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RESENHA

PSICO Ψ
v. 39, n. 2, pp. 255-257, abr./jun. 2008

A família como protagonista: desafios atuais


The family as a protagonist: nowadays challenges
La familia como protagonista principal: desafios actuales

Débora Staub Cano


Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

RESENHA SOBRE O LIVRO:


Família e... Comunicação, Divórcio, Mudança, Resiliência,
Deficiência, Lei, Bioética, Doença, Religião e Drogadição.
Ceneide Maria de Oliveira Cerveny
Casa do Psicólogo
São Paulo, 2004

A família, compreendida como uma estrutura de demos deixar de salientar que, sob esta ótica, são pro-
suporte social e historicamente fundamental para o de- postas reflexões de como a família está inter-relacio-
senvolvimento do ser humano, está, a todo tempo, sen- nada com as mais diversas questões que a circundam.
do desafiada na sua organização, configuração e dinâ- A obra marca uma diferença no âmbito nacional, uma
mica. Isto reflete diretamente no seu campo de pes- vez que as reflexões teóricas são produzidas por estu-
quisas, por ela atuar como protagonista. As rela- diosos e pesquisadores brasileiros, até porque, muitas
ções, por exemplo, entre família e lei, família e doação vezes, as referências utilizadas na terapia familiar par-
de órgãos, família e redes sociais, são algumas das tem de outras realidades culturais e sociais. Composta
interfaces que instigam tanto os teóricos como os pro- de dez capítulos e cerca de duzentas páginas, caracte-
fissionais que trabalham com o núcleo familiar. Advém riza-se por poder ser consultada capítulo a capítulo, de
daí um necessário processo de reflexão e contextuali- modo que o leitor percorra suas diversas temáticas.
zação, da família, principalmente à luz da realidade Realizando uma análise mais acurada, encontra-se
brasileira. no capítulo 1, de autoria da própria organizadora
Neste raciocínio, a Profa. Dra. Ceneide M. de Oli- Ceneide Cerveny, o tema Comunicação, em que são
veira Cerveny organizou em sua obra (Família e... Co- trazidos alguns modelos e teorias sobre o assunto; são
municação, Divórcio, Mudança, Resiliência, Deficiên- também discutidos exemplos práticos de como a
cia, Lei, Bioética, Doença, Religião e Drogadição) comunicação se estabelece na família, fatores que
um conjunto de capítulos em que a diversidade de te- dificultam este processo, podendo causar distorções e
mas pode ser contemplada. Assim, com a contribuição ruídos entre o emissor e o receptor, e ainda aspectos a
de vários autores, de experiências distintas e rele- serem considerados para que esta seja facilitada.
vantes na área, o segundo livro da coleção “Família Salienta-se que a comunicação permeia todas as
e...” traz para discussão assuntos que a permeiam no relações familiares e está diretamente relacionada com
atual acontecer histórico. a prática da terapia familiar, caracterizando-se por ser
Ancorados na Abordagem Sistêmica, que com- muito mais do que apenas emitir uma mensagem,
preende a família como uma rede de relações, em que podendo ser considerada um processo de interação e
aquilo que acontece a um membro repercute em toda a influência entre as pessoas.
estrutura familiar, ou seja, estabelece uma relação de O segundo capítulo, de autoria de Eliana R.
recursividade, sendo o membro familiar tanto influen- Nazareth, traz o tema Divórcio, depreendendo-se que
ciado como fator de influência do sistema. Não po- a separação não acaba com a família, mas a transfor-
256 Cano, D. S. & More, C. O.

ma. Deste modo, são descritas algumas modificações Família e Lei é o título do capítulo 6, que, a partir de
daí decorrentes, uma vez que a conjugalidade foi dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
rompida. Em seguida, a autora propõe e descreve Estatística), demonstra como o grupo familiar vem-se
as fases pelas quais passam o casal e as famílias que constituindo nos últimos anos. Assinala o crescimento
enfrentam o processo de separação, que vão desde de outros tipos de configurações e padrões familiares,
a insatisfação com o relacionamento até a etapa do diferentes do modelo patriarcal, apontando para novos
ajustamento. modelos de relacionamento, em que a individualidade,
Em Família e Mudança, a autora Rosa Maria P. da tanto do homem quanto da mulher, ganham espaço.
Silva Vicente apresenta alguns momentos transicionais Fruto das transformações femininas, fala-se no surgi-
que desestabilizam o sistema familiar, exigindo trans- mento de um outro homem, decorrente da descons-
formações e mudanças. Estes, muitas vezes, motivam trução daquilo que era concebido como papel mas-
consulta aos terapeutas de família, desde o nascimento culino.
de um filho, migrações, recasamento, até o apare- A autora Evani Zambon Marques da Silva, expõe
cimento de doenças graves ou morte de um membro. sua prática junto ao poder judiciário, na função de
Evidencia-se a necessidade de trabalhar com os recur- perita e mediadora, realizando uma contextualização
sos da própria família e de seus indivíduos, a fim de de como as leis foram sendo modificadas, a fim de
que consigam lidar com as dores e dificuldades dessas acompanharem esses ‘avanços’ e mudanças da socie-
transições. dade. Por fim, debruça-se sobre a interdisciplinaridade
A Resiliência é o tema apresentando no quarto entre psicologia e direito, destacando a importância
capítulo, em que, partindo de uma conceituação teó- da psicologia como dispositivo para facilitar o proces-
rica, a autora Marilza T. Soares de Souza percorre so das famílias que transitam pelo judiciário.
aspectos históricos, que enfatizam a evolução do O capítulo 7, Família e Bioética, de J.G. Furlan
conceito, desde a sua concepção individual, passando Gomes, contempla as famílias de pacientes com doen-
pelo estudo das influências contextuais do termo. ças crônicas, em especial a situação da doação de
Logo, o que pode ser fator de proteção num determi- órgãos intervivos, em casos de insuficiência renal
nado contexto, poderá configurar fator de risco em crônica, entre irmãos. Inicialmente, resgatam-se con-
outro meio, até atingir o conceito de resiliência fa- ceitos de ética e bioética. De acordo com as propo-
miliar. Propõe-se que a mesma diz respeito aos fatores sições teóricas, Ética se refere a um conjunto de ati-
de enfrentamento, capacidade de transformação e tudes e ações, construídas através do diálogo e de
flexibilidade da família frente às crises e as mudanças reflexões que buscam o equilíbrio e a justiça nas re-
decorrentes do ciclo vital. Em suma, a resiliência é um lações, salientando-se que a construção de um senso
sistema em si mesmo, marcado pela interação de ético se alicerça na convivência familiar. Já Bioética
vários aspectos, social, histórico, e que passa pela remete a uma disciplina que estaria interessada numa
interpretação do contexto e da rede familiar. Diante proposição justa, no que concerne aos avanços
deste quadro, apresenta-se um mapa para compreen- científicos. O autor do capítulo defende que tanto a
der os processos que fortalecem as habilidades da ética como a bioética se desenvolvem a partir da refle-
família para solucionar problemas, que envolvem os xão e do diálogo, e é deste modo que estes conceitos
padrões de organização, comunicação e o sistema de são trazidos para dentro da família com pacientes
crenças familiares. Desenvolve-se, então, uma refle- renais crônicos, pois se coloca a necessidade de con-
xão sobre a intersecção da cultura no desenvolvimento versação entre seus membros, a fim de tomarem
da resiliência individual e familiar. decisões acerca da doação de órgãos. Sob essa ótica, a
Outro tema pertinente, e que tende a amplificar as doença familiar crônica não se limita ao paciente, mas
dificuldades inerentes do desenvolvimento do ciclo vi- afeta toda a família, conforme ilustrado em alguns ca-
tal familiar, é a Deficiência. Neste aspecto, a autora Ân- sos, descritos como exemplo. Percebe-se que situações
gela Fortes de Almeida Prado aponta, no capítulo 5, a como estas trazem para dentro da família discussões
necessidade de adaptação familiar, uma vez que a sobre a vida e a morte, ‘exigindo’ uma revisão de todas
família tem que lidar com uma realidade não assi- as relações parentais. A discussão é bastante oportuna,
milada anteriormente. Apresentam-se elementos que pois aponta a necessidade de contextualizações da fa-
podem facilitar ou dificultar o enfrentamento dessa mília diante da doação de órgãos e das doenças crô-
situação, e também são descritas as fases do processo nicas, bem como a importância de resgatar valores
de compreensão, adaptação, aceitação, onde são éticos e outros que envolvem a vida.
tecidas contribuições sobre o funcionamento das fa- No rastro desta ótica – doença na família, o capítu-
mílias com portadores de deficiência e as etapas do lo 8, Família e Doença, de Carmen R. Baldin Balieiro
ciclo vital. e Ceneide Cerveny, apresenta o desenrolar histórico
PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 39, n. 2, pp. 255-257, abr./jun. 2008
A família como protagonista: desafios atuais 257

da doença psíquica, de Hipócrates até a Reforma Psi- que estão cristalizados, situações de repetições fami-
quiátrica, e como a concepção de doença e de trata- liares e, ainda, de que modo o uso abusivo de drogas,
mento veio sendo modificada nas diferentes épocas. seja o álcool ou outras, altera o desenvolvimento fami-
Enfatiza que, com o movimento da (des) hospitalização, liar no seu ciclo vital.
a família é trazida para o contexto do tratamento. Nes- Conclui-se que os capítulos se interligam através
te sentido, a terapia familiar muito tem a contribuir, de uma linha condutora, a família, tendo como base o
uma vez que compreende a doença como decorrente primeiro deles. Analogicamente, pode-se inferir que
de um desequilíbrio de todo o sistema, sendo uma essa obra seja a ‘emissão’ de diversas mensagens,
alternativa de atendimento frente aos modelos indivi- possibilitando diferentes olhares, dos mais variados
dualistas, que focalizam apenas o paciente identifi- ‘receptores’. Daí sua importância, tanto para profis-
cado. O atendimento familiar, até mesmo a modalidade sionais da área, como a todos aqueles outros que, no
home care, é ressaltado como obtendo bons resultados seu cotidiano, lidam com a família nas suas diversas
em famílias que, muitas vezes, chegam ao atendimento interfaces.
apenas pelo membro ‘doente’, pois um olhar mais con- Ao final, cabe apontar que a análise do conjunto da
textualizado permite que todo o grupo se descentralize obra deixa em evidência as diferenças entre os au-
da doença, não ‘cronificando’ suas relações. tores quanto ao aprofundamento e desenvolvimento
A terapia familiar, na busca desta contextualiza- das temáticas propostas nos vários temas. Considera-
ção, se depara com a religião, que também é parte se que isso afeta sua homogeneidade qualitativa, em
integrante das crenças e valores familiares. Neste viés, termos de análises das temáticas propostas. Entretanto,
o penúltimo capítulo, Família e Religião, traz a con- o conjunto de reflexões possíveis assume utilidade
tribuição da autora Claudia Bruscagin, que se debruça prática, pois pode introduzir o leitor às diferentes te-
sobre conceitos de religiosidade e espiritualidade, que máticas, para que, a partir destas, possa pensar inter-
possuem relação direta com o funcionamento da fa- venções e diálogos que venham a promover um cui-
mília, uma vez que esta passa a compreender os even- dado mais amplo à família nas situações especificas
tos da vida de acordo com tal estrutura de crenças. com as quais se defronta no seu cotidiano. Isto poderá
Dessa maneira seu conhecimento pode auxiliar o tra- incentivar outros profissionais a pesquisarem e contri-
balho do terapeuta familiar, pois atuam como recursos buírem com seus conhecimentos, enriquecendo, assim,
disponíveis para enfrentar mudanças e situações de a terapia familiar no contexto brasileiro.
crise.
Por fim, o décimo capítulo, de autoria de Valéria Recebido em: 11/01/2007. Aceito em: 30/04/2008.
Rocha Brasil, aborda a questão da drogadição, com um Autoras:
panorama ao longo da história, e como esta influen- Débora Staub Cano – Psicóloga. Mestre em Psicologia pela UFSC. Especialis-
ta em Saúde da Família pela UFSC.
ciou o modo e a maneira das intervenções. Desenvol- Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré – Doutora. Professora do Programa de
vem-se idéias sobre o impacto da drogadição na fa- Pós-Graduação em Psicologia da UFSC.
mília, especialmente do alcoolismo, e a necessidade de
Endereço para correspondência:
se compreender este grupo sob a ótica sistêmica. A DÉBORA S TAUB CANO
partir daí, poder-se-á evidenciar que papéis seus mem- Rua Vinte Oito de Setembro, 47/401 – Centro
CEP 96810-530, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil
bros assumem, situações de co-dependência, papéis E-mail: deborascano@hotmail.com

PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 39, n. 2, pp. 255-257, abr./jun. 2008

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