5 A Melodia Roubada
Carl-Anton Gellert, de Francoforte do Meno, nao
cra apenas um abastado negociante de selos, Era tam-
bem um excelente ¢ apreciado tocador de citara. E por
vezes, quando estava bem disposto, compunha para si
proprio algumas modinhas engragadas.
Certa noite de Setembro, encontrava-se ele em Ber-
jim por causa da Bolsa de Filatelia, foi dar uma volta
para ajudar a digestéo apdés o jantar, nas proximidades
do hotel.
Parou abruptamente e pds-se 4 escuta, na noite.
Aos seus ouvidos chegava nitidamente uma i
Uma banda de musica moderna tocava em qualquer
lado. Mas o que fez com que o senhor Gellert estreme-
cesse nao foi o facto de estarem a tocar, mas sim aquilo
que tocavam. Apés um minuto tinha-se j4 assegurado:
era a sua melodia. Disso nao tinha sombra de diivida.
Carl-Anton Gellert agiu.
Descobriu a casa de onde a misica vinha e 14 encon-
trou um disco que Ihe foi amavelmente mostrado.
E encontrou ainda mais: precisamente as indicagOes
acerca do compositor, do produtor e da casa editor.
Mas j4 o nome do compositor lhe assentara como um
duro golpe. «Franz Hotter» era o que 14 estava... Sim.
Franz Hotter chamaya-se também o seu gerente em
Francoforte. :
O acaso quis que a casa discografica se encontrasse
também em Berlim. Na manh@ seguinte ele aparecee
por 14 para se pronuneiar. A surpresa estava desta vez
* .14 do outro lado. Depois foi-lhe apresentada a pauta de
musica. Uma pauta de musica que estava escrita com a
sua propria letra, mas que mostrava como remetente a
rubrica do seu gerente, Franz Hotter. Foi-se ainda mais
longe e mostrou-se-lhe o contrato — com a mesma
tubrica.
Apesar dos punhos cerrados, Gellert optou por
uma atitude de reflexao. Segundo o ema «Aguardente
é aguardente e trabalho € trabalho», decidiu, tal como
planeado, partir de Berlim de aviao, primeiro durante
dois dias para Basileia e de 14 para Munique.
De regresso a Zurique, mandou chamar o seu
gerente e desenrolou-se 0 seguinte didlogo:
Gellert: Eu nao sabia que o senhor tem jeito para a
musica, senhor Hotter.
Hotter: Jeito para a musica? Como € que chegou a
essa conclusdo, chefe?
Gellert: Quando alguém compe, tem jeito para a
musica, ou néo? E como as suas supostas
notas de musica sio editadas por uma edi-
tora, o senhor deve ter mesmo jeito para a
musica.
Hotter: Eu nunca na minha vida escrevi notas de
musica.
Gellert: Isso parece de facto ser a verdade absoluta.
O senhor roubou a «minha» misica e ven-
deu-a com o seu nome. A isto chama-se, entre
miusicos, «plagio». No seu caso trata-se de um
mero roubo.
Nesta altura, Franz Hotter ficou branco como a
cal da parede e tacteou a procura de uma cadeira.
Hotter: S6 Bergfeld me pode ter pregado esta partida.
(Bergfeld era o guarda-livros.)
46Gellert:
HActter:
Gellert:
Hotter:
Disparate! Por que razao faria ele uma Coisa
dessas?
Ele nao me suporta. Para ele todos os meios
servem para me afastar. E, no fim de contas
nao podia fazer ideia de que o senhor fosse
precisamente a essa editora em Berlim,
No contrato esté a sua assinatura. Afinal, eu
conhego-a ha bastante tempo.
Falsificada!
Carl-Anton pés-se a andar de um lado para o outro
durante um pedago e depois dispensou Franz Hotter.
Alguns minutos mais tarde mandou chamar o guarda-
-livros Bergfeld até junto de si.
Gellert:
Bergfeld:
Gellert:
Bergfeld:
Gellert:
Bergfeld:
Gellert:
O senhor sabe que eu toco?
Sim, o senhor toca citara, senhor Gellert.
Toda a gente sabe isso.
E o que toca o senhor?
Nada. Eu sou tao musical quanto um banco
de jardim.
E verdade que o senhor nao suporta o senhor
Hotter?
Jad que mo pergunta t&éo directamente — é
tealmente assim!
Numa editora discogrdfica apareceram notas
minhas. Nomeadamente sob o nome «Hottem.
O Hotter garante que o senhor lhe pregou
esta partida.
Foi esta a vez de o senhor Bergfeld se fazer branco
como a
cadeira.
Bergfeld:
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cal da parede e tactear 4 procura de uma
Uma pura caltnia. Primeiro, nem sequer sei
onde o senhor guarda as suas notas demusica, ¢ segundo, eu nao sei escrever notas
de musica. Nem sequer copiar.
7 ER senhor também nunca escreveu para uma
Gale editora discografica?
Nunca! Além disso, eu tinha que ter falsifi-
cado a assinatura do senhor Hotter. Eu nao
ia cometer um delito desses.
Gellert: Pode ir.
pergfeld:
O senhor Gellert apoiou a cabecga nas maos e vol-
tou a pensar naquilo que acabara de ouvir ha pouco.
Apos um quarto de hora supunha saber quem era 0
ladrao das notas de musica.
E a nossa pergunta é a seguinte: Qual dos dois
empregados se vangloriavya com triunfos alheios?
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