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Ficha de preparação - Prova escrita 5 - março

PORTUGUÊS |12.º ANO

GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.


PARTE A
Leia o texto e as notas.

Andam lentamente, mais do que se pode, como quem luta sem forças contra o vento, ou
como quem caminha, também é possível, na pesada e espessa e dura água do mar. Mas não há
água nem vento, só calor, na longa rua onde George volta a passar depois de mais de vinte
anos. Calor e também aquela aragem macia e como que redonda, de forno aberto, que talvez
5 venha do sul ou de qualquer outro ponto cardeal ou colateral, perdeu a bússola não sabe onde
nem quando, perdeu tanta coisa sem ser a bússola. Perdeu ou largou?
Caminham pois lentamente, George e a outra cujo nome quase quis esquecer, quase
esqueceu. Trazem ambas vestidos claros, amplos, e a aragem empurra-os ao de leve, um deles
para o lado esquerdo de quem vai, o outro para o lado direito de quem vem, ambos na mesma
10 direção, naturalmente.
O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara, e, quando
os tiver, a esses contornos, ele será o rosto de uma fotografia que tem corrido mundo numa
mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas gavetas, o único fetiche1 de George. As suas
feições ainda são incertas, salpicando a mancha pálida, como acontece com o rosto das pessoas
15 mortas. Mas, tal como essas pessoas, tem, vai ter, uma voz muito real e viva, uma voz que a
cal e as pás da terra, e a pedra e o tempo, e ainda a distâncias e a confusão da vida de George,
não prejudicaram. Quando falar não criará espanto, um simples mal-estar.
Agora estão mais perto e ela encontra, ainda sem os ver, dois olhos largos, semicerrados,
uma boca fina, cabelos escuros, lisos, sobre um pescoço alto de Modigliani 2. Mas nesse tempo,
20 dantes, não sabia quem era Modigliani e outros tais, não eram lá de casa, os pais tinham sido
condenados pelas instâncias supremas à quase ignorância, gente de trabalho, diziam como se
os outros não trabalhassem, e sorriam um pouco com a superioridade dessa mesma ignorância
se a ouviam falar de um livro, de um filme, de um quadro nem pensar, o único que tinham visto
talvez fosse a velha estampa desbotada do Angelus3 que estava na casa de jantar. Com
25 superioridade, pois, e também com certa indignação. Ou seria mesmo vergonha? Como quem
ouve um filho atrasado dizer inépcias4 diante de gente de fora que depois, Senhor, pode ir contar
ao mundo o que ouviu. E rir. E rir.
Já não sabe, não quer saber, quando saiu da vila e partiu à descoberta da cidade grande,
onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por além-terra, por além-
30 mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais tarde
castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como dantes eram. Teve
muitos amores, grandes e não tanto, definitivos e passageiros, simples amores, casou-se,
divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a chegar, quantas vezes? Agora está - estava -,
até quando?, em Amsterdão.
35 Depois de ter deixado a vila, viveu sempre em quartos alugados mais ou menos modestos,
depois em casas mobiladas mais ou menos agradáveis. As últimas foram mesmo francamente
confortáveis. Vives numa casa mobilada sem nada de teu? Mas deve ser um horror, como podes?,
teria dito a mãe, se soubesse. Não o soube, porém. As cartas que lhe escrevia nunca tinham
sido minuciosas, de resto detestava escrever cartas e só muito raramente o fazia. Depois o pai
40 morreu e a mãe logo a seguir.

Maria Judite de Carvalho, 2015. «George».


In George e Seta Despedida. Porto: Porto Editora

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NOTAS
1fetiche: objeto que suscita grande interesse e atração.

2Modigliani: pintor italiano (1884-1920).

3Angelus: oração católica que se reza à Virgem Maria.

4inépcias: absurdos, tolices.

1. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.

Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b), c) – e, para cada uma delas, o número
que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

A referência ao «calor» que se faz sentir na «longa rua» (linha 3) e à aragem de «forno aberto»
(linha 4) sugere um ambiente marcadamente __ a) __.
O desejo de liberdade e independência de George é evidente através da __b)__, na expressão
«perdeu a bússola» (linha 5), reforçada pela reflexão «Perdeu ou largou?» (linha 6).
Para além disso, a referência à «fotografia» (linha 12) demonstra __ c) __.

a) b) c)
1. confortável e acolhedor 1. perífrase 1. a inutilidade de George se manter ligada ao
passado
2. incómodo e perturbador 2. personificação 2. o desencanto de George pelas suas
metamorfoses, ao longo do tempo
3. envolvente e confinador 3. metáfora 3. a ligação de George ao passado, do qual
não se consegue libertar

2. Atente no quarto parágrafo (linhas 18 a 27).


Explicite o modo como os pais de George reagiam aos interesses culturais da filha, relacionando-o
com o espaço social em que a protagonista nasceu.

3. Comente a expressividade das interrogações «Vives numa casa mobilada sem nada de teu? Mas
deve ser um horror, como podes?» (linha 37), no contexto em que ocorrem.

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PARTE B
Leia o soneto e as notas.

Doces águas e claras do Mondego,


doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;

5 de vós me aparto; mas, porém, não nego


que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento


10 d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cá vos acompanha,


nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
CAMÕES, Luís de, Rimas (texto estabelecido e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão),
Coimbra; Oficinas da «Atlântida», 1953
NOTAS
comprida (verso 3) – longa.
inda (verso 6) – ainda.
pérfida (verso 3) – infiel, traidora.

4. Identifique o interlocutor do sujeito poético nas duas quadras, relacionando a interpelação que lhe
dirige com o sentido do verso 8.

5. Explicite o sentido dos dois tercetos, tendo em conta o desejo expresso pelo «eu» lírico.

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6. Complete as informações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.
Na folha de resposta, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

A natureza autobiográfica do poema é comprovada por:


- características temáticas, como ___a)___;
- características linguísticas, nomeadamente ___b)___ , como ___c)___.

a) b) c)
1. os sentimentos de desilusão e 1. o uso de pronomes 1. «minha» (v. 2), «aparto» e
de tristeza do sujeito poético possessivos «nego» (v. 5)

2. a referência a elementos da 2. a utilização da segunda 2. «vos» (v. 12) e «vós»


Natureza pessoa do singular (v.14)

3. a alusão ao Destino e à 3. o recurso à primeira 3. «si» (v. 4) e «me» (v. 6)


esperança pessoa do singular

PARTE C

7. Em A Abóbada, o Mestre Afonso Domingues configura um modelo de herói romântico.

A partir da sua experiência de leitura de A Abóbada, de Alexandre Herculano, escreva uma breve
exposição sobre as características que fazem de Afonso Domingues um herói romântico.

A sua exposição deve incluir:


• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite duas características do herói romântico, fundamentando
cada uma delas em, pelo menos, uma referência pertinente à obra;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

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GRUPO II
Leia o texto e as notas.

Partilhamos tudo. Ou quase tudo. Porque a medida da nossa disponibilidade é sempre


ambígua. Como deve ser ambígua qualquer relação com o hábito. Vamos recuar 15 anos.
Imaginem-se num reduto de eleição, numa daquelas geografias onde sempre quiseram estar e
de onde nunca partiram mesmo antes de lá terem estado. Agora pensem na forma como
5 eternizavam as memórias fotográficas desse momento. E na forma como o fazem hoje, a toda
a hora, com filtros e sem eles, com hashtags que não são mais do que bandarilhas1 douradas
no nosso lombo saltimbanco, com uma cadência2 que só não é doentia porque está cristalizada
na normalização dos chamados costumes sociais.
Há 15 anos, fazíamos umas fotos (na verdade, fotografávamo-nos uns aos outros e não
10 a nós próprios, e também aí, nessa deriva narcisista, tudo mudou), passávamos essas imagens
da máquina (ou do telemóvel) para o computador ou para um disco externo. Nalguns casos,
projetávamo-las num televisor em noites de harmonia ou deboche3. Os realmente excêntricos
ousavam imprimir os fotogramas. E os varridos da cabeça editavam álbuns em papel,
legendando as imagens e dando-lhes contexto.
15 Em certo sentido, éramos mais donos das viagens e das memórias. A ditadura da partilha
(na verdade, é uma opção, é sempre uma opção, não adianta sermos fatalistas) força-nos,
porém, à vulgaridade, a algo a que eu gosto de chamar de empatia de catálogo. Que é, numa
visão menos académica do problema (quem é que falou em problema?), um expediente de que
nos servimos para alcançar a felicidade no regaço4 dos outros. Se não houver testemunhas,
20 então é porque não fomos a lado nenhum. O mero usufruto da experiência já não nos preenche.
Mas se sociabilizamos as doenças, por que raio não haveremos de sociabilizar as viagens?
Seremos piores seres humanos por querermos mostrar o Mundo que calcamos a quem
está longe? Seremos assim tão emocionalmente frágeis para que, progressivamente, nos
sintamos impelidos a transformar as noites de partilha familiar num diário público ou
25 semipúblico que se alimenta da aprovação de «amigos» que só vemos (lá está) nas fotografias?
Uma coreografia manca pode matar um argumento genial numa peça de teatro. Embora,
no caso das viagens, os argumentos sejam globalmente prodigiosos, porque as coreografias
são tradicionalmente cuidadas, pores-do-sol soberbos, linhas do horizonte bíblicas, nacos de
carne interativos numa cama de legumes tridimensional. As viagens conseguem ser uma
30 cataplana de estereótipos para consumir em massa num pequeno ecrã. A luz artificial é a
bússola involuntária que nos guia.
Daqui a 15 anos, estaremos noutro patamar de viagens, talvez mais imersivas, talvez
mais sensoriais. Mas o espelho onde nos vemos continuará a ser a projeção desalinhada de
como nos queremos mostrar. Porque, no final, ninguém quer ficar sozinho. Seja numa digressão
35 ocasional ao outro lado do Mundo, seja numa romagem5 permanente ao nosso interior.

https://www.evasoes.pt/cronicas/opiniao-de-pedro-ivo-carvalho-a-empatia-de-catalogo-nas-viagens-que-
fazemos/820109/

NOTAS
1bandarilhas – hastes ornamentadas, usadas para tourear, sendo espetadas no cachaço do touro; farpas.
2
cadência – ritmo.
3
deboche – zombaria; escárnio.
4
regaço – colo.
5
romagem – peregrinação; viagem.

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1. De acordo com os dois primeiros parágrafos do texto, comparativamente com o passado, na
atualidade, verifica-se
(A) o alargamento do número de lugares para onde podemos viajar.
(B) a banalidade na forma como se eterniza os momentos vividos.
(C) a impossibilidade de imortalizarmos todas as nossas viagens.
(D) o hábito de nos fotografarmos uns aos outros para guardar recordações.

2. Com a expressão «empatia de catálogo» (linha 17), o autor refere-se


(A) à nossa necessidade de dar a conhecer aos outros as nossas experiências de viagens.
(B) à tendência que temos para o isolamento social como forma de alcançar a felicidade.
(C) à felicidade que sentimos quando viajamos na companhia de outras pessoas.
(D) à fatalidade que nos leva a registar todas as experiências importantes das nossas vidas.

3. O comentário «(lá está)», na linha 25, apresenta uma ideia de


(A) indecisão.
(B) explicação.
(C) negação.
(D) confirmação.

4. Com base nas ideias do texto, é possível afirmar que é essencial para o ser humano
(A) mostrar aos outros a sua verdadeira essência.
(B) a vivência discreta de experiências extraordinárias.
(C) a aprovação das suas vivências por parte dos outros.
(D) privilegiar a realização de viagens mais sensoriais.

5. O pronome pessoal «nos», nas linhas 19 e 20, desempenha a função sintática de


(A) complemento direto, no primeiro caso, e complemento indireto, no segundo caso.
(B) complemento indireto, no primeiro caso, e complemento direto, no segundo caso.
(C) complemento indireto em ambos os casos.
(D) complemento direto em ambos os casos.

6. Classifique a oração «onde sempre quiseram estar» (linha 3).

7. Indique o valor aspetual veiculado por cada uma das expressões seguintes:

a) «E os varridos da cabeça editavam álbuns em papel, legendando as imagens e dando-lhes


contexto.» (linhas 13 e 14);
b) «Porque, no final, ninguém quer ficar sozinho.» (linha 34).

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GRUPO III

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e


cinquenta palavras, faça a apreciação crítica do cartoon abaixo apresentado, da autoria de Vasco
Gargalo.

Vasco Gargalo, Sábado, 2021

O seu texto deve incluir:


– a descrição da imagem apresentada, destacando elementos significativos da sua composição;
– um comentário crítico, fundamentando devidamente a sua apreciação em, pelo menos, três aspetos
relevantes e utilizando um discurso valorativo;
– uma conclusão adequada aos pontos de vista desenvolvidos.

Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando
esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente
do número de algarismos que o constituam (ex.: /2023/).

2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há que atender
ao seguinte:
− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

FIM

7/7

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