoras reforça a ideia de que o aluno de enfermagem
deve desenvolver competências que favoreçam a compreensão humanista da
pessoa, valorizando sua integralidade e suas capacidades potenciais.
Souza et al. (2005) corroboram essa linha de pensamento discutindo
o conceito de cuidado em enfermagem. Conforme afirmam as autoras, cuidar,
em enfermagem, pode ser entendido como um processo de destinar esforços
transpessoais a outro ser humano, visando à sua proteção, à promoção da sua
humanidade e ajudando essa pessoa a encontrar significado na sua doença,
no seu sofrimento e na sua dor.
A concepção humanista dá um sentido a esse cuidar, que passa a não
ser meramente instrumental, mas sim dotado de sentido, embasado em uma
perspectiva teórica. Conforme as autoras, o cuidar nunca é neutro, ele sempre
é apoiado em um conjunto de ideias de quem o executa, uma forma de pensar.
Nesse contexto, o referencial humanista pode ser esse conjunto de ideias,
essa “forma de pensar”, de compreender o ser humano, visando a valorizar a
potência de cada um, a sua saúde, bem como a sua cidadania.

Para saber mais sobre esse assunto, leia o artigo O cuidado em enfermagem: uma
aproximação teórica, Souza et al. (2005), que propõe uma reflexão acerca dos sentidos
do processo de cuidado na enfermagem.
Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo 13

Esperidião e Munari (2000) contribuem para essa reflexão discutindo em


específico as influências da visão da abordagem gestáltica (utilizando o refe-
rencial teórico da GT) como uma forma de reflexão do papel do enfermeiro.
Os autores problematizam sobre a formação desse profissional, que utiliza a
visão de ser humano embasada nos princípios humanistas e gestálticos. Para
atuar com esses princípios, os autores destacam a importância do autoconheci-
mento como parte fundamental do desenvolvimento profissional do enfermeiro,
visto que o cuidado será feito com maior excelência quando se considera a
relação entre duas pessoas — pessoa (paciente)–pessoa (profissional). Desse
modo, entende-se que é a partir do estabelecimento genuíno dessa relação
que é possível constituir um contato eficiente com o paciente, para praticar a
enfermagem de uma forma mais humanizada.
Carneiro (1986) enfatiza que, para o profissional da enfermagem trabalhar
dessa forma, é importante que ele acredite de maneira genuína no potencial do
paciente. A relação entre os dois deve ser feita de maneira autêntica, e, para
isso, o enfermeiro deve buscar identificar e viver plenamente seus sentimentos
e emoções. A partir dessa relação, o enfermeiro deve buscar despertar no
paciente sua confiança, deixando-o falar sobre si e valorizando seus passos
no processo. Contudo, isso só pode ocorrer, de fato, quando o profissional
está disposto a compreender suas próprias qualidades, falhas e limitações,
buscando continuamente se aperfeiçoar, tentando ser cada vez mais, conforme
a teoria de Rogers, uma pessoa de pleno funcionamento. Além disso, pensando
na parte prática da atuação profissional, é importante que o enfermeiro, ao
planejar os cuidados ao paciente, busque envolvê-lo no processo, pois isso é
importante para que o paciente incorpore suas necessidades e as ações e os
cuidados que devem ser tomados.
Assim, observa-se que, cada vez mais, há uma tendência e um movimento
de resgate e valorização de aspectos humanos nos contextos de saúde. Essa
valorização constitui uma abordagem mais humanizada, sistêmica e integradora
do paciente, alinhada às concepções das escolas modernas de psicologia. Como
visto, tanto a abordagem gestáltica quanto a humanista possuem semelhanças
em sua forma de compreender o homem e o mundo, estando muito embasadas
em uma concepção positiva de ser humano, percebendo-o como um ser dotado
de potencial. Conforme defendem Rogers, Maslow e a abordagem gestaltista,
o ser humano busca por desenvolvimento, atualização, crescimento, e, quando
em situações adequadas, sua tendência é aflorar os aspectos positivos. Essa
forma favorável de ver o ser humano e, principalmente, de compreendê-lo
de maneira integral, sem compartimentalizar saúde, doença, psicológico,
espiritual, biológico e social, mas sim integrar tudo isso na percepção que
14 Escolas modernas da psicologia: Gestalt e Humanismo

o enfermeiro faz do seu paciente, é uma grande contribuição das escolas


modernas da psicologia para a prática desses profissionais.

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Leitura recomendada
CURVELLO, F. V.; FERREIRA, A. A. L. O trabalho antropológico de Max Wertheimer e
a psicologia da Gestalt. Psicologia em Pesquisa, Juiz de Fora, v. 8, n. 1, p. 77–84, 2014.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-
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