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Sempre é uma companhia, de Manuel da Fonseca

George, de Maria Judite de Carvalho


Questionários resolvidos
1.Sofrendo influências do espaço que o circunda, que é desolado e árido, como se conclui da frase exclamativa “Oh,
que despropósito de plainos sem fim, todos de roda da aldeia, e desertos!” (ll. 10-11), e do tempo, que deixa numa
escuridão sofrida a aldeia (“A noite vem de longe, cansada, tomba tão vagarosamente que o mundo parece que vai
ficar para sempre naquela magoada penumbra”, ll. 12-14), a personagem sente a solidão de forma exacerbada, o que
contribui para o desânimo que, constantemente, afeta Batola (“E o Batola por mais que não queira, tem de olhar
todos os dias o mesmo”, l. 6).

2. A eletricidade, cuja existência foi notada pelo vendedor, permitiu que a vida isolada e dorida dos habitantes de
Alcaria sofresse uma mudança radical, já que possibilitou que Batola tivesse acedido à compra de um aparelho de
rádio que levou todos à venda, lhes trouxe ânimo e desenvolveu o convívio. O isolamento transformou-se em
comunhão e, pela primeira vez, os habitantes de Alcaria sentiram que estavam ligados ao mundo através da rádio.

3. a. 2; b. 3; c. 2.
PARTE A

Leia o texto e as notas.


A outra está perto. Se houve um momento de nitidez no seu rosto, ele já passou, George não deu por isso.
Está novamente esfumado. A proximidade destrói ultimamente as imagens de George, por isso a vai vendo pior
à medida que ela se aproxima. É certo que podia pôr os óculos, mas sabe que não vale a pena tal trabalho.
Param ao mesmo tempo, espantam-se em uníssono, embora o espanto seja relativo, um pequeno espanto
5 inverdadeiro, preparado com tempo.
– Tu?
– Tu, Gi?
Tão jovem, Gi. A rapariguinha frágil, um vime, que ela tem levado a vida inteira a pintar, primeiro à maneira
de Modigliani1, depois à sua própria maneira, à de George, pintora já com nome nos marchands2 das grandes
10 cidades da Europa. Gi com um pregador de oiro que um dia ficou, por tuta e meia, num penhorista qualquer de
Lisboa. Em tempos tão difíceis.
– Vim vender a casa.
– Ah, a casa.
É esquisito não lhe causar estranheza que Gi continue tão jovem que podia ser sua filha. Quieta, de olhar
15 esquecido, vazio, e que não se espante com a venda assim anunciada, tão subitamente, sem preparação, da
casa onde talvez ainda more.
– Que pensas fazer, Gi?
– Partir, não é? Em que se pode pensar aqui, neste cu de Judas, senão em partir? Ainda não me fui embora
por causa do Carlos, mas... O Carlos pertence a isto, nunca se irá embora. Só a ideia o apavora, não é?
20 – Sim. Só a ideia.
– Ri-se de partir, como nós nos rimos de uma coisa impossível, de uma ideia louca. Quer comprar uma terra,
construir uma casa a seu modo. Recebeu uma herança e só sonha com isso. Creio que é a altura de eu...
– Creio que sim.
– Pois não é verdade?
25 – Ainda desenhas?
– Se não desenhasse dava em maluca. E eles acham que eu tenho muito jeitinho, que hei de um dia ser
uma boa senhora da vila, uma esposa exemplar, uma mãe perfeita, tudo isso com muito jeito para o desenho.
Até posso fazer retratos das crianças quando tiver tempo, não é verdade?
– É o que eles acham, não é?
30 – A mãe está a acabar o meu enxoval.
– Eu sei.
[…]
Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal seria possível, começam a mover-
-se ao mesmo tempo, devagar, como quem anda na água ou contra o vento. Vão ficando longe, mais longe.
35 E nenhuma delas olha para trás. O esquecimento desceu sobre ambas.
Maria Judite de Carvalho, “George”, in George e Seta Despedida, Porto, Porto Editora, 2015, pp. 14-17 (texto com supressões)
1. Demonstre que Gi e George representam diferentes fases da vida da mesma personagem, partindo de elementos
textuais.

2. Refira o motivo pelo qual Gi permanece na terra natal, relacionando este aspeto com as convenções sociais
vigentes, percetíveis ao longo do diálogo.

3. Complete as afirmações seguintes, selecionando a opção adequada a cada espaço.

Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
No primeiro parágrafo do excerto, aborda-se a questão a) , uma das temáticas que perpassa o conto
“George”. Neste parágrafo, é, ainda, possível identificar a presença de uma linguagem b) , associada a
vocábulos como “nitidez” (linha 1), “esfumado” (linha 2) e c) .

a) b) c)

1. da complexidade dos 1. sensorial 1. “espanto” (linha 4)


sentimentos humanos
2. emotiva 2. “rosto” (linha 1)
2. da metamorfose da figura
feminina ao longo do tempo 3. subjetiva 3. “vendo” (linha 2)

3. do carácter submisso da mulher

1. Gi e George representam, respetivamente, o tempo de juventude e a fase adulta da mesma personagem. Este
aspeto pode ser comprovado com o facto de ambas fingirem, em simultâneo, espanto no encontro mencionado no
início do excerto, o que revela um saber partilhado em relação a esse momento: “Param ao mesmo tempo,
espantam-se em uníssono, embora o espanto seja relativo, um pequeno espanto inverdadeiro, preparado com
tempo.”, ll. 4-5). Para além disso, George não estranha a juventude de Gi, por fazer parte de si (“É esquisito não lhe
causar estranheza que Gi continue tão jovem”, l. 14), e revela saber que a mãe está a terminar o enxoval de Gi, isto
é, o seu próprio enxoval, preparado durante a juventude (ll. 30-35). Por fim, na parte final do excerto, refere--se a
impossibilidade de contacto entre as personagens no beijo da despedida e o afastamento simultâneo de Gi e
George, sugerindo uma sincronia apenas possível por se referir a uma mesma pessoa: “Depois ambas dão um beijo
rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal seria possível, começam a mover-se ao mesmo tempo, devagar”, ll. 33-
34.

2. Gi permanece na terra onde nasceu devido à sua relação com Carlos, um homem que espelha as convenções
sociais que vigoravam na época em que a ação toma lugar, ao desejar usar a sua herança para construir uma casa,
formar uma família com Gi e rindo-se da pretensão de abandonar a terra natal (ll. 21-22). Assim sendo, apesar de
desejar partir, Gi não o faz, pois, naquela altura, esperava-se que a mulher desempenhasse um papel estereotipado,
que pressupunha casar, ter filhos e cuidar do lar, relegando para segundo plano os seus sonhos: “E eles acham
que eu tenho muito jeitinho, que hei de um dia ser uma boa senhora da vila, uma esposa exemplar, uma mãe
perfeita, tudo isso com muito jeito para o desenho.”, ll. 26-27.

3. a) 2. b) 1. c) 3.

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