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GEORGE, Maria Judite de Carvalho

INDÍCIOS DE QUE GI É O OUTRO EU (O “ALTER-EGO”) DE GEORGE, OU SEJA, A PRÓPRIA GEORGE


- a relação de semelhança, no início trazem ambas vestidos claros, amplos
- a relação de proximidade / inseparabilidade das duas personagens – George traz consigo a
fotografia de Gi, que pinta continuamente (“O rosto da jovem |…| será o rosto de uma fotografia que
tem corrido mundo numa mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas gavetas, o único
fetiche de George”; “A rapariguinha frágil que ela tem levado a vida a pintar”)
- a simultaneidade das ações (“Param ao mesmo tempo, espantam-se em uníssono”)
- a partilha de objetos pessoais – o pregador de oiro que George tinha penhorado um dia encontra-
se ainda com Gi
- a familiaridade entre ambas (“É esquisito não lhe causar estranheza que Gi continue tão jovem que
podia ser sua filha”)
- o conhecimento por parte de George de factos da vida de Gi, apesar de não se verem há mais de
vinte anos (“– A mãe está a acabar o meu enxoval.” “– Eu sei.”)
- a habilidade de ambas e a necessidade de desenhar/pintar (“se não desenhasse dava em maluca”);
- a impossibilidade de se tocarem (“ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal
seria possível”)
- (…)
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GI É GEORGE, UMA MEMÓRIA DA JUVENTUDE, COM DEZOITO ANOS, AQUI RECORDADA NUM
DIÁLOGO CONSIGO MESMA
METAMORFOSES DA FIGURA FEMININA – George muda constantemente:
- de aparência (“fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais tarde
castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como eram dantes.”)
- de amores (“Teve muitos amores, grandes e não tanto, definitivos e passageiros, simples amores,
casou-se divorciou-se”)
- de cidade / país (“partiu, chegou, voltou a partir e a chegar, quantas vezes?”)
- de casa (“viveu sempre em quartos alugados (…), depois em casas mobiladas”; “Uma casa mobilada
é a certeza de uma porta aberta de par em par, de mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés”)
- de objetos (“Aos outros livros dá-os, vende-os a peso, que leve se sente depois”; “Queria estar
sempre pronta para partir sem que os objetos a envolvessem, a segurassem, a obrigassem a
demorar-se mais um dia que fosse)
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ESPÍRITO AVENTUREIRO, AMOR À LIBERDADE, MAS TAMBÉM DESAPEGO, DESPRENDIMENTO,
INCONSTÂNCIA

INDÍCIOS DE QUE GEORGINA É TAMBÉM GEORGE, OU A MANEIRA COMO ELA SE VÊ NO FUTURO


- o gosto pelas carteiras caras
- a pintura dos cabelos
- a vida solitária
- o facto de apenas possuir um retrato enquanto jovem
- o conhecimento de que George vive em casas mobiladas

Diálogo entre realidade (George), memória (Gi) e imaginação (Georgina)


Metamorfoses da figura feminina: as três idades da vida (juventude, idade adulta, velhice)
À maneira de Fernando Pessoa, Maria Judite de Carvalho constrói um ser disperso, sem unidade
aparente. George aparece multifacetada e, tentando compreender-se, trava um intenso diálogo (ou
monólogo?) consigo própria. O narrador apresenta ao leitor o que se passa no espaço interior de
George: o confronto incessante entre esses diferentes “eus”, num desdobramento do próprio sujeito
que finge ser outro.

GI, GEORGE, GEORGINA


GI (18 anos – JUVENTUDE)
• Submissão ao modelo feminino imposto pela sociedade
• Ingenuidade e inexperiência em relação às decisões importantes da vida
• Enraizamento familiar e afetivo
• Permanência na vila
• Ânsia de liberdade, descoberta e conhecimento (CONTUDO, os pais e a vila circunscrevem os anseios
de Gi ao casamento, à maternidade e ao exercício da pintura como distração. Jovem, noiva, com o
enxoval pronto, está, aos olhos da sociedade, no melhor momento da vida)

GEORGE (45 anos – IDADE ADULTA)


• Rompimento com as antigas relações
• Sucesso profissional (pintora de renome), glamour, sofisticação e prosperidade financeira
• Escolha da liberdade, rejeição de modelos
• Recusa da vida que a sociedade espera da mulher (vida confinada ao casamento e à maternidade).
• Desvalorização das relações afetivas
• Desapego em relação aos objetos que tragam recordações ou ponham em causa a sua
independência e liberdade
• Constante processo de fuga
CONTUDO:
• Solidão interior, desamparo, sentimento de exclusão e vazio
• Falsa completude existencial

GEORGINA (quase 70 anos – VELHICE)


• Decrepitude física
• Sofisticação e prosperidade financeira
• Experiência da vida
• Sentimento de perda
• Consciência da passagem do tempo e da efemeridade / finitude da vida; da efemeridade do poder;
da importância dos laços afetivos
• Solidão interior, desamparo, sentimento de exclusão e vazio
• Tédio, cansaço existencial

George é a decisão, Georgina as consequências dela. E Gi? Alguém que se perdeu (de forma
propositada ou não) durante esse processo.
TEMPO – fragmentado e superposto (passado, presente e futuro intercetam-se).
Tempo histórico – Portugal do Estado Novo (?), um tempo de estagnação e isolamento de Portugal.
ESPAÇO – espaço interior e exterior mesclam-se. Os espaços exteriores são apresentados de forma
extremamente significativa, já que, ao encontrar Gi, George está numa rua (espaço de trânsito) e,
quando se defronta com Georgina, a personagem está num comboio (igualmente um espaço de
trânsito). Tais espaços ligam-se à temática apresentada no conto, já que a personagem é uma eterna
errante: parte para chegar a algum lugar, com o único intuito de, depois, novamente partir. Busca
constantemente novos espaços onde, entretanto, não assenta morada permanente.
Os espaços físico/social aludidos são contrastantes: uma vila portuguesa parada no tempo/ os valores
tradicionais, as mentalidades retrógradas, a ignorância, a mulher vista como esposa e mãe…) vs. os
diversos espaços cosmopolitas (espaços de civilização, avançados, artísticos, a mulher emancipada…)
pelos quais George circula.
O espaço psicológico da vila é um espaço de mal-estar (“Calor e também aquela aragem |…| de forno
aberto”; “– Que calor, cheira a queimado, o ar.”); o bem-estar só é recuperado no final do conto (“O
calor de há pouco foi desaparecendo e agora já não há vestígios daquela aragem de forno aberto. O ar
está muito levemente morno e quase agradável. George suspira, tranquilizada”), através do
afastamento do passado e do futuro e da fixação no espaço escolhido no presente.

TEMAS DE REFLEXÃO
George larga Gi, o seu noivo, os seus pais e o seu enxoval na vila. PORQUÊ?
Será George apenas um ser disposto a subverter a sociedade machista portuguesa com um
pseudónimo masculino e estrangeiro?
Terá George amores femininos e por isto largou (ou perdeu?) o noivo português? O que tem o nome
George a dizer-nos da personagem? Será uma personagem biologicamente mulher, porém com
identidade de género masculina?
Serão, respetivamente, Gi, George e Georgina a pátria antes da guerra, durante a guerra e no pós-
guerra (país desfigurado)?
Será, também, a casa um símbolo para a pátria mãe, lugar onde muitos não queriam estar e por isto
migravam?

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