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MEU CONTO DE

F#DAS
Copyright © 2015 Larissa Maps
TODOS OS DIREITOS
RESERVADOS.
Arte da Capa: Evy Maciel
Revisão: Bah Pinheiro
Diagramação: Evy Maciel

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito


é entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação
da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

São proibidos o armazenamento e/ou a


reprodução de qualquer parte dessa
obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

Criado no Brasil.

A violação dos direitos autorais é crime


estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal
Dedicatória
Este livro é dedicado ao meu
esposo, que acreditou no meu sonho e
embarcou nessa aventura comigo. Que
sempre me apoia quando tudo o que
tenho a oferecer são apenas ideias
embaralhadas em minha cabeça.
Ele é o meu norte, a pessoa que
não importam as adversidades sempre
estará ao meu lado.
À minha mãe, mulher guerreira
que ensinou a não desistir de nada, pois
quando se quer de verdade, é preciso
lutar para sentir quão saborosa é a
conquista e a vitória.
À minha família que às vezes
mesmo torta me direciona para o
caminho certo. Meu pai, minhas irmãs
e minhas sobrinhas são tudo para mim.
E à minha amiga Cíntia Ferreira,
que abriu meus olhos para a
possibilidade de escrever e que me
permite usar suas frases de efeito,
sempre divertidíssimas.
Agradecimentos

Eu gostaria de agradecer a
cada leitor que tornou esse meu
sonho realidade. Aos que me
cobraram, brigaram, riram comigo
em cada nova aventura dessa
personagem louca.
Essa história veio sem muita
pretensão, uma ideia solta que
achei que só interessaria a mim e
mais ninguém, e como eu estava
enganada em relação a isso.
A Fernanda é um pouco de
cada um, suas histórias tão
possíveis fizeram com que cada
leitor se aproximasse um pouco de
mim e serei eternamente grata por
cada pessoa que passou e passará
em minha vida por conta disso.
Eu preciso agradecer a
queridíssima Sophia Muller, seu
incentivo e ajuda inicial me
ajudaram a moldar essa história.
A Rosemeire Molan, esse ser
maravilhoso que me ajudou mais do
que ela é capaz de imaginar. Você
não tem uma vaga ideia do quão
importante foi na construção desse
sonho, serei eternamente grata.
Bah (Bárbara Pinheiro), uma
pessoa incrível que quero levar
comigo.
A Evy Maciel que embarcou
na minha loucura, tornando cada
traço mais real, dando uma nova
cara ao meu sonho.
Às leitoras incríveis que hoje
posso chamar de amigas, Leila
(amiga literalmente apaixonante),
Anita (com seus áudios que me
deixam saltitante, são sempre os
melhores), Leidy (minha
entrevistadora predileta), Nay,
Adriana Arebas, Glaucia (eterna
namorada de Danilo), Sheyla
Mesquita, Tiffany, Karina (quero
bolo), Alair, Cristiane, Camila,
Leonarda, Mya, Milena, Cibely,
Jomaria, Ana Luiza
(#guizinhafuriosa), Elis, Kalline
Patricia, Pamela, Carol (boneca
risadinha), Bruna Rodrigues, Marta
Gomes, Mônica Pinheiro. As
leitoras do Wattpad que pegam no
meu pé por mais capítulos e brigam
quando eu demoro a postar, eu
agradeço cada elogio e cada
crítica, sem eles eu não teria
construído uma história tão bacana.
Eu não poderia deixar nunca
de agradecer a Cíntia Ferreira,
minha grande inspiração, uma
amiga sem igual e que apesar de
nunca termos nos vistos eu sei que
posso contar contigo sempre. Você
que sempre nos momentos de JN
(piada interna de uma fase
divertidíssima) me aguentou e
embarcou comigo em minhas
loucuras. Te amo demais.
A minha irmã que me
ameaçou (brincadeira, mas nem
tanto) Ludy, e que sempre me meteu
nas maiores furadas, muitas delas
protagonizadas pela Fernanda. E
quando eu digo que de Fernanda e
louco todo mundo tem um pouco
não é à toa.
Enfim, eu quero agradecer a
todos por momentos tão
maravilhosos e espero por vocês
em outras páginas.
Prólogo
Mulher é imaginação que se
consome em vontades.
É faca que corta a própria
carne sem sangrar.
É fogo para aquecer a carne e
frio glacial para endurecer as
verdades.
É consumida em dores e
amores, nada e absolutamente tudo.
É chorar sorrindo e se alegrar
na dor.
É verso e prosa das suas
sutilezas secretas e cânticos nos
seus sabores revelados.
Mulher é alma gigante presa
em ínfimo pedaço de carne.
Mulher é brilho em meio à
escuridão dos caminhos vividos.
Não veio a esclarecer o que é
ou o que se tornará, mas permitir
que a acompanhe nas descobertas
sobre si mesma.
É estar sozinha e se sentir
melhor acompanhada de si mesma
do que com qualquer outro que
possa aparecer.
É entendimento de que se
basta e não esta em oferecimento
gratuito, mas que quem a tem perto
é merecedor de sua presença.
Mulher é bicho de campana, é
animal que corre por todos os
espaços e se faz manso ao toque
certo.
É pássaro livre que voa sem
rumo na imensidão de seus
pensamentos e desejos.
Mulher é tudo que se quer e
tudo que nunca se tem em um todo.
A alma da mulher é caixa de
Pandora, é conto ainda
indeterminado.
É querer desatinado, é fugir
de si mesma e permanecer onde
sempre esteve.
Mulher é o ser, o ter e o
poder.
Tudo cabe dentro dela, mas
ainda assim nada carrega consigo.
Mulher é.
1
SEGUNDAS-FEIRAS #DUMAL
Mal fechei os olhos e o
infeliz do celular iniciou o ensaio
da bateria de escola de samba
embaixo do meu travesseiro.
Mais uma segunda-feira. Era
apenas isso que conseguia pensar
enquanto levantava da cama,
entrava no banho e me arrumava
para ir ao escritório.
Só de pensar em sair de casa
já batia uma depressão. Não existia
nada pior do que sair à rua e ver
todas aquelas pessoas com sorriso
fácil, às oito da manhã, em plena
segunda-feira. Dava um verdadeiro
comichão só de pensar nelas. A
vontade que tinha era de jogar uma
bomba em cada sorriso idiota que
eu encontrasse pela manhã. Deveria
haver um projeto de lei para inibir
isso, e ainda ser exibido em letras
garrafais para evitar as desculpas:
“É TERMINANTEMENTE
PROIBIDO, A PARTIR DA DATA
DE HOJE, QUALQUER SORRISO
ANTES DAS DEZ HORAS DA
MANHÃ, SOB PENA DE
RECLUSÃO ATÉ QUE ELE
DESAPAREÇA DO SEU ROSTO.”
Salvo se sua noite de sexo for
o verdadeiro motivo da sua
felicidade, ou se encontrou a atual
do seu ex e percebeu que ele
adquiriu a síndrome de São Jorge e
agora, para ele, apenas dragões o
excitavam.
Mas existia algo pior do que
pessoas felizes e sorridentes pela
manhã: as pessoas lindas, felizes e
sorridentes pela manhã. Sério,
como alguém consegue acordar
bonito? Eu quase morro para poder
me arrumar, passo horas em frente
ao espelho e mesmo assim, poderia,
facilmente, ser confundida com um
gremlin na rua.
E o humor infernal em que eu
estava, refletia nitidamente na
minha aparência. Meu cabelo
parecia mais difícil de domar que o
falecido touro bandido e, por isso,
sempre o deixava preso em um
coque com muito mousse, até
chegar ao trabalho. Só então o
soltava, deixando com que caíssem
em ondas pelas minhas costas,
dando efeito de um cabelo — quase
— normal e não uma peruca dessas
que se compra nessas lojas de
departamento para o carnaval.
E as olheiras? Eram tão
acentuadas que me deixava
parecida comum panda, mas sem o
lado doce e bonitinho. Eram
preciso camadas generosas de
corretivo para disfarçar.
Quem nunca acordou assim
que atire a primeira preda, mas
atire devagar e evite o rosto, por
favor.
Agora adicione tudo isso e
mais o cansaço em doses cavalares
e vai dar de cara comigo.
— Só mais uma segunda-feira
— falei baixinho enquanto pegava
minha bolsa e abria porta.
Do quarto ao lado, irritada
pelo barulho que eu fazia pela casa,
Cíntia saía resmungado alguns
palavrões direcionados a mim, mas
que só ela entendia.
— Sinto muito, mas você
trabalha a noite e eu durante o dia,
conforme-se — disse já me
defendendo de sua cara feia.
— Mas como eu vou
trabalhar a noite inteira se não me
deixa dormir durante o dia!!! Se eu
arremessar um copo na cabeça de
um cliente a culpa é toda sua, e a
conta também.
— Ok, fui. Agora vá dormir
porque eu acabei de me levantar, o
que não quer dizer que eu tenha
acordado perfeitamente, e sabe
como é, sonâmbulos fazem coisas
fora do normal — disse fechando a
porta atrás de mim, fugindo da
possível retaliação. Muito drama
pela manhã.
Cíntia é tudo o que eu
pretendia ser: inteligente,
engraçada, linda e como ela mesma
faz questão de enfatizar, vacinada
contra esperteza masculina. Ao
contrário de mim, que tenho dedo
podre para relacionamentos. Meu
cupido deve ter uma pontaria ruim
do caramba; uma flecha viciada em
apontar para quem não presta, ou
ainda pior, um radar impressionante
para encontrar canalha.
Nós nos conhecemos em uma
festa em que estava com o Ângelo,
meu atual namorado, ou melhor,
atual ex-namorado na época. Em um
dos momentos da festa — em que
estava muito bêbada para lembrar
— eu e Ângelo acabamos parando
em um banheiro, onde tivemos uma
rapidinha não tão interessante. O
problema maior não foi o
desempenho sexual dele comigo
naquela noite, mas sim, o
desempenho sexual que ele teve
com uma loira aguada, minutos
depois de ter feito o mesmo
comigo. Foi o fim. A soma de mais
um “não é você, sou eu”. É claro
que era ele! Ou o idiota estava
considerando seriamente a
possibilidade de que pudesse
passar pela minha cabeça, que
poderia me sentir culpada por algo
que ele fez?
Indignada, meu ponto de
parada foi um bar, onde pedi doses
e mais doses de tudo que parecia
disponível, até que as letrinhas das
coisas começaram a parecer
confusas numa certa altura da noite.
Quando dei por mim, Cíntia
apareceu ao lado, iniciando uma
conversa e, tenho certeza que era
apenas uma maneira de evitar que
eu ficasse mais bêbada e fizesse
uma merda irreparável.
Falei por um bom tempo
sobre o que eu achei que fosse um
relacionamento, e ela
pacientemente me ouviu, até me
mandar calar a boca e parar de
beber por um cara que nem
orgasmos me dava direito.
Lembro-me perfeitamente da
frase que me disse: “Amor, acredite
em mim quando eu digo, existem
muitas pirocas no mundo para você
se desesperar por uma que não é lá
grandes coisas. Só aqui vejo pelo
menos uma dezena que poderia
fazer o seu fim de noite valer a
pena, então esquece esse babaca e
aproveite a sua noite, homem é
substituível, agora seu amor-
próprio tem que valer mais que
isso.”.
E assim ela se tornou uma
verdadeira amiga, aquela que se
encontra raramente, meu ponto de
equilíbrio talvez, que nos dá aquela
bofetada de realidade que
precisamos de vez em quando.
Mantivemos contato depois
disso, trocamos telefone,
marcávamos de sair até que
decidimos por maioria de votos e
cartões de créditos estourados, que
a melhor opção era morarmos
juntas. E isso faz quase um ano e
até agora tem dado certo, desde que
sejamos invisíveis ao chegar e sair
de casa quando a outra estiver
dormindo.
O caminho para o trabalho,
em vez de me acalmar, só me deixa
ainda mais irritada.
O trânsito está um caos, e
apesar do Rio de Janeiro ser a
cidade maravilhosa, não há muita
beleza em pessoas estressadas no
trânsito. E para não me tornar mais
um na multidão de irritados, parei
na orla e me sentei em um quiosque
para comer algo e esperar o trânsito
ficar um pouco mais ameno. Pedi
uma água de coco e um sanduíche
natural, enquanto observava o
ambiente tranquilizador me sentia
relaxar antes de ir para o trabalho.
Provavelmente com este meu humor
de cão, mataria um antes mesmo de
chegar à minha mesa.
Acabo observando as
pessoas tentando se manter
saudáveis, caminhando ou correndo
pela areia fofa da praia, ou
praticando qualquer outro tipo de
exercício maluco que eu nunca vou
entender.
A vontade de largar tudo e
colocar meus pés na areia, sentir
todo o estresse sair e ficar
observando o mar até esquecer o
mundo, é grande. Mas, infelizmente
sonhar desse jeito não paga as
contas e acordar mais cedo para
poder ter esse prazer, não vale todo
o sacrifício. Além disso, estragaria
todo o esforço que fiz pela manhã
para me arrumar.
Ao chegar ao trabalho
encontro um post-it colado na tela
do meu monitor com um aviso que
deveria seguir para sala do meu
chefe.
Maravilha, essa vai ser a
semana de comida de rabo
infinita! — pensei.
Deixo minha bolsa sobre a
mesa e sigo pelo corredor para a
porta de madeira escura, com uma
placa de metal dourada onde o
nome Murilo está cravado em
imponentes letras negritadas, com o
cargo de vice-presidente logo
abaixo.
Me prepararei
psicologicamente para encontrar
meu chefe, respirei profundamente
e conseguir ter um momento
tranquilo até meu destino final, mas
como dizem, desgraça pouca é
bobagem não é mesmo? Ao passar
pela sala de fotocópias, eu tive a
infelicidade de encontrar Yuri numa
conversa bem íntima com a mais
nova estagiária.
Ah, e não sei se mencionei,
mas ele é o meu mais recente pé na
bunda. Ele é o cara capaz de fazer
as mulheres aplaudirem sem usar as
mãos, o tipo de canalha que fazia
uma noite valer a pena mesmo que
o telefonema do dia seguinte não
viesse. O que me deixou
extremamente chocada foi o
conteúdo da conversa.
Aliás, uma conversa íntima
demais para meus ouvidos.
— A noite passada você foi
maravilhosa, baby. Nós poderíamos
brincar novamente com a sua
amiguinha delícia, o que você
acha?
— Ou nós poderíamos
brincar com meu amigo. A não ser
que você tenha medo da
concorrência.
— Nunca. Vou adorar dividir
você.
Estava tão chocada com
aquela situação, que fiquei
completamente paralisada diante de
tanto absurdo. Era muito para minha
cabecinha saber de certas
informações que não alteravam em
nada a minha situação, ou melhor,
aumentavam o número de árvores
que teriam de ser cortadas para
fazer o meu papel de idiota a partir
dali. Sim, porque não basta ser
idiota, tem que mandar e-mail antes
de dormir e dizer o quanto o cara
foi o pica das galáxias.
Eu já posso morrer, ou ainda
tem mais sacanagem da vida
reservada com meu nome?
Não queria escutar nada
daquilo, mas não conseguia sair
dali.
Foi necessário escutar uma
porta batendo estrondosamente para
poder cair na real, que eu estava
como uma voyeur, cheia de caras e
bocas, olhando meu ex com sua
mais recente conquista: a nova
estagiária, linda, peituda e gostosa.
Decadente Fernanda.
Decadente.
É muita humilhação meu
Deus! Eu mal fui “chutada” e o cara
já está dando em cima de outra...
Meu corpo nem esfriou e o cara já
acende vela para outro santo.
Respirei fundo e voltei para o
meu objetivo: a sala do meu chefe
querido (esse adjetivo cabe já que
não posso externar meu real
sentimento em relação a ele).
A visão de Murilo, sentado
em sua imponente cadeira pomposa,
de costas para a porta me causou
tristeza e medo simultaneamente,
sobre o que poderia se tratar aquele
convite. Mas, sinceramente, posso
afirmar que nada havia me
preparado para aquela cena que se
desenhava a minha frente: meu
chefe, girando a cadeira ficando de
frente a mim, como se fosse uma
criança de cinco anos de idade.
Murilo era o típico careca
inconformado, que tentava de todas
as maneiras não se render à queda
de cabelos, fio a fio. Mas a contar
sua personalidade infernal, eu
podia jurar que seus fios estavam
se suicidando, somente para fugir
dele.
Ele usava um terno de cor
rosa aveludado, e por sua baixa
estatura e crescimento abundante
frontal — e lateral — ele mais
parecia um rechonchudo algodão-
doce gigante do que uma pessoa.
Fiquei ali, tentando manter
uma expressão séria, segurando o
riso e me perguntando quem usa
aquele tipo de coisa nos dias de
hoje?
Eu fazia de tudo: mordia os
lábios, olhava para o lado, coçava
o nariz, passava as mãos no cabelo,
tudo para tentar controlar a
gargalhada. Até mexer nos sapatos
e amarrar um cadarço imaginário eu
fiz, afinal eu não podia gargalhar
dele, na cara dele.
— A que devo a honra da
senhorita ter chegado no horário
hoje?
Não consegui ficar nem com
raiva. Seu sarcasmo não tinha a
mesma intensidade agora, ainda
mais com essa aparência de
algodão-doce. E eu que sempre
gostei tanto de como o algodão-
doce derrete na boca, mas depois
de hoje vou passar a evitar isso ou
terei indigestão na certa.
— Havia muita coisa a ser
feita hoje, mas quando cheguei não
havia nada sobre a minha mesa.
Aconteceu algum problema quanto
ao trabalho que estava executando?
— Perguntei ao Murilo assim que
ele resolveu parar de girar em sua
cadeira novamente.
— Deveria ser mais
organizada e prestar mais atenção
ao que está fazendo. Não tenho
essas respostas, está um pouco
além das minhas obrigações
administrativas. Vá até o
Departamento Pessoal, Carmen tem
as informações de que precisa, e
passará instruções do que será
preciso fazer.
Quando terminou balançou a
mão como se enxotasse um
cachorro da sala. Respirei fundo, e
sai dali pisando forte e bufando,
enquanto seguia para o
Departamento Pessoal.
Murilo era o típico chefe que
delegava as obrigações diárias e
apenas supervisionava tudo depois.
Sempre dizia que seu tempo
deveria ser gasto com algo mais
importante, e que se fosse para
executar as minhas funções, por
exemplo, não haveria a necessidade
do meu nome na folha de pagamento
no final do mês.
Senti um frio no final da
espinha, boa coisa não me esperava
no Departamento Pessoal.
Já previa minha sentença
“despedida por atrasos e por
importunar o chefe”. Caminhei
resignada até a sala de Carmen,
preparada para assinar papéis,
porque se já haviam recolhido tudo
o que estava fazendo da minha
mesa, era só uma questão de somar
o básico, dois mais dois.
Bati à porta e entrei, avistei
Carmen em sua mesa, que me olhou
como se não entendesse o que eu
fazia ali.
— O que faz aqui, Fernanda?
Vim meditar para relaxar os
chacras, fazer yoga, jogar ping-
pong. Que porra de pergunta é
essa? — pensei. As pessoas
deveriam ter um limite para fazer
perguntas idiotas na vida, e assim
que atingissem essa cota ficariam
mudas. Só acho.
— Murilo pediu para que eu
viesse aqui, que teria novas
instruções para mim. E gostaria de
saber o porquê dos papéis que
estavam sobre a minha mesa não
estarem mais lá.
— Sim, suas funções foram
alteradas e precisamos que faça
alguns cursos no período de três
dias para ocupar a nova função.
— Nova função? Que função?
— Assistente da vice-
presidência.
— Assistente do Murilo?
— E existe outro vice-
presidente nessa empresa que eu
não saiba? — Eu deveria ter sido
irônica quando pude. Droga, quanta
falta me faz um botão de rebobinar
minha vida. Se bem que minha cota
de pergunta tosca estaria
comprometida depois dessa.
— Onde, quando e o que é
preciso para fazer os cursos que
mencionou?
— O curso será em São
Paulo e caso você tenha interesse
na vaga, sua passagem será
comprada para amanhã e voltará no
sábado à tarde.
— E de que documentos você
precisa?
— Preciso que leia e assine a
papelada para alterar a função que
irá desempenhar e para que tenha
ciência das suas obrigações daqui
em diante, não haverá
questionamentos posteriores.
Portanto, leve estes documentos
com você, e use o resto do dia para
providenciar tudo que precisa, já
que alguns documentos precisam de
registro e não terá como fazer isso
fora do seu horário de expediente.
Amanhã, me traga tudo e
providenciaremos o que faltar, para
que na segunda já esteja realocada
em sua nova função.
— Tudo bem.
Sai da sala com a cabeça
dando mil voltas. Depois de pegar
todas minhas coisas, voltei para o
estacionamento e, só depois que
entrei no carro, comecei a ler tudo
o que precisaria fazer hoje ainda.
Aquela promoção só estava
acontecendo porque eu era
secretária da assistente de Murilo.
Tânia era uma megera, mas sabia
repassar as informações de forma
que eu não tivesse problemas em
executar nenhuma delas. E quando
uma empresa a convidou para se
tonar vice-presidente ela não
pensou duas vezes e foi, deixando o
cargo vago, mas sinceramente achei
que fariam um recrutamento externo
para compor a vaga e não que eu
seria a escolhida. Já que essa é uma
das maiores e mais importantes
revistas de esportes do país.
Essa era uma daquelas
oportunidades que só batem à porta
uma vez, na segunda já deixa
mensagem. E sendo assim eu a
agarraria com unhas e dentes.
Eu já estava familiarizada
com todos os processos e conseguia
lidar com o gênio de capeta que
Murilo tem. Então acho que foi
mais fácil me promoverem do que
contratar uma assistente nova toda
semana. Fiquei surpresa, mas para
falar a verdade, eu estava achando
ótimo.
Meu salário praticamente
triplicaria com aquela promoção, o
que me deixaria com as contas mais
folgadas, porque nunca consegui me
manter fora do limite do cartão ou
cheque especial, era quase que uma
relação de casamento, em que
nunca os traia e eles nunca me
abandonavam. Até porque, quando
se nasce com uma conta sem limites
para pobrices e um POBRECARD
fica difícil fugir de algumas
situações. Minha conta deveria ser
escarlate especial, já que eu só
vivia no vermelho, mas bolsas e
sapatos nunca fizeram mal a
alguém, e pensa comigo a cada
término eu tinha que ficar mais
bonita, então era lógico que alguém
sofresse com isso e nesse caso era
meu orçamento.
Liguei o carro, o som no
volume feliz — estourado meus
tímpanos — e segui em direção aos
lugares que me fora recomendado
para conseguir os documentos.
Eu precisaria de certidões,
idas e mais idas ao cartório e tudo
de salto, porque é claro, se eu
estivesse de sapatilha, estaria
sentada com a bunda na cadeira
refazendo todos os relatórios que
Murilo sempre achavam ruins.
Nunca nada estava bom, mas, pelo
menos, eu tinha uma visão fabulosa
de Yuri na mesa da frente o que me
fazia ganhar o dia.
Yuri é um homem que a minha
avó definiria como “espadaúdo”.
Ruivo da cabeça aos pés, os
cabelos bagunçados destacavam
ainda mais o rosto másculo, barba
no estilo por fazer transformava
aquele queixo quadrado em uma
arma contra a minha sanidade, os
olhos azuis nunca me deixavam
pensa direito quando eu mergulhava
dentro deles, o braço todo tatuado
destacavam os músculos. E o
peitoral? Ó Deus, o peitoral
daquele homem deveria estar
sempre à mostra, pelo bem da
humanidade. Enfim, Yuri era algo
que precisava de muita apreciação
e eu estava fazendo minha parte,
observando cada detalhe.
Se bem que ele já estava se
jogando para a nova estagiária,
aquele canalha. Ou talvez eu já
estivesse paranoica e vendo pôneis
coloridos.
O dia estava particularmente
quente e o sol brilhante e reluzente
sob minha cabeça, as nuvens quase
que desenhadas no céu azul.
Impressionante como boas notícias
mudam a nossa visão do dia, fica
tudo tão lindo. Mas, eu estava
dentro do cartório lotado e com
pessoas suadas e aquela mistura de
perfumes começava a fazer minha
cabeça latejar. Até que um cara que
surgiu sei lá de onde começou a
conversar comigo sobre coisas
aleatórias.
O tempo pareceu passar mais
fácil e logo minha senha foi
chamada.
Sai do cartório com tanta
fome que poderia jurar — pelos
barulhos que minha barriga fazia —
que uma lombriga estava devorando
a outra. Também pudera, apenas
uma água de coco e sanduíche
natural não fariam o milagre de me
manter o dia inteiro de pé.
E depois de andar várias
quadras, suando bicas sob o calor
do Rio de Janeiro, consegui achar
um lugar razoavelmente confiável
para comer.
Quando finalmente chegou o
sanduíche que pedi, comi
parecendo uma retirante, que não vê
comida há dias. As pessoas
chegaram a disfarçar para me ver
comer, porque se tinha uma coisa na
qual eu era boa era em comer, ah
em dormir também... Tenho a
impressão que deveria ter nascido
um gato.
Como já estava tarde, não
compensaria voltar para o
escritório para entregar os
documentos, até eu chegar por lá,
todos já teriam ido para casa. E era
exatamente o que eu faria.
Silêncio.
Tudo estava no mais perfeito
silêncio, o que indicava que Cíntia
já tinha saído para o trabalho.
Tomei um banho e acionei o
despertador e então apaguei feliz
sobre a cama, afinal nem todas as
segundas precisariam ser tão
diabólicas, poderia ter algo de bom
em uma delas.
Quando estava começando a
pegar no sono, começaram a bater à
porta. Deveria ser a dona Elza mais
uma vez, para reclamar o barulho
que Cíntia fazia ao chegar todas as
noites e, para essa velha chata eu
não colocaria nenhuma roupa
especial, atenderia a porta
exatamente como estava, de
calcinha bege e blusa velha, e ela
que se desse por satisfeita por não
atende-la nua em pêlo.
Abri a porta ainda com os
olhos entreabertos e me deparei
com uma alucinação.
— Já que foi bom para mim e
muito bom para você achei por bem
repetirmos a noite.
Yuri realmente estava na
porta do meu apartamento lindo de
morrer, cheiroso, gostoso, enquanto
eu estava com uma blusa rasgada,
com a gola esgarçada e uma
calcinha (se é que posso chamar de
calcinha essa coisa) bege.
Enquanto relutava em meus
pensamentos entre chutar ele para
fora do apartamento ou agarrar ele,
ali na porta mesmo, Yuri me beijou.
A sensação foi tão boa que eu
sequer tive tempo de pensar e o
homem já estava dentro do meu
apartamento.
Oh céus, o que mais precisa
acontecer para eu ter uma folga?
2
MOMENTOS GRANDES
#ARTES
FAZENDO MERDAS
INCRÍVEIS
Não tive tempo de sequer
pensar em uma resposta, porque a
língua circulando meus lábios não
deixou nenhuma dúvida sobre o que
ele realmente queria fazer comigo.
Precisava reunir todas as
minhas forças — e minha dignidade
— para não ceder por qualquer
coisa, mas qualquer pensamento se
manteve por pouco tempo, foi só
ele enfiar a mão entre meus cabelos
e morder meus lábios para o meu
cérebro desligar. Depois disso, não
saberia dizer se fui eu que voei em
cima dele ou se ele deixou que eu
voasse. O fato é que avancei e não
quis saber. Quem disse que mulher
não poderia aproveitar de uma boa
dose de sexo quente?! Uma
comemoração não ia fazer mal,
além disso, eu não estava
apaixonada, isso muda muito as
coisas. Ou melhor, isso muda tudo.
Mulher apaixonada só faz merda,
ainda mais quando o cara é bom de
cama.
Quem disse que eu amo
quando ele passa devagar as pontas
dos dedos pelo meu corpo... que eu
gosto da forma como ele me beija
com fome... ou que gosto quando
ele faz acrobacias de Cirque du
Solei comigo? Eu não gosto, nunca
vou gostar de nada disso, quem
gosta desse tipo de coisa? Ironias a
parte eu não sabia muito bem o que
eu queria realmente.
Foi ainda em estado pós-
orgasmo, totalmente acabada e
quase satisfeita que me dei conta
que o safado estava se vestindo,
pronto para ir embora e eu, trouxa,
na vã ilusão de que rolaria um
sentimento, uma conchinha, um
segundo tempo — por favor. Essa
mania idiota que os caras têm, de
que a mulher fica satisfeita apenas
com uma vez. É ridículo. Poderia,
muito bem, passar a noite inteira no
sexo mais maravilhoso do universo
e que provavelmente, ainda ia
querer mais.
Apesar de saber que aquilo
era apenas sexo, ainda mais com o
Yuri — porque sinceramente, não
dá para ter a mínima ideia para
quem ele apresentava as partes
intimas dele — a sensação de ser a
mulher maravilha, gostosa,
deliciosa num momento, para uma
mendiga segundos depois que ele
começou a se trocar, foi horrível.
Balde de água fria seria mais
agradável que aquela cena.
DICA GRÁTIS: NÃO TENTE SER
SENSUAL QUANDO NÃO ESTÁ
SE SENTINDO ASSIM. VAI DAR
MERDA!
Com o pouco de dignidade
que havia me sobrado, até mesmo
aquele restinho que se lambe do
pote da vergonha na cara, respirei
profundamente e me levantei da
cama. Recolhi as roupas dele e o
enxotei para fora do apartamento só
de cueca, e sorte a dele que havia
encontrado a dita cuja antes de
mim, se não iria ficar pelo corredor
como veio ao mundo.
— Obrigada pela noite
querido, se precisar de mais eu
aviso. Só não bata mais na minha
porta, não quero ter que dar
explicações a outras pessoas de
quem é você, ok?! —Disse antes de
ceder a minha vontade de fechar a
porta na cara do infeliz.
— Calma, gata, acho que
poderíamos conversar um pouco...
Peraí, para quem teria de dar
explicações?
— Isso já é uma coisa que
não te diz respeito. Vamos
esclarecer uma coisa: você veio
aqui em busca de sexo, eu te recebi
porque estava afim, mas não se
anime muito, eu não estou com as
portas do canil abertas. De toda
forma é sempre um prazer, eu tenho
o seu telefone se quiser, te ligo.
Fechei a porta com toda a
classe que possuía.
Poucos segundos depois,
pude ouvi-lo falando com alguém
ao telefone, então corri para o olho
mágico e fiquei observando ele
zanzar pelo corredor, enquanto
abotoava a calça.
— Não gata, nada de
importante. Só estava resolvendo
um assunto chato, sabe como é, mas
já resolvi tudo por aqui, estou
chegando, me espere gostosa.
Lembra-se daquela pouca
dignidade que me restava? Acabou
de ir para o ralo depois de escutar
Yuri falando ao celular. Agora
posso morrer em paz, porque
depois de uma punhalada dessas,
sabia que se tinha uma coisa que eu
não possuía no momento, era paz de
espírito para bancar a superior.
Tudo que eu queria naquele
momento, era enfiar as mãos nas
calças dele, arrancar suas bolas e
sentir suas últimas pulsações entre
meus dedos, mas nem para isso eu
tive ânimo.
Se bem que tenho certo nojo
de saco. Aquela coisa poderia ser
descrita com um nome mais
bonitinho, como por exemplo, bolsa
escrotal, mas no fim, será apenas
um nome a mais emperiquitando o
saco, portanto vou direto ao ponto.
Falando nisso, aquilo é uma coisa
estranha, quer ter pelo, mas não
sabe como, quando o parceiro está
duro, ele está mole. Não sei, mas
não confio muito em músculos que
tem vida própria.
Joguei-me na cama com um
misto de saciedade, frustração e
ódio que me levaram a comer um
pacote de biscoito, meia barra de
chocolate e meio pote de sorvete.
Acordei na manhã seguinte
com a colher colada em minha testa
— que chegou a arder para tirá-la
— e com a minha cama toda
melecada de sorvete. Enquanto
recolhia os lençóis sujos, minha
barriga deu o primeiro aviso que a
noite recheada de guloseimas não
foi uma boa ideia. Sai correndo
para o trono para ter a recompensa
da cagada na noite anterior. Eu
poderia ter sido forte, diva,
poderosa, mas não, eu tinha que
pensar com fogo no rabo. E agora
ia realmente ficar de rabo ardendo.
Depois de deixar a lama no
banheiro, me preparei em tempo
recorde. Sorte que já havia deixado
as roupas preparadas para o dia
seguinte. Imagina só se eu tivesse
deixado para hoje? Depois da
sessão troninho, uma maratona para
encontrar uma roupa, enquanto
vestia todo meu guarda-roupa e no
final escolher a primeira que tinha
colocado o olho?! Nem pensar.
Uma mulher veste cinquenta roupas,
ou todo o guarda-roupa, mas
sempre sai com a primeira que
vestiu, é sempre assim, nunca vai
mudar.
Fiz uma maquiagem especial,
de pessoa linda e com a autoestima
nos píncaros da glória. Afinal, eu
tinha usado o corpinho do Yuri e
jogado ele para fora do
apartamento, pelo menos
teoricamente, assim, se eu dei um
possível fora em um cara pela
primeira vez na vida, isso deveria
ser comemorado.
Quando passei pela porta de
entrada da revista, uma risada me
fez olhar para trás, e não poderia
mesmo ser outra. A simpática da
estagiária que estava se engraçando
para o Yuri, ria de alguma coisa,
mas se bem que eu reparei que
desde que saí de casa muitas
pessoas estavam rindo, inclusive
estava começando a ficar irritada
com tanta felicidade ao meu redor.
Olhei-me para ver se não
tinha me cagado no caminho, mas
não. Mas quando olhei para o chão,
vi um pedaço gigante de papel
higiênico que havia usado para
retirar o excesso de maquiagem do
rosto, pregado feito uma anaconda
na minha saia.
A recepcionista, que era um
doce de pessoa, tentava abafar a
risada — sem muito sucesso —
veio na minha direção e me ajudou
a soltar a calda postiça. Vergonha
alheia é sempre muito
desagradável, e quando eu as
fornecia, era doloroso. Tentei
disfarçar o incômodo com uma
risada forçada e uma piada de
como eu era desastrada, mas
acredito que não tenha funcionado
muito.
A peste da estagiária passou
às gargalhadas, deixando em mim
um gostinho de quero mais... quero
mais que ela se foda. Garota
insuportável.
Já no conforto e segurança da
minha mesa — que estava tão vazia
que começava a me dar faniquito —
separei toda a documentação que
tinha providenciado ontem e, só
então fui à sala de Carmem, mas
como ela ainda não havia chegado,
resolvi passar na copa e pegar um
café para enfrentar o dia.
Distraída colocando o açúcar
no café, ouvi risadas pelo corredor
e sabia que aquele som não poderia
vir de outra pessoa que não de
quem eu em poucos dias estava
adorando odiar, Leticia, a
estagiária. Dei dois passos rápidos
para frente para descobrir o que a
franguinha estava falando, de tanto
que ela ria me distrai e dei de cara
com a porta de vidro.
Gente, devia ter algum
entorpecente naquele bendito
sorvete, porque eu sou meio lesada,
mas não é para tanto. Hoje está
difícil, viu?!
Era tudo o que precisava,
ficar igual a um unicórnio com um
galo enorme no meio da testa. Meio
zonza entrei no almoxarifado e
fingir pegar alguns materiais, mas
nem precisei encenar, não notaram
minha presença, o que era bom.
— Adivinha com quem
passei a noite?
Ela falava como se aquilo
fosse alguma coisa a ser levada em
conta. Minha filha, a pergunta em
questão é com quem você não
passou a noite? Porque sua cama
deve ser mais frequentada que
Copacabana em final de ano.
— Não sei, todos os dias
você traz tanta novidade —
respondeu Alessandra, assistente
do marketing que parecia bem
interessada na conversa.
E lá vinha mais uma dose de
risada sem graça.
— O Yuri esteve no meu
apartamento ontem. Nossa ele
estava super chato, queria por tudo
transar. Sei lá, acho que a garota
com quem ele estava antes deveria
ser muito mais ou menos, porque
ele me ligou na porta da casa dela
dizendo que demoraria umas duas
horas mais ou menos, mas quarenta
minutos depois ele estava na porta
do meu apartamento, e veio para
cima de mim com tudo.
— Nossa, eu queria que Yuri
aparecesse na minha porta assim.
Aquele homem é uma delícia.
— Ah, mas isso não é para
qualquer uma, benzinho. Da
maneira que o homem estava
desesperado ontem... Parecia nunca
ter o suficiente de mim. Juro, se eu
virasse acompanhante de luxo,
estaria rica a essas alturas, mas eu
faço mesmo é pelo prazer.
E falou a puta burra!
À medida que a conversa ia
acontecendo, eu acompanhava só
para ter ideia se aquele filho de
chocadeira teria contado o nome da
tal pessoa com quem ele havia
estado antes. Mas, como a conversa
parecia não ter fim, saí do
almoxarifado direto para minha
mesa e de lá, para a sala de
Carmem, que provavelmente já
havia chegado.
Com toda documentação
resolvida, hotel reservado e
passagem nas mãos, voltei para
minha mesa para recolher minhas
coisas, ir para casa preparar minha
mala e organizar tudo no
apartamento antes da viagem, pois
já passava do meio dia e minha
viagem estava agendada para as
cinco da tarde.
Antes de sair passei pelo
departamento financeiro só para ver
Yuri, e assim que ele me viu, veio
até mim. Por um momento, me senti
a última bolacha do pacote, mas
logo descobriria que era aquela
toda quebrada que ninguém quer.
— Estou sabendo que foi
promovida, meus parabéns.
— Ah, obrigada, estou
viajando hoje para um curso, devo
voltar no sábado. Quer fazer
alguma coisa?
— Ah não, mas eu agradeço a
sua disponibilidade. Quem sabe em
uma outra hora?
Como é produção? Ele não
falou isso. Eu devo ter escutado
errado. Respirei fundo, ignorando e
engolindo suas palavras, enquanto
pensava: dignidade Fernanda,
mantenha a dignidade pelo menos.
Fogo no rabo não leva a nada.
— Claro — sorri
amargamente. — Agora preciso ir.
— Boa viagem, Fê.
Pegue seu boa viagem e
enfia...
Sai daquela sala com gosto
de sangue na boca de tanta raiva. A
regra era para que eu desse o fora
no cara e poder ter ele quando
quiser, não é mesmo? Quase como
um P. A. (Pau amigo)? Mas não, eu
tinha que estragar meu fora de
ontem e receber um bonito hoje.
Sério, eu quase poderia me tornar
uma personagem das histórias da
Disney, afinal não tem nenhuma
princesa que se estrepe. Se fossem
criar uma assim, facilmente poderia
ser eu, muito facilmente.
Mas esta será a última vez
que eu levo um pé na bunda,
podem apostar!
Quando cheguei ao
apartamento, Cíntia estava
espalhada no sofá, como se não
tivesse nada de importante no
mundo para fazer.
— Oi... Você não está
atrasada não?
— E aí? Até a última vez que
olhei no relógio, não. Vou mais
tarde hoje, não tinha nenhum
recebimento para fazer e eu quis ter
um momento de folga antes de
aguentar a noite. E você? Foi
dispensada?
— Pelo contrário, fui
promovida — respondi com um
sorriso satisfeito pela primeira vez
no dia, sentando no sofá ao lado da
Cíntia.
— Mentira! — respondeu
incrédula com a minha afirmação.
Se eu não tivesse ficado igualmente
chocada, ficaria ofendida neste
momento.
— Pois é! E agora eu estou
partindo para São Paulo, vou fazer
um curso por lá.
— Mentira... — Peguei o
travesseiro ao meu lado e joguei
forte no rosto dela, que primeiro
calou a boca, mas depois gritou
como uma louca, pegando outro
travesseiro e tentando fazer o
mesmo comigo.
— Idiota! Você me paga!
— Nada, você me ama... —
gritei e saí correndo para trás do
sofá, longe dela, antes que Cíntia
tentasse jogar o travesseiro
novamente em mim.
— Sei... Idiota, isso vai ter
troco ainda. — Ela sentou
novamente no sofá, aumentando o
som da televisão para abafar
qualquer coisa que eu fosse falar.
Dei risada da atitude dela. Bobona.
Fui para meu quarto começar
a arrumar minha mala antes que me
atrasasse de vez. Coloquei as
roupas mais descaradas que eu
tinha e junto com as mais certinhas.
Teria que saber mesclar os dois
estilos, ou os outros teriam a
impressão de que sofro de
transtorno bipolar.
— Quer que eu te leve ao
aeroporto?
— Não precisa, eu já chamei
um táxi.
— E quando você volta?
— Bom, o curso começa
amanhã e dura três dias. Eu tenho
duas opções, sair assim que o curso
terminar, ou voltar no dia seguinte,
mas tudo ai depender muito do que
acontecer por lá. — dei uma
piscadela para ela — Eu te mando
uma mensagem.
— Tudo bem, se precisar de
alguma coisa me avisa. Eu preciso
me arrumar agora e voar para o bar.
— Aviso sim.
— Se cuida.
— Você também.
— Eu estou falando sério
Fernanda, nada de amor em vinte
quatro horas. Eu não estarei perto
para te socorrer.
— Credo, até parece que eu
sou assim.
— E não é? — Cíntia sorriu e
me abraçou antes de ir para seu
quarto.
O táxi chegou meia hora
depois e segui para o aeroporto.
Estava com os papéis que Carmen
havia dado para ler antes do curso,
com um livro na bolsa, todas as
balas possíveis e meu travesseiro
para o avião.
Mal deu tempo de ler alguma
coisa e um cara se sentou ao meu
lado. Nem me atrevi a olhar para
seu rosto, não estava no clima com
a raça dele no momento, então
permaneci com meus olhos na
leitura.
— Sabe, esse foi um dos
primeiros livros que li. Você vai
gostar.
Eu não queria ser mal
educada, mas também não queria
olhar na cara dele. Se bem que com
aquela voz não havia a menor
possibilidade daquele homem ser
feio.
Com muito esforço respondi,
ainda sem tirar os olhos do livro.
— Parece um bom começo,
mesmo assim obrigada pela crítica
literária gratuita e não solicitada.
Não faz sentido descontar em
outra pessoa a raiva que está de
alguém, ainda mais quando a
pessoa não tem nada a ver com a
história. Eu não queria papo, mas o
cara era insistente.
— Desculpe parecer
inoportuno, mas por que está com
tanta raiva assim de alguém que não
te fez nada?
Jura que vou ter uma DR em
plena ponte aérea, Rio – São
Paulo?
— Não estou com raiva,
muito pelo contrário, eu agradeci a
crítica positiva que fez ao livro.
Mas, realmente quero ler e não
conversar. Desculpe-me se estou
sendo muito direta, mas me reservo
nesse direito, desde que usou o
mesmo para me dizer o que quis.
— Tudo bem, me desculpe
por isso.
— Sem problemas.
Cinco minutos depois de
abrir o livro, eu estava cochilando.
Quando o aviso de atar cintos e
aterrisagem foram anunciado pelos
auto falantes acima da minha
cabeça, forcei os olhos a ficarem
abertos e quando olhei para cima
me deparei com um sorriso lindo,
só então percebi minha boca aberta
babando no ombro do cara. Por que
isso acontece comigo?
Eu tinha babado na metade do
ombro dele e o cara ainda assim
sorria. Sei que era de mim, mas
preferi evitar o comentário. O
problema é que ele queria
comentar, aí que tá! Como se o
mico em si não fosse suficiente, a
pessoa tem que pisar, esfregar,
jogar na cara...
— Você tem sonhos muito
complicados de se decifrar. Seu
namorado deve sofrer muito com
seu gênio de cão.
Ótimo! O cara não me
conhece e já tem um diagnóstico
preciso da minha personalidade. E
essa jogada de citar um possível
namorado só para saber se tenho
alguém, é da época em que meu avô
saía para enganar moças
desavisadas. Esse papinho furado
comigo não ia colar, não precisava
de figurinha nova para o meu álbum
de relacionamentos fracassados.
Porque nessa máxima de que
figurinha repetida não completa
álbum, eu só achei figuras que não
valem a pena se colecionar.
— Desculpe pela camisa.
Agora, o meu gênio não é problema
seu.
Ele pensou em responder,
mas eu virei a cabeça para o lado
contrário para observar a cidade
cinzenta abaixo de nós. Era tudo
muito diferente do que estava
acostumada. A cidade realmente era
brincadeira de gente grande, com
todos aqueles prédios enormes e a
nevoa de fumaça que demonstrava
que a cidade realmente não parava.
Logo que aterrissamos liguei
o celular e as mensagens
começaram a pipocar na tela.
Dentre elas, algumas mensagem de
Yuri — que adivinhem só — abri
sem pestanejar.
YURI: Gata, salvou minha
noite.
Sabe aquela sensação que
vira e mexe temos de “para por aí,
não vai por este caminho”, pois é.
Obedeça!
YURI: A noite foi excelente,
como sempre você nunca faz por
menos. Beijo na sua....
Não preciso dizer onde era o
beijo.
A cara de satisfação que eu
tinha, sumiu no mesmo instante. Ele
ia me pagar. Todos iam pagar, só
não sabia como, mas iam.
Atrás de mim estava o
passageiro inconveniente.
— Meu nome é Danilo, você
não perguntou, mas estou falando.
Este é meu telefone, caso queira me
ligar.
Homem é uma raça esquisita,
se você trata bem ele faz o inferno
com você, agora trate mal para ver,
colam como chiclete.
— Não perguntei mesmo.
Peguei o pedaço de papel que
ele oferecia, provavelmente da
revista que estava na poltrona do
avião, e fui até uma das bancas que
tinham no aeroporto, a procura da
última edição da revista que
trabalho e dei de cara com outra
revista, onde a capa gritava a
chamada na minha cara.
“RAINHA DOS
RELACIONAMENTOS
FRACASSADOS”.
A matéria destacava uma
famosa cantora estampada na capa
com os olhos inchados por ter
terminado outro relacionamento,
que ela e toda a mídia juravam ser
com a sua alma gêmea.
Aquela carapuça caiu tão
bem para mim que comecei a
lembrar de todos os foras
sensacionais que havia levado.
Nem mesmo havia saído do
aeroporto e já tinha conseguido
elencar os dez mais, colocando-os
em um ranking mental.
No táxi enquanto o motorista
seguia para o hotel em que ficaria
hospedada, eu encarava a matéria
com uma seriedade hilária.
Chegava a me contorcer no banco
de trás, enquanto o taxista olhava
para mim como se o melhor lugar
para me deixar fosse um hospício, e
não um hotel. Mal podia esperar
para chegar ao quarto e fazer o teste
de relacionamento que era um
bônus da revista.
Tomei um banho, coloquei o
roupão fofinho do hotel e me sentei
diante do computador. Comecei a
escrever todas as histórias que
aconteceram comigo e que havia
lembrado no aeroporto, por ordem
cronológica. Algumas eu detalhei,
porque valiam a memória hilária,
outras, eu só torci o nariz pela
burrada. Pensei o que aconteceria
se eu pudesse me transformar em
um fantasma e assombrar as vidas
deles, como fizeram com a minha.
Talvez mantivesse tudo em
algum diário, mas que não ficasse
tão evidente e que pudesse levar
para todo o lugar. Um caderno
nunca funcionaria para mim, quando
era adolescente comecei vários que
sempre ficavam espalhados pela
casa. Agora não seria diferente,
tenho certeza.
Fiquei pensando sobre os
leitores daquela revista horrorosa.
O texto era tão mal feito, mas,
mesmo assim, acabava nos
envolvendo na história. Talvez
fosse para que, como eu, as leitoras
vissem que sua vida não é tão
desastrosamente diferente de
alguém famoso e que, as burradas
da vida, eles também faziam.
E se alguém pudesse ver,
através das minhas eternas burradas
— e olha que não eram poucas —
talvez evitassem tudo isso ou, se
arriscassem a viver, saberiam o que
provavelmente aconteceria com
elas. Claro, se cada uma quisesse
se estrepar, seria problema dela,
mas eu teria feito minha parte.
Ia ser engraçado contar um
pouco dos meus pequenos desastres
amorosos, aposto que escreveria
muito melhor que aquela matéria
tosca da revista.
E se eu fizesse isso?
Procurei e fucei na internet
até encontrar o que as meninas
chamam de blog. E nossa, elas
usam isso para tudo, desde
postagens sobre moda até para falar
abobrinha nenhuma. Seria algo sem
custo nenhum e ainda por cima eu
poderia fazer sem que ninguém
soubesse quem eu era. O que era
perfeito. Ah, esse anonimato
maravilhoso que só a internet é
capaz de proporcionar.
Pensei durante um tempo,
então criei um e-mail diferente do
que já tinha, e fiz cadastro num dos
blogs gratuitos disponíveis. Então
tudo começava ganhar forma.
Procurei imagens na internet
e peguei uma das histórias que
havia escrito mais cedo,
adicionando um ou outro detalhe
para deixar a história mais
interessante, aquele que abrira a
porteira para uma sequência de
outros foras incríveis.
Sim, porque eu estar solteira
é uma opção... dos outros.
Cada palavra que escrevia,
eu olhava a mensagem de Yuri no
visor do meu celular.
Afinal, se eles podiam agir
como idiotas, eu poderia mostrar o
quão imbecis eles eram de verdade.
Reli o que havia escrito e
estava tão depressivo que comecei
a ficar com dó de mim. Como uma
pessoa poderia se deixar enganar
tão facilmente desta forma? Assim
não seria tão divertido quanto o que
eu havia imaginado.
Enquanto remoía em minha
auto piedade, minha barriga
sinalizou que eu deveria tomar
alguma providência. Não havia
comido nada dia inteiro, outra vez
— o que de certa forma era bom,
talvez eu emagrecesse um pouco —
e precisava cuidar disso antes
mesmo que caísse dura, morta de
fome, dentro do quarto do hotel.
Esquece esse negócio de blog
Fernanda, vai perder seu tempo
com esse tipo de coisa para quê?
— pensei. Mas, por que não, talvez
me fizesse bem compartilhar meus
contos de fodas, como em cada vez
que eu tentava iniciar um
relacionamento eu me estrepava de
verde e amarelo. Afinal, a vida
sempre encontraria uma maneira de
me foder mesmo, pelo menos eu
deveria sorrir disso tudo.
Troquei de roupa e fui até a
recepção do hotel para me informar
se havia algum restaurante por
perto, ou se precisaria chamar
algum táxi para me levar até lá. A
recepcionista prontamente me
ensinou o caminho de uma casa de
massas italianas, que segundo ela
era simples, mas a comida era
deliciosa. Minha barriga se alegrou
no mesmo momento.
A caminhada até o restaurante
foi tranquila. Eu observava tudo
com olhos curiosos. As pessoas,
freneticamente correndo, passando
por mim, como se não pudessem
chegar rápido o suficiente ao seu
destino, me deixou cansada apenas
por olhar.
O restaurante de portas
vermelhas era realmente muito
simples, mas o ambiente familiar
compensava qualquer falta de
decoração. As mesas estavam
praticamente todas ocupadas, mas
encontrei uma com dois assentos
em um cantinho isolado, que fazia
mais o meu estilo, ainda mais no
atual estado de espírito em que
estava. Eu poderia me isolar um
pouco, e talvez enquanto esperava
rascunhar alguma coisa para o blog
que estava criando.
Enquanto esperava o garçom
trazer o cardápio, acabei prestando
atenção na conversa animada que
acontecia na mesa ao lado. Duas
mulheres, ao que pareciam amigas,
conversavam animadamente sobre a
noite de uma delas, em que o cara
fez e desfez, levando-a nas nuvens,
mas que não esperou nem mesmo o
dia seguinte para dar o pé na bunda
dela.
Típico!
O sentimento de raiva que a
mulher descrevia era tão próximo
de como eu sentia que quase fui à
mesa delas, me solidarizar com a
situação, até que a rejeitada solta
um: “a vontade que eu tenho é de
espalhar cartazes pela cidade
inteira para dizer o quanto ele é
ruim de cama, e depois mandar um
recadinho para ele ver o presente
que deixei, pela foda incrível.”
Sorri com a expressão que
ela soltou. Talvez seja exatamente
este ponto, eu poderia deixar meu
blog mais interessante com essa
ideia que iria afanar na cara dura.
Um aviso, para o desavisado
que sua vida sexual estava prestes a
ser escancarada, arreganhada,
exposta. E de preferência, com
todas as coisas negativas que ele
tinha a oferecer.
A conversa na mesa ao lado
ia a todo vapor, quando o garçom
me trouxe o cardápio, informou que
voltaria em minutos para anotar
meu pedido e desapareceu. A
pressa dele acabou desviando
minha atenção da conversa que
estava xeretando. Olhei com
bastante atenção o cardápio. Acho
até que por tempo demais, porque
quando desviei os olhos para
buscar o garçom pelo salão, as
poucas mesas que ainda estavam
desocupadas, desapareceram.
Com os olhos ainda presos ao
cardápio, percebi que um homem
parou ao meu lado e quando
levantei o olhar para fazer o pedido
— sim, porque eu estava certa de
que era o garçom — levei um baita
susto. Era nada mais nada menos
que o Danilo, o cara do aeroporto,
parado feito uma estátua bem na
minha frente.
— Olá, pessoa com quem
sempre me encontro, mas que ainda
não sei o nome. Se importa que eu
me sente aqui, já que dividimos
hoje a companhia um do outro em
uma viagem muito agradável? —
ele disse já arrastando a cadeira e
ameaçando se sentar.
Olhei em volta, por todo o
salão e não havia um bendito lugar
vago. E antes que alguém mais
esquisito que ele ocupasse o lugar,
decidi aceitar o convite inoportuno.
Eu não sabia que esse era um
costume paulistano: dividir as
mesas.
—Tudo bem, fique à vontade.
Só vou comer e voltar para o hotel.
Talvez até peça para viagem.
— Posso saber o seu nome
agora ou posso continuar com as
minhas eternas suposições?
— Rosa.
Busquei um nome que fosse o
oposto da minha personalidade.
— Só se for uma rosa de
pimenteira.
Ele disse sorrindo muito da
própria piada, que não era lá muito
engraçada, mas que tinha me dado
uma ideia genial.
Pimenta Rosa, melhor
pseudônimo que esse não podia
haver. Duvido que algum homem,
até mesmo meus ex-namorados
relacionados nas postagens do blog
conseguissem desvendar quem eu
era. Era perfeito.
3
UM DESAFIO INOCENTE
=
UMA VINGANÇA #DELICIOSA
Eu precisava dormir já que o
dia seguinte seria cheio, mas jamais
conseguiria fechar os olhos
enquanto não terminasse o que
havia começado fazer antes de sair
para jantar, ainda mais depois de
perceber que a minha indignação
com o sexo oposto não era coisa de
mulher abandonada, mas sim um
sentimento frustrante por não
conseguir identificar um canalha
quando ele se aproximava e mandá-
lo para o inferno.
Escrevi em um bloco de
papel que havia sido deixado ao
lado do telefone no quarto, algumas
possibilidades de nomes que
poderia dar ao blog. A primeira
opção foi o ápice da minha
criatividade — confesso que já
estive em melhores momentos na
vida — tomei mais um gole da água
que estava sobre a mesa e olhei
novamente para o título “Meus
estranhos contos de fadas”, então o
descartei.
A segunda opção foi um
pouco melhor: “A namorada In-
Perfeita”, mas ainda não era o que
eu queria ou que me faria parar
para dar atenção em algo com esse
tipo de perspectiva. Eu precisava
de algo que chamasse a atenção de
quem fosse ler, e isso incluía a mim
mesma.
A cada nome que escrevia,
mais bolinhas de papel se
acumulavam sobre a mesa. Talvez
um pouco de música me fizesse ter
alguma inspiração. Retirei da bolsa
os fones de ouvido, que para variar
estavam embolados como se tivesse
praticado MMA dentro da bolsinha
em que os guardava, os coloquei
nos ouvidos e apertei play. Assim
que Sia começou a debochar de
mim cantando Chandelier, a ideia
me veio como um choque. Era
perfeito para o que eu precisava,
escrevi em letras garrafais no título
“Meu conto de fodas”. Afinal, eu
era o exemplo vivo de quantas
vezes se podia fracassar em
relacionamentos e me sentir fodida
no mesmo instante que me dava
conta de que tudo era apenas mais
uma idealização da minha cabeça
fantasiosa.
Pensei nos prós e contras que
o nome poderia trazer, e em como
as pessoas poderiam reagir ao ler
uma palavra tão expressiva quanto
FODAS em um título de blog. Mas
era exatamente o que eu queria. Eu
queria chocar, deixar as pessoas
que passassem por ele com a
sensação da linha tênue entre gostar
do que estava vendo e sentirem-se
estranhas por apreciarem a minha
loucura descabida. Era apelativo,
cru, aterrorizantemente imoral, mas
nada se encaixava melhor.
Fiquei brincando com as
palavras até que uma mensagem
promocional da minha operadora
apitou no celular me informando
sobre uma “maravilhosa
oportunidade” usando uma hashtag,
o que me pareceu muito interessante
e apropriado. E foi então que surgiu
o nome que usaria daquele
momento em diante: Meu conto de
f#das.
Haveria quem acreditasse
que as minhas experiências
amorosas fossem o caminho para
encontrar meu verdadeiro amor.
Esse tipo de balela que as pessoas
inventam para conseguir suportar as
desilusões que passam, era
deprimente.
Claro que a coisa toda não
tem muito segredo: se não deu
certo, você, minha adorável iludida
(#fodida), pegue uma dose de
vergonha na cara, acompanhada de
uma porção de amor próprio e
pronto. Não há receita melhor para
seguir à diante. As pessoas, muito
provavelmente, entenderiam a
verdade nua e crua: um pé na bunda
é sempre um pé na bunda. Se você
não souber passar por isso, então,
adote gatos.
Já passavam das onze quando
consegui terminar todo o trabalho
de arte do blogger, mas ele ainda
precisava de uma descrição.
Escrevi e reescrevi muitas vezes
até me sentir satisfeita com a
pequena apresentação sobre o que
seria aquele diário. Só então,
apertei o botão de enter.
E voilá! Meu primeiro post:
Quem é a pessoa que em
sã consciência começa um
relacionamento totalmente
preparada para levar um pé na
bunda?
Claro que a resposta
lógica é ninguém.
Mas, se pararmos para
prestar atenção aos pequenos
sinais que inconscientemente
descartamos para estar em um
relacionamento, todas as
probabilidades vão ascender
em neon bem na sua frente,
gritando na sua cara que o
melhor a fazer é cair fora,
antes de ser posta para fora.
O grande problema é
como identificar o arsenal de
canalhas que se aproximam de
nós diariamente?
Eu tive a minha cota de
papos furados e promessas que
nunca seriam cumpridas na
vida, e com toda a certeza,
estava de bom tamanho.
Então, diante do cenário
que sempre se coloca diante de
mim, resolvi escrever para
tentar descobrir se sou uma
pirada que não enxerga um
palmo adiante do nariz, ou se
os homens realmente se
especializaram na arte da
canalhice ao longo do tempo e
encontram com uma facilidade
absurda mulheres como eu,
ingênuas e iludidas pelo desejo
do amor.
Espero que minhas
histórias possam servir de
lembrete à algumas mulheres.
E se não for pedir muito, que
sirvam de lembrete aos meus
ex também!
Li.
Reli.
E ainda não estava
completamente satisfeita com o
texto. Sabia que ainda faltava muito
para ficar como eu queria. Sim,
tenho mania de perfeição, o meu
caso de perturbação mental, a neura
não é somente com homens que não
posso domesticar a meu modo, é
com tudo. Chega a ser frustrante!
Agora eu precisaria trabalhar
no primeiro conto do blog. Olhei
para a tela do computador e sorri
sozinha, como uma boba,
imaginando a cara do Bruno, meu
primeiro namorado/fora, assim que
ele lesse a grande maravilha (#sqn)
que era estar naquele nosso
relacionamento. Sim, porque se
uma única vez ele olhasse aquele
desastre que era o meu ponto de
vista, ele ficaria depressivo por um
longo tempo.
Já estava exausta quando
terminei o esboço para o blog.
Desliguei o notebook e olhei para o
relógio que marcava três horas da
madrugada. Eu sabia que a falta de
sono me deixaria ranzinza pela
manhã, mas toda aquela euforia e o
gostinho de vingança, valia a pena.
Mal havia fechado os olhos e
o despertador já me avisava que
estava na hora de me levantar,
sempre meigo e gentil com um som
suave de música de meditação
(#sqn). Se eu tiver este tipo de
música no meu despertador eu não
durmo, eu hiberno, entro em coma,
só acordo depois do fim do mundo.
Estava pronta em tempo
recorde, me olhei uma última vez e
desci para tomar o café da manhã.
Comi apenas frutas, meu
estômago ainda não estava
completamente normal, e irritá-lo
por pouca coisa não seria nada
interessante, ainda mais estando em
um lugar em que eu não tinha a
certeza de onde ficavam os
banheiros.
Uma hora mais tarde estava
em frente ao hotel esperando o táxi
que me levaria ao local do curso.
Se eu achava que o trânsito
do Rio de Janeiro era infernal, é
porque eu não sabia o que me
esperava em São Paulo. Como as
pessoas são capazes de suportar
uma coisa diabólica como essa
todos os dias?
Exatos quarenta e cinco
minutos depois em um percurso de
doze quilômetros percorridos,
cheguei ao bendito curso. Todas as
pessoas possuíam aparência
profissional com seus ternos bem
alinhados e seus cabelos
esticadinhos, enquanto eu usava
jeans, blusa de seda, salto, brincos
enormes e cara de paisagem.
A medida que o assunto ia
sendo exposto para todos, as
perguntas desnecessárias eram
feitas e tudo era tão entediante, que
o sono começava a chamar meu
nome de maneira tão doce, que
mais parecia o canto de uma sereia
a me hipnotizar.
Dica: sonhos que não se deve
ter quando está em público: Nunca,
mas nunca mesmo, sonhe que está
caindo em um penhasco.
Até mesmo porque, você
pode cair da cadeira em que está
sentada e, de quebra, ainda levar
outras cinco junto. É constrangedor,
e fica ainda pior quando se escuta
as gargalhadas e, ao olhar de canto
de olho, ver que as pessoas estão se
curvando e chorando de tanto rir.
Eu me coloquei —
literalmente — de quatro e comecei
a procurar uma barata imaginária,
que fez retirar, em um golpe de
mestre, o sorriso do rosto de cada
um. Juro, eu queria rir agora, mas
não seria nada bom para o meu
disfarce, ainda mais quando ele,
misteriosamente, funcionou tão bem
— coisa que normalmente não
acontece comigo. O problema foi
tentar me controlar enquanto
homens — enormes e com cara de
poderosos em seus ternos caros —
ficavam enlouquecidos a procura
de uma bendita barata, um bicho
totalmente indefeso. Era uma
vingança que estava gostando de
apreciar.
Como não encontravam a dita
cuja da barata — que não existia —
foi sugerido uma pausa e todos
acataram sem se opor.
Enquanto me entupia de todo
café que eu pudesse engolir naquele
curto espaço de tempo, tive a
infeliz ideia de entrar em uma rede
social para bisbilhotar um pouco do
que as pessoas estavam fazendo na
minha ausência. Não que a minha
presença fosse mudar alguma coisa
na atitude de qualquer uma delas,
mas valia matar a minha
curiosidade.
E lá estava Yuri em uma foto
sem camisa, com uma mulher mais
ao fundo. Era uma postagem de bom
dia que dizia que o dia sempre
começava bem quando a companhia
era perfeita.
Até ai tudo bem, se eu não
tivesse dado zoom na foto e
descobrisse que a “companhia
perfeita” não era, nada mais, nada
menos, que aquela estagiária dos
infernos, que entrou na minha vida
com aquele fogo no rabo infinito,
impossível de competir. A
“talzinha” tinha dez anos a menos
que eu e, como se isso não
bastasse, todos os centímetros do
corpo dela estavam,
definitivamente, nos locais
corretos, enquanto em mim estavam
totalmente descoordenados: onde
deveria ter menos centímetros, tinha
mais e onde que deveria ter mais,
tinha menos. Um verdadeiro horror.
Pelo menos disso eu tirei uma
coisa boa: nada melhor do que o
ódio, a dor de cotovelo, a
humilhação e a vergonha para me
inspirar naquele momento. Assim
que me acomodei naquela cadeira
desconfortável do interminável
curso, comecei a escrever a história
de Bruno. Abri o bloco de notas do
celular e comecei a digitar o
esboço da história, para, a noite
fazer uma revisão antes de postar
no blog.
Devo ter ficado com cara de
palerma assassina, porque as
pessoas próximas começaram a me
olhar com olhar desconfiado. Um
senhor que estava sentado ao meu
lado, já tentava olhar o tempo todo
o que eu tão furiosamente estava
escrevendo no celular, outras
pessoas, tentaram disfarçar e
afastar a cadeira de perto de mim,
querendo manter a maior distância
possível. E eu era minha própria
ilha, cercada de imbecis por todos
os lados. O que era muito bom de
certo modo.
Estava completamente sem
saco nenhum para gente chata!
Salvei o texto no celular logo
que o palestrando liberou a turma
naquele dia. Aquele bendito blá,
blá, blá não me levaria a lugar
nenhum. A única coisa que ganharia
naquele curso era uma bunda
quadrada e mais nada.
A volta para o hotel foi ainda
mais infernal e demorada do que a
minha ida para o curso pela manhã.
Sério, pensei que não poderia ficar
pior, mas eu estava muito, muito
enganada mesmo. Parecia que todas
as pessoas tinham tido a genial
ideia de sair no mesmo horário que
eu. Segundo o taxista era assim
todos os dias, e estávamos tendo
sorte já que não estava
engarrafando. Poderia levar muito
mais tempo, se bem que ele disse
que estava fazendo uma rota um
pouco mais longa, mas que
compensava com um fluxo menor
de carros.
Quando cheguei na porta do
hotel, não queria saber de sair para
comer. Estava exausta. Bem que
dizem que não fazer nada cansa
muito mais que um dia super
agitado.
Não entendi muito bem em
que o curso de hoje poderia me
trazer de conhecimento para ocupar
o novo cargo dentro da revista. Não
havia nada no que foi falado
naquele dia que eu não soubesse,
aliás, estava quase me oferecendo
para dar o curso. Mas, como eu não
posso fazer nada disso, eu apenas
me obriguei a fazer o que deveria
ser feito para conseguir o que eu
queria. Afinal, eu sou apenas uma
subordinada. Manda quem pode
obedece quem tem juízo. Está certo
que eu não tenho muito juízo, mas a
central de cobrança do cartão de
crédito tem meu telefone e meu CPF
e isso, meu bem, isso muda tudo.
Minha sorte é que me
mandaram para um bom hotel, no
quarto tinha até uma banheira
enorme e lindérrima, que eu enchi,
coloquei um pouco de tudo que
havia nos potinhos ao lado e
mergulhei naquela água quentinha e
perfumada. Agora eu entendo as
pessoas que são ricas e ficam
mergulhadas nessa coisa, como se
fossem virar conserva. É muito boa
a sensação da água envolvendo o
corpo, o perfume dos sais e a
sensação de que o mundo pode
esperar.
Pensei em Yuri, em como ele
tinha sido um cachorro salafrário
comigo, e em como eu, ainda penso
nele. O pior de tudo é que eu ainda
gosto daquele cafajeste, e doeu ver
a foto dele com aquela vadia. Este
sentimento é quase um efeito
retardado, amanhã eu
provavelmente já irei ter
desencanado dessa palhaçada toda.
Mil pensamento mais tarde a
água começou a esfriar, então
deixei a banheira, coloquei um
roupão e sai do banheiro. Liguei
para a recepção e pedi o jantar.
Enquanto esperava liguei o
notebook e fui me vestir, não dava
para atender a porta e receber o
jantar só de roupão. Comecei a
secar os cabelos com aquele troço
que chamam de secador, mas que no
fundo só serve para secar cachorro.
Porque um secador daquele
tamanho, potência e bocal mais
aberto que boca de fofoqueiro, só
me deixaria parecida com o
leãozinho do Caetano.
O jantar chegou enquanto
ainda lutava com o secador de
cabelo para deixar minha
aparência, no mínimo, decente, mas
acabei com metade do cabelo
parecendo que tinha enfiado o dedo
na tomada e o outro liso, atendi a
porta. Eu morri da vontade de
gargalhar com a cara que a pobre
entregadora ficou ao me ver, mas
achei melhor não me sacanear, já
que a humanidade estava
encarregada disso.
Comi pouco, não sei se foi
por conta do cansaço ou porque
estava super ansiosa para começar
a revisar o que havia escrito para o
blog. Vasculhei a bolsa e retirei o
celular de lá e enviei por e-mail o
arquivo já pensando nas possíveis
mudanças que faria nele.
— Por onde começo? —
Pensei. Tudo o que aconteceu foi
aparecendo na minha cabeça de
uma forma que, se eu fechasse os
olhos, teria a impressão de estar
assistindo a um filme. Meus dedos
naturalmente seguiram para o
teclado, dando vida a história a
cada palavra que surgia, conforme
descrevia cada detalhe que me
lembrava.

“NÃO ADIANTA CERCAR O


PASTO SE FOR COM ARAME
#LISO”
Quando se é adolescente,
você está aberto a várias
probabilidades:

1) É inexperiente e
tonta, e a chance de cair na lábia de
qualquer moleque é de 99%;
2) Vai acreditar que é a única
na vida daquele garoto, e que ele
sim é a pessoa certa para
transformar todas as suas fantasias
em realidade;
3) Vai escrever muitos
bilhetinhos românticos, na
esperança de tocar o coração do
idiota que no fundo só quer usar as
suas sinceras declarações de amor
para se vangloriar com seus amigos,
que são tão idiotas, fúteis e
superficiais quanto ele;
4) Vai desligar o botão de
bom senso e fazer as piores burrices
para provar ao garoto dos seus
sonhos que também pode ser a
garota dos sonhos dele;

Bruno era o tipo de carinha


que tinha uma legião fãs, onde
todas e todos o desejavam,
inclusive a palerma aqui que caiu
feito um cordeirinho no papo do
lobo bom, só que eu era apenas
mais uma entre todas as outras.
E foi no meu pior dia, que
consegui chamar a sua atenção
para mim. A princípio achei que
ele apenas estava brincando
comigo, já que eu não estava nada
apresentável, com os cabelos
bagunçados e um modelito “estou
me preparando para faxinar a
casa”, que ele me notou em plena
partida de Country Strike com os
meninos na Lan House, porque
jogar entre os meninos era muito
mais interessante do que qualquer
atividade que as meninas
pudessem fazer. Neste dia eu
joguei até quase anoitecer.
E entre as conversas e
brincadeiras acabou rolando meu
primeiro beijo.
Depois deste dia,
começamos a ficar
frequentemente, além de conversar
por horas pelo computador.
Eu estava apaixonada, não
podia negar.
Cheguei a escrever uma
cartinha, com soneto de Vinicius
de Morais, acreditando que aquela
era uma forma sincera de
demonstrar o quanto ele
significava para mim. O que
acabei descobrindo depois, ser
apenas mais uma forma de me
tornar ridícula.
Meses depois e um namoro
que andava na mais perfeita
ordem, ele me ligou dizendo que
eu precisava ir urgentemente à sua
casa, pois precisaria conversar
comigo.
E é nessa hora você
congela, porque quando a pessoa
precisa falar algo sem importância
ela vai lá e fala, mas quando o que
ela vai dizer provavelmente você
não vai gostar, a famosa frase
“precisamos conversar” entra no
circuito.
Me arrumei rapidinho e saí
correndo para a casa do infeliz
(sorte que ele morava pertinho).
Cheguei toda esbaforida por ter
saído literalmente correndo de
casa, e quando chego, já da porta
ele me arrasta para dentro da casa
e eu ainda cheia de expectativa
sobre o que poderia ser, mal pensei
e entrei. A única surpresa que me
aguardava ali era um adolescente
em pleno furor dos hormônios
vindo para cima de mim com
tudo.
Achei que aquilo seria o
acontecimento natural das coisas,
pois tudo se encaixava. Estávamos
namorando (eu pensei assim) e
tudo levaria àquela situação. E eu
pateticamente confiava naquele
idiota.
Bruno tirou a minha roupa,
me deitou sobre a cama e
começou chupar meu pescoço,
desceu e foi em direção aos meus
seios, amassando, apertando...
Será que era para eu ter sentido
algum tesão com isso?
Dica grátis: Se a mulher
mudou mais de uma vez a posição
da sua cabeça durante o sexo oral,
você não tem a menor ideia do que
está fazendo, meu querido!
Enquanto eu analisava o que ele
estava tentando fazer com meus
seios, a boca dele caiu com tudo
no meu mamilo. Ele mordeu e
chupou tão forte que eu pensei que
fosse um sugador. Quando mudou
para o outro mamilo eu disfarcei
educadamente e o puxei num
beijo, enquanto o senhor ansioso
já estava com o dedo lá na minha
periquita.
Ele alisava, sugava, puxava
como se estivesse brincando de
modelar balões em festa de
aniversário. Quando menos
esperei ele penetrou um dedo em
mim. Eu arfei, mas não por sentir
prazer, mas pelo susto de ter um
ginecologista fazendo papa
Nicolau em mim antes dos
quarenta.
Ah adolescentes, realmente
não sabem nada quando o quesito
é agradar a mulher, e o pior é que
se acham incrivelmente
experientes e fodedores mágicos.
E então ele se posicionou
em cima de mim...
Pegou seu brinquedinho...
E começou a colocar aos
pouquinhos...
E...
E... nada aconteceu.
Simplesmente acabou e eu fiquei
ali olhando o teto com o peso dele
sobre mim, sem entender o que
tinha acontecido.
Não houve dor, desconforto
e muito menos prazer. Só a
frustrante sensação de que algo
tinha dado errado.
Fui para o banheiro me
limpar e entrei em desespero! Era
sangue que não acabava mais,
gente, sério, pensei que ia morrer
naquele momento. Passava papel,
passava de novo e de novo e nada
do sangue estancar.
A vontade de gritar
desesperada por Bruno, para que
ele me dissesse o que havia feito
comigo e tentar entender por que
eu estava morrendo se tornou uma
opção para mim ali dentro daquele
banheiro.
Gente... desesperador.
Fiquei olhando para o cesto
de lixo, cheio de papeis
ensanguentados e pensando na
possibilidade da mãe dele ter um
absorvente por ali para me
emprestar. Sei lá, qualquer
coisinha, até a fralda da
irmãzinha dele serviria naquela
hora pavorosa. Só para eu não
sujar toda minha calcinha de
sangue. Pelo menos se eu
morresse, que fosse em casa né!?
Não queria aparecer nos
noticiários da cidade. Já havia até
pensado na matéria de capa:
“MULHER MORRE APÓS
PERDER A VIRGINDADE.
Três dias depois, numa
conversa pelo computador, Bruno
simplesmente me pergunta como
ele poderia pedir em namoro... (
nessa hora eu me animei mais que
funcionário em dia de salário),
mas foi ai que veio a desilusão, o
pedido de namoro era para UMA
OUTRA MULHER.
Fiquei olhando para a
tela do computador incrédula.
Sério??? Outra??? E
eu??
Você, seu babaca
irresponsável, alguma vez
pensou no quanto me
machucou com a porra
daquelas palavras??? Só para
constar: machucou pra cacete.
Mas hoje eu só tenho que
te agradecer por ter sido esse
imbecil e me proporcionar o
delicioso prazer (pelo menos
desta vez) de vê-lo casado com
a Dragão de Komodo que
escolheu assim que me deu o
fora.
Não há nada mais
humilhante do que ser trocada
por outra pessoa que não sabia
nem que estava na jogada.

Beijos ardidos, Pimenta


Rosa

Depois de finalmente clicar


em publicar o post, resolvi comer o
resto do lanche que havia pedido
para o jantar. É como se, depois de
terminar de escrever, tivesse tirado
o peso de uma tonelada sobre mim
e agora houvesse bastante espaço
vago para ser preenchido.
Enquanto comia resolvi dar
uma olhada na internet para
descobrir o que estava acontecendo
no mundo enquanto eu divagava
sobre a minha trágica vida
amorosa, porque se algum daqueles
engravatados sem graça do curso
viesse conversar comigo, eu não
estaria tão desatualizada com o que
acontece por aí. E com certeza o
assunto que era atual para mim não
teria interesse nenhum para
qualquer um deles.
Quando finalmente o sono
começou a vir, fechei as janelas
abertas, e ai invés de fechar a
página do blog, eu acabei apertando
o botão para atualizar.
O número de visualizações
simplesmente havia se multiplicado
de maneira espantosa. Fiquei
olhando para a tela pensando que o
blog pudesse estar com algum bug
ou algo parecido. Cliquei em
atualizar novamente e quase cai
novamente da cadeira quando o
número de visualizações havia
praticamente dobrado.
Realmente eu não era a única
a passar por certas coisas na vida.
Era como se fosse a melhor coisa
que eu soubesse fazer na minha
vida: ser profissional em me foder.
A vida me fode tanto que era bem
capaz dela me engravidar e não
querer pagar pensão, me deixando
com um filho estranho e
escandaloso.
Comecei a ler os comentários
e me acabava de rir de certas
histórias. Algumas lembravam
coisas que vivi, outras eram tão
absurdas que reli algumas vezes
antes de responder. Fiquei tão
empolgada com os comentários que
nem percebi que o cansaço me
tomou e acabei adormecendo sobre
o teclado do computador e só
acordei às cinco e meia da manhã,
com uma puta dor no pescoço.
Antes de sair da página e
desligar o computador, notei que
havia mais visualizações e
comentários, mas isso era leitura
para mais tarde. Deixei tudo como
estava e me joguei na cama macia,
porque naquela manhã eu poderia
acordar um pouco mais tarde já que
só tinha curso às dez horas.
A história, ainda fresca em
minha cabeça me fez ter sonhos
estranhos com Bruno. Claro que ele
ainda era um jovem adolescente e
não o pançudo estranho que havia
se tornado.
Tempo, obrigada. Hoje eu te
agradeço por me livrar de encarar
certas coisas todas as manhãs.
Algumas pessoas melhoram
com o tempo, outras somente Deus
na causa.
Mais rápido do que eu
gostaria, o despertador já fazia seu
barulho diabólico sobre o criado
mudo, ao lado da cama. Levantei-
me pela primeira vez na vida, com
tempo suficiente para me preparar
com calma e fazer uma maquiagem
decente. E ainda daria tempo de
tomar café da manhã, antes do
restaurante do hotel fechar.
Assim que fechei a porta do
meu quarto dei uma trombada que
me deixou tonta por dois segundos
antes de levantar meus olhos e
encontrar Danilo feito um dois de
paus bem
na minha frente.
— Oi, se nos encontrarmos
mais uma vez, devo começar a me
preocupar?
— Mas como... como... o
quê? Espera, não me diz que está
hospedado nesse hotel? —
perguntei indignada.
— Estou.
— Eu disse para não me
dizer.
Eu estou tentando ser forte
Senhor, mas seria bom uma
ajudinha. Colocar esse homem à
minha frente três vezes seguidas
está complicando minha capacidade
de me manter forte, ainda mais
quando eu quero flertar um
pouquinho com ele.
Ou lamber seu pescoço...
Ou outras partes do corpo
dele...
Humm...
— Bom dia, pimenta, nos
veremos mais tarde. Talvez tenha
algo que possamos fazer para
diminuir esse seu gênio terrível —
ele respondeu antes de sorrir (Oh
Senhor, que sorriso) e sair
caminhando como se nada tivesse
acontecido.
Preferi não responder ao
desaforo, em vez disso respirei
fundo me empertiguei e andei até o
elevador.
Enquanto Cássia Eller pedia
um pouco de malandragem, eu ando
como o Lenine, pedindo —
desesperadamente — um pouco
mais de paciência.
4
CORRENDO ATRÁS
DE UMA FELICIDADE
QUE SE DIFARÇA DE
#USAINBOLT
O táxi deu voltas e mais
voltas pela cidade tentando fugir do
trânsito. Eu já estava ficando sem
senso de direção. Foram tantas
esquerdas e direitas que eu
acabaria chegando à Bahia, menos
ao bendito prédio. Resolvi
perguntar se ainda estávamos muito
longe, como ele me disse que
estávamos há uma quadra apenas e
que eu só precisaria virar a esquina
um pouco mais à frente, paguei pela
corrida e desci.
Antes de chegar ao local do
curso passei em uma lojinha de
bijuterias e comprei algumas peças
simplesmente porque estavam
baratas (provavelmente algumas
delas jamais serão usadas). Sempre
faço isso com maquiagem e
bijuterias, tenho mais sombras do
que olho para usá-las. Eu preciso
parar de comprar tudo o que vejo
pela frente só porque é baratinho ou
bonitinho, mas que nem sempre terá
uma chance de ser usado ou se
tornará um lindo presente de
aniversário para alguém um dia.
A grande maioria das coisas
inúteis que comprei, foi por conta
de namoros igualmente inúteis que
tive, o que me dá uma bela conta
para pagar em troca de um retorno
ruim.
Assim que percebi que não
estava em um dia de compras, corri
para o curso. Quando finalmente
entrei na sala me deparei com um
senhor de aparência ainda mais
enfadonha que a do homem que
havia realizado o curso no dia
anterior, se isso é que isso era
possível de acontecer.
Escolhi um dos muitos
lugares vagos para me sentar e abri
o caderno que havia levado para
fazer anotações, mas até agora só
haviam desenhos estranhos e
palavras desconexas ali.
Abri a bolsa, peguei o celular
e procurei por alguma rede de WI-
FI disponível, quando enfim
encontrei sorri de forma
conspiradora, talvez o dia não fosse
ser tão chato assim. Acessei um
aplicativo e baixei um desses jogos
que depois de certa fase você
precisa perturbar todo mundo que
conhece, mandando solicitação
para jogar junto com você. Eu
odiava essas coisas, meu e-mail e
minha rede social andavam
abarrotados dessas notificações. Eu
teria a minha revanche afinal.
Depois de uns vinte minutos
jogando, eu estava viciada nas
carinhas fofas que apareciam no
jogo assim que passava de fase.
Comecei a entender porque as
pessoas perdem o senso de
inconveniência e mandam convites
intermináveis. Curiosidade é um
bichinho que come a pessoa por
dentro e começa devorando pouco
a pouco a habilidade que temos de
mantermos discernimento.
Minha bexiga avisou — ou
melhor, deu ordens expressas — de
que eu precisava ir urgentemente ao
banheiro. Me levantei arrastando a
cadeira e fazendo um barulho
enorme e segui pelo corredor até o
banheiro sem olhar para trás e ver
as caras feias olhando para mim.
Me senti como um daqueles
esportistas que andam muito rápido,
quase rebolando para ganhar a
prova, no meu caso aliviar a minha
bexiga cheia de muito café e
energético.
Enrolei o máximo que pude
antes de voltar para a sala. Tomei
mais café, olhei alguns quadros
pelo corredor, até ter certeza de que
havia esgotado todas as minhas
possibilidades e então entrei. A
maravilha foi ouvir o bendito
palestrante se despedindo e fazendo
as últimas observações do dia.
Mais um dia do curso havia
terminado e eu tinha feito apenas
duas anotações que achei serem
necessárias. O detalhe é que
nenhuma das duas tinha a ver com o
real motivo de estar ali por horas.
Elas eram sobre cenas ridículas que
eu havia passado e que tinha a
certeza que passaria novamente,
visto minha perfeita capacidade de
me meter em situações que eu não
poderia explicar ou reverter.
Como em certa vez quando eu
era criança na escola e entrei para a
turma de balé, e apesar de estar
acima do peso, eu acabei entrando
depois de infernizar a minha mãe
para ela me dar a autorização.
Depois de muitos ”por favor,
mãe, nunca mais te peço nada.” e
uma semana inteira sem nenhuma
repreensão por conversar demais
na escola, ela me matriculou.
Passei meses ensaiando a
coreografia, e como sempre em
tudo o que faço eu não gosto do
posto de segundo lugar, eu sempre
me esforcei para ser a primeira e
acabei conseguindo ser a bailarina
principal.
A coreografia exigia que ao
final da música eu desse alguns
saltos e caísse em pé, porém o piso
extremamente encerado e, um idiota
como diretor da escola fazendo
seus infinitos discursos para cada
apresentação que antecedia a
minha, deixando um rastro de grãos
de areia sobre o piso, acabaram por
me levar a um tombo majestoso.
Enquanto todos riam e
repetiam que a gravação deveria
ser enviada para as vídeo-
cassetadas da Tv, eu fiz a única
coisa digna de uma pessoa na minha
situação: aproveitando que estava
no chão, que o barulho que minha
cabeça havia reproduzido era o
estrondo necessário para o que eu
pudesse fechar meus olhos e fingir
um desmaio.
Quando perceberam que eu
não me movia, todos começaram a
se desesperar e me levaram
imediatamente para enfermaria da
escola, onde permaneci quieta
ouvindo todos especulando sobre
possíveis diagnósticos.
Achei que fosse explodir à
medida que a gargalhada crescia e
era abafada dentro de mim. Eu
queria soltar um fabuloso “haha” na
cara de todos, mas era melhor
manter o disfarce, e o meu lindo
traseiro sem o desenho em alto
relevo da mão da minha mãe.
Quando notaram a demora
para eu recobrar a consciência, me
colocaram no carro e me levaram
para o hospital. Talvez eu tivesse
ido longe demais, mas quem nunca
ouviu um “se te pegar mentindo eu
te envergo”, não sabe o que é ter
força de vontade e descobrir seu
lado cénico.
As mães sabem ser bem
convincentes, mesmo que elas não
cumpram a palavra, e
provavelmente não fariam mesmo,
elas sabiam como deixar a ameaça
pairando no ar. E isso era muito
melhor do que qualquer outro
método que se use hoje em dia para
tornar uma criança obediente.
Acordei no dia seguinte,
depois de medicada e fui para casa
ainda fingindo uma possível perda
repentina de memória.
As semanas seguintes na
escola foram uma maravilha, eu era
a rainha do lugar e quando alguém
se atrevia a querer relembrar o
incidente, eu imediatamente levava
a mão à cabeça e fingia dor. Na
verdade doeu por um bom tempo.
Eu fiquei com um galo imenso na
cabeça, não, pior, eu estava com o
poleiro inteiro alojado no lado
esquerdo da cabeça.
É, eu sou uma peste, mas
também muito criativa.
Por um lado foi ótimo ficar
perdida nas minhas lembranças, por
que o caminho pareceu bem mais
curto que de costume. Mas eu
estava tão cansada daquele dia
enfadonho, que eu desejava apenas
chegar ao hotel e descansar minha
cabeça sobre o travesseiro e
dormir.
E foi exatamente isso o que
fiz. Tomei um banho rápido dessa
vez, sem coragem sequer de pensar
no esforço que poderia fazer ao
comer alguma coisa, me esparramei
sobre a cama coberta com lençóis
incrivelmente macios e adormeci
profundamente.
Às três horas da madrugada
acordei como se tivesse dormido
dias. Revirei na cama tentando
encontrar novamente o sono, quem
sabe ele pudesse estar preso entre
as dobras dos lençóis ou no meio
da fronha do travesseiro, mas não
estava em lugar algum.
Cansada de procurar por algo
que fatalmente não encontraria, me
levantei, acendi as luzes e pensei
em algo que pudesse fazer para
passar o tempo ou me cansar
bastante para voltar para cama.
Peguei o livro que havia
levado e insisti por alguns bons
minutos antes de constatar que não
obteria sucesso com esse método.
Tentei me concentrar na história,
mas as palavras pareciam uma
trama diabólica, praticando tortura
com meu cérebro, então o fechei e
coloquei novamente sobre a
escrivaninha.
Fiquei olhando para o nada,
pensando no que mais eu poderia
fazer além de ler e brincar de fazer
imagens com as mãos contra a luz.
Foi nesse momento que acabei
ouvindo o barulho de chuva
batendo na janela no quarto. Não
sabia se pelo fato de estar
totalmente entediada, mas senti uma
euforia estranha ao ver que chovia
em plena madrugada e acabei
abrindo a janela.
Seguindo meus instintos
coloquei o rosto para fora para
sentir aquele cheirinho agradável
de terra molhada.
Péssima decisão.
O que eu havia esquecido era
que primeiro, eu estava no décimo
terceiro andar e nem que eu tivesse
o melhor olfato do mundo eu
conseguiria sentir o cheiro da terra
que estava abaixo de uma camada
grossa de asfalto. E segundo, em
São Paulo não existe uma chuva
tranquila. Só que quando me dei
conta desses dois pontos
importantes, eu já estava ensopada
e metade do carpete do quarto
molhado.
Seria uma maravilha explicar
minha brilhante ação para quem
fosse limpar o quarto no dia
seguinte, era algo que eu não tinha a
menor ideia de como fazer. Atitudes
idiotas como essa raramente tem
explicação.
Fui até o banheiro peguei uma
toalha para me secar, mas minha
pele, por algum motivo, parecia
grudenta. Comecei a ficar com nojo
de mim, foi quando abri a torneira e
enchi a banheira. Talvez um longo e
reconfortante banho me acalmasse,
e trouxesse de volta meu tão
adorado sono.
Mas, isso também falhou.
Só me restava o computador.
Sentei-me na cadeira, abri o
notebook e fui direto para o blog.
Levei um baita susto quando
vi a quantidade de acessos, vinte
quatro horas após o primeiro post
que publiquei. É incrível como as
pessoas se reconhecem em
situações vexatórias.
O primeiro comentário que li
me fez rir bastante, era muito
esclarecedor.

@eternaapaixonada:
Não desista de procurar a pessoa
que te complete, a sua alma gêmea
está por ai. Logo encontrará a
metade da sua laranja.
Mas, como vou achar a metade
da minha laranja se eu sou um limão?!
É melhor ser um limão, do que dar de
cara com a metade da sua laranja,
sendo chupada por outra pessoa.
@pervertida69 : Estou
morrendo de rir de você. Tadinha,
transar com um cara que não sabia
de nada e ainda por cima ter que
bancar o cupido pra ele pegar outra
trouxa? Você merecia algo melhor.
Eu pensei comigo depois dessa:
eu sei, querida, eu sei. Mas, é errando
que se aprende.
Procurei por uns minutos o
botão de “vá se ferrar”, mas não
encontrei. Mas é claro que não haveria
um botão assim ou essas coisas nunca
dariam certo. Uma pessoa com apelido
@pervertida69 que se dá ao trabalho
de fazer um comentário para chamar
de trouxa uma pessoa que já está na
merda, não deveria ganhar créditos,
menos ainda uma conexão à internet
com acesso e contato com outras
pessoas.
@advogato : Eu me
prontifico a solucionar seu caso. O
indivíduo em questão cometeu o
crime de não lhe permitir gozar dos
benefícios que lhe eram cabidos
quando você de boa-fé lhe ofertou
seus préstimos.
Jura?! Juridicamente falando, se
esse cara depender dessa cantada ou
viver de advogar, a fome e a miséria
serão suas companheiras inseparáveis,
e claro, noites e noites tocando uma
sozinho.
@carentedevc: A minha
primeira vez foi muito interessante.
Eu não estava mais interessada em
guardar meu selo da pureza eterna,
havia muito fogo dentro de mim,
queimando minhas entranhas. Ai
resolvi encontrar alguém que
resolvesse meu problema. Uma
noite no meio de uma festa enquanto
caia de bêbada um cara me levou
até o banheiro e transamos, foi tão
maravilhoso que vomitei nele
inteiro. Depois disso nunca mais
falei com ele, a vergonha não me
deixava olhá-lo na cara. Mas não
era vergonha por ter vomitado e
sim por ter dado a ele algo
importante e o cara não ter tido a
gentileza de me oferecer um
orgasmo sequer. Achei uma
indelicadeza enorme.
Esse último comentário que li
me fez relembrar de um dos meus
relacionamentos. Não era muito
distante do que tinha sido o meu
primeiro.
Talvez eu não tenha o melhor
instinto para escolher as pessoas com
quem me envolvo. Mas, vale dar uma
chance às pessoas, ou talvez não. Entre
os erros... tá, eu não acerto, deixa pra
lá.
Abri uma página do blog e
comecei a digitar o segundo conto
desastroso, sobre a minha maravilhosa
e fantástica vida amorosa.
Ou não.

“O HALLS PRETO
NEM SEMPRE É UMA BOA
IDEIA.”
Pedro. Ah, o que posso dizer
sobre ele?
Resposta: muitas coisas, mas
nenhuma delas me traz boas
lembranças!
Você viaja de férias com a
sua família para curtir a praia, mas
antes seus pais têm a maravilhosa
ideia de passar no interior e ficar
uma semana na casa da sua avó,
que por sinal é uma figura.
Quando isso acontece o mais
provável é que:
1) Você fique entediada e
passe o tempo todo no quarto
lutando para conseguir uma conexão
de internet decente;
2) Você se senta e ouve outra
vez as histórias da sua avó, de
quando ela tinha a sua idade e
arrasava os corações alheios;
3) Mofa na frente da
televisão, mas nada parece ser tão
bom a ponto de fazer você parar e
realmente assistir alguma coisa;
4) Tenta sair de casa para
encontrar alguma coisa que
justifique o período que passará ali;
5) Aceita o convite da sua
mãe, para ir até a casa de uma
antiga amiga dela de colégio.

Assim que chegamos à casa


da tal amiga, ela logo tratou de
desenterrar o filho do quarto para
me apresentar. Elas acreditavam
fielmente que um poderia ajudar o
outro.
Eu ajudei. Agora receber
ajuda é outro assunto a ser
discutido.
Conversamos durante a
tarde inteira, jogamos vídeo game,
cartas, ouvimos músicas, tudo o
que era possível fazer, sem
precisar falar, nós fizemos, até que
não nos restou outra opção que
não iniciar uma conversa.
Ele era o típico garoto
bonitinho e superficial, mas tinha
cara de que beijava bem. A forma
como passava a língua nos lábios
e, como os movia sensualmente
para falar coisas bobas como, por
exemplo, o tempo.
No dia seguinte não esperei
a minha mãe chamar. Fui
correndo com ela para a casa da
tal amiga só para ver o Pedro, mas
ele não estava lá. Foi uma tortura,
as duas horas que fiquei ali
ouvindo como elas se divertiam
em mil novecentos e bolinhas
rosas. Quando estávamos quase
saindo, ele apareceu e me
convidou para encontrar os
amigos com quem estava.
A cada dia ficávamos mais
próximos, já que gostávamos das
mesmas coisas. Acabou sendo bem
natural a nossa aproximação.
No dia anterior à minha
partida resolvi ceder as investidas
dele. Era muito difícil segurar um
‘atacante na segunda base’ por
muito
tempo, e então rolou.
Transamos na cama dele à
tarde, porque nossas mães haviam
resolvido ir até a pracinha
relembrar suas adolescências.
Pelo menos até ele começar
a fazer sua mágica.
Pedro tirou sua roupa e,
enquanto eu tirava a minha, e
pegou no bolso da calça um
pacotinho de halls preto. Fiquei
imaginando o que ele iria fazer
com aquilo, já que não estava com
mau hálito, nem nada. Mas se ele
queria um hálito refrescante, o que
tinha de mal em reproduzir um
daqueles comerciais cafonas de
creme dental.
Ele se colocou entre as
minhas pernas e começou a passar
a língua, de cima para baixo, de
um lado para o outro. Eu não
entendia se ele estava tentando
pentear meus pelos pubianos com
a língua, ou fazendo sexo oral.
Depois de algum tempo,
desisti de tentar entender o que era
e comecei a olhar os adesivos
colados no teto do quarto, daqueles
que brilham no escuro. Alguns
eram até bem legais, apesar de um
tanto infantil.
Então ele parou, ai pensei:
Pronto? É só isso? Acabou?
Para meu desespero ele
tinha ido a cozinha buscar gelo
para uma nova tentativa. Talvez
desse certo com a periquita
dormente.
E vamos ao segundo round.
Mas tudo é uma questão de
prática, certo? Não mesmo!
Se não foi bom da primeira
vez, não se iluda, a coisa toda não
melhora. Principalmente se o
garoto tem uma hélice no lugar da
língua e acha que quanto mais
saliva sobre o seu clitóris melhor.
Aquilo estava uma poça de baba
que dava até gastura.
Se é que ele sabe onde fica o
bendito clitóris. Acho que até hoje
deve ser uma espécie de mapa
para os homens encontrarem o
tesouro perdido — e muitos deles
passarão a vida tentando sem
nunca alcançar êxito.
“POR UM MUNDO ONDE
HOMENS
NÃO USEM COLHER PARA
TOMA DANONINHO,
NEM PAZINHA NAS
CASQUINHAS DE SORVETE”
Eu como toda mulher
esperançosa achei que pudesse
indicar o caminho das pedras e
tornar tudo mais fácil. #SQN,
acabei ouvindo o tradicional:
“Deixa comigo que sei o que
tô fazendo, gata”.
Uma hora depois, fui
embora com a periquita inchada,
gelada, melecada e ferida. E o
pior: sem nenhum orgasmo.
Seria cômico se não fosse
trágico.

Beijos ardidos, Pimenta


Rosa.
.
Acabei de digitar tudo, salvei na
área de trabalho e me senti cansada o
bastante para continuar minha noite de
sono. Uma pena que já não era mais
noite.
O dia já havia começado e para
afirmar o que meus olhos viam, o meu
maravilhoso celular berrou debaixo do
travesseiro.
Hoje seria mais tranquilo. Era o
último dia de curso e, de acordo com a
programação, haveria uma única
palestra de uma hora, e depois um
pequeno teste para avaliar o quanto
havíamos absorvido de informações
durante esses três dias.
Depois, eu teria o resto do dia
livre, e poderia encontrar algo para
fazer a noite, aproveitar que estava
numa sexta-feira à noite em São Paulo,
linda, gostosa e solteira, aberta a todas
as possibilidades. Ainda mais quando
tinha a manhã do sábado livre, porque
meu voo saia às quatro da tarde.
Poderia fazer check-out no hotel ao
meio dia e seguir para o aeroporto
tranquilamente.
Ter possibilidades nunca foi tão
bom na vida.
5
#ESPERANDO UM FILHO DE
DEUS,
PORQUE DE FILHO DA PUTA
JÁ TIVE MINHA COTA
Hoje eu acordei de bom
humor, o que é raro. E não poderia
ser diferente: era o último dia
daquela tortura de curso, aliás,
aquilo era um desperdício do meu
tempo, porque não houve um
momento sequer em que eu não
balbuciasse junto as incríveis
descobertas dos palestrantes, já
estou nesse ramo há algum tempo, e
sou uma eterna curiosa, pesquiso
sobre todas as novidades
relacionadas ao meu trabalho.
Mas como nem tudo que é
dura, um dos engomadinhos sugeriu
que fizéssemos alguma coisa após o
encerramento das atividades.
Claro! Por que não?
Mas, antes mesmo que
pudesse dizer qualquer coisa, olhei
para as duas mulheres que me
encaravam com seus narizes
cirurgicamente modificados e
empinadinhos e pensei sobre a
burrada que eu estava prestes a
fazer. Afinal, eu não pretendia
desperdiçar meu precioso tempo
com pessoas tão metódicas e
previsíveis. Declinei do convite da
maneira mais esnobe que consegui,
e o mais incrível é que pareceu
funcionar. Até porque, ao olhar a
expressão enfadonha de cada um
deles, eu duvidei que eles
soubessem mesmo se divertir.
Por obra de um milagre
gabaritei o teste mesmo sem ter
ouvido uma palavra sequer do que
foi tagarelado durante todos esses
dias, o que só confirmou a minha
impressão de que o curso era
apenas um custo dispensável para a
empresa. Não que me incomodasse:
três dias em um hotel cinco estrelas
e uma noite bônus para sair e me
divertir na famosa noite paulistana.
Se esse fosse o castigo que teria de
suportar eles poderiam me enviar
em quantos cursos quisessem.
Depois de fingir que estava
extremamente interessada no
programão que tinha sido
convidada a participar, fiquei
tranquila em saber que o interesse
deles era bem restrito. Portanto, eu
não precisaria inventar desculpas
sobre meu declínio, afinal eu
deveria me preparar para retornar
ao Rio, quando na verdade eu
poderia dar minhas voltas pela
cidade sem ter alguém a todo o
tempo bancando o guia turístico,
apontando e explicando cada
monumento.
Como ainda era muito cedo
para começar a pensar em algo para
fazer na minha última noite na
cidade, resolvi aproveitar para
conhecer alguns pontos turísticos
que tinha muita curiosidade.
Passei pela Catedral da Sé,
onde pude admirar a imponência de
sua arquitetura, misturada a todo
tipo de cultura e cheia de encantos.
Sim, é como se o lugar pedisse por
grandes feitos, por pessoas
pensantes cheias de ideias,
daquelas que precisam mudar o
mundo à sua volta.
Da praça, peguei um táxi em
direção ao Mercadão Municipal. E
como toda pessoa que ao menos
uma vez na vida, teve um
pensamento lombriguento, eu
precisava, não, eu necessitava,
experimentar o bendito sanduíche
de mortadela, o famoso bauru
paulistano coberto de toda gordura
que um ser humano poderia
consumir na vida.
Sabe, aquele monstruoso que
normalmente passa na televisão,
naqueles momentos que você está
com a maior fome do universo?
Então, este mesmo.
Andei pelas lojinhas
espalhadas pelo mercado,
experimentando frutas e mais frutas
que os comerciantes faziam questão
de me oferecer (e que eu estava
começando a evitar com todo custo,
caso contrário, não haveria espaço
para o sanduíche), desfrutando
aquele momento meu. Somente meu.
Encontrei uma lojinha que
estava abarrotada de pimentas em
suas mais diversas variedades.
Desde conservas em potinhos
decorados até biscoitos lindamente
modelados, imitando os formatos
de seus respectivos ingredientes.
Pimentas que lembravam
muito o blog.
Morri de vontade de levar um
pouco de cada coisa, mas sabia que
tudo não sairia do aeroporto —
provavelmente eles considerariam
que eu era a terrorista das pimentas
— apenas admirei tudo e sai dali
frustrada com minha falta de sorte.
Fui direto para um
lanchonete, fiz meu pedido e me
sentei. No momento que o
sanduíche de mortadela pousou à
minha frente, eu pude agradecer
pelas coisas simples da vida.
As pessoas se esquecem de
aproveitar as boas coisas da vida
por se prenderem a rótulos. Julgam
que não podem se deliciar com
algumas coisas por não estarem de
acordo com suas posições sociais.
Está certo que mortadela não é uma
iguaria, mas é gostosa pra caramba
e ainda por cima é bem barata se
comparada a caviar que são
somente ovas de peixe.
Comi quase todo o sanduíche,
porque era realmente monstruoso e
eu havia provado muitas coisas
durante meu percurso pelo
Mercadão.
Saí dali tão satisfeita que eu
poderia ter tido facilmente um
orgasmo gastronômico enquanto
comia o sanduíche.
Depois de comer tanto eu
precisava caminhar para fazer a
digestão, então fui até a Liberdade
e encontrei uma lojas de doces.
Comprar balas, e umas gomas
estranhas, mas que eram
incrivelmente deliciosas, e isso sim
eu poderia levar no avião aos
montes. Entrei nas lojas e com
calma fui escolhendo tudo o que
pretendia levar, eu parecia estar em
slow motion diante de todas as
pessoas apressadas que estavam
ali.
Tentei amenizar meu estágio
“empanturrada demais” andando
pelos lugares, e conhecendo um
pouco mais da cidades e das
pessoas com quem cruzava pelas
ruas. Então resolvi tentar a sorte e
ir para o Parque Ibirapuera,
caminhar um pouco, antes de voltar
ao hotel para descansar, já que a
noite prometia.
Eu parecia uma cobra que
havia acabado de engolir um
mamute. Eu era cabeça, barriga e
pés.
A caminhada ficou para
segundo plano depois que eu avistei
a sombra de uma árvore muito
convidativa e, é evidente eu não
recusei o convite. Sentei-me à
sombra e recostei na árvore, me
rendendo de forma preguiçosa
sentindo os raios de sol fazerem o
trabalho de dar um ar saudável à
minha pele.
Eu estava há tanto tempo
trancada no escritório e no trânsito
que nunca mais consegui apreciar
uma boa praia no final de semana
ou mesmo uma saída a sacada do
apartamento para olhar o dia. Ou
seja, eu, provavelmente, estava tão
verde quanto o Shrek.
Observei os casais que
passeavam de mãos dadas e ainda
pareciam apaixonados, outros que
já não conseguiam mais esconder a
sua insatisfação, mas que ainda
assim permaneceriam juntos, pelo
menos até que um dos dois tivesse
coragem suficiente para pôr um fim
àquela relação.
Lembrei-me de quantas vezes
isso aconteceu comigo, e ainda
assim, me deixei levar pelo
conforto de uma situação
desconfortável.
Eu embarcava em
verdadeiras canoas furadas, porque
queria estar com alguém, mas
depois de certo tempo percebia que
querer estar com alguém, não
significava que eu conseguiria
deixar de me sentir sozinha.
Precisei quebrar muito a
cara, para perceber que o amor é
para os fortes, os fracos vivem de
pequenas ilusões que,
momentaneamente, satisfazem um
ego constantemente magoado.
Deitei meu corpo sobre a
grama verdinha e fiquei observando
as nuvens e seus desenhos
engraçados no céu, até sentir um
pequeno comichão embaixo de
mim, andando pelas minhas costas e
seguindo em direção a minha
bunda.
Não me dei conta do que
estava acontecendo ali no pequeno
mundinho abaixo da grama
verdinha. Um pequeno formigueiro
estava debaixo da minha cabeça, o
interessante foi a tentativa de fazer
do meu cabelo sua nova moradia
(se pelo menos elas tivessem ficado
só no cabelo eu estaria feliz). Era
de se suspeitar que um lugar com
uma sombra daquela vazia em um
parque lotado de gente não era boa
coisa.
Eu não tinha ganhado na
loteria, eu tinha aprendido algo
sobre um velho ditado que agora
fazia todo sentido. O que vem de
baixo não te atinge, até que se sente
em um formigueiro.
Isso que dá ficar filosofando
sobre a vida alheia.
Levantei dali correndo e
comecei a me debater, movendo a
bunda de um lado para o outro,
numa dança que parecia fazer
sentido apenas para mim.
Enquanto eu me preocupava
com o cabelo, outras formigas
começaram a traçar o caminho da
minha vergonha eterna. Desceram
por minha coluna e encontraram
minha bunda e, quando eu pensei
que não poderia piorar, uma
formiga muito atrevida me deu uma
mordida na periquita.
Não tinha outro lugar para
aquela safada morder, não?
A dor foi tamanha que dei um
grito estridente, depois de pular
como uma louca. Com isso, meu
celular e minha bolsa foram
jogados na grama, enquanto tudo
que eu poderia pensar como a única
solução possível para me livrar
daquela situação infernal era me
livrar de toda minha roupa. Me vi
com as mãos na bainha da blusa,
para começar o strip-tease gratuito,
quando uma mão freou meu
movimento.
— Algum problema aí, tia?
Ah, tá de sacanagem? Estou
com a periquita sendo comida da
pior forma possível e um
adolescente espinhento vem
debochar da minha cara.
— Não tenho problema
nenhum jovem criança, não se
preocupe continue tomando seu
toddynho e não se perca da sua
mamãe. O parque é muito grande.
— Tá de zoeira, tia? Tô aqui
de boa tentando te dar uma moral e
tá curtindo com a minha cara?
Zoeira? Dar moral? Curtir
com a cara? Deus, que linguajar é
esse?! As picadas estão me
causando alucinações, só pode ser
isso. Não consigo mais
compreender a comunicação
humana.
— Desculpe, mas não entendi
um terço do que acabou de dizer.
Ele me olhou como se eu
fosse a lunática, e começou a
tagarelar frases incompreensíveis
por algum tempo, até que desistiu e
me deixou ali, sendo banquete
daqueles canibais em miniatura.
Rezei para que elas não
conseguissem ir além de onde
estavam. Nada de entrar pelos
buracos, pelo amor de Deus. Já
começava a temer por meu intestino
grosso. Seria um verdadeiro
estrago se elas achassem minha
passagem secreta.
Recolhi minhas coisas no
chão o mais rápido que pude e corri
para o banheiro químico que estava
próximo.
Graças a Deus pelos
pequenos milagres da vida!
Mal fechei a porta e já fui
tirando a saia e a calcinha
sacudindo tudo bem direitinho, não
queria encontrar nenhuma outra
visitante despudorada quando me
vestisse novamente. Sequer me dei
ao trabalho de procurar um papel
higiênico ali. Fui logo pegando os
lencinhos umedecidos — que eu
sempre trazia na bolsa — para me
livrar da situação drástica na qual
consegui me meter.
A medida que passava os
lenços, mais visitantes indesejadas
eram encontradas. Acabei
esfregando com força demais e o
que já estava ruim, piorou.
Precisei fazer a caminhada da
derrota até a entrada do parque
para pegar o táxi de volta para o
hotel, o trajeto inteiro foi feito com
as minhas pernas abertas.
Vergonha me define!
Como se isto não bastasse, o
taxista era pior do que papagaio.
Contou sobre a filha que estava na
faculdade, o porquê havia se
tornado taxista, dos dois
casamentos fracassados, dos
lazeres do final de semana...
Todo assunto que era do meu
total e absoluto desinteresse.
Já no hotel, tentei andar o
mais rápido que minha dignidade
permitisse naquele momento e,
claro, o mais disfarçado que pude.
Quando entrei no elevador, apertei
o botão correspondente ao meu
andar e torci para que ninguém me
fizesse companhia.
Foi quase como entrar no céu
depois que eu fechei a porta já do
lado de dentro do quarto. Tirei a
roupa, coloquei a bolsa sobre a
mesa e fui para debaixo do
chuveiro.
O que eu não esperava era
que isso poderia deixar tudo ainda
pior. Quando a água encontrou o
local da carnificina, minha alma
saiu por alguns segundos do meu
corpo e voltou. Soltei um palavrão
dos mais cabeludos, que pôde ser
ouvido por qualquer pessoa
daquele andar, quiçá o hotel inteiro.
Quando eu saí do banheiro
químico do parque, pensei que
nunca enfrentaria situação pior do
que aquela. Eu só não sabia que
estava enganada. Muitoooo
enganada. Sair do banho foi
extremamente pior.
Foi a duras penas que
consegui caminhar até a cama, perto
o suficiente para alcançar o
telefone e ligar para a recepção.
Quem me atendeu foi muito gentil e
indicou o telefone de uma farmácia
próxima e que entregava no hotel.
Mas desgraça pouca é
bobagem, não é mesmo? Tentei
explicar para o farmacêutico que
me atendeu o que tinha acontecido
muito superficialmente, mas o
desgraçado disse que só poderia
me ajudar realmente se soubesse
onde eram as picadas/mordidas e
como o local estava reagindo.
Expliquei tudo com o máximo
de calma (mas, mentalmente eu
estava xingando até a sua
prequitagéssima sétima geração
dele) e ele me recomendou uma
pomada para cicatrização, que
também amenizaria o inchaço, além
de um antialérgico para evitar que
tivesse surpresas futuras.
Dez minutos depois o
entregador estava subindo para o
meu quarto. Andei lentamente e
com muita dificuldade até a porta,
não queria deixa-lo esperando
eternamente, até que fizesse o
percurso da cama até a porta.
Mais rápido do que eu
esperava, as batidas na porta
anunciaram sua chegada, para a
minha felicidade e alívio. Abri a
porta, mal olhei a pessoa que
estava em minha frente e já fui
entregando o dinheiro, porém, quem
estava ali não era o entregador, mas
sim, Danilo que me olhava de cima
abaixo, com um sorriso safado por
conta do roupão mal fechado.
— Eu acho que meus
serviços custam mais do que parece
estar disposta a investir.
Ele tentou ficar sério, mas
seu lábio inferior tremia, o
entregando. Até que ele não
aguentou e gargalhou na minha cara.
Juro que se eu pudesse fazer
qualquer movimento com minhas
pernas agora, uma delas estaria no
meio das pernas dele. E
provavelmente meu pé estaria
cumprimentando suas bolas.
— Pensando bem, não me
custa nada fazer essa gentileza.
Pode me pagar uma bebida mais
tarde quando saímos e ficamos
quites.
— Quem te iludiu que vamos
sair, ou que você está apto a me
prestar favores?
— Você é mesmo ardida
como pimenta, mas que graça teria
a vida sem um pouco de tempero?
Dei graças quando o
entregador surgiu na porta com o
meu pedido na sacola e a nota na
mão. Peguei o dinheiro das mãos do
Danilo e passei para o entregador,
dispensando o troco.
Não é que eu esteja rica, eu
apenas não queria correr o risco de
que ele resolvesse conferir meu
pedido, explicar a medicação e
como deveria ministrá-la. Já tinha
sido o suficiente o que passei até
aqui.
Coloquei a sacola sobre a
bancada e fui fechar a porta.
Danilo ainda tentou continuar
a conversa, porém a única coisa
que eu pensava naquele momento
era que a minha periquita estava
igual àquelas mulheres que injetam
Botox, como se não houvesse
amanhã.
Fechei a porta na cara dele
mesmo, tomei o comprimido
antialérgico e, depois de abrir a
pomada, me joguei na cama,
abrindo as pernas como uma rã.
Assim que o geladinho da
pomada começou a fazer o efeito
esperado, meus olhos se fecharam e
pude me preocupar com o prazer de
sentir tudo voltando ao normal.
Adormeci ainda na posição
de pernas para cima e bem abertas,
o que por um lado foi bom porque
assim a pomada fez um efeito
fabuloso.
Acordei cerca de duas horas
depois. Ainda não estava cem por
cento, mas muito melhor do que
quando cheguei da minha aventura
com a natureza.
Tomei um novo banho para
tentar diminuir o cheiro forte da
pomada, vesti a roupa que havia
escolhido para a noite, olhei as
bijuterias que tinha comprado no
dia anterior e fui para a tarefa
árdua: maquiagem.
Optei por uma maquiagem
mais marcante que havia
encontrado na internet. O problema
é que a coordenação e habilidade
que a maquiadora tem no vídeo, eu
não possuo. Ai já viu, o que é para
ser um delineado gatinho, vira uma
Amy Winehouse.
Depois de várias tentativas,
gostei do que vi quando me olhei no
espelho e então estava pronta.
Parei no bar do hotel
enquanto aguardava o táxi. Foi
bom, pois eu consegui a referência
de um pub, que o garçom me disse
ser um dos melhores da cidade. A
sorte foi que o táxi chegou
rapidinho, pois mais alguns
drinques, eu não precisaria sequer
sair do lugar.
O pub parecia bem legal, as
pessoas eram bem interessantes. O
que estava me tirando do sério
eram duas coisas: o local estava
com o ar-condicionado quebrado e
um cara achou que eu era a trepada
ideal da sua noite.
Chamou-me de gata, gostosa,
cachorra, safada, bandida, eu já não
suportava mais de vontade de
proporcionar o encontro entre
minha mão e a cara dele, mas
precisava resistir. Eu não tinha
força suficiente para mandar aquele
marmanjo para o hospital como eu
queria, e se ainda assim pudesse,
seria muito ruim começar no cargo
novo dentro da revista, com uma
ficha na delegacia de São Paulo.
Estupidamente decidi que
deveria comprar uma bala no caixa
para amenizar a minha leve
embriaguez, e lá estava o cara sem
noção, sentando em um dos bancos
do bar que ficava bem ao lado de
onde estava. Claro que ele não
perdeu tempo e logo reiniciou com
seu arsenal de cantadas baratas.
— Você poderia me dar uma
chance gata. Posso te dar o que está
te faltando. Porque tá na cara que te
falta um bom orgasmo.
Eu ia esganar aquele imbecil.
Não precisava sair por ai
espalhando o segredo dos outros.
— E como chegou e essa
brilhante conclusão, posso saber?
— Claro, delícia. É que você
está com aquela cara de “me foda,
por favor.” Então posso resolver o
seu problema, garanto que não irá
se arrepender.
Ele não merecia o meu latim,
definitivamente. Virei e segui para
a saída. Antes encerrar minha noite
mais cedo, do que acabar nas
páginas policiais por estripar um
bêbado inconveniente.
Hoje o dia, definitivamente,
não foi feito para mim.
6
COMETENDO ERROS,
MAS SEMPRE
# ERROS DIFERENTE
A noite na cidade que nunca
dorme não foi o espetáculo que eu
esperava.
Quando cheguei ao hotel,
exausta de tantas frustrações, a
única coisa que me restava era
dormir até a hora de me preparar
para voltar ao Rio. Tomei um
banho, os comprimidos e passei a
pomadinha para cicatrização das
picadas e assisti a um pouco de
televisão até pegar no sono.
Acordei na manhã seguinte
dolorida de fome e com a periquita
quase que totalmente curada, ainda
havia alguns pontinhos vermelhos,
mas em comparação a carnificina
do dia anterior eu podia quase
afirmar que nunca tinha alojado um
bando de formigas carnívoras ali.
Peguei minhas coisas de
qualquer jeito e coloquei tudo
dentro da mala, inclusive as
miniaturas de produtos de banho
que eram colocadas todos os dias
pela camareira. Separei a roupa
que usaria, os sapatos e deixei a
mala aberta aos pés da cama, antes
de descer para tomar café.
Servi-me de tudo que havia
de mais gorduroso no banquete,
coalhada, cubinhos pastosos de
queijo, pão de queijo recheado,
presunto, bolo de chocolate com
uma cobertura bem generosa de
chocolate que daria inveja a
qualquer mulher de TPM, este, para
encerrar o café da manhã, além de
um copo enorme de uma vitamina
super encorpada para ajudar a
descer isso tudo. Teve um momento
em que achei que nunca fosse
comer tudo o que havia colocado
diante de mim na mesa, mas decidi
ver do que seria capaz minha fome.
Respirei fundo e soltei o ar
satisfeita com a minha escolha.
Nessa hora de felicidade plena e
com a minha boca cheia de comida
que Danilo se sentou em minha
mesa como se fosse um convidado,
colocando suas coisas ao meu lado
e começou a comer.
Mas que inferno de homem
insuportável. Se não fosse tão
gostoso, e não tivesse passado sua
imagem na minha cabeça mais
vezes do que eu gostaria, desde que
paguei o mico de babar no ombro
dele dentro no avião, eu o teria
mandado para o inferno.
A questão é: como mandar um
homem desses catar coquinho?
Engoli tudo que estava na
minha boca com pressa, tomando
um gole da vitamina para ajudar a
descer por minha garganta mais
depressa.
— Posso saber quem o
convidou para sentar? Porque pelo
que estou vendo, hoje a situação do
restaurante não se aplica, está super
vazio aqui. Portanto, vá se sentar
em outro lugar.
— Você é sempre um amor de
pessoa, não é? Mas, sabe de uma
coisa, eu até que gosto.
E começou a gargalhar na
minha cara, colocando um pedaço
de fruta na boca. Pela sua
expressão tranquila, era mais certo
um elefante voar do que ele se
levantar da mesa, somente por ser
mais prazeroso continuar me
irritando do que satisfazer o meu
desejo.
Enquanto ele bancava o
educado, comendo apenas queijo,
frutas, um pão e tomava uma xícara
de café, eu havia colocado comida
para mim como se nunca mais fosse
comer na vida. O bom era que,
sentado ali comigo, todos achariam
que o desesperado por comida era
ele, e não eu.
Então que fosse.
Tentei ignorar a presença
dele e continuei comendo, mas o
infeliz estava a fim mesmo de testar
minha paciência.
— Você esteve presa em
algum cativeiro na noite anterior?
Porque nenhuma outra explicação
seria mais precisa do que esta.
— Não, meu querido, às
vezes encontramos alguém que nos
abre o apetite e outro que nos tira
— sorri sarcástica para ver se ele
entendia a mensagem direta.
— Então sua noite foi
agitada. — Ele limpou a boca com
o guardanapo, enquanto olhava para
mim preocupado.
Mal sabia ele que o máximo
de agitação que eu tive foi sacudir
as formigas de mim e, depois, a
delícia do meu próprio toque para
aplicar pomada nas várias picadas
que estavam pelo meu corpo.
Recuperar a saúde da minha
periquita não foi nada agradável ou
fácil, mas no fim tudo deu certo e
logo, logo estaria de volta em casa.
— Agitadíssima. Agora com
sua licença, eu vou voltar ao meu
quarto. Aproveite o café da manhã
e sua magnífica companhia — sorri
ainda mais com a reação dele e sai
rapidinho do restaurante.
Resistir ao Danilo e fingir
que ele não era nada além de
incômodo estava sendo muito
trabalho para minha sanidade.
Ainda mais, quando um lado meu
queria pular em seu colo e beijar
aquela boca linda, carnuda e
desaforada.
Entrei no elevador e segurei
o botão para que as portas
fechassem mais rápido possível,
mas quando ouvi a voz insuportável
de Danilo me pedindo para esperá-
lo, apertei freneticamente o botão,
como se fazendo aquilo fosse me
livrar quase da morte. Eu não
estava mais com saco para as
conversas de duplo sentido e
conotação sexual que ele sempre
estava disposto a ter.
O elevador se fechou e a
última imagem que vi foi a dele me
encarando com certa raiva, mas
antes das portas de fecharem
completamente, deixei para ele a
visão do meu dedo do meio e um
sorriso vitorioso.
Eu sei que a minha atitude foi
infantil, mas tente levar a diante
uma promessa que fez a si mesmo
de não se relacionar com o sexo
oposto e encare um homem como
ele de cinco em cinco minutos. Sim
porque ele parecia um mágico,
aparecendo em todos os lugares que
eu estava, e assim fica complicado
cumprir com a palavra dada. Eu sou
feita de carne, e sempre que o vejo
essa carne fica tomada por uma
safadeza insana.
Já estava quase na porta do
meu quarto quando ele saiu do
segundo elevador me chamando.
— Ei, espera aí.
Essas tecnologias só servem
para atrapalhar a vida quando
precisamos, porque, se Danilo
fosse um sequestrador ou assassino,
a esta altura eu estaria morta.
O cartão magnético que
deveria abrir a porta não funcionou,
nem a pau. Fiquei ali, desesperada
passando na fechadura sem nenhum
sucesso, enquanto ele chegava cada
vez mais perto.
— Olha só, eu não estou a
fim de continuar qualquer conversa
com você. Então... — Virei para o
lado oposto na defensiva quando
percebi que ele estava mais
próximo do que eu poderia querer.
— Cala a boca.
Eu não sabia se o desespero
em tentar abrir a porta tinha me
feito entrar em uma realidade
paralela ou ele estava mesmo me
mandando calar a boca.
— Como é?
— Cala a boca, você fala
demais e acaba atrapalhando tudo.
Eu também tenho coisas a dizer,
mas não agora.
Não consegui ver nem o vulto
dele quando veio para cima de
mim, segurando minha cabeça e
pressionando meu corpo contra a
parede fria.
Sua outra mão retirou o
cartão e abriu a porta sem o menor
esforço. Não sei qual foi o
momento exato em que minhas
pernas abraçaram seu quadril, mas
sei que no segundo seguinte estava
na cama, com ele sobre mim.
Tudo aconteceu como um
borrão, mas o borrão mais
fantástico que já havia me
acontecido. Cada toque dele era
preciso, ele sabia os locais exatos
para me fazer acender como um
holofote. Descobri que eu
subestimava o sexo até conhecer o
Danilo, definitivamente,
subestimava.
O problema foi quando as
sensações do êxtase deixaram meu
corpo e a culpa me dominou
completamente. Como se não
suportasse ficar mais tempo deitada
na cama, me levantei com a
desculpa de um banho. Precisava
ficar um tempo sozinha, eu nunca
havia feito nada parecido, só o
conhecia há três dias e mal
tínhamos trocado algumas
palavras.
Está certo que o homem era
uma delícia, lindo como o diabo,
mas isso nunca foi motivo para que
eu caísse na cama com alguém.
Então, como eu tinha acabado com
ele no meio das minhas pernas, era
um enigma para mim.
— Ei, aonde vai?
Sua voz estava carregada de
cansaço, exaustão talvez. Porque eu
estava exausta, e pelo pouco que
me lembro, meu esforço foi
mínimo, fico imaginando como ele
estaria.
— Preciso tomar um banho,
mas pode ficar ai.
— E por que não me
convida?
— Porque parece bem
cansado, assim que terminar eu
volto. Não se preocupe, afinal de
contas estamos no meu quarto, não
vou fugir.
Mas fugir me pareceu uma
excelente ideia.
Debaixo do chuveiro a culpa
veio com um golpe ainda mais
forte. Encostei-me à parede,
enquanto a água batia em meu
corpo, deixei as lágrimas rolarem
quentes pelo meu rosto. O silêncio
do meu choro parecia gritar dentro
da minha cabeça. Eu nunca fui
assim, eu não sou o tipo de garota
que vai parar na cama com um cara
em duas conversas. Certo que
nenhum dos meus relacionamentos
anteriores tinham sido uma
maravilha, mas levou tempo até que
algum sexo acontecesse.
Eu não sabia o que acontecia
quando estava na presença de
Danilo. Sempre que ele estava por
perto meu instinto de defesa gritava
e eu instantaneamente entrava na
defensiva, respondia a tudo que ele
dizia com rispidez e agilidade,
coisa que, na minha realidade, não
acontecia nunca.
Eu sou o tipo de pessoa que
sempre tem as melhores respostas
quando acaba uma discussão, mas
com o Danilo isso não acontecia
nunca. Era como se eu fosse,
sempre, uma adolescente birrenta.
Devo ter demorado um século
no banho, pois quando saí, Danilo
estava cochilando na cama. A
vontade de voltar para cama e me
arrastar para perto do seu corpo,
passar a mão na barriga de
tanquinho, ou qualquer outra parte
do seu corpo era enorme, tão
grande, que eu pensei que estava
delirando.
Eu só fiquei ali, parada,
admirando o homem adormecido
com os cabelos castanhos jogado
sobre o rosto, a boca ainda
vermelha por tantos beijos entre
aberta, os braços fortes que
abraçavam o travesseiro, e como eu
queria ser o travesseiro naquele
momento. O lençol cobria apenas
seu quadril, deixando as coxas de
fora. E era exatamente onde eu
deveria estar, fora. Fora dali,
daquele quarto, longe da tentação
de me deixar seduzir por esse
homem outra vez.
Mas antes de fazer uma
bobagem dessas, vesti minha roupa
e fechei a mala fazendo o mínimo
de barulho possível.
Eu precisava sair dali o mais
rápido possível. Não era uma
atitude bonita, muito menos algo
que eu pudesse me orgulhar, mas eu
não queria explicar meus olhos
vermelhos de tanto chorar, muito
menos enfrentar uma conversa pós-
sexo. Aliás, eu sequer sabia o que
fazer. Danilo trazia essa incerteza
para mim, que chegava a ser
desconcertante.
Queria pular na cama com
ele, queria usar e abusar daquele
corpo que foi abençoado por Deus,
queria gritar e brigar com ele e ao
mesmo tempo queria beijá-lo com
loucura, e ainda queria sair
correndo para minha casa, longe
dele.
Eu estava ficando louca.
Mesmo assim, foi com o
coração pesado que desci até a
recepção e iniciei o check-out. A
mulher que estava me atendendo,
era tão eficiente (#sqn) que,
enquanto ela fazia seus
procedimentos, eu abri o aplicativo
e solicitei um táxi, ele chegou e eu
ainda estava aguardando a mulher
sair do modo lenta.
O tempo todo eu olhava
apreensiva para o elevador, com
medo de que o Danilo pudesse sair
a qualquer momento e eu teria de
enfrentá-lo.
Pedi que a recepcionista me
fizesse um último favor e ligasse
para o quarto em que eu havia me
hospedado em meia hora, para
informar que havia feito o check-
out e assim, desse tempo para
Danilo se trocar antes que a
camareira chegasse, e sai do hotel
como uma fugitiva.
Enquanto o taxista colocava a
bagagem na mala eu me sentei no
banco de trás do carro. Um aperto
tão forte no peito me causava dor
até ao respirar, e mais lágrimas
caíram, deixando que uma sensação
esquisita me acompanhasse até ao
aeroporto.
Ainda faltava uma hora para
embarcar e eu estava sem cabeça
para mergulhar na história triste do
livro que havia levado, muito
cansada por ter protagonizado o
melhor sexo da minha vida, e
poderia afirmar que o melhor sexo
da vida até de outras pessoas.
Precisava de algo que me
animasse rápido, as pessoas à
minha volta pareciam apenas
borrões que passavam rápido por
mim, eu estava começando a ficar
nauseada.
Dei uma olhada em minha
rede social, morri de ódio com
algumas postagens que pareciam
ser dedicadas inteiramente a mim,
bloqueei algumas pessoas e
postagens, escrevi algumas coisas
ameaçadoras e filosofias baratas no
meu status, algumas pessoas
curtiram, outras tentaram entender e
especular o que estava
acontecendo.
Confesso que por algum
tempo me distraí, pensando em
cada suposição que chegaria nas
respostas, minha caixa de
mensagens começou a apitar em um
ritmo frenético. A curiosidade é um
bichinho que consome a pessoa,
quanto mais ela sabe, mais ela
“precisa” saber sobre o que não lhe
interessa ou diz respeito.
Olhei as atualizações das
pessoas que me interessavam e
quando estava fechando a tela do
celular, uma nova atualização de
Yuri apareceu na linha do tempo.
Uma mensagem altamente
sugestionável que indicava que ele
sentia minha falta e queria que tudo
fosse como antes.
Era exatamente isso o que
precisava naquele momento.
Sorrindo, escrevi uma resposta e,
quando ia clicar em responder à
mensagem a vagaranha da
estagiária respondeu com um
coraçãozinho brega e em seguida,
quase que de maneira instantânea,
veio a resposta de Yuri com um
“ela me faz tão bem”.
E eu que sempre amei o Lulu
agora sabia que esta era uma
música que estava arruinada para
mim para todo o sempre.
Fechei o aplicativo e
desliguei o telefone. Ao fundo a voz
perfeita de uma mulher anunciava
que eu deveria me dirigir ao portão
de embarque, pois o avião já estava
posicionado esperando pelos
passageiros.
O voo foi tranquilo e rápido.
As poltronas ao meu lado seguiram
o trajeto vazias o que me deu paz
de espírito para dormir tranquila
sem acordar babando em ninguém.
O que levou meu pensamento de
volta para o quarto de hotel e para
a imagem incrivelmente sexy de
Danilo nu sobre os lençóis
bagunçados da cama.
Quando cheguei em casa já
era finalzinho de tarde. Coloquei a
mala sobre a cama e fui tomar outro
banho, o cheiro do Danilo parecia
estar impregnado em mim e eu
precisava, desesperadamente, tirar
ele de mim. O homem se enraizou
na minha cabeça e não saia de jeito
nenhum.
No espelho do banheiro
escrito com um batom vermelho
havia um recadinho de Cíntia.

“SE QUISER COMER, VÁ ATÉ O


BAR.
NÃO TEMOS COMIDA EM
CASA!
ESTOU COM SAUDADES SUA
PESTE.
TE AMO ... MAIS OU MENOS ...
TÁ, EU AMO. E ANDA LOGO.
POR QUE ESTÁ PERDENDO
TEMPO LENDO,
VENHA LOGO ME VER.”

Maravilha!
Fui até a geladeira, armários
e potes da cozinha e não havia nada
além de água, temperos e cerveja
naquela casa. Droga, agora teria
que sair. Maquiagem, cabelo,
roupa, sapato e saco para suportar
pessoas que não conhecia. Tudo
isso junto a uma vontade zero de
sair de casa.
Coloquei um vestido preto
básico, isso me evitariam as
combinações. Um scarpin
vermelho, uma maquiagem leve e
modelei os cachos. Isso era o
máximo que eu faria.
Já pronta, fui até a garagem,
entrei no carro e dirigi até o bar.
Encontrar uma vaga para estacionar
foi um verdadeiro desafio. Sim,
desafio, pois se você juntar o fato
de ficar rodando quarteirão mais
quarteirão, irritada e com a fome
que parecia corroer as paredes do
meu estômago, era um verdadeiro
teste de paciência.
Ainda tentei ligar para Cíntia,
mas não sei por que me dei ao
trabalho, pois quando ela estava no
bar raramente atendia o telefone.
Me espremendo entre as pessoas
segui direto para o bar. Das duas
uma, iria ficar tão feliz por vê-la,
ou daria na cara dela por todo esse
trabalho.
Enquanto eu enfrentava minha
caminhada de obstáculos até o bar,
eu soube que deveria ter ficado em
casa e ter pedido comida chinesa.
Seria a coisa mais inteligente a
fazer, mas eu nunca consigo esses
momentos racionais e brilhantes
quando me empolgo, e matar a
saudade dela tinha me deixando
idiota, por isso acabei nesta
enrascada.
Avistei Cíntia desnorteada
com o movimento. As pessoas
estavam debruçadas no balcão,
fazendo seus pedidos, todos ao
mesmo tempo e ela sozinha. Não
demorou muito para eu perceber no
que eu tinha me metido. Eu sabia
que iria me ferrar. Aquilo não era
um convite, era um golpe, ela iria
me fazer trabalhar.
Vadia!
Assim que me viu ela
gesticulou desesperada para que eu
fosse até lá. Eu queria matá-la. Eu
estava cansada, com fome e louca
para conversar com alguém sobre o
que havia acontecido em São Paulo,
mas pelo visto, qualquer
necessidade minha ficaria para
depois, pois, por mais que eu
odiasse ter que trabalhar neste
momento, sabia que precisava
ajudar minha amiga. O bar era a
vida dela, além de toda a grana que
tinha no mundo, ou seja, eu não
poderia sacanear com ela.
— Me desculpe, eu não
pensei que isso estaria essa loucura
toda, mas que bom que está aqui.
Pode me dar uma mãozinha?
— Não seja sonsa, não era
um convite, era um golpe. Não sei
se sabe alguma coisa de história,
mas a Princesa Isabel foi bem
bacana comigo, e segundo uma
certa lei, pessoas brancas como
você não podem mais me
escravizar sabia?
— Nossa, mais dramática que
maquiagem da Camila Coelho. Eu
estava com saudade, só isso. Não
tive tempo para ir ao mercado, e
sim, queria mesmo te ver. O
problema é que hoje era folga de
um dos garçons e os outros dois
estão de atestado médico. Agora
deixa de drama e me ajuda.
Os primeiros dez minutos eu
sequer consegui entender o que as
pessoas pediam, o que me fez ficar
ainda mais irritada.
Nunca grite com uma mulher,
principalmente se ela estiver com
fome! #Fica a dica!
Lancei o meu olhar mortal
para as pessoas que gritavam
conosco do outro lado do balcão. A
maioria entendeu, menos uma vaca
loira, sebosa, que ficou me
chamando de grossa e lerda e, não
satisfeita, ainda me chamou de
incompetente, e disse que se eu não
“dava conta” que não me metesse
ali.
a) Eu poderia ter pulado o
balcão e metido à mão na cara
dela? Eu poderia.
b) Eu poderia ter cuspido na
bebida dela sem ninguém ver? Eu
poderia.
c) Eu poderia ter deixado ela
sem bebida nenhuma, para aprender
a deixar de ser sebosa? Eu poderia.
d) Eu poderia ter colocado
menos álcool na bebida dela, e
talvez um pouco de laxante? Eu
poderia.
Mas, eu não fiz nada disso,
porque eu sou um ser iluminado,
que entende que certas pessoas
ainda não evoluíram. #SQN.
Não, eu não sou uma pessoa
com essa elevação de espírito. Eu
fiz a bebida dela certinha, com tudo
que ela tinha direito, afinal ela
estava pagando e ainda por cima se
algo desse errado com aquela
escrota, era certo que ela queimaria
a reputação do bar da Cíntia. E não
era uma propaganda negativa que
ela precisava naquele exato
momento.
Então fiz o que uma pessoa
civilizada faz quando esse tipo de
situação acontece. Mandei ela se
foder mentalmente e desejei que ela
tivesse uma ressaca fabulosa no dia
seguinte. Só o básico, o que
qualquer pessoa normal faria.
Observei enquanto ela se
afastava e seguia em direção a uma
mesa, assim eu saberia para quem
mais eu poderia distribuir alguns
vales de “vai pro inferno” que tinha
estocado. Mas quando percebi com
quem ela estava, agradeci à vida
pela primeira vez. Não precisaria
me vingar, a vida estava fazendo
isso por mim.
E lá estava ele, pavônico,
sentado em uma mesa, com mais
dois amigos que não reconheci e
outra mulher que pela cara de
nojenta, deveria ser tão
insuportável quanto à loira que
acabara de ser servida por mim.
Renato, um ex-namorado com
quem mantive relação por longos
seis meses. E isso só foi possível
porque ele viajou por quatro meses
para fazer um curso nos Estados
Unidos.
Percebi naquele momento
como o mundo era pequeno e como
eu já tinha feito merda nessa vida.
O movimento foi tão intenso,
que a noite passou voando e até me
esqueci de comer. Só me lembrei
quando estávamos limpando tudo.
Aquela noite tinha sido muito
lucrativa para Cíntia, mas a sujeira
que havia sido deixada era quase
igual a de blocos de carnaval em
Copacabana.
Trancamos tudo e passamos
em um drive-thru no caminho para
casa. Eu precisava comer, minha
irritação tinha voltado e estava
chegando a níveis preocupantes.
Conversamos enquanto ela
dirigia e eu comia todas as batatas
fritas que encontrava pela frente.
— Conta como foi a viagem.
Senti falta do seu humor fantástico
todas as noites.
— Também senti sua falta. O
hotel era fantástico, o quarto
parecia aqueles que aparecem em
cenas de filmes, a banheira um
escândalo de tão perfeita, comprei
uma porção de coisas que sei que
nunca vou usar, ah, claro, comprei
alguns presentinhos para você. O
curso foi uma verdadeira merda, só
serviu para me deixar com dor na
bunda. Conheci alguns pontos
turísticos e alimentei algumas
formigas.
— Como assim alimentou
formigas?
— Fui ao parque, me deitei
em um formigueiro e me tornei o
banquete das malditas formigas. Foi
vergonhoso.
Senti medo que ela perdesse
a direção. Quando me virei para
olhar, ela já estava quase chorando
de tanto rir de mim, dei graças por
ela não ter visto a cena toda
acontecer, ou seria bem pior. E
então a pergunta que eu tanto temia
foi feita.
— E aí, conheceu algum
gatinho por lá?
— Sim.
Tentei mudar o assunto
perguntando sobre o movimento do
bar, mas não tinha nada que a
fizesse largar o osso. Eu sabia que
me arrancaria até os detalhes
sórdidos.
Contei sobre Danilo, de como
o conheci até o momento que
estávamos no meu quarto,
transando. Em alguns momentos a
sensação de relembrar tudo foi tão
estranha que parei de falar, só
notando que estava muda quando
ouvia os “e ai?” dela.
— O que quero saber é por
que está arrependida.
— Eu não sou assim, Cíntia,
e sabe muito bem. Eu não vou parar
na cama de um cara só porque ele é
lindo e gostoso, eu tenho
princípios, não consigo ser assim,
me desculpa, mas não dá.
— Eu sei que não, mas
precisa desencanar desse lance de
namoro. Porque você só se mete em
roubada. Vá viver a vida,
aproveitar um pouco mais, se
liberte dessa obrigação de estar em
um relacionamento para poder
transar e vai perceber que sexo é
uma consequência e não uma
tragédia.
— Desculpa, mas eu não
consigo.
— Consegue sim, e não me
venha com esse puritanismo da
época da minha avó.
— Não é puritanismo, é quem
eu sou. Não vou mudar da noite
para o dia, não adianta.
— Tudo bem, vamos pensar
em alguma maneira de afastar esse
espírito de velha virgem que
incorporou em você e depois
encontraremos alguém para
solucionar nossos problemas.
Chegamos ao apartamento
ainda conversando sobre como eu
deveria me comportar. De certa
forma Cíntia estava coberta de
razão, eu não tinha ido muito longe
sendo a romântica, além de acabar
cometendo sempre os mesmos
erros. Eu precisava encontrar uma
maneira de me ajustar e deixar de
ser tão idiota. Aquela pateta que
todo mundo passa para trás.
Estava exausta, só pensava
em dormir. Agora entendi o porquê
de ela precisar de tanto silêncio
quando chegava em casa. Aquela
agitação era muito para cabeça de
qualquer ser vivo.
A única força que eu tinha,
usei para tirar os sapatos e jogá-los
em qualquer canto do quarto e me
joguei na cama. Apaguei, tão moída
de cansaço, que nem tirei o vestido.
Acordei, o que parecia
minutos depois de deitar minha
cabeça no travesseiro, com o sol
queimando minha cara, pois eu
havia me esquecido de fechar a
persiana.
Ainda parcialmente dormindo
fui em direção a cozinha, peguei um
copo, abri a geladeira e me servi
com água, já que era essa a opção
do dia. Depois de ir ao banheiro e
ficar, no mínimo, apresentável,
coloquei uma roupa confortável e
fiz uma pequena lista antes de
encarar o mercado. Precisava
comprar o que me deixaria
realmente feliz: comida.
Apesar de ter feito uma lista
razoavelmente saudável, parecia
que eu estava fazendo um aditivo no
carrinho para uma casa onde
haveria, pelo menos, umas dez
crianças de cinco anos. Balas,
docinhos diferentes, bolachas
recheadas, pipocas com e sem
cobertura, barras de chocolate...
Coloquei tudo no carrinho, sem
culpa. Nunca se sabe quando você
precisa de um arsenal calórico nas
mãos, não é mesmo? Ainda mais
com o meu histórico de trapalhadas.
Paguei pelas compras e voltei
para casa com a história do meu ex,
que tinha visto na noite passada,
borbulhando em minha cabeça.
Com certeza os leitores do blog
teriam algo para ler neste final de
semana.
Mas, antes de sequer pensar
em escrever, eu precisava comer.
Preparei dois sanduíches,
enchi o maior copo com suco e
comi pacientemente, enquanto
olhava para a lavanderia,
lembrando que eu precisava
arrumar minhas roupas sujas. A
ideia era lavá-las ontem, mas
ontem, nada do que eu planejei,
saiu como eu queria.
Joguei as roupas que estavam
na mala, tudo de uma vez, em cima
da minha cama. Não adiantava
arrumar uma mala de roupas sujas,
já que todas iriam acabar na
lavanderia. Enquanto retirava todas
as minhas bugigangas dos bolsos da
mala, caiu um pedaço papel no
chão.
Não me lembrava de ter feito
alguma anotação para o blog e ter
colocado separado na mala.
Quando abri para verificar o que
estava escrito no papel, não era
uma anotação para o blog.
Era o telefone do Danilo.
7
#PRECISANDO PERDER
CALORIAS
NÃO A PACIÊNCIA!
Fiquei um tempo olhando
para o pedaço de papel e decidindo
se o jogava fora, ligava para Danilo
ou guardava em algum lugar e
esquecia o assunto por enquanto.
Optei pela terceira
alternativa. Abri a carteira e
guardei o pedaço de papel entre um
dos espaços para cartões, eu tinha
esperança que em algum momento
teria discernimento para decidir a
melhor opção para mim, só que
essa seria a primeira vez que isso
aconteceria.
Concluí a seleção de músicas
no celular, encaixei os fones nos
ouvidos e comecei a pequena
arrumação que eu precisava fazer
em meu quarto e em mim também.
Lavei as roupas mais delicadas à
mão e já que estava com a mão na
massa, limpei a casa, lavei a louça
e liguei para a manicure, mas era
domingo e as pessoas tendem a
descansar em algum momento.
Marcamos hora na semana
seguinte, o que significava que eu
mesma teria de dar um jeito nas
minhas unhas. Separei todo o
material que iria precisar, no final
até que não ficou tão ruim, mas não
chegava nem perto de como
realmente deveria ter ficado.
Cíntia acordou com aquela
cara de mau humor, típica de nós
duas e se jogou no sofá.
— Por favor, me diz que você
foi ao mercado?
— E por que eu deveria ter
ido?
— Porque você é a parte
centrada de nós duas, a que tem
responsabilidade. Sem você eu
provavelmente teria morrido de
fome. Agora por favor, me diz que
comprou comida.
— Claro, sempre sobra para
mim mesmo e eu amo muito comida
para ficar sem ela.
— É por isso que eu te amo,
sabia?!
— Eu sei, só me ama pela
comida.
— Também. Vou preparar
alguma coisa e já volto para
continuarmos o assunto Danilo.
— Eu não quero falar sobre
isso, pode ser?
— Sabe muito bem que não
pode ser. Já volto.
Enquanto ela preparava o que
iria comer, eu me sentei em frente à
televisão e comecei a procurar por
algo que me chamasse à atenção,
mas era sempre o mesmo,
programas que deveriam entreter,
mas me deixavam ainda mais
entediada, novelas sem conteúdo,
shows reprisados.
Cíntia colocou sobre a mesa
um prato cheio de frutas cobertas
com uma camada generosa de calda
por cima, outro com frios cortados
e bem alinhados e um balde com
gelo e cervejas. Puxou a cadeira ao
seu lado e deu dois tapinhas no
assento me convidando para sentar
ali. Eu sabia que essa conversa não
acabaria tão cedo, ela tinha
munição para horas de conversa.
— O que você quer saber, ou
melhor, o que acha que eu ainda não
te contei?
— O que você ainda não me
disse é como vai achar esse bofe
outra vez. Porque depois do que me
contou, você merece uma segunda
vez com esse cara.
— Não vai ter segunda vez.
Depois que transamos, eu o deixei
no quarto e voltei para casa. Não
deixei telefone, e-mail, nenhum
rastro que ele pudesse me
encontrar. Portanto, perca suas
esperanças.
— Você não deixou nenhum
bilhete com seu telefone na
bancada? Nada?
— Não.
— Pelo amor de Deus, não
me diz que a única vez que
encontrou um cara decente na cama,
você não deixou um telefone para
ele te ligar?
— Você acha mesmo que um
cara que faz sexo como ele precisa
repetir mulher, Cíntia?
— Ele pode não precisar,
mas você precisa repetir esse cara.
E outra, quem disse que você não
transou bem também?
— Vamos parar por aqui. Eu
não vou ter essa conversa com
você.
— E com quem vai ter? Na
internet? Numa sessão com um
psiquiatra?
— Acho bem mais viável do
que com a pessoa que olha para a
minha cara todos os dias.
Parei de falar e pensei se eu
deveria contar para ela que ele
havia me dado o telefone. Com
certeza se ela soubesse dessa
informação, ligaria para ele e
tramaria algum plano para me pôr
frente a frente com Danilo outra
vez. Decidi ficar calada, era o
melhor a fazer, já havia passado
muita vergonha por causa de
homem.
Tentei algumas vezes
desconversar e mudar de assunto,
até que ela desistiu e me contou
sobre um carinha novo com quem
estava saindo. O novo pretendente
era um designer gráfico que ficaria
na cidade por um mês, para uma
exposição. Mas também não quis
dar muitos detalhes sobre seu novo
caso. Eles tendiam a não durar
muito.
Cíntia era o tipo de mulher
independente até dela mesma, não
esperava muito das pessoas e por
isso quase nunca se decepcionava.
Tomamos todas as cervejas e
quando ela estava prestes a trazer o
assunto Danilo de novo em pauta o
despertador do celular sinalizou
que estava na hora de sair para o
bar.
Dez minutos depois a vaca
estava pronta para sair. Claro, o
cabelo só precisa ser penteado, a
maquiagem que usa é blush, rímel e
gloss, e roupa era algo que eu
prefiro não comentar.
Quando enfim estava sozinha
em casa, peguei o notebook e fui
direto para a página do blog.
Haviam mais comentários no
conto anterior, então antes de
escrever resolvi ler alguns. O
número de visualizações em menos
de uma semana tinha chegado às
centenas e eu estava espantada
como a minha tragédia amorosa
poderia ser interessante para outras
pessoas.
O primeiro comentário já
começou engraçado pelo nickname
que estava sendo usado, mas o seu
ensinamento eu levarei para a vida.
@penelopefogosa: Querida
Pimenta Rosa, por que você
continua transando com esses caras
que não sabem o que estão fazendo?
Sabe a culpa é um pouco sua,
porque meu bem se eu vou dar a
minha perereca, o mínimo que eu
espero é ser recompensada. Vou te
dar um conselho: não abra suas
pernas mais de uma vez para uma
foda ruim. Beijinhos quentes.
É vale a reflexão. Por que eu
transo com caras que não sabem
transar? Porque eu tenho fé de que
vá melhorar. Sem contar que as
primeiras vezes são sempre muito
ruins, mas daí as segundas,
terceiras, e todas as outras vezes
serem ruins é complicado. Vou me
lembrar disso, minha periquita é
uma arma que devo usá-la apenas
para o meu próprio bem.
@Tinacretina: Acho que
você está deturpando os conceitos
do sexo, afinal se uma pessoa não
faz sexo que preste e a outra
pessoa não avisa, isso faz com que
pessoas como eu acabe na cama de
uma dessas pessoas de foda ruim.
Eu apoio pessoas que são honestas
em seus orgasmos.
Dessa eu até tive medo. Eu
pude visualizar perfeitamente ela
com placas de ordem na mão,
protestando na porta do meu prédio
pelo fim dos meus orgasmos
fingidos. Mas eu pensei, o fato de
ela estar em várias camas não a
tornava uma pessoa honesta, mas
uma experiente em test drive. Cada
um com seus problemas, se ela não
quer um orgasmo fingido, faça ela o
comunicado doloroso, eu vou
continuar recolhendo minhas roupas
e voltando para casa cheia de
esperança de um futuro melhor.
@homemdossonhos: Eu não
concordo com os comentários
acima. E você deve ser mais uma
dessas mal comidas, que ficam por
ai na internet difamando os ex-
namorados, para ter os minutos de
fama. Vai acabar encalhada, e deve
ser uma baranga, além disso.
É tem pessoas que pedem
uma resposta mal criada e eu sou
dessas que adoro dá-las. Cliquei no
ícone de responder ao comentário e
comecei a digitar.
@pimentarosa: Meu caro
@homendossonhos, é claro que
existem mulheres mal comidas e eu
sou uma delas sem sombra de
dúvida. Primeiro porque existem os
homens meia boca, que acredito
firmemente seja o seu caso, que não
nos proporciona uma transa decente
e ainda tem a capacidade de se
achar o fodedor das galáxias e
segundo e não menos importante, eu
não preciso de minutos de fama
para tocar a sua ferida e da próxima
vez que estiver com uma mulher,
observe se ela realmente ficou
satisfeita. Uma dica: se ela se
vestiu e disse que precisava
acordar cedo é porque você não
deu conta do recado. Beijos
ardidos.
Era tudo o que eu precisava
para começar a escrever. Um pouco
de insulto iria dar o toque final.

“ESPELHO, ESPELHO
MEU, EXISTE PESSOA COM
O DEDO MAIS PODRE
DO QUE EU?”

Minha história com Renato se


resumia a um ponto especifico: o
cara era um Narcisista.
Quando saíamos era eu quem
esperava por ele. Tinha que ir
buscá-lo em casa quando ele não
estava a fim de dirigir, e isso
acontecia sempre, pois como ele
vivia na academia as dores nas
costas eram constantes. Enfim,
sempre havia algo que não o deixava
pensar que talvez eu também
pudesse estar com algum problema.

Quando se tratava de estar


juntos de outra pessoa, você precisa
estar atenta há algumas escolhas que
podem fazer toda a diferença. Então
aí você percebe o quanto o cara é
um idiota e mesmo assim, não sei
por que cargas d’água, insiste em
levar o relacionamento à diante,
talvez por quê:

1) O cara é bonitinho e dá
para passear com ele no shopping
sem passar vergonha;
2) É bonitinha a forma como
ele te usa como peso para fazer
exercícios;
3) Ele te deixa tomar decisões
sobre o que fazer por pura preguiça,
mas você acha que é gentileza
mesmo;
4) A ex dele ainda morre de
ciúme e quer voltar, mas para isso
você precisa estar fora do caminho,
e como odeia qualquer espécie de
ex, principalmente os teus, não
pretende dar esse gostinho a ela;
5) Sempre será mais
inteligente que ele, salvo quando o
assunto for suplemento alimentar e
treino pesado.

Eu sabia que estava


cometendo um erro quando decidi
aceitar sair com ele da primeira
vez, e mesmo assim a velha mania
de dar chances aos outros e
ganhar em troca a chance de
quebrar a cara, sempre foi a
minha fraqueza.
Ele era o típico cara que te
deixa encantada por ter bons
modos, o que é muito difícil nos
dias de hoje, mas não pense que
isso é uma qualidade, não mesmo.
Isso servia apenas para ele se
vangloriar por ser tão maravilhoso
e atencioso, em todo caso a gente
acaba deixando passar.
Mas teve uma vez
especificamente, que foi para mim
a gota d’água.
Estávamos combinando de
passar um final de semana
romântico há algum tempo, então
em um desses feriados
prolongados decidimos ir a um
desses hotéis fazenda no interior
para descansar e aproveitar para
nos conhecermos um pouco mais.
Durante todo o percurso, a
preocupação dele foi o vento
bagunçando o seu cabelo, os
muitos insetos que deixariam
marcas em sua pele, que os
quartos não fossem limpos o
suficientes e causasse algum
problema de pele futuramente. E
entre tantas a que me deixou
subindo pelas tamancas, ele
questionou a possibilidade de haver
algum local ali que ele pudesse se
exercitar.
Fala sério. Eu aqui
oferecendo treino pesado e sauna
sobre os lençóis e o idiota
preocupado com suplementos e
academia?!
Mas ainda assim pensei que
chegando lá ele acabaria
esquecendo tudo e ficaríamos bem.
Mas nem fodendo que isso
aconteceu.
Ele começou a resmungar
porque seus braços estavam
atrofiando. Juro, bastaram doze
horas para os músculos do infeliz
começar a sentir falta de um peso.
O atrofiamento do cérebro dele por
outro lado, deveria ter acontecido
há muito tempo atrás, e com isso
ele nem se importou. Outra coisa
que havia atrofiado, ou melhor
sumido de uma vez, era a minha
paciência.
A única solução que
encontrei para fazê-lo calar a boca
foi sexo, mais muito sexo. Assim
ele faria exercício e eu não
precisaria voltar no meio do meu
feriado. Se bem que essa não era
uma má ideia.
Transamos alucinadamente
por longos quarenta minutos,
porque diante de tanto músculo
uma coisa tinha que pifar, e era
bem o bendito do pinto. Como
uma pessoas exercita os músculos
daquela maneira, e esquece o
principal?
Quando terminamos, ele foi
direto para o espelho para ver se o
sexo tinha surtido algum efeito em
seus amados músculos.
Ai nessa hora você pensa:
Eu me depilei para isso?
Para resumir a história,
acabei sentada na recepção do
Hotel Fazenda tentando encontrar
alguma forma de me livrar
daquele ser, e descobri que havia
uma mini van que buscava e
deixava hóspedes na rodoviária da
cidade mais próxima e ali estava
minha salvação.
Voltei para o quarto e
coloquei todas as minhas coisas de
volta na mala fui até o local de
onde a mini van partiria.
No fim das contas eu
aprendi, que nem tudo vale a pena
se a piroca for pequena.

Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.

Assim que cliquei enter, ouvi


as risadas abafadas de Cíntia atrás
de mim.
Agora eu tinha certeza, ia dar
merda!
8
#NÃO ADIANTA BANCAR
O CAVIAR, SE VOCÊ
NASCEU SAGU, QUERIDA!
Levei um puta susto ao
perceber que Cíntia estava ali. E
sem ter a noção de quanto tempo
exatamente ela estava atrás de mim,
não tinha como saber o quanto e o
que ela havia visto, ou se tinha
chegado a ler alguma coisa.
Girei a cadeira e observei
sua expressão avermelhada de tanto
rir e foi aí que percebi que não
importava. Ela tinha visto mais do
que deveria com toda a certeza.
— Espera, não fecha, eu
quero ler. Sem sombra de dúvida
isso é a coisa mais fabulosa e
hilária que já li em toda a minha
vida.
— Muito obrigada, eu fico
muito feliz em saber que a minha
desastrosa vida amorosa alegra seu
domingo.
— Não pira não, amor.
Quando digo que achei a ideia
fabulosa não me referi aos caras
choque de pilha que você costuma
sair, mas de ser tão maléfica a
ponto de colocar a situação dessa
maneira, e esfregar na cara desses
idiotas, que o modo "fodedor
galáctico" não funciona tão bem
fora da cabecinha de vento deles.
— Eu cansei de ser trouxa. E
já estava na hora de acontecer.
— Agora sai da frente, eu
quero ler o que tem aí nesse blog.
Enquanto ela lia tudo muito
atentamente, expliquei como
funcionava o blog, de onde havia
retirado essa ideia e como tudo foi
surgindo depois. Ela se espantou
com a quantidade de visualizações
que já possuía, mas uma
curiosidade havia prendido sua
atenção.
— Por que o nome se chama
Meu Conto de F#das? O que quer
dizer essa hastag?
— Algumas pessoas
certamente se chocariam se de cara
eu colocasse um "palavrão", então,
deixei a critério que as pessoas
julgassem a história como bem
entendessem. Porque acredite ou
não, ainda há pessoas que
acreditam que as minhas cagadas
foram necessárias para o meu
amadurecimento.
— Humm, genial sua sacada.
Mas, eu continuo vendo o palavrão.
Enquanto ela lia cada história
e ria até quase perder a capacidade
de voltar a respirar, eu permanecia
sentada na cadeira vendo o tempo
passar e ela ficar muito calada.
Decidi fazer a única coisa
absolutamente normal naquela
situação: colocar os pés na cadeira
e girar em volta de mim até ficar
tonta.
A maturidade que me
desculpe, mas ficar girando em uma
cadeira com rodinhas, estourar
plástico bolha, dar susto em alguém
desavisado, é fundamental para
manter a sanidade do meu dia.
Quando me preparava para
pegar mais impulso e colocar os
braços para cima, Cíntia me trouxe
de volta à minha realidade
embaraçosa.
— O nome pimenta rosa e a
assinatura ficaram perfeitos. Como
eu não sabia que tinha uma gênia do
marketing em casa? Poderia me dar
uns toques lá no bar.
Eu sei que ela estava tentando
ser engraçada, mas o que ela falou
acabou me fazendo lembrar de
Danilo, e de como eu tinha sido
uma perfeita idiota em deixar na
cama um homem como aqueles.
Balancei a cabeça na
tentativa de afastar o pensamento
nele, passando a mão pelo meu
corpo vagarosamente, deixando
meus pelos arrepiados e minha
respiração ofegante. Só consegui
sair daquele universo paralelo
quando Cíntia começou a gargalhar
alto com as respostas que recebia a
cada postagem.
E lá estava um que nem eu
tinha me atentado para o conteúdo,
mas que não escaparia de uma
resposta à altura.
@homemdossonhos: Eu não
concordo com os comentários
acima. E você com certeza é mais
uma dessas feministas que
acreditam se bastar, mas que no
menor imprevisto correm chorosas
para os braços de algum homem.
Cuidado, ou vai acabar encalhada,
e com uma centena de gatos para
alimentar.
Mas Cíntia me negou o prazer
de responder de maneira
desaforada ao insolente que insistia
em me afrontar. Ela mesma abriu a
resposta e começou a digitar as
palavras.
@pimentarosa: Acho que
estou me lembrando de você, deve
ser mais um entre tantos que deve
ter "comido" alguém (não estou
fazendo referência ao sexo, para te
deixar mais à vontade) e ficou
extasiado com o resultado, e deve
ter ouvido sons de aprovação da
outra pessoa. Mas, meu querido,
bom senso e vergonha na cara
podem ser usados sem
contraindicação. E da próxima vez
que pensar em dizer um monte de
baboseiras por estar atrás de uma
máquina, invisível aos olhos do
lado contrário, leia o que escreveu
e veja quão ridícula é a situação
que se coloca. Beijos ardidos e
muito cuidado, raiva provoca além
de rugas, hemorroidas.
Ela não me deu tempo de
impedir a publicação, se
levantando da cadeira e saiu porta a
fora resmungando.
— Agora eu acho que esse
idiota vai deixar de tanta
infantilidade. Ele acha o quê, que
tem o martelo do Thor no meio das
pernas? Ah, e não ouse fechar isso,
eu quando chegar espero esse
notebook na mesa para fechar
minha noite com chave de ouro.
— Depois do que acabei de
ver acha mesmo que vou te deixar
armada com isso? Não sei as
proporções do estrago. Vai que
começa uma terceira guerra
mundial?
— Tenha senso de humor,
criança. Depois nos falamos, agora
preciso trabalhar. Te amo, fui.
Fiquei mais algum tempo
lendo e respondendo aos
questionamentos das pessoas sobre
os contos que foram postados.
Entrei no e-mail principal para
limpar os spams e me deparei com
a resposta de Bruno. Ora, ora quem
é vivo sempre aparece.
Ao enviar um e-mail para
eles antes de publicar os textos no
blog eu não acreditei que fossem
mesmo me dignar a responder, mas
eu estava enganada pelo visto, a
primeiro alvo já começou a retaliar
minha atitude. Eu poderia ter me
assustado com as consequências, se
não fosse tão divertido.
Resolvi que não valia a pena
ler o que quer que fosse que estava
escrito ali. Me importei em
demasia pela opinião dele quando
nem sequer valeu o investimento de
tempo, agora pouco me importava o
que ele achava ou deixava de achar
a meu respeito.
Levantei-me da mesa e fui
direto para o quarto. Eu precisava
de uma bela noite de sono, porque
chegar no primeiro dia como
assistente do purgante ambulante,
com cara de cover do Kiss não era
uma boa ideia.
Rolei de um lado para o
outro, até que por fim adormeci.
Meu meigo despertador
estava aos berros às seis e meia da
manhã. Ainda bem que não tinha
problemas cardíacos, porque senão,
era uma vez Fernanda.
Coloquei o vestido preto
tubinho que apertava minha cintura
deixando-a bem marcada, mas que
em contrapartida não se ajustava
totalmente ao busto, quadril e
pernas. Coloquei um scarpin
vermelho, com uma tornozeleira
delicada. Notei que o modelito
precisaria de alguns acessórios e
me peguei desesperada sem saber
se usava brincos pequenos e colar
ou brincos maiores e deixava o
color livre.
Para não perder tempo
apenas olhando para o espelho feito
uma besta, comecei a me maquiar.
Base, pó para retirar o brilho, blush
e delineador nos olhos, para a boca
um batom rosa bem discreto e
gloss. O meu cabelo, por incrível
que isso possa parecer, estava
colaborando aquela manhã, os
cachos em ondas ajustadas só
precisariam de um pequeno reparo.
Com o cabelo levemente
preso, optei por brincos pequenos e
color marcado por um pingente de
ponto de luz em uma corrente quase
invisível.
Pronto, estava perfeito.
Agora eu estava preparada para
enfrentar Murilo, Yuri e Leticia,
mais conhecida como estagiária
escrota.
Tudo estava perfeito.
Estava com tempo quando
terminei de me aprontar e sai antes
da hora, o trânsito estava bom, me
permitindo chegar bem mais cedo.
Eu agradeci aos céus por esse
milagre, porque chegar no primeiro
dia pós promoção, depois do chefe,
seria trágico.
Percebi alguns papéis já
sobre a minha mesa e comecei a
trabalhar sem esperar pelas ordens
que chegariam junto com Murilo.
Mas a hora foi passando e
nada dele chegar. Quando resolvi
então conferir o meu e-mail para
verificar se ele havia deixado
alguma indicação do seu atraso (ele
nunca, mais nunquinha mesmo
chega atrasado, ele poderia
trabalhar de relógio cuco até) e
aproveitei para alterar a minha
assinatura de auxiliar da assistente
da Vice-presidência para Assistente
da Vice-Presidência.
Lá estava o e-mail de Murilo
informando o motivo de sua
ausência.
Não estarei presente
durante esta semana na
empresa, mas conto com
você para resolver os
problemas que possam
surgir na minha ausência.
Me deixando sempre
informado do que está
acontecendo.
Há um evento, na
verdade um coquetel
comemorativo de um dos
nossos mais importantes
clientes, e a empresa não
pode deixar de ser
representada. E como eu e
Júlio não poderemos
retornar a tempo, antes de
consolidarmos esse novo
projeto, ficou acertado que
você e Hanna irão nos
representar. Há mais alguns
convites, converse com ela
e distribua entre os
funcionários.
Não nos decepcione.
Qualquer dúvida entre em
contato, não poderei atender
a telefonemas, mas estarei
disponível por e-mail.
Assim que puder
responderei.
Murilo Rius - Vice -
Presidente Fusão Mídia Visual
Meu estômago fez um duplo
twist carpado no momento em que
terminei de ler o e-mail. Respirei
fundo e disquei o ramal de Hanna
(secretária da Presidência). Tocou
mais vezes do que o habitual, e
ninguém atendeu. Tentei mais uma
vez e nada, então liguei para o seu
celular.
— Err, Hanna, bom dia aqui é
a Fernanda, secretária do Murilo,
como está?
— Bom dia, Fernanda,
infelizmente nada bem. Estou com
uma infecção alimentar grave.
Ficarei hospitalizada até amanhã
para verificação, caso melhore
receberei alta.
Ponte que partiu! Agora ficou
muito bom, porque se essa mulher
não melhorar sou eu e Deus. E Deus
sabe que não é uma boa ideia eu em
um lugar desses, sozinha. Já
consigo visualizar as pessoas
correndo desesperadas, o local
pegando fogo e os bombeiros em
greve.
Meu Deusinho do céu, não
faz isso comigo não!
O silêncio começou a ficar
constrangedor para nós duas e
Hanna resolveu rompê-lo com sua
voz doce e tranquilizadora. Se bem
que a voz estava mais para fanha e
congestionada.
— Calma querida, não há
nada com o que se preocupar. São
apenas pessoas circulando com
suas taças e copos de bebidas
falando sobre negócios. Só precisa
sorrir e acenar delicadamente para
alguém aleatório quando a assunto
estiver chato demais, e procurar
outro círculo que lhe pareça mais
interessante. Não tem mistério.
Claro que não, a moça bem-
educada que frequentou aulas de
etiqueta na adolescência enquanto
eu jogava com os moleques da rua,
não teria problema algum em se
comportar em um evento como
esse. Agora a pessoa aqui com dois
pés esquerdo e faro para confusão
era o grande problema.
E as palavras diante de mim
na tela do computador "Não nos
decepcione" só faziam meu corpo
suar mais que tampa de cuscuzeiro.
— Espero que se recupere.
Se precisar de algo não pense duas
vezes e me avisa, está bem?
— Muito obrigada, querida,
eu aviso, claro. Obrigada pela
gentileza, agora preciso desligar
estou no meio da minha visita
médica.
— Ah, me desculpa e
melhoras. Tchau.
— Tchau, querida.
Só mesmo eu para atrapalhar
sem ter noção disso.
Agora eu precisava de toda
ajuda possível. Sabia que me
custaria à vida, mas quem liga
quando o seu chefe já está com os
dentes cravados na sua jugular?!
— Cíntia?
Do outro lado da linha ela
não me pareceu nada sonolenta e
tão pouco mau humorada. Muito
pelo contrário, podia jurar que era
um sorriso quando me atendeu.
— O que manda?
— Desespero em doses
cavalares.
— Onde é o incêndio dessa
vez?
— Na minha vida, pra variar.
Preciso que marque um esquadrão
de beleza para quinta à tarde.
Unhas, cabelo, maquiagem e o mais
importante uma roupa decente.
Tenho um coquetel da empresa e
vou representando meu chefe. Eu,
Cíntia!!! Você sabe que isso não
funciona bem para mim!!! Sentiu o
drama?
— Primeiro de tudo, respira
caramba. Não entendi bulhufas, mas
pelo visto vai precisar da Vivi
outra vez.
Dei um salto de felicidade,
como pude me esquecer da Vivi,
ela sempre dava jeito na juba, nos
cascos e na fuça.
— Isso, a Vivi. O que seria
de mim sem você?
— Um verdadeiro desastre.
Assim como eu sem você. Somos
perfeitas, pena que somos do
mesmo sexo.
Ela gargalhava do outro lado
da linha e não entendi por que, a
essas horas o seu humor sempre era
de cão.
— Posso saber o motivo
desse bom humor, a essa hora?
— Uma noite bem proveitosa,
somada a uma leitura gostosa e
divertida.
Merda! Me amaldiçoei por
ter esquecido tudo aberto. Pretendia
ir ao quarto escolher a roupa que
viria hoje e não voltei para desligá-
lo.
— Pelo amor de Deus,
Cíntia, olha lá o que vai fazer.
— Eu não vou fazer nada. Só
estou lendo, eu juro.
— Não adianta jurar, que eu
não acredito em você.
— Nossa, quanto amor logo
cedo. Vou desligar para marcar tudo
com a Vivi, se conseguir sair mais
cedo vamos ao shopping comprar
um vestido estupendo para você.
— Se eu conseguir sair não,
minha filha, eu vou. Porque se não,
estou lascada.
— Beijo.
— Beijo.
Não sei por que, mas o
pressentimento de que ela iria
aprontar alguma não me deixava
sossegar, e a sensação de que não
deveria ter deixado o blog aberto
só aumentava o meu desespero. Eu
também sou lerda.
Entre responder aos e-mails
de Murilo avisando que estava tudo
em ordem e revisar a pilha de
documentos que estavam sobre
minha mesa o dia passou voando e,
quando percebi, o relógio marcava
cinco da tarde.
Organizei minhas coisas
dentro da bolsa e avisei a
secretária que qualquer ligação
deveria ser transferida para o meu
celular, tanto as que seriam
destinadas a Murilo, como também
as de Hanna já que ela estava de
atestado.
Antes de sair abri o envelope
deixado sobre a mesa de Murilo e
vi ali quatro convites. Certamente
destinados ao Presidente e Vice,
mais acompanhante. Retirei dois
convites do envelope, os entreguei
a secretária, disse que ela poderia
ir ao evento levando um convidado
que ela desejasse e saí dali rápido,
pois já estava atrasada para o meu
encontro com Cíntia no shopping.
Cheguei meia hora atrasada
do horário combinado, mas hoje era
segunda, o dia de folga dela durante
a semana, então estava tudo bem.
Andamos bastante, provei
muita coisa e no final sai de lá com
um vestido longo vermelho, mas
muito discreto. Foi uma excelente
escolha, a Cíntia sabe muito bem o
que faz.
Quando chegamos em casa eu
implorei, ofereci até a minha alma
para que ela me acompanhasse ao
evento, mas nada funcionou.
Quando aquela ali não quer uma
coisa, nem o apocalipse faz ela
mudar de ideia.
A semana passou voando,
despachei alguns contratos, visitei
alguns cenários que seriam usados
para sessão de fotos que estamparia
a próxima edição, atendi a um
cliente que solicitaram urgência na
revisão de uma matéria que deveria
ser encaixada na próxima
publicação, tudo foi feito em tempo
recorde e me deixou com os nervos
em frangalhos. Porque o meu
bendito chefe — que deixou bem
claro para não entrar em contato
com ele através do telefone — me
ligava a cada cinco minutos
querendo respostas e eu só queria
que ele tivesse algo melhor para
fazer do que me enlouquecer.
Quando finalmente a quinta-
feira chegou, eu estava exausta, mas
satisfeita com tudo o que tinha
realizado até ali. Foram muitas
obrigações, mas me sai bem em
todas elas. A publicação da revista
já estava nas bancas e com a
matéria do jeitinho que o cliente
queria. Enfim, tudo correu bem, eu
só esperava que o coquetel seguisse
essa mesma linha de felicidade.
Quando cheguei em casa às
três da tarde, Vivi já estava à minha
espera, e Cíntia estava voltando da
lavanderia com o meu vestido são e
salvo. Porque era só o que faltava,
o vestido entrar em combustão.
Nem vou pensar, do jeito que eu
sou, é capaz de acontecer.
Tomei um banho, me sentei na
cadeira e deixei Vivi fazer sua
mágica. Ela é nossa amiga, vizinha
e também maquiadora profissional.
Vive com a agenda lotada, e eu sei
bem que a Cíntia teve que prometer
algo para ela me encaixar hoje.
Enquanto preparava minha
pele ela ia me contando sobre como
ia seu casamento de dois meses. O
amor era tanto que me contagiei
com a alegria dela. Já estava nessa
relação a longos treze anos e tinha
uma filha de cinco, que era uma
pestinha, mas também um amor
gorducho e tagarela que eu amava
muito. Sempre que ela aparecia
minha bugigangas e ursos sofriam
uma baixa. Eu nunca seria capaz de
negar nada quando aqueles olhinhos
começavam a se encher de
lágrimas, era de partir o coração de
qualquer um, mas a garota estava se
transformando em uma chantagista
renomada. Mas tudo valia a pena
quando ela me estalava um beijinho
na minha bochecha, com aquela
boca sempre molhada e dizia que
iria cuidar muito bem do que estava
levando e que eu poderia visitá-lo
quando quisesse.
Senti a falta dos sorrisos e do
barulho dos pezinhos dela pela
casa.
— Onde está a Bia?
— Passeando com a avó.
Achei melhor dar uma folga à sua
coleção de ursinhos hoje, porque no
quarto dela já não cabe mais nada.
— Ainda bem, só me restam
cinco e acho que estão com os dias
contados.
Rimos um pouco e quando
percebi, ela já estava mexendo em
meus cabelos. Ela era realmente
rápida.
Cíntia apareceu na minha
frente com o vestido nas mãos,
assim que ela terminou meu cabelo.
Vivi esperou que me vestisse para
caso precisasse retocar cabelo ou
maquiagem. Mas tudo correu bem.
Como o coquetel iniciava às
19h, decidi que poderia chegar às
20h30 sem nenhum problema.
Assim todos estariam mais
animados (o que significa nível
maior de álcool no sangue) e não
me notariam se me misturasse aos
outros discretamente.
Assim que cheguei avistei o
Sr. Conrado, o cliente mais
importante da editora e também um
homem muito carrancudo. Ele tinha
fama de apalpar as mulheres
sempre que as cumprimentava e
depois agia como se nada tivesse
acontecido.
Andei até estar diante dele,
sorrindo como se estivesse
realmente feliz em vê-lo.
— Boa noite, sr. Conrado. A
festa está belíssima, tudo perfeito.
Parabéns pelo evento e que
continuem sendo prósperos os seus
negócios.
Tentei respirar entre as
palavras, mas sem muito sucesso.
Estendi a mão para evitar colocar a
prova os boatos a seu respeito. Ele
gentilmente me estendeu a mão me
dando um aperto forte e seguro.
Devem ser apenas boatos. Ah
povo da língua comprida! —
pensei.
Mas no mesmo instante que
conclui o pensamento ele passou
seu dedo indicador pela palma da
minha mão. E isso só queria dizer
uma coisa.
Velho safado de uma figa!
Fiz exatamente o que Hanna
havia me aconselhado, acenei para
o nada e sorri. Pedi licença e segui
para um ponto do grande salão onde
ninguém me esperava.
Estava indignada com
tamanha ousadia daquele velho.
Como ele pode achar que vai sair
por aí fazendo o que bem quer e
que não haverá consequências
simplesmente por ser rico?
Peguei uma taça em uma
bandeja de um dos garçons que
muito elegantemente circulavam
pelo salão. Quase tudo estava
perfeito, o salão estava muito bem
decorado, flores na medida davam
o toque delicado e sofisticado, uma
banda estava posicionada no canto
esquerdo e tocava divinamente
músicas brasileiras de renome
internacional, como "Garota de
Ipanema", haviam poucas mesas e
cadeiras, o que obrigava as pessoas
a circularem e consequentemente se
encontrarem durante todo o evento.
Assim ninguém poderia dizer que
não foi visto. O que achei uma
tacada de mestre.
Reconheci alguns rostos e
outros que relutei em acreditar que
estavam realmente ali.
Yuri e a estagiária
demonstrando todo o seu amor em
pleno salão, conversando com
todos que apareciam.
Escondi-me atrás de um
garçom que passava no momento
em que ele girou o corpo na minha
direção e fui o lado oposto de onde
estavam, mas não tão longe que não
pudesse acompanhar seus
movimentos e possivelmente suas
indiscrições.
Leticia não permaneceu muito
tempo — o que foi uma verdadeira
benção no meio daquele inferno —
mas o estranho foi Yuri não a
acompanhar para terem sua noite
tórrida de amor, que sempre fazem
questão de esfregar na cara de
todos nas redes sociais.
Andei displicente pelo salão,
agora sem a presença desagradável
da coisinha e quando estendia o
braço para depositar a taça na
bandeja e resgatar uma nova, cheia
de um champanhe delicioso e
gelado senti um braço envolver
minha cintura.
— Você está mais gata do que
de costume, sabia?
Girei o corpo para identificar
quem estava com tamanha
intimidade comigo, como se fosse
realmente necessário. A voz grossa
e imponente de Yuri era
inconfundível.
— Só por curiosidade, como
conseguiu convites para estar aqui
hoje?
— A Leticia conseguiu com a
secretária no final do expediente.
Lembrete mental: nunca
mais, enquanto houver vida sobre a
face da terra, oferecer convites,
brindes, minutos para fumar àquela
traidora.
— Onde ela está, afinal?
— Infelizmente, hoje ela tem
uma prova muito importante na
faculdade. Mas que tal irmos para o
seu apartamento matar a saudade?
— Ah, é uma pena, mas vou
deixar essa passar, estou
acompanhada. Agora preciso
realmente ir. Foi um prazer
encontrá-lo aqui. Divirta-se.
— Como assim
acompanhada?
Ele segurou meu braço
fazendo pressão me causando dor.
Olhei enfurecida para ele, que
imediatamente me soltou.
— Sim, acompanhada. Agora
se me der licença, eu preciso
encontrá-lo para irmos embora.
— Não sem antes me
apresentar, não é mesmo?
Filho de uma vira- lata!
Seu olhar era desafiador,
como se realmente tivesse certeza
de que eu estava blefando por puro
despeito. Foi quando avistei a
figura de Danilo um pouco mais a
diante. Sorri com a minha estranha
sorte.
Inclinando a cabeça, ele
sorriu e me fez um leve aceno de
cumprimento. Assim que acenei de
volta ele veio em minha direção.
Assim que parou ao meu
lado, passei os braços em volta do
seu pescoço e depositei um leve
beijo em seus lábios, o deixando
completamente confuso. Eu também
estaria no lugar dele, ainda mais
depois de tê-lo deixando sozinho no
quarto do hotel, sem nenhuma
despedida, ou explicação.
— Eis aqui o homem de
sorte. Yuri, este é meu namorado
Danilo. Meu bem, este é meu
colega de trabalho Yuri.
Sua expressão não tinha se
alterado, ele apenas estendeu a mão
e cumprimentou Yuri como se o que
eu havia acabado de dizer fosse
realidade.
— Como vai Yuri?
— Muito bem. Aí, vou nessa,
depois nos falamos Nanda.
Eu sabia que o “Nanda” ao
final da frase era para causar uma
pequena intriga entre eu e meu
suposto namorado, mas ao que
parece nada pareceu abalar Danilo,
nem minha mentirinha inocente.
— Fique à vontade. Até
breve.
Antes que Yuri se afastasse
completamente ele me beijou de
surpresa, fazendo minha mente dar
um giro de cento e oitenta graus. E
nem se comparava ao beijo que
havia dado nele antes. Este beijo
era com vontade, com fome, beijo
que normalmente não deveria ser
dado num evento em que seu chefe
conta com você, beijo que se dá
escondido do mundo, apenas para
nós. Mas quem está reclamando?!
Quando ele se afastou, me
recompus mais rápido do que achei
possível e ainda consegui avistar a
feição irritada de Yuri.
Ponto para o Danilo, que
soube ser um belo comparsa.
— O que pensa que está
fazendo? Concordar comigo já era
suficiente.
— Eu queria dar mais
credibilidade à sua mentira
deslavada. Pareceu-me muito
importante para você ser
convincente.
— Para isso não era
necessário me beijar.
— Acho que surtiu mais
efeito no cara, do que suas
palavras. Agora venha aqui.
Ele colocou a mão na base
das minhas costas e me guiou para
fora do salão, em uma área que
dava acesso a um lindo jardim. Se
ele soubesse os pensamentos
sórdidos na minha cabeça,
principalmente depois daquele
beijo, ele não me afastaria da festa.
Ou talvez afastaria.
Sorri com aqueles
pensamentos.
9
DANILO
MULHERES SÃO COMO
ABELHAS:
ALGUMAS DOCE COMO O
#MEL,
OUTRAS SÓ TE FERRAM
Após uma semana de cão,
revendo com clientes do Rio de
Janeiro novas formas de anúncio
para seus produtos, chegamos a um
acordo bastante favorável para
ambas as partes. A Império Design
Visual e um de seus clientes mais
importantes, haviam fechado um
excelente negócio, muito lucrativo.
A parte ruim, seriam as visitas
periódicas para manutenção do
contrato, mas em se tratando de
algo desse porte, alguns sacríficos
seriam necessários.
Com o trânsito caótico acabei
perdendo o voo das quinze horas ,
mas por sorte, ao chegar ao
aeroporto, verifiquei que havia um
outro voo saindo na próxima hora.
Então comprei a passagem e segui
para a sessão de embarque.
O que me surpreendeu foi a
companhia que teria durante o
percurso até São Paulo. Uma
morena estonteante, com cabelos
que pendiam sobre os ombros,
completamente atrapalhada com mil
coisas nas mãos e uma almofada
estranha em volta do pescoço.
Esperei que ela se acomodasse
melhor na poltrona próxima a
janela e sentei-me ao seu lado, sem
me importar que o meu assento
fosse o do corredor. Torcendo para
que ninguém reivindicasse o lugar.
Alguns segundos se
passaram, mas a mulher não havia
me direcionado um olhar sequer.
Resolvi puxar conversa, estava
muito interessado em ouvir sua voz,
mas ela não parecia ter o mesmo
interesse que eu, procurava
inúmeras outras coisas que
desviasse sua atenção da minha
presença, inclusive um livro de
cabeça para baixo que fiz questão
de tecer um comentário para que
percebesse que não seria muito
fácil me evitar.
Por todas as vezes que tentei
manter alguma conversa ela foi
estranhamente ríspida, me fazendo
desistir, por hora, de tentar manter
contato. Um tempo depois da
decolagem, ela adormeceu apoiada
naquela almofada estranha, que
mais parecia um daqueles assentos
especiais para quem tinha
hemorroidas. Sorri sozinho com a
ideia de brincar com ela sobre isso,
mas duvido muito que ela pudesse
gostar. Era mais provável que ela
abrisse a porta do avião e me
jogasse de lá.
Quando o avião começou a
realizar os procedimentos para
aterrissar ela despertou, observei
que meu ombro estava coberto de
saliva e que ela ao notar isso,
demonstrava certo constrangimento.
Pensei que poderia me aproveitar
da situação e puxar assunto, mas
não consegui mais do que duas
palavras malcriadas, e logo ela
estava se espremendo ao meu lado
para apanhar todas as suas coisas e
correr o mais rápido que pudesse
para longe de mim.
Notei que tão logo fora
autorizado ligar os aparelhos
eletrônicos, ela arrancou o celular
do bolsa. A visão daquela mulher
de costas, era tão boa quanto de
frente. Me aproximei um pouco
mais, deixando meus lábios
próximos ao seu ouvido e lhe disse
meu nome, o que não pareceu surtir
nenhum efeito, decidi me arriscar
uma vez mais.
Sem dar muito tempo para
questionamentos, antes que ela
pudesse desaparecer de vista,
depositei o pequeno pedaço de
papel com meu número em suas
mãos e sai da sua frente. Melhor
não forçar um encontro antecipado
com o Altíssimo agora.
Ao recolher minha mala na
esteira, lembrei que ainda
precisava revisar o contrato
estabelecido durante a semana e
alimentar o banco de dados da
reunião de acionista que
aconteceria nos próximos dias.
Olhei adiante, em busca de
qualquer sinal de táxi e lá estava
ela: a morena estonteante e
desaforada.
Não tenho me relacionado
por mais de uma semana com uma
mesma mulher, desde que assumi a
presidência da empresa. Toma-me
bastante tempo as minhas funções
profissionais, mas espero em breve
que este cenário mude.
Quando a vi pegar o táxi, por
algum motivo estranho — se é que
já não haviam acontecido coisas
estranhas o bastante até aqui —
entrei rapidamente no próximo
disponível, pedi que seguisse o táxi
a frente e me levasse ao mesmo
destino.
Ela se hospedou em um dos
mais conceituados hotéis da cidade.
Ia doer no bolso, mas o que eu
poderia fazer? Aquela miserável
parecia ter um ímã que arrastava
minhas bolas para onde quer que
ela fosse.
Os dois dias foram mais
proveitosos do que realmente achei
que seriam, e consegui terminar
tudo em tempo recorde.
No hotel havia um quarto no
mesmo andar que o dela para me
hospedar. Para minha sorte, ou azar.
Já no quarto tomei um banho
e saí com a intenção de convidá-la
para jantar, mas ao bater em sua
porta ninguém atendeu. Saí dali
frustrado, direto para um
restaurante próximo.
Ao chegar, dei de cara com
ela, com sua atenção
completamente voltada para o que
outras duas mulheres falavam, o
que foi ótimo, pois ela nãos
perceberia minha aproximação.
A tentativa de evitar que
dividíssemos a mesma mesa caiu
por terra quando ela percebeu que
não havia qualquer outro lugar
disponível ali, o que a fez
concordar, mesmo a contra gosto.
Conseguia finalizar qualquer
conversa que eu iniciava, e logo ela
estava saindo dali, de volta para o
hotel, e eu não poderia acompanhá-
la, pois o meu pedido sequer havia
chegado. Com essa sorte, preferi
aguardar o meu pedido e contar
com outra oportunidade para
descobrir um pouco mais sobre ela.
No dia seguinte fui para a
empresa logo cedo e acabei não
trombando com ela pelos
corredores.
Quando estava prestes a
desistir e voltar para o meu
apartamento, bati à porta do seu
quarto e ela me atendeu com um
roupão entreaberto, expondo as
curvas dos seios. Meus olhos quase
saltaram pelas órbitas e salivei
como se estivesse diante do meu
prato favorito. A convidei para
sairmos e novamente levei um
passa fora. Quando um entregador
de farmácia apareceu, ficando ao
meu lado na porta, ela rapidamente
recolheu a sacola, fez o pagamento
e dispensou o boy.
Antes mesmo que eu pudesse
pensar, levei uma portada na cara.
Se houvessem camisinhas ali,
e não fosse eu a usá-las, não ia
prestar.
Saí para comer e passar no
meu apartamento para deixar
algumas coisas e pegar outras. A
hora passou e acabei dormindo por
lá mesmo, saindo bem cedo para
voltar ao hotel. Eu não daria mais
chances para que ela me rejeitasse.
Bati à porta do seu quarto,
mas ela não estava mais ali. Fui até
a recepção do hotel, onde me
informei que a hóspede ainda não
havia feito check-out. Pensei em
voltar para seu quarto, mas meu
estômago começou a reclamar de
fome, me obrigando a ir para o
restaurante do hotel. Pensaria no
que fazer mais tarde, e se preciso
fosse, acamparia na porta daquele
maldito quarto.
Mas, qual não foi minha
surpresa, quando a vi sentada
diante de uma montanha de comida,
que nós dois não conseguiríamos
comer juntos.
Hoje ela estava ainda mais
desaforada, se é que isso era
possível. Diabo de mulher com a
língua impossível. Se essa
cabecinha fosse tão ágil com outros
assuntos, como era para me dar
respostas atrevidas, eu estaria feito.
Ela comia com tanto prazer,
que era delicioso apreciar. Uma
mulher deveria saber o quão
afrodisíaco é para um homem vê-la
se deleitar com a comida, e não ter
nojo dela.
Poderia compará-la a um
refugiado de guerra, que há uma
semana está perdido pelo deserto e
que encontra comida. Uma visão
divina.
Quando menos esperava, ela
se levantou e saiu em direção aos
elevadores. A segui na tentativa de
contê-la e quem sabe conseguir
levá-la ao meu quarto, mas a
danada escapou outra vez me
deixando apenas com a visão do
seu dedo anelar bem esticado e um
sorriso diabólico. Mas para minha
sorte, o segundo elevador parou no
andar logo em seguida, e hóspedes
saíram pela porta me permitindo
chegar a tempo de encontrá-la,
antes que entrasse em seu quarto.
Assim que as portas novamente se
abriram a vi retirar do bolso o
cartão de acesso e passar
desesperadamente para liberação
da porta, sem êxito. Dei passos
rápidos e largos em sua direção a
impedindo abrir a porta.
Quando ela se preparava para
me dizer mais alguns insultos do
seu arsenal de desaforos, a mandei
se calar. Já estava irritado com toda
aquela pirraça. Era tudo ou nada.
Ela já havia me feito perder tempo
demais com toda aquela ladainha,
como se eu já não tivesse
percebido que de alguma forma, eu
também havia mexido com ela.
Nesse momento foi como se
evocasse os sete espíritos do mal,
das profundezas da escuridão. A
mulher parecia um demônio de tanta
raiva que estava.
Raciocinei rápido para salvar
a minha vida. Agarrei-a pela
cintura e a beijei. Era nítida a sua
batalha para não se deixar vencer,
mas assim como era para mim,
também fora impossível para ela
resistir. Tomei o cartão de suas
mãos no instante em que suas
longas pernas enlaçaram meu
tronco.
Era humanamente impossível
resistir ao desejo que controlava
minha cabeça de tomá-la, desde que
a vi naquele avião.
Superando todas as minhas
expectativas, com o melhor sexo
que tive em muito tempo, e me
deixando exausto, acabei apagando
em um sono pesado.
Quando o telefone do quarto
começou a tocar interrompendo
meu sono, levei a mão junto ao
móvel onde ficava e ainda com os
olhos fechados alcancei o aparelho
levando-o ao ouvido.
A informação de que deveria
desocupar o apartamento, pois o
check-out já havia sido feito, me
despertou de imediato. Ao desligar
procurei por algum vestígio da
morena, sem nenhum sucesso. Eu
estava convicto de que havia algum
engano, eu realmente não esperava
que ela fugisse do próprio quarto,
me deixando sem nada que pudesse
me levar a ela uma outra vez. Eu
esperava me deliciar um pouco
mais naquelas curvas sinuosas.
Ainda confuso com tudo o
que estava acontecendo apanhei as
roupas espalhadas pelo chão,
vestindo a cueca e a calça, levanto
a camisa nas mãos e saindo dali
direto para o meu quarto. Entrei em
contato com a recepção e informei
que também realizaria o check-out
do meu quarto, já não fazia mais
nenhum sentido me manter naquele
hotel, quando a única razão para me
hospedar ali, mesmo tendo meu
apartamento na cidade, fora a
mulher que há pouco tempo dividira
a cama comigo.
Coloquei as roupas de
qualquer forma na mala, desci para
a recepção e realizei todos os
procedimentos. Verifiquei com a
recepcionista se não havia nenhum
recado deixado pela hóspede do
quarto e fui informado que ela
apenas solicitou que me
informassem sobre a saída do
quarto.
Já em casa, repassei todas as
cenas em que me encontrei com
aquela mulher que tanto havia
mexido comigo, mas não havia
nenhuma pista de onde e como
poderia encontrá-la. Muito
provavelmente ela já comprometida
e eu fui apenas uma diversão em
sua passagem pela cidade. Se bem
que eu não me importaria em ser a
sua diversão em outros momentos.
A lembrança de como ela se
envergonhava e ao mesmo tempo
dominava os movimentos entre
meus braços, me instigaram a
descobrir quem de fato ela era. Eu
só precisava de uma pista qualquer
para isso.
Foi então que uma ideia me
surgiu. Peguei o telefone, entrei em
contato com o hotel, informei que a
hóspede havia esquecido
documentos importantes no quarto e
que eu os levaria para o hotel para
que eles tomassem as providências
devidas. Como era de se esperar
eles preferiram me passar
informações sobre a hóspede do
que se comprometer com qualquer
que fosse o problema.
Descobri que o verdadeiro
nome da mulher de reposta fácil,
era Fernanda Bournet, e que sua
reserva fora feita pela empresa
Fusão Mídia Visual, que por acaso
era a principal concorrente da
empresa que eu presidia. Eu teria
que aguardar até a segunda-feira se
quisesse saber mais sobre ela.
Passei o domingo cercado de
muito trabalho e com a grata notícia
de que providencialmente,
precisaria ir ao Rio de Janeiro na
quinta-feira daquela semana. Um
dos nossos clientes mais
importantes havia concretizado um
gigantesco negócio e estariam
realizando um grande coquetel para
comemorar o feito. O envelope em
minhas mãos mais parecia uma
infinidade de oportunidades, o que
não deixava de ser. Eu encontraria
aquela atrevida novamente e essa
oportunidade eu definitivamente
não perderia.
A semana pareceu se arrastar
em meio a reuniões e almoços de
negócios intermináveis. Mas enfim,
a quarta-feira havia acabado, e meu
voo estava marcado para o fim da
noite. Tudo o que eu precisaria
fazer era aparecer na empresa dela
no dia seguinte e encontrá-la.
A cidade estava quieta
demais, o que era estranho. Como
não tinha muito o que fazer, decidi
passar o final da noite trabalhando.
Revisei alguns papéis sobre a
nova proposta de publicidade que a
empresa faria em um almoço de
negócios no dia seguinte ao
Conrado, e quando percebi já
passava das onze da noite. Minha
única certeza era de que eu
precisava de um descanso para
estar preparado para o dia que
viria.
Eu teria um dia, uma chance e
não poderia falhar.
O almoço seguiu como
esperado, e o acordo foi fechado
sem muitos problemas. Restava-me
agora seguir para a Fusão Mídia e
encontrar Fernanda.
Qual seria a sua reação ao me
ver diante da sua mesa e sabendo
exatamente quem ela era?
Não demoraria para ter todas
essas questões respondidas.
A FMV havia crescido muito
nos últimos anos, a nova gestão
havia retirado a empresa do baixo
cenário de publicidade e a
recolocado entra as maiores.
Quanto a competência dos novos
presidente e vice, não se podia
questionar, mas era do
conhecimento de todos também que
eles não iriam muito mais longe do
que estavam, e tudo por conta de
seus egos inflamados que não
deixavam boa impressão aos
clientes.
Ao chegar a empresa me
identifiquei sem entender muito
bem o porquê de a recepcionista me
olhar como se eu fosse estranho,
talvez tenha a ver com a minha
posição dentro da principal
concorrente deles ou, assim como
algumas outras mulheres, ela
desejasse estar em um local mais
reservado e de maneira menos
formal e mais pervertida comigo.
Se eu não estivesse tão
interessado em resolver o assunto
que me trouxe até aqui, eu
realmente poderia pensar em perder
um bom tempo com ela. Mas era
precisava foco, ou colocaria tudo a
perder.
As notícias que vieram a
seguir não me deixaram nada
satisfeito. Fernanda não estava mais
na empresa, havia deixado as
dependências há pouco tempo.
Tentei arrancar o endereço de todas
as maneiras, mas a única forma em
que eu poderia obter sucesso, eu
não estava lá muito interessado.
Ainda estaria na cidade na manhã
do dia seguinte, faria uma nova
tentativa em todo caso.
Voltei para o hotel em que
estava hospedado, tomei banho e
me vesti para o evento.
Realmente era uma grande
festa. Circulei um bom tempo
cumprimentando as pessoas,
analisando novas possibilidades de
negócios e possíveis clientes. Era
sempre profissional minha presença
nestes eventos, do que diversão.
Quando me preparava para ir
embora avistei a morena que há
uma semana não deixava minha
cabeça funcionar direito. Ela estava
com um cara boa pinta e bem mais
novo do que eu, e próximos demais
para o meu gosto. Quando ela
acenou com a cabeça me
cumprimentando, senti que era a
deixa para ir ao seu encontro.
Minha surpresa só não foi
maior ao vê-la mais de perto com
aquele vestido vermelho, pois ela
me apresentou ao garotão ao seu
lado, como seu namorado e
acompanhante na festa. Mas, ele
não me pareceu muito convencido
de que estava fora da parada, o que
não me deixou outra alternativa,
senão tomá-la em meus braços e
beijá-la.
Não sabia que estava com
tanta vontade, até que seus lábios se
abriram e sua língua se projetou
para dentro da minha boca.
No segundo seguinte, ela
estava se desvencilhando dos meus
braços e voltando ao seu estado
normal, de mulher com gênio
infernal.
Levei minha mão a base da
sua coluna, fazendo pressão para
que ela começasse a andar, e a
conduzi para longe do barulho. Já
estava mais do que na hora de
colocarmos os pontos nos devidos
lugares. No começo, era divertido a
forma como ela sempre se colocava
na defensiva me dando respostas
atravessadas e saindo pela tangente,
mas na minha atual situação, eu
queria que ela usasse toda aquela
energia para outros fins.
— Por que você tem que ser
tão difícil?
— Tudo o que vem fácil, vai
fácil. E outra, não foi porque deixei
você colocar suas mãos em mim
aquele dia no hotel, que vai
acontecer outra vez. Pode ir tirando
seu cavalinho da chuva.
— Era exatamente sobre isso
que queria falar. Poupou-me muita
encheção de linguiça.
— Você comia tinta de
parede quando era criança ou foi
queda de berço que afetou seu
raciocínio? Eu já disse que não vai
rolar, muito obrigada por não ter
me entregado, mas agora eu vou
indo.
— Fernanda!
Seu nome dito por mim a fez
estancar no lugar no mesmo
momento. Ela sabia que havia sido
descoberta, então se virou devagar,
suas mãos estavam trêmulas e seus
olhos muito abertos. Ficou assim
por algum tempo, até encontrar a
voz novamente.
— O que disse?
— O seu nome. Afinal, esse é
o seu verdadeiro nome, não é
mesmo?
— Como descobriu isso?
Você é algum psicopata,
perseguidor ou algo do gênero?
Eu precisei gargalhar diante
da sua conclusão, e depois de
algum tempo para me recuperar da
sandice que tinha acabado de ouvir.
— Seu eu fosse um
perseguidor você estaria
encrencada, mas não, eu não sou
nada disso. Quero apenas conversar
com você.
Agarrando meu braço, ela me
arrastou um pouco mais longe da
música e das pessoas. Apesar de
tentar manter a aparência de mulher
segura sua mão em volta do meu
pulso estava fria e um pouco
trêmula, mesmo com a força que
impunha.
— Precisamos conversar.
Quero saber exatamente o que sabe
a meu respeito e o que quer.
— Agora eu estou
preocupado, realmente não faz
mesmo ideia de quem eu seja, não é
mesmo?
Irritá-la tinha se tornado
quase que um hábito higiênico.
— Insuportável. Será que
poderia ser mais claro, meu
subconsciente de Walter Mercado
não está lá essas coisas
ultimamente. O que está fazendo na
festa?
No começo achei que ela
estava apenas fingindo para me
distrair sobre o fato de saber seu
verdadeiro nome, mas agora
olhando mais atentamente, eu podia
enxergar a confusão em seus olhos.
— Eu por acaso, sou Danilo
Oliveira, mais precisamente o
presidente da Império Design
Visual. Chega a ser ofensivo que
você não saiba quem eu sou.
— Ora Senhor Celebridade,
me desculpe por não ter dado a
devida importância a sua magnífica
pessoa.
O sarcasmo demorou o
suficiente até chegar ao final da
frase e se dar conta de com quem
ela realmente estava falando. Ela
voltou a andar, quando parou
bruscamente, quase fazendo com
que eu tropeçasse nela.
— Quem você disse que é?
— Você entendeu
perfeitamente. Agora a grande
questão é, por que me deu um nome
falso?
— Até parece que você fala
seu nome verdadeiro para alguém
que nunca viu na vida, e que age
feito um louco quando te vê.
— Interesse não é loucura.
— Depende do ponto de
vista. Você acha mesmo que seria
seguro passar meus dados a um
homem que aparecia do nada, em
todos os lugares em que eu estava,
e que ainda por cima hospedado no
mesmo hotel que eu?
— Por um lado está certa,
mas um nome não faria diferença.
— Claro que não, olha só
onde estamos agora. Imagine se
tivesse realmente lhe dado o nome
certo. Agora, já que não temos mais
nada a dizer, eu estou indo embora.
— E aonde vai? Você pode
ter dito tudo, mas eu não.
A segurei pelo braço
forçando-a a permanecer onde
estava. E novamente o brilho de
uma besta furiosa alcançou seus
olhos.
— Desculpe, mas o que
aconteceu naquele hotel não vai se
repetir. Procure outra distração
para passar a noite.
Novamente ela se virou
dando mais alguns passos.
— Eu prefiro que fique para
conversarmos.
— Estou pouco me lixando
para as suas preferências.
— Talvez mude de ideia.
— Você não cala a boca não?
— Não quando eu ainda não
disse nada do que realmente
pretendia dizer. Agora esta é a sua
vez de apenas ouvir.
— Vai sonhando.
Dito isso ela saiu apressada
sem me dar a chance de reagir e
mantê-la perto de mim.
Tentei alcançá-la, mas correr
atrás de uma louca, em uma festa
repleta de clientes não estava nos
meus planos.
Quando cheguei a saída a vi
sair em um carro, e para minha
sorte alguém havia chamado um táxi
que estava estacionado à espera do
passageiro. Entrei sem nem ao
menos me importar quem era a
pessoa que havia solicitado o
serviço, e pedi ao motorista que
seguisse o carro que Fernanda
guiava.
Estava virando um hábito
seguir essa mulher pelas ruas, eu só
não sabia quanta sorte eu ainda
teria em encontrar táxis no momento
que precisava.
Depois de algum tempo
rodando pelas ruas da cidade, ela
parou em frente ao portão de um
prédio, que logo se abriu e ela
sumiu para dentro.
Imediatamente paguei a
corrida e desci do táxi me
esgueirando entre o portão e o
muro, entrando no estacionamento.
Assim que ela estacionou e
distraidamente desceu do carro eu
me coloquei ao seu lado batendo a
porta.
Com o susto ela deu um grito,
mas a calei tapando sua boca com a
minha. Ela poderia negar o quanto
quisesse, mas eu de alguma forma
mexia com ela.
— Agora seja uma boa
menina e se comporte. Vamos
conversar como dois adultos que
somos.
— Vamos.
— Para onde?
— Subir para o meu
apartamento. Mas nem tente bancar
o espertinho, tenho uma coleção de
panelas para acertar sua cabeça.
— Aqui a espertinha é você,
me levando para seu apartamento.
— Sua mãe deveria te vender
para um circo, seu palhaço. Só
estamos indo para o meu
apartamento, porque não quero
nenhum bicudo de olho na nossa
conversa. E outra, em cinco minutos
não se faz muita coisa. Assim que
chegarmos eu chamo um táxi para
você, vamos ter o tempo necessário
para falar o que interessa. Agora
shii, não quero um pio até
chegarmos lá.
— Pio.
Ela tentou disfarçar o riso se
virando para o outro lado,
chamando o elevador em seguida.
Ela se colocou do lado oposto de
onde eu estava, mas a sua
respiração ofegante entregava o que
ela estava sentindo, e a maneira
como me olhava com o canto do
olho, não deixava dúvidas que não
haveria conversa.
Ao fechar a porta atrás de si
eu a ataquei prendendo seu corpo
contra a parede descendo a alça do
vestido vermelho com uma mão e
com a outra alcançando suas coxas.
Algumas horas haviam se
passado, e por mais exausto que
estivesse — essa mulher acabava
com minhas forças e sanidade — eu
precisava ir embora. Uma reunião
às sete da manhã me esperava e
precisava dar uma última olhada
em tudo.
Me vesti e escrevi em um
pedaço de papel o endereço de
onde poderia me encontrar, caso ela
desejasse, e novamente o número
do meu telefone e sai do quarto no
máximo de silêncio que consegui.
Ao chegar à sala, uma loira
com cara de poucos amigos me
encarava desconfiada, mas quando
achei que fosse me atacar ela
começou a falar.
— Vai me dizer quem é você?
Porque ladrão eu sei que não é. A
não ser, que seja um bandido de
alta classe e use smoking para
cometer um assalto.
Deus proteja a raça humana,
com duas mulheres como essas
juntas no mesmo ambiente. Nem
bomba de longo alcance teria um
poder tão devastador como essas
duas.
— Meu nome é Danilo
Oliveira, e estava com a Fernanda,
mas agora preciso realmente ir.
Faça-me a gentileza de pedir a ela
que me ligue amanhã. Já que ela
não me fez a gentileza de dizer o
dela, boa noite.
Sua boca se abriu em um “o”
enorme e ela fez sinal de silêncio
me empurrando para a cozinha.
— Meu Deus do céu. Você é
o Danilo de São Paulo?
Agora eu estava intrigado e
satisfeito. Se ela sabia sobre a
minha existência, logo a Fernanda
havia comentado sobre mim.
— Sim, por quê?
— Deixa eu te falar uma
coisinha, se você fizer a minha
amiga sofrer, nem que seja um
pouquinho eu vou arrancar o
conjunto que tem no meio das
pernas e dar para os cachorros.
— Não é a minha intenção,
mas não vou me esquecer do
recado.
— Segunda coisa.
Ela disse enquanto ia até a
sala e anotava alguma coisa em um
pedaço de papel.
— Aqui está meu telefone,
nós temos muito o que conversar.
Espero a sua ligação amanhã.
Agora sai daqui antes que ela nos
pegue e me mate.
Dito isso ela foi me
enxotando para fora do
apartamento. Antes de fechar a
porta ela ainda se preocupou em
dizer.
— Vou interfonar para a
portaria e pedir ao Jurandir que
chame um táxi para te levar. Tem
um ponto aqui pertinho.
— Obrigado.
Sussurrei de volta.
Quando cheguei à recepção o
porteiro estava telefonando para
alguém. Nem precisei me
identificar para que ele me pedisse
para aguardar, pois o táxi já estava
a caminho.
Eu não sabia em que havia
me metido, mas iria adorar
descobrir.
10
A PREVISÃO DO TEMPO
INDICA:
HOJE O DIA ESTÁ PROPÍCIO
PARA DEIXAR DE SER
#TROUXA!
Acordei e olhei para o lado,
embaixo da cama, dentro do
banheiro, atrás da cortina, dentro
do armário, debaixo do travesseiro
e nada de Danilo. Aquele vadio de
uma figa tinha me devolvido a
escapulida em São Paulo e eu não
tinha a menor ideia de onde poderia
encontrá-lo para lhe dar um belo
chute no meio das pernas. Não,
espera, não daria um chute ali, é
muito desperdício.
Eu precisava pensar em
alguma coisa, mas não seria agora
eu estava muito atrasada, mas ainda
bem que era sexta-feira.
Tomei um banho de gato,
ajeitei o cabelo em um coque,
escolhi uma blusa de seda azul,
com uma calça de linho branca e
sandálias pretas, mas quando ia
saindo do quarto vi um pedaço de
papel na minha cabeceira,
provavelmente algum recado de
Cíntia. Peguei o papel e joguei
dentro da bolsa, quando chegasse
ao trabalho leria o que ela havia
escrito e se fosse urgente ligaria.
O trânsito de sexta-feira era
algo que eu poderia classificar
como catástrofe. Peguei o caminho
mais longo, mas que me faria
perder menos tempo com semáforos
e congestionamentos.
Milagrosamente cheguei
apenas dez minutos atrasada.
Coloquei a bolsa sobre a mesa,
liguei minha máquina e enquanto o
milagre da tecnologia acontecia, fui
ao banheiro tentar colocar um
pouco de ordem no meu cabelo que
não deveria estar nada
apresentável.
Quando voltei, tudo estava
devidamente ligado e aguardando
minha senha de acesso.
Abri meu e-mail e não havia
nenhuma nova ordem de Murilo lá,
sinal de que eu não tinha feito
nenhuma merd@, ou que pelo
menos ele ainda não a havia
descoberto.
Trabalhei quase a manhã
inteira até o meu estômago reclamar
de fome. Na pressa eu não havia
comido nada antes de sair de casa
ou no caminho para o trabalho.
Peguei o cardápio da
lanchonete que ficava na esquina do
prédio e liguei para pedir alguma
coisa que me deixasse em paz com
meu estômago até a hora do
almoço. Vinte minutos depois um
sanduíche natural com suco de
laranja estava sendo entregue.
Pensei se comia ali mesmo na
minha mesa ou se corria o risco de
encontrar a purgante da estagiária.
Analisei a provável cena: eu
distraída lendo alguma bobagem na
internet e esbarrando na garrafinha
de suco, ele sendo derramado sobre
o computador, um curto circuito,
uma faísca, e em um piscar de olhos
o prédio sendo evacuado e
consumido em chamas, porque eu
não quis ir até a copa encontrar a
nojenta atual do meu ex. Se bem
que ela sair pegando fogo não ia ser
nada mal.
Muito diabólica para essas
horas da manhã, Fernanda. Espere
até o meio-dia!
Abaixei para amarrar meu
cadarço imaginário, pois não queria
ser vista sorrindo sem ninguém por
perto. Das duas uma: pensariam que
eu estava louca, ou que estava
vendo sacanagem na internet.
Louca, eu poderia aceitar numa
boa, mas pervertida a esse ponto
era melhor manter em segredo por
enquanto. Pelo menos no meu local
de trabalho.
Sorri pensando em Cíntia
encenando a escrota em chamas e
ela falando que o fogo no rabo a
qualquer hora pode fugir o controle
e acabar se espalhando pelo corpo
inteiro.
Lembrei-me do bilhete que
ela havia deixado em meu criado-
mudo, abri a bolsa e retirei o papel,
pegando a embalagem do sanduíche
e a garrafinha de suco sobre a
mesa. Leria o que quer que
estivesse escrito ali enquanto
comia. Tudo bem, que se tratando
da Cíntia era um risco enorme fazer
isso, mas era melhor ler o bilhete
sozinha do que na presença de uma
plateia que me classificaria em
estágio de loucura crônica em dois
tempos.
Comecei a comer e então
desdobrei o papel, assim que li a
primeira linha cuspi todo o suco
que tinha acabado de colocar na
boca.

“Você me
enlouquece,
Você é o que quero,
Eu sou prisioneiro,
Prisioneiro
Desse seu amor...”
Já diria meu grande
amigo Sidney.
Estou deixando
meu telefone novamente,
caso tenha perdido o
papel anterior.
Obs: Compre uma cama
maior ou pare de lutar
boxe durante o sono.
Vou esperar seu
telefonema.
Obs 2: Não desmereça a
poesia do Magal.
-Danilo-
Eu ria tanto que minha
barriga começou a queimar. A
imagem de Danilo, com roupas de
dançarino de lambada dos anos
oitenta, povoavam a minha cabeça
que nem percebi a copeira me
olhando assustada.
Mesmo que eu quisesse
contar, ela não entenderia o nível
de perturbação mental da pessoa
que havia escrito aquele bilhete.
A música me lembrou de uma
vez, em que eu super empolgada
com a moda da lambada e de como
eu tinha aprendido a dançar aquilo
sem me machucar, sim, porque tudo
o que eu fazia era quase uma
experiência de quase morte de tão
desastrada que eu era, tudo bem,
ainda sou.
Tinha acabado de ganhar uma
roupa daquelas cheias de babados
da minha madrinha e estava me
sentindo a bailarina do Faustão. Fiz
toda a tarefa de casa daquele dia
num piscar de olhos e corri para a
vitrola — é nessa época existia
vitrola, procure no Google se o
nome lhe parecer estranho —
peguei o vinil do Sidney Magal da
minha mãe e comecei a botar para
quebrar na sala.
Eu já estava quase morrendo,
minhas pernas queimavam, mas
estava indo muito bem, pelo menos
achava isso, quando me virei para
mudar o lado do vinil, avistei o
meu pai jogado no chão com as
costas apoiadas na parede e os
olhos cheios de lágrimas, suas
mãos na barriga não enganavam
ninguém, ele estava quase passando
mal de tanto dar risada da minha
cara.
Eu fiquei parada olhando
para ele sem saber ao certo o que
fazer, enquanto ele tentava
inutilmente falar alguma coisa.
Seu corpo foi pendendo para
os lados, quando me dei conta meu
pai estava sufocando de tão
vermelho. Minha mãe correu para
tentar ajudá-lo e eu ali com cara de
palerma. Ela gritava para eu ir
buscar água.
Pensei cheia de raiva: Eu até
vou, mas a cartela de AAS sofrerá
muitas baixas!
Levei duas semanas para
voltar a usar a roupa. Nesse meio
tempo eu me contentava em
reproduzir as coreografias do
Abecedário da Xuxa e tardes
praticando bambolê.
A pessoa deveria ter uma
cota de vergonha para passar
durante a vida, quando estourasse o
limite, ficaria imune a certas
situações. #sóacho!
Resolvi revidar à altura.
Joguei o resto do lanche fora e
segui para minha mesa, precisava
do meu celular para responder ao
recado, já que esse era o único
meio de contato que tinha com
Danilo naquele momento.
Mas assim que cheguei à
minha mesa, dois montes enormes
de papéis estavam ocupando todo o
espaço. Meu humor se esvaiu
quando vi aquilo.
Resignada e a passos
derrotados desfiz a distância que
ainda havia da mesa. Quando
terminei de analisar e colocar tudo
em ordem já estava quase na hora
do almoço.
Ainda não havia nenhum sinal
de Murilo, nenhum recado na
recepção ou qualquer e-mail na
minha caixa de entrada, spam, nada,
silêncio total. Mas, ele foi bem
claro que se houvesse alguma
emergência ele entraria em contato,
e como não via a necessidade de
entrar em contato com ele apenas
para perguntar se estava tudo bem,
decidi não ficar procurando cabelo
em ovo. Afinal de contas, era sexta-
feira e o final de semana estava
logo ali.
Lembrei-me do bilhete e mais
uma vez cai na gargalhada. Peguei o
celular dentro da bolsa e salvei o
número de Danilo na agenda e
comecei a escrever uma resposta
para ele.

FERNANDA:
“Como uma deusa
Você me mantém
E as coisas que você me diz
Me levam além”
Nunca antes em minha vida,
eu havia recebido uma mensagem
que me tocasse tanto.
Obs: A cena de você
dançando a lambadinha do Sidney
não sai da minha cabeça.
Obs 2: Minha amiga
Rosana também manda muito
bem.
Tirei uma foto do bilhete e
enviei para a Cíntia, que não
respondeu e foi ai que encontrei um
endereço atrás do bilhete,
provavelmente era onde ele estava
hospedado. Ela ainda devia estar
dormindo. Então devolvi o celular
para a bolsa e voltei ao trabalho.
Tudo estava indo muito bem,
o trabalho estava fluindo, não
haviam mais pendências sobre a
minha mesa. Mas, quando eu
encarnei, é capaz de eu ter dado um
pé na bunda de um anjo e gritado:
“EU QUERO ESSA VIDA
COM EMOÇÃO!”
Porque para explicar certas
coisas na minha vida só isso
mesmo.
Estava na página principal de
um dos maiores sites de notícia a
minha foto com Danilo na noite
anterior. Eu até tinha ficado mesmo
linda com o vestido, a luz ajudou, a
maquiagem e cabelo, a Vivi
arrasou...
Foco, Fernanda!
A nota destacava a seguinte
notícia: “Presidente do grupo
editorial Império Design Visual,
Danilo Oliveira, circulou pelo
evento realizado pelo empresário
Conrado Moura com uma das
funcionárias da sua principal
concorrente.”.
Busquei por notícias
relacionadas para verificar se mais
algum outro site destacava algo que
pudesse me comprometer, mas
graças aos céus só o maior e mais
visitado site de notícias achou que
os passos de Danilo tinham alguma
importância.
Quando a gente precisa que
um vulcão em ilha inabitada entre
em erupção, cadê? Nada acontece.
Saudade de um tempo onde a
minha única preocupação era
acompanhar a letra de Ragatanga do
Rouge.
Precisava de um copo d’água
com açúcar, na falta de um tarja
preta, teria que funcionar. Fui em
direção à copa, mas quando ia me
aproximando da porta, reconheci a
voz insuportável de Leticia
ecoando pelo local e pelos
corredores. Ela falava de alguém e
gargalhava com a secretária da
recepção.
— Deve ser mais uma
especulação dessas de revista de
fofoca, porque se aquela songa
monga não foi capaz de segurar o
tapado do Yuri que só precisa de
uma boa noite de sexo, imagina se
ela iria muito longe com aquele
deus. Alguém como ele precisa de
uma mulher que ofereça muito mais
do sexo quente, é preciso ter
conteúdo.
— Ah isso é uma verdade,
porque ninguém chega à
presidência de uma empresa sem
ser dono, se não for muito esperto.
— Vai por mim, eu não dou
até o final do dia para o mesmo site
informar que a foto foi tirada no
momento em que eles se
cumprimentavam e que não houve
nada além disso.
— A Fernanda deveria
aproveitar esses quinze minutos de
fama.
A cada palavra, meu sangue
fervia nas veias e eu lutava para
não entrar naquela sala e esbofetear
aquelas duas peças infernais,
figuradas de gente.
As duas debochavam de mim
como se pudessem sequer escolher
estar no meu lugar, mas elas não
pararam por ali não.
— Mas, me conta como foi a
festa. Eu queria muito ir, mas não
teria tempo de me preparar, uma
festa assim requer uma super
produção.
— Ah, tudo normal. Gente
velha e rica, com crise de meia
idade evidenciada pelo parceiro
mais jovem.
— Garota, você é venenosa.
— Eu sei. Mas, também nem
tive tempo de aproveitar muita
coisa, o pentelho do professor de
comunicação resolveu aplicar a
prova do semestre ontem e sem
possibilidades de ficar para
segunda chamada daquele
insuportável.
Ela chamando alguém de
insuportável parecia até uma piada.
Já estava quase entrando na copa
quando senti uma mão fria me
impedindo. Era Hanna.
Ela ainda estava muito fraca,
a pele pálida e os cabelos oleosos
acusavam isso. Com um aceno de
cabeça ela sinalizou para que
saíssemos dali, me salvando de um
grande problema.
— Venha, precisamos
conversar.
— O que aconteceu? — disse
ainda em sussurro, pois estávamos
próximas da copa.
— Acho melhor falarmos na
privacidade da sala de reunião.
A segui evocando todos os
santos, entidades, forças do além
para que não fosse nada demais.
— Estou começando a ficar
assustada. Aconteceu algo grave?
Entramos na sala de reunião e
ela fechou a porta abaixando as
persianas, exceto as que davam
para a vista de fora do prédio. A
sua cara não era das mais
agradáveis, então sim, tinha
acontecido alguma coisa.
— Fernanda, eu entendo que
a sua vida pessoal não diz respeito
à empresa, mas quando se está na
posição que alcançou aqui é
preciso que saiba que algumas das
suas escolhas pessoais podem
interferir na sua vida profissional.
— Não entendo aonde quer
chegar, Hanna. Não são necessárias
certas formalidades comigo, seja
direta.
— O nosso pessoal do
departamento de comunicação nos
informou sobre a sua possível
proximidade com o senhor
Oliveira, e creio que saiba que se
trata do nosso principal
concorrente. Sendo assim, alguém
com a sua posição dentro da
empresa, dispondo de informações
confidenciais e de extrema
importância para a empresa, não
seria bem vista, caso alguma dessas
informações vazassem.
Eu realmente não conseguia
entender, no auge da minha
ignorância, onde Hanna queria
chegar. Aquela conversa era
realmente necessária? Porque pelo
festival que estavam fazendo,
parece que minha foto com Danilo
era quase uma ofensa à moral e aos
bons costumes. Estávamos apenas
lado a lado no jardim, o que isso
tinha demais?
— Em uma coisa você está
mesmo certa, Hanna, após o meu
horário de trabalho, a empresa não
interfere nas minhas decisões. Mas,
só para esclarecermos de uma vez
por todas, eu não tenho nenhum
envolvimento com o senhor
Oliveira até o presente momento, e
provavelmente permanecerá assim
em um momento futuro também.
Portanto, não há necessidade dessa
conversa de ética profissional.
— Eu não queria ter parecido
invasiva Fernanda, mas achei
melhor alertá-la antes que o Murilo
na segunda-feira a pegue de
surpresa.
Ah, que maravilha, meu chefe
já vai chegar segunda-feira com
esse papo de com quem eu posso ou
não me relacionar.
— Não tem problema Hanna,
eu que peço desculpas se pareci
grosseira com você, não era a
minha intenção. Mas, assim como
estou sendo cobrada por “faltar” —
fiz os movimentos com os dedos
evidenciando as aspas — com a
minha ética profissional eu peço
que também não comecemos um
caso de assédio moral. Eu sou
muito feliz trabalhando aqui, e
durante esses anos me esforcei
bastante para chegar onde estou
hoje e não seria burra o suficiente
para jogar tudo isso fora.
— Tudo bem Fernanda, me
desculpe por isso. Agora preciso ir,
ainda não estou muito bem.
— Você veio aqui só para
isso?
Pela primeira vez desde que
chegou, Hanna sorriu, talvez pela
minha ingenuidade em achar que
era o centro do universo naquela
situação.
— Não querida, eu precisava
enviar alguns documentos que não
poderiam esperar até a segunda, e
estavam salvos na minha máquina,
por isso estou aqui. E como vi a
matéria achei melhor preveni-la.
— Ah sim, melhor ir então, e
não se preocupe comigo. Está tudo
bem.
Saímos da sala, ela em
direção à porta e eu da minha mesa.
Levei um susto quando meu
celular vibrou dentro da bolsa, mas
não era qualquer celular vibrando,
era o meu.
Eu tinha recebido uma
mensagem. De Danilo.
DANILO:
“Preta, fala pra mim,
fala o que você sente por
mim
ioioioio
Diga o que será
paracundacundecundá
Quando o seu corpo no meu
se encontrar.”
Obs: Note que não me
esqueci das melhores partes.
Até onde iria o conhecimento
de músicas dos anos oitenta dessa
pessoa? Eu já estava começando a
ficar com medo de encontrá-lo e ele
começar a dançar alguma dessas
músicas.
Mas, depois de tudo o que
ouvi e de todas as coisas que
estavam acontecendo achei melhor
não responder, ainda teria que
enfrentar meio dia de trabalho.
A tarde foi mais tranquila,
deu tempo de revisar alguns
trabalhos antes de deixá-los sobre a
mesa de Murilo, e o maravilhoso
final do expediente chegou, junto
com ele a minha adorada e
esperada liberdade. Antes de sair
mandei uma mensagem para Cíntia
informando que eu iria para o bar
mais tarde, precisava muito de
alguma coisa forte, para me ajudar
a fraquejar. Eu queria ser forte, não
pegar o telefone e ligar para
Danilo, por isso uma bebida iria me
ajudar a fazer exatamente o
contrário. Com álcool no sangue eu
duvido muito que toda essa
fortaleza aguentaria por muito
tempo mais.
Ela me respondeu avisando
que estaria me esperando.
Fui direto para o apartamento
e ao chegar lá resolvi abrir o blog,
afinal, já haviam se passado muitos
dias sem nenhuma postagem.
Aquilo deveria estar às moscas de
tão abandonado, sendo eu uma
pessoa imediatista, sei como
funcionam essas coisas.
Subi duas cervejas, iria de
táxi até o bar porque pretendia
beber um pouco mais. Retirei
minhas roupas, ficando apenas de
lingerie e me sentei diante do
computar. Ao abrir o blog qual não
foi a minha surpresa, quando
verifiquei que havia passado da
casa de um milhão de visitações e
novos usuários não paravam de
responder as postagens que havia
publicado.
Pensei nos milhares de
relacionamentos que aconteciam
todos os dias e nos muitos em que
havia sido contemplada em viver
para contar minhas próprias
histórias. Nem tudo foi apenas
ruim, mas a forma como alguns
terminaram foi desastrosa.
Puxei pela memória algum
que tivesse vontade de escrever,
mas nada vinha à mente. Decidi
então ler alguns dos comentários,
talvez assim me inspirasse.
@sa-fadinha: suas histórias
são hilárias, se tudo não for apenas
fruto da sua imaginação fértil eu
não queria estar no seu lugar. Não
pare de escrever as histórias, elas
alegram os meus dias.
Ah que bacana que as minhas
merdas alegrem o dia de alguém.
Seria muito triste se fossem apenas
casos de fracassos amorosos sem
nenhuma outra finalidade, não é
mesmo?
@julieta: Espero que você
encontre o amor da sua vida.

Por que as pessoas estão tão


preocupadas em encontrar alguém?
Não podem se bastar e serem
felizes assim? Não, não podem! E
como eu sei disso? Porque eu
sempre vou estar à procura de
alguém que me queira bem, que ame
também, mesmo com todos os
defeitos que eu tenha, e vou torcer
para ser forte o bastante para
ignorar o ronco na madrugada, a
toalha no chão, a tampa da privada
levantada.
Eu já pensei estar neste
momento algumas vezes. Pensei em
ter encontrado alguém para mim.
O meu terceiro namorado era
quase perfeito, exceto por um
detalhe.
E foi aí que a inspiração
veio. Abri a caixa e comecei a
digitar.

# QUANDO TUDO
PARECER BOM DEMAIS,
DUVIDE. DUVIDE MUITO!

Você encontra o namorado


perfeito, então você:
1) Acende mais
velas do que uma romaria inteira,
porque enfim suas preces foram
atendidas e agora pode ficar mais
tranquila;
2) Realiza uma
investigação digna de FBI e Policia
Federal para descobrir o que há de
errado com o cara, porque deve
haver alguma coisa errada, com
certeza;
3) Tenta encontrar
ex-namoradas que possam dar uma
pista de algum segredo que ele esteja
escondendo;
4) Vai levando o boy
magia lentamente, até que consiga
pegar ele no pulo;
5) Deixa rolar,
porque o que tiver de ser será.
Eu fiz um pouco de tudo. E
algumas outras coisas que não vem
ao caso.

Namoramos três meses e


tudo ia muito bem, muito bem
mesmo, até que um belo dia o que
sabíamos que acabaria
acontecendo veio à tona.
Quando teríamos a nossa
primeira noite juntos.
Sim, porque entre nós nada
havia acontecido ainda, estávamos
experimentando o namoro à moda
antiga, mas não tão antiga assim.
Íamos ao cinema, mas rolavam
uns amassos entre uma cena e
outra.
Então o grande dia chegou.
Ele reservou uma suíte em um
hotel, veja bem, hotel, e então foi
até a minha casa me buscar com
um lindo buquê de rosas
vermelhas.
Tudo ia bem, ele estava
sendo super carinhoso, e a essa
altura já tinha ouvido o famoso
“eu te adoro”, calma, porque nem
eu sou tão iludida assim, ele me
despiu me deixando de calcinha e
sutiã e só depois começou a se
despir. O estranho foi ele ter ficado
de meias, mas achei que ele iria
retirar assim que subisse na cama,
#sqn!
Tudo aconteceu com o cara
usando meias.
Meu Deus, quem transa
usando meias?
Meu namorado transa! Será
por que ele sentia frio extremo nos
pés? Por que achava sexy? Por que
foi criado brincando com bolas de
gude no tapete persa da sala da
vovó?
Poderia ser por conta do
nervosismo da primeira vez, mas
não foi. Isso aconteceu mais três
ou quatro vezes, mas aí você deixa
passar porque todas as outras
qualidades superam esse pequeno
detalhe e é aí que eu sempre me
f#do! Porque eu levo o pé na
bunda.
Nunca espere que um cara
que transa com meias, saiba agir
de acordo com as calças que veste.

Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
Abri meu e-mail, uma nova
caixa e digitei o endereço
eletrônico de Eduardo. Eu sabia
que ele não se daria ao trabalho de
me responder, mas não seria justo
com todos os outros, se ele não
recebesse essa gentileza minha
também.
Cliquei enter, tanto no blog
quanto no e-mail e fui ler mais
alguns comentários para selecionar
aos que iria responder, quando um
em especifico me chamou a
atenção.
@falandosobrehomens:
Bom dia, Pimenta Rosa, este
contato se deve à sua forma leve e
descontraída de explanar suas
experiências um tanto quanto
peculiar, e a maneira como em
pouco tempo atingiu um número
expressivo de leitores, que são
muito parecidos com os que nos
acompanham. Visto isso, estamos
aqui para convidá-la a participar de
uma entrevista realizada por nós
para os leitores da nossa coluna
virtual semanal. Estamos no
aguardo do seu contato.
Parabéns para mim, agora eu
tinha me lascado de verde e
amarelo.
11
UMA MULHER SEMPRE SERÁ
CAPAZ
DE ENLOUQUECER UM
HOMEM.
SE NÃO FOR POR AMOR,
SERÁ DE #RAIVA
Fiquei olhando a tela do
computador completamente
estarrecida, passei a mão pela mesa
a procura do meu celular sem nunca
desviar o olhar da tela. As palavras
contidas naquele comentário
fizeram meu estômago revirar.
Disquei o número de Cíntia e
toque após toque levaram minha
chamada para a caixa de mensagem.
Eu estava pronta para despejar toda
minha angústia nela, mas ela
simplesmente não atendia.
Bom eu queria dar a ela uma
breve noção do que a esperava,
mas ela que não quis saber.
Portanto, depois não adianta dizer
que eu sou psicótica compulsiva.
Tomei um banho rápido, vesti
uma regata e calça jeans e meu
estiloso conjunto de lingerie bege,
com calcinha “padrão vovó” (só
faltavam babados) e uma sapatilha
confortável, não estava nenhum
pouco a fim de bancar a
“seduzente”.
Liguei para o táxi e enquanto
esperava tentei mais algumas vezes
contato com Cíntia, mas em
nenhuma vez obtive sucesso. Eu já
estava para mandar a mulher
irritante da caixa de mensagem ir
tomar no copo. Por que não poder
ser uma voz masculina e sexy a me
avisar para retornar a ligação? Sem
dúvidas eu ficaria mais tentada a
retornar só para ouvi-lo, mas não,
tinha que ser uma pentelha a ficar
me dizendo o óbvio, que a pessoa
para qual eu liguei não tinha
atendido a ligação.
Produção, fica a dica!
Quando o táxi chegou, eu já
estava quase desistindo de ir. Se
bem que eu não ficaria em paz em
casa olhando para a tela do
computador sem saber o que
responder, ou pior, responder e
tornar tudo ainda mais arriscado
para mim.
Sim, porque se descobrissem
na empresa que eu estava
escrevendo em um blog com mais
de um milhão de acessos, sobre
minha privada e perturbada vida
amorosa, acho que não achariam
tão engraçado quanto as pessoas
que leem os meus trágicos finais de
relacionamentos.
Se eu fosse descoberta
poderia perder o empego, porque
duvido que Murilo fosse gostar de
saber que a sua assistente gosta de
se expor na internet. Tudo bem que
eu não estou realmente me expondo,
porque eu faço tudo pelo
pseudônimo da Pimenta Rosa, e
também, não contando nada que
tenha a ver com o meu lado
profissional. Minha vida pessoal é
minha, certo?
Eu até agora não abri nenhum
dos e-mails enviados pelos meus
ex-namorados. Não sei o que eles
estão achando sobre suas
fantásticas performances, mais cedo
ou mais tarde isso poderia se tornar
algo muito arriscado para mim. Eu
teria que enfrentar essa situação de
uma vez por todas, mas talvez eu
pudesse esperar até decidir se iria
realmente aceitar a proposta para a
entrevista.
E tem outra, se as pessoas à
minha volta descobrissem o que eu
estava fazendo, iria ficar solteira
para o resto da eternidade. Iria
reencarnar e ainda assim ficaria
solteira. Todos os homens ficariam
pensando que seriam parte de uma
nova postagem do blog e se já não
estava bom agora, imaginei como
poderia ficar depois.
Quando o motorista parou na
porta do bar eu já havia pensado
em tantas possibilidades,
desenhado tantos cenários
humilhantes, que eu não estava mais
com medo, estava à beira de um
ataque de pânico.
Sim, porque eu nasci com
medo, hoje em dia eu sou
apavorada. E não havia nada mais
apavorante do que ser descoberta e
humilhada.
Passo por meia dúzia de
bêbados parados na entrada do bar,
infelizmente para mim as sextas de
happy hour começavam cedo e às
dez da noite muitos já estavam mais
para lá do que para cá.
Avisto Cíntia no balcão
preparando coquetéis enquanto
estapeia a mão de um cliente mais
animado.
Sigo direto sem olhar para os
lados e me espremo entre duas
mulheres que gritam por
caipirinhas.
Assim que me vê, ela
arregala os olhos como se não
tivéssemos combinado que eu viria
até aqui. Acho estranho, mas deixo
passar, porque isso não é o mais
importante agora. O importante é
descobrir uma maneira de recusar
aquela entrevista sem levantar
suspeitas e nem deixar margem para
que descubram quem é a Pimenta
Rosa.
Isso seria o meu fim. Perderia
meu emprego, minha paz, e ganharia
um punhado considerável de
vergonha eterna.
— Oi, eu preciso que me
ajude. Vai acontecer uma tragédia e
só você pode me ajudar. — Assim
que começo a falar seus olhos
ficam ainda mais arregalados e ela
faz um biquinho estranho. — O que
é? Eu estou aqui falando que minha
vida está prestes a virar de ponta a
cabeça e você fica aí fazendo
careta.
Ela me olhou duramente e
repetiu o biquinho estranho.
— Você precisa de uma
bebida para relaxar, eu só vou
terminar a caipirinha desse cliente
ao seu lado e já tiro uma pausa para
conversarmos. Agora se acalme,
mulher.
Um alívio me tomou quando
eu ouvi as palavras mágicas
chamadas “pausa” e “conversa”.
Não durou muito, porque o cliente a
quem Cíntia mencionou, era nada
mais, nada menos que Danilo.
— Mas o quê? Espera! O que
está fazendo aqui? Você não tinha
ido embora?
Falo alto porque o barulho da
música e meio mundo de gente
conversando ao mesmo tempo
tornava o lugar complicado para
uma conversa.
— Eu também estou muito
feliz em vê-la, não esperava
encontrá-la aqui. Em todo caso é
uma surpresa muito agradável.
— Deixa de graça, o que
você está fazendo aqui? Você
deveria estar em São Paulo a estas
horas.
Eu não queria parecer
lunática ou ciumenta, porque não
era a ocasião, mas a minha voz saiu
esganiçada e raivosa demais para
dar qualquer outra margem de
interpretação.
— Resolvi aproveitar um
pouco mais a cidade. Tenho amigos
aqui, então é sempre uma
oportunidade de revê-los quando
venho à cidade.
Então ele estava aqui, no bar
da Cíntia por pura coincidência? Eu
devo estar realmente louca, se
comecei a cogitar a hipótese desse
homem ter ficado na cidade por
minha causa. Tudo bem, não custa
sonhar.
— Pelo visto já se conhecem.
Como foi que se conheceram? —
pergunta Cíntia, eu volto meu olhar
para ela que agora está tentando
conter um sorrisinho canalha,
porque ela sabia muito bem de onde
nos conhecíamos. Ela sabia da
história toda, inclusive os detalhes
sórdidos e desconfiava pela cara
que estava fazendo de que ela que
estava tramando alguma coisa. E
para ser sincera, a Cíntia sempre
estava tramando algo quando isso
estava relacionado aos meus
possíveis pretendentes.
— Nos conhecemos na
viagem que fiz a São Paulo. Ele
estava hospedado no mesmo hotel
que eu.
Eu evitei os detalhes para não
criar uma situação ainda mais
constrangedora. Seria ótimo se o
cara com o qual eu estava transando
descobrisse que eu andei por aí,
contando sobre ele para outras
pessoas.
— Então esse é o psicopata
que ficou te perseguindo pela
cidade, tentando abaixar sua
calcinha?
Vergonha minha filha, pode
vir que vou te usar com força de
vontade!
— Eu não disse isso. Cíntia,
pelo amor de Deus, ele vai achar
que eu sou louca.
Não era possível que aquilo
realmente estivesse acontecendo.
Voltei meu olhar para Cíntia que
estava as gargalhadas preparando
mais drinques.
— Você me paga — sussurrei
para não ser ouvida, mas pela
ausência do sorriso eu sabia que
ela havia entendido o meu recado.
— Relaxa, Nanda, o cara
sabe que eu estou de sacanagem.
Mas me conta, o que aconteceu
nessa viagem de tão bacana que
agora ele começou a te perseguir
aqui no Rio?
Vaca de presépio!
E foi então que eu percebi
que os dois estavam de gozação
com a minha cara, porque ambos
estavam gargalhando. Lágrimas se
formavam nos cantos dos olhos de
Danilo e Cíntia estava vermelha
como um pimentão.
— Deve ter sido muito
engraçado ficar me fazendo de
palhaça. Babacas!
— Calma Nanda, eu peguei
esse aí saindo na surdina do nosso
apartamento. Precisava ver a cara
dele quando descobriu que havia
sido pego. Parecia criança que a
mãe pega no flagra.
— Você não me parecia muito
receptiva. Eu apenas não quis pagar
para ver no que daria se eu
começasse a te provocar.
Então ela o tinha visto e não
me falou nada, mas teríamos uma
conversinha mais tarde quando
voltássemos para casa. Por hora ela
poderia se considerar a salvo.
— E por acaso você
descobriu sem querer que este era o
bar dela?
Eu questionei mesmo sem ter
a certeza se gostaria mesmo de
saber a resposta.
— Na verdade não. Sua
amiga me deu o telefone dela,
marcamos de fazer alguma coisa
assim que ela saísse daqui.
Era bom demais para ser
verdade. Eu não tinha mesmo sorte
com homem, mas pelo menos esse
sabia o que estava fazendo. O que
eu não esperava era essa
apunhalada da Cíntia. Logo ela que
estava me infernizando para eu não
perdê-lo de vista.
— Ah que bacana, espero que
se divirtam. Eu vou ao banheiro,
mas ainda preciso falar com você
— disse apontando para Cíntia. —
Tem uma coisa acontecendo, e vou
precisar da sua ajuda.
Quando estava me levantando
para sair, Danilo segurou o meu
braço e falou ao meu ouvido.
— Espero poder me divertir
com você, porque o meu amigo
Flávio vai adorar a sua amiga.
Quem era Flávio no jogo do
bicho que eu não estava sabendo? E
sobre o que eles falaram tanto antes
de eu chegar, que até encontro já
haviam marcado? Eu só saberia se
perguntasse.
— Eu vou querer saber quem
é Flávio, e sobre o que exatamente
conversaram antes de eu chegar.
Não estou gostando nada, nada
desse ar de tramoia entre os dois —
falei baixo com minha boca bem
próxima a orelha dele.
— Tudo bem, eu te conto tudo
no meu quarto. Você vai descobrir.
Eu vou até o banheiro e
quando volto Danilo e Cíntia estão
em uma conversa super animada.
Era incrível observar como ele
havia se encaixado tão depressa na
minha vida. Mas relaxa, eu não me
apaixonei.
— Conversando sobre
Magal?
— O quê?
Ela parecia confusa com o
meu comentário.
— Esse aqui tem um vasto
repertório dos anos oitenta na
memória, de Cher a Sidney Magal
pode perguntar qualquer coisa que
ele deve saber.
— Eu não quero nem
imaginar essa cena.
Danilo se levanta e então se
coloca atrás de mim apoiando as
mãos no balcão forçando seu corpo
contra o meu.
— Você tem alguns minutos
para se despedir da sua amiga.
Quando voltar sairemos daqui.
Não tive tempo para
responder, pois quando me virei ele
já estava seguindo em direção ao
banheiro.
— Então Cíntia, eu preciso
ser rápida. Hoje quando cheguei em
casa e fui dar uma olhada no blog,
me assustei porque tinha mais de
um milhão de visualizações, e uma
proposta.
— Que proposta?
Os olhos dela estavam
arregalados de tanta curiosidade.
— Calma, não é isso que
acho que está pensando. Recebi um
convite para dar uma entrevista
sobre o blog, mas eu não posso
fazer isso, se me descobrirem, eu
estou ferrada. Perco o emprego e a
dignidade de uma vez só. Ninguém
pode saber que eu estou por trás
daquele blog, ninguém.
— Uau, uma entrevista.
Adorei a ideia, mas vamos
conversar sobre isso quando
estivermos em casa, vai que alguém
que não deveria nos ouve. E outra
coisa, é melhor você não deixar
aquele gostoso muito tempo
sozinho, alguma outra vai querer
roubá-lo de você.
— Cíntia, respira e não pira.
Quando vemos em um filme o cara
perto da mocinha ou perseguindo-a,
nunca a deixando sozinha pode
parecer romântico, mas quando é
uma mulher, somos taxadas de
loucas e psicopatas. Então eu não
vou ficar correndo atrás de
ninguém.
— Eu não estou falando de
um tempo futuro meu bem. — Ela
segurou meu queixo me virando em
direção aos sanitários, lugar onde
Danilo tinha ido. — Estou falando
de agora. Se não correr até lá, vai
perder o bofe para aquele
experimento de piriguete.
Eu tentei focar o olhar na
direção em que Danilo estava, era
muito fácil enxergá-lo devido a sua
altura, mas a criatura que estava
tentando se pendurar nele feito
bicho preguiça era muito pequena
para que pudesse ver o rosto, com
tantas pessoas se movimentando
pelo local.
Eu não sei por que fiquei tão
surpresa ao perceber que era a
escrota da Leticia. Como se não
bastasse o Yuri, agora ela queria
abrir as pernas para o Danilo
também.
De certa forma não a
condeno, Danilo era muito gostoso,
mas até segunda ordem era meu.
Levantei-me tão calma e
andei até lá, que eu mesma estava
assustada com a minha
tranquilidade. Em outros tempos eu
teria colocado arsênico na bebida
dela, mas agora eu era uma pessoa
evoluída. Vou colocar o nome dela
em um pen drive cheio de vírus,
porque eu sou tecnológica.
Quando cheguei próximo de
onde eles estavam fui surpreendida
com a voz gelada de Danilo.
— Como eu já disse antes, eu
estou muito bem acompanhado e
não, eu não acho que seria uma boa
troca. Uma mulher como você não
deveria se submeter a uma situação
tão humilhante como essa.
Na cara é mais gostoso!
Danilo, você vai ganhar uma noite e
tanto. Porque se eu estava
cogitando não ir ao seu apartamento
esta noite, depois dessa eu vou com
gosto.
Eu achei que ela fosse se dar
por vencida depois desse tapa na
cara, #sqn, a infeliz continuou a dar
em cima. Eu não podia
simplesmente ir até lá e arrebentar
a cara, porque na segunda todos
saberiam na empresa que eu estava
saindo com Danilo, que por acaso
era presidente do nosso principal
concorrente, e isso poderia me
custar o emprego.
— Mas, eu não estou te
oferecendo uma troca, estou falando
que eu posso ir junto. Eu não me
importo em dividir.
— Isso eu já percebi, mas a
grande questão é que eu não
aprecio esse tipo de coisa. Mas,
garanto que deva encontrar o que
procura esta noite, há muitos
homens que se sentiriam muito
interessados em sua proposta.
A melhor parte em assistir a
tudo, foi vê-lo se desprender dos
braços dela e sair sem dar a
oportunidade de uma réplica.
Corri em direção ao balcão e
pedi para Cíntia que informasse a
ele que eu o estaria esperando do
lado de fora, um pouco mais a
diante, pois não podíamos ser
vistos juntos.
Peguei a bolsa e sai o mais
rápido que pude, tentando não ser
vista por ninguém. E fui direto para
fora.
Fiquei ali alguns minutos,
pensei em voltar para verificar se
Danilo não havia sido atacado outra
vez, mas quando me virei o avistei
vindo em minha direção com um
largo sorriso no rosto.
— Achei que fosse precisar
sair por aí te procurando outra vez.
— E eu achei que fosse
chegar aqui com um pedaço a
menos.
Sorri tentando disfarçar a
minha irritação com a possibilidade
de alguém agarrá-lo lá dentro.
Eu nunca fui ciumenta ou
qualquer coisa do gênero, e acho
que por isso já fui corna algumas
vezes.
Andamos algumas quadras
até encontrarmos um ponto de táxi.
A conversa estava tão boa que nem
percebemos o quanto nos
distanciamos do bar.
— Mas me fala, o que o fez
ficar no Rio se já havia comprado
passagem para voltar. Pelo menos
foi isso o que me disse.
Será que ele estava tentando
me dar um perdido. Está louca,
Fernanda? Só leva perdido quem
está em um relacionamento, então
não endoida com isso.
— Eu realmente estava de
partida hoje, mas o tempo em São
Paulo estava péssimo e meu voo foi
cancelado. Resolvi ligar para um
amigo que mora aqui e
programamos de sair para tomar
alguma coisa, em seguida entrei em
contato com a companhia aérea que
alterou minha passagem para o
domingo. E aqui estou.
— Isso me parece bom. Mas,
eu me lembro de ter mencionando
um amigo para apresentar a minha
amiga.
— Sim, o Flávio. Ele é muito
bacana, mas eu não estou muito a
fim de ficar aqui falando sobre um
marmanjo quando eu posso
aproveitar a companhia de uma
mulher interessante.
— Agora eu vi vantagem.
Assim que chegamos ao
hotel, seguimos direto para o quarto
e essa era a noite das surpresas,
porque Danilo não arrancou a
minha roupa para começarmos a
transar. Nós conversamos por
algum tempo.
Ele me falou sobre seus
quatro amigos: Flávio, Lucas,
Eduardo e Pedro.
Flávio, pelo o que eu entendi,
era a diversão do grupo. Todas as
histórias com ele sempre acabavam
em boas gargalhadas. Conheceram-
se na faculdade e desde aquela
época são amigos.
Lucas, era primo de Danilo,
apesar da pouca idade sempre foi
muito responsável — palavras de
Danilo — e por isso nunca viram
problemas para inclui-lo, e permitir
que ele frequentasse os mesmos
locais que eles.
Eduardo, havia se casado
muito cedo porque sua namorada da
época da escola havia engravidado,
mas por serem dois adolescentes
inconsequentes o casamento não
durou muito. Hoje ele é um galinha
de marca maior.
E por fim, ele me falou sobre
Pedro. E foi de todas as histórias, a
que mais me surpreendeu. Ele era
cadeirante, mas nenhum dos amigos
o tratava diferente ou dava qualquer
“moleza”, até porque ele não queria
isso. Era totalmente imperativo
para Pedro que não houvesse
nenhuma distinção entre ele e os
outros.
Depois de conhecer um
pouco mais sobre os amigos de
Danilo, ele também quis saber
como eu havia conhecido Cíntia e
se além dela eu tinha mais amigos.
Era tão estranho ter uma
conversa tão íntima, em tão pouco
tempo que havíamos nos
conhecidos, mas eu estava
gostando.
Protelei sobre contar como eu
realmente havia conhecido a Cíntia,
mas essa era uma informação que
ele poderia obter com mais
facilidade do que eu obtive as dele.
Contei sobre Cíntia e Vivi, de
como as havia conhecido e acabei
falando tanto que já estava muito
tarde quando chegamos à parte a
que eu estava realmente interessada
naquela noite, eu só havia me
esquecido de um detalhe: a minha
calcinha “padrão vovó”.
Droga, eu tinha que encontrar
uma forma de distraí-lo para me
livrar daquele paraquedas. Mas,
era uma calcinha tão confortável,
tão confortável que me esqueci
completamente dela.
Tentei puxar assunto sobre os
amigos outra vez. Não funcionou.
Tentei falar sobre as minhas
amigas. Não funcionou
Tentei falar sobre a festa de
quinta-feira. Não funcionou.
Falei até sobre uma cachorra
que eu tinha quando criança e
corria para os lados e nunca para
frente. A coitada ia de uma parede a
outra até chegar onde queria. E
adivinhe? Não funcionou.
— Estou percebendo certa
resistência que não existia há
poucos minutos. Posso saber o
motivo?
Eu tinha duas possibilidades,
deixar que ele me visse com aquela
calçola bege, ou pensar rápido e
inventar uma boa desculpa para
diminuir a sua capacidade de
enxergar.
Olhei em volta e achei o
interruptor, me levantei da cama
desligando tudo, exceto por um
abajur que estava ao lado da cama.
— Preciso de um minuto. Eu
já volto.
Corri para o banheiro,
arranquei as roupas e me enrolei
em uma toalha. Era o melhor que
podia ser feito por hora. Deixei as
roupas por lá mesmo e voltei para o
quarto.
Assim que parei em frente à
cama, Danilo me olhou e logo um
sorriso muito safado tomou conta
do seu rosto. Tão safado que
minhas pernas tremeram no mesmo
instante.
— Eu posso afirmar sem
nenhuma preocupação que vou
adorar descobrir o que há por baixo
dessa toalha.
De todas as técnicas sexuais
de que eu já havia ouvido falar,
acho que aprendi algumas das quais
nunca me haviam sido
mencionadas.
A noite deu lugar a bela
manhã comigo completamente
satisfeita e orgasticamente feliz.
Uma informação que todo
homem precisa levar em
consideração: “Orgasmo é
importante, meus queridos”.
Quando despertei e não o vi
ao lado na cama, pensei que talvez
pudesse ter saído do quarto, mas o
pavor me acordou de uma só vez
quando barulhos dentro do banheiro
começaram a ecoar dentro do
quarto.
O maldito conjunto bege
estava lá dentro. Eu não sabia se
corria para lá e interrompia o que
quer que fosse que Danilo estava
fazendo, ou se aceitava o fato de
que não adiantou nada minha jogada
de ontem, se não acordei mais
cedo.
Já era tarde para fazer
qualquer coisa. Danilo estava
saindo do banheiro com minhas
roupas em uma mão e girando no
indicador da outra mão a bendita
calçola.
— Sabe quão sexy é isso?
Droga, eu não podia rir, mas
quando percebi já estava às
gargalhadas. Essas merdas só
comigo!
12
EXISTE UMA GRANDE
DIFERENÇA
ENTRE AMOR, PAIXÃO E
#FOGO NO RABO!
Deve existir alguma força
superior resignada a me ferrar, só
pode!
Eu tinha absoluta certeza que
não iria transar na noite anterior,
por isso sai de casa “confortável”,
mas o fogo no rabo infinito me
domina sempre que Danilo sussurra
qualquer coisa em meu ouvido.
Vê-lo sair do banheiro com
aquele paraquedas rodopiando no
dedo me fez ter uma experiência de
quase morte.
Porque sim, é possível
morrer de vergonha. Literalmente.
— Essa eu vou guardar. Quer
prova maior de que eu sou
irresistível, do que passar a noite
comigo usando calcinha bege? E eu
não vou nem falar no design.
— Cala a boca, seu panaca
convencido, e pode ir passando
para cá minha calcinha.
— Tem noção de quantos
desabrigados poderiam ter um teto
sobre suas cabeças se resolvesse
esticar isso aqui?
Levantei-me da cama sem me
importar de ainda estar nua e haver
luz suficiente para que ele tivesse
uma bela visão das minhas
celulites, estrias, e gordurinhas
indesejadas, mas era melhor que
permanecer naquele círculo vicioso
de vergonha e constrangimento.
Danilo esticou o braço no
alto da cabeça, deixando minhas
roupas caírem aos seus pés,
impedindo assim que eu alcançasse
a maldita calçola. E por mais que
eu pulasse e me esticasse toda, eu
não conseguia alcançar aquele
troço bege gigante, porque ele
ficava mudando de uma mão para a
outra, às gargalhadas.
Tudo bem, já que não ia
conseguir mesmo arrancar aquilo
das mãos dele por bem, eu teria que
encontrar outra maneira. Arranhei
levemente suas costas e beijei seu
pescoço, então ele cedeu, se
abaixando para me beijar e
passando os braços em volta da
minha cintura. Quando senti o
tecido encostar na minha coxa
esquerda, deslizei a mão para o
final das suas costas e o provoquei
um pouco mais mordendo seu lábio
e pressionando ainda mais meu
corpo ao seu.
Enfim, alcancei a maldita
calçola me afastando dele
completamente, correndo para o
banheiro. Quando ele percebeu o
que eu havia feito, já era tarde
demais, estava com minhas roupas
na mão, o dedo médio bem esticado
em sua direção e um sorriso sacana
no rosto que pôde ser visto antes
que eu fechasse a porta.
Refresquei-me rapidinho,
pois haviam muitas coisas para
serem resolvidas e eu precisaria da
ajuda de Cíntia, antes que Danilo
me levasse para o temido encontro
com seus amigos.
Quando sai do banheiro, já
vestida e com o cabelo
parcialmente domado, e quando
falo parcialmente, quero dizer
preso em um coque dos anos trinta.
Comecei a procurar pelas
minhas sapatilhas, mas não estavam
em lugar nenhum. Não estavam
debaixo da cama, ou no banheiro,
ou perto da porta, nem no armário.
— Droga, onde estão meus
sapatos? Você os viu em algum
lugar?
— Estão ao lado da bancada.
Calcei as benditas e me
despedi de Danilo. Comprometi-me
a ligar no final da tarde para
descobrir aonde iríamos nos
encontrar, porque por mais que ele
insistisse em me buscar eu preferia
não ter alguém tomando chá de
cadeira na sala enquanto eu surtava
com meu guarda-roupa.
Deixamos o quarto e nos
despedimos. Danilo iria se
encontrar com seus amigos e eu
faria isso mais tarde, agora eu tinha
que resolver o problema da
entrevista.
O apartamento estava em
silêncio, a porta do quarto de Cíntia
estava fechada. Bati algumas vezes,
mas não ouvi nada do outro lado,
girei a maçaneta só para confirmar
que ela não estava em casa.
Olhei o celular e havia duas
mensagens de voz, que eram dela.
Uma era apenas frases desconexas,
já que provavelmente não tinha se
dado conta de que tinha sido
encaminhada para a caixa postal, e
a outra era para me avisar que não
voltaria para casa aquela noite,
pois o “talvez” namorado havia
passado no bar para buscá-la.
Parecia que a coisa estava mesmo
ficando séria entre eles, o que era
muito bom, porque ela merecia
alguém bacana.
Precisava encontrar alguma
coisa que me mantivesse distante
do computador, mais precisamente
de uma certa mensagem no blog.
Entrei no meu quarto e fui
direto para a gaveta de calcinhas do
meu armário. Retirei de lá todo o
arsenal de calçolas “padrão vovó”.
Já diz o ditado, o hábito faz o
monge, e vergonha por esse motivo
eu não passava mais. Algumas
estavam pedindo aposentadoria há
algum tempo.
Contei até a décima sétima,
depois desse número era muita
humilhação continuar, então
coloquei todas em um saco. Eu
precisava mesmo me livrar de
muita coisa.
Eu não tinha tempo para
organizar todo o meu armário, mas
de algumas coisas eu precisaria
mesmo me desfazer urgentemente e
um exemplo claro eram meus looks
mendiga casual, boneca velha e
faxineira sexy.
Tinham muitos assim ali,
abarrotando o pequeno espaço.
Roupas, acessórios, e muitas outras
tralhas, que nem sabia que ainda
guardava.
Foi quando me deparei com a
minha camisola mais surrada, por
ser a mais gostosinha de dormir, e
que foi carinhosamente apelidada
por um dos meus ex-namorados
como, “pano de pia”.
Carlos era um “ser
apressadinho”, (até os dias atuais
não sei como classificá-lo) que não
conseguia ir muito além de uns
amassos.
Certa vez estávamos
progredindo para algo mais
significativo, quando ele me pediu
cinco minutos para poder se
controlar. Eu até achei bonitinha a
intenção, mas dois minutos depois
ele havia perdido o controle
totalmente e gozado ainda vestindo
as calças.
Na hora eu quis enfiar minha
mão no centro da cara dele, porque
eu sempre acabava frustrada e
cheia de tesão mal resolvido, era
de lascar. Se eu ainda estivesse
criando uma vaca, um cavalo, ou
até mesmo uma cabra ainda ia, mas
eu estava me relacionando com uma
pessoa. Pelo menos era o que eu
achava.
Ele sempre insistia em me
fazer sexo oral, mas a língua dele
era tão ou mais apressadinha que
seu membro e para não jogar ele da
sacada, recusava sempre com uma
desculpa de que não estava mais no
clima, e ficava ali ao seu lado
esperando que ele terminasse de se
limpar, enquanto eu iria precisar de
muita imaginação, leveza nos dedos
e força no braço.
Agora, quem diz que isso não
é motivo para se terminar um
relacionamento, não sabe o que
foram as minhas noites, e o medo
insistente de acabar com um braço
mais musculoso.
Eu estava vivendo um
inferno!
Nunca, mas nunca mesmo
saiamos do sofá. Ele nunca
conheceu meu quarto, por falta de
oportunidade mesmo. Era assim ele
tinha seus cinco minutos e depois ia
embora com uma desculpa
esfarrapada, mas eu preferia assim,
me evitava a necessidade de
inventar uma história para fazê-lo
sair da minha frente.
Me lembro de uma vez que
quase consegui chegar lá também,
mas pior do que nem estar perto
disso, é bater na trave. Fica aquela
sensação de final de partida, mas
por W.O.
Eu não conseguiria levar
aquela situação por mais tempo, e
no dia que eu estava pronta para
dar adeus as minhas quase gozadas
fixas, ele me mandou uma
mensagem terminando tudo. Eu não
consegui ficar triste, ou mesmo
revoltada, eu estava tão feliz que
poderia perder o dedinho na quina
do sofá, que isso não faria minha
gargalhada cessar. Sim, por que o
primeiro palavrão, certamente, foi
inventado assim que o dedinho do
pé do homem teve o seu primeiro
contato com alguma quina, seja de
mesa, cadeira, sofá, não importa.
Só o que importa de verdade nesse
momento, é a variedade de
palavrões que você conhece.
Pensar em Carlos fez eu me
lembrar que estava à beira de uma
catástrofe e que a única pessoa com
a qual eu poderia contar naquele
momento não estava acessível.
Peguei o celular na pilha de
moletons, camisola de flanela e
disquei para Cíntia. O telefone
chamou duas vezes até que a voz
irritadiça e já conhecida estourasse
meus tímpanos.
— Onde é o incêndio?
Porque daqui eu não vejo nem a
fumaça.
— O incêndio é na minha
vida. Não sei se você se lembra,
mas eu fiz uma cagada majestosa
criando um blog e agora querem
que eu apareça e dê uma entrevista.
Assim já está bom para você ou
precisa rolar sangue?
— Merda! Tinha me
esquecido desse pequeno detalhe.
Em meia hora estou aí. Agora, você
me deve, por me fazer acordar a
essa hora e deixar um homem nu e
gostoso sozinho na cama.
— Então estamos quites, já
que eu sempre sou a escolhida para
ir ao mercado.
— Uma labareda de cada
vez. Droga, onde está minha
calcinha?
Foi a última coisa que ouvi
antes dela desligar, educadamente,
o telefone na minha cara.
Decidi que não ligaria o
computador até que Cíntia
chegasse. Eu não iria ficar surtando
e enchendo minha cabeça com
suposições mirabolantes que só
faziam sentido para mim.
Era toda uma teoria da
conspiração, em que eu acabava
demitida, falida e solteirona. Em
qualquer situação em que me
colocava o final não era nada bom.
Meia hora depois, Cíntia
estava em casa com um enorme
copo de café já vazio nas mãos.
— Pronta para descobrir o
que querem com a famosa Pimenta
Rosa?
— Nenhum pouco, mas é
melhor que eu descubra o que eles
querem comigo do que saberem
minha verdadeira identidade.
— Tudo bem, Batman, vamos
dar um jeito.
Sorri porque era melhor do
que ficar doida de uma vez.
Enquanto ela passava um pente fino
buscando se haviam novas
mensagens do mesmo remetente,
entre as muitas que haviam se
acumulado em menos de vinte e
quatro horas eu analisava alguns
comentários superficialmente.
Alguns queriam conselhos sobre
suas vidas, como se eu fosse boa
nisso. Afinal, no blog eu narrava as
minhas confusões amorosas e não
finais felizes. Outros opinavam
sobre como eu deveria agir nos
meus relacionamentos futuros,
sobre como eu deveria me impor
mais. Ou seja, praticamente um
livro de autoajuda, só que uma
edição especial feita para mim.
Quando finalmente ela chegou
ao último comentário, percebemos
que não havia mais nenhuma
postagem e voltamos para a tão
temida mensagem/proposta.
@falandosobrehomens:
Bom dia Pimenta Rosa, este contato
se deve à sua forma leve e
descontraída de explanar suas
experiências um tanto quanto
peculiar, e a maneira como em
pouco tempo atingiu um número
expressivo de leitores, que são
muito parecidos com os que nos
acompanham. Visto isso, estamos
aqui para convidá-la a participar de
uma entrevista realizada por nós,
para os leitores da nossa coluna
virtual semanal. Estamos no
aguardo do seu contato.

E lá estava ela, a mensagem


que despigmentava meus fios de
cabelo, pelo menos os que ainda
permaneciam firmes e fortes
agarrados ao meu couro cabeludo.
Cíntia ficou alguns segundos
olhando para a tela do computador,
até que se virou na minha direção.
— Era só por isso que você
estava nesse chilique todo? Meu
sexo foi interrompido por isso?
— Eu acho que você ainda
não pegou o espírito da coisa toda.
Já cogitou a possibilidade de que
eu possa perder o meu emprego e
de quebra ter todos os meus ex
batendo na minha porta, com o
envelope de um processo por
exposição?
— Primeiro, respira e não
pira! Segundo, a empresa tem
controle sobre você em horário
comercial, fora dela é uma pessoa
livre que pode fazer o que bem
entender. E terceiro, e não menos
importante, nenhum dos seus ex-
namorados vão aparecer na sua
porta porque nenhum deles teve a
identidade revelada, assim como
você, todos eles foram
apresentados nos seus contos com
outros nomes. Então não banca a
louca e vamos descobrir o que eles
querem.
Ela clicou em responder e
começou a digitar. Parecia tudo tão
simples e tão fácil com ela ali
tomando decisões que não lhe
custariam nenhum fio de cabelo do
fundilho.
@pimentarosa: Olá
@falandodehomens, eu fico
lisonjeada com a proposta que me
fizeram, mas antes que eu possa
responder afirmativa ou
negativamente precisaremos definir
algumas questões.
Para qual finalidade se propõe esta
entrevista? De que forma se dará a
mesma, e em que formato pretende
obtê-la? Fico no aguardo destas
informações para iniciarmos uma
conversa. Beijos ardidos, Pimenta
Rosa!

Esperamos algum tempo e


nenhuma resposta apareceu na tela.
— Quer saber, eu não vou
ficar louca dentro da roupa, presa
dentro de casa esperando por uma
resposta, de alguém que pode muito
bem só estar curtindo com a minha
cara.
— Espera, é melhor darmos
uma olhadinha nesse blog, site, ou o
que quer que seja, para
descobrirmos o que eles são, e o
que pretendem. Não vai levar muito
tempo e teremos uma luz do que
está acontecendo.
— Tudo bem, faça como
achar melhor. Eu vou me trocar e
dar um jeito nesse cabelo para me
encontrar com Danilo e os amigos
dele. Bem que você podia vir junto.
— Por acaso está tentando
dividir seu constrangimento
comigo?
— Claro, até porque nossa
amizade não foi construída embaixo
de uma carroça. Agora se arruma e
vamos sair.
Vinte minutos de pesquisa na
internet foi o bastante para que
Cíntia descobrisse que a mensagem
enviada era de um conceituado site
de conteúdo adulto, voltado para o
público feminino.
E por mais que parecesse
loucura, ter aquelas informações me
deixava mais tranquila, sabendo
que tudo não passava de uma
simples coincidência e que a
proposta realmente se tratava de
puro interesse comercial.
Coloquei shorts, regata e
rasteirinha, pois o calor estava
“Saaramente” insuportável. Cíntia
usava saia e uma blusinha verde
quase transparente que realçava a
cor dos seus olhos.
— Quanto à proposta que
recebeu, caso não haja escapatória
eu assumo a culpa e fica tudo bem.
Não tenho chefe pentelho para
azucrinar minha vida e nem devo
satisfações a ninguém. Então relaxa
e aproveita o seu final de semana,
porque um homem lindo daqueles e
que ainda por cima consegue te
deixar “felizinha”, você não acha
mais.
— Faria mesmo isso?
— Claro, porque nossa
amizade não aconteceu debaixo de
um burro.
— É de uma carroça, mas
tudo bem eu entendi.
Ri da cara dela, na cara dela.
Quando ela tentava reproduzir
minhas frases, era certo que não
funcionaria.
Liguei para Danilo avisando
que estávamos de saída e que logo
os encontraríamos. As gargalhadas
ao fundo e vozes de homens falando
palavrões, indicava que tudo estava
indo muito bem.
Quando chegamos ao que
parecia ser um clube, estacionei o
carro e enviei uma mensagem
rápida para avisá-lo. Não demorou
até que ele aparecesse para nos
encontrar. Me deu um beijo
demorado, o que causou uma
repentina tosse em Cíntia.
— Vou avisando que aqueles
imbecis estão bebendo há algum
tempo. Se disserem qualquer
idiotice, não hesitem em responder
à altura, vão deixá-los mais à
vontade do que constrangidos. Se
bem que nem é preciso dizer isso às
duas línguas mais afiadas do Rio de
Janeiro.
— Muito divertido você,
agora vamos antes que eu desista.
Cíntia foi andando na nossa
frente, como se soubesse para onde
ir. Danilo me provocava como
podia, sussurrando em meu ouvido
algumas indecências ou apalpando
meu traseiro. Meu dia estava
ficando consideravelmente melhor.
Os garotos, que já não eram
tão garotos assim, estavam sentados
em volta de uma mesa com garrafas
de cerveja nas mãos. Olhavam para
cada uma das mulheres que
passava, muitas retribuíam as
cantadas baratas com sorrisos
cínicos, o que gerava uma
sequência de socos nos ombros e
comentários nada elogiosos.
Danilo nos apresentou,
colocando mais uma cadeira em
volta da mesa, que foi ocupada por
Cíntia tão rápido quanto fora
colocada ali.
Uma hora depois ela estava
totalmente à vontade e conversava
com todos como se já os
conhecesse há muito tempo. Todos,
sem exceção, eram divertidos,
inteligentes e sabiam como ninguém
o que se podia e o que não se
deveria falar na presença de uma
mulher.
— Então Fernanda, quais são
as suas intenções com o meu
amigo?
— Intenções?
— Estamos todos esperando
que sejam as piores. Esse garoto
precisa tirar o atraso.
Falando isso ele caiu na
gargalhada. Eu olhei imediatamente
para Cíntia que estava prestes a
concordar com ele a meu respeito
e, por enquanto, era melhor deixar
apenas Danilo queimando na roda.
— Meninos, se nos dão
licença, precisamos ir ao toalete.
Se comportem até voltarmos.
— Mulher sempre vai ao
banheiro em grupo, e é nessas horas
que as piores vinganças são
tramadas, guerras articuladas e
catástrofes acontecem — Flávio
disse em tom zombeteiro, e logo
todos caíram na gargalhada.
— Você está fazendo mau
juízo de nós duas. Nunca fizemos
nada disso, mas para tudo há uma
primeira vez — Cíntia disse
enquanto se levantava.
— Não falei, mulher só
precisa de uma oportunidade.
Danilo me puxou para um
beijo antes que eu seguisse com
Cíntia para o banheiro. E Flávio
começou a narrar o beijo. Só podia
ser mesmo ele, debochado.
— E ele mete a mão nos
cabelos, segura com força, passa
mão pelo braço esquerdo, agora
pelo direito, coloca na cintura, olha
no fundo dos olhos e beijou. A
torcida vai à loucura, todo mundo
vibra e comemora.
Quando percebi estava
sorrindo e Danilo também, não
conseguimos sequer dar um selinho
depois da palhaçada de Flávio, mas
ia ter volta, ele não perderia nada
por esperar.
Quando chegamos ao
banheiro, Cíntia estava com aquela
cara de quem estava prestes a
aprontar, eu só não sabia o quê. E
essa era a parte que mais me
deixava preocupada.
— O que você vai aprontar,
Cíntia? Pelo amor de Deus, deixe
passar só hoje, eu estou
implorando.
— Eu não vou fazer nada.
Agora o que foi que você fez com
esse homem que ele não tira os
olhos de você, os olhos e as mãos
também. Eu estava sentindo a
ereção dele da minha cadeira, por
isso precisava sair, vai que estou
ovulando.
— Palhaça. Eu não fiz nada,
só dei o melhor de mim.
— Claro, a xoxota! Sempre
ela.
Agora ela estava às
gargalhadas dentro do banheiro e eu
também. Tudo estava indo muito
bem até que ela percebeu que já
estava quase na hora de abrir o bar,
e sendo um sábado o movimento
começava mais cedo.
— Amada, eu preciso ir, hoje
começa cedo e eu preciso organizar
a bagunça de ontem ainda.
— Tudo bem, eu te ajudo.
— Não mesmo, nem tente
escapar, até porque eu duvido muito
que o bofe vá te deixar sair de
fininho daqui. E outra, os amigos
dele são maravilhosos, divertidos e
muito gentis. Portanto, fique aí, eu
me viro.
— De forma alguma, eu vou e
pronto.
Quando voltamos, Eduardo e
Lucas estavam comentando sobre o
divórcio. Lucas era advogado e
responsável pela tramitação da
separação entre Eduardo e Anita,
sua ex-mulher. E pelo que eu
entendi, ela não era nada fácil, e
para completar, ele não era flor que
se cheirasse.
— Os papéis já foram
entregues, precisamos aguardar até
que o advogado dela entre em
contato conosco, mas hoje não
estou trabalhando e nem a fim de
cobrar hora extra de bêbado. Vamos
encontrar um lugar para ir à noite,
porque esse senhor de idade aqui
precisa desenferrujar.
— Vá se ferrar, Lucas. Nem
saiu das fraldas está bancando o
homem.
Quando eles perceberam a
nossa presença, já tínhamos ouvido
um pouco demais, mas eles não
estavam nenhum pouco
preocupados. Puxaram as cadeiras
novamente nos convidando a sentar.
— Pedro, seu folgado, dá
uma fricção nessa cadeira e vai
pegar umas cervejas.
— Eu posso não sentir as
pernas, mas os braços eu sinto e
muito bem seu folgado. Te encho de
porrada.
— Isso eu estou vendo, agora
muito cuidado, porque o braço
direito está ficando maior que o
esquerdo. Reveza nos exercícios
íntimos, viu?!
— Vai se ferrar.
Enquanto Pedro se afastava
para ir em direção ao cooler e
pegar uma nova rodada de cerveja,
informamos que estávamos de saída
porque Cíntia precisava abrir o bar,
mas que antes precisaria organizar
tudo, e levaria algum tempo.
— Não deve ter tanta coisa
para se fazer em um bar que leve
três horas, ainda está cedo. E mais
uma coisa, daqui há uma hora
saímos todos e te ajudamos a
organizar tudo por lá e você paga
as nossas bebidas da noite —
Eduardo falava enquanto olhava
para mim e de volta para Cíntia,
talvez estivesse querendo evitar
que escapássemos da proposta.
— Fechado, mas bebam
como ladies, ou eu vou à falência.
— Hoje em dia tem muita
ladie bebendo igual ao pai, você
tem certeza que é isso mesmo o que
quer?
— Pensando bem, é melhor
eu mudar a estratégia. Bebam como
se fossem pagar a conta.
— Olha moça, é melhor parar
de dar sugestões, porque a conta
nunca foi uma preocupação. —
Agora era Lucas quem estava rindo
e falando.
— Tudo bem, bebam como se
tivessem marcado encontro com
uma mulher de voz grossa e 1,90 de
altura.
— É, nesse caso a pessoa
precisa mesmo ficar sóbria. Olha
só o que deu com o Ronaldo.
Todos gargalhamos com a
lembrança do momento vergonha
alheia com esse caso.
Pedro já estava de volta à
mesa. Ele abriu uma das cervejas e
serviu primeiro a Cíntia, que
começou a ficar sem graça e levou
a garrafa aos lábios tentando
disfarçar o vermelho de suas
bochechas.
— Caralho, mas você é
mesmo um escroto filha da puta. Já
está furando meu olho outra vez? —
As palavras eram duras, mas Flávio
estava gargalhando e dessa vez foi
Pedro que começou a ficar
envergonhado.
Como assim eles estavam
interessados um no outro e eu nem
tinha percebido?
— Esse corno era atleta,
sofreu um acidente nas férias
enquanto esquiava. Acordou duas
semanas depois do acidente, quase
leva a gente junto no susto. Esse
viado só não morreu, porque não
tinha certeza se alma transava ou
precisavam viver em celibato?
Realmente o Flávio era
impossível, minhas bochechas e
minha barriga doíam. Eu já estava
sem ar quando percebi que todos
estavam me olhando como se eu
fosse louca. Mas, como eles
podiam não estar sorrindo quando
Flávio era tão idiota.
— Ah, pelo amor de Gerry
Adriane, vai dizer que ninguém
achou graça?
E o feitiço tinha virado contra
o feiticeiro. Agora todos estavam
rindo, só que de mim.
13
GOSTO,
NÃO NEGO.
DEMOSNTRO
#SE EU QUISER!
Fomos em direção ao
estacionamento e paramos diante de
dois carros, um deles adaptado, o
que indicava ser o carro de Pedro.
A cada momento ficava mais
impressionada com a sua
independência, e a forma como
conduzia tudo. Não que tivesse
alguma relevância, mas nunca me
senti tão à vontade perto de algum
portador de necessidades especiais,
como me sentia com ele.
Completamente espontâneo e
seguro de suas ações ele não se
intimidava diante de pessoas
“normais” em torno dele, e os
garotos não o trataram em nenhum
momento com distinção.
Ele deu a volta no carro e
abriu a porta convidando Cíntia
para seguir com ele. Flávio até
tentou bancar o engraçadinho, mas
o olhar direto de Pedro foi o
bastante para que ele entendesse o
recado e andasse em direção ao
outro carro, no caso o meu.
Cíntia seguiu com Pedro.
Enquanto eu, Danilo, Flávio,
Eduardo e Lucas, que logo foi
tecendo comentários, seguimos para
o outro carro.
— Cara você dirige e sua...
— Ele levou a mão à cabeça sem
jeito, por não saber como me
denominar. — A Fernanda senta na
frente com você, porque nenhum de
nós vai ficar de vela.
— Por mim está perfeito.
Danilo se posicionou ao lado
da porta do passageiro para abri-la
para mim, enquanto os três
discutiam para ver quem ficaria nas
janelas.
— Crianças perdem feio para
vocês, não é mesmo? — disse
entrando no carro.
Quando chegamos ao bar,
mais parecia uma zona de guerra do
que um estabelecimento comercial.
As mesas tinham sido colocadas de
qualquer jeito, só para que se
conseguisse fechar a porta.
Estava tudo indo muito bem,
os garotos organizaram o salão tão
rápido quanto o limparam, enquanto
eu e Cíntia limpávamos e
organizávamos as bebidas atrás do
balcão. Na cozinha, Nayran e
Antony colocavam tudo em ordem.
Nayran e Antony estavam
trabalhando com Cíntia desde que
ela havia comprado o bar.
Ela foi a primeira a chegar
para as entrevistas e era muito
determinada, ele por outro lado, era
extrovertido e se ofereceu para
ajudá-la na primeira noite quando
tudo ainda parecia confuso. Certo
que as intenções dele não eram as
melhores ou mais abnegadas, mas
mesmo assim foi sua salvação.
— Posso falar que estou
impressionado com a disposição de
tudo por aqui, é muito fácil para eu
ter acesso a tudo sem precisar da
ajuda de ninguém para arrastar
cadeiras, tirar mesas do lugar.
Pedro parecia encantado, mas
a verdade é que o antigo dono do
lugar era cadeirante e todas as
plataformas de acesso e adaptações
tinham sido feitas quando ele
comprou o local. Era fato que a
disposição de tudo reduzia a
quantidade de mesas e, portanto, a
quantidade de clientes, mas os
clientes sempre elogiavam o local e
por esse motivo Cíntia não havia
mexido em nada.
— É muito complicado
quando você quer sair de casa e o
único local em que te colocam é
quase na entrada do banheiro. —
Pedro disse parecendo chateado.
Estava quase tudo pronto
quando os clientes começaram a
chegar, e meia hora depois tudo
tinha se transformado em uma
verdadeira Sodoma e Gomorra.
Apesar do tumulto aparente,
tudo estava transcorrendo bem. As
mesas estavam sendo atendidas sem
demora e os clientes pareciam estar
realmente dispostos a comemorar, o
que era muito bom para os negócios
de Cíntia.
Tudo estava indo muito bem
para ser verdade, quando avistei
Leticia acompanhada de Yuri e
mais duas pessoas. Eles se
sentaram em uma mesa mais
afastada, o que me daria tempo para
encontrar uma desculpa e me
retirar.
— Meninos, eu preciso
ajudar a Cíntia um pouco, parece
que hoje o dia promete. Eu volto
assim que estiver mais tranquilo, e
já trago mais uma rodada de
cerveja.
Essa foi a melhor desculpa,
pois o bar estava cheio e o
movimento alucinante.
Fui em direção ao balcão e
me esgueirei até estar ao lado de
Cíntia.
— Viu quem chegou?
— Muita gente chegou, dá
para ser mais específica?
— A escrota da estagiária e o
meu ex do trabalho.
— E por que você está aqui e
não ao lado do homem espetacular
e seus amigos gatos?
— Porque eu não sei se você
se lembra, mas essa nojenta está
tentando encontrar uma maneira de
me fazer surtar e ficar com tudo o
que é meu.
— Saia daqui, volte para a
mesa e deixe de ser perturbada.
Fernanda, você está dando muita
importância para quem não merece
e deixando de aproveitar algo bom
que está acontecendo na sua vida.
Agora vá, saia daqui!
— Você está certa. E quando
vai parar e se sentar conosco?
Acho que o Pedro está interessado
em você — disse sorrindo enquanto
entregava uma cerveja a um cliente
pra lá de alto.
Estava voltando para a mesa
quando minha bexiga reclamou
atenção e depois de tanta bebida,
era preciso dar uma assistência.
Quando ia abrindo a porta do
banheiro, um corpo pressionou o
meu para dentro e uma mão cobria
minha boca me impedindo de gritar.
Em seguida o clique da porta sendo
fechada fez meu corpo inteiro
travar.
— Não precisa gritar, a não
ser que seja de puro prazer.
Ao me virar o rosto familiar
de Yuri me deixou tranquila e
furiosa ao mesmo tempo. Era muito
descaramento da parte dele, depois
do que me fez, agora vir com esse
papinho furado de “só se for de
puro prazer”.
Dei um passo para o lado,
destravei a porta e saí dali, mas
como sorte era algo que eu não
tinha — e olha que nem precisava
de biscoitinho chinês para saber
disso — me deparei com Danilo
parado bem na minha frente.
— Algum problema por aqui?
— Não. Nenhum, problema.
O Yuri se enganou de porta e
acabou parando aqui, mas ele já
descobriu onde é o lugar para ele e
já estava de saída. Mas, se você
quiser entrar e me fazer companhia
eu não vou achar ruim.
Encaixando o indicador no
espaço entre os botões da camiseta
de Danilo o trouxe para dentro sem
muito esforço, enquanto a cara de
Yuri despencava em uma expressão
cheia de decepção.
Não ficamos muito tempo ali
dentro, mas durou o tempo
necessário para me deixar pegando
fogo e louca para ir embora dali.
Infelizmente não seria possível,
antes teríamos de deixar todos em
casa e só depois poderíamos seguir
para o hotel em que ele estava
hospedado.
Quando voltamos para a
mesa, ele com a roupa amassada e
eu com os cabelos bagunçados
todos começaram a rir como
crianças. Eu me senti
envergonhada, mas não deixei
transparecer.
— Procurei você no bar e
você no banheiro e não os encontrei
em nenhum dos dois lugares que
afirmaram que estariam — Flávio
disse apontando o dedo para Danilo
e depois para mim.
— A Fernanda encontrou um
amigo e estávamos conversando,
algum problema, velha curiosa?
— Problema nenhum, agora
eu não sabia que vocês gostavam de
conversar no banheiro. Mas
tranquilo, eu acho a diversidade de
atitudes algo maravilhoso.
Enquanto os dois
conversavam, observei Eduardo ao
longe de papo com uma mulher. Ela
estava de costas, então não podia
dizer se era bonita, mas o corpo era
incrível.
Deu até invejinha, já que a
parte mais firme do meu corpo
eram meus dentes.
Depois dos trinta é tão mais
complicado ter uma conversa e um
pacto sério com a gravidade.
Quando a mulher se virou, lá
estava ela, minha prima Mia. Ou
como costumo chamá-la “a
recicladora dos meus restos”.
Não havia um namorado
sequer que eu apresentasse, que ela
não se fizesse de amiga, a
“divertidona”, a que bebia todas,
que achava uma maravilha as
saídas com os amigos, enquanto eu
ficava em casa feito trouxa,
esperando cheia de amor para dar.
Quando ela percebeu que eu a
estava observando, tratou de vir na
minha direção falando alto o meu
nome e gesticulando feito uma
louca.
— Priminha do meu coração.
Quanta saudade que senti. Garota
você é má, nunca me telefonou ou
me convidou para passar uns dias
com você nessa cidade linda.
Ela estava ainda mais bonita
do que eu me lembrava. Seus
longos cabelos negros estavam
ainda mais formidáveis, seu rosto
ainda tinha o viço dos vinte anos
(vinte e cinco para ser mais exata)
e o corpo era firme como uma
rocha. A vaca nunca fez um
agachamento e eu agora no auge dos
meus 32 não precisava mais malhar,
eu tinha que entregar para Deus e
esperar um milagre mesmo.
Ela estava usando uma blusa
branca regata que deixava as
laterais do sutiã em paetê e a curva
dos seios empinados à mostra. Não
era de se espantar que Eduardo
estivesse feito um cachorro atrás
dela.
A calça jeans escura colada,
ou a vácuo melhor assim dizendo,
marcava suas pernas definidas e
para finalizar uma bota cano longo
de salto, nos braços uma jaqueta
preta de couro com pinos
brilhantes.
Por que essa vaca não podia
estar com om coque bagunçado,
uma calça folgada, uma blusa
rasgada e a maquiagem borrada?
Não, tinha que aparecer igual
a uma modelo do último catálogo
de moda praia verão.
A pessoa quer me foder e
nem convida para um café, traz
flores, chocolates. Já chega com
tudo, nem beija antes.
— O que está fazendo aqui?
— Nossa, eu aqui declarando
a minha saudade e você aí tentando
encontrar uma maneira de se livrar
de mim.
— Eu nunca acreditei em
milagres tão poderosos assim.
Agora o que veio fazer aqui?
— Eu estava voltando para
casa depois de um trabalho e tinha
uma escala aqui, mas o voo foi
cancelado por causa do mau tempo
e agora só devo conseguir outro
amanhã no final do dia.
— Você ainda está morando
em São Paulo?
— Estou sim, pelo menos
disso você se lembra, ingrata.
Quem está responsável por
guiar a minha vida em um plano
superior não deve gostar da
função para o qual foi designado,
ou está de férias. Só pode!
— De onde vocês se
conhecem? — Só depois que
Eduardo fez aquela pergunta é que
me dei conta da presença dele ao
lado de Mia.
— Somos primas e muito
ligadas, apesar da distância.
Quando éramos mais novas, a Fê
morava na casa ao lado e sempre
fazíamos tudo juntas.
DICA DO DIA: A
EXPRESSÃO “SEJA VOCÊ
MESMA” SÓ VALE SE VOCÊ FOR
UMA PESSOA LEGAL. CASO
CONTRÁRIO, FAVOR
DISFARÇAR A ESCROTICE.
Ouvir que fazíamos tudo
juntas quase fez minha alma fugir
do meu corpo. Eu olhava para ela
falando aquele monte mentiras e
não acreditava que era realmente
aquilo o que eu estava ouvindo.
Eu só vim morar no Rio,
porque ela não me dava um minuto
de paz e sossego. Ela era mais
rodada que a bailarina da caixinha
de música, de tanto roubar meus
namorados e os das amigas. Sim,
porque ela só conseguia fisgá-los
com a ajuda da nossa idiotice, que
era suficiente para não entender que
quando nos chamavam para o tal
“frango assado” não era para um
almoço, a não ser que fôssemos o
prato principal.
— Mas, agora que a
encontrei não vejo a hora de irmos
para sua casa e conversar como
sempre fazíamos. Estou morta de
saudades de você priminha.
Eu vou acordar dessa
realidade paralela e vou descobrir
que estou nua, toda mijada em plena
Avenida Brasil, às seis da tarde. É
bem menos pior se for isso mesmo.
— Infelizmente não vou
poder passar a noite com você, já
tenho compromisso. Fica para a
próxima.
— Meninas, o papo está
muito bom, mas é melhor voltarmos
para a mesa.
Não, a mesa não. O Danilo
estava lá, logo ela descobriria e
encontraria uma maneira de me tirar
ele também. Dessa vez não ia
acontecer, eu nem tinha realizado
minhas fantasias com ele ainda.
Só havia uma força maior na
terra capaz de desviar a atenção
dela de Eduardo e da mesa em que
estávamos.
— Eduardo, poderia
conseguir uma cadeira para Mia
enquanto ela me ajuda aqui.
— Claro, só não me suma
com essa gata.
De repente Mia estava
sorrindo como uma adolescente de
treze anos que nunca tinha ouvido
um elogio na vida.
Ah, pelo amor de Deus, ela
poderia ser menos óbvia bancando
a tímida e recatada.
— Vamos lá, o que quer me
contar? E ainda estou magoada com
seu esquecimento, só para constar.
— Ah me desculpe mesmo, é
que eu estava em um
relacionamento e sabe bem como
sou dedicada e acabo me isolando
um pouco. O grande problema é que
ele está aqui hoje.
— É mesmo?
Se eu estivesse em um local
com um pouco mais de silêncio era
capaz de ouvir as engrenagens da
mente “piranhuda” dela
trabalhando. Tentando encontrar um
jeito de se fazer notar, para depois
vir com a cara mais sebosa de
todas e dizer que ele tinha insistido
e que como eu não tinha mais nada
com o cara, não via mal nenhum em
ficar com ele.
— Sim, mas que bom que
está aqui. Vamos para a mesa
conversar um pouco.
Quando nos sentamos à mesa,
fiquei o mais longe que podia de
Danilo. Todos estranharam,
inclusive ele, pois não havia
motivos aparentes para o meu
comportamento.
Mia era muito boa em lidar
com o sexo masculino, em todos os
sentidos. Ela já estava bem à
vontade conversando com todos e
bebendo como se sempre os tivesse
conhecido.
Isso era típico dela.
Certa vez eu fiquei muito
afim de um garoto, eu só não sabia
como fazer para ele me notar. Mas,
para minha sorte tínhamos uma
amiga em comum e ela estava muito
disposta a me desencalhar.
Uma tarde quando chegava à
casa da minha amiga para um
trabalho da escola, percebi que ele
estava sentado em uma calçada na
esquina esperando por alguém, eu
só não esperava que esse alguém
fosse eu.
Enquanto ele reduzia a
distância entre nós dois, minhas
pernas pareciam estar atadas
àqueles aparelhos que são vendidos
na tv, em que só é preciso ligar um
botãozinho e o corpo inteiro treme.
Nem debaixo de neve eu iria tremer
tanto. Nervoso era pouco.
Quando parou na minha
frente, abriu aquele sorriso lindo
que eu tanto adorava, me estendeu a
mão e andamos um pouco.
Conversamos bastante e
quando achei que estava indo direto
para a friendzone ele me deu um
beijo, daqueles que no começo são
afoitos e meio estranhos, mas que
depois melhora, e melhora muito.
Namoramos por um tempo,
até que a minha estimada e adorada
prima — pausa para sarcasmo —
resolveu que precisava conhecer
quem estava me roubando de todos.
Como se isso fizesse diferença.
Logo ela tinha se tornado
amiga e estava namorando um dos
amigos da aula de artes marciais
que ele participava.
Mas, a criatura não estava
satisfeita com o que tinha
conquistado, ela queria o que era
meu, como sempre. Meus
namorados eram mais interessados,
pois ainda não haviam conseguido
o que queriam, eram mais presentes
para evitar que os outros
conseguissem o que eles ainda não
tinham e muito, mais muito mais
dedicados do que os dela que já
tinham tido tudo e mais um pouco.
O que realmente me deixava
espantada, era ela ainda não ter me
aparecido com um pequeno rebento
para demonstrar o quão desapegada
do corpo era.
Eu sempre fui meio
quadradona e acho que isso pode
ter afetado os meus
relacionamentos. Talvez se eu
tivesse sido um pouco mais atirada,
mantivesse algum dos meus
relacionamentos.
Porra nenhuma! Todos teriam
me dado um pé na bunda de
qualquer forma. Eles sempre
encontravam uma forma de me
tornar incompatível para o
relacionamento.
Meses depois em uma bela
tarde quando voltava para casa,
encontrei o meu então namorado,
embaixo do corpo suado da minha
prima. Eles estavam dormindo e eu
não quis atrapalhar o descanso
deles, peguei minha bolsa e sai do
meu quarto sem fazer nenhum
barulho. Eu sabia que a intenção
dela com tudo aquilo era me
humilhar, ridicularizar, mas eu não
daria mais esse prazer a ela.
E agora eu estava assistindo
ela reproduzir a mesma cena, uma
vez mais. Contando histórias
embaraçosas sobre a minha
adolescência, de como eu sempre
acabava sendo o prato principal
dos populares da escola.
Só que ela não tinha se dado
conta de que agora eu era uma
garota bem crescidinha e que ela
não tinha mais o mesmo poder de
antes, com sua perereca pirofágica.
Eu tinha aprendido algumas
coisinhas desde nosso último
encontro. E em um momento de
coragem me levantei, fui até o bar
busquei algumas doses de bebidas
para mim e cerveja para os demais
e me sentei no colo de Danilo.
Pouco me importava se ela
saberia que era com ele que eu
estava agora e tentasse alguma
coisa, se o tempo me ensinou
alguma coisa é que todos os meus
namorados que me trocaram por
uma noite com ela, nunca foram
realmente meus namorados, eram
apenas um passatempo, mas Danilo
era diferente.
Ele me fazia sorrir quando eu
estava furiosa, me seguiu pela
cidade tentando se fazer ouvir, me
enlouquecia só de pronunciar meu
nome e era lindo de doer o canino
esquerdo. Então que se danasse
todo o resto, enquanto quiséssemos
estar juntos não importaria quantas
vacas tentassem ocupar meu pasto,
eu tinha fome o bastante para
muitos hambúrgueres.
Quando enfim interrompi o
beijo e olhei para todos em volta na
mesa, não havia ninguém que não
estivesse com os olhos arregalados.
Mas, Mia não, ela estava com
aquele brilho familiar nos olhos
que me diziam que ela estava
pronta para a caça.
— Ah priminha, por que não
me contou que estava de namorado
novo?
— Porque você não
perguntou, priminha.
Recolhi meu desejo de voar
em cima dela e deixar meu lado
Maryloo Travesti quebrar a cara
dela em pedaços incapazes de
serem reconstruídos, mas eu agora
era uma pessoa evoluída e a
deixaria engasgar no próprio
veneno que de tanta produção não
escorria mais, esguichava.
— Esse tipo de coisa não se
pergunta.
— É, você tem razão.
Danilo envolveu minha
cintura com seu braço, me
colocando em uma posição mais
confortável em seu colo, e cada
movimento dele era acompanhado
minuciosamente por ela. Então ele
se aproximou do meu ouvido me
deixando acesa no mesmo instante.
— Eu já bebi o bastante, já
conversei mais do que pretendia e
não vejo mais nenhum motivo para
não levá-la para o meu quarto.
Eu afundei meu rosto em seu
pescoço e encostei minha boca em
seu ouvido para evitar que as doses
a mais deixassem minha voz alta o
bastante para que todos ouvissem a
minha contraproposta.
— E o que acha de eu o levar
para o meu quarto?
— Muito mais interessante.
Levantamo-nos e enquanto
Danilo seguia até o banheiro antes
de sairmos, eu corri até o bar para
me despedir de Cíntia que estava
sorridente olhando para o telefone.
Ela nem percebeu quando me
aproximei, e foi logo perguntando
qual bebida sem nem ao menos tirar
os olhos do celular.
— Eu só quero me despedir,
mas pelo visto você já sabe para
onde vai. Esse seu amigo com
benefícios está se tornando bem
mais constante que os demais.
— Não estava falando com
ele, aliás, decidimos que não era
mais interessante para nenhum de
nós dois continuar com o tínhamos.
Ele queria algo mais e eu algo
menos. Então por discordância de
opinião, decidimos seguir cada um
o seu próprio caminho.
— Quando eu crescer, quero
ser igual a você.
— Você já é amore, basta
agir como esta noite e deixar de se
preocupar demais com a reação das
outras pessoas. Entenda, não
importa o que você faça de correto,
sempre irão se lembrar dos seus
erros, o ser humano é assim.
— Entendi. Estou indo para
casa e Danilo vai comigo, nos
vemos depois.
— Nos vemos amanhã, eu
vou sair depois de fechar o bar.
— Beijos e se cuida.
Despedi-me dela e de onde
estava era possível avistar Mia
com as mãos em volta do braço de
Danilo sorrindo e falando algo,
forçando uma intimidade
desnecessária.
Quando me viu, ela sorriu
descarada e então disparou.
— Priminha, você nem
desconfia, meu voo e do seu
namorado são no mesmo horário e
acredito que seja o mesmo. E como
se não bastasse toda essa
coincidência, moramos no mesmo
bairro. Então não se preocupe, eu
vou vigiá-lo para você, vou estar
sempre de olho.
Disso eu não tinha dúvida,
mas eu não deixaria que ela
percebesse minha frustração em
saber da notícia.
— Esse mundo é mesmo
pequeno, não é? Agora precisamos
mesmo ir.
— Deixa só eu pegar a minha
bolsa e já vamos. Eu vou passar
essa noite no seu apartamento,
achei que podíamos aproveitar esse
tempo juntas para conversar e
colocar as fofocas em dia.
É sério isso que eu acabei de
ouvir? Ela realmente estava se
convidando, depois de eu ter usado
todas as maneiras de dizer que não
estava interessada em manter
proximidade nenhuma entre nós?
— Claro, te esperamos lá
fora enquanto chamamos um táxi
para você, porque o carro está
cheio.
Danilo me olhou como quem
não estava entendendo nada, mas
logo ele iria.
No caminho deixamos
Eduardo e Lucas no apartamento de
Flávio e seguimos para o meu.
Quando paramos na porta do prédio
eu retirei da minha bolsa a chave
do apartamento e a entreguei para
Mia.
— Aqui está a chave, o
apartamento é o 604, meu quarto é
o da esquerda. Ah, não ouse dormir
no quarto da Cíntia, ou ela vai te
tirar de lá com água escaldante.
Você deve estar bem cansada, nós
já estamos indo para que descanse,
afinal deve ter sido um dia cheio
para você. Te vejo depois,
priminha.
Dancei sapateado na cara
dela. Por essa ela não esperava.
Danilo estava no carro como
havia pedido. Não dei nenhuma
chance para ela responder o que
fosse e entrei no carro e seguimos
para o hotel.
Se ela estava achando que
iria estragar a minha noite de sexo
quente e maravilhoso, com um
homem fantasticamente perfeito
para mim, ela estava muito
enganada.
E sendo bem sincera, o
prazer que senti vendo a cara de
tacho dela, parada em frente ao
prédio quando achava que iria
estragar a minha noite, não tem
cartão sem limites que pague.

14
TÃO GALINHA QUE
NÃO TEM FÍGADO,
TEM #MOELA
Seguimos direto para o hotel
em que Danilo estava hospedado.
Sempre com ele me olhando de
soslaio, e eu sabia bem o porquê.
Ele estava atento a forma como eu
tratei Mia durante toda a noite e
depois para fechar com chave de
ouro, a deixei feito uma pateta
parada na porta do meu prédio com
a chave do apartamento na mão,
mas eu não estava com vontade de
reviver os momentos fantásticos
que ela havia me proporcionado,
por isso continuei calada e bem
sonsa fingindo que não notava seus
olhares para mim.
Seguimos para o quarto e fui
direto para o banho. Quando estava
retirando o shampoo dos cabelos o
senti atrás de mim. Não demorou
para que o box se tornasse uma
sauna. Danilo estava especialmente
criativo aquela noite e eu agradeci
um milhão de vezes seguidas pela
ideia genial de despistar a vaca da
minha prima.
Amanheceu e ainda
estávamos acordados. Danilo
estava deitado com a cabeça entre
os meus seios e eis que a pergunta
que achei que tinha alcançado
esquecimento dava o ar da graça.
— O que existe entre você e
a sua prima?
— Por que existiria alguma
coisa? — Tentei desconversar para
ver se a história morria ali, mas eu
estava muito enganada se achava
que a curiosidade dele terminaria
na minha evasiva.
— Porque quando a deixou
na porta do prédio o seu olhar de
triunfo era algo que não passaria
desapercebido por ninguém.
É, satisfação é algo que não
se consegue disfarçar.
— Digamos que ela tenha
uma certa fixação por pessoas com
as quais eu me envolvo.
— Como assim, vocês
dividem?
— Digamos que ela seja mais
o tipo que rouba, do que
compartilha. Se é que me entende.
— Acho que entendi. Então
deixá-la lá parada foi uma vingança
sua.
— Se você me achou
vingativa por isso, espere só para
ver do que eu sou capaz em dias de
TPM. — o sorriso dele deixou de
ser um traço tímido em seu rosto,
para alcançar suas orelhas e os
lindos dentes brancos ficaram
expostos.
Deixamos o quarto por volta
das onze. Enquanto Danilo tentava
descobrir se os rapazes já haviam
acordado, eu ligava para Cíntia,
mas para minha surpresa uma voz
masculina atendeu ao telefone.
— Celular da loira.
— Você vai precisar de muita
pastilha para a garganta, sua voz
está péssima.
— É seguro acordá-la, ou ela
vai puxar uma faca debaixo do
travesseiro? — Eu só escutei as
risadas e o estalar de um tapa. —
Acho que ela já acordou.
— Cíntia, que tal um almoço
e depois saímos para fazer alguma
coisa? — Era uma tentativa, mas
sabia que seria sem sucesso. Nunca
consegui tirá-la da cama tão cedo.
A menos que...
— Jura? Restaurante cheio,
pessoas animadas, e comida fria? O
que acha de prepararmos algo em
casa?
— Mia está lá.
— Restaurante para mim está
ótimo. Mande a sugestão por
mensagem, beijo.
E com sua sutileza ímpar ela
desligou o telefone na minha cara,
como sempre.
Danilo fez o check-out
enquanto eu buscava uma opção de
restaurante em pleno domingo no
Rio de Janeiro, que não estivesse
lotado ou com estacionamento do
outro lado da cidade. Era uma
tarefa quase impossível, mas diante
da opção de ir para casa e dar de
cara com Mia, eu conseguiria um
lugar, nem que fosse no meio da
praia.
Deixamos o hotel e seguimos
direto para o apartamento de
Flávio. A cena que encontramos ao
abrir a porta era de rolar no chão
de rir. Três marmanjos
abraçadinhos de conchinha. Danilo
teria um prato cheio de
provocações por um bom tempo.
Como não tinha a menor ideia
de onde poderíamos almoçar sem
que isso levasse praticamente a
tarde inteira, fiz o pedido em um
restaurante conhecido e todos
ficamos no apartamento do Flávio
mesmo. Após o almoço deixaria
Danilo no aeroporto e voltaria para
casa e então teria conseguido a
façanha de ter me livrado da
presença desagradável de Mia sem
danos colaterais. Exceto pelas
várias vezes em que Eduardo
questionou onde ela poderia estar,
ou como poderia ganhar pontos com
ela.
Mas, tudo o que é bom não
dura. Depois de uma manhã
maravilhosa e de uma tarde
divertidíssima, quando achei que
tinha escapado do pior, ouvi meu
nome ser gritado no saguão de
embarque do aeroporto.
Ao olhar para trás, avistei
Mia arrastando uma mala e andando
com muita presa em nossa direção.
Quando parou em nossa frente
começou a falar sem parar, com a
típica voz esganiçada para fingir
ressentimento.
— Se eu tinha alguma dúvida
de que você está chateada comigo e
não me quer por perto, depois das
últimas horas não resta nenhuma.
— Não me leve tão a sério e
nem se dê tanta importância assim.
Eu já tinha planos quando resolveu
me surpreender, e quando é assim
ou se dá sorte ou azar, e dessa vez
você deu azar, priminha.
Por mais que seu sorriso
engessado continuasse em seu
rosto, no fundo dos seus olhos
brilhavam toda a raiva que estava
sentindo.
— Eu prometo avisar da
próxima vez, quem sabe assim eu
dou sorte. Tenho alguns trabalhos
na cidade no próximo mês e dessa
vez espero contar com um pouco
mais da sua companhia.
É claro que agora ela viria
com muita frequência, já que sua
missão na vida havia ganhado
novos rumos: voltar a me infernizar.
O voo foi anunciado e Danilo
seguiu para o portão de embarque
acompanhado por mim e por Mia
que havia enlaçado seu braço em
volta do dele.
— Agora nós precisamos ir,
apesar do pouco tempo juntas, eu
adorei te ver de novo e não se
preocupe eu vou ficar de olho nesse
daqui — disse dando dois tapinhas
no braço de Danilo em que estava
dependurada feito um bicho
preguiça.
Ele se desprendeu do braço
dela nesse instante e passou os
braços em volta da minha cintura
em um abraço.
— Mia, isso não é realmente
necessário, por dois motivos.
Primeiro eu estou crescido para ter
babá. Segundo, conseguir fazer a
sua prima abaixar a guarda me deu
muito trabalho, eu não posso abusar
da minha sorte.
Como diria o elefantinho na
propaganda de leite: “Tomou?”.
Sem muito mais para dizer,
ela se afastou de nós com a
desculpa de que precisava comprar
algo para ler.
— Resposta certa. Teria
ganhado um prêmio se não
precisasse ir embora agora.
— E que tal ir me premiar em
São Paulo? Não tenho como vir
aqui nos próximos dois ou três
meses e eu adoraria continuar te
vendo.
— Tudo pode acontecer.
Quem sabe?
Despedimo-nos e eu voltei
para o meu apartamento para fazer
uma faxina da presença da Mia. E
descansar para a semana que viria
na presença de Murilo. Ele estava
em uma semana muito calma e
ausente, e isso era sinal de muita
tempestade por vir.
Já passava de meia noite
quando consegui me jogar na cama
e perceber que meu celular estava
desligado. A bateria tinha acabado
e eu nem havia percebido.
Ao ligar me deparei com
várias ligações perdidas e
mensagens não lidas. A maioria das
ligações e mensagens eram de
Cíntia querendo saber o meu
paradeiro, entre as que restaram
estavam duas ligações de Danilo e
uma de Hanna, e para ela me ligar
em pleno domingo depois das dez
era porque o assunto era sério.
Procurei entre os correios de
voz alguma mensagem dela, mas
não havia nada, li todas as
mensagens e ali também não havia
nenhuma pista. Então me lembrei de
que Hanna adorava enviar e-mail, e
então bingo, ali estava o motivo de
toda aquela euforia.
Desculpe o contato em
seu dia de descanso, mas a
Presidência e Diretoria da
empresa solicitaram uma
reunião para a primeira hora
desta segunda-feira e por
este motivo, entrei em
contato para avisá-la.
Não há informação
sobre o assunto da reunião e
por esta razão peço que
chegue um pouco mais cedo
do seu horário habitual.
Att,
Hanna Linhares
Assistente da Presidência –
Fusão Mídia Visual
Eu precisava dormir, mas
como, depois de saber que haviam
marcado uma reunião às pressas e
nem sequer informaram o assunto
para nos deixar precavidos. E
sempre que essas coisas acontecem
só significam uma coisa:
demissões.
Fui até o armário e escolhi
outras peças de roupas para usar na
manhã seguinte. Um pouco mais
sóbrias, como pedia a ocasião.
Um terninho era o ideal, mas
preferi trocar a calça por uma saia
lápis.
Acordei bem mais cedo do
que de costume, depois de um sono
complicado, em que eu acordava de
meia em meia hora, preocupada em
estar atrasada.
Uma hora depois estava
pronta e satisfeita com o resultado.
A blusa branca de renda era
discreta e ao mesmo tempo tirava
um pouco do peso da formalidade
do modelito.
Quando cheguei, Hanna já
estava às voltas com os detalhes
para a reunião. Coloquei minha
bolsa sobre a mesa e fui ajudá-la, e
quem sabe assim eu conseguisse
alguma informação sobre o que
estava acontecendo.
Só que assim como eu, ela
estava no escuro total sobre o real
motivo da convocação daquela
reunião. A única informação que
ela tinha era de que haveria
remanejamento de pessoal, ou seja,
cortes de pessoal, e isso nunca era
coisa boa.
Me deu um frio na barriga,
uma vontade de sair correndo. Mas,
a curiosidade falou mais alto e
então fiquei lá recepcionando e
encaminhando todos até a sala
principal.
Água e café foram servidos
enquanto não começavam a reunião.
Pouco a pouco todos foram
chegando, menos Murilo que já
estava cinco minutos atrasado o que
era muito incomum para ele que
nunca, mas nunca mesmo se
atrasava.
Quando Murilo chegou à
empresa já estava atrasado quarenta
minutos e com um humor pior do
que o de costume.
— Fernanda, já tomou todas
as providências que eu te passei?
Que grosseiro, chega não dá
um bom dia e já quer começar na
velocidade do som a comida de
rabo.
— Bom dia, Murilo, todas as
recomendações que me encaminhou
durante a semana estão em ordem e
sobre a sua mesa como pediu.
— Estou falando sobre a que
te mandei agora pela manhã, estou
atrasado porque não recebi a sua
resposta, que deveria ter sido
encaminhada no mesmo momento.
— Não há nenhuma
solicitação, recebi apenas um e-
mail da Hanna informando sobre a
reunião que está acontecendo na
outra sala.
— O que quer dizer com isso,
que eu estou mentindo? Ou que
estou fantasiando que determinei
que fizesse um levantamento das
últimas publicações e propagandas
realizadas nos últimos seis meses?
— Não estou dizendo ou
insinuando nada, apenas falei o que
aconteceu. Pode ter acontecido
algum problema no recebimento do
e-mail ou algo que não o permitiu
chegar.
— Então vamos combinar
uma coisa, se abrir agora suas
mensagens e não constar nenhum e-
mail entre eles eu te darei um
aumento, mas se encontrarmos a
minha mensagem ficará suspensa
por dois dias por descumprimento
de suas funções. Ainda acho que
valha a pena mantê-la no quadro de
funcionários, mas não mais como
minha assistente, será solicitada a
sua transferência imediata.
Chama a Ludmilla porque É
HOJE!
— Eu vejo que já tomou sua
decisão antes mesmo de chegar
aqui. Não será preciso passarmos
por uma situação desagradável
como a que sugeriu, estou
colocando agora mesmo meu cargo
à disposição. Pode solicitar a
minha transferência quando achar
mais conveniente.
— Pois bem, pode ir para
casa. Assim que tivermos uma nova
posição para a realocarmos dentro
da empresa entraremos em contato.
Veja estes dias como um período de
descanso pelos seus bons serviços
prestados até aqui. Bom dia.
Mandei uma mensagem
rápida para Hanna, que estava
contando comigo para administrar
os detalhes da reunião. Ela me
respondeu em seguida, pedindo que
nos encontrássemos em um
restaurante próximo a empresa para
conversarmos e que eu não me
precipitasse tomando nenhuma
decisão que venha a me arrepender
depois.
Peguei minha bolsa, passei na
cozinha para tomar água e me
acalmar antes de pegar o carro para
voltar para casa. Se eu fosse rápida
conseguiria pegar Cíntia antes que
ela saísse para o bar.
Hoje eu iria beber até afogar
as minhas mágoas, mesmo elas
sendo campeãs olímpicas em
natação eu venceria desta vez.
Ao sair da cozinha esbarrei
em Leticia que estava com um
sorriso enorme no rosto. Com
certeza Yuri deve tê-la feito feliz ou
sei lá mais quem, sim porque essa
tem um fogo do inferno.
— Oi querida, já de partida?
Ela começou a rir. Riu tanto
que seus olhos estavam com
pequenas formações de lágrimas,
era como se ela soubesse o que
havia acontecido, e talvez soubesse
mesmo, visto que as paredes dessa
empresa têm ouvidos e uma boca
enorme.
— Por hoje sim, querida.
Esforce-se mais e quem sabe um
dia você desfrute do mesmo
privilégio.
— Mas é claro que sim,
ainda mais porque serei a nova
assistente da Vice Presidência. Eu
sou uma boa aluna, não sou?
— Excelente aluna, e me
arrisco a dizer que o aluno superou
o mestre. Voltamos a nos ver
quando eu voltar da minha folga.
— Bom descanso, querida.
Eu juro que por um segundo
quase me esqueci de onde estava e
meti a mão na cara dessa nojenta. A
única coisa que me fez voltar ao
normal foi seu próximo desaforo,
que me deixou alerta para dar a
resposta que ela merecia.
— Ah, só mais uma coisa,
você deveria ter previsto que não
seria nada bom o seu envolvimento
com um funcionário da nossa
principal concorrente. Sabe como
é, as notícias voam.
Vadia de cabaré falido!
Então foi por isso que eu
perdi a minha promoção, e era por
esse motivo que o Murilo estava
feito um animal raivoso quando
chegou à empresa. Agora, seria por
isso também que haviam marcado
esta reunião?
Se fosse por isso, não seria
bom que eu estivesse presente para
ser confrontada?
Depois dessa eu precisava ir
para casa o mais depressa
possível, mas antes de sair liguei
para Cíntia e pedi que ela me
esperasse em casa.
Quando cheguei e em tempo
recorde por sinal, Cíntia estava
pronta para sair, ela apenas tinha
me esperado por que eu havia
pedido, mas eu sabia que ela tinha
planos e seria bem egoísta para
impedir que ela os concretizasse
hoje.
Era seu dia de folga e
aproveitava para fazer suas coisas
com um pouco mais de calma.
Eu precisava de alguém fora
do meu cenário para ter uma visão
mais clara do que estava
acontecendo e então eu poderia
começar a entender.
Coloquei minha bolsa em
cima da mesa, desci do salto e fui
direto para a geladeira, deixando o
terninho em cima da pia. Coloquei
uma dose dupla de uísque no copo e
virei as duas de uma só vez,
reabasteci e servi uma dose para
ela e me joguei no sofá.
— Eu fui gentilmente afastada
do trabalho, ou demitida. Não sei
ao certo.
— Fernanda, você anda muito
surtada ultimamente, me explica
com calma para ver se eu entendo.
— Ontem à noite a secretária
da presidência me enviou um e-
mail para me avisar que haveria
uma reunião da Diretoria e
Presidência, até aí tudo bem. Eu saí
de casa mais cedo e estava lá antes
do horário combinado. Estava tudo
certo, menos pelo detalhe de que o
meu chefe estava atrasado o que
nunca, nunca mesmo acontece, a
única coisa normal era o mau
humor infernal que ele sempre tem.
Disse que tinha enviado um e-mail
pedindo relatórios e que só estava
atrasado porque eu não tinha feito o
meu trabalho e por isso seria
remanejada para outro setor dentro
da empresa, que eu poderia voltar
para casa e esperar até que
tivessem um outro local para me
realocar. Mas o melhor foi a vadia
de uma figa da escrota, piranha,
quenga, da estagiária que quando
estava saindo fez questão de me
informar que ela agora ocuparia
minha função.
— Tá. Primeiro, você sempre
fez sua obrigação e não será
demitida porque não há justificativa
para isso, estava no seu dia de
descanso remunerado e se o seu
chefe queria que fizesse hora extra,
que entrasse em contato através de
uma invenção maravilhosa chamada
telefone, e hoje o mais incrível é
que existe o celular. Portanto, a
culpa não foi sua e sim dele. Na
verdade, ele estava tentando
encontrar uma desculpa para
colocar a secretária que está indo
para a cama dele e não tinha como
justificar isso para o seu superior.
Então relaxa e para de beber, e vai
aproveitar a folga que te deram.
— Você pode ter razão,
porque aquela vadiazinha pode
mesmo estar dormindo com o
Murilo só para conseguir uma
função dentro da empresa. Sim,
porque ela só conseguiu o estágio
por conta de um funcionário da área
de TI com quem estava saindo e a
indicou. Credo, o que certos tipos
de pessoas são capazes para
conseguir o que querem?
Eu estava começando a ficar
um pouco mais tranquila quando o
meu telefone tocou. Era Hanna
ligando para confirmar se eu
poderia encontrá-la um pouco mais
cedo.
Confirmei e me despedi de
Cíntia, agora que eu já tinha surtado
e voltado ao “normal” não era justo
que ela perdesse o encontro.
Fiz uma nota mental para me
lembrar de interrogá-la para
descobrir quem era o “namorado”
misterioso. Era alguém novo,
porque ela estava muito animada e
nervosa para ser alguém que ela já
conhecia bem.
Preferi não ir dirigindo, vai
saber o que estava me esperando
nessa conversa e porque já havia
bebido o bastante, o que seria
perigoso.
Quando cheguei, Hanna já
estava me esperando na mesa com
uma taça de vinho pela metade. E
se ela estava bebendo era certo que
eu também iria precisar.
— Oi, Hanna, não sei se fico
feliz por estarmos aqui, ou se fico
com medo pelo que quer conversar.
— Realmente, o que eu vou
dizer para você agora não vai ser
nada bom, mas espero que você não
se chateie comigo, eu sou apenas a
portadora da notícia. E antes que
seja surpreendida, achei melhor te
contar porque sei do seu empenho
para ocupar a função em que estava
e do seu envolvimento pessoal.
Durante uma hora
conversamos sobre o motivo da
reunião urgente de hoje.
Haviam decidido expandir a
empresa e abrir duas filiais, uma
seria no Nordeste do país, com a
cidade a ser escolhida ainda e outra
seria em São Paulo para competir
diretamente com a empresa de
Publicidade e ramo editorial que
Danilo presidia.
— Fernanda, eu serei bem
franca com você, como sempre fui
desde que nos conhecemos. O
Murilo hoje quase enfartou, a
estagiária não sabia onde estava
nada e nem sabia como fazer um
relatório simples. Ele se
arrependeu no instante em que te
mandou para casa eu posso apostar.
Irão ligar para você em dois dias, e
isso é para deixá-la preocupada em
relação ao trabalho, porque assim
será mais fácil convencê-la a
gerenciar a agência do Nordeste. A
Leticia conseguiu convencer o
Murilo de que você está muito
próxima a Danilo Oliveira, gestor
da nossa principal concorrente e
que inclusive o apresenta como seu
namorado. E ele enxergou isso
como uma ameaça aos negócios,
como eu previa que acontecesse.
— Sinto muito, mas eu jamais
iria para tão longe. Minha vida está
toda no Rio. Se ainda fosse a nova
agência de São Paulo, com a ponte
aérea eu até pensaria a respeito,
mas dentre as possibilidades que
me esperam, eu vejo minha
demissão.
— Eu estou tentando encaixá-
la na vaga de Criação Publicitária
que está aberta. Só não sei se
conseguirei diante do atual estado
de espírito de Murilo.
— Eu entendo e agradeço
imensamente o seu esforço Hanna,
mas não se prejudique por mim. O
que tiver de acontecer vai
acontecer.
Já era tarde quando
terminamos de conversar. Hanna
tentou encontrar, diante das minhas
habilidades profissionais, uma vaga
para que eu fosse remanejada
dentro da empresa, mas não
chegamos a nenhum consenso.
Despedimo-nos e ela ficou de
me manter informada caso
acontecesse alguma alteração nos
planos de me enviar para o outro
lado do país.
Peguei um táxi e graças a
Deus o trânsito estava livre no
trajeto de volta para casa. Quando
cheguei, o apartamento estava em
absoluto silêncio, o que indicava
que Cíntia passaria a noite fora.
Como não estava com sono e nem
precisaria acordar cedo no dia
seguinte resolvi dar uma olhada no
blog que agora não me parecia mais
um risco.
Haviam muitas mensagens
para ler e responder, mas eu estava
em busca de uma em particular.
Com tudo o que aconteceu nesse
final de semana, aquela resposta
tinha ficado em segundo plano.
Depois de alguns minutos
procurando, encontrei o convite e
as respostas das mensagens, mas
havia um detalhe estranho, a
resposta dada pelo site estava
marcada como visualizada.
Certamente Cíntia havia
mexido no blog e esquecido de me
informar. Não era nada demais,
resolveria quando ela voltasse para
casa no dia seguinte.
Enquanto isso decidi começar
a responder as perguntas e escolher
qual seria a próxima história que
iria postar.
15
TOME #VERGONHA NA
CARA,
MESMO QUE SEJA EM GOTAS
OU COMPRIMIDOS
Vasculhando o blog me
deparei com algumas respostas que
me fizeram dar muita risada.
Impressionante como as pessoas
tem a mente fértil para cogitar
certos assuntos, e mais ainda para
expor.
@carolangel: Você acha que
tamanho é documento? Pelo que li
sim, mas, e quanto ao sexo anal, é
mais ou menos importante?
Eu realmente não sabia o que
responder, e não porque eu seja
careta ou coisa do gênero, mas eu
nunca tinha feito sexo anal na vida,
então me posicionar em relação a
isso era um pouco complicado. E
eu jamais me exporia de tal maneira
em uma rede social, tudo bem que
eu já estava me expondo de certa
forma, mas há limites para tudo.
Eu tenho a mente aberta, mas
também não é um buraco na camada
de ozônio!
Não sou nenhuma santa, já
tive algumas experiências sexuais,
mas essa prática requer certo
desapego social e uma terapia a lá
Sara Jane de “vamos abrir a roda,
enlarguecer”. O que significa que
não rolou e provavelmente não
rolará.
@pimentarosa: Sexo é algo
muito particular, há quem prefira
um pequeno brincalhão a um grande
bobão. Então é mais da pessoa com
quem está, há preliminares e outras
formas de obter prazer, nem tudo
depende apenas do tamanho. Beijos
ardidos.
A próxima não era tão mais
leve.
@papito: Que tipo de
fetiches mais a atrai?
Ainda bem que certas coisas
acontecem uma única vez em nossas
vidas, porque se acontecessem mais
de uma vez eu não sei se suportaria.

“CUIDADO COM O
QUE DESEJA, PODE SER
BEM DIFERENTE DO
QUE IMAGINOU”

Quanto maior a carência, maior a


probabilidade de:

1) Confundir amizade
com benefícios como namoro;
2) Mandar mensagens
idiotas para ex-namorados que ainda
insistem em manter amizade;
3) Ter insistentes
momentos de ‘Djafu’, que é aquela
sensação familiar de que você já se
fodeu com a situação antes!
4) Falta de entendimento que
ex não precisa estar tão perto, afinal
você não está oferecendo carta de
recomendação pelos serviços
prestados.

Sabe aquele dia que você sai


de casa pensando em deixar todas
as regras na gaveta? Que bom
para você que viveu esse dia,
porque eu ainda não vivi. Eu até
tento, mas logo estou de volta ao
meu normal, certinha e
organizada.
Sabe o cara romântico que
você acredita que está te cercando
de carinho e cuidado e que faz
tudo para te agradar? Pois é, você
que foi psicologicamente treinada
por contos de fadas e finais felizes
para acreditar que encontrou seu
príncipe encantado, mas é nessa
hora que o seu desejo pode se
tornar algo inesperado e se não
souber lidar como isso, vira uma
confusão de proporções
catastróficas.
No fim da noite, saindo de
uma festa com amigas da
faculdade, para comemorarmos o
final do semestre e depois de
algumas doses a mais de alegria
líquida e engarrafada, que atende
pelo nome de tequila, encontrei o
homem dos meus sonhos. Ou
acreditei seriamente nisso e acabei
me empolgando mais do que
deveria.
Dançamos um pouco e
conversamos bastante, pelo menos
eu acho que fizemos isso.
Nesse dia eu estava
especialmente liberal, e resolvi
seguir com ele para o seu
apartamento e, o mais incrível é
que não aconteceu nada, por dois
motivos lógicos: a não ser que ele
curtisse necrofilia, não seria muito
interessante já que eu estava
apagada, e outra ele queria que eu
aproveitasse o momento em que
estivéssemos juntos.
Isso era o que eu estava
imaginando, mas a verdade era
bem diferente, ele estava
esperando comandos e sem
alguém em plena consciência do
que rolava não seria tão fácil
consegui-los.
Na segunda vez em que
saímos, ele me convidou a voltar
ao seu apartamento e eu estava
com muita vontade de ir, então
coloquei o juízo na gaveta e fui.
O clima foi esquentando, e
esquentando e rolou um puxão de
cabelo, uma coisa mais rude.
Confesso que no primeiro
momento eu fiquei um tanto
assustada, mas à medida que a
coisa foi acontecendo eu fui me
acostumando e até gostando.
O porém se deu quando ele
me deixou ofegante em cima da
cama, abriu a porta do guarda-
roupa, retirou alguma coisa de lá
de dentro e foi direto para o
banheiro, quando ele saiu de lá
estava com um vibrador acoplado
a uma calcinha nas mãos (algo
que descobri depois se tratar de um
cinto de inversão) e deixou em
cima da cama e me pediu para
usá-lo.
Eu fiquei ali sem entender
onde ele pretendia que aquilo fosse
colocado, evitei pensar para não
surtar. Mas, a merda nunca
acontece pela metade não é
mesmo? O cara me volta para o
banheiro. Será que ele estava
esperando que eu realmente usasse
aquele troco? Sim, ele estava, e eu
descobri isso quando ele voltou
para o quarto vestido com uma
fantasia de empregada e agora ele
tinha uma caixa na mão. Meu
Deus, o que tem dentro da caixa?
Melhor não descobrir, melhor.
— Fique à vontade,
senhora, faça do seu escravo o que
desejar — ele disse olhando para
mim com um espanador na mão.
— Bata na minha cara, por
favor — ele implorou um pouco
mais.
Oi? Como é?
Descobrir certos fetiches
pode ser muito assustador de tão
constrangedora que a situação se
torna. Mas, eu confesso que achei
mais engraçado que apavorante.
Visualizem a cena: Eu
usando apenas um cinto de
inversão, e ele com um vestido de
empregada, pretendendo ser
emasculado com espanador que
tinha um cabo em formato de
pênis na mão. Será que ele ficaria
bonitinho parecendo um
passarinho, com aquele rabo
balançando as penas, para lá e
para cá?
Essas coisas só comigo!
Visualizou? Pois bem, se me
conhecem já sabem qual foi a
minha reação.
Me vesti e sai do
apartamento sem olhar para trás,
ou começaria a rir até a morte.
Fiquei por duas horas tentando
entender que espécie de pessoa eu
era para atrair tanta gente
ensandecida para a minha vida. E
além de tudo, como se não fosse
pouco tudo o que já tinha
acontecido, fiquei com os ouvidos
doendo depois que ele me ligou e
precisei passar um bom tempo
explicando para ele que o
problema não era o que ele
gostava, muito pelo contrário, se
eu gostasse do babado ele teria me
servido lindamente, só que eu não
estava na mesma ‘vibe’ que ele.
Fiquei meses sozinha
tentando apagar a cena da minha
cabeça, e outros meses atenta
tentado captar qualquer sinal que
me levasse a mesma situação, para
fugir para as colinas e nunca mais
voltar.
Olhando para trás e
analisando meu passado eu paro e
penso: Deus que me perdoe pelas
coisas que fiz para ter um
namorado.

Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.

Cliquei no enter e fui em


busca de mais perguntas para
responder quando ouvi batidas na
porta.
Ainda estava meio zonza,
rindo muito e nem me dei conta de
que não havia me atentado ao olho
mágico antes de abrir a porta.
Em outros tempos eu adoraria
a visão de Yuri parado em frente a
minha porta, mas depois de tudo
que aconteceu e o que ele me fez,
não estava no clima para ser
“simpaticona”.
— O que você está fazendo
aqui, posso saber?
— Eu soube o que aconteceu
com você no escritório, vim saber
como estava e te ajudar a esquecer
esse dia tão tenso. Ainda gosta de
massagem?
— Ainda gosto, mas não se
preocupe, não estou precisando de
uma.
Ele deu a volta ficando atrás
de mim e seguindo para dentro do
apartamento como se eu o tivesse
convidado. Quando me dei conta da
tela do computador aberta na
página do blog em cima do sofá me
bateu um desespero. Fechei a porta
e corri para a sala fechando com
tanta força que quase quebrei o
aparelho.
— Então é por isso que não
está precisando de massagem. Na
real, nunca achei que você curtisse
pornô.
Pornô? Eu? Tá de
sacanagem?
— Errr... eu não estava...
Se bem que se eu disser que
não estava vendo vídeos adultos ele
iria querer ter a prova e eu teria
que mostrar o que eu estava fazendo
na verdade. Nesse caso era melhor
ser a mocinha que se libertava com
a dança dos dedinhos (sabe como é,
se masturbar, fazer justiça com as
próprias mãos, virar DJ, essas
coisas) do que mostrar o que eu
realmente estava aprontando.
— Isso não é da sua conta, e
como já viu o que queria está na
hora de ir embora, eu estou bem
ocupada aqui.
— Não precisa continuar o
que estava fazendo, eu posso
ajudar. E nem vai precisar correr
atrás porque eu já estou aqui.
— No momento estou
correndo atrás de você a 0 km por
hora.
Ele levou a mão ao peito
como se tivesse sido ferido em uma
cena ridícula.
— Você não era assim tão
arredia, antes nos dávamos tão
bem. Tudo isso é por causa da
Letícia? Porque se for, não precisa
mais se preocupar, terminei com ela
assim que soube o que tinha
acontecido. Aquela cachorra está
tendo um caso com o Murilo para
subir na empresa.
— Ainda bem que você é
uma pessoa perceptiva, porém uma
pessoa lenta. Deveria ter percebido
isso quando ela trocou o Leandro
da TI por você pelo mesmo motivo.
É, eu sou o tipo de pessoa
que guardo tudo bem organizado na
caixinha do deboche, alimento,
treino e deixo bem maior do que
recebi, só para depois jogar na
cara. Eu adoro dizer “eu bem que te
avisei”, me condene, mas sei que
não vai porque você também é
assim.
— Eu percebi que errei, será
que não podemos apagar tudo e
recomeçar? Eu prometo que dessa
vez será diferente.
— Interessante essa sua
lucidez, mesmo que tardia, mas
agora é bem mais tarde do que você
imaginou que seria e eu não estou
mais interessada no que tem a me
oferecer.
— Calma gata, eu não estou
propondo casamento, só uma
amizade que nos facilite algumas
coisas.
Essa criatura comeu manga
com leite e foi para o sol quando
era criança? Só pode, para vir à
minha casa, soltar um monte de
absurdos desses e achar que está
fazendo a coisa certa.
— Yuri, pode ir, se eu mudar
de planos ou interesse eu o aviso,
mas no momento não estou
disponível, nem tão pouco
interessada.
Dando a volta e me
colocando atrás dele segurei seus
ombros e o empurrei e direção à
porta. Ele tentou evitar a expulsão
me abraçando e tentando me beijar.
Segurou meus braços com uma mão
e com o outro braço livre forçou
meu corpo junto ao dele.
— Você nunca precisou usar
a força antes, mas os tempos agora
são outros não é mesmo?
— Realmente nunca precisei,
mas você está querendo bancar a
durona. Só que eu sei o que você
precisa para ceder, estou te
ajudando.
Eu ri como nunca antes, ri
tanto que ele começou a ficar sem
graça. Quando dei por mim, estava
no chão com as mãos na barriga
tentando controlar a queimação
insuportável e a falta de ar.
Enquanto ele saia cabisbaixo
e decepcionado por não ter
conseguido que a idiota aqui caísse
em seu papo furado outra vez, eu
tentava me recuperar em vão do
ataque de risos.
Cíntia que chegava do seu
encontro deve ter dado de cara com
ele pelo corredor e ao me ver no
chão, veio correndo até onde eu
estava, caindo de joelhos ao meu
lado. Não deve ter sido nada bom o
que ela via, pois, seus olhos
estavam tão arregalados que achei
que fossem escapulir dos globos
oculares.
— O que aconteceu aqui?
Esse idiota te fez alguma coisa?
Fala agora e eu peço para o
Jurandir segurar ele na portaria até
a polícia chegar.
O problema era que eu não
conseguia parar de rir, só que agora
sem ruído nenhum, pois estava sem
ar. Ela percebeu que eu não estava
chorando apesar das lágrimas
lavarem meu rosto, e sim sorrindo
descontroladamente.
Ela correu até a cozinha e
voltou de lá com um copo de água
gelada. E para você que acha que
ela tentou me fazer tomá-lo para me
acalmar é aí que se engana, ela
tascou a água na minha cara, quase
morri afogada. Já não tinha ar,
depois de tanta água bloqueando o
ar, eu vi a mão de Deus estendida
bem na minha frente.
Recuperei-me rapidinho.
Acho que ela tinha aprendido
alguns truques com a minha irmã
para me fazer ter experiências de
quase morte.
Como da vez que quase morri
eletrocutada na construção da casa
nova. Foi sinistro, eu tinha cabelos
enormes e quase fiquei sem eles
porque minha irmã queria a todo
custo um brinquedo que ela tinha
deixado dentro do que seria o
banheiro do nosso quarto, o
problema é que estava escuro e eu
não vi o fio desencapado, o bendito
se enrolou nos fios do meu cabelo e
a ponta do fio acabou tocando meu
couro cabeludo, me dando um baita
choque. A minha irmã (tenho a leve
impressão de que ela sempre quis
ser filha única) me achou ali junto
com a vizinha que tinha ficado
responsável por “dar uma
olhadinha” em nós.
Ela deu por minha falta e
acabou me encontrando ali e correu
para desligar a caixa de força,
cortando a eletricidade. Minha irmã
me puxou pelo braço como se eu
fosse uma boneca depois me
arrastou até uma torneira ao lado de
fora da construção e queria que eu
colocasse a cabeça embaixo. A
minha sorte foi a vizinha gritar para
que eu não fizesse o que minha irmã
dizia. Até hoje não sei como
sobrevivi a ela.
Agora pensando melhor, acho
que por isso sou meio perturbada.
— Enlouqueceu?
— Eu é que pergunto. Chego
em casa e dou de cara com um
homem transtornado no corredor e
encontro você jogada no chão com
o rosto molhado por lágrimas.
Queria que eu fizesse o quê quando
percebi que estava sorrindo e não
chorando? Vi isso em um filme, e
aqui também funcionou.
— Sempre doce, não sei por
que ainda me assusto com as suas
técnicas.
— Deu certo, não deu? Agora
se controla e me conta o que
aconteceu aqui.
— Nada demais, só o Yuri
que depois de levar um pé na bunda
da “vagaba” da estagiária achou
que eu estaria esperando por uma
nova proposta dele. Mas que eu
saiba não sou formiga para viver de
migalhas.
Um sorriso gigante apareceu
no rosto dela nesse momento. Como
se eu tivesse entendido alguma
lição que ela tentava me ensinar há
tempos, e por um lado era bem isso
mesmo.
— Estou orgulhosa, muito na
verdade.
— Voltou cedo, aconteceu
alguma coisa?
— Nada de anormal, estou
indo com calma dessa vez. Acho
que a pessoa merece a minha
atenção.
— Uau, veja quem está
apaixonada agora.
Ela engasgou com o ar
quando ia me responder, com
certeza de maneira gentil como
sempre fazia. #SQN
Antes que ela ficasse furiosa
e se trancasse no quarto por não
querer dar o braço a torcer que
havia se apaixonado por alguém,
quando disse que nunca o faria, me
lembrei de que ainda precisava de
algumas respostas dela.
— Agora me fala por que
você visualizou a resposta do blog
e não respondeu?
— Eu entrei porque queria
saber se haviam respondido, mas
quase tive um ataque cardíaco
quando a sua priminha querida
entrou no quarto de uma vez
arrancando o note das minhas mãos
falando que teria que fazer o check-
in dela. Juro que só não soquei a
cara dela porque eu precisava
recuperar o computador a tempo.
Alguns parentes são como a
segunda-feira, não gosto, mas sou
obrigada a suportar.
O pavor tomou conta de mim
na mesma hora. Se aquela aprendiz
de vilã mexicana descobrisse o que
eu estava fazendo, em dois
segundos a família inteira estaria
sabendo e eu encrencada.
— Ela viu alguma coisa?
— Claro que não, antes que
ela pudesse colocar os olhos em
alguma coisa eu lancei aquele meu
olhar amável, disse que ela me
desse os documentos que eu mesmo
faria o check-in para ela, e que se
não tinham lhe dado educação em
casa eu não teria problemas em
fazer isso. Ela deixou o meu quarto,
pálida e numa velocidade que
quase morri de rir.
— Nem eu ficaria perto de
você se tivesse com esse olhar.
Mas, você chegou a ler a resposta?
— Não deu tempo. Quando
terminei o check-in da outra lá, já
estava na hora de ir para o bar e
não deu nem para pensar. A folgada
ainda me fez levá-la para o
aeroporto, mas só de raiva a deixei
em outra entrada, deve ter andado
horrores.
—- Como você é má. —
Sorri com a cena se formando em
minha mente. Mia arrastando suas
malas enormes, sozinha pelo
aeroporto.
— Nunca, sou justa. Cada
pessoa tem aquilo que merece e
cativa. Apenas.
Quando abri novamente o
notebook, fui direto para a resposta
do site. Eu já não aguentava mais
tanto suspense e queria acabar com
aquilo de uma vez por todas,
recusaria se tivesse que me expor
de alguma forma.

@falandosobrehomens:
Gostaríamos de saber mais sobre as
suas inspirações para escrever em
seu blog, como tem sido a
repercussão das postagens com
cada um dos ex citados nelas e suas
reações. Faríamos uma entrevista
via Skype e depois a divulgaríamos
em nosso blog para conhecimento
de nossos leitores, criando um link
de acesso para o seu.
Estamos ansiosos para saber
mais sobre a tão misteriosa Pimenta
Rosa. Que rosto se esconde por trás
da personagem mais assediada do
mundo virtual no momento.
Estamos aguardando sua
resposta e esperamos que seja
positiva.
As palavras “Skype” e
“divulgaremos” ficaram girando em
minha cabeça por um tempo. Eu já
tinha decidido o que faria no
momento em que li as duas
palavrinhas que poderiam arruinar
minha carreira e de quebra minha
vida.
Imaginei cada ex saindo do
anonimato e me processando por
exposição de suas vidas.
— Eu vou recusar, não posso
aparecer. Não posso!
— E não vai.
Cíntia retirou o notebook do
meu colo e começou a digitar uma
resposta. Eu torci para que ela
tivesse bom senso ao fazer a recusa
da proposta, se bem que no
momento, qualquer coisa que ela
escrevesse teria mais lógica do que
eu se tentasse.
@pimentarosa: Eu agradeço
imensamente pelo interesse que
tiveram por mim, mas assim como
todo mundo que usa um pseudônimo
é imperativo que se mantenha em
sigilo a identidade do mesmo, e
isso se dá por algum motivo.
Se quiserem uma entrevista
comigo, ela deverá acontecer da
mesma maneira que esta
solicitação, via blog ou se
preferirem por e-mail.
Caso ainda seja do interesse
de vocês escolham umas das
opções e me enviem a resposta.
Beijos ardidos, Pimenta
Rosa!
A resposta veio quase que
imediatamente.
@falandosobrehomens: Nos
informe um e-mail, dia e horário
que seja possível conversarmos e
assim o faremos.
Será um prazer para o nosso
site conhecer um pouco mais do
fenômeno que é a misteriosa
Pimenta Rosa.
Um grande abraço.
Marcamos a entrevista para a
semana seguinte, mas só depois da
promessa de Cíntia de que estaria
junto comigo para me ajudar caso
eu entrasse em desespero. Algo que
aconteceria com toda certeza.
16
TER ATITUDE
É OBRIGAÇÃO,
FAZER MERDA É
#OPCIONAL!
Aproveitei que estava com o
computador ligado e pesquisei por
opções de passagens para São
Paulo, já que estava com o próximo
dia livre. Não havia mal nenhum em
aproveitá-lo bem. Consegui
encontrar um voo para sair às três
da manhã da terça-feira e a volta
seria na quarta-feira às oito da
manhã. Os horários eram perfeitos,
teria um dia para aproveitar e nada
de muito urgente iria acontecer
nesse meio tempo.
Não pensei duas vezes e
comprei a passagem, em seguida
mandei uma mensagem para Danilo.
FERNANDA: Está em São
Paulo?
DANILO: Estava discando o
seu número. Sim, por quê?
FERNANDA: O que acha de
um encontro às 4 da manhã?
DANILO: Acho uma excelente
ideia. Estou à sua espera.
FERNANDA: Saindo para o
aeroporto.
DANILO: Aquecendo a cama.
FERNANDA: Espero que esteja
bem quente.
DANILO: Não duvide.
Coloquei em uma mala de
mão o básico para um dia.
Enquanto isso Cíntia estava no seu
quarto, em uma ligação muito
suspeita, mas combinamos que só
envolveríamos terceiros se
realmente fosse importante. Aliás,
eu fiz um comunicado por escrito e
a obriguei a assinar, me liberando
de saber sobre suas noites tórridas,
enquanto as minhas eram
desastrosas.
O mais estranho era a cara de
boba que ela estava nos últimos
dias, não a via assim há muito
tempo. Na verdade, eu nunca tinha
visto ela assim tão radiante.
— O que acha de separarmos
algumas das postagens que fez com
maior acesso e número de
comentários?
— Boa ideia, e se
escolhêssemos os mais engraçados?
— Tem uns ótimos, mas isso
é assunto para quando voltar.
Vamos, eu te levo ao aeroporto só
não garanto que às oito da manhã eu
esteja lá para te buscar.
— Nem precisa, eu volto de
táxi.
Conversamos durante o
trajeto para o aeroporto e senti que
por diversas vezes ela sugou o ar
tentando evitar de me contar o que
estava acontecendo com ela, eu
também não a forcei a falar o que
ainda não estava preparada para
dividir. Ela logo encontraria uma
maneira.
No aeroporto já estavam
fazendo as chamadas para o voo em
que embarcaria. Segui para o setor
de embarque. Mal sentei, fechei os
olhos e o piloto estava informando
a plenos pulmões que deveríamos
retornar com os assentos para a
posição vertical, pois iniciaria os
procedimentos de pouso.
Um moreno espetacularmente
bonito me esperava de camiseta
branca (que contrastava com a sua
pele morena e deixava seus
músculos ainda mais evidentes),
jeans desbotado e chinelo de dedo.
A visão desleixada de alguma
forma o deixou ainda mais sexy.
— Ainda bem que cumpriu a
promessa de vir me buscar.
— Eu não sou louco de te
deixar sozinha aqui. Já viu a
quantidade de homens que tem
nesse aeroporto? Quase um inferno
pessoal.
Como ele conseguia ter bom
humor a essa hora da madrugada?
Eu adorava isso. Ele sempre me
fazia sorrir.
Ele me deu um beijo,
daqueles de sugar todo ar e deixar
tonta. E como era boa essa
sensação de sair do corpo por
míseros segundos, por puro e
legítimo prazer. Pegou a pequena
valise da minha mão, fomos direto
para o carro e dali para o
apartamento dele.
Quando cheguei, a imensa
porta de carvalho escura me
chamou a atenção, mas o
apartamento era típico de um
homem solteiro. Móveis escuros,
mas todos muito bonitos, o que com
certeza marcava a presença de um
designer de interiores por ali.
Havia um estreito corredor antes da
sala de entrada, que tinha um sofá
(nota mental safada: experimentar o
sofá), uma tv na parede com um
móvel embaixo cheia de aparelhos
eletrônicos, duas mesas em cada
canto do sofá e um tapete com
desenho em mosaico com vários
tons de azul. A cozinha era branca,
como essas de comercial de
margarina. Tinha uma mesa de
jantar tão bonita que evitou uma
terceira nota mental. E o lugar que
estava me coçando para conhecer:
o quarto.
O quarto era escuro, assim
como a sala. A grande diferença era
uma cama enorme com uma
cabeceira espelhada. Fiquei ali
imaginando as cenas que aquele
espelho poderia me proporcionar e
que já haviam proporcionado antes,
mas não deixei que esses
pensamentos habitassem minha
mente por muito tempo ou perderia
o clima.
Fiz uma careta quando me
lembrei de que havia esquecido
uma camisola e ele percebeu.
— Não gostou?
— Muito bonito, tudo por
sinal. Só esqueci a camisola, vou
precisar de algo para dormir.
— Claro, fique à vontade.
Qual dos dois, ou ambos? — disse
apontando os braços em minha
direção sugerindo que eu passaria a
noite entre eles. E eu adorei a ideia.
Muito melhor que camisola, mas foi
um upgrade violento.
— Os dois. — Fiquei na
ponta dos pés para lhe dar um beijo
rápido. — Eu preciso ir ao
banheiro, onde fica?
Eu precisava fazer a toillet,
mesmo que por pouco tempo era
muito melhor apresentar uma
periquita fresca do que uma já
passada.
A noite foi incrível, fiz mais
acrobacias que uma ginasta em
olimpíada. Quando acordei na
manhã seguinte estava acabada,
arrasada e feliz.
Procurei pelo celular e
quando vi as horas no visor mal
pude acreditar que já passavam das
dez da manhã. Havia duas
mensagens de Danilo.
DANILO: Assim que acordar
vista alguma coisa e venha me
encontrar no escritório. Te espero para
almoçarmos juntos.
A segunda era o endereço
para informar ao taxista que fosse
me levar. Levantei da cama e andei
nua pelo quarto. Coloquei as roupas
que usaria sobre a cama e quando
me virei para ir ao banheiro uma
mulher estava parada na porta do
quarto com uma cara de espanto.
Dei a ela bom dia e fui para o
banheiro, afinal de contas não
adiantava mais correr ou me cobrir
ela já tinha visto tudo mesmo, e
nada do que ela tinha visto ali era
tão diferente do que ela via todos
os dias quando tirava a própria
roupa.
Tomei um banho, fiz uma
maquiagem leve e voltei para o
quarto para me vestir. A mulher já
não estava mais ali, as peças de
roupa estavam devidamente
penduradas em um cabide e a cama
com os lençóis bem esticados.
Me vesti e ainda no quarto
chamei um táxi que não demorou a
chegar. Peguei minha bolsa e saí, a
casa parecia vazia, mas eu tinha
certeza que a mulher que havia me
pegado nua estava tentando me
evitar a todo custo. Eu no lugar dela
faria o mesmo.
Quando cheguei à agência
Império Design Visual, me
identifiquei e fui anunciada. Não
demorou muito e minha entrada foi
liberada. Me pediram que eu
aguardasse na recepção enquanto
Danilo, mas conhecido ali com Sr.
Oliveira, encerrava uma pequena
reunião com a Vice-Presidente, a
Srta. Mascarenhas.
E sem muito o que fazer,
comecei a observar o lugar, e sem
sombra de dúvida as pessoas
pareciam mais felizes em estar ali
trabalhando, era o que se chamava
de equipe. A pessoa que me serviu
um café enquanto eu esperava me
sorriu tão genuinamente que não
tive outra escolha senão retribuir, e
mesmo que eu não quisesse
retribuir meus lábios nesse
momento ganharam vida se curvado
para cima. Não havia aquela
constante de medo que acontecia
todos os dias pelos corredores da
FMV por conta das ameaças diárias
de demissões em massa. Bastava
alguém acordar de ovo virado e
uma pessoa perdia o emprego, era
só não estar no lugar certo pra ver.
Aproveitei para vasculhar o
blog e fazer a seleção dos
comentários que usaria na
entrevista.
Eu deveria estar parecendo
uma lunática, porque olhava para a
tela e sorria.
Passados quinze minutos e
alguns comentários selecionados, a
Srta. Mascarenhas deixou a sala
acompanhada de Danilo que ao me
perceber sentada veio em minha
direção. Ela me olhou com uma
cara de fedor que me deu até um
arrepio na espinha, mas não se
podia negar que era uma mulher
linda, apesar da cara de carranca.
— Já está aqui há muito
tempo?
— Não, acabei de chegar.
Ele me convidou para entrar
em sua sala até que terminasse de
enviar alguns e-mails. Eu precisava
ir ao banheiro depois de tantos
copos de água, mas ele prontamente
me informou que havia um banheiro
privativo em sua sala. ​— chique
neh? E eu se quisesse ficar seca até
o final do dia precisava atravessar
quase que a empresa inteira para ir
ao banheiro.
Usei o banheiro, quer dizer,
espiei mais do usei, porque foi
rapidinho e quando estava
retocando o batom ouvi a voz
sebosa e inconfundível de Mia.
Não o deixei sozinho nem
cinco minutos, e ela estava lá
esparramada na poltrona do
escritório dele como se isso fosse
uma situação habitual. Estava muito
sorridente, e gesticulava bastante e
eu resolvi ficar à espreita,
espionando pela fresta da porta. Um
pouco porque queria saber qual
seria a reação dele (qualquer uma
faria o mesmo no meu lugar, não
adianta bancar a centrada) e outra
porque precisava me acalmar e não
voar nela.
Danilo educadamente tentava
evitar que ela fizesse algum tipo de
escândalo, porque a essa altura ele
já havia percebido do que ela era
capaz para chamar atenção. Ele se
manteve o mais distante possível,
mesmo diante das tentativas
insistentes dela. E eu fiquei ali,
atrás da porta fervendo de raiva.
— É muita gentileza sua vir
até aqui e me fazer este convite,
mas eu realmente ando muito
ocupado ultimamente. Quem sabe
quando a Fernanda vier nos visitar
não conciliamos nossas agendas e
assim saímos todos juntos.
— Eu duvido muito que ela
me avise se por acaso vier aqui.
Não viu o que ela fez comigo
quando fui até o Rio?
— Não a leve a mal, ela
apenas já tinha outro compromisso.
E não querendo ser indelicado após
uma visita tão cortês, mas eu
realmente preciso continuar o
trabalho aqui. Aviso a Fernanda que
esteve aqui.
— Até você vai me expulsar?
Mas era piranhuda mesmo!
Não se daria por vencida nem que
ele a jogasse pela janela.
— Longe de mim, mas o
momento não é o mais oportuno
para uma visita. Aceitei recebê-la
por se tratar de um familiar da
minha namorada e porque achei que
seria breve. Em todo caso, creio
que possamos desfazer essa má
impressão em um almoço, quando a
sua prima estiver na cidade. Devem
ter muitos assuntos que gostariam
de conversar.
Quando ela pareceu perceber
o papel ridículo que estava
fazendo, rapidamente suas
bochechas ganharam o tom
“vermelho vergonha”. Levantou-se,
se despedindo dele e saiu da sala.
Como não tinha outra opção
fechei a porta com muito cuidado
sem fazer nenhum barulho e colei o
ouvido na porta. Ela estava de
saída, mas isso não era segurança
de que não tentaria mais nada até
que a porta se fechasse.
Mas, não estava conseguindo
ouvir nada até que em um
movimento rápido a porta foi aberta
e eu cai espatifada no chão com as
pernas para o ar.
Danilo não conseguia me
ajudar porque estava às
gargalhadas e eu não conseguia me
levantar porque estava rindo da sua
risada.
Levamos algum tempo até eu
estivesse de pé novamente, o mais
espantoso foi que minutos após me
celular vibrou uma mensagem de
número desconhecido.
DESCONHECIDO: Priminha
seu namorado está se comportando
muito bem, marcamos de sair para
conversar. Ele é tão receptivo que
fiquei desconfiada, mas acho que
deve ser bobagem da minha cabeça
por estar preocupada com você
namorando alguém a distância.

FERNANDA: Eu pude perceber


toda a sua preocupação comigo do
banheiro da sala dele. Imagina como
esse mundo é pequeno, não é mesmo?
Eu só não saí para não atrapalhar a
conversa, mas em todo caso fique à
vontade para conhecer meu namorado,
logo a família irá conhecê-lo também e
porque não começar por você que
tanto amo.
Ah que se exploda. Eu não
sabia no que iria dar o que estava
acontecendo entre mim e Danilo,
mas esse era aquele tipo de
oportunidade que não acontece duas
vezes na vida e nesse caso foi
ótimo para mim, pela primeira vez,
poder revidar.
Não se engane, são 1,60 de
altura e uma tonelada de ciúme bem
distribuído.
Então era assim que ela havia
me roubado todos os ex-
namorados? Na verdade, eu os
havia entregado em uma bandeja, o
único esforço que ela precisou
fazer foi colocar a mente
maquiavélica para funcionar.
Já na saída ele se virou para
a secretária e pediu para que
transferisse todas as ligações
importantes para o seu celular e
informou que não voltaria mais
para a empresa naquela tarde.
— Agora podemos ir.
Fomos a um restaurante
maravilhoso, e a tarde passeamos e
ele me levou há alguns lugares que
não tive oportunidade de conhecer
da última vez em que estive na
cidade. E antes que o trânsito se
tornasse um caos voltamos para o
apartamento.
Poderíamos ter saído para
jantar fora, mas eu preferi
aproveitar para ficarmos juntos.
Não sabia quando teríamos a
chance de fazê-lo novamente.
Ele me contou que não era
filho único, mas que perdeu o irmão
em um acidente de carro quando ele
tinha apenas dezesseis anos. Que a
mãe passou anos perdida em uma
depressão e que só melhorou
quando sua irmã se divorciou e
precisou de ajuda com seu filho
pequeno, que por sinal era o Lucas,
por isso eram tão ligados e
parecidos. Assim ela havia
encontrado uma forma de aplacar a
dor da perda do filho.
Ele me contou um pouco
sobre a sua família e a minha
barriga já estava em chamas quando
ele terminou falando sobre a sua
avó. Segundo ele, D. Ana era uma
figura e eu teria de conhecê-la um
dia. Concordei e contei a ele sobre
meus pais que haviam se separado
quando eu tinha treze anos, e que
meu pai havia se casado novamente
enquanto minha mãe decidiria
aproveitar a sua liberdade. Tinha
minha irmã mais velha, Cátia, que
estava divorciada há um ano depois
de pegar o marido com a secretária
na mesa do escritório de advocacia
em que eram sócios. Contei sobre a
minha tia e Mia e dos outros primos
distantes que não falava há anos e
quando percebemos já passava das
cinco da manhã.
Fomos para o quarto e
ficamos juntos. Dessa vez não
houve sexo e nem a necessidade
dele, a intimidade que havíamos
compartilhando era bem maior do
que qualquer noite de sexo.
A contragosto me levantei e
joguei tudo dentro da valise, apesar
de Danilo insistir para que eu as
deixasse lá e tivesse o pretexto de
voltar para buscar em outro
momento e fomos para o aeroporto.
— Esta intimada a me fazer
mais surpresas como esta.
— Eu adorei, vou pensar no
seu caso.
Prometi que ligaria assim que
chegasse, ele me deu um beijo e
então segui para o portão de
embarque.
Quando cheguei ao
apartamento, Cíntia ainda estava
dormindo. Mal tive tempo de me
organizar meu celular começou a
tocar.
— Alô.
— Bom dia, Fernanda, é a
Hanna, tudo bem?
— Bom, dia Hanna, tudo bem
sim e você como tem passado?
— Eu estou bem, obrigada.
Estou ligando a pedido do Sr.
Murilo, ele pediu que viesse
imediatamente para a empresa, mas
quero deixá-la preparada que novas
fotos suas estão na internet ao lado
do Sr. Oliveira e que ele está
furioso aqui. Então venha
preparada para um humor pior do
que já está acostumada.
— Tudo bem Hanna, avise,
por favor, que eu já estou a
caminho.
— Certo, tchau.
— Tchau.
Meu coração estava quase
saindo pela boca quando desliguei
o celular. Troquei-me rápido e na
saída me “estabaquei” na mesa
derrubando um monte de coisas ao
chão fazendo muito barulho,
acordando Cíntia que estava com
um penteado de época (o cabelo
dela estava todo para o alto).
— Está louca, quer me matar
do coração?
— Desculpa, mas me esqueci
de que não deveria ser vista com
Danilo por aí e fui para São Paulo e
fiquei desfilando com ele para cima
e para baixo e agora tem fotos na
internet. A Hanna acabou de ligar
falando que Murilo está feito louco
e mandou me chamar. Eu vou ser
demitida com certeza, aquela
estagiária já deve ter mostrado as
fotos para ele.
— Mulher, menos. Deixa eu
me trocar e lavar o rosto que te
acompanho e se for mesmo
demitida saímos e aproveitamos o
dia. Se o seu chefe for mesmo
babaca a ponto de achar que pode
controlar sua vida particular,
melhor para você se sair agora.
— E como eu pago as minhas
contas?
— Você deve ter alguma
coisa para receber, e duvido que
fique fora do mercado por muito
tempo. Se ficar, o bar está dando
lucro, então deixa comigo.
Qualquer coisa você me ajuda por
lá.
Ela me deu uma piscadela e
voltou para o quarto. Eu sabia que
se a coisa ficasse mesmo séria eu
poderia contar com ela, mas torcia
para não precisar.
Dez minutos depois ela
estava linda bem na minha frente.
Decidiu que iria dirigindo porque
eu não estava bem, e quando entrei
a recepcionista já me lançou um
olhar de piedade e eu sabia que
podia esperar pelo pior.
À medida que passava pelos
setores as pessoas que gostavam de
mim vinham falar comigo me dando
um bom dia e as que não gostavam
fofocavam e davam risadinhas, mas
não passavam sem ganhar um olhar
ameaçador de Cíntia e logo ficavam
sérias e murchas em seus cantos.
Quando cheguei à recepção
da Vice-Presidência enviei uma
mensagem à Hanna que me
respondeu que antes de sair
passasse em sua sala. Depois da
resposta eu tive a constatação de
que seria demitida de verdade.
Sentei-me na poltrona e
aguardei, já que a recepção estava
sozinha. Letícia provavelmente
estava na copa fofocando sobre a
minha demissão, a essa altura todos
já sabiam.
De onde estávamos ouvimos
os gritos de Murilo que deveria
estar com algum coitado na sala.
“Saia daqui seu
incompetente, e espero que antes do
final do expediente tenha resolvido
esse problema ou não precisa
aparecer aqui outra vez.”
— Esse cara caiu do berço,
só pode. Ele não pode falar assim
com as pessoas. Quer dizer, pelo
menos comigo ele não falaria —
ela disse bem baixinho.
— Manda quem pode,
obedece quem tem contas a pagar.
Já ouviu isso? — eu respondi no
mesmo tom.
Ela ia abrir a boca para me
responder de volta, mas a porta se
abriu e de lá saiu um funcionário
cabisbaixo e na sequência e
miniatura de gente que era o meu
ex-chefe.
Ex é tudo uma porcaria
mesmo.
— Por que não me avisaram
que estava aqui?
— Não há ninguém na
recepção se você não percebeu.
Sua secretária deve estar por aí
batendo perna. — Não deu tempo
de impedir a boca de Cíntia
despejar todo o desaforo e uma vez
só.
Murilo a olhou furioso e
depois para mim. Certeza, que se
ele pudesse me matar ele o faria.
— E você quem é? — disse
olhando com desdém para ela.
— Alguém que não trabalha
para você e não te deve satisfações.
— Ela colocou a bolsa embaixo do
braço e me deu um olhar
conspiratório. A intenção dela com
isso era não me ferrar ainda mais,
pois se Murilo percebesse que ela
estava comigo ele não teria
clemência.
— Venha até a minha sala
Bournet, não tenho tempo a perder
com quem não é importante.
Entrei e fechei a porta atrás
de mim e no instante seguinte ele
estava virando o monitor do seu
computador na minha direção.
Havia uma imagem sorridente
minha e de Danilo e o destaque da
matéria:
“ROMANCE ALÉM DAS
PAREDES DOS GRANDES
ESCRITÓRIOS DE
COMUNICAÇÃO VISUAL DO
PAÍS”.
Mais abaixo uma foto nossa
em um beijo na saída do
restaurante. Não havia qualquer
justificativa para o que meus olhos
estavam vendo.
Levei um susto quando ele
deu um grito raivoso, despejando
suas grosserias.
— Acha que eu te pago um
salário altíssimo pelo que vale
como funcionária, para sair por aí
se esfregando com a concorrência
quando deveria estar trabalhando?
Eu seria demitida e não havia
como voltar atrás, isso já estava
sentenciado . Então eu daria a ele a
resposta à altura e que ele sempre
mereceu, mas que ninguém teve
coragem de dar.
— Escuta aqui, e escuta bem
direitinho, porque eu não vou
repetir. Eu não sou nada além de
sua funcionária e o que eu faço ou
deixo de fazer, com quem ando me
“esfregando” — enfatizei as aspas
com as mãos — não é problema
seu. Sempre cumpri com as minhas
obrigações, e muito bem, caso
contrário não teria sido promovida
à sua assistente. Você só me paga o
que é o meu direito receber. Fora
daqui e do meu expediente eu não te
devo satisfações. E mais uma coisa,
antes de me julgar olhe bem para o
espelho e se ainda assim conseguir
erguer sua cabeça o faça, porque
bancar o correto quando contratou
uma secretária apenas porque ela
aceitou dormir com você não é
digno de muitos aplausos. Portanto,
se só tinha isso para me falar, estou
indo para o RH para assinar minha
demissão que já deve ter sido
autorizada por você e indo embora
daqui. Passar bem, Sr. Murilo Rius.
Não dei a ele nenhuma
chance de resposta, saí dali batendo
a porta atrás
de mim. Mas, como tudo que está
ruim pode piorar, dei de cara com a
estagiária, agora assistente da Vice-
Presidência.
— Já está...
— Cala a boca, que eu não
sou mais obrigada a suportar o seu
deboche e te encho a cara de tapas.
Letícia ficou de olhos
arregalados e não ousou me
responder. Saí dali direto para o
RH, assinei todos os papéis e me
encontrei com Cíntia na saída e
fomos direto à praia. Ela disse que
precisava me acalmar e andar na
areia da praia era uma boa terapia.
Conversei com ela sobre o
que tinha acontecido e ela me
abraçou como se eu tivesse
ganhado alguma coisa, e no fim eu
tinha mesmo. Tinha pegado de volta
minha dignidade.
Os dias passaram e eu fui às
noites para o bar para ocupar minha
cabeça. Estava indo tão bem que
Cíntia acabou ganhando o sábado
de folga para sair com seu novo
caso.
O valor da rescisão que
recebi daria para eu me virar bem
nos próximos quatro meses e isso
era tempo suficiente para me
recolocar no mercado.
E o dia tão temido da
entrevista para o site havia
chegado. Cíntia estava em casa e
faltavam quinze minutos para
começar quando uma mensagem
apareceu no alto da tela do
computador. Desta vez, a resposta
era de Ângelo pela postagem que se
referia a ele com codinome de
Lúcio.
Resolvi abrir aquele e-mail
em especifico para ver o que estava
por vir com os outros que estavam
lotando minha caixa de e-mail.

E-mail 1 – Antes do
post no blog
Repense sobre a sua
decisão e verá que não é a
melhor maneira de enfrentar
o fim do nosso
relacionamento.
Tivemos momentos
incríveis e se não fosse por
sua possessividade
estaríamos juntos ainda.
Me liga e podemos
conversar.

E-mail 2 – Depois da
postagem
Você perdeu a noção
de tudo, deve ser isso.
Quando você achou
que seria uma boa ideia se
expor de uma maneira tão
ridícula e infantil assim?
Se não foi bom para
você o tempo em que
namoramos, imagine para
mim que tinha uma louca
neurótica me ligando e
enchendo minha caixa de
mensagem com recados sem
fundamentos e totalmente
idiotas.
Você foi o erro mais
grotesco que cometi na
vida, sua frustrada de
merda. Sabe por que eu não
aguentei muito tempo com
você sem procurar uma
substituta? Porque ninguém
é capaz de ficar com uma
pessoa que só sabe sufocar
com cobranças.

Será que eu realmente era


essa louca paranoica que ele havia
descrito?
Não, eu não era. Ele que era
um grandessíssimo babaca que
resolveu revidar porque descobriu
que não era o garanhão que
imaginava.
A sensação de alma lavada
me deu liberdade para ler os
demais e-mails e ver que todos
seguiam a mesma sequência que a
de Ângelo. Antes do prazo que eu
estipulava para o post no blog eram
frases e mais frases bonitas para
tentar me convencer a não fazer o
que eu pretendia, mas depois de
feito, os insultos rolavam ladeira
abaixo. A irritação e agressividade
nas palavras eram comum a todos
os e-mails pós post, o que acabou
melhorando muito o meu humor e
me deixando mais leve para
entrevista.
Percebi que o problema não
era comigo e sim com a minha
necessidade de estar com alguém e
por isso acabava aceitando o que
aparecia e nunca parava para
escolher. Mas agora, depois de
escolher bem eu tinha acertado em
cheio com Danilo.
Cíntia se sentou ao meu lado
com muita comida e bebida para
evitar sair
do meu lado para buscar uma ou
outra e acabar perdendo alguma
coisa.
Um aviso por mensagem no
blog chegou me informando que
todos estavam à minha disposição
para começar a entrevista. Ao ler
me veio um frio na barriga, mas a
palavra dada deve ser cumprida.
Site Falando Sobre Homens
tem hoje o prazer de entrevistar a
blogueira, de maior ascensão do
cenário virtual no momento.
Ela vem se destacando com o
pseudônimo de Pimenta Rosa e
desvendando através de suas mal
sucedidas histórias amorosas o que
acontece ao final de relacionamento
altamente fadados ao fracasso.
Espero que gostem da
entrevista.
FSH: Olá, querida Pimenta
Rosa, seja bem-vinda.
PR: Obrigada.
FSH: Como surgiu a ideia de
criar o blog Meu conto de f#das?
PR: Estava em um
restaurante e duas mulheres estavam
conversando sobre suas frustrações
amorosas. Naquele momento,
enquanto ouvia aquela conversa
percebi que não era a única a passar
pelas desilusões de romances
perfeitos que só existiam na minha
cabeça e terminavam sempre da pior
maneira possível.
FSH: E como chegou a esse
nome tão sugestivo e de duplo
sentido?
PR: Eu sempre esperei por
um romance perfeito, mas acabava
não acontecendo e quem nunca
sonhou em viver um conto de fadas
e acabou decepcionado ao longo do
caminho?
FSH: E por que a #hashtag?
PR: Isso foi uma brincadeira
para que cada um pudesse
interpretar da maneira que
desejassem cada história. Existem
pessoas que acreditam que tudo o
que vivi até aqui me preparou para
viver um grande e amor verdadeiro,
já outras acham que eu só meti os
pés pelas mãos. Por isso, fica a
critério de cada leitor imaginar sobre
as histórias que estão lendo.
FSH: Algum dos ex-
namorados citados já se pronunciou
a respeito dos posts em que
aparecem? PR: Todos eles, mas só
descobriram porque receberam um
e-mail meu com a minha visão do
nosso relacionamento antes do post
ser publicado no blog.
FSH: E como reagiram?
PR: Dentro do esperado.

Cíntia estava ao meu lado


gargalhando.
— Dentro do esperado foi o
melhor do dia. Todos se
descabelaram e só não te chamaram
de amor, você quer dizer.
— E o que mais estaria
dentro do esperado?
A entrevista estava correndo
bem. Eu contei alguns episódios
que não havia escrito e Cíntia
voltou a me cutucar.
— Não acredito que você
ainda se lembra do seu primeiro
beijo?
— Claro, eu nunca vou
esquecer aquela tragédia!
Eu tinha dado o meu primeiro
beijo para me safar de uma
vergonha em um jogo de verdade ou
consequência. Perguntaram-me de
quem eu gostava e como bela idiota
que sou soltei o nome de um cara
estranho que tinha acabado de sair
só para ninguém perceber que eu
era a única ali que nunca tinha
beijado na vida.
E o que isso me rendeu? O
cara voltou e eu precisei passar três
meses namorando com alguém que
não era exatamente uma escolha,
mas sim a consequência.
Meia hora depois finalizamos
a entrevista e decidimos sair para
comemorar.
Quando estava na porta meu
telefone tocou.
— Boa noite, Fernanda, é a
Hanna. Tudo bem?
— Oi, Hanna, quanto tempo.
— Fiquei esperando o seu
contato, mas como não passou na
minha sala antes de sair da empresa
aquele dia, deduzi que não era o
momento de procurá-la.
Depois daquele desaforo
todo que fui obrigada a ouvir do
Murilo eu fiquei tão desnorteada
que acabei me esquecendo de
passar na sala dela.
— Hanna, me perdoe, por
favor. Tudo foi tão tumultuado
aquele dia que acabei me
esquecendo completamente do seu
pedido. É algo urgente?
— Sim, muito urgente.
— Eu estou de saída, pode
ser amanhã?
— Desculpe, mas é realmente
urgente. Pode me passar o endereço
de onde está indo? Eu posso
encontrá-la.
— Estamos saindo para
dançar. Sabe onde fica a Sacrilégio
na Lapa? Estamos indo para lá.
— Sim. Encontro vocês lá.
Beijo.
— Beijos, até daqui a pouco.
Desliguei enquanto Cíntia me
arrastava pelo corredor. Quase não
consegui trancar a porta.
O que será que estava
acontecendo agora? Hanna não era
do tipo de pessoa que qualificava
qualquer situação como urgente.
17
NÃO BASTA APRENDER A
LIÇÃO
TEM QUE CONTINUAR
SE #FERRANDO!
No caminho até a boate
ficamos conversando sobre a
entrevista e de como apesar dos
últimos acontecimentos eu parecia
ter encontrado algo que realmente
me dava prazer em fazer e de como
estava feliz.
Eu estava desempregada, mas
pela primeira vez tudo parecia
fazer algum sentido. Nunca estive
tão leve e tão pronta para enfrentar
a vida.
Assim que descemos do táxi
avistamos Hanna parada na entrada
a nossa espera.
— Desculpe por insistir em
me encontrar com você hoje, mas é
realmente urgente e preciso de uma
resposta imediata para dar
andamento ao meu trabalho.
O barulho do lugar estava
quase a obrigando a gritar, e se o
assunto era mesmo assim tão
importante era melhor que fossemos
a outro lugar para conversarmos.
— Vamos sair daqui, mal
consigo ouvir minha própria voz.
Arrastei as duas para um bar
um pouco mais afastado do tumulto,
nos sentamos e pedimos algumas
bebidas.
— Agora me diz, Hanna, o
que a tem preocupado tanto que a
fez sair de casa a essa hora e
enfrentar a Lapa lotada?
— O Sr. Conrado solicitou da
empresa um projeto enorme.
— Que maravilha. Mas,
ainda não entendo o que isso tenha
a ver comigo.
— O Sr. Conrado só irá
assinar o contrato conosco se você
estiver à frente do projeto.
O grito de espanto que Cíntia
soltou pôde ser ouvido na outra
esquina e fez a maioria das pessoas
olharem em nossa direção. A
fisionomia assustada dela mudou
rápido para animação.
— Garota, você vai arrasar.
Eu sempre soube que você era boa
demais para ser só uma secretária
naquela empresa.
Tudo ainda me parecia
surreal demais, e depois da forma
como falei para Murilo duvido
muito que ele me aceitasse de volta
na empresa, mesmo que apenas até
a finalização do projeto.
— Hanna, mesmo que seja
uma exigência do Sr. Conrado eu
duvido muito que Murilo aceite
minha volta, mesmo que
temporariamente.
— Ele não tem muita escolha,
ou você volta ou perderemos o
projeto para a concorrente.
— Provavelmente ele deve
estar achando que eu tenha algo a
ver com isso, não é?
Hanna protelou por alguns
instantes antes de dar a resposta, o
que me fez ter plena certeza de qual
seria ela.
— Não adiantaria mentir e
dizer que não. A primeira coisa que
ele bradou pelos corredores foi de
que você estava fazendo
espionagem para a concorrente,
para em troca manter uma relação
amorosa patética.
— Hanna, então eu não tenho
nem o que pensar. Avise que não
tenho interesse nenhum em voltar a
trabalhar para o Murilo. Agradeça
por mim o interesse do Sr.
Conrado, diga a ele que eu sinto em
não poder atendê-lo desta vez.
— Eu imaginava que essa
seria a sua resposta e não te
condeno por isso, em seu lugar
faria a mesma coisa.
Cíntia que olhava para mim e
depois para Hanna, não
compreendia como eu não iria
aproveitar a chance de revidar à
altura e voltar por cima e fazer
Murilo me engolir a seco, mas eu
levei tanto tempo para ter essa
minha liberdade e não ter mais que
suportar as grosserias gratuitas
dele, que dinheiro nenhum me faria
voltar atrás.
— Me desculpe, Hanna, mas
não há a menor possibilidade de
voltar.
— Tudo bem. Agora vamos
mudar de assunto, aproveitar a
noite e minha companhia.
Conversamos por mais meia
hora e com o nível de álcool um
pouco mais elevado seguimos para
uma boate. Essa noite precisávamos
nos divertir e comemorar.
Às cinco da manhã, depois de
várias danças, algumas caipirinhas
e cantadas furadas que foram
descartadas com sucesso, pegamos
um táxi, e deixamos Hanna em casa
e seguimos para o nosso
apartamento.
Cíntia antes de seguir para
seu quarto ainda tentou me
convencer de que era uma boa
vingança fazer o Murilo me aceitar
como uma parceira indispensável e
ainda acatar minhas decisões, não
me tratar mais como uma
subordinada obrigada a aceitar os
seus desmandos para manter o
salário, mas a única coisa que
conseguiu foi sentir a dor de cabeça
antecipada da ressaca.
A semana passou sem que eu
me desse conta. Danilo me ligou
algumas vezes, mas em nenhuma
das ligações tive uma boa notícia.
Ele estava trabalhando em um novo
projeto importante que valeria uma
conta gigantesca para IDV, e por
isso ele não poderia vir ao Rio e
nem teria tempo nos finais de
semana para que eu fosse para lá. O
que me deu tempo para escrever
bastante no blog; sem sexo minha
imaginação estava a mil.
A repercussão da entrevista
para o site foi maravilhosa, em uma
semana eu tinha quase dobrado o
número de inscritos e algumas
empresas me propuseram alguns
negócios. Eu abriria espaço no blog
para propagandas e divulgação de
produtos e em troca eu receberia
benefícios e produtos do portfólio
deles.
Os mais legais que recebi
foram os produtos eróticos de
alguns sex shop, era impressionante
a criatividade das pessoas para
terem um orgasmo. Eu talvez se
tivesse acesso a alguns desses
brinquedos no passado, muito
provavelmente teriam feito meus
relacionamentos durarem um pouco
mais.
Vibradores de todos os
modelos e tamanhos chegaram em
um pacote bem discreto. Cíntia toda
animada logo vasculhou a caixa e
escolheu alguns produtos, que eu
precisaria relatar as
funcionalidades no blog. Quem
melhor que ela para testar?
Três semanas após a minha
demissão e cinco entrevistas
depois, eu estava me tornando
muito popular na internet, mas isso
não ocupava muito do meu tempo.
Entre selecionar um tema,
responder aos comentários,
escrever os textos e postar não me
tomavam mais que três horas do
dia. Eu precisava encontrar algo
para fazer urgentemente, ou
acabaria enlouquecendo.
Como o dia estava bonito, fui
até a praia para respirar um pouco
e organizar minhas ideias, quem
sabe assim surgiam novas
possibilidades do que eu poderia
fazer.
Selecionei algumas músicas e
pela primeira vez em muito tempo
eu realmente estava olhando tudo
com mais atenção, e como a cidade
era bonita sem aquela confusão
caótica do trânsito, obras e pessoas
mal-humoradas. As ondas
quebravam mansas e formavam
espumas brancas que beijavam a
areia e sorrateiramente banhavam
meus pés. Deixei-me levar pelo
momento, até que o mesmo acabou
com uma chamada no celular,
interrompendo a voz incrível de
Djavan, que por acaso cantava
oceano naquele momento.
— Alô.
— Boa tarde, Srta. Fernanda
Bournet?
— Sim, é ela. Quem gostaria?
— Aqui é do escritório de
Conrado Moura, a senhorita teria
disponibilidade para falar agora?
Estaquei no lugar quando
ouvi quem era a pessoa por trás da
secretária, e por mais que eu
estivesse bem curiosa o “cagaço”
me dominou, por não ter a menor
ideia do que um dos empresários
mais bem-sucedidos do país nos
últimos anos poderia querer
comigo.
— Sim, claro. Se ele não se
importar com o barulho da rua, por
mim tudo bem.
— Irei transferir a ligação,
um minuto por gentileza.
Fiquei aguardando parada
olhando para o nada e ouvindo
aquela musiquinha infernal de
espera.
— Srta. Bournet?
— Boa tarde Sr. Conrado,
como tem passado?
— Muito bem minha querida,
mas sendo direto e desviando de
certas formalidades eu gostaria de
saber se teria interesse em realizar
um projeto para uma de minhas
empresas. Este é um projeto grande
e que vai exigir muita dedicação de
sua parte. Isso claro se aceitar a
minha proposta.
E pelos minutos seguintes ele
me explicou superficialmente sobre
o que se tratava o projeto e percebi
o quão importante era, e como
demandaria tempo.
Por acaso ele havia
descoberto que eu realizei o último
projeto da FMV, quando Murilo
estava ausente, mas ao retornar sem
escrúpulo nenhum assinou a edição
final, ficando com todos os créditos
pelo meu trabalho. Por isso ele
exigia minha participação, mas
frustrou-se ao descobrir que eu não
fazia mais parte do quadro de
funcionários da empresa. E agora
estava me ligando para saber se eu
tinha interesse em participar do
projeto de maneira independente.
Assim que aceitei a proposta
ele me pediu que fosse até o
escritório na manhã seguinte, me
inteirasse de tudo e verificasse o
que seria preciso para iniciar o
projeto. O detalhe era que eu teria
cinco semanas para concluir algo
que demandaria pelo menos sete
semanas, ou seja, eu precisaria de
um milagre.
Dei graças a Deus por não ter
quebrado a cara do Sr. Conrado
quando ele foi um “engraçadinho”
em sua festa.
Assim que desliguei o
telefone disquei o número de
Cíntia, que para variar não me
atendeu, só que eu precisava contar
isso para alguém. Liguei para
Danilo e fiquei torcendo para que
ele atendesse, mas não sabia se era
a coisa certa a fazer, já que a
empresa em que ele trabalha havia
tentado conseguir esse projeto
também.
Quando finalmente a voz do
outro lado ecoou eu pensei se
realmente havia tomado a decisão
certa. Afinal, ele também havia
perdido o negócio, e o pior, para
mim.
— Oi, minha deusa. — Ri
com a menção da música que havia
lhe enviado por mensagem. Esse
homem sabe mesmo me fazer sorrir.
— Oi — disse ainda em meio
a um sorriso. — Está ocupado? Se
estiver, nos falamos mais tarde.
— Se estivesse, ainda assim
a ouviria. Mas, a que devo a honra
do milagre, já que nunca me liga?
— Engraçadinho. Você está
ciente do projeto publicitário do Sr.
Corado, não está?
— Sim, inclusive perdemos a
conta para a empresa em que
trabalha.
— Trabalhava, mas isso não
vem ao caso. O que aconteceu foi
que o Sr. Corando pretendia que eu
ficasse à frente do projeto, por
acreditar que eu ainda estivesse
FMV, e assim que soube do meu
desligamento ele entrou em contato
comigo para me convidar para
comandar o projeto de forma
independente.
— E por que me parece tão
séria? Deveria estar feliz, este é um
projeto gigantesco e se o Conrado
acreditou que fosse capaz de
realizá-lo é porque você é.
— E você não se importa
com isso? Afinal, sua empresa
perdeu uma conta enorme.
— Eu me importaria se
tivesse perdido para alguém menos
capacitado do que eu. Confesso que
este era um projeto que me
interessava bastante, mas estou
satisfeito que tenha sido você a
escolhida para dar seguimento a
ele.
— Amanhã eu irei ao
escritório para saber dos
pormenores do projeto, mas não
estou me sentindo muito segura com
relação a isso, o Murilo com
certeza fará algo para me
desmoralizar perante o Sr.
Conrado.
— Esqueça que já o
conheceu, Ruis é um ser
abominável e não merece que perca
seu tempo pensando nele. Gaste
esse tempo pensando em mim.
— Farei isso — disse em
meio a uma gargalhada. — Agora
vou deixá-lo trabalhar, ligo para
você depois.
— Nos vemos em duas
semanas.
— Estarei esperando.
Assim que desliguei, fiquei
um pouco mais aliviada.
Voltei para casa e tomei um
banho e fui com a Cíntia para o bar.
Eu poderia ajudá-la, porque ficar
em casa me levaria à loucura, pois
ficaria pensando nas inúmeras
possibilidades que poderiam
acontecer amanhã.
Quando saímos de casa já
havia anoitecido, e qual não foi a
minha surpresa quando Flávio,
Pedro, Lucas e Eduardo chegaram
algum tempo depois.
Pareciam estar comemorando
alguma coisa, todos estavam
alegres e pelos tropeços entre as
mesas tudo indicava que esta era a
segunda parada da noite. Estavam
mais animados do que criança
vendo comercial de brinquedo na
tv.
Fui até a mesa onde se
sentaram para anotar os pedidos e
descobrir o motivo de tanta alegria
que estava contagiando a todos. As
risadas eram tão altas que todos os
outros clientes estavam sorrindo
também.
— Boa noite rapazes, pelo
visto essa promete ser uma noite
animada. O que vão pedir?
— Queremos uma rodada de
qualquer coisa por conta do idiota
do Pedro — Eduardo disse
tentando se manter sentado na
cadeira. Ele já deveria estar muito
bêbado.
— E por que ele é idiota?
— Esse imbecil está
apaixonadinho e vai pedir a nova
peguete em namoro — Lucas disse
em tom de desdém.
— E o que isso tem demais?
— Não teria nada demais se
não fosse um relacionamento de
semanas — Eduardo falou um
pouco mais alto do que deveria.
— Acontece nas melhores
famílias, agora deixe-me pegar as
bebidas. Já volto.
— Não faça o mesmo com o
Danilo, já há um desfalque aqui,
não suportaríamos uma nova baixa,
não seja cruel. — Flávio falava
enquanto dava batidas nas costas do
Pedro e sorria.
Quando cheguei com os
pedidos no balcão, Cíntia e Antony
prepararam tudo em tempo recorde
e como o bar não estava com
movimento muito forte ela se deu
uma folga de vinte minutos e se
sentou à mesa comigo e os rapazes.
— O que estamos
comemorando hoje? — Cíntia disse
enquanto se sentava ao lado de
Eduardo.
— O amor minha cara, o
amor — Eduardo falou se
levantando para ir até o banheiro.
— Que maravilha, esta
rodada é por minha conta, então.
Cíntia alternava entre o
balcão e a mesa, e eu entre as
mesas do salão e a dos rapazes.
A noite começou tranquila,
mas não seguiu assim. Logo o local
estava cheio, o barulho de muitas
vozes tentando se fazer ouvir em
uma conversa, cheiro de cigarro,
toques de celulares diferentes e
muitas risadas. Esse era o cenário
daquela noite.
Os rapazes foram embora
pouco tempo depois que o lugar
virou uma loucura, um se apoiando
no outro tentando chegar à porta e
chamar um táxi, o que acabou
sobrando para mim. Fiquei uns
quinze minutos ao lado de fora
tentando achar um táxi adaptado e
quando vimos que era humanamente
impossível, Pedro se conformou em
ir no banco de trás entre Lucas e
Eduardo.
Chegamos em casa às três da
manhã, completamente exaustas.
Tomei um longo banho e mal me
sequei porque o calor estava
infernal, me joguei na cama e
adormeci sem me dar conta.
Acordei já perto do meio-dia.
Preparei uma comida leve, me
arrumei e fui até a empresa do Sr.
Conrado para saber mais sobre o
projeto e colocar uma única
condição para aceitar realizá-lo.
Quando cheguei fui recebida
por seu assistente, Felipe, que me
levou até a sala de reunião para
uma conversa particular.
O projeto era bem maior do
que eu estava imaginando, se
tratava de uma propaganda a nível
internacional, que lançaria a marca
das empresas de Conrado em toda a
América e Ásia. Percebendo a
minha cara de preocupação, ele
solicitou à secretária que a Diretora
de Comunicação viesse até a sala.
Melissa chegou cinco minutos
depois, era loira e muito alta, os
olhos perfeitamente esverdeados e
os cabelos pareciam ter saído de
um comercial de shampoo. Assim
que entrou, nos cumprimentou e
começou a explicar como estava o
andamento do projeto, que
negociações haviam sido feitas até
o presente momento e naquele
momento a única solução lógica
que vinha à minha mente para
seguir com aquilo era apenas uma.
Após a explicação minuciosa
de cada detalhe do projeto, pedi
para que me colocassem em contato
com o Sr. Conrado antes de
confirmar a minha participação em
algo tão grandioso, o que me foi
prontamente atendido.
Assim que entrei na sala, me
senti menor do que já estava na sala
de reunião. Tudo era extremamente
requintado, eu andei devagar até
estar em frente à poltrona e diante
da mesa em que Conrado estava
sentado. Quase não respirei no
percurso, com medo de derrubar
algo e acabar quebrando. Tudo
parecia muito caro, e na minha atual
situação financeira eu passaria o
resto da vida trabalhando para
pagar um simples vaso ali dentro.
Ele fez sinal para que eu me
sentasse e assim o fiz, soltando
lentamente o ar preso em meus
pulmões.
— Como tem passado, minha
cara Fernanda?
— Muito bem, Sr. Conrado, e
muito lisonjeada com o seu convite
para participar desse projeto tão
importante para a sua empresa.
— E não seria diferente, os
melhores projetos recebidos da
Fusão Mídia Visual sei que foram
assinados por seu antigo chefe, mas
que na verdade a criação e
execução foi sua.
— Me perdoe a curiosidade,
mas como obteve estas
informações?
— Peço absoluto sigilo ao
que vou contar agora, mas há muito
tempo tenho interesse na
contratação da Srta. Hanna Linhares
e agora estamos chegando a um
acordo. E quando conversamos a
respeito deste projeto, que a conta
seria transferida para gestão de
Murilo Rius, ela me confidenciou
que todos as solicitações
aprovados por mim foram
executados por você, mas assinados
por ele como era de costume. Por
isso, ela tentou convencê-la a voltar
e trabalhar com o Sr. Rius, e como
não obteve sucesso eu cancelei a
negociação com a empresa dele.
— Eu agradeço pelo voto de
confiança, mas eu gostaria de
sugerir duas pessoas para compor o
grupo de desenvolvimento do
projeto.
Eu me assustei comigo
mesma, estava ali, diante de um
homem poderoso, tentando negociar
a maior chance da minha vida
profissional como se pudesse impor
qualquer coisa, mas se ele me
queria tanto assim no projeto, não
iria se importar em ceder algo que
seria benéfico para todos.
— E quem seriam essas
pessoas?
— Danilo Oliveira e Hanna
Linhares.
— Quanto à segunda opção
não vejo problemas, visto que a
Srta. Linhares fará parte do nosso
quadro de funcionários já na
próxima semana. Já quanto ao Sr.
Oliveira creio que não poderei
atendê-la. Veja bem, ele preside
uma grande empresa e não vejo
como poderia encontrar tempo para
estar conosco nesse projeto.
— Quanto a isso, se não for
um empecilho, gostaria eu mesma
de fazer o convite ao Sr. Oliveira.
— Não querendo ser
indiscreto, Sra. Bournet, mas eu já
estou a par do relacionamento que
existe entre você e o Sr. Oliveira.
— Eu não estranharia se a
fonte fosse Murilo Rius, mas quero
deixar bem claro antes de qualquer
coisa que eu ou o Sr. Oliveira
jamais misturaríamos pessoal com
o profissional, sabemos discernir o
momento em que ambas situações
mereçam espaço. Pretendia
convidá-lo para o projeto por sua
capacidade profissional na área e
principalmente pela vasta
experiência que tem em conduzir
projetos deste porte. Mas, eu não
serei inconveniente a ponto de ir
contra o que o acha melhor para o
seu negócio.
— Eu acredito que nenhum
dos dois tenha em algum momento
prejudicado a empresa em que
trabalham, portanto, se for do
interesse dele em se juntar a nós
nesse projeto, ele será muito bem-
vindo. Tenho grande estima pelo
profissional do Sr. Oliveira e
acredito que ele tenha muito a
acrescentar.
— Não vou tomar mais do
seu tempo, já estou de saída.
Acredito que teremos a equipe
montada até a próxima semana e
assim já começamos a trabalhar.
Temos um curto prazo para
entregarmos um material de
excelência. Tenha uma boa tarde,
Sr. Conrado.
— Boa tarde, Srta. Bournet.
Deixei a sala, em seguida a
empresa e fui direto para casa.
Todas aquelas informações estavam
se amontoando em minha cabeça, e
eu precisava de um longo momento
de pausa para reorganizar todas
aquelas ideias que estavam
fervilhando.
Tomei um banho, coloquei
uma roupa confortável (decidi pelo
look mendiga descolada), fui até a
cozinha e preparei um sanduíche
leve e suco de maracujá com
laranja (sim eu faço essas
misturas), me enterrei no sofá e
assisti a um pouco de televisão.
Fiz alguns rascunhos sobre as
primeiras ideias que tive e então
peguei o celular. Não poderia mais
protelar a situação, e era apenas um
convite, se ele recusasse, eu não
morreria por isso.
Desta vez ele não atendeu,
então resolvi me distrair com o
blog. Responder a alguns
comentários iria preencher meu
tempo. E estava certa quando vi a
primeira mensagem.
@biscoitinho: O que acha de
sexo virtual, por telefone ou outra
forma que não seja de corpo
presente?
Senti até a entidade agora.
Corpo presente me deixou na
dúvida sobre o que responder, até
porque eu nunca tinha feito sexo
virtual. Por telefone, quem nunca?
@pimentarosa: Já diria
Renato Russo, “sexo verbal, não faz
o meu estilo”, mas se não há outra
opção porque estão distantes, ou
porque bateu a vontade e a safadeza
não pode esperar uma ligação, o
meio virtual pode resolver o seu
problema por hora. Mas, nada é tão
bom quanto o toque na pele, as
mãos direcionando os sentidos.
Sexo é sempre sexo, e quando há
satisfação, não importam os meios.
@amanteromantico: Por
que mulheres não sabem definir o
que querem? Se todo homem não
presta, por que escolhem tanto?

Essa é a pergunta mais


frequente depois de “quem veio
primeiro, o ovo ou a galinha?”.
@pimentarosa: Meu querido
@amanteromantico, mulheres
querem tudo. Experimentar, variar,
testar, entender. E o porquê de tudo
isso é simples, mulher pode! E essa
de que todo homem é igual, é lenda.
Existem pessoas erradas para
qualquer um, o galinha de hoje é o
enganado de amanhã.
@senhorcruel: Como
enxerga relações bissexuais
femininas? Sendo você tão liberal
sexualmente não deve achar isso um
tabu, certo?
Hoje eles não estavam para
brincadeira, mas estava mais
divertido que da última vez.
@pimentarosa: Cada um
sabe exatamente aquilo que lhe
proporciona prazer, e nada mais
particular que o prazer, não é
mesmo? Nem toda regra precisa ser
seguida ou quebrada, mas um ajuste
sempre cai muito bem.
Nada melhor do que uma
antiga lembrança para acender a
imaginação. Eu já havia vivido
algumas coisas, algumas
proveitosas e outras que prefiro não
relembrar. Mas, cada uma teve a
sua importância, seja para trazer o
velho gosto da vergonha ou para me
tornar mais experiente e forte.

“SE NÃO PODE


CONTRA, UNA-SE A ELES”.

Quando alguém te convida


para uma diversão mais
movimentada, algumas situações
podem acontecer, dentre elas:
1) Você perceber que a
terceira pessoa tem um vibrador de
carne entre as pernas e não era bem
isso que seu parceiro estava
esperando;
2) Fica tão ansioso e acabar
com uma dor de barriga e danificar
o ambiente da brincadeira.
3) Percebe que a primeira
pessoa se empolgou demais com a
terceira e acabar virando voyeur;
4) Não entende em que parte
vai o quê e acabar colocando alguma
coisa onde não deve.

Quem nunca recebeu uma


proposta de ménage quando se está
em um relacionamento sério?
Se você não recebeu, o seu
parceiro provavelmente tem receio
que isso possa desencadear um
surto psicótico e ele acabar sem as
bolas.
Confesso que quando recebi
essa proposta, no primeiro
momento eu quis bancar a louca,
jogar o que estivesse na frente na
pessoa, mas eu me contive, fiz a
clássica cara de paisagem,
coloquei uma música de elevador
para tocar na mente e deixei o ser
falando por algum tempo sobre
como seria.
Eu viajei tanto no ‘momento
ignorar’ que quando ele me
sacudiu perguntando se estava
tudo bem para mim, eu disse que
sim.
É um perigo você voltar
quando não está prestando atenção
para o momento exato em que a
pessoa te pergunta se você
concorda ou não. Ou você acaba
detonando a pessoa, ou você é
quem se ferra.
Quando percebi a merda já
estava feita e eu havia aceitado um
ménage à trois.
Mas, é como dizem ‘tá no
inferno abraça o capeta’.
Fomos a um motel, eu, ele e
uma amiga (dele é claro, eu não
conheço pessoas desapegadas a
este nível). Os dois começaram a
se beijar, a se pegar, e eu não
conseguia definir em que parte da
brincadeira eu me encaixava.
Se você não pode ajudar,
atrapalhe. Pelo menos assim você
participa!
Sério, era muito buraco
para pouco conteúdo de encaixe.
Eu fiquei ali sem entender como
funcionaria o rodízio e por fim me
sentei na poltrona ao lado da cama
(eles nem notaram minha
ausência) e vez ou outra eu
encenava uma performance, mas
no fundo eu não fui mais que uma
assistente, pegando coisas que
voavam ou entregando outras que
eles precisavam.
Meu namorado me chifrou
na minha cara e com o meu
consentimento. Tá bom pra você?!
Depois disso a única coisa
sensata a fazer foi pegar as minhas
coisas enquanto eles ainda estavam
entretidos e sair à francesa.

Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
Publiquei no site e olhei para
o celular ainda sem nenhum retorno
de Danilo. Já estava um pouco
tarde, na manhã seguinte ligaria
novamente e faria a proposta.
Estava pegando no sono
quando o telefone começou a
vibrar, gritar, cuspir fogo, acionar
duendes só para avisar que Danilo
estava retornando minha ligação.
— Oi, minha deusa, a que
devo a honra dessa ligação?
— Um convite.
— Já comecei a gostar.
— Como eu havia dito a você
antes, Conrado me convidou para
fazer parte do projeto publicitário
das empresas dele.
— Sim e espero que tenha
aceitado o convite, é uma grande
oportunidade profissional para
você. No que precisar de mim,
saiba que será um prazer ajudá-la.
E sou bem flexível quanto ao
pagamento, aceito sexo como
moeda de troca.
— Eu agradeço por estar me
apoiando, mas eu gostaria de fazer
uma proposta. E adorei a forma de
pagamento.
— Que proposta? Esta
conversa está bem interessante.
— Quero que se junte à
equipe, e que me ajude a apresentar
o projeto publicitário mais
impressionante que Conrado já viu.
— Esteja em meu
apartamento na sexta à noite e
começamos a esboçar algumas
ideias. Qualquer coisa para vê-la
sorrir.
— Eu posso pagar adiantado.
— Estou contando com isso.
A semana foi cheia, me
desdobrei entre o blog, ajudar
Cíntia com uma festa temática para
um grupo de clientes que havia
fechado o bar para um evento
particular, ir até a empresa de
Conrado, definir a equipe que faria
parte do projeto publicitário e
começar a pôr em pauta todas as
ideias que surgiram para apresentá-
las a Danilo.
Na sexta à noite como era o
combinado, desembarquei em São
Paulo, mas dessa vez peguei um
táxi e fui direto para o apartamento
dele. Conferimos o projeto até às
duas da manhã quando o sono nos
venceu. Acabamos dormindo entre
os papéis no tapete da sala e só
acordamos porque a vizinha do
andar de cima estava dançando
samba de salto alto, só pode.
O final de semana passou e
definimos a prévia de apresentação
para o projeto. Se fosse aceito, esta
seria a direção que seguiríamos, se
não voltaríamos à estaca zero.
A melhor parte do final de
semana foram as pausas de
descanso que acabavam por nos
deixar ainda mais exaustos. Não
que eu estivesse me queixando,
longe de mim.
A semana seguinte não foi
mais tranquila que a anterior e
assim foram as semanas que se
seguiram.
Entre as idas a São Paulo nos
finais de semana para definir as
próximas etapas do projeto, tentar
arrancar de Cíntia quem era o cara
que ela estava “namorando”, ter
paciência para suportar certos
patrocinadores do blog que estavam
beirando o ridículo com o tipo de
propaganda que queriam que fosse
exibida, mesmo sabendo que não as
faria, o tempo foi passando.
Eu e Hanna havíamos
construído uma amizade, e ela e
Cíntia se deram bem também.
Acabamos saindo muitas vezes e
ela havia alugado um apartamento
ao lado do nosso, o que foi muito
benéfico para o trabalho que
estávamos tocando juntas.
Conrado estava mais
satisfeito a cada nova apresentação
que fazíamos. Ele havia até criando
um departamento que seria gerido
por mim e Hanna conjuntamente, o
que nos renderia mais cinco novos
projetos, menores, mas importantes.
Enfim, o grande dia havia
chegado. Quase dois meses após ter
recebido a proposta de Conrado,
estava na hora de apresentar a
edição final da propaganda que
apresentaria suas empresas para a
América e Ásia.
A versão estendida tinha
aproximadamente cinco minutos,
era um curta-metragem que seria
exibido em horário nobre nos
principais canais de comunicação
das localidades definidas.
Posteriormente esse vídeo seria
substituído pela propaganda de
trinta segundos em vários horários
e também em meios de
comunicação alternativo. Fora a
propaganda impressa.
Assim que terminamos
Conrado parecia em êxtase puro,
seus olhos tinham o brilho de uma
grata surpresa e eu estava cheia de
orgulho por tudo que havia
desempenhado.
Confesso que durante todo o
processo eu sempre me senti muito
insegura em relação à minha
participação, mas agora vendo tudo
o que havia sido feito eu estava
orgulhosa de onde havia chegado e
do que era capaz.
Assim que a apresentação se
encerrou, Danilo precisou voltar a
São Paulo, pois tinha uma reunião
no dia seguinte bem cedo e não
poderia se ausentar. Despedimo-
nos com muito profissionalismo
apertando as mãos, mas a vontade
que eu tinha era de levá-lo até a
minha sala, atirar os papéis no chão
e inaugurar sexualmente a minha
mesa. Só que não ia acontecer.
Triste, muito triste!
Enfim, uma semana tranquila
no trabalho e nas minhas funções
particulares. Tanto que consegui
sair para me divertir um pouco,
estava mesmo precisando. O dia
seguinte era sexta-feira e todas as
vésperas de final de semana eram
sempre um bom motivo para
comemorar.
Dancei muito, bebi horrores,
aproveitei até o último minuto, e
então o dia seguinte veio com uma
baita dor de cabeça que me não me
abandonou nem por um minuto.
Só que eu tinha um dia cheio
de trabalho, depois poderia voltar
para casa, me enclausurar no meu
quarto, desligar o telefone e
esquecer que o mundo existe. Mas,
no momento eu precisava acordar e
ficar pronta para ir com Hanna para
o escritório.
— Garota, você não está com
uma cara muito boa não, vamos
parar em algum quiosque e você
toma uma água de coco para ver se
essa cara de ressaca ameniza —
Hanna disse enquanto entrávamos
no elevador.
— Isso seria maravilhoso. E
que minha nossa senhora das
ressacas me ajude a não golfar.
Minutos depois de chegar a
minha sala, a secretária do Sr.
Conrado me informou que ele
estava me aguardando.
Segui para lá e fiquei
esperando na antessala enquanto a
secretária me anunciava.
Quando entrei, Conrado me
felicitou pelo belo trabalho e
repetiu inúmeras vezes que estava
muito satisfeito com a nova equipe
que havia formado. Tudo estava
muito bom, até que ele me pediu
para que me sentasse, pois gostaria
de conversar um assunto mais
sigiloso.
— Por favor — ele indicou
com a mão para que eu me sentasse
na cadeira que mais parecia uma
poltrona de tão confortável. —
Aceita alguma coisa para beber?
— Uma água, por favor.
Ele acionou a secretária que
rapidamente apareceu com água e
uma xícara de café, deixando-as
sob a mesa e saindo em seguida.
Ela entrou e saiu tão rápido que me
perguntei se ela havia mesmo
estado ali.
— Sei que não preciso pedir
discrição e sigilo a respeito do que
falaremos agora, mas em todo caso
é sempre bom deixar claro o que
pode ou não ser conversado fora
das paredes desta empresa.
— Pode contar com a minha
total discrição, não se preocupe.
Pelo tom da conversa o que
estava por vir era realmente sério.
Será que eu seria demitida outra
vez? Mas, eu tinha feito tudo tão
direitinho.
— Não sei se é do seu
conhecimento, mas eu sou um dos
acionistas da FMV. Já cogitei me
desfazer dessas ações em diversos
momentos, mas por algum motivo
sempre acabava desistindo em cima
da hora. E agora vejo que foi uma
das melhores decisões não
tomadas.
Cadê o botão de “pausa,
choquei” quando a gente precisa
dele? Gente do céu, todo mundo
sabia de tudo dentro daquela
empresa, até os podres da alta
cúpula eram debatidos pelos
corredores, mas essa informação
era realmente uma surpresa.
— Essa semana o meu grupo
comprou mais algumas ações, o que
me torna sócio majoritário da
empresa. Mas, você deve estar se
perguntando o que tem a ver com
tudo o que estou falando. E é
exatamente sobre isso que
falaremos agora.
Nesse exato momento Hanna
entra na sala como se estivesse
cronometrado o tempo para uma
entrada de efeito e se senta na
cadeira ao lado da minha. Eu
deveria ser a única pessoa a não
saber o que estava acontecendo.
Normal.
— Oi, Hanna — disse em um
sussurro quase inaudível.
— Oi — ela me respondeu no
mesmo tom.
— Srta. Linhares, que bom
que chegou, estava aqui informando
sobre a compra das ações da FMV
e é bom que esteja presente, pois
será companheira da Srta. Bournet
nesse novo projeto. — Ai meu
Deus, agora eu ia ter um troço. —
No começo do mês as duas irão
assumir o comando da FMV e
espero que assim como os projetos
que desenvolveram até agora,
obtenham sucesso. Afinal as duas
conhecem perfeitamente o
funcionamento daquela empresa, e
nada mais sensato do que transferi-
las. Mas, quero deixar claro que
ainda estão à frente dos projetos do
departamento de criação e
desenvolvimento estratégico.
Hanna e eu nos entreolhamos
sem entender se aquilo estava
realmente acontecendo ou se era
uma realidade paralela em que
nossos maiores desejos se
realizavam.
— Antes de saírem eu
gostaria de dizer que tem carta
branca para fazer a alteração de
pessoal que julgarem necessárias.
Montem uma equipe tão eficiente
como a que temos aqui.
E foi assim que a conversa
acabou, com uma das melhores
notícias que recebia em muito
tempo. Saímos de lá, eufóricas,
porém contidas. O caminho até a
minha sala parecia ter ganhado
muitos passos a mais do que
verdadeiramente tinham, tamanha
era a nossa vontade de poder
extravasar.
Nada melhor do que um dia
após o outro. Murilo que me
aguarde, eu estou voltando e agora
quem daria as cartas desse jogo
seria eu. Quanto a Letícia, eu não
estava no meu momento mais cruel
para definir o que faria com ela.
18
DE ACORDO COM A LEI
AUREA,
DESDE 1888
QUE #NÃO SOU TUAS NEGA!
A semana passou depressa
diante de tantas coisas para
organizar, a finalização dos
trabalhos que estavam pendentes e
que deveriam ser entregues antes de
assumir o novo cargo na FMV.
Eu ficava com dor de barriga
cada vez que pensava nas inúmeras
formas que Murilo encontraria para
me matar, quando descobrisse a
pessoa que assumiria a sua função
assim que fosse substituído.
Já era sexta à noite e eu tinha
cerveja gelada, música boa tocando
no meu computador (eu só funciono
com música, quanto maior o caos,
maior a minha concentração. O
silêncio me desespera), comida
para um exército e disposição.
Eu teria todo o final de
semana para colocar em ordem tudo
o que estava atrasado, e por que
não começar agora? Já que Cíntia
passaria o final de semana fora e
Danilo estaria em uma viagem de
negócios no Sul e só retornaria no
meio da semana para casa. Eu não
teria distrações para me fazer
perder tempo, mas como tudo na
vida parece estar preso a um eterno
dia do contrário a campainha tocou
me fazendo levantar em um pulo do
sofá.
Não adiantaria fingir que não
estava em casa, pois o barulho da
música já tinha me denunciado e
como estava sozinha não havia a
menor possibilidade de eu mesma
dizer que eu não estava (se bem tem
horas que dá vontade).
Pelo olho mágico a figura
distorcida de Yuri havia se
materializado em minha porta.
Fiquei alguns segundo
pensando se deveria abrir a porta
ou não, mas acho que acabei
pensando alto porque ele começou
a sorrir do outro lado.
— Eu não posso te ver
através da porta, mas posso te ouvir
— ele disse sorrindo.
— Se ouviu, então deduziu
que eu não estou recebendo visitas,
melhor passar depois. — No mês
do nunca mais seria bem
interessante, pensei.
— Prometo que não vai levar
muito do seu tempo, só estava
precisando de uma amiga para
desabafar. Sabe, Fernanda, as
coisas andam complicadas para
mim, e achei que fosse uma pessoa
com quem eu pudesse contar.
É isso mesmo, gente? Eu sou
a bruxa má, a sem coração, que não
é capaz de ajudar um amigo em um
momento de sofrimento?
É, sou sim! Sabe por quê?
Quando eu achei que poderia
confiar nesse ordinário eu quebrei a
cara, agora vou juntar os cacos e
retalhar a cara dele.
— Sinto muito, Yuri, mas
acho melhor mesmo você voltar
outro dia. Agora além de ocupada
não serei uma boa companhia para
ouvir suas lamentações por conta
da Letícia.
Eu estava na ponta dos pés
observando sua reação para cada
palavra que eu dizia e sinceramente
parecia que ele havia levado um
soco no estômago quando
mencionei o nome da “Piranhuda da
Silva”.
Como eu sou idiota, abri a
porta, e no minuto seguinte já
estava arrependida. Primeiro que o
cachorro já entrou tentando me dar
um beijo. Segundo, que ele se jogou
no sofá como se tivesse sido
convidado e terceiro e mais
importante, ele bebeu a minha
cerveja de uma só vez como seu eu
tivesse oferecido.
Vai lá, fica à vontade na
minha casa, porque eu já me
esqueci do chifre e do fora que me
deu. Tem problema não viu, eu vou
adorar saber o que ela te fez.
— O que você anda
aprontando? Está tão quieta, não a
vejo mais nas redes sociais e nem
nos lugares que costumava
frequentar.
— Tenho andado muito
ocupada, só isso, mas nada que me
prive de estar com as pessoas que
eu goste.
— Eu pensei que poderíamos
ser pelo menos amigos, mas vejo
que me cortou da sua vida
definitivamente.
— A questão não é essa,
Yuri, o problema é que sempre tenta
alguma coisa e eu não estou mais
interessada. Mas, se quiser ser meu
amigo — saboreando a palavra,
confesso tem gosto doce — eu não
vejo problema em marcarmos
alguma coisa qualquer hora.
Suas tentativas de chamar
minha atenção para sua aparente
tristeza estavam ficando mais
patética a cada segundo. Não que
eu fosse uma pessoa que desse
conta de passar por um pé na bunda
forte e valente, o blog estava aí
para provar o meu fracasso nesse
quesito, mas eu não fiquei
choramingando no sofá deles (até
porque eles nunca me deixariam
voltar, porque era bem capaz de eu
incendiar o sofá e o resto) ou
ligando o tempo todo para saber o
que estava acontecendo com cada
um. Eu simplesmente peguei minha
dor e vergonha, escrevi tudo em um
lugar da internet onde todos
tivessem acesso e depois
aterrorizei cada um deles com uma
possível exposição de seus lindos
rostinhos. De todos o único que não
ligou para o e-mail ameaçador foi o
Hugo, o rato de academia. O
perturbado achou que seria
propaganda e não uma bomba.
E outra, eu não sou nenhum
muro das lamentações, ainda mais
quando a pessoa quer se lamentar
pelo fora que levou da pessoa por
quem ele me deu o fora. Vamos
combinar, eu sou idiota, mas não
em escala preocupante.
— Eu acho que cometi o
maior erro da minha vida quando
troquei você por aquela menina
mimada que só pensa em seus
próprios interesses.
— Eu tenho certeza disso,
mas isso que dá pensar só com a
cabeça de baixo.
— Nossa, essa doeu.
— Passa gelou, que passa.
Agora, se me der licença eu
realmente preciso trabalhar.
Ele se levantou e seguiu em
direção à porta, mas antes de sair
se virou tão rápido que não pude
evitar que ele me desse um beijo.
Nessa hora eu comecei a
enxergar todas as cores que a raiva
era capaz de colorir. Minhas mãos
instintivamente seguiram direto
para o rosto dele, em um tapa tão
forte que o barulho estridente me
fez voltar à realidade.
— Saia da minha casa, da
minha frente e da minha vida.
Espero nunca mais precisar olhar
nessa sua cara nojenta. Entenda uma
coisa, quando uma mulher diz
NÃO, é NÃO!
— Me desculpa Fê, eu não
queria ofender você, mas tantas
vezes você já me disse não e
depois acabou cedendo que eu
achei que estivesse fazendo isso.
— Ah, vai pro inferno! Não
me venha bancar o inocente, eu te
recebi na minha casa para que
pudesse ter com quem falar, apesar
de não ter tempo, nem interesse
para suas lamentações e é assim
que me paga. Sinceramente, você e
a Leticia se merecem, você deveria
ter ido atrás dela, com certeza o
Murilo não está dando a ela tudo
que precisa.
— Me desculpa mesmo, eu só
faço cagada. Você está certa em me
falar tudo isso, acho até que está
pegando leve comigo, eu estou indo
agora e espero que essa idiotice
não te afaste de mim.
É sério isso?!
O cara chega aqui, fala um
monte, tenta me beijar no susto e
ainda vai bancar o coitado? Eu
poderia até sentir pena dele, mas
não estou com a menor disposição
para fazer cosplay de galinha hoje.
O ajudei a encontrar o resto
de coragem que faltava para abrir a
porta e a fechei, trancando em
seguida. Vai que ele acha que ainda
não desabafou o suficiente e
resolve voltar? #SQN.
Peguei outra cerveja e fui
para o sofá tentar trabalhar, porque
sinceramente eu acho que não vou
conseguir fazer mais nada depois
dessa visita. Não que Yuri ainda
mexesse comigo, mas que era
estranho ele aparecer do nada, e
ainda por cima agir como se
fôssemos amigos de longa data e
não ex-ficantes, sim, porque
namoro passou longe daquela
esculhambação que tivemos.
Abri os e-mails para definir
quais seriam minhas prioridades
para o final de semana e comecei a
responder os mais urgentes. Havia
pedido de aprovação para cotação
do novo projeto, solicitação de
criação de arte e contratação de
temporário.
A noite passou e nem percebi
o sol aparecer timidamente pela
janela anunciando o novo dia.
Desliguei o computador e fui
descansar um pouco, estava
esgotada e não sairia mais uma
linha sequer.
Ativei o despertador para as
dez da manhã e me atirei na cama
como se não houvesse o amanhã.
Pena minha alegria não ter durado
nada. Meu celular começou a vibrar
debaixo do travesseiro sem parar.
Olhei o visor ainda sem muito
interesse e a imagem da minha mãe
estava estampada lá, o que me
deixou em alerta no mesmo minuto.
— Bom dia, Fernanda.
— Bom dia, mãe. Aconteceu
alguma coisa para me ligar tão cedo
no final de semana?
O suspiro de insatisfação não
foi disfarçado e eu sabia que as
palavras seriam usadas contra mim
e não iria demorar muito.
— Eu também estou
morrendo de saudade filha, claro
que você pode vir até aqui almoçar
com a sua família e contar as boas
novas, inclusive que está de
namorado novo. Sim, porque se é
não a bico frouxo da sua tia, eu
jamais saberia que este milagre
aconteceu.
Droga, eu tinha me esquecido
completamente que a sonsa da Mia
havia descoberto sobre mim e
Danilo, e era certeza que ela
encontraria uma maneira de me
colocar em uma situação
desconfortável.
Eu devo ter sido indiana na
encarnação passada e ela deve ter
sido minha vaca sagrada, só pode!
— Mãe, sem drama. Cover
da Maria do Bairro logo cedo, ah
não.
— Ah, mas quando eu fizer a
Marimar vingativa você vai sentir
falta da Maria do Bairro chorona.
— Dona Carla, eu sei que
terei que passar o relatório
completo, então é muito bom que o
almoço seja recheado dos meus
pratos favoritos.
— E é muito bom que o seu
namorado venha almoçar conosco.
O Arnaldo, mais conhecido como o
senhor seu pai, está muito curioso a
respeito desse seu relacionamento
que a família não pode saber.
— Infelizmente, amor da
minha vida — fiz barulho do beijo
e pude ouvir sua risada abafada do
outro lado da linha, ela sempre
sorria quando falava isso — o
rapaz em questão não poderá estar
presente, porque além de não tê-lo
preparado psicologicamente para a
entrevista, ele também não está na
cidade. Não sei se a fonte que te
contou a notícia também informou
que ele não mora no Rio.
— Eu acho que sobrou muito
pouca coisa para me contar, para
falar a verdade — sorrimos muito
— mas mesmo assim, queremos
saber de você o que realmente está
rolando.
— Ui, toda trabalhada na
fonte da juventude, mas tudo bem,
eu vou tomar um banho para ver se
afasto o sono e logo chego aí.
Fazia algum tempo que não ia
até a casa da minha mãe, ou mesmo
telefonava para saber como iam as
coisas. Eu sempre deixava para
ligar quando estava em casa, mas
os últimos tempos o meu
apartamento era o lugar menos
tranquilo para fazer isso e então o
tempo foi passando.
Tomei um banho e me arrumei
para sair. O dia estava fresco, um
vestidinho leve e uma rasteirinha
seria o ideal. Fiz uma trança nos
cabelos, passei rímel, batom e
perfume e sai.
Decidi ir andando, afinal,
tirar o carro da garagem para
percorrer a distância de duas
quadras seria um exagero e o dia
estava tão bonito que compensaria
a caminhada.
Na portaria, o senhor João
logo me reconheceu e autorizou
minha entrada, quando o elevador
se abriu, minha mãe estava parada
em frente à porta e me arrastou
apartamento adentro.
— Vamos, entre, antes que
desista e acabe encontrando algo
mais interessante para fazer.
A minha mãe sempre tem
dessas coisas, como se eu a Cátia
fôssemos sair correndo sem motivo,
apenas para irritá-la.
Cátia, minha irmã mais velha
que por acaso mencionei, existe e
está se separando (no papel, porque
de resto a coisa toda havia acabado
fazia tempo), depois de doze anos
em um casamento, descobriu que o
marido não era tão abdicado e
certinho como acreditava. Agora
estava na casa da minha mãe
novamente, até que tudo se
resolvesse. Ela é do tipo de mulher
que não se importa em recomeçar, e
pegou a todos de surpresa quando
anunciou seu divórcio, porque
ninguém sequer cogitava que o
casal modelo era apenas fachada e
aparências. Tudo sempre era tão
perfeito, a troca de olhares, os
carinhos, a atenção que ele tinha
com ela, que todos acreditavam que
seu casamento ia às mil maravilhas.
Ela se casou com Túlio, um
cirurgião plástico, muito
engomadinho e que nunca me
desceu goela abaixo. O cara era
estranho, cheio de tiques e ficava se
repetindo, para se vangloriar com
cada nota que saísse a seu respeito
nas colunas sociais. Sim, porque
ele é um dos cirurgiões mais
procurados entre as celebridades, o
que dava a ele tempo, dinheiro e
oportunidade para manter seus
casos, mas isso é claro que ele e
Cátia sempre fizeram questão de
deixar bem escondidinho debaixo
do tapete, para que ninguém
percebesse que o castelo em que
construíram toda aquela ilusão, não
passava de um castelo de cartas que
um simples assopro pudesse por
abaixo.
Ela estava mais magra do que
era seu habitual, seus olhos estavam
fundos, seu cabelo preso em um
coque velhota e suas unhas um caso
perdido. Havia se passado um mês
desde que ela se mudou para o
apartamento de mamãe e ainda
parecia chocada como se tivesse
acontecido tudo no dia anterior.
Ela passou tão rápido pela
sala, me dando um sorriso fraco e
envergonhado, que decidi que
conversaria antes com a minha mãe
e depois resolveria o problema da
minha irmã. Em matéria de levar o
pé na bunda eu sou mestra PHD.
Segui minha mãe até a
cozinha e a ajudei a colocar a mesa.
Tinha tanta comida que mais
parecia uma festa do que um
almoço familiar, mas a minha mãe
sempre foi assim.
Eu me lembro de que meus
namoradinhos da época da escola
viviam enfurnados em casa
comendo tudo o que minha fazia
(menos eu, é claro). Ela tem a
mania de convencer as pessoas a
contar tudo o que ela está
interessada em saber dando comida
em troca. Isso nunca vai mudar.
Entre uma beliscada aqui e
outra ali, eu contei como havia
conhecido Danilo e de como nossa
relação tinha evoluído, apesar da
distância e como era de costume
meu pai ouvia tudo da sala,
enquanto fingia assistir a televisão
e tomar cerveja.
O interrogatório seguiu na
mesa, durante o almoço e enquanto
eu lavava a louça depois de
comermos. Descobri que a minha
mãe havia se aventurado na internet
para procurar uma foto de Danilo e
ver se ele era bonito, o que me fez
rir muito e quebrar um copo.
— Nanda, eu queria mesmo
era que você conversasse um pouco
com a sua irmã, depois de tudo o
que aconteceu ela parece outra
pessoa, desde que chegou aqui não
sai do quarto, eu preciso insistir
para ela sair um pouco comigo.
— Mãe, é assim mesmo. Por
mais que a gente saiba que a pessoa
não merece nosso sofrimento,
precisamos sofrer por nós mesmos,
pelo tempo e esforço perdidos por
alguém que não valia nenhum
sacrifício. E com a Cat não vai ser
diferente.
— Eu sei, mas está
demorando demais essa dor de
cotovelo, sua irmã nunca foi de dar
tanta importância para homem
nenhum. E cá entre nós, se bem que
não é nenhum segredo, ela e o Túlio
não combinavam, eu sinceramente
não sei o que ela via naquela
criatura esquisita.
— O amor tem dessas coisas
mãe, mas eu vou lá falar com ela,
vai que acontece um milagre.
— Vai sim, porque não
conheço ninguém que saiba
terminar relacionamentos como
você.
Eu podia ter dormido sem
essa, mas não, fui querer filosofar e
me estrepei.
Quando estava no corredor
meu telefone começou a vibrar me
fazendo dar um pulo de susto. Eu
sei que posso parecer uma pessoa
muito assustada, mas tente não se
assustar com a vibração do meu
celular, daí a gente conversa.
Nota mental: trocar de
aparelho celular ou procurar um
cardiologista.
O número de Hanna estava no
visor do celular me fazendo parar
no meio do corredor e entrar no
banheiro social, vai que ela tenha
algo para me dizer que me deixe
animada demais para a vida triste
que a minha irmã parece estar
levando agora.
— Oi, Hanna, algum
problema?
— Não, querida. Por que
estava esperando problemas? —
Sua risada por mais baixa que
tivesse escapado me fez sorrir
também.
Hanna era o tipo de mulher
que não fazia a palavra “querida”
ter a conotação dissimulada que era
do costume feminino. Ela era
sempre divertida, mas não com
maldade.
— Não, longe disso, por
favor. Mas, o que aconteceu, caiu
da cama?
— Se ao menos eu tivesse
chegado até ela seria ótimo, mas
isso não vem ao caso agora. Eu
liguei para saber se você tem algo
planejado para esse final de
semana?
— Eu pretendia colocar o
trabalho em ordem, mas pela
animação parece que você tem
outros planos para mim, ou melhor
dizendo, para nós.
— Exatamente. Um amigo
está inaugurando uma casa noturna
hoje e me enviou algumas cortesias.
Eu não quero ir sozinha, então estou
ligando para saber se não quer ir
comigo hoje à noite.
Era a desculpa perfeita para
tirar Cátia de casa e dessa chatice
de sofrência, daqui a pouco ela ia
começar a ouvir arrocha e eu não
nasci para isso.
Combinei tudo bem direitinho
com Hanna para que não tivesse
nenhum furo e meu tatuzinho
resolvesse voltar para casa e fui
direto para seu quarto.
Arregacei as cortinas
deixando que a claridade invadisse
todo o quarto, depois abri o
armário e separei as roupas que ela
jamais deveria usar novamente,
como fiz com as minhas depois do
Danilo ter encontrado minha
calcinha estilo vovó que ele
carinhosamente apelidou de barraca
de camping.
Separei uma calça e uma
camiseta que com certeza absoluta
ficaria esplêndida nela, sapatos
altos e bem vermelhos (precisava
me lembrar de adotar essas
gracinhas depois) e mandei uma
mensagem para a Vivi pedindo que
ela viesse até a casa da minha mãe
armada de pincéis, sombras, pentes
e laques até o dente, pois a missão
que encontraria seria a mais
complicada de sua vida.
Cinco minutos se passaram
até que Vivi me respondesse
avisando que chegaria em vinte
minutos.
Quando puxei o edredom foi
que percebi que a coisa estava mais
feia do eu imaginava. Cátia já não
tinha bolsas de inchaço debaixo dos
olhos, eram malas de viagem. Seu
cabelo estava todo embaraçado, e
não vou nem falar das unhas e das
pernas cabeludas.
Se as pernas estavam naquele
estado, imagine onde o sol não
bate?
A arrastei da cama até o
banheiro, e não que eu quisesse
tomar banho, mas não encontrei
outra alternativa. Lavei seus
cabelos e parei por aí, porque já
me custa colocar a mão nas minhas
coisas, imagina nas alheias.
Ela parecia não estar ali,
estava calada, obedecia a tudo o
que ordenava e aquilo foi me
enchendo a paciência, que acabei
dando-lhe duas bofetadas na cara.
—Ah, pelo amor de Deus
reage criatura, vai ficar desse jeito
por conta de um homem que não
soube te dar valor? O que mais
pretende fazer, vai definhar até
morrer? Se for, avisa, porque nem
perco meu tempo.
Eu sei que estava sendo dura,
que deveria deixar que ela tivesse
seu tempo para colocar tudo para
fora e depois seguir em frente. Mas,
já era tempo demais sofrendo por
alguém.
— Eu não estou assim por
conta da separação. — Sua voz saiu
baixa e sentida.
— E então por que outro
motivo seria?
— Aquele desgraçado me
colocou como sócia dos negócios
dele e eu investi tudo o que tinha,
mas uma semana antes de tudo
acontecer ele me fez assinar uns
papéis, confesso que li alguns e
como parecia estar tudo em ordem
assinei os demais, mas entre a
papelada estava um contrato em que
eu transferia todas as minhas ações
para ele. E agora eu estou aqui
novamente, na casa da minha mãe
como se não tivesse feito nada da
minha vida, completamente
dependente dos meus pais outra
vez. Acha isso pouco, Nanda? Acha
pouco eu estar de volta à estaca
zero com trinta e nove anos de
idade?
Acho que esse tapa doeu bem
mais do que os que eu dei nela.
Estar na pele dela realmente
devia ser doloroso demais, eu
talvez estivesse pior, mas não iria
deixar que ela caísse mais do que
já estava.
Além de mostrar a ela que
esse não era o fim e sim um
recomeço, eu também precisava
encontrar um advogado, na verdade
o melhor que existisse.
Danilo poderia saber, enviei
uma mensagem e rapidamente ele
me respondeu com o nome do
Eduardo. Disse ainda que o lado
pessoal de Eduardo poderia ser
uma bagunça completa, mas que não
confiaria a nenhum outro advogado
qualquer ação que ele fosse dar
seguimento e me enviou o telefone
dele.
Enviei uma mensagem no
instante seguinte, enquanto Cátia
tentava pentear os cabelos e logo
meu telefone estava tocando.
Contei a Eduardo por alto o
que havia acontecido e ele de
pronto pediu que fôssemos ao seu
escritório na segunda-feira no
primeiro horário, mas como eu
estava com a agenda cheia às voltas
para deixar tudo em ordem para me
apresentar na FMV no começo do
mês teria de encontrar uma outra
maneira de encontra-lo junto com
Cátia. Então, a melhor saída para
toda essa situação, seria marcar na
tal casa noturna logo mais a noite e
assim os dois se conheceriam e
ficaria mais fácil resolver tudo.
Quando encerrei a ligação e
marquei tudo com Eduardo, Vivi já
estava no quarto tentado descobrir
por onde começaria a desfazer toda
aquela bagunça que a minha irmã
tinha se transformado.
Mas, a Vivi era uma gênia e
logo Cátia se parecia com a Cátia e
não um zumbi estranho que morava
embaixo do edredom.
Pegamos uma carona com a
Vivi e fomos ao meu apartamento
para eu pudesse me trocar e esperar
a Hanna. Avisei sobre a presença
de Cátia e Eduardo para que não se
assustasse quando os visse comigo
e tal qual não foi a minha surpresa
quando ela achou uma maravilha e
me disse que eu poderia convidar
quem mais eu quisesse. Mas não
vamos abusar da sorte, porque
provavelmente o Eduardo levaria
os rapazes, claro que levaria.
A casa noturna era realmente
um espetáculo, luzes piscando,
decoração impecável, pessoas
circulando tranquilamente e garçons
quase despidos, isso mesmo o que
você leu, homens enormes em trajes
minúsculos carregando bandejas
nas mãos e anotando pedidos. Não
me pergunte onde eles guardavam o
papel e a caneta porque para essa
resposta eu preferi me manter na
mais absoluta ignorância. Se é que
me entende?
O tal amigo da Hanna era de
se lamber com os olhos e morder
com a testa. Um tipão de fazer
inveja a muita gente, mas a medida
que fomos conversando, Cátia me
encarou com aquele olhar de “esse
aí não engana mais nem a mãe” e
precisei me segurar para não sorrir.
Fábio quando nos deixou na
área VIP já tinha conseguido me
fazer ir ao banheiro três vezes de
tanto que demos risada, ele é uma
pessoa ótima, daquelas que
queremos ter sempre por perto.
O lugar prometia ser um
sucesso e eu estava me divertindo
horrores e percebi que Cátia estava
bem mais leve do que quando a
tirei das cobertas hoje. Acho que
ela precisava por tudo para fora,
assimilar de uma vez o que tinha
acontecido e isso só foi possível
quando ela criou coragem e disse
em voz alta o que estava rodeando
seus pensamentos a tempos.
Já estávamos ali há mais ou
menos uma hora e nada do Eduardo
dar as caras. Já estava quase tendo
um ataque quando ele nos
encontrou.
— Boa noite, meninas.
E como era de se esperar
Lucas e Flávio estavam com ele.
Apresentei as meninas e desci para
pegar uma bebida o que foi um
tremendo erro. Nunca sei a direção
de onde estou para poder voltar.
Um dos garçons que encontrei
no meio do caminho me disse que
eu deveria seguir em frente e subir
as escadas que estaria de frente à
sala VIP, e assim o fiz. Mas, quando
entrei era tudo muito diferente de
onde estava, não havia mesas, as
pessoas dançavam frenéticas com a
batida da música. Todas muito
animadas e já com alguma dose de
álcool que justificasse cenas tão
bizarras.
No meio de dois homens
enormes estava ele, Cláudio. E
como não reconhecer o seu único
ex-namorado que não te trocou por
outra mulher, porque preferiu te
trocar por outro homem?
Me senti no programa do
Serginho Malandro e ele gritando:
A porta dos desesperados!
“DOS MESMOS CRIADORES DE
EU NÃO DEVERIA TER ME
PRESTADO A ISSO, VEM AÍ:
REVIVENDO AS MERDAS DO
PASSADO.”
Você acha que o seu ex está
agindo estranho, combinando mais
acessórios do que você, mesmo
assim:

1) Finge não ver e


desconversa quando ele vem falar
sobre o novo personal da academia,
afinal você precisa manter um
relacionamento;
2) Pede conselhos sobre o
que usar no jantar que terão mais
tarde;
3) Não fala nada quando ele
chega com uma blusa de lantejoulas
e calça de couro para ir a uma
boate e ainda afirma que é a última
tendência (o que você não entende é
se uma tendência Cruzeiro das
Loucas ou Priscila- Uma rainha no
Deserto);
4) Acha bonitinho ele acordar
primeiro que você para verificar se
não está com olheiras ou com os
olhos inchados demais;
5) Acha super mente aberta
ele insistir para que vocês testem
inversão de papéis (olha aí o dejafu
outra vez).

A última vez que nos vimos


foi muito parecida com a que está
diante de mim agora, nós dois em
uma boate, luzes, pessoas
comemorando e eu tentando achar
um motivo para sair de onde estava
o mais rápido possível.
Eu o adorava, mas era
complicado não prestar atenção nas
deslizadas constantes que ele dava.
Eu sempre tentava fingir que não
estava vendo até aquela bendita
noite quando ele me disse que eu
poderia ir para casa, que ele iria se
despedir de alguns amigos e que me
encontraria em seguida.
Aquela noite de tanto esperar
acabei pegando no sono e acordei
com meu celular vibrando. Era ele
me ligando às oito da manhã
perguntando se eu não poderia ir
buscá-lo já que estava com seu
carro. O motivo é que eles
decidiram esticar a festa um pouco
mais e acabaram não se dando
conta da hora.
Até aí tudo bem, ele me
passou o endereço e de cara já
achei estranho, mas quando o GPS
me indicou que já havia chegado ao
meu destino final, dar de cara com
um motel era tudo o que eu não
estava esperando mesmo.
Peguei o telefone e liguei
para ele que veio até porta
acompanhado de um homem que era
quase o dobro em forma física e
altura dele, até aí tudo bem (mais
ou menos). Ele entrou no banco da
frente e o tal amigo no banco de
trás, então ele me pediu que
fôssemos ao meu apartamento antes,
até aí tudo bem (tudo bem uma ova,
isso ia dar merda).
Quando estacionei na porta
do meu apartamento ele desceu,
mas o amigo apenas pulou para o
banco do carona, até aí, ah meu
bem até aí eu já estava doida dentro
da roupa. Ele veio com um papo de
que era uma mulher fantástica, mas
que ele infelizmente não poderia
negar sua natureza e que por isso
aquela seria a última vez em que
agiria comigo como um casal, mas
que adoraria manter a minha
amizade.
Agora eu te pergunto, depois
de uma dessas como é que você
mantém a amizade?
Sim, porque é muito fácil,
não é mesmo? Ser trocada já é
simples, ainda mais quando a sua
periquita simplesmente não vem
com um autotransformador de
piroca?
Catei minha dignidade do
chão e subi as escadas até o décimo
andar pensando em como tudo tinha
acontecido, e até hoje eu não sei
que poder mágico é esse que eu
tenho para ‘aviadar’ alguém.
Assim que me viu, ele me
reconheceu, veio até onde eu estava
e me cumprimentou como se nunca
tivéssemos perdido contato. Disse
que eu precisava conhecer alguém
muito especial e que assim como eu
tinha grande importância em sua
vida.
A contragosto andei por
quase todo o lugar à procura desse
ser especial até que ao abrir uma
das portas lá estavam Eduardo,
Hanna. Flávio, Lucas, Cátia e Fábio
que imediatamente se levantou e
veio em direção de onde eu e
Cláudio estávamos parados.
— Encontrou a garota
perdida. Já estávamos saindo à sua
procura, minha querida.
— Mas eu nem demorei tanto
assim, é que são muitas portas e
acabei me confundindo. — disse
meio sem graça, porque todos
estavam às gargalhadas.
— Nós a vimos daqui de
cima parada no meio da pista de
dança como se tivesse procurando
algum portal de volta para a
realidade. Está é uma boate mista
querida, temo que a Hanna não
tenha lhe dito isso, mas espero que
não tenha te chocado.
— Realmente ela não me
falou sobre esse detalhe, mas nada
também que vá mudar o meu
conceito sobre o lugar que é
maravilhoso. Está de parabéns pelo
belíssimo trabalho.
— Este é meu sócio, mas não
sei por qual motivo tenho a
impressão de que já se conhecem?
— Essa é a Nanda, de quem
sempre comento sobre a minha fase
hetero. Divina não é mesmo? —
Cláudio dizia com um sorriso que
expunha todos os seus dentes
brancos — Nanda, além de uma
sociedade, Fábio e eu temos um
relacionamento estável e
pretendemos adotar uma criança
ainda este ano.
Tá que é muita informação
que eu não solicitei.
Me esquivei de maiores
detalhes e fui me sentar, na verdade
eu nem deveria ter me levantado.
Mas foi melhor as apresentações
terem sido feitas longe do deboche
do Flávio.
Eu que inocentemente achei.
Meu celular apitou uma
mensagem no instante em que me
juntei a eles na mesa.
DANILO: Meu amor, não se
preocupe comigo. Não há a menor
possibilidade de um relacionamento
entre eu e o Eduardo.
Flávio foi o primeiro a não
conseguir controlar o riso, os outros
vieram em seguida. Hanna estava
vermelha, tamanho era o esforço para
tentar se controlar, e quando me vi
estava às gargalhadas com eles. Fazer
o quê, se já está feito o que me resta é
sorrir para não chorar.
A noite seguiu tranquila,
Eduardo e Cátia combinaram de se
encontrar para acertar os detalhes do
seu processo contra o ex-marido,
Flávio estava dando descaradamente
em cima da Hanna enquanto eu e
Lucas ficávamos rindo de tudo.
Por força do habito, decidi olhar
minhas redes sociais para verificar o
que acontecia no mundo paralelo onde
todas as pessoas são felizes e sem ódio
no coração. #SQN
De cara apareceram três
marcações de Yuri comigo. Em uma
delas ele fazia uma sutil declaração. E
eu fiquei ali, com o celular na mão sem
saber se ria da idiotice dele ou se
chorava, porque com toda a certeza
que tudo aquilo iria se voltar contra
mim.
Ah, mas ele ia me pagar. Assim
que chegasse em casa, o meu querido
ex receberia uma mensagem especial
da Pimenta Rosa.
19
ONDE HÁ DUAS PESSOAS
FELIZES,
HÁ SEMPRE UMA TERCEIRA
MORRENDO DE #INVEJA!
Depois de ver a palhaçada de
Yuri, perdi a direção. Assim que
cheguei em casa comecei a
rascunhar todas as coisas que
tinham acontecido enquanto ficamos
juntos e deduzi que em matéria de
ser tapada eu ganho prêmio Nobel.
Lembrei-me da vez que ele
marcou comigo logo no comecinho,
em um quiosque fuleiro na orla da
praia e não foi. Nesse dia ventava
muito e do nada começou a chover
muito forte, a panacona ficou lá até
o dono do lugar resolver fechar,
porque além de mim não havia mais
ninguém a quilômetros de distância.
Em uma outra vez ele sugeriu
que eu fosse até o seu apartamento,
porque ele não poderia sair, estava
esperando visitas. A trouxa aqui
foi, né. Quando cheguei ele estava
largado no sofá e o lugar inteiro
parecia ter sido atingido por um
furacão, tinha cueca espalhada pela
cozinha.
Ele me perguntou se eu não
poderia ajudá-lo a organizar tudo e
preparar alguma coisa, pois havia
marcado aquela pequena reunião no
apartamento para que eu
conhecesse seus amigos. Eu nem
preciso dizer que meu dia de Chica
da Silva (porque não dava nem
para ser a fina Isaura) foi concluído
com sucesso, e o pior é que eu
passei o dia todo presa na cozinha,
porque as pessoas que ele chamou
de amigo, pareciam estar dias
passando fome.
Um por um eu fui escrevendo
os meus “momentos otária” que
passei por conta do Yuri, nem
preciso citar aqui a participação
especial da estagiária piranha,
porque sabem de cor.
E agora, que estou feliz e ele
levou um pé na bunda, e o que foi
pior para o ego inflado dele, ser
trocado por alguém como Murilo,
uma pessoa que era mais feia que
bater em mãe no segundo domingo
de maio.
Depois de colocar no papel,
item por item do que tinha sido meu
“relacionamento” com Yuri eu abri
a página do Blog e o meu e-mail.

“AQUELE MOMENTO
DA VIDA EM QUE SER
OTÁRIA PODE TE TRAZER
BENEFÍCIOS, SQN”

Você pensa estar namorando,


todos os sinais indicam para isso.
Você escuta frases batidas e acredita
que encontrou o paraíso. Mesmo
com todos os outros sinais de que
apenas você enxerga a beleza da
situação:
1) Acredita que é uma
questão de tempo, que tudo vai se
encaixando à medida que forem se
conhecendo melhor;
2) Torce para que todas as
pessoas quebrem a cara e que você
possa ser a que vai sorrir por último;
3) Se concentra nos poucos
bons momentos que está perto da
pessoa, se apega à ilusão de que ele
seja o homem dos seus sonhos e
que só precisa ser lapidado para
ficar perfeito para você;
4) Esquece as faltas de
gentileza, que ele comeu o último
pedaço de chocolate quando estava
lutando para não deixar o demônio
da TPM se apossar de você e
revelar o seu eu descontrolado, que
ri, chora e quer matar;
5) Dá ouvidos ao seu relógio
biológico e decide que é melhor
estar mal acompanhada do que só.
Eu precisei de muita força e cegueira
para manter meu último
relacionamento. Só eu que por
muito tempo não enxerguei a âncora
que havia amarrado em meu
pescoço quando concordei em sair
com Ygor.

Sabe aquele cara que abre a


porta do carro, puxa a cadeira
para você se sentar, te diz coisas
bonitas quando você precisa ou
quando ele mesmo sente a
necessidade disso? Pois é, não é
esse o caso.
Nos conhecemos como boa
parte dos casais se conhecem, no
local de trabalho e entre um
arquivo e outro ele foi se
mostrando engraçado, com um
potencial para safadeza que
fizeram com que eu desligasse todo
e qualquer bom senso em mim.
Fechei meus olhos quando
ele descaradamente me pedia
exclusividade e saia com metade
do escritório e da cidade.
Aquele momento em que o
cara brocha e você dá duro (ele
que deveria não consegue), se
esforça, tenta daqui, dali e nada do
dito cujo largar da preguiça e
querer trabalhar. E para piorar
você ainda é obrigada a escutar
que o problema é que você não está
sendo sensual o bastante. Eu
estava um misto de Dita Von Teese
com Gabriela Cravo e Canela e a
culpa foi minha.
Hum hum, deixei barato
porque insistir com aquele
problema não era a solução, fiz o
que todo ser humano faz em uma
situação como essa: fiz justiça com
as próprias mãos dentro do
banheiro.
E é nessas horas que a gente
pensa: Amor próprio não manda
flores e nem anda com a gente
pelo shopping.
Ledo engano, amor próprio
vai conosco para onde a gente for,
ele alimenta algo chamado
orgulho, autoestima e confiança
em si mesmo.
Eu confesso e já confessei
aqui inúmeras vezes que fiz muitas
coisas ruins, apenas para manter
um relacionamento, porque eu
acreditava que só conseguiria ser
plenamente feliz tendo alguém ao
meu lado, mas hoje eu vejo que
não há melhor companhia do que
a minha e que eu me basto e só
assim, tendo um pouco de respeito
por mim mesma é que posso fazer
com que a outra pessoa me
respeite e me também.
Namorar Ygor teve o seu
lado bom, eu aprendi que nem
todo canalha tem jeito, e nem toda
relação precisa ser uma sequência
de cachorradas.
Portanto, flores e cravos que
visitam sempre o blog, antes de se
doar inteiramente para outra
pessoa seja aquela pessoa que fará
alguém transbordar. Porque
metade da laranja existe, mas e se
você for um morango?

Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.

Abri minha caixa de e-mail na


sequência e comecei a pensar no que
escreveria. Sim, porque tinha que ser
doce e aterrorizante como todos os
outros ou perderia a essência.
Meu querido ex, estou
aqui para te agradecer por
tudo o que fez comigo
durante o tempo em que
passamos juntos. De alguma
forma, depois de tantas
coisas ruins, eu posso dizer
que você me ajudou a
crescer.
Quantos foram os
foras, as piadinhas
desnecessárias e vezes em
que me usou para se
vangloriar de ter um
capacho que sempre estava
disponível a hora que fosse
e para o que fosse? Muitas
não é mesmo, e ainda assim
eu tive fé em você, de que
valeria a pena continuar
insistindo que você
amadureceria, mas um
pequeno detalhe que passou
desapercebido por mim e
que só agora eu vejo com
mais clareza: fruta podre
não amadurece.
Eu escrevi algumas
coisas sobre como foi estar
com você todo esse tempo e
ficaria feliz que descobrisse
como foi maravilhoso para
você, e o que foi para mim.
Eu te agradeço por ter
feito de mim uma mulher
muito mais forte e capaz de
distinguir homens como
você, do tipo que não nos
leva a lugar algum.
Desejo muito que você
seja feliz e que daqui para
frente você aprenda que
mulher não é brinquedo,
porque de alguma forma
somos nós que te ensinamos
a brincar.
Este é o endereço do
blog, espero que aprecie
minhas singelas palavras.
www.meucontodef#das.blogst.com/

Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.

Escrever a minha história


com Yuri foi como calmante e
massagem. Eu estava relaxa e
pronta para novas histórias. Acho
que era o que eu precisava para
deixar para trás tudo o que me
magoava de uma vez por todas e
seguir em frente.
Desliguei tudo e fui tomar um
banho. Só percebi que estava morta
de fome quando abri a geladeira
para pegar um copo de suco. Fiz um
sanduíche leve e me sentei
esparramada pelo sofá, liguei a tv e
comecei a procurar por algo
interessante para assistir, em um
canal estava passando um show da
Beyoncé, e vamos combinar que ela
só não arrasa mais porque é só
uma,. Quando começou a tocar Best
Thing I Never Had eu percebi que
nunca uma música se encaixou
melhor em qualquer momento da
minha vida como esta. Parecia uma
direta na minha cara.
Fiquei ali prestando atenção
na letra e nem me dei conta que
estava cantando alto às três da
manhã. E assim sem querer eu havia
ganhado um hino para minha
desastrosa vida amorosa.
E foi cantarolando que acabei
pegando no sono.
No dia seguinte, toda
dolorida por ter dormido no sofá,
com a cara lambuzada de patê de
frango e uma azeitona no meio da
testa, acordei com Cíntia fazendo
barulho pela casa inteira. Porque
existe uma lei nesta casa, se não
acordarmos de maneira espontânea,
o pau quebra.
Ela se jogou no sofá ao meu
lado e começou a me abraçar e me
desejar bom dia. Aquilo era tão
estranho que comecei a pensar se
ainda não estava sonhando.
— Não sei por que insiste em
comer quando está com sono,
acorda parecendo uma fatia enorme
de pão de forma, cheia de recheio.
— Bom dia pra você também,
eu estava assistindo tv e não tinha
nenhum sono, mas não vem ao caso.
O que está fazendo aqui, assim tão
cedo? Achei que só chegaria a
noite.
— E ia mesmo, mas eu não
estava me aguentando, precisava te
contar uma coisa há muito tempo,
mas só queria contar quando tivesse
certeza.
— Algo me diz que é sobre
você e esse novo namorado.
— Ponto para você. É sobre
nós na verdade, vai parecer loucura
o que vou falar agora, porque foi
tudo rápido, mas o tempo não é uma
necessidade para nós.
— Você está grávida. Meu
Deus, eu vou ser tia. — Pulei do
sofá, com uma felicidade que não
cabia em mim, comecei a cantarolar
e fazer a dancinha da felicidade
sem me importar o quanto estava
sendo ridícula.
— Como você soube? Aquele
linguarudo já contou para o Danilo
e ele te contou?
— O que o Danilo tem a ver
com essa história toda?
— Espera aí, como você
soube da minha gravidez?
— Eu chutei, oras, você anda
enfiada na casa desse teu namorado
secreto, sua cerveja está intacta na
geladeira e você anda estranha pra
caramba, queria que eu achasse o
quê?
— Sei lá, que eu ganhei na
loteria, que achei um mapa do
tesouro ou que eu tinha conseguido
pagar minhas contas, mas gravidez
assim de cara era algo que eu
sinceramente achei que não
passaria pela sua cabeça.
— De besta, eu só tenho a
cara e o caminhar, meu bem. Agora
eu vou poder saber quem é o seu o
namorado secreto?
— Lembra aquela tarde que
me convidou para ir com você
conhecer os amigos do Danilo,
depois seguimos para o bar, a noite
tivemos uma surpresa nada
agradável, você deixou a Mia aqui
em casa e foi para o hotel em que
ele estava hospedado?
— Lembro. — Olhei
desconfiada, porque estava mesmo.
Ela estava dando voltas demais
para me contar quem era, e foi
quando um clarão de lucidez
alcançou minha mente — Meu Deus
do céu Cíntia, você está grávida do
Pedro? Meu Jesus Cristinho, você
se cuida mais que qualquer outra
pessoa na face da terra. O que
aconteceu, a camisinha estourou, a
pílula falhou, você transou bêbada
e esqueceu tudo isso de uma vez
só?
— Nossa, parece que estou te
contando que estou a beira da morte
e não grávida. E sim, o pai é o
Pedro e digamos que tenha sido um
conjunto de todas as suas opções,
mas não é uma coisa ruim, ou é e eu
não me dei conta?
— Tá louca, é a coisa mais
fabulosa que você já fez. Mas, eu
quero saber por que não me disse
nada antes?
— Porque não era nada sério,
e não tínhamos certeza se iríamos
chegar a algum lugar, então antes
que todos vocês começassem a se
meter bancando os cupidos,
preferimos guardar segredo.
— Hum, sei.
— Aquela noite nós ficamos
altos demais e eu acabei passando a
noite com ele, mas não me pareceu
errado em nenhum momento, depois
os dias foram passando e a vontade
de estar perto dele e ele de mim foi
crescendo naturalmente e fomos nos
aproximando mais. Precisamos
disfarçar para que não percebessem
o que estava acontecendo, mas
estava quase impossível para o
Pedro negar as inúmeras mulheres
que o Flávio, Eduardo e o Lucas
jogavam para cima dele,
começaram a achar até que ele
tivesse ficado impotente, nós demos
tanta risada disso. Esse final de
semana ele tinha me convidado
para ir com ele há um lugar mais
afastado do Rio e mais tranquilo,
disse que estava precisando relaxar
e eu achei que seria uma boa sair
desse tumulto que vivo pelo menos
uns dias. Ontem à noite saímos para
jantar porque ele disse que
precisava conversar comigo algo
sério, eu me assustei porque achei
que ele fosse terminar comigo e
sendo assim eu não contaria nada
sobre a gravidez, não queria que
ele se sentisse obrigado a manter
uma relação comigo por esse
motivo. Mas, quando chegamos ao
restaurante ele começou a falar e
meu coração parecia que ia sair
pela boca, eu nunca fui assim com
ninguém, nunca tive medo de perder
alguém como agora. Quase não ouvi
o que ele falava de tão alto que meu
coração pulsava em meu peito, e foi
quando ele se colocou do meu lado
me pedindo perdão por não poder
ficar de joelhos como eu merecia e
abriu uma caixinha vermelha
aveludada com um par de alianças
e me pediu em casamento. Eu juro
que nunca me senti tão feliz e
completa em toda minha vida.
Assim que aceitei o pedido dei a
informação de que eu estava
grávida, e foi como abrir uma
torneirinha de lágrimas em seus
olhos. Pedro me cobriu de beijos, e
anunciou para o restaurante inteiro
a minha gravidez e não há um outro
momento que eu tenha vivido que
seja mais bonito do que este.
— Oi? Como assim, casar
também?
A pergunta foi idiota eu sei,
mas era tanta informação ao mesmo
tempo que eu não sabia ao certo o
que estava acontecendo direito. Eu
estava muito feliz por Cíntia, nunca
a vi tão feliz e radiante como agora.
A cada palavra um brilho diferente
tomava seus olhos, e o sorriso
então não se desfez em nenhum
momento, e se ela estava feliz eu
estava também.
— Ah, o Pedro ligou para o
teu namorado e no próximo final de
semana iremos comemorar um
noivado como se deve. Daremos
um jantar para os nossos amigos
mais íntimos no apartamento dele e
vocês dois não ousem desaparecer.
— Taí, um acontecimento que
eu não perco. Cíntia Lacerda,
seriamente comprometida é algo
que não se vê todos os dias.
— Eu te amo muito Fê, e não
dividir isso com você era algo que
estava me matando. Eu sempre ouvi
dizer que um amigo é algo precioso
demais para ser só irmão, para ser
uma ligação apenas pelo sangue.
Amigo é aquele anjo que repousa
suas asas sobre nós sem muito
esforço, que nos acompanha muitas
vezes sem que nos demos conta,
que nos ampara a cada tropeço e
nos estende a mão para seguirmos
em frente. Eu sei disso e posso
dizer com toda a certeza que você
além de tudo isso é um pouco mãe
também.
Eu só quero que saiba que eu
te quero sempre em minha vida e
que por maiores que sejam as
transformações que aconteçam
daqui para a frente, o seu lugar em
meu coração sempre estará lá.
Eu não chorei nesse
momento, não derramei uma
lágrima sequer. Estava tão
entorpecida pelas palavras dela que
não esbocei qualquer reação até ela
me dar um chute na canela.
— A pessoa faz uma
declaração linda dessas e a outra só
fica olhando com cara de palerma,
onde vamos parar desse jeito?
— Eu, em algum hospital
para conseguir outra perna depois
de um chute desses, com certeza.
Me desculpa se pareceu que eu não
dei importância, mas eu estava aqui
pensando, as coisas do Pedro
funcionam direitinho?
— Lógico, ou acha que o
dedo dele ejacula? Eu aqui me
declarando e você pensando no
funcionamento do pênis do meu
noivo, só você mesmo.
— Desculpa, mas eu estava
curiosa, eu achei que como ele
estava paralisado da cintura para
baixo e o bendito cujo está bem
nessa região, que a coisa por ali
não estivesse, como posso dizer,
executando suas funções.
— Fora a descoberta que o
pênis do Pedro funciona e muito
bem, o que tem acontecido por
aqui? Sim, porque eu não posso te
deixar sozinha que acontece alguma
merda.
— Nada demais, só o de
sempre. Ex querendo voltar porque
levou um pé na bunda e acha que eu
sou um bom step, mas para mim o
que tem retorno é pista, se terminou
é porque bom não estava.
— E qual é a bola da vez?
— O Yuri. Depois que a
Letícia o dispensou para ficar com
Murilo ele tem me rondado muito,
mas acredito que por conta do meu
novo cargo dentro das empresas do
Sr. Conrado, mas se for por esse
motivo ele pode tirar o cavalo da
chuva porque a única coisa que
estou querendo dele no momento é
distância.
— Nossa, você precisa
mesmo ir se benzer, porque tanto
encosto querendo reza vai ser
complicado tanta vela para manter
acesa e haja joelho para tudo isso
— ela disse sorrindo enquanto
pegava mala e ia direto para o
quarto.
Preparei um almoço leve, o
que não agradou muito. Cíntia
reclamou por horas a fio que ela
precisava comer por duas e não por
meia pessoa, e que engordaria com
todo o prazer durante a gravidez e
depois se fosse o caso perderia
peso, mas que no momento ela não
estava preocupada com a balança e
se por acaso eu repetisse qualquer
outro prato light, ela acetaria ele na
minha cara.
Pedindo com esse jeitinho
doce quem seria capaz de negar,
não é mesmo?
Depois do almoço, saímos
para dar uma volta. Andamos um
pouco na orla e nos sentamos para
tomar uma água de coco.
No meio do caminho de volta
para onde havia estacionado o
carro, o telefone dela começou a
tocar e a foto de um par de alianças
apareceu na tela, deduzi que só
poderia ser uma pessoa, Pedro.
Ela falou com ele pelo resto
do tempo que usamos para
percorrer o espaço entre o quiosque
e o carro. As bochechas dela
ficaram coradas e percebi que
haviam chegado na parte em que ele
havia falado alguma sacanagem que
ela não poderia responder por eu
estar muito perto.
Minha amiga tinha se
transformado em um coelho
pervertido.
— Acho melhor eu te levar
até um certo apartamento ou vão
começar a me odiar. — Sorri
encostando meu ombro no dela.
— Não precisa, podemos ir
para casa, hoje eu tirei o dia para
aproveitar com você, coisa que não
fazemos há muito tempo. Além do
que, eu estou morrendo de saudade
do seu blog, nunca mais dei uma
espiadinha.
— E eu achando que eu
estava fazendo falta. — Lancei
minha cara mais fingida de pessoa
ofendida.
— Deixa de palhaçada, sabe
que nunca vai se livrar de mim. É
até que a morte nos separe, esse foi
o juramento.
Entramos no carro
gargalhando. Eu tinha feito essa
declaração assim que nos mudamos
para o apartamento e sempre que
podia ela jogava isso na minha
cara.
Voltamos para o apartamento,
fizemos uma panela de brigadeiro,
nos jogamos na minha cama e ela
vasculhou o blog de cima a baixo
indo de um sorriso a uma
gargalhada escandalosa.
Quando nos demos conta já
passavam das três da manhã. Cíntia
foi para o seu quarto, eu organizei
meus papéis e a roupa que usaria no
dia seguinte no trabalho.
A semana foi uma correia
sem tamanho, eu e Hanna nos
reunimos quase todos os dias e
ficamos no escritório até bem mais
tarde, mas tudo havia ficado pronto
e sido repassado para a equipe que
ficaria responsável agora por dar
andamentos aos projetos e novas
campanhas publicitárias.
Enfim, a tão esperada sexta-
feira havia chegado novamente com
o fim do expediente eu estava
contando os minutos para a chegada
de Danilo, não o via há tanto tempo
que a situação estava precária, se
ficasse mais um final de semana
fazendo treinamento para DJ no
quarto, duas coisas poderiam
acontecer, eu viraria a DJ mais
famosa do país ou ficaria com um
braço maior que o outro, e vamos
combinar que eu já passei por
vergonha demais na vida.
Resolvi mandar uma
mensagem e me certificar de que
ele estava realmente vindo hoje,
então uma mensagem apareceu na
tela e para minha felicidade o nome
de Danilo estava estampado em
letras maiúsculas.
DANILO: Acabei de chegar na
cidade, estou hospedado no mesmo
hotel. Assim que sair do seu trabalho
venha direto para cá.
FERNANDA: Estarei aí o mais
rápido que eu puder.
DANILO: Me surpreenda.
FERNANDA: Sempre.
Eu ainda precisava terminar
três relatórios de custos e uma
análise de projeção antes de poder
finalizar o meu trabalho da semana
e posso afirmar que nunca trabalhei
tão focada e fui tão rápida em toda
minha vida. É uma certeza que
tenho na vida, as pessoas são
movidas pelo desejo, seja ele de
qualquer forma.
Às oito da noite estava tudo
pronto. Deixei o escritório e passei
em casa, tomei banho coloquei uma
lingerie que não lembrasse uma
tenda de alojamento de
desabrigados, na verdade essa eu
nunca havia usado, era branca com
detalhes rosas nas alças e no bojo
do sutiã. A calcinha tinha duas fitas
super delicadas em cada lateral,
mas ao mesmo tempo em que havia
toda essa delicadeza, a
transparência dava um ar bem sexy
à peça.
Coloquei um vestido que
prendia as pontas na frente e
deixava uma fenda que mostrava
boa parte da minha coxa esquerda e
saltos pretos altos. Dei um jeito no
cabelo e coloquei um batom bem
vermelho nos lábios destacando
mais ainda o volume. Fui até a
caixa de brinquedos eróticos e
escolhi alguns itens para estrear
com Danilo (muita calma nessa
hora, minha gente, eu li o manual de
tudo e nenhum era algo que
cortasse, decapitasse ou desse
choque, então estávamos bem).
Segui para o hotel em que ele
havia se hospedado cheia das más
intenções e qual não foi a minha
surpresa quando dei de cara com
Yuri no corredor. Ele me lançou um
olhar magoado e ao mesmo tempo
vingado, mas só quando um sorriso
diabólico ganhou sua boca que
percebi o que ele havia feito. O
miserável deve ter vindo até aqui
contar sobre mim e o blog.
Bati na porta do apartamento
mais sem graça do que criança
quando apronta e quando Danilo
apareceu todo sério eu tive a
confirmação de que Yuri havia
mesmo cometido a canalhice
suprema comigo (se eu iria
revidar? Tem alguma dúvida?).
Ele gesticulou com a mão
para que eu entrasse, mas eu pensei
seriamente se não era melhor sair
correndo e esperar para ver se ele
esquecia, mas acho que ele
suspeitou do meu plano e me puxou
pelo braço me fazendo entrar de
uma vez por todas.
Sobre a mesa estava um
notebook e na tela cheia a imagem
do meu blog e da minha última
postagem feita.
— O seu amigo veio até aqui,
e sinceramente não sei como ele
descobriu onde eu estava ou que
horas eu chegaria à cidade, mas o
fato é que ele tinha certa urgência
em me mostrar um certo meio de
entretenimento que criou para
desabafar suas frustações
amorosas, e me afirmou com todas
as letras que eu seria a próxima
atração dos seus leitores.
Como diria Maysa: “Meu
mundo caiu!”.
Agora lascou foi tudo! Eu
fiquei parada no meio do quarto
sem entender muito bem o que
estava acontecendo, na verdade eu
não estava era acreditando que
aquilo estava acontecendo de
verdade. Como aquele filho de uma
mãe foi capaz de me aprontar uma
cachorrada dessas? Mas, para tudo
na vida tem uma explicação, eu só
precisava encontrar a saída daquela
merda toda.
Eu continuei parada, olhando
a tela do computador e tentando
encontrar alguma resposta que
pudesse fazer sentido, porque se
Yuri tinha se dado ao trabalho de
descobrir onde o Danilo estaria e
como faria para chegar até ele, com
certeza não disse nada que me
transformasse em uma pessoa
maravilhosa aos olhos dele.
Puxei pela memória o que eu
havia escrito sobre Yuri no blog,
mas estava tão nervosa que apenas
poucos flashes do que postei
vinham em minha mente. De toda
forma eu não me arrependo de ter
escrito tudo e não mudaria uma
vírgula ou a maneira como coloquei
aquele canalha no texto que estava
no blog. Agora ele se dar ao
trabalho de vir até aqui para
inventar que Danilo seria o
próximo da lista foi f#da! Até
porque eu não estava pretendendo
que ele fosse parar entre meus
casos, eu estava torcendo para que
ele não merecesse estar ali, e eu já
havia prometido que Yuri seria o
meu último post dedicado a ex-
namorados.
Danilo começou a rir e se
curvar, balançando as mãos
tentando ventilar e puxar ar para
seus pulmões. Seu rosto estava
vermelho e suas mãos desciam para
os joelhos. Das duas uma, ele
estava doido e a qualquer momento
iria voar para cima de mim ou
estava curtindo com a minha cara. E
em se tratando de Danilo eu
certamente poderia contar como
certa que a opção vencedora seria a
número dois.
— Co-o-om-o vo-c-ê nunca
— ele parou para respirar, mas as
palavras estavam saindo em meio a
tanta risada que mal conseguia
entender o que ele estava querendo
me falar realmente. — Como você
pode ser tão safada? Usou minha
ideia e não me pagou um centavo
por isso?
Oi? Como assim, ideia dele?
E jura que a pessoa não está
irritada nenhum pouco por sua
namorada escrever um blog em que
ele pode se tornar o próximo alvo?
Fui até o frigobar e abri uma
garrafa de água, se eu não entendia
as ironias da vida no dia a dia,
imagina sob uma pressão dessas?
Ex saindo do quarto de hotel do
atual e ainda lançando veneno com
aquela língua bifurcada.
— Como assim, sua ideia?
Ele se sentou na cama e deu
duas palmadas em suas pernas para
que eu me sentasse em seu colo. Fui
com medo, mas fui, num cagaço dos
infernos de ele ser bipolar e
começar a me esganar, mas quem
recusa o colo de um homem desses?
— Se bem me lembro,
quando jantamos em São Paulo eu
perguntei o seu nome e da maneira
mais descarada me disse que se
chamava Rose, e eu disse que era
Rosa como a pimenta. Acho que de
alguma forma eu colaborei com
esse blog de sucesso.
Soltei o ar dos pulmões
sentindo o peso sair das costas e o
alívio tomar conta de mim, era
certo que ele não havia caído na
pilha daquele brocha duma figa.
— Pode até ser que você
tenha sugerido alguma coisa, mas
isso não quer dizer que eu tenha
usado qualquer ideia sua. Eu já
estava pensando em algo nesse
gênero.
— Ainda mente com a cara
mais deslavada. Vai confessar por
bem ou vai ser por mal mesmo?
— Me diz que achou do
blog? Se não está irritado como
temi que estaria deve ter achado
algo de bom nessa minha loucura.
Confesso que em alguns momentos
eu me arrependi de ter criado esse
blog, mas o arrependimento não
durma muito. — Dei uma risada
ainda nervosa.
— Não tente desconversar,
ou vai ser por mal mesmo que vou
arrancar o que quero saber de você.
— Tudo bem.
Contei a ele que as postagens
começaram aquela noite depois do
jantar e que por conta da nossa
conversa eu havia conseguido um
pseudônimo perfeito. Falei como
foi difícil me segurar para não
acabar na cama dele e porque saí às
pressas naquela manhã, e nessa
hora ele me puxou para mais perto
dele o que me deixou feliz. Eu sei
que dei muitos motivos para esse
homem me mandar para onde o sol
não bate, mas se eu tivesse cedido
tão fácil, ele talvez tivesse
desistido na mesma velocidade.
Contei ainda sobre a reação
de cada ex, e ele me fez abrir o e-
mail para que pudesse ler as
respostas, e teve momentos que eu
achei que ele fosse desmaiar de
tanto que ria. Falei sobre a
entrevista e de como quase tive um
treco por conta disso. Enfim, contei
tudo o que havia acontecido nos
últimos meses, só deixei a última
bomba e a de proporções mais
destrutivas para o final.
— O Sr. Conrado me
ofereceu a vice-presidência da
FMV, o que significa que nos
tornaremos concorrentes diretos e
de alguma forma irá interferir em
nosso relacionamento pessoal.
Seu rosto deixou a expressão
agradável, leve de tanto sorrir e
ganhou ares de preocupação assim
que fechei minha boca. Ele ficou
pensativo por alguns minutos,
andou de um lado para o outro e
quando achei que eu fosse entrar em
parafuso ele respondeu com a
maior naturalidade do mundo.
— Não há porque os
negócios interferirem em nossas
vidas pessoais, a menos que nós
dois deixemos que isso aconteça,
da minha parte eu não vejo
problemas em continuar
conciliando as coisas. E estou
muito feliz que alguém tenha
enxergado o seu potencial por tanto
tempo escondido atrás daquele
pedaço de gente arrogante que era o
seu chefe.
— Eu só espero poder
atender a toda expectativa que estão
depositando em mim.
— Fernanda — ele disse meu
nome de maneira tão doce e firme,
olhando em meus olhos, que não
havia nenhuma dúvida em suas
palavras. — Se o Conrado não
tivesse te feito esta proposta, eu a
faria. Depois da apresentação do
projeto e da forma como se mostrou
durante toda execução, tomando
nota de cada detalhe, buscando a
perfeição em tudo, ele seria um
louco se não corresse para te
propor nada.
Eu nem sabia o que dizer
depois disso tudo. Eu nunca tive
alguém que me dissesse nada
parecido ou que confiasse em mim,
no meu potencial quanto
profissional e vindo de alguém que
eu amava não poderia ser melhor.
Apenas me joguei em seus
braços impulsionando nossos
corpos sobre a cama. Nenhuma
palavra mais precisava ser dita, o
que nossos corpos não
conseguissem expressar seria
compreendido em cada troca de
olhar entre nós.
20
DANILO

UM DOCE DE
#PIMENTA
Os últimos tempos têm sido
complicados, depois que a Império
perdeu a conta das empresas de
Conrado definitivamente, desde que
ele adquiriu a maioria das ações da
FMV. Não faria muito sentido ele
manter sua conta conosco quando
uma de suas empresas era nossa
principal concorrente e dispunha
dos mesmos serviços que nós. Mas,
aos poucos tudo foi voltando a
normalidade, à medida que
conquistamos novos contratos que
supriram o desfalque financeiro
causado pela perda da conta.
Estava no meio de uma dia de
trabalho quando a ligação de Pedro
me pegou de surpresa, eu já estava
sabendo sobre a relação entre ele e
a amiga de Fernanda, mas o que eu
não esperava era que esse namoro
se tornaria algo tão sério, como um
casamento e com o adicional de
uma gravidez.
A intimação de que eu
deveria estar no Rio nos próximos
dias para comemorar o noivado em
um jantar simples entre os amigos,
me deu tempo para organizar minha
agenda e agilizar os projetos que
estavam prestes a serem lançados.
Deixei algumas recomendações
para que fossem cumpridas durante
minha ausência e segui para o
aeroporto.
Esperava poder aproveitar
esse tempo com Fernanda, havia
muito tempo desde a última vez que
nos vimos, e apesar do muito
trabalho eu precisava aliviar certas
tensões que já estavam começando
a atrapalhar minha concentração. E
talvez, se desse sorte, Fernanda
tivesse confiança o bastante para
me contar sobre o blog que ela
estava escrevendo há meses.
Uma semana após nosso
jantar naquele restaurante encontrei
minha secretária aos risos quando
voltava de um almoço de negócios
e descobri que o motivo para tantas
risadas era uma página na internet
com nome muito sugestivo.
Segundo ela, a pessoa por
trás do blog tinha as melhores
histórias para contar, mas tinha
certa pena por tudo o que acontecia
constantemente nos relacionamento
em que ela embarcava, senti que ela
torcia pela tal pessoa de alguma
forma, para que tivesse alguma
sorte, porque já havia passado por
situações que ninguém merecia
passar. Em minha sala resolvi
perder algum tempo para verificar
se era realmente tão avassalador
como parecia, eu estava curioso e o
que me chamou a atenção logo que
abri a página era a quantidade de
inscritos, o que significava que uma
parcela considerável de pessoas
estavam dispostas a ler o que esse
tal blog tinha a dizer e era bem
provável que a pessoa por trás da
máquina fosse uma excelente
publicitária, e eu estava precisando
de alguém assim com urgência.
Mas qual não foi a minha
surpresa quando uma assinatura me
chamou a atenção.
Li atentamente cada palavra e
nem percebi o momento em que
comecei a sorrir também. O humor
casado a muita ironia dava um
toque muito pessoal e original ao
que se propunha o site.
Mas, foi na noite em que
participamos do coquetel de
Corado que tive plena certeza de
que era ela a mente por trás de
tudo. A forma como tentava se
esquivar do ex-namorado, como
fingiu manter uma relação comigo,
quando a única coisa que fez
enquanto tentava me aproximar, era
me repelir, e por fim o beijo para
comprovar sua mentira.
Ela em nenhum momento
tentou ser sutil ou disfarçar suas
insatisfações com o sexo oposto,
era mais fácil me provar que eu era
a escolha errada.
Entrei no site e decidi
provocá-la, e nada surtiria mais
efeito do que uma crítica explicita.
Foi assim que surgiu o
@homemdossonhos. Em sua última
postagem eu fiz questão de enfatizar
que o problema talvez não fosse as
pessoas com quem ela se envolvia,
deixei claro que o problema seria
dela e isso a fez subir e rodopiar, e
como sei disso, a resposta
desaforada que recebi era a prova
de que eu tinha tocado no ponto que
doía.
Mas, o tempo foi passando e
ela não me dava nenhum indicio de
que algum dia fosse me contar nada
a respeito do blog, mesmo quando
nossa relação foi ficando mais
séria, depois de passarmos algum
tempo juntos e eu falar sobre minha
família. Ainda assim ela não julgou
que devesse me contar. Eu posso
estar parecendo um maricas
choramingando desse jeito, mas
caramba eu teria que pegar mais
pesado se quisesse ouvir dela que o
blog mais comentado do momento
tinha o seu dedo e sua mente
diabólica envolvida.
Usei artilharia pesada, a
questionei em momentos inusitados
para que não tivesse tempo de
pensar em uma resposta evasiva e
nem assim aquela peste me contava
o que eu queria saber. Então decidi
dar tempo ao tempo.
Uma tarde ela me ligou para
avisar que havia sido afastada da
FMV e que provavelmente este
afastamento evoluiria para uma
demissão. Eu já havia escutado de
algumas pessoas que o Ruis andava
por ai furioso, porque havia
promovido sua secretária e feito a
ela inúmeros convites que pareciam
não estava surtindo o efeito que ele
desejava. Depois que ele soube que
ela estava saindo comigo então,
além de aumentar nossa rixa
pessoal, ele ainda ficou mais
furioso ao saber que só nos
encontramos por acaso, quando ela
foi enviada para São Paulo em um
curso inútil, que só serviria para
ele “ocasionalmente” encontrá-la e
conseguir enfim o que queria.
Infelizmente para ele o destino dela
era se encontrar “ocasionalmente”
comigo.
Uma semana após a demissão
de Fernanda eu teria um encontro
com Ruis. Na verdade estava
esperando por este momento há
algum tempo, desde que ele me
roubou uma conta para conseguir
sua promoção na empresa, o que
quase me custou a minha posição e
emprego dentro da IDV. E saber que
Conrado estava prestes a fechar
negócio com a FMV e que o
colocaria para fora dali me deu
ainda mais vontade de ficar cara a
cara com aquele verme.
Era um pequeno almoço, com
um cliente estrangeiro que estava
pretendendo montar diversos
pontos de sua empresa pelo país e
para isso precisaria contar com
todos os meios de publicidade
disponível e um deles era a IDV.
Por mais que o cliente tivesse
nos procurado, Ruis conseguiu
descobrir seu contato e marcar um
almoço para apresentar os serviços
da FMV, o que acabou sendo a
atitude que não o manteria na
empresa após a compra de
Conrado.
Por mais que ele tivesse
tentado e usado todos os recursos o
cliente preferiu nos contratar, a
empresa dele.
— Que surpresa encontrá-lo
Ruis.
— Sabemos que este não é
nosso acontecimento preferido no
dia, mas trabalhando no mesmo
ramo de negócio e é praticamente
impossível evitar esse tipo de
situação.
— Como estão as coisas na
FMV? Soube que a sua nova
assistente já deixou o cargo. Você
realmente não acreditou que uma
mulher como a Fernanda iria ceder
aos seus caprichos, não é? Porque
eu perderia a migalha de respeito
que ainda tenho por você. Não é
muita coisa, mas é um começo.
— As minhas pretensões não
te dizem respeito. E a Fernanda foi
demitida por falta de
comprometimento com seu trabalho,
nada mais que isso.
— O engraçado é que o nível
de comprometimento dela caiu
muito desde que soube que ela
estava comigo, mas não se
preocupe, você na verdade fez um
favor a ela quando a demitiu.
Assim, ela teve a grande
oportunidade de mostrar realmente
o seu potencial. E agora você é que
precisa correr contra o tempo para
reverter o prejuízo de perder uma
profissional como ela.
— Nunca tinha o visto na
posição de namorado agressivo,
confesso que é divertido, mas
maçante com o passar dos minutos.
Eu preciso ir, tenho mais com o que
me preocupar, minha prioridade no
momento não é saber para quem
minha ex-funcionária anda abrindo
as pernas.
Não me surpreendi quando
soquei a cara dele com toda minha
força, o deixando no chão. Não me
dei ao trabalho de escutar o que ele
pretendia me dizer, não faria
diferença e ele havia encontrado
seu lugar de verme, ali no chão, no
meio da rua.
Quando finalmente consegui
chegar ao Rio para o noivado
oficial de Pedro e Cíntia, não
esperava ter a ingrata visita do ex-
namorado de Fernanda sendo
anunciado pela recepção do hotel.
Eu não estava lá muito interessado
no que o tal Igor (acho que era esse
o nome do vermelhinho, se não era
também não me interessa) tinha a
dizer, mas pelo que entendi ele não
estava disposto a deixar o hotel
antes de falar comigo, então
autorizei que ele subisse até o
quarto, torcendo para que fosse
breve o assunto. Ele se convidou
para entrar e começou a falar sobre
o blog e de como Fernanda havia
sido baixa por expor a relação
entre eles de uma forma tão injusta
e infantil. Se você acha que eu
estava choramingando, é porque
não teve que escutar esse cara por
meia hora seguida. Em alguns
momentos eu achei que ele fosse
sair correndo e chorando com as
saias na mão.
Mostrou-me um e-mail que
ela havia enviado, e foi difícil
segurar o riso. Ela estava
completamente debochada, não
tinha filtro algum e pude perceber
que ela apesar da ironia
exacerbada, tinha muito cuidado
com cada palavra que usava em
suas publicações. Eu fiquei ali
lendo tudo e tentando manter a pose
de ofendido, sim, porque se eu
começasse a gargalhar na cara do
rapaz era capaz dele nunca mais se
recuperar. Homens como esse não
podem ter seus egos delicados
magoados ou não são capazes de se
recuperar nunca.
Quando por fim ele se deu
por vitorioso, acreditando que tinha
conseguido seu propósito, de
colocar Fernanda em uma situação
vergonhosa, se calou e esperou que
eu esboçasse alguma reação. Mal
sabia ele que a cada acusação que
fazia mais excitado e interessado
por ela eu ficava. E daí que ele foi
apenas um caso frustrado que ela
extravasou em página da internet?
Eu não teria o mesmo destino que
ele, porque eu sabia o valor da
mulher que estava ao meu lado e
essa era grande diferença entre mim
e os marmanjos descritos em cada
conto do seu blog.
Ao abrir a porta do quarto ele
ainda tentou me fazer acreditar que
eles tinham concordado em uma
relação aberta, mas percebeu em
tempo o papel ridículo que estava
fazendo e saiu sem olhar para trás.
Um segundo depois, batidas
na porta interromperam minhas
risadas, do outro lado estava
Fernanda, muito sem graça, o que
significava que ela havia
encontrado seu amigo no corredor
ou elevador. Eu não deveria, mas
me fiz de ofendido e decidi
sacanear com ela um pouquinho
antes de revelar que sempre soube
de tudo.
A questionei e ela começou a
gaguejar sem parar, segurar o riso
estava ficando cada vez mais
difícil, quando não pude mais
aguentar, comecei a gargalhar sem
parar. Ela me olhava sem entender
nada, porque acho que no fundo
esperava que eu estivesse furioso e
ao contrário disso eu estava quase
sufocando com a minha própria
risada.
Ela percebeu algum tempo
depois que eu estava realmente
sacaneando com ela por toda essa
situação e quando eu mencionei que
ela havia usado minha ideia sem me
incluir no projeto, vi seus olhos
alternarem de pânico para fúria,
senti o sorriso escapar da minha
boca e um frio gelado percorrer
minha nuca e espinha. Eu tinha
esquecido o quão diabólica ela
podia ser quando é passada para
trás.
Percebi que boa parte do que
significava aquele blog para ela era
por sua insegurança, de só ter
encontrado pessoas em seu caminho
que lhe apontassem os defeitos. E
de que mais somos feitos senão um
punhado de defeitos e algumas
qualidades que se sobrepõe a tudo?
Ela se lançou sobre mim
deixando escapar uma parte de sua
lingerie me levando à loucura. A
noite passou mais depressa do que
eu gostaria e tudo o que eu
precisava naquele momento era de
Fernanda em meus braços.
Na manhã seguinte acordei
com ela e seu cabelo bagunçado
espalhado pelo travesseiro. Dormia
tão tranquila que não me permiti
acordá-la.
Tomei um banho, fiz a barba e
Fernanda ainda não havia
acordado.
Pedro me ligou para informar
o horário que seria o jantar em seu
apartamento. Seriamos poucos, eles
preferiram fazer desta forma, e só
depois, no casamento expandir a
lista para outros convidados.
Sentei-me na cama ao seu
lado e lhe dei um beijo no pescoço
a fazendo despertar levemente.
— Era preciso fazer alguma
coisa ou o seu ronco acordaria o
hotel inteiro.
Ela deu um salto da cama
como se eu tivesse jogado gelo
sobre os lençóis, esfregou os olhos
e ficou de pé.
— Cala a boca, eu não ronco.
Segurei o riso, irritá-la
estava se tornando meu esporte
predileto, fora que ela ficava
incrivelmente sexy com as
bochechas coradas e o olhar em
chamas.
Ela veio em direção a mim,
quando achei que ela fosse me
encher de tapas, lançou seu corpo
em direção ao meu, envolvendo
suas pernas em minha cintura e
aproximou sua boca em meu
ouvido.
— Por que ao invés de ficar
me difamando com mentiras, não
me falas coisas doces?
— Ah, então quer ouvir
doçuras?
— Sim, de vez em quando faz
bem.
— Pois bem, vamos as
doçuras: mariola, suspiro,
merengue, pirulito zorro, bala de
coco. Já está doce o suficiente?
Ela jogou a cabeça para trás
gargalhando alto e me dando um
tapa no ombro como forma de
punição. Ela gargalhou até sairmos
do hotel, e em alguns momentos no
carro, enquanto íamos até seu
apartamento para que trocasse de
roupa.
— O Pedro já me telefonou
para avisar que o jantar de noivado
será em seu apartamento, pediu que
ficássemos responsáveis por
encontrar as flores, o que quer dizer
que essa é a sua função, porque não
sei quais as flores preferidas da sua
amiga e tão pouco como se decora
um arranjo. Eu teria contratado
alguém, mas ele quer algo mais
pessoal.
— Isso significa que nunca
ganharei flores?
Abri a porta do carro para
ela e a ajudei a sair, talvez o gesto
me desse tempo para pensar em
uma resposta para minha pisada de
bola. Mas, ela não estava falando
sério, e só percebi quando ela
entrou e chamou o elevador e do
espelho pude ver o reflexo do
sorriso debochado que estava no
rosto dela.
— Eu acho que poderia te dar
outras coisas, que seriam mais bem
aproveitadas e durariam mais que
alguns dias. — Seus olhos se
arregalaram e aquele brilho de
esperança me fez perceber a
burrada que eu havia acabado de
insinuar. — Não estamos falando
de aliança, só para deixar claro.
Subimos no mais absoluto
silêncio. Eu pretendia fazer isso,
mas em um futuro mais distante, até
porque nesse momento seria
impossível conciliar nossas vidas
profissionais. Estava prestes a
assumir um cargo que exigiria
muito dela, tomando boa parte do
seu tempo até que conseguisse
assimilar todas as novas
responsabilidades. E para ser bem
honesto, esse futuro pode ser mais
breve até do que eu mesmo
imagino.
Ela se trocou em silêncio no
quarto, enquanto eu fiquei na sala
tentando encontrar uma boa
desculpa para justificar a idiotice
que havia cometido. Eu tinha noção
do estrago que havia causado e não
tinha nada que eu pudesse fazer no
momento que mudasse isso. Eu
deveria ter ficado calado antes, mas
como não é possível farei isso
agora.
Seguimos para o apartamento
de Pedro com as flores que ele
havia pedido.
O jantar foi agradável e o
pedido oficial foi feito diante dos
amigos mais próximos como era da
vontade do casal. Fernanda ainda
estava distante, o que foi percebido
por todos e por esse motivo os
caras me chamaram com uma
desculpa de despedida de solteiro
para Pedro.
— Velho, que merda você fez
com a risadinha? A garota parece
que tomou remédio estragado —
Flávio me perguntou.
— Eu insinuei uma aliança e
quando percebi o que tinha feito
voltei atrás.
— Não poderia ter feito
merda maior cara, e vai fazer o que
agora? — Era a vez de Eduardo me
questionar​ — Não se deixa esse
tipo de situação para uma mulher
ficar remoendo, isso pode causar
danos a humanidade que não serão
revertidos por anos. Veja meu
exemplo.
— Não sei. Eu até acho que
ela seja a mulher que mereça o meu
pedido, mas não nesse momento,
porque um de nós dois teria que
abrir mão de sua carreira
profissional e não seria justo pois
me dediquei muito para chegar a
posição que ocupo hoje e com ela
menos ainda, porque depois de
tanto tempo ela finalmente
conquistou seu lugar de
merecimento.
— Primo você vacilou e feio,
mas agora não adianta ficar falando
e se repetindo, temos que encontrar
uma solução e rápido. — Era a vez
de Lucas interferir.
— Eu sei que algo precisa
ser feito e rápido, antes que ela tire
conclusões erradas. Porque mulher
adora ver chifre em cabeça de
cavalo.
— Me sigam que eu tenho um
plano. — Quando Flávio falava
esse tipo de coisa um frio percorria
minha espinha.
Ele saiu do escritório indo
em direção a sala onde todos
estavam.
— Eu acho que esse
casamento é tão surpreendente, que
não vejo outra forma de comemorar
e realizar uma despedida à altura
que não em um cruzeiro em alto
mar. Eu acabei de enviar uma
mensagem para o meu agente de
viagem, vamos aguardar para ver se
conseguimos algo, antes que a
mocinha aí resolva colocar tudo
goela a fora.
A ideia era bastante
interessante, eu teria mais tempo
para tentar fazer com que a
Fernanda entendesse o meu ponto
de vista e ainda poderia relaxar uns
dias, estava há alguns anos sem
férias.
Com os dias da viagem
agendados para semana anterior a
que Fernanda assumiria a vice-
presidência da FMV, eu poderia me
ausentar, teria tempo para deixar
tudo em ordem.
Na volta para casa, Fernanda
ainda estava distante e essa
situação não poderia continuar
assim. Já no apartamento, ela
seguiu direto para o seu quarto para
se trocar, e avisou que passaria a
noite em seu apartamento, o que
significava que seria o lugar onde
passaria a noite também.
Aproximei-me da porta do
quarto, ela estava apenas de
calcinha e sutiã, revirando a gaveta
a procura de algo para vestir. Me
aproximei de onde ela estava e
quando sentiu o quão perto eu
estava, seu corpo inteiro travou e
ela parou o movimento das mãos.
— Eu sei que o que eu disse
a magoou de alguma forma — disse
virando-a para que olhasse para
mim. — Mas, o momento em que
estamos agora não nos permite um
passo tão grande quanto o que
merecemos. Eu não posso abrir
mão do que tenho e vir para o Rio e
você depois de todo sacrífico e
esforço, não pode simplesmente
jogar tudo para o alto e ir para São
Paulo ficar comigo. Eu tenho
certeza que você é a pessoa com
quem eu desejo estar por todo o
tempo que ainda me for concedido,
mas um pedido de casamento é algo
que mereça alguma atenção, eu não
quero que tudo aconteça de
qualquer jeito, em qualquer dia.
Precisa ser diferente, especial,
como tem sido desde que nos
encontramos. Eu espero que
entenda isso.
Ela me olhou com os olhos
brilhantes pela formação das
lagrimas, encaixou meu rosto entre
suas mãos suspirando
profundamente antes de começar a
falar.
— Eu sei que não podemos e
nem devemos dar um passo tão
grande como esse assim tão rápido
e principalmente em um momento
em que nosso lado profissional
requer tanto de nós. Eu não estou
chateada por isso, de verdade, mas
é que a forma como declinou tão
depressa me fez retornar a uma
época que eu gostaria muito de
deixar para trás. Eu já recebi todas
as recusas que uma pessoa é capaz
de suportar e ainda assim consegui
de seguir em frente. E não é que
magoe, mas você nunca está
realmente preparado para não ser
especial para a outra pessoa. Eu
quero muito que o que temos dê
certo, e se forem preciso anos até
que o pedido aconteça eu vou
esperar. E hoje me caiu a ficha que
logo minha amiga estará casada e
eu não a terei sempre comigo, sua
vida vai ganhar outras prioridades
e eu me vejo cada vez mais do lado
de fora de tudo isso. Eu sei que
esse é um sentimento muito egoísta,
mas é assim que me sinto e não
estou conseguindo mudar isso, pelo
menos não hoje.
— Eu vou estar aqui, espero
que baste.
— Vai bastar. Agora da
próxima vez que você insinuar que
vai me pedir em casamento e der
para trás eu vou congelar as suas
bolas.
— Eu prometo não brincar
com isso outra vez, mas se congelar
minhas bolas vai sair mais
prejudicada do que eu. Eu queria te
pedir uma coisa agora que parece
estar melhor e entendeu o meu
ponto de vista.
— E o que seria?
—Quando aquele seu amigo
me disse que eu seria o próximo a
aparecer no seu blog, fiquei curioso
em como descreveria a nossa
relação. Eu gostaria de ler.
— Mas o blog é para os ex, e
pelo que eu saiba você ainda não
passou de fase, ou aconteceu e eu
não processei o fora?
— Você me deu muito
trabalho para conquistar e não vai
ser tão fácil assim se livrar de mim
— falei a trazendo mais para perto
de mim.
— Bom saber, mas eu tenho
uma proposta que vai valer a pena.
— E o que seria?
— Você me surpreende e eu
te surpreendo, o que acha?
Acenei concordando com ela
e sai em busca de algo que fizesse
jus a minha participação no bem
afamado blog que ela tinha.
Dei algumas voltas até que
uma luz acessa chamou minha
atenção. Parei o carro e fui até lá,
rapidamente uma mulher muito bem
vestida veio até a porta para saber
o que eu desejava.
— Posso ajuda-lo senhor?
— Eu gostaria de escolher
uma data.
— E para quando seria?
— Um ano.
Esperei que ela olhasse em
seus registros para verificar se a
data estava disponível. Um ano era
tempos suficiente para nós dois
conciliarmos nossas vidas
profissionais e encontrarmos uma
maneira de fazer essa relação
funcionar além dos escritórios.
— Desculpe senhor, mas a
data já está reservada. Só teremos
datas disponíveis em dois anos.
Aquela resposta foi como um
balde de água fria para os meus
planos. Agradeci pela atenção e
quando já estava próximo à porta
ela me chamou, pedindo para que
eu voltasse.
— Só teria interesse para
esta data em especifico, ou
poderíamos alterar para outra que
ficou disponível esta tarde, mas que
ainda não foi atualizada no sistema?
— E para quando seria?
— Em três meses.
A mulher ficou me olhando,
esperando uma resposta, mas eu
não sabia se funcionaria assim tão
depressa.
— E depois disso?
— Somente daqui há dois
anos e meio.
Aí já era tempo demais, e foi
então que eu tive uma ideia.
— Fecharemos em três meses
se concordar em organizar uma
festa dupla.
Agora foi a vez da mulher me
olhar sem uma resposta. Ela ficou
ali pensando e mexendo no
computador enquanto eu
pacientemente aguardava uma
resposta positiva. Eu poderia estar
cometendo o maior erro da minha
vida, apressando tudo dessa forma,
mas a certeza de que Fernanda era a
mulher com quem eu queria estar
tinha de ser maior que o meu medo
idiota de não fazer a coisa certa
sempre.
— Estamos de acordo.
A mulher se levantou
estendendo a mão para mim. Em
seguida me pediu os documentos e
para redigir o contrato e um cartão
de crédito para as despesas.
Eu tenho minhas dúvidas de
que Fernanda conseguirá me
surpreender mais do que eu a ela. E
ainda precisava contar a novidade
para Pedro e torcer para que a
noiva furiosa dele concordasse em
me ajudar para que saia tudo de
acordo com meus planos.
Não precisou de muito
esforço e logo estava de volta ao
apartamento e ela relendo o que
havia escrito. Acenou indicando
que ainda não poderia me
aproximar, então me joguei no sofá,
ela desviou os olhos da tela e me
encarou por um longo tempo
tentando adivinhar onde eu havia
escondido a surpresa que havíamos
combinado.
— O que me trouxe?
— Não seria uma surpresa se
eu a entregasse sem nenhum
mistério, não é mesmo?
E assim passamos a noite, ela
escrevendo as impressões que tinha
sobre mim e eu hora ou outra
mordendo o lóbulo de sua orelha,
soltando seus cabelos e os
segurando com força. Enfim, todas
as tentativas possíveis de chamar
um pouco da sua atenção foram
inúteis, pois ela estava tão
compenetrada no que estava
fazendo, que mal percebeu minhas
mãos deslizando por seu corpo. Só
não fiquei depressivo porque seu
corpo respondia, mesmo que
involuntariamente, a cada toque
meu.
Acabei pegando no sono. Na
manhã seguinte ela estava
espremida entre meu corpo e o
sofá. Devia ter se colocado ali
enquanto eu dormia e não percebi.
Já estava tão acostumado a seu
corpo que o estranho era a sua
ausência.
A hora do meu voo se
aproximava e precisei deixá-la, o
que no passar desses meses havia
se tornado uma das coisas que eu
mais odiava.
Em São Paulo a correria não
me permitia ter muitos momentos
para pensar e tudo passou depressa.
A semana da viagem havia
chegado e eu só consegui deixar
tudo como eu queria quando
desembarquei no Rio.
Fernanda estava linda com
um vestido floral longo que deixava
o tom da sua pele ainda mais
vibrante. Veio quase correndo em
minha direção e me deu um beijo,
mas em seguida deixou bem claro
que o computador seria confiscado,
caso eu não me comportasse o
celular também.
Fomos até seu apartamento
para deixar algumas coisas que não
teria muita utilidade durante a
viagem, mas que seriam
indispensáveis na minha volta e
seguimos para encontrar o pessoal
que já estava a nossa espera.
Quando chegamos havia mais
gente do que me lembrava. Estavam
Eduardo, Lucas, Flávio, Pedro e
Cintia, uma amiga dela que depois
descobri ser a famosa Vivi, Hanna,
Cátia (irmã da Fernanda) e Júlia
uma amiga dela.
Embarcamos, causando um
tumulto danado por onde
passávamos, e isso era a melhor
parte de uma viagem para mim.
Quando chegamos a nossa
cabine, Fernanda retirou um tablet
da bolsa e me entregou, era o texto
que ela havia escrito sobre mim, ou
melhor, sobre nós.
— É melhor terminar de ler
antes de zarparmos, ou a conexão
não vai funcionar — ela disse
jogando um beijo no ar e me
deixando ali sozinho para que eu
pudesse ler o que havia escrito.
Epílogo

#E CONTINUA ...
“A MINHA PESSOA
CERTA,
APARECEU NO MEU
MOMENTO MAIS ERRADO

Você já chegou em um ponto


da vida que achou que o que viesse
era lucro? Onde todas as suas
relações foram um desastre
completo? Já chegou a achar que
estaria tentando com o sexo errado e
por isso não estava dando certo?
Mas, mesmo com tudo dando
errado você:

1) Aposta todas as suas fichas


e acredita que será dessa vez;
2) Fica com o pé atrás, cheia
de receios em se entregar mais uma
vez, mas percebe que é inevitável e
vai assim com medo mesmo;
3) Pensa em todas as
loucuras que já fez para manter um
relacionamento e só então se dá
conta de que não precisa se esforçar
demais, o que é para ser ganha força
e acontece;
4) Percebe como é leve estar
ao lado dessa pessoa e que tudo de
ruim que aconteceu antes agora não
tem mais peso, nem importância;
5) Aprende que uma
sucessão de erros pode gerar o
maior dos acertos.

E foi assim meio que sem


querer que o amor apareceu em
minha porta, ou melhor, me
encontrou ao lado de uma
poltrona, em um voo que mudaria
a minha vida. Certas coisas
acontecem em nossas vidas tão
repentinamente que não damos o
devido valor a elas, muitas vezes
deixamos esses momentos
passarem, o que muda as nossas
possibilidades de felicidade. E eu
não sabia que aquele momento tão
errado se tornaria o mais certo,
que ser desaforada me traria o
melhor presente que eu poderia
imaginar.
Os encontros nada
acidentais que aconteceram
durante essa viagem, e todas as
picadas (piada interna que jamais
será revelada) que me deixaram
enlouquecida, tiveram um peso
decisivo para a transformação da
pessoa que sou. Talvez um pouco
mais perturbada do que a anterior,
mas com certeza muito mais feliz.
Eu me lembro de ter me
comparado a um limão muitas
vezes, e talvez eu seja realmente
azeda, difícil de passar sem uma
careta, mas quando bem
acompanhada eu me transformo
em algo precioso. Eu nunca pensei
ser tão forte e conseguir resistir a
algo que parecia ser tão natural, à
atração. Fui atrevida, desbocada,
birrenta, antipática e isso só
parecia despertar ainda mais o
interesse de quem eu nunca pensei
que pudesse se interessar por mim.
Quando não pude mais, me rendi,
tudo parecia ser urgente e
conhecido. A sensação de estar no
lugar certo nunca me foi tão
imperativa, mas como tudo o que é
bom dura pouco, e só no último
minuto eu decidi ceder, deixar
acontecer, acabou me fazendo
sentir como se estivesse sufocando,
por tudo parecer errado e ao
mesmo tempo tão certo. Da
maneia como aconteceu, na
velocidade que nunca me permiti,
mas era você e de uma forma
simples e prática algo em mim não
me deixava pensar direito, como se
pensar fosse me tirar o prazer
daquele momento. E talvez fosse
mesmo.
Então eu não pensei, eu
segui minha intuição e deixei
acontecer o que tivesse de ser, e
nada foi melhor do que aqueles
poucos momentos. Eu precisei
deixar tudo ali, para trás e essa foi
a pior parte. O medo!
O medo de não vê-lo outra
vez, de ter feito tudo errado, de ter
deixado escapar algo a que eu
queria me agarrar com todas as
forças. Mas é preciso em alguns
momentos da vida, tomar certa
distância para apreciar e entender
melhor o que acontece à nossa
volta e se você estivesse mesmo em
meu destino, tudo conspiraria para
que nos víssemos outra vez.
E foi com um medo da
porra que eu deixei aquele quarto,
que me apeguei até a São
Longuinho (ainda estou devendo
os três pulinhos, me lembrar de
agradecer) na esperança de te
encontrar outra vez.
Sentia-me como se estivesse
programada para deixar coisas
boas passarem e me contentar com
as ruins, mas dessa vez eu estava
contando com a sua teimosia, e
você novamente me surpreendeu
quando me encontrou.
Você parecia adivinhar meus
pensamentos, era eu fechar os
olhos e desejar com bastante força
e você aparecia. Eu em um vestido
vermelho, dava naquele instante
uma bela de uma banana para
todas as vezes que eu me permiti
uma nova desilusão.
Aquele beijo de mentirinha,
aquela mentirinha tão sincera e
tão verdadeira que não se permitiu
ser esquecida, deixada para lá. Eu
ousei desafiar sua paciência e você
não se deu por vencido nunca.
O tempo... o que eu posso
dizer sobre ele? Meu relógio
biológico está atrasado! Eu não
tenho mais tempo para
brincadeiras.
Eu acho que essa foi a
ameaça que funcionou, e o tempo
decidiu me dar uma trégua, um
descanso, abrir passagem para a
calmaria.
Não sei quantas vezes me
peguei sorrindo ao me lembrar de
suas palhaçadas, e acho que é
exatamente isso que me faz te
amar sempre um pouco mais. Meu
bigode chinês está cada dia mais
proeminente e eu não estou me
importando com isso (a ciência
evoluiu, eu sou feliz, mas não
quero ficar parecendo um boneco
de ventríloquo com a cara
marcada).
Você não foi o mais delicado
(graças a Deus, porque outro
espanador eu não suportaria), não
foi o mais preocupado com a
aparência (acho ótimo, mas final
de semana fazendo cover do
náufrago não rola, só de vez em
quando), não foi o primeiro, mas
espero que seja o último.
Quando todas as portas
pareciam estar se fechando você
foi a mão que me puxou para
dentro outra vez, me dando
expectativa, confiando em mim,
apostando suas fichas. De olhos
fechados se lançou no escuro sem
saber ao certo onde iria dar.
Falou-me palavras doces
que jamais esquecerei e me (des)
pediu em casamento da sua
maneira sempre única.
Nota mental: lembrar-me de
negar o pedido só para descontar a
afronta.
Agora quando eu tiver meus
dejavus, espero que sejam por
outros motivos!

Beijos ardidos e
até a próxima! Pimenta
Rosa

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