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F#DAS
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TODOS OS DIREITOS
RESERVADOS.
Arte da Capa: Evy Maciel
Revisão: Bah Pinheiro
Diagramação: Evy Maciel
Criado no Brasil.
Eu gostaria de agradecer a
cada leitor que tornou esse meu
sonho realidade. Aos que me
cobraram, brigaram, riram comigo
em cada nova aventura dessa
personagem louca.
Essa história veio sem muita
pretensão, uma ideia solta que
achei que só interessaria a mim e
mais ninguém, e como eu estava
enganada em relação a isso.
A Fernanda é um pouco de
cada um, suas histórias tão
possíveis fizeram com que cada
leitor se aproximasse um pouco de
mim e serei eternamente grata por
cada pessoa que passou e passará
em minha vida por conta disso.
Eu preciso agradecer a
queridíssima Sophia Muller, seu
incentivo e ajuda inicial me
ajudaram a moldar essa história.
A Rosemeire Molan, esse ser
maravilhoso que me ajudou mais do
que ela é capaz de imaginar. Você
não tem uma vaga ideia do quão
importante foi na construção desse
sonho, serei eternamente grata.
Bah (Bárbara Pinheiro), uma
pessoa incrível que quero levar
comigo.
A Evy Maciel que embarcou
na minha loucura, tornando cada
traço mais real, dando uma nova
cara ao meu sonho.
Às leitoras incríveis que hoje
posso chamar de amigas, Leila
(amiga literalmente apaixonante),
Anita (com seus áudios que me
deixam saltitante, são sempre os
melhores), Leidy (minha
entrevistadora predileta), Nay,
Adriana Arebas, Glaucia (eterna
namorada de Danilo), Sheyla
Mesquita, Tiffany, Karina (quero
bolo), Alair, Cristiane, Camila,
Leonarda, Mya, Milena, Cibely,
Jomaria, Ana Luiza
(#guizinhafuriosa), Elis, Kalline
Patricia, Pamela, Carol (boneca
risadinha), Bruna Rodrigues, Marta
Gomes, Mônica Pinheiro. As
leitoras do Wattpad que pegam no
meu pé por mais capítulos e brigam
quando eu demoro a postar, eu
agradeço cada elogio e cada
crítica, sem eles eu não teria
construído uma história tão bacana.
Eu não poderia deixar nunca
de agradecer a Cíntia Ferreira,
minha grande inspiração, uma
amiga sem igual e que apesar de
nunca termos nos vistos eu sei que
posso contar contigo sempre. Você
que sempre nos momentos de JN
(piada interna de uma fase
divertidíssima) me aguentou e
embarcou comigo em minhas
loucuras. Te amo demais.
A minha irmã que me
ameaçou (brincadeira, mas nem
tanto) Ludy, e que sempre me meteu
nas maiores furadas, muitas delas
protagonizadas pela Fernanda. E
quando eu digo que de Fernanda e
louco todo mundo tem um pouco
não é à toa.
Enfim, eu quero agradecer a
todos por momentos tão
maravilhosos e espero por vocês
em outras páginas.
Prólogo
Mulher é imaginação que se
consome em vontades.
É faca que corta a própria
carne sem sangrar.
É fogo para aquecer a carne e
frio glacial para endurecer as
verdades.
É consumida em dores e
amores, nada e absolutamente tudo.
É chorar sorrindo e se alegrar
na dor.
É verso e prosa das suas
sutilezas secretas e cânticos nos
seus sabores revelados.
Mulher é alma gigante presa
em ínfimo pedaço de carne.
Mulher é brilho em meio à
escuridão dos caminhos vividos.
Não veio a esclarecer o que é
ou o que se tornará, mas permitir
que a acompanhe nas descobertas
sobre si mesma.
É estar sozinha e se sentir
melhor acompanhada de si mesma
do que com qualquer outro que
possa aparecer.
É entendimento de que se
basta e não esta em oferecimento
gratuito, mas que quem a tem perto
é merecedor de sua presença.
Mulher é bicho de campana, é
animal que corre por todos os
espaços e se faz manso ao toque
certo.
É pássaro livre que voa sem
rumo na imensidão de seus
pensamentos e desejos.
Mulher é tudo que se quer e
tudo que nunca se tem em um todo.
A alma da mulher é caixa de
Pandora, é conto ainda
indeterminado.
É querer desatinado, é fugir
de si mesma e permanecer onde
sempre esteve.
Mulher é o ser, o ter e o
poder.
Tudo cabe dentro dela, mas
ainda assim nada carrega consigo.
Mulher é.
1
SEGUNDAS-FEIRAS #DUMAL
Mal fechei os olhos e o
infeliz do celular iniciou o ensaio
da bateria de escola de samba
embaixo do meu travesseiro.
Mais uma segunda-feira. Era
apenas isso que conseguia pensar
enquanto levantava da cama,
entrava no banho e me arrumava
para ir ao escritório.
Só de pensar em sair de casa
já batia uma depressão. Não existia
nada pior do que sair à rua e ver
todas aquelas pessoas com sorriso
fácil, às oito da manhã, em plena
segunda-feira. Dava um verdadeiro
comichão só de pensar nelas. A
vontade que tinha era de jogar uma
bomba em cada sorriso idiota que
eu encontrasse pela manhã. Deveria
haver um projeto de lei para inibir
isso, e ainda ser exibido em letras
garrafais para evitar as desculpas:
“É TERMINANTEMENTE
PROIBIDO, A PARTIR DA DATA
DE HOJE, QUALQUER SORRISO
ANTES DAS DEZ HORAS DA
MANHÃ, SOB PENA DE
RECLUSÃO ATÉ QUE ELE
DESAPAREÇA DO SEU ROSTO.”
Salvo se sua noite de sexo for
o verdadeiro motivo da sua
felicidade, ou se encontrou a atual
do seu ex e percebeu que ele
adquiriu a síndrome de São Jorge e
agora, para ele, apenas dragões o
excitavam.
Mas existia algo pior do que
pessoas felizes e sorridentes pela
manhã: as pessoas lindas, felizes e
sorridentes pela manhã. Sério,
como alguém consegue acordar
bonito? Eu quase morro para poder
me arrumar, passo horas em frente
ao espelho e mesmo assim, poderia,
facilmente, ser confundida com um
gremlin na rua.
E o humor infernal em que eu
estava, refletia nitidamente na
minha aparência. Meu cabelo
parecia mais difícil de domar que o
falecido touro bandido e, por isso,
sempre o deixava preso em um
coque com muito mousse, até
chegar ao trabalho. Só então o
soltava, deixando com que caíssem
em ondas pelas minhas costas,
dando efeito de um cabelo — quase
— normal e não uma peruca dessas
que se compra nessas lojas de
departamento para o carnaval.
E as olheiras? Eram tão
acentuadas que me deixava
parecida comum panda, mas sem o
lado doce e bonitinho. Eram
preciso camadas generosas de
corretivo para disfarçar.
Quem nunca acordou assim
que atire a primeira preda, mas
atire devagar e evite o rosto, por
favor.
Agora adicione tudo isso e
mais o cansaço em doses cavalares
e vai dar de cara comigo.
— Só mais uma segunda-feira
— falei baixinho enquanto pegava
minha bolsa e abria porta.
Do quarto ao lado, irritada
pelo barulho que eu fazia pela casa,
Cíntia saía resmungado alguns
palavrões direcionados a mim, mas
que só ela entendia.
— Sinto muito, mas você
trabalha a noite e eu durante o dia,
conforme-se — disse já me
defendendo de sua cara feia.
— Mas como eu vou
trabalhar a noite inteira se não me
deixa dormir durante o dia!!! Se eu
arremessar um copo na cabeça de
um cliente a culpa é toda sua, e a
conta também.
— Ok, fui. Agora vá dormir
porque eu acabei de me levantar, o
que não quer dizer que eu tenha
acordado perfeitamente, e sabe
como é, sonâmbulos fazem coisas
fora do normal — disse fechando a
porta atrás de mim, fugindo da
possível retaliação. Muito drama
pela manhã.
Cíntia é tudo o que eu
pretendia ser: inteligente,
engraçada, linda e como ela mesma
faz questão de enfatizar, vacinada
contra esperteza masculina. Ao
contrário de mim, que tenho dedo
podre para relacionamentos. Meu
cupido deve ter uma pontaria ruim
do caramba; uma flecha viciada em
apontar para quem não presta, ou
ainda pior, um radar impressionante
para encontrar canalha.
Nós nos conhecemos em uma
festa em que estava com o Ângelo,
meu atual namorado, ou melhor,
atual ex-namorado na época. Em um
dos momentos da festa — em que
estava muito bêbada para lembrar
— eu e Ângelo acabamos parando
em um banheiro, onde tivemos uma
rapidinha não tão interessante. O
problema maior não foi o
desempenho sexual dele comigo
naquela noite, mas sim, o
desempenho sexual que ele teve
com uma loira aguada, minutos
depois de ter feito o mesmo
comigo. Foi o fim. A soma de mais
um “não é você, sou eu”. É claro
que era ele! Ou o idiota estava
considerando seriamente a
possibilidade de que pudesse
passar pela minha cabeça, que
poderia me sentir culpada por algo
que ele fez?
Indignada, meu ponto de
parada foi um bar, onde pedi doses
e mais doses de tudo que parecia
disponível, até que as letrinhas das
coisas começaram a parecer
confusas numa certa altura da noite.
Quando dei por mim, Cíntia
apareceu ao lado, iniciando uma
conversa e, tenho certeza que era
apenas uma maneira de evitar que
eu ficasse mais bêbada e fizesse
uma merda irreparável.
Falei por um bom tempo
sobre o que eu achei que fosse um
relacionamento, e ela
pacientemente me ouviu, até me
mandar calar a boca e parar de
beber por um cara que nem
orgasmos me dava direito.
Lembro-me perfeitamente da
frase que me disse: “Amor, acredite
em mim quando eu digo, existem
muitas pirocas no mundo para você
se desesperar por uma que não é lá
grandes coisas. Só aqui vejo pelo
menos uma dezena que poderia
fazer o seu fim de noite valer a
pena, então esquece esse babaca e
aproveite a sua noite, homem é
substituível, agora seu amor-
próprio tem que valer mais que
isso.”.
E assim ela se tornou uma
verdadeira amiga, aquela que se
encontra raramente, meu ponto de
equilíbrio talvez, que nos dá aquela
bofetada de realidade que
precisamos de vez em quando.
Mantivemos contato depois
disso, trocamos telefone,
marcávamos de sair até que
decidimos por maioria de votos e
cartões de créditos estourados, que
a melhor opção era morarmos
juntas. E isso faz quase um ano e
até agora tem dado certo, desde que
sejamos invisíveis ao chegar e sair
de casa quando a outra estiver
dormindo.
O caminho para o trabalho,
em vez de me acalmar, só me deixa
ainda mais irritada.
O trânsito está um caos, e
apesar do Rio de Janeiro ser a
cidade maravilhosa, não há muita
beleza em pessoas estressadas no
trânsito. E para não me tornar mais
um na multidão de irritados, parei
na orla e me sentei em um quiosque
para comer algo e esperar o trânsito
ficar um pouco mais ameno. Pedi
uma água de coco e um sanduíche
natural, enquanto observava o
ambiente tranquilizador me sentia
relaxar antes de ir para o trabalho.
Provavelmente com este meu humor
de cão, mataria um antes mesmo de
chegar à minha mesa.
Acabo observando as
pessoas tentando se manter
saudáveis, caminhando ou correndo
pela areia fofa da praia, ou
praticando qualquer outro tipo de
exercício maluco que eu nunca vou
entender.
A vontade de largar tudo e
colocar meus pés na areia, sentir
todo o estresse sair e ficar
observando o mar até esquecer o
mundo, é grande. Mas, infelizmente
sonhar desse jeito não paga as
contas e acordar mais cedo para
poder ter esse prazer, não vale todo
o sacrifício. Além disso, estragaria
todo o esforço que fiz pela manhã
para me arrumar.
Ao chegar ao trabalho
encontro um post-it colado na tela
do meu monitor com um aviso que
deveria seguir para sala do meu
chefe.
Maravilha, essa vai ser a
semana de comida de rabo
infinita! — pensei.
Deixo minha bolsa sobre a
mesa e sigo pelo corredor para a
porta de madeira escura, com uma
placa de metal dourada onde o
nome Murilo está cravado em
imponentes letras negritadas, com o
cargo de vice-presidente logo
abaixo.
Me prepararei
psicologicamente para encontrar
meu chefe, respirei profundamente
e conseguir ter um momento
tranquilo até meu destino final, mas
como dizem, desgraça pouca é
bobagem não é mesmo? Ao passar
pela sala de fotocópias, eu tive a
infelicidade de encontrar Yuri numa
conversa bem íntima com a mais
nova estagiária.
Ah, e não sei se mencionei,
mas ele é o meu mais recente pé na
bunda. Ele é o cara capaz de fazer
as mulheres aplaudirem sem usar as
mãos, o tipo de canalha que fazia
uma noite valer a pena mesmo que
o telefonema do dia seguinte não
viesse. O que me deixou
extremamente chocada foi o
conteúdo da conversa.
Aliás, uma conversa íntima
demais para meus ouvidos.
— A noite passada você foi
maravilhosa, baby. Nós poderíamos
brincar novamente com a sua
amiguinha delícia, o que você
acha?
— Ou nós poderíamos
brincar com meu amigo. A não ser
que você tenha medo da
concorrência.
— Nunca. Vou adorar dividir
você.
Estava tão chocada com
aquela situação, que fiquei
completamente paralisada diante de
tanto absurdo. Era muito para minha
cabecinha saber de certas
informações que não alteravam em
nada a minha situação, ou melhor,
aumentavam o número de árvores
que teriam de ser cortadas para
fazer o meu papel de idiota a partir
dali. Sim, porque não basta ser
idiota, tem que mandar e-mail antes
de dormir e dizer o quanto o cara
foi o pica das galáxias.
Eu já posso morrer, ou ainda
tem mais sacanagem da vida
reservada com meu nome?
Não queria escutar nada
daquilo, mas não conseguia sair
dali.
Foi necessário escutar uma
porta batendo estrondosamente para
poder cair na real, que eu estava
como uma voyeur, cheia de caras e
bocas, olhando meu ex com sua
mais recente conquista: a nova
estagiária, linda, peituda e gostosa.
Decadente Fernanda.
Decadente.
É muita humilhação meu
Deus! Eu mal fui “chutada” e o cara
já está dando em cima de outra...
Meu corpo nem esfriou e o cara já
acende vela para outro santo.
Respirei fundo e voltei para o
meu objetivo: a sala do meu chefe
querido (esse adjetivo cabe já que
não posso externar meu real
sentimento em relação a ele).
A visão de Murilo, sentado
em sua imponente cadeira pomposa,
de costas para a porta me causou
tristeza e medo simultaneamente,
sobre o que poderia se tratar aquele
convite. Mas, sinceramente, posso
afirmar que nada havia me
preparado para aquela cena que se
desenhava a minha frente: meu
chefe, girando a cadeira ficando de
frente a mim, como se fosse uma
criança de cinco anos de idade.
Murilo era o típico careca
inconformado, que tentava de todas
as maneiras não se render à queda
de cabelos, fio a fio. Mas a contar
sua personalidade infernal, eu
podia jurar que seus fios estavam
se suicidando, somente para fugir
dele.
Ele usava um terno de cor
rosa aveludado, e por sua baixa
estatura e crescimento abundante
frontal — e lateral — ele mais
parecia um rechonchudo algodão-
doce gigante do que uma pessoa.
Fiquei ali, tentando manter
uma expressão séria, segurando o
riso e me perguntando quem usa
aquele tipo de coisa nos dias de
hoje?
Eu fazia de tudo: mordia os
lábios, olhava para o lado, coçava
o nariz, passava as mãos no cabelo,
tudo para tentar controlar a
gargalhada. Até mexer nos sapatos
e amarrar um cadarço imaginário eu
fiz, afinal eu não podia gargalhar
dele, na cara dele.
— A que devo a honra da
senhorita ter chegado no horário
hoje?
Não consegui ficar nem com
raiva. Seu sarcasmo não tinha a
mesma intensidade agora, ainda
mais com essa aparência de
algodão-doce. E eu que sempre
gostei tanto de como o algodão-
doce derrete na boca, mas depois
de hoje vou passar a evitar isso ou
terei indigestão na certa.
— Havia muita coisa a ser
feita hoje, mas quando cheguei não
havia nada sobre a minha mesa.
Aconteceu algum problema quanto
ao trabalho que estava executando?
— Perguntei ao Murilo assim que
ele resolveu parar de girar em sua
cadeira novamente.
— Deveria ser mais
organizada e prestar mais atenção
ao que está fazendo. Não tenho
essas respostas, está um pouco
além das minhas obrigações
administrativas. Vá até o
Departamento Pessoal, Carmen tem
as informações de que precisa, e
passará instruções do que será
preciso fazer.
Quando terminou balançou a
mão como se enxotasse um
cachorro da sala. Respirei fundo, e
sai dali pisando forte e bufando,
enquanto seguia para o
Departamento Pessoal.
Murilo era o típico chefe que
delegava as obrigações diárias e
apenas supervisionava tudo depois.
Sempre dizia que seu tempo
deveria ser gasto com algo mais
importante, e que se fosse para
executar as minhas funções, por
exemplo, não haveria a necessidade
do meu nome na folha de pagamento
no final do mês.
Senti um frio no final da
espinha, boa coisa não me esperava
no Departamento Pessoal.
Já previa minha sentença
“despedida por atrasos e por
importunar o chefe”. Caminhei
resignada até a sala de Carmen,
preparada para assinar papéis,
porque se já haviam recolhido tudo
o que estava fazendo da minha
mesa, era só uma questão de somar
o básico, dois mais dois.
Bati à porta e entrei, avistei
Carmen em sua mesa, que me olhou
como se não entendesse o que eu
fazia ali.
— O que faz aqui, Fernanda?
Vim meditar para relaxar os
chacras, fazer yoga, jogar ping-
pong. Que porra de pergunta é
essa? — pensei. As pessoas
deveriam ter um limite para fazer
perguntas idiotas na vida, e assim
que atingissem essa cota ficariam
mudas. Só acho.
— Murilo pediu para que eu
viesse aqui, que teria novas
instruções para mim. E gostaria de
saber o porquê dos papéis que
estavam sobre a minha mesa não
estarem mais lá.
— Sim, suas funções foram
alteradas e precisamos que faça
alguns cursos no período de três
dias para ocupar a nova função.
— Nova função? Que função?
— Assistente da vice-
presidência.
— Assistente do Murilo?
— E existe outro vice-
presidente nessa empresa que eu
não saiba? — Eu deveria ter sido
irônica quando pude. Droga, quanta
falta me faz um botão de rebobinar
minha vida. Se bem que minha cota
de pergunta tosca estaria
comprometida depois dessa.
— Onde, quando e o que é
preciso para fazer os cursos que
mencionou?
— O curso será em São
Paulo e caso você tenha interesse
na vaga, sua passagem será
comprada para amanhã e voltará no
sábado à tarde.
— E de que documentos você
precisa?
— Preciso que leia e assine a
papelada para alterar a função que
irá desempenhar e para que tenha
ciência das suas obrigações daqui
em diante, não haverá
questionamentos posteriores.
Portanto, leve estes documentos
com você, e use o resto do dia para
providenciar tudo que precisa, já
que alguns documentos precisam de
registro e não terá como fazer isso
fora do seu horário de expediente.
Amanhã, me traga tudo e
providenciaremos o que faltar, para
que na segunda já esteja realocada
em sua nova função.
— Tudo bem.
Sai da sala com a cabeça
dando mil voltas. Depois de pegar
todas minhas coisas, voltei para o
estacionamento e, só depois que
entrei no carro, comecei a ler tudo
o que precisaria fazer hoje ainda.
Aquela promoção só estava
acontecendo porque eu era
secretária da assistente de Murilo.
Tânia era uma megera, mas sabia
repassar as informações de forma
que eu não tivesse problemas em
executar nenhuma delas. E quando
uma empresa a convidou para se
tonar vice-presidente ela não
pensou duas vezes e foi, deixando o
cargo vago, mas sinceramente achei
que fariam um recrutamento externo
para compor a vaga e não que eu
seria a escolhida. Já que essa é uma
das maiores e mais importantes
revistas de esportes do país.
Essa era uma daquelas
oportunidades que só batem à porta
uma vez, na segunda já deixa
mensagem. E sendo assim eu a
agarraria com unhas e dentes.
Eu já estava familiarizada
com todos os processos e conseguia
lidar com o gênio de capeta que
Murilo tem. Então acho que foi
mais fácil me promoverem do que
contratar uma assistente nova toda
semana. Fiquei surpresa, mas para
falar a verdade, eu estava achando
ótimo.
Meu salário praticamente
triplicaria com aquela promoção, o
que me deixaria com as contas mais
folgadas, porque nunca consegui me
manter fora do limite do cartão ou
cheque especial, era quase que uma
relação de casamento, em que
nunca os traia e eles nunca me
abandonavam. Até porque, quando
se nasce com uma conta sem limites
para pobrices e um POBRECARD
fica difícil fugir de algumas
situações. Minha conta deveria ser
escarlate especial, já que eu só
vivia no vermelho, mas bolsas e
sapatos nunca fizeram mal a
alguém, e pensa comigo a cada
término eu tinha que ficar mais
bonita, então era lógico que alguém
sofresse com isso e nesse caso era
meu orçamento.
Liguei o carro, o som no
volume feliz — estourado meus
tímpanos — e segui em direção aos
lugares que me fora recomendado
para conseguir os documentos.
Eu precisaria de certidões,
idas e mais idas ao cartório e tudo
de salto, porque é claro, se eu
estivesse de sapatilha, estaria
sentada com a bunda na cadeira
refazendo todos os relatórios que
Murilo sempre achavam ruins.
Nunca nada estava bom, mas, pelo
menos, eu tinha uma visão fabulosa
de Yuri na mesa da frente o que me
fazia ganhar o dia.
Yuri é um homem que a minha
avó definiria como “espadaúdo”.
Ruivo da cabeça aos pés, os
cabelos bagunçados destacavam
ainda mais o rosto másculo, barba
no estilo por fazer transformava
aquele queixo quadrado em uma
arma contra a minha sanidade, os
olhos azuis nunca me deixavam
pensa direito quando eu mergulhava
dentro deles, o braço todo tatuado
destacavam os músculos. E o
peitoral? Ó Deus, o peitoral
daquele homem deveria estar
sempre à mostra, pelo bem da
humanidade. Enfim, Yuri era algo
que precisava de muita apreciação
e eu estava fazendo minha parte,
observando cada detalhe.
Se bem que ele já estava se
jogando para a nova estagiária,
aquele canalha. Ou talvez eu já
estivesse paranoica e vendo pôneis
coloridos.
O dia estava particularmente
quente e o sol brilhante e reluzente
sob minha cabeça, as nuvens quase
que desenhadas no céu azul.
Impressionante como boas notícias
mudam a nossa visão do dia, fica
tudo tão lindo. Mas, eu estava
dentro do cartório lotado e com
pessoas suadas e aquela mistura de
perfumes começava a fazer minha
cabeça latejar. Até que um cara que
surgiu sei lá de onde começou a
conversar comigo sobre coisas
aleatórias.
O tempo pareceu passar mais
fácil e logo minha senha foi
chamada.
Sai do cartório com tanta
fome que poderia jurar — pelos
barulhos que minha barriga fazia —
que uma lombriga estava devorando
a outra. Também pudera, apenas
uma água de coco e sanduíche
natural não fariam o milagre de me
manter o dia inteiro de pé.
E depois de andar várias
quadras, suando bicas sob o calor
do Rio de Janeiro, consegui achar
um lugar razoavelmente confiável
para comer.
Quando finalmente chegou o
sanduíche que pedi, comi
parecendo uma retirante, que não vê
comida há dias. As pessoas
chegaram a disfarçar para me ver
comer, porque se tinha uma coisa na
qual eu era boa era em comer, ah
em dormir também... Tenho a
impressão que deveria ter nascido
um gato.
Como já estava tarde, não
compensaria voltar para o
escritório para entregar os
documentos, até eu chegar por lá,
todos já teriam ido para casa. E era
exatamente o que eu faria.
Silêncio.
Tudo estava no mais perfeito
silêncio, o que indicava que Cíntia
já tinha saído para o trabalho.
Tomei um banho e acionei o
despertador e então apaguei feliz
sobre a cama, afinal nem todas as
segundas precisariam ser tão
diabólicas, poderia ter algo de bom
em uma delas.
Quando estava começando a
pegar no sono, começaram a bater à
porta. Deveria ser a dona Elza mais
uma vez, para reclamar o barulho
que Cíntia fazia ao chegar todas as
noites e, para essa velha chata eu
não colocaria nenhuma roupa
especial, atenderia a porta
exatamente como estava, de
calcinha bege e blusa velha, e ela
que se desse por satisfeita por não
atende-la nua em pêlo.
Abri a porta ainda com os
olhos entreabertos e me deparei
com uma alucinação.
— Já que foi bom para mim e
muito bom para você achei por bem
repetirmos a noite.
Yuri realmente estava na
porta do meu apartamento lindo de
morrer, cheiroso, gostoso, enquanto
eu estava com uma blusa rasgada,
com a gola esgarçada e uma
calcinha (se é que posso chamar de
calcinha essa coisa) bege.
Enquanto relutava em meus
pensamentos entre chutar ele para
fora do apartamento ou agarrar ele,
ali na porta mesmo, Yuri me beijou.
A sensação foi tão boa que eu
sequer tive tempo de pensar e o
homem já estava dentro do meu
apartamento.
Oh céus, o que mais precisa
acontecer para eu ter uma folga?
2
MOMENTOS GRANDES
#ARTES
FAZENDO MERDAS
INCRÍVEIS
Não tive tempo de sequer
pensar em uma resposta, porque a
língua circulando meus lábios não
deixou nenhuma dúvida sobre o que
ele realmente queria fazer comigo.
Precisava reunir todas as
minhas forças — e minha dignidade
— para não ceder por qualquer
coisa, mas qualquer pensamento se
manteve por pouco tempo, foi só
ele enfiar a mão entre meus cabelos
e morder meus lábios para o meu
cérebro desligar. Depois disso, não
saberia dizer se fui eu que voei em
cima dele ou se ele deixou que eu
voasse. O fato é que avancei e não
quis saber. Quem disse que mulher
não poderia aproveitar de uma boa
dose de sexo quente?! Uma
comemoração não ia fazer mal,
além disso, eu não estava
apaixonada, isso muda muito as
coisas. Ou melhor, isso muda tudo.
Mulher apaixonada só faz merda,
ainda mais quando o cara é bom de
cama.
Quem disse que eu amo
quando ele passa devagar as pontas
dos dedos pelo meu corpo... que eu
gosto da forma como ele me beija
com fome... ou que gosto quando
ele faz acrobacias de Cirque du
Solei comigo? Eu não gosto, nunca
vou gostar de nada disso, quem
gosta desse tipo de coisa? Ironias a
parte eu não sabia muito bem o que
eu queria realmente.
Foi ainda em estado pós-
orgasmo, totalmente acabada e
quase satisfeita que me dei conta
que o safado estava se vestindo,
pronto para ir embora e eu, trouxa,
na vã ilusão de que rolaria um
sentimento, uma conchinha, um
segundo tempo — por favor. Essa
mania idiota que os caras têm, de
que a mulher fica satisfeita apenas
com uma vez. É ridículo. Poderia,
muito bem, passar a noite inteira no
sexo mais maravilhoso do universo
e que provavelmente, ainda ia
querer mais.
Apesar de saber que aquilo
era apenas sexo, ainda mais com o
Yuri — porque sinceramente, não
dá para ter a mínima ideia para
quem ele apresentava as partes
intimas dele — a sensação de ser a
mulher maravilha, gostosa,
deliciosa num momento, para uma
mendiga segundos depois que ele
começou a se trocar, foi horrível.
Balde de água fria seria mais
agradável que aquela cena.
DICA GRÁTIS: NÃO TENTE SER
SENSUAL QUANDO NÃO ESTÁ
SE SENTINDO ASSIM. VAI DAR
MERDA!
Com o pouco de dignidade
que havia me sobrado, até mesmo
aquele restinho que se lambe do
pote da vergonha na cara, respirei
profundamente e me levantei da
cama. Recolhi as roupas dele e o
enxotei para fora do apartamento só
de cueca, e sorte a dele que havia
encontrado a dita cuja antes de
mim, se não iria ficar pelo corredor
como veio ao mundo.
— Obrigada pela noite
querido, se precisar de mais eu
aviso. Só não bata mais na minha
porta, não quero ter que dar
explicações a outras pessoas de
quem é você, ok?! —Disse antes de
ceder a minha vontade de fechar a
porta na cara do infeliz.
— Calma, gata, acho que
poderíamos conversar um pouco...
Peraí, para quem teria de dar
explicações?
— Isso já é uma coisa que
não te diz respeito. Vamos
esclarecer uma coisa: você veio
aqui em busca de sexo, eu te recebi
porque estava afim, mas não se
anime muito, eu não estou com as
portas do canil abertas. De toda
forma é sempre um prazer, eu tenho
o seu telefone se quiser, te ligo.
Fechei a porta com toda a
classe que possuía.
Poucos segundos depois,
pude ouvi-lo falando com alguém
ao telefone, então corri para o olho
mágico e fiquei observando ele
zanzar pelo corredor, enquanto
abotoava a calça.
— Não gata, nada de
importante. Só estava resolvendo
um assunto chato, sabe como é, mas
já resolvi tudo por aqui, estou
chegando, me espere gostosa.
Lembra-se daquela pouca
dignidade que me restava? Acabou
de ir para o ralo depois de escutar
Yuri falando ao celular. Agora
posso morrer em paz, porque
depois de uma punhalada dessas,
sabia que se tinha uma coisa que eu
não possuía no momento, era paz de
espírito para bancar a superior.
Tudo que eu queria naquele
momento, era enfiar as mãos nas
calças dele, arrancar suas bolas e
sentir suas últimas pulsações entre
meus dedos, mas nem para isso eu
tive ânimo.
Se bem que tenho certo nojo
de saco. Aquela coisa poderia ser
descrita com um nome mais
bonitinho, como por exemplo, bolsa
escrotal, mas no fim, será apenas
um nome a mais emperiquitando o
saco, portanto vou direto ao ponto.
Falando nisso, aquilo é uma coisa
estranha, quer ter pelo, mas não
sabe como, quando o parceiro está
duro, ele está mole. Não sei, mas
não confio muito em músculos que
tem vida própria.
Joguei-me na cama com um
misto de saciedade, frustração e
ódio que me levaram a comer um
pacote de biscoito, meia barra de
chocolate e meio pote de sorvete.
Acordei na manhã seguinte
com a colher colada em minha testa
— que chegou a arder para tirá-la
— e com a minha cama toda
melecada de sorvete. Enquanto
recolhia os lençóis sujos, minha
barriga deu o primeiro aviso que a
noite recheada de guloseimas não
foi uma boa ideia. Sai correndo
para o trono para ter a recompensa
da cagada na noite anterior. Eu
poderia ter sido forte, diva,
poderosa, mas não, eu tinha que
pensar com fogo no rabo. E agora
ia realmente ficar de rabo ardendo.
Depois de deixar a lama no
banheiro, me preparei em tempo
recorde. Sorte que já havia deixado
as roupas preparadas para o dia
seguinte. Imagina só se eu tivesse
deixado para hoje? Depois da
sessão troninho, uma maratona para
encontrar uma roupa, enquanto
vestia todo meu guarda-roupa e no
final escolher a primeira que tinha
colocado o olho?! Nem pensar.
Uma mulher veste cinquenta roupas,
ou todo o guarda-roupa, mas
sempre sai com a primeira que
vestiu, é sempre assim, nunca vai
mudar.
Fiz uma maquiagem especial,
de pessoa linda e com a autoestima
nos píncaros da glória. Afinal, eu
tinha usado o corpinho do Yuri e
jogado ele para fora do
apartamento, pelo menos
teoricamente, assim, se eu dei um
possível fora em um cara pela
primeira vez na vida, isso deveria
ser comemorado.
Quando passei pela porta de
entrada da revista, uma risada me
fez olhar para trás, e não poderia
mesmo ser outra. A simpática da
estagiária que estava se engraçando
para o Yuri, ria de alguma coisa,
mas se bem que eu reparei que
desde que saí de casa muitas
pessoas estavam rindo, inclusive
estava começando a ficar irritada
com tanta felicidade ao meu redor.
Olhei-me para ver se não
tinha me cagado no caminho, mas
não. Mas quando olhei para o chão,
vi um pedaço gigante de papel
higiênico que havia usado para
retirar o excesso de maquiagem do
rosto, pregado feito uma anaconda
na minha saia.
A recepcionista, que era um
doce de pessoa, tentava abafar a
risada — sem muito sucesso —
veio na minha direção e me ajudou
a soltar a calda postiça. Vergonha
alheia é sempre muito
desagradável, e quando eu as
fornecia, era doloroso. Tentei
disfarçar o incômodo com uma
risada forçada e uma piada de
como eu era desastrada, mas
acredito que não tenha funcionado
muito.
A peste da estagiária passou
às gargalhadas, deixando em mim
um gostinho de quero mais... quero
mais que ela se foda. Garota
insuportável.
Já no conforto e segurança da
minha mesa — que estava tão vazia
que começava a me dar faniquito —
separei toda a documentação que
tinha providenciado ontem e, só
então fui à sala de Carmem, mas
como ela ainda não havia chegado,
resolvi passar na copa e pegar um
café para enfrentar o dia.
Distraída colocando o açúcar
no café, ouvi risadas pelo corredor
e sabia que aquele som não poderia
vir de outra pessoa que não de
quem eu em poucos dias estava
adorando odiar, Leticia, a
estagiária. Dei dois passos rápidos
para frente para descobrir o que a
franguinha estava falando, de tanto
que ela ria me distrai e dei de cara
com a porta de vidro.
Gente, devia ter algum
entorpecente naquele bendito
sorvete, porque eu sou meio lesada,
mas não é para tanto. Hoje está
difícil, viu?!
Era tudo o que precisava,
ficar igual a um unicórnio com um
galo enorme no meio da testa. Meio
zonza entrei no almoxarifado e
fingir pegar alguns materiais, mas
nem precisei encenar, não notaram
minha presença, o que era bom.
— Adivinha com quem
passei a noite?
Ela falava como se aquilo
fosse alguma coisa a ser levada em
conta. Minha filha, a pergunta em
questão é com quem você não
passou a noite? Porque sua cama
deve ser mais frequentada que
Copacabana em final de ano.
— Não sei, todos os dias
você traz tanta novidade —
respondeu Alessandra, assistente
do marketing que parecia bem
interessada na conversa.
E lá vinha mais uma dose de
risada sem graça.
— O Yuri esteve no meu
apartamento ontem. Nossa ele
estava super chato, queria por tudo
transar. Sei lá, acho que a garota
com quem ele estava antes deveria
ser muito mais ou menos, porque
ele me ligou na porta da casa dela
dizendo que demoraria umas duas
horas mais ou menos, mas quarenta
minutos depois ele estava na porta
do meu apartamento, e veio para
cima de mim com tudo.
— Nossa, eu queria que Yuri
aparecesse na minha porta assim.
Aquele homem é uma delícia.
— Ah, mas isso não é para
qualquer uma, benzinho. Da
maneira que o homem estava
desesperado ontem... Parecia nunca
ter o suficiente de mim. Juro, se eu
virasse acompanhante de luxo,
estaria rica a essas alturas, mas eu
faço mesmo é pelo prazer.
E falou a puta burra!
À medida que a conversa ia
acontecendo, eu acompanhava só
para ter ideia se aquele filho de
chocadeira teria contado o nome da
tal pessoa com quem ele havia
estado antes. Mas, como a conversa
parecia não ter fim, saí do
almoxarifado direto para minha
mesa e de lá, para a sala de
Carmem, que provavelmente já
havia chegado.
Com toda documentação
resolvida, hotel reservado e
passagem nas mãos, voltei para
minha mesa para recolher minhas
coisas, ir para casa preparar minha
mala e organizar tudo no
apartamento antes da viagem, pois
já passava do meio dia e minha
viagem estava agendada para as
cinco da tarde.
Antes de sair passei pelo
departamento financeiro só para ver
Yuri, e assim que ele me viu, veio
até mim. Por um momento, me senti
a última bolacha do pacote, mas
logo descobriria que era aquela
toda quebrada que ninguém quer.
— Estou sabendo que foi
promovida, meus parabéns.
— Ah, obrigada, estou
viajando hoje para um curso, devo
voltar no sábado. Quer fazer
alguma coisa?
— Ah não, mas eu agradeço a
sua disponibilidade. Quem sabe em
uma outra hora?
Como é produção? Ele não
falou isso. Eu devo ter escutado
errado. Respirei fundo, ignorando e
engolindo suas palavras, enquanto
pensava: dignidade Fernanda,
mantenha a dignidade pelo menos.
Fogo no rabo não leva a nada.
— Claro — sorri
amargamente. — Agora preciso ir.
— Boa viagem, Fê.
Pegue seu boa viagem e
enfia...
Sai daquela sala com gosto
de sangue na boca de tanta raiva. A
regra era para que eu desse o fora
no cara e poder ter ele quando
quiser, não é mesmo? Quase como
um P. A. (Pau amigo)? Mas não, eu
tinha que estragar meu fora de
ontem e receber um bonito hoje.
Sério, eu quase poderia me tornar
uma personagem das histórias da
Disney, afinal não tem nenhuma
princesa que se estrepe. Se fossem
criar uma assim, facilmente poderia
ser eu, muito facilmente.
Mas esta será a última vez
que eu levo um pé na bunda,
podem apostar!
Quando cheguei ao
apartamento, Cíntia estava
espalhada no sofá, como se não
tivesse nada de importante no
mundo para fazer.
— Oi... Você não está
atrasada não?
— E aí? Até a última vez que
olhei no relógio, não. Vou mais
tarde hoje, não tinha nenhum
recebimento para fazer e eu quis ter
um momento de folga antes de
aguentar a noite. E você? Foi
dispensada?
— Pelo contrário, fui
promovida — respondi com um
sorriso satisfeito pela primeira vez
no dia, sentando no sofá ao lado da
Cíntia.
— Mentira! — respondeu
incrédula com a minha afirmação.
Se eu não tivesse ficado igualmente
chocada, ficaria ofendida neste
momento.
— Pois é! E agora eu estou
partindo para São Paulo, vou fazer
um curso por lá.
— Mentira... — Peguei o
travesseiro ao meu lado e joguei
forte no rosto dela, que primeiro
calou a boca, mas depois gritou
como uma louca, pegando outro
travesseiro e tentando fazer o
mesmo comigo.
— Idiota! Você me paga!
— Nada, você me ama... —
gritei e saí correndo para trás do
sofá, longe dela, antes que Cíntia
tentasse jogar o travesseiro
novamente em mim.
— Sei... Idiota, isso vai ter
troco ainda. — Ela sentou
novamente no sofá, aumentando o
som da televisão para abafar
qualquer coisa que eu fosse falar.
Dei risada da atitude dela. Bobona.
Fui para meu quarto começar
a arrumar minha mala antes que me
atrasasse de vez. Coloquei as
roupas mais descaradas que eu
tinha e junto com as mais certinhas.
Teria que saber mesclar os dois
estilos, ou os outros teriam a
impressão de que sofro de
transtorno bipolar.
— Quer que eu te leve ao
aeroporto?
— Não precisa, eu já chamei
um táxi.
— E quando você volta?
— Bom, o curso começa
amanhã e dura três dias. Eu tenho
duas opções, sair assim que o curso
terminar, ou voltar no dia seguinte,
mas tudo ai depender muito do que
acontecer por lá. — dei uma
piscadela para ela — Eu te mando
uma mensagem.
— Tudo bem, se precisar de
alguma coisa me avisa. Eu preciso
me arrumar agora e voar para o bar.
— Aviso sim.
— Se cuida.
— Você também.
— Eu estou falando sério
Fernanda, nada de amor em vinte
quatro horas. Eu não estarei perto
para te socorrer.
— Credo, até parece que eu
sou assim.
— E não é? — Cíntia sorriu e
me abraçou antes de ir para seu
quarto.
O táxi chegou meia hora
depois e segui para o aeroporto.
Estava com os papéis que Carmen
havia dado para ler antes do curso,
com um livro na bolsa, todas as
balas possíveis e meu travesseiro
para o avião.
Mal deu tempo de ler alguma
coisa e um cara se sentou ao meu
lado. Nem me atrevi a olhar para
seu rosto, não estava no clima com
a raça dele no momento, então
permaneci com meus olhos na
leitura.
— Sabe, esse foi um dos
primeiros livros que li. Você vai
gostar.
Eu não queria ser mal
educada, mas também não queria
olhar na cara dele. Se bem que com
aquela voz não havia a menor
possibilidade daquele homem ser
feio.
Com muito esforço respondi,
ainda sem tirar os olhos do livro.
— Parece um bom começo,
mesmo assim obrigada pela crítica
literária gratuita e não solicitada.
Não faz sentido descontar em
outra pessoa a raiva que está de
alguém, ainda mais quando a
pessoa não tem nada a ver com a
história. Eu não queria papo, mas o
cara era insistente.
— Desculpe parecer
inoportuno, mas por que está com
tanta raiva assim de alguém que não
te fez nada?
Jura que vou ter uma DR em
plena ponte aérea, Rio – São
Paulo?
— Não estou com raiva,
muito pelo contrário, eu agradeci a
crítica positiva que fez ao livro.
Mas, realmente quero ler e não
conversar. Desculpe-me se estou
sendo muito direta, mas me reservo
nesse direito, desde que usou o
mesmo para me dizer o que quis.
— Tudo bem, me desculpe
por isso.
— Sem problemas.
Cinco minutos depois de
abrir o livro, eu estava cochilando.
Quando o aviso de atar cintos e
aterrisagem foram anunciado pelos
auto falantes acima da minha
cabeça, forcei os olhos a ficarem
abertos e quando olhei para cima
me deparei com um sorriso lindo,
só então percebi minha boca aberta
babando no ombro do cara. Por que
isso acontece comigo?
Eu tinha babado na metade do
ombro dele e o cara ainda assim
sorria. Sei que era de mim, mas
preferi evitar o comentário. O
problema é que ele queria
comentar, aí que tá! Como se o
mico em si não fosse suficiente, a
pessoa tem que pisar, esfregar,
jogar na cara...
— Você tem sonhos muito
complicados de se decifrar. Seu
namorado deve sofrer muito com
seu gênio de cão.
Ótimo! O cara não me
conhece e já tem um diagnóstico
preciso da minha personalidade. E
essa jogada de citar um possível
namorado só para saber se tenho
alguém, é da época em que meu avô
saía para enganar moças
desavisadas. Esse papinho furado
comigo não ia colar, não precisava
de figurinha nova para o meu álbum
de relacionamentos fracassados.
Porque nessa máxima de que
figurinha repetida não completa
álbum, eu só achei figuras que não
valem a pena se colecionar.
— Desculpe pela camisa.
Agora, o meu gênio não é problema
seu.
Ele pensou em responder,
mas eu virei a cabeça para o lado
contrário para observar a cidade
cinzenta abaixo de nós. Era tudo
muito diferente do que estava
acostumada. A cidade realmente era
brincadeira de gente grande, com
todos aqueles prédios enormes e a
nevoa de fumaça que demonstrava
que a cidade realmente não parava.
Logo que aterrissamos liguei
o celular e as mensagens
começaram a pipocar na tela.
Dentre elas, algumas mensagem de
Yuri — que adivinhem só — abri
sem pestanejar.
YURI: Gata, salvou minha
noite.
Sabe aquela sensação que
vira e mexe temos de “para por aí,
não vai por este caminho”, pois é.
Obedeça!
YURI: A noite foi excelente,
como sempre você nunca faz por
menos. Beijo na sua....
Não preciso dizer onde era o
beijo.
A cara de satisfação que eu
tinha, sumiu no mesmo instante. Ele
ia me pagar. Todos iam pagar, só
não sabia como, mas iam.
Atrás de mim estava o
passageiro inconveniente.
— Meu nome é Danilo, você
não perguntou, mas estou falando.
Este é meu telefone, caso queira me
ligar.
Homem é uma raça esquisita,
se você trata bem ele faz o inferno
com você, agora trate mal para ver,
colam como chiclete.
— Não perguntei mesmo.
Peguei o pedaço de papel que
ele oferecia, provavelmente da
revista que estava na poltrona do
avião, e fui até uma das bancas que
tinham no aeroporto, a procura da
última edição da revista que
trabalho e dei de cara com outra
revista, onde a capa gritava a
chamada na minha cara.
“RAINHA DOS
RELACIONAMENTOS
FRACASSADOS”.
A matéria destacava uma
famosa cantora estampada na capa
com os olhos inchados por ter
terminado outro relacionamento,
que ela e toda a mídia juravam ser
com a sua alma gêmea.
Aquela carapuça caiu tão
bem para mim que comecei a
lembrar de todos os foras
sensacionais que havia levado.
Nem mesmo havia saído do
aeroporto e já tinha conseguido
elencar os dez mais, colocando-os
em um ranking mental.
No táxi enquanto o motorista
seguia para o hotel em que ficaria
hospedada, eu encarava a matéria
com uma seriedade hilária.
Chegava a me contorcer no banco
de trás, enquanto o taxista olhava
para mim como se o melhor lugar
para me deixar fosse um hospício, e
não um hotel. Mal podia esperar
para chegar ao quarto e fazer o teste
de relacionamento que era um
bônus da revista.
Tomei um banho, coloquei o
roupão fofinho do hotel e me sentei
diante do computador. Comecei a
escrever todas as histórias que
aconteceram comigo e que havia
lembrado no aeroporto, por ordem
cronológica. Algumas eu detalhei,
porque valiam a memória hilária,
outras, eu só torci o nariz pela
burrada. Pensei o que aconteceria
se eu pudesse me transformar em
um fantasma e assombrar as vidas
deles, como fizeram com a minha.
Talvez mantivesse tudo em
algum diário, mas que não ficasse
tão evidente e que pudesse levar
para todo o lugar. Um caderno
nunca funcionaria para mim, quando
era adolescente comecei vários que
sempre ficavam espalhados pela
casa. Agora não seria diferente,
tenho certeza.
Fiquei pensando sobre os
leitores daquela revista horrorosa.
O texto era tão mal feito, mas,
mesmo assim, acabava nos
envolvendo na história. Talvez
fosse para que, como eu, as leitoras
vissem que sua vida não é tão
desastrosamente diferente de
alguém famoso e que, as burradas
da vida, eles também faziam.
E se alguém pudesse ver,
através das minhas eternas burradas
— e olha que não eram poucas —
talvez evitassem tudo isso ou, se
arriscassem a viver, saberiam o que
provavelmente aconteceria com
elas. Claro, se cada uma quisesse
se estrepar, seria problema dela,
mas eu teria feito minha parte.
Ia ser engraçado contar um
pouco dos meus pequenos desastres
amorosos, aposto que escreveria
muito melhor que aquela matéria
tosca da revista.
E se eu fizesse isso?
Procurei e fucei na internet
até encontrar o que as meninas
chamam de blog. E nossa, elas
usam isso para tudo, desde
postagens sobre moda até para falar
abobrinha nenhuma. Seria algo sem
custo nenhum e ainda por cima eu
poderia fazer sem que ninguém
soubesse quem eu era. O que era
perfeito. Ah, esse anonimato
maravilhoso que só a internet é
capaz de proporcionar.
Pensei durante um tempo,
então criei um e-mail diferente do
que já tinha, e fiz cadastro num dos
blogs gratuitos disponíveis. Então
tudo começava ganhar forma.
Procurei imagens na internet
e peguei uma das histórias que
havia escrito mais cedo,
adicionando um ou outro detalhe
para deixar a história mais
interessante, aquele que abrira a
porteira para uma sequência de
outros foras incríveis.
Sim, porque eu estar solteira
é uma opção... dos outros.
Cada palavra que escrevia,
eu olhava a mensagem de Yuri no
visor do meu celular.
Afinal, se eles podiam agir
como idiotas, eu poderia mostrar o
quão imbecis eles eram de verdade.
Reli o que havia escrito e
estava tão depressivo que comecei
a ficar com dó de mim. Como uma
pessoa poderia se deixar enganar
tão facilmente desta forma? Assim
não seria tão divertido quanto o que
eu havia imaginado.
Enquanto remoía em minha
auto piedade, minha barriga
sinalizou que eu deveria tomar
alguma providência. Não havia
comido nada dia inteiro, outra vez
— o que de certa forma era bom,
talvez eu emagrecesse um pouco —
e precisava cuidar disso antes
mesmo que caísse dura, morta de
fome, dentro do quarto do hotel.
Esquece esse negócio de blog
Fernanda, vai perder seu tempo
com esse tipo de coisa para quê?
— pensei. Mas, por que não, talvez
me fizesse bem compartilhar meus
contos de fodas, como em cada vez
que eu tentava iniciar um
relacionamento eu me estrepava de
verde e amarelo. Afinal, a vida
sempre encontraria uma maneira de
me foder mesmo, pelo menos eu
deveria sorrir disso tudo.
Troquei de roupa e fui até a
recepção do hotel para me informar
se havia algum restaurante por
perto, ou se precisaria chamar
algum táxi para me levar até lá. A
recepcionista prontamente me
ensinou o caminho de uma casa de
massas italianas, que segundo ela
era simples, mas a comida era
deliciosa. Minha barriga se alegrou
no mesmo momento.
A caminhada até o restaurante
foi tranquila. Eu observava tudo
com olhos curiosos. As pessoas,
freneticamente correndo, passando
por mim, como se não pudessem
chegar rápido o suficiente ao seu
destino, me deixou cansada apenas
por olhar.
O restaurante de portas
vermelhas era realmente muito
simples, mas o ambiente familiar
compensava qualquer falta de
decoração. As mesas estavam
praticamente todas ocupadas, mas
encontrei uma com dois assentos
em um cantinho isolado, que fazia
mais o meu estilo, ainda mais no
atual estado de espírito em que
estava. Eu poderia me isolar um
pouco, e talvez enquanto esperava
rascunhar alguma coisa para o blog
que estava criando.
Enquanto esperava o garçom
trazer o cardápio, acabei prestando
atenção na conversa animada que
acontecia na mesa ao lado. Duas
mulheres, ao que pareciam amigas,
conversavam animadamente sobre a
noite de uma delas, em que o cara
fez e desfez, levando-a nas nuvens,
mas que não esperou nem mesmo o
dia seguinte para dar o pé na bunda
dela.
Típico!
O sentimento de raiva que a
mulher descrevia era tão próximo
de como eu sentia que quase fui à
mesa delas, me solidarizar com a
situação, até que a rejeitada solta
um: “a vontade que eu tenho é de
espalhar cartazes pela cidade
inteira para dizer o quanto ele é
ruim de cama, e depois mandar um
recadinho para ele ver o presente
que deixei, pela foda incrível.”
Sorri com a expressão que
ela soltou. Talvez seja exatamente
este ponto, eu poderia deixar meu
blog mais interessante com essa
ideia que iria afanar na cara dura.
Um aviso, para o desavisado
que sua vida sexual estava prestes a
ser escancarada, arreganhada,
exposta. E de preferência, com
todas as coisas negativas que ele
tinha a oferecer.
A conversa na mesa ao lado
ia a todo vapor, quando o garçom
me trouxe o cardápio, informou que
voltaria em minutos para anotar
meu pedido e desapareceu. A
pressa dele acabou desviando
minha atenção da conversa que
estava xeretando. Olhei com
bastante atenção o cardápio. Acho
até que por tempo demais, porque
quando desviei os olhos para
buscar o garçom pelo salão, as
poucas mesas que ainda estavam
desocupadas, desapareceram.
Com os olhos ainda presos ao
cardápio, percebi que um homem
parou ao meu lado e quando
levantei o olhar para fazer o pedido
— sim, porque eu estava certa de
que era o garçom — levei um baita
susto. Era nada mais nada menos
que o Danilo, o cara do aeroporto,
parado feito uma estátua bem na
minha frente.
— Olá, pessoa com quem
sempre me encontro, mas que ainda
não sei o nome. Se importa que eu
me sente aqui, já que dividimos
hoje a companhia um do outro em
uma viagem muito agradável? —
ele disse já arrastando a cadeira e
ameaçando se sentar.
Olhei em volta, por todo o
salão e não havia um bendito lugar
vago. E antes que alguém mais
esquisito que ele ocupasse o lugar,
decidi aceitar o convite inoportuno.
Eu não sabia que esse era um
costume paulistano: dividir as
mesas.
—Tudo bem, fique à vontade.
Só vou comer e voltar para o hotel.
Talvez até peça para viagem.
— Posso saber o seu nome
agora ou posso continuar com as
minhas eternas suposições?
— Rosa.
Busquei um nome que fosse o
oposto da minha personalidade.
— Só se for uma rosa de
pimenteira.
Ele disse sorrindo muito da
própria piada, que não era lá muito
engraçada, mas que tinha me dado
uma ideia genial.
Pimenta Rosa, melhor
pseudônimo que esse não podia
haver. Duvido que algum homem,
até mesmo meus ex-namorados
relacionados nas postagens do blog
conseguissem desvendar quem eu
era. Era perfeito.
3
UM DESAFIO INOCENTE
=
UMA VINGANÇA #DELICIOSA
Eu precisava dormir já que o
dia seguinte seria cheio, mas jamais
conseguiria fechar os olhos
enquanto não terminasse o que
havia começado fazer antes de sair
para jantar, ainda mais depois de
perceber que a minha indignação
com o sexo oposto não era coisa de
mulher abandonada, mas sim um
sentimento frustrante por não
conseguir identificar um canalha
quando ele se aproximava e mandá-
lo para o inferno.
Escrevi em um bloco de
papel que havia sido deixado ao
lado do telefone no quarto, algumas
possibilidades de nomes que
poderia dar ao blog. A primeira
opção foi o ápice da minha
criatividade — confesso que já
estive em melhores momentos na
vida — tomei mais um gole da água
que estava sobre a mesa e olhei
novamente para o título “Meus
estranhos contos de fadas”, então o
descartei.
A segunda opção foi um
pouco melhor: “A namorada In-
Perfeita”, mas ainda não era o que
eu queria ou que me faria parar
para dar atenção em algo com esse
tipo de perspectiva. Eu precisava
de algo que chamasse a atenção de
quem fosse ler, e isso incluía a mim
mesma.
A cada nome que escrevia,
mais bolinhas de papel se
acumulavam sobre a mesa. Talvez
um pouco de música me fizesse ter
alguma inspiração. Retirei da bolsa
os fones de ouvido, que para variar
estavam embolados como se tivesse
praticado MMA dentro da bolsinha
em que os guardava, os coloquei
nos ouvidos e apertei play. Assim
que Sia começou a debochar de
mim cantando Chandelier, a ideia
me veio como um choque. Era
perfeito para o que eu precisava,
escrevi em letras garrafais no título
“Meu conto de fodas”. Afinal, eu
era o exemplo vivo de quantas
vezes se podia fracassar em
relacionamentos e me sentir fodida
no mesmo instante que me dava
conta de que tudo era apenas mais
uma idealização da minha cabeça
fantasiosa.
Pensei nos prós e contras que
o nome poderia trazer, e em como
as pessoas poderiam reagir ao ler
uma palavra tão expressiva quanto
FODAS em um título de blog. Mas
era exatamente o que eu queria. Eu
queria chocar, deixar as pessoas
que passassem por ele com a
sensação da linha tênue entre gostar
do que estava vendo e sentirem-se
estranhas por apreciarem a minha
loucura descabida. Era apelativo,
cru, aterrorizantemente imoral, mas
nada se encaixava melhor.
Fiquei brincando com as
palavras até que uma mensagem
promocional da minha operadora
apitou no celular me informando
sobre uma “maravilhosa
oportunidade” usando uma hashtag,
o que me pareceu muito interessante
e apropriado. E foi então que surgiu
o nome que usaria daquele
momento em diante: Meu conto de
f#das.
Haveria quem acreditasse
que as minhas experiências
amorosas fossem o caminho para
encontrar meu verdadeiro amor.
Esse tipo de balela que as pessoas
inventam para conseguir suportar as
desilusões que passam, era
deprimente.
Claro que a coisa toda não
tem muito segredo: se não deu
certo, você, minha adorável iludida
(#fodida), pegue uma dose de
vergonha na cara, acompanhada de
uma porção de amor próprio e
pronto. Não há receita melhor para
seguir à diante. As pessoas, muito
provavelmente, entenderiam a
verdade nua e crua: um pé na bunda
é sempre um pé na bunda. Se você
não souber passar por isso, então,
adote gatos.
Já passavam das onze quando
consegui terminar todo o trabalho
de arte do blogger, mas ele ainda
precisava de uma descrição.
Escrevi e reescrevi muitas vezes
até me sentir satisfeita com a
pequena apresentação sobre o que
seria aquele diário. Só então,
apertei o botão de enter.
E voilá! Meu primeiro post:
Quem é a pessoa que em
sã consciência começa um
relacionamento totalmente
preparada para levar um pé na
bunda?
Claro que a resposta
lógica é ninguém.
Mas, se pararmos para
prestar atenção aos pequenos
sinais que inconscientemente
descartamos para estar em um
relacionamento, todas as
probabilidades vão ascender
em neon bem na sua frente,
gritando na sua cara que o
melhor a fazer é cair fora,
antes de ser posta para fora.
O grande problema é
como identificar o arsenal de
canalhas que se aproximam de
nós diariamente?
Eu tive a minha cota de
papos furados e promessas que
nunca seriam cumpridas na
vida, e com toda a certeza,
estava de bom tamanho.
Então, diante do cenário
que sempre se coloca diante de
mim, resolvi escrever para
tentar descobrir se sou uma
pirada que não enxerga um
palmo adiante do nariz, ou se
os homens realmente se
especializaram na arte da
canalhice ao longo do tempo e
encontram com uma facilidade
absurda mulheres como eu,
ingênuas e iludidas pelo desejo
do amor.
Espero que minhas
histórias possam servir de
lembrete à algumas mulheres.
E se não for pedir muito, que
sirvam de lembrete aos meus
ex também!
Li.
Reli.
E ainda não estava
completamente satisfeita com o
texto. Sabia que ainda faltava muito
para ficar como eu queria. Sim,
tenho mania de perfeição, o meu
caso de perturbação mental, a neura
não é somente com homens que não
posso domesticar a meu modo, é
com tudo. Chega a ser frustrante!
Agora eu precisaria trabalhar
no primeiro conto do blog. Olhei
para a tela do computador e sorri
sozinha, como uma boba,
imaginando a cara do Bruno, meu
primeiro namorado/fora, assim que
ele lesse a grande maravilha (#sqn)
que era estar naquele nosso
relacionamento. Sim, porque se
uma única vez ele olhasse aquele
desastre que era o meu ponto de
vista, ele ficaria depressivo por um
longo tempo.
Já estava exausta quando
terminei o esboço para o blog.
Desliguei o notebook e olhei para o
relógio que marcava três horas da
madrugada. Eu sabia que a falta de
sono me deixaria ranzinza pela
manhã, mas toda aquela euforia e o
gostinho de vingança, valia a pena.
Mal havia fechado os olhos e
o despertador já me avisava que
estava na hora de me levantar,
sempre meigo e gentil com um som
suave de música de meditação
(#sqn). Se eu tiver este tipo de
música no meu despertador eu não
durmo, eu hiberno, entro em coma,
só acordo depois do fim do mundo.
Estava pronta em tempo
recorde, me olhei uma última vez e
desci para tomar o café da manhã.
Comi apenas frutas, meu
estômago ainda não estava
completamente normal, e irritá-lo
por pouca coisa não seria nada
interessante, ainda mais estando em
um lugar em que eu não tinha a
certeza de onde ficavam os
banheiros.
Uma hora mais tarde estava
em frente ao hotel esperando o táxi
que me levaria ao local do curso.
Se eu achava que o trânsito
do Rio de Janeiro era infernal, é
porque eu não sabia o que me
esperava em São Paulo. Como as
pessoas são capazes de suportar
uma coisa diabólica como essa
todos os dias?
Exatos quarenta e cinco
minutos depois em um percurso de
doze quilômetros percorridos,
cheguei ao bendito curso. Todas as
pessoas possuíam aparência
profissional com seus ternos bem
alinhados e seus cabelos
esticadinhos, enquanto eu usava
jeans, blusa de seda, salto, brincos
enormes e cara de paisagem.
A medida que o assunto ia
sendo exposto para todos, as
perguntas desnecessárias eram
feitas e tudo era tão entediante, que
o sono começava a chamar meu
nome de maneira tão doce, que
mais parecia o canto de uma sereia
a me hipnotizar.
Dica: sonhos que não se deve
ter quando está em público: Nunca,
mas nunca mesmo, sonhe que está
caindo em um penhasco.
Até mesmo porque, você
pode cair da cadeira em que está
sentada e, de quebra, ainda levar
outras cinco junto. É constrangedor,
e fica ainda pior quando se escuta
as gargalhadas e, ao olhar de canto
de olho, ver que as pessoas estão se
curvando e chorando de tanto rir.
Eu me coloquei —
literalmente — de quatro e comecei
a procurar uma barata imaginária,
que fez retirar, em um golpe de
mestre, o sorriso do rosto de cada
um. Juro, eu queria rir agora, mas
não seria nada bom para o meu
disfarce, ainda mais quando ele,
misteriosamente, funcionou tão bem
— coisa que normalmente não
acontece comigo. O problema foi
tentar me controlar enquanto
homens — enormes e com cara de
poderosos em seus ternos caros —
ficavam enlouquecidos a procura
de uma bendita barata, um bicho
totalmente indefeso. Era uma
vingança que estava gostando de
apreciar.
Como não encontravam a dita
cuja da barata — que não existia —
foi sugerido uma pausa e todos
acataram sem se opor.
Enquanto me entupia de todo
café que eu pudesse engolir naquele
curto espaço de tempo, tive a
infeliz ideia de entrar em uma rede
social para bisbilhotar um pouco do
que as pessoas estavam fazendo na
minha ausência. Não que a minha
presença fosse mudar alguma coisa
na atitude de qualquer uma delas,
mas valia matar a minha
curiosidade.
E lá estava Yuri em uma foto
sem camisa, com uma mulher mais
ao fundo. Era uma postagem de bom
dia que dizia que o dia sempre
começava bem quando a companhia
era perfeita.
Até ai tudo bem, se eu não
tivesse dado zoom na foto e
descobrisse que a “companhia
perfeita” não era, nada mais, nada
menos, que aquela estagiária dos
infernos, que entrou na minha vida
com aquele fogo no rabo infinito,
impossível de competir. A
“talzinha” tinha dez anos a menos
que eu e, como se isso não
bastasse, todos os centímetros do
corpo dela estavam,
definitivamente, nos locais
corretos, enquanto em mim estavam
totalmente descoordenados: onde
deveria ter menos centímetros, tinha
mais e onde que deveria ter mais,
tinha menos. Um verdadeiro horror.
Pelo menos disso eu tirei uma
coisa boa: nada melhor do que o
ódio, a dor de cotovelo, a
humilhação e a vergonha para me
inspirar naquele momento. Assim
que me acomodei naquela cadeira
desconfortável do interminável
curso, comecei a escrever a história
de Bruno. Abri o bloco de notas do
celular e comecei a digitar o
esboço da história, para, a noite
fazer uma revisão antes de postar
no blog.
Devo ter ficado com cara de
palerma assassina, porque as
pessoas próximas começaram a me
olhar com olhar desconfiado. Um
senhor que estava sentado ao meu
lado, já tentava olhar o tempo todo
o que eu tão furiosamente estava
escrevendo no celular, outras
pessoas, tentaram disfarçar e
afastar a cadeira de perto de mim,
querendo manter a maior distância
possível. E eu era minha própria
ilha, cercada de imbecis por todos
os lados. O que era muito bom de
certo modo.
Estava completamente sem
saco nenhum para gente chata!
Salvei o texto no celular logo
que o palestrando liberou a turma
naquele dia. Aquele bendito blá,
blá, blá não me levaria a lugar
nenhum. A única coisa que ganharia
naquele curso era uma bunda
quadrada e mais nada.
A volta para o hotel foi ainda
mais infernal e demorada do que a
minha ida para o curso pela manhã.
Sério, pensei que não poderia ficar
pior, mas eu estava muito, muito
enganada mesmo. Parecia que todas
as pessoas tinham tido a genial
ideia de sair no mesmo horário que
eu. Segundo o taxista era assim
todos os dias, e estávamos tendo
sorte já que não estava
engarrafando. Poderia levar muito
mais tempo, se bem que ele disse
que estava fazendo uma rota um
pouco mais longa, mas que
compensava com um fluxo menor
de carros.
Quando cheguei na porta do
hotel, não queria saber de sair para
comer. Estava exausta. Bem que
dizem que não fazer nada cansa
muito mais que um dia super
agitado.
Não entendi muito bem em
que o curso de hoje poderia me
trazer de conhecimento para ocupar
o novo cargo dentro da revista. Não
havia nada no que foi falado
naquele dia que eu não soubesse,
aliás, estava quase me oferecendo
para dar o curso. Mas, como eu não
posso fazer nada disso, eu apenas
me obriguei a fazer o que deveria
ser feito para conseguir o que eu
queria. Afinal, eu sou apenas uma
subordinada. Manda quem pode
obedece quem tem juízo. Está certo
que eu não tenho muito juízo, mas a
central de cobrança do cartão de
crédito tem meu telefone e meu CPF
e isso, meu bem, isso muda tudo.
Minha sorte é que me
mandaram para um bom hotel, no
quarto tinha até uma banheira
enorme e lindérrima, que eu enchi,
coloquei um pouco de tudo que
havia nos potinhos ao lado e
mergulhei naquela água quentinha e
perfumada. Agora eu entendo as
pessoas que são ricas e ficam
mergulhadas nessa coisa, como se
fossem virar conserva. É muito boa
a sensação da água envolvendo o
corpo, o perfume dos sais e a
sensação de que o mundo pode
esperar.
Pensei em Yuri, em como ele
tinha sido um cachorro salafrário
comigo, e em como eu, ainda penso
nele. O pior de tudo é que eu ainda
gosto daquele cafajeste, e doeu ver
a foto dele com aquela vadia. Este
sentimento é quase um efeito
retardado, amanhã eu
provavelmente já irei ter
desencanado dessa palhaçada toda.
Mil pensamento mais tarde a
água começou a esfriar, então
deixei a banheira, coloquei um
roupão e sai do banheiro. Liguei
para a recepção e pedi o jantar.
Enquanto esperava liguei o
notebook e fui me vestir, não dava
para atender a porta e receber o
jantar só de roupão. Comecei a
secar os cabelos com aquele troço
que chamam de secador, mas que no
fundo só serve para secar cachorro.
Porque um secador daquele
tamanho, potência e bocal mais
aberto que boca de fofoqueiro, só
me deixaria parecida com o
leãozinho do Caetano.
O jantar chegou enquanto
ainda lutava com o secador de
cabelo para deixar minha
aparência, no mínimo, decente, mas
acabei com metade do cabelo
parecendo que tinha enfiado o dedo
na tomada e o outro liso, atendi a
porta. Eu morri da vontade de
gargalhar com a cara que a pobre
entregadora ficou ao me ver, mas
achei melhor não me sacanear, já
que a humanidade estava
encarregada disso.
Comi pouco, não sei se foi
por conta do cansaço ou porque
estava super ansiosa para começar
a revisar o que havia escrito para o
blog. Vasculhei a bolsa e retirei o
celular de lá e enviei por e-mail o
arquivo já pensando nas possíveis
mudanças que faria nele.
— Por onde começo? —
Pensei. Tudo o que aconteceu foi
aparecendo na minha cabeça de
uma forma que, se eu fechasse os
olhos, teria a impressão de estar
assistindo a um filme. Meus dedos
naturalmente seguiram para o
teclado, dando vida a história a
cada palavra que surgia, conforme
descrevia cada detalhe que me
lembrava.
1) É inexperiente e
tonta, e a chance de cair na lábia de
qualquer moleque é de 99%;
2) Vai acreditar que é a única
na vida daquele garoto, e que ele
sim é a pessoa certa para
transformar todas as suas fantasias
em realidade;
3) Vai escrever muitos
bilhetinhos românticos, na
esperança de tocar o coração do
idiota que no fundo só quer usar as
suas sinceras declarações de amor
para se vangloriar com seus amigos,
que são tão idiotas, fúteis e
superficiais quanto ele;
4) Vai desligar o botão de
bom senso e fazer as piores burrices
para provar ao garoto dos seus
sonhos que também pode ser a
garota dos sonhos dele;
@eternaapaixonada:
Não desista de procurar a pessoa
que te complete, a sua alma gêmea
está por ai. Logo encontrará a
metade da sua laranja.
Mas, como vou achar a metade
da minha laranja se eu sou um limão?!
É melhor ser um limão, do que dar de
cara com a metade da sua laranja,
sendo chupada por outra pessoa.
@pervertida69 : Estou
morrendo de rir de você. Tadinha,
transar com um cara que não sabia
de nada e ainda por cima ter que
bancar o cupido pra ele pegar outra
trouxa? Você merecia algo melhor.
Eu pensei comigo depois dessa:
eu sei, querida, eu sei. Mas, é errando
que se aprende.
Procurei por uns minutos o
botão de “vá se ferrar”, mas não
encontrei. Mas é claro que não haveria
um botão assim ou essas coisas nunca
dariam certo. Uma pessoa com apelido
@pervertida69 que se dá ao trabalho
de fazer um comentário para chamar
de trouxa uma pessoa que já está na
merda, não deveria ganhar créditos,
menos ainda uma conexão à internet
com acesso e contato com outras
pessoas.
@advogato : Eu me
prontifico a solucionar seu caso. O
indivíduo em questão cometeu o
crime de não lhe permitir gozar dos
benefícios que lhe eram cabidos
quando você de boa-fé lhe ofertou
seus préstimos.
Jura?! Juridicamente falando, se
esse cara depender dessa cantada ou
viver de advogar, a fome e a miséria
serão suas companheiras inseparáveis,
e claro, noites e noites tocando uma
sozinho.
@carentedevc: A minha
primeira vez foi muito interessante.
Eu não estava mais interessada em
guardar meu selo da pureza eterna,
havia muito fogo dentro de mim,
queimando minhas entranhas. Ai
resolvi encontrar alguém que
resolvesse meu problema. Uma
noite no meio de uma festa enquanto
caia de bêbada um cara me levou
até o banheiro e transamos, foi tão
maravilhoso que vomitei nele
inteiro. Depois disso nunca mais
falei com ele, a vergonha não me
deixava olhá-lo na cara. Mas não
era vergonha por ter vomitado e
sim por ter dado a ele algo
importante e o cara não ter tido a
gentileza de me oferecer um
orgasmo sequer. Achei uma
indelicadeza enorme.
Esse último comentário que li
me fez relembrar de um dos meus
relacionamentos. Não era muito
distante do que tinha sido o meu
primeiro.
Talvez eu não tenha o melhor
instinto para escolher as pessoas com
quem me envolvo. Mas, vale dar uma
chance às pessoas, ou talvez não. Entre
os erros... tá, eu não acerto, deixa pra
lá.
Abri uma página do blog e
comecei a digitar o segundo conto
desastroso, sobre a minha maravilhosa
e fantástica vida amorosa.
Ou não.
“O HALLS PRETO
NEM SEMPRE É UMA BOA
IDEIA.”
Pedro. Ah, o que posso dizer
sobre ele?
Resposta: muitas coisas, mas
nenhuma delas me traz boas
lembranças!
Você viaja de férias com a
sua família para curtir a praia, mas
antes seus pais têm a maravilhosa
ideia de passar no interior e ficar
uma semana na casa da sua avó,
que por sinal é uma figura.
Quando isso acontece o mais
provável é que:
1) Você fique entediada e
passe o tempo todo no quarto
lutando para conseguir uma conexão
de internet decente;
2) Você se senta e ouve outra
vez as histórias da sua avó, de
quando ela tinha a sua idade e
arrasava os corações alheios;
3) Mofa na frente da
televisão, mas nada parece ser tão
bom a ponto de fazer você parar e
realmente assistir alguma coisa;
4) Tenta sair de casa para
encontrar alguma coisa que
justifique o período que passará ali;
5) Aceita o convite da sua
mãe, para ir até a casa de uma
antiga amiga dela de colégio.
Maravilha!
Fui até a geladeira, armários
e potes da cozinha e não havia nada
além de água, temperos e cerveja
naquela casa. Droga, agora teria
que sair. Maquiagem, cabelo,
roupa, sapato e saco para suportar
pessoas que não conhecia. Tudo
isso junto a uma vontade zero de
sair de casa.
Coloquei um vestido preto
básico, isso me evitariam as
combinações. Um scarpin
vermelho, uma maquiagem leve e
modelei os cachos. Isso era o
máximo que eu faria.
Já pronta, fui até a garagem,
entrei no carro e dirigi até o bar.
Encontrar uma vaga para estacionar
foi um verdadeiro desafio. Sim,
desafio, pois se você juntar o fato
de ficar rodando quarteirão mais
quarteirão, irritada e com a fome
que parecia corroer as paredes do
meu estômago, era um verdadeiro
teste de paciência.
Ainda tentei ligar para Cíntia,
mas não sei por que me dei ao
trabalho, pois quando ela estava no
bar raramente atendia o telefone.
Me espremendo entre as pessoas
segui direto para o bar. Das duas
uma, iria ficar tão feliz por vê-la,
ou daria na cara dela por todo esse
trabalho.
Enquanto eu enfrentava minha
caminhada de obstáculos até o bar,
eu soube que deveria ter ficado em
casa e ter pedido comida chinesa.
Seria a coisa mais inteligente a
fazer, mas eu nunca consigo esses
momentos racionais e brilhantes
quando me empolgo, e matar a
saudade dela tinha me deixando
idiota, por isso acabei nesta
enrascada.
Avistei Cíntia desnorteada
com o movimento. As pessoas
estavam debruçadas no balcão,
fazendo seus pedidos, todos ao
mesmo tempo e ela sozinha. Não
demorou muito para eu perceber no
que eu tinha me metido. Eu sabia
que iria me ferrar. Aquilo não era
um convite, era um golpe, ela iria
me fazer trabalhar.
Vadia!
Assim que me viu ela
gesticulou desesperada para que eu
fosse até lá. Eu queria matá-la. Eu
estava cansada, com fome e louca
para conversar com alguém sobre o
que havia acontecido em São Paulo,
mas pelo visto, qualquer
necessidade minha ficaria para
depois, pois, por mais que eu
odiasse ter que trabalhar neste
momento, sabia que precisava
ajudar minha amiga. O bar era a
vida dela, além de toda a grana que
tinha no mundo, ou seja, eu não
poderia sacanear com ela.
— Me desculpe, eu não
pensei que isso estaria essa loucura
toda, mas que bom que está aqui.
Pode me dar uma mãozinha?
— Não seja sonsa, não era
um convite, era um golpe. Não sei
se sabe alguma coisa de história,
mas a Princesa Isabel foi bem
bacana comigo, e segundo uma
certa lei, pessoas brancas como
você não podem mais me
escravizar sabia?
— Nossa, mais dramática que
maquiagem da Camila Coelho. Eu
estava com saudade, só isso. Não
tive tempo para ir ao mercado, e
sim, queria mesmo te ver. O
problema é que hoje era folga de
um dos garçons e os outros dois
estão de atestado médico. Agora
deixa de drama e me ajuda.
Os primeiros dez minutos eu
sequer consegui entender o que as
pessoas pediam, o que me fez ficar
ainda mais irritada.
Nunca grite com uma mulher,
principalmente se ela estiver com
fome! #Fica a dica!
Lancei o meu olhar mortal
para as pessoas que gritavam
conosco do outro lado do balcão. A
maioria entendeu, menos uma vaca
loira, sebosa, que ficou me
chamando de grossa e lerda e, não
satisfeita, ainda me chamou de
incompetente, e disse que se eu não
“dava conta” que não me metesse
ali.
a) Eu poderia ter pulado o
balcão e metido à mão na cara
dela? Eu poderia.
b) Eu poderia ter cuspido na
bebida dela sem ninguém ver? Eu
poderia.
c) Eu poderia ter deixado ela
sem bebida nenhuma, para aprender
a deixar de ser sebosa? Eu poderia.
d) Eu poderia ter colocado
menos álcool na bebida dela, e
talvez um pouco de laxante? Eu
poderia.
Mas, eu não fiz nada disso,
porque eu sou um ser iluminado,
que entende que certas pessoas
ainda não evoluíram. #SQN.
Não, eu não sou uma pessoa
com essa elevação de espírito. Eu
fiz a bebida dela certinha, com tudo
que ela tinha direito, afinal ela
estava pagando e ainda por cima se
algo desse errado com aquela
escrota, era certo que ela queimaria
a reputação do bar da Cíntia. E não
era uma propaganda negativa que
ela precisava naquele exato
momento.
Então fiz o que uma pessoa
civilizada faz quando esse tipo de
situação acontece. Mandei ela se
foder mentalmente e desejei que ela
tivesse uma ressaca fabulosa no dia
seguinte. Só o básico, o que
qualquer pessoa normal faria.
Observei enquanto ela se
afastava e seguia em direção a uma
mesa, assim eu saberia para quem
mais eu poderia distribuir alguns
vales de “vai pro inferno” que tinha
estocado. Mas quando percebi com
quem ela estava, agradeci à vida
pela primeira vez. Não precisaria
me vingar, a vida estava fazendo
isso por mim.
E lá estava ele, pavônico,
sentado em uma mesa, com mais
dois amigos que não reconheci e
outra mulher que pela cara de
nojenta, deveria ser tão
insuportável quanto à loira que
acabara de ser servida por mim.
Renato, um ex-namorado com
quem mantive relação por longos
seis meses. E isso só foi possível
porque ele viajou por quatro meses
para fazer um curso nos Estados
Unidos.
Percebi naquele momento
como o mundo era pequeno e como
eu já tinha feito merda nessa vida.
O movimento foi tão intenso,
que a noite passou voando e até me
esqueci de comer. Só me lembrei
quando estávamos limpando tudo.
Aquela noite tinha sido muito
lucrativa para Cíntia, mas a sujeira
que havia sido deixada era quase
igual a de blocos de carnaval em
Copacabana.
Trancamos tudo e passamos
em um drive-thru no caminho para
casa. Eu precisava comer, minha
irritação tinha voltado e estava
chegando a níveis preocupantes.
Conversamos enquanto ela
dirigia e eu comia todas as batatas
fritas que encontrava pela frente.
— Conta como foi a viagem.
Senti falta do seu humor fantástico
todas as noites.
— Também senti sua falta. O
hotel era fantástico, o quarto
parecia aqueles que aparecem em
cenas de filmes, a banheira um
escândalo de tão perfeita, comprei
uma porção de coisas que sei que
nunca vou usar, ah, claro, comprei
alguns presentinhos para você. O
curso foi uma verdadeira merda, só
serviu para me deixar com dor na
bunda. Conheci alguns pontos
turísticos e alimentei algumas
formigas.
— Como assim alimentou
formigas?
— Fui ao parque, me deitei
em um formigueiro e me tornei o
banquete das malditas formigas. Foi
vergonhoso.
Senti medo que ela perdesse
a direção. Quando me virei para
olhar, ela já estava quase chorando
de tanto rir de mim, dei graças por
ela não ter visto a cena toda
acontecer, ou seria bem pior. E
então a pergunta que eu tanto temia
foi feita.
— E aí, conheceu algum
gatinho por lá?
— Sim.
Tentei mudar o assunto
perguntando sobre o movimento do
bar, mas não tinha nada que a
fizesse largar o osso. Eu sabia que
me arrancaria até os detalhes
sórdidos.
Contei sobre Danilo, de como
o conheci até o momento que
estávamos no meu quarto,
transando. Em alguns momentos a
sensação de relembrar tudo foi tão
estranha que parei de falar, só
notando que estava muda quando
ouvia os “e ai?” dela.
— O que quero saber é por
que está arrependida.
— Eu não sou assim, Cíntia,
e sabe muito bem. Eu não vou parar
na cama de um cara só porque ele é
lindo e gostoso, eu tenho
princípios, não consigo ser assim,
me desculpa, mas não dá.
— Eu sei que não, mas
precisa desencanar desse lance de
namoro. Porque você só se mete em
roubada. Vá viver a vida,
aproveitar um pouco mais, se
liberte dessa obrigação de estar em
um relacionamento para poder
transar e vai perceber que sexo é
uma consequência e não uma
tragédia.
— Desculpa, mas eu não
consigo.
— Consegue sim, e não me
venha com esse puritanismo da
época da minha avó.
— Não é puritanismo, é quem
eu sou. Não vou mudar da noite
para o dia, não adianta.
— Tudo bem, vamos pensar
em alguma maneira de afastar esse
espírito de velha virgem que
incorporou em você e depois
encontraremos alguém para
solucionar nossos problemas.
Chegamos ao apartamento
ainda conversando sobre como eu
deveria me comportar. De certa
forma Cíntia estava coberta de
razão, eu não tinha ido muito longe
sendo a romântica, além de acabar
cometendo sempre os mesmos
erros. Eu precisava encontrar uma
maneira de me ajustar e deixar de
ser tão idiota. Aquela pateta que
todo mundo passa para trás.
Estava exausta, só pensava
em dormir. Agora entendi o porquê
de ela precisar de tanto silêncio
quando chegava em casa. Aquela
agitação era muito para cabeça de
qualquer ser vivo.
A única força que eu tinha,
usei para tirar os sapatos e jogá-los
em qualquer canto do quarto e me
joguei na cama. Apaguei, tão moída
de cansaço, que nem tirei o vestido.
Acordei, o que parecia
minutos depois de deitar minha
cabeça no travesseiro, com o sol
queimando minha cara, pois eu
havia me esquecido de fechar a
persiana.
Ainda parcialmente dormindo
fui em direção a cozinha, peguei um
copo, abri a geladeira e me servi
com água, já que era essa a opção
do dia. Depois de ir ao banheiro e
ficar, no mínimo, apresentável,
coloquei uma roupa confortável e
fiz uma pequena lista antes de
encarar o mercado. Precisava
comprar o que me deixaria
realmente feliz: comida.
Apesar de ter feito uma lista
razoavelmente saudável, parecia
que eu estava fazendo um aditivo no
carrinho para uma casa onde
haveria, pelo menos, umas dez
crianças de cinco anos. Balas,
docinhos diferentes, bolachas
recheadas, pipocas com e sem
cobertura, barras de chocolate...
Coloquei tudo no carrinho, sem
culpa. Nunca se sabe quando você
precisa de um arsenal calórico nas
mãos, não é mesmo? Ainda mais
com o meu histórico de trapalhadas.
Paguei pelas compras e voltei
para casa com a história do meu ex,
que tinha visto na noite passada,
borbulhando em minha cabeça.
Com certeza os leitores do blog
teriam algo para ler neste final de
semana.
Mas, antes de sequer pensar
em escrever, eu precisava comer.
Preparei dois sanduíches,
enchi o maior copo com suco e
comi pacientemente, enquanto
olhava para a lavanderia,
lembrando que eu precisava
arrumar minhas roupas sujas. A
ideia era lavá-las ontem, mas
ontem, nada do que eu planejei,
saiu como eu queria.
Joguei as roupas que estavam
na mala, tudo de uma vez, em cima
da minha cama. Não adiantava
arrumar uma mala de roupas sujas,
já que todas iriam acabar na
lavanderia. Enquanto retirava todas
as minhas bugigangas dos bolsos da
mala, caiu um pedaço papel no
chão.
Não me lembrava de ter feito
alguma anotação para o blog e ter
colocado separado na mala.
Quando abri para verificar o que
estava escrito no papel, não era
uma anotação para o blog.
Era o telefone do Danilo.
7
#PRECISANDO PERDER
CALORIAS
NÃO A PACIÊNCIA!
Fiquei um tempo olhando
para o pedaço de papel e decidindo
se o jogava fora, ligava para Danilo
ou guardava em algum lugar e
esquecia o assunto por enquanto.
Optei pela terceira
alternativa. Abri a carteira e
guardei o pedaço de papel entre um
dos espaços para cartões, eu tinha
esperança que em algum momento
teria discernimento para decidir a
melhor opção para mim, só que
essa seria a primeira vez que isso
aconteceria.
Concluí a seleção de músicas
no celular, encaixei os fones nos
ouvidos e comecei a pequena
arrumação que eu precisava fazer
em meu quarto e em mim também.
Lavei as roupas mais delicadas à
mão e já que estava com a mão na
massa, limpei a casa, lavei a louça
e liguei para a manicure, mas era
domingo e as pessoas tendem a
descansar em algum momento.
Marcamos hora na semana
seguinte, o que significava que eu
mesma teria de dar um jeito nas
minhas unhas. Separei todo o
material que iria precisar, no final
até que não ficou tão ruim, mas não
chegava nem perto de como
realmente deveria ter ficado.
Cíntia acordou com aquela
cara de mau humor, típica de nós
duas e se jogou no sofá.
— Por favor, me diz que você
foi ao mercado?
— E por que eu deveria ter
ido?
— Porque você é a parte
centrada de nós duas, a que tem
responsabilidade. Sem você eu
provavelmente teria morrido de
fome. Agora por favor, me diz que
comprou comida.
— Claro, sempre sobra para
mim mesmo e eu amo muito comida
para ficar sem ela.
— É por isso que eu te amo,
sabia?!
— Eu sei, só me ama pela
comida.
— Também. Vou preparar
alguma coisa e já volto para
continuarmos o assunto Danilo.
— Eu não quero falar sobre
isso, pode ser?
— Sabe muito bem que não
pode ser. Já volto.
Enquanto ela preparava o que
iria comer, eu me sentei em frente à
televisão e comecei a procurar por
algo que me chamasse à atenção,
mas era sempre o mesmo,
programas que deveriam entreter,
mas me deixavam ainda mais
entediada, novelas sem conteúdo,
shows reprisados.
Cíntia colocou sobre a mesa
um prato cheio de frutas cobertas
com uma camada generosa de calda
por cima, outro com frios cortados
e bem alinhados e um balde com
gelo e cervejas. Puxou a cadeira ao
seu lado e deu dois tapinhas no
assento me convidando para sentar
ali. Eu sabia que essa conversa não
acabaria tão cedo, ela tinha
munição para horas de conversa.
— O que você quer saber, ou
melhor, o que acha que eu ainda não
te contei?
— O que você ainda não me
disse é como vai achar esse bofe
outra vez. Porque depois do que me
contou, você merece uma segunda
vez com esse cara.
— Não vai ter segunda vez.
Depois que transamos, eu o deixei
no quarto e voltei para casa. Não
deixei telefone, e-mail, nenhum
rastro que ele pudesse me
encontrar. Portanto, perca suas
esperanças.
— Você não deixou nenhum
bilhete com seu telefone na
bancada? Nada?
— Não.
— Pelo amor de Deus, não
me diz que a única vez que
encontrou um cara decente na cama,
você não deixou um telefone para
ele te ligar?
— Você acha mesmo que um
cara que faz sexo como ele precisa
repetir mulher, Cíntia?
— Ele pode não precisar,
mas você precisa repetir esse cara.
E outra, quem disse que você não
transou bem também?
— Vamos parar por aqui. Eu
não vou ter essa conversa com
você.
— E com quem vai ter? Na
internet? Numa sessão com um
psiquiatra?
— Acho bem mais viável do
que com a pessoa que olha para a
minha cara todos os dias.
Parei de falar e pensei se eu
deveria contar para ela que ele
havia me dado o telefone. Com
certeza se ela soubesse dessa
informação, ligaria para ele e
tramaria algum plano para me pôr
frente a frente com Danilo outra
vez. Decidi ficar calada, era o
melhor a fazer, já havia passado
muita vergonha por causa de
homem.
Tentei algumas vezes
desconversar e mudar de assunto,
até que ela desistiu e me contou
sobre um carinha novo com quem
estava saindo. O novo pretendente
era um designer gráfico que ficaria
na cidade por um mês, para uma
exposição. Mas também não quis
dar muitos detalhes sobre seu novo
caso. Eles tendiam a não durar
muito.
Cíntia era o tipo de mulher
independente até dela mesma, não
esperava muito das pessoas e por
isso quase nunca se decepcionava.
Tomamos todas as cervejas e
quando ela estava prestes a trazer o
assunto Danilo de novo em pauta o
despertador do celular sinalizou
que estava na hora de sair para o
bar.
Dez minutos depois a vaca
estava pronta para sair. Claro, o
cabelo só precisa ser penteado, a
maquiagem que usa é blush, rímel e
gloss, e roupa era algo que eu
prefiro não comentar.
Quando enfim estava sozinha
em casa, peguei o notebook e fui
direto para a página do blog.
Haviam mais comentários no
conto anterior, então antes de
escrever resolvi ler alguns. O
número de visualizações em menos
de uma semana tinha chegado às
centenas e eu estava espantada
como a minha tragédia amorosa
poderia ser interessante para outras
pessoas.
O primeiro comentário já
começou engraçado pelo nickname
que estava sendo usado, mas o seu
ensinamento eu levarei para a vida.
@penelopefogosa: Querida
Pimenta Rosa, por que você
continua transando com esses caras
que não sabem o que estão fazendo?
Sabe a culpa é um pouco sua,
porque meu bem se eu vou dar a
minha perereca, o mínimo que eu
espero é ser recompensada. Vou te
dar um conselho: não abra suas
pernas mais de uma vez para uma
foda ruim. Beijinhos quentes.
É vale a reflexão. Por que eu
transo com caras que não sabem
transar? Porque eu tenho fé de que
vá melhorar. Sem contar que as
primeiras vezes são sempre muito
ruins, mas daí as segundas,
terceiras, e todas as outras vezes
serem ruins é complicado. Vou me
lembrar disso, minha periquita é
uma arma que devo usá-la apenas
para o meu próprio bem.
@Tinacretina: Acho que
você está deturpando os conceitos
do sexo, afinal se uma pessoa não
faz sexo que preste e a outra
pessoa não avisa, isso faz com que
pessoas como eu acabe na cama de
uma dessas pessoas de foda ruim.
Eu apoio pessoas que são honestas
em seus orgasmos.
Dessa eu até tive medo. Eu
pude visualizar perfeitamente ela
com placas de ordem na mão,
protestando na porta do meu prédio
pelo fim dos meus orgasmos
fingidos. Mas eu pensei, o fato de
ela estar em várias camas não a
tornava uma pessoa honesta, mas
uma experiente em test drive. Cada
um com seus problemas, se ela não
quer um orgasmo fingido, faça ela o
comunicado doloroso, eu vou
continuar recolhendo minhas roupas
e voltando para casa cheia de
esperança de um futuro melhor.
@homemdossonhos: Eu não
concordo com os comentários
acima. E você deve ser mais uma
dessas mal comidas, que ficam por
ai na internet difamando os ex-
namorados, para ter os minutos de
fama. Vai acabar encalhada, e deve
ser uma baranga, além disso.
É tem pessoas que pedem
uma resposta mal criada e eu sou
dessas que adoro dá-las. Cliquei no
ícone de responder ao comentário e
comecei a digitar.
@pimentarosa: Meu caro
@homendossonhos, é claro que
existem mulheres mal comidas e eu
sou uma delas sem sombra de
dúvida. Primeiro porque existem os
homens meia boca, que acredito
firmemente seja o seu caso, que não
nos proporciona uma transa decente
e ainda tem a capacidade de se
achar o fodedor das galáxias e
segundo e não menos importante, eu
não preciso de minutos de fama
para tocar a sua ferida e da próxima
vez que estiver com uma mulher,
observe se ela realmente ficou
satisfeita. Uma dica: se ela se
vestiu e disse que precisava
acordar cedo é porque você não
deu conta do recado. Beijos
ardidos.
Era tudo o que eu precisava
para começar a escrever. Um pouco
de insulto iria dar o toque final.
“ESPELHO, ESPELHO
MEU, EXISTE PESSOA COM
O DEDO MAIS PODRE
DO QUE EU?”
1) O cara é bonitinho e dá
para passear com ele no shopping
sem passar vergonha;
2) É bonitinha a forma como
ele te usa como peso para fazer
exercícios;
3) Ele te deixa tomar decisões
sobre o que fazer por pura preguiça,
mas você acha que é gentileza
mesmo;
4) A ex dele ainda morre de
ciúme e quer voltar, mas para isso
você precisa estar fora do caminho,
e como odeia qualquer espécie de
ex, principalmente os teus, não
pretende dar esse gostinho a ela;
5) Sempre será mais
inteligente que ele, salvo quando o
assunto for suplemento alimentar e
treino pesado.
Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
“Você me
enlouquece,
Você é o que quero,
Eu sou prisioneiro,
Prisioneiro
Desse seu amor...”
Já diria meu grande
amigo Sidney.
Estou deixando
meu telefone novamente,
caso tenha perdido o
papel anterior.
Obs: Compre uma cama
maior ou pare de lutar
boxe durante o sono.
Vou esperar seu
telefonema.
Obs 2: Não desmereça a
poesia do Magal.
-Danilo-
Eu ria tanto que minha
barriga começou a queimar. A
imagem de Danilo, com roupas de
dançarino de lambada dos anos
oitenta, povoavam a minha cabeça
que nem percebi a copeira me
olhando assustada.
Mesmo que eu quisesse
contar, ela não entenderia o nível
de perturbação mental da pessoa
que havia escrito aquele bilhete.
A música me lembrou de uma
vez, em que eu super empolgada
com a moda da lambada e de como
eu tinha aprendido a dançar aquilo
sem me machucar, sim, porque tudo
o que eu fazia era quase uma
experiência de quase morte de tão
desastrada que eu era, tudo bem,
ainda sou.
Tinha acabado de ganhar uma
roupa daquelas cheias de babados
da minha madrinha e estava me
sentindo a bailarina do Faustão. Fiz
toda a tarefa de casa daquele dia
num piscar de olhos e corri para a
vitrola — é nessa época existia
vitrola, procure no Google se o
nome lhe parecer estranho —
peguei o vinil do Sidney Magal da
minha mãe e comecei a botar para
quebrar na sala.
Eu já estava quase morrendo,
minhas pernas queimavam, mas
estava indo muito bem, pelo menos
achava isso, quando me virei para
mudar o lado do vinil, avistei o
meu pai jogado no chão com as
costas apoiadas na parede e os
olhos cheios de lágrimas, suas
mãos na barriga não enganavam
ninguém, ele estava quase passando
mal de tanto dar risada da minha
cara.
Eu fiquei parada olhando
para ele sem saber ao certo o que
fazer, enquanto ele tentava
inutilmente falar alguma coisa.
Seu corpo foi pendendo para
os lados, quando me dei conta meu
pai estava sufocando de tão
vermelho. Minha mãe correu para
tentar ajudá-lo e eu ali com cara de
palerma. Ela gritava para eu ir
buscar água.
Pensei cheia de raiva: Eu até
vou, mas a cartela de AAS sofrerá
muitas baixas!
Levei duas semanas para
voltar a usar a roupa. Nesse meio
tempo eu me contentava em
reproduzir as coreografias do
Abecedário da Xuxa e tardes
praticando bambolê.
A pessoa deveria ter uma
cota de vergonha para passar
durante a vida, quando estourasse o
limite, ficaria imune a certas
situações. #sóacho!
Resolvi revidar à altura.
Joguei o resto do lanche fora e
segui para minha mesa, precisava
do meu celular para responder ao
recado, já que esse era o único
meio de contato que tinha com
Danilo naquele momento.
Mas assim que cheguei à
minha mesa, dois montes enormes
de papéis estavam ocupando todo o
espaço. Meu humor se esvaiu
quando vi aquilo.
Resignada e a passos
derrotados desfiz a distância que
ainda havia da mesa. Quando
terminei de analisar e colocar tudo
em ordem já estava quase na hora
do almoço.
Ainda não havia nenhum sinal
de Murilo, nenhum recado na
recepção ou qualquer e-mail na
minha caixa de entrada, spam, nada,
silêncio total. Mas, ele foi bem
claro que se houvesse alguma
emergência ele entraria em contato,
e como não via a necessidade de
entrar em contato com ele apenas
para perguntar se estava tudo bem,
decidi não ficar procurando cabelo
em ovo. Afinal de contas, era sexta-
feira e o final de semana estava
logo ali.
Lembrei-me do bilhete e mais
uma vez cai na gargalhada. Peguei o
celular dentro da bolsa e salvei o
número de Danilo na agenda e
comecei a escrever uma resposta
para ele.
FERNANDA:
“Como uma deusa
Você me mantém
E as coisas que você me diz
Me levam além”
Nunca antes em minha vida,
eu havia recebido uma mensagem
que me tocasse tanto.
Obs: A cena de você
dançando a lambadinha do Sidney
não sai da minha cabeça.
Obs 2: Minha amiga
Rosana também manda muito
bem.
Tirei uma foto do bilhete e
enviei para a Cíntia, que não
respondeu e foi ai que encontrei um
endereço atrás do bilhete,
provavelmente era onde ele estava
hospedado. Ela ainda devia estar
dormindo. Então devolvi o celular
para a bolsa e voltei ao trabalho.
Tudo estava indo muito bem,
o trabalho estava fluindo, não
haviam mais pendências sobre a
minha mesa. Mas, quando eu
encarnei, é capaz de eu ter dado um
pé na bunda de um anjo e gritado:
“EU QUERO ESSA VIDA
COM EMOÇÃO!”
Porque para explicar certas
coisas na minha vida só isso
mesmo.
Estava na página principal de
um dos maiores sites de notícia a
minha foto com Danilo na noite
anterior. Eu até tinha ficado mesmo
linda com o vestido, a luz ajudou, a
maquiagem e cabelo, a Vivi
arrasou...
Foco, Fernanda!
A nota destacava a seguinte
notícia: “Presidente do grupo
editorial Império Design Visual,
Danilo Oliveira, circulou pelo
evento realizado pelo empresário
Conrado Moura com uma das
funcionárias da sua principal
concorrente.”.
Busquei por notícias
relacionadas para verificar se mais
algum outro site destacava algo que
pudesse me comprometer, mas
graças aos céus só o maior e mais
visitado site de notícias achou que
os passos de Danilo tinham alguma
importância.
Quando a gente precisa que
um vulcão em ilha inabitada entre
em erupção, cadê? Nada acontece.
Saudade de um tempo onde a
minha única preocupação era
acompanhar a letra de Ragatanga do
Rouge.
Precisava de um copo d’água
com açúcar, na falta de um tarja
preta, teria que funcionar. Fui em
direção à copa, mas quando ia me
aproximando da porta, reconheci a
voz insuportável de Leticia
ecoando pelo local e pelos
corredores. Ela falava de alguém e
gargalhava com a secretária da
recepção.
— Deve ser mais uma
especulação dessas de revista de
fofoca, porque se aquela songa
monga não foi capaz de segurar o
tapado do Yuri que só precisa de
uma boa noite de sexo, imagina se
ela iria muito longe com aquele
deus. Alguém como ele precisa de
uma mulher que ofereça muito mais
do sexo quente, é preciso ter
conteúdo.
— Ah isso é uma verdade,
porque ninguém chega à
presidência de uma empresa sem
ser dono, se não for muito esperto.
— Vai por mim, eu não dou
até o final do dia para o mesmo site
informar que a foto foi tirada no
momento em que eles se
cumprimentavam e que não houve
nada além disso.
— A Fernanda deveria
aproveitar esses quinze minutos de
fama.
A cada palavra, meu sangue
fervia nas veias e eu lutava para
não entrar naquela sala e esbofetear
aquelas duas peças infernais,
figuradas de gente.
As duas debochavam de mim
como se pudessem sequer escolher
estar no meu lugar, mas elas não
pararam por ali não.
— Mas, me conta como foi a
festa. Eu queria muito ir, mas não
teria tempo de me preparar, uma
festa assim requer uma super
produção.
— Ah, tudo normal. Gente
velha e rica, com crise de meia
idade evidenciada pelo parceiro
mais jovem.
— Garota, você é venenosa.
— Eu sei. Mas, também nem
tive tempo de aproveitar muita
coisa, o pentelho do professor de
comunicação resolveu aplicar a
prova do semestre ontem e sem
possibilidades de ficar para
segunda chamada daquele
insuportável.
Ela chamando alguém de
insuportável parecia até uma piada.
Já estava quase entrando na copa
quando senti uma mão fria me
impedindo. Era Hanna.
Ela ainda estava muito fraca,
a pele pálida e os cabelos oleosos
acusavam isso. Com um aceno de
cabeça ela sinalizou para que
saíssemos dali, me salvando de um
grande problema.
— Venha, precisamos
conversar.
— O que aconteceu? — disse
ainda em sussurro, pois estávamos
próximas da copa.
— Acho melhor falarmos na
privacidade da sala de reunião.
A segui evocando todos os
santos, entidades, forças do além
para que não fosse nada demais.
— Estou começando a ficar
assustada. Aconteceu algo grave?
Entramos na sala de reunião e
ela fechou a porta abaixando as
persianas, exceto as que davam
para a vista de fora do prédio. A
sua cara não era das mais
agradáveis, então sim, tinha
acontecido alguma coisa.
— Fernanda, eu entendo que
a sua vida pessoal não diz respeito
à empresa, mas quando se está na
posição que alcançou aqui é
preciso que saiba que algumas das
suas escolhas pessoais podem
interferir na sua vida profissional.
— Não entendo aonde quer
chegar, Hanna. Não são necessárias
certas formalidades comigo, seja
direta.
— O nosso pessoal do
departamento de comunicação nos
informou sobre a sua possível
proximidade com o senhor
Oliveira, e creio que saiba que se
trata do nosso principal
concorrente. Sendo assim, alguém
com a sua posição dentro da
empresa, dispondo de informações
confidenciais e de extrema
importância para a empresa, não
seria bem vista, caso alguma dessas
informações vazassem.
Eu realmente não conseguia
entender, no auge da minha
ignorância, onde Hanna queria
chegar. Aquela conversa era
realmente necessária? Porque pelo
festival que estavam fazendo,
parece que minha foto com Danilo
era quase uma ofensa à moral e aos
bons costumes. Estávamos apenas
lado a lado no jardim, o que isso
tinha demais?
— Em uma coisa você está
mesmo certa, Hanna, após o meu
horário de trabalho, a empresa não
interfere nas minhas decisões. Mas,
só para esclarecermos de uma vez
por todas, eu não tenho nenhum
envolvimento com o senhor
Oliveira até o presente momento, e
provavelmente permanecerá assim
em um momento futuro também.
Portanto, não há necessidade dessa
conversa de ética profissional.
— Eu não queria ter parecido
invasiva Fernanda, mas achei
melhor alertá-la antes que o Murilo
na segunda-feira a pegue de
surpresa.
Ah, que maravilha, meu chefe
já vai chegar segunda-feira com
esse papo de com quem eu posso ou
não me relacionar.
— Não tem problema Hanna,
eu que peço desculpas se pareci
grosseira com você, não era a
minha intenção. Mas, assim como
estou sendo cobrada por “faltar” —
fiz os movimentos com os dedos
evidenciando as aspas — com a
minha ética profissional eu peço
que também não comecemos um
caso de assédio moral. Eu sou
muito feliz trabalhando aqui, e
durante esses anos me esforcei
bastante para chegar onde estou
hoje e não seria burra o suficiente
para jogar tudo isso fora.
— Tudo bem Fernanda, me
desculpe por isso. Agora preciso ir,
ainda não estou muito bem.
— Você veio aqui só para
isso?
Pela primeira vez desde que
chegou, Hanna sorriu, talvez pela
minha ingenuidade em achar que
era o centro do universo naquela
situação.
— Não querida, eu precisava
enviar alguns documentos que não
poderiam esperar até a segunda, e
estavam salvos na minha máquina,
por isso estou aqui. E como vi a
matéria achei melhor preveni-la.
— Ah sim, melhor ir então, e
não se preocupe comigo. Está tudo
bem.
Saímos da sala, ela em
direção à porta e eu da minha mesa.
Levei um susto quando meu
celular vibrou dentro da bolsa, mas
não era qualquer celular vibrando,
era o meu.
Eu tinha recebido uma
mensagem. De Danilo.
DANILO:
“Preta, fala pra mim,
fala o que você sente por
mim
ioioioio
Diga o que será
paracundacundecundá
Quando o seu corpo no meu
se encontrar.”
Obs: Note que não me
esqueci das melhores partes.
Até onde iria o conhecimento
de músicas dos anos oitenta dessa
pessoa? Eu já estava começando a
ficar com medo de encontrá-lo e ele
começar a dançar alguma dessas
músicas.
Mas, depois de tudo o que
ouvi e de todas as coisas que
estavam acontecendo achei melhor
não responder, ainda teria que
enfrentar meio dia de trabalho.
A tarde foi mais tranquila,
deu tempo de revisar alguns
trabalhos antes de deixá-los sobre a
mesa de Murilo, e o maravilhoso
final do expediente chegou, junto
com ele a minha adorada e
esperada liberdade. Antes de sair
mandei uma mensagem para Cíntia
informando que eu iria para o bar
mais tarde, precisava muito de
alguma coisa forte, para me ajudar
a fraquejar. Eu queria ser forte, não
pegar o telefone e ligar para
Danilo, por isso uma bebida iria me
ajudar a fazer exatamente o
contrário. Com álcool no sangue eu
duvido muito que toda essa
fortaleza aguentaria por muito
tempo mais.
Ela me respondeu avisando
que estaria me esperando.
Fui direto para o apartamento
e ao chegar lá resolvi abrir o blog,
afinal, já haviam se passado muitos
dias sem nenhuma postagem.
Aquilo deveria estar às moscas de
tão abandonado, sendo eu uma
pessoa imediatista, sei como
funcionam essas coisas.
Subi duas cervejas, iria de
táxi até o bar porque pretendia
beber um pouco mais. Retirei
minhas roupas, ficando apenas de
lingerie e me sentei diante do
computar. Ao abrir o blog qual não
foi a minha surpresa, quando
verifiquei que havia passado da
casa de um milhão de visitações e
novos usuários não paravam de
responder as postagens que havia
publicado.
Pensei nos milhares de
relacionamentos que aconteciam
todos os dias e nos muitos em que
havia sido contemplada em viver
para contar minhas próprias
histórias. Nem tudo foi apenas
ruim, mas a forma como alguns
terminaram foi desastrosa.
Puxei pela memória algum
que tivesse vontade de escrever,
mas nada vinha à mente. Decidi
então ler alguns dos comentários,
talvez assim me inspirasse.
@sa-fadinha: suas histórias
são hilárias, se tudo não for apenas
fruto da sua imaginação fértil eu
não queria estar no seu lugar. Não
pare de escrever as histórias, elas
alegram os meus dias.
Ah que bacana que as minhas
merdas alegrem o dia de alguém.
Seria muito triste se fossem apenas
casos de fracassos amorosos sem
nenhuma outra finalidade, não é
mesmo?
@julieta: Espero que você
encontre o amor da sua vida.
# QUANDO TUDO
PARECER BOM DEMAIS,
DUVIDE. DUVIDE MUITO!
Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
Abri meu e-mail, uma nova
caixa e digitei o endereço
eletrônico de Eduardo. Eu sabia
que ele não se daria ao trabalho de
me responder, mas não seria justo
com todos os outros, se ele não
recebesse essa gentileza minha
também.
Cliquei enter, tanto no blog
quanto no e-mail e fui ler mais
alguns comentários para selecionar
aos que iria responder, quando um
em especifico me chamou a
atenção.
@falandosobrehomens:
Bom dia, Pimenta Rosa, este
contato se deve à sua forma leve e
descontraída de explanar suas
experiências um tanto quanto
peculiar, e a maneira como em
pouco tempo atingiu um número
expressivo de leitores, que são
muito parecidos com os que nos
acompanham. Visto isso, estamos
aqui para convidá-la a participar de
uma entrevista realizada por nós
para os leitores da nossa coluna
virtual semanal. Estamos no
aguardo do seu contato.
Parabéns para mim, agora eu
tinha me lascado de verde e
amarelo.
11
UMA MULHER SEMPRE SERÁ
CAPAZ
DE ENLOUQUECER UM
HOMEM.
SE NÃO FOR POR AMOR,
SERÁ DE #RAIVA
Fiquei olhando a tela do
computador completamente
estarrecida, passei a mão pela mesa
a procura do meu celular sem nunca
desviar o olhar da tela. As palavras
contidas naquele comentário
fizeram meu estômago revirar.
Disquei o número de Cíntia e
toque após toque levaram minha
chamada para a caixa de mensagem.
Eu estava pronta para despejar toda
minha angústia nela, mas ela
simplesmente não atendia.
Bom eu queria dar a ela uma
breve noção do que a esperava,
mas ela que não quis saber.
Portanto, depois não adianta dizer
que eu sou psicótica compulsiva.
Tomei um banho rápido, vesti
uma regata e calça jeans e meu
estiloso conjunto de lingerie bege,
com calcinha “padrão vovó” (só
faltavam babados) e uma sapatilha
confortável, não estava nenhum
pouco a fim de bancar a
“seduzente”.
Liguei para o táxi e enquanto
esperava tentei mais algumas vezes
contato com Cíntia, mas em
nenhuma vez obtive sucesso. Eu já
estava para mandar a mulher
irritante da caixa de mensagem ir
tomar no copo. Por que não poder
ser uma voz masculina e sexy a me
avisar para retornar a ligação? Sem
dúvidas eu ficaria mais tentada a
retornar só para ouvi-lo, mas não,
tinha que ser uma pentelha a ficar
me dizendo o óbvio, que a pessoa
para qual eu liguei não tinha
atendido a ligação.
Produção, fica a dica!
Quando o táxi chegou, eu já
estava quase desistindo de ir. Se
bem que eu não ficaria em paz em
casa olhando para a tela do
computador sem saber o que
responder, ou pior, responder e
tornar tudo ainda mais arriscado
para mim.
Sim, porque se descobrissem
na empresa que eu estava
escrevendo em um blog com mais
de um milhão de acessos, sobre
minha privada e perturbada vida
amorosa, acho que não achariam
tão engraçado quanto as pessoas
que leem os meus trágicos finais de
relacionamentos.
Se eu fosse descoberta
poderia perder o empego, porque
duvido que Murilo fosse gostar de
saber que a sua assistente gosta de
se expor na internet. Tudo bem que
eu não estou realmente me expondo,
porque eu faço tudo pelo
pseudônimo da Pimenta Rosa, e
também, não contando nada que
tenha a ver com o meu lado
profissional. Minha vida pessoal é
minha, certo?
Eu até agora não abri nenhum
dos e-mails enviados pelos meus
ex-namorados. Não sei o que eles
estão achando sobre suas
fantásticas performances, mais cedo
ou mais tarde isso poderia se tornar
algo muito arriscado para mim. Eu
teria que enfrentar essa situação de
uma vez por todas, mas talvez eu
pudesse esperar até decidir se iria
realmente aceitar a proposta para a
entrevista.
E tem outra, se as pessoas à
minha volta descobrissem o que eu
estava fazendo, iria ficar solteira
para o resto da eternidade. Iria
reencarnar e ainda assim ficaria
solteira. Todos os homens ficariam
pensando que seriam parte de uma
nova postagem do blog e se já não
estava bom agora, imaginei como
poderia ficar depois.
Quando o motorista parou na
porta do bar eu já havia pensado
em tantas possibilidades,
desenhado tantos cenários
humilhantes, que eu não estava mais
com medo, estava à beira de um
ataque de pânico.
Sim, porque eu nasci com
medo, hoje em dia eu sou
apavorada. E não havia nada mais
apavorante do que ser descoberta e
humilhada.
Passo por meia dúzia de
bêbados parados na entrada do bar,
infelizmente para mim as sextas de
happy hour começavam cedo e às
dez da noite muitos já estavam mais
para lá do que para cá.
Avisto Cíntia no balcão
preparando coquetéis enquanto
estapeia a mão de um cliente mais
animado.
Sigo direto sem olhar para os
lados e me espremo entre duas
mulheres que gritam por
caipirinhas.
Assim que me vê, ela
arregala os olhos como se não
tivéssemos combinado que eu viria
até aqui. Acho estranho, mas deixo
passar, porque isso não é o mais
importante agora. O importante é
descobrir uma maneira de recusar
aquela entrevista sem levantar
suspeitas e nem deixar margem para
que descubram quem é a Pimenta
Rosa.
Isso seria o meu fim. Perderia
meu emprego, minha paz, e ganharia
um punhado considerável de
vergonha eterna.
— Oi, eu preciso que me
ajude. Vai acontecer uma tragédia e
só você pode me ajudar. — Assim
que começo a falar seus olhos
ficam ainda mais arregalados e ela
faz um biquinho estranho. — O que
é? Eu estou aqui falando que minha
vida está prestes a virar de ponta a
cabeça e você fica aí fazendo
careta.
Ela me olhou duramente e
repetiu o biquinho estranho.
— Você precisa de uma
bebida para relaxar, eu só vou
terminar a caipirinha desse cliente
ao seu lado e já tiro uma pausa para
conversarmos. Agora se acalme,
mulher.
Um alívio me tomou quando
eu ouvi as palavras mágicas
chamadas “pausa” e “conversa”.
Não durou muito, porque o cliente a
quem Cíntia mencionou, era nada
mais, nada menos que Danilo.
— Mas o quê? Espera! O que
está fazendo aqui? Você não tinha
ido embora?
Falo alto porque o barulho da
música e meio mundo de gente
conversando ao mesmo tempo
tornava o lugar complicado para
uma conversa.
— Eu também estou muito
feliz em vê-la, não esperava
encontrá-la aqui. Em todo caso é
uma surpresa muito agradável.
— Deixa de graça, o que
você está fazendo aqui? Você
deveria estar em São Paulo a estas
horas.
Eu não queria parecer
lunática ou ciumenta, porque não
era a ocasião, mas a minha voz saiu
esganiçada e raivosa demais para
dar qualquer outra margem de
interpretação.
— Resolvi aproveitar um
pouco mais a cidade. Tenho amigos
aqui, então é sempre uma
oportunidade de revê-los quando
venho à cidade.
Então ele estava aqui, no bar
da Cíntia por pura coincidência? Eu
devo estar realmente louca, se
comecei a cogitar a hipótese desse
homem ter ficado na cidade por
minha causa. Tudo bem, não custa
sonhar.
— Pelo visto já se conhecem.
Como foi que se conheceram? —
pergunta Cíntia, eu volto meu olhar
para ela que agora está tentando
conter um sorrisinho canalha,
porque ela sabia muito bem de onde
nos conhecíamos. Ela sabia da
história toda, inclusive os detalhes
sórdidos e desconfiava pela cara
que estava fazendo de que ela que
estava tramando alguma coisa. E
para ser sincera, a Cíntia sempre
estava tramando algo quando isso
estava relacionado aos meus
possíveis pretendentes.
— Nos conhecemos na
viagem que fiz a São Paulo. Ele
estava hospedado no mesmo hotel
que eu.
Eu evitei os detalhes para não
criar uma situação ainda mais
constrangedora. Seria ótimo se o
cara com o qual eu estava transando
descobrisse que eu andei por aí,
contando sobre ele para outras
pessoas.
— Então esse é o psicopata
que ficou te perseguindo pela
cidade, tentando abaixar sua
calcinha?
Vergonha minha filha, pode
vir que vou te usar com força de
vontade!
— Eu não disse isso. Cíntia,
pelo amor de Deus, ele vai achar
que eu sou louca.
Não era possível que aquilo
realmente estivesse acontecendo.
Voltei meu olhar para Cíntia que
estava as gargalhadas preparando
mais drinques.
— Você me paga — sussurrei
para não ser ouvida, mas pela
ausência do sorriso eu sabia que
ela havia entendido o meu recado.
— Relaxa, Nanda, o cara
sabe que eu estou de sacanagem.
Mas me conta, o que aconteceu
nessa viagem de tão bacana que
agora ele começou a te perseguir
aqui no Rio?
Vaca de presépio!
E foi então que eu percebi
que os dois estavam de gozação
com a minha cara, porque ambos
estavam gargalhando. Lágrimas se
formavam nos cantos dos olhos de
Danilo e Cíntia estava vermelha
como um pimentão.
— Deve ter sido muito
engraçado ficar me fazendo de
palhaça. Babacas!
— Calma Nanda, eu peguei
esse aí saindo na surdina do nosso
apartamento. Precisava ver a cara
dele quando descobriu que havia
sido pego. Parecia criança que a
mãe pega no flagra.
— Você não me parecia muito
receptiva. Eu apenas não quis pagar
para ver no que daria se eu
começasse a te provocar.
Então ela o tinha visto e não
me falou nada, mas teríamos uma
conversinha mais tarde quando
voltássemos para casa. Por hora ela
poderia se considerar a salvo.
— E por acaso você
descobriu sem querer que este era o
bar dela?
Eu questionei mesmo sem ter
a certeza se gostaria mesmo de
saber a resposta.
— Na verdade não. Sua
amiga me deu o telefone dela,
marcamos de fazer alguma coisa
assim que ela saísse daqui.
Era bom demais para ser
verdade. Eu não tinha mesmo sorte
com homem, mas pelo menos esse
sabia o que estava fazendo. O que
eu não esperava era essa
apunhalada da Cíntia. Logo ela que
estava me infernizando para eu não
perdê-lo de vista.
— Ah que bacana, espero que
se divirtam. Eu vou ao banheiro,
mas ainda preciso falar com você
— disse apontando para Cíntia. —
Tem uma coisa acontecendo, e vou
precisar da sua ajuda.
Quando estava me levantando
para sair, Danilo segurou o meu
braço e falou ao meu ouvido.
— Espero poder me divertir
com você, porque o meu amigo
Flávio vai adorar a sua amiga.
Quem era Flávio no jogo do
bicho que eu não estava sabendo? E
sobre o que eles falaram tanto antes
de eu chegar, que até encontro já
haviam marcado? Eu só saberia se
perguntasse.
— Eu vou querer saber quem
é Flávio, e sobre o que exatamente
conversaram antes de eu chegar.
Não estou gostando nada, nada
desse ar de tramoia entre os dois —
falei baixo com minha boca bem
próxima a orelha dele.
— Tudo bem, eu te conto tudo
no meu quarto. Você vai descobrir.
Eu vou até o banheiro e
quando volto Danilo e Cíntia estão
em uma conversa super animada.
Era incrível observar como ele
havia se encaixado tão depressa na
minha vida. Mas relaxa, eu não me
apaixonei.
— Conversando sobre
Magal?
— O quê?
Ela parecia confusa com o
meu comentário.
— Esse aqui tem um vasto
repertório dos anos oitenta na
memória, de Cher a Sidney Magal
pode perguntar qualquer coisa que
ele deve saber.
— Eu não quero nem
imaginar essa cena.
Danilo se levanta e então se
coloca atrás de mim apoiando as
mãos no balcão forçando seu corpo
contra o meu.
— Você tem alguns minutos
para se despedir da sua amiga.
Quando voltar sairemos daqui.
Não tive tempo para
responder, pois quando me virei ele
já estava seguindo em direção ao
banheiro.
— Então Cíntia, eu preciso
ser rápida. Hoje quando cheguei em
casa e fui dar uma olhada no blog,
me assustei porque tinha mais de
um milhão de visualizações, e uma
proposta.
— Que proposta?
Os olhos dela estavam
arregalados de tanta curiosidade.
— Calma, não é isso que
acho que está pensando. Recebi um
convite para dar uma entrevista
sobre o blog, mas eu não posso
fazer isso, se me descobrirem, eu
estou ferrada. Perco o emprego e a
dignidade de uma vez só. Ninguém
pode saber que eu estou por trás
daquele blog, ninguém.
— Uau, uma entrevista.
Adorei a ideia, mas vamos
conversar sobre isso quando
estivermos em casa, vai que alguém
que não deveria nos ouve. E outra
coisa, é melhor você não deixar
aquele gostoso muito tempo
sozinho, alguma outra vai querer
roubá-lo de você.
— Cíntia, respira e não pira.
Quando vemos em um filme o cara
perto da mocinha ou perseguindo-a,
nunca a deixando sozinha pode
parecer romântico, mas quando é
uma mulher, somos taxadas de
loucas e psicopatas. Então eu não
vou ficar correndo atrás de
ninguém.
— Eu não estou falando de
um tempo futuro meu bem. — Ela
segurou meu queixo me virando em
direção aos sanitários, lugar onde
Danilo tinha ido. — Estou falando
de agora. Se não correr até lá, vai
perder o bofe para aquele
experimento de piriguete.
Eu tentei focar o olhar na
direção em que Danilo estava, era
muito fácil enxergá-lo devido a sua
altura, mas a criatura que estava
tentando se pendurar nele feito
bicho preguiça era muito pequena
para que pudesse ver o rosto, com
tantas pessoas se movimentando
pelo local.
Eu não sei por que fiquei tão
surpresa ao perceber que era a
escrota da Leticia. Como se não
bastasse o Yuri, agora ela queria
abrir as pernas para o Danilo
também.
De certa forma não a
condeno, Danilo era muito gostoso,
mas até segunda ordem era meu.
Levantei-me tão calma e
andei até lá, que eu mesma estava
assustada com a minha
tranquilidade. Em outros tempos eu
teria colocado arsênico na bebida
dela, mas agora eu era uma pessoa
evoluída. Vou colocar o nome dela
em um pen drive cheio de vírus,
porque eu sou tecnológica.
Quando cheguei próximo de
onde eles estavam fui surpreendida
com a voz gelada de Danilo.
— Como eu já disse antes, eu
estou muito bem acompanhado e
não, eu não acho que seria uma boa
troca. Uma mulher como você não
deveria se submeter a uma situação
tão humilhante como essa.
Na cara é mais gostoso!
Danilo, você vai ganhar uma noite e
tanto. Porque se eu estava
cogitando não ir ao seu apartamento
esta noite, depois dessa eu vou com
gosto.
Eu achei que ela fosse se dar
por vencida depois desse tapa na
cara, #sqn, a infeliz continuou a dar
em cima. Eu não podia
simplesmente ir até lá e arrebentar
a cara, porque na segunda todos
saberiam na empresa que eu estava
saindo com Danilo, que por acaso
era presidente do nosso principal
concorrente, e isso poderia me
custar o emprego.
— Mas, eu não estou te
oferecendo uma troca, estou falando
que eu posso ir junto. Eu não me
importo em dividir.
— Isso eu já percebi, mas a
grande questão é que eu não
aprecio esse tipo de coisa. Mas,
garanto que deva encontrar o que
procura esta noite, há muitos
homens que se sentiriam muito
interessados em sua proposta.
A melhor parte em assistir a
tudo, foi vê-lo se desprender dos
braços dela e sair sem dar a
oportunidade de uma réplica.
Corri em direção ao balcão e
pedi para Cíntia que informasse a
ele que eu o estaria esperando do
lado de fora, um pouco mais a
diante, pois não podíamos ser
vistos juntos.
Peguei a bolsa e sai o mais
rápido que pude, tentando não ser
vista por ninguém. E fui direto para
fora.
Fiquei ali alguns minutos,
pensei em voltar para verificar se
Danilo não havia sido atacado outra
vez, mas quando me virei o avistei
vindo em minha direção com um
largo sorriso no rosto.
— Achei que fosse precisar
sair por aí te procurando outra vez.
— E eu achei que fosse
chegar aqui com um pedaço a
menos.
Sorri tentando disfarçar a
minha irritação com a possibilidade
de alguém agarrá-lo lá dentro.
Eu nunca fui ciumenta ou
qualquer coisa do gênero, e acho
que por isso já fui corna algumas
vezes.
Andamos algumas quadras
até encontrarmos um ponto de táxi.
A conversa estava tão boa que nem
percebemos o quanto nos
distanciamos do bar.
— Mas me fala, o que o fez
ficar no Rio se já havia comprado
passagem para voltar. Pelo menos
foi isso o que me disse.
Será que ele estava tentando
me dar um perdido. Está louca,
Fernanda? Só leva perdido quem
está em um relacionamento, então
não endoida com isso.
— Eu realmente estava de
partida hoje, mas o tempo em São
Paulo estava péssimo e meu voo foi
cancelado. Resolvi ligar para um
amigo que mora aqui e
programamos de sair para tomar
alguma coisa, em seguida entrei em
contato com a companhia aérea que
alterou minha passagem para o
domingo. E aqui estou.
— Isso me parece bom. Mas,
eu me lembro de ter mencionando
um amigo para apresentar a minha
amiga.
— Sim, o Flávio. Ele é muito
bacana, mas eu não estou muito a
fim de ficar aqui falando sobre um
marmanjo quando eu posso
aproveitar a companhia de uma
mulher interessante.
— Agora eu vi vantagem.
Assim que chegamos ao
hotel, seguimos direto para o quarto
e essa era a noite das surpresas,
porque Danilo não arrancou a
minha roupa para começarmos a
transar. Nós conversamos por
algum tempo.
Ele me falou sobre seus
quatro amigos: Flávio, Lucas,
Eduardo e Pedro.
Flávio, pelo o que eu entendi,
era a diversão do grupo. Todas as
histórias com ele sempre acabavam
em boas gargalhadas. Conheceram-
se na faculdade e desde aquela
época são amigos.
Lucas, era primo de Danilo,
apesar da pouca idade sempre foi
muito responsável — palavras de
Danilo — e por isso nunca viram
problemas para inclui-lo, e permitir
que ele frequentasse os mesmos
locais que eles.
Eduardo, havia se casado
muito cedo porque sua namorada da
época da escola havia engravidado,
mas por serem dois adolescentes
inconsequentes o casamento não
durou muito. Hoje ele é um galinha
de marca maior.
E por fim, ele me falou sobre
Pedro. E foi de todas as histórias, a
que mais me surpreendeu. Ele era
cadeirante, mas nenhum dos amigos
o tratava diferente ou dava qualquer
“moleza”, até porque ele não queria
isso. Era totalmente imperativo
para Pedro que não houvesse
nenhuma distinção entre ele e os
outros.
Depois de conhecer um
pouco mais sobre os amigos de
Danilo, ele também quis saber
como eu havia conhecido Cíntia e
se além dela eu tinha mais amigos.
Era tão estranho ter uma
conversa tão íntima, em tão pouco
tempo que havíamos nos
conhecidos, mas eu estava
gostando.
Protelei sobre contar como eu
realmente havia conhecido a Cíntia,
mas essa era uma informação que
ele poderia obter com mais
facilidade do que eu obtive as dele.
Contei sobre Cíntia e Vivi, de
como as havia conhecido e acabei
falando tanto que já estava muito
tarde quando chegamos à parte a
que eu estava realmente interessada
naquela noite, eu só havia me
esquecido de um detalhe: a minha
calcinha “padrão vovó”.
Droga, eu tinha que encontrar
uma forma de distraí-lo para me
livrar daquele paraquedas. Mas,
era uma calcinha tão confortável,
tão confortável que me esqueci
completamente dela.
Tentei puxar assunto sobre os
amigos outra vez. Não funcionou.
Tentei falar sobre as minhas
amigas. Não funcionou
Tentei falar sobre a festa de
quinta-feira. Não funcionou.
Falei até sobre uma cachorra
que eu tinha quando criança e
corria para os lados e nunca para
frente. A coitada ia de uma parede a
outra até chegar onde queria. E
adivinhe? Não funcionou.
— Estou percebendo certa
resistência que não existia há
poucos minutos. Posso saber o
motivo?
Eu tinha duas possibilidades,
deixar que ele me visse com aquela
calçola bege, ou pensar rápido e
inventar uma boa desculpa para
diminuir a sua capacidade de
enxergar.
Olhei em volta e achei o
interruptor, me levantei da cama
desligando tudo, exceto por um
abajur que estava ao lado da cama.
— Preciso de um minuto. Eu
já volto.
Corri para o banheiro,
arranquei as roupas e me enrolei
em uma toalha. Era o melhor que
podia ser feito por hora. Deixei as
roupas por lá mesmo e voltei para o
quarto.
Assim que parei em frente à
cama, Danilo me olhou e logo um
sorriso muito safado tomou conta
do seu rosto. Tão safado que
minhas pernas tremeram no mesmo
instante.
— Eu posso afirmar sem
nenhuma preocupação que vou
adorar descobrir o que há por baixo
dessa toalha.
De todas as técnicas sexuais
de que eu já havia ouvido falar,
acho que aprendi algumas das quais
nunca me haviam sido
mencionadas.
A noite deu lugar a bela
manhã comigo completamente
satisfeita e orgasticamente feliz.
Uma informação que todo
homem precisa levar em
consideração: “Orgasmo é
importante, meus queridos”.
Quando despertei e não o vi
ao lado na cama, pensei que talvez
pudesse ter saído do quarto, mas o
pavor me acordou de uma só vez
quando barulhos dentro do banheiro
começaram a ecoar dentro do
quarto.
O maldito conjunto bege
estava lá dentro. Eu não sabia se
corria para lá e interrompia o que
quer que fosse que Danilo estava
fazendo, ou se aceitava o fato de
que não adiantou nada minha jogada
de ontem, se não acordei mais
cedo.
Já era tarde para fazer
qualquer coisa. Danilo estava
saindo do banheiro com minhas
roupas em uma mão e girando no
indicador da outra mão a bendita
calçola.
— Sabe quão sexy é isso?
Droga, eu não podia rir, mas
quando percebi já estava às
gargalhadas. Essas merdas só
comigo!
12
EXISTE UMA GRANDE
DIFERENÇA
ENTRE AMOR, PAIXÃO E
#FOGO NO RABO!
Deve existir alguma força
superior resignada a me ferrar, só
pode!
Eu tinha absoluta certeza que
não iria transar na noite anterior,
por isso sai de casa “confortável”,
mas o fogo no rabo infinito me
domina sempre que Danilo sussurra
qualquer coisa em meu ouvido.
Vê-lo sair do banheiro com
aquele paraquedas rodopiando no
dedo me fez ter uma experiência de
quase morte.
Porque sim, é possível
morrer de vergonha. Literalmente.
— Essa eu vou guardar. Quer
prova maior de que eu sou
irresistível, do que passar a noite
comigo usando calcinha bege? E eu
não vou nem falar no design.
— Cala a boca, seu panaca
convencido, e pode ir passando
para cá minha calcinha.
— Tem noção de quantos
desabrigados poderiam ter um teto
sobre suas cabeças se resolvesse
esticar isso aqui?
Levantei-me da cama sem me
importar de ainda estar nua e haver
luz suficiente para que ele tivesse
uma bela visão das minhas
celulites, estrias, e gordurinhas
indesejadas, mas era melhor que
permanecer naquele círculo vicioso
de vergonha e constrangimento.
Danilo esticou o braço no
alto da cabeça, deixando minhas
roupas caírem aos seus pés,
impedindo assim que eu alcançasse
a maldita calçola. E por mais que
eu pulasse e me esticasse toda, eu
não conseguia alcançar aquele
troço bege gigante, porque ele
ficava mudando de uma mão para a
outra, às gargalhadas.
Tudo bem, já que não ia
conseguir mesmo arrancar aquilo
das mãos dele por bem, eu teria que
encontrar outra maneira. Arranhei
levemente suas costas e beijei seu
pescoço, então ele cedeu, se
abaixando para me beijar e
passando os braços em volta da
minha cintura. Quando senti o
tecido encostar na minha coxa
esquerda, deslizei a mão para o
final das suas costas e o provoquei
um pouco mais mordendo seu lábio
e pressionando ainda mais meu
corpo ao seu.
Enfim, alcancei a maldita
calçola me afastando dele
completamente, correndo para o
banheiro. Quando ele percebeu o
que eu havia feito, já era tarde
demais, estava com minhas roupas
na mão, o dedo médio bem esticado
em sua direção e um sorriso sacana
no rosto que pôde ser visto antes
que eu fechasse a porta.
Refresquei-me rapidinho,
pois haviam muitas coisas para
serem resolvidas e eu precisaria da
ajuda de Cíntia, antes que Danilo
me levasse para o temido encontro
com seus amigos.
Quando sai do banheiro, já
vestida e com o cabelo
parcialmente domado, e quando
falo parcialmente, quero dizer
preso em um coque dos anos trinta.
Comecei a procurar pelas
minhas sapatilhas, mas não estavam
em lugar nenhum. Não estavam
debaixo da cama, ou no banheiro,
ou perto da porta, nem no armário.
— Droga, onde estão meus
sapatos? Você os viu em algum
lugar?
— Estão ao lado da bancada.
Calcei as benditas e me
despedi de Danilo. Comprometi-me
a ligar no final da tarde para
descobrir aonde iríamos nos
encontrar, porque por mais que ele
insistisse em me buscar eu preferia
não ter alguém tomando chá de
cadeira na sala enquanto eu surtava
com meu guarda-roupa.
Deixamos o quarto e nos
despedimos. Danilo iria se
encontrar com seus amigos e eu
faria isso mais tarde, agora eu tinha
que resolver o problema da
entrevista.
O apartamento estava em
silêncio, a porta do quarto de Cíntia
estava fechada. Bati algumas vezes,
mas não ouvi nada do outro lado,
girei a maçaneta só para confirmar
que ela não estava em casa.
Olhei o celular e havia duas
mensagens de voz, que eram dela.
Uma era apenas frases desconexas,
já que provavelmente não tinha se
dado conta de que tinha sido
encaminhada para a caixa postal, e
a outra era para me avisar que não
voltaria para casa aquela noite,
pois o “talvez” namorado havia
passado no bar para buscá-la.
Parecia que a coisa estava mesmo
ficando séria entre eles, o que era
muito bom, porque ela merecia
alguém bacana.
Precisava encontrar alguma
coisa que me mantivesse distante
do computador, mais precisamente
de uma certa mensagem no blog.
Entrei no meu quarto e fui
direto para a gaveta de calcinhas do
meu armário. Retirei de lá todo o
arsenal de calçolas “padrão vovó”.
Já diz o ditado, o hábito faz o
monge, e vergonha por esse motivo
eu não passava mais. Algumas
estavam pedindo aposentadoria há
algum tempo.
Contei até a décima sétima,
depois desse número era muita
humilhação continuar, então
coloquei todas em um saco. Eu
precisava mesmo me livrar de
muita coisa.
Eu não tinha tempo para
organizar todo o meu armário, mas
de algumas coisas eu precisaria
mesmo me desfazer urgentemente e
um exemplo claro eram meus looks
mendiga casual, boneca velha e
faxineira sexy.
Tinham muitos assim ali,
abarrotando o pequeno espaço.
Roupas, acessórios, e muitas outras
tralhas, que nem sabia que ainda
guardava.
Foi quando me deparei com a
minha camisola mais surrada, por
ser a mais gostosinha de dormir, e
que foi carinhosamente apelidada
por um dos meus ex-namorados
como, “pano de pia”.
Carlos era um “ser
apressadinho”, (até os dias atuais
não sei como classificá-lo) que não
conseguia ir muito além de uns
amassos.
Certa vez estávamos
progredindo para algo mais
significativo, quando ele me pediu
cinco minutos para poder se
controlar. Eu até achei bonitinha a
intenção, mas dois minutos depois
ele havia perdido o controle
totalmente e gozado ainda vestindo
as calças.
Na hora eu quis enfiar minha
mão no centro da cara dele, porque
eu sempre acabava frustrada e
cheia de tesão mal resolvido, era
de lascar. Se eu ainda estivesse
criando uma vaca, um cavalo, ou
até mesmo uma cabra ainda ia, mas
eu estava me relacionando com uma
pessoa. Pelo menos era o que eu
achava.
Ele sempre insistia em me
fazer sexo oral, mas a língua dele
era tão ou mais apressadinha que
seu membro e para não jogar ele da
sacada, recusava sempre com uma
desculpa de que não estava mais no
clima, e ficava ali ao seu lado
esperando que ele terminasse de se
limpar, enquanto eu iria precisar de
muita imaginação, leveza nos dedos
e força no braço.
Agora, quem diz que isso não
é motivo para se terminar um
relacionamento, não sabe o que
foram as minhas noites, e o medo
insistente de acabar com um braço
mais musculoso.
Eu estava vivendo um
inferno!
Nunca, mas nunca mesmo
saiamos do sofá. Ele nunca
conheceu meu quarto, por falta de
oportunidade mesmo. Era assim ele
tinha seus cinco minutos e depois ia
embora com uma desculpa
esfarrapada, mas eu preferia assim,
me evitava a necessidade de
inventar uma história para fazê-lo
sair da minha frente.
Me lembro de uma vez que
quase consegui chegar lá também,
mas pior do que nem estar perto
disso, é bater na trave. Fica aquela
sensação de final de partida, mas
por W.O.
Eu não conseguiria levar
aquela situação por mais tempo, e
no dia que eu estava pronta para
dar adeus as minhas quase gozadas
fixas, ele me mandou uma
mensagem terminando tudo. Eu não
consegui ficar triste, ou mesmo
revoltada, eu estava tão feliz que
poderia perder o dedinho na quina
do sofá, que isso não faria minha
gargalhada cessar. Sim, por que o
primeiro palavrão, certamente, foi
inventado assim que o dedinho do
pé do homem teve o seu primeiro
contato com alguma quina, seja de
mesa, cadeira, sofá, não importa.
Só o que importa de verdade nesse
momento, é a variedade de
palavrões que você conhece.
Pensar em Carlos fez eu me
lembrar que estava à beira de uma
catástrofe e que a única pessoa com
a qual eu poderia contar naquele
momento não estava acessível.
Peguei o celular na pilha de
moletons, camisola de flanela e
disquei para Cíntia. O telefone
chamou duas vezes até que a voz
irritadiça e já conhecida estourasse
meus tímpanos.
— Onde é o incêndio?
Porque daqui eu não vejo nem a
fumaça.
— O incêndio é na minha
vida. Não sei se você se lembra,
mas eu fiz uma cagada majestosa
criando um blog e agora querem
que eu apareça e dê uma entrevista.
Assim já está bom para você ou
precisa rolar sangue?
— Merda! Tinha me
esquecido desse pequeno detalhe.
Em meia hora estou aí. Agora, você
me deve, por me fazer acordar a
essa hora e deixar um homem nu e
gostoso sozinho na cama.
— Então estamos quites, já
que eu sempre sou a escolhida para
ir ao mercado.
— Uma labareda de cada
vez. Droga, onde está minha
calcinha?
Foi a última coisa que ouvi
antes dela desligar, educadamente,
o telefone na minha cara.
Decidi que não ligaria o
computador até que Cíntia
chegasse. Eu não iria ficar surtando
e enchendo minha cabeça com
suposições mirabolantes que só
faziam sentido para mim.
Era toda uma teoria da
conspiração, em que eu acabava
demitida, falida e solteirona. Em
qualquer situação em que me
colocava o final não era nada bom.
Meia hora depois, Cíntia
estava em casa com um enorme
copo de café já vazio nas mãos.
— Pronta para descobrir o
que querem com a famosa Pimenta
Rosa?
— Nenhum pouco, mas é
melhor que eu descubra o que eles
querem comigo do que saberem
minha verdadeira identidade.
— Tudo bem, Batman, vamos
dar um jeito.
Sorri porque era melhor do
que ficar doida de uma vez.
Enquanto ela passava um pente fino
buscando se haviam novas
mensagens do mesmo remetente,
entre as muitas que haviam se
acumulado em menos de vinte e
quatro horas eu analisava alguns
comentários superficialmente.
Alguns queriam conselhos sobre
suas vidas, como se eu fosse boa
nisso. Afinal, no blog eu narrava as
minhas confusões amorosas e não
finais felizes. Outros opinavam
sobre como eu deveria agir nos
meus relacionamentos futuros,
sobre como eu deveria me impor
mais. Ou seja, praticamente um
livro de autoajuda, só que uma
edição especial feita para mim.
Quando finalmente ela chegou
ao último comentário, percebemos
que não havia mais nenhuma
postagem e voltamos para a tão
temida mensagem/proposta.
@falandosobrehomens:
Bom dia Pimenta Rosa, este contato
se deve à sua forma leve e
descontraída de explanar suas
experiências um tanto quanto
peculiar, e a maneira como em
pouco tempo atingiu um número
expressivo de leitores, que são
muito parecidos com os que nos
acompanham. Visto isso, estamos
aqui para convidá-la a participar de
uma entrevista realizada por nós,
para os leitores da nossa coluna
virtual semanal. Estamos no
aguardo do seu contato.
14
TÃO GALINHA QUE
NÃO TEM FÍGADO,
TEM #MOELA
Seguimos direto para o hotel
em que Danilo estava hospedado.
Sempre com ele me olhando de
soslaio, e eu sabia bem o porquê.
Ele estava atento a forma como eu
tratei Mia durante toda a noite e
depois para fechar com chave de
ouro, a deixei feito uma pateta
parada na porta do meu prédio com
a chave do apartamento na mão,
mas eu não estava com vontade de
reviver os momentos fantásticos
que ela havia me proporcionado,
por isso continuei calada e bem
sonsa fingindo que não notava seus
olhares para mim.
Seguimos para o quarto e fui
direto para o banho. Quando estava
retirando o shampoo dos cabelos o
senti atrás de mim. Não demorou
para que o box se tornasse uma
sauna. Danilo estava especialmente
criativo aquela noite e eu agradeci
um milhão de vezes seguidas pela
ideia genial de despistar a vaca da
minha prima.
Amanheceu e ainda
estávamos acordados. Danilo
estava deitado com a cabeça entre
os meus seios e eis que a pergunta
que achei que tinha alcançado
esquecimento dava o ar da graça.
— O que existe entre você e
a sua prima?
— Por que existiria alguma
coisa? — Tentei desconversar para
ver se a história morria ali, mas eu
estava muito enganada se achava
que a curiosidade dele terminaria
na minha evasiva.
— Porque quando a deixou
na porta do prédio o seu olhar de
triunfo era algo que não passaria
desapercebido por ninguém.
É, satisfação é algo que não
se consegue disfarçar.
— Digamos que ela tenha
uma certa fixação por pessoas com
as quais eu me envolvo.
— Como assim, vocês
dividem?
— Digamos que ela seja mais
o tipo que rouba, do que
compartilha. Se é que me entende.
— Acho que entendi. Então
deixá-la lá parada foi uma vingança
sua.
— Se você me achou
vingativa por isso, espere só para
ver do que eu sou capaz em dias de
TPM. — o sorriso dele deixou de
ser um traço tímido em seu rosto,
para alcançar suas orelhas e os
lindos dentes brancos ficaram
expostos.
Deixamos o quarto por volta
das onze. Enquanto Danilo tentava
descobrir se os rapazes já haviam
acordado, eu ligava para Cíntia,
mas para minha surpresa uma voz
masculina atendeu ao telefone.
— Celular da loira.
— Você vai precisar de muita
pastilha para a garganta, sua voz
está péssima.
— É seguro acordá-la, ou ela
vai puxar uma faca debaixo do
travesseiro? — Eu só escutei as
risadas e o estalar de um tapa. —
Acho que ela já acordou.
— Cíntia, que tal um almoço
e depois saímos para fazer alguma
coisa? — Era uma tentativa, mas
sabia que seria sem sucesso. Nunca
consegui tirá-la da cama tão cedo.
A menos que...
— Jura? Restaurante cheio,
pessoas animadas, e comida fria? O
que acha de prepararmos algo em
casa?
— Mia está lá.
— Restaurante para mim está
ótimo. Mande a sugestão por
mensagem, beijo.
E com sua sutileza ímpar ela
desligou o telefone na minha cara,
como sempre.
Danilo fez o check-out
enquanto eu buscava uma opção de
restaurante em pleno domingo no
Rio de Janeiro, que não estivesse
lotado ou com estacionamento do
outro lado da cidade. Era uma
tarefa quase impossível, mas diante
da opção de ir para casa e dar de
cara com Mia, eu conseguiria um
lugar, nem que fosse no meio da
praia.
Deixamos o hotel e seguimos
direto para o apartamento de
Flávio. A cena que encontramos ao
abrir a porta era de rolar no chão
de rir. Três marmanjos
abraçadinhos de conchinha. Danilo
teria um prato cheio de
provocações por um bom tempo.
Como não tinha a menor ideia
de onde poderíamos almoçar sem
que isso levasse praticamente a
tarde inteira, fiz o pedido em um
restaurante conhecido e todos
ficamos no apartamento do Flávio
mesmo. Após o almoço deixaria
Danilo no aeroporto e voltaria para
casa e então teria conseguido a
façanha de ter me livrado da
presença desagradável de Mia sem
danos colaterais. Exceto pelas
várias vezes em que Eduardo
questionou onde ela poderia estar,
ou como poderia ganhar pontos com
ela.
Mas, tudo o que é bom não
dura. Depois de uma manhã
maravilhosa e de uma tarde
divertidíssima, quando achei que
tinha escapado do pior, ouvi meu
nome ser gritado no saguão de
embarque do aeroporto.
Ao olhar para trás, avistei
Mia arrastando uma mala e andando
com muita presa em nossa direção.
Quando parou em nossa frente
começou a falar sem parar, com a
típica voz esganiçada para fingir
ressentimento.
— Se eu tinha alguma dúvida
de que você está chateada comigo e
não me quer por perto, depois das
últimas horas não resta nenhuma.
— Não me leve tão a sério e
nem se dê tanta importância assim.
Eu já tinha planos quando resolveu
me surpreender, e quando é assim
ou se dá sorte ou azar, e dessa vez
você deu azar, priminha.
Por mais que seu sorriso
engessado continuasse em seu
rosto, no fundo dos seus olhos
brilhavam toda a raiva que estava
sentindo.
— Eu prometo avisar da
próxima vez, quem sabe assim eu
dou sorte. Tenho alguns trabalhos
na cidade no próximo mês e dessa
vez espero contar com um pouco
mais da sua companhia.
É claro que agora ela viria
com muita frequência, já que sua
missão na vida havia ganhado
novos rumos: voltar a me infernizar.
O voo foi anunciado e Danilo
seguiu para o portão de embarque
acompanhado por mim e por Mia
que havia enlaçado seu braço em
volta do dele.
— Agora nós precisamos ir,
apesar do pouco tempo juntas, eu
adorei te ver de novo e não se
preocupe eu vou ficar de olho nesse
daqui — disse dando dois tapinhas
no braço de Danilo em que estava
dependurada feito um bicho
preguiça.
Ele se desprendeu do braço
dela nesse instante e passou os
braços em volta da minha cintura
em um abraço.
— Mia, isso não é realmente
necessário, por dois motivos.
Primeiro eu estou crescido para ter
babá. Segundo, conseguir fazer a
sua prima abaixar a guarda me deu
muito trabalho, eu não posso abusar
da minha sorte.
Como diria o elefantinho na
propaganda de leite: “Tomou?”.
Sem muito mais para dizer,
ela se afastou de nós com a
desculpa de que precisava comprar
algo para ler.
— Resposta certa. Teria
ganhado um prêmio se não
precisasse ir embora agora.
— E que tal ir me premiar em
São Paulo? Não tenho como vir
aqui nos próximos dois ou três
meses e eu adoraria continuar te
vendo.
— Tudo pode acontecer.
Quem sabe?
Despedimo-nos e eu voltei
para o meu apartamento para fazer
uma faxina da presença da Mia. E
descansar para a semana que viria
na presença de Murilo. Ele estava
em uma semana muito calma e
ausente, e isso era sinal de muita
tempestade por vir.
Já passava de meia noite
quando consegui me jogar na cama
e perceber que meu celular estava
desligado. A bateria tinha acabado
e eu nem havia percebido.
Ao ligar me deparei com
várias ligações perdidas e
mensagens não lidas. A maioria das
ligações e mensagens eram de
Cíntia querendo saber o meu
paradeiro, entre as que restaram
estavam duas ligações de Danilo e
uma de Hanna, e para ela me ligar
em pleno domingo depois das dez
era porque o assunto era sério.
Procurei entre os correios de
voz alguma mensagem dela, mas
não havia nada, li todas as
mensagens e ali também não havia
nenhuma pista. Então me lembrei de
que Hanna adorava enviar e-mail, e
então bingo, ali estava o motivo de
toda aquela euforia.
Desculpe o contato em
seu dia de descanso, mas a
Presidência e Diretoria da
empresa solicitaram uma
reunião para a primeira hora
desta segunda-feira e por
este motivo, entrei em
contato para avisá-la.
Não há informação
sobre o assunto da reunião e
por esta razão peço que
chegue um pouco mais cedo
do seu horário habitual.
Att,
Hanna Linhares
Assistente da Presidência –
Fusão Mídia Visual
Eu precisava dormir, mas
como, depois de saber que haviam
marcado uma reunião às pressas e
nem sequer informaram o assunto
para nos deixar precavidos. E
sempre que essas coisas acontecem
só significam uma coisa:
demissões.
Fui até o armário e escolhi
outras peças de roupas para usar na
manhã seguinte. Um pouco mais
sóbrias, como pedia a ocasião.
Um terninho era o ideal, mas
preferi trocar a calça por uma saia
lápis.
Acordei bem mais cedo do
que de costume, depois de um sono
complicado, em que eu acordava de
meia em meia hora, preocupada em
estar atrasada.
Uma hora depois estava
pronta e satisfeita com o resultado.
A blusa branca de renda era
discreta e ao mesmo tempo tirava
um pouco do peso da formalidade
do modelito.
Quando cheguei, Hanna já
estava às voltas com os detalhes
para a reunião. Coloquei minha
bolsa sobre a mesa e fui ajudá-la, e
quem sabe assim eu conseguisse
alguma informação sobre o que
estava acontecendo.
Só que assim como eu, ela
estava no escuro total sobre o real
motivo da convocação daquela
reunião. A única informação que
ela tinha era de que haveria
remanejamento de pessoal, ou seja,
cortes de pessoal, e isso nunca era
coisa boa.
Me deu um frio na barriga,
uma vontade de sair correndo. Mas,
a curiosidade falou mais alto e
então fiquei lá recepcionando e
encaminhando todos até a sala
principal.
Água e café foram servidos
enquanto não começavam a reunião.
Pouco a pouco todos foram
chegando, menos Murilo que já
estava cinco minutos atrasado o que
era muito incomum para ele que
nunca, mas nunca mesmo se
atrasava.
Quando Murilo chegou à
empresa já estava atrasado quarenta
minutos e com um humor pior do
que o de costume.
— Fernanda, já tomou todas
as providências que eu te passei?
Que grosseiro, chega não dá
um bom dia e já quer começar na
velocidade do som a comida de
rabo.
— Bom dia, Murilo, todas as
recomendações que me encaminhou
durante a semana estão em ordem e
sobre a sua mesa como pediu.
— Estou falando sobre a que
te mandei agora pela manhã, estou
atrasado porque não recebi a sua
resposta, que deveria ter sido
encaminhada no mesmo momento.
— Não há nenhuma
solicitação, recebi apenas um e-
mail da Hanna informando sobre a
reunião que está acontecendo na
outra sala.
— O que quer dizer com isso,
que eu estou mentindo? Ou que
estou fantasiando que determinei
que fizesse um levantamento das
últimas publicações e propagandas
realizadas nos últimos seis meses?
— Não estou dizendo ou
insinuando nada, apenas falei o que
aconteceu. Pode ter acontecido
algum problema no recebimento do
e-mail ou algo que não o permitiu
chegar.
— Então vamos combinar
uma coisa, se abrir agora suas
mensagens e não constar nenhum e-
mail entre eles eu te darei um
aumento, mas se encontrarmos a
minha mensagem ficará suspensa
por dois dias por descumprimento
de suas funções. Ainda acho que
valha a pena mantê-la no quadro de
funcionários, mas não mais como
minha assistente, será solicitada a
sua transferência imediata.
Chama a Ludmilla porque É
HOJE!
— Eu vejo que já tomou sua
decisão antes mesmo de chegar
aqui. Não será preciso passarmos
por uma situação desagradável
como a que sugeriu, estou
colocando agora mesmo meu cargo
à disposição. Pode solicitar a
minha transferência quando achar
mais conveniente.
— Pois bem, pode ir para
casa. Assim que tivermos uma nova
posição para a realocarmos dentro
da empresa entraremos em contato.
Veja estes dias como um período de
descanso pelos seus bons serviços
prestados até aqui. Bom dia.
Mandei uma mensagem
rápida para Hanna, que estava
contando comigo para administrar
os detalhes da reunião. Ela me
respondeu em seguida, pedindo que
nos encontrássemos em um
restaurante próximo a empresa para
conversarmos e que eu não me
precipitasse tomando nenhuma
decisão que venha a me arrepender
depois.
Peguei minha bolsa, passei na
cozinha para tomar água e me
acalmar antes de pegar o carro para
voltar para casa. Se eu fosse rápida
conseguiria pegar Cíntia antes que
ela saísse para o bar.
Hoje eu iria beber até afogar
as minhas mágoas, mesmo elas
sendo campeãs olímpicas em
natação eu venceria desta vez.
Ao sair da cozinha esbarrei
em Leticia que estava com um
sorriso enorme no rosto. Com
certeza Yuri deve tê-la feito feliz ou
sei lá mais quem, sim porque essa
tem um fogo do inferno.
— Oi querida, já de partida?
Ela começou a rir. Riu tanto
que seus olhos estavam com
pequenas formações de lágrimas,
era como se ela soubesse o que
havia acontecido, e talvez soubesse
mesmo, visto que as paredes dessa
empresa têm ouvidos e uma boca
enorme.
— Por hoje sim, querida.
Esforce-se mais e quem sabe um
dia você desfrute do mesmo
privilégio.
— Mas é claro que sim,
ainda mais porque serei a nova
assistente da Vice Presidência. Eu
sou uma boa aluna, não sou?
— Excelente aluna, e me
arrisco a dizer que o aluno superou
o mestre. Voltamos a nos ver
quando eu voltar da minha folga.
— Bom descanso, querida.
Eu juro que por um segundo
quase me esqueci de onde estava e
meti a mão na cara dessa nojenta. A
única coisa que me fez voltar ao
normal foi seu próximo desaforo,
que me deixou alerta para dar a
resposta que ela merecia.
— Ah, só mais uma coisa,
você deveria ter previsto que não
seria nada bom o seu envolvimento
com um funcionário da nossa
principal concorrente. Sabe como
é, as notícias voam.
Vadia de cabaré falido!
Então foi por isso que eu
perdi a minha promoção, e era por
esse motivo que o Murilo estava
feito um animal raivoso quando
chegou à empresa. Agora, seria por
isso também que haviam marcado
esta reunião?
Se fosse por isso, não seria
bom que eu estivesse presente para
ser confrontada?
Depois dessa eu precisava ir
para casa o mais depressa
possível, mas antes de sair liguei
para Cíntia e pedi que ela me
esperasse em casa.
Quando cheguei e em tempo
recorde por sinal, Cíntia estava
pronta para sair, ela apenas tinha
me esperado por que eu havia
pedido, mas eu sabia que ela tinha
planos e seria bem egoísta para
impedir que ela os concretizasse
hoje.
Era seu dia de folga e
aproveitava para fazer suas coisas
com um pouco mais de calma.
Eu precisava de alguém fora
do meu cenário para ter uma visão
mais clara do que estava
acontecendo e então eu poderia
começar a entender.
Coloquei minha bolsa em
cima da mesa, desci do salto e fui
direto para a geladeira, deixando o
terninho em cima da pia. Coloquei
uma dose dupla de uísque no copo e
virei as duas de uma só vez,
reabasteci e servi uma dose para
ela e me joguei no sofá.
— Eu fui gentilmente afastada
do trabalho, ou demitida. Não sei
ao certo.
— Fernanda, você anda muito
surtada ultimamente, me explica
com calma para ver se eu entendo.
— Ontem à noite a secretária
da presidência me enviou um e-
mail para me avisar que haveria
uma reunião da Diretoria e
Presidência, até aí tudo bem. Eu saí
de casa mais cedo e estava lá antes
do horário combinado. Estava tudo
certo, menos pelo detalhe de que o
meu chefe estava atrasado o que
nunca, nunca mesmo acontece, a
única coisa normal era o mau
humor infernal que ele sempre tem.
Disse que tinha enviado um e-mail
pedindo relatórios e que só estava
atrasado porque eu não tinha feito o
meu trabalho e por isso seria
remanejada para outro setor dentro
da empresa, que eu poderia voltar
para casa e esperar até que
tivessem um outro local para me
realocar. Mas o melhor foi a vadia
de uma figa da escrota, piranha,
quenga, da estagiária que quando
estava saindo fez questão de me
informar que ela agora ocuparia
minha função.
— Tá. Primeiro, você sempre
fez sua obrigação e não será
demitida porque não há justificativa
para isso, estava no seu dia de
descanso remunerado e se o seu
chefe queria que fizesse hora extra,
que entrasse em contato através de
uma invenção maravilhosa chamada
telefone, e hoje o mais incrível é
que existe o celular. Portanto, a
culpa não foi sua e sim dele. Na
verdade, ele estava tentando
encontrar uma desculpa para
colocar a secretária que está indo
para a cama dele e não tinha como
justificar isso para o seu superior.
Então relaxa e para de beber, e vai
aproveitar a folga que te deram.
— Você pode ter razão,
porque aquela vadiazinha pode
mesmo estar dormindo com o
Murilo só para conseguir uma
função dentro da empresa. Sim,
porque ela só conseguiu o estágio
por conta de um funcionário da área
de TI com quem estava saindo e a
indicou. Credo, o que certos tipos
de pessoas são capazes para
conseguir o que querem?
Eu estava começando a ficar
um pouco mais tranquila quando o
meu telefone tocou. Era Hanna
ligando para confirmar se eu
poderia encontrá-la um pouco mais
cedo.
Confirmei e me despedi de
Cíntia, agora que eu já tinha surtado
e voltado ao “normal” não era justo
que ela perdesse o encontro.
Fiz uma nota mental para me
lembrar de interrogá-la para
descobrir quem era o “namorado”
misterioso. Era alguém novo,
porque ela estava muito animada e
nervosa para ser alguém que ela já
conhecia bem.
Preferi não ir dirigindo, vai
saber o que estava me esperando
nessa conversa e porque já havia
bebido o bastante, o que seria
perigoso.
Quando cheguei, Hanna já
estava me esperando na mesa com
uma taça de vinho pela metade. E
se ela estava bebendo era certo que
eu também iria precisar.
— Oi, Hanna, não sei se fico
feliz por estarmos aqui, ou se fico
com medo pelo que quer conversar.
— Realmente, o que eu vou
dizer para você agora não vai ser
nada bom, mas espero que você não
se chateie comigo, eu sou apenas a
portadora da notícia. E antes que
seja surpreendida, achei melhor te
contar porque sei do seu empenho
para ocupar a função em que estava
e do seu envolvimento pessoal.
Durante uma hora
conversamos sobre o motivo da
reunião urgente de hoje.
Haviam decidido expandir a
empresa e abrir duas filiais, uma
seria no Nordeste do país, com a
cidade a ser escolhida ainda e outra
seria em São Paulo para competir
diretamente com a empresa de
Publicidade e ramo editorial que
Danilo presidia.
— Fernanda, eu serei bem
franca com você, como sempre fui
desde que nos conhecemos. O
Murilo hoje quase enfartou, a
estagiária não sabia onde estava
nada e nem sabia como fazer um
relatório simples. Ele se
arrependeu no instante em que te
mandou para casa eu posso apostar.
Irão ligar para você em dois dias, e
isso é para deixá-la preocupada em
relação ao trabalho, porque assim
será mais fácil convencê-la a
gerenciar a agência do Nordeste. A
Leticia conseguiu convencer o
Murilo de que você está muito
próxima a Danilo Oliveira, gestor
da nossa principal concorrente e
que inclusive o apresenta como seu
namorado. E ele enxergou isso
como uma ameaça aos negócios,
como eu previa que acontecesse.
— Sinto muito, mas eu jamais
iria para tão longe. Minha vida está
toda no Rio. Se ainda fosse a nova
agência de São Paulo, com a ponte
aérea eu até pensaria a respeito,
mas dentre as possibilidades que
me esperam, eu vejo minha
demissão.
— Eu estou tentando encaixá-
la na vaga de Criação Publicitária
que está aberta. Só não sei se
conseguirei diante do atual estado
de espírito de Murilo.
— Eu entendo e agradeço
imensamente o seu esforço Hanna,
mas não se prejudique por mim. O
que tiver de acontecer vai
acontecer.
Já era tarde quando
terminamos de conversar. Hanna
tentou encontrar, diante das minhas
habilidades profissionais, uma vaga
para que eu fosse remanejada
dentro da empresa, mas não
chegamos a nenhum consenso.
Despedimo-nos e ela ficou de
me manter informada caso
acontecesse alguma alteração nos
planos de me enviar para o outro
lado do país.
Peguei um táxi e graças a
Deus o trânsito estava livre no
trajeto de volta para casa. Quando
cheguei, o apartamento estava em
absoluto silêncio, o que indicava
que Cíntia passaria a noite fora.
Como não estava com sono e nem
precisaria acordar cedo no dia
seguinte resolvi dar uma olhada no
blog que agora não me parecia mais
um risco.
Haviam muitas mensagens
para ler e responder, mas eu estava
em busca de uma em particular.
Com tudo o que aconteceu nesse
final de semana, aquela resposta
tinha ficado em segundo plano.
Depois de alguns minutos
procurando, encontrei o convite e
as respostas das mensagens, mas
havia um detalhe estranho, a
resposta dada pelo site estava
marcada como visualizada.
Certamente Cíntia havia
mexido no blog e esquecido de me
informar. Não era nada demais,
resolveria quando ela voltasse para
casa no dia seguinte.
Enquanto isso decidi começar
a responder as perguntas e escolher
qual seria a próxima história que
iria postar.
15
TOME #VERGONHA NA
CARA,
MESMO QUE SEJA EM GOTAS
OU COMPRIMIDOS
Vasculhando o blog me
deparei com algumas respostas que
me fizeram dar muita risada.
Impressionante como as pessoas
tem a mente fértil para cogitar
certos assuntos, e mais ainda para
expor.
@carolangel: Você acha que
tamanho é documento? Pelo que li
sim, mas, e quanto ao sexo anal, é
mais ou menos importante?
Eu realmente não sabia o que
responder, e não porque eu seja
careta ou coisa do gênero, mas eu
nunca tinha feito sexo anal na vida,
então me posicionar em relação a
isso era um pouco complicado. E
eu jamais me exporia de tal maneira
em uma rede social, tudo bem que
eu já estava me expondo de certa
forma, mas há limites para tudo.
Eu tenho a mente aberta, mas
também não é um buraco na camada
de ozônio!
Não sou nenhuma santa, já
tive algumas experiências sexuais,
mas essa prática requer certo
desapego social e uma terapia a lá
Sara Jane de “vamos abrir a roda,
enlarguecer”. O que significa que
não rolou e provavelmente não
rolará.
@pimentarosa: Sexo é algo
muito particular, há quem prefira
um pequeno brincalhão a um grande
bobão. Então é mais da pessoa com
quem está, há preliminares e outras
formas de obter prazer, nem tudo
depende apenas do tamanho. Beijos
ardidos.
A próxima não era tão mais
leve.
@papito: Que tipo de
fetiches mais a atrai?
Ainda bem que certas coisas
acontecem uma única vez em nossas
vidas, porque se acontecessem mais
de uma vez eu não sei se suportaria.
“CUIDADO COM O
QUE DESEJA, PODE SER
BEM DIFERENTE DO
QUE IMAGINOU”
1) Confundir amizade
com benefícios como namoro;
2) Mandar mensagens
idiotas para ex-namorados que ainda
insistem em manter amizade;
3) Ter insistentes
momentos de ‘Djafu’, que é aquela
sensação familiar de que você já se
fodeu com a situação antes!
4) Falta de entendimento que
ex não precisa estar tão perto, afinal
você não está oferecendo carta de
recomendação pelos serviços
prestados.
Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
@falandosobrehomens:
Gostaríamos de saber mais sobre as
suas inspirações para escrever em
seu blog, como tem sido a
repercussão das postagens com
cada um dos ex citados nelas e suas
reações. Faríamos uma entrevista
via Skype e depois a divulgaríamos
em nosso blog para conhecimento
de nossos leitores, criando um link
de acesso para o seu.
Estamos ansiosos para saber
mais sobre a tão misteriosa Pimenta
Rosa. Que rosto se esconde por trás
da personagem mais assediada do
mundo virtual no momento.
Estamos aguardando sua
resposta e esperamos que seja
positiva.
As palavras “Skype” e
“divulgaremos” ficaram girando em
minha cabeça por um tempo. Eu já
tinha decidido o que faria no
momento em que li as duas
palavrinhas que poderiam arruinar
minha carreira e de quebra minha
vida.
Imaginei cada ex saindo do
anonimato e me processando por
exposição de suas vidas.
— Eu vou recusar, não posso
aparecer. Não posso!
— E não vai.
Cíntia retirou o notebook do
meu colo e começou a digitar uma
resposta. Eu torci para que ela
tivesse bom senso ao fazer a recusa
da proposta, se bem que no
momento, qualquer coisa que ela
escrevesse teria mais lógica do que
eu se tentasse.
@pimentarosa: Eu agradeço
imensamente pelo interesse que
tiveram por mim, mas assim como
todo mundo que usa um pseudônimo
é imperativo que se mantenha em
sigilo a identidade do mesmo, e
isso se dá por algum motivo.
Se quiserem uma entrevista
comigo, ela deverá acontecer da
mesma maneira que esta
solicitação, via blog ou se
preferirem por e-mail.
Caso ainda seja do interesse
de vocês escolham umas das
opções e me enviem a resposta.
Beijos ardidos, Pimenta
Rosa!
A resposta veio quase que
imediatamente.
@falandosobrehomens: Nos
informe um e-mail, dia e horário
que seja possível conversarmos e
assim o faremos.
Será um prazer para o nosso
site conhecer um pouco mais do
fenômeno que é a misteriosa
Pimenta Rosa.
Um grande abraço.
Marcamos a entrevista para a
semana seguinte, mas só depois da
promessa de Cíntia de que estaria
junto comigo para me ajudar caso
eu entrasse em desespero. Algo que
aconteceria com toda certeza.
16
TER ATITUDE
É OBRIGAÇÃO,
FAZER MERDA É
#OPCIONAL!
Aproveitei que estava com o
computador ligado e pesquisei por
opções de passagens para São
Paulo, já que estava com o próximo
dia livre. Não havia mal nenhum em
aproveitá-lo bem. Consegui
encontrar um voo para sair às três
da manhã da terça-feira e a volta
seria na quarta-feira às oito da
manhã. Os horários eram perfeitos,
teria um dia para aproveitar e nada
de muito urgente iria acontecer
nesse meio tempo.
Não pensei duas vezes e
comprei a passagem, em seguida
mandei uma mensagem para Danilo.
FERNANDA: Está em São
Paulo?
DANILO: Estava discando o
seu número. Sim, por quê?
FERNANDA: O que acha de
um encontro às 4 da manhã?
DANILO: Acho uma excelente
ideia. Estou à sua espera.
FERNANDA: Saindo para o
aeroporto.
DANILO: Aquecendo a cama.
FERNANDA: Espero que esteja
bem quente.
DANILO: Não duvide.
Coloquei em uma mala de
mão o básico para um dia.
Enquanto isso Cíntia estava no seu
quarto, em uma ligação muito
suspeita, mas combinamos que só
envolveríamos terceiros se
realmente fosse importante. Aliás,
eu fiz um comunicado por escrito e
a obriguei a assinar, me liberando
de saber sobre suas noites tórridas,
enquanto as minhas eram
desastrosas.
O mais estranho era a cara de
boba que ela estava nos últimos
dias, não a via assim há muito
tempo. Na verdade, eu nunca tinha
visto ela assim tão radiante.
— O que acha de separarmos
algumas das postagens que fez com
maior acesso e número de
comentários?
— Boa ideia, e se
escolhêssemos os mais engraçados?
— Tem uns ótimos, mas isso
é assunto para quando voltar.
Vamos, eu te levo ao aeroporto só
não garanto que às oito da manhã eu
esteja lá para te buscar.
— Nem precisa, eu volto de
táxi.
Conversamos durante o
trajeto para o aeroporto e senti que
por diversas vezes ela sugou o ar
tentando evitar de me contar o que
estava acontecendo com ela, eu
também não a forcei a falar o que
ainda não estava preparada para
dividir. Ela logo encontraria uma
maneira.
No aeroporto já estavam
fazendo as chamadas para o voo em
que embarcaria. Segui para o setor
de embarque. Mal sentei, fechei os
olhos e o piloto estava informando
a plenos pulmões que deveríamos
retornar com os assentos para a
posição vertical, pois iniciaria os
procedimentos de pouso.
Um moreno espetacularmente
bonito me esperava de camiseta
branca (que contrastava com a sua
pele morena e deixava seus
músculos ainda mais evidentes),
jeans desbotado e chinelo de dedo.
A visão desleixada de alguma
forma o deixou ainda mais sexy.
— Ainda bem que cumpriu a
promessa de vir me buscar.
— Eu não sou louco de te
deixar sozinha aqui. Já viu a
quantidade de homens que tem
nesse aeroporto? Quase um inferno
pessoal.
Como ele conseguia ter bom
humor a essa hora da madrugada?
Eu adorava isso. Ele sempre me
fazia sorrir.
Ele me deu um beijo,
daqueles de sugar todo ar e deixar
tonta. E como era boa essa
sensação de sair do corpo por
míseros segundos, por puro e
legítimo prazer. Pegou a pequena
valise da minha mão, fomos direto
para o carro e dali para o
apartamento dele.
Quando cheguei, a imensa
porta de carvalho escura me
chamou a atenção, mas o
apartamento era típico de um
homem solteiro. Móveis escuros,
mas todos muito bonitos, o que com
certeza marcava a presença de um
designer de interiores por ali.
Havia um estreito corredor antes da
sala de entrada, que tinha um sofá
(nota mental safada: experimentar o
sofá), uma tv na parede com um
móvel embaixo cheia de aparelhos
eletrônicos, duas mesas em cada
canto do sofá e um tapete com
desenho em mosaico com vários
tons de azul. A cozinha era branca,
como essas de comercial de
margarina. Tinha uma mesa de
jantar tão bonita que evitou uma
terceira nota mental. E o lugar que
estava me coçando para conhecer:
o quarto.
O quarto era escuro, assim
como a sala. A grande diferença era
uma cama enorme com uma
cabeceira espelhada. Fiquei ali
imaginando as cenas que aquele
espelho poderia me proporcionar e
que já haviam proporcionado antes,
mas não deixei que esses
pensamentos habitassem minha
mente por muito tempo ou perderia
o clima.
Fiz uma careta quando me
lembrei de que havia esquecido
uma camisola e ele percebeu.
— Não gostou?
— Muito bonito, tudo por
sinal. Só esqueci a camisola, vou
precisar de algo para dormir.
— Claro, fique à vontade.
Qual dos dois, ou ambos? — disse
apontando os braços em minha
direção sugerindo que eu passaria a
noite entre eles. E eu adorei a ideia.
Muito melhor que camisola, mas foi
um upgrade violento.
— Os dois. — Fiquei na
ponta dos pés para lhe dar um beijo
rápido. — Eu preciso ir ao
banheiro, onde fica?
Eu precisava fazer a toillet,
mesmo que por pouco tempo era
muito melhor apresentar uma
periquita fresca do que uma já
passada.
A noite foi incrível, fiz mais
acrobacias que uma ginasta em
olimpíada. Quando acordei na
manhã seguinte estava acabada,
arrasada e feliz.
Procurei pelo celular e
quando vi as horas no visor mal
pude acreditar que já passavam das
dez da manhã. Havia duas
mensagens de Danilo.
DANILO: Assim que acordar
vista alguma coisa e venha me
encontrar no escritório. Te espero para
almoçarmos juntos.
A segunda era o endereço
para informar ao taxista que fosse
me levar. Levantei da cama e andei
nua pelo quarto. Coloquei as roupas
que usaria sobre a cama e quando
me virei para ir ao banheiro uma
mulher estava parada na porta do
quarto com uma cara de espanto.
Dei a ela bom dia e fui para o
banheiro, afinal de contas não
adiantava mais correr ou me cobrir
ela já tinha visto tudo mesmo, e
nada do que ela tinha visto ali era
tão diferente do que ela via todos
os dias quando tirava a própria
roupa.
Tomei um banho, fiz uma
maquiagem leve e voltei para o
quarto para me vestir. A mulher já
não estava mais ali, as peças de
roupa estavam devidamente
penduradas em um cabide e a cama
com os lençóis bem esticados.
Me vesti e ainda no quarto
chamei um táxi que não demorou a
chegar. Peguei minha bolsa e saí, a
casa parecia vazia, mas eu tinha
certeza que a mulher que havia me
pegado nua estava tentando me
evitar a todo custo. Eu no lugar dela
faria o mesmo.
Quando cheguei à agência
Império Design Visual, me
identifiquei e fui anunciada. Não
demorou muito e minha entrada foi
liberada. Me pediram que eu
aguardasse na recepção enquanto
Danilo, mas conhecido ali com Sr.
Oliveira, encerrava uma pequena
reunião com a Vice-Presidente, a
Srta. Mascarenhas.
E sem muito o que fazer,
comecei a observar o lugar, e sem
sombra de dúvida as pessoas
pareciam mais felizes em estar ali
trabalhando, era o que se chamava
de equipe. A pessoa que me serviu
um café enquanto eu esperava me
sorriu tão genuinamente que não
tive outra escolha senão retribuir, e
mesmo que eu não quisesse
retribuir meus lábios nesse
momento ganharam vida se curvado
para cima. Não havia aquela
constante de medo que acontecia
todos os dias pelos corredores da
FMV por conta das ameaças diárias
de demissões em massa. Bastava
alguém acordar de ovo virado e
uma pessoa perdia o emprego, era
só não estar no lugar certo pra ver.
Aproveitei para vasculhar o
blog e fazer a seleção dos
comentários que usaria na
entrevista.
Eu deveria estar parecendo
uma lunática, porque olhava para a
tela e sorria.
Passados quinze minutos e
alguns comentários selecionados, a
Srta. Mascarenhas deixou a sala
acompanhada de Danilo que ao me
perceber sentada veio em minha
direção. Ela me olhou com uma
cara de fedor que me deu até um
arrepio na espinha, mas não se
podia negar que era uma mulher
linda, apesar da cara de carranca.
— Já está aqui há muito
tempo?
— Não, acabei de chegar.
Ele me convidou para entrar
em sua sala até que terminasse de
enviar alguns e-mails. Eu precisava
ir ao banheiro depois de tantos
copos de água, mas ele prontamente
me informou que havia um banheiro
privativo em sua sala. — chique
neh? E eu se quisesse ficar seca até
o final do dia precisava atravessar
quase que a empresa inteira para ir
ao banheiro.
Usei o banheiro, quer dizer,
espiei mais do usei, porque foi
rapidinho e quando estava
retocando o batom ouvi a voz
sebosa e inconfundível de Mia.
Não o deixei sozinho nem
cinco minutos, e ela estava lá
esparramada na poltrona do
escritório dele como se isso fosse
uma situação habitual. Estava muito
sorridente, e gesticulava bastante e
eu resolvi ficar à espreita,
espionando pela fresta da porta. Um
pouco porque queria saber qual
seria a reação dele (qualquer uma
faria o mesmo no meu lugar, não
adianta bancar a centrada) e outra
porque precisava me acalmar e não
voar nela.
Danilo educadamente tentava
evitar que ela fizesse algum tipo de
escândalo, porque a essa altura ele
já havia percebido do que ela era
capaz para chamar atenção. Ele se
manteve o mais distante possível,
mesmo diante das tentativas
insistentes dela. E eu fiquei ali,
atrás da porta fervendo de raiva.
— É muita gentileza sua vir
até aqui e me fazer este convite,
mas eu realmente ando muito
ocupado ultimamente. Quem sabe
quando a Fernanda vier nos visitar
não conciliamos nossas agendas e
assim saímos todos juntos.
— Eu duvido muito que ela
me avise se por acaso vier aqui.
Não viu o que ela fez comigo
quando fui até o Rio?
— Não a leve a mal, ela
apenas já tinha outro compromisso.
E não querendo ser indelicado após
uma visita tão cortês, mas eu
realmente preciso continuar o
trabalho aqui. Aviso a Fernanda que
esteve aqui.
— Até você vai me expulsar?
Mas era piranhuda mesmo!
Não se daria por vencida nem que
ele a jogasse pela janela.
— Longe de mim, mas o
momento não é o mais oportuno
para uma visita. Aceitei recebê-la
por se tratar de um familiar da
minha namorada e porque achei que
seria breve. Em todo caso, creio
que possamos desfazer essa má
impressão em um almoço, quando a
sua prima estiver na cidade. Devem
ter muitos assuntos que gostariam
de conversar.
Quando ela pareceu perceber
o papel ridículo que estava
fazendo, rapidamente suas
bochechas ganharam o tom
“vermelho vergonha”. Levantou-se,
se despedindo dele e saiu da sala.
Como não tinha outra opção
fechei a porta com muito cuidado
sem fazer nenhum barulho e colei o
ouvido na porta. Ela estava de
saída, mas isso não era segurança
de que não tentaria mais nada até
que a porta se fechasse.
Mas, não estava conseguindo
ouvir nada até que em um
movimento rápido a porta foi aberta
e eu cai espatifada no chão com as
pernas para o ar.
Danilo não conseguia me
ajudar porque estava às
gargalhadas e eu não conseguia me
levantar porque estava rindo da sua
risada.
Levamos algum tempo até eu
estivesse de pé novamente, o mais
espantoso foi que minutos após me
celular vibrou uma mensagem de
número desconhecido.
DESCONHECIDO: Priminha
seu namorado está se comportando
muito bem, marcamos de sair para
conversar. Ele é tão receptivo que
fiquei desconfiada, mas acho que
deve ser bobagem da minha cabeça
por estar preocupada com você
namorando alguém a distância.
E-mail 1 – Antes do
post no blog
Repense sobre a sua
decisão e verá que não é a
melhor maneira de enfrentar
o fim do nosso
relacionamento.
Tivemos momentos
incríveis e se não fosse por
sua possessividade
estaríamos juntos ainda.
Me liga e podemos
conversar.
E-mail 2 – Depois da
postagem
Você perdeu a noção
de tudo, deve ser isso.
Quando você achou
que seria uma boa ideia se
expor de uma maneira tão
ridícula e infantil assim?
Se não foi bom para
você o tempo em que
namoramos, imagine para
mim que tinha uma louca
neurótica me ligando e
enchendo minha caixa de
mensagem com recados sem
fundamentos e totalmente
idiotas.
Você foi o erro mais
grotesco que cometi na
vida, sua frustrada de
merda. Sabe por que eu não
aguentei muito tempo com
você sem procurar uma
substituta? Porque ninguém
é capaz de ficar com uma
pessoa que só sabe sufocar
com cobranças.
Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
Publiquei no site e olhei para
o celular ainda sem nenhum retorno
de Danilo. Já estava um pouco
tarde, na manhã seguinte ligaria
novamente e faria a proposta.
Estava pegando no sono
quando o telefone começou a
vibrar, gritar, cuspir fogo, acionar
duendes só para avisar que Danilo
estava retornando minha ligação.
— Oi, minha deusa, a que
devo a honra dessa ligação?
— Um convite.
— Já comecei a gostar.
— Como eu havia dito a você
antes, Conrado me convidou para
fazer parte do projeto publicitário
das empresas dele.
— Sim e espero que tenha
aceitado o convite, é uma grande
oportunidade profissional para
você. No que precisar de mim,
saiba que será um prazer ajudá-la.
E sou bem flexível quanto ao
pagamento, aceito sexo como
moeda de troca.
— Eu agradeço por estar me
apoiando, mas eu gostaria de fazer
uma proposta. E adorei a forma de
pagamento.
— Que proposta? Esta
conversa está bem interessante.
— Quero que se junte à
equipe, e que me ajude a apresentar
o projeto publicitário mais
impressionante que Conrado já viu.
— Esteja em meu
apartamento na sexta à noite e
começamos a esboçar algumas
ideias. Qualquer coisa para vê-la
sorrir.
— Eu posso pagar adiantado.
— Estou contando com isso.
A semana foi cheia, me
desdobrei entre o blog, ajudar
Cíntia com uma festa temática para
um grupo de clientes que havia
fechado o bar para um evento
particular, ir até a empresa de
Conrado, definir a equipe que faria
parte do projeto publicitário e
começar a pôr em pauta todas as
ideias que surgiram para apresentá-
las a Danilo.
Na sexta à noite como era o
combinado, desembarquei em São
Paulo, mas dessa vez peguei um
táxi e fui direto para o apartamento
dele. Conferimos o projeto até às
duas da manhã quando o sono nos
venceu. Acabamos dormindo entre
os papéis no tapete da sala e só
acordamos porque a vizinha do
andar de cima estava dançando
samba de salto alto, só pode.
O final de semana passou e
definimos a prévia de apresentação
para o projeto. Se fosse aceito, esta
seria a direção que seguiríamos, se
não voltaríamos à estaca zero.
A melhor parte do final de
semana foram as pausas de
descanso que acabavam por nos
deixar ainda mais exaustos. Não
que eu estivesse me queixando,
longe de mim.
A semana seguinte não foi
mais tranquila que a anterior e
assim foram as semanas que se
seguiram.
Entre as idas a São Paulo nos
finais de semana para definir as
próximas etapas do projeto, tentar
arrancar de Cíntia quem era o cara
que ela estava “namorando”, ter
paciência para suportar certos
patrocinadores do blog que estavam
beirando o ridículo com o tipo de
propaganda que queriam que fosse
exibida, mesmo sabendo que não as
faria, o tempo foi passando.
Eu e Hanna havíamos
construído uma amizade, e ela e
Cíntia se deram bem também.
Acabamos saindo muitas vezes e
ela havia alugado um apartamento
ao lado do nosso, o que foi muito
benéfico para o trabalho que
estávamos tocando juntas.
Conrado estava mais
satisfeito a cada nova apresentação
que fazíamos. Ele havia até criando
um departamento que seria gerido
por mim e Hanna conjuntamente, o
que nos renderia mais cinco novos
projetos, menores, mas importantes.
Enfim, o grande dia havia
chegado. Quase dois meses após ter
recebido a proposta de Conrado,
estava na hora de apresentar a
edição final da propaganda que
apresentaria suas empresas para a
América e Ásia.
A versão estendida tinha
aproximadamente cinco minutos,
era um curta-metragem que seria
exibido em horário nobre nos
principais canais de comunicação
das localidades definidas.
Posteriormente esse vídeo seria
substituído pela propaganda de
trinta segundos em vários horários
e também em meios de
comunicação alternativo. Fora a
propaganda impressa.
Assim que terminamos
Conrado parecia em êxtase puro,
seus olhos tinham o brilho de uma
grata surpresa e eu estava cheia de
orgulho por tudo que havia
desempenhado.
Confesso que durante todo o
processo eu sempre me senti muito
insegura em relação à minha
participação, mas agora vendo tudo
o que havia sido feito eu estava
orgulhosa de onde havia chegado e
do que era capaz.
Assim que a apresentação se
encerrou, Danilo precisou voltar a
São Paulo, pois tinha uma reunião
no dia seguinte bem cedo e não
poderia se ausentar. Despedimo-
nos com muito profissionalismo
apertando as mãos, mas a vontade
que eu tinha era de levá-lo até a
minha sala, atirar os papéis no chão
e inaugurar sexualmente a minha
mesa. Só que não ia acontecer.
Triste, muito triste!
Enfim, uma semana tranquila
no trabalho e nas minhas funções
particulares. Tanto que consegui
sair para me divertir um pouco,
estava mesmo precisando. O dia
seguinte era sexta-feira e todas as
vésperas de final de semana eram
sempre um bom motivo para
comemorar.
Dancei muito, bebi horrores,
aproveitei até o último minuto, e
então o dia seguinte veio com uma
baita dor de cabeça que me não me
abandonou nem por um minuto.
Só que eu tinha um dia cheio
de trabalho, depois poderia voltar
para casa, me enclausurar no meu
quarto, desligar o telefone e
esquecer que o mundo existe. Mas,
no momento eu precisava acordar e
ficar pronta para ir com Hanna para
o escritório.
— Garota, você não está com
uma cara muito boa não, vamos
parar em algum quiosque e você
toma uma água de coco para ver se
essa cara de ressaca ameniza —
Hanna disse enquanto entrávamos
no elevador.
— Isso seria maravilhoso. E
que minha nossa senhora das
ressacas me ajude a não golfar.
Minutos depois de chegar a
minha sala, a secretária do Sr.
Conrado me informou que ele
estava me aguardando.
Segui para lá e fiquei
esperando na antessala enquanto a
secretária me anunciava.
Quando entrei, Conrado me
felicitou pelo belo trabalho e
repetiu inúmeras vezes que estava
muito satisfeito com a nova equipe
que havia formado. Tudo estava
muito bom, até que ele me pediu
para que me sentasse, pois gostaria
de conversar um assunto mais
sigiloso.
— Por favor — ele indicou
com a mão para que eu me sentasse
na cadeira que mais parecia uma
poltrona de tão confortável. —
Aceita alguma coisa para beber?
— Uma água, por favor.
Ele acionou a secretária que
rapidamente apareceu com água e
uma xícara de café, deixando-as
sob a mesa e saindo em seguida.
Ela entrou e saiu tão rápido que me
perguntei se ela havia mesmo
estado ali.
— Sei que não preciso pedir
discrição e sigilo a respeito do que
falaremos agora, mas em todo caso
é sempre bom deixar claro o que
pode ou não ser conversado fora
das paredes desta empresa.
— Pode contar com a minha
total discrição, não se preocupe.
Pelo tom da conversa o que
estava por vir era realmente sério.
Será que eu seria demitida outra
vez? Mas, eu tinha feito tudo tão
direitinho.
— Não sei se é do seu
conhecimento, mas eu sou um dos
acionistas da FMV. Já cogitei me
desfazer dessas ações em diversos
momentos, mas por algum motivo
sempre acabava desistindo em cima
da hora. E agora vejo que foi uma
das melhores decisões não
tomadas.
Cadê o botão de “pausa,
choquei” quando a gente precisa
dele? Gente do céu, todo mundo
sabia de tudo dentro daquela
empresa, até os podres da alta
cúpula eram debatidos pelos
corredores, mas essa informação
era realmente uma surpresa.
— Essa semana o meu grupo
comprou mais algumas ações, o que
me torna sócio majoritário da
empresa. Mas, você deve estar se
perguntando o que tem a ver com
tudo o que estou falando. E é
exatamente sobre isso que
falaremos agora.
Nesse exato momento Hanna
entra na sala como se estivesse
cronometrado o tempo para uma
entrada de efeito e se senta na
cadeira ao lado da minha. Eu
deveria ser a única pessoa a não
saber o que estava acontecendo.
Normal.
— Oi, Hanna — disse em um
sussurro quase inaudível.
— Oi — ela me respondeu no
mesmo tom.
— Srta. Linhares, que bom
que chegou, estava aqui informando
sobre a compra das ações da FMV
e é bom que esteja presente, pois
será companheira da Srta. Bournet
nesse novo projeto. — Ai meu
Deus, agora eu ia ter um troço. —
No começo do mês as duas irão
assumir o comando da FMV e
espero que assim como os projetos
que desenvolveram até agora,
obtenham sucesso. Afinal as duas
conhecem perfeitamente o
funcionamento daquela empresa, e
nada mais sensato do que transferi-
las. Mas, quero deixar claro que
ainda estão à frente dos projetos do
departamento de criação e
desenvolvimento estratégico.
Hanna e eu nos entreolhamos
sem entender se aquilo estava
realmente acontecendo ou se era
uma realidade paralela em que
nossos maiores desejos se
realizavam.
— Antes de saírem eu
gostaria de dizer que tem carta
branca para fazer a alteração de
pessoal que julgarem necessárias.
Montem uma equipe tão eficiente
como a que temos aqui.
E foi assim que a conversa
acabou, com uma das melhores
notícias que recebia em muito
tempo. Saímos de lá, eufóricas,
porém contidas. O caminho até a
minha sala parecia ter ganhado
muitos passos a mais do que
verdadeiramente tinham, tamanha
era a nossa vontade de poder
extravasar.
Nada melhor do que um dia
após o outro. Murilo que me
aguarde, eu estou voltando e agora
quem daria as cartas desse jogo
seria eu. Quanto a Letícia, eu não
estava no meu momento mais cruel
para definir o que faria com ela.
18
DE ACORDO COM A LEI
AUREA,
DESDE 1888
QUE #NÃO SOU TUAS NEGA!
A semana passou depressa
diante de tantas coisas para
organizar, a finalização dos
trabalhos que estavam pendentes e
que deveriam ser entregues antes de
assumir o novo cargo na FMV.
Eu ficava com dor de barriga
cada vez que pensava nas inúmeras
formas que Murilo encontraria para
me matar, quando descobrisse a
pessoa que assumiria a sua função
assim que fosse substituído.
Já era sexta à noite e eu tinha
cerveja gelada, música boa tocando
no meu computador (eu só funciono
com música, quanto maior o caos,
maior a minha concentração. O
silêncio me desespera), comida
para um exército e disposição.
Eu teria todo o final de
semana para colocar em ordem tudo
o que estava atrasado, e por que
não começar agora? Já que Cíntia
passaria o final de semana fora e
Danilo estaria em uma viagem de
negócios no Sul e só retornaria no
meio da semana para casa. Eu não
teria distrações para me fazer
perder tempo, mas como tudo na
vida parece estar preso a um eterno
dia do contrário a campainha tocou
me fazendo levantar em um pulo do
sofá.
Não adiantaria fingir que não
estava em casa, pois o barulho da
música já tinha me denunciado e
como estava sozinha não havia a
menor possibilidade de eu mesma
dizer que eu não estava (se bem tem
horas que dá vontade).
Pelo olho mágico a figura
distorcida de Yuri havia se
materializado em minha porta.
Fiquei alguns segundo
pensando se deveria abrir a porta
ou não, mas acho que acabei
pensando alto porque ele começou
a sorrir do outro lado.
— Eu não posso te ver
através da porta, mas posso te ouvir
— ele disse sorrindo.
— Se ouviu, então deduziu
que eu não estou recebendo visitas,
melhor passar depois. — No mês
do nunca mais seria bem
interessante, pensei.
— Prometo que não vai levar
muito do seu tempo, só estava
precisando de uma amiga para
desabafar. Sabe, Fernanda, as
coisas andam complicadas para
mim, e achei que fosse uma pessoa
com quem eu pudesse contar.
É isso mesmo, gente? Eu sou
a bruxa má, a sem coração, que não
é capaz de ajudar um amigo em um
momento de sofrimento?
É, sou sim! Sabe por quê?
Quando eu achei que poderia
confiar nesse ordinário eu quebrei a
cara, agora vou juntar os cacos e
retalhar a cara dele.
— Sinto muito, Yuri, mas
acho melhor mesmo você voltar
outro dia. Agora além de ocupada
não serei uma boa companhia para
ouvir suas lamentações por conta
da Letícia.
Eu estava na ponta dos pés
observando sua reação para cada
palavra que eu dizia e sinceramente
parecia que ele havia levado um
soco no estômago quando
mencionei o nome da “Piranhuda da
Silva”.
Como eu sou idiota, abri a
porta, e no minuto seguinte já
estava arrependida. Primeiro que o
cachorro já entrou tentando me dar
um beijo. Segundo, que ele se jogou
no sofá como se tivesse sido
convidado e terceiro e mais
importante, ele bebeu a minha
cerveja de uma só vez como seu eu
tivesse oferecido.
Vai lá, fica à vontade na
minha casa, porque eu já me
esqueci do chifre e do fora que me
deu. Tem problema não viu, eu vou
adorar saber o que ela te fez.
— O que você anda
aprontando? Está tão quieta, não a
vejo mais nas redes sociais e nem
nos lugares que costumava
frequentar.
— Tenho andado muito
ocupada, só isso, mas nada que me
prive de estar com as pessoas que
eu goste.
— Eu pensei que poderíamos
ser pelo menos amigos, mas vejo
que me cortou da sua vida
definitivamente.
— A questão não é essa,
Yuri, o problema é que sempre tenta
alguma coisa e eu não estou mais
interessada. Mas, se quiser ser meu
amigo — saboreando a palavra,
confesso tem gosto doce — eu não
vejo problema em marcarmos
alguma coisa qualquer hora.
Suas tentativas de chamar
minha atenção para sua aparente
tristeza estavam ficando mais
patética a cada segundo. Não que
eu fosse uma pessoa que desse
conta de passar por um pé na bunda
forte e valente, o blog estava aí
para provar o meu fracasso nesse
quesito, mas eu não fiquei
choramingando no sofá deles (até
porque eles nunca me deixariam
voltar, porque era bem capaz de eu
incendiar o sofá e o resto) ou
ligando o tempo todo para saber o
que estava acontecendo com cada
um. Eu simplesmente peguei minha
dor e vergonha, escrevi tudo em um
lugar da internet onde todos
tivessem acesso e depois
aterrorizei cada um deles com uma
possível exposição de seus lindos
rostinhos. De todos o único que não
ligou para o e-mail ameaçador foi o
Hugo, o rato de academia. O
perturbado achou que seria
propaganda e não uma bomba.
E outra, eu não sou nenhum
muro das lamentações, ainda mais
quando a pessoa quer se lamentar
pelo fora que levou da pessoa por
quem ele me deu o fora. Vamos
combinar, eu sou idiota, mas não
em escala preocupante.
— Eu acho que cometi o
maior erro da minha vida quando
troquei você por aquela menina
mimada que só pensa em seus
próprios interesses.
— Eu tenho certeza disso,
mas isso que dá pensar só com a
cabeça de baixo.
— Nossa, essa doeu.
— Passa gelou, que passa.
Agora, se me der licença eu
realmente preciso trabalhar.
Ele se levantou e seguiu em
direção à porta, mas antes de sair
se virou tão rápido que não pude
evitar que ele me desse um beijo.
Nessa hora eu comecei a
enxergar todas as cores que a raiva
era capaz de colorir. Minhas mãos
instintivamente seguiram direto
para o rosto dele, em um tapa tão
forte que o barulho estridente me
fez voltar à realidade.
— Saia da minha casa, da
minha frente e da minha vida.
Espero nunca mais precisar olhar
nessa sua cara nojenta. Entenda uma
coisa, quando uma mulher diz
NÃO, é NÃO!
— Me desculpa Fê, eu não
queria ofender você, mas tantas
vezes você já me disse não e
depois acabou cedendo que eu
achei que estivesse fazendo isso.
— Ah, vai pro inferno! Não
me venha bancar o inocente, eu te
recebi na minha casa para que
pudesse ter com quem falar, apesar
de não ter tempo, nem interesse
para suas lamentações e é assim
que me paga. Sinceramente, você e
a Leticia se merecem, você deveria
ter ido atrás dela, com certeza o
Murilo não está dando a ela tudo
que precisa.
— Me desculpa mesmo, eu só
faço cagada. Você está certa em me
falar tudo isso, acho até que está
pegando leve comigo, eu estou indo
agora e espero que essa idiotice
não te afaste de mim.
É sério isso?!
O cara chega aqui, fala um
monte, tenta me beijar no susto e
ainda vai bancar o coitado? Eu
poderia até sentir pena dele, mas
não estou com a menor disposição
para fazer cosplay de galinha hoje.
O ajudei a encontrar o resto
de coragem que faltava para abrir a
porta e a fechei, trancando em
seguida. Vai que ele acha que ainda
não desabafou o suficiente e
resolve voltar? #SQN.
Peguei outra cerveja e fui
para o sofá tentar trabalhar, porque
sinceramente eu acho que não vou
conseguir fazer mais nada depois
dessa visita. Não que Yuri ainda
mexesse comigo, mas que era
estranho ele aparecer do nada, e
ainda por cima agir como se
fôssemos amigos de longa data e
não ex-ficantes, sim, porque
namoro passou longe daquela
esculhambação que tivemos.
Abri os e-mails para definir
quais seriam minhas prioridades
para o final de semana e comecei a
responder os mais urgentes. Havia
pedido de aprovação para cotação
do novo projeto, solicitação de
criação de arte e contratação de
temporário.
A noite passou e nem percebi
o sol aparecer timidamente pela
janela anunciando o novo dia.
Desliguei o computador e fui
descansar um pouco, estava
esgotada e não sairia mais uma
linha sequer.
Ativei o despertador para as
dez da manhã e me atirei na cama
como se não houvesse o amanhã.
Pena minha alegria não ter durado
nada. Meu celular começou a vibrar
debaixo do travesseiro sem parar.
Olhei o visor ainda sem muito
interesse e a imagem da minha mãe
estava estampada lá, o que me
deixou em alerta no mesmo minuto.
— Bom dia, Fernanda.
— Bom dia, mãe. Aconteceu
alguma coisa para me ligar tão cedo
no final de semana?
O suspiro de insatisfação não
foi disfarçado e eu sabia que as
palavras seriam usadas contra mim
e não iria demorar muito.
— Eu também estou
morrendo de saudade filha, claro
que você pode vir até aqui almoçar
com a sua família e contar as boas
novas, inclusive que está de
namorado novo. Sim, porque se é
não a bico frouxo da sua tia, eu
jamais saberia que este milagre
aconteceu.
Droga, eu tinha me esquecido
completamente que a sonsa da Mia
havia descoberto sobre mim e
Danilo, e era certeza que ela
encontraria uma maneira de me
colocar em uma situação
desconfortável.
Eu devo ter sido indiana na
encarnação passada e ela deve ter
sido minha vaca sagrada, só pode!
— Mãe, sem drama. Cover
da Maria do Bairro logo cedo, ah
não.
— Ah, mas quando eu fizer a
Marimar vingativa você vai sentir
falta da Maria do Bairro chorona.
— Dona Carla, eu sei que
terei que passar o relatório
completo, então é muito bom que o
almoço seja recheado dos meus
pratos favoritos.
— E é muito bom que o seu
namorado venha almoçar conosco.
O Arnaldo, mais conhecido como o
senhor seu pai, está muito curioso a
respeito desse seu relacionamento
que a família não pode saber.
— Infelizmente, amor da
minha vida — fiz barulho do beijo
e pude ouvir sua risada abafada do
outro lado da linha, ela sempre
sorria quando falava isso — o
rapaz em questão não poderá estar
presente, porque além de não tê-lo
preparado psicologicamente para a
entrevista, ele também não está na
cidade. Não sei se a fonte que te
contou a notícia também informou
que ele não mora no Rio.
— Eu acho que sobrou muito
pouca coisa para me contar, para
falar a verdade — sorrimos muito
— mas mesmo assim, queremos
saber de você o que realmente está
rolando.
— Ui, toda trabalhada na
fonte da juventude, mas tudo bem,
eu vou tomar um banho para ver se
afasto o sono e logo chego aí.
Fazia algum tempo que não ia
até a casa da minha mãe, ou mesmo
telefonava para saber como iam as
coisas. Eu sempre deixava para
ligar quando estava em casa, mas
os últimos tempos o meu
apartamento era o lugar menos
tranquilo para fazer isso e então o
tempo foi passando.
Tomei um banho e me arrumei
para sair. O dia estava fresco, um
vestidinho leve e uma rasteirinha
seria o ideal. Fiz uma trança nos
cabelos, passei rímel, batom e
perfume e sai.
Decidi ir andando, afinal,
tirar o carro da garagem para
percorrer a distância de duas
quadras seria um exagero e o dia
estava tão bonito que compensaria
a caminhada.
Na portaria, o senhor João
logo me reconheceu e autorizou
minha entrada, quando o elevador
se abriu, minha mãe estava parada
em frente à porta e me arrastou
apartamento adentro.
— Vamos, entre, antes que
desista e acabe encontrando algo
mais interessante para fazer.
A minha mãe sempre tem
dessas coisas, como se eu a Cátia
fôssemos sair correndo sem motivo,
apenas para irritá-la.
Cátia, minha irmã mais velha
que por acaso mencionei, existe e
está se separando (no papel, porque
de resto a coisa toda havia acabado
fazia tempo), depois de doze anos
em um casamento, descobriu que o
marido não era tão abdicado e
certinho como acreditava. Agora
estava na casa da minha mãe
novamente, até que tudo se
resolvesse. Ela é do tipo de mulher
que não se importa em recomeçar, e
pegou a todos de surpresa quando
anunciou seu divórcio, porque
ninguém sequer cogitava que o
casal modelo era apenas fachada e
aparências. Tudo sempre era tão
perfeito, a troca de olhares, os
carinhos, a atenção que ele tinha
com ela, que todos acreditavam que
seu casamento ia às mil maravilhas.
Ela se casou com Túlio, um
cirurgião plástico, muito
engomadinho e que nunca me
desceu goela abaixo. O cara era
estranho, cheio de tiques e ficava se
repetindo, para se vangloriar com
cada nota que saísse a seu respeito
nas colunas sociais. Sim, porque
ele é um dos cirurgiões mais
procurados entre as celebridades, o
que dava a ele tempo, dinheiro e
oportunidade para manter seus
casos, mas isso é claro que ele e
Cátia sempre fizeram questão de
deixar bem escondidinho debaixo
do tapete, para que ninguém
percebesse que o castelo em que
construíram toda aquela ilusão, não
passava de um castelo de cartas que
um simples assopro pudesse por
abaixo.
Ela estava mais magra do que
era seu habitual, seus olhos estavam
fundos, seu cabelo preso em um
coque velhota e suas unhas um caso
perdido. Havia se passado um mês
desde que ela se mudou para o
apartamento de mamãe e ainda
parecia chocada como se tivesse
acontecido tudo no dia anterior.
Ela passou tão rápido pela
sala, me dando um sorriso fraco e
envergonhado, que decidi que
conversaria antes com a minha mãe
e depois resolveria o problema da
minha irmã. Em matéria de levar o
pé na bunda eu sou mestra PHD.
Segui minha mãe até a
cozinha e a ajudei a colocar a mesa.
Tinha tanta comida que mais
parecia uma festa do que um
almoço familiar, mas a minha mãe
sempre foi assim.
Eu me lembro de que meus
namoradinhos da época da escola
viviam enfurnados em casa
comendo tudo o que minha fazia
(menos eu, é claro). Ela tem a
mania de convencer as pessoas a
contar tudo o que ela está
interessada em saber dando comida
em troca. Isso nunca vai mudar.
Entre uma beliscada aqui e
outra ali, eu contei como havia
conhecido Danilo e de como nossa
relação tinha evoluído, apesar da
distância e como era de costume
meu pai ouvia tudo da sala,
enquanto fingia assistir a televisão
e tomar cerveja.
O interrogatório seguiu na
mesa, durante o almoço e enquanto
eu lavava a louça depois de
comermos. Descobri que a minha
mãe havia se aventurado na internet
para procurar uma foto de Danilo e
ver se ele era bonito, o que me fez
rir muito e quebrar um copo.
— Nanda, eu queria mesmo
era que você conversasse um pouco
com a sua irmã, depois de tudo o
que aconteceu ela parece outra
pessoa, desde que chegou aqui não
sai do quarto, eu preciso insistir
para ela sair um pouco comigo.
— Mãe, é assim mesmo. Por
mais que a gente saiba que a pessoa
não merece nosso sofrimento,
precisamos sofrer por nós mesmos,
pelo tempo e esforço perdidos por
alguém que não valia nenhum
sacrifício. E com a Cat não vai ser
diferente.
— Eu sei, mas está
demorando demais essa dor de
cotovelo, sua irmã nunca foi de dar
tanta importância para homem
nenhum. E cá entre nós, se bem que
não é nenhum segredo, ela e o Túlio
não combinavam, eu sinceramente
não sei o que ela via naquela
criatura esquisita.
— O amor tem dessas coisas
mãe, mas eu vou lá falar com ela,
vai que acontece um milagre.
— Vai sim, porque não
conheço ninguém que saiba
terminar relacionamentos como
você.
Eu podia ter dormido sem
essa, mas não, fui querer filosofar e
me estrepei.
Quando estava no corredor
meu telefone começou a vibrar me
fazendo dar um pulo de susto. Eu
sei que posso parecer uma pessoa
muito assustada, mas tente não se
assustar com a vibração do meu
celular, daí a gente conversa.
Nota mental: trocar de
aparelho celular ou procurar um
cardiologista.
O número de Hanna estava no
visor do celular me fazendo parar
no meio do corredor e entrar no
banheiro social, vai que ela tenha
algo para me dizer que me deixe
animada demais para a vida triste
que a minha irmã parece estar
levando agora.
— Oi, Hanna, algum
problema?
— Não, querida. Por que
estava esperando problemas? —
Sua risada por mais baixa que
tivesse escapado me fez sorrir
também.
Hanna era o tipo de mulher
que não fazia a palavra “querida”
ter a conotação dissimulada que era
do costume feminino. Ela era
sempre divertida, mas não com
maldade.
— Não, longe disso, por
favor. Mas, o que aconteceu, caiu
da cama?
— Se ao menos eu tivesse
chegado até ela seria ótimo, mas
isso não vem ao caso agora. Eu
liguei para saber se você tem algo
planejado para esse final de
semana?
— Eu pretendia colocar o
trabalho em ordem, mas pela
animação parece que você tem
outros planos para mim, ou melhor
dizendo, para nós.
— Exatamente. Um amigo
está inaugurando uma casa noturna
hoje e me enviou algumas cortesias.
Eu não quero ir sozinha, então estou
ligando para saber se não quer ir
comigo hoje à noite.
Era a desculpa perfeita para
tirar Cátia de casa e dessa chatice
de sofrência, daqui a pouco ela ia
começar a ouvir arrocha e eu não
nasci para isso.
Combinei tudo bem direitinho
com Hanna para que não tivesse
nenhum furo e meu tatuzinho
resolvesse voltar para casa e fui
direto para seu quarto.
Arregacei as cortinas
deixando que a claridade invadisse
todo o quarto, depois abri o
armário e separei as roupas que ela
jamais deveria usar novamente,
como fiz com as minhas depois do
Danilo ter encontrado minha
calcinha estilo vovó que ele
carinhosamente apelidou de barraca
de camping.
Separei uma calça e uma
camiseta que com certeza absoluta
ficaria esplêndida nela, sapatos
altos e bem vermelhos (precisava
me lembrar de adotar essas
gracinhas depois) e mandei uma
mensagem para a Vivi pedindo que
ela viesse até a casa da minha mãe
armada de pincéis, sombras, pentes
e laques até o dente, pois a missão
que encontraria seria a mais
complicada de sua vida.
Cinco minutos se passaram
até que Vivi me respondesse
avisando que chegaria em vinte
minutos.
Quando puxei o edredom foi
que percebi que a coisa estava mais
feia do eu imaginava. Cátia já não
tinha bolsas de inchaço debaixo dos
olhos, eram malas de viagem. Seu
cabelo estava todo embaraçado, e
não vou nem falar das unhas e das
pernas cabeludas.
Se as pernas estavam naquele
estado, imagine onde o sol não
bate?
A arrastei da cama até o
banheiro, e não que eu quisesse
tomar banho, mas não encontrei
outra alternativa. Lavei seus
cabelos e parei por aí, porque já
me custa colocar a mão nas minhas
coisas, imagina nas alheias.
Ela parecia não estar ali,
estava calada, obedecia a tudo o
que ordenava e aquilo foi me
enchendo a paciência, que acabei
dando-lhe duas bofetadas na cara.
—Ah, pelo amor de Deus
reage criatura, vai ficar desse jeito
por conta de um homem que não
soube te dar valor? O que mais
pretende fazer, vai definhar até
morrer? Se for, avisa, porque nem
perco meu tempo.
Eu sei que estava sendo dura,
que deveria deixar que ela tivesse
seu tempo para colocar tudo para
fora e depois seguir em frente. Mas,
já era tempo demais sofrendo por
alguém.
— Eu não estou assim por
conta da separação. — Sua voz saiu
baixa e sentida.
— E então por que outro
motivo seria?
— Aquele desgraçado me
colocou como sócia dos negócios
dele e eu investi tudo o que tinha,
mas uma semana antes de tudo
acontecer ele me fez assinar uns
papéis, confesso que li alguns e
como parecia estar tudo em ordem
assinei os demais, mas entre a
papelada estava um contrato em que
eu transferia todas as minhas ações
para ele. E agora eu estou aqui
novamente, na casa da minha mãe
como se não tivesse feito nada da
minha vida, completamente
dependente dos meus pais outra
vez. Acha isso pouco, Nanda? Acha
pouco eu estar de volta à estaca
zero com trinta e nove anos de
idade?
Acho que esse tapa doeu bem
mais do que os que eu dei nela.
Estar na pele dela realmente
devia ser doloroso demais, eu
talvez estivesse pior, mas não iria
deixar que ela caísse mais do que
já estava.
Além de mostrar a ela que
esse não era o fim e sim um
recomeço, eu também precisava
encontrar um advogado, na verdade
o melhor que existisse.
Danilo poderia saber, enviei
uma mensagem e rapidamente ele
me respondeu com o nome do
Eduardo. Disse ainda que o lado
pessoal de Eduardo poderia ser
uma bagunça completa, mas que não
confiaria a nenhum outro advogado
qualquer ação que ele fosse dar
seguimento e me enviou o telefone
dele.
Enviei uma mensagem no
instante seguinte, enquanto Cátia
tentava pentear os cabelos e logo
meu telefone estava tocando.
Contei a Eduardo por alto o
que havia acontecido e ele de
pronto pediu que fôssemos ao seu
escritório na segunda-feira no
primeiro horário, mas como eu
estava com a agenda cheia às voltas
para deixar tudo em ordem para me
apresentar na FMV no começo do
mês teria de encontrar uma outra
maneira de encontra-lo junto com
Cátia. Então, a melhor saída para
toda essa situação, seria marcar na
tal casa noturna logo mais a noite e
assim os dois se conheceriam e
ficaria mais fácil resolver tudo.
Quando encerrei a ligação e
marquei tudo com Eduardo, Vivi já
estava no quarto tentado descobrir
por onde começaria a desfazer toda
aquela bagunça que a minha irmã
tinha se transformado.
Mas, a Vivi era uma gênia e
logo Cátia se parecia com a Cátia e
não um zumbi estranho que morava
embaixo do edredom.
Pegamos uma carona com a
Vivi e fomos ao meu apartamento
para eu pudesse me trocar e esperar
a Hanna. Avisei sobre a presença
de Cátia e Eduardo para que não se
assustasse quando os visse comigo
e tal qual não foi a minha surpresa
quando ela achou uma maravilha e
me disse que eu poderia convidar
quem mais eu quisesse. Mas não
vamos abusar da sorte, porque
provavelmente o Eduardo levaria
os rapazes, claro que levaria.
A casa noturna era realmente
um espetáculo, luzes piscando,
decoração impecável, pessoas
circulando tranquilamente e garçons
quase despidos, isso mesmo o que
você leu, homens enormes em trajes
minúsculos carregando bandejas
nas mãos e anotando pedidos. Não
me pergunte onde eles guardavam o
papel e a caneta porque para essa
resposta eu preferi me manter na
mais absoluta ignorância. Se é que
me entende?
O tal amigo da Hanna era de
se lamber com os olhos e morder
com a testa. Um tipão de fazer
inveja a muita gente, mas a medida
que fomos conversando, Cátia me
encarou com aquele olhar de “esse
aí não engana mais nem a mãe” e
precisei me segurar para não sorrir.
Fábio quando nos deixou na
área VIP já tinha conseguido me
fazer ir ao banheiro três vezes de
tanto que demos risada, ele é uma
pessoa ótima, daquelas que
queremos ter sempre por perto.
O lugar prometia ser um
sucesso e eu estava me divertindo
horrores e percebi que Cátia estava
bem mais leve do que quando a
tirei das cobertas hoje. Acho que
ela precisava por tudo para fora,
assimilar de uma vez o que tinha
acontecido e isso só foi possível
quando ela criou coragem e disse
em voz alta o que estava rodeando
seus pensamentos a tempos.
Já estávamos ali há mais ou
menos uma hora e nada do Eduardo
dar as caras. Já estava quase tendo
um ataque quando ele nos
encontrou.
— Boa noite, meninas.
E como era de se esperar
Lucas e Flávio estavam com ele.
Apresentei as meninas e desci para
pegar uma bebida o que foi um
tremendo erro. Nunca sei a direção
de onde estou para poder voltar.
Um dos garçons que encontrei
no meio do caminho me disse que
eu deveria seguir em frente e subir
as escadas que estaria de frente à
sala VIP, e assim o fiz. Mas, quando
entrei era tudo muito diferente de
onde estava, não havia mesas, as
pessoas dançavam frenéticas com a
batida da música. Todas muito
animadas e já com alguma dose de
álcool que justificasse cenas tão
bizarras.
No meio de dois homens
enormes estava ele, Cláudio. E
como não reconhecer o seu único
ex-namorado que não te trocou por
outra mulher, porque preferiu te
trocar por outro homem?
Me senti no programa do
Serginho Malandro e ele gritando:
A porta dos desesperados!
“DOS MESMOS CRIADORES DE
EU NÃO DEVERIA TER ME
PRESTADO A ISSO, VEM AÍ:
REVIVENDO AS MERDAS DO
PASSADO.”
Você acha que o seu ex está
agindo estranho, combinando mais
acessórios do que você, mesmo
assim:
“AQUELE MOMENTO
DA VIDA EM QUE SER
OTÁRIA PODE TE TRAZER
BENEFÍCIOS, SQN”
Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
Beijos
ardidos, Pimenta Rosa.
UM DOCE DE
#PIMENTA
Os últimos tempos têm sido
complicados, depois que a Império
perdeu a conta das empresas de
Conrado definitivamente, desde que
ele adquiriu a maioria das ações da
FMV. Não faria muito sentido ele
manter sua conta conosco quando
uma de suas empresas era nossa
principal concorrente e dispunha
dos mesmos serviços que nós. Mas,
aos poucos tudo foi voltando a
normalidade, à medida que
conquistamos novos contratos que
supriram o desfalque financeiro
causado pela perda da conta.
Estava no meio de uma dia de
trabalho quando a ligação de Pedro
me pegou de surpresa, eu já estava
sabendo sobre a relação entre ele e
a amiga de Fernanda, mas o que eu
não esperava era que esse namoro
se tornaria algo tão sério, como um
casamento e com o adicional de
uma gravidez.
A intimação de que eu
deveria estar no Rio nos próximos
dias para comemorar o noivado em
um jantar simples entre os amigos,
me deu tempo para organizar minha
agenda e agilizar os projetos que
estavam prestes a serem lançados.
Deixei algumas recomendações
para que fossem cumpridas durante
minha ausência e segui para o
aeroporto.
Esperava poder aproveitar
esse tempo com Fernanda, havia
muito tempo desde a última vez que
nos vimos, e apesar do muito
trabalho eu precisava aliviar certas
tensões que já estavam começando
a atrapalhar minha concentração. E
talvez, se desse sorte, Fernanda
tivesse confiança o bastante para
me contar sobre o blog que ela
estava escrevendo há meses.
Uma semana após nosso
jantar naquele restaurante encontrei
minha secretária aos risos quando
voltava de um almoço de negócios
e descobri que o motivo para tantas
risadas era uma página na internet
com nome muito sugestivo.
Segundo ela, a pessoa por
trás do blog tinha as melhores
histórias para contar, mas tinha
certa pena por tudo o que acontecia
constantemente nos relacionamento
em que ela embarcava, senti que ela
torcia pela tal pessoa de alguma
forma, para que tivesse alguma
sorte, porque já havia passado por
situações que ninguém merecia
passar. Em minha sala resolvi
perder algum tempo para verificar
se era realmente tão avassalador
como parecia, eu estava curioso e o
que me chamou a atenção logo que
abri a página era a quantidade de
inscritos, o que significava que uma
parcela considerável de pessoas
estavam dispostas a ler o que esse
tal blog tinha a dizer e era bem
provável que a pessoa por trás da
máquina fosse uma excelente
publicitária, e eu estava precisando
de alguém assim com urgência.
Mas qual não foi a minha
surpresa quando uma assinatura me
chamou a atenção.
Li atentamente cada palavra e
nem percebi o momento em que
comecei a sorrir também. O humor
casado a muita ironia dava um
toque muito pessoal e original ao
que se propunha o site.
Mas, foi na noite em que
participamos do coquetel de
Corado que tive plena certeza de
que era ela a mente por trás de
tudo. A forma como tentava se
esquivar do ex-namorado, como
fingiu manter uma relação comigo,
quando a única coisa que fez
enquanto tentava me aproximar, era
me repelir, e por fim o beijo para
comprovar sua mentira.
Ela em nenhum momento
tentou ser sutil ou disfarçar suas
insatisfações com o sexo oposto,
era mais fácil me provar que eu era
a escolha errada.
Entrei no site e decidi
provocá-la, e nada surtiria mais
efeito do que uma crítica explicita.
Foi assim que surgiu o
@homemdossonhos. Em sua última
postagem eu fiz questão de enfatizar
que o problema talvez não fosse as
pessoas com quem ela se envolvia,
deixei claro que o problema seria
dela e isso a fez subir e rodopiar, e
como sei disso, a resposta
desaforada que recebi era a prova
de que eu tinha tocado no ponto que
doía.
Mas, o tempo foi passando e
ela não me dava nenhum indicio de
que algum dia fosse me contar nada
a respeito do blog, mesmo quando
nossa relação foi ficando mais
séria, depois de passarmos algum
tempo juntos e eu falar sobre minha
família. Ainda assim ela não julgou
que devesse me contar. Eu posso
estar parecendo um maricas
choramingando desse jeito, mas
caramba eu teria que pegar mais
pesado se quisesse ouvir dela que o
blog mais comentado do momento
tinha o seu dedo e sua mente
diabólica envolvida.
Usei artilharia pesada, a
questionei em momentos inusitados
para que não tivesse tempo de
pensar em uma resposta evasiva e
nem assim aquela peste me contava
o que eu queria saber. Então decidi
dar tempo ao tempo.
Uma tarde ela me ligou para
avisar que havia sido afastada da
FMV e que provavelmente este
afastamento evoluiria para uma
demissão. Eu já havia escutado de
algumas pessoas que o Ruis andava
por ai furioso, porque havia
promovido sua secretária e feito a
ela inúmeros convites que pareciam
não estava surtindo o efeito que ele
desejava. Depois que ele soube que
ela estava saindo comigo então,
além de aumentar nossa rixa
pessoal, ele ainda ficou mais
furioso ao saber que só nos
encontramos por acaso, quando ela
foi enviada para São Paulo em um
curso inútil, que só serviria para
ele “ocasionalmente” encontrá-la e
conseguir enfim o que queria.
Infelizmente para ele o destino dela
era se encontrar “ocasionalmente”
comigo.
Uma semana após a demissão
de Fernanda eu teria um encontro
com Ruis. Na verdade estava
esperando por este momento há
algum tempo, desde que ele me
roubou uma conta para conseguir
sua promoção na empresa, o que
quase me custou a minha posição e
emprego dentro da IDV. E saber que
Conrado estava prestes a fechar
negócio com a FMV e que o
colocaria para fora dali me deu
ainda mais vontade de ficar cara a
cara com aquele verme.
Era um pequeno almoço, com
um cliente estrangeiro que estava
pretendendo montar diversos
pontos de sua empresa pelo país e
para isso precisaria contar com
todos os meios de publicidade
disponível e um deles era a IDV.
Por mais que o cliente tivesse
nos procurado, Ruis conseguiu
descobrir seu contato e marcar um
almoço para apresentar os serviços
da FMV, o que acabou sendo a
atitude que não o manteria na
empresa após a compra de
Conrado.
Por mais que ele tivesse
tentado e usado todos os recursos o
cliente preferiu nos contratar, a
empresa dele.
— Que surpresa encontrá-lo
Ruis.
— Sabemos que este não é
nosso acontecimento preferido no
dia, mas trabalhando no mesmo
ramo de negócio e é praticamente
impossível evitar esse tipo de
situação.
— Como estão as coisas na
FMV? Soube que a sua nova
assistente já deixou o cargo. Você
realmente não acreditou que uma
mulher como a Fernanda iria ceder
aos seus caprichos, não é? Porque
eu perderia a migalha de respeito
que ainda tenho por você. Não é
muita coisa, mas é um começo.
— As minhas pretensões não
te dizem respeito. E a Fernanda foi
demitida por falta de
comprometimento com seu trabalho,
nada mais que isso.
— O engraçado é que o nível
de comprometimento dela caiu
muito desde que soube que ela
estava comigo, mas não se
preocupe, você na verdade fez um
favor a ela quando a demitiu.
Assim, ela teve a grande
oportunidade de mostrar realmente
o seu potencial. E agora você é que
precisa correr contra o tempo para
reverter o prejuízo de perder uma
profissional como ela.
— Nunca tinha o visto na
posição de namorado agressivo,
confesso que é divertido, mas
maçante com o passar dos minutos.
Eu preciso ir, tenho mais com o que
me preocupar, minha prioridade no
momento não é saber para quem
minha ex-funcionária anda abrindo
as pernas.
Não me surpreendi quando
soquei a cara dele com toda minha
força, o deixando no chão. Não me
dei ao trabalho de escutar o que ele
pretendia me dizer, não faria
diferença e ele havia encontrado
seu lugar de verme, ali no chão, no
meio da rua.
Quando finalmente consegui
chegar ao Rio para o noivado
oficial de Pedro e Cíntia, não
esperava ter a ingrata visita do ex-
namorado de Fernanda sendo
anunciado pela recepção do hotel.
Eu não estava lá muito interessado
no que o tal Igor (acho que era esse
o nome do vermelhinho, se não era
também não me interessa) tinha a
dizer, mas pelo que entendi ele não
estava disposto a deixar o hotel
antes de falar comigo, então
autorizei que ele subisse até o
quarto, torcendo para que fosse
breve o assunto. Ele se convidou
para entrar e começou a falar sobre
o blog e de como Fernanda havia
sido baixa por expor a relação
entre eles de uma forma tão injusta
e infantil. Se você acha que eu
estava choramingando, é porque
não teve que escutar esse cara por
meia hora seguida. Em alguns
momentos eu achei que ele fosse
sair correndo e chorando com as
saias na mão.
Mostrou-me um e-mail que
ela havia enviado, e foi difícil
segurar o riso. Ela estava
completamente debochada, não
tinha filtro algum e pude perceber
que ela apesar da ironia
exacerbada, tinha muito cuidado
com cada palavra que usava em
suas publicações. Eu fiquei ali
lendo tudo e tentando manter a pose
de ofendido, sim, porque se eu
começasse a gargalhar na cara do
rapaz era capaz dele nunca mais se
recuperar. Homens como esse não
podem ter seus egos delicados
magoados ou não são capazes de se
recuperar nunca.
Quando por fim ele se deu
por vitorioso, acreditando que tinha
conseguido seu propósito, de
colocar Fernanda em uma situação
vergonhosa, se calou e esperou que
eu esboçasse alguma reação. Mal
sabia ele que a cada acusação que
fazia mais excitado e interessado
por ela eu ficava. E daí que ele foi
apenas um caso frustrado que ela
extravasou em página da internet?
Eu não teria o mesmo destino que
ele, porque eu sabia o valor da
mulher que estava ao meu lado e
essa era grande diferença entre mim
e os marmanjos descritos em cada
conto do seu blog.
Ao abrir a porta do quarto ele
ainda tentou me fazer acreditar que
eles tinham concordado em uma
relação aberta, mas percebeu em
tempo o papel ridículo que estava
fazendo e saiu sem olhar para trás.
Um segundo depois, batidas
na porta interromperam minhas
risadas, do outro lado estava
Fernanda, muito sem graça, o que
significava que ela havia
encontrado seu amigo no corredor
ou elevador. Eu não deveria, mas
me fiz de ofendido e decidi
sacanear com ela um pouquinho
antes de revelar que sempre soube
de tudo.
A questionei e ela começou a
gaguejar sem parar, segurar o riso
estava ficando cada vez mais
difícil, quando não pude mais
aguentar, comecei a gargalhar sem
parar. Ela me olhava sem entender
nada, porque acho que no fundo
esperava que eu estivesse furioso e
ao contrário disso eu estava quase
sufocando com a minha própria
risada.
Ela percebeu algum tempo
depois que eu estava realmente
sacaneando com ela por toda essa
situação e quando eu mencionei que
ela havia usado minha ideia sem me
incluir no projeto, vi seus olhos
alternarem de pânico para fúria,
senti o sorriso escapar da minha
boca e um frio gelado percorrer
minha nuca e espinha. Eu tinha
esquecido o quão diabólica ela
podia ser quando é passada para
trás.
Percebi que boa parte do que
significava aquele blog para ela era
por sua insegurança, de só ter
encontrado pessoas em seu caminho
que lhe apontassem os defeitos. E
de que mais somos feitos senão um
punhado de defeitos e algumas
qualidades que se sobrepõe a tudo?
Ela se lançou sobre mim
deixando escapar uma parte de sua
lingerie me levando à loucura. A
noite passou mais depressa do que
eu gostaria e tudo o que eu
precisava naquele momento era de
Fernanda em meus braços.
Na manhã seguinte acordei
com ela e seu cabelo bagunçado
espalhado pelo travesseiro. Dormia
tão tranquila que não me permiti
acordá-la.
Tomei um banho, fiz a barba e
Fernanda ainda não havia
acordado.
Pedro me ligou para informar
o horário que seria o jantar em seu
apartamento. Seriamos poucos, eles
preferiram fazer desta forma, e só
depois, no casamento expandir a
lista para outros convidados.
Sentei-me na cama ao seu
lado e lhe dei um beijo no pescoço
a fazendo despertar levemente.
— Era preciso fazer alguma
coisa ou o seu ronco acordaria o
hotel inteiro.
Ela deu um salto da cama
como se eu tivesse jogado gelo
sobre os lençóis, esfregou os olhos
e ficou de pé.
— Cala a boca, eu não ronco.
Segurei o riso, irritá-la
estava se tornando meu esporte
predileto, fora que ela ficava
incrivelmente sexy com as
bochechas coradas e o olhar em
chamas.
Ela veio em direção a mim,
quando achei que ela fosse me
encher de tapas, lançou seu corpo
em direção ao meu, envolvendo
suas pernas em minha cintura e
aproximou sua boca em meu
ouvido.
— Por que ao invés de ficar
me difamando com mentiras, não
me falas coisas doces?
— Ah, então quer ouvir
doçuras?
— Sim, de vez em quando faz
bem.
— Pois bem, vamos as
doçuras: mariola, suspiro,
merengue, pirulito zorro, bala de
coco. Já está doce o suficiente?
Ela jogou a cabeça para trás
gargalhando alto e me dando um
tapa no ombro como forma de
punição. Ela gargalhou até sairmos
do hotel, e em alguns momentos no
carro, enquanto íamos até seu
apartamento para que trocasse de
roupa.
— O Pedro já me telefonou
para avisar que o jantar de noivado
será em seu apartamento, pediu que
ficássemos responsáveis por
encontrar as flores, o que quer dizer
que essa é a sua função, porque não
sei quais as flores preferidas da sua
amiga e tão pouco como se decora
um arranjo. Eu teria contratado
alguém, mas ele quer algo mais
pessoal.
— Isso significa que nunca
ganharei flores?
Abri a porta do carro para
ela e a ajudei a sair, talvez o gesto
me desse tempo para pensar em
uma resposta para minha pisada de
bola. Mas, ela não estava falando
sério, e só percebi quando ela
entrou e chamou o elevador e do
espelho pude ver o reflexo do
sorriso debochado que estava no
rosto dela.
— Eu acho que poderia te dar
outras coisas, que seriam mais bem
aproveitadas e durariam mais que
alguns dias. — Seus olhos se
arregalaram e aquele brilho de
esperança me fez perceber a
burrada que eu havia acabado de
insinuar. — Não estamos falando
de aliança, só para deixar claro.
Subimos no mais absoluto
silêncio. Eu pretendia fazer isso,
mas em um futuro mais distante, até
porque nesse momento seria
impossível conciliar nossas vidas
profissionais. Estava prestes a
assumir um cargo que exigiria
muito dela, tomando boa parte do
seu tempo até que conseguisse
assimilar todas as novas
responsabilidades. E para ser bem
honesto, esse futuro pode ser mais
breve até do que eu mesmo
imagino.
Ela se trocou em silêncio no
quarto, enquanto eu fiquei na sala
tentando encontrar uma boa
desculpa para justificar a idiotice
que havia cometido. Eu tinha noção
do estrago que havia causado e não
tinha nada que eu pudesse fazer no
momento que mudasse isso. Eu
deveria ter ficado calado antes, mas
como não é possível farei isso
agora.
Seguimos para o apartamento
de Pedro com as flores que ele
havia pedido.
O jantar foi agradável e o
pedido oficial foi feito diante dos
amigos mais próximos como era da
vontade do casal. Fernanda ainda
estava distante, o que foi percebido
por todos e por esse motivo os
caras me chamaram com uma
desculpa de despedida de solteiro
para Pedro.
— Velho, que merda você fez
com a risadinha? A garota parece
que tomou remédio estragado —
Flávio me perguntou.
— Eu insinuei uma aliança e
quando percebi o que tinha feito
voltei atrás.
— Não poderia ter feito
merda maior cara, e vai fazer o que
agora? — Era a vez de Eduardo me
questionar — Não se deixa esse
tipo de situação para uma mulher
ficar remoendo, isso pode causar
danos a humanidade que não serão
revertidos por anos. Veja meu
exemplo.
— Não sei. Eu até acho que
ela seja a mulher que mereça o meu
pedido, mas não nesse momento,
porque um de nós dois teria que
abrir mão de sua carreira
profissional e não seria justo pois
me dediquei muito para chegar a
posição que ocupo hoje e com ela
menos ainda, porque depois de
tanto tempo ela finalmente
conquistou seu lugar de
merecimento.
— Primo você vacilou e feio,
mas agora não adianta ficar falando
e se repetindo, temos que encontrar
uma solução e rápido. — Era a vez
de Lucas interferir.
— Eu sei que algo precisa
ser feito e rápido, antes que ela tire
conclusões erradas. Porque mulher
adora ver chifre em cabeça de
cavalo.
— Me sigam que eu tenho um
plano. — Quando Flávio falava
esse tipo de coisa um frio percorria
minha espinha.
Ele saiu do escritório indo
em direção a sala onde todos
estavam.
— Eu acho que esse
casamento é tão surpreendente, que
não vejo outra forma de comemorar
e realizar uma despedida à altura
que não em um cruzeiro em alto
mar. Eu acabei de enviar uma
mensagem para o meu agente de
viagem, vamos aguardar para ver se
conseguimos algo, antes que a
mocinha aí resolva colocar tudo
goela a fora.
A ideia era bastante
interessante, eu teria mais tempo
para tentar fazer com que a
Fernanda entendesse o meu ponto
de vista e ainda poderia relaxar uns
dias, estava há alguns anos sem
férias.
Com os dias da viagem
agendados para semana anterior a
que Fernanda assumiria a vice-
presidência da FMV, eu poderia me
ausentar, teria tempo para deixar
tudo em ordem.
Na volta para casa, Fernanda
ainda estava distante e essa
situação não poderia continuar
assim. Já no apartamento, ela
seguiu direto para o seu quarto para
se trocar, e avisou que passaria a
noite em seu apartamento, o que
significava que seria o lugar onde
passaria a noite também.
Aproximei-me da porta do
quarto, ela estava apenas de
calcinha e sutiã, revirando a gaveta
a procura de algo para vestir. Me
aproximei de onde ela estava e
quando sentiu o quão perto eu
estava, seu corpo inteiro travou e
ela parou o movimento das mãos.
— Eu sei que o que eu disse
a magoou de alguma forma — disse
virando-a para que olhasse para
mim. — Mas, o momento em que
estamos agora não nos permite um
passo tão grande quanto o que
merecemos. Eu não posso abrir
mão do que tenho e vir para o Rio e
você depois de todo sacrífico e
esforço, não pode simplesmente
jogar tudo para o alto e ir para São
Paulo ficar comigo. Eu tenho
certeza que você é a pessoa com
quem eu desejo estar por todo o
tempo que ainda me for concedido,
mas um pedido de casamento é algo
que mereça alguma atenção, eu não
quero que tudo aconteça de
qualquer jeito, em qualquer dia.
Precisa ser diferente, especial,
como tem sido desde que nos
encontramos. Eu espero que
entenda isso.
Ela me olhou com os olhos
brilhantes pela formação das
lagrimas, encaixou meu rosto entre
suas mãos suspirando
profundamente antes de começar a
falar.
— Eu sei que não podemos e
nem devemos dar um passo tão
grande como esse assim tão rápido
e principalmente em um momento
em que nosso lado profissional
requer tanto de nós. Eu não estou
chateada por isso, de verdade, mas
é que a forma como declinou tão
depressa me fez retornar a uma
época que eu gostaria muito de
deixar para trás. Eu já recebi todas
as recusas que uma pessoa é capaz
de suportar e ainda assim consegui
de seguir em frente. E não é que
magoe, mas você nunca está
realmente preparado para não ser
especial para a outra pessoa. Eu
quero muito que o que temos dê
certo, e se forem preciso anos até
que o pedido aconteça eu vou
esperar. E hoje me caiu a ficha que
logo minha amiga estará casada e
eu não a terei sempre comigo, sua
vida vai ganhar outras prioridades
e eu me vejo cada vez mais do lado
de fora de tudo isso. Eu sei que
esse é um sentimento muito egoísta,
mas é assim que me sinto e não
estou conseguindo mudar isso, pelo
menos não hoje.
— Eu vou estar aqui, espero
que baste.
— Vai bastar. Agora da
próxima vez que você insinuar que
vai me pedir em casamento e der
para trás eu vou congelar as suas
bolas.
— Eu prometo não brincar
com isso outra vez, mas se congelar
minhas bolas vai sair mais
prejudicada do que eu. Eu queria te
pedir uma coisa agora que parece
estar melhor e entendeu o meu
ponto de vista.
— E o que seria?
—Quando aquele seu amigo
me disse que eu seria o próximo a
aparecer no seu blog, fiquei curioso
em como descreveria a nossa
relação. Eu gostaria de ler.
— Mas o blog é para os ex, e
pelo que eu saiba você ainda não
passou de fase, ou aconteceu e eu
não processei o fora?
— Você me deu muito
trabalho para conquistar e não vai
ser tão fácil assim se livrar de mim
— falei a trazendo mais para perto
de mim.
— Bom saber, mas eu tenho
uma proposta que vai valer a pena.
— E o que seria?
— Você me surpreende e eu
te surpreendo, o que acha?
Acenei concordando com ela
e sai em busca de algo que fizesse
jus a minha participação no bem
afamado blog que ela tinha.
Dei algumas voltas até que
uma luz acessa chamou minha
atenção. Parei o carro e fui até lá,
rapidamente uma mulher muito bem
vestida veio até a porta para saber
o que eu desejava.
— Posso ajuda-lo senhor?
— Eu gostaria de escolher
uma data.
— E para quando seria?
— Um ano.
Esperei que ela olhasse em
seus registros para verificar se a
data estava disponível. Um ano era
tempos suficiente para nós dois
conciliarmos nossas vidas
profissionais e encontrarmos uma
maneira de fazer essa relação
funcionar além dos escritórios.
— Desculpe senhor, mas a
data já está reservada. Só teremos
datas disponíveis em dois anos.
Aquela resposta foi como um
balde de água fria para os meus
planos. Agradeci pela atenção e
quando já estava próximo à porta
ela me chamou, pedindo para que
eu voltasse.
— Só teria interesse para
esta data em especifico, ou
poderíamos alterar para outra que
ficou disponível esta tarde, mas que
ainda não foi atualizada no sistema?
— E para quando seria?
— Em três meses.
A mulher ficou me olhando,
esperando uma resposta, mas eu
não sabia se funcionaria assim tão
depressa.
— E depois disso?
— Somente daqui há dois
anos e meio.
Aí já era tempo demais, e foi
então que eu tive uma ideia.
— Fecharemos em três meses
se concordar em organizar uma
festa dupla.
Agora foi a vez da mulher me
olhar sem uma resposta. Ela ficou
ali pensando e mexendo no
computador enquanto eu
pacientemente aguardava uma
resposta positiva. Eu poderia estar
cometendo o maior erro da minha
vida, apressando tudo dessa forma,
mas a certeza de que Fernanda era a
mulher com quem eu queria estar
tinha de ser maior que o meu medo
idiota de não fazer a coisa certa
sempre.
— Estamos de acordo.
A mulher se levantou
estendendo a mão para mim. Em
seguida me pediu os documentos e
para redigir o contrato e um cartão
de crédito para as despesas.
Eu tenho minhas dúvidas de
que Fernanda conseguirá me
surpreender mais do que eu a ela. E
ainda precisava contar a novidade
para Pedro e torcer para que a
noiva furiosa dele concordasse em
me ajudar para que saia tudo de
acordo com meus planos.
Não precisou de muito
esforço e logo estava de volta ao
apartamento e ela relendo o que
havia escrito. Acenou indicando
que ainda não poderia me
aproximar, então me joguei no sofá,
ela desviou os olhos da tela e me
encarou por um longo tempo
tentando adivinhar onde eu havia
escondido a surpresa que havíamos
combinado.
— O que me trouxe?
— Não seria uma surpresa se
eu a entregasse sem nenhum
mistério, não é mesmo?
E assim passamos a noite, ela
escrevendo as impressões que tinha
sobre mim e eu hora ou outra
mordendo o lóbulo de sua orelha,
soltando seus cabelos e os
segurando com força. Enfim, todas
as tentativas possíveis de chamar
um pouco da sua atenção foram
inúteis, pois ela estava tão
compenetrada no que estava
fazendo, que mal percebeu minhas
mãos deslizando por seu corpo. Só
não fiquei depressivo porque seu
corpo respondia, mesmo que
involuntariamente, a cada toque
meu.
Acabei pegando no sono. Na
manhã seguinte ela estava
espremida entre meu corpo e o
sofá. Devia ter se colocado ali
enquanto eu dormia e não percebi.
Já estava tão acostumado a seu
corpo que o estranho era a sua
ausência.
A hora do meu voo se
aproximava e precisei deixá-la, o
que no passar desses meses havia
se tornado uma das coisas que eu
mais odiava.
Em São Paulo a correria não
me permitia ter muitos momentos
para pensar e tudo passou depressa.
A semana da viagem havia
chegado e eu só consegui deixar
tudo como eu queria quando
desembarquei no Rio.
Fernanda estava linda com
um vestido floral longo que deixava
o tom da sua pele ainda mais
vibrante. Veio quase correndo em
minha direção e me deu um beijo,
mas em seguida deixou bem claro
que o computador seria confiscado,
caso eu não me comportasse o
celular também.
Fomos até seu apartamento
para deixar algumas coisas que não
teria muita utilidade durante a
viagem, mas que seriam
indispensáveis na minha volta e
seguimos para encontrar o pessoal
que já estava a nossa espera.
Quando chegamos havia mais
gente do que me lembrava. Estavam
Eduardo, Lucas, Flávio, Pedro e
Cintia, uma amiga dela que depois
descobri ser a famosa Vivi, Hanna,
Cátia (irmã da Fernanda) e Júlia
uma amiga dela.
Embarcamos, causando um
tumulto danado por onde
passávamos, e isso era a melhor
parte de uma viagem para mim.
Quando chegamos a nossa
cabine, Fernanda retirou um tablet
da bolsa e me entregou, era o texto
que ela havia escrito sobre mim, ou
melhor, sobre nós.
— É melhor terminar de ler
antes de zarparmos, ou a conexão
não vai funcionar — ela disse
jogando um beijo no ar e me
deixando ali sozinho para que eu
pudesse ler o que havia escrito.
Epílogo
#E CONTINUA ...
“A MINHA PESSOA
CERTA,
APARECEU NO MEU
MOMENTO MAIS ERRADO
”
Beijos ardidos e
até a próxima! Pimenta
Rosa