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George

Escrito por Maria Judite Carvalho, esta pauta-se pelo intimismo e pelo realismo, próprios de
quem pretende retratar minuciosamente as inquietações da consciência moderna.

A autora descreve finamente o mundo contemporâneo, abordando os mais diferentes


temas, num registo de clareza forte e dura.

O conto

George é o pseudónimo de uma personagem feminina.


O conto «George» narra as diferentes etapas da vida de uma figura feminina que se
encontra com ela própria, no passado, e que se projeta a si mesma, no futuro.

Deste modo, o texto permite a reflexão acerca da condição feminina aliada à passagem do
tempo e acerca do modo como o ser humano vive e se relaciona com os outros, com o
mundo e, sobretudo, com o seu eu, que se vai «mudando» com a passagem do tempo.

Título do conto

O título do conto, «George», remete para o nome da protagonista no momento presente, na


idade que corresponde à maturidade e à sua realização profissional, num mundo dominado
pelos homens – o mundo da pintura.

Esse nome corresponde também à truncação de «Georgina», o seu nome, e foneticamente


a um nome masculino em inglês, necessário para singrar no seu meio profissional.

Esta mulher assume, assim, três nomes distintos, referindo-se cada um a uma diferente
fase da sua vida e às respetivas vivências e sensibilidades.

Resumo do conto

● Na primeira narrativa, é apresentada Gi, uma jovem cheia de sonhos e de ambições


e que vão de encontro aos projetos traçados pelos pais, que passam por um
casamento tradicional e por uma vida sossegada.
Contudo, Gi tem na liberdade o seu porta-estandarte, daí renunciar ao noivo e a uma
relação duradoura. As mudanças constantes de look ou a vontade de alugar casas já
mobiliadas são a expressão dessa vontade de ser independentes e de não estar presa a
convenções nem a espaços.

George sai então de casa quando tinha cerca de 18 anos, rumo a Amesterdão
(Holanda), em busca de liberdade e fugindo da sua realidade e da incompreensão dos
pais e o seu talento era desenhar.

Aos 45 anos é uma mulher de sucesso: pintora reconhecida, viajada, mulher de


muitos amores (“casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a chegar”),
cabelos sempre pintados de cor diferente (metamorfose), “malas ricas”, “dinheiro no
banco” e a sua casa holandesa.
A personagem regressa à sua terra natal após cerca de 20 anos de ausência e
desse regresso resulta a convivência imaginária entre a George adulta, a Gi
adolescente e a Georgina, “velha”.

George: retrato do presente; representação da maturidade; símbolo da ambição, do


desprendimento e da liberdade, mas também do medo e da
ansiedade.

● Na segunda narrativa, assiste-se ao diálogo entre duas mulheres, facilmente


identificadas - a Gi da juventude dialoga agora, vinte anos depois, com a adulta
George.

George e Gi reencontram-se à saída da estação, quando a primeira vem para


vender a casa de família (os seus pais já tinham falecido). Trata-se de um diálogo
imaginado que mostra ao leitor a menina de outrora, indecisa entre ficar na terra e
sair de casa. Faz referência a um namorado antigo, chamado Carlos, e ao enxoval
que a mãe lhe andava a fazer para ser uma mulher igual a tantas outras, votada à
lida da casa.
Gi finaliza este diálogo e “sorri o seu lindo sorriso branco de 18 anos.
Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal seria
possível, começam a mover-se ao mesmo tempo, devagar (…). Vão ficando longe,
mais longe.
E nenhuma delas olha para trás.”. Este diálogo imaginado, prenhe de memórias,
está sempre rodeado de um “ar queimado”, que George continuamente sente.

O comboio chega e George despede-se do seu passado, embarcando numa viagem


rumo ao futuro.
De regresso ao comboio para voltar a Amesterdão, George relembra memórias e
afasta-se desse passado, à medida que o veículo se afasta fisicamente da estação:
“Agora está à janela a ver o comboio fugir de dantes, perder para todo o sempre
árvores e casas da sua juventude”.

Gi: retrato do passado; representação da juventude; símbolo da fragilidade, da ânsia


de liberdade e da ambição da concretização dos
sonhos do eu.

● Na terceira narrativa, esboça-se o retrato de uma idosa, Georgina, de 70


anos, com quem George conversa - a terceira etapa da vida.
Georgina segura de que a vida passa rapidamente, aconselhando George a
não ser dramática, pois viverá feliz na sua casa até morrer. Esta confirma o
retrato dela mesma enquanto “rapariguinha”, conservado na mala a vida
inteira.
George fecha os olhos de novo e, quando os reabre, a “mulher velha”
desaparecera. Confiada na pertença do ainda tempo presente, “Georgina
suspira, tranquilizada. Amanhã estará em Amesterdão na bela casa
mobilada, durante quanto tempo?, vai morar com o último dos seus amores.”.

George é então confrontada por Georgina com as suas opções de vida.

Georgina: retrato do futuro; representação da velhice; símbolo da


degeneração consequente do envelhecimento, símbolo do isolamento e da
solidão.

Retrato de George

É uma pintora consagrada de 45 anos.


. O seu nome é inusitado para uma personagem feminina:
- evoca uma elite intelectual e artística:
- remete para a independência económica, fruto do seu próprio esforço;
- associado ao escândalo das ligações sentimentais à margem das
convenções
da época:
- o hábito de fumar em público;
- o uso frequente de indumentária masculina;
- as cores extravagantes dos cabelos de George.

.É uma personalidade bem-sucedida num universo predominantemente


masculino.
. Leva um estilo de vida normalmente interdito às mulheres:
- bem-estar económico;
- ligações efémeras e ocasionais com o sexo oposto.
. Constitui o protótipo da mulher independente profissionalmente realizada.
. Crê no poder imortalizador da arte.
. É acentuadamente egocêntrica.
. Tem plena consciência do envelhecimento e da solidão.
. Vive uma solidão combatida pela presença do dinheiro acumulado.

A vida é então perspetivada como uma rápida viagem, como se percebe pelas
várias reflexões que a figura feminina apresenta, nomeadamente a avaliação
e a introspeção sobre:
➔ o sucesso e o fracasso das decisões tomadas ao longo da vida;
➔ as relações interpessoais, amorosas, sociais e familiares;
➔ a ausência de ligações emocionais profundas a alguém ou a algum objeto;
➔ as conquistas profissionais e o sucesso alcançado;
➔ a passagem do tempo, a solidão e a morte;
➔ a fragmentação do “eu”.
Afastamento progressivo da infância e aproximação da velhice:

- A infância está presente, no primeiro encontro (Gi e George)

- George e Gi movem-se lentamente, como a simbolizar a


impossibilidade de George de ressuscitar o passado e de despedir-se dele.

- O segundo encontro (George e Georgina) é marcado pela velocidade do comboio e pela


sua marcha sem retorno, simbolizando a morte definitiva do passado e a aceleração da
marcha do Tempo em direção à velhice.

O espaço
● Vila parada do interior Regresso ao passado
Casa da infância
Ponto de confluência de lugares e de tempos

● Locais de passagem Visão de futuro


Viagem de comboio
As várias casas alugadas
Amesterdão
Estados Unidos

O narrador

Focaliza, na terceira pessoa, os acontecimentos, conhece o passado e o mundo interior das


personagens;

Mistura a sua voz com os pensamentos da personagem principal e com as suas falhas de
memória.

Apresenta uma visão crítica e desprovida de autopiedade que a protagonista tem de si


própria.

Reproduz as “falas” de Gi e de Georgina em itálico.

Situação económica de George

★ – independência devido ao sucesso profissional;


★ – estabilidade e riqueza.

Condição social
★ – retrato de uma mulher livre e emancipada;
★ – expectativas de uma vivência cosmopolita;
★ – reconhecimento internacional enquanto pintora.

Perspetiva sobre o mundo e interação com os outros


★ – desapego emocional;
★ – solidão e introspeção.

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