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IVANI GODOY
Copyright© 2018 Ivani Godoy
Samantha disse a mesma coisa que Mary me falou naquele dia. Ela não
sabia o que essas palavras desencadearam na porra da minha mente fodida.
Eu confiava e amava aquela mulher, que me decepcionou e me
abandonou como se eu não significasse nada para ela, e com certeza nunca
signifiquei, porque me deixou sozinho naquela casa. Às vezes eu chegava a
pensar: por que ela não me entregara para um lar adotivo ou me deixara na
porta de alguém? Eu sabia que algumas mães faziam isso quando não tinham
condições de cuidar de seus filhos, mas o que Mary fez foi desumano.
Quando eu pensava no falso amor que ela dizia sentir por mim... em suas
palavras... sentia vontade de vomitar.
“Eu te amo, meu garotinho.”
Eu poderia ter me esquecido de tudo isso, como acontecia com algumas
crianças, afinal, na época tinha seis anos, mas, para o meu azar, me lembrava
de tudo.
Expulsei as lembranças sombrias daquela mulher desalmada e voltei a
pensar na garota de cabelos negros. Era melhor isso que meu passado
sombrio.
Eu queria Samantha Gray em meus braços e na minha cama, gritando o
meu nome enquanto eu a possuísse de todas as formas possíveis. Queria
aquelas pernas longas enroscadas em meu quadril enquanto eu estivesse
dentro dela.
Eu teria aquela garota, só não sabia como conseguiria fazê-la mudar de
ideia a meu respeito. Ela foi a única pessoa em oito anos que me enfrentou
sem medo do meu poder. Eu sabia que as pessoas falavam sobre mim pelas
costas, mas nenhuma delas nunca chegou até mim e disse tudo o que pensava
como ela o fez, além da minha família, é claro. Acho que foi por isso que ela
me impressionou, fez-me querer devorá-la com minha boca, beijá-la em
todos os lugares de seu corpo, uma coisa que nunca quis ou fiz com nenhuma
outra. Mas que droga! O que irei fazer sobre isso?!
Ouvi passos aproximando-se de mim.
— O que foi, Lucky? — perguntou Ryan.
Eu tinha quase certeza de que era ele, ninguém mais entraria ali sem eu
chamar. Eu não poderia demitir meu irmão, mesmo se ele trabalhasse para
mim. Alguém da empresa devia ter ligado para ele e contado sobre a minha
loucura ao expulsar todos da sala de reunião, provavelmente por isso ele
estava ali, para me checar. Eu nunca tinha ficado descontrolado a ponto de
expulsar os meus funcionários. Meu trabalho sempre vinha em primeiro
lugar. Samantha me fez largar os meus princípios e conceitos. Maldição.
Ryan era meu melhor amigo e meu irmão desde que fui adotado por seus
pais quando tinha seis anos. Eles morreram em um acidente de carro quando
fiz 18, Ryan, 16, e Rayla, 13. Cuidei deles até que fossem capazes de
cuidarem de si mesmos.
Eu não gostava de reviver a minha vida antes dos seis anos. Aqueles
pesadelos torturantes me impediam de dormir à noite, pois tudo havia sido
real, por isso sempre bloqueava as memórias e focava no presente.
— Não aconteceu nada. — Minha voz estava grossa igual à de um
pássaro gripado. Pássaros ficam gripados? Não sei, mas parecia que algo
arranhava minha garganta.
— Não me parece nada — ele retrucou, parando ao meu lado. — Então
desembucha, cara.
Abri os olhos e o observei, sentado na mesinha de centro à minha
frente.
— O que está fazendo aqui? — questionei, ignorando a sua indagação.
Não queria falar sobre os meus problemas.
Ele estreitou os olhos.
— Eu perguntei a você primeiro, então pare de enrolação e diga logo.
O que houve?
Sentei-me no sofá e olhei para a imensa vidraça com vista para o
distrito de Manhattan. Em que lugar Samantha estava naquele momento? Eu
queria entendê-la e decifrá-la, para mim ela parecia um livro, mas fechado a
sete chaves.
Algo me ocorreu, e eu precisava ter certeza de alguma maneira. Ela
teria um namorado? Eu deveria ter perguntado, mas achei que não tivesse,
senão teria dito logo de cara. Além disso, Bastiam teria descoberto e
acrescentado essa informação no relatório dela. Entretanto, se por acaso
Samantha tivesse um namorado, o que eu faria com isso? Eu podia fazer tudo
e comprar todos, mas nunca me envolveria com uma mulher casada ou que
tivesse um namorado. Tinha de acreditar no relatório que recebi sobre
Samantha, pois, se pensasse que ela tinha outra pessoa, teria de desistir, e
isso não fazia parte dos meus planos.
— Quando eu cheguei aqui hoje para trabalhar, me deparei com uma
beleza rara no elevador. — Eu estava meio atônito. — Meu Deus! Tudo nela
era tão perfeito, como uma Afrodite.
Ele titubeou.
— Só por isso está assim? — Riu, gesticulando para mim. — Por causa
de uma garota? Não jogou seus encantos nela?
Fiz uma careta.
— Claro que sim, mas ela me deu um fora... — Encolhi-me, porque isso
nunca tinha acontecido antes. Todas as outras mulheres eram fáceis e teriam
aceitado minha oferta sem pensar no que eu estava disposto a dar a elas, mas
não Samantha Gray. Isso me fez ficar com raiva de mim mesmo por ter
sugerido lhe dar carros, apartamentos e joias; se Samantha os aceitasse, isso
confirmaria que só estava interessada no meu dinheiro, igual a todas as
outras mulheres que tentavam ter mais de mim do que apenas uma foda. O
problema era que Samantha não queria nada de mim: nem foda, encontros ou
presentes que estivesse disposto a lhe dar. Eu nunca sentira uma atração tão
forte assim por alguém à primeira vista.
Ryan gargalhou feito uma maritaca. Riu tanto que colocou as mãos na
barriga, debruçando-se sobre ela.
— Se veio aqui para rir da minha cara, é melhor ir embora — sibilei,
cerrando os punhos para não socá-lo.
Ele parou de rir e tentou se recuperar, sentando-se no sofá ao meu lado
e ficando ali como se fosse dono do lugar. Sua testa se vincou.
— Sério, irmão? Isso não é para tanto assim — sussurrou com
ceticismo. — Você sempre conseguiu tudo o que quis nessa vida. Então por
que esse desânimo e irritação?
Sacudi a cabeça.
— Não é esse o problema — reclamei. — É que essa mulher me faz
sentir vontade de beijá-la e querer colocar a minha boca em cada canto de
seu corpo. — Passei as mãos pelos meus cabelos. — Isso nunca aconteceu
antes... Jamais quis alguém como a quero.
Ele franziu a testa.
— Você disse que a encontrou no elevador, então ela trabalha aqui ou
veio a negócios.
Engoli em seco.
— Trabalhava. Propus algo a ela, mas essa garota ficou furiosa... Foi
minha culpa ela ter se demitido. — Meu tom era uma droga, não me sentia
nada orgulhoso da merda que havia feito. — Tentei voltar atrás, mas ela não
aceitou e foi embora, dizendo que não queria me ver nunca mais. Isso foi um
belo e bem merecido tapa na cara.
Ele me encarou com recriminação.
— O que propôs a ela para reagir assim e se demitir? — Levantou-se e
me olhou com seriedade. — O que aconteceu?
Contei a ele como a Rosa Vermelha entrou na sala de reuniões, brava
comigo e me chamando de diversos nomes, sem nunca abaixar a pose ou se
rebaixar. Ela parecia ter princípios. Eu só não sabia se isso era bom ou ruim
para o que eu queria dela.
— Ela chamou você de playboy mimado? — Ele sacudiu a cabeça,
rindo. — Já gosto dessa mulher.
— O sujo falando do mal-lavado — retruquei com dureza. — Você é
igual, então não me venha com essa merda.
Ele me olhou de modo provocativo.
— Será que eu teria alguma chance com ela?
Lancei a ele um olhar mortal.
— Fica longe dela, Ryan! — rosnei com os dentes cerrados. — Eu
estou falando sério.
Ele levantou as mãos como se se rendesse.
— Ei! Calma, cara. Só estava brincando. — Revirou os olhos. — Não
está mais aqui quem falou.
— Ótimo! — Soltei um suspiro frustrado. — Tentei pedir para ela
voltar para o seu serviço, mas...
Ele arqueou as sobrancelhas.
— O que ela respondeu?
— Que era tarde demais para isso e foi embora, dizendo que nunca
mais queria me ver à sua frente. — Eu não entendia o aperto no meu peito
por causa disso. — Tem algo nela que me fascina. Não sei se é o olhar
solitário, mas parecia haver um abismo dentro daqueles globos azuis. Tinha
alguma coisa lá. E, Céus! Aquela boca vermelha. Meu Deus, que boca era
aquela? Me dava vontade de beijá-la.
Ryan piscou.
— Você disse olhos azuis solitários e uma boca vermelha? — Ele me
observava com os olhos arregalados, parecia chocado com alguma coisa.
— Sim, por quê? — Meu tom era como lâminas chinesas, como
daquelas de filmes com adagas voadoras.
Ele suspirou e passou as mãos em seu cabelo bagunçado.
— Eu a conheci de manhã, no Green. Nossa! Ela é realmente uma
beleza. — Suspirou. — Eu fiz de tudo para entrar naquela sainha preta que
ela usava.
Meus dentes trincaram. Queria matá-lo por dizer isso e iria fazê-lo se a
tivesse tocado de alguma forma. Entretanto, por que isso me incomodaria,
visto que eu nem a conhecia direito? Não importava, eu apenas a queria.
— Você jogou as suas cantadas nela? — perguntei. Não sei se ele ouvia
a raiva na minha voz como eu a ouvia e a sentia saindo de minha pele como
radiação pronta para estourar.
Ele me olhou com ultraje.
— E quem não daria em cima daquela mulher? — retrucou. — Ela é um
inferno de mulher! — Imitou um violão com as mãos.
— O que aconteceu entre vocês? O que ela lhe disse quando deu em
cima dela? — Se ela tivesse caído em suas cantadas, e não nas minhas, eu
iria matar alguém, ou seja, ele...
Ryan sorriu como um gato.
— Nós transamos dentro do banheiro da lanchonete do Green —
tagarelou, mas percebi pelo tom de sua voz que estava tirando sarro de mim.
Levantei-me, cerrando os punhos e louco para socar a cara dele se não
parasse de me provocar.
— Não me faça perder o resto da minha paciência, Ryan — sibilei
entre dentes. — Porque a maior parte dela já se foi há muito tempo. E não
falta muito para perder o resto.
Ele suspirou.
— Fica frio, mano, porque não aconteceu nada entre mim e ela —
reclamou, enrugando o nariz. — Ela me deu o fora também, assim como deu
em você, mas é claro que não falou mal de mim ou coisa do tipo. Apenas
disse que caras como eu só queriam uma coisa de garotas como ela. —
Revirou os olhos. — Sexo, e isso ela não me daria nunca. Nesse caso, ela
estava certa. Não fico com mulheres certinhas, e sim com aquelas que não
querem compromisso.
Franzi a testa.
— O que ela quis dizer com “caras como você”? — indaguei, confuso e
doido para entendê-la de alguma forma.
Ele sacudiu a cabeça.
— Não sei, mas, pelo que percebi dessa mulher linda... — Interrompeu-
se assim que grunhi. — Desculpe, mas é verdade. O problema é que ela não
parece se envolver com ninguém, com nenhum homem. A garçonete do Green
me disse a mesma coisa. Ela comentou que essa garota sempre vai lá sozinha
ou com Diana, a psicóloga que trabalha aqui.
Eu havia notado algo nos olhos dela ao falar que eu usava o dinheiro
para conseguir o que queria, mas achei que disse aquilo porque estava com
raiva de mim. Agora via que não.
— Eu não sei, meu irmão, mas essa mulher não me deixa crer que ela
seja interesseira. — Ryan me olhou de lado. — Isso é bom, não acha?
Porque tem um monte de mulheres cercando a sua fortuna.
Eu, particularmente, não tinha certeza se era algo bom ou ruim, mas
fiquei ainda mais fascinado pela Rosa Vermelha. Queria entender a sua vida
e entrar fundo nela, saber tudo de que gostava. Até então não sabia uma coisa
sequer, a não ser que ela era psicóloga e que morava no Brooklyn. Eu
poderia encontrá-la, já que tinha seu endereço no relatório. Precisava saber
cada detalhe de sua vida particular, até a cor de suas calcinhas e as posições
em que ela gostava de transar. Tentei não pensar em outros homens tocando
aquele corpo perfeito.
— Você acha que ela tem namorado? — especulei.
Ryan pegou uma garrafa de uísque, colocou o líquido em um copo e
bebeu uns goles.
— Eu tenho certeza de que não...
Eu o interrompi.
— Como pode ter tanta certeza?
— Simples, meu irmão. — Bebeu outro gole de sua bebida. — Porque,
se ela tivesse, teria dito a você na hora da briga e a mim quando dei em cima
dela.
Eu sabia que havia algo a mais naqueles olhos lindos e ao mesmo
tempo vazios, embora não soubesse o que era. Isso me motivava a querer
ainda mais saber tudo sobre ela. Desejava saber seus desejos profundos e
torná-los realidade, todos eles. Como eu podia querer tanto alguém que tinha
acabado de conhecer? Não sabia, mas a desejava de qualquer jeito.
— Eu vou pedir ao Simon para pesquisar mais sobre ela — sussurrei,
pegando a garrafa de bebida de sua mão e bebendo um pouco do uísque.
Quem sabe assim eu relaxasse um pouco, porque estava precisando. Simon
era meu guarda-costas fiel, um amigo leal.
— Ela não parece ser igual a outras mulheres que pegamos e transamos
em uma noite — Ryan me disse.
— Eu sei, por isso quero saber mais sobre ela. Talvez assim eu a
entenda e consiga convencê-la a voltar a trabalhar aqui. — Precisava confiar
nisso, porque só assim eu poderia me acalmar e não enlouquecer de tanto
pensar sobre ela.
Ele sacudiu a cabeça.
— Você precisa tirar essa mulher do seu sistema, meu irmão, e ir até a
Rave catar qualquer vagabunda que esteja interessada em você, igual fez
ontem à noite. Deixa essa garota quieta. Isso vai ser melhor para os dois,
cara, confie em mim. — Sua expressão era séria ao me olhar.
— Eu não posso... também não quero outra mulher — disse, firme e
com convicção. — Só preciso dela e tê-la em meus braços. Nunca quis algo
como a quero.
Ele suspirou.
— Então pense bem, Lucky. Pense no que você realmente quer, porque,
se for só uma transa, ela parece estar fora da linha. — Seu olhar era sério ao
me dizer isso. — Eu não acho que ela transe por aí só por transar, então, se
você realmente só quer uma transa com alguém que não caiu de quatro por
você, desista dela, porque ela não parece ser assim.
Franzi o cenho.
— Como assim?
— Ela tem cara de ser uma mulher que quer corações, flores e uma casa
com uma cerca branca. — Ele revirou os olhos diante disso. — Desista
antes que, no fim, você acabe quebrando essa garota.
3- Descoberta
SAM
Após o episódio trágico que aconteceu na empresa Ônix, quando pedi
as contas da empresa Vênus porque não quis fazer um acordo com o patrão,
consegui um emprego em uma fundação que cuidava de crianças com
traumas. Essa era a minha área, a minha especialidade.
A instituição Fênix trabalhava com crianças e adolescentes que não
tinham família nem ninguém que se importasse com eles, por isso eu era
apaixonada pelo que fazia. Queria ajudar crianças e fazer com que elas
tivessem uma vida melhor ou ao menos fazê-las entender e lutar para deixar
o passado para trás e seguir em frente com suas vidas, livres da dor e das
perdas que um dia tiveram. A instituição Fênix não era tão elegante e famosa
quanto a empresa do Lucky, mas também era uma fundação importante. Eu
estava adorando trabalhar lá.
Três semanas depois que comecei a trabalhar na Fênix, fui a uma
fundação em Nova York com Michael, meu chefe. Era um evento para ajudar
crianças que precisavam de algum suporte psicológico e financeiro. Adorei
ser convidada por Michael. Mal começara a trabalhar e já fora convidada a
ir a um evento de prestígio como aquele. No começo, pensei em não aceitar,
porque lá teriam muitas câmeras, mas não podia deixar de ir. Então decidi
deixar o medo de lado e ir ao evento, mas ficaria longe das câmeras o quanto
possível.
Chegamos ao evento, em um salão branco com várias pessoas
elegantes. Alguns eram funcionários da empresa Martínez, outros eram
convidados de outras empresas e doadores. Fui apresentada a algumas
pessoas cujos nomes não me recordo. Acho que havia umas trezentas
pessoas ou mais, incluindo modelos, atores e cantores.
Um grupinho de empresários estava falando sobre Lucky Donovan ser
rígido e, às vezes, até frio, mas suas obras serem ótimas, pois ajudavam
crianças carentes, tirando-as da rua e providenciando lares felizes para elas.
Eu não sabia o que pensar ao descobrir sobre suas obras de caridade.
Desde o dia em que o conheci e fui embora de sua empresa, por vezes me
deparei pensando nele, no que o levou a fazer o que fez. Ele tinha o
complexo de querer que tudo fosse do seu jeito, e, quando não saía conforme
planejara, não aceitava. Eu não estou me referindo ao seu convite para eu
fazer sexo com ele, porque isso apenas significava que ele era um grande
mulherengo, mas sim ao fato de ter buscado uma forma qualquer para
conseguir o que queria e lhe foi negado. Foi o que o levou a tentar me propor
aquele acordo absurdo.
Depois de dois dias de minha demissão, a minha raiva do Lucky foi se
dissipando, principalmente depois que eu soube por Diana que ele
frequentava psicólogos. Eu não sabia qual era o seu problema, mas tinha
certeza de que era um maníaco por controle. Às vezes queria esquecê-lo, às
vezes não. Talvez ele tivesse se arrependido de me propor aquele acordo,
afinal, quando eu disse que sairia da sua empresa, ele me pediu para voltar.
Eu não quis, porque não podia ficar, não depois do que ele fez.
Parei de pensar em Lucky e olhei mais uma vez ao meu redor. O salão
estava cheio de convidadas, todas elegantes. Eu estava até envergonhada no
meio de tantas mulheres lindas com seus vestidos de festa. Eu usava um
vestido longo e preto, com decote caído nos seios, bonito, mas nada elegante
como os daquelas modelos.
— Está tudo bem? — sondou Michael ao meu lado, avaliando-me.
Eu não sabia se ele tinha sentido minha tensão, mas não queria
preocupá-lo, então me recompus.
— Sim.
Olhei para frente e me deparei com um homem moreno e alto, Martínez,
dono da instituição Martínez, conversando com Lucky Donovan. Congelei.
Michael seguiu meu olhar, e seus olhos escureceram. Eu não sabia
como ele tinha ficado sabendo sobre minha desavença com Lucky, não
perguntei isso a ele, mas tinha certeza de que ele sabia ou desconfiava.
— Eu não sabia que ele estava aqui. Lucky não avisa que vai
comparecer aos eventos, apenas aparece. — Sua voz tinha uma pontada de
amargura.
Eu não soube por que meu coração deu um solavanco alto, como se
fosse sair do peito. Não entendia essa reação do meu corpo ao vê-lo. Corpo
traiçoeiro!
Tudo estava correndo bem no evento, até que vi uma mulher morena e
com corpo de modelo o cercando com seu encanto e sorrisos. Ele também
sorriu para ela, como se estivessem em um clima. Foi quando Lucky me viu
com Michael, e seu sorriso desapareceu. Seus olhos, que se voltaram para o
meu chefe, eram como os de um assassino em série.
Ignorei Lucky durante o resto do evento inteiro, mas podia senti-lo me
observando onde quer que eu fosse, como um gavião.
Algumas pessoas me faziam perguntas como “você não é muito nova
para ser psicóloga?” ou “você e Michael são namorados?”. Eu respondia
a todas do melhor modo possível, sem fraquejar ou me envergonhar pelo fato
de a sala estar cheia de pessoas refinadas. Evitei a todo custo ser filmada e
que tirassem fotos de mim, pois não podia aparecer na TV e jornais.
— Michael é só meu chefe — declarava a verdade.
Após um tempo, passei a evitar perguntas.
Lucky não se aproximou de mim ou falou comigo no evento, talvez não
quisesse ser visto com uma antiga funcionária sua, e sim com as modelos que
o cercavam a todo momento.
Martínez subiu no palco que tinha no lado direito do salão. Falou das
obras que estavam fazendo com a ajuda de doações, como a abertura de mais
orfanatos, mais lares para crianças abandonadas e a contratação de mais
psicólogos, que iriam ajudar e direcionar as crianças e adolescentes.
— Com vocês agora, Lucky Donovan, que irá nos dizer um pouco mais
sobre os projetos futuros para ajudar nossas crianças e adolescentes.
Todos bateram palmas para Lucky, que foi até o palco, subiu dois
degraus e pegou o microfone, em seguida olhou para a plateia no salão.
As câmeras e fotógrafos se direcionaram para Lucky. Afastei-me sem
ser notada e fiquei ao fundo, escondida perto da varanda, assim ninguém me
veria. Se alguma foto minha saísse em jornais, se meu pai descobrisse onde
eu estava, ele viria atrás de mim. Isso não poderia acontecer.
Os olhos de Lucky varreram o local onde eu estava antes, mas não me
encontraram, então ele continuou procurando em silêncio, enquanto as
pessoas o esperavam falar alguma coisa. Depois de alguns segundos, ou
minutos, não sei, ele me achou escondida ali, sozinha. Franziu a testa como
se se perguntasse o que eu estava fazendo.
— Quando comecei a construir a Vênus, há oito anos, tinha um objetivo
em mente: conseguir resgatar o máximo de crianças e adolescentes, tanto das
ruas como de seus próprios pais. Nós sabemos que nem todos os pais
cuidam de seus filhos como deveriam. Muitas crianças são negligenciadas
dia e noite. Isso acarreta vários problemas psicológicos que afetam suas
mentes e, posteriormente, suas vidas. — Sua voz estava grave e séria. —
Para evitar que alguns caíam no mundo do crime, quero fazer algo para
ajudar a direcioná-las. Muitas pessoas que se tornaram assassinas foram
judiadas, maltratadas, pisadas, estupradas e espancadas quando crianças ou
adolescentes por amigos, colegas e familiares que deveriam protegê-las.
Muitas vezes nós nem sabemos dos maus tratos ou desconfiamos que
estão ocorrendo, talvez com alguém de nossa família. Ninguém sabia o que
estava acontecendo comigo na casa dos meus pais, as surras que eu
recebia sem merecer. Evitei esse pensamento e foquei no Lucky, que
continuou falando:
— Eu não me considero bom ou santo por fazer um trabalho
humanitário. Ao contrário, as pessoas dizem que sou o diabo. — Ele piscou
para os espectadores com um meio sorriso. Todos riram de sua piada.
Eu já tinha ouvido isso de algumas pessoas na empresa dele. Esse era
um dos muitos apelidos que recebia. Eu não acreditava que ele era ruim, só
complicado, arrogante, duro em alguns momentos e frio em outros. Depois
de saber o que ele fazia, o meu coração amoleceu.
Lucky continuou falando um pouco mais de seus projetos e sua meta,
como comprar uma empresa que abrigaria mais de mil jovens e crianças.
Fiquei feliz por ele fazer algo assim, acredito que o teria beijado por isso.
Não havia nada que me deixasse mais feliz do que ver pessoas ajudando
crianças, seres indefesos que precisam de nossa atenção, proteção e amor.
Lucky sumiu alguns minutos após seu discurso. Eu apostava que estava
com alguma mulher, porque, assim que desceu do palco, algumas garotas o
cercaram. Fiz cara de paisagem, pois Michael estava comigo, mas senti o
peito apertado, como se estivesse faltando ar em meus pulmões.
Pedi licença a Michael e fui ao banheiro, pois queria ficar um pouco
sozinha, mas, antes de chegar ao local, ouvi uma voz não muito distante:
— Ela está aqui junto àquele ser desprezível do Michael. — Era a voz
do Lucky. Eu conhecia seu rosnado muito bem.
Parei à porta do banheiro, pensando em se devia entrar ou seguir a voz
dele a fim de ver com quem ele estava falando sobre mim, porque eu sabia
que se referia a mim. Se estivesse conversando sobre mim com uma mulher,
eu iria esganá-lo.
— Ela deve ser especial, para deixá-lo inquieto assim por semanas —
observou uma voz masculina, mas, pelo timbre, não parecia ser um homem, e
sim um adolescente.
Pelo menos não é uma mulher, pensei.
Lucky suspirou.
— Ela é muito especial. — Seu tom era de orgulho no começo, mas
depois ficou triste quando continuou: — A única mulher que me deu um fora.
E não tiro sua razão, eu daria um fora em mim mesmo se fosse ela. Às vezes
me pergunto o que deu na minha cabeça para ameaçá-la daquele jeito.
O garoto riu.
— Você foi um cretino, admita. Mas qual a razão para ameaçá-la a ir a
um encontro? Só porque ela não quis transar com você?
Cheguei mais perto da sala no final do corredor. A porta estava
entreaberta. Espiei para ver quem estava com ele. Lucky estava de costas
para mim e olhava a cidade através das imensas janelas do lugar. Um garoto,
que devia ter entre 17 e 19 anos, estava sentado em um sofá, olhando para
ele. Era loiro e forte para sua idade. Eu apostava que praticava esportes.
Lucky balançou a cabeça.
— Não, eu não sei bem o porquê, mas nunca fui desafiado antes. Então
isso me pegou de surpresa. Quando dei por mim, já tinha proposto a ela ir a
um encontro comigo, assim eu não iria demiti-la. Voltei atrás na injustiça que
estava fazendo, mas Samantha nem quis me ouvir, apenas se demitiu. — Ele
tomou um gole da bebida que estava em suas mãos.
— Eu também não iria querer ver sua cara nunca mais, Lucky. Desculpe
dizer, mas você pisou feio na bola. — Seu tom era de crítica.
— Eu sei, por isso saí do salão para não vê-la com Michael, ou eu
perderia minha mente se o visse tocá-la mais uma vez, desde que não tenho
nenhum direito sobre ela.
Estreitei meus olhos, porque Michael não havia me tocado... Não, ele
pegara nas minhas costas por uns segundos, mas fez aquilo para eu descer o
pequeno degrau que havia no salão. Lucky tinha visto? Olhei para ele, que
parecia triste com o fato. Por que ele se incomodaria se alguém tivesse me
tocado? Bem, estávamos quites, porque eu não gostei de vê-lo com as
mulheres no salão.
— Hoje faz um mês que ela se demitiu por causa do meu egoísmo e três
semanas que eu soube que conseguiu um emprego na Fênix...
— Na verdade, você ligou para o Michael para ele dar o emprego a ela
— interveio o garoto. — Aposto que fez isso porque sabia que ela não
voltaria a trabalhar para você, então não quis deixá-la sem serviço, não é?
Ofeguei de choque com o que ouvi. Então ele tinha me ajudado a
conseguir o cargo de terapeuta na Fênix? Michael não me disse nada. Devia
ser por isso que ele pensava que tinha rolado algo entre mim e Lucky. Meu
coração se comoveu ainda mais com o gesto de meu ex-chefe ao me ajudar.
Isso provava que havia se arrependido do que me fez e que tinha um imenso
coração.
Lucky riu, mas parecia triste.
— Se você fosse maior de idade, o colocaria para trabalhar para mim.
— Lucky virou a cabeça para o garoto e sorriu. — Ainda anda procurando
saber tudo que faço? Se quiser saber mais sobre mim, é só perguntar, Logan.
Mas isso não significa que direi tudo.
Logan revirou os olhos.
— Na verdade, eu sei tudo sobre você, Lucky. É claro que a cada dia
descubro mais. — Meneou a cabeça de lado, ainda fitando Lucky como se
ele fosse um herói. Aquele garoto parecia amá-lo. — Sabe? Você seria
idolatrado se as pessoas soubessem realmente o que fez e ainda faz para
muitas pessoas carentes e pobres, como fez para mim. — Logan estremeceu,
como se se lembrasse de algo ruim.
Talvez esse menino seja um dos garotos que Lucky já ajudou, pensei.
Lucky bufou.
— Não quero ser idolatrado por ninguém. Quando ajudo uma pessoa,
não quero nada em troca, o faço porque quero ajudar crianças e adolescentes
que foram de alguma forma prejudicados. Muitos deles poderiam ter se
tornado criminosos, por isso faço o que puder para que isso não aconteça,
assim como Miguel fez por mim, me resgatando do fundo do poço para ser
alguém hoje — sussurrou.
Logan sacudiu a cabeça.
— Você fez mais que isso, Lucky, me salvou do meu pai, que me usava
como saco de pancadas, tanto que precisei de um transplante de fígado
urgente, e você doou um pedaço do seu. Quem nesse mundo faz isso para
alguém que não seja da família? Ninguém. Devo a minha vida a você,
sempre lhe serei grato.
— A única coisa que você precisa fazer é estudar, garoto, e não deixar
as lembranças e os pesadelos o dominarem. — Lucky o fitava. — Como
estão as consultas com a psicóloga?
Logan assentiu.
— Não tenho mais pesadelos sobre o que houve comigo, e as
lembranças nem vêm mais à minha mente. Eu me mantenho focado nos
estudos e no jogo, e, por falar em jogo, fui contratado pelos Raydes, dá para
acreditar? — De repente, ele parou de falar e olhou para o Lucky. — Você
não teve nada a ver com isso, não é?
Lucky sacudiu a cabeça.
— É claro que não, você é bom jogando futebol americano, Logan. Eles
seriam uns perdedores se não o contratatassem. Avise quando for jogar, que
eu irei vê-lo, ok?
Isso explicava por que Logan era tão musculoso para sua idade, ele
jogava futebol americano, e, pelo que eu via em jogos desse esporte, os
atletas eram fortes. Pelo que eu sabia, o time dos Raydes era o melhor da
temporada. Sabia disso por causa do Bryan, que assistia a partidas de
futebol americano.
— Obrigado, Lucky. — Logan pigarreou. — Eu aviso, sim.
Lucky olhou o relógio no pulso, checando as horas.
— Preciso ir embora, a festa já está quase no fim. — Olhou para Logan.
— O que eu fiz para você é nosso segredo, você sabe disso. Não quero que
as pessoas saibam de nada em relação a isso, porque, no dia em que doei um
pedaço de mim a você, não estava fazendo uma caridade, estava salvando
uma vida, a sua vida, garoto. E não me arrependo de nada.
Logan se levantou, foi até ele e colocou a mão direita em seu ombro.
— Eu sei, sempre vou dar valor a essa segunda chance que me deu ao
me salvar. — Seu tom era agradecido e emocionado. — Amanhã, eu vou
voltar para Seattle com meus pais, mas antes quis passar neste evento porque
sabia que você estaria aqui. Eles estavam loucos para te ver e falar sobre
outra instituição que estão abrindo em Seattle, tudo graças à sua ajuda.
— É, eu falei com eles agora há pouco. Milton e Linara parecem
realmente amar você como filho. — Não era uma pergunta, e sim uma
declaração, mas tinha uma nuance em sua voz que não entendi, parecia culpa.
— Sim, eles amam, e tudo graças a você, que os conseguiu para mim,
porque ninguém adota adolescentes de 16 anos, sempre preferem crianças,
ainda mais um como eu, que acordava no meio da noite gritando tão alto
como se estivesse sendo morto. — Ele estremeceu e mudou de assunto. — E,
quanto à garota de quem me falou, não dê mais mancada, Lucky. Se está
realmente a fim dela, lute, vá atrás dela e a chame para um encontro, mas
estou falando de um encontro com velas e essas coisas, não em sua cama. E
também não a ameace para sair com você.
Lucky respirou fundo, depois deu uma risada.
— Vou manter isso em mente, expert em mulheres.
Logan deu uma gargalhada.
— Oh, eu sou mesmo. Agora estou aproveitando minha vida de
adolescente ao máximo, como tenho direito. Afinal, fiquei 16 anos da minha
vida em cativeiro. Mas agora, aos 17, quero aproveitar tudo de bom. Não se
preocupe, não vou entrar em encrenca — falou, porque Lucky já ia abrir a
boca para dizer algo. — Mas você já passou da idade de ficar por aí,
cercado de mulheres que não significam nada para você. Deixe isso para
nossa geração.
Lucky gargalhou.
— Eu não acredito que estou sendo chamado de velho! Agora sou da
pré-história? — Bagunçou os cabelos de Logan como se ele fosse uma
criança.
Os dois pareciam irmãos falando assim. Eu queria saber o que Lucky
teve que passar em sua vida, por que se colocou no meio quando falou das
crianças que foram quebradas pelos seus pais. O que teria acontecido? Eu
não fazia a mínima ideia, mas devia ter sido uma vida sofrida igual à minha,
ou parecida.
Logan riu por um momento, depois ficou sério.
— Peça desculpas a ela, cara. Admita que errou, tudo bem? Isso é ser
humano, e você é bem humano, mesmo que, às vezes, não se considere assim.
Lucky pareceu pensar no conselho de Logan.
— Valeu pelas dicas e conselhos, garoto. É inacreditável receber
conselhos de um adolescente de 17 anos. — Balançou a cabeça. — Agora
vamos. Preciso vê-la antes que ela vá embora com aquele cara.
— Se os dois estiverem juntos, controle-se e não faça besteira —
advertiu.
— Com quem acha que está falando? Eu não faço escândalo por nada,
nem por uma mulher — replicou.
Logan revirou os olhos.
— Conheço você, Lucky. Quando perde a cabeça, só falta querer matar
qualquer um que entre em seu caminho. Então se controle ao redor dessa
mulher, porque, senão, vai piorar ainda mais as coisas.
— Sim, professor. — O divertimento era evidente em seu tom. Ele
parecia tão leve conversando com Logan, tão diferente do homem que
conheci na sua empresa. Fosse quem fosse aquele garoto, gostei de sua
presença na vida do Lucky.
Saí antes que me vissem, não queria ser pega espionando a conversa
dos dois. Sabia que nas últimas semanas havia ficado com raiva de Lucky
pelo que ele tinha feito, mas descobrir sobre suas obras e tudo mais que ele
fazia me fez perceber quem ele realmente era: um homem que sofreu muito,
que levou várias pancadas da vida. Então estar no controle era algo que
Lucky não só queria, mas precisava, como um escape, por isso não aceitou
bem o fora que lhe dei.
Fiquei esperando Lucky vir me pedir desculpas pelo que fez, assim
como Logan sugeriu que fizesse, mas ele não veio. Tentei não deixar meu
coração vacilar por causa disso e por ele ter ficado conversando com uma
modelo, Jennifer Liston, com quem saiu depois do evento, embora os dois
não tivessem se tocado. Contudo, eu não era nenhuma idiota para não saber o
que iriam fazer...
Deveria ficar feliz por Lucky estar com outra mulher. Isso significava
que ele decidira partir para outra, escolhendo me deixar em paz. Então eu
também iria esquecer que o havia conhecido.
4 – Influência
SAM
Depois que vi Lucky no evento ao qual fui, fiquei mais balançada por
ele do que já estava. Naquele dia, soube bastante coisa a seu respeito, coisas
que ele não queria que ninguém soubesse. Isso me fez perder o sono várias
noites, pensando no porquê de Lucky agir assim. Por outro lado, eu o
entendia; se fosse comigo, não seria diferente.
Apesar disso, eu não queria pensar em um homem mulherengo e sem-
vergonha como ele. Em um momento, ele dizia que queria me pedir
desculpas pelo que me fez; no outro, saía com uma mulher em vez de vir
falar comigo. Isso me deixou pensativa, devo admitir.
Outra coisa que também estava me deixando com o coração balançado
pelo Lucky, além de confusa, era o fato de, todos os dias, eu receber rosas
vermelhas com bilhetes. Minha casa estava parecendo uma floricultura. Nos
bilhetes do Lucky, ele dizia: “quer jantar comigo hoje, Rosa Vermelha?” ou
“vamos a um encontro de verdade?”. Ele mandou até o número de seu
telefone para que eu mandasse minha resposta, só não me pediu desculpas,
como uma pessoa normal faria, mas “normal” e “Lucky” na mesma frase não
combinavam.
Fiquei confusa no início, perguntando-me por que ele não tinha vindo
pessoalmente me perguntar isso. Por que mandar bilhetes igual a um
adolescente na escola? Porém, foi melhor dessa forma, porque assim eu não
cairia em tentação. Mesmo sentindo algo por ele, não poderia sair com
Lucky. Acreditava que ele estava apenas iludido por eu não ter ficado com
ele. Com certeza, assim que eu me entregasse, ele me jogaria fora igualmente
tinha feito com as outras mulheres que Sasha mencionou. Definitivamente, eu
não queria isso para minha vida.
Duas semanas depois do evento, entretanto, eu já estava com raiva de
tantas rosas, e nada de Lucky vir me convidar pessoalmente. Não liguei para
o número que mandou. Se eu ouvisse sua voz, não conseguiria dizer que não
podia ficar com ele por vários motivos. Primeiro, ele era rico. Segundo,
mulherengo, e que só estava iludido comigo por eu ter dito não a ele quando
deu em cima de mim. E tinha certeza de que, se aceitasse ir a um encontro
com ele, não conseguiria mais dizer não.
“Lucky, eu não posso aceitar ir a um encontro com você. Agradeço-
lhe pelas rosas, mas gostaria que não me mandasse mais nenhuma.”
Sabia que meu recado foi seco, mas era melhor assim, cortar o mal pela
raiz. Se eu deixasse meus desejos por aquele homem virarem algo mais,
estaria ferrada.
Parei de pensar em Lucky e foquei no meu trabalho. Era menos
complicado e trazia menos dor de cabeça.
Na Fênix, eu tinha um escritório apenas meu. Na Vênus, também tinha,
mas lá havia a cadela da Sasha para me atormentar. No meu emprego atual,
os meus colegas de trabalho eram maravilhosos. Trabalhava diretamente
com Ana, assim como fazia com Diana na Vênus.
Eu amava os garotos da Fênix, podia ver, em alguns olhos
atormentados, a mesma dor que um dia eu sofri e ainda tinha no fundo da
minha alma. Isso era algo que eu preferia evitar pensar, já que as lembranças
me faziam sofrer ainda mais.
Meu atual chefe era um homem muito bonito. Todavia, eu não sentia
nenhum interesse por ele, não como sentia pelo dono da Vênus. O que havia
de errado comigo? Será que eu tinha uma queda por bad boys? Lembrei-me
do homem na lanchonete do Green, que também era quente e fez meu corpo
estremecer só com o olhar, embora as sensações não foram nada comparadas
com as que Lucky me fazia sentir. Homens como eles irradiavam problemas,
assim como beleza. Deveria ser considerado crime perfeições como eles
andando entre nós, só para enfeitiçar mulheres tolas e desavisadas... como
eu. Era isso! Eu era uma tola por me interessar por um mulherengo.
Logo depois do evento da Martínez, pesquisei mais sobre Lucky, apenas
por curiosidade (bem, era isso que eu dizia a mim mesma). Sabia um pouco
sobre ele por meio do seu discurso e sua conversa com Logan. Vi nos
tabloides da internet que ele era visto constantemente com várias mulheres
diferentes: ruivas, morenas, loiras, todas lindas, algumas modelos, pelo que
notei, como aquela com quem ele saiu na noite do evento. Disse a mim
mesma que não deveria me preocupar com isso, embora notasse que algo no
fundo do meu coração doía sempre que eu pensava nesse fato. Eu só não
sabia os motivos!
Também descobri que ele foi adotado pelos Donovans aos seis anos de
idade, e não havia nada que relatasse sobre sua vida antes dessa idade. Tudo
era um grande mistério, e, apesar de eu querer investigar a fundo, não podia,
possuía meus próprios segredos.
Durante os dois meses que estava na Fênix, comecei a trabalhar com um
garotinho que tinha sete anos de idade e não falava com ninguém desde que
chegou, havia seis meses. Todas as psicólogas tentaram entrar em sua mente
e fazer com que se abrisse com alguém, mas sem êxito. Decidi tentar ajudá-
lo da maneira que pudesse. Precisava ter fé de que conseguiria trazer luz
para aqueles olhos negros.
Estava em meu escritório pequeno, mas aconchegante e do meu gosto.
Tinha uma mesa de ferro com vários papéis e relatórios de pacientes, um
armário com arquivos, um sofá bege de dois lugares e uma poltrona da
mesma cor.
Shaw era um garoto que viu a mãe ser assassinada pelo pai. Esse era o
motivo pelo qual ele não mais conversava com ninguém. Eu via, no fundo
daqueles olhinhos negros, um abismo de dor e sofrimento, como os meus
mostraram um dia.
Seu rostinho arredondado era um pouco cheio e com covinhas, tinha
cabelos negros na altura do queixo e boca pequena. Shaw estava sentado no
sofá, e eu, na poltrona em frente a ele, com uma agenda em mãos para anotar
qualquer progresso que ele viesse a fazer. Não obstante, Shaw nunca dizia
nada, apenas segurava um carrinho de polícia e não olhava em meus olhos.
— Shaw, querido, pode se abrir comigo — eu dizia isso todas as vezes
que me sentava com ele. E, como sempre, o garoto não dizia nada, apenas
ficava olhando o seu brinquedo.
Resolvi tentar uma tática diferente com Shaw naquele dia. Não sabia se
daria certo, mas não custava nada tentar.
— Shaw, eu vou contar uma história para você. — Suspirei, olhando o
jardim do lado de fora da janela do escritório. — De uma garotinha com
seus cabelos negros e trançados como a Rapunzel... Já ouviu a história da
Rapunzel? — Olhei para ele.
Seus olhos negros estavam nos meus e pareciam tristes, mas o menino
não disse nada, só assentiu.
— A garotinha adorava a Rapunzel. Ela sempre queria que sua mamãe
fizesse tranças parecidas, mas a sua mãe não se importava com ela, dizia que
ela era feia e não seria bonita para ninguém, que não deveria ter nascido,
porque era uma semente do Mal... — Precisei respirar fundo. — Seu pai a
adorava, e foi assim até que ela fez dez anos, quando ele começou a lhe bater
com o cinto, deixando marcas. A garotinha queria entender por que o pai não
a amava mais, assim como um dia a amou. Ela nunca soube o motivo. Toda a
infância daquela menina sempre foi conturbada e com pais monstros que a
machucavam todas as noites e dias. Por anos, ela sofreu nas mãos de quem
deveria protegê-la. Ela cresceu e até hoje tem pesadelos como consequência
de seu passado sofrido. — Limpei as lágrimas, que caíam dos meus olhos e
desciam pelas minhas bochechas. — Essa garotinha, que só queria ser
amada... sou eu.
Percebi que ele respirava com dificuldade, mas não disse nada, apenas
apertava o carrinho com mais força, como se estivesse com medo de se
lembrar do que estava guardado em sua mente.
— Eu... eu... — ele começou a falar.
Meus olhos foram para seu rosto molhado. Senti meu coração se
quebrando ainda mais ao ver a sua dor, mas apenas fiquei ali, olhando para
Shaw. Suas mãos estavam em punhos e apertadas sobre o seu colo, o
brinquedo esquecido. Não o interrompi, esperando que continuasse.
— Quando... — respirou fundo, e parecia doer — antes... eu brincava
na cozinha, esperando... mamãe... — Ele gemia, com os olhos fechados com
força. — Ela... ela estava fazendo comida para nós e para... ele. — Shaw
parecia com medo. — Papai chegou e começou a brigar e dizer coisas feias
que não entendi... Ele bateu na cara dela, e ela caiu no chão. — Ele
respirava de forma irregular, como se estivesse em um pesadelo real. Seu
peito subia e descia. — “Corre, Shaw...”, mamãe gritava. Eu queria correr,
mas não conseguia... Ele começou a rasgar sua blusa... Eu não queria que ele
a machucasse. Peguei uma garrafa de bebida, bati em sua cabeça e gritei
para que a deixasse em paz, mas... — Shaw gritou e colocou as mãos na
cabeça como se quisesse arrancar os cabelos.
Fui até ele e me sentei ao seu lado, tocando seu rosto.
— Shaw! — chamei-o, mas ele não me ouviu, continuou falando com
dor na voz. O meu coração estava da mesma forma: dilacerado. Como um
pai podia fazer uma barbaridade daquela na frente de uma criança indefesa?
Eu sabia que o desgraçado desumano ainda estava solto nas ruas, porque
fugiu antes que a polícia chegasse ao local do crime.
— Ele... me bateu, e eu bati na mesa... mas vi tudo. — Seus olhos
estavam fechados com força, como se não quisesse ver a cena macabra de
novo. — Papai batia nela várias vezes, enquanto ela gritava.
Céus, isso era demais! Como um pai podia machucar sua mulher na
frente de seu filho, uma criancinha de sete anos de idade? Onde estava a
humanidade dele? Igualmente, onde estava a do Dylan? Os dois eram
monstros que estavam soltos na Terra.
— Ela lutava com ele... Ele se zangou, xingando-a de nomes feios e
pegou uma faca... — Shaw começou a gritar, sacudindo a cabeça sem parar.
— Ele...!
— Shaw! Por favor, Shaw! — Puxei-o para os meus braços, beijando
seus cabelos. — Eu estou aqui e não vou deixar você!
Eu não sabia mais o que fazer para que ele entendesse que as
lembranças eram um pesadelo e que ele estava acordado.
— Shaw, meu amor, por favor. — Eu chorava por ele estar tomado de
dor. Queria retirar o seu sofrimento para que não sentisse mais nada, mas
como faria isso, se o meu tinha demorado anos? E ainda estava lá,
adormecido.
Shaw passou os braços em minha cintura e me apertou forte, como se
nunca quisesse me deixar ou que eu fosse embora.
— Por favor, nunca me deixe! — suplicou.
— Eu não vou, prometo. — Embalei-o mais apertado em meus braços,
querendo tirar toda a sua dor, mas não podia, apenas o amaria para sempre.
Tinha algo nele que me fazia sentir um carinho muito especial, querer
protegê-lo, e não era só por causa do meu trabalho. Depois de um mês e
meio cuidando dele, decidira adotá-lo. Já havia inclusive falado com
Michael sobre essa possibilidade, duas semanas após a decisão.
Shaw não respondeu nem falou mais nada naquele dia, apenas chorava
em meus braços, buscando proteção e amor.
Todas as coisas que aconteceram de ruim em minha vida nesses últimos
meses quase me fizeram cair, como o meu irmão levar uma facada para me
salvar do delinquente do Dylan, eu perder o meu emprego na Vênus, mas,
apesar de todas as coisas ruins que aconteceram, tive a chance de conhecer o
Shaw, e, depois disso, pareceu que uma luz entrou em meu peito e fez com
que eu me apaixonasse por aquele garotinho de apenas sete anos de idade.
Estava feliz por tê-lo em minha vida. Shaw foi como um milagre que Deus
enviou para mim, e acho que também fui para ele.
Na manhã de uma segunda-feira, quando cheguei ao meu trabalho, meu
telefone tocou.
— Alô?
— Como está a minha irmã favorita? — perguntou Bryan do outro lado
da linha.
Revirei os olhos.
— Da última vez que pesquisei, eu era a sua única irmã, seu tonto. —
Sorri, olhando o jardim da instituição. Ali tinham várias plantas e flores,
como jasmins e frésias.
As porcarias dos nossos pais fizeram apenas nós dois. Graças a Deus
por isso, porque, se tivéssemos mais irmãos, não sei o que eu faria caso
viesse a acontecer alguma coisa com eles, mas estava aliviada por Lisa não
poder ter mais filhos, assim ninguém iria sofrer nas mãos daqueles dois
monstros.
Tentei não pensar no passado e focar no presente. Com o telefone ao
ouvido, entrei na instituição e fui até minha sala.
— O que houve?
Ouvi-o bufar.
— Não posso ligar para minha maninha sem que tenha acontecido algo?
— retrucou em um tom magoado.
— É claro que pode, mas acho estranho você me ligar em meu horário
de trabalho. — Franzi os lábios. Ele sempre ligava à noite, quando eu estava
em casa, e não ali, no trabalho.
Ele suspirou.
— Eu só quero pedir a você o telefone daquela médica gostosa que me
atendeu no hospital.
— Você é doido, Bryan?! Não acredito que me ligou aqui, no meu
horário de trabalho, para isso! — exclamei. — Não posso de repente ligar
para a doutora e dizer: “Oi, doutora, o meu irmão quer ter um encontro
com você, então dê o seu telefone a ele”. — Suspirei. — E, além disso,
pelo que sei, você não precisa de mim para isso.
Meu irmão era um cara lindo e podia ficar com qualquer garota que
quisesse, era só estalar os dedos para isso. Éramos muito parecidos
fisicamente. Ele era forte, com músculos definidos, barriga tanquinho e uma
pele branca, mas bronzeada. Tinha cabelos negros da cor da noite e olhos
azuis atentos como os de um lobo, iguais aos meus.
— Eu sei, maninha, estou brincando. Apenas senti saudades de você.
Desculpe por ligar antes da hora — ele disse, sua voz divertida. — E,
querida, eu não tenho encontros, apenas quero entrar nas calças da doutora
— disse-me sem nenhuma vergonha. — Anjinho, eu apenas transo e nada
mais.
— Você é tão cheio de si, não é? Se não estivesse tão longe de mim, eu
bateria em você até criar juízo... — Levantei-me, peguei um copo de água e
beberiquei um pouco. ― Sorte sua que amo você mesmo que seja um sem-
vergonha.
Ele riu.
— Também te amo demais. ― Ele riu descaradamente. — Eu sou tudo
o que as mulheres querem e tenho tudo que as deixam ir às nuvens e voltar no
prazo de um segundo.
— Tão modesto, não? — Revirei os olhos novamente.
— Maninha, eu sou o sonho de todas, assim como você é o de todos os
homens — grunhiu o final. — Ainda bem que você não liga para os homens
como eu ligo para as mulheres. Assim sua castidade vai se manter intacta.
— Argh, vamos parar de falar sobre isso, ok? — Estava corada. Ainda
bem que ele não estava ali para ver. Mudei de assunto: — Eu vou passar
esse final de semana com você, mas não quero me deparar com mulheres em
seu apartamento. — Lembrei-me da última vez que estive lá e dei de cara
com uma garota nua na cozinha. Não queria passar por aquilo novamente.
— Certo. Então você soube alguma coisa do magnata? — Senti
desagrado em sua voz. — Eu fiz uma pesquisa sobre ele, e você não vai
acreditar nisso! Sua fortuna é estimada em 74 bilhões de dólares. Acho que
por isso tantas mulheres caem em sua rede, como um cardume.
O comentário me deixou sem ar. Achava que Lucky Donovan era rico,
mas não tanto assim. Quanto à sua opinião, eu não concordava que o
interesse das mulheres por ele fosse apenas pelo seu dinheiro. Não, era mais
que isso, afinal ele era um homem atraente.
— Sério? Isso é bom, assim ele não vai mais me procurar, já que não
tenho grana — sussurrei depois de me recuperar um pouco.
Talvez seja por isso que ele não veio me pedir desculpas
pessoalmente depois do evento, pensei amarga. Lucky continuava me
mandando bilhetes, mas, na última semana, em vez de rosas, começara a me
enviar brincos e correntes de diamantes. Devo dizer que fiquei puta com
isso. O que ele achava que eu era? Uma aproveitadora que precisava de
presentes caros para ser conquistada e motivada a sair com ele? Ele era
louco. Eu iria lhe devolver aquelas joias ainda naquele dia, assim que saísse
do trabalho. Tinha seis pares de brincos e correntes. Não queria nem
imaginar o valor de tudo junto, mas, sabendo agora o quão rico ele era,
podia imaginar... Chequei a caixa azul sobre a mesinha. Tinha lhe mandado
uma mensagem por seu segurança, que veio me procurar a mando do seu
chefe, dizendo-lhe que eu não poderia aceitar nenhuma das joias.
— Sim, ele é bastante poderoso aqui nos Estados Unidos. Acho que se
equipara ao presidente. Ajuda várias instituições beneficentes, e a maioria
delas não é relatada na mídia. Pelo que descobri, ele quer assim, mas eu não
ligo para o seu poder e suas obras beneficentes, o que preciso saber é se ele
a incomodou de alguma forma. — Seu tom era preocupado, não mais
brincalhão. — Se não me contar, vou bater aí, onde você trabalha.
Eu sabia que ele faria isso, era capaz de tudo por mim.
— Não tive mais notícias dele.
Eu não queria dizer-lhe que vi Lucky havia algumas semanas, no evento
na Martínez, e que, nesse dia, fiz descobertas impressionantes em relação a
ele, o que me deixou balançada, como também não pretendia lhe falar sobre
seus presentes extravagantes, nem que me pediu para ir a um encontro com
ele.
— Aqui está perfeitamente bem, Bryan, então não se preocupe comigo.
— É bom ouvir isso. — Ele parecia aliviado.
Decidi mudar de assunto.
— Se já começou a andar por aí com mulheres, então a lesão está se
curando bem, não é? — Meu irmão era um mulherengo nato, mas eu o amava.
— Perfeitamente bem, maninha — sussurrou, depois seu tom se tornou
sombrio. — Não teria ficado assim sem sua ajuda. Graças a você, eu fui
salvo...
Cheguei bem a tempo de chamar a ambulância para levar meu irmão,
que tinha levado uma facada na barriga. Seu próprio pai tinha feito isso com
ele, quando foi me procurar para me levar de volta para o Kentucky. Como
eu não estava em casa naquele dia, Bryan discutiu com ele e disse que eu não
iria a lugar algum. Foi quando ele ficou furioso e esfaqueou o próprio filho,
mas, para quem tentou fazer coisa pior com a filha, eu sabia que era capaz de
tudo. Depois disso, nos mudamos da Flórida. Eu fui para Nova York, para o
Brooklyn, e Bryan, para Nova Jersey. Não morávamos muito distante, a
apenas duas horas de carro.
Nunca vi tanta raiva e ódio como no olhar do Dylan para mim, nem
parecia que um dia ele me amara. Ele achava que eu não era filha dele, mas
a mulher que me deu à luz dizia que não o havia traído, mas também falava
que eu era a semente do Mal, não me suportava, pois teve depressão pós-
parto. Eu não queria saber nada deles, de nenhum dos dois desgraçados que
nos colocaram no mundo, porque nunca foram realmente meus pais. Nenhum
deles sabia o que era isso.
— Agora você está bem — sussurrei, limpando as lágrimas que
desciam pelo meu rosto. Ainda bem que Bryan não estava ali para me ver.
Ele suspirou.
— Sim, estou perfeitamente bem, tanto que, essa noite, vou a uma boate
pegar algumas gatas, já que fiquei em abstinência por causa do maldito
Dylan. — Seu tom era maligno no final. — Se algum dia eu voltar a vê-lo à
minha frente, vou matá-lo.
Um arrepio percorreu minha espinha, como se tivessem injetado água
gelada em minhas veias.
— Não pode fazer isso, está me ouvindo? — Minha voz se elevou um
pouco no início, mas depois baixei o tom.
— Por quê? Ele tentou fazer coisas horríveis com você...
Eu o interrompi, falando baixo e com raiva:
— Eu não estou preocupada com ele. Por mim, ele que se exploda. Se
você o matar, vai parar na cadeia, Bryan, e vai estragar as suas chances de
entrar na polícia e realizar seus sonhos.
Ele respirou fundo.
— Não irá acontecer nada comigo, Sam. — Seu tom era seguro e
confiante.
— Eu não posso ficar sem você... — Sentei-me de novo na poltrona e
passei as mãos nos cabelos em um gesto nervoso.
— Ei, vai ficar tudo bem comigo — prometeu com a voz suave. — Eu
vou me comportar, mas...
— Eu sei... — cortei-o, mas tive de me interromper por causa de
alguém batendo à porta. — Depois a gente se fala, Bryan, tem alguém me
chamando.
— Até logo, maninha. Eu amo você.
— Também amo você. — Encerrei a ligação e olhei para o rosto
sorridente de Ana à porta.
— Quem é o sortudo para quem você disse isso? — perguntou, curiosa.
— Não é ninguém no departamento amoroso... Ele é meu... — hesitei no
final. Não podia dizer a ninguém que Bryan era meu irmão. Talvez Dylan
ficasse sabendo de alguma forma sobre nós dois, era melhor não arriscar. —
Ele é só um amigo.
Ela riu sacudindo a cabeça.
— Amigo, sei.
— Sério, Ana, com ele não existe nada romântico. Tenho dó das garotas
que se apaixonam por ele — murmurei.
Ela assentiu, ainda meio sem acreditar. Ana era uma ruiva exuberante.
Seus olhos castanhos eram meigos e gentis.
— Michael quer você na sala dele — disse.
— Isso é bom ou ruim? — sondei, preocupada. Durante o tempo em que
trabalhava ali, eu nunca fora chamada à sua sala, conversávamos apenas fora
de lá.
Michael é um cara bonito, até poderia rolar algo entre nós, pelo jeito
que ele me olha... Expulsei esse pensamento da minha cabeça, tanto pelo
segredo que eu mantinha quanto por não conseguir pensar em outro homem,
apenas em um par de olhos verdes. Eu deveria ficar feliz por ter um rapaz
interessante igual ao meu chefe interessado em mim, mas não! Só conseguia
pensar no maior mulherengo de Manhattan, que achava que objetos caros
compravam tudo. Talvez ele não tivesse noção da idiotice disso, já que
nunca se importara ou correra atrás de uma mulher antes.
Ana franziu a testa.
— Eu acho que não deve ser ruim, afinal, você não fez nada de errado
— tranquilizou-me. — Você é uma profissional competente.
Assenti muda e fui falar com Michael. Ele estava sentado em uma
cadeira em seu escritório, o qual não era muito grande. Havia uma mesa de
madeira de mogno, uma estante com livros e um armário grande com
arquivos de pacientes e funcionários.
Michael apoiava os cotovelos na mesa e cobria o rosto com as mãos.
Seus cabelos loiros, que estavam um pouco compridos, caíam sobre as
mãos, que escondiam sua face. Percebi que seus músculos estavam tensos
através da camisa branca que ele trajava. Por alguma razão, meu coração
gelou de medo de que notícias boas não viriam dele.
— Sr. Michael? — chamei, entrando e pondo-me à sua frente. Chamá-lo
de senhor era estranho, já que ele tinha apenas 27 anos, três a mais do que
eu.
Ele deixou as mãos caírem de lado e me fitou com os olhos tristes.
— Michael, só Michael — Ele me pediu para chamá-lo apenas por seu
nome de batismo assim que comecei a trabalhar para ele, mas eu sempre
acabava esquecendo.
— Algum problema, Michael? — perguntei, mexendo as mãos em um
gesto nervoso.
— Sim — ele disse e apontou para a cadeira à sua frente. — Sente-se.
Sentei-me rígida como uma tábua. Olhei para ele, esperando que
falasse.
— Sam, hoje eu recebi uma ligação do Lucky Donovan.
O que Lucky queria com meu chefe? Eu não tinha a mínima ideia, mas,
fosse o que fosse, deixou Michael preocupado. Eu já estava temendo o pior.
— O que o Sr. Donovan queria? — Minha voz saiu vacilante, não soube
se Michael notou.
Ele respirou fundo.
— Eu sei que não tenho o direito de perguntar isso, mas aconteceu algo
entre você e Lucky? — Seus olhos azuis intensos me avaliavam.
Pisquei, chocada por Michael pensar que tinha acontecido algo entre
mim e Lucky. Talvez fosse por meu ex-chefe ter pedido para que o atual
arrumasse um cargo para mim na Fênix.
— O que ele disse? — sondei confusa.
Michael suspirou.
— Ele não disse nada sobre vocês dois...
Eu o interrompi:
— Não existe e não existiu “nós dois.”
— Existe algo, porque ele ameaçou que, se você não aceitasse ir a um
encontro com ele no restaurante Old Homestead Steakhouse amanhã à noite...
ele fecharia a Fênix.
O ar ficou preso em meus pulmões, impossibilitando-me de respirar por
instantes. Eu não acreditava que isso estivesse acontecendo de novo, mas
pelo menos não era uma demissão, só uma exigência do filho da mãe. Eu não
sabia o que faria, porque, se não aceitasse suas exigências e não fosse ao seu
encontro, a Fênix poderia ser fechada, ou eu teria de me demitir e ir embora,
mas isso iria prejudicar a adoção de Shaw. Nenhum juiz me daria a guarda
dele se eu não pudesse sustentá-lo. Levantei meus olhos para Michael.
— O que pensa em fazer comigo? Vai me demitir caso eu não aceite as
exigências dele? — A minha voz estava trêmula de medo.
Seu olhar era triste ao esconder o rosto nas mãos de novo.
— Eu realmente não sei o que fazer... — Sua voz saiu abafada pelas
mãos. — Ele não me deixou alternativa. — Michael tirou as mãos da face e
olhou para mim. — Se você não for falar com ele, Lucky pode fechar a
Fênix...
Eu queria gritar, mas saiu só um lamento. Eu sabia que ele era rico e
poderoso, mas mandar na empresa de outras pessoas já é demais, pensei
amarga. Talvez a instituição seja dele também.
— Ele tem todo esse poder, ou este lugar aqui também é dele?
Ele sacudiu a cabeça.
— Não, a Fênix é minha, recebi de herança dos meus pais. —
Encostou-se na cadeira. — Mas Lucky Donovan tem esse poder, pode fazer
tudo o que quiser dentro de Manhattan, aliás, dentro da América! Eu
definitivamente estou de mãos atadas e sem saber o que fazer! — Ele
expirou, a expressão irada.
— Eu não entendo por que Lucky está agindo assim, já que foi ele que
ligou para você me colocar aqui.
Então o filho da puta primeiro me chamava para transar, depois me
ameaçava para ter um encontro com ele. Ao não conseguir nada, mandava-
me rosas e diamantes e me convidava de novo para jantar. Como não aceitei,
então ele voltava às ameaças de novo.
Lucky foi esperto. Ele deveria saber que, ameaçando meu emprego, não
iria conseguir nada, porque eu preferia perder meu serviço a ir a um
encontro à base de intimidações. Entretanto, ao ameaçar fechar a Fênix, o
maldito com certeza sabia que tocaria em meu calcanhar de Aquiles. Não me
perguntei como ele sabia disso, porque não teria a resposta.
Michael franziu o cenho.
— Como sabe sobre isso? Lucky disse a você?
— Eu nem falei com Lucky. — Evitei sua pergunta. — Mas ele me
mandou alguns bilhetes me chamando para ir jantar com ele. — Deixei de
fora a parte das flores e joias. — Eu disse que não podia aceitar sair com
ele.
Ele deu um suspiro resignado.
— Lucky Donovan é conhecido por ter tudo o que quer.
— Nem tudo — grunhi.
Eu não sabia o que fazer, mas não podia deixar que o coração de gelo
do Lucky Donovan fechasse aquele lugar por minha causa, só para me
convencer a sair com ele. Ali se cuidava de muitas crianças que precisavam
de ajuda, e eu não podia tirar isso delas e do Michael, que amava a
instituição.
Meu mundo parecia estar desabando de novo. Vivia fugindo de um pai
desequilibrado, um monstro, e agora era perseguida por aquele cara mimado.
Sua insistência não passava de um capricho por ter levado um maldito NÃO!
Shaw, o que aconteceria com ele caso eu me demitisse? Sentia-me
destruída por dentro. Eu preferia mil vezes sofrer a causar mais dor em
Shaw, amava-o como se ele fosse meu filho, e como poderia ajudá-lo se não
trabalhasse mais ali? Como conseguiria sua custódia se não tivesse um
emprego?
— Eu acho que você devia conversar com ele — sugeriu Michael.
— Você acha que eu vou me vender para aquele desgraçado? — rugi,
meu autocontrole indo para o espaço. Só o Lucky para trazer o pior de mim à
tona.
Ele sacudiu a cabeça.
— Não estou falando de vocês irem para a cama ou coisa assim, jamais
diria isso — murmurou. — Apenas converse com Lucky, está bem? Não vai
arrancar pedaço se ao menos tentar, porque, pelo que notei, ele quer se
encontrar com você, não em termos sexuais, mas sim para conversar. Pelo
menos, foi o que ele disse. — Ele me fitou — Não estou dizendo isso só
porque não quero a Fênix fechada, mas porque sei que você vai querer se
demitir como fez na empresa dele. Agora pense apenas no Shaw, tudo bem?
Porque o juiz não vai aprovar a adoção se você não tiver um emprego fixo.
Encolhi os ombros, sem saber o que fazer.
— Eu vou pensar sobre isso — capitulei. Preferia pedir esmola a ficar
um segundo no mesmo espaço com Lucky Donovan, mas tinha de considerar
o Shaw, o meu garotinho lindo.
— Isso é bom.
Eu precisava mesmo falar com Lucky. Como ele ousava fazer
exigências de novo para que eu saísse consigo? Por que ele não era um cara
normal e me dizia: “estou a fim de você, Sam, aceita jantar comigo?”.
Lucky era complicação, uma das grandes, que eu não queria enfrentar, mas,
pelo jeito, não tinha muita escolha.
5 - Armação
LUCKY
— Senhor — chamou Simon, entrando em minha sala.
Conheci-o na Inglaterra, uns anos antes, em uma reunião para abrir uma
de minhas empresas por lá. Sabia, pela fortuna que eu tinha, que precisava
de um guarda-costas, afinal, não queria ser uma vítima de sequestro, além
disso, não podia ignorar os inimigos acumulados durante a ascensão do meu
império. Simon era forte e já tinha trabalhado nas forças armadas, serviu no
Iraque por vários anos, por isso o contratei.
— Sim, entre. — Sentei-me e olhei para ele ali, de pé à minha frente,
com as mãos ao lado do corpo e com o rosto impassível. — Ela mandou
alguma mensagem enquanto eu estava na sala de reuniões? — Estendi minha
mão para ele, pedindo meu celular.
Eu ia me aproximar de Samantha no evento do Martínez e pedir
desculpas por tê-la demitido injustamente. Entretanto, ela estava
acompanhada por Michael. Tentei não deixar isso subir à minha mente.
Alertei-o quando pedi para contratá-la: deixei bem claro que não fizesse
avanços com Samantha, ou eu acabaria com ele. Contudo, o filho da puta a
levou ao evento. Só não quebrei sua cara por estarmos cercados de pessoas
e por causa dela. Fiquei mais aliviado quando ouvi Sam dizer que não estava
saindo com Michael, mas vi nos olhos dele que estava a fim dela. Logan
também ajudou a me impedir de espancá-lo.
Eu não entendia a raiva e o aperto no peito que estava sentindo. Para
não fazer besteira, fiquei olhando-a de longe, até saí com uma modelo cujo
nome nem me lembrava, mas não fiquei com ela, não sentia mais desejo,
mais tesão por nenhuma mulher, apenas por Sam. Jordan e Ryan se
divertiram com a modelo, enquanto eu fui para o silêncio da minha casa,
pensando na Rosa Vermelha, a única mulher que não me queria.
Simon entregou meu telefone.
— Ela não vai aceitar sair com o senhor e também disse que vai
devolver as joias que deu a ela.
— O quê?! — Percebi que gritei. Não era difícil para mim conquistar
mulheres, mas jamais tinha encontrado uma tão difícil quanto Samantha. Com
as outras, bastava sorrir, e logo eu teria o que queria, mas com a Sam estava
tremendamente difícil, quase impossível. Alguns dias antes, ela enviou uma
mensagem dizendo para eu parar de mandar as rosas e afirmando que não
aceitaria o meu pedido para me encontrar com ela.
Olhei a nova mensagem. Samantha me agradecia por tudo, mas
informava que não aceitaria sair comigo e que devolveria as joias.
— Maldição! Por que ela tem que complicar tudo?! — Quando Logan
sugeriu que eu a conquistasse, achei que seria fácil, mas acabava de
perceber que não. Ele me disse que, quando um homem estava interessado
em mais do que apenas sexo, que o certo era conquistar uma mulher com
flores e joias. Como eu nunca tinha feito nada disso na minha vida, achei que
o garoto tinha razão. Quando as rosas não deram certo, mandei as joias, mas,
pela mensagem, Samantha não havia gostado de nenhuma das duas.
Aquela mulher entrara em minha cabeça como uma droga viciante; se
por acaso eu não a tivesse, ficaria louco. Não conseguia tirar Sam da minha
cabeça em nenhum momento.
Simon suspirou, seus ombros encolhidos, parado próximo à mesa.
— A senhorita Gray não parece ser dessas que gostam de receber joias
ou coisas caras. Pelo que descobri dela, gosta de simplicidade.
Ele devia ter razão, por isso ela não aceitara as joias. Samantha tinha
algo que a tornava diferente de todas as mulheres do mundo. Provavelmente
era por isso que eu não conseguia parar de pensar nela desde o dia em que a
conheci. Depois disso, Sam estava em meu sistema como uma droga ou um
câncer sem cura.
No começo, eu queria desistir e lutar contra o que estava sentindo,
fosse lá o que fosse, mas foi impossível esquecer aquela mulher de 1,70 m
de altura e olhos azuis como o céu em um dia de verão. Tentei tirá-la da
minha cabeça e do meu sistema e ficar longe, sabendo que a havia magoado
e que não a merecia. Só de imaginar essa possibilidade, sentia-me asfixiado,
como se meus pulmões estivessem com defeito, embora eu não soubesse o
que isso significava realmente, já que nunca tinha sentido nada parecido.
— Acho que você tem razão, mas do que será que ela gosta? — Queria
que Sam tivesse tudo que nunca teve na vida, como também realizar seus
sonhos mais profundos.
— Eu tenho um palpite, senhor. Aposto que ela gosta de coisas simples,
sem tanto valor... — disse Simon — como chocolates. O senhor percebeu
que ela lhe agradeceu só pelas rosas? Isso significa que gostou delas, não
das joias.
— Você pode estar certo — sussurrei depois de pensar um minuto.
Pelo que consegui descobrir, ela morava sozinha em uma casa de
aluguel no Brooklyn. Formara-se como psicóloga havia poucos meses e era
nova na área, afinal, tinha apenas 24 anos, mas, pelo que percebi, era
competente em sua função e amava sua carreira. Eu queria entender mais da
vida de Samantha, mas ela não estava facilitando as coisas para mim, e isso
me deixava nervoso.
— Eu acho que o senhor tem que ir até ela em vez de mandar bilhetes e
presentes — sugeriu Simon. — Ou desistir dela de vez.
Talvez, se eu a deixasse de lado, poderia esquecê-la, mas achava quase
impossível esquecer aquela mulher com rosto angelical e corpo
perfeitamente esculpido, porém precisava me controlar para não atrapalhar a
sua vida ainda mais do que já o tinha feito. Uma parte de mim dizia para eu
deixá-la ir, e a outra exigia que a tivesse em meus braços e na minha cama.
Qual delas venceria?
— Senhor... — Simon se interrompeu quando meu telefone começou a
tocar. Ele ficou de pé como uma estátua, seu rosto impassível, difícil de
decifrar.
— Espere um pouco, Simon, e já voltaremos ao assunto — ordenei
enquanto verificava que era uma ligação de Toronto. Era um telefonema
importante para os meus negócios, não podia rejeitá-lo.
Kevin era um dos meus representantes, que estava em Toronto para
comprar uma nova empresa, a Águia da Esperança, que tinha beneficiários
em todo o mundo. Ela era uma das empresas beneficentes mais importantes,
e, para minha sorte, os donos estavam querendo vendê-la. Eu queria comprá-
la e fazer um projeto que ajudaria muitas crianças e adolescentes. O nome do
projeto era Revolução.
— Espero que tenha boas notícias para mim, Kevin — anunciei ao
atender o celular, louco por pelo menos uma boa notícia no meio do caos em
que eu estava vivendo.
Ele suspirou do outro lado da linha.
— Senhor Donovan, tenho boas e más notícias — informou.
— Comece pela notícia boa — ordenei; já estava cansado de ouvir más
notícias.
Ele respirou fundo.
— Os acionistas da empresa Águia da Esperança disseram que vão
vender a empresa deles para o senhor, mas a má notícia é que só a venderão
caso o senhor se case e deixe de aparecer nos tabloides, nos quais sempre é
visto enroscado em mulheres aleatórias.
Meu queixo trincou.
— Por que a minha vida particular seria da conta daqueles estúpidos?
— sibilei entre dentes.
A linha ficou em silêncio por um minuto. Depois, ele falou com a voz
um pouco mais grave:
— O senhor Taym e os outros sócios contaram que estão vendendo a
empresa por motivos pessoais e que ela é herança de família. O sócio
majoritário, que é o filho mais velho do falecido Sr. Tyne, disse que só vai
vendê-la para pessoas de família, que respeitem o trabalho social e
beneficente. Para ele, se o novo dono for casado, isso o torna mais
confiável, pois não quer que a empresa afunde no futuro e o sonho de seu pai
morra. Mas, se você não...
— Eles não vão assinar o maldito contrato de compra e venda —
terminei por ele, com a voz fria e dura como aço. Dei um soco na mesa que
chegou a fazê-la tremer. — Maldição!
— Eles acham que, se você se casar e se tornar um marido fiel e
comportado, isso vai melhorar o seu empenho e elevar o nome da empresa,
que está em torno de quarenta anos no mercado. — Ele suspirou, chateado
com a imposição também.
Olhei para o teto branco, tentando me controlar para não perder a
cabeça ou arrancar a de alguém.
— Eles são uns malditos filhos da mãe — praguejei, inconformado. —
Eu tenho 28 anos, tenho um império imenso e consegui tudo isso sem a ajuda
de uma mulher. Posso muito bem cuidar dessa empresa também.
— Eu sei que sim, chefe, mas eles disseram que não tem acordo... ou é
isso ou nada feito.
Dei um suspiro resignado.
— Ofereça o dobro do dinheiro — disse a ele.
— Eu já tomei a liberdade de oferecer, senhor. — Ele pigarreou. —
Mas Colin Taym disse que sua resolução não tem nada a ver com dinheiro, e
sim com fazer a empresa não afundar no futuro.
— Eles acham que vou conseguir uma mulher assim, em duas semanas?
— Meu tom estava furioso. Eu já estava inconformado porque não conseguia
tirar Samantha da minha cabeça; agora isso?
— Se me permitir falar, chefe — ele começou —, eu tenho uma
sugestão.
Suspirei.
— Fale — disse em um tom duro e seco, frio como uma geleira do Polo
Norte. Servi-me de uma dose de uísque e a bebi em um só trago. Estava
precisando disso depois dessa notícia bombástica. Por que a droga de uma
certidão de casamento justificaria alguma coisa? Eu nunca deixara alguma de
minhas empresas falir, aliás, abria portas para novos serviços, não as
fechava. Não existia a palavra “falência” no meu vocabulário, inclusive já
havia ajudado várias empresas que se encontravam em crise financeira a sair
do buraco, mesmo não sendo minhas. Eu jamais deixaria um empreendimento
meu falir.
— Por que você não se casa com a Sasha? Ela é bonita, então talvez
vocês possam se tornar um casal — sugeriu.
Ri.
— Sasha é só uma funcionária, eu jamais me casaria com ela. —
Estremeci só em pensar nisso.
Ele suspirou.
— Não precisa existir uma relação sexual entre vocês, seria apenas um
casamento de conveniência — esclareceu. — Quando o contrato de compra
e venda da empresa estiver assinado, podem se divorciar sem nenhum
problema.
— Você acha que vou dar metade dos bens que eu consegui todos esses
anos a uma mulher? Uma funcionária minha? — perguntei, ultrajado.
— Vocês podem se casar sem comunhão de bens e com um contrato pré-
nupcial para que ela não tenha direito aos seus bens quando se divorciarem.
Franzi os lábios, pensando na ideia de Kevin, que, afinal, não era tão
ruim. Eu precisava ter a Águia da Esperança de qualquer jeito, mas uma
mulher interesseira me fazia pensar na minha fodida mãe, que foi embora
para se casar com um ricaço, e isso era tudo que eu não queria.
Eu confiava em Sasha. Nós nos conhecíamos desde a adolescência,
nunca tivemos relações sexuais, apenas éramos colegas de trabalho, mas eu
jamais me casaria com ela, porque tinha alguém em mente, muito mais eficaz
e que não era interesseira de nenhuma forma. Sabia que era quase impossível
fazê-la aceitar se casar comigo, mesmo se fosse por uma boa causa.
Precisava falar com ela de alguma forma para convencê-la a aceitar se casar
comigo.
— Diga aos acionistas da Águia da Esperança que aceito a proposta
deles. — Esperava fazer Samantha entender e aceitar a minha oferta, porque,
senão, eu estaria em uma enrascada total, e o culpado seria eu. — Eles
querem um casamento? Pois terão um casamento. Se esse for o único jeito de
eu ter a Águia da Esperança, eu me submeterei à imposição. — Dei de
ombros, embora Kevin não pudesse ver.
— A Sasha...
— Não é com a Sasha que vou me casar — cortei-o. — É outra mulher
que tenho em mente.
— Oh.
Pensei ter ouvido decepção em sua voz, mas devia ter me enganado,
porque ele não se beneficiaria com o meu casamento com a Sasha.
— Então está tudo bem — falou por fim, com a voz um pouco mais
grave. — Eu vou deixar todos a par da situação.
Coloquei o copo de uísque na mesa e apertei as têmporas, torcendo
para Sam aceitar a minha proposta.
— Faça isso — ordenei e encerrei a ligação. Olhei para o Simon, que
ainda estava de pé. — Preciso que descubra alguma coisa sobre Samantha
Gray, como uma dívida ou coisa do tipo, para que eu tenha um segundo plano
caso ela não aceite se casar comigo.
Ele estreitou os olhos.
— Senhor, eu já fiz isso — respondeu com a voz firme. — Ela deve 20
mil dólares a um hospital na Flórida, onde morava antes de se mudar para o
Brooklyn. Seu aluguel está atrasado. Ela renegociou a dívida com o hospital
da Flórida agora, que está trabalhando.
— Eu quero que essas dívidas sejam pagas até o final do dia, incluindo
todos os seus cartões de créditos, seguro de carro, tudo que estiver atrasado,
você entendeu? — ordenei.
Simon levantou as sobrancelhas.
— Sim, senhor.
— Eu sei que ela é diferente, por isso a quero para ser a minha esposa.
— Levantei-me e olhei a bela vista de Manhattan. — Ela não é interesseira
como todas as mulheres que conheci, provei isso no momento em que não
aceitou sair comigo, preferindo se demitir, além de ter rejeitado as joias.
Noto a sua repulsa pelo meu dinheiro.
— Isso é verdade, senhor.
Balancei a cabeça.
— Eu vou ligar para o Michael e montar meu plano para conseguir
fazer com que Samantha concorde em sair comigo, e assim eu poderei fazer
minha proposta de casamento a ela. — Quase ri disso. Como eu proporia
casamento a uma mulher que nem aceitava sair comigo? Eu devia estar
louco, Samantha havia me deixado assim.
— Eu vou jogar com as cartas que tenho, vou propor o acordo a ela
para que se case comigo, e, se ela não aceitar e eu não conseguir o que
quero, então a deixarei livre e não vou mais incomodá-la. — Passei as mãos
pelos cabelos, temendo que isso viesse a acontecer.
— Mas, senhor, você não acha melhor esperar a sua resposta para
depois pagar as dívidas? Ela pode não aceitar sua proposta.
Eu não queria pensar na possibilidade de ela dizer “não” para mim de
novo. Só em pensar nessa palavra vindo da sua boca, o meu coração se
encolhia, ficando do tamanho de uma noz.
— Eu não me importo com dinheiro, sabe disso. — Olhei para ele. —
Até fico feliz em ajudá-la.
— Mas e se ela aceitar? Não acho que vai transar com o senhor em um
casamento por contrato.
— Eu sei. Sexo não vai estar nas cláusulas de nosso contrato de
casamento. Se acontecer, será porque ela quer, mas eu jamais vou obrigá-la a
isso.
— Senhor, se não tiver sentimentos por ela, não devia conquistá-la nem
pedi-la em casamento. Ela não merece isso.
Se fosse outra pessoa a me dizer algo assim, eu teria dito para cuidar da
sua vida e deixar a minha em paz, mas Simon sabia de todos os cantos
escuros e profundos da minha mente e do meu passado. Ele era ciente da dor
que carreguei durante toda a minha vida feito uma droga. Ele era como da
minha família, a única pessoa de fora em quem eu confiava cegamente, assim
como Logan.
— Por que diz isso? — indaguei, embora já soubesse.
— Senhor, como eu disse, tem algo diferente nos olhos dela, como se
tivesse uma dor profunda ou sofresse por alguma perda. Essa dor é a mesma
que vejo nos seus olhos.
Assenti.
— Será que isso tem a ver com as contas do hospital na Flórida? —
Minha testa se vincou. — Ela perdeu algum familiar?
— Pelo que consegui descobrir, ela não parece ter família, apenas
amigos, sem namorado ou mesmo um “ex”. Mas o abismo está nos olhos
dela, senhor.
— Também percebi isso, Simon — sussurrei. — Acho que isso me fez
ficar mais curioso para descobrir o que ela tem debaixo da superfície. —
Tranquilizei-o: — Mas não se preocupe, Simon. Ela não é igual a todas as
mulheres que já tive, e, se eu ao menos chegar perto de seu coração, não a
deixarei escapar.
Ele sorriu aliviado. Essa era a primeira vez que eu o via sorrir durante
todo o tempo em que esteve comigo. Sempre teve a expressão dura como a
do soldado que foi, mesmo não exercendo mais a função.
— Faça isso, senhor — aconselhou. — Pois o senhor também precisa
ser feliz.
Saiu da sala, deixando-me de boca aberta como a de um peixe. Simon
me entendia e conhecia o meu lado quebrado. Quando o contratei para ser o
meu segurança, pude ver a dor em seus olhos negros. Era o mesmo abismo
que eu tinha nos meus. Ele nunca me contou nada do que enfrentou em sua
vida. Eu também não perguntei, pois sabia o quanto era difícil falar sobre a
dor. Era mais facíl esquecer – ou ao menos tentar.
Ouvi dizer que dor atrai dor. Talvez fosse por isso que eu me sentia
atraído por aquela mulher linda. Eu podia enxergar, no fundo do azul gelo
daquelas íris, algumas migalhas de chamas. Estava doido para tê-la comigo e
poder tirá-la de seu abismo, mesmo que, para o meu, não existisse essa
esperança.
6 – O Troco
SAM
Saí da Fênix sem saber o que fazer em relação ao Lucky, e agora estava
debaixo das cobertas, sem ter ânimo para sair ou até mesmo para procurá-lo
e dizer algumas verdades que ele precisava ouvir.
Eu tinha planos de adotar Shaw, mas como faria isso se perdesse o
emprego? Eu o queria tanto comigo, amava-o como se tivesse saído de mim.
Eu não sabia se conversava com Lucky ou se me demitia para a
proteção da Fênix, mas, se isso acontecesse, ficaria desempregada. Eu tinha
muitas dívidas. Havia negociado com o hospital da Flórida, mas chegaria à
estaca zero de novo?
Meu telefone tocava direto, mas eu o ignorava, porque eram ligações de
Diana e de Ana. Embora elas fossem as minhas duas únicas amigas de
verdade em Nova York, suas ligações iam direto para a caixa de mensagens.
A única ligação que eu iria atender seria a de Bryan, para que ele não se
preocupasse comigo e desconfiasse de que algo estava acontecendo. Não
disse nada a ele sobre o que o Lucky fez; se soubesse, já estaria ali para me
consolar e explodir a cara dele.
Já eram quase 7h da noite quando ouvi uma batida à porta. Gemi. Quem
poderia ser? Não era Bryan. Sempre quando vinha me visitar, ele avisava
antes. Eu não fazia a menor ideia de quem tinha vindo me ver, a não ser que
fosse a senhorinha dona da casa vindo cobrar o aluguel, que estava atrasado.
Eu logo seria despejada.
Fiquei quieta para quem quer que fosse à porta partisse, já que eu não
estava com ânimo para atender ninguém.
— Samantha! — ouvi o grito da Ana. — Eu sei que você está aí, então
é melhor abrir a porta, ou vou arrombá-la.
Quase revirei os olhos ao imaginar a doce Ana arrombando uma porta
de madeira, quebrando as suas unhas bem-feitas. O inferno devia estar
congelando naquele momento.
— Por favor, Sam, precisamos falar com você — implorou Diana, à
porta também.
O que elas faziam em minha casa àquela hora? Principalmente Diana.
Por que ela tinha vindo ali? Se Lucky soubesse que sua funcionária estava
ali, o que ele faria?
Ela é tão linda! Por que Lucky não a notou em vez de mim?
Ao pensar nele com outra mulher, meu estômago se revirou como se eu
tivesse comido algo estragado. Eu era uma completa estúpida! Como podia
pensar em um homem que ameaçava fechar um lugar que beneficiava tantas
crianças só para ter um encontro comigo?
Eu podia ir até o Lucky e conversar com ele, mas não ia fazer isso,
porque, se o fizesse, ele venceria. Eu era muito orgulhosa para fazer o que
ele queria, por isso preferia ficar ali até definhar.
As batidas e gritos insistentes à minha porta continuavam. Eu sabia que
Ana e Diana não desistiriam até que eu as atendesse. Levantei-me da cama a
contragosto.
— Oh, meu Deus! — Ana exclamou horrorizada, olhando-me de cima a
baixo. — Você foi violentada?!
Pisquei atônita, olhando meu corpo para ver o que a tinha horrorizado.
Eu estava descalça, com um shortinho curto e uma regata e com o corpo todo
amassado da cama. Com certeza meus cabelos pareciam um monte de feno
onde os passarinhos poderiam até fazer ninhos.
Diana sorria para mim.
— Parece que você teve uma relação amorosa com um cara quente.
Bufei.
— Dificilmente, já que, para uma pessoa ter sexo, é preciso ter um
parceiro, o que não é o meu caso neste momento — respondi, ficando de
lado para elas entrarem em meu humilde lar. — Entrem.
A casa era pequena, com dois quartos, sala, banheiro e cozinha. A sala
tinha dois sofás, um de dois e outro de três lugares, e uma mesinha de
compensado, onde ficava uma TV antiga e pequena. Eu ia jogar fora as rosas
que Lucky havia me dado, mas não consegui. Ainda bem que as deixara no
meu quarto, junto às joias, que eu iria devolver assim que estivesse pronta
para enfrentá-lo.
As meninas entraram e olharam ao redor como se esperassem encontrar
um homem saindo de algum lugar.
Ri sem humor.
— Não tem nenhum homem aqui, se é isso que estão procurando —
garanti às duas.
— Você parece horrível! — observou Ana.
— Como se um trem tivesse me atropelado — murmurei, com um gosto
amargo na boca.
— Um trem chamado Lucky Donovan, o deus do sexo? — inquiriu
Diana. — Ele vai pagar caro pelo que fez a você. E vai ser hoje.
Ergui as sobrancelhas.
— Como você vai fazer isso, se ele é seu chefe? — sondei.
Ela sorriu.
— Você verá.
— Não quero que você tenha problemas com ele por minha causa,
Diana — sussurrei.
— Não sou eu que vai fazer algo a ele, mas sim você. — Gesticulou
para mim.
Franzi o cenho.
— O que você quer dizer? Já ouviu aquele ditado que diz: “merda,
quanto mais mexe, mais fede?”
— Ditado bem feio! — Diana fez uma careta. — Viemos aqui para
levar você ao clube que Lucky frequenta.
Pisquei.
— O quê?! — exclamei. — Eu não quero vê-lo hoje, ainda mais em um
clube onde vai estar cercado por mulheres. Além disso, hoje é segunda-feira,
o local não deve estar funcionando. — Senti uma pontada dolorida no peito
ao pensar nele com outra mulher.
Diana levantou as sobrancelhas.
— Eu vou lá direto, e ultimamente sempre o vejo sozinho, sem nenhuma
mulher. Isso é bem estranho, já que sempre está, ou melhor, estava rodeado
de mulheres, mas não nesses dois meses... — ela parecia falar consigo
mesma no final. — E o Rave funciona todos os dias da semana.
Ana sorriu, batendo palmas como uma criança ao fazer uma travessura.
— Então pensamos que, de um jeito torto, o Lucky realmente está na
sua...
Eu a interrompi:
— Não quero ouvir nada sobre Lucky por um bom tempo... — Apontei
para mim mesma. — Por causa dele, eu agora pareço ter saído de um filme
de terror. Daria até para fazer um dos filmes do Tim Burton sem precisar
colocar maquiagem.
— Por isso precisamos ir ao clube Rave, para fazê-lo pagar —
interveio Diana. — Marquei com ele, dizendo que nos encontraríamos lá,
mas usei seu nome. Disse que aceitei me encontrar com ele.
Ergui uma sobrancelha.
— Como ir a um encontro com ele vai fazê-lo pagar por tudo o que me
fez? — questionei ironicamente. — Se vocês não se esqueceram, é isso que
Lucky quer, um encontro. Por isso estou assim hoje, por não ter aceitado.
— Você vai se aproximar do Lucky e mostrar todo esse material aí. —
Apontou para o meu corpo. — Vai dizer que, mesmo que ele deseje o seu
corpo, jamais vai tê-lo. — Sorriu animada. — Então vai pegar o cara mais
sarado e gostoso da balada e esfregar na cara dele.
Arregalei os olhos.
— Eu não estou a fim de dar um amasso em ninguém — rosnei, com
raiva de mim mesma, porque só queria ficar com um único homem, Lucky.
Pensei em como seria deixá-lo louco ao me ver dançando, divertindo-
me e o ignorando. Eu sabia que Lucky odiava ser ignorado. Depois, quis
bater em mim mesma por pensar nisso. Eu deveria correr para bem longe
dele e não o provocar.
Ele é o cara a quem você tem que dar o troco, não se esqueça de que
ameaçou destruir seus sonhos e agora está perseguindo você, uma voz
sorrateira disse em meu cérebro.
— Vamos lá, Sam, você não pode ser assim tão certinha, não é? —
insistiu Diana. — Não precisa transar com o cara se não quiser, apenas
esfregá-lo na cara do meu chefe.
— Faça Lucky Donovan comer poeira — pediu Ana.
Apertei os olhos por um segundo, depois olhei para Diana.
— Por que Lucky não fica em cima de você em vez de mim? —
reclamei. — Afinal, você é linda, além disso, também é funcionária dele.
Ela sorriu com candura.
— Porque eu tenho uma namorada.
Pisquei chocada.
— Namorada? Tipo... uma mulher? — indaguei, estupefata por nunca
ter notado isso antes.
Ela deu de ombros.
— Sim. Então eu não sou um partido para o meu chefe. — Ela levantou
uma sobrancelha feita por sombra negra. — Já que gosto da mesma fruta que
ele.
Fiz uma careta, mas assenti, muda, porque nunca fui preconceituosa com
ninguém sobre sua vida sexual. As pessoas ficam com quem quiserem, assim
eu pensava.
— Tudo bem — capitulei. — Vamos lá, dar uma lição ao bastardo de
uma figa. Eu apenas preciso de um banho.
Elas gritaram, animadas como duas crianças ao ganhar seus presentes
preferidos.
Deixei-as na sala e fui tomar banho e me arrumar para enfrentar o
dragão. Se eu ao menos pudesse domá-lo, seria bom, mas isso era algo
impossível.
Meia hora depois, estava com um vestido prata comprido, com costas
nuas, de alças finas e com um decote caído no meio dos seios. Era estilo
sereia, justo, e mostrava todas as curvas que eu tinha, bem sexy. Coloquei
sapatos pretos de saltos altos, deixei meus cabelos soltos nas costas para
cobrir um pouco a nudez e passei máscara de cílios preta para ressaltar o
azul intenso dos meus olhos e disfarçar o inchaço em minhas pálpebras
causado pelo choro mais cedo. Não passei batom, já que minha boca era
naturalmente vermelha.
— Minha nossa! — Ana bateu palmas. — Lucky vai cair de quatro por
você.
— Acho que todos os homens do clube Rave — declarou Diana,
sorrindo. — Mulher, você está um maldito avião.
Revirei os olhos. Não queria Lucky de quatro, apenas o queria fora da
minha vida de uma vez por todas. Senti um aperto insuportável no peito ao
pensar nisso, tão forte que me impossibilitou de respirar por um segundo.
Bryan sempre dizia que era fácil para mim ver além dos defeitos das
pessoas, ver algo de bom dentro delas. Lucky, apesar do jeito torto com que
fazia as coisas, praticava muitas ações que tocavam meu coração, como
ajudar crianças. Isso valia mais do que qualquer coisa para mim. Talvez
fosse por isso que eu não conseguia odiá-lo.
Ouvi atentamente o que Ana e Diana falaram dele ao longo do caminho
para o clube. Elas me disseram que Lucky não beijava ninguém, então eu
poderia fazer isso para ele desistir de mim. Diana disse que uma vez viu uma
garota o beijando sem sua vontade, e parecia que ele queria matá-la, por isso
teve essa ideia do beijo. Eu achava estranho um homem nunca ter beijado
ninguém em sua vida. Como ele podia fazer sexo sem beijo? O meu temor
era: e se eu não conseguisse esquecer o beijo? Porque eu já pensava nele
mais do que deveria sem beijá-lo.
Chegamos ao clube, que ficava a duas quadras da Fênix. O lugar era
grande, com dois andares. Na entrada, tinha uma placa com o nome clube
Rave, que piscava igual a um pisca-pisca, verde e vermelho.
Assim que entramos, senti um cheiro cítrico, misturado a feromônios no
ar. Devia ser proposital, para apimentar o lugar, que estava abarrotado de
gente. Tinha um brilho que vinha da bola que girava no teto, como se ali
houvesse várias estrelas brilhantes piscando e lançando lasers de luzes
coloridas no salão inteiro.
— Bonito! — disse enquanto íamos direto para o bar.
— Sim — disse Diana. Ela se sentou em uma banqueta alta ao bar, ao
meu lado direito, e Ana, ao esquerdo.
Olhei para o barman, que servia as bebidas. Ele era novinho, moreno,
com cabelos lisos e rosto de bebê. Parecia ter uns 18 anos mais ou menos,
mas devia ter mais, para poder trabalhar naquele lugar.
— Quero uma dose de uísque — pedi.
Ele me olhou com um sorriso.
— Identidade... — pediu.
Ri.
— Olha para mim, eu pareço ser menor de idade?
Ele me deu um olhar de cima a baixo e pareceu gostar do que viu,
depois riu.
— Você parece que vai fazer 18.
Sorri, embora sem vontade.
— Desculpe desapontá-lo — disse ironicamente. — Tenho 24 anos,
então não preciso de identidade.
— É melhor ser chamada de nova do que de velha. — Diana sorriu e
piscou para o garoto da bebida. Não sei por que ela flerta com homens, se
joga no time oposto...
Olhei ao redor à procura de Lucky, já que elas disseram que ele estaria
ali. Olhei para as pessoas dançando.
— Se você está procurando por ele, não vai encontrá-lo na pista de
dança. — Diana apontou para um canto do outro lado do salão imenso e
cheio de pessoas. — Ele não dança, pelo menos, nunca o vi fazendo isso.
No local para onde ela apontou, tinha uma cabine de seis metros,
parecendo uma sala VIP. Tudo para quem pode, não é? Dentro da sala,
havia quatro homens. Um deles estava com duas mulheres, uma de cada lado.
Reconheci o cara sexy do Green.
— Quem é o cara com as duas loiras? — sondei, avaliando-o.
— Ryan, irmão de Lucky — respondeu Diana. — Tão bonito e quente
quanto o irmão mais velho.
Assenti e olhei para o outro cara, ao lado de uma morena. Seus cabelos
eram loiros, nos ombros, e não dava para ver direito os seus olhos por causa
das luzes piscando, mas de longe ele parecia o Thor. Sasha estava lá
também, com um cara moreno vestido com terno e gravata.
Tinha uma garota de cabelos platinados ao lado de Lucky, mas os dois
não pareciam estar se tocando. Lucky estava de cabeça baixa, olhando seu
drinque no copo. A loira olhava para todos os lados como se procurasse ou
esperasse alguém. Os dois pareciam estar entediados.
— Hora do show — falei, bebendo um pouco de uísque, que desceu
queimando a minha garganta. — Isso é para eu ter mais coragem.
— Nós vamos ficar olhando daqui — disse Ana.
— Faça-o comer o pão que o diabo amassou — encorajou Diana.
Revirei os olhos, depois respirei fundo e fui em direção à cabine VIP.
Ouvi assovios sendo direcionados a mim, então supus que os caras tivessem
gostado da minha aparência. Eles abriam caminho para que eu passasse,
como se eu estivesse desfilando em uma passarela. Ignorei-os e segui em
frente.
Subi os dois degraus que davam na cabine, composta por três paredes
de madeira branca. Dentro do espaço pequeno, tinha uma mesa de metal
comprida, com seis cadeiras. O guarda-costas de Lucky impediu que eu
seguisse, mas, assim que viu de quem se tratava, afastou-se e me deixou
entrar.
— Nossa! — disse o loiro parecido com o Thor. — Com essa doçura,
eu iria até o fim do mundo.
Ryan olhou do irmão para mim com curiosidade.
— É justamente isso que Lucky quer fazer — disse e depois sorriu. —
Você se lembra de mim?
Olhei para ele e suas duas loiras siliconadas.
— O cara do Green...
— Ryan Donovan — disse com um sorriso travesso. — Irmão do
Lucky.
Assenti e olhei para o Lucky, que me observava como se não
acreditasse que eu estava realmente ali, à sua frente. Ele se levantou e deu
um passo em minha direção. Diana não tinha falado a ele que eu aceitei vê-lo
em um encontro? Por que a surpresa, então? Talvez achasse que eu não
viesse.
— Sam... — meu apelido saiu tão intenso de sua boca que parecia uma
melodia.
— Então essa é a linda garota em quem não para de pensar? — conferiu
o loiro com Lucky.
Tentei não deixar meu coração gravar o que acabara de ouvir, que
Lucky não conseguia parar de pensar em mim.
— Ela não é tão perfeita assim — arrulhou Sasha, com uma pontada de
inveja em sua voz.
— É claro que ela é — retrucou a loira platinada que estava ao lado do
Lucky. Ela era ainda mais bonita de perto: cabelos longos e olhos castanho-
claros. Usava um vestido branco de cashmere com alças grossas. — Você
está com inveja, Sasha.
Ignorei-os e apenas fitei Lucky, que estava de pé com as mãos aos lados
do corpo. Parecia nervoso e feliz ao mesmo tempo. Aproximei-me dele a
ponto de quase nos tocarmos e pude sentir o seu cheiro, uma fragrância
deliciosa da Dolce & Gabbana. Olhei em seus olhos verde floresta e
quentes.
— O que você quer de mim? — perguntei com a naturalidade que
consegui, que não era muita.
Seus olhos avaliavam o meu rosto como se ele achasse que eu estava
fazendo alguma piada com ele. Depois me deu um sorriso libidinoso.
— Eu quero você. — Sua voz era de molhar a calcinha, ou seja, a
minha calcinha branca de renda.
Fiz algo sem pensar nos custos, mas também sabia que não tinha outro
jeito. Se ele não gostava de beijar ninguém, então não iria gostar do meu
beijo também. Quem sabe assim ele desistisse de uma vez por todas de mim.
Talvez me mandasse para o espaço.
Por que eu estava tão nervosa?
Não pense, apenas aja, ordenei a mim mesma em pensamentos.
Joguei os braços ao redor do seu pescoço e coloquei a minha boca
sobre a dele, que se encontrava aberta por causa do choque. Eu sentia seu
corpo tenso e tremendo, como se estivesse triscando em um fio desencapado.
Parecia que Lucky estava sofrendo. Ele não correspondeu ao beijo, apenas
parecia petrificado.
Ouvi o riso de satisfação de Sasha por ele não retribuir o meu beijo,
mas a ignorei, porque isso fazia parte do plano. Então por que meu coração
doía tanto? Ele estava apertado com a rejeição do Lucky, mas não era isso
que eu queria? Abri os olhos, ainda com a boca na dele, e percebi que seus
olhos verdes pareciam chamas ardentes. Lucky parecia estar travando uma
luta feroz contra si mesmo. Era possível ver que ele queria o beijo, mas
parecia que retribuir lhe doía muito. Isso me cortou fundo, porque percebi
que ele realmente não beijava ninguém. Talvez teve algum trauma na infância
ou na adolescência, e essa era uma barreira que ele havia colocado. Eu não
queria ser a causadora de seu sofrimento,
Estava prestes a empurrá-lo e parar com o beijo que comecei, quando
ele apertou sua mão em minha cintura, a outra em meus cabelos, e me beijou
com tanto fervor que parecia que estava faminto havia dias e de repente via
um banquete à sua frente. Sua mão esquerda alisava a pele nua das minhas
costas, apertando-me mais contra o seu corpo. Pude sentir a sua necessidade
e desejo, tão fortes que achei que fosse me possuir ali mesmo. Devorava a
minha boca como se estivesse fazendo sexo com ela.
Droga, não foi assim que eu pensei que seria. Era para ele me rejeitar,
e não devorar a minha boca assim, na frente de todos. Eu podia detectar o
seu corpo rígido e o maxilar tenso, mas ele parecia não querer parar tão
cedo, como se não nunca tivesse o suficiente. Eu tinha de afastá-lo
imediatamente, ou não conseguiria mais fazer isso. Minha boca doía e
parecia inchada por causa da força do seu beijo, além disso o ar faltava em
meus pulmões. Meu corpo traiçoeiro era uma droga.
Volte para o plano, Sam, pedi a mim mesma.
Tirei as mãos de seus cabelos lisos e sedosos e empurrei seus ombros.
Pensei que ele ia lutar, mas se afastou, ofegante, depois me lançou um
sorriso devastador. Aliás, ele inteiro era devastador. Esse sorriso me custou
todo o autocontrole para não rasgar as suas roupas ali mesmo, sem me
importar que estivéssemos em um clube lotado de gente. Céus, o que havia
de errado com meu cérebro? Devia estar com defeito, precisava
urgentemente de um neurologista.
— Você deve saber que não beijo ninguém, não é? — Seus olhos se
estreitaram, focados nos meus.
Suspirei, ressentida.
— Pelo visto, é conversa fiada, já que devorou minha boca — retruquei
com a voz ácida.
Ele arregalou os olhos.
— Então você achou que, me beijando, faria com que eu desistisse de
você. — Não era uma pergunta.
— Pois deveria — repliquei. — Porque você não me quer...
— É claro que eu quero você — declarou com tom firme e convicto. —
Eu quero você como nunca quis nada em minha vida. — Seu sorriso agora
tinha uma potência de megawatts. — Tenho certeza de que meu beijo
comprovou isso.
Dei um suspiro frustrado.
— Não, você acha que me quer, mas isso não é verdade.
Ele me olhou de lado.
— Acha que não quero você? Eu nunca fiquei atrás de uma mulher
como fiquei de você por dois meses. Isso só prova o que eu quero.
— Essa é a diferença entre querer uma coisa e necessitar de algo. —
Tirei meu cabelo do rosto e o joguei para trás em um gesto nervoso.
— Qual é a diferença? — retrucou o loiro de olhos azuis. — Não é a
mesma coisa?
Lancei a ele um olhar assassino.
— Jordan — reclamou Lucky.
Suspirei, acalmando-me, depois tornei a olhar para o Lucky.
— Querer uma coisa é como desejar um carro esportivo, um sofá ou um
negócio... — suspirei — mas necessitar de algo é como sentir falta do ar que
se respira ou da comida quando se sente fome. Algo sem o qual não se pode
ficar.
Ele arregalou os olhos.
— Você está falando em amor?
— Sim. Eu quero um cara que me ame, uma pessoa que pense que sou
seu mundo, assim como ele será o meu. Quando alguém ama, quer fazer tudo
pela pessoa amada. Não estou falando em dinheiro, estou falando em dar ou
fazer coisas simples, como uma rosa colhida no jardim ou levar o amado
para um piquenique na beira de um lago. Tudo isso são coisas simples que
uma pessoa necessita em um relacionamento. — Isso era algo que nunca tive
em minha vida até então, apenas o amor do Bryan e da vovó. Eu queria ter
um amor assim um dia.
Levantei o queixo, firme, falando sem vacilar:
— Mas você não sabe o que é isso, porque nunca amou ninguém em sua
vida, apenas o seu dinheiro. — Essa parte era mentira, porque eu tinha visto
o jeito como ele olhava e falava com Logan, até doara uma parte de si
mesmo a ele. Naquele olhar, tinha muito amor, mas, para eu tirar Lucky da
concha que ele criara à sua volta, precisava dizer isso, porque, de outra
forma, ele nunca diria o que realmente sentia por mim, em vez de dizer que
só me queria. Eu desejava mais dele, não só uma noite de sexo quente.
Precisava saber se ele queria o mesmo que eu, porque, se quisesse só meu
corpo, isso nunca iria acontecer, nem que eu tivesse que ir para algum lugar
longe dele.
— Isso não é verdade! — retrucou ultrajado. — Eu mandei rosas para
você todos os dias durante três semanas, mas você não as quis. Até as joias
que lhe dei, disse que ia devolver...
Percebi que todos os seus amigos o fitavam com os olhos arregalados,
provavelmente pelo que tinha acabado de dizer, que me mandara rosas e
joias. Peguei a caixa na minha bolsa, onde estavam reunidos os brincos e
correntes, e a coloquei em suas mãos. Seus olhos fitavam incrédulos a caixa
de joias azul.
— Eu não as quero de volta.
— Não posso ficar com elas. Lhe agradeço pelas rosas, mas não por
isso. Não quero seus diamantes, não vê isso? Eu não sou assim, mas você
não deve saber disso... Talvez ache que o dinheiro e coisas caras façam uma
mulher ceder, mas não eu.
— Não penso isso de você, Sam. — Seus punhos estavam cerrados em
volta da caixinha. — Apenas quero ter um encontro com você. Isso é pedir
demais?
Eu precisava saber a verdade, o que ele realmente sentia por mim, se eu
era mais um caso de uma noite para ele ou algo mais.
— Então vamos dizer que eu aceite a sua cantada e fiquemos juntos
hoje. — Tentei não corar e ignorar os olhares de todos sobre mim.
Seus olhos se estreitaram, mas ele esperou que eu terminasse.
— Onde será? Em um apartamento? Ou até mesmo aqui, em um
banheiro qualquer? — Minha voz soou ainda mais fria no final da frase,
porque ele, sem dúvida, já fizera isso com muitas mulheres antes. — Vamos
dizer que seja em um hotel. Então, no dia seguinte, você me descartará como
se eu fosse um objeto, ou melhor, talvez vá embora antes que eu acorde e
deixe a conta para mim?
Ele trincou os dentes.
— Você está zombando de mim?
— Vamos lá, Lucky, não é isso o que você faz? Retiro a parte de você
sair sem pagar. — Meus olhos eram frios. — Mas, no fim, eu seria apenas
mais uma na sua lista.
— Você é diferente! — gritou, mas não alterando muito a voz. — Com
você, eu quero transar em cada canto da minha casa, na minha cama e de
todas as formas possíveis.
Prendi a respiração com o que ele disse e meu corpo foi tomado por
uma corrente elétrica. Com esforço deixei de lado o desejo que me queimava
em razão de suas palavras intensas, o fogo que me subiu dos pés à cabeça
como labaredas. Ergui o queixo e olhei para Lucky fechando a cara com ar
ofendido, embora não estivesse ofendida, mas precisava de mais do que “eu
quero você” vindo da sua boca. Eu precisava que ele falasse o que realmente
sentia para ter certeza de que não iria ser só mais uma na lista de mulheres
descartadas assim que me deitasse com ele. Por isso iria provocá-lo mais
um pouco. Esperava que ele sentisse o mesmo que eu.
— Você acha que sou uma vadia do tipo que você faz assim... — estalei
os dedos, dando ênfase às minhas palavras — e, na mesma hora, abre as
pernas para você?
— Não foi isso o que eu disse... — Ele cerrou os punhos novamente. —
Apenas quero um encontro com você. É tão difícil enxergar isso?
— Eu também queria muita coisa, como ter um emprego que eu amo e
que você ameaçou fechá-lo caso eu não saísse com você. Também quero
conhecer o Caribe e viajar em um cruzeiro. — Meu rosto era grave. — Mas,
Lucky, ninguém pode ter tudo no mundo, mesmo você, que tem tanto dinheiro.
Por isso, não vou ser mais uma mulher na sua lista de descartáveis, que deve
ser imensa.
— Como a torcida dos Beatles — disse Jordan.
Lucky lançou a ele um olhar de congelar o oceano.
— Cale a boca, ou te faço calar — sibilou e depois me fitou com os
olhos mais calmos. — Com você eu quero me casar.
Engoli em seco.
— Você me ama para pensar em fazer isso? — Tentei não deixar a
esperança me dominar. Talvez ele realmente me amasse, não? Uma coisa
aprendi no curso de psicologia: às vezes uma pessoa que não consegue
expressar o que sente busca outras formas de dizer, como ele fez com os
bilhetes que me enviou ou com as ameaças ao meu emprego. Eu precisava
que Lucky dissesse o que realmente pensava e sentia. — Você não parece
capaz de amar alguma mulher a ponto de pedi-la em casamento.
Ele piscou, ultrajado com o que eu disse. Seus olhos verdes pareciam
mais escuros quando ele estava com raiva, mas ele se controlou e falou
devagar:
— Estou falando de negócios...
Arregalei os olhos com descrença, furiosa. Meu peito doía, porque a
esperança de ele sentir algo por mim foi dissipada nesse momento. Na
verdade, foi arrancada do meu peito.
— Você está falando para eu me casar com você através de um acordo?
Um acordo do tipo que você oferece dinheiro para eu transar com você? —
Cerrei os punhos para não esmurrar a sua face. — Fique sabendo que não
sou uma prostituta, seu bastardo egoísta!
Ele engoliu em seco e piscou.
— Eu sei que você não é isso, Sam. — Ele passou as mãos nos cabelos.
— Não estou falando de sexo, é só no papel...
Interrompi-o furiosa:
— Pois fique sabendo, Lucky Donovan — cuspi seu nome. Finalmente
eu entendia o que aquele cretino pensava sobre mim. Então ele havia me
mandado recados e presentes somente para eu me casar com ele numa
espécie de contrato? Não deixei a dor se apossar de mim, e sim a raiva. Era
melhor lidar com ela do que com a dor de saber que ele só queria me usar, a
dor por ele não me querer ou sentir o mesmo que eu sentia por ele. Eu estava
até pensando em deixar de lado o que tinha vindo fazer ali, mas nossa
conversa não estava dando certo para nenhum de nós. — Eu não vou me
casar com você nem por todo o dinheiro do mundo! — esbravejei. —
Casamento para mim é somente por amor, e esse não é o seu caso, não é? —
Suspirei. — Você apenas me quer para provar a si mesmo que pode ter tudo
— sibilei entre dentes e cutuquei seu peito com o dedo. — Você nunca vai
me ter, porque eu jamais desceria tão baixo, ainda mais com alguém que
ameaça fechar o meu local de trabalho só para ter o que quer.
— Eu sinto muito por fazer isso. — Sua voz era só um sussurro. — Não
é só um acordo, é algo mais, como... — Ele parecia engasgado no fim, mas
não liguei para o que ele pensava, estava com raiva demais.
Recolhi a mão.
— Se você me queria, deveria ter vindo até mim pessoalmente, não
mandado cartas e presentes caros que não quero nem ameaçado meu chefe
dizendo que, se eu não saísse com você, iria fechar sua empresa. Que ser
humano faz isso?! — rugi.
Seu olhar estava entorpecido.
— Eu...
— Você está usando seu poder para ter o que quer, como sempre. E tudo
por quê? Por causa de uma maldita transa? — Eu não ia dizer essas últimas
palavras, mas ele me obrigou a fazê-lo ao me machucar ainda mais do que
antes. — Pois agora fique sabendo que vou encontrar um cara e deixá-lo
fazer isso. — Sorri de modo sarcástico. — Esse cara não será você, eu não
iria para a cama com um homem que usa ameaças e poder para ter o que
quer. — Dei um sorriso maroto. — Você quer sexo, mas não vai ganhar, não
de mim, pelo menos; prefiro ficar com qualquer um neste lugar.
Seus olhos de repente ficaram malignos.
— Você não ousaria...
Ri.
— Vamos pagar para ver, mas é isso que você faz, não é? Você compra
as pessoas como se fossem objetos. — Deixei o sarcasmo e o asco evidentes
em minha voz; era melhor isso a deixar a dor me consumir.
Ele respirava de modo irregular.
— Samantha, não teste a minha paciência...
Ergui as sobrancelhas para ele.
— E vai fazer o quê?
Ele tremia de raiva. Parecia que nunca havia sido desafiado em sua
vida. Sua ira aumentava sempre que eu o enfrentava, mas não liguei. Ele
havia me machucado ao quebrar as minhas esperanças assim que falou sobre
o casamento como uma espécie de negócio, o que significava que só me
queria para sexo e por capricho.
— Você pode ter a mim.
Ri com desdém.
— Nunca! — falei com a minha voz subitamente gelada. Meus olhos
estavam ferozes. Aproximei-me dele até meus lábios ficarem bem próximos
ao seu ouvido e sussurrei só para ele ouvir: — E algum homem deste lugar
vai ter o privilégio de ver que não há nada debaixo deste vestido, mas não
será você — menti só para atiçá-lo.
Ouvi-o se engasgar. Afastou-se como se eu o empurrasse. Seus olhos
estavam enervados.
— É melhor não fazer isso, ou vou cometer um assassinato...
Ri amarga.
— Vamos ver. — Virei-me para descer os degraus e ir direto à pista de
dança a fim de cumprir a segunda parte do plano.
Ele segurou meu braço.
— Sam...
— Não toque em mim! — Dei um safanão para me livrar de sua mão.
— Você é uma vagabunda, sabia?! — rugiu Sasha.
— Não, eu não sou, mas vou me tornar uma hoje — sibilei. — Por
culpa dele. — Apontei na direção do Lucky, mas sem olhar para ele. —
Agora eu vou me divertir e esquecer que conheci vocês algum dia.
Virei-me sem falar mais nada e saí dali. Ouvi barulhos e murmúrios
deles, mas logo foram engolidos pela música do local.
Cheguei à pista de dança. Estava tocando a música Cotton Eye Joe, de
Rednex. Eu adorava dançar essa música, então remexi os quadris,
rebolando-os de um jeito provocante, mas sem ser vulgar. De onde estava,
podia ver Diana dançando com uma loira e um homem dançando com Ana.
Senti mãos em minha cintura como se me abraçassem por trás. Por um
momento, achei que fosse Lucky, mas não era sua voz a sussurrar em meu
ouvido:
— Vejo que você deixou Lucky furioso. — A voz era quente.
Virei-me e dei um passo para trás, tirando as mãos daquele homem de
cima de mim, já que nem o conhecia.
O cara era moreno, com cabelos castanho-claros e um pouco
compridos, mas bagunçados. Parecia ser musculoso por debaixo de sua
camiseta preta, e sua pele era coberta de tatuagens, pelo menos a parte
exposta, como o braço direito e um pedaço do pescoço. As tintas coloridas
pareciam ser uma tribal e caveiras bem sinistras. Além da camiseta preta,
ele usava calça jeans, tinha um brinco na orelha direita e um sorriso sexy.
Será que só apareciam bad boys na minha frente?
— Vejo que não gosta dele — chutei, mas continuei me mexendo. Era
claro que eu não iria para a cama com ele nem com ninguém, não era dessas,
jamais me rebaixaria àquilo nem perderia a minha virgindade com um cara
aleatório. Queria aproveitar cada segundo quando fosse para a cama com
alguém e desejava que fosse para sempre. Por um breve segundo, pensei que
esse cara seria o Lucky, mas, pelo visto, estava enganada. Eu realmente era
uma idiota por ter pensado assim.
Seu rosto se tornou sombrio ao fitar o Lucky por sobre o meu ombro.
— Ele tomou algo de mim. — Seu tom era frio acima do ruído da
música.
Segui seu olhar e vi a garota de cabelos platinados. Ela estava sentada
no mesmo lugar e olhando para nós com expressão sofrida.
— A loira platinada? Ela está com ele? — Voltei meus olhos para o
cara sexy à minha frente e ignorei a expressão assassina do Lucky sobre nós.
Ele ainda estava de pé no mesmo lugar, parecia querer matar o homem que
falava comigo.
— Ela é irmã adotiva dele. — Suspirou. — Éramos namorados, mas o
Lucky me ameaçou para largá-la.
— Me deixa adivinhar: ele falou que, se você não a deixasse, fecharia
o seu negócio ou faria você ser demitido? — chutei, decepcionada ao pensar
que Lucky sempre usasse golpes tão baixos assim.
Ele riu amargo.
— Ele falou em fechar o meu negócio. Este clube é a minha vida, mas
eu estava disposto a perdê-lo só para tê-la comigo.
— Então o que aconteceu? Por que não estão juntos? — perguntei,
curiosa. Eu queria um amor assim, com um cara que fizesse qualquer coisa
por mim e não quisesse me ter à base de ameaças.
Ele meneou a cabeça. Percebi que nós dois estávamos parados ali, no
meio da pista de dança, embora a música estivesse rolando alta e as pessoas
dançassem ao nosso redor, mas não liguei muito para isso.
— Ela foi para a França e não lutou por nós. — Seu tom era de pesar.
— Essa é a primeira vez que a vejo em um mês. — Ele me olhou curioso. —
Mas e quanto a você e o Lucky?
Suspirei.
— Eu o conheci quando trabalhava para ele. Deu em cima de mim, e
dei um fora nele...
Ele riu.
— Isso deve ter sido interessante. Eu nunca soube que Lucky tenha
levado um fora de alguém — falou meio atônito.
— Sempre há uma primeira vez — declarei. — Ele não levou isso
muito bem e me forçou a pedir demissão da Vênus. — Tirei o cabelo do
rosto. — Sou psicóloga e amo meu trabalho. Depois, consegui um emprego
na Fênix, mas o filho da mãe exigiu que, se eu não fosse a um encontro com
ele, fecharia a instituição.
— Por isso você veio aqui se encontrar com ele?
— Eu vim, mas para dizer que não ia ficar com ele. — No fundo, sabia
que não era bem isso. Eu queria confrontá-lo e dizer o que sentia, mas o
resultado não foi o que eu esperava. — Ainda mais depois de ele dizer que
quer que eu me case com ele. — Minha voz saiu em um rosnado. Não
expliquei as circunstâncias do pedido de casamento, afinal, nem conhecia
aquele homem.
— O quê?! — Seu tom era estupefato, e olhou para trás de mim. —
Parece que você o deixou de quatro.
— Eu não acho isso — discordei. — Ele apenas quer me possuir por
não aceitar um “não” como resposta.
Ele franziu o cenho.
— Eu não acredito nisso. Por que você o beijou?
Funguei.
— Eu sei que ele não beija ninguém em seus encontros. Diana me disse
que uma vez uma garota o beijou, e ele quase bateu nela... Então...
— Então você pensou que, fazendo isso, o faria desistir e deixar você
em paz?
— Sim, mas aconteceu justamente o contrário — resmunguei.
— O que disse para ele ficar tão furioso na hora em que você se
afastou?
Ergui uma sobrancelha.
— Estava me observando?
— Eu vi quando você foi até eles, mas achei que era uma amiga, depois
vi que não, por isso fiquei curioso. — Ele me olhou de soslaio. — Então?
Ri.
— Eu disse que ele jamais teria meu corpo e que eu iria transar com
qualquer homem deste lugar, menos com ele. — Tentei não corar ao dizer
isso àquele cara atraente e tatuado.
O moreno sexy me fitou com olhos arregalados.
— Se você ainda quiser um cara para uma noite de sexo quente, estou
aqui para você. — Observou meu corpo. — Você é linda!
Revirei os olhos.
— Oh, não! Eu só disse aquilo para deixá-lo furioso, mas não penso em
fazer algo assim. Além disso, não é meu estilo sair por aí...
— Você é daquelas que gostam de corações e flores? — Ele riu.
— Eu só fico com caras por amor. Para mim, amor e prazer têm que
andar juntos — sussurrei só para ele ouvir, embora, naquele barulho,
ninguém ouviria nada.
Ele piscou, chocado com alguma coisa.
— Quantas vezes você já se apaixonou? — sondou.
— Nenhuma vez — disse a verdade.
Ele piscou de novo, impressionado.
— Quer dizer que você é...
Senti ultraje por ele chegar tão rápido a essa conclusão.
— Não vamos falar sobre isso — esquivei-me, corando, porque não
queria falar sobre a minha virgindade com um cara que acabara de conhecer.
Ele deu uma risada excitada.
— Lucky sabe disso?
— Por que ele haveria de saber? Minha vida particular só diz respeito
a mim — murmurei. — Eu nem sei por que estou falando com você.
Ele sacudiu a cabeça, ainda com ar divertido.
— Gostaria de ver a cara dele quando souber. — Riu de novo. —
Quero dar uma lição na Rayla, e você, nele. Que tal fingirmos que estamos
nos entendendo?
Suspirei.
— Por que não? Mas sem mãos bobas e sem beijos, entendido? —
adverti.
— Sim. Eu vou me comportar — prometeu.
— Ótimo. — Assisti a um filme uma vez em que a garota dançava de
um jeito sensual, mas sem parecer vulgar ou vagabunda. Olhei nos olhos
negros do cara. — Qual é o seu nome? Eu sou Samantha Gray.
Ele me deu um sorriso.
— Alex Jackson.
— Você tem algum parentesco com Alexia Jackson? — Lembrei-me de
ela dizer que seu irmão morava em Manhattan.
Ele arregalou os olhos.
— Se for uma mulher com cabelos dourados e olhos violeta chegada a
saltos e vestidos chiques, então, sim, é minha irmã. Você a conhece?
— Oh, sim, fizemos faculdade juntas. — Sorri. Como o mundo era
pequeno... Era impressionante eu encontrar o irmão de uma amiga ali,
naquele clube. Alexia realmente gostava de roupas elegantes, a menina tinha
uns 200 vestidos e sapatos de saltos alto. — Ela não me disse que seu irmão
era lindo.
Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou.
— Então eu sou lindo? — Lançou-me um sorriso sexy.
— Sim, mas não precisa me dar esse sorriso de abaixar calcinhas,
porque nada vai acontecer entre nós, a não ser dançar para aqueles dois.
— Quer dizer que meu sorriso abaixa calcinhas, hein? — sondou,
rindo. Sua risada era muito sexy. A irmã do Lucky era uma idiota por tê-lo
deixado escapar.
— Sim, abaixa, mas...
— Mas não a sua calcinha — terminou a frase com um revirar dos
olhos. — Não me admira que Lucky esteja tão a fim de você a ponto de
persegui-la.
— Isso só mostra que ele é um canalha — rosnei.
— Não, isso mostra que ele viu algo em você, que eu também vejo...
— O que é?
— Você é pura e inocente para sua idade. Acho que você deve ter uns
23 ou 24 anos, estou certo? — Ele me avaliava.
— Tenho 24 — declarei. — E não sou inocente assim, porque, se fosse,
já teria caído nas garras dele e em sua cama.
Ele sacudiu a cabeça, ainda sorrindo.
— Vamos dançar ou não? — Coloquei as minhas mãos nos meus
cabelos e me movi conforme a música, rindo. — Rhythm of the Night, jura?
Adoro essa canção.
Ele riu e colocou suas mãos em minha cintura, enquanto eu me
balançava no ritmo dançante.
― Lucky está louco para me matar, posso ver em seus olhos. ― Ele
parecia divertido.
— Vamos ver isso. — Virei-me e fiquei de costas para o Alex,
enquanto as suas mãos passeavam por minha cintura. Eu balançava a cabeça
no ritmo da dança. Ele colocou o queixo no meu ombro, sua bochecha perto
da minha.
— Boa garota — disse, quase orgulhoso. Ele balançava os quadris, mas
sem roçar as suas partes íntimas em mim, o que achei bom.
— Se descer um centímetro, ficará sem as mãos — adverti quando ele
acariciou meu baixo-ventre.
Alex apenas riu e deixou as mãos onde estavam antes, em minha cintura.
Olhei para frente e me deparei com Lucky vindo em nossa direção com
um olhar gelado e mortal. O guarda-costas vinha atrás dele.
Seus amigos ainda estavam na salinha, observando-o. A loira lançava
um olhar preocupado para o irmão e o homem que ela abandonara.
Parei de dançar e fitei Alex com os olhos arregalados.
— Ele está vindo para cá — minha voz falhava. — E se ele quiser
bater em você? — Logo me lembrei do aviso do Lucky de que, se alguém me
tocasse, ele iria matá-lo. De repente fiquei preocupada com a vida do Alex.
Senti-me mal por tê-lo metido em meus problemas. Se acontecesse alguma
coisa com ele por minha culpa, Alexia iria me matar e esconder meu corpo.
— Vá embora antes que ele chegue — pedi a ele com urgência.
Alex me olhava sem nenhuma preocupação ou medo do Lucky.
— Ei, acalme-se, vai ficar tudo bem. — Tocou meu rosto.
— Tire as suas mãos imundas de cima dela — sibilou Lucky, chegando
até nós.
De repente, um punho passou por mim, indo direto para o queixo do
Alex, que cambaleou para trás. Ele se recuperou após alguns segundos e
colocou a mão no local atingido, depois olhou com uma fúria homicida para
o seu agressor.
— Não pretendo tirar as mãos dela esta noite — assegurou Alex em um
tom provocante. — Vou tocar muito mais nela do que apenas na cintura.
Eu queria pedir para Alex parar de provocar Lucky, ou ele o
machucaria, mas não tive a chance, porque Lucky se encheu de fúria e passou
por mim, ficando na frente do Alex e me arrastando para trás de si como se
fosse para me proteger.
— Eu vou acabar com você — sibilou.
Alex estreitou os olhos.
— Você já fez isso — rosnou. — Agora vai sentir como é bom quando
vê algo que gosta sendo tirado de você.
— Você nunca mais vai tocar na Sam, ou eu juro que vou destruí-lo! —
esbravejou.
Estreitei os olhos. Quem ele pensava que era para mandar em mim
assim e, ainda por cima, ameaçar as pessoas desse jeito? Logo Alex, o irmão
da minha amiga.
Observei que todos no clube tinham parado de dançar e assistiam aos
dois, que estavam um de frente para o outro. Nenhum dos dois piscava. Notei
que tinham quatro seguranças ao lado do Alex. Deviam trabalhar no clube.
Os amigos de Lucky estavam logo ali, atrás de mim, e, com eles, o Simon,
que segurava algo em sua cintura. Eu temia que fosse uma arma.
Meu Deus! O que eu fiz? E se todos ali brigassem por minha causa? Se
isso acontecesse, seria uma carnificina. Eu não podia deixar que isso
acontecesse. Além disso, a qualquer momento alguém ali poderia tirar fotos
deles ou gravá-los, já que Lucky era importante na sociedade, e eu não podia
aparecer na mídia.
Lucky estava prestes a bater no Alex de novo, mas entrei na frente, o
que foi uma burrice. Bem na hora, seu punho bateu no meu braço, próximo ao
ombro esquerdo. Não foi tão forte, provavelmente ele tentou parar para não
me acertar, mas estava muito em cima. Cambaleei para trás, mas Alex me
firmou, praguejando baixo por eu ter me machucado em sua luta boba.
— Ah, meu Deus! — horrorizado, Lucky balbuciou, olhando-me. —
Rosa Vermelha...
Saí correndo do clube Rave, ignorando quem gritou meu nome. Não
queria saber quem era no momento, apenas queria desaparecer dali e deixar
a dor me consumir, não a física, mas a que Lucky provocou em meu interior.
Tirei os saltos e corri descalça pela calçada. Virei à esquerda, indo na
direção da Fênix, que ficava perto dali. Lá, eu pediria ajuda para ir para
casa a fim de desmaiar nos lençóis e apenas sairia de lá quando a minha vida
voltasse ao normal ou, pelo menos, desejasse que meus caminhos e meu
coração não estivessem amarrados ao Lucky.
— Você, seu moleque, vai fazer o que eu mandar! — gritou a voz de um
homem não muito distante de mim.
— Eu... eu... não posso — chorava a voz conhecida.
Meu corpo tremeu em pânico. Aquela era a voz de Shaw. O que ele
estava fazendo ali? Não devia estar longe do abrigo da Fênix.
— Ah, você vai! — rosnou a voz do homem, em seguida ouvi o som de
um tapa. Shaw chorava baixinho.
Fui correndo na direção do som, virei a esquina e o vi no chão,
encolhido diante de um homem. O cara forte e barbudo estava pronto para
dar um chute em Shaw, quando me joguei contra ele, e ambos caímos no
chão.
Ouvi-o praguejar, mas o ignorei e tentei me levantar. Entretanto, não
consegui, porque o desgraçado me prendeu no chão e montou em cima da
minha cintura, segurando os meus ombros, que, por sinal, já estavam doendo.
— Você vai pagar por isso, sua vagabunda! — rosnou. Tinha hálito de
cerveja.
— Por favor, não machuque a Sam! — chorou Shaw, levantando-se e
olhando para nós dois.
Ele riu malicioso, olhando o meu corpo.
— Até que você é gostosa.
Tentei lutar, mas ele me prendeu no chão com sua força. Com um frio
em minha alma, percebi que a história se repetia. Aquele homem era o pai de
Shaw, eu podia ver a semelhança em seus olhos negros. Ele ia fazer comigo
o que fez à mãe do meu menino. Shaw não sobreviveria vendo a cena de
novo.
Fitei os olhos em pânico do meu garoto.
— Querido, corra! — gritei com uma súplica em meu olhar para que ele
fosse embora antes que fosse tarde demais.
— Sam...
— Não pense em mim, apenas corra, por favor! — implorei com os
olhos molhados. — Eu vou ficar bem — menti. Sabia que aquele desgraçado
não me deixaria sobreviver, mas não queria que Shaw presenciasse algo
assim novamente.
— Sam... — repetiu ele em um choramingo.
— Vá! — pedi. — Corra na direção de onde eu vim e peça ajuda! —
gritei, esperando que fosse rumo ao clube e torcendo para que alguém viesse
nos ajudar.
Ele assentiu chorando e saiu correndo.
— Volte aqui, moleque! — gritou Saul, o pai de Shaw, um bandido
assassino foragido. Olhou-me com raiva. — Você vai pagar por isso, sua
vadia! — Deu-me uma bofetada tão forte que cheguei a virar o rosto.
Tentei lutar, mas a luta era em vão, já que ele era muito forte, um
monstro, assim como Dylan, que tentara me fazer mal, mas nunca àquele
ponto, embora o teria feito se não fosse pelo meu irmão.
Saul empurrou meus ombros com força contra o chão. Cheguei a ficar
sem ar. Senti algo estalar bem onde Lucky havia batido, mas dessa vez
parecia que alguma coisa tinha sido quebrada. Todavia, o pior estava por
vir. Nunca imaginei que a minha primeira vez seria assim, através de um
estupro, e que, ao final, eu seria assassinada.
Se ao menos Shaw achasse alguém para pedir ajuda e vir me socorrer,
mas como ele o faria, se não conseguia falar com ninguém além de mim?
Porém, ele estava falando com seu pai mais cedo, então talvez eu tivesse
uma esperança de ser resgatada. Deus, por favor, que não seja tarde
demais! Minha súplica não foi tão longe, porque, após sentir uma pancada na
cabeça, tudo ficou escuro.
7 - Escolha Difícil
SAM
— Me desculpe, Rosa Vermelha, por magoá-la daquele jeito. — Ouvi
um suspiro dolorido do Lucky.
Lucky? O que ele fazia ali comigo? E onde eu estava? Lembrava-me de
quase ter sido violentada e morta. Será que isso aconteceu? Se sim, como o
estou ouvindo? Mas, se sobrevivi... Será que Saul conseguiu me tocar?
Droga! Eu queria acordar, mas não conseguia fazer isso. Era como se
estivesse dopada por morfina, sem forças para acordar. Apenas conseguia
ouvir. Estaria sonhando?
Senti o toque de suas mãos em meu rosto como se ele o estivesse
esquadrinhando.
— Eu prometo nunca mais magoar você. Sei que sou um crápula e que
fui egoísta por fazê-la sofrer. — Expirou próximo à minha cabeça, até pude
sentir seu hálito delicioso banhar meu rosto. — Eu ia conversar com você
naquela noite, no evento da Martínez, mas estava com medo de perder o
controle vendo você com Michael.
Senti lábios macios em minha mão. Queria pedir para Lucky esperar
que eu acordasse daquele sono sem fim no qual eu estava para que
tivéssemos uma conversa séria, como sempre quis desde que descobri o que
ele fez por mim, pedindo ao Michael para me oferecer um serviço na Fênix.
Não era justo eu estar dormindo enquanto ele me dizia tudo que eu sempre
quisera ouvir.
— Quero que saiba que eu sou um monstro, sim, não vou negar isso,
mas não exigi que saísse comigo porque queria entrar em suas calças e
depois dispensá-la. Eu quis você desde que a conheci. No começo, achei que
era só desejo por você ser linda. — Senti lábios na minha testa. — E você é.
Entretanto, não foi só isso. Em nenhuma hora eu parava de pensar em você.
Sei que deveria ter ido pessoalmente lhe pedir desculpas, mas estava com
medo de você dizer que não as aceitaria e de não me perdoar pelo que fiz.
Eu sei que fui um idiota e um estúpido por ter ameaçado você, mas agora vou
fazer tudo certo. O meu jeito distorcido de agir está errado. Veja isso, a
magoei tão profundamente que chega a ser criminoso. — Ele expirou como
se estivesse sofrendo.
Eu queria acordar para ver se a dor e a agonia que ouvia em sua voz
também estavam em seu rosto. Meu coração doeu ao sentir seu sofrimento.
Precisava despertar e dizer isso a ele, mas o sono era tão pesado.
— Eu sinto muito, Sam. Prometo que serei bom para você de agora em
diante. Nunca mais quero ser o causador da dor que vi em você...
Eu não esqueceria tudo que ele havia me contado. Quando acordasse,
iríamos conversar. Não estava com raiva pelo que ele fez a mim. No fundo,
eu não conseguia odiar nem meus pais. Bryan disse que eu era incapaz de
odiar alguém e que gostava disso em mim.
Tudo ficou em silêncio por um instante. Talvez eu tivesse voltado à
deriva, mas logo ouvi passos e depois uma voz. Meus ouvidos pareciam
estar tampados, era como se os sons viessem de longe.
— Como ela está, senhor Donovan? — perguntou uma voz masculina.
Eu queria abrir os olhos, mas eles estavam pesados demais. Apenas
fiquei no limbo, ouvindo a conversa.
— Ela vai ficar bem, Simon — respondeu Lucky.
— Eu tive tanto medo... — choramingou Shaw. — Pensei... que ele ia
fazer o... mesmo que fez a... minha... mãe... Eu não pude fazer nada, como
sempre...
Ouvi o Lucky rosnar como um leão assassino.
— Eu vou fazer de tudo para ele apodrecer na cadeia, embora adoraria
matá-lo. — Sua voz saiu fria, mas depois ele suspirou como se tentasse se
controlar. — Desculpe, eu sei que ele é o seu pai.
Shaw ficou em silêncio por um momento, mas enfim respondeu com a
voz tomada de dor:
— Ele... deixou de ser o meu pai... no momento em que tirou minha mãe
de mim... — Sua voz falhou.
— Agora está tudo bem, garotão — Lucky o tranquilizou. — Ele nunca
mais vai fazer mal a alguém. Eu prometo.
— Obrigado... senhor Donovan, por cuidar da Sam... — A voz de Shaw
era falha. Ele parecia uma criança que estava aprendendo a falar, mas fiquei
feliz por ele conversar com outra pessoa além de mim e seu horrível pai.
Lucky suspirou
— Eu gosto dela. — Riu amargo. — É mais do que gostar, mas não
consigo dizer as palavras...
— Eu sei como é isso. Posso ter apenas sete anos, mas sei. — Shaw
ficou em silêncio por um minuto e depois sussurrou: — Você tem medo de
dizer as palavras “eu te amo”, assim como eu tenho de não conseguir falar
com outras pessoas. Por quê, Lucky?
Lucky expirou.
— Eu... apenas não consigo dizer as palavras, porque essas eram as
palavras que a cadela da minha mãe costumava dizer para mim. — Seu tom
era sombrio ao falar da mãe. — A sua morreu para salvar a sua vida, já a
minha me deixou para morrer... — Sua voz soou como um rosnado no final.
— Eu jurei que nunca mais iria dizer essas palavras a alguém na minha vida,
por isso travo quando tento pronunciá-las. Também nunca conheci uma
pessoa que me fizesse sentir vontade de dizê-las.
— Até você conhecer a Sam — observou Simon com tom suave.
— Ela é fácil de amar... — falou Shaw.
— Vejo que a ama também — declarou Lucky.
Meu coração disparou ao ouvir isso da sua boca. Então me perseguir
não era só um capricho dele? Ele realmente me amava, apenas não conseguia
dizer as palavras e não sabia lidar com isso, já que nunca tinha amado
ninguém em sua vida e quem deveria tê-lo protegido e lhe ensinado sobre o
amor verdadeiro o traiu e não se importou com ele. A sua história era um
pouco parecida com a minha.
Ouvir tudo o que Lucky sentia por mim fez o meu coração amolecer de
novo, mais do que antes. Eu queria abraçá-lo, confortá-lo e lhe dizer que
sentia muito pelas palavras que lhe havia dito no clube Rave. Por que ele
não me disse a verdade naquela hora? Eu o teria ouvido e aceitado com o
maior prazer. Aliás, teria amado.
— Sim. Sam é como minha irmã mais velha. — Shaw riu com candura,
enquanto eu me enchia de júbilo. Nunca o tinha ouvido rir com alguém.
Quanto mais ele falava com Lucky, mais sua pronúncia melhorava. — Ela é
como um anjo que apareceu em minha vida para trazer luz.
— Sim, ela também é meu anjo — sussurrou Lucky. — A luz que
clareou a escuridão que havia em mim.
— Se a machucar de novo, eu vou arrebentar você — ameaçou Shaw.
Lucky suspirou.
— Como sabe sobre isso? Ela disse algo a você?
— Não, mas eu ouvi uma conversa da Ana com ela ao telefone...
— O que elas diziam?
— Ana estava preocupada, porque, depois que Sam saiu da empresa
naquele dia, ela não atendia as ligações dela e da Diana. — Alguém tocou
meu rosto com as mãos tão suaves quanto plumas. — Fiquei preocupado com
ela. Foi então que eu ouvi Ana falando ao telefone com a Diana sobre um
plano para você sair do pé da Sam e a deixar em paz. — Shaw rosnou as
palavras a seguir: — Por que a perseguiu, se a ama?
Lucky deu um suspiro desalentado.
— No começo, não lidei bem com tudo que aconteceu — murmurou. —
Eu sempre consigo o que quero. Então veio a Sam e disse “não” para mim,
algo que eu nunca havia recebido.
— Sério? Ninguém nunca disse “não” para você? — Era surpresa no
tom de Shaw? Eu também fiquei surpresa quando soube, e não estou me
referindo a mulheres, e sim a outras coisas, como no mundo dos negócios.
— Sim. Minha mãe me dizia “não” tantas vezes que, quando me tornei o
que sou, fiz uma promessa a mim mesmo de nunca mais aceitar um não como
resposta. — Ele respirou fundo. Parecia que a lembrança era dolorosa. —
Eu sei que magoei Samantha, por isso estou preparado para desistir dela e
deixá-la ser feliz. — Sua voz era só um sussurro tormentoso.
Meu coração disparou novamente. O que Lucky sentia por mim não era
forte o bastante para ele lutar? Eu queria desesperadamente implorar para
ele não desistir, não depois de eu ter descoberto que seus sentimentos por
mim eram verdadeiros, tanto quanto o que eu sentia por ele havia mais de um
mês, desde que descobri sobre suas boas ações, que ajudavam crianças
necessitadas pelo mundo afora.
— Por quê? Ela precisa que lute por ela... — disse Simon.
— Eu sei, mas e se eu fizer besteira e acabar a magoando ainda mais?
— Lucky resfolegou.
— O senhor só não pode ameaçar a Sam para ficar com você — disse
Simon.
— Sim, eu sei que ela gosta de você. Eu a vi com uma foto sua nas
mãos, numa revista, se perguntando por que você não era menos complicado
e por que ela não parava de pensar em você — disse Shaw.
— Eu vou tentar ser menos complicado para ela de agora em diante. —
Seu tom parecia ter um selo de promessa, mas também senti alívio em sua
voz.
— Acho bom, porque Sam é uma mulher para ser amada — declarou
Shaw.
Lucky riu.
— Eu não acredito que estou ouvindo isso de um garotinho de sete
anos. — Deu uma risada, mas logo a conteve. — Desculpe, garotão.
— Eu sei que vou fazer oito anos em algumas semanas, mas sou
inteligente. Não entendo por que converso com você e não travo, como
acontece quando tento falar com as outras pessoas. Com a Sam também é
assim. — Mudou de assunto de repente: — Mas se lembre, se partir o
coração da Sam, eu vou chutar as suas bolas.
Lucky gargalhou. Eu nunca o tinha visto assim, tão descontraído.
— Estou ciente disso — assegurou.
As vozes continuaram a sussurrar, e a escuridão se apossou de mim.
Não sabia se era por sono ou se eu tinha sido dopada.
Abri os olhos, e tudo que vi foi um teto branco. Era um quarto com
paredes claras e com lustre de cristal no teto. Sentei-me e olhei ao redor.
Tinha uma estante cheia de livros embutida em metade de uma parede e uma
TV enorme parecida com uma tela de cinema na outra metade. A vidraça que
ficava em outra parede oferecia uma vista deslumbrante do rio Hudson, o
que me fez amar o lugar. Do outro lado do vidro, havia uma varanda e um
pilar na forma de um semicírculo. Na varanda tinha uma espreguiçadeira, na
certa colocada ali para apreciação da vista da cidade à noite ou até mesmo
durante o dia.
A cama em que eu estava era uma california king, que cabia três
pessoas ou mais, com um colchão sedoso e lençóis de seda.
— Nossa! Isso que é quarto! — murmurei, pulando na cama como uma
criança na manhã de Natal. Eu podia morrer ali e ainda ser feliz.
Olhei meu pijama de shortinho curto e um top preto que mostrava a
minha barriga lisa. Aquelas roupas se pareciam muito com as que eu usava
para correr. De quem eram elas? Não me lembrava de ter me vestido assim.
E que quarto era aquele? Ou melhor, de quem ele era?
Olhei para o meu corpo e notei que meu braço esquerdo estava com
uma tala. De repente as lembranças da noite anterior inundaram minha mente.
Eu devia ter me machucado quando... Oh, meu Deus! Será que prenderam
Saul? E onde está Shaw?
Precisava saber onde eu estava e de quem era aquele quarto elegante,
mas o cheiro inconfundível daquele perfume caro da Dolce & Gabbana me
fez perceber que só podia ser dele.
Levantei-me, olhei no criado-mudo e vi um retrato com a foto de Ryan,
Rayla e Lucky. Os três estavam com traje de esqui.
— Será que foi ele quem me vestiu? Maldito seja! Se ele me tocou
enquanto eu estava apagada para colocar essas roupas, vou matá-lo —
rosnei comigo mesma.
Saí do quarto. O piso ali era da cor de areia da praia, assim como as
paredes. Passei por um corredor, mas não havia ninguém à vista. De repente,
ouvi vozes no andar de baixo, então as segui. Elas vinham do lado direito da
escada e, conforme eu me aproximava, ficavam mais claras.
— O que vai fazer, Lucky? — perguntou a voz do Ryan.
Ouvi um suspiro doloroso.
— Eu não sei, mas não vou me casar...
Meu coração martelou ao ouvir a palavra casar. Lucky estaria noivo
todo o tempo em que ficou no meu pé? Se isso fosse verdade, ele era um
tremendo cafajeste.
— Você não pode fazer isso — Ryan contestou. — Se não se casar, vai
perder a compra da empresa Águia da Esperança em Toronto.
— Eu não me importo com isso.
Andei mais um pouco e fiquei meio escondida no hall da sala de estar,
ainda ouvindo os dois e tentando segurar a minha dor e não chorar por saber
que ele precisava se casar com alguma mulher. Mulher é o que não falta
para ele, pensei amarga.
— Lucky, esse sempre foi o seu sonho. Você sempre almejou ajudar
crianças que necessitam de amparo — insistiu Ryan. — Essa é uma empresa
que vale bilhões, e eles a estão vendendo por milhões para você. Não pode
perder essa chance.
Lucky respirou fundo.
— Eu não vou me casar com outra mulher para ter uma empresa só
porque eles querem assim. Nunca. — Murmurou: — Eu quero a Sam... e só
ela. Mas não vou obrigá-la a ficar comigo... nunca mais.
— Talvez, se você explicar para Sam, ela possa entender que é para
ajudar crianças que estejam passando necessidade, como o Shaw — Ryan
pressionou.
— Não posso... — a sua voz desalentada cortou meu coração.
Então ele precisava se casar para tomar posse de uma empresa que
ajudava crianças carentes? Contudo, pelo que entendi, não podia fazer isso,
porque queria apenas a mim, e não outra mulher. Essa empresa devia ser a
que ele mencionara no discurso do evento da Martínez.
— Não vou submetê-la a isso, Ryan. Você viu a dor que causei a ela...
Céus, prefiro morrer a ver aquilo de novo. — Seus ombros estavam caídos.
— Não quero mais isso. Samantha vai ter sua vida de volta, mesmo que eu
não faça parte dela.
— Meu irmão, desde que a trouxe para cá, você não vai ao trabalho.
Ficar aí, sentado nesse sofá, não vai resolver nada, ainda mais bebendo
desse jeito. Isso não é certo — aconselhou Ryan, quase suplicante. — Você
precisa reagir, cara.
Ele suspirou desalentado.
— Logo ela vai acordar e vai embora. Posso não vê-la nunca mais. —
Resfolegou. — Eu nunca me senti assim em toda a minha vida. Parece que
estou desfalecendo aos poucos.
— Meu caro amigo, você caiu de quatro justamente por uma gata que
não quer nada com você — sussurrou Jordan.
— É um sentimento profundo. Dói só em pensar nela longe de mim. —
Seu tom era taciturno. — Mas é assim que deve ser, porque, quando ela
estiver boa, vai voltar para seu emprego e continuar com sua vida. Já falei
com Michael e não vou interferir mais.
— Aquele cara está louco para entrar nas calças dela, e você não vai
fazer nada? — retrucou Jordan.
— Eu quero fazer algo... Céus! Só em pensar nisso, me dá vontade de
matá-lo! — Seu tom era exasperado. — Mas não posso... — Gemeu como se
estivesse tomado pela dor. — Depois que a vi lá, no chão, com aquele cara...
Eu queria tê-lo matado, só não o fiz porque vocês dois me impediram. Mas,
ao vê-la desmaiada, achei que ela estava morta. Se estivesse, o que seria de
mim? A dor que senti foi demais, e ainda pior é saber que foi por minha
culpa que ela...
— Isso não é verdade, Lucky — discordou Ryan. — Foi aquele
desgraçado que bateu nela.
— Eu a soquei no mesmo braço que está com a tala... — seu tom estava
cheio de agonia. — Quem garante que não fui eu quem a machucou?
— Eu garanto — respondi, entrando na grande sala.
O cômodo era lindo. Tinha um lustre imenso no teto, e as paredes eram
creme. Um sofá grande na forma de L com almofadas pequenas ocupava
parte do espaço, tendo à sua frente uma mesinha de centro e, ao seu lado,
uma poltrona. A parede do lado direito, atrás do sofá, era inteiramente de
vidro, com uma bonita vista do horizonte. Logo à frente, tinha outra parede
de vidro, através da qual dava para ver a cozinha, do outro lado da imensa
sala. Céus, que lugar lindo!
Na sala estavam Jordan, sentado na poltrona vermelha, e Ryan de pé ao
lado dele. Lucky estava sentado de frente para os dois, na parte menor do
sofá em forma de L, e olhava para seu copo de uísque.
Os três arregalaram os olhos, fitando-me de cima a baixo em razão da
roupa curta e atraente que eu estava vestindo, mas não era minha culpa, pois
outra pessoa havia me vestido. Além disso, deviam estar impressionados
com a tatuagem de uma fênix que eu tinha no meu flanco direito, logo abaixo
do umbigo. Por causa do cós do short, só estava mostrando parte de suas
asas coloridas.
— Sam... — os lábios sexy do Lucky se mexeram num sussurro de
espanto conforme ele olhava meu corpo semiexposto.
— O que foi? Nunca viram uma mulher com uma tatuagem? —
resmunguei, chegando perto deles.
Jordan olhou para mim com um sorriso.
— Até onde vai essa tatuagem? — Ele gesticulou para minha barriga
lisa.
Sorri torto.
— Vai até um lugar ao qual você nunca terá acesso.
— Uau! — Ryan riu. — Essa vai ficar na história.
— Até parece que você também não quer saber até onde a tatoo dela
chega — retrucou Jordan.
Ryan me fitou de cima a baixo novamente com um olhar provocativo.
— Eu poderia ter visto se Lucky tivesse me dado uma chance. — Ele
parecia pensativo.
Seu irmão rosnou baixo:
— É melhor calarem a boca. E parem de olhar para o corpo dela. —
Lucky colocou sua bebida na mesinha de centro e me fitou. — Como você
está se sentindo? Não devia estar na cama?
— Céus, a cama! — Sorri para ele. — Acho que me apaixonei pela sua
cama.
— Por que não se apaixona pelo dono dela? — indagou Jordan com um
sorriso.
— Talvez se ele for bom igual à cama? — Meu tom era provocante, o
que fez Lucky arregalar os olhos.
Ryan riu.
— E se eu disser que aquela cama é minha? E que sou tão bom quanto
ela? — Seu tom era provocativo e brincalhão.
Sacudi a cabeça, sorrindo para ele.
— Não é sua cama, é do seu irmão — fui firme ao declarar isso e me
sentei ao lado do Lucky. — Aquela cama perfeita tem o cheiro dele. —
Recostei-me no sofá e suspirei.
— E que cheiro seria esse? — sondou Jordan.
Sorri vendo os olhos brilhantes do Lucky me observando atentamente.
— Lavanda floral com toques de café com creme e chocolate com
cobertura de mel.
Lucky esboçou um sorriso. Fiquei feliz por ele sorrir um pouco e,
assim, afastar aquele tormento que havia em seus olhos.
— Eu cheiro a tudo isso?
Assenti, muda, enquanto ele ampliava mais o sorriso sexy.
— Eu nunca mais quero tomar café com creme em minha vida — Ryan
arrulhou.
— Não sabe o que está perdendo — provoquei-o, depois falei sério: —
Ao acordar em um quarto que é como um sonho encantado e em uma cama
que parecia que eu tinha morrido e ido para o Céu, achei que estivesse em
algum tipo de reality show, com câmeras invisíveis me observando.
Jordan riu.
— Se você estivesse sem roupas, seria fascinante.
Lucky o fulminou, e logo seu sorriso sumiu.
— Certo, desculpe — disse, mas não parecia arrependido.
— Pode sonhar sentado, porque em pé vai se cansar — falei, então me
voltei para o Lucky. — Diga-me uma coisa: quem tirou as minhas roupas e
colocou essas? E de quem é esse shortinho curto? Juro, se for de alguma
mulher que você trouxe para cá, eu o tiro agora.
— Eu nunca trouxe nenhuma mulher à minha casa — falou Lucky com
sinceridade.
Arregalei os olhos, descrente.
— Quer dizer que aquela cama dos meus sonhos é virgem? — Meu tom
saiu duas oitavas mais agudo.
Ele riu torto.
— Espero desvirginá-la em breve. — Seu olhar varreu o meu corpo.
Senti o calor subir por ele como se um laser saísse dos seus olhos e me
fulminasse. — E, quanto às suas roupas, foi a Rayla que as trocou. Essas
peças devem ser dela.
— A loira do Alex? — perguntei, pegando uma almofada e a colocando
em meu colo, cobrindo meu busto e abdômen.
Ryan revirou os olhos.
— Alex não é namorado dela.
— Porque alguém estragou tudo sem pensar nos sentimentos dos outros
— retruquei.
— Está falando de mim? — rosnou Lucky.
— Tem mais alguém aqui que se mete na vida dos outros? — repliquei,
fitando-o.
Ele deu um suspiro desalentado e sem forças.
— Você estava muito à vontade com ele para se importar com os
sentimentos dela.
— Vocês dois precisavam de uma lição. Você... — eu o fitava, enquanto
ele retribuía com o olhar enervado — por se meter em minha vida, e ela, por
ser fraca e se deixar ser controlada por você e o seu poder.
— Eu não a controlo — rebateu ele.
— Alex ama sua irmã de verdade, tanto que estava disposto a deixar
você fechar seu negócio só para estar ao lado dela, mas ela simplesmente foi
embora. — Meu tom saiu amargo ao pensar na sua escolha tola.
— Você parece muito defensora dos outros — replicou.
— Eu defendo quem está certo. — Meneei a cabeça. — Eu defenderia
você também se estivesse certo, mas está sempre errado.
— Isso não é verdade.
— É claro que é. Você tem a sua própria maneira de conseguir as
coisas, mas nem sempre é o jeito certo. Como eu disse uma vez, o dinheiro
não compra tudo nessa vida. Algumas coisas são conquistadas com gestos.
— Gestos? — indagou ele.
Percebi que estava nervosa e que nos encontrávamos sozinhos. Seu
amigo e seu irmão tinham ido embora sem que eu notasse. Para onde, eu não
sabia, e também não me importava com isso no momento.
Peguei a mão do Lucky.
— Gestos como esse que fez por mim ao me salvar daquele cara.
Agradeço-lhe por ir lá... — Minha garganta se fechou em um nó.
Ele suspirou e apertou a minha mão, escorando a cabeça no encosto do
sofá como se tivesse perdido as forças.
— Quando eu vi você com Alex, meu sangue ferveu, não só de raiva,
mas também de dor. Ela tomou conta de mim. Era um sentimento que nunca
senti antes, apenas tinha em mente que não deixaria que você ficasse com
ele.
— Eu não ia ficar com ele — interrompi-o. — Apenas estávamos
dançando.
— Daquele jeito? — Ele riu sem vida. Seu olhar era inalcançável como
o Sol que vemos todo dia, o qual não podemos tocar, apenas sentir. — Mas,
mesmo se eu quisesse, não tinha o direito de interferir. Afinal, você não me
pertencia e não iria nunca me pertencer de nenhuma forma...
— Mas eu não tinha a intenção de ficar com ele. Não sei se você notou,
mas a única parte do meu corpo que ele tocou foi a minha cintura.
— Isso é motivo suficiente para eu querer matá-lo. — Seu tom estava
amargo.
— Alex ama a sua irmã, e, desculpe falar isso, mas ela é uma tremenda
de uma fraca por se deixar coagir por você.
— Eu só queria protegê-la — sussurrou, mas notei que estava
arrependido.
— Podemos proteger quem amamos, mas isso pode ser feito sem
interferências em sua vida. Você já se perguntou como ela se sente sobre
isso? — Levantei as sobrancelhas para ele.
— Estou tendo uma sessão com a psicóloga Samantha Gray? —
questionou, mas havia um esboço de sorriso em seus lábios. Minha nossa,
que boca! E como eu estava louca para devorá-la, ainda mais depois do
nosso primeiro beijo. Só em imaginar que ele nunca havia beijado alguém
antes de mim me fazia feliz e querer de novo. Entretanto, não podíamos
agora, porque os traumas dele teriam que se desfazer antes, com o tempo e
terapia.
— Desculpe, é que... quando vejo uma pessoa como você... —
gesticulei para ele — fico preocupada e procurando uma forma de poder
ajudar. — Tracei as veias de seu braço com minhas unhas.
Ele arqueou as sobrancelhas negras e grossas.
— Pessoas como eu? — incitou.
Suspirei.
— Alguém maníaco por controle, por querer tudo ao seu modo. Isso
sempre vem de algum trauma de infância. Quando crianças, nós deveríamos
ser bem criados e amados por nossos pais. Infelizmente, isso não acontece
sempre. E, quando nos tornamos adultos, carregamos as dores e as
lembranças dos maus tratos que sofremos. Uma pessoa com traumas de
infância, que não teve a vida que deveria ter tido... bem, em seu inconsciente
ficam presas memórias do que lhe aconteceu. Tudo que vemos, que ouvimos
e sentimos é captado por nossa mente. Buscamos evitar de toda forma
recordar o passado, assim a mente conjura só o que queremos. É por isso
que não conseguimos fazer determinadas coisas, que nossas mentes
bloquearam quando éramos crianças, para evitar sentir a dor, a perda e o
medo. — Eu olhava sua expressão sofrida. — Soube que vai a um psicólogo.
Ele não fala sobre isso com você?
— Não, porque não é algo que eu queira ouvir. — Sua voz estava
grave. Eu tinha pensado que era por causa das lembranças que minhas
palavras lhe provocaram.
Fitei-o, estupefata.
— Se você não gosta de ouvir a verdade, por que faz terapia? Está
jogando dinheiro fora.
— Eu não sei — admitiu por fim, recuperando-se e me olhando de lado.
— Talvez eu troque minha terapeuta por outra mais eficiente.
— Ela não pode ter medo de dizer a verdade a você — falei, e depois a
ficha caiu. — É uma mulher? — A frase saiu um tanto mais alta por causa do
choque.
Então Lucky tinha sessões com uma mulher. Eu apostava que eles já
tinham ficado juntos. Droga! Eu não queria me preocupar com isso, porque
era doloroso, mas era o passado dele. Eu não devia me importar, mas me
machucava saber que ele teve tantas mulheres.
— O que foi, Sam? Você está com ciúmes? — Seus olhos brilhantes
estavam arregalados e incrédulos.
— Não — menti.
Ele pegou meu queixo com os dedos.
— Sam... — Meu nome saindo da sua boca parecia tão doce. — Não
aconteceu nada entre mim e ela.
— Não? — Franzi o cenho. — Como não? Você é o tipo de toda mulher
na Terra.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— Eu sou seu tipo de homem?
Sorri torto.
— Até se eu fosse lésbica, mudaria de time para ficar com você —
soltei a verdade.
Ele riu sacudindo a cabeça.
— É bom saber disso. — Sorriu, tocando a minha bochecha, mas logo
ficou sério. — Então você não ia ficar com aquele... com Alex.
Suspirei.
— Eu fiz aquilo porque estava com raiva de você por me mandar rosas,
bilhetes e joias, mas nunca aparecer pessoalmente na minha casa e me pedir
para sair com você... — E também pelo contrato de casamento que ele ia me
propor, mas preferi não falar sobre isso, afinal, pelo que ouvi mais cedo, ele
realmente precisava se casar, mas eu não sabia se podia aceitar uma
proposta de casamento baseada em qualquer coisa que não amor. Precisava
de mais tempo para pensar melhor, mesmo sabendo que aquele matrimônio
ajudaria muitas crianças.
Ele me interrompeu:
— Mas você disse não.
— Sim, eu disse, mas se você tivesse aparecido na minha casa
pessoalmente, sem imposições e ofertas, eu com certeza teria dito sim.
Entretanto, você não foi, assim como não se aproximou de mim no evento da
Martínez e, além disso, saiu de lá com outra mulher... — minha voz falhou.
Ele piscou.
— O quê? Eu não fiquei com ela nem com ninguém. — Ele tocou no
meu rosto. — Uma parte de mim queria ir até você para dizer tudo o que eu
estava sentindo e que me sufocava. Mas a outra tinha medo do que você iria
dizer. E olha que não sou de temer qualquer coisa. Sinto muito por tê-la
magoado. — Ele me olhou sério. — Acredita que não fiquei com ninguém?
Porque só você me importa.
— Acredito em você. Também sinto por tudo que eu disse no Rave. —
Encolhi-me contra suas mãos como um gatinho. — Então não ficou com sua
psicóloga?
Ele sacudiu a cabeça e sorriu.
— Eu não sou o tipo dela.
Meus olhos se arregalaram.
— O quê? Por acaso ela é lésbica?
Ele sorriu ao aproximar tanto o rosto do meu que senti seu calor em
minha face.
— Não — respondeu ainda sorrindo. — Mas ela tem o dobro da minha
idade.
— Oh! — Tentei desviar os olhos dos dele, mas não consegui.
— Você estava com ciúmes dela? Responda a verdade... — pediu antes
que eu mentisse de novo, parecendo esperançoso. — Preciso saber para
sossegar meu coração aflito.
Suspirei.
— Por que quer saber? — Sentia-me fraca ao ouvir a sua declaração.
Apertei tanto minha mão livre da tala em minhas coxas que achei que
ficariam com hematomas, só para não o puxar para mim e beijá-lo com
fervor.
— Porque eu estou louco para beijar você. — Ele fitava meus lábios
entreabertos.
— Não vai doer em você? — questionei com um fio de voz.
Ele deu de ombros.
— Talvez, mas não consigo resistir à vontade de devorar seus lábios de
novo, Rosa Vermelha. — Sua voz estava tomada de uma paixão capaz de
incendiar o planeta e meu corpo inteiro. Se uma palavra dele fazia isso com
meu corpo, imagina o que eu sentiria se transássemos? Perdi o fôlego.
— Eu não quero que sinta dor...
Lucky me interrompeu devorando a minha boca como se estivesse com
uma sede terrível e que não saciava havia muitos dias. Porém, eu podia
senti-lo estremecendo e seu maxilar tenso. Apesar do desejo, ele estava
sofrendo, e eu não queria isso. Tentei me afastar, mas ele não deixou isso
acontecer, deitou-me no sofá e pairou em cima de mim com todo seu peso.
Aprofundou mais o beijo, devorando cada canto da minha boca e sugando a
minha língua. Para quem nunca havia beijado, ele beijava muito bem.
Minha pele tremulava de prazer e queimava a cada toque seu, parecia
em chamas. Lucky palmilhava todo o meu corpo, acariciando-o como se
minha pele fosse a mais fina seda. O seu toque me enchia de fogo até nas
partes mais sensíveis.
Apertei-o contra mim, querendo mais dele, embora não tivesse brecha
alguma entre nós dois. Até me esqueci de que meu braço tinha uma tala.
Gemi assim que ele esfregou o seu quadril no meu e pude sentir a sua
necessidade intensa. O som que saiu da minha boca o incentivou a continuar,
ainda mais feroz e faminto. Suas mãos alisavam meus braços e desceram
para minha cintura, quadril e coxas.
Contudo, meu corpo travou assim que seus dedos foram para o meio das
minhas pernas.
— Lucky... não posso... — Eu não conseguia fazer aquilo, por isso
nunca tinha ficado com alguém. O desgraçado do Dylan me deixara uma
marca, de tal modo que nunca permiti a nenhum homem me tocar assim. Eu
não conseguia, mesmo que ansiasse pelo toque do Lucky como precisava do
ar.
Formei-me em psicologia não apenas para ajudar as pessoas que
necessitavam de terapia, mas também para descobrir e tentar curar as minhas
feridas devido à infância e adolescência que tive. Reminiscências daquela
noite terrível tentaram entrar em minha consciência, mas as bloqueei.
Lucky saiu de cima de mim como se eu o tivesse empurrado. Eu podia
ver o seu olhar magoado com as minhas palavras. Ele devia ter pensado que
eu não queria mais o seu toque, mas isso não era verdade.
— Me desculpe, Sam... Eu...
— Não tem pelo que se desculpar, Lucky. — Sentei-me e coloquei a
mão livre no meu colo. Precisava dizer alguma coisa para ele não se sentir
magoado, embora ainda não pudesse lhe dizer a verdade. — Acho que não
estou pronta para dar esse passo agora... Preciso de tempo, já que nunca fiz...
Ele me avaliava meio atônito.
— Sam, você é virgem? — Sentou-se perto de mim, tocou meu queixo e
o levantou para que eu olhasse para ele. — Eu preciso saber a verdade para
poder lidar com isso.
Afastei-me do seu toque de cenho franzido.
— Não tem que lidar com nada. — Minha voz soou baixa, mas com
uma pontada de dor. — Eu sei que está acostumado com mulheres
experientes fazendo tudo o que quer...
Ele tocou meu rosto de novo. Seus olhos verdes cintilavam como o Sol.
— Você é a única mulher que eu quero para sempre, com quem quero
desvirginar a minha cama, pela qual se apaixonou. — Beijou meu rosto, mas
percebi que sorria calidamente.
— Não é só a cama que você vai desvirginar — sussurrei, corando.
— Eu vou amar cada momento. — Beijou as minhas têmporas. — Não
importa o quanto eu tenha que esperar até você estar pronta.
Mas e se eu nunca estiver pronta?, pensei, aflita, mas não falei em voz
alta.
— Mas você tem as suas necessidades — sussurrei.
— Eu tenho uma mão para fazer isso. — Ele se afastou um pouco e me
lançou um sorriso devastador.
— O que você vai fazer com a mão, Lucky? — perguntou Shaw,
entrando de repente na sala.
Levantei-me depressa. Shaw estava com a testa franzida olhando de
mim para o Lucky, sentado no sofá com uma almofada no colo para esconder
a sua... Eu queria rir disso, mas Shaw não estava sozinho. Ryan e Jordan o
acompanhavam, com sorrisos estampados em seus rostos. Deviam estar
achando divertidos o meu desconforto e o estado do Lucky.
— Eu acho que o Lucky quis dizer que vai fazer um mingau — falou
Ryan com um sorriso debochado para o irmão, depois olhou para as minhas
bochechas rosadas.
Eu sabia muito bem que ele não estava falando de um mingau normal, e
sim de outra coisa. Fechei a cara para ele e olhei para o sorriso inocente do
Shaw.
— Eu adoro mingau! — Quicou, olhando para Lucky. — Você vai fazer
agora?
Lucky forçou um sorriso para o garoto e se levantou. Meu olhar foi para
sua calça para ver se estava alta, mas não estava. Os efeitos do amasso já
haviam passado, embora o meu corpo ainda estivesse quente por causa do
seu toque.
— Claro. — Olhou afiado para Jordan e Ryan. — Acho que vocês vão
querer me acompanhar também.
— Pode fazer você. — Ryan ainda estava sorrindo.
— Preciso de vocês comigo agora. — Seu tom parecia uma ordem. —
Precisamos conversar.
Nenhum dos dois pareceu se incomodar com a forma como Lucky
falava, já deviam estar acostumados ao seu tom autoritário. Os três saíram e
me deixaram sozinha com o Shaw, mas eu podia vê-los na cozinha através da
parede de vidro. Ryan e Jordan estavam sentados à mesa de vidro. Lucky
estava de pé, olhando alguma coisa no laptop. Apostei comigo mesma que
era alguma receita. Ri, mas o sorriso sumiu assim que Ryan e Jordan me
observaram com os olhos arregalados em razão de alguma coisa que Lucky
lhes disse.
Virei o rosto, corando, porque tinha cem por cento de certeza de que ele
estava falando sobre o fato de eu ainda ser virgem. Só isso poderia explicar
os olhares chocados e descrentes dos dois, pois eu sabia que não era comum
se deparar com uma mulher de 24 anos de idade que ainda não tinha
transado. Talvez eles pensassem que eu seguisse preceitos religiosos que
proibissem relações sexuais, mas não era nada disso, era um trauma do
passado que não me permitia ir em frente, e tudo por causa de Dylan. Tentei
esquecer isso e foquei no Shaw, ali comigo. Peguei a sua mão, levei-o para o
sofá e me sentei ao seu lado.
— Como você está, Shaw, com tudo isso? — indaguei.
Seu semblante se tornou triste.
— Eu não sei, mas tive muito medo de ele machucar você. — Sua voz
falhou.
Enlacei-o forte com o braço são.
— Eu estou bem, meu amor — tranquilizei-o. — Saul foi preso e não
vai mais nos machucar.
— Lucky prometeu que ele não vai mais sair da cadeia. — Afastou-se
para me olhar.
— Você confia nele?
Ele assentiu.
— Ele é um cara legal, por isso consigo falar com ele, assim como falo
com você.
— Eu percebi. Eu sei que Lucky é legal, mas ele tem um jeito
distorcido de resolver as coisas. — Sorri, mas logo fiquei séria. — Por que
estava lá fora naquele beco, sozinho, Shaw? Por que saiu do alojamento da
Fênix?
— Eu ouvi Ana ao telefone com Diana. Ela dizia que você estava triste
por algo que Lucky Donovan tinha feito. — Seu semblante mudou, ficando
tristonho. — Ouvi que você ia ao clube lá perto, então resolvi ir ver você.
Meu coração gelou diante de tudo de ruim que poderia ter lhe
acontecido fora da Fênix. Graças a Deus, ele estava bem.
— Eu sinto muito por ter ido embora sem falar com você. Eu sei que
nada justifica isso. — Enxuguei seu rosto lindo. — Mas prometo
recompensá-lo.
Um sorriso apareceu em seus lábios.
— Como?
— Vou falar com Michael e ver se você pode ficar em minha casa...
— Você vai embora? — perguntou Lucky, aparecendo na sala com uma
tigela branca nas mãos.
Seus olhos estavam cheios de sombras de novo. Eu podia ver dor,
perda, medo e outro sentimento que não consegui identificar.
— Esse é o meu mingau? — Shaw se levantou e foi até o Lucky.
Lucky forçou um sorriso para o garoto e lhe entregou a vasilha.
— É melhor se sentar à mesinha e comê-lo. — Ele fez uma careta. —
Experimente para ver se está bom.
Shaw franziu o cenho.
— Você nunca fez mingau? — Olhou para a tigela com receio de estar
ruim demais.
— Vamos, Shaw, experimente — incentivei.
Ele se sentou no chão, colocou a tigela na mesinha de centro e levou a
colher à boca.
Percebi que todos olhavam para o menino, assim como eu, querendo
saber a sua resposta.
— Hummm... — murmurou com os olhos fechados e depois olhou para
o Lucky. — Você sabia que eu não comia nada com açúcar ou apenas se
esqueceu de colocar?
Lucky sorriu.
— Eu sei que você não come nada que tenha açúcar, ao menos é isso
que diz no seu registro na Fênix — declarou. — É uma criança bem
diferente, devo admitir, porque todas que conheço particularmente amam
doces e chocolate.
— A Sam adora chocolate trufado. — Shaw sorriu para mim, mas
depois ficou triste. — Queria dar um a você de presente, mas não tenho
dinheiro.
Fiquei comovida com isso.
— Ah, meu amor, não precisa comprar nada. — Olhei de lado para ele.
— Como sabe que eu amo chocolate?
Ele continuou comendo o seu mingau, tentando ignorar a pergunta.
— Shaw...
— Eu ouvi você conversar com um cara. Ele dizia que seu aniversário
estava se aproximando, mas que você nunca queria sair para comemorar,
então ele daria chocolate trufado a você, embora o chocolate levasse você a
engordar, mas ele te amaria gorda caso isso acontecesse. — Ele riu
baixinho.
Perdi o fôlego. Então ele tinha ouvido a minha vídeo-chamada com
Bryan? Por sua expressão inocente, ele não devia ter ouvido toda a
conversa, por isso não tinha percebido que éramos irmãos.
— Quem é esse cara, Sam? — perguntou Lucky em um tom enciumado.
Olhei para ele e sorri, embora sem vontade.
— Somos apenas amigos — menti. — Eu não sou o tipo dele.
Ele piscou.
— Ele é gay? — indagou Ryan.
— Por que acha que um cara tem que ser gay para eu não ser o tipo
dele? — retruquei.
Ele me olhou de cima a baixo.
— Porque você é linda e, diga-se de passagem, ressuscita até os
mortos... — foi interrompido por um tapa que Lucky deu em sua cabeça. —
Ai, mas que droga, mano!
— Pare de babar por ela — rosnou e depois me olhou. —Por que razão
ele disse que te amaria até gorda?
Ri com a possibilidade de o Bryan ser gay. Céus, se ele soubesse disso,
ficaria surpreso. O homem era um mulherengo nato.
— Se ele é ou não, não sei, mas ele disse que não sou seu tipo. E não
sou de me meter na vida particular de ninguém — comentei para aliviar o
mau humor de Lucky, que tinha se elevado com a possibilidade de um homem
me amar. Olhei para o Shaw. — Sabia que é feio ouvir a conversa dos
outros?
— Desculpe, Sam, foi sem querer. — Ele parecia triste.
— Tudo bem, meu amor. Agora termine o seu mingau.
— Então você come chocolate e ainda tem um corpo desse? —
questionou Ryan.
— Me diz uma coisa. — Olhei de soslaio para ele. — Quando foi a
última vez que ficou com uma mulher?
Ele franziu o cenho, e não foi o único.
— Por que pergunta?
— Você olha meu corpo como se não ficasse com mulheres há anos —
falei baixo para Shaw não ouvir e cruzei os braços, tampando os meus peitos
da sua visão de gavião.
— Para seu governo, eu estive com duas mulheres ontem à noite. — Ele
esboçou um sorriso.
Arregalei os olhos.
— Duas ao mesmo tempo? Como em um ménage? — Tentei abaixar a
voz.
— Como sabe sobre ménage se nunca... — a frase do Jordan ficou
inacabada.
Ri.
— Só porque nunca fiz, não significa que não saiba o que é —
repliquei. — Além disso, leio muitos livros, e alguns abordam essa temática.
Ryan riu.
— Quer experimentar? — Lucky deu um murro no braço do irmão, que
chegou a se encolher. — Mas que droga, cara! Eu estou brincando!
— Desculpe desapontá-lo, mas essa não é a minha praia — falei depois
de me recuperar das risadas. — Eu sou uma pessoa que não divide nada,
muito menos um homem.
— Ah, Lucky, meu amigo, você já era, já que não consegue ficar com
uma mulher só. — Jordan deu um tapinha nas costas de Lucky.
Meu coração doeu ao ouvir aquilo. Pelo visto, ele não seria capaz de se
saciar com as mãos, como me disse. Como fui idiota por acreditar nisso.
— Juro, Jordan, que, se você não calar a boca, amanhã vai sair nas
colunas sociais sem o apêndice — rosnou Lucky.
Jordan se encolheu com o pensamento de algo assim acontecer. Ele com
certeza devia ter visto que seu amigo não estava para brincadeira, não diante
de sua expressão fria e hostil.
— Desculpe, cara, foi mal — sussurrou para Lucky, depois se voltou
para mim. — Com você, ele é diferente. Devo dizer que não ficou com
ninguém desde que conheceu você naquele elevador e depois em seu
escritório, quando entrou querendo bater nele. — Revirou os olhos azuis
ante o fato. — Não tirava você da cabeça.
Arregalei os olhos, fitando Lucky, que tinha um esboço de um sorriso de
diamante que cintilava mais que o Sol.
— Ah! — Eu não sabia o que dizer, não sabia se ficava feliz ou triste.
Optei por feliz. Aproximei-me dele, mordendo o lábio e lhe dando um olhar
penetrante. Sussurrei em seu ouvido: — Então você tem alguma prática com
as mãos. Continue assim, que no final será recompensado.
Senti que ele estremeceu ao ouvir minhas palavras.
— Sam... — sua voz também estava rouca.
Ri e me afastei alguns centímetros, colocando o dedo médio e o
indicador nos meus lábios e os beijando, depois os coloquei sobre os dele.
Queria beijá-lo, mas me controlei. Tentei me afastar, porém Lucky me pegou
pelo braço e puxou para si. Bati na parede dura de músculos que era o seu
peito delicioso. Arfei com o impacto e com o fogo que subiu em meu corpo.
— Eu exagerei com meu gesto? — murmurei.
— Você pode fazer o que quiser comigo e com meu corpo. — Tocou
meus lábios com a ponta dos dedos. Eles se abriram involuntariamente com
seu toque, tão quente quanto brasa ardente. — Eu não ligo se parecer um
maricas. — Sua boca se repuxou em um sorriso. — Você sabe da verdade.
— Colocou as mãos em meu quadril e o puxou para o seu. Senti a sua dureza
em meu estômago. — Isso aqui prova o que sinto por você... e isso. —
Aproximou a boca da minha como se fosse me beijar de novo. Eu estava
torcendo para que isso acontecesse. Mordi o lábio inferior para me
impossibilitar de fazer besteira e beijá-lo sem ele estar pronto.
Seus olhos ficaram injetados.
— Nossa! E, quando você faz isso, me deixa louco, algo que nunca
senti com ninguém. Você é diferente! Mexe com algo dentro de mim que me
dá vontade de devorar essa boca linda. — Seu tom estava gutural, talvez
pelo desejo.
Prendi a respiração com essa declaração.
— Por que você quer devorar a boca da Sam? — perguntou Shaw. —
Não pode simplesmente beijá-la?
Virei-me para o menino. Seus olhos negros estavam grandes como dois
pires, mas seus lábios estavam levantados em um sorriso.
Fiquei de costas para o Lucky e à sua frente, impedindo que Shaw visse
algo que não devesse. Lucky ainda estava a todo vapor atrás de mim.
Ryan e Jordan riam do meu desconforto e do meu rosto vermelho.
— Shaw... — minha voz falhou. — Não ligue para o que Lucky disse.
Eu já ia até o garoto, quando as mãos de Lucky pegaram a minha cintura
e me apertaram contra seu corpo, como se ele me abraçasse por trás.
— Se eu fosse você, não sairia daí — sussurrou Lucky bem próximo ao
meu ouvido. Senti seu hálito quente banhar a minha pele e o arrepio correr
através dela como uma corrente elétrica. — Ou o Shaw vai ter uma surpresa
que nunca viu antes.
Parei onde estava e prendi a respiração ao sentir a sua ereção em
minhas costas. Queria esmurrá-lo e beijá-lo ao mesmo tempo por isso. Sabia
que ele estava se aproveitando da situação.
Lucky passou os braços em minha cintura, deixando as mãos
descansarem em minha barriga. Senti seus dedos alisando a tatuagem. Queria
empurrá-lo, mas me segurei. Ele colocou o queixo no meu ombro direito e
olhou para o Shaw.
— Estou tentando convencer a Sam para que ela e você fiquem aqui até
ela ficar boa. — Seu tom era meloso.
— Lucky — adverti-o, porque isso era golpe baixo, ele estava usando a
criança. — Eu tenho que falar com Michael, e não acho que ele vá...
— Deixe que eu cuido do Michael — interveio Lucky.
Afastei-me dele e fitei seu rosto.
— Não gosto de como você resolve as coisas — rosnei.
Ele suspirou.
— Não tem outro jeito de resolver as coisas com Michael.
Funguei.
— Existe diferença entre falar e ameaçar. — Sacudi a cabeça. — Shaw,
querido, por que não pega o meu telefone? — Olhei para o Lucky. — Onde
ele está?
— Dentro do criado-mudo ao lado da minha cama.
Assenti e olhei para o Shaw.
— Você pode pegá-lo para mim?
— Sim, eu já volto. — Saiu correndo.
— Sem correr, você pode cair da escada e se machucar! — gritei.
Ryan e Jordan não estavam mais na sala, deviam ter ido a algum lugar.
Aproveitando que estávamos sozinhos, dei um tapinha em Lucky.
— Você se aproveitou da situação só porque o Shaw estava aqui.
Ele riu descaradamente.
— Você provocou isso. — Apontou para sua calça, que revelava um
volume alto por trás do jeans.
— Sério? Não me lembro de ter feito nada, apenas me aproximei de
você. — Meu tom era insinuante.
— Rosa Vermelha, seu toque desperta um vulcão que está preso e doido
para entrar em erupção. — Seu sorriso era libidinoso.
— Isso veremos, quando você desvirginar a cama e a mim. — Apontei
para o meu corpo e o fitei de um jeito sexy e inocente ao mesmo tempo. —
Mas posso não ser boa...
Seu olhar era cálido e devastador.
— Isso é impossível, Rosa Vermelha. — Sua voz estava pesada de
desejo. — Vou adorar morder cada canto do seu corpo saboroso,
principalmente essa tatuagem.
Fiquei sem fôlego.
— Céus! Se só essas palavras fazem meu corpo pegar fogo, imagina...
Seu sorriso era cativante.
— Quando eu estiver dentro de você? Vou fazer você gritar em cada
canto desta casa — ele falava sem nenhum pudor.
— Eu também o farei gritar.
— Eu adoro esse seu lado de gatinha provocante e vou adorar vê-lo em
minha cama.
Não pude deixar de sorrir e de me sentir feliz por ele gostar que eu
falasse assim com ele. Lucky parecia tão instigante.
Ergui as sobrancelhas para ele.
— E se eu parecer uma pantera selvagem, o que vai fazer? — Mordi o
lábio.
— Você vai me fazer gozar nas calças — sussurrou, mexendo-se contra
mim.
— E não vai ser o único! Se querem transar, por que não vão para o
quarto? — rosnou Jordan, entrando no cômodo ao lado de Ryan.
Meu sorriso sumiu, e fiquei constrangida por ser atrevida na frente
deles. Eu nunca tinha sido assim, nunca conhecera ninguém que me
interessasse daquela forma como o Lucky. Suas palavras acendiam cada
canto da minha pele e a transformavam em labaredas.
— Desculpe... É que... achei que não estavam aqui... — Eu ainda estava
sem fôlego pelo toque do Lucky, mas o que eu ia dizer? Eu não sabia por que
reagia assim, mas era mais forte do que eu, como se meu corpo e minha boca
tivessem controle próprio.
Lucky me olhou com um esboço de sorriso.
— Não precisa pedir desculpas, Rosa Vermelha. — Seu tom era
amoroso e quente ao mesmo tempo. — Você pode fazer e dizer o que quiser.
Suspirei, mas, antes que eu dissesse algo, Shaw chegou com o meu
telefone. Ignorei a todos e meu desejo por aquele homem.
— Obrigada, querido — agradeci ao Shaw enquanto pegava o meu
celular.
— Um cara ligou, parecia o mesmo que falou sobre os chocolates e que
você ia engordar comendo bombons. — Riu. — Ele estava preocupado com
você, já que não apareceu na casa dele como era para fazer. — Ele suspirou.
— Tentei acalmá-lo, dizendo que você está bem, mas acho que ele não
acreditou. Ele disse que, se você não ligar em dez minutos, ele vai bater em
sua casa.
Eu já estava discando o número de Bryan. Sabia que devia ter ligado
nos últimos dias, mas não tive oportunidade, já que estava meio moribunda.
Ele atendeu ao primeiro toque.
— Onde você está?! — gritou, e tive que afastar o telefone da orelha.
Olhei para o Lucky, que estava com a testa franzida. Cobri o celular
para abafar o som, fui até Lucky e sussurrei em seu ouvido:
— Sabe que é só você, que não tem ninguém em minha vida nem nunca
teve — sussurrei e me afastei. — Eu já volto — disse a ele e coloquei o
telefone ao ouvido, indo até a varanda, vendo a bela vista da cidade. —
Você está querendo me deixar surda?
— Como você está? — Seu tom era ansioso.
— Estou bem, Bryan — tranquilizei-o com a voz baixa para que não
escutassem da sala.
— O que houve? Você sumiu...
— Eu não sumi, apenas... Bryan, não posso falar agora, mas juro que
estou bem. Prometo que vou à sua casa no próximo fim de semana, e nós
conversaremos, tudo bem?
Fitei a sala, encontrando os olhos de gavião do Lucky sobre mim.
— Jura que está tudo bem? — sondou em dúvida.
— Eu juro! Tenho que desligar, mas estou bem.
— Amo você.
— Eu também — respondi e encerrei a ligação, discando em seguida
um número necessário.
— Alô? — falou Michael.
— Sou eu, Samantha...
— Sam? Você está bem? — Seu tom parecia preocupado.
— Sim, estou bem. — Suspirei. — Obrigada.
— Eu soube pelo que você passou nas mãos de Saul. Sinto muito.
— Já passou. O importante é que ele foi preso e não vai chegar perto de
Shaw nunca mais. — Assim eu esperava.
— Se tem o dedo do Lucky nisso, então com certeza não vai. — Tinha
um tom de amargura na voz dele ao pronunciar o nome do Lucky
— Queria saber de você se o Shaw pode ficar comigo na casa do
Lucky. — Assim que disse o nome do Lucky, arrependi-me, porque um
rosnado saiu da garganta de Michael.
— Sam, eu me importo com você, então vou perguntar algo... — Ele
parecia sem jeito. — Vocês estão juntos?
Respirei fundo, sem saber se estávamos em um relacionamento, afinal,
nem havíamos conversado sobre isso ainda.
— Não sei bem o que está havendo conosco, mas espero que sim.
— Eu sei que não é da minha conta perguntar ou falar sobre isso... —
Respirou fundo. — Ele vai pisar em você igual faz com todas.
Meu coração doeu com suas palavras. Temi que isso pudesse ser
verdade, mas então veio à minha mente a conversa que ouvi entre Lucky,
Simon e Shaw e me acalmei. Ele não faria isso comigo, porque se importava
e me amava, apenas não conseguia dizer em voz alta.
— Lucky está diferente. Ele é bom debaixo daquela fachada. Não vai
fazer isso — sussurrei.
— É um risco muito grande que você vai ter que correr. — Sua voz
soou triste.
— Vai deixar o Shaw ficar ou não? — Esquivei-me de suas palavras.
— Sam, se você tem planos de ficar com Lucky definitivamente, então
não vai poder ter o Shaw.
— O quê? — quase gritei. — Por quê? Você acha que o juiz vai ser
contra a adoção caso eu fique com Lucky?
Ele deu um suspiro desalentado.
— O problema não é o juiz, e sim o Lucky...
— Como assim? Por que ele não iria querer que eu adotasse o Shaw?
Ele tem várias empresas que beneficiam a adoção pelo mundo. — Minha voz
falhou com a possibilidade de Lucky não aceitar o Shaw.
— Eu vi uma entrevista dele na HBO em que ele dizia que ajudava
crianças carentes, mas que não queria ter filhos nem adotar nenhuma criança.
— Ele disse? — inquiri baixinho. Talvez fosse por isso que ele não
tinha adotado Logan, mesmo gostando do garoto.
— Sim. Eu sinto muito, Sam. — Seu tom era grave e triste.
— Não precisa sentir — murmurei, pensando em ter de escolher entre
os dois.
— Mas a boa notícia é que o juiz aprovou a guarda provisória de Shaw.
Meus olhos brilharam de lágrimas.
— Sério? — Eu tinha entrado com o pedido de guarda do Shaw havia
algum tempo. Ainda bem que não pedira demissão, porque, se estivesse
desempregada, o juiz jamais permitiria que eu tivesse a guarda do meu
garoto.
— Sim, estou falando sério — garantiu. — Então conversou com Lucky
sobre a exigência dele? Ouvi dizer que você ia pedir as contas daqui. Não
faça isso, Sam, vamos arranjar um jeito de resolver esse problema.
— Obrigada, Michael — disse comovida. — Mas não se preocupe,
porque o Lucky não vai mais interferir nos meus caminhos. Agora eu posso
ficar na Fênix sem correr o risco de ele fechá-la.
— Você está com ele por causa disso? — perguntou ultrajado.
— É bom saber que você pensa tão mal de mim e que eu me submeteria
a algo assim. — Minha voz soou grave.
— Lamento, Sam, não foi o que eu disse...
— Mas foi isso que deu a entender. — Suspirei. — Passo aí depois
para assinar os papéis da guarda provisória.
— Tudo bem, Sam. Sinto muito por ter dito algo que a insultou. Saiba
que não tive essa intenção. — Disse e desligou.
Meu Deus! O que eu farei agora? Se escolher o Lucky, perderei Shaw.
E se eu ficar com o Shaw, perderei Lucky. Eu nem o tinha ainda e já iria
perdê-lo? Como poderia escolher entre os dois? Não tinha que escolher,
porque, se o Lucky me quisesse, teria que aceitar o Shaw também. Nós dois
éramos um pacote só. Se Lucky não me quisesse com Shaw, então eu partiria
com o meu menininho lindo.
Limpei as lágrimas e voltei para a sala. Podia ver todos conversando
entre si, mas pararam de falar ao me olhar.
— Sam, o que foi? — perguntou Lucky num tom preocupado.
— Aquele cara te fez chorar? — rosnou Shaw. — Eu vou acabar com
ele.
Sorri em meio às lágrimas com a sua coragem de enfrentar o Bryan.
— Não. Ele não me fez chorar — tranquilizei-o. — Estava falando com
Michael.
Ele franziu o cenho.
— O que ele disse a você para ficar assim?
Notei que a expressão de Lucky ficou assassina, como um leão faminto
à procura de caça. Apressei-me a explicar, ou ele iria arranjar um jeito de
acertar as contas com meu chefe. Talvez, quando ele soubesse da verdade,
terminasse tudo comigo, até me expulsasse. Encolhi-me por dentro com a
possibilidade, mas não deixei isso apagar a felicidade que eu estava
sentindo por ter Shaw em minha vida para sempre. Isso era algo que eu
queria havia tanto tempo.
— O juiz disse sim — informei para Shaw, ignorando todos. Apenas
fitava o meu garotinho. Não pude deixar de ficar feliz ao ver seus olhos
brilhando como uma árvore de Natal. Havia contado a ele algumas semanas
antes que tinha planos de adotá-lo. Precisava saber se queria ficar comigo
caso o juiz dissesse “sim”. Shaw ficou muito feliz.
— Isso quer dizer que vou morar com você para sempre?! — Seu tom
era eufórico.
— Sim, meu pequenino. — Sorri em meio às lágrimas.
Ele correu e me abraçou pela cintura.
— Eu te amo tanto, Sam — sussurrou, chorando.
Olhei para o Lucky, atrás do Shaw, enquanto respondia:
— Você é a coisa mais importante da minha vida, Shaw. — Respirei
fundo. — Não desistiria de você por nada nesse mundo.
Os olhos do Lucky revelavam um terror e dor profundos. Parecia que
ele estava sendo perfurado por vários tipos de lâminas.
Ryan e Jordan observavam sua expressão, também preocupados com o
amigo.
— Você vai adotá-lo? — Sua voz saiu engasgada, como se ele tivesse
se afogado.
Suspirei, segurando a raiva, porque, se ele dissesse algo que magoasse
Shaw, eu iria acabar com ele.
— Sim — respondi, fitando seus olhos atormentados. — Eu nunca
agradeci a você por me forçar a me demitir naquele dia. Obrigada. Graças a
você, pude ter o Shaw em minha vida. Agora o meu garotinho lindo faz parte
da minha família.
Os olhos de Shaw brilhavam como duas pérolas negras.
— Eu já sou um homem, que tal me chamar de garotão em vez de
garotinho? — pediu, sorrindo.
Também sorri.
— Fechado, garotão. — Toquei seus cabelos.
— Eu tenho que sair... — disse Lucky, com dificuldade para falar. —
Não vou demorar.
— Não tem que me dar explicação. — Tentei ignorar a dor. — A casa é
sua, e não temos nada, não é?
Seus olhos se estreitaram ao ouvir o ressentimento e a raiva na minha
voz. Ele não disse nada, apenas virou as costas e foi embora. Ryan me deu
um sorriso de desculpas e saiu atrás do Lucky junto ao Jordan.
Tentei não chorar e deixar Shaw triste. Ele parecia tão alegre em morar
comigo que eu não faria nada para acabar com sua felicidade. Como algo
assim não comovia o coração do Lucky? Como não se render a um sorriso
daqueles, mais brilhante que o Sol?
— Sam, você está chorando por ele ter saído?
Fitei-o.
— Um pouco, mas ele vai voltar logo. — Sorri, aproveitando meu
garotinho nos meus braços. Era uma felicidade que nada apagaria. Eu dava
graças a Deus por ter Shaw em minha vida.
Fiquei até tarde esperando Lucky voltar para casa, mas já passava de
1h da manhã, e ele não havia chegado. Minha mente estava tão cheia de
pensamentos. O que me machucava e me fazia encolher-me na cama dele era
pensar que nunca iríamos desvirginar a cama. Pelo menos, ele não o faria
comigo. Naquele momento, Lucky poderia estar em qualquer lugar da cidade,
com outra mulher. E tudo porque ele não me aceitava com Shaw. Meu
coração doía fundo ao imaginá-lo tocando outra mulher. Minha alma
sangrava como se milhares de agulhas afiadas se enfincassem nela.
Eu estava tão feliz por Lucky não ter ficado com ninguém depois que me
conheceu, mas tudo isso podia mudar. Ele já devia estar com alguém, e eu
não ia ser capaz de perdoá-lo.
8 - Renúncia
LUCKY
Meu mundo desabou como se um tanque de guerra tivesse sido lançado
sobre mim, deixando-me destroçado e aniquilado, sem poder gritar por
socorro.
Na hora em que a Sam disse que ia adotar o Shaw, algo dentro de mim
se quebrou em pedaços como cacos de vidro, um sentimento sombrio se
sobrepondo à felicidade que eu sentia por tê-la em meus braços e por ela
retribuir o mesmo que eu sentia.
Perdi a minha alma já quebrada, esquecendo-me de morrer
completamente e ir para o abismo em que sempre estive antes de ter a Sam
em meus braços e sentir o sabor do seu beijo de mel. A perda estava me
sufocando por dentro, como se meus órgãos estivessem sendo esmagados por
um triturador de carne e deixando o meu sangue escorrer pelas frestas.
Estava completamente devastado por sair da minha casa e deixá-la com
aquele olhar. Céus! Seus olhos pareciam quebrados, e fui eu quem os
quebrou, deixando-a para trás só porque não conseguia lidar com a minha
merda distorcida.
A revelação bombástica que ela fez acabou comigo, pois percebi que o
céu estava azul com a sua presença e, com a iminência de perdê-la, se tornou
escuro, um cinza borrado, sem estrelas e sem luz, pois ela era a luz. Sempre
foi ela.
A palavra adoção tocou fundo em algo na minha alma negra como breu,
porque eu sabia que não conseguiria ser um pai amoroso e atencioso como
uma criança quer e necessita diariamente. Um pai verdadeiro. Eu não tive
isso até os meus seis anos, quando fui resgatado pelos Donovans, que foram
tirados de mim por um acidente de carro.
Eu ajudava pessoas que queriam adotar crianças necessitadas que
precisavam de um lar feliz e amoroso. Assim como um dia fui ajudado por
Miguel e Laura, os pais de Ryan e Rayla, outras crianças também precisavam
de uma oportunidade de serem felizes e amadas, mas eu não era um homem
digno de ter uma criança aos meus cuidados. Se isso acontecesse e eu não
conseguisse lidar, então seria parecido com ela, com a mulher que dizia ser
minha mãe e me deixou para morrer de fome naquela casa no meio do nada.
Eu precisava de tempo para pensar naquela bola de neve que a minha
vida estava se tornando. Vi nos olhos da minha Rosa Vermelha que ela não
desistiria do Shaw por nada no mundo, nem por mim. Ela mesma disse isso
antes que eu saísse da minha casa. Até disse que me agradecia por ser
demitida, porque assim o conheceu.
Eu estava correndo o risco de perder a mulher que mais amava na
minha vida, aliás, a única que já havia amado, embora não conseguisse dizer
essas palavras a ninguém em voz alta, nem mesmo a Sam. Uma frase tão
simples e tão profunda, mas que me fazia lembrar-me dela, da maldita
mulher que desgraçou a minha vida e que dizia ser minha mãe. Ela
pronunciava essa frase o tempo todo para mim, mas eu apostava que não
conhecia o significado.
“Eu amo você, meu filho”. Tantas vezes ela disse que me amava e
depois me dava um beijo, e eu, uma criança inocente, acreditava nela.
Contudo, isso nunca aconteceu, porque Mary não amava ninguém a não ser a
si mesma e ao dinheiro.
Cresci com trauma dessas palavras e de beijos em geral. Por isso, jurei
que nunca iria dizer a frase “eu te amo” para ninguém. Se eu falasse, seria
igual a ela, inescrupulosa e desumana. Também jurei nunca receber nenhum
NÃO em minha vida.
Samantha me fez cair de joelhos por ela como nunca o fiz por nenhuma
mulher. Sua bondade, tenacidade, sinceridade, sua glória e seu esplendor me
conquistaram. Ela não teve em nenhum momento medo de me enfrentar,
mesmo sabendo do que eu era capaz. Sua fibra fez com que eu me
apaixonasse por ela a ponto de não querer e não poder viver sem sua
presença.
Saí da minha casa e fiquei vagando pelas ruas de Manhattan, sem rumo
e sem destino. Precisava esfriar a cabeça para não fazer besteira e me
arrepender depois, além de buscar uma solução para o meu problema.
Jordan e Ryan foram comigo; não queriam me deixar sozinho do jeito que eu
estava. Certamente estavam com medo de eu ter um surto em algum lugar da
cidade.
— Aonde estamos indo? — perguntou Jordan do banco de trás do meu
Porsche preto.
— Precisamos falar sobre isso, Lucky — Ryan resmungou ao meu lado.
— Você não pode deixá-la só porque ela vai adotar o menino.
— Ou vocês calam a maldita boca, ou saem do meu carro — rosnei,
apertando minhas mãos no volante para controlar a raiva, não deles, mas de
mim mesmo por ser um egoísta tomado por merdas fodidas do meu passado.
Ouvi os suspiros exasperados dos dois, mas eles ficaram quietos e me
deixaram em paz. Eu poderia demitir Jordan da minha empresa, já que ele
trabalhava para mim, mas nunca faria isso, mesmo que agora me sentisse
como um lixo. Ele e Jason eram os meus melhores amigos.
Entrei em South Street Seaport, onde ficava o píer 17 e o iate Fênix e a
pequena lancha Schaefer 620. Era aquela lancha que eu queria, porque era
veloz, e eu precisava de velocidade.
Saí do carro quase correndo. Por sorte, eu tinha as cópias das chaves
dos meus barcos. Minha lancha tinha uma listra alaranjada, parecida com a
cor brilhante de uma fênix. Gostava desse pássaro, porque me sentia como
ele. Eu morri e nasci de novo, por isso a tatuei em minhas costas, para ter o
lembrete de como estava prestes a virar cinzas se Miguel não tivesse me
encontrado havia 22 anos. A Sam também tinha a tatuagem da fênix abaixo
do seu umbigo perfeito e descendo até mais embaixo, onde eu queria estar,
mas, pelo visto, isso não iria acontecer tão cedo.
Pulei na lancha e a liguei, acelerando para sair dali logo. Nem notei se
via o João, o piloto que tomava conta de meus barcos. Era ele quem pilotava
os barcos quando saíamos. Entretanto, naquele momento, eu precisava e
queria estar sozinho, sem ninguém azucrinando a minha cabeça.
Voei com a lancha, deixando Jordan e Ryan gritando no píer. Não me
importei, apenas queria correr e deixar a minha mente livre como o vento.
Só assim a dor não me tocaria, como a cadela que ela era, embora de todo
jeito estivesse me perseguindo como uma doença crônica.
— Droga, Lucky! Você não pode pilotar desse jeito! — ainda consegui
ouvir o grito exasperado do Ryan.
Eu não queria voltar e lidar com a dor que estava me esmagando de
dentro para fora, como um câncer sem cura, mas, ao invés de matar só a
matéria, esse estava matando a minha alma.
Naveguei por horas pelo Hudson e o mar à frente, sem ter hora de
voltar para casa, mas estava escurecendo, assim como a minha vida. Podia
ver o alaranjado do Sol se pondo no horizonte.
Jordan e Ryan ainda estavam no píer esperando por mim, furiosos por
eu os ter deixado para trás. Seguiram-me porque quiseram, eu não havia
pedido que viessem comigo.
Deixei a lancha no píer. O João não estava muito longe dali, mas não
parei para falar com ele. Sentia-me totalmente entorpecido.
Ryan me fuzilava com os olhos.
— Vejo que voltou — rosnou. — Sabe quantas reuniões perdi por ficar
aqui esperando você?
Ignorei-o e saí do píer, indo em direção ao meu carro estacionado ao
meio-fio. Pude ver os dois me seguindo e entrando no carro comigo. Segui
adiante, mas para onde? Eu não sabia, como também não queria saber do
meu destino ou da minha perda.
Pensei no passeio de lancha que havia feito, imaginei o ar puro e com
cheiro almiscarado do vento, tão puro e suave, banhando o meu rosto. Eu
queria ser normal e menos complicado para fazer Sam feliz.
Pensei e repensei, mas a única conclusão a que cheguei foi que eu não
era homem suficiente para fazer Samantha feliz como ela merecia. Percebia
isso por tudo que eu tinha feito a ela e a dor que lhe causava desde o dia em
que a conheci. Como fui capaz de machucar a única mulher que já amara em
toda a minha vida? A única que me fazia sentir vivo como nunca tinha
sentido antes? Eu era um monstro que deveria ser destruído por ousar tocar
naquele anjo perfeito.
Foi só quando a beijei no sofá da minha sala que pude sentir que Sam
também me amava, embora ela não tivesse dito nada a mim, mas senti em
cada toque e em cada beijo que trocamos.
Eu iria sofrer a ponto de quase morrer por me afastar, e ela também, por
me amar, mas era o certo a se fazer. Ela merecia alguém melhor do que um
homem que sempre a machucava.
— Em vez de ficarmos perambulando pela cidade como doidos... —
Jordan resmungou — por que não vamos ao meu apartamento?
Respirei fundo, mas meus pulmões doeram como se eu estivesse me
afogando. Talvez eles estivessem com defeito, assim como eu, por ter
nascido nesse mundo.
Não respondi, apenas dirigi para seu apartamento, que ficava na
cobertura do Lux. O hotel era do Jordan e não ficava muito longe de onde eu
morava, quase um de frente para o outro.
O pai de Jordan era um cantor famoso de rock, James Johnson, da
banda Clave. Ele comprou aquele hotel e o deu ao filho de presente de
aniversário de 22 anos, embora, com o dinheiro que Jordan ganhava por
fechar vários negócios para mim, com certeza compraria vários hotéis como
aquele. O cara tinha a conta recheada, me disse que estava investindo em
redes de hotéis, um ramo muito bom de investimento.
As paredes da sala eram cor de palha, e os vidros das janelas traziam
luz ao ambiente, fazendo-o mais aconchegante. A sala era bem-decorada e
organizada, com dois sofás marrons com almofadas coloridas, uma imensa
estante avermelhada que dava ao ambiente um ar sofisticado. Entre os sofás
e a estante ficava a mesinha de vidro de centro, e um tapete persa forrava o
chão.
O apartamento do Jordan era muito bem organizado e sem nenhum sinal
de coisas fora do lugar. As cortinas estavam puxadas para o canto das
imensas janelas. Ele tinha esse hábito de deixar tudo arrumado. Se não fosse
por ele ser um mulherengo, daria para ser um monge.
Eu sabia que Jordan não trazia nenhuma mulher para seu apartamento,
assim como eu nunca tinha levado nenhuma para a minha casa, nem
pretendia, porque a única que desejava e queria era a minha Rosa Vermelha.
Nós quatro fizemos uma promessa, Ryan, Jordan, Jason e eu, de não estragar
nossos lares trazendo uma foda qualquer para dentro deles.
Na parede à direita da estante, tinha um grande quadro de dois lobos
brancos rugindo um para o outro. Pensar em lobos de olhos azuis me fazia
pensar em Samantha, e a dor voltou mil vezes pior, como um tsunami sobre
mim. Ignorei-a e fui à imensa adega. Peguei uma garrafa de uísque, segui
para a varanda e me sentei em uma espreguiçadeira branca que ficava ali.
Apenas queria que a dor passasse ou que um meteoro caísse sobre mim,
porque eu não queria ficar como um invólucro vazio e sem vida na Terra. Se
fosse para isso acontecer, era melhor estar morto de uma vez.
Já eram quase 11h da noite. Fiquei olhando para o meu edifício
enquanto bebia. Dali dava para ver o meu prédio, e notei que todas as luzes
estavam apagadas, menos a do meu quarto. Sam estava lá, talvez esperando
por mim. Céus, o que eu faria? Eu precisava deixá-la para o seu bem, mas
doía tanto!
— Droga, Lucky, fala alguma coisa com a gente! — resmungou Ryan,
parando perto da imensa porta de vidro que dava para a varanda.
— Eu não quero pensar nem falar, apenas beber e fazer essa dor
passar... — Suspirei desalentado.
Ele deu um suspiro exasperado.
— Eu sei que você tem essa mania de pensar mal de si mesmo, pensar
que você não é bom o suficiente para educar uma criança, mas não se
esqueça de que foi você que terminou de nos criar. — A voz de Ryan era
séria, mas eu a senti se rachando no final. — E fez isso muito bem.
Quando os pais dele e de Rayla morreram, tomei conta dos dois. Sabia
que fiz um bom trabalho em educá-los, mas ter um filho era diferente, uma
responsabilidade que, só em pensar, estava me corroendo por dentro, como
um maldito verme que come tudo que vê. Era uma dor que não queria cessar
de nenhuma forma. Beber era a única forma de esquecer a dor e tudo que
estava acontecendo em minha vida miserável. Ou pelo menos tentar
esquecer, mas não acreditava que fosse possível.
Jordan e Ryan me deixaram sozinho com a garrafa de uísque.
Que sofrimento era esse que estava me consumindo por dentro?
Foi uma semana difícil, para não dizer dolorosa. Voltei para o trabalho
na Fênix. Era para eu voltar apenas na outra semana, como eu mesma tinha
pedido ao Michael, mas precisava manter a minha cabeça em foco, tinha de
trabalhar para não pensar em Lucky.
Michael me perguntou se eu estava bem para trabalhar por causa do
meu braço, e eu lhe respondi que sim. Ele queria saber por que eu estava
triste, embora já desconfiasse, pois foi ele mesmo que me alertou que, se eu
ficasse com Shaw, iria perder o Lucky. Afirmei que não era nada, e ele não
tocou mais no assunto, o que foi bom.
Contei tudo o que tinha acontecido comigo para Diana e Ana, pois as
duas eram minhas amigas, assim como contei ao Bryan tudo o que houve
comigo desde o meu primeiro encontro com Lucky até a nossa despedida na
sala da Sasha – outra coisa em que eu não queria pensar.
— Eu vou matá-lo — foi o que meu irmão me disse.
Demorei uma eternidade para fazê-lo se acalmar e não ir tirar
satisfações com Lucky. Disse-lhe que superei aquele golpe da vida. Bryan
não acreditou que eu o havia esquecido, mas pelo menos não quis mais matá-
lo. Eu tremia só de pensar nessa possibilidade.
Lucky cumpriu sua palavra, como disse que faria, não apareceu em
minha vida ou atrapalhou os meus caminhos. Era como se houvesse
desaparecido.
Apesar de ter prometido a mim mesma nem sequer pensar em Lucky,
quanto mais saber sobre ele, perguntei a Diana como ele estava. Ela me
disse que ficava até tarde da noite em seu escritório e estava mais mal-
humorado do que nunca, como um leão faminto e enfurecido.
Fiz um empréstimo para pagar a dívida com o hospital da Flórida, que
eu havia negociado depois que consegui o serviço na Fênix, e para pagar o
aluguel de minha casa e meus cartões de crédito. Quando fui pagar o aluguel,
que estava atrasado, a Sra. Valência disse que já havia sido quitado e pago
até o final do ano, ou seja, dali a muitos meses. Com o hospital, foi a mesma
coisa. Era muito dinheiro.
Quase caí de costas ao saber que foi Lucky. Só podia ser ele mesmo. A
funcionária do hospital me disse que a dívida tinha sido quitada havia duas
semanas, ou seja, antes de eu ser quase morta pelo pai de Shaw. Resolvi,
então, devolver a ele o dinheiro com que quitara as dívidas.
Depois de uma semana, tirei a tala. Não estava doendo mais. Eu não
gostava de andar de transporte público pela cidade, pois estava sempre
lotado, mas não precisei mais me preocupar com isso, porque, certo dia, dei
de cara com Ryan e seu Porsche prata em frente à minha casa. Ele me disse
que era o meu motorista, já que eu tinha recusado a ajuda de Simon, e disse
que não aceitaria “não” como resposta e que, se eu não aceitasse ir com ele
no carro, iria de ônibus comigo, mas ia ser assediado pelas mulheres, e a
culpada seria eu. Nessa hora, eu ri. Ele era famoso no mundo da moda.
Acabei aceitando a sua carona.
E, quando o Ryan não podia me levar, era a vez do Jordan. Com ele foi
mais engraçado, porque disse que, se eu não aceitasse sua carona em sua
Ferrari prata, iria implorar de joelhos. Eu ia adorar ver isso, mas fiquei com
pena, então aceitei. Entretanto, não era idiota para saber o que estava
acontecendo. Sabia que isso tinha o dedo do Lucky. Ele por certo imaginava
que eu não aceitaria a sua ajuda, por isso mandou seus amigos. Não deixei
que isso amolecesse meu coração quebrado, o qual ele mesmo quebrou.
Coloquei Shaw em uma escola perto de casa. Assim ficaria mais fácil
de eu pegá-lo na hora da saída.
Uma porta grande de madeira foi aberta, e por ela saíram vários
homens vestidos de ternos, livrando-me dos meus devaneios com o meu
marido deslumbrante e saboroso.
Um cara loiro e com olhos azuis veio em minha direção. Usava um
terno caro, com certeza era dono de alguma empresa ou algo do tipo.
— Nossa! Por que uma beleza rara assim está sozinha aqui? — Lançou-
me um sorriso lascivo.
Antes que eu respondesse, ouvi o rosnado de Lucky atrás dele.
— Essa mulher não está disponível para você nem para ninguém. —
Veio até mim e passou os braços em minha cintura, olhando impassível para
o cara. — Essa beleza rara é a minha esposa, Samantha Donovan. — Seu
tom ao pronunciar o meu nome e sobrenome era de júbilo.
Vários homens ali ofegaram com a notícia, mas não disseram nada,
apenas demonstraram sua surpresa no olhar. Eu agradecia aos Céus e ao
Lucky por, durante o tempo em que estávamos casados, não ter sido filmada
ainda. Devia ser por isso o espanto de todos.
O homem loiro diante de mim sorriu de modo vago.
— Oh, então é com essa mulher que você se casou? — Ele me olhou de
lado. — É mais linda do que a mulher que saiu na foto nos tabloides uns dois
meses atrás.
— Sim, ela é. — Lucky apertou minha cintura e falou num tom mortal:
— Então sugiro que fique longe dela se não quiser ter problemas comigo.
— Ei, relaxa, não está mais aqui quem falou. — Saiu quase correndo
por causa do rosto sombrio do meu marido.
— Lucky...
— Vem comigo. — Puxou-me para seu escritório, que ficava na porta
ao lado da sala por onde ele saiu, a de reuniões. — Por que não pediu para
me chamar? Eu teria saído da reunião — disse-me assim que entrei no
cômodo.
Uau, então era assim o escritório dele? Tinha uns dez metros de largura
por dez de comprimento, uma estante enorme recheada de livros do lado
direito logo na entrada, dois quadros abstratos. As paredes eram de cores
claras, menos a que dava para o lado externo do prédio, que era de vidro.
Ao fundo ficava sua mesa, bem organizada, com um notebook, canetas, lápis
e papéis. Era mais lindo do que a sala de reuniões, mas tão requintado
quanto. Tinha um sofá enorme em frente à sua mesa e três cadeiras, uma que
supostamente era a dele, que ficava de costas para a parede de vidro, atrás
da mesa, e duas à frente.
— Não pedi para chamar porque eu podia esperar — respondi, ficando
de pé perto do sofá. — Também não queria atrapalhar.
— Você nunca atrapalha, Rosa Vermelha. — Pegou meu rosto e fitou as
profundezas dos meus olhos. — Todas as vezes que vier à Ônix, entre em
meu escritório e peça para me chamar se eu não estiver aqui.
— Eu não acho que sua nova secretária vai me deixar fazer tal coisa. —
Suspirei.
Ele estreitou os olhos, foi até sua mesa e pegou o telefone, colocando-o
ao ouvido.
— Suzanny, quando a senhora Samantha Donovan vier à empresa, me
chame, não importa o que eu esteja fazendo. — Ouviu o que ela disse, mas a
cortou: — Não importa que eu esteja com o presidente dos Estados Unidos.
— Sua voz era crua e fria. — Ela sempre vai vir em primeiro lugar. Me
chame, ou estará no olho da rua. — Encerrou a ligação.
— Por que falar assim com seus funcionários?
Ele meneou a cabeça.
— Às vezes, eu tenho que manter as rédeas curtas para tornar um
funcionário competente. Se ele não fizer o que é mandado, então não serve
para trabalhar para mim.
Ergui as sobrancelhas.
— Às vezes? — Meu tom era de ironia. — Você poderia ser mais gentil
com as pessoas.
Ele sorriu malicioso.
— Minha preciosa esposa, eu sou gentil. — Pegou-me pela cintura e me
sentou em cima de sua mesa, empurrando seus papéis e o computador para o
lado. — Agora vou lhe mostrar a minha gentileza.
— Lucky, alguém pode entrar — sussurrei sem fôlego, mas incapaz de
resistir a ele.
— Ninguém entra aqui, querida, sem eu chamar, pode acreditar em mim.
— Abriu as minhas pernas, levantando a minha saia até a cintura e se
encaixando entre elas. Colocou seus dedos em minha calcinha de renda. —
Você está molhada para mim? — Beijou meu pescoço e mordiscou minha
orelha. — Adoro isso.
Gemi, apertando meus braços em suas costas cheias de músculos
perfeitos e definidos.
— Deita na mesa, bebê — pediu ele. Deitei-me de costas, e meus
cabelos se derramaram pela borda, fazendo uma cascata de cabelos negros.
Ele tirou a minha calcinha preta de renda.
— Coloque os pés um em cada lado dos meus ombros — ordenou,
tirando meus sapatos e beijando as minhas panturrilhas, que já estavam em
seus ombros. Tremi com seu hálito quente banhando minha pele sensível.
Lucky inspirou com a cabeça entre as minhas pernas abertas para ele.
— Você cheira tão bem. — Triscou o nariz no meu centro dolorido de
necessidade dele, então senti a sua língua dentro de mim. — É de dar água
na boca.
— Lucky! — gritei, sem me importar que alguém ouvisse, enquanto ele
devorava meu clitóris com sua língua mágica. Meu corpo se enchia de
prazer, tremendo, prestes a explodir. — Por favor!
— O que você quer? — Enfiou dois dedos em meu interior conforme eu
gritava o seu nome. Deixei a cabeça cair para trás e senti uma das suas mãos
nos meus seios duros de prazer. Ele ainda me devorava com os dedos e a
boca. Minhas pernas prenderam sua cabeça ali, querendo-o ainda mais.
— Nossa! Você é tão linda — sussurrou com a voz cálida de desejo. —
Goze para mim, querida.
Meu corpo se arqueou como se quisesse flutuar no céu, então gozei em
sua boca. Fiquei mole e sorri para ele, excitado.
— Eu não tenho camisinha aqui. — Olhava meu corpo com desejo.
— Eu tenho na minha bolsa. — Apontei para ela no sofá.
Ele pegou o preservativo, desabotoou as calças e a colocou em sua
ereção perfeita, então me fitou.
— Por que tinha uma camisinha em sua bolsa? — Posicionou-se entre
as minhas pernas já abertas para ele.
— Porque iríamos precisar dela! — respondi e gritei assim que ele
entrou em mim e parou, com a sobrancelha erguida.
— Você veio aqui só para transar comigo?
Encolhi os ombros.
— Você me disse para eu não me tocar, então... — minha voz falhou. —
Sinto muito.
— Por quê? — Puxou as minhas mãos e me sentou. O meu peito ficou
colado ao dele. — Por que você sente muito?
Escondi o meu rosto em seu ombro, enquanto suas mãos estavam em
minhas costas e em minha bunda, apertando-me mais contra si.
— Sam...
— Não sei... Talvez... você não quisesse que eu viesse aqui, mas não
consegui...
— Ei, Rosa Vermelha... — Pegou meu rosto e fitou as profundezas dos
meus olhos. — Você pode vir aqui a todo momento que quiser, qualquer dia;
não importa o que eu esteja fazendo, vou ficar com você. — Empurrou mais
fundo dentro de mim. — Eu adoro estar dentro de você. Então é mais do que
bem-vinda a vir aqui.
Ele balançava os quadris, estocando dentro de mim e beijando meu
pescoço. Minhas mãos estavam em suas costas. Levantei o rosto para o teto,
embora estivesse de olhos fechados e tomada por êxtase.
— Lucky...
Sua boca cobriu a minha, e desfrutei do êxtase transbordante. Logo
estava mole em seus braços. Tive o que queria e o que ansiava desde cedo,
pois estava com uma vontade louca por sexo desde que nos casamos.
— Minha esposa está saciada o suficiente? — Ele beijou mais uma vez
os meus lábios.
— Hummm — gemi. — Você acha que consegue uma segunda rodada?
Tenho mais camisinhas na bolsa.
Ele riu e me abraçou forte.
— Acho que estou sendo usado — reclamou, ainda beijando minha
pele.
Dei uma risadinha.
— E você não gosta de ser usado? — provoquei-o.
Ele beijou as minhas têmporas.
— Por você, a qualquer hora.
Então me fez gozar mais duas vezes, e logo eu estava saciada – por ora.
IVANI GODOY
2ª Edição
2019
Copyright© - Ivani Godoy
Revisão: Kátia Regina Souza
ANGELINA
— Shane, vamos logo — gritei para o meu irmãozinho. — Estamos
atrasados.
Desde que meus pais morreram, há três anos, eu tomava conta dos meus
irmãos. Shane tinha oito anos, e Lira três. Eles eram “meu tudo”, a razão da
minha vida. Dispunha das suas guardas desde então.
Shane apareceu na porta com sua mochila do Homem-Aranha nas
costas. Ele possuía cabelos lisos e castanhos na altura do queixo. Seus olhos
negros pareciam voar longe como um falcão, tal qual os meus. Lira era a
minha gracinha, minha bonequinha linda, de cabelos loiros encaracolados até
a cintura e os olhos azuis mais belos que já vi. Minha mãe estava grávida
dela quando houve o acidente, porém, graças aos céus, conseguiram salvá-la.
Shane foi até mim e sorriu.
— Estou pronto — disse.
— Eu também! — Lira pegou a minha mão e fez um rodopio. — Estou
mais linda que você.
Eu ri.
— É claro que você está, minha bonequinha perfeita. — Beijei-a na
bochecha. Ela usava um vestido rodado e florido.
Seus olhos brilharam ao me ouvir elogiá-la, adorava me escutar
dizendo que era bonita. Esses dois eram meu mundo, eles me faziam querer
lutar contra tudo e contra todos, só para vê-los felizes.
— Vamos, então.
Deixei Lira e Shane na escola perto de casa, onde ficavam o dia todo,
para eu poder trabalhar mais calma. Em seguida, fui para o meu serviço de
faxineira. Eu conseguiria ter arrumado um emprego melhor, mas tive de
deixar a faculdade para cuidar dos meus irmãos. No entanto, não me
arrependia desta escolha, faria tudo de novo. Eles eram tudo o que tinha de
precioso neste mundo.
No mês anterior, descobri que Shane tinha uma doença no coração, e
que necessitava de cirurgia. Sempre achei que fosse sadio, mas há alguns
meses ele desmaiou, fizemos um check-up e constatamos a causa. Meu irmão
precisava de certos cuidados, proteção e tudo mais.
Curiosamente, no dia em que estava no hospital para pegar os exames,
consegui auxiliar uma mulher grávida doando meu sangue. Quando ouvi que
ela estava prestes a perder seu filho e a sua vida... não pude deixar de ajudá-
la, precisava fazer isto por mim e por aquela família.
Acho que todas as coisas acontecem por obra divina, como eu ter o
mesmo sangue que aquela garota e estar lá no momento certo. Ou eu poder
contar com meus irmãozinhos pequeninos que, com seu amor, me davam
forças para seguir em frente. Embora isso não compensasse as perdas de
meu passado, com certeza ajudava, mesmo que o buraco em meu peito fosse
permanente.
Shane seria operado daqui a um mês. Com a proximidade do dia, meu
coração trovejava de medo. A minha pulsação ficava forte, como um tambor,
ao imaginar perdê-lo... Não, eu não podia focar nisso, ocorreria tudo bem na
cirurgia, o médico disse. A ansiedade estava me matando, me comendo viva.
Não gostava de pensar em cirurgia, meus pais entraram em uma para serem
operados e não voltaram mais. Contudo, agora era diferente, Shane colocaria
um marca-passo, um procedimento simples pelo que consegui descobrir.
Entretanto, eu apenas tinha medo.
Cheguei ao imenso Hotel Plaza. O local tinha janelas e portas repletas
de vidros. Eu não entrava pela frente, e sim pelos fundos; dali já dava para
ver que o hotel era deslumbrante.
— Olá, Angie — Maria me cumprimentou. Todos meus amigos me
chamavam de Angie, esquecendo meu nome verdadeiro: Angelina Mary
Stone.
Ela era a nossa chefe, um amor de pessoa. De cabelos grisalhos,
parecia ter uns cinquenta anos mais ou menos, não que eu fosse perguntar
isso a ela.
— Bom dia — suspirei, ouvindo-a dizer onde eu ia ficar. Peguei os
dois últimos apartamentos do penúltimo andar, menos a cobertura. Não
perguntei o porquê, não fazia parte da minha função sair mexericando por aí.
Trabalhava naquele prédio há somente uma semana, e não pretendia deixar
escapar esta grande oportunidade, com eles pagando tão bem. Nunca ganhei
tanto.
Fui para o apartamento mencionado por Maria. No andar havia duas
moradias, uma do lado direito e outra no esquerdo. Cada uma dava quase
dez do apartamento onde eu morava. A da direita era maior.
Demorei cinco horas para limpar o primeiro apartamento, enorme e
cheio de prêmios pendurados na parede branca, muitos deles de concursos
relacionados a empresas de moda. Ali havia ainda uma foto de um homem
lindo e sexy, de cabelos loiros, olhos cor de whisky e pele branca
bronzeada. Sua boca estava levantada em um sorriso arrebatador. Vestia um
terno preto tanques. Ryan, assim se chamava, pelo menos era o que dizia
embaixo das fotos.
Não era a primeira vez que o via: o encontrara no hospital, quando doei
meu sangue para aquela mulher que estava prestes a perder o bebê. Lá, já
senti algo em meu peito no momento em que ele perguntou o meu nome e
nossos olhos se chocaram. Meu coração bateu mais forte e o estômago se
encheu de borboletas.
Descartei a ideia de tentar algo a mais, caras lindos e ricos sempre
queriam nos usar e depois jogar fora. No entanto, pensei nele por semanas.
Como um rosto que vi apenas uma vez não saía da minha cabeça? Estava
ficando louca.
Dava para imaginar a ironia do destino? Eu ir trabalhar no seu
apartamento — pelo menos achava que era dele, já que tinha várias coisas
de moda e muitas fotos.
Ryan estava ao lado da modelo Rayla Donovan, uma loira platinada de
olhos castanho-claros. Talvez fossem irmãos, porque se pareciam muito.
Deslumbrantes! Esta era a palavra para descrevê-los.
Terminei de limpar o imenso apartamento de seis quartos. Um deles, a
suíte máster, dispunha de uma cama California king e, em seu lado direito,
de um sofá na forma de L que ficava perto de uma parede de vidro. Fora os
demais cômodos: academia com piscina, sala de jogos com mesa de sinuca e
vários outros. Para a minha sorte, não estavam tão sujos assim, então não foi
preciso caprichar tanto. Se fosse dar uma limpeza geral neste imenso
apartamento, levaria o dia inteiro.
Deixei de bisbilhotar coisas que não me diziam respeito e fui para o
apartamento em frente a este.
Estava tudo uma bagunça, com garrafas de champanhe caídas por todos
os lados no chão cor de madeira. As paredes eram creme e não havia nada
enfeitando o lugar, como quadros e outras coisas, apenas dois sofás: um
grande encostado na parede, e um de três lugares no centro da sala.
Demorei quase três horas limpando todos os cômodos, faltando ainda a
suíte e a cozinha. Deixei a suíte por último e fui para a cozinha. Embora
fosse menor do que o outro apartamento, era tão elegante quanto.
A cozinha, toda branca, contava com uma ilha em mármore cor de areia
no seu centro. O fogão era de inox, os armários claros, e, a geladeira,
duplex.
— Quero que saiam agora! — rosnou um homem, irritado. Isso me fez
levar um susto, pensei que estava sozinha.
Não me contive e fui para a porta da cozinha dar uma espiada.
Arregalei os olhos ao ver duas loiras, ali, só de calcinha, com enormes
peitos de fora, parecidos com melões gigantes. Uma era baixa, e a outra mais
alta.
O cara que gritava estava de costas para mim, apenas vi uma tatuagem
em seu dorso, um desenho colorido de um grande dragão cuspindo fogo.
Vestia somente cueca. Seus músculos eram bem malhados e, os ombros,
largos e definidos; parecia tenso. “Corpo divino” descreveria bem a
imagem.
Não acreditei que o homem mandou as duas embora, estando peladas.
Nossa! Isso era repugnante, tratar mulheres como objetos descartáveis.
— Por que está nos expulsando? — perguntou a baixinha.
— Não gostou dos momentos que tivemos essa noite? — A garota mais
alta alisava os seios, num gesto sedutor.
Ele suspirou, como se tentasse controlar a raiva.
— Olha, não interessa se eu gostei de foder as duas — disse com tom
de desdém. — Foi apenas isso. Agora saiam da minha casa!
Não pude ver sua expressão, mas pelos olhos arregalados delas, notei
que o olhar do cara era mortal, à semelhança da voz.
As garotas pegaram suas roupas, vestiram-se rapidamente e foram
embora. Se tivessem um pouco de decência, nunca mais voltariam, depois de
serem humilhadas assim.
Ele se virou para mim. Ofeguei. Seus cabelos loiros eram longos, na
altura do queixo, mas bagunçados. Os olhos cor de whisky me miraram. A
boca sexy, o peito tonificado... Impressionante! Nossa, que homem era esse?
Parecia um daqueles modelos deslumbrantes. Logo o reconheci da foto com
a Rayla e do hospital; ao vivo, era mais gato, como eu me lembrava de
minhas fantasias com ele. Quase ri por me imaginar transando com um
homem desses, que pegava duas mulheres de uma vez. Depois que o vi no
hospital, fiquei pensando nele direto por semanas, até que coloquei um ponto
final e disse a mim mesma que não ia focar minhas energias em um cara com
quem não tinha a menor chance. Foi bom eu parar de sonhar acordada.
O que ele fizera com aquelas mulheres me deixou com repulsa, tive
vontade de vomitar. Corri para a cozinha e comecei a lavar as vasilhas sujas
que estavam ali. Eu esfregava um prato — de porcelana inglesa ou francesa,
não entendia muito disso, mas sabia que era caro — quando senti meu corpo
formigar e fraquejar. O calor estava em todos os lugares, como se eu
estivesse perto de uma fornalha acesa, aquecendo minha pele suave. Embora
as minhas mãos se encontrassem debaixo da torneira de água fria, ainda me
sentia quente.
Sentia que ele estava chegando perto de mim, mas não me virei. Se eu
me virasse, seria pior. “Será que ele vai me mandar embora? Droga, não
posso perder este emprego. Preciso deste serviço mais do que nunca”. Meu
corpo tremia com sua proximidade, podia inalar seu cheiro de sabonete de
lavanda.
— Você é a nova faxineira. — Não era uma pergunta.
Dei um pulo assim que ouvi seu sussurro na minha nuca. O prato que
estava na minha mão caiu no chão, virando milhares de pedaços. “Meu Deus,
agora eu realmente estou demitida”. Olhei para os olhos estreitos do cara e
comecei a tremer.
— Desculpe... — disse. Suas íris eram fendas escuras. — Eu não
estava espiando, juro. Só ouvi vozes e fui ver quem era... — falei,
envergonhada, provavelmente com meu rosto todo vermelho.
Ele não disse nada, apenas me olhava.
— E também pelo prato. — Olhei para os cacos quebrados no chão. —
Prometo que pagarei. Pode descontar do meu salário. — Tentava não
demonstrar meu desespero. “Por que ele tinha que ter pratos tão caros?”.
Fitei-o de volta, com lágrimas já escorrendo pelo rosto. Ele me
observava atentamente.
— Por favor, não me denuncie para a agência, eu preciso muito deste
trabalho... eu... — emendava sem pausas.
Então ele me interrompeu:
— Não vou dizer nada, acalma-se. — Suspirou ao notar meu terror. —
Não precisa chorar, não ligo para a droga do prato. — Seu tom de voz
parecia irritado. Com o quê? Eu não sabia.
Assenti nervosa, dado o jeito com que me olhava, como se eu fosse um
enigma. Tentei ignorá-lo e fui limpar os cacos no chão. Ele continuou ali, em
pé e de braços cruzados. Para a minha sorte, o cara vestira ao menos uma
bermuda jeans; para o meu azar, estava sem camisa. Evitei mirar seu peito nu
enquanto eu fazia o meu serviço. Fugi para o quarto antes que ele dissesse
alguma coisa.
O local estava uma bagunça. Ofeguei ao ver as cordas na cama, e
também uma madeira na forma de X com ataduras, como a cruz de Santo
André; certamente prendia suas parceiras ali. Tentei não pensar na forma
com que ele fazia sexo. Isso não era da minha conta.
Depois de limpar tudo, fui me trocar no banheiro dos empregados. Tirei
o uniforme — um vestido preto — e vesti uma calça de moletom e uma
camiseta folgada com o logotipo de Alan Jackson, meu cantor preferido.
Decidi sair antes que o cara aparecesse de novo, todavia, ele estava na
sala, sentado no sofá maior. Vestia agora uma calça jeans, e ainda estava sem
camisa. Seria difícil me concentrar com ele assim. O homem segurava um
copo de vidro na mão, o líquido parecia ser whisky, com duas pedras de
gelo dentro. Parei de frente para ele.
Seus olhos estavam em mim, assim como na cozinha.
— Precisamos conversar — ele me disse.
Engoli em seco. “Ele vai me demitir. Oh, Deus!”. Tentei de tudo para
não chorar de novo. “Se me mandar embora, o que vou fazer? Este é o lugar
onde eu ganho mais!”.
— Ei, não precisa entrar em pânico. — Ele me avaliava. — Como eu
falei, não vou demitir você, ou contar o que houve aqui.
Suspirei, mas estava longe de ser por alívio.
— O que o senhor quer? — Minha voz saiu trêmula.
Parecia que ele havia tomado banho e não fora ali, devia ter ido ao seu
outro apartamento. O que me fez perguntar: o que era este apartamento em
que eu estava? Algum tipo de prostíbulo?
Fiz de tudo para não olhar o seu corpo, e que corpo! Santa mãezinha,
dava vontade de lambê-lo todo. Eu devia estar louca, mas o cara era um
Adônis. Perfeito!
Ele franziu o cenho.
— Quantos anos acha que eu tenho?
Estreitei meus olhos. “Qual será o motivo da pergunta?”.
— Hummm — murmurei estupidamente. — Vinte e quatro? — Pareceu
mais uma indagação.
Ele sorriu. Seus dentes eram brancos como marfim.
— Vinte e seis, então pare de me chamar de senhor. — Tomou um gole
da bebida. — Não sou nem um ano mais velho do que você.
Assenti, muda, não querendo corrigi-lo: na verdade, eu era dois anos
mais nova que ele, ou quase, já que fazia aniversário no dia vinte de outubro,
ou seja, no mês seguinte. Queria que ele falasse logo o que desejava de mim.
— Quantos anos você tem? — questionou.
— Faço vinte e quatro no mês que vem.
— Certo, então sente-se e vamos conversar? — convidou. Arregalei os
olhos.
— Acho que não posso.
Ele franziu a testa.
— Por que não?
— Porque os empregados não devem sentar junto com os patrões. — Eu
me remexi nos calcanhares. — Seria demitida da agência por isso.
Seus olhos não deixaram os meus.
— Eles não vão saber — garantiu.
— Eu... — comecei a insistir. Aos iniciar meus trabalhos naquela
agência, eles deixaram esta norma bem clara. Ele me cortou.
— Eu sou o patrão aqui. Estou mandando você sentar. — Sua voz
apresentava raiva no final.
Senti-me acovardada por seu tom controlador. Se ele me mandasse cair
de joelhos, eu faria sem pestanejar. Sentei-me reta com as mãos no colo.
— Tudo bem, mas só tenho vinte minutos — falei, deixando bem claro
que não dispunha de muito tempo, afinal, tinha mais trabalho para fazer.
— Onde vai depois? — Demonstrava curiosidade.
— Eu tenho trabalho em uma hora — respondi honestamente. Por sorte,
a última casa que eu pegaria era pequena, no Bronx.
— Se você trabalha daqui a uma hora, por que tem de sair em vinte
minutos? — Ele se remexeu no sofá, sem nunca deixar de me avaliar.
— Porque eu pego o ônibus — suspirei. — O que deseja comigo?
Ignorou a minha pergunta e fez outra.
— Você não tem carro?
— Não. — Eu estava sem entender o porquê do cara inquirir tanto
sobre mim.
— Todas as pessoas têm que ter um carro, nem que seja velho —
criticou.
— Eu tinha, mas precisei vender — sussurrei. Depois que meus pais
morreram, passei alguns apertos financeiros. — O que você quer?
— Você tem raiva de mim, Anjo? — perguntou e avaliou a minha
reação.
Além dos meus pais, ninguém nunca me chamou de “Anjo” antes.
— Dificilmente, já que nem o conheço. — Mexia as minhas mãos num
gesto nervoso com seu olhar intenso.
— Eu vi seu olhar quando me enxergou com aquelas garotas. — Seu
tom era cômico.
— Isso não me dá motivo para ter raiva ou algum outro sentimento
parecido por você — retruquei.
— Mas você não gosta do modo com que trato as mulheres.
— Isso não é da minha conta, como eu disse, sou uma empregada e
estou aqui para trabalhar, e não para cuidar da vida dos patrões. — A minha
voz saiu um pouco ácida no final. — Não me interessa se trata as mulheres
como lixo.
— É isso que você pensa de mim?
— O que eu penso não importa.
Ele assentiu e sorriu.
— Você quer ganhar um milhão de dólares? — perguntou.
Meus olhos se arregalaram, sem entender.
— Não jogo na loteria, então não tenho como eu ganhar esse valor —
falei por fim.
Ele riu, sexy e rouco. Droga! Por que tinha de ser tão lindo? No
hospital, no mês passado, perguntou meu nome, mas eu não disse nada,
apenas queria sair daquele lugar o mais rápido possível e beber para ver se
a dor sumiria. Não era de tomar álcool, mas após pegar os exames de Shane,
eu precisava. Johnny ficou comigo aquele dia. Um amigo de ouro.
Pelo visto, ele não se lembrava de mim. Quase ri disso, um homem que
tratava as mulheres daquela forma com certeza não se recordaria de nenhum
rosto depois do ato, muito menos do meu, uma qualquer sem graça que ele
viu apenas uma vez.
— Eu posso pagar isso, se você fizer algo por mim. — Sua voz era
calma.
— Olha, eu não sei o que você quer, mas a resposta é não.
— Você nem sabe o que é para dizer não! — replicou.
— Algo assim, vindo de uma pessoa como você, não pode ser boa
coisa. — Bem que o dinheiro ajudaria a pagar todo o tratamento de Shane,
mas seria certo me submeter a isso pelo meu irmão?
— O que quer dizer com “uma pessoa como você”? — Escorou as
costas no encosto do sofá. — Você sabe quem eu sou?
— Não, mas o que você deseja deve ser algo errado. — Minha voz era
grossa. — Eu jamais desceria tão baixo, mesmo sendo pobre.
Ele estreitou os olhos.
— Garanto que não é nada ilícito ou perigoso. — Sua voz rouca estava
calma, como se tivesse toda paciência do mundo.
— Certo, vou arriscar — falei. — O que é?
— Quero que seja a minha namorada por um mês ou dois. — Seu olhar
abrasador se aprofundava no meu.
Eu gargalhei.
— Você só pode estar brincando comigo!
— Sua risada é linda, Anjo. — Ele fitava a minha boca.
A minha risada sumiu. De repente, senti raiva e me levantei depressa.
— O que você acha que eu sou, uma prostituta? — gritei. — Nunca
venderia meu corpo, nem por todo o dinheiro do mundo.
— Não estou falando de sexo. — Ele se ergueu também. — Jamais
pagaria por isso. Foda tenho de graça, é só estalar os dedos.
Eu o avaliava para ver se dizia a verdade. Nas últimas frases com
certeza sim: o cara era um maldito deus grego.
— Se não é sobre sexo, então se trata do quê? — deixei sair o
sarcasmo. — Se num estalar de dedos tem qualquer garota que quiser, por
que eu serviria?
— Caso eu resolva contar o motivo, você promete pensar na resposta?
— Parecia quase suplicante, esperançoso.
— Não sendo nada indecente ou que exija que eu cometa algum
assassinato... — retruquei.
Ele riu, deliciado. Apenas fiquei ali acompanhando a sua risada
gostosa, que me deixava boba.
— Sente-se. — Gesticulou para o sofá onde eu estava há pouco.
Assenti e me sentei.
— Eu tenho uma amiga... — começou. Levantei uma sobrancelha com
censura. Cá entre nós, esse cara não era do tipo que tinha amizade com
mulheres; aparentava catar o que queria e dispensar logo depois, como eu o
vi fazer. — Não é esse tipo de amiga. Ela é mulher do meu irmão, o Lucky...
— O que tem ela? — perguntei. Lucky Donovan era o marido da mulher
para quem doei meu sangue. Sabia que ela sobreviveu, assim como a criança
que estava esperando, pois pedi ao Johnny para checar para mim. Fiquei
feliz com isso. Mas fingi que desconhecia Lucky, já que ele não se lembrava
de mim.
— Ela tem o corpo perfeito para o que quero fazer... — disse, e depois
acrescentou ao ver o espanto em meus olhos. — Pare de ficar com essa cara
de terror e me deixe terminar de falar — repreendeu-me.
— Desculpe.
— Eu sou o dono da Fashion Donovan. Você conhece a empresa?
Neguei com a cabeça.
— Não, mas parece que tem a ver com moda, certo? — Meu
conhecimento da área era bem escasso, afinal, me fazia lembrar de alguém
que não queria, não agora; não podia focar em Ângela se quisesse continuar
em pé, respirando.
— Sim. — Ele franziu o cenho. — Você aparenta não me conhecer das
revistas e dos tabloides.
— Não tenho tempo para fofocas sobre famosos, trabalho quase doze
horas por dia — declarei.
— Tudo bem. Eu tenho uma agência de modelos — disse ele. — Quero
que a Sam venha desfilar para mim. Então fizemos uma aposta. — Deixou
escapar uma careta linda. — Ela é contra eu ficar com garotas aleatórias
todos os dias, descartando logo depois, como hoje. Se eu conseguir namorar
firme com alguém até o desfile, sem trair ou transar, ela trabalhará para mim
na Fashion Donovan.
Eu o olhava, incrédula.
— Por que não oferece dinheiro a ela?
— Samantha não é como todas as mulheres. — Seu tom denotava
carinho ao falar da cunhada, mas nada romântico. — Ela não liga para
dinheiro, embora seja casada com o meu irmão, um dos homens mais rico do
mundo.
— E se você perder? — perguntei.
— Eu teria que ir a um baile...
— Como é que é? — Achei que tinha ouvido errado.
— É isso que você escutou — rosnou.
Gargalhei mais uma vez. Ele fechou a cara linda para mim. Tentei
abafar o sorriso do meu rosto, sem sucesso.
— O que há de errado com um baile? — perguntei. Ele me encarou
como se eu estivesse louca.
— Prefiro doar todo o meu dinheiro a ir a um baile — retrucou.
— Nossa! Você já foi rejeitado em um? Parece ter sido abandonado ou
coisa assim — observei, apontando para ele.
— Baile significa dança, garotas certinhas e comportadas, isso não é
para mim. — Estremeceu. — Gosto do fácil, admito.
Eu o mirava, ultrajada.
— Para você dispensar mais fácil no dia seguinte, como lixo?
Deu de ombros.
— Elas têm o que querem de mim, fazem as suas próprias escolhas. —
Passou a mão esquerda entre os cabelos loiros bagunçados. — Eu só cato
cada mulher uma vez, não repito a dose.
— E as garotas aceitam isso? — Pisquei, chocada. Ele sorriu, devasso.
— É claro que sim. Sou tudo que elas querem, nem que seja por uma
noite.
Sacudi a cabeça, descrente.
— Essas garotas são idiotas por se deixarem ser usadas assim. — Teria
de achar outro cara para eu fantasiar como meu príncipe encantado. Esse
tremendo mulherengo não serviria mais.
Ele sorriu torto.
— Você ficaria comigo se eu quisesse. — Piscou.
Revirei os olhos.
— Oh, seu ego é um pouco grande, não? — Ri. — Sem chances de um
dia eu ir para cama com você. — Ele não precisava saber que esteve nas
minhas fantasias mais profundas desde que o vi no hospital, isso era só para
mim. Evitei pensar nisso, pois o cara era bem observador.
— Eu duvido. — Demonstrava confiança.
Bufei.
— Por que você não chama uma das mulheres que estavam aqui? —
Tentei não corar ao imaginar ele dando conta das duas de uma vez só. Um
ménage. Isso soaria interessante para os livros que gostava de escrever.
Talvez eu fizesse uma história desse gato loiro com olhos cor de whisky.
— Ficou maluca? — quase gritou, e o vi estremecendo. — Eu não
repito a dose, como já disse, além disso, preciso me manter sem sexo, e com
elas ou outra garota fácil vai ser difícil conseguir. Sam até pretendia me
arrumar sua amiga, só que com essa seria impossível resistir, como o canto
da sereia. Isso é justamente o que ela quer, mas...
— Mas comigo você não teria esse problema de transar uma vez, que
dirá meses, não é? — Tentei não me desapontar com isso, era melhor assim.
Caso ficasse com esse homem lindo, seria chutada para fora de sua casa no
dia seguinte.
— Por isso a escolhi. — Ele me olhou. — Quando apareceu ali na
porta da cozinha — gesticulou para o recinto —, logo soube que seria você.
— Por quê? — Franzi o cenho.
— Porque assim estarei seguro. Não fico com garotas virgens, não é a
minha praia. E você não vai tentar me seduzir durante a noite.
Fiz uma careta.
— Nisso concordamos — falei e depois retruquei: — Quem disse que
eu sou virgem?
— Essa cor vermelha que aparece em seu rosto sempre que ouve a
palavra “sexo”. Sinto o cheiro de virgens de longe.
Bastardo.
— Você é tão...
— Charmoso?
Eu revirei os olhos. Estava pensando em “convencido”, mas deixei
quieto.
— Quer dizer que minha pureza estará segura nas mãos de um playboy?
— Eu não sou um playboy.
— Não? Que seja! No que o nosso relacionamento se basearia? Se por
acaso eu aceitasse, como seria?
Seu belo rosto anguloso, de nariz reto e perfeito, me encarava. Agora
ele estava com alguma esperança de que eu fosse aceitá-lo.
— Você virá morar aqui por todo o tempo que ficarmos juntos e não vai
trabalhar de doméstica de novo. — Ele suspirou.
— O que há de errado em trabalhar de doméstica? É um emprego
honrado como outro qualquer.
Acho que ele notou meu tom de crítica, porque logo se apressou em
explicar:
— Não estou dizendo isso para desmerecer o seu serviço, e sim porque
a mídia descobriria e seria um alvoroço. Eles começariam a falar: “Se você
tem dinheiro, por que não dá uma vida melhor para sua namorada?”, coisas
deste tipo.
Após avaliá-lo, confirmei que estava sendo sincero.
— Tudo bem, mas não posso largar o meu trabalho, preciso dele.
— Você terá um milhão, pode fazer o que quiser com isso.
— Não, eu não vou aceitar um milhão. — Estremeci com a ideia de
dispor de tanto dinheiro.
— Eu dobro para dois milhões — soltou, sem nem mesmo pensar.
Ofeguei de pavor e pesar.
— O quê?
— Já falei, prefiro dar todo o meu dinheiro a ir a um baile. — Ele não
parecia mesmo preocupado com a quantia, e sim comigo não aceitando sua
oferta. O cara era estranho, o que havia de errado com um baile?
Respirei fundo.
— O que eu quis dizer é que eu vou aceitar vinte e cinco mil, e não esse
valor todo que você disse.
Sua testa se franziu.
— Por que pedir uma quantia tão inferior a que eu ofereci?
— Só vou aceitar porque preciso desse valor exato. Se eu ganhasse
tudo que propôs, me sentiria suja.
— Não vamos transar, já disse.
— Eu sei, mas eu apenas sou assim. — Dei de ombros. — Se você
concordar em me dar os vinte e cinco mil, eu aceito. Mas não posso deixar
meu trabalho, preciso dele. Não vou ser sustentada por ninguém.
— Eu não vou sustentá-la, pode ficar tranquila. — Colocou a mão no
queixo, pensativo.
— Então, o que vamos fazer? — perguntei. — Tenho de trabalhar em
alguma coisa.
— Vou conseguir um emprego para você — disse ele. Comecei a
discordar, mas o homem falou antes. — Não temos escolha. E você também
precisa de um carro, não pode andar de ônibus por aí. Namorar um famoso
tem seu lado chato.
— Não tenho dinheiro para comprar um carro.
— Se pegasse o valor que eu quero lhe dar, teria.
— Não, desejo a quantia que pedi, e já tenho planos para ela que não
envolvem comprar um automóvel.
Ele suspirou.
— Certo, posso te emprestar um carro meu.
— Não acho que eu ficaria bem em uma Ferrari — murmurei.
Sorriu de um jeito cálido.
— Oh, sim, seria o anjo mais perfeito do mundo.
Revirei os olhos com a palavra “anjo”. “Estou longe de ser um”,
pensei.
— Eu aceito, mas o carro tem de ser de acordo com o salário que eu
vou receber, não posso ter um Porsche sendo que, nem se eu trabalhasse a
minha vida inteira, não conseguiria comprar um. — Mordi os lábios. —
Todos saberiam que é seu, e não quero ser acusada de oportunista —
funguei. — Posso ser pobre, mas tenho orgulho do meu nome limpo, espero
continuar assim.
— Você que sabe. — Ele parecia querer fazer o que pedi, assim eu não
desistiria. — E onde vive?
— No Bronx. Sobre isso, não posso morar com você. — Olhei ao
redor, para o apartamento grande e com poucos móveis, apenas dois sofás,
um de três lugares, outro na forma de L, uma estante vazia.
Ele bufou.
— Você não moraria aqui. Seria em minha casa, lá tem quartos...
— Não é esse o problema. — Eu o cortei. Não estava a fim de falar
sobre Shane e Lira, afinal, isso não era da conta dele. — Nós só vamos
namorar e não casar, então não precisamos morar juntos.
Ele aquiesceu.
— Casamento não é minha praia. — Piscou para mim. — Sou um
pássaro livre, não quero ficar preso em uma gaiola.
— Casamento para mim é precioso e sagrado. Inclusive, pretendo me
casar vestida de branco em uma igreja e passar a lua de mel em Santa
Bárbara, embora fosse adorar conhecer o Rio de Janeiro. Ouvi dizer que é
uma cidade linda.
Arqueou as sobrancelhas bem alinhadas.
— Por que não o Caribe ou o Havaí? Enfim, Santa Bárbara e Rio de
Janeiro também são belíssimos.
— Porque esses outros dois lugares são mais caros. Com certeza, meu
futuro marido não terá dinheiro para irmos a eles — falei sinceramente.
Engasgou.
— Você tem um noivo?
Eu o olhei ultrajada.
— É claro que não! Se eu tivesse um namorado, não aceitaria sua
proposta. — Suspirei, mirando a vista para a cidade. — Mas sonhar não
custa nada.
Ele riu, provocante.
— É bom saber que você sonha com um príncipe encantado montado
em um cavalo e uma casa com cerca branca.
— Como sabe que esse é o meu sonho? — Sorri, ignorando seu
sarcasmo.
O homem sacudiu a cabeça loira e me olhou de soslaio com um sorriso
devastador, o que levou todo o meu autocontrole. Quase desmaiei com
tamanha beleza.
— Definitivamente, você é outra coisa. — Ele não tirava os olhos da
minha boca e das minhas íris negras, como se quisesse mergulhar dentro
delas.
Eu o ignorei e perguntei:
— Em que serviço eu vou trabalhar? Não posso ficar parada.
— Você terminou seus estudos? — indagou, pegando a garrafa de
whisky e enchendo o copo. — Ou fez algum curso?
— Não pude terminar a faculdade... Parei no meio. E fazia um curso,
mas também tive de parar. — Minha voz estava trêmula no final.
— Por que não concluiu? — Curioso, tomava a bebida da cor de seus
olhos.
Dei de ombros.
— Aconteceram algumas coisas... Bom, não deu para finalizar. — Foi
nessa época que meus pais morreram e eu tive de sair da faculdade para
trabalhar e cuidar de Shane e Lira.
Ele assentiu com o cenho franzindo.
— Você sabe mexer com computador? — perguntou.
— É claro que sei — declarei, animada. — Faço resenhas de livros
todas as noites no meu blog.
Arregalou os olhos.
— Você tem um blog? — perguntou. Percebi que ele parou de beber
para me fitar, esperando a minha resposta.
— Sim — confirmei. — “Livros do coração”.
— Então você gosta de ler. — Não era bem uma pergunta, e sim uma
afirmação. Afinal, se fazia resenhas, deveria gostar de ler.
— Sim — respondi. — É uma paixão. Estava me formando em
Literatura.
Ele assentiu, impressionado.
— Acho que já sei qual é o trabalho certo para você — relatou. — Me
dê seu telefone para eu te ligar — pediu.
— Certo, mas que trabalho é? — inquiri.
— É surpresa. — Sorriu de um jeito maroto. — Amanhã você saberá.
Eu me levantei.
— Só espero que não seja em uma boate ou algo assim — ameacei-o
com veemência —, senão cortarei as suas bolas e darei aos porcos.
Ele se levantou, colocou o copo na mesinha de vidro de centro e se
aproximou de mim.
— Anjo — a palavra deixou seus lábios de modo doce como mel —,
meu corpo é perfeito demais para ser jogado aos porcos. — Passou a mão
direita em seu peito nu e sexy; não olhei, ou perderia o fio da meada.
— Cuidado com o ego — retruquei —, ele causa cegueira.
Seu sorriso era ofuscante.
— Duvido disso! — Estendeu o braço direito para mim. — Então,
fechado?
— Sim. — Apertei a sua mão e soltei-a após sentir uma corrente
elétrica atravessar meu corpo. — Diga-me uma coisa.
— Sim...? — Ele parecia distraído, olhando meus olhos. Por qual
motivo seu olhar intenso me queimava?
— Você disse que é irmão do Lucky...
— Sim. — Seus olhos se estreitaram. — Você o conhece?
— Não... Bom, já o vi — esclareci. — A esposa dele estava perdendo
o filho, então eu doei o meu sangue para ela, já que eles não tinham o nosso
tipo lá, no momento. Ela e a criança se curaram?
— Sim. Os dois estão bem. É com ela que fiz a aposta. Você foi bem
generosa com o que fez naquele dia.
— É o mínimo que qualquer um faria — sussurrei. — Não podia deixar
de ajudar uma pessoa que precisava. — Sorri. — Estou feliz que ela esteja
bem.
— Por que não me disse seu nome naquele dia, quando perguntei, no
hospital?
— Por que eu haveria de dizer? — Pelo menos ele se lembrou de mim.
Encolheu os ombros.
— Não sei, mas você me ignorou como se eu não existisse...
Eu ri.
— Deixa-me adivinhar, isso nunca aconteceu antes com você?
— Levei um fora da minha cunhada antes dela conhecer meu irmão, mas
foi só ela em toda minha vida — revelou.
— Mulher sábia, sua cunhada.
Revirou os olhos.
— Nos vemos amanhã? Eu te ligo. — Ele pegou um molho de chaves no
bolso da calça, tirou uma preta e me deu. — Aqui está a chave do carro que
deixei na garagem, lá embaixo. É só apertar o alarme que descobrirá qual é.
— Okay — aquiesci. — Você nem perguntou o meu nome. Como pode
confiar em mim a ponto de saber que não levarei seu carro para longe?
— Seu nome é Angel, e eu sei que se me roubar e me enganar,
conseguiria achá-la...
— Meu nome é Angelina, não Angel — corrigi.
Ele curvou a cabeça de lado.
— Angel combina mais, porque você não tem nada de “pequeno anjo”.
É um anjo em tamanho real. — Piscou para mim, ignorando meus olhos
arregalados por ele conhecer o significado do meu nome. — E não há lugar
onde possa se esconder de mim.
Ri em um misto de nervosismo e espanto. Como sabia o meu nome, se
não o disse a ele? Decerto ligou para o setor de recursos humanos do hotel,
era a única explicação plausível.
— Você está parecendo um cara da máfia ou algo assim. — Ergui as
minhas sobrancelhas. — É algo do tipo?
Revirou os olhos de novo, mas percebi que segurava um sorriso. Por
que se tornava tão mais lindo quando sorria? Devia ser considerado um
crime ele sorrir assim.
— Oh, Anjo! — Esta foi a sua resposta.
Pude ver que ele não era mafioso, apenas cheio da grana e com um ego
muito grande, embora realmente fosse tudo de maravilhoso e muito mais.
Para piorar, tinha aquele sorriso libidinoso. Isso deixava as minhas pernas
bambas.
— O que devo vestir nessa entrevista amanhã? — indaguei, mudando
de assunto, e também querendo saber onde trabalharia no dia seguinte.
— Hummm... — Ele me fitou de corpo inteiro, parecendo tirar as
minhas medidas. Vestia calça e blusa largas, logo, escondia bem minhas
curvas. — Pode ser um vestido, uma saia, ou algo assim.
— Bom, Ryan...
Sorriu como se ganhasse na loteria.
— Você sabe meu nome. — Pareceu impressionado.
— Está em sua corrente. — Apontei para o colar de ouro trançado em
seu pescoço. Além disso, vira na foto em seu outro apartamento, mas não
disse nada.
— Então você estava olhando meu peito nu? — Ergueu as sobrancelhas,
chegando perto de mim enquanto falava. Eu me afastei para trás até bater as
minhas costas na parede ao lado da porta de saída. — Anjo... — sussurrou
tão próximo que senti seu hálito de whisky banhar meu rosto.
— Não me chame assim — pedi com a voz fraca, mas com alguma
compostura. Eu o empurrei para longe. — Fique distante de mim. Nós
somente fingiremos namorar, sem toques.
Ele cruzou os braços.
— Vamos ter de nos tocar na frente das câmeras.
Encarei-o com o cenho franzido.
— Por que eu teria de aparecer na frente das câmeras com você?
— Anjo... — Grunhi, contudo, ele me ignorou, e continuou com uma
paciência exagerada. — Frequentaremos coquetéis e festas após os desfiles
de moda, necessitarei de você ao meu lado, já que é a minha namorada.
— Tudo bem, mas só na frente das câmeras, e sem mão boba — adverti.
Ele suspirou.
— Neste final de semana haverá uma festa no clube de um amigo meu.
Nós dois vamos ter de comparecer — disse ele. — Antes, precisamos
aprender mais a respeito um do outro para não dar furo.
— Certo, mas me avise quando, e nós falaremos sobre isso. Até lá,
mantenha distância — alertei.
Ele concordou.
— Irei para o trabalho resolver algumas coisas, depois te ligo.
Trocamos números.
— Quem vai saber dessa nossa situação? Para eu ficar preparada.
— Sam, Jordan, Lucky, Jason e o irmão da Sam, o Bryan.
Eu me encolhi por dentro.
— São muitos — reclamei.
— O que foi? — sondou, preocupado.
— Eles vão achar que sou uma vadia safada pensando em dinheiro...
— Ei, eles não são assim, mas se realmente estiver preocupada,
podemos dizer que você aceitou isso para conseguir um emprego melhor —
sugeriu.
— Eu me sinto como a Julia Roberts em Uma linda mulher, sem a parte
da prostituição.
— Eles sabem que não vamos transar, porque se fizer isso perco a
aposta — sussurrou, tentando me tranquilizar. — Não se preocupe com isso.
— Enquanto nós dois estivermos namorando, de fachada, você vai me
trair às escondidas? — perguntei.
Ele sorriu, jocoso.
— O quê? Está com ciúmes, Anjo?
Bufei.
— Claro que não! Mas não estou a fim de passar por corna na frente
das câmeras e das pessoas. Então é melhor manter suas calças fechadas por
enquanto.
— Você vai me deixar sofrer assim?
Sorri, inabalável.
— Você tem duas mãos, use-as. — Abri a porta para sair. — A gente se
vê amanhã.
Já estava atrasada para o serviço, embora não fosse mais precisar dele.
Só esperava que o trabalho no dia seguinte fosse algo bom para mim.
Antes que eu fechasse a porta, o ouvi arrulhando.
— Sabe o quanto isso é absurdo? Nunca precisei usar as minhas mãos.
Diverti-me com isso e fui embora. Para ele, devia ser horrível ficar
sem sexo, uma vez que vivia de mulher em mulher. Eu não o conhecia bem,
porém, acreditava que me entreteria muito com essa situação.
Quando cheguei ao estacionamento subterrâneo, apertei o botão do
alarme do carro, e um Volvo cinza apitou.
— Nossa! Não acho que meu salário dê para comprar um Volvo —
sussurrei, sozinha em meio ao escuro, a despeito de ser aproximadamente
quatro horas da tarde.
— Garanto que dá sim, e ainda sobra — falou uma voz profunda atrás
de mim.
Um grito saiu da minha garganta e o alarme do carro caiu no chão. O
Volvo começou a apitar. Eu olhei para o Ryan, ali, de pé, com um sorriso no
seu rosto perfeito.
— Droga, Ryan! Você quer me matar do coração?
— Desculpe. — Ele não parecia nada arrependido, aliás, ria da minha
reação. “Bastardo”, pensei. — O que acha que uma pessoa faria com você
em um estacionamento subterrâneo de um hotel como este, cercado de
câmeras?
— As probabilidades são diversas — retruquei, olhando ao redor. —
Já vi muita coisa acontecendo em um estacionamento no CSI.
Ele gargalhou, e sua voz rouca e linda ecoou no lugar, fazendo um som
tanto assustador quanto sexy.
— Você tem muita imaginação, hein? — Pegou o controle do chão e
desligou o alarme que soava estridente.
— Não. Só sou precavida — retorqui, olhando o seu carro. — Com o
salário que vou receber vai dar para comprar um Volvo?
— Oh, sim, com certeza, não se preocupe — tranquilizou-me,
entregando a chave que caiu na hora do susto. — Ninguém vai suspeitar que
é meu.
— Bom, então qual desses é o seu? — Ali só havia Ferraris, Porsches e
outros carros que eu não conhecia. Eu me virei e fitei seus olhos, que
estavam brilhantes.
Ele sorriu.
— Aquele — apontou para um Bugatti Veyron preto.
— U-a-u! Por dentro deve ser bastante confortável — murmurei comigo
mesma.
— Você não imagina o quanto. — Seu tom era malicioso. — O banco é
ótimo, dá até para fazer...
— Pelo amor de Deus! É melhor não terminar — soltei em repulsa. —
Vá logo.
Quando me virei para ir embora, ouvi um bip não muito longe, alto o
suficiente para me assustar e pular direto nos braços de Ryan. Sentia seus
músculos fortes através da camiseta que ele usava. O desejo de passar as
mãos por aquele bíceps sarados era grande, tive de me controlar para não
fazer besteira.
Seus braços esguios, mas fortes, me seguraram pela cintura.
— Acho melhor você parar de assistir ao CSI. Ou talvez só esteja louca
para cair nos meus braços — murmurou num tom cálido, com sua boca
matadora perto do meu ouvido. Meu corpo inteiro parecia ter sido tocado
por um fio desencapado.
Arfei e me afastei dele, como se o homem estivesse me empurrado.
Encarei-o, amarga, mas podia sentir que meu rosto estava vermelho.
— Eu só me assustei.
— E correu direto para mim? — Riu de um jeito matreiro. — Espero
que você se assuste mais vezes na minha companhia.
— Cale-se — rosnei. — Já vou, e me ligue se precisar de algo.
— Posso precisar de você à noite para manter a minha cama aquecida
— provocou. Lancei a ele um olhar mortal. — Desculpe, mas eu gosto de
vê-la assim. — Fitava minha face corada. — Você fica mais linda.
— Assim como? — perguntei, embora já soubesse a resposta.
— Vermelha. Tanto de vergonha quanto de raiva. — Tocou meu rosto
com os dedos cálidos. — Fica tão linda, Anjo!
Dei um safanão em suas mãos.
— Sem toques, esqueceu? — Minha voz falhou com o meu corpo
entrando em curto circuito por causa do toque dele.
Levantou as sobrancelhas na forma de V.
— Foi você que se atirou em meus braços agora há pouco.
— Você é tão... — as palavras fugiram.
— Gostoso? Lindo? — completou. Não era isso que eu estava
pensando, todavia, não deixava de ser verdade.
Revirei os olhos.
— Não permita que o seu ego te engula — alertei enquanto entrava no
carro e ligava-o. Por sorte, andava com todos os meus documentos, até
minha habilitação. Depois, olhei para ele. — A gente se vê.
— Pode apostar que sim, Anjo — garantiu com um tom libertino.
Bufei e deixei passar o apelido, não adiantava discutir com ele: sempre
fazia o que queria, aparentemente. Eu só esperava não me arrepender mais
tarde desse acordo que fizemos.
Capítulo 2
Mensagens
ANGELINA
Cheguei à escola para pegar Lira e Shane mais cedo. Queria passar um
tempinho com eles, já que não precisaria trabalhar naquele dia. Lira sorriu
para mim, e seus olhinhos azuis se arregalaram assim que viu o automóvel
novo que eu dirigia.
— Você comprou um carro, Angie? — animou-se.
— Não, meu anjinho, é só emprestado de um amigo — respondi ao
entrarmos no veículo.
Passamos a tarde inteira no parquinho perto de casa. Este era um dos
meus momentos mais alegres, ficar com meus irmãos e poder assistir à
felicidade dos dois amores da minha vida.
Chegamos por volta das seis horas da tarde ao meu apartamento. Ele
era bem pequeno, mas aconchegante. Na sala havia dois sofás velhos, mas
conservados, um de três lugares e um sofá-cama. O de três assentos ficava
escorado na parede central, com o sofá-cama ao seu lado. De frente para os
dois, se encontrava uma mesinha de madeira e uma estante com uma TV
pequena, onde Shane e Lira assistiam aos seus programas preferidos, e eu, às
vezes, via CSI Nova York.
— Vão tomar banho e se preparar para jantar — pedi à Lira e ao Shane.
Foram para o seu quarto, que se localizava diante do meu. Como só
tínhamos dois quartos, dividiam o mesmo. Quando meus pais morreram, nós
já morávamos aqui neste apartamento. Eles — Amélia e Lorenzo —
pensavam em comprar uma casa maior, que comportasse todos nós — Shane,
eu e Lira, que estava a caminho. Eu podia ter várias lembranças dolorosas
neste lugar, mas também tinha várias memórias boas, que me traziam muita
felicidade, como mamãe na cozinha fazendo jantar para nós e para o papai.
Ela era linda, com seus cabelos negros e olhos azuis, similares aos de Lira.
Dava para entender por que papai se apaixonou por ela à primeira vista. Já
eu e Shane puxamos à cor de olhos do papai, e os cabelos da mamãe.
Lorenzo também era lindo, um loiro formoso de íris negras. Lembro-me dele
chegando do trabalho, beijando cada um dos seus filhos, e depois mamãe. A
distância só aumentava mais a dor, mas a morte é algo com que temos de
conviver, não é o que dizem? Por sorte, tinha meus irmãozinhos que tanto
amava.
Esquentei o espaguete com queijo e coloquei na mesa da cozinha. A
minha cozinha era pequena, com uma pia de mármore e um armário branco...
Bem, um dia foi branco. Meu fogão era vermelho e velho, mas bom,
funcionava direito ainda.
— A comida está na mesa, venham jantar — gritei para Shane e Lira.
— Já estamos indo — berrou Shane de volta, logo se encaminhando até
a cozinha. Ele estava vestido com seu pijama do Homem-Aranha. Amava
este personagem, e Lira a Barbie.
— Vou ao apartamento do Johnny, então não abra a porta para ninguém
e, qualquer coisa, grite — pedi a ele, indo para a sala.
Shane me olhava com o cenho franzido.
— Eu protejo a Lira, não se preocupe — disse com convicção. — Sou
o homem da casa.
Ri e beijei seus cabelos molhados com cheiro de shampoo de morango.
— Sei que sim, meu amorzinho. Já volto.
A minha garganta se apertou porque nós dois nascemos com uma
doença no coração. Meu pai também tinha bloqueio atrioventricular total,
usava marca-passo desde os vinte anos, ou seja, um total de vinte e dois anos
com o dispositivo, e era saudável. Se não fosse o acidente de carro há três
anos, ele ainda estaria conosco. A minha doença diferia da de Shane e papai,
eu era cardiopata. Dava graças a Deus por Lira ser saudável.
Bati à porta do apartamento de Johnny e Charles, ao lado do meu. Os
dois se tornaram meus melhores amigos desde que nos mudamos para este
prédio. Eram namorados — cá entre nós, um baita desperdício, porque oh
meu Deus, que homens!
Sorri quando a porta se abriu e Johnny apareceu do outro lado. Tinha
um metro e oitenta, mais ou menos, o mesmo tamanho do Ryan, cabelos
curtos com mechas e olhos verdes sexy. E bota sexy nisso! Seu corpo era
forte e musculoso, vamos dizer que parecia um bad boy. Vestia bermuda
jeans, sem camisa. Eu podia contar os gominhos em sua barriga tanquinho —
um, dois, três, quatro morrinhos de abdômen. Deslumbrante!
— Devia ser considerado um crime você ficar andando por aí assim —
acusei, apontando para seu corpo sarado, repleto de tatuagens coloridas, uma
série de borrões indistinguíveis. Apenas discernia algumas imagens,
números e frases em egípcio, ou algo parecido com isso.
Entrei em seu apartamento. A sala era igual à minha, mas com móveis
mais caros, já que os dois tinham empregos bons. Johnny trabalhava de
segurança em uma boate — chamada Rave, ou coisa assim. Charles atuava
como chef em um restaurante de Manhattan, sendo talentosíssimo com
comidas italianas. Foi com ele que aprendi a fazer espaguete.
Johnny riu, fechando a porta.
— Estou na minha casa, querida, aqui ando até pelado — disse. —
Você que fica cobiçando meu corpo.
Revirei os olhos.
— “Cobiçando” é uma palavra forte, só estou admirando seus bíceps
sarados — esclareci com um sorriso. — Cadê o Charles?
— Estou aqui — falou uma voz rouca atrás de mim.
Eu me virei e quase babei olhando seu corpo. Charles era mais magro,
mas musculoso também, com um corte de cabelo curto (estilo social), íris
ônix, rosto delicado e um pouco largo, e queixo quadrado.
— Vocês dois vão acabar me matando de combustão espontânea,
sabiam? Um está sem camisa — gesticulei para o Johnny, que sorria de lado,
e em seguida para o Charles —, e você, só de toalha.
Charles sacudia a cabeça, divertido.
— Poderíamos fazer um ménage — sugeriu, sentando no sofá na forma
de L e olhando para mim com um sorriso no rosto. Johnny também ostentava
um sorriso de menino perverso.
— Faríamos um excelente trabalho com você — Johnny entrou no jogo.
— Obrigada, mas não. — Ri. — Vocês dois são maus — reclamei, me
sentando perto do Charles.
Ele soltou uma gargalhada e me abraçou, beijando a minha cabeça.
— Oh, Borboleta — disse Charles. Fiz uma careta devido ao apelido;
já não bastava Angie e o recente Anjo, de Ryan. Charles sempre me chamou
assim, devido à minha borboleta desenhada na virilha. Ele nunca a viu
inteira, claro, apenas o pedaço à mostra quando usava short curto.
Johnny sentou do meu outro lado e pegou a minha mão.
— Você vai encontrar o cara certo.
Eu ergui as sobrancelhas.
— E como eu saberia que esse cara chegou ou vai chegar? — Tentei
não pensar no Ryan.
Johnny beijou os dedos da minha mão, subindo pelo meu braço, até se
aproximar dos meus lábios. Fiquei de olhos arregalados mirando sua boca
sexy e suas belas íris. Cara, eu era uma mulher de carne e osso, sujeita a cair
em tentação com esses dois... Mas eu sabia que jamais faria isso.
— Você vai sentir seu coração acelerar forte no peito, como se fosse
sair pela boca. Sua pele vai esquentar, como se estivesse perto de uma
fornalha, sempre que ele chegar perto de você ou apenas te olhar. Seu
estômago parecerá ter mil borboletas dentro.
Engoli em seco.
— Isso tudo talvez com apenas a respiração dele em seu ouvido, ou seu
cheiro másculo e rico — interveio Charles, sussurrando. — Quando se sentir
assim, saberá quem é o cara.
Prendi o ar, não pelos toques deles, mas porque me senti deste modo
mais cedo, ao chegar perto do Ryan. Seu calor era inconfundível, parecia
que incendiaria todo meu corpo e minha alma.
Eu me levantei e olhei para os dois, sentados no sofá, me fitando com
as sobrancelhas erguidas.
— Tem algo que eu quero contar a vocês, mas não sei como começar.
— Minha voz falhou. Será que me achariam uma vadia interesseira?
— Você achou esse cara, não foi? — perguntou Johnny, me mirando de
lado.
— Como ele é? — sondou Charles.
Passei a mão nos cabelos, que estavam num rabo de cavalo bagunçado.
— Vocês se lembram daquele serviço que consegui na semana passada?
No edifício Plaza?
— Não vai me dizer que o cara é de lá? — indagou Charles, de olhos
arregalados.
— Borboleta, caras daquele mundo só querem uma coisa de garotas
doces como você: — falou Johnny — entrar em sua calcinha e depois largá-
la.
— Não é sobre isso.
Contei aos dois o que aconteceu no apartamento do Ryan.
— Ryan Donovan? — interrompeu Johnny, chocado.
— Você o conhece?
— Quem não conhece o cara? — replicou e depois suspirou. — Você
sabe, ele tem uma grande fama de mulherengo. Cada dia com uma garota
diferente.
— Eu sei — funguei —, mas e quanto ao dinheiro, acham que sou uma
vadia por aceitar?
Charles se levantou e veio até mim.
— Não, você não é nenhuma vagabunda interesseira, Angie, apenas
precisa do dinheiro para cuidar do seu irmão. — Ele me abraçou forte. —
Fizemos uma vaquinha e juntamos esse valor para você.
Eu me afastei dele.
— Vocês fizeram isso para mim? — Chorei, comovida, olhando de um
para o outro.
— É claro que fizemos. — Johnny também me abraçou. — Você é nossa
irmãzinha linda, Borboleta.
Eu os beijei no rosto.
— Vocês dois sãos os melhores amigos do mundo. — Sorri, me
afastando deles. — Não há nada que não façam por mim, não é?
— Oh, Borboleta, se você precisasse de um transplante de rins, daria
um dos meus... — disse Charles.
Johnny assentiu.
— Eu também, tudo para vê-la feliz — falava sério. Não sabia o que
fizera para merecer amigos iguais a esses dois.
Limpei as lágrimas com as costas das mãos.
— Estão me fazendo chorar — sussurrei, comovida. — Amo vocês
como os irmãos mais velhos que nunca tive.
— Também amamos você, Borboleta — declarou Charles com fervor.
— Então você vai voltar atrás com o riquinho? — sondou Johnny,
avaliando meu rosto.
— Não posso, prometi a ele. — Ri. — Acreditam que ele estava
disposto a dar dois milhões para eu ser sua namorada, só para não ir a um
baile?
Charles arregalou os olhos, descrente.
— Sério?
— Sim, mas eu não podia aceitar, me sentiria suja caso pegasse esse
dinheiro todo — suspirei. — E agora... Não posso deixar ele na mão.
Só de imaginar não o vendo mais, me sentia vazia, sem ar em meus
pulmões, com o coração batendo descompassado ao mesmo tempo. Era
estranho, porque acabara de conhecê-lo. Esperava que minhas fantasias não
se excedessem tanto, porque eram aquilo: apenas fantasias, jamais poderiam
se tornar realidade, mesmo tendo agora um contato mais próximo, após um
mês sonhando com ele, e percebendo que de príncipe não tinha nada.
— Oh, o que significa essa pontada de dor em sua voz? — observou
Charles me olhando de lado.
Eu me encolhi.
— Não é nada — menti.
Ele não caiu nessa.
— Você não consegue se imaginar ficando longe dele, não é? — Estava
preocupado comigo.
— Prometi a ele que o ajudaria. Sei que é um risco, afinal, ele está
cumprindo uma aposta ao namorar comigo. — Dei de ombros. — Claro que
o cara jamais sentiria algo por mim, estando cercado por modelos lindas.
— Você já se olhou no espelho? — retrucou Johnny. — Borboleta, você
é maravilhosa. Se um dia eu deixasse de gostar de homens, você seria a
única mulher com quem ficaria.
Ri, agradecida.
— Vai dar tudo certo, mas agora vou embora, ver o que os meninos
estão fazendo. — Aproximei-me deles e abracei um de cada vez.
— Se precisar de nós, é só chamar — disse Charles.
— Se o trabalho novo que ele arranjou for algo indecente, me avise que
dou um jeito nisso — garantiu Johnny.
— Acho que não é nada indecente, isso mancharia a sua imagem —
tranquilizei-os. — Boa noite aos dois.
— Boa noite, Borboleta — disseram em uníssono quando fui em
direção à porta. Após, Johnny falou sozinho: — Tome cuidado, Angie, não
quero ver a minha menina com o coração partido por causa desse homem.
Ele tem “destruidor de corações” escrito no rosto.
Meu coração martelava nas costelas, com medo de que eu viesse a me
apaixonar. Ryan definitivamente tinha o poder de estraçalhar sentimentos, tal
qual dissera Johnny. Contudo, não seria correto deixá-lo na mão, se eu
conseguia ajudá-lo.
Cheguei em casa e coloquei Shane e Lira para dormir. Fui para o meu
quarto tomar banho e checar que roupa usaria no dia seguinte em minha
entrevista, mesmo não sabendo bem que serviço era. Isso estava acabando
com os meus nervos. Não queria algo sexy, mas também não vestiria nada
feio. Por sorte, tinha a minha saia social rosa que combinaria com uma blusa
branca e um terninho por cima. O conjunto ficaria bem independente do
emprego.
Depois de jantar, fui direto para o meu quarto torcer para dar tudo certo
na entrevista. Estava quase dormindo quando ouvi o bip de uma mensagem.
Ao ler de quem era, não acreditei no que via. Talvez tivesse dormido e
sonhasse, só isso explicaria ele estar mandando uma mensagem para mim.
Eu: Não, mas estou surpresa que o homem mais popular entre as
mulheres esteja mandando mensagem para uma garota simples como eu.
Ryan: Vejo que pesquisou sobre mim. E você não tem nada de
simples, Anjo.
Eu: Oh, eu precisava ver onde me meteria com um cara igual a você.
Ryan: “Meteria” é uma palavra boa.
Aposto que ele riu ao escrever essa frase.
Ele ficou tanto tempo sem responder que pensei ter desistido. Então o
celular bipou com um novo alerta.
Enviou outra antes que eu falasse algo sobre sua forma horrível de
tratar as mulheres.
Ryan: Acho que eu preciso abrir seus olhos e mostrar a beleza que
você tem.
Eu: Sou o que sou, Ryan, e nada mudará isso.
Ryan: Veremos, Anjo.
Escrevi esse final e enviei para provocá-lo. Ele não disse nada por
algum tempo, fiquei preocupada.
Ryan: Não, mas isso foi a coisa mais sexy que já li em uma
mensagem.
Arregalei os olhos.
Ryan: Mas depois do que disse, posso fantasiar com você sem
calcinha e de camiseta.
Arfei, corando. Ainda bem que ele não estava ali para ver meu rosto e
meu corpo vermelho, em fogo devido ao seu comentário.
Eu: Sim. Desculpe. Acho que vamos ter um problema com isso...
Ryan: O quê? Você voltou atrás?
Eu: Não, mas eu nunca... beijei ninguém antes.
O que isso significava? Será que estava louco para me beijar, tanto
quanto eu desejava sua boca saborosa? Algo me dizia que ela teria gosto de
framboesa, e eu adorava este fruto.
Meu coração pulava sempre que ele me chamava de Anjo. Não devia
gostar disso, mas eu gostava, e muito. Não tinha a menor chance com um
homem igual a ele. Ryan ficava com mulheres diferentes a cada dia, fora a
parte dele ser rico e eu não. Como competiria com seu estilo de vida repleto
de modelos perfeitas? Patinhos feios não se tornam princesas. Era melhor eu
continuar a esperar o meu príncipe montado em um cavalo branco. Talvez
ele não demorasse a aparecer, certo?
Capítulo 3
Minha namorada
RYAN
Fiquei olhando o carro da garota sair do estacionamento, já me sentindo
vazio por estar longe dela. Quando a vi naquele dia, no hospital em Trenton,
Nova Jersey, devo admitir que fiquei pensando nela por semanas — não sei
se por sua beleza e inocência, ou pelo fato da menina me ignorar. Tentei
parar com isso, focar em outra coisa, mas não adiantou de nada. Um mês
depois, a reencontrei no meu apartamento.
Conversando com ela, notava sua beleza tanto por dentro quanto por
fora. Meu Deus! O que era aquilo? Um anjo lindo que apareceu em minha
vida. Esta frase dizia tudo. A mulher tinha uma doçura que gritava para mim,
fora a parte dela ser uma maldita Afrodite. Pele branca, mas um pouco
queimada do sol, perfeita sem qualquer maquiagem e outros produtos de
beleza... Cabelos negros e anelados como ondas do mar, sempre presos num
rabo de cavalo. Olhos escuros como a noite, e uma boca era matadora.
Não acreditava que estava sonhando com uma mulher que acabara de
conhecer. Bom, já a encontrara no mês anterior, porém, naquele dia nós nem
nos falamos direito. Nenhuma garota nunca me fez sentir nada parecido com
isso. Eu a queria tanto que chegava a doer. Já estive com muitas, mas para
nada além de sexo. A menina, no entanto, era doce, meiga e especial, uma
joia preciosa a ser guardada e querida. Nossa! Devia ser considerado um
crime eu desejá-la com tamanha intensidade. Precisava me manter a
quilômetros de distância dela e de sua inocência, que gritava para mim como
uma gralha maldita.
A pior coisa que podia acontecer, aconteceu: virarmos namorados.
Quase ri da palavra “namorados”, nunca pensei ser possível para mim. “Mas
isso tudo é por causa de uma aposta”, dizia a mim mesmo. Lá no fundo, sabia
que significava mais, e isso me assustava. Vê-la de novo mudou algo dentro
de mim, ainda não sabia bem o quê. Não gostei.
Cheguei por volta das quatro e meia em minha empresa, a Fashion
Donovan. O prédio onde funcionava tinha trinta andares; a minha sala ficava
no último. Não fui trabalhar mais cedo, pois dormi tarde na noite anterior,
após um coquetel na casa do meu estilista. Logo depois vieram as entrevistas
e tudo desandou com as perguntas sobre meus pais... Não conseguiria
adormecer nem que eu quisesse, porque a dor e os pesadelos estavam ali, me
fazendo companhia.
— Pierre está esperando você para o ensaio das modelos — disse
Sandy, a minha secretária.
Sandy era uma mulher linda. Loira de olhos azuis, corpo curvilíneo e
com pernas longas. Transei com ela logo que a contratei; era claro que ela
queria mais. Foi quando dei o ultimato: trabalhar aqui sem insistir nesta
ideia ou ser demitida. Eu não repetia a dose. Agora ela era toda profissional,
embora, às vezes, via alguns botões de sua camisa abertos, mostrando um
pouco do seu decote. Eu não ligava; depois de passar uma noite com alguém,
acabava a graça. Sim, era egoísta, contudo, não pretendia mudar, mesmo com
Angelina dominando a porra da minha mente.
— Obrigado, depois falo com ele. — Entrei na minha sala. — Ligue
para o Daniel Luxem e transfira para mim — solicitei.
Eu não era rude com meus funcionários igual ao meu irmão — Lucky
tinha um jeito distorcido de tratar as pessoas. Felizmente, Sam estava o
colocando na linha. Eu gostava disso. Já passara da hora dele virar
“humano” de novo. Lucky teve uma vida difícil quando criança, sua mãe o
deixou para morrer... Se é que se pode chamar aquilo de mãe. Uma cachorra
de rua era mais mãe do que ela foi um dia, mulher desalmada que tenta matar
seu filho, e anos depois rouba dele milhões em um golpe... No mês passado,
Lucky soube que Kevin, seu ex-funcionário, era quem estava extorquindo ele
junto com a sua mãe. Por sorte, ela fora presa, e esperava que ficasse lá por
muitos anos.
O bastardo do Kevin, filho adotivo dessa desalmada, teve uma vida de
luxo e grana, ao contrário do meu irmão, que ela largou no meio do nada.
Meu pai salvou Lucky ainda criança.
Meu corpo doía tanto que fiquei sem fôlego, tudo por lembrar do meu
pai. Era nessas horas que eu bebia e ficava com mulheres, para ver se
aliviava a dor de perdê-los... Claro, a angústia nunca ia embora, apenas
ficava dormente por pouco tempo, e voltava com força total, como um
tsunami. Meus pais faleceram em um acidente de carro, quando eu tinha
dezesseis anos e, mesmo agora, com vinte e seis, o sofrimento continuava
forte demais para suportar.
Depois de rever a mulher linda na qual fiquei semanas pensando, a dor
parecia mais fraca, não tão grande como na noite anterior, aturando uma
entrevista em que tive de falar sobre os meus pais; por isso fiquei com
aquelas duas loiras. Não adiantou. A cura foi reencontrá-la, a garota de
olhos negros que brilham como a lua no céu. Ainda doía, claro, mas não
igual a antes. Eu só não entendia o porquê disso, por que estava reagindo
assim a ela.
— Sim, já vou fazer isso — respondeu Sandy, saindo da sala, me
tirando dos meus pensamentos.
O escritório era simples, com uma mesa grande de vidro e vista para a
cidade que tanto amo, Manhattan, onde nasci e fui criado. A parede central
tinha cor creme e, o resto, fora feito de vidro de cima a baixo. Um quadro
enorme da minha irmã Rayla em um desfile de moda em Moscou enfeitava o
ambiente. Ela era alta e tinha corpo curvilíneo. Seus cabelos loiros
platinados estavam soltos e caíam sobre as costas. Minha irmã era a única
mulher de quem exibia fotos em meu serviço e em minha casa, por ser
igualmente a única que amo e amarei para sempre. Bom, também a minha
mãe, claro. Mas ver as fotos de minha mãe me machucava, por isso as
deixava guardadas.
Rayla era modelo há anos, desfilava para mim sempre que podia. Para
a minha tristeza, logo se casaria com o bastardo do Alex, dono da boate
Rave. Os dois sofreram uma separação alguns meses atrás por causa de
Lucky, porém, reataram o relacionamento. Eu torcia por eles, a despeito de
tudo. Queria a felicidade da minha irmã, ela merecia.
Olhando ao redor da minha sala espaçosa, com sofá marrom arrastado
para o lado da parede à direita, me sentei na cadeira de estofado preto e
olhei a vista dos prédios à frente, e também o rio Hudson, um pouco longe da
Fifth Avenue, onde minha empresa se localizava. Dava para enxergá-lo
mesmo assim — do meu escritório, ao menos.
“O que será que a Anjo está fazendo agora? Será que ela está pensando
em mim?”. Sacudi a cabeça, tentando mudar meu foco.
— Como você é estúpido — falei comigo mesmo.
De repente, o telefone tocou. Peguei-o, colocando no ouvido.
— O que foi, Sandy?
— O senhor Luxem na linha dois — respondeu ela. — Vou passar a
ligação.
— Olá, Daniel.
— Ryan, quanto tempo.
Revirei os olhos. Daniel era dono da Editora Luxem, herdada do seu
pai, Michael Luxem, que morreu ano passado de câncer nos pulmões. Por ser
meu amigo desde a escola, com certeza me ajudaria a colocar minha
namorada dentro de sua empresa. “Minha namorada?”. Devia estar louco
pensando nisso como se fosse verdade.
— Nos vimos na semana passada, lembra? — Estive com ele na Rave e
ficamos com uma garota cujo nome não recordava. Foi um ménage incrível.
Ou eu achara incrível antes da Angel entrar em minha vida e bagunçar minha
cabeça. Agora, não sentia vontade de nada similar àquilo.
Ele riu.
— É verdade — disse, lembrando. — Vamos sair neste fim de semana?
Tenho duas gatas que entraram para trabalhar aqui. — Seu tom de voz
demonstrava animação com a ideia de pegar essas meninas.
Suspirei. Poderia ficar com elas sem ninguém saber, mas não faria isso
com minha namorada, ela merecia respeito. Fora a parte de não querer outra
mulher, porque não conseguia tirá-la da minha cabeça. Porra! Estava
amaldiçoado.
— Vou passar...
— O quê? — me interrompeu, chocado. — Desde quando você
dispensa uma mulher?
— Desde que iniciei meu namoro — declarei.
Desta vez, o idiota gargalhou tão alto que tive de afastar o telefone do
meu ouvido.
— Acho que estou ouvindo coisas — falou, depois se calou por um
minuto. Com riso na sua voz, prosseguiu: — Você bebeu?
— Quer ficar quieto e ouvir, idiota? — rosnei com os dentes cerrados.
Ele suspirou.
— Certo, vá em frente, meu amigo. — Pude perceber que ele estava se
segurando para não gargalhar novamente.
“Bastardo”, xinguei em pensamento.
— Eu te liguei para você conseguir um trabalho aí na editora para uma
pessoa... — Coloquei os cotovelos na mesa e a mão direita no meu cabelo.
Ficou em silêncio durante um segundo.
— Vamos por partes — murmurou. — Quem é essa pessoa?
Respirei fundo.
— Seu nome é Angelina Mary Stone, ela é a minha namorada. — Senti
um gosto bom na minha boca ao dizer a última palavra, querendo que fosse
real, e não apenas atuação. Enquanto a Anjo arrumava meu apartamento,
liguei para o RH do hotel e chequei o nome dela. Lucky e Bryan tentaram
localizá-la depois da doação de sangue, todavia, a mulher sumiu do mapa.
Se não fosse o fato de Sam estar bem, acharia que a imaginei aquele dia no
hospital.
— Sério? — Seu tom era ultrajado. — Por que não a contrata como
modelo?
Não conseguia imaginar Angelina sendo modelo algum dia. Ela, com
sua doçura tímida, não se sentiria bem de lingerie em uma passarela. E só de
imaginar essa possibilidade, me dava vontade de matar qualquer bastardo
que pudesse vir a olhar aquele corpo que eu jurava ser perfeito. Decerto
usava aquelas roupas largas para esconder suas belas curvas.
— Não a quero por aí desfilando em uma passarela, com homens em
volta babando. Além disso, ela ama livros, até tem um blog e faz resenhas.
— Sério? Deixe-me dar uma olhada aqui. Qual é o nome do blog? —
Ouvi ele clicando o mouse e teclando em seu computador.
— Ela mencionou algo como “Livros do coração”.
— Achei... Oh, céus! Ela é linda! Meio nerd, mas linda. Você tem razão
de estar todo raivoso. Pele branca, cabelos pretos anelados, olhos negros...
— Não estou raivoso — sibilei. — Angelina apenas não é para isso.
— As resenhas parecem excelentes. Você sabe se ela já fez algum curso
ou se formou em alguma coisa?
— Iniciou a faculdade de Literatura, mas não chegou a terminar.
— Por quê? — perguntou, curioso.
— Não sei, ela não me disse — respondi. Era verdade, não me contou,
foi propositalmente vaga em relação a isso. Não quis forçar o assunto, com
medo de que a garota mudasse de ideia. — Então, vai arrumar o serviço ou
não?
Ele suspirou.
— Se fosse por mim, daria o trabalho a ela, mas estou vendendo a
minha parte da editora para o Franklin.
— Aquele velho de sessenta anos que vive com mulheres de vinte
penduradas em seu pescoço? — Minha voz saiu alta. Não iria deixá-la perto
daquele homem. Era como jogar um gatinho para um leão faminto. Isso nunca
aconteceria.
— Sei que o cara gosta de mulheres que poderiam ser suas netas, mas
ele já é dono do resto da empresa. — Deu um suspiro longo. — Você sabe,
tenho projetos com corrida de carros, este sempre foi o meu sonho.
O que eu faria? Poderia arrumar algum outro serviço para ela em
qualquer lugar, talvez comigo mesmo, como secretária. Mas ela parecia amar
tanto os livros...
Abri meu computador e busquei por seu blog. Havia tantas publicações
que resenhou, isto era sua paixão. Enxerguei o brilho em seus olhos ao falar
em um vídeo sobre a obra Um amor para recordar. O livro contava a
história de uma garota doce e meiga que se apaixonou por um encrenqueiro;
no final, ela o transformou... Mas a personagem morre com uma doença...
Muito triste. Não sabia o que eu faria se isso acontecesse comigo. A vida
seria realmente uma droga se eu me apaixonasse e, de repente, ela morresse,
então era melhor eu não deixar isso acontecer nunca, não me dava muito bem
com perdas. Concluía isso pelos meus pais.
Podia apostar que ela era louca para encontrar um cara assim e se
apaixonar. Meu estômago deu voltas com isso. O que estava prestes a fazer
contrariava todas minhas ações passadas, em se tratando de uma mulher que
praticamente acabei de conhecer, mas não conseguia parar de pensar nela
nem por um segundo. Merda!
— Cara, você está aí? — chamou Daniel. — Queria poder ajudar,
mas...
Eu o interrompi.
— Você me vende a sua parte da editora?
Ele ofegou, e não era para menos: jamais tomei uma atitude parecida
com esta.
— Sério, cara? Você quer comprar a editora só para essa mulher
trabalhar nela?
Esfreguei meus olhos.
— Eu também quero a parte do Franklin — declarei num tom firme. —
Não há a mais remota possibilidade de eu deixar aquele cara perto dela.
— Não sei se Franklin vai vender sua parte, afinal, ele é sócio do meu
pai há décadas. Além disso, está ansioso para colocar as mãos no negócio
inteiro.
— Mas você não vai vender para ele, e sim para mim, não é? — pedi
apressadamente, não querendo perder a chance. — Pago o dobro do valor
que ele ia dar por ela.
Daniel xingou baixo do outro lado da linha. Supus que o preço era alto,
mas não liguei muito para isso.
— Certo, cara, somos amigos, farei isso por você. — Suspirou. — Mas
ele não vai querer vender a parte dele, vocês serão sócios.
— De jeito nenhum! Ele aceitará minha proposta — rosnei.
Ficou em silêncio um segundo, ponderando o que eu disse.
— Não acho que você tem todo esse poder. — Parecia ter certeza deste
fato.
— Conheço alguém que pode fazê-lo mudar de ideia. — Somente o
Lucky dispunha desta capacidade. E já que era meu irmão, faria o que eu
pedisse.
— O que dirá ao Lucky? — perguntou, sabendo a quem eu me referia.
— Que eu quero investir em algo de valor, como a editora.
Ele riu. Apostaria que o bastardo revirou os olhos.
— Ryan, você nunca leu um livro na vida, como pode comprar uma
editora? E, o pior, como pretende mantê-la funcionando? — troçou.
Funguei.
— Um passo de cada vez. — Passei a mão nos cabelos. — Primeiro,
quero a empresa para ontem, sem aquele bastardo lá quando ela começar a
trabalhar amanhã de manhã.
— Sugiro que Lucky faça um milagre — riu, nada confiante.
— Lucky consegue ter tudo o que quer nesta vida — respondi. Isso era
verdade. Até aquele instante, ele nunca levara um “não” de ninguém, apenas
da Sam, uma vez, quando a conheceu, porque dinheiro não podia comprar
amor.
— Realmente... — concordou.
— Quando será sua próxima corrida? — sondei, tentando pensar em
algo.
— Daqui a três ou quatro meses, mais ou menos — respondeu, confuso.
— Por quê?
— Até lá, você pode ficar como chefe dela? — pedi, quase suplicante.
Ele expirou.
— Farei isso só porque é para você, cara, porque somos amigos há
décadas.
— Você fala isso como se fôssemos velhos.
Daniel riu.
— Ryan, eu tenho vinte e oito anos, e você vinte e seis, não somos mais
tão novos. Agora, falando sério, deixarei meu contrato pronto amanhã, assim
que você chegar com ela aqui na editora.
— Entro em contato quando falar com Lucky.
— Boa sorte, cara, você vai precisar para conseguir o que quer.
— Obrigado.
Desliguei o telefone, peguei meu celular e liguei para o Lucky.
— Espero que seja importante. — Ele atendeu no quarto toque, meio
ofegante.
Eu sacudi a cabeça.
— O que foi? Você estava correndo? — zombei. Ele, com certeza,
transava com a Sam. Esses dois pareciam coelhos. Não era de se estranhar,
com uma mulher daquelas, quem não pareceria? Embora Angel fosse mais
perfeita que qualquer garota que já conheci neste mundo.
— Engraçadinho — rosnou. — Eu já estava indo para a segunda
rodada. Agora me diga o que você quer para eu acompanhar a minha mulher
no banho.
Ri enquanto pegava o whisky e colocava no copo.
— Preciso comprar uma empresa para ontem, e quero que você me
ajude, porque o cara parece não ter a intenção de ceder a parte dele. —
Tomei um gole bem grande da bebida; careceria disso para enfrentar as
perguntas que ele faria a seguir. Lucky não deixaria isso quieto.
— Empresa? Que tipo de empresa? Moda? — sondou, profissional.
Suspirei.
— Não é de moda. — Respirei fundo e soltei a bomba: — É uma
editora.
Ele ficou calado um segundo e depois desatou a rir como uma gralha,
igual ao Daniel. Maldito seja.
— Certo, cadê o meu irmão e o que você fez com ele?
— Rá, rá, é sério — rugi. — Comprarei a editora Luxem, do Daniel, a
parte que era do pai dele, mas preciso da do Franklin também.
— Oh, o velho tarado? Eu já o vi em alguns negócios onde fui. —
Suspirou, resignado. — O que o dinheiro não faz?
— Não quero saber da vida daquele safado, apenas desejo sua parte na
empresa. Preciso que ele assine os papéis da venda.
— Se você quer tanto essa editora, mesmo não conhecendo nada sobre
a área, por que não se torna sócio dele? O cara pode ser mulherengo, mas
sabe administrar uma empresa muito bem...
— Não — cortei-o. — Quero ser o dono dela sozinho, sem ele por
perto! Vai me ajudar ou não?
— Por que está bravo? — indagou, confuso. — Ele te fez alguma
coisa?
Respirei fundo, tentando me acalmar.
— Não. Eu nem o conheço. — Bebi outro gole. — Só preciso que me
ajude sem fazer tantas perguntas.
— Não pode me culpar por querer descobrir o motivo para comprar
uma empresa que não é de seu ramo. Droga, Ryan! Você não entende nada de
editoras, nunca sequer leu um livro. Como pretende fazê-la funcionar sem
falir? — questionou num tom calmo, apesar de eu sentir um toque de
nervosismo ou preocupação em sua voz. — Quando compramos um negócio,
temos que saber tudo sobre ele...
— Estou ciente disso. Contratei alguém que entende e vai gerenciá-la
para mim — blefei. Angelina não poderia, sem treinamento, administrar uma
empresa dessas, porém, Daniel lhe ensinaria. Bom, não custava tentar.
Depois eu falaria com ele sobre isso.
— Essa pessoa é uma mulher? — comentou, incrédulo.
— Quer parar de fazer tantas perguntas e me ajudar a comprar a
editora? — rosnei com os dentes cerrados.
Ele respirou fundo.
— Certo. Vou falar com Franklin, então daqui a algumas horas ele vai
entrar em contato com você para assinar os papéis da venda.
— Você parece confiante.
— Não há dúvidas quanto a isso — respondeu. — Nós só precisamos
encontrar algo contra ele e usar a informação. Só não deixe a Sam saber —
disse bem baixinho, para ela não ouvir.
— Minha boca é um túmulo. Contanto que eu tenha essa empresa em
meu poder, não ligo para mais nada.
— Você vai tê-la ainda esta noite. Jamais aceito “não” como resposta
— sussurrou, rindo. — Apenas da minha Rosa Vermelha... Felizmente, não
durou muito, e agora tenho a minha obra de arte nua no meu banheiro.
— Está me dando algo no que pensar — brinquei. Embora houvesse
uma época em que a desejei... Bem, isso foi antes de saber que Lucky se
apaixonara.
Ele sibilou.
— Faça isso e eu o mato.
Ri, sacudindo a cabeça.
— Como está a segunda lua de mel?
Gargalhou com bom humor.
— Esplêndida! — falou em júbilo. — Não tem como ser mais perfeita
do que isso.
— Quando vocês voltam?
— Semana que vem.
Lucky e Sam estavam em sua segunda lua de mel em sua casa nas
Bahamas. Na primeira, visitaram Aspen. Sam queria minha casa para passar
a ocasião, mas a do Lucky era muito maior. Ela nem desejava viajar, na
verdade, mas meu irmão a convenceu, porque na outra eles levaram Shaw, o
garotinho que os dois adotaram; desta vez, ele ficou com a avó da Sam.
Eu me despedi dele e fui trabalhar. Havia algumas modelos que
contratei para desfilar com a nova coleção de lingerie dali a um mês ou dois
na Flórida — a data não fora definida ainda. Era para eu estar lá no palco,
vendo o ensaio delas, mas mandei o meu estilista, Pierre, e o gerente de
vendas, Roger, irem no meu lugar.
Pierre arregalou os olhos e disse:
— Tem certeza? É um desfile com mulheres lindas e gostosas. Você
nunca perdeu um. — Seu tom aparentava incredulidade. — Talvez você
consiga uma diversão.
Não estava com vontade. Deixaria qualquer decisão necessária em suas
mãos, afinal, ele era o estilista e tinha bom gosto. Seus talentos já me
renderam muito dinheiro, era brilhante.
— Tem certeza que não está doente?
Sacudi a cabeça, sorrindo, e fui embora. Quase ri sozinho depois, por
minha falta de interesse nessas mulheres. Queria culpar a aposta feita com a
Sam, mas sabia que não era isso, porque apenas ela vinha em minha cabeça:
a morena de olhos escuros como a noite e com lábios carnudos em forma de
coração. Naquela boca residiam todos meus pecados; não tinha direito de
desejar algo tão precioso como o meu Anjo.
Já passava das sete horas quando o Franklin me ligou e marcou a
reunião em seu escritório no centro. Pude ver, pelo seu tom, que aceitaria,
contudo, não parecia nada feliz com isso. Bom, problema dele.
Assinamos os papéis na frente do seu advogado, do advogado do Lucky
e do meu. Seu nome era Dennis, e tinha a cara séria como a do Simon, o
guarda-costas do Lucky. Poderia ter sido um soldado um dia, mas acho que
não foi.
— Isso não vai ficar assim — rosnou Franklin, me fuzilando com os
olhos hostis.
Lucky me mandou o relatório dele. O cara era um tremendo de um
canalha. Além de ficar com mulheres mais novas, também pegava menores
de idade. Lucky tinha fotos dele com garotas de quatorze e quinze anos, e
jogou tudo nas mãos do seu advogado. Talvez fosse por isso que seu olhar
era mortal ao fitar Franklin. Se a informação vazasse, o velho não veria a luz
do dia nunca mais na sua vida, por ser um pedófilo que merecia estar preso.
Diria ao Bryan para cuidar dele, já que era um policial.
Estreitei meus olhos.
— O que foi? É uma ameaça? Se for, deixarei avisado, caso aconteça
algo comigo e com a minha família — rosnei, doido para acertar a cara do
velho tarado. — Você será o único responsável.
— Estarei do seu lado — falou Dennis, sombrio. — Para eliminar a
escória da Terra.
Franklin suspirou e mirou seu advogado.
— Acabamos por aqui. — Pegou sua pasta e saiu porta afora, sem nos
olhar. Estava furioso comigo.
Sorri por ter a Luxem só para mim. Amanhã, compraria a parte do
Daniel. Meu Anjo teria um lugar para trabalhar sem ninguém dar em cima
dela, muito menos um velho asqueroso que precisava tomar um balde de
Viagra para ter uma ereção.
Fui para casa. Jordan e Jason me ligaram, me chamando para irmos à
Rave. Respondi que não estava a fim de festejar. Eles perguntaram se eu
queria que levassem algumas garotas para o apartamento onde eu ficava com
as mulheres. O prostíbulo, como ela disse. Ri com esse termo. Ela nem
percebeu que falou isso em voz alta no meu apartamento. Eu não queria
mulher nenhuma porque somente pensava nela, a linda morena exuberante.
Ali eu descobri que estava definitivamente ferrado.
Capítulo 4
Primeiro beijo
RYAN
Desde ontem à noite não dormia direito. Até queria, mas era quase
impossível, não conseguia parar de pensar na mulher de corpo perfeito.
Embora eu não a tenha visto direito por causa das suas roupas folgadas, já
imaginava suas curvas incríveis, algo bom para eu passar as minhas mãos. O
que estava pensando? Angelina era diferente de todas as garotas que
costumava pegar e descartar logo em seguida. Foi idiotice propor a ela ser a
minha namorada, tudo para ganhar a aposta da Sam. Eu sabia que podia ter
Alexia, com toda a sua beleza loira, mas nada comparado a essa mulher
divina, que me tocou fundo. Isso era algo que não podia acontecer.
Seria errado ficar preso com mulheres fáceis; apesar de Alexia não se
comportar assim, ela faria de tudo para eu cair em tentação, ao contrário da
Angie. Eu não ficava com alguém duas vezes, muito menos aceitava passar
meses preso a uma pessoa que abriria as pernas quando eu quisesse. Eu tinha
de me manter em abstinência até depois do desfile. Ficar sem mulheres era
uma droga, precisaria usar as mãos como um adolescente na puberdade.
Meus testículos já doíam de tanto tesão, mas eu ganharia essa aposta, custe o
que custasse.
Escolhi a garota mais doce e meiga para isso, pois era intocável para
mim. Tão perfeita, tão pura! Deixaria as minhas mãos longe dela, para o seu
bem. Nunca fiquei com uma virgem que nunca beijou ninguém em sua vida.
Choquei-me ao descobrir isso nas mensagens que trocamos. Quase ri de mim
mesmo. Quando um dia pensaria em mandar mensagem para uma mulher? O
inferno devia estar congelando. Todavia, não pude resistir; até conseguia
visualizar o rosto dela vermelho no momento em que perguntei com que
roupa ela dormia. Não esperava pela resposta que recebi, mas admito que
gostei.
Caí da maldita esteira quando li aquilo, ela dizendo estar sem calcinha,
mesmo sabendo que mentia. Tinha cara de quem dormia com um conjunto de
calças e camisetas de bolinhas e corações, aqueles mais desgastados. Não
parecia o tipo de mulher que usava lingerie. Ficaria linda e sexy de qualquer
jeito.
Acordei cedo depois de dormir quase duas da madrugada, ansioso para
vê-la novamente. Isso me assustava, nunca me senti assim em relação a uma
garota antes. Eu não podia deixá-la entrar em meu coração... Se permitisse,
ela desapareceria igual aos meus pais... Bloqueei este pensamento. O nosso
namoro era só uma aposta e nada mais. Entoei isso como um maldito mantra.
Quando cheguei ao Bronx, notei a simplicidade do lugar. O pior era que
lá você poderia levar um tiro sem saber de onde viera a bala. Senti um nó
dentro de mim, porque aquele não era o local ideal para ela morar. Queria
lhe dar tudo de bom, mas a garota não aceitaria. Admirava sua honestidade,
dava para ver pelo dinheiro que rejeitou, aceitando uma quantia
insignificante para mim. Eu não compreendia o porquê de ela precisar
somente daquele pequeno valor. Talvez um dia me contasse.
Parei em frente ao prédio onde Angie morava, um edifício antigo de
cinco andares, com paredes desbotadas e uma escadaria de incêndio
fornecendo acesso às janelas, entrada fácil para um ladrão. Isso me
preocupava muito. Contrataria alguém para vigiá-la sem que percebesse.
Nossa! Estava virando um perseguidor? Era só o que me faltava.
Eu já ia deixar o carro quando a vi saindo pela porta do prédio. Vestia
uma blusa branca com uma saia social rosa que deixava suas curvas bem à
mostra, provando que eu estava certo sobre seu corpo deslumbrante. Os
cabelos negros e anelados balançavam acima da bunda, angelicais. Céus, e
que bunda! Ela não estava sozinha, e sim abraçada com um cara moreno e
forte, cheio de tatuagens nos braços, desenhos que não consegui decifrar de
longe. Trinquei os dentes e fechei os punhos com força.
— Mas que droga — praguejei sozinho. — Quem é esse idiota?
Ela me disse que não tinha namorado. Será que havia mentido para
mim? Parecia tão sincera. “Mulher é um bicho traiçoeiro”, pensei com raiva.
E por que eu me importava com seu possível namorado? Angelina não
me pertencia para eu poder reclamar disso. Deixaria as coisas bem claras
para ela, como, por exemplo: se namorava, poderia ter me dito e recusado a
proposta. Droga!
Saí do meu Bugatti sem tirar os olhos dela. Usava uma bolsa de alça
grossa e salto alto, aumentando sua altura de um metro e setenta para um e
oitenta. O que me impressionou mais foram suas pernas longas, tudo de bom.
Só de imaginar outro homem tocando-as, me dava vontade de socá-lo,
estrangulá-lo e levá-lo para a cova.
O cara a puxou para si e ia colocar os lábios nos dela. Eu acelerei os
passos para impedir que isso viesse a acontecer, ou ele seria morto e eu
pararia na cadeia.
— Que merda está acontecendo aqui? — rugi com os punhos cerrados.
Afastou-se dele, como se o homem a empurrasse. Desequilibrou-se e
logo cairia, mas eu a peguei pela sua cintura fina de violão. Não sabia por
que usava aquelas roupas folgadas, escondendo tamanha perfeição, porém,
gostava disso: assim nenhum bastardo a cobiçaria. Diferente de mim,
completamente fodido de interesse.
Angelina levantou a face e puxou a cabeça para trás, de modo a olhar
para mim; alguns fios de seu cabelo foram parar em seu rosto. Eu os
coloquei para trás da orelha e notei que utilizava um par de brincos de
esmeralda.
A garota sorriu para mim. Nossa! Era como abrir as portas do céu e
ouvir os anjos cantando em adoração à sua perfeição. Sem falar nesses
lábios em forma de coração, deliciosamente beijáveis.
— O que faz aqui? — perguntou, afastando-se de mim para me olhar
direito.
Queria saber se ela também sentia essa eletricidade diante do meu
toque. Meu corpo inteiro reagia a isso. Estreitei meus olhos, mirando os
dela, e depois o cara que me fitava com um sorriso idiota.
A Anjo piscou.
— Oh, este é o Johnny, meu amigo. — Apontou para o babaca, que
sorriu ainda mais para mim. — Esse é o Ryan, de quem lhe falei.
Encarava a menina com as sobrancelhas levantadas.
— Você costuma beijar todos os seus amigos assim? — deixei o
sarcasmo sair alto e claro.
Um tom de rosa lindo se apossou de sua pele branca.
— Não... — Sua voz falhou.
— Eu ia ensiná-la a beijar. — O cara me disse com ar divertido.
Fuzilei-o.
— E não pensou duas vezes antes de enfiar a sua língua na garganta
dela, não é? — sibilei.
O homem gargalhou e deu de ombros. Fiquei vermelho, dando um passo
em sua direção com os punhos cerrados, pronto para tirar aquele sorriso da
sua cara.
Ela se colocou no meio de nós dois, de costas para ele e de frente para
mim.
— Por que você está reagindo assim? — perguntou, confusa.
— Porque ele está com ciúmes — disse Johnny, achando graça.
— Não estou. — Nunca senti ciúmes de ninguém na minha vida, e nem
pretendia. Minha vontade era a de esganar esse cara.
Angelina estreitou os olhos por um momento, logo sorrindo (e, no
processo, acabando com meu coração). Seu sorriso ainda seria a minha
perdição.
— Você está preocupado com o que as pessoas vão pensar se verem
Johnny e eu nos beijando, não é? — falou como uma declaração.
Isso nem passou pela minha cabeça, apenas não queria outro cara
tocando nela.
— Sim, já que estamos namorando. Estranho chegar aqui e pegar esse
cara enfiando a língua em sua garganta.
— Oh, não era nada disso... — começou, mas ao ver a minha fúria, se
calou e corrigiu: — Desculpe, eu só não queria passar por inexperiente
quando me beijasse. — Abaixou o rosto, envergonhada. — Talvez você não
fosse gostar.
Ela era louca? Como não amá-la por não ter experiência? Porra, ficava
contente com isso.
Toquei seu queixo e levantei seu rosto para enxergar seus olhos úmidos,
que não permitiam às lágrimas escapar.
— Tudo bem, Angelina. — Minha voz soou um tanto grossa devido às
emoções novas que sentia. Estava com ciúmes, sim, e não suportava vê-la
triste. O que aconteceu comigo?
— Garanto que ele beija melhor do que eu — zoou o cara.
Suspirei, controlando a minha fúria quase palpável.
— Vamos? Ou iremos nos atrasar — falei por fim, querendo sair logo
dali, antes de eu cometer um crime.
— Claro. — Assentiu e foi abraçar o homem. — Obrigada por tudo,
Johnny.
Johnny sorriu por cima do ombro dela, ainda a abraçando, e apertou a
sua bunda. O fogo tomou conta de meu corpo, achei que estouraria como um
vulcão. Dei um passo em sua direção, mas o bastardo piscou para mim e foi
embora dando um “tchau” por cima do ombro. Angie se virou com um
sorriso deslumbrante, que sumiu como uma luz sendo apagada ao ver a minha
cara lívida.
— O que foi?
— Vamos — respondi, indo em direção ao meu carro.
— Eu não vou com o seu Volvo? — indagou, confusa, me seguindo.
— Não.
Cheguei ao carro e entrei, acompanhado por ela. Partimos. Angelina
ficou calada.
— Por que está com raiva de mim? — Sua voz com sotaque sulista era
só um sussurro.
— Por que o deixou passar a mão em sua bunda depois de quase tê-lo
beijado? — Apertava o volante com força. — Você tem alguma coisa com
ele?
— Não acredito que esteja me perguntando isso. — Pareceu magoada,
fazendo eu desejar morrer. — Você pensa tão mal de mim?
— O que você quer que eu pense, Angelina? Eu o vi quase enfiar a
língua em sua boca, e ainda por cima pegar na sua bunda! — gritei
involuntariamente, tamanha a minha raiva.
— Não entendo por que está tão bravo.
Expirei para me acalmar, ela tinha razão: não era meu direito sentir isso
e descontar nela. Angie jamais me pertenceria.
— Você está certa, desculpe — falei por fim.
Ela suspirou aliviada.
— Pode se tranquilizar, não sou o tipo dele. Se fosse, nunca o deixaria
pegar na minha bunda.
Fitei-a de olhos arregalados.
— Todos os homens a cobiçam. Você é o tipo de garota que deixa
qualquer um bobo. — “Como eu”, pensei com amargura.
— Não ele — repetiu, me encarando. — E também não sou o tipo de
todos.
— É claro que é!
— Não sou o seu — rebateu.
Desliguei o carro na Morris Park Ave.
— Por que paramos aqui?
Virei para ela.
— Você é mais do que meu tipo — declarei, e depois a ficha caiu. — O
cara é gay?
— O nome dele é Johnny — retrucou, defendendo-o. — Como você
sabe disso?
— Só assim um homem não se interessaria por você. — Eu me
perguntava quando ela ia notar o quão linda era. A menina não enxergava sua
própria beleza, a beleza que via a quilômetros de distância, a qual tirava
meu sono e me fazia perder a porra da minha mente.
Corou, mas riu um pouco.
— Então você é gay — disse ela. Eu ri junto.
— Oh, eu não sou. — Se ela imaginasse meus gostos na cama e o que já
fiz com mulheres, nunca mais diria isso.
— Por que paramos, não estamos atrasados? — Mudou de assunto.
— Por isso. — Inclinei a cabeça na direção dela e coloquei a mão
direita em seus cabelos, puxando-a para mim e devorando aqueles lábios
carnudos. Para falar a verdade, tive vontade de tomá-la desde que a vi a
primeira vez no hospital.
Eu a peguei desprevenida, mas isso foi bom. Senti seu sabor de
morango, delicioso. Beijá-la era como matar a minha sede em um oásis no
meio do deserto.
As minhas mãos vagaram em sua cintura fina e em seus fios perfeitos
várias vezes. Segurei-a pela cintura e a sentei em meu colo, sem nunca tirar a
boca da dela. Sentia suas mãos em meu peito e em meus cabelos. Ela gemeu
quando mordi a sua boca e suguei sua língua; quase fiquei louco. Eu
esquadrinhava seu corpo com os dedos e segui até a barra da saia, ao que a
garota endureceu. Afastei-me, interrompendo o beijo. Deus, e que beijo!
Nunca senti tanto desejo por ninguém, e parecia longe de estar saciado.
— Desculpe, me deixei levar — sussurrei com falta de ar. Essa garota
era a minha ruína.
Ela assentiu, também sem fôlego, focalizando meus lábios e meus olhos,
que agora pareciam bêbados. Via a mesma fome e desejo nos dela. Droga!
Acabaria magoando-a e não queria isso. Só de pensar em vê-la sofrendo, me
encolhia por dentro.
Angelina se afastou, suspirando, e se ajeitou no banco, arrumando seus
cabelos bagunçados.
— Isso foi... U-A-U.
— Que bom que gostou — respondi com um sorriso devasso.
— Se o beijo é assim, imagine... — interrompeu-se, fitando as minhas
calças a pleno vapor, duro como uma rocha. Seu olhar era tão quente que
tremi, quase gozando.
— Pare de me encarar assim — pedi, meio ofegante. Quando fiquei
desse jeito com um amasso? Nunca! Perdi o controle. — Estou tentando me
comportar.
A garota expirou, um tanto... desapontada?
— Ah, a aposta.
Trinquei os dentes.
— Não estou falando da aposta, Anjo, e sim que você merece coisa
melhor. Não sou seu cavaleiro da armadura brilhante, e nunca serei.
Ela bufou.
— Foi só um beijo, Ryan, não estou pedindo para se casar comigo. Sei
que não faço o seu tipo.
— Não, você não faz. — Não queria dizer isso, mas necessitava
impedi-la de se iludir comigo.
Soltou um olhar fulminante.
— Olhe aqui, sei que vamos ter de nos beijar algumas vezes — seu tom
era enervado —, e lamento que para você seja ruim... Sugiro que use
bastante enxaguante bucal para diminuir o asco.
Eu arquejei.
— Ficou maluca? Quem falou em ter nojo? — Bati as mãos no volante.
— Droga, Anjo, vejo como seu corpo reage ao meu toque, e por mais que eu
goste dos seus beijos e carícias, não posso...
Ela piscou.
— Ryan, eu não transaria com você ou faria algo mais do que beijá-lo.
— Passou as mãos nos cabelos num gesto nervoso. — Se fizesse, me sentiria
como uma prostituta, e isto eu não sou.
— Por quê?
— Estou sendo paga para ser sua namorada, e não outra coisa. Sem
chance de sexo — murmurou. — Você pode ter um monte de mulheres, é só
estalar os dedos para elas caírem de joelhos aos seus pés, mas eu não. —
Aparentava tristeza. — Meu corpo pode sentir algo por você quando me
beija, porém, eu o controlo. Homens como você só servem para quebrar
corações.
— Eu... — comecei a me desculpar; ela não permitiu.
— Então — cortou ainda com fúria na voz —, se você quiser dizer algo
a mim ou achar que estou passando dos limites, apenas fale, não me humilhe
novamente. — Fungou, olhando a janela. — Sei que não sou nada se
comparada às mulheres que já teve, não chego aos pés delas. Você não
precisa me lembrar.
Sentia-me um completo estúpido por fazer isso com ela, uma besta-
quadrada. Deveria apanhar até virar um homem digno. Ela já se achava
inferior às outras, por que fui falar aquilo? Merda! Queria dizer que ela era
incomparável, contudo, fiquei quieto.
— Perdoe-me, Anjo... Sinto algo por você, mas não desejo que crie
laços comigo. Juro que nunca mais vou dizer nada que a magoe. — Ergui a
mão direita. — E para que fique sabendo, seu beijo é o melhor que já tive.
— Toquei sua boca aberta. — Oh, Deus, estes lábios! Vai ser difícil
esquecer, mas farei de tudo para não feri-la, prometo. — Olhei dentro de
suas duas pedras de ônix. — Você me perdoa? Por favor?
Afastou-se de mim. Eu me encolhi, com medo de ela ter se zangado de
novo. Felizmente, Angie sorriu.
— Alguma vez você já pediu perdão a alguém, ou por favor?
Respirei aliviado.
— Não, esta é a primeira.
“Um monte de primeiras vezes”, pensei. Primeira crise de ciúmes,
primeiro beijo a me consumir, primeira mulher de quem quero mais que
sexo, primeira para quem compro uma empresa.
— Tentarei tomar isso como um elogio — disse ela, jogando seus
cabelos atrás dos ombros. O cheiro de lavanda dominou o ambiente, me
deixando tonto e duro de novo.
— É um elogio, mesmo que às vezes eu seja um idiota, como agora há
pouco — declarei.
Lançou-me um sorriso tênue.
— Tudo bem. — Ficou séria: — Quando tudo isso acabar, espero
continuarmos amigos. Você é um cara legal, com algumas exceções.
Ri com isso.
— Obrigado, mas depois do trato acabar, não acho que possamos ser
amigos. — Meu tom era triste. Só de pensar nisso, sentia um vazio no peito.
Angelina me olhou com suas íris inalcançáveis, agora sem brilho.
— Por que não? — Murchou como uma flor ao morrer.
— Porque não posso ficar perto de alguém por quem sinto essas coisas
— sussurrei.
— Que coisas?
— Você sente o mesmo que eu. — Olhei-a de soslaio. — A eletricidade
e o desejo forte de me enterrar dentro de você.
Ela engasgou com isso.
— Eu não sinto vontade... — interrompeu-se, fitando minhas calças. —
Oh, céus, isso é...
— Chama-se desejo, algo que eu nunca senti desta forma por mulher
nenhuma em minha vida. — Com as outras era apenas sexo, sem tanto querer.
Mirou-me de olhos arregalados.
— É claro que já, afinal, você fica com milhares de mulheres diferentes
— acusou.
— É puramente sexual...
Arqueou as sobrancelhas negras e alinhadas.
— E comigo não é?
— Oh, com você é diferente, não é só sexo, tem algo a mais. — Eu me
encolhi. — Não estou pronto para enfrentar isso.
— Bom, da próxima vez, diga a verdade. Gosto de ser franca com as
pessoas, e que elas sejam comigo. — Pegou a minha mão e a apertou. —
Você apenas precisa ser sincero sempre, sem precisar me magoar para me
afastar. Vou entender. — Bagunçou meus cabelos. Eu nunca gostei de
mulheres tocando em mim, mas ela era uma exceção. Sempre deixava as
demais amarradas ou algemadas na hora do sexo para evitar toques. — Está
perdoado, mas vamos evitar nos beijar com frequência.
— Sim — assenti.
Ficamos em silêncio até chegar à editora do Daniel, ou melhor, à minha.
Ela não se localizava muito longe da minha agência de modelos, situada na
Fifth Avenue. A editora ficava dois quarteirões à frente, na Madison Ave.
Parei diante do prédio envidraçado de vinte e cinco andares — dava
uma bela vista para quem passava na rua —, com paredes de tijolos
avermelhados posicionadas em locais estratégicos. Na fachada, lia-se
“Editora Luxem”, o sobrenome do Daniel. Manteria o nome por ora, depois
mudaria para Editora Donovan. Se fizesse isso agora, ela descobriria que
era minha a empresa e, talvez, não quisesse mais trabalhar ali.
Seu olhar se fixava no edifício, como se tivesse ganhado o melhor
presente do mundo. Logo se virou para mim, com seus olhos brilhando.
— É aqui? — Parecia em dúvida.
— Sim — respondi, gostando de vê-la feliz. Valeu cada centavo pago.
Quando Lucky mencionou que deu a Vênus para Sam, achei que ele estava
louco. Agora, eu comprara uma editora somente para ela trabalhar com o que
amava. Éramos dois doidos. Apenas queria fazer tudo por esta mulher que,
em menos de doze horas (ou até antes disso, desde o hospital), se instalara
sob a minha pele. Quanto mais ficava perto dela, mais difícil era pensar que
teria de deixá-la no final da aposta.
— Tem certeza? — perguntou, como se isso fosse bom demais para ser
verdade. — É tão lindo!
Sorri.
— O meu amigo é o dono — menti. — E que bom que gostou. Imaginei
que se encaixaria bem em uma editora, por adorar livros.
— Oh, aqui é o céu. — Piscou com as íris brilhantes. — Farei de tudo
para passar no teste.
Franzi a testa.
— O serviço já é seu, não precisa de teste nenhum. — Não paguei uma
fortuna para submetê-la a um maldito teste.
Anjo sacudiu a cabeça.
— Você já fez o bastante por mim, agora é por minha conta. — Fitou-
me suplicante. — Quero ter uma prova ou entrevista como todo mundo. Ao
menos um contrato de experiência, por favor.
Eu suspirei. Como ela não tinha experiência, não seria aprovada se a
editora fosse de outra pessoa. Jamais diria isso a ela. Admirava seu esforço
em lutar por algo que desejava, mesmo que lá no fundo eu quisesse somente
dar tudo a ela. Era estranho… Nunca liguei para nada, para nenhuma mulher
que não fosse Rayla ou minha mãe.
— Tudo bem. Mas se ele der em cima de você, aí eu me meto sim.
A garota sacudiu a cabeça.
— Jura que o dono disso ia querer algo comigo...
Se ela soubesse de tudo, veria o quão errada estava: comprei a editora
somente para realizar seu sonho. Caso alguém além de Lucky descobrisse o
que fiz, diriam que perdi a cabeça. Mas eu não dava a mínima para a opinião
de terceiros; minha única preocupação era colocar este sorriso lindo no
rosto dela.
— Você deveria se olhar mais no espelho — adverti. — Não importa se
os homens têm dinheiro ou não, quando eles a veem, ficam loucos.
— Bobagem — descartou com um gesto de mão.
Deixei passar. Mesmo quando tudo acabasse, insistiria para ela manter
seu emprego, pois parecia tão animada. Por isso comprei a editora, assim
não corria o risco de ela ter de sair caso eu partisse mais para frente. Uma
pontada de dor atingia o meu coração ao pensar em deixá-la. Alisei meu
peito para ver se aliviava; não adiantou.
Chegamos à recepção do prédio e fomos para o vigésimo quinto andar,
onde ficava a sala do Daniel — por três ou quatro meses, até ele ir embora
para participar de suas corridas de carro, seu sonho. O cara era um piloto
nato.
Lá estava Karen, a secretária do Daniel. Loira, com cerca de um metro
e oitenta, e corpo curvilíneo por debaixo do terninho colado. Eu e Daniel
fizemos um ménage com ela uma vez. Depois disso, os dois saíram algumas
vezes. Viramos amigos, ou melhor, não nos tornamos inimigos — eu não era
de ter amizade com mulheres.
Ela sorriu para mim ao chegarmos perto de sua mesa.
— Como vai, Ryan? — cumprimentou num tom meloso.
Angelina fechou a cara para Karen e eu. Com um sorriso forçado,
passou o braço em minha cintura, me segurando de lado.
— Você vai me apresentar sua amiga, amorzinho? — disse ela. Podia
ver que se esforçou muito para não grunhir.
Sua expressão era intensa. Irritara-se comigo ou com a garota? Eu não
sabia. Imagine se ela descobrisse que já rolou algo comigo e a Karen?
Gostei de vê-la enciumada. Sua mão por cima da minha camisa gerou um
frenesi em meu corpo, dos pés à cabeça. Eu me perguntava se ela sentiu o
mesmo. Esperava que sim, do contrário, seria injusto.
Karen desfez seu sorriso por um instante ao me perceber acompanhado.
Logo voltou ao normal, educada e eficiente em seu trabalho.
— Oi, Karen, esta é minha namorada, Angelina. — Olhei de uma para a
outra. — Anjo, esta é Karen, secretária do Daniel.
Ouvi Karen ofegar.
— Anjo? Namorada? — inquiriu, um tanto ultrajada.
Chocara-se com isso, afinal, eu nunca namorei ninguém; meu negócio
era pegar, provar e largar, sem compromisso.
Angel deu um sorriso doce.
— Apelido carinhoso — respondeu, beijando meu rosto. — Não é,
amorzinho?
Mirei-a com um esboço de sorriso. Ela estava se comportando assim
por ciúmes de Karen. Angie não gostou da afabilidade da secretária em
relação a mim, mas não reclamei, afinal, fiz o mesmo com o tal de Johnny —
e, a despeito dele ser gay, eu continuava com vontade de quebrar as suas
duas mãos por pegar naquela bunda perfeita e gostosa com a qual eu tanto
sonhava. “Ela não é para você”, lembrei-me. Céus, Angie era tão doce e
pura que dava raiva imaginar outro cara tocando naquela perfeição de corpo.
Eu sorri, entrando no jogo.
— É claro, Anjo — puxei-a para os meus braços e a beijei com
entusiasmo e fervor. Estava louco para ter mais desta boca saborosa. Nunca
seria o suficiente, sempre desejaria mais e mais dela. Se o beijo era assim,
nem conseguia conceber a ideia de estar dentro da garota, com ela gritando o
meu nome, algo que nunca deixei acontecer: quando ficava com uma mulher,
a impedia de gemer o meu nome.
— Você trouxe a nova contratada para beijá-la na minha empresa ou
para me apresentar? — zombou Daniel.
“Minha empresa”, pensei, só não disse em voz alta.
Pretendia ignorá-lo, mas Angie estava se afastando. Segurei-a perto de
mim, passando os braços em sua cintura e sussurrando em seu ouvido.
— Já ouviu aquele ditado: “Quem mexe com fogo acaba se
queimando?”. — Afastei o meu rosto do dela e sorri para tranquilizá-la. —
Está tudo bem, Anjo.
Ela fitava o Daniel, escorado no batente da porta de sua sala com um
sorriso de gato prestes a comer um canário. Sabia o que ele pensava, que
Angelina era similar à Karen, compartilhável. Estava redondamente
enganado: a menina não era para mim, e muito menos para ele. A sua fama
de conquistador era igual à minha, se não pior.
— Sem chance disso acontecer — rosnei para ele, pegando na mão dela
e a levando para a sala do cara. — Não divido com ninguém, está me
ouvindo?
Daniel tinha boa aparência. Um metro e oitenta e oito, cabelos negros e
curtos, chegado à roupa social, terno e gravata. Não entendia como ele não
se sufocava naquilo. Nem morto eu usaria essas coisas.
Angelina estreitou os olhos com o que eu disse, contudo, não falou
nada. Assim que entramos, Daniel fechou a porta. A sua sala parecia uma
biblioteca, coberta de estantes recheadas de livros que eu não conhecia. Não
era muito fã de leitura. No entanto, não me arrependia de ter comprado a
editora: tudo para ver minha mulher feliz. “Minha mulher!”. Maldição,
estava enlouquecendo.
Ele se sentou em sua cadeira, de frente para nós, e apoiou as mãos
sobre a mesa de madeira avermelhada, com vários papéis em cima. Eu não
sabia o que fazer com isso depois de findado nosso acordo; não queria
pensar nisso agora.
Angelina, encantada, fitava os livros em cima da escrivaninha de
Daniel.
— Você tem First Folio, de Willian Shakespeare? — espantou-se.
Daniel olhou para o livro e depois para ela, com um sorriso.
— Já leu?
— Não, mas sei que há poucos dele. Vi que o cofundador da Microsoft,
Paul Allen, adquiriu um por seis milhões em 2001 — disse, um tanto
impressionada com o valor.
— Gostaria de ler? — Não parecia uma pergunta.
Angelina suspirou e ficou reta na cadeira.
— Quem não gostaria? — Sorriu para ele. — Mas seria impossível,
então me contento outros livros.
Ele assentiu.
— Este livro foi do meu pai, que o comprou há alguns anos, pois
colecionava coisas antigas. — Isso era verdade, a casa do senhor Michael
parecia mais um museu, não sabia o que a senhora Amélia faria com as
antiguidades dele, agora que o homem morreu. — Nunca li. Se você quiser
emprestado...
Ela engasgou.
— Oh, não! — falou, após se recuperar.
Daniel franziu o cenho.
— Por quê?
Angie suspirou.
— Mal nos conhecemos, e o livro vale uma fortuna... Se eu estragasse
ou se roubassem... — Estremeceu. — Obrigada por oferecer.
Daniel me encarou como se perguntasse: “O que você está fazendo com
essa garota doce e meiga?”. Era a questão que eu levantava a mim mesmo
desde que a reencontrei. Depois, meu amigo se virou para ela.
— Sei que não nos conhecemos, mas já que botou meu amigo aqui no
cabresto — seu tom no final era incrédulo —, pode pegar emprestado.
Revirei os olhos com o termo. Até parece que um dia ficaria com
somente uma mulher, ainda mais para sempre. Isso era o que eu me dizia a
todo o momento, um mantra maldito para não cair em tentação, tentação esta
que estava ao meu lado.
— Bom — continuou —, se você quiser, confio que nada acontecerá ao
livro.
Não precisava dizer que a obra também era minha, já que comprei a
editora com tudo dentro. Daria de presente a ela antes do nosso acordo
findar.
Angie estava um tanto chocada pela proposta do Daniel, aliás, eu
também. Só esperava que ele não estivesse bancando o galinha para cima
dela, por saber que a garota amava livros.
— Obrigada por sua gentileza, vou passar — respondeu, nervosa,
pigarreando. — Mudando de assunto, primeiro quero me desculpar.
Nós dois ficamos confusos.
— Pelo quê? — Daniel inquiriu.
— Por encontrar Ryan e eu nos beijando. — Enrubesceu. A cor em seu
rosto era linda.
Meu amigo estreitou os olhos para mim. Em seguida, fitou-a com a
expressão mais calma.
— Oh, não se preocupe, estou acostumado com o Ryan fazendo isso.
— Quer dizer que ele ficava beijando mulheres por aí, em público? —
questionou com uma pontada de ciúmes.
Daniel bufou.
— Beijar? Não, querida, ele mal jogava a camisinha fora e saía do
local onde estava. Por isso te dou os meus parabéns por domá-lo.
— Certo, vamos falar de trabalho ou do meu passado? — rosnei,
fuzilando o bastardo.
Ele sorriu e assentiu, sem se preocupar com meu tom ameaçador.
— Então, “Anjo” ou “Angelina”?
— Angelina Mary Stone. Só o Ryan me chama de Anjo, ignore-o.
Sorri torto.
— É o que você é, meu Anjo. — Eu me aproximei sem tirar os olhos
dos dela, que deu um tapinha no meu braço.
— Comporte-se — advertiu.
Daniel encarava nós dois, estupefato.
— Angelina, você fez alguma coisa antes? Cursos?
Ela puxou seu currículo da bolsa e entregou-o a ele. Daniel o pegou e o
leu por alguns minutos.
— Aqui diz que interrompeu a faculdade de Literatura quase no final,
por quê?
Angie expirou, segurando uma mecha de seu cabelo e enrolando-a nos
dedos. Notei que ela sempre fazia isso quando ficava nervosa.
— Meus pais morreram em um acidente de carro... Por isso não deu
para terminar. — Sua voz era um sussurro de dor. Os olhos umedeceram,
sem chegar a derramar lágrimas.
Eu pisquei, chocado, não fazia ideia de que isto também acontecera
com ela. A dor de perder meus próprios pais continuava presente, fincando
fundo. Deveria ser igual para Angie.
Com um olhar, pedi a Daniel que mudasse de assunto. Ele suspirou.
— Eu sinto muito.
Angelina respirou fundo.
— Está tudo bem — falou, mas não estava... Escutava o sofrimento em
sua voz.
— Você será a minha nova assistente pessoal. — Trocou de assunto;
nenhum de nós estava pronto para ver uma mulher em prantos, ainda que
certa por se sentir assim.
— E a Karen? — grunhiu o nome da secretária. Acho que ela já
suspeitava que tivemos algo no passado para reagir deste modo.
— Ela vai se casar...
— Casar? — soltei, descrente. Karen era uma mulher de balada e
diversão, costumava dizer que nunca se prenderia a alguém.
— Por que o interesse? — Angie me censurou.
Olhei-a de forma dúbia.
— Não há interesse algum! Só tenho olhos para você, Anjo — declarei
a verdade: parecia que todas as mulheres do mundo haviam sumido para
mim, existia apenas ela.
A garota sorriu com candura.
— Isso é bom, porque se reparar em outra, vai ficar sem os olhos —
ameaçou.
Não sabia se disse isso porque sentia ou pelo fato de Daniel estar
presente. Gostei, tirou a tristeza de suas belas íris.
— Hummm — murmurou Daniel, curioso.
Ela se recompôs e se virou para ele com cenho franzido.
— Sendo sua assistente, vou precisar sair da cidade? — perguntou,
preocupada.
— Sim, sempre que eu tiver de viajar a trabalho, você irá comigo.
Não gostei da ideia dela longe de mim e perto de Daniel. Estava prestes
a discordar, Angie não iria a lugar nenhum. Porém, ela falou antes.
— Não posso dormir fora de casa. — Notei que ela estava nervosa,
com medo de que esta notícia a fizesse perder o emprego. Era claro que isso
não atrapalharia em nada, eu estava mais do que feliz por ela não ir a
qualquer local distante.
— Você tem filhos? — sondou, intrigado.
Angelina respirou fundo.
— Não, apenas dois irmãos de quem tomo conta. Preciso ficar com
eles.
Arregalei os olhos, desconhecia esta parte de sua vida também. Por que
não perguntei nada à garota? Eu era uma besta mesmo.
Ele assentiu, um tanto chocado, assim como eu.
— Quantos anos eles têm?
— Shane tem oito, e Lira tem três, aliás, faz mês que vem. — Expirou,
como se a data fosse dolorosa de lembrar. Eu não entendia, não era para ser
um dia alegre, um aniversário?
— Três anos no próximo mês? — Ele buscou alguma coisa no currículo
dela. — Foi nesse período que você saiu de Columbia, não? Foi por eles
que deixou a universidade?
— Sim, estava na faculdade quando recebi a notícia do acidente...
Mamãe estava grávida de Lira, graças a Deus conseguiram salvá-la. — Riu
com amor. — A minha bonequinha linda. Depois, a assistente social entrou
em contato comigo, me dando opções. Primeira: permitir ao estado tomar
meus irmãos de mim ou dá-los para minha tia Alice. — Sacudiu a cabeça. —
Jamais deixaria isso acontecer. São tudo o que sobrou da minha família, sem
eles eu morreria. Segunda: conseguir um trabalho e tomar conta deles. Foi o
que fiz, e não me arrependo de nada.
Daniel pigarreou, comovido, tal qual eu. Como uma pessoa
maravilhosa, que se sacrificava pelos outros se esquecendo dela própria,
aparecera na minha vida? Um bastardo filho da puta que podia machucá-la.
Não... Não feriria a única capaz de encher meus dias de luz. Repetiria isso a
mim mesmo até enraizar a mensagem no meu cérebro.
— Certo, vamos fazer o seguinte. Você vai trabalhar como minha
assistente, mas não viajará comigo. — Colocou o currículo dela na mesa. —
Avisarei com antecedência quando isso tiver de acontecer, e você preparará
tudo para mim.
Ela assentiu.
— Sim, pode deixar. — Parecia quase eufórica. Eu também estava feliz
por vê-la radiante.
— Ok. — Levantou-se e pegou uma pasta em uma gaveta na estante. —
Darei um manuscrito a você, para ver como se sai.
— Tenho um manuscrito que eu mesma escrevi. Sempre ando com ele,
você pode lê-lo se quiser — falou meio tímida.
Daniel se impressionou.
— Você escreveu um livro?
— Sim. — Ela pegou uma pasta rosa na bolsa, com vários papéis
dentro. — Sei que não terminei a faculdade, mas aprendi bastante coisa pela
internet e pelos livros.
Ele deixou seus papéis de lado e segurou a pasta.
— “Dilacerados”? — Leu o título. — Pode fazer uma síntese?
Angie ficou nervosa, mexendo numa mecha de cabelo.
— Hummm. — Pigarreou. — Conta a história de Elizandra, uma garota
simples, mas com garras para lutar pelo que quer. Ela trabalha em uma
lanchonete para sustentar seus irmãos pequenos e sua mãe doente. Neste
lugar, conhece Nathan, moreno, alto, de olhos intensos, cor de ouro. Ele é
dono de uma empresa de sucesso, e devido à sua fama, é cercado de
mulheres, uma diferente a cada dia. Elizandra se apaixona por ele e o homem
a quebra, o que acontece sempre que uma garota simples passar a amar um
playboy. Não sou muito boa para resumir em voz alta, mas me dou bem no
papel, prometo.
Ficamos pasmos. Daniel folheou algumas páginas, arregalando os
olhos.
— Vejo que é um livro com um dominante e uma submissa. — Piscou.
— Você gosta deste tipo de história?
Ela corou.
— Sim, embora nunca me submeteria a isso.
Ergueu as sobrancelhas.
— Nunca fez sexo assim?
Ficou mais vermelha ainda e olhou para mim, buscando ajuda. Fuzilei
Daniel.
— Isso não é da sua conta — sibilei entre dentes. — Foque no trabalho.
O cara sorriu, inabalável.
— Desculpe, Angelina, apenas fiquei curioso pela história.
— Só porque escrevo a respeito disso, não quer dizer que eu faça tudo
— afirmou com seu sotaque sulista, que a tornava mais sexy, quase
impossível de resistir. Devia dar graças ao meu autocontrole; acho que logo
ele vazaria pelas frestas. — Este livro faz parte de uma trilogia. Não estou
pedindo para publicá-lo, e sim para olhá-lo e ver como eu me saio. Por
favor, me diga a verdade, não deixe que sua amizade com Ryan o influencie.
Do contrário, nunca vou aprender com os meus erros e corrigi-los.
Ele assentiu, ainda um tanto chocado.
— Passarei para nossa revisora, veremos como é a sua escrita — disse,
fechando a pasta. — Hoje, Karen resumirá todas as suas funções.
— Obrigada — respondeu animada. Percebi seus olhos estreitos com a
menção do nome da Karen. Reparara que ficou mais aliviada depois de
saber do casamento da secretária. Como se fosse querer alguma coisa com
ela... Só a minha doce namorada para pensar isso.
Daniel chamou a Karen e as duas saíram, nos deixando sozinhos.
— Onde você achou essa garota? — indagou, logo que deixaram a sala.
Suspirei.
— Ela faxinou meu apartamento. Mas já a tinha visto antes, porque
doou sangue para Sam.
— Oh, então ela é a mulher em que você estava pensando este mês
todo? — Sua voz soou aguda.
— Quem disse que eu estava pensando em uma mulher?
— Lembra da semana retrasada, quando ficamos com aquela garota na
Rave?
Eu sacudi a cabeça.
— Não me lembro, estava um pouco chapado.
— Você a chamou de Anjo enquanto a fodia. Não acredito que a mulher
de suas fantasias bateu à sua porta um mês depois que a conheceu no
hospital.
— Ironia, não? — trocei de mim mesmo.
— E você já foi oferecendo um emprego a ela? Ou melhor, comprando
uma empresa só para ela ter onde trabalhar sem correr o risco de ser
demitida ou assediada? — sondou de forma dúbia.
Estreitei os olhos.
— Se alguém daqui fizer algo assim, será mandado embora em dois
segundos, isso se eu não o matar antes — rosnei.
— Vejo porque gosta dela.
— Ela é diferente de todas que conheci, não liga para o meu dinheiro. É
boa, doce e meiga — falei um pouco da verdade.
— Posso ver isso. Ela é virgem? — Ele me avaliava. — Vocês já foram
para a cama? Porque pela forma que disse que não a dividiria e pelo rosto
vermelho da garota, parecia ter algo mais. Enxerguei que ali tem inocência.
— Ela não é dessas mulheres com quem você sai e logo vão abrindo as
pernas. A Anjo...
— Por que a chama de Anjo? — Parecia abismado com isso.
— Ela é como um anjo lindo, cercado de doçura e bondade, que se
sacrifica pelos outros, se esquecendo dela própria. Como você viu agora:
desistiu de tudo pelos seus irmãos. E não transamos ainda, estou esperando o
seu momento. — Não contei a verdade a ele; sabia que isso nunca
aconteceria.
— Então, ela...
— Sim — cortei.
Daniel suspirou, olhando a pasta de Angelina e seu manuscrito sobre a
mesa. Não imaginava que ela havia escrito um livro. Era uma garota vibrante
e muito talentosa, pelo que percebi.
— Olhe, Ryan, nós somos amigos há muito tempo. Já vi você pisar em
mulheres mais do que eu. Por favor, não a quebre.
Fitei-o, desconfiado.
— Por que você se preocupa? É igual a mim — retruquei.
— Eu sei, mas nunca me aproximei de garotas semelhantes a ela. Pense
bem, Angelina já sofreu demais, não acha?
Ele tinha razão, eu não podia e não faria isso com ela. Não a
machucaria, faria de tudo para impedir.
— Não a magoarei — jurei para mim mesmo.
— Fico feliz com isso — respondeu, mais calmo. — Agora vamos
tratar de negócios. — Pegou uma pasta preta na gaveta da mesa e passou-a
para mim. — Aqui está a escritura da editora. Eu soube que Franklin não
queria assinar.
Ergui as sobrancelhas.
— Soube? Ou ele veio reclamar?
— Veio aqui dizer para eu não vendê-la, porque você iria afundá-la em
um mês. — Revirou os olhos. — Respondi que não tinha muito poder para
lutar contra Lucky Donovan...
— Não sei por que ele queria a editora, se nem aparenta saber ler. O
velho safado gosta é de meninas novas. — Soltei com amargura ao pensar
nisso. — Assinarei o contrato, e inclua este livro na lista. — Apontei para a
obra que ela desejava.
— Você vai comprar um livro de seis milhões para uma mulher? —
inquiriu, ultrajado.
— Adquiri uma empresa que custa mais do que isso, por que não posso
comprar um livro junto? — retruquei, rubricando as páginas e assinando ao
final.
— Meu amigo, você foi fisgado — disse com uma risada. —
Finalmente domaram Ryan Donovan.
Não discordei, pois eu não sabia realmente o que estava acontecendo
comigo. De uma coisa tinha certeza: faria tudo para vê-la sorrindo. Sua
alegria iluminava a minha vida. Para ela eu daria o sol, as estrelas e todo o
universo, se me pertencessem.
Capítulo 5
Ciúmes
ANGELINA
Acordei hoje cedo na esperança de que o serviço que Ryan prometeu
fosse bom e respeitável, porque cá entre nós, ser faxineira podia ser
cansativo, mas era um trabalho digno, então esperava continuar assim. Não
faria algo desonroso, que envergonhasse meus irmãos no futuro.
Quando cheguei à Editora Luxem, pensei estar em um sonho lindo, do
qual a qualquer hora pudesse acordar, e o castelo viraria pó.
Ryan e eu entramos no prédio de paredes cor de creme, com um lustre
enorme no teto principal. Também havia fotos de autores recebendo prêmios.
Adorei. Ao chegarmos à recepção, no último andar, com vista para a cidade,
vi uma mulher loira de corpo perfeito e pernas longas. Seus cabelos estavam
presos em um coque.
Ela sorriu ao avistar Ryan. Não gostei do jeito com que olhou para ele,
como se já tivesse provado do fruto, ou coisa assim. Não duvidava nada
disso, afinal, ele era um mulherengo, e, com certeza, ficara com quase todas
as garotas da cidade.
O meu chefe era um cara moreno de olhos cor de mel, muito lindo,
ainda mais com seu meio sorriso ao me fitar de lado. Usava roupa social
Vanquish. Um terno como aquele custava uma fortuna. Pelo seu sorriso sexy,
era outro conquistador, à semelhança de Ryan.
Quando Ryan disse ao Daniel que eu não era para ser dividida,
compreendi que compartilhavam mulheres, deviam fazer isso quase sempre,
um ménage. Bem, já tinha visto Ryan com duas, mas dois homens e uma
garota? Interessante!
Isso se parecia muito com a história do livro que escrevi, Dilacerados,
mas eu não era Elizandra para me apaixonar por um playboy cheio da grana.
Se isso acontecesse, me quebraria aos pedaços, sem conseguir me reerguer.
Com Caim foram cinco anos até superá-lo. Com Ryan seria impossível
esquecer, passaria a eternidade o amando.
A minha entrevista com o dono e presidente da Luxem foi bem-
sucedida. Porém, quando chegou a parte de eu falar o porquê de não
conseguir terminar meus estudos, achei que não conseguiria contar da perda
dos meus pais. Deixei de lado a outra perda que tive, a da minha outra
metade. Bem, era assim que as pessoas definiam gêmeas, não? Afirmavam
serem uma só carne. Ângela era tudo na minha vida. Parei de pensar isso ou
sucumbiria ali, na frente do meu novo chefe e do Ryan. Isso não podia
acontecer. Coloquei a dor de lado e me concentrei no trabalho.
Depois que Karen me falou sobre o serviço, não me pareceu nada
difícil. Ela me mostrou onde ficava cada manuscrito que precisava ser visto,
e me fez fazer três capítulos para ver como me saía. Consegui concluir após
algumas horas.
— Você é boa — expôs, lendo o manuscrito corrigido.
— Obrigada — agradeci meio sem jeito.
— Desculpe falar — começou, hesitante —, mas eu nunca pensei que o
Ryan seria um dia fisgado por uma mulher. — Sorriu para mim.
Evitei um suspiro.
— Também custo acreditar — menti, porque isso nunca aconteceria
(não comigo, pelo menos).
ANGELINA
O dia seguinte foi difícil, após Ryan ter terminado comigo, deixando
tudo que tivemos e vivemos para trás como se não fosse nada. Já deveria
estar nos braços de outra mulher. E eu permanecia ali, aos pedaços,
destroçada por causa dele. Fui idiota por ter aceitado ser sua namorada.
Quando um homem daqueles olharia para mim? Era estúpida por cogitar
isso.
Deixei Lira e Shane na escola na segunda-feira e cheguei mais cedo ao
trabalho. Depois do serviço, planejava devolver o carro e ir de ônibus para
casa. Sempre andei assim e nunca morri, por que haveria de mudar agora?
Na Luxem, Daniel me perguntou o que acontecera comigo, em razão da
minha expressão tão triste. Imaginei que eu devia estar horrível, nem a
maquiagem encobriu as olheiras fundas. Eu apenas disse que não dormi bem
à noite. Ele não acreditou e pegou seu telefone. Sabia que ele ligaria para o
Ryan. Deixei-o e fui trabalhar, assim a tarde passaria, e esperava inutilmente
que a dor também.
Karen não apareceu hoje, o que foi bom, não estava querendo ver
nenhuma mulher que já foi dele — tolice minha, já que ficou com
praticamente todas as garotas de Nova York, talvez dos Estados Unidos.
Assim que deu a minha hora, saí antes do Daniel me ver, porque tinha
certeza de que ele me encheria de perguntas que eu não queria responder.
Ao estacionar o Volvo do Ryan em frente ao prédio dele, prestes a sair
do carro, o vi entrando no prédio com uma loira de cabelos longos. Linda!
Ela usava um vestido vermelho bem apertado em suas costas, mostrando
suas curvas incríveis e deslumbrantes. Foi como um soco no estômago, bem
acertado.
Os dois conversavam. Ele vestia calça jeans e jaqueta preta, e estava
de costas para mim, portanto não me viu. Entraram no prédio.
Coloquei a mão direita sobre o meu coração dolorido, decidida a não
chorar: tinha de devolver seu carro e dar o fora antes que ele saísse de novo.
Idiotice, pois o maldito acabara de subir para levá-la ao seu apartamento de
foda.
Olhei para dentro, através dos vidros das janelas, para garantir que
sumiram de vista, e deixei o carro. Enxerguei o manobrista do hotel, um cara
alto e moreno. Ele sorriu quando me aproximei.
— Olá. — Peguei as chaves do Volvo e entreguei-as em sua mão.
— Qual é o seu carro, moça? — perguntou, estreitando os olhos ao
reparar em minha expressão. — Você está bem?
Pigarreei.
— Sim, o carro é aquele. — Apontei para o Volvo. — É do Ryan
Donovan, você pode estacioná-lo na garagem e dar a chave para ele, por
favor.
A semana passou voando, mas a dor estava lá, como sempre. Ver Ryan
com aquela garota no Plaza esquartejou meu coração. Muito pior do que um
dia senti pelo Caim, meu primeiro amor. Nunca foi tão forte quanto era com
Ryan.
No dia seguinte, após eu ter devolvido o carro, estava me preparando
para ir ao serviço de ônibus quando Daniel apareceu na minha porta,
oferecendo uma carona. Não queria aceitar, porém, ele ameaçou me demitir
caso eu não aceitasse. Isso era obra do Ryan — só podia —, a não ser que
Daniel estivesse dando em cima de mim, o que achava improvável, já que
era o melhor amigo do bastardo.
Mais tarde, fomos ao restaurante Frutos do Mar, no centro de
Manhattan. Quando Daniel me chamou para jantar, primeiro não aceitei. No
entanto, ele disse que era para conversarmos sobre a possibilidade de eu
publicar meu livro, então obviamente concordei. O ambiente envidraçado
garantia uma bela vista para o rio Hudson. Embora fosse noite, as ruas
estavam iluminadas.
— Daniel, este restaurante deve ser muito caro, como vou ajudar a
pagar? — reclamei ao adentrarmos o imenso salão com mesas redondas e
quadradas, forradas por toalhas de linho branco. As cadeiras de madeira
eram de camurça bege.
Daniel vestia uma camisa preta listrada de azul, com mangas enroladas
até os cotovelos, e calça social esporte preta. Estava elegante! Ele sorriu
para mim de modo simpático.
— Este lugar é do meu avô, não pago quando venho aqui. — Piscou. —
Bônus de família.
Eu suspirei.
— Você é da família, eu não — lembrei-o. — Não acho que meu
salário pague algo daqui.
— Não precisa, Angelina, viemos para tratar de trabalho, fica por
minha conta. — Eu estava prestes a discordar, mas ele falou antes: — Todos
os negócios são tratados assim, o contratante é quem paga. — Virou-se para
mim. — Vamos fazer o seguinte: se alguma vez sairmos sem nenhum negócio
envolvido, nós dividimos a conta, que tal?
Não precisava dizer a ele que nós nunca sairíamos nesse contexto, e
sim apenas por assuntos relacionados ao trabalho. Não queria me envolver
com alguém tão cedo. O rosto do Ryan surgiu em minha mente; ignorei-o, não
querendo pensar nele de nenhuma forma.
Assenti e nos encaminhamos a uma mesa perto da janela. Logo que
entrei, enxerguei Ryan sentado a uns sete metros de onde estávamos. Vestia
jeans, jaqueta preta aberta e uma camiseta branca. O que quase me
desfaleceu foi vê-lo com a mesma loira do seu prédio. A garota estava
sentada ao seu lado, em uma mesa grande e quadrada, feita para caber várias
pessoas.
Ryan fulminou Daniel; se seus olhos fossem laser, meu chefe já estaria
morto. Não sabia por que razão ele agia assim, como se doesse me ver com
outra pessoa. Talvez machucasse mesmo, mas ele não daria o braço a torcer.
Em vez disso, ficava com sua loira. “Deve ser mais sério com esta garota, se
está com ela desde segunda-feira, e hoje é sexta...”, pensei.
Havia mais duas mulheres ao seu lado, igualmente lindas e
deslumbrantes. Uma de cabelos loiros platinados, que reconheci: sua irmã,
acompanhada de um moreno cheio de piercings na orelha e no nariz. E a
segunda de cabelos negros, olhos talvez azuis; não dava para ver direito,
pois ela estava de lado, conversando com um homem. Lembrei dele do
hospital, de quando vi Ryan pela primeira vez. Era moreno, de olhos verdes
e brilhantes. Tinha mais outro cara, lindo e sexy, ao lado da garota morena.
Era forte e musculoso, quem sabe um campeão de vale-tudo, mas podia estar
errada.
— Não sabia que eles estariam aqui hoje — avisou Daniel, seguindo
meu olhar. — Ele parece querer me matar.
— Ele não tem o direito de reclamar ou dar algum palpite, já que está
com uma mulher — retruquei, retirando meu foco do grupo e me virando
para Daniel.
— Podemos ir a outro lugar...
Eu cortei.
— Não sou de fugir de coisa alguma. Se ele está com alguém, o
problema é dele. — Sorri. — Vamos nos sentar ou não?
Daniel retribuiu o gesto e me levou a uma mesa não muito longe do
Ryan. Estava de costas para o grupinho, mas podia sentir o olhar do maldito.
Concentrei-me em Daniel, que puxou a cadeira para eu me sentar, e se
colocou à minha frente.
— Então, o que achou do livro? — perguntei, arrumando os talheres
por ordem de tamanho, do maior ao menor. Fazia isso para ocupar minhas
mãos trêmulas, querendo matá-lo, junto à garota ali atrás de mim. Nunca
baixaria o nível, ele só ficaria mais convencido e diria que eu não
significava nada.
— Você está calma. — Sua voz demonstrava confusão.
— Por que não estaria?
— Por ver o Ryan acompanhado. — Olhou a mulher por sobre o meu
ombro.
Eu ri, sem vontade nenhuma.
— Ele é solteiro e desimpedido, fica com quem quiser — fui firme. —
Assim como eu.
Arqueou as sobrancelhas.
— Você pretende ficar com alguém para se vingar? — Suspirou. —
Não acho que ele esteja com ela.
Sacudi a cabeça, descrente.
— Sério? O que fazem juntos, então? — Prossegui, sem deixá-lo falar:
— Tanto faz, mas eu não desceria tão baixo. Quando ficar com alguém, será
porque quero, e não por vingança ou algo do tipo. Agora vamos parar de
falar dele e começar a conversar sobre o livro, afinal, foi para isso que
viemos hoje, certo?
— Não só por isso — disse, quase magoado. — Mas já que você quer
ir direto ao ponto...
— É melhor, assim vamos embora mais cedo. — Precisava sair logo
dali, antes que eu perdesse o meu autocontrole.
— Tudo bem. — Acenou para um garçom moreno e másculo vir nos
atender.
O cara era alto, usava uma calça social preta e uma camisa branca com
dois botões abertos. Sorriu para nós ao se aproximar da mesa.
— Oi, Daniel — cumprimentou, pousando o olhar em mim com um
sorriso libertino. — E você é...?
— Alguém que está fora da linha para você, Jack — Daniel avisou,
divertido. — A não ser que você queira ter problemas com Ryan.
— Ryan? — Surpreendeu-se. — Achei que ele estivesse com aquela
gata loira.
Fechei a cara para o Daniel e sorri para o moreno.
— Não tenho nada com Ryan, aliás, com ninguém. — Joguei meus
cabelos para trás.
Ele gargalhou como um lobo.
— Podemos resolver este problema, o que acha? — Sua voz era
lasciva.
— Que tal depois? — Claro que não ficaria com ele, nem agora e nem
nunca. Não era de flertar com homens, contudo, estava gostando disso. —
Por ora, quero um chá verde.
Franziu o cenho.
— Chá?
— Sim, eu amo — assegurei, ignorando seu espanto. Não diria que não
podia ingerir nenhuma bebida alcoólica por causa dos remédios para o
coração. Apesar do meu médico não mencionar nada sobre isso, apenas
deduzira. Remédios e álcool não eram uma boa combinação.
— Aqui não temos chá, senhorita...
— Angelina — emendei. — O que vocês têm?
— Champanhe, conhaque e variedades em vinhos italianos, franceses e
irlandeses.
— Ah — murmurei.
— Jack, vamos esperar um pouco para pedirmos — disse Daniel. —
Agora pare de dar em cima dela, antes que o Ryan saia de sua mesa e venha
matar você.
O cara olhou para o Ryan e depois para mim, com cenho franzido.
— Ele parece mesmo querer acabar comigo. Isso é estranho. Se está
com a loira, por que se importa?
Daniel cortou-o.
— Vá atender as outras mesas, depois te chamamos.
Jack saiu, e eu olhei para o Daniel.
— Por que o expulsou?
— Para o Ryan não acabar preso. — Suspirou. — Isso foi para
provocar ciúmes?
— Ryan não sente nada por mim, muito menos ciúmes — retruquei com
ceticismo. — Apenas queria ver se eu ainda sabia flertar, não pretendo ficar
com ele, afinal, caras iguais a ele, e iguais a você e ao Ryan, são
destruidores de corações. Não tenho a intenção de ter o meu partido por
nenhum dos três.
— Mas você tem sentimentos pelo Ryan...
Interrompi-o.
— Isso não importa agora — repliquei, amarga. — Vamos ao que
interessa. Fale sobre o livro, lembre-se de que me prometeu a verdade, não
importa se for ruim.
Daniel assentiu, um tanto desolado.
— Sim, nas páginas cento e oitenta, duzentos e cinquenta e trezentos e
sessenta estão as cenas mais quentes de sexo... — Sorriu, travesso. — Para
quem nunca fez, você sabe muita coisa...
Quase engasguei.
— Quem lhe contou isso?
— Ryan...
— Delator! — sibilei, furiosa por Ryan ter dado com a língua nos
dentes. Não era assunto para ele falar por aí com outras pessoas. Idiota! —
O que há com as cenas?
— Você descreveu tudo nos mínimos detalhes, todavia, as sensações
durante o sexo não saíram tão, bem... Como posso dizer... Faltou vivenciar o
teor dos sentimentos de quando ele a devora com a língua mágica...
— Certo, entendi. — Estava corada pela forma com que ele me olhava,
não com desejo ou algo assim, somente interessado em minha resposta. —
Não descrevi bem as sensações de Elizandra? Você acha que é por minha
falta de experiência no assunto?
Aquiesceu.
— Sim, o livro é perfeito, mas para uma personagem amarrada e sendo
chicoteada, ela não parecia tão exultante...
— Quem está amarrada e foi chicoteada? — indagou uma voz profunda
e sexy do nosso lado na mesa.
Deparei-me com um par de olhos azuis, intensos como o céu de verão, e
um sorriso devasso em lábios carnudos avermelhados. Uma boca que
qualquer mulher mataria para beijar. Os cabelos negros caíam na altura do
queixo, espalhados como se tivesse acabado de acordar. Um verdadeiro
Adônis. Poderia estar em uma capa de revista masculina ou na People.
— Se for você quem gosta disso, vou adorar te ensinar alguma coisa —
disse um outro cara, loiro com cabelos compridos nas costas, presos num
rabo de cavalo. Muito gato! Sua boca estava levantada em um sorriso torto.
— Será que eu morri e fui para o paraíso? — murmurei, embasbacada.
— Acho que somos nós quem estamos no céu. — O cara de cabelos
negros piscou para mim. — Oh! Eu me lembro de você no Hospital, em
Trenton, Nova Jersey.
Também pisquei, recordando do cara que me agarrou e que achei que
fosse me beijar lá mesmo. Lembrei-me do fogo que subiu em meu corpo
quando ele me tocou. Nada comparado ao toque do Ryan, claro, seria como
equiparar uma fornalha acesa a um vulcão em erupção.
— Lembro de você também, o irmão da garota que estava prestes a
perder o bebê. — Levantei e fiquei diante dos dois.
— Ah, sim, esta é a garota que doou sangue para Sam — assentiu o
loiro, rememorando também. Não recordava dele no hospital, apenas de
Lucky, Ryan e esse cara com olhos azuis-celestes.
O moreno sorriu e se aproximou, como fez aquele dia, agora me
abraçando e girando.
— Obrigado, você salvou a pessoa que mais amo neste mundo.
Ofeguei de choque e vergonha por estarmos em um restaurante cheio de
gente. Ouvi um baque não muito longe, algo se quebrando.
— Bryan, acho melhor soltá-la — avisou Daniel, tenso.
Bryan riu e me colocou no chão.
— Desculpe, cara, por agarrar assim seu encontro...
— Droga, isso não vai prestar — rosnou Daniel, se colocando de pé.
Segui seu olhar e vi que Ryan fuzilava Bryan de modo mortal. “Eu vou
matá-lo!”, li em seus lábios. Percebi que o barulho anterior foi dele
esmurrando a mesa, onde enxerguei alguns copos caídos. A mulher do Lucky,
Sam, aparentava preocupação.
Afastei-me dos braços do Bryan e mirei suas íris confusas. Ryan não foi
até nós, o que era bom.
— Conhece Ryan? — sondou, me levando para a mesa onde o grupo
estava.
— Bryan — reclamei, puxando meu braço e me distanciando dele.
— Desculpe, apenas queria lhe apresentar a minha irmã.
Vi a garota morena de olhos azuis, parecida com ele. Ostentava um
semblante cauteloso, desassossegada pela briga iminente.
— Oi — sussurrei, envergonhada por ser trazida à mesa deles. Ignorei
Ryan e sua raiva.
— Olá — respondeu Sam.
Bryan sorriu, colocando a mão direita no meu ombro.
— O mundo é pequeno, nós encontramos a... — Parou e se virou para
mim: — Qual é o seu nome?
— Angelina — disse e me esquivei gentilmente dos seus braços, tanto
pelos olhos ferozes do Ryan quanto por mim. Esse cara era bem estranho,
primeiro me arrastava até lá, agora passava a mão nos meus ombros? Era
como se estivesse provocando alguém, ou seja, o Ryan. Não quero ficar no
meio.
— Você está saindo com ele agora? — Ryan inquiriu, seus punhos
cerrados.
— Está saindo com ela? — Indiquei a loira ao seu lado.
— Eu não...
— Está sim — retrucou Bryan, falando pela primeira vez com ele. —
Não é para comunicar o seu namoro com Alexia que estamos aqui? Não
viemos comemorar?
Escondi minha dor.
— Parabéns, pelo visto não perdeu tempo. — Girei nos calcanhares
para voltar à minha mesa e avisar o Daniel que iria embora. Não conseguiria
ficar, vendo-o com outra.
Bryan me segurou e me puxou para os seus braços, tão forte que ofeguei
com o impacto em seu peito duro.
— Tire as mãos de cima dela agora. Angelina não te pertence — rosnou
Ryan, se levantando.
Eu me afastei do Bryan e fitei Ryan. Sua expressão era maligna ao
afrontar o moreno, que parecia não ter medo algum.
— E eu pertenço a você, Ryan? — sibilei.
Ele piscou.
— O quê?
— Está vendo? Você não sabe o que quer! Não sou a sua propriedade
para fazer assim — estalei os dedos — e esperar que eu caia aos seus pés.
— Eu não...
Cortei-o, indignada.
— Se você pode pegar mulheres por aí, também fico com quem quiser.
— Pousei meus olhos na loira, logo passando a reparar no restante da mesa:
estavam todos atônitos.
A expressão de Ryan se tornou lívida. Se a situação fosse outra, eu teria
me encolhido.
— Juro, Anjo... — Ao escutarem seu modo carinhoso de se referir a
mim, seus amigos se abismaram, como se ele estivesse falando um idioma
desconhecido. — Vou matar qualquer um que a tocar, e não me importo de
passar a vida em uma maldita cadeia.
— Você não pode ameaçar as pessoas que se aproximam de mim —
grunhi com os dentes cerrados. — Fez a sua escolha quando saiu da minha
casa. Conviva com isso.
Antes dele dizer algo, Lucky se aproximou.
— Ryan, venha comigo, precisamos conversar. — Seu irmão cochichou
algo em seu ouvido. Os dois, junto ao cara musculoso, se afastaram. O
homem com tatuagens em seu pescoço e braço também sumiu de vista, e o
loiro foi com ele, não sem antes me lançar um olhar curioso.
— Menina, o que você fez com esse homem? — Bryan sorriu para mim.
— É um milagre alguém deixar Ryan Donovan de quatro.
— Papo furado — dispensei seu comentário com um gesto.
— Bryan, fique longe dela, você ouviu Ryan, ele não parecia estar
brincando. — Sam ficara angustiada. Ela pegou a sua mão e apertou-a. —
Por favor.
— Ei, mana, não vai acontecer nada comigo — tranquilizou-a.
— Não se preocupe, Sam. Não vou ficar com seu irmão — falei, não
querendo assustá-la, afinal, ela estava grávida. E era verdade: jamais ficaria
com alguém que não amasse.
— Não? — Bryan piscou. — Pensei que faríamos o que estava dizendo
antes... Você amarrada na cama enquanto eu a possuo — sondou, sem nem um
pouco de vergonha.
Corei, mas sorri.
— Era uma cena do meu livro, que Daniel está querendo publicar. —
Minha saiu fraca.
— Livro? — indagou, desapontado. — Então você não faz nada
daquilo?
— Nunca fiz — admiti, mexendo meus calcanhares no salto de dez
centímetros.
Ele estreitou os olhos.
— Você nunca fez sexo selvagem ou nunca fez...
Cortei-o com o rosto escarlate.
— Não é da sua conta — retruquei. — Vamos esquecer tudo, ok?
Bryan assobiou, tomando meu retruco como um sim.
— Isso explica a histeria do Ryan. — Mirou-me de lado. — Fora a
parte de ser linda.
Sam parecia impressionada.
— Foi um prazer conhecê-la — disse a ela. — Agora vou me sentar,
antes que o dono venha reclamar por estar incomodando vocês.
— Sente-se com a gente — pediu a garota.
— Eu... — Olhei para o Daniel ao meu lado, que me fitava com um
sorriso doce e torto.
— Por mim, tudo bem.
Sorri para Sam.
— Certo.
Todos nós sentamos ao redor da grande mesa. Foi preciso colocar mais
uma de quatro cadeiras junto.
Ryan, Lucky, o homem loiro com cara de Thor e o sujeito musculoso
não tinham voltado do banheiro ainda. Devia estar difícil controlar a fera.
Não entendia por que ele fez isso, não era Ryan quem estava com outra
garota? Contudo, não parecia se importar com ela e seus sentimentos. Bem, e
quando que ele já se importou com uma mulher? Bastardo egoísta.
Daniel sentou do meu lado direito e Bryan no esquerdo. Sam estava do
outro lado da mesa, perto do cara moreno, namorado da Rayla, a irmã do
Ryan. Havia três cadeiras vazias entre os dois. A loira se situava perto da
modelo. Alexia, este era seu nome.
— Onde conheceu o meu irmão? — perguntou Rayla. — Lembro-me de
você do hospital, e naquele dia nem falou com ele. Transando não estão, já
que acabei de ouvir que nunca ficou com ninguém, ou, pelo menos, foi o que
entendi.
Suspirei. Ficou fácil de deduzir que eu era virgem. Contei a verdade, já
que não existia mais namoro de fachada. Daniel sabia de tudo, expliquei a
ele terça-feira, após me interrogar onde estava meu carro desaparecido, pois
devolvera ao Ryan.
— Reencontrei Ryan ao faxinar seu prostíbulo.
Ela franziu o cenho.
— Prostíbulo?
— O apartamento onde ele leva as mulheres para abater — esclareci,
pensando nas loiras que ele expulsou como se fossem cadelas.
Ela riu com o termo, e não foi a única.
— Você chama aquilo de prostíbulo?
— E não é? Eu o vi mandando duas loiras nuas embora, sem respeito
algum. — Meu tom era amargo.
— Vadias nasceram para isso — declarou Bryan com uma risada.
Sam fechou a cara para ele.
— Todas as mulheres são seres humanos e merecem ser tratadas como
tal — repliquei. — Isso deve estar nos genes dos playboys. O que me
lembra de uma vez que assisti a uma novela pela internet, acho que do
México, que dizia: “as tontas não vão para o céu”. Por “tontas”, entendo
“mulheres que gostam de homens fortes e tatuados”.
Rayla e Sam arregalaram os olhos com isso.
— Nem todos os caras são assim — discordou Rayla. — Alex não é.
Ergui as sobrancelhas para o cara tatuado, cheio de brincos, correntes e
piercings.
— Sério? Bom, com certeza foi um dia, meus parabéns por domá-lo.
Ele franziu o cenho.
— Não sou um cavalo para ser domado — retrucou.
Bufei e depois sorri.
— Todos os bad boys são...
Bryan me cortou.
— Isso é uma mancha em nossa honra.
— Ele tem razão — concordou Daniel, ofendido.
Revirei os olhos.
— Apenas digo a verdade. — Fitei os dois, séria. — Bad boys pegam
garotas e as descartam como objetos, sem se importar com seus sentimentos.
Então quando encontram mulheres diferentes ao que estão acostumados e
sentem algo por elas, lutam contra e fazem cagadas, tentando esquecer e
voltar às suas vidas normais. Portanto, são cavalos a serem domados.
— Estamos falando dos bad boys ou do Ryan? — replicou Bryan.
— Dele e de vocês que seguem o exemplo.
Todos ficaram em silêncio por um momento. Em seguida, Rayla
questionou, curiosa.
— O que houve entre vocês?
— Ryan propôs que eu fosse sua namorada para ganhar a aposta que fez
com você. — Virei-me para Sam. — Acho que ele queria tê-la desfilando
para ele.
Seu rosto se transfigurou em uma careta.
— Sabia que ele ia arranjar um jeito de conseguir outra mulher para a
aposta, sem ser a Alexia. Maldito seja. — Ela olhou para a loira, que até
então não havia dito nem uma palavra; notei que a todo o momento seus
olhos estavam no Bryan. Interessante! Será que Alexia estava a fim dele?
Senti meu estômago revirar: se ela gostasse do Ryan, eu não poderia
competir com esse corpo fabuloso.
— Não entendo, se ele estava namorando você de fachada — sondou
Bryan —, por que o cara aceitou jantar com a Alexia?
Soltei um suspiro desalentado.
— Terminamos na sexta-feira — disse, pegando um fio de cabelo e
enrolando no meu dedo. — Nossa situação ficou um tanto... intensa para os
dois. Pelo visto, ele seguiu em frente com o plano.
— Eu já tinha desistido da aposta — Ryan se aproximou de nós e
sentou com Alexia.
Tentei não demonstrar a dor que senti ao vê-lo perto de outra mulher.
Deixei meu rosto impassível, sem expressão. Fazia sempre isso no passado,
quando escondia de Ângela meu amor por Caim; agora não tinha dificuldade
mais.
— Por quê?
Ele deu de ombros e não respondeu. Acho que não aguentou ficar sem
sexo fácil. Viveria livre para desfrutar de quem quisesse. Com certeza
estivera com várias desde o dia em que foi embora da minha casa. Senti
como se houvesse minhocas vivas em meu estômago.
— Não faça essa cara, Anjo. — Sua voz era um sussurro de dor.
Suspirei, mas doeu.
— É a única que eu tenho. Se não quer olhar para ela, talvez não
devesse ficar me encarando — redargui com ceticismo.
Ele expirou, triste.
— Que cara ela está fazendo, Ryan? — questionou Rayla, curiosa.
Sua face estava entorpecida.
— Ela está com raiva, pensando que eu já fiquei com várias mulheres
nesse tempo em que estamos separados, não é? — Seus olhos prenderam os
meus com uma grande intensidade.
Arqueei as sobrancelhas.
— E não ficou? — perguntei.
— Isso não é da sua conta.
Outra vez, escondi o sofrimento, assim ele não desconfiaria da
proporção do mal que suas palavras me faziam.
— Você tem razão, não tenho o direito de saber — concordei com
escárnio. — Assim como você não tem o direito de se intrometer no que eu
vou fazer hoje.
Seu rosto se tornou sombrio.
— O que fará hoje? — soltou cada palavra pausadamente.
Coloquei meus braços sobre a mesa e me curvei para frente em sua
direção. Seus olhos foram para o meu decote em V e escureceram, não de
raiva, mas de desejo.
— Não é da sua conta — repeti sua frase e sorri. Endireitei-me na
mesa, pois não era só Ryan que estava vendo meu decote: o cara musculoso
cheio de tatuagens e o loiro de olhos azuis também olhavam.
— Você não quer me ver perdendo a cabeça...
— Cale a boca! — cortei, furiosa. — Pare de ameaçar as pessoas!
— “Pessoas” não. — interrompeu-me, irado; bem, acho que “irado” era
eufemismo. — Homens que estão te comendo com os olhos. — Sua voz soou
mortalmente fria. Bufei.
— Eles podem fazer o que quiserem. — Dei de ombros. — Como eu
disse, você não é meu namorado, e muito menos meu dono. Deveria reagir
assim com a sua namorada, e não comigo.
— Não tenho namorada. Não devo satisfação a ninguém.
— Não vou discutir de novo com você — falei e olhei para o Daniel.
— Acho melhor irmos embora.
— Não, por favor, espere — pediu Sam, com as íris azuis molhadas. —
Nem agradeci por você ter salvado a minha vida. — Ela chorava. — Lucky
contou a todos que você doou sangue para me ajudar.
— Oh, Rosa Vermelha, não chore — pediu Lucky, preocupado com a
esposa.
— A gravidez me deixa assim. — Ela sorriu, limpando as lágrimas. —
Tentei te localizar em Nova Jersey, sem chance. Pedi até para meu irmão,
que é craque em computador, e nem ele conseguiu.
Impressionei-me com Bryan.
— Você é um hacker?
— Sim, busquei arquivos do hospital com seus dados para localizá-la e
poder agradecer por ter salvado a vida da minha irmã e do meu sobrinho,
mas não fui capaz de encontrar nada. — Seu tom era confuso no final.
Eu ri, deixando todos surpresos.
— Desculpem-me. Tenho um amigo que também é um hacker brilhante e
estava naquele dia no hospital comigo. Foi ele quem deletou todos os
registros a meu respeito. Já serviu no exército há alguns anos. Chama de
“vírus negro” ou algo do tipo.
— Por que esconder seus arquivos? Para não ser encontrada? E quem é
esse cara que é bom em computador? — sondou Bryan, num misto de
confusão e curiosidade. — Preciso conhecê-lo.
— Quando eu estava no hospital, recebi uma notícia ruim, fiquei sem
chão. — Fitei Sam, escorada nos braços do marido. — Soube do que se
passava com você, e não pensei duas vezes em ajudar. Embora estivesse
ciente de que tinham dinheiro, não fazia ideia de quem eram.
— O que isso tem a ver? — perguntou Lucky, atarantado.
Contei a todos que certa vez ajudei uma senhora, impedindo-a de ser
atropelada ao atravessar a rua, e sua filha megera, em vez de me agradecer,
jogou dinheiro em cima de mim, praticamente me dando uma esmola. Fiquei
furiosa na ocasião.
O pessoal da mesa ostentava expressões impressionadas, como se eu
fosse uma maldita heroína. Não era; estava longe disso.
— Juro, nunca senti tanta raiva na minha vida. Se não fosse pela
senhorinha, eu a teria feito engolir o dinheiro de volta. Fui embora
mancando, deixei as notas para um morador de rua. Pelo menos ele ficou
feliz com isso. — Passei as mãos nos cabelos. — Esperaria um
agradecimento, claro, mas não dinheiro. Se eu quisesse ganhar para salvar
pessoas, teria me tornado médica. Bom, de qualquer forma, não desejava que
isso se repetisse, ainda mais naquele dia em que a minha cabeça não estava
tão bem, após a notícia ruim que recebi.
— Que notícia? — inquiriu Ryan, me avaliando.
— Isso não importa. — Focalizei os olhos molhados da Sam. —
Desculpe por pensar que fossem assim também...
— Oh, está tudo bem agora — sussurrou. — Mesmo se você não se
entender com Ryan, ele é de fato um cavalo...
Todos riram (Bryan e Daniel muito mais, porque sabiam o significado
da palavra).
— Ei, o que é isso, Sam? — rosnou, olhando feio para ela.
Ignorou-o e me deu um sorriso, sendo retribuída.
— Sim, definitivamente é — concordei.
— Quer parar de zombar de mim? — sibilou, me fuzilando. — Por que
está me chamando assim?
Sam revirou os olhos.
— Diga uma coisa — começou ela, ignorando o rosnado do Ryan.
— Sim?
— Você falou que escreve livros, não?
— É.
— Que tipo de livro?
Eu sorri.
— Romances, mas este é de dominante e submissa.
— Sério?
— Aham.
Ela colocou as mãos na mesa, encarando-me com brilho e excitação.
— Conte-me alguma coisa, adoro esse tipo de livro. Leio e depois faço
igual com Lucky. — Corou, mas não deixou de falar o que pensava. Gostei
disso nela.
— Maldição, Sam! Não quero escutar sobre suas perversões na cama
— urrou Bryan.
— Ele é meu marido, você não pode fazer nada em relação a isso.
Entenda como pagamento por todas as vezes em que ouvi mulheres gritando
no seu quarto.
Notei, por um breve segundo, Alexia estremecer com o que a Sam disse
a respeito do Bryan com outras. Ela realmente tinha uma queda por ele.
— Ryan é quem gosta desse negócio de dominante e submissa — eu
disse.
Lucky deu um sorriso devastador. Sam dispunha de motivos para se
apaixonar por ele, o cara era inesquecível, ainda mais quando sorria torto
com suas covinhas de bebê.
— Como sabe sobre o Ryan? — Lucky indagou.
— Vi algemas, cordas, chicotes de montaria e várias outras coisas no
seu prostíbulo.
Desta vez, Lucky jogou a cabeça para trás e gargalhou alto. Nem
parecia se importar com as pessoas ao redor. Depois de um segundo, me
olhou de lado:
— Você está se referindo ao apartamento onde ele leva as mulheres?
— Sim — balbuciei, sem entender a sua euforia.
Antes que comentássemos mais sobre o assunto, um senhor de meia
idade chegou à mesa e se apresentou como o avô do Daniel. Era um cara
legal, e chamou os homens para irem bater um papo com ele na sala de
jogos. Eu nem sabia que havia isso naquele restaurante chique.
Pelo jeito do senhor Arnaldo, parecia bem simples. Adorava pessoas
assim, que não deixavam o dinheiro e a soberba subirem à cabeça.
Ficamos na mesa só as meninas e eu. Bem melhor, precisava pedir a
opinião delas em relação a algo. Uma ideia que tive, esperava funcionar.
— Conte-nos, você seria uma boa submissa para o Ryan? — sondou
Sam ao estarmos sozinhas (bom, sem os garotos).
— Nem morta — me precipitei. Hesitante, mudei a resposta: — Enfim,
entre quatro paredes talvez pudesse ser diferente — admiti, a despeito de
estar ciente de que isso não aconteceria nunca. — É aí que entram meus
problemas com o livro: descrever as cenas quentes. Daniel disse que é pela
minha falta de experiência no assunto. Precisarei sentir tudo por mim mesma
antes de publicá-lo. — Meu rosto queimava.
Em seguida, dividi com elas o meu plano de fazer o Ryan sair da toca.
— Pode dar certo, tomei uma atitude similar com Lucky — disse Sam.
— Esses caras têm medo de falar o que sentem, temem o desconhecido.
— Meu irmão não deixa as pessoas se aproximarem dele, acho que
para não sofrer mais perdas. Ele foi o mais afetado pela morte dos nossos
pais — explicou Rayla.
— Isso se chama escape, correm de tudo que pode causar dor a eles no
futuro. — Sam franziu o cenho. — Uma baita idiotice. Se Ryan aceitasse
seus sentimentos (cá entre nós, ele é louco por você), sofreria bem menos e
não a perderia.
— Alguém deveria dizer isso a ele… Se depois do que eu fizer hoje
Ryan não aceitar, vou renunciar dele, mesmo não querendo. — Encolhi-me
com a ideia do bastardo não me querer. Olhei para Alexia, tão calada até
agora. — Assim que ele chegar, você estará pronta para o que combinamos?
A garota mirou o lugar onde os homens estavam, e seus olhos
encontraram os do Bryan. Após, voltou-se a mim.
— Sim, eu topo. E se ele resolver não der o braço a torcer? Nós dois...
— Não terminou. Estremeci ao imaginar os dois se beijando.
— Posso lidar com isso — falei, mais para mim mesma. — Além
disso, preciso dar um jeito na minha falta de experiência.
Antes que as meninas contra-argumentassem, Bryan retornara.
— Se você quiser, posso resolver esse seu problema. — O safado
sorriu torto ao chegar na mesa junto com todos os caras.
Sentaram-se nos seus lugares. Ryan, perto de Alexia, bateu os punhos na
mesa, fuzilando Bryan ao meu lado.
— Estou falando sério, não ouse tocá-la — rosnou, sombrio.
Estreitei meus olhos.
— Você não tem o direito de... — eu me interrompi com a cena que vi a
seguir.
Não desejaria reencontrá-lo nunca, contudo, ali estava Caim, o cara por
quem um dia fui apaixonada, acompanhado de uma garota morena alta e
esbelta.
Caim encorpou desde a última vez que o vi, há três anos; enxergava seu
corpo musculoso debaixo da roupa social, calça e camisa. Seus cabelos
castanho-claros encurtaram. Olhei para ele esperando sentir algo, e nada.
Nem raiva havia mais. Sua presença apenas me fez lembrar-me dela... Com
isso, a dor veio num tsunami.
— Você parece que viu um fantasma — observou Ryan.
Eu me recuperei, ou melhor, tentei fazer a imagem de Ângela ir embora.
Ao mesmo tempo, não queria, mas se pretendia continuar respirando,
precisava deixá-la partir e focar no cara ali no restaurante. Encarei Bryan.
— Você pode trocar de lugar com Ryan? — pedi com a voz aguda.
Ele franziu o cenho.
— Por quê?
— Porque necessito fazer uma coisa, e Ryan não vai deixar eu me
comportar assim com você sem um escândalo. Não tenho tempo para isso
agora — esclareci, meio suplicante, me escondendo ao seu lado. — Por
favor, depois eu explico.
Bryan assentiu e se levantou, trocando de lugar com Ryan, que foi para
o meu lado com as sobrancelhas levantadas.
— Você apenas queria minha companhia?
Bufei.
— Você se acha mesmo, não?
— Sim — respondeu sem nenhum pudor.
— Se não fosse por sua crise de ciúmes, teria feito com Bryan o que
vou fazer com você. — Claro que não usaria Bryan, pois Alexia parecia ter
sentimentos por ele.
— Não estava com ciúmes — rosnou.
Levantei uma sobrancelha.
— Não? — Peguei seus ombros e virei meio de lado para me cobrir da
visão de Caim. — Quem disse que mataria o Bryan se me tocasse? Até onde
eu sei, isso se chama ciúmes, idiota. — Bem na hora, Caim olhou para a
mesa. — Maldição...
— O que foi?
— Tantos restaurantes na cidade e nos encontramos aqui? — Soltei um
muxoxo de raiva, logo fitando a face confusa do Ryan. — Fingi ser sua
namorada, e agora quero que finja ser o meu, caso ele venha até nossa mesa.
— Ele? — A voz soou embargada.
Olhei por sobre seu ombro, e ele me seguiu.
— Você conhece o filho do desembargador? — Ficou rouco.
— Sim, fui apaixonada por ele quando eu tinha dezessete anos.
Ele arfou.
— Namoraram?
Eu ri.
— Não, nunca tivemos nada um com o outro, apenas nos apaixonamos.
Não que isso seja da sua conta.
— É bem difícil imaginar o filho do desembargador amando alguém. —
O falso Thor me mirou de esguelha. — Ele é como nós, não se prende a
nada.
Revirei os olhos. Sabia disso; de vez em quando, me deparava com a
foto de Caim nos tabloides, pendurado em morenas esbeltas.
— Descobri recentemente que ele está noivo. Acho que casa em
fevereiro com a modelo Kate Smith — disse Lucky. — Inclusive, fui
convidado para a cerimônia.
Esperei sentir algo com essa notícia, como ciúmes ou dor. Meu único
lamento era que, se ele não tivesse ido embora, Ângela poderia estar ao seu
lado, comigo. Como doía me lembrar da pessoa que eu mais amava no
mundo...
Peguei a bebida do Daniel e tomei. O líquido desceu rasgando por
minha garganta em chamas. Ignorei, a angústia que estava sentindo era pior.
— Que droga é isso?
— Vodca, minha querida — respondeu Daniel.
— Te incomoda ele estar noivo? — perguntou Ryan, um tanto
vulnerável.
Suspirei.
— Minha situação com Caim é... complicada — respondi. Dirigindo-
me a todos da mesa, falei: — Desde já, quero pedir desculpas.
— Pelo quê? — sondou Alexia.
Ri, nervosa.
— Porque sempre que nos encontramos, nós dois acabamos brigando.
— E você quer me usar para fazer ciúmes nele? — protestou Ryan,
magoado.
— Ciúmes seria se eu estivesse interessada nele e vice-versa. Posso ter
amado Caim um dia, e ele a mim, mas passou.
— Se ele amava você, por que não ficaram juntos? — indagou o loiro.
— Vamos dizer que tinha alguém no meio...
— Kate? — averiguou Rayla.
— Quem? — Minha voz estava grogue com as lembranças jorrando de
minha mente.
— A sua noiva, a moça que está com ele.
— Não, isso que houve entre nós foi há quase sete anos. Tínhamos
vidas diferentes... O destino nos separou antes de ficarmos juntos. Acho que
não era para ser.
— Você lamenta por isso? — Ryan quis saber.
— Na época, sim. Hoje, ele só me lembra dela... — Peguei o copo e
bebi outro gole. — Desculpe, gente, não posso falar sobre isso.
— Se você não o ama mais, por que dói tanto tocar no assunto? — Ryan
resfolegou.
— Por causa de Ângela — respondeu a voz profunda de Caim atrás de
mim.
A dor veio misturada com o desespero de imaginar o rosto sorridente
de minha irmã diante de Caim, e depois sua expressão desolada ao perdê-lo.
Tudo por minha causa.
Respirei fundo e me levantei, girando para encará-lo. Ali estava o
homem que um dia amei, usando um terno Vanquish. Caim continuava lindo,
agora com vinte e quatro anos. O tempo lhe fez bem. Seus olhos verdes
sempre foram a ruína para mim e para todas as garotas do mundo.
Parecia triste
— O que faz aqui? — questionei. Deixara sua noiva sozinha na mesa.
Sempre que nos víamos, ele arranjava um jeito de dizer que me amava.
Esperava que não fizesse isso de novo, pois estava praticamente casado.
— Precisava falar com você. — Olhou para a mesa e franziu o cenho.
— Desde quando você é amiga dos Donovan?
— Faz pouco tempo — respondi, emendando: — Caim, não temos mais
nada a conversar. Chega de brigas, de machucar um ao outro.
Lembrei-me da última vez que o vi no cemitério, quando meus pais
foram enterrados. Ele apareceu dizendo que queria me dar apoio por minha
perda, mas eu não aceitei e gritei com ele na frente das pessoas. Foi injusto
da minha parte, mas estava cercada de dor naquele dia.
— Sei que foi uma má ideia ir ao funeral, isso provavelmente lhe trouxe
várias lembranças indesejadas...
Cortei-o.
— Pare — pedi com a voz fina. — Perdi a cabeça, mas nada daquilo eu
sentia de verdade, apenas estava ferida e descontei em você. No entanto, não
significa que precisamos reviver o assunto.
— Por quase seis anos eu pensei que você me odiava por ter ido
embora, e logo depois... — interrompeu-se ante a minha face lívida. — Tudo
bem, não vou falar sobre ela.
— Bom, porque não quero discutir e feri-lo mais. Espero que seja feliz.
Riu, mortificado, passando as mãos nos cabelos.
— Quando fui embora, tentei de tudo para esquecê-la e tirá-la de mim.
Parece que esse amor está em meu sangue como um vírus maldito, sou
incapaz de eliminá-lo. Fiquei com várias mulheres em razão disso... Nunca
foi igual.
— Agora deve ter me esquecido, já que vai se casar — observei num
sussurro, esperançosa de que ele refizesse sua vida sem pensar no passado.
O que Caim sentia por mim não era amor, e sim ilusão, querendo e desejando
que viéssemos a ter o futuro com que sonhávamos antes de tudo desmoronar
por completo.
— Então sabe que vou me casar em fevereiro. — Não era uma
pergunta. Avaliava-me sem tirar os olhos de mim.
— Meus parabéns — respondi, sincera.
Riu com escárnio.
— Maldição! Como posso amar tanto uma mulher sendo que nunca a
toquei por malditos sete anos? — Sua voz era amarga. — Sete anos sem
sentir o gosto de sua boca e do seu corpo.
Ouvi um grunhido sair da garganta do Ryan, indicando uma possível
briga. Não queria mais escândalos, então me recompus e disse algo que ele
não gostaria de escutar.
— Espero que vocês dois sejam felizes.
— Pensei em muitas coisas que talvez você falasse para mim, mas
“parabéns” não era uma delas. — Soou amargo.
Eu suspirei.
— O que esperava? — Minha pergunta era retórica.
— Uma palavra sua e não me caso com ela. — Aparentava ter
esperança.
Arregalei os olhos, não estava pronta para isso. Droga! Como reagiria
sem magoá-lo mais? Ele jurava me amar. Uma vez fomos amigos, e eu não
queria que sofresse, todavia, precisava abrir seus olhos para o futuro, para
ele seguir em frente sem sonhar com o passado. Não era psicóloga, não
obstante sabia que, quando uma pessoa desejava tanto algo, acabava
pensando não poder viver sem aquilo, embora tudo se resumisse a ilusões
projetadas em sua mente.
— Caim, já passamos por muitas coisas juntos, ou quase juntos... —
Olhei dentro de suas íris verdes. — Em nome de nossa amizade, você
precisa se libertar da nossa história. Ela não existe mais, não retornará. O
destino quis diferente. — Aproximei-me, ficando a um passo dele. — Não
consigo oferecer mais nada... Não depois de Ângela...
— Angie... — sussurrou. Sempre me chamava assim, e o apelido pegou
na escola, por isso o tinha até hoje. Caim mordeu os lábios, se segurando
para não chorar. — Posso ter uma noiva e me casar com ela, mas jamais lhe
esquecerei.
— Você é capaz — insisti com veemência. — Só nunca tentou de fato
— murmurei. — Chegou a hora de seguir em frente, com sua noiva que
parece amá-lo muito, senão ela já estaria aqui, brava com você e comigo.
Não deixe a oportunidade escapar de suas mãos por causa do passado.
— Ela sabe o que sinto por você.
Respirei fundo e fitei a garota, cujos olhos estavam molhados. Droga!
Uma mulher que deixa seu namorado ir atrás de outra e continua ali deve
amá-lo muito. Voltei-me a ele.
— Caim, você tem uma noiva, e eu tenho um namorado...
Interrompeu-me, atônito.
— Namorado? — soltou a palavra com asco. Olhou por sobre meu
ombro, para a mesa, e parou em alguém atrás de mim. Não precisei virar
para saber que era o Ryan, a sua presença incendiava todo o meu corpo.
Ryan me abraçou de lado.
— Olá, Caim. — Sua voz era mortalmente fria.
Caim se voltou a mim.
— Você está namorando Ryan Donovan? — cuspiu as palavras.
— Sim.
Riu com desdém.
— Conhece a fama dele? Droga, Angelina! Ele vai pisar em você, igual
faz com todas as mulheres... Não vê isso? — Suas mãos estavam em punhos,
doido para acertar o Ryan.
— Bem, você também esmagou meu coração, e eu sobrevivi, não? Se
por acaso Ryan fizer o mesmo, aguentarei novamente. — Encolhi-me com a
ideia, acho que morreria caso isso acontecesse, pois o que sentia pelo Ryan
era muito maior.
Ryan apertou minha cintura e beijou meu rosto.
— Nunca farei isso, Anjo — jurou com intensidade na voz.
“É só por atuação”, repeti a mim mesma como um maldito mantra, mas
meu coração queria ter esperança.
— Caim, eu amo o Ryan como nunca amei ninguém na minha vida —
falei. Iria magoá-lo, porém, não havia outro jeito de resolver. Além disso,
era a verdade: estava completa e irrevogavelmente apaixonada.
Ryan não disse nada, mas senti a sua respiração pesada, reconhecendo a
sinceridade em minhas palavras.
— Você... — Caim parecia engasgado.
Eu expirei.
— Você deve sim se casar! Merece ser feliz, e sua noiva também. E só
vai conseguir se deixar o passado para trás — respirei fundo. — Talvez um
dia possamos voltar a ser amigos...
Caim assentiu, mordendo os lábios com força. Fazia isso sempre que
segurava o choro. Encarou Ryan com frieza.
— Se você a magoar, o destruirei — ameaçou. — Não me interessa
quem é o seu irmão.
— Ele não vai fazer isso — garanti, porque Ryan já estava abrindo a
boca e dali não sairia nada de bom, apenas geraria mais brigas entre os dois.
— Adeus, Caim.
Ele respirou fundo, como se doesse.
— Posso dar um abraço de despedida em você? — pediu, suplicante.
Não sabia o que dizer, Ryan não permitiria. Seu braço se transformou
em aço à minha volta.
— Anjo — enunciou com tanto fervor e adoração que quase acreditei
—, se você fizer isso, não poderei me controlar. — Ryan virou para Caim.
— Acho melhor ir atrás de sua noiva antes que acabe ficando sem as duas.
Agora a Angelina é minha.
O olhar de Caim inquiria se era este o meu desejo. Aquiesci, ao que
desapareceu do restaurante. Sua noiva não estava mais ali, talvez cansara de
esperar por ele. Torcia para que os dois se entendessem. Saí dos braços do
Ryan e sentei na minha cadeira como uma boneca quebrada.
— Você está bem? — indagou Sam, preocupada.
Sorri para ela.
— Vou ficar.
Pareceu não acreditar em mim, mas nada disse.
— Que bom.
— Quem é Ângela? — perguntou Rayla, me olhando de lado. — Sua
rival?
Resfoleguei.
— Rival? Não, era a pessoa que eu mais adorava no mundo. Faria tudo
por ela, até entregar o garoto que amava de mão beijada... — Entornei outra
dose da bebida, fechando as pálpebras com força para controlar a dor. Olhei
a mesa sem nada ver. — Desculpem-me, gente, não posso falar sobre ela... A
não ser que queiram me ver tomando todo o álcool deste lugar e ir parar no
hospital.
Não fizeram mais perguntas a respeito, embora a curiosidade fosse
palpável. Falar sobre Ângela era um campo minado. Se eu insistisse,
acabaria explodindo aos pedaços.
— Mudando de assunto: você não vai mais namorar a Alexia? —
perguntou Bryan, erguendo as sobrancelhas para Ryan. — Vai ficar com
Angelina?
— Por que, está interessado? — fuzilou-o em retorno, hostil.
Bryan sorriu ao modo do gato Cheshire, não se preocupando com a ira
do outro. Decerto dizia essas coisas porque estava com ciúmes de Alexia,
comprovando as minhas suspeitas de que havia uma queda mútua ali. Por que
não estavam juntos, se os dois se gostavam? Talvez fosse como Ryan e eu.
— Se você ficar com Alexia, a Angelina estaria livre. — Pude
perceber que não falava sério.
Ryan já ia se levantar para atacá-lo, mas eu o segurei em seu lugar.
— Fique quieto — rosnei, furiosa. — Isso é algo que eu também quero
saber.
Ele respirou fundo.
— O que você quer... eu não posso dar. Não namoro, apenas fodo e
dispenso logo depois, como você mesma já viu.
Guardei a dor para mim; precisava seguir em frente. Chegara a hora de
ele provar que sentia o mesmo ou desistir de vez. Eu me virei na cadeira e
fiquei diante dele, sustentando seu olhar. Coloquei meu plano em ação.
— Não acredito em você. Apenas diz isso para convencer a si mesmo.
Ryan estreitou seus olhos.
— Fico com quem eu quiser — retrucou.
— Prove — desafiei.
Pasmou-se.
— O quê?
— Prove que pode ficar com quem quiser, beije Alexia. — Mantive-me
firme. Era um jogo perigoso, mas necessário.
Ele piscou, chocado, me avaliando.
— Se por acaso fizer isso, como reagirá?
Eu me arrumei na cadeira e peguei a taça de champanhe, bem mais
fraco do que a vodca que havia bebido antes. Todos ali me olhavam em
silêncio, esperando a minha reação.
— Encerramento. — Tomei um gole da bebida, deixando tudo para trás.
— Tal qual fiz com Caim.
— Eu não sou ele — sibilou.
— Não, você não é. É mil vezes pior — declarei. Sua capacidade de
me destruir era muito grande. — Não vou continuar nessa, como uma
adolescente imatura que não tem certeza do que quer. Sei que você tem
sentimentos por mim, Ryan, mas não pretendo aguardar a vida inteira
enquanto você decide o que deseja.
Ele expirou.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que você tem uma decisão a tomar, porque até agora
esteve em cima do muro.
— Não tenho nada a decidir. — Soava enervado.
Peguei meu telefone na bolsa.
— Certo, você fez a sua escolha — Aproximei-me como se fosse beijá-
lo. Ele prendeu a respiração, no entanto, permaneceu ali, intenso,
acompanhando-me morder os lábios. Seus olhos escureceram mais com isso.
— Agora eu faço o que quiser, e você não vai se meter mais na minha vida.
— Você não ousaria...
Ergui-me e me afastei, fitando seus amigos. O irmão dele parecia triste.
— Escolha dele, vocês viram. Com licença, preciso fazer uma ligação.
— Saí antes que dissessem algo.
Capítulo 7
Sensações
ANGELINA
Liguei para o Johnny.
— Oi, princesa — respondeu, animado. — Os meninos estão bem.
— Eu sei, Johnny, confio em você.
— Como foi o jantar? Deu tudo certo quanto ao livro?
Suspirei.
— Você não vai acreditar no que aconteceu hoje.
Contei tudo brevemente.
— Sério? — abismou-se. — Encontrou com os dois?
— Sim, mas eu te liguei para pedir um favorzão. — Mesmo ele sendo
gay, corei ao pensar no que viria a seguir.
— Você pode pedir o que quiser, Borboleta. Charles e eu estamos aqui
para ajudá-la.
— Sabe aquelas cenas do livro, as mais picantes, onde a garota está
amarrada e o cara faz várias coisas com ela? — sussurrei.
— Sim — respondeu, meio confuso.
— Então, o Daniel disse que faltou sentimento ao descrevê-las... Pela
minha falta de experiência com o assunto. — Sacudi a cabeça. — Já
imaginou uma mulher de quase vinte e quatro anos que nunca teve um
orgasmo?
Ele riu.
— Está perdendo a melhor sensação do mundo.
— Pois é! Por isso liguei.
Expliquei o meu plano para fazer Ryan sair da concha em que vivia.
Envolvia o maldito ficar sabendo que Johnny me ajudaria nas cenas do livro.
Esperava que, quando descobrisse, admitisse seus sentimentos. Sem dúvida,
eu não ficaria com meus amigos, pois só tinha olhos para um homem.
— Vamos fazer isso sim, por você — falou Johnny. — Tomara que ele
faça o que espera, Angelina. Não quero que sofra.
— Obrigada, Johnny, aguardo sua ligação. Ele precisa ouvir e pensar
que vai me ajudar. — Também torcia para Ryan ficar comigo.
Desliguei e voltei para a mesa onde estavam todos jantando.
— Não sinto nada por ela — ouvi Ryan dizer a alguém.
Falava de mim, lutando contra suas emoções para não dar o braço a
torcer.
— Que bom que você pensa assim, significa que você não vai se meter
com o que vou fazer assim que eu sair daqui. — Sentei na cadeira ao seu
lado e troquei um olhar com as meninas.
Sua expressão era tempestuosa.
— O que pensa em fazer? — rosnou com os punhos cerrados.
— Tic tac — sussurrei friamente. — Sua escolha foi feita, esqueceu?
Sou livre para fazer o que eu quiser.
Expirava sôfrego, se controlando.
Ignorei-o e avistei os frutos do mar nos pratos de todos, inclusive no
meu. Por que era alérgica a isto? Busquei Daniel, procurando uma resposta a
uma pergunta estúpida: só tinha este tipo de comida ali?
— Pedi para você, não sabia o que queria, então escolhi lagosta.
— Obrigada, mas vou deixar passar. — Empurrei a refeição para o
meio da mesa; todos pararam de comer e se voltaram a mim.
— Por que não vai comer? — perguntou Rayla. — Não gosta de
lagosta?
— Não é isso. — Sorri gentilmente. — Sou alérgica a frutos do mar.
Quando tinha treze anos, comi e fiquei uma semana respirando com ajuda de
aparelhos em um hospital.
Tentei não pensar naquela ocasião. Ângela se enfureceu comigo,
brigava a cada dia para eu prestar mais atenção no que ingeria.
— Oh, por que não me disse quando eu mandei a mensagem com o
nome do restaurante? — questionou Daniel, confuso.
— Acho que estava nervosa demais sobre o livro, não prestei atenção,
desculpe. Mas aproveitem — sussurrei, envergonhada.
— Se você quiser, podemos ir a outro lugar — sugeriu Daniel, pronto
para se levantar.
— Não se preocupe, eu já estava de saída. Preciso fazer algo com
Johnny.
— O que vai fazer com esse idiota às onze horas da noite? — grunhiu
Ryan.
Fuzilei-o.
— O único idiota aqui é você — rosnei. Ao mesmo tempo, meu telefone
tocou e atendi. “Bingo, bem na hora, Johnny”, pensei. — Oi, querido, qual
foi a resposta do Charles? Vai me ajudar com as cenas do livro?
Escutei algumas pessoas ofegarem (os homens, pelo menos; as meninas
sabiam do plano). Quem fez mais alto foi Ryan.
— Charles concordou, se ele participar também — anunciou meu amigo
com um sorriso na voz. Disse isso caso o Ryan pudesse ouvir algo. Mesmo
assim, eu engasguei com a bebida. Não sabia o porquê, já que não faríamos
nada, era apenas atuação.
— Angelina... Sinto muito, pensei que ele escutaria — falou.
— Desculpe — pedi aos demais. Coloquei a bebida na mesa e olhei
para o Daniel. Meu rosto deveria estar vermelho, contudo, precisava
terminar meu plano.
Sam assentiu, ao que seu marido estreitou os olhos, passeando-os entre
nós, desconfiado. Não liguei. Esqueci meu rosto rubro e fui adiante.
— Você acha que um ménage com dois caras resolveria o meu
problema em relação às sensações descritas no livro? Charles disse que
Johnny só concorda se ele também participar. É claro que não vai haver
sexo, e sim... outras coisas... — Tentei soar normal, ignorando o setor
masculino da mesa.
Alguns homens engasgaram com a comida, e outros com as bebidas.
Desconsiderei, focando em um Daniel espantado.
— Oh, com certeza...
— Tantos homens aqui e você vai estudar as cenas com esses caras?
Garota má — Bryan sorriu para mim.
Retribuí o gesto. Se ele soubesse que tudo fora armado entre eu e as
meninas...
— Fechado, Johnny, passarei no Belas Country e comprarei o mousse,
depois vou para sua casa... — De repente, meu telefone sumiu da minha mão
e voou para o outro lado da sala, batendo em uma janela de vidro que virou
apenas cacos. Os outros frequentadores do restaurante se assustaram.
Não me importei com o julgamento de estranhos, mas com as íris
afiadas de Ryan em mim, furioso. Esperava uma reação dele, todavia, não
isso.
— Que droga você pensa que está fazendo? — disse, me erguendo, sem
alterar a voz, pois não queria chamar atenção de ninguém, ao contrário dele.
— Sabe quantos meses levei para pagar aquele celular, seu estúpido?
Ele se levantou também.
— Eu compro outro, aliás, te dou uma maldita loja de smartphones se
quiser — gritou de volta. — Acha que tenho sangue de barata para ouvi-la
dizer essas coisas na minha frente?
Explodi. Certo, era tudo planejado, sim, apenas não contava que ele
fosse ficar tão furioso a ponto de quebrar meu celular. Por que simplesmente
não falava “Não fique com o Johnny, o único que tocará em você sou eu.
Você é tudo que eu quero, Angelina”? Por que complicava tudo? Ele me
deixou com raiva.
— Não foi você mesmo quem jurou não sentir nada por mim? Fez a sua
escolha, não reaja como um namorado traído. — Minhas mãos tremiam,
então as cerrei para não voar no pescoço dele e estrangular aquela cara
linda.
— Isso foi para me testar? — perguntou, descrente.
Trinquei os dentes e falei através deles:
— Não preciso testá-lo. — Ele estava mais certo do que imaginava. —
Mudou de ideia? Quando eu sair por aquela porta, não quero vê-lo nunca
mais na minha vida, entendeu? Decida já.
Ryan ficou calado. Era o fim de tudo, ele jamais insistiria em mim.
Precisava ir embora para cair na cama e chorar sozinha por um amor não
correspondido.
— Levo você para casa — informou Daniel. — Afinal, viemos juntos.
— Não é necessário, vou de ônibus ou de táxi — murmurei.
— Nem pensar — falou Ryan.
— Você perdeu o direito de opinar sobre a minha vida a partir do
momento em que fez sua escolha — sibilei. Todos seus amigos estavam de
olhos arregalados, inclusive o irmão dele, que parecia triste. Sam e as
meninas também estavam, pois nosso plano furou, e bem furado. —
Desculpem-me qualquer coisa, tenho de ir embora.
Saí de lá sem olhar para trás. Ouvi chamarem pelo Ryan, e antes que eu
chegasse à porta de vidro de correr, ele segurou meu braço.
— Se quer conversar, então vamos — falou.
O restante do grupo apareceu também.
— Não vou impedir que a leve, mas se a tocar sem sua vontade, aí
teremos problemas — Bryan ameaçou, num tom de policial impondo uma lei.
— Nunca a machucaria — sussurrou, vulnerável. Ryan olhou para
Alexia: — Você pode ir com Bryan ou Jordan? Preciso falar com ela
sozinho.
A garota sorriu e assentiu, piscando para mim, tal qual Sam e Rayla. Eu
não disse nada, não sabia o que pensar, tudo dependeria de nossa conversa.
— Não se preocupe comigo, vou ficar bem — garantiu.
— Onde vai levá-la? — perguntou Daniel.
— No Belas Country, aonde ela já ia antes. Se quiserem, nos
encontramos lá. — Deu de ombros.
Minutos depois, estávamos voando no seu Bugatti Veyron preto. Já
andara nele, nas várias caronas que me deu para o serviço. Por dentro, era
caramelo-ouro, com costura tipo diamante, alguns detalhes em prata, e
diversos botões que eu não sabia nem para que serviam. Tudo ali gritava
“grana”, assim como os demais pertences de Ryan.
O Belas Country ficava alguns quilômetros antes da entrada do distrito
de Bronx. Assustei-me ao conferir o velocímetro, que constava 260 km/h.
— Dá para ir mais devagar? — pedi, irritada. — Não estou a fim de
morrer em um acidente de carro, tenho duas crianças dependendo de mim.
Ele não respondeu, mas reduziu para 100 km/h. Parou o veículo no
acostamento da rodovia logo em seguida. Um Porsche passou por nós —
pelo menos eu acho que era um Porsche —, e outro carro que não deu para
ver, pois estava escuro. Ambos buzinaram; ouvi Bryan gritar:
— Aproveitem!
Outros quatro carros os seguiram. Um eu acho que era do Lucky, o outro
era do Daniel. Já os dois últimos não reconheci, talvez do cara tatuado e da
irmã de Ryan. Não deu para registrar as marcas; corriam muito.
— Dirija, Ryan, não pode estacionar nesta rua deserta. Quer que alguém
roube seu carro? Ele deve valer uma fortuna!
— Dois milhões — falou em voz baixa.
Fiquei espantada.
— Mais um motivo para irmos embora daqui. — Minha voz saiu fraca.
— O que vai fazer além de me raptar?
— Anjo... — Vi a dor naqueles olhos lindos através da luz do painel de
controle. — Você ia mesmo ficar com aqueles...
— Por que se importa com isso, se não quer nada comigo? Não vou
esperar que um dia me queira. Não sou desse tipo — sussurrei, abrindo a
porta e saindo. Fiquei na frente do automóvel, que estava com faróis ligados.
Ele também saiu e me pegou pela cintura, me abraçando e devorando a
minha boca com uma fome incontrolável. Nossa paixão seria capaz de
devastar o mundo, e eu nem teria notado.
Seus beijos eram urgentes e estridentes. Chupou a minha língua, me
fazendo ofegar de prazer em sua boca. Coloquei as mãos em seus cabelos
lindos e sedosos, trazendo seu rosto mais para o meu, querendo que ele
matasse aquele desejo que eu estava sentindo.
Senti minha bunda no capô do carro. Ryan ficou ali, entre as minhas
pernas, se esfregando com tamanho atrito. Alguma parte racional do meu
cérebro queria reclamar que estávamos em uma rodovia e a qualquer hora
poderia passar alguém, mas não liguei, apenas sentia a sua necessidade
contra a minha de forma louca. Prendi minhas pernas em sua cintura,
apertando mais seu quadril no meu.
Nossa! Era uma sensação maravilhosa, ele me agarrando desse jeito,
como se quisesse se fundir comigo. Deitou-me no capô do carro e se dobrou
em cima de mim, tomando a minha boca. Meus lábios se inchavam pela força
do beijo. Ele estava com gosto de whisky, um sabor dos céus. Suas mãos
desciam pelo meu corpo e abaixaram o meu vestido, o suficiente para exibir
meus seios. Os lábios desceram para o meu pescoço e peito. Também senti a
parte de baixo do meu vestido subir acima da cintura. Fiquei nua para ele, e
não me incomodei.
— Você não está usando calcinha — sussurrou sedento, beliscando
meus mamilos.
Arfei com a excitação, quase implorando por seu toque.
— Calcinha deixa marca no vestido — falei. Sentia sua dureza ali, na
minha pele. Suas mãos vagueavam por todo o meu corpo. Ele colocou a boca
no meu seio direito e sugou-o, faminto.
— Nossa! Eles são fabulosos. — Apertou mais forte, acredito que
gritei de êxtase. — Pode gritar, Anjo, estamos sozinhos. Aposto que faço
você gozar só chupando esses seios lindos e saborosos.
Ele estava certo. Quando cheguei lá, gritei tão alto que meus ouvidos
até doeram. Foi belíssimo, vi milhares de estrelas. Ryan não parou por aí:
desceu seus lábios pela minha barriga, passando a língua. Meu corpo mexia
como o de uma lagarta na areia quente, tanto era o fogo que o incendiava dos
pés à cabeça. Ele circulou a língua no piercing no meu umbigo.
— Quis fazer isso desde o dia em que o vi na sua casa, e você vestindo
aquele maldito shortinho curto. Não sabe o quanto me segurei para não
rasgá-lo e me enterrar dentro de você.
Eu arfava, almejando que matasse aquele fogo a me incendiar.
Ele pegou as minhas coxas, que estavam em volta de sua cintura,
dobrou-as e botou-as em cima do capô do carro, com salto e tudo.
— Ryan, os saltos vão riscar o carro — balbuciei, ofegante, e já ia
tirando as pernas, mas ele as colocou de volta no capô, deixando-as abertas
e vulneráveis para si.
Seu rosto se ergueu, fitando-me com um meio sorriso libertino. Por
onde seus olhos passavam, faziam surgir labaredas pelo meu corpo.
— Uma verdadeira obra de arte em cima do meu carro e acha que me
importo com uma pintura? — soprou com fervor, levando sua face até as
minhas partes íntimas, que nunca tinham sido tocadas por ninguém. — Não
sabe o quanto eu sonhei com isso...
Logo sua boca estava lá, me devorando. O fogo foi tanto que me erguia
do capô, achando que sairia voando. Suas mãos eram as únicas coisas que
me mantinham firme, enquanto me degustava, ou melhor, me consumia.
Parecia estar sobre brasas vivas. Arqueei-me, necessitando de mais dele, a
ponto de gritar. Agarrei seus cabelos, o sentindo chupar meu clitóris com
força e fome. A sensação de outro mundo levou-me a mais um orgasmo
alucinante.
— Isso é só meu. — Sugou a região, dando ênfase ao que disse. Suas
mãos foram para os meus seios. — Eles também.
Gemi e não respondi, sabia que não era verdade, mas não pensei nisto
no momento ou estragaria tudo. Urrei seu nome ao chegar ao terceiro
orgasmo. Nem sabia que isso era possível, ter orgasmos múltiplos; pelo
visto, sim.
— Isso, Anjo, grite o único nome que vai sair dessa boca linda quando
estiver gozando — sussurrou com a voz embargada de desejo.
Ryan levantou o corpo, tirando sua jaqueta e camiseta, expondo aqueles
músculos perfeitos e definidos. Desabotoou as calças e puxou-as para baixo,
junto com sua cueca boxer, deixando sua beleza dura e reta para mim. De
repente, me senti tensa, não querendo fazer isso. Não queria que minha
primeira vez fosse desse modo. Pretendia perder a minha virgindade com um
homem que me amasse, que quisesse estar comigo sempre, e não um que
tinha medo dos seus sentimentos por mim. Esse cara não era o Ryan, e nunca
seria, independente de minha vontade.
— Relaxe, Anjo, não vou transar com você aqui, jamais tiraria sua
virgindade no capô do meu carro.
Eu corei.
— Oh! Então você quer que eu coloque a boca? — Apoiei-me nos
cotovelos e levantei a cabeça para olhar melhor seu corpo perfeito e pronto,
com sua ereção ali, diante de mim.
Ele sorriu para mim e se curvou, beijando meu rosto vermelho de
vergonha, afinal, eu nunca tinha feito isso.
— Vou usar sim essa boquinha linda e saborosa, mas não hoje. —
Beijou-me. Senti seu gosto agridoce. — Você é deliciosa.
Senti-o lá na minha entrada e fiquei tensa.
— Relaxe — pediu de novo. — Não vou entrar, apenas quero esfregar
meu pau nestes lábios rosados da sua boceta gostosa, e neste broto que está
inchado e vermelho de tanto eu chupá-lo.
Ofeguei com sua boca suja. Nunca pensei que gostaria que um cara me
falasse obscenidades, porém, escutando Ryan, adorei. Meu fogo aumentava a
cada segundo. Eu o senti se esfregando na minha entrada e no meu clitóris, e
tudo parecia que estava explodindo dentro de mim.
— Ryan! — Minhas mãos foram para as suas costas e pressionei-me
mais junto a ele. Acho que minhas unhas entraram em sua pele, mas não
reclamou de dor, então deixei passar. Gozei com um grito rouco, e logo
depois senti seu corpo tenso, bem como o esperma caindo pela minha
entrada e descendo para o capô do carro. Arquejávamos após o clímax de
outro mundo. Ficamos os dois ali, moles, tentando recuperar o fôlego.
— Promete que ninguém nunca vai tocar neste corpo, Anjo? — Beijou e
lambeu meu pescoço.
— Não posso prometer isso — sussurrei. Precisava que ele decidisse
agora ou tudo acabaria hoje.
Ryan se desvencilhou de mim, como se eu tivesse batido nele, e ficou
na minha frente, me mirando com os olhos de ventania, mortificado.
— Você não pode querer outro cara depois do que acabamos de ter
aqui. — Soava vulnerável novamente.
Levantei-me do carro, notando as minhas pernas molhadas.
— Limpe-se com a minha jaqueta. — Sua voz estava grossa, mais do
que o normal.
Havia dor em sua face. Eu me senti mal por isso, mas era preciso fazê-
lo enxergar o que estava em jogo caso não decidisse logo. Segurei as alças
do meu vestido, cobrindo meus seios nus. O clima estava um pouco frio; não
liguei. Peguei sua jaqueta atirada no capô e me limpei. Abaixei meu vestido,
arrumando-o para não parecer amassado, um problema sem muita solução.
Procurei por arranhões no capô, e não deu para ver direito, devido à
escuridão e à cor do veículo — preto. Parecia amassado.
— Quantas vezes você já transou neste carro? — perguntei, colocando
a mão na sua cintura.
Soltou um suspiro desalentado, vestindo sua camiseta e passando as
mãos nos cabelos.
— Tenho certos limites. Não transo na minha casa, na minha empresa e
nos meus carros. Você foi a exceção.
Meu coração idiota quase teve um infarto. No entanto, precisava
esclarecer as coisas.
— Ryan, mesmo que nós tenhamos feito isso aqui, você não vai dar o
braço a torcer, e eu não posso ficar te esperando até estar pronto para ficar
comigo. — Expirei. — Eu não posso...
Fiz menção de voltar ao carro, ignorando seus olhos angustiados, mas
ele me puxou para seus braços, pondo uma mão atrás do meu pescoço e
aproximando meu rosto a centímetros do seu; com a outra, apertava a minha
cintura. Segurava-me firme, como se não quisesse me soltar nunca. Escondeu
a face nos meus cabelos, e ouvi-o suspirar contra a minha pele.
— Não suporto a ideia de alguém fazendo tudo que acabei de fazer com
você e muito mais. — Esquadrinhava os dedos de sua mão em minha pele.
— A escolha é sua, Ryan. Assim não dá para ficar. Eu me apaixonei por
você, e você por mim, tenho certeza.
Afastou o rosto do meu. Por um momento, achei que ele ia negar, tal
qual sempre fazia. Todavia, me deu um sorriso brilhante.
— Nunca imaginei que esse dia chegaria. — Pegou uma mecha de meu
cabelo e inalou-a, como se fosse a coisa mais cheirosa do mundo.
— Que dia? — indaguei com esperança. Meu coração estava
descompassado de medo dele não aceitar o que sentíamos um pelo outro.
Tomou meu rosto em suas mãos e olhou bem no fundo dos meus olhos,
intenso.
— O dia em que seria domado por uma mulher — disse com fervor.
Eu ri, em meios às lágrimas.
— Isso quer dizer que vamos namorar de verdade?
Limpou as gotas que caíam pelo meu rosto, beijando-me com
suavidade.
— Não sou bom em relacionamentos, na verdade, nunca tive em um —
assumiu. — Mas acredito que, se eu fizer besteira, você vai me pôr na linha.
Arrastei minhas mãos por debaixo de sua camiseta, tocando sua barriga
tanquinho.
— Com certeza — assenti, emocionada, e depois fiquei séria: — A
única coisa que nunca perdoarei é se você me trair, Ryan. Aprenda com
Caim.
Não obstante, com Caim foi diferente; desisti dele por amor, um amor
lindo e puro. Pesando na balança hoje, entre o que eu sentia pelo Ryan, sabia
que nunca conseguiria desistir dele igual fiz com Caim, por ninguém, nem
mesmo por Ângela.
— Jamais faria isso, Anjo... Desde que a conheci, você é a única em
que penso. — Pôs as mãos na minha bunda e puxou meu quadril para o dele.
Senti seu monte grande ali, a todo vapor. — Isto aqui prova que só você tem
esse poder sobre mim.
Engasguei com o fogo renascendo. Não podíamos fazer isso ali de
novo, tivemos sorte de ninguém passar com o carro. Era melhor não abusar.
— Ryan... — Minhas pernas já estavam bambas.
— Eu sei. — Beijou meus lábios mais uma vez e se afastou. — Vou me
comportar até o jantar no Belas Country.
— O que vai acontecer depois? — perguntei, entrando em seu
automóvel, deixando a jaqueta suja aos meus pés para ser lavada.
Ele me olhou de lado enquanto dava partida.
— Você não vai escrever as cenas do livro? Não acha que eu vou
deixar aqueles dois... Céus, só de pensar nisso me dá vontade de matá-los!
— Apertou suas mãos no volante; os nós dos dedos ficaram brancos.
Deitei a cabeça em seu ombro, tranquila pela sensação maravilhosa de
tê-lo ali perto, sabendo que tudo era real, que me queria de verdade e não
lutaria contra.
Estava perto de contar a ele que foi tudo armação para sair da redoma
em que vivia e aceitar o que sentia por mim. Entretanto, Ryan parou seu
carro e me beijou, me fazendo esquecer do resto.
Chegamos ao Belas Country, o restaurante caipira onde amava ir. A
entrada revestida de pedrinhas brancas formava um corredor grande,
levando a uma porta de vidro de correr. O telhado era de palha, na forma de
chapéu de camponês, com uma placa grande piscando em vermelho, trazendo
o nome do restaurante. Já escutava a música country lá de dentro.
Ryan me puxou para seus braços, beijando a minha testa.
— Você é só minha, e eu serei somente seu, para sempre — jurou com
fervor, tomando meus lábios de novo, faminto. — Com você, nunca é o
suficiente. Vamos entrar antes que eu mude de ideia e a leve embora daqui.
Assenti, meio tonta pela intensidade do beijo. Estava molhada de novo
só de sentir seu toque e sua voz sexy. Céus, a sensação de gozar era
maravilhosa, fora do comum. Foi algo tão intenso que pensei que
desfaleceria em seus braços. Amaria ter mais sensações como aquela, tudo
com ele.
Capítulo 8
Trato
ANGELINA
Entramos no grande salão. Do lado direito, havia mesas de madeira
com cadeiras de carvalho branco, e várias pessoas sentadas. Do outro lado,
ficava um palco de madeira com som baixo e microfones. Ali se faziam os
shows ao vivo. O meio se destinava a quem quisesse dançar música country.
A maioria das pessoas usava roupas ao estilo do local: botas, calças jeans,
camisas xadrez e chapéus de caubói.
— Preciso ir ao banheiro me limpar — cochichei em seu ouvido.
Ele riu, beijando meu rosto.
— Se quiser companhia...
Enrubesci.
— Oh, não! Se entrarmos os dois, não sairemos de lá tão cedo.
— Esta é a ideia.
— Seja bonzinho — repreendi.
Fui para o banheiro me limpar e ajeitar meus cabelos. Quando saí, me
deparei com Ryan tirando fotos com três garotas, duas abraçadas nele, e
olhando para a câmera do celular de uma loira. As que estavam com ele
eram morenas e usavam saias curtas, botas de cano alto e top. A do lado
direito, esbelta, tinha uma mão sobre seu peito, bem onde eu tocara minutos
antes. Vê-lo com essas mulheres cortou meu coração, senti-me traída.
Cheguei perto da loira que tirava as fotos e estava de costas para mim.
Os olhos do Ryan encontraram os meus. Seu sorriso brilhava, à
semelhança de um diamante no sol. Ao ver minha expressão fechada, a cara
de felicidade sumiu como uma luz sendo apagada.
— Anjo...
Li meu apelido em seus lábios, contudo, ignorei e fui sentar numa mesa
grande, no canto, meio afastada da multidão. Ali estavam todos seus amigos
— que já considerava meus também. Do lado esquerdo, ficava Sam, seguida
por Lucky, Rayla e seu namorado. No direito, alguém que ouvira chamarem
de Jordan, Daniel, Alexia e Bryan.
Ryan gritou meu nome, mas segui em frente. Ia me sentar na cadeira
perto do Daniel, deixando um assento vazio à minha esquerda para o Ryan;
antes disso, ele pegou a minha mão e apertou-a delicadamente, fitando meu
rosto.
— O que foi? — indagou, confuso.
Virei a cabeça de lado, concentrada em seus olhos lindos. Como tinha
coragem de perguntar?
— As garotas tocando em você. — Sentei, acompanhada por ele.
— Só estava tirando fotos — respondeu baixinho.
— Certo. — Céus, um homem que teve milhares de mulheres devia
saber que nenhuma garota ficaria feliz com isso. Ryan nunca ligou para
ninguém para entender a gravidade da situação. — Como se sentiria se eu
tirasse fotos abraçada com Bryan, Daniel, Jordan e este aqui? — Fitei o cara
musculoso que parecia ser lutador ou algo do tipo.
— Jason — apresentou-se.
— Você luta? — sondei, intrigada.
Ele se voltou à Sam, e depois a mim, sorrindo.
— Sim, como descobriu?
— Seus músculos. — Apontei com os dedos para o corpo tatuado.
Desta vez ele riu, ou melhor, gargalhou, e não foi o único.
— Luto sim...
— “Bala” é seu apelido no ringue — contou Sam.
— Sério? Por quê?
— Porque quando estou no ringue, só tenho um objetivo: derrubar meu
oponente com um único soco e ganhar a luta. — Piscou, sorrindo de lado. —
Já foi em alguma luta antes?
Assenti de forma dúbia. Esperava poder vê-lo competir um dia, seria
interessante.
— Sim, uma vez, mas era em um clube clandestino...
— O que fazia em um clube de luta clandestino? — indagou Jason antes
do Ryan, que já ia abrindo a boca para falar.
— Minha amiga é da polícia. Ela estava investigando esse lugar, fui
junto para não deixá-la sozinha. Algo bem estúpido, já que é uma policial...
Bom, aconteceu uma briga com uns caras que queriam ficar com a gente. Um
deles passou a mão em sua bunda; ela não vestia o uniforme, e sim um par de
calças coladas, mostrando suas curvas. — Imitei um violão com as mãos. —
Aí, como diz um certo ditado, “A merda caiu no ventilador”.
— O que houve? — Jason parecia bastante interessado.
Ri, sacudindo a cabeça.
— Oh, ela não deixou barato, pegou a mão do cara e quebrou dois
dedos dele. Acho que até hoje ele não pode ter filhos, após ela fritar suas
bolas. — Passei as mãos nos cabelos.
— Garota, me apresente essa mulher — pediu, risonho. — Gosto de
gente assim.
Sorri.
— É mesmo linda, tem um metro e setenta e sete, cabelos loiros cor de
ouro, olhos verde-esmeralda e um corpo que todo homem adoraria tocar.
Quando ando com ela, os caras babam. Aposto que se os mandar ajoelhar,
eles fariam sem questionar.
Jason se curvou para frente com as mãos sobre a mesa, me olhando
intensamente.
— Como sabe que os caras não estavam babando por você? Afinal,
você é linda. — Levantou as mãos e mirou Ryan após seu rosnado: — Só
declarando o óbvio.
Revirei os olhos.
— Vamos dizer que ela tem curvas bem distribuídas pelo corpo. E só
um defeito...
— O quê?
— Sua boca...
— Ela não tem dentes?
Gargalhei.
— Johnny a chama de... — curvei-me para frente e falei baixo: —
“amolecedor de pênis”.
Todos na mesa riram, enquanto Jason fez uma careta.
— O que isso quer dizer? Que ela não é boa de cama? Esse Johnny já
ficou com ela?
— Dificilmente, já que Johnny é gay. Foi ele quem sumiu com meu
arquivo do hospital. É casado com Charles. E se eu tivesse uma fortuna em
mãos, daria tudo ao cara que conseguisse chegar nela com sucesso... Ela
praticamente odeia a “escória” que são os homens. Palavras dela, não
minhas.
— Escória? O que houve com ela para reagir assim?
— Bem, a conheci na Universidade de Columbia, há quase cinco anos.
Depois, se mudou para Trenton, fugindo de um cara que a usou. Não sei bem
a história, ela não me disse, porque doía falar sobre ele. Esse cara a quebrou
de uma forma que considero irreversível. Não perguntei, afinal, também
tinha a minha dor naquela época e não gostava de falar disso. — Expirei,
olhando um aquário repleto de peixinhos, não deixando minha mente
regressar àquela época. — Era doce, meiga e tímida, logo no começo. Usava
vestidos compridos, cabelos presos em um rabo de cavalo e óculos de grau,
bem nerd, digamos. Certo dia, porém, apareceu toda arrumada na faculdade,
vestindo uma calça de couro que abraçava seu corpo com espartilho, e que
mostrava seus bem formados seios. Não de um jeito vulgar, e sim sexy. E
abandonou os óculos. Foi quando nasceu essa garota com nova
personalidade. Em vez de sua beleza e elegância fazerem os homens caírem
aos seus pés, ela os expulsava como uma peste.
— Decerto em razão de um trauma grande que teve. Cada pessoa encara
do jeito de que carece para tentar de alguma forma aliviar sua dor —
declarou Sam. Sorriu ao ver meus olhos arregalados. — Sou psicóloga. Pelo
modo como foi machucada por esse cara, sentiu necessidade de se afastar
dos homens em geral.
— Oh! Acho que por isso ela entrou para a polícia, para se resguardar.
É também uma tremenda lutadora.
— Onde ela está? E qual é o seu nome? — perguntou Jason, intrigado.
— Trenton, Nova Jersey. Fui lá no ano passado, em sua casa, quando
visitamos o clube de luta clandestino. Eu a chamo de Borboleta... — falei.
Também estive em sua casa após pegar os exames de Shane.
Ele arfou de olhos arregalados.
— Borboleta? — Sua voz saiu sufocada, e a face parecia torturada.
— Sim, apelidei-a assim e ela odeia. Tem uma borboleta nas costas,
acima da bunda. Eu tenho uma igual, que ela me obrigou a fazer para selar
nossa amizade.
— Qual o nome dessa mulher? — indagou Jason, nervoso.
Todos da mesa olhavam para ele para tentar entender seu
comportamento, principalmente a Sam, que estava com o cenho franzido.
— Tabitta Rodrigues — respondi, avaliando sua reação. Tomou sua
bebida em um gole e fechou as pálpebras em agonia. — Você a conhece?
Abrindo-as, me encarou de forma distanciada, inalcançável. Não
compreendi.
— Não — respondeu somente, desviando o rosto.
O grupo ficou em silêncio por um segundo. Pensei que ele conhecia
Tabitta... Talvez ela só o lembrasse de alguém de seu passado. Foquei no
agora, e em não me meter na vida dos outros, pois se quisesse que
soubéssemos de algo tão pessoal, ele mesmo nos diria.
Mirei Ryan, que estava de cenho franzido na direção de Jason, mas logo
se voltou a mim, sorrindo.
— Então, vai responder à pergunta? — retomei nossa discussão. Ele
ergueu uma sobrancelha. — Como se sentiria me vendo tirando fotos, bem
colada, com seus amigos homens?
Suspirou.
— Ficaria furioso, pronto para matá-los — disse, chegando bem perto
de mim, pegando meu rosto entre suas mãos e olhando no fundo dos meus
olhos. — Prometo não deixar ninguém mais me tocar, satisfeita?
Sorri com deleite e dei um selinho nele.
— Completamente — respondi e me afastei de suas mãos. O restante da
mesa demonstrava surpresa com nosso diálogo, inclusive Jason, cujos olhos
cor de chocolate, no fundo, continuavam em chamas. — O que foi?
Rayla ergueu as sobrancelhas:
— O que você fez de tão bom para domar meu irmão? — Passou as
unhas vermelho-sangue na borda da taça, sem tirar os olhos de nós dois. —
É praticamente um milagre.
— Sou boa com cavalos. — Ri.
Ryan rosnou, e os demais caíram na gargalhada, até Jason. Agradeci por
ele sorrir novamente. Não sabia o que o deixou triste, esperava que ficasse
bem.
— Minha tia me deu o Neve quando eu tinha quatorze anos, era um
cavalo selvagem. Foi uma luta para ele permitir que o montasse. Finalmente
consegui, e até hoje sou a única. Por isso, fiz uma promessa a ele: só me
casarei com o homem que conseguir montá-lo. Acho que vou morrer solteira
— brinquei.
— Por isso você disse que esperava o príncipe encantado montado em
um cavalo branco? — Ryan entornou um gole longo de sua bebida.
— Sim. Não precisa ser um príncipe, apenas conseguir domá-lo. Levei
um ano para isso. — Fitei seu rosto temporariamente pálido. — O que foi,
Ryan?
Ele sacudiu a cabeça.
— Por que se importa tanto com a opinião de um cavalo?
— Ele não é só um cavalo... Não vai me dizer que está com ciúmes do
Neve?
Estreitou os olhos.
— Não tenho ciúmes — rosnou.
— Não? — Rayla riu, explicando a mim: — Ryan tem medo de
cavalos. Quando era criança, caiu de cima do seu pônei e nunca mais
montou.
Arregalei os olhos.
— Sério? Interessante!
Frio, Ryan virou da irmã para mim, com uma expressão de congelar o
oceano.
— O que é tão interessante? — cuspiu.
Ignorei o seu tom.
— Você é um homem...
Sorriu, zombeteiro, deixando a sua raiva para trás.
— Até agora há pouco, da última vez que chequei, era, sim.
Corei, recordando o que nós fizemos no carro. Tentei recuperar meus
pensamentos.
— O que estou dizendo é que você é forte para lutar por aquilo que
quer. Todos aqui são, eu acho. Quando você deseja algo que vale muito a
pena, tem de ir atrás, lutar, perseverar. Fiz isso com o Neve, não desisti dele.
Portanto, me tornei boa em domar cavalos.
Ele grunhiu.
— Eu não sou um animal — sibilou através de seus dentes trincados.
— Não, você parece mais um ogro ou um homem das cavernas. —
Beijei seu rosto lindo, que fazia uma careta. — Você quebrou meu celular
com raiva, tudo para eu não ir...
Seus olhos ficaram escuros.
— É melhor nem terminar isso, se não quiser que eu mate aqueles
dois...
— De que estão falando? — inquiriu Rayla, ainda atônita ao constatar
que Ryan era de fato capaz de sentir ciúmes de uma mulher. O inferno devia
estar congelando. Logo ela sorriu, batendo palmas: — Está se referindo ao
Johnny e Charles? Eles só ajudaram a armar para salvar o relacionamento de
vocês.
Ryan arregalou os olhos para todas nós mulheres, que ríamos com
cumplicidade.
— Você não ia ficar com eles?
Sacudi a cabeça.
— Não, mas precisava fazer você enxergar que podia me perder caso
não desse o braço a torcer.
— Não acredito que fui enganado por vocês — grunhiu.
— Funcionou, não é? — sussurrei, pegando a carne assada que estava
sobre a mesa em uma bandeja grande. Também tinha farofa de tomate com
carne seca e salada. Coloquei um pedaço de carne na boca, fechando os
olhos por um segundo, sentindo o sabor delicioso e o alimento se
desmanchando ali. Eles trouxeram a comida antes que chegássemos, Ryan e
eu. Mergulhei outro pedaço no molho vermelho.
— Sou apaixonada por este molho. Venho aqui duas vezes por semana,
talvez até mais, dependendo do tempo.
— Você come isso tudo e continua com esse corpo? — Rayla gesticulou
para mim com uma inveja amigável. — Queria ser assim.
Sorri.
— Você é modelo e tem um corpo lindo. Dizem que algumas ficam
muito tempo sem comer para conseguir. — Engoli a carne, fazendo esforço
para não gemer devido ao gosto fabuloso.
— Sim, muitas fazem isso. E você aí, comendo de tudo!
— Você é linda, Rayla! Não precisa se preocupar com a comida. Gosto
de você do jeito que é, magra ou gorda. — Alex riu da careta dela com a
palavra “gorda”. — Para mim, é perfeita.
Pareceu aliviada com isso.
— Hummm, obrigada.
— É uma questão de metabolismo, não sou de engordar facilmente, vem
de família.
— Deus abençoe a genética. — Ela sorriu para mim.
— Parem de olhar a minha mulher — reclamou Ryan para os caras da
mesa.
Eu ri.
— Céus, Ryan, controle esse ciúme. — Bebi o meu chá, observando os
caras solteiros. — Não faço o tipo deles.
Ryan riu com desdém.
— Anjo, você é cega, a única que não nota o tanto que sua beleza
resplandece em todo o lugar que entra.
Bufei.
— Não é verdade. O que eu quero dizer é que vocês quatro — dirigi-
me a Bryan, Daniel, Jason e Jordan — gostam do fácil, porque o que vem
fácil, vai embora fácil, assim não precisam se prender a ninguém ou dar
satisfação. Os outros já foram domados. — Apontei para Lucky, Alex e
Ryan. — Só falta vocês.
Bryan riu com a ideia de ele ser fisgado por uma mulher.
— Desculpe, garota, isso não vai acontecer comigo. — Exalava
confiança.
Reparando nele, no entanto, via como olhava para Alexia sempre que
ninguém estava notando. Significava que tinha uma queda por ela, com
certeza, talvez virasse algo a mais no futuro.
— Vamos ver! Humm, aposto que até o final do ano que vem, vocês
quatro também já terão sido fisgados por mulheres — falei, tomando meu
chá.
Desta vez foi Jordan quem gargalhou alto.
— Aposto um Bugatti nisso...
Engasguei com a bebida e tossi. Ryan deu uma palmadinha nas minhas
costas.
— Você está bem? — sondou, preocupado.
Antes que eu dissesse alguma coisa, os outros ali começaram a soltar
suas apostas.
— Dou uma Ferrari zerada. — Jason piscou para mim.
Estava de olhos arregalados, muda.
— Eu, uma Maserati — anunciou Daniel, sorridente.
Sacudi a cabeça, tonta.
— Eu apostaria um carro como esses, mas não tenho dinheiro para
isso... Só agora comprei uma Range Rover para mim.
Sam cortou o irmão e olhou para mim:
— Ele vai apostar um Porsche.
Bryan levantou as sobrancelhas negras para a irmã.
— Vou?
Ela sorriu para o irmão, assentindo.
— Sim, afinal, você está lucrando muito para a empresa do Lucky...
Lucky a corrigiu.
— Sua empresa.
Fitou-o com amor.
— Nossa — retificou. — Então ele pode apostar.
Pigarreei, mas minha garganta estava seca.
— Gente, eu até apostaria, mas não tenho nada que vocês queiram... —
sussurrei.
— Você poderia fazer um pole dance para nós — brincou Jordan.
Ryan sibilou.
— Você não teria tempo de assistir, morreria antes disso acontecer.
Alisei as minhas têmporas, tentando pensar no que eu daria a eles.
Dinheiro não tinha, mas dançar como uma stripper? Ryan jamais permitiria,
caso eu perdesse. Além disso, nunca me submeteria a rebolar assim na frente
de um homem.
— E vocês, o que iriam querer? — questionei a Daniel, Bryan e Jason.
— É melhor vigiarem o que pedirão — rosnou Ryan, sombrio.
— Quero que você aceite um presente meu sem reclamar do valor ou
coisa do tipo. — Daniel me lançou um sorriso.
— Que presente?
— Na hora você saberá, quando perder a aposta. — Seu tom era
confiante. — Isso ou o pole dance.
Sacudi a cabeça e olhei para o Jason.
— E você?
— Que você faça uma tatuagem escolhida por mim.
Ofeguei, mirando seus braços com tintas coloridas e pretas. Estremeci
ao imaginar isso no meu corpo.
— Não posso escolher? Acho que não ficaria bem toda pintada —
lamentei.
— Prometo que não será um dragão, aves ou nada tão colorido. E o
local também é por minha conta.
Levantei meus olhos para ele; percebi que não mudaria de ideia. Mas o
que era uma tatuagem, afinal? Encarei Jordan, que sorria vendo o meu
pânico.
— Eu quero que coloque um piercing...
Cortei-o.
— Já tenho um piercing.
Ele levantou as sobrancelhas.
— Onde?
— No umbigo.
Sorriu de modo provocante.
— Não, você vai fazer um pouco ao sul de lá.
Engasguei, mesmo sem nada na boca. Escondi o rosto nas mãos.
— Isso é... — Não sabia bem o que dizer, não queria perder essa
aposta.
— Você ainda não ouviu a minha parte — Bryan disse.
Tirei minhas mãos do rosto e olhei para ele.
— Você pode atirar em mim depois de eu realizar todos os pedidos
deles.
Riu e sacudiu a cabeça.
— Se eu atirasse em você, iria preso e Ryan me mataria.
— Com certeza — concordou Ryan, seco.
— Eu não vou querer nada...
Fiquei surpresa.
— Não?
— Você salvou a vida da minha irmã, então fica por isso. — Levantou
as sobrancelhas. — E já está contando que perderá? Porque você vai.
Eu me arrumei na cadeira e observei minhas mãos. Nunca fui de desistir
por nada no mundo, não seria agora que faria isto.
— Vamos fazer o seguinte: conseguirei uma garota para cada um de
vocês, e os quatro vão namorar com elas por dois meses, incluindo passeios
no parque, piqueniques, cinema e outros programas de casal.
Jordan me examinava como se eu estivesse falando em um idioma que
ele não conhecia. Quase ri da sua expressão estupefata.
— E quanto ao sexo?
Dei de ombros.
— Se elas quiserem, vocês que se entendam, não vou me meter nisso.
Minha única condição é que, nesses dois meses, sejam fiéis a elas ou
perderão a aposta.
— Você acha que acontecerá com a gente o mesmo que com Ryan? —
indagou Bryan, descrente.
— Se elas forem ótimas domadoras de cavalos, sim — respondi com
um sorriso.
Lucky gargalhou junto a Ryan.
— Não estou achando graça — resmungou Jordan, de cara fechada.
— Quer desistir?
Estudava-me, provavelmente me achando louca.
— Não desisto de uma aposta, nunca.
— Bom saber, pois já conheço duas para dois de vocês. Logo estarão
domados. — Ignorei suas caretas e pousei meus olhos no Jason. —
Começarei por você.
Ele levantou as sobrancelhas.
— Por que eu?
— Porque a garota que tenho em mente é ideal para você, e não para
eles. — Peguei meu chá e o bebi. Tabitta me mataria, porém, talvez isso
fizesse com que os dois se entendessem. Pelo jeito com que Jason reagiu a
ela, parecia conhecê-la. Ele também aparentava ter sofrido por amor. Depois
procuraria saber mais a respeito disso. A única forma seria perguntando à
Tabitta se ela conhece Jason.
— Qual é o seu nome?
— Surpresa. Não fique preocupado, ela é linda, combina com você.
— Está me chamando de lindo? — riu.
Revirei os olhos.
— E não é? — Sorri, levantando meu chá, ignorando o grunhido do
Ryan. — Um brinde ao Hospital Sagrado Coração, que vai ganhar uma
bolada.
Sam franziu o cenho.
— Como assim?
— É um hospital para crianças que sofrem do coração, mandarei os
quatro carros para lá, se eu conseguir ganhar — informei. Esperava não
perder no final.
Todos arfaram.
— Você não vai ficar com eles? — perguntou Jason, me olhando como
se tivesse nascido três cabeças em mim. Não era o único com esta
expressão.
— Claro que não! Não sairia por aí em um Bugatti de dois milhões de
dólares! — exclamei. Ryan fez uma careta. — Seria assaltada logo na
esquina. E só de imaginar esse valor reunido, me dá calafrios. Não lutei ou
trabalhei por ele. O propósito de ganhar essa aposta será para um bem
maior: colocar vocês quatro no cabresto e ajudar crianças que precisam de
auxílio.
— É muito nobre de sua parte. — Sam sorriu para mim.
Dei de ombros.
— Apenas é um lugar que precisa de ajuda — respondi. Seria lá que
Shane colocaria seu marca-passo, em duas semanas. Eles me deram
remédios para ajudar o movimento do coração dele, pois estava muito fraco.
Por isso sua fadiga e falta de ar, igual vi hoje cedo. Tinha medo dele não
aguentar uma cirurgia, mesmo sendo simples. Ao pensar nisto, meu coração
doía fundo.
— Você é incrível! — declarou Ryan, maravilhado.
Sorri para ele, mas o gesto morreu ao notar duas mulheres ali, olhando
para o Ryan. Uma era morena, com cabelos chanel; vestia jeans e jaqueta. A
outra, loira, usava um vestidinho curto. Seguravam um celular grande na
mão.
— Podemos tirar uma foto com você, Ryan Donovan? — perguntou a
morena.
Permaneci controlada, não faria escândalo, fosse por isso ou por
qualquer coisa. Era óbvio que elas queriam tirar uma casquinha dele.
Ryan reparou em meu rosto impassível. Com um sorriso educado, que
não deixava de ser sexy, passou seu braço sobre meu ombro e me puxou para
ele.
— Pode tirar.
A mulher morena franziu o cenho.
— Achei que tiraríamos abraçadas com você, como vejo nas revistas
— balbuciou.
— Desculpe, mas minha namorada aqui — me lançou um sorriso de
candura — não gosta que eu tire fotos abraçado com outras garotas. Não é,
Anjo?
Exultante, já nem ligava para a existência dos demais.
— Sim, namorado. — Aproximei-me na intenção de beijá-lo e parei
ali, a centímetros de sua face.
— Oh, Anjo! Faço tudo para vê-la feliz — jurou, colocando a mão nos
meus cabelos e puxando meu rosto para o dele. De repente, estava
devorando a minha boca. Uma corsa que ansiava por água, era assim que eu
me sentia pelos seus beijos. Ele não parecia se importar com seus amigos
ali, e nem com a minha boca com sabor de chá, e a sua de whisky. Eu
também não ligava: quando o beijava, tudo sumia; o tempo, as pessoas, o
mundo. Restava somente nós dois.
— Se vocês fizeram isso para despistar as mulheres, conseguiram.
Agora se contenham — brincou Rayla.
Envergonhada, me afastei, contemplando o grupinho de garotas que
queriam o meu homem. Sentavam-se a umas três mesas da nossa, ainda
embasbacadas com a reação dele.
— Agora elas sabem que você tem dona.
Ryan me olhou de esguelha.
— Quer dizer que você é minha dona?
Sorri, beijando seu rosto.
— Claro que sim — afirmei. A música country estava baixa e suave,
não tinha começado a apimentar ainda.
Ele riu, levando minha mão aos seus lábios.
— Você me inutilizou para todas as mulheres.
Meu peito inchou, achei que explodiria.
— Acho bom mesmo — disse e me distanciei, tentando me recompor,
afinal, estávamos em um restaurante cercado de pessoas. Peguei um pedaço
de pizza e comi. Logo me lembrei do Johnny e Charles, e de meu celular
quebrado.
— Empreste-me seu celular, já que fez o favor de quebrar o meu? —
Olhei feio para o Ryan.
Sua expressão agora era triste.
— Sinto muito, darei outro a você — respondeu, me entregando o seu.
— Para quem vai ligar?
Era um iPhone do último modelo. Chique. No plano de fundo, havia
uma foto dele com Jason, Jordan, Daniel e Lucky. Os cinco estavam com
bermudas, saindo do mar com seus bíceps sarados e tatuados. Em Jason, vi
desenhada uma águia preta, no lado direito do peito, e outra colorida —
desta, aparecia apenas um pedaço das asas nos seus braços; supus que a
tatuagem inteira estava nas costas. Jordan tinha uma cruz preta, que pegava
do peito até abaixo do umbigo, e outras tribais nos braços e no ombro
esquerdo. Daniel e Lucky não tinham nada na frente, só se estivessem nas
costas, onde não dava para enxergar na foto. Um grupo formidavelmente
sexy, principalmente Ryan.
— U-A-U — destaquei as letras separadamente. — Acho que vou pegar
vocês como modelos de capa dos livros que farei. Venderia como água,
ficaria rica. E colocaria vocês dois nisso também, Bryan e Alex.
— Deixe-me ver? — pediu Sam, estendendo a mão para o celular.
Notei uma aliança grossa de ouro em seu dedo, e outro anel com a pedra na
forma de uma rosa vermelha. Dei a ela o celular.
— Hummm, isso é uma ideia maravilhosa — concordou Daniel. — Mas
não para mim. Seu livro é sobre um empresário alto e musculoso, com
tatuagens. — Virou-se para Lucky. — Acho que você faria o papel perfeito.
Lucky levantou as sobrancelhas.
— Nem morto. — Seu tom era frio.
Daniel deu de ombros e não disse nada.
Sam sorriu, olhando a foto e depois o marido. Aquela expressão
sombria dele se transformou em amor ao mirar sua mulher. Ali vi adoração,
devoção.
— O seu corpo é o mais lindo de todos, meu amor. Ryan, depois envie
esta foto para mim — pediu, ao que Ryan assentiu. Voltou seus olhos para o
marido: — Você ficaria perfeito de modelo de capa de livro.
Ele fez uma careta.
— Rosa Vermelha, sou um empresário, não um modelo. Já pensou o que
os outros diriam sobre isso? Duvidariam do meu poder. — Soava grosso,
mas controlado. — Ryan poderia fazer isso, já que a namorada é dele, não?
— Elevou seus olhos para o irmão.
— Acho que sim — concordei, sorrindo para Ryan. — Você poderia
fazer o papel do malvado, o Ruger. Ele tem os olhos frios, iguais aos seus...
às vezes.
Ele riu, ou melhor, gargalhou, e não foi o único. Eu os ignorei e disquei
o número que queria. Dirigi-me ao Ryan:
— Seu celular deveria ter senha, sabia? Qualquer um pode pegá-lo e
usar como se fosse você — falei enquanto o telefone chamava.
— Ninguém mexe nele — assegurou. — Só eu.
— Sério? E quanto à sua secretária do outro dia?
— Ela não trabalha mais para mim — respondeu, um tanto sombrio.
Antes que eu dissesse alguma coisa, Johnny atendeu.
— Alô? — parecia confuso, em razão do número desconhecido.
— Johnny, sou eu. — Olhei para a cara feia do Ryan, que tomava sua
bebida.
— Está tudo bem? — inquiriu, preocupado. — Tentei te ligar, mas você
não atendeu.
— Isso porque o homem das cavernas aqui pegou meu celular e lançou-
o contra a janela de vidro do restaurante, após ter ouvido a nossa conversa
— murmurei.
Ouvi os outros rirem do termo. Ryan grunhiu.
— Então deu certo o plano? — perguntou, divertido.
— Não sabe o que está perdendo nos rejeitando — Charles gritou ao
fundo.
Eu sorri.
— Hummm. — Encarei Ryan, taciturno. Não entendia sua antipatia pelo
Johnny. — Deu certo, sim, agora ele está amarrado a mim.
Com isso, a sombra escura em sua expressão se dissipou por completo.
Pegou meus cabelos e ficou brincando com eles.
— Fico contente — falou Johnny. — Você merece ser feliz.
— Obrigada. — Minha garganta se fechou com a emoção. — Como
estão Lira e Shane?
— Dormindo — respondeu. — Se você vai para o apartamento do Ryan
me diga agora, assim deixamos as crianças aqui hoje.
Já era quase meia-noite, então eu passaria a noite na casa do Ryan e
amanhã voltaria para a minha. Não gostava de dormir longe de Shane e Lira.
Também não tinha certeza se Ryan me levaria para a sua casa ou para o seu
apartamento de foda. Se fizesse isso, iria embora na mesma hora.
— Sim, irei com ele — sussurrei. — Obrigada por tudo.
— Amigos servem para isso. Amamos você, Borboleta.
— Eu também amo os dois. Qualquer coisa, liguem para este telefone.
Despedi-me e desliguei. Peguei um naco de carne e comi com farofa.
Estava uma delícia. Virei para o Ryan com o garfo espetado em um pedaço.
— Prove — pedi, e ele abriu a boca. Era um gesto romântico em
público, e nem liguei, adorava isto.
Meus olhos foram para o seu rosto risonho. Notei, pela minha visão
periférica, que todos da mesa também o observavam, espantados. Desfrutei
do momento.
— Já que você está namorando ela de verdade — começou Sam,
olhando o Ryan —, isso significa que vamos ter um baile?
Ryan escondeu o rosto no meu pescoço.
— Me mate.
Ri, alisando seus cabelos loiros.
— Será divertido — declarei. Depois sussurrei em seu ouvido, só para
ele: — Podemos sair mais cedo para ir fazer besteirinha.
Afastou-se e sorriu tal qual o gato Cheshire.
— Gosto de como isso soa — disse, desejoso. Prosseguiu, para Sam:
— Pode preparar o baile.
Sam bateu palmas, animada como uma criança que ganha um presente
de que gosta.
— Eba! Vamos ter um baile!
Lucky a puxou para seus braços.
— Sim, vamos ter um baile, Rosa Vermelha.
Fiquei confusa com a felicidade dela por ir a um baile, embora eu
também tivesse perdido o meu quando fiz dezoito anos. Ângela e eu
estávamos contando os minutos para irmos à festa da escola, já maiores de
idade. Logo veio o fim... E nossos sonhos foram interrompidos.
— Ela não teve um baile — disse Ryan no meu ouvido.
Eu suspirei.
— Eu também não... — murmurei, não querendo lembrar-me daquele
dia. Uma tragédia sempre é uma tragédia.
— Anjo — sussurrou, vendo a dor na minha voz.
— Estou bem. — Tomei a bebida.
Todos estavam calados, prestando atenção em mim.
— Não se preocupem comigo — menti.
No salão, havia algumas pessoas dançando, homens vestidos com jeans
desgastados, botas de caubói e chapéu. Outras estavam em pé, assistindo.
Isso me deu uma ideia, compartilhada com Alexia, Rayla e Sam.
— Vocês topam dançar comigo? — Aparentaram desconfiança. —
Vamos nos divertir, ok? O que é melhor do que estar aqui, cercados dessas
pessoas maravilhosas, nos mexendo ao som de músicas animadas?
— Vamos dançar, então. — Alexia sorriu para mim. A garota realmente
era linda, uma loira deslumbrante.
— O mesmo aqui — falou Rayla. — Faz tempo que não danço. Sabe,
nós poderíamos fazer uma vez por mês um dia de garotas, o que acham?
— Estou dentro! — exclamou Sam. — Então vamos nessa.
Levantei-me e beijei os lábios do Ryan.
— Não quer vir comigo?
Ele fez uma careta.
— Você sabe que não danço, mas pode ir se divertir com as garotas —
disse.
— Aprecio isso, querido — sussurrei, beijando seus lábios de novo.
— Vamos sacudir os esqueletos — gritou Rayla, contente.
Capítulo 9
Escolho você
RYAN
Saí da casa da Angelina após ouvir sua confissão, achei que estava
sendo esmagado de todas as formas possíveis. Sabia que ela se apaixonara
por mim, podia sentir em cada carícia, em cada beijo; na forma com que
aqueles olhos negros me fitavam, com tanto fervor e fome. Deus! Por que
uma mulher como aquela foi se apaixonar por um homem como eu?
Cheguei ao meu apartamento de foda querendo quebrar tudo, porque
representava o bastardo sujo que era. Encontrei-o ocupado por Jason, Jordan
e quatro mulheres. Os dois estavam sentados no sofá, enquanto elas
dançavam para eles. As garotas eram bonitas, devo admitir. Esperei sentir
algo, que meu pau se levantasse, e nada. A única coisa que eu sentia era
raiva. O pior era saber que um dia fiz parte disso.
Rememorando, percebi que eu costumava ser um bastardo filho da puta
que não queria nada sério com ninguém. Agora que conhecera essa garota, no
entanto, não suportava viver sem ela de nenhuma forma. O meu maldito
coração palpitava sempre que estava por perto, e se longe, me sentia vazio.
Todos olharam quando entrei na sala. Os dois sorriram para mim.
— Ainda bem que veio participar da festa — anunciou Jordan,
animado.
— Isso mesmo, estávamos esperando por você — Jason assentiu.
Uma das quatro mulheres se vestia praticamente com roupas de
stripper. Isso me enojava ainda mais.
— Vamos fazer você feliz. — Ela veio me tocar.
Fechei a cara de um jeito sombrio.
— Toque em mim e eu vou esquecer que você é uma mulher — sibilei
entre dentes.
Ela se afastou como se eu tivesse batido nela; claro que nunca tocaria
em uma mulher assim, não deixaria suas mãos poluídas tirarem o cheiro da
Angel de minha pele
Jason se pôs de pé e ficou na frente das garotas, com cenho franzido.
— Qual é a porra do seu problema? — rugiu.
Olhei dele para o Jordan.
— Vocês vão querer comprar este lugar? — Nem chamei aquilo de
apartamento, de fato não era, e sim um abatedouro, um prostíbulo. Este
pensamento me fez uivar de dor e raiva de mim mesmo, pois a mulher que eu
queria estava sofrendo, e eu ali, nesse antro de perdição do caralho.
Os dois me encararam como se tivesse nascido mais uma cabeça em
mim.
— O quê? — indagou Jason.
— Que porra está dizendo? — perturbou-se Jordan.
Expirei, fechando as pálpebras com força. A face de Angie! A dor
estava evidente ali. Abri-as e encontrei as íris azuis do Jordan e os olhos cor
de chocolate do Jason.
— Vocês têm cerca de três segundos para avisar se querem comprar
este lugar, ou vou expulsar essas mulheres daqui e destruir tudo. — Minha
voz era fria.
Finalmente se deram conta de que eu não estava brincando. Algo no
meu rosto chamou atenção deles, não sei o quê. Talvez a raiva? A dor? O
desespero? Tudo isso em uma enxurrada de emoção.
— O que aconteceu com você? — perguntou Jordan. — Cara, você não
está bem. — Mirava-me de cima a baixo. — Está todo molhado. O que
houve?
Nem notara isso antes; havia ficado muito tempo debaixo da chuva,
olhando o apartamento dela, com tudo gritando em mim para eu subir de
volta e a tomar em meus braços, de todas as formas possíveis.
— Vocês vão ficar com ele? Não as quero aqui, se o lugar ainda for
meu. — Apontei o queixo para as garotas.
— Certo. — Jason se dirigiu a elas: — Meninas, desculpem, meu
amigo aqui precisa de nós. Vão embora, nos vemos depois.
Esse “depois” nunca chegaria, porque Jason não era cara de ligar para
alguém. Elas saíram sem falar nada.
— Ótimo, agora conte o que aconteceu com você — exigiu Jason.
Minha vontade era de apenas sentar em algum lugar e tentar esquecer o
que não podia ser esquecido.
— Não quero falar, só desejo sair daqui. — Observei o local com
repugnância. Fui embora, e eles me seguiram sem fazer perguntas.
Foi isso o que Lucky sentiu quando estava com problemas para aceitar
a Sam com Shaw? Aquele dia em que apareceu na casa do Jordan e bebeu
para esquecer. Lucky pensava que não tinha capacidade de cuidar de uma
criança, o que era um absurdo, já que praticamente criou Rayla e eu, e fez um
bom trabalho.
Isso levou-me a me lembrar dos meus pais, de quando se foram... para
sempre. Essa era a razão para eu não poder ficar com a única mulher que já
quis nesta vida. Ela merecia algo melhor do que eu, um cara que a fizesse
feliz. Céus! Só de imaginar outro tocando aquele corpo e beijando aquela
boca linda com sabor de fruta, me dava vontade de matá-lo, mesmo não
tendo direito sobre ela.
Jason e Jordan permaneceram comigo, em silêncio. Entenderam que eu
não responderia nunca. Não conseguia falar porque a dor estava me comendo
vivo.
Fui trabalhar em minha empresa na segunda, contudo, sabia que não ia
ser capaz de me concentrar, por isso voltei mais cedo para casa. Logo na
entrada, me deparei com uma loira deslumbrante com cabelos e pernas
longos, e olhos cor de violeta, acho; não deu para ver direito, afinal, não ia
ficar encarando a garota. Linda! Em outros tempos, estaria louco para dar em
cima dela, porém, não via mais as mulheres deste jeito. Era como se todas
fossem homens aos meus olhos. Ridículo, eu sei, mas era assim que me
sentia.
Logo depois de trocarmos algumas palavras, descobri que era Alexia,
Sam a havia chamado. Foi então que me lembrei da maldita aposta. Com
tudo o que estava acontecendo, nem recordara isso. Não faria mais apostas e
desmancharia esta, não me importava de perder.
O cara da portaria entregou a chave do meu Volvo e disse que Angelina
a dera a ele. Fiquei mais louco ainda, sabendo que ela tinha acabado de
fazer isso. Corri para fora para ver se eu ainda a encontrava, mas não
adiantou. O pior: ela provavelmente me viu na entrada com Alexia, deve ter
pensado que eu a levaria para o meu apartamento de foda. Droga! Tinha nojo
de mim mesmo e deste lugar. Jordan disse que ficaria com ele. Bom. Pelo
menos eu me livrei.
Foi o pior dia da minha vida. Angelina estava sofrendo, pensando que
eu segui em frente e já recorrera a outras mulheres, algo que não aconteceria
nunca, porque ela me estragou para todas. Como pode uma pessoa fazer isso
sem nem transarmos? Arrebatou-me apenas com um beijo. Imagine se a
tivesse em minha cama, comigo dentro dela, fazendo-a gritar meu nome?
Seria a coisa mais perfeita do mundo, o mundo que agora escurecera sem
ela.
No mesmo dia, Lucky e Sam me visitaram. Não liguei muito, a despeito
de precisar falar com a Sam. Não estava com cabeça para nada, somente
meu Anjo importava. Liguei para o Daniel e contei sobre Angie ter
devolvido o carro. Queria dá-lo a ela, mas a garota nunca aceitaria. Pedi
para ele buscá-la em sua casa e levá-la à Luxem todos os dias. Daniel
contra-argumentou que ela não aceitaria sua carona, e conhecendo Angelina,
eu também tinha certeza de que não. Disse a ele que se ela não aceitasse,
deveria ameaçar demiti-la. Eu jamais faria isso, óbvio.
Vi seus desenhos de moda, foi impressionante saber que tinha talento
para isso também, apesar de não ser sua paixão. Os modelos de vestidos
estavam perfeitos para cerimônias de Oscar e Grammy. Isso dava quase
cinquenta mil, mais ou menos. Todavia, diria a ela que valia duzentos, assim
compraria um carro decente. Angie precisava ser menos certinha em relação
ao dinheiro. Era similar à Sam neste sentido: nenhuma delas ligava para
isso, não gostavam de receber coisas caras. Adoraria dar tudo à Angelina.
Agora entendia o que o Lucky passava ao querer presentear Sam inutilmente.
Parecia que algo dentro de mim se quebrava cada vez que pensava nisso.
Era sexta-feira, completava uma semana desde que saí do seu
apartamento. Uma semana de vazio sem ela. Sam marcou um jantar no
restaurante do avô do Daniel, onde anunciaria o meu namoro falso com
Alexia. Claro que isso não aconteceria. Evitei todos naquela semana, não
estava a fim de conversar com ninguém. Eles sentiram que algo estava
errado comigo, acho que me diriam no jantar.
Peguei Alexia em frente à sua casa, ou melhor, na casa de Alex, que
ficava perto da Rave. Alex era meu cunhado. No começo, pensei que ele e
Rayla não durariam juntos, mas o amor que sentiam um pelo outro era mais
forte do que os obstáculos que enfrentaram. Reforçava o que eu teria de
passar caso quisesse ficar com Angelina. Ela valeria a pena, era eu quem
não valia nada.
Ao deixar meu apartamento, estava disposto a abrir mão da aposta.
Para ser franco, desistiria da minha fortuna por ela, se assim tivesse seu
corpo nu debaixo do meu, não só uma vez, mas para sempre. Esses dias
longe foram insuportáveis, sabendo que estava na companhia daqueles dois
caras, que até podiam ser gays, mas suas aparências não me tranquilizavam.
Eram fortes e musculosos, com tatuagens. Isso me matava aos poucos. Como
não tinha direito sobre ela, sofria em silêncio.
A viagem com Alexia até o restaurante foi silenciosa. A garota
perguntou somente uma coisa:
— Bryan estará lá?
Aquiesci, não entendendo a princípio o que ela queria com ele. Fitando
seus olhos violetas, pude ver que tinha uma queda pelo cara, ou algo mais.
Eu não disse nada, afinal, não era da minha conta.
Chegamos ao restaurante do avô do Daniel. Estava pronto para dizer a
todos que eu não aceitaria o namoro de fachada, porque a única mulher que
eu queria era ela, meu Anjo. Não tinha contado a ninguém a respeito de
Angelina, apenas o Daniel sabia disso. Revelaria naquela hora... Foi quando
ela entrou no restaurante com meu amigo ao seu lado, sem se tocarem. Senti
muita ira, contudo, me controlei.
Estava linda! Usava um vestido vermelho brilhante de alças finas
trançadas, apertado em seu corpo, deixando suas curvas bem à mostra, com
decote V no meio dos seios perfeitos. Seus cabelos, soltos nas costas,
formavam ondas. Os lábios carnudos estavam com um batom, acho que de
cereja ou morango. Isso me deu ainda mais vontade de devorar aquela boca
linda. Quando ela entrou no restaurante, todos os homens a fitaram. E, como
sempre, parecia alheia a isso, um anjo com seu esplendor, iluminando o
lugar.
— Uou! Quem é aquela belezura com Daniel? — sondou Jason,
babando. — Será que ele está saindo com ela?
Cerrei os punhos com força só de imaginá-lo, ou outro cara, tocando
naquele corpo perfeito. Trinquei os dentes e falei através deles:
— Se Daniel ousar encostar nela, eu o mato.
Observou-me com cenho franzido.
— O quê? Você a conhece? Cara, me apresente a ela.
— Fique longe — falei, seco.
Nossos olhos se encontraram, pude enxergar a dor em sua expressão.
Assim que viu Alexia do meu lado, o sofrimento se transformou em raiva.
Ela me ignorou e sentou de costas para mim. Seu vestido longo exibia costas
nuas, cobrindo somente a bunda e a frente, deixando a beleza de sua pele de
seda à mostra.
Segurei-me para não acabar com o Daniel. Se ele estivesse fazendo
investidas nela, eu o mataria. E o pior foi Jack, o garçom que a paquerou,
sem nenhum medo que eu fosse matá-lo. Mas como ele saberia que ela era
minha, se não estávamos juntos?
Bryan chegou junto com Jordan e parou direto em sua mesa, antes de
irem para a nossa. Ficou conversando com Angie e a fez rir de algo que
disse. Ela se levantou e continuaram conversando; após, a pegou nos braços
e a rodopiou. Vendo esta cena, minha ira chegou ao auge. Era tanta que eu
podia sentir meu corpo tremendo forte.
Lucky ficou me olhando por um segundo, e depois para Angelina. Não
liguei para ele, confrontaria Bryan por ousar tocar nela. Antes disso, meu
irmão me obrigou a sair dali, dizendo que se eu fizesse isso, a envergonharia
na frente das pessoas, por isso saí de lá e fui para o banheiro tentar me
acalmar.
— Que droga está fazendo? — esbravejou Jason quando a porta do
banheiro se fechou.
Esmurrei a parede. Doeu, mas não liguei.
— Vou acabar com ele, se aquele bastardo ousar tocá-la. Juro. —
Minhas mãos tremiam tanto que achei que fossem cair.
— Ryan, quem é essa garota para você? Eu me lembro dela do hospital,
quando doou sangue para a Rosa Vermelha. — Lucky franziu o cenho. —
Você parece ter sentimentos por ela, não?
— Eu... — Não sabia de fato o que sentia, apenas tinha certeza de uma
coisa: com Bryan ela não ficaria. Se isso acontecesse, não responderia pelos
meus atos. Só de pensar, meu peito se apertava, me sufocando, esmagando
meus pulmões aos poucos, como uma doença incurável. Era algo que nunca
experienciei por ninguém em minha vida.
— Ryan, nos diga o que está acontecendo — pediu Lucky, calmo. —
Por que tem agido tão estranho nesta semana, evitando todos?
Suspirei, desgostoso.
— É coisa do imprinting...
— Que porra isso significa? Imprin...
Cortei Jason.
— Imprinting, aquela coisa que os lobos do Crepúsculo têm quando
veem uma mulher e se apaixonam, esquecendo tudo à sua volta —
resmunguei, apertando meu nariz. Foi o que aconteceu comigo ao ver a
Angelina pela primeira vez.
Jordan gargalhou feito um papagaio.
— Você leu Crepúsculo? Está doente? — Veio até a mim, colocando a
mão na minha testa para medir a minha temperatura.
— O inferno deve estar congelando — zombou Jason, entre risadas.
Cerrei os dentes.
— Querem parar, os dois? Não li nenhum livro, porra, apenas estava
buscando respostas para o que eu sinto, e me deparei com essa palavra
esquisita, e outras como “buu”, “puf”, e “ban”. — Dei de ombros, parecendo
idiota.
Jordan se curvou para frente de tanto rir. Eu estava a ponto de esmurrar
sua cara quando Lucky falou:
— Vamos chamar de amor à primeira vista, foi isso que aconteceu com
minha Rosa Vermelha e comigo.
— Não, vamos chamar de Bala, igual ao apelido do Jason nos ringues,
porque a porrada é certeira. — Jordan apertou os lábios, tentando não rir.
Lucky revirou os olhos.
— Você fala isso porque não aconteceu com você, quero ver o dia em
que for fisgado.
— Oh, cacete, que nunca aconteça algo assim. — torceu Jason. Voltou-
se a mim: — Como conheceu essa garota? Foi atrás dela depois que a viu no
hospital?
— Não, a encontrei de novo há duas semanas, fazendo faxina no meu
antigo apartamento.
— Você vendeu o seu apartamento? — indagou Lucky.
— Para o Jordan. Não ia usá-lo mais.
— O que houve depois? — Meu irmão parecia curioso.
— Eu a chamei para ser a minha namorada por causa da aposta com a
Sam.
Contei tudo a eles, sobre o que sentia quando estava perto dela e o
pagamento da aposta.
— Você ofereceu um milhão? — Jordan ficou atônito.
Só não mencionei que foram dois, e não um.
— Sou mais dar todo o meu dinheiro do que ir a um baile. — Estremeci
com este pensamento. “Baile” era um tema perigoso para mim, desenterrava
lembranças há tempos trancadas dentro de meu ser. Impedia-me de pensar
para não desfalecer.
— Então ela é uma golpista? Pegou o dinheiro e agora está saindo com
Daniel? — analisou Jason, sem entender.
— Não está saindo com Daniel, ele nunca a tocaria. — Ri sem humor.
— E ela não aceitou esse dinheiro, e sim vinte e cinco mil.
Os três franziram o cenho, confusos.
— Por que vinte e cinco mil, em vez de um milhão? — Lucky
perguntou.
— Não sei o porquê, não me disse, apenas falou que era para algo
importante. — Passei as mãos nos cabelos e olhei para o Lucky. — Lembra
que pedi sua ajuda para comprar a Editora Luxem do Daniel?
Ele arregalou os olhos.
— Não vai me dizer que você comprou uma empresa que não é o do seu
ramo apenas por uma mulher? — Não escondeu seu choque, evidente em seu
rosto embasbacado.
— Oh, merda! — Espantou-se Jordan, com os olhos arregalados como
os de uma coruja.
— Sim, uma dupla bosta — concordou Jason, estupefato. — Você deu a
ela uma empresa?
Ri, nervoso, com a mão direita na cabeça.
— Não, foi para conseguir um serviço para ela, já que seria minha
namorada. E também porque ama livros, até tem um blog onde faz resenhas.
Daniel disse que estava vendendo sua parte da empresa ao seu sócio
tarado...
— ...então decidiu comprá-la. — Não era uma pergunta. Lucky sabia
disso.
Dei de ombros.
— Sim. Poderia ter encontrado para ela um emprego na minha empresa,
ou na sua. Mas Angelina ama livros, então tinha de ser lá. Daniel concordou
em vender sua parte, mas o Franklin não, e eu nunca deixaria aquele velho
safado perto dela. Por isso pedi sua ajuda.
— Algo impensado, devo dizer, já que você não entende nada de
editoração — falou.
— Pode ser, e dane-se. De qualquer maneira, jamais jogaria um gatinho
no meio de leões famintos.
— Você acha que ela é inocente mesmo? — Jason levantou as
sobrancelhas para mim. — A mulher te enfrentou ali, com garras de onça, e
não de um gatinho.
Eu sorri, agora verdadeiro.
— Ela é assim quando fica brava. — Contei a eles acerca de seus
design de vestidos, e também sobre escrever livros. — Inclusive, aquela
roupa que está usando é uma obra dela. Ela também os faz, quero dizer,
costura.
— Por isso você estava estranho desde sexta-feira, querendo quebrar o
seu antigo apartamento. E também não ficou com ninguém, só agora sairia
com Alexia... — ponderou Jason — Foi tudo por ela?
— Não quero nenhuma outra mulher depois que a conheci. Não vou
ficar com Alexia. Vim aqui hoje para dizer isso. Apenas meu Anjo importa
para mim.
— Anjo? — Jordan levantou uma sobrancelha.
— Ela parece um anjo, com sua beleza, pureza e inocência. — Cocei a
cabeça. — É doce e meiga, embora eu adore vê-la se irritar de vez em
quando, fica mais linda.
Lucky riu.
— Meu irmão, você foi fisgado, assim como eu.
Pensei em discordar, entretanto, sabia que era verdade. Meu pior temor
se realizou: fui fisgado por uma mulher. Maldição, o que faria agora?
— Não acredito que você foi domado por uma boceta. — Jordan sorriu,
zombeteiro.
— Eu não diria isso, já que nunca transamos.
Ele arregalou os olhos.
— Você está apaixonado por uma mulher com quem nunca transou?
— Ela não é assim. A Anjo está mais para casas no subúrbio com
cercas brancas e príncipes montados em cavalos pedindo sua mão. — Este
representava meu outro problema, o motivo pelo qual eu deveria ficar longe
dela: não era esse cara, nunca seria.
Jason e Jordan riram. Lucky apenas me olhou de lado.
— Ela é virgem, então? Se não fosse, vocês já teriam transado —
sondou Jason, ao que assenti. — Bem que tinha algo de inocente naqueles
olhos...
— Meus amigos estão todos caindo por garotas virgens — lamentou
Jordan. — Primeiro a Sam, e agora essa Anjo. Qual é o nome dela mesmo?
— Angelina. E não sei o que fazer — admiti.
Lucky colocou os braços nos meus ombros.
— Então tome uma decisão, meu irmão. Pelo que notei dessa garota, ela
não parece aceitar as suas cagadas. Pense bem antes de perdê-la.
Eu me encolhi.
— Não posso me afastar — murmurei.
— Vamos lá para fora, e se comporte. — Lucky suspirou. — Não quero
a minha mulher estressada com nada.
Horas depois, me encontrava sentado no Belas Country, esperando
minha linda namorada voltar para a mesa, pois fora dançar com as meninas
no salão. Observando sua beleza e pensando na personalidade maravilhosa
que estava por trás disso, soube que foi a melhor escolha que eu já fiz, não
me arrependia de nada. Deveria levantar as mãos para o céu e agradecer por
ela ter cruzado meu caminho. Sorri ao imaginar as coisas que faríamos logo
mais, a possibilidade de sentir seu gosto de novo.
— Nunca imaginei que um dia eu veria esse sorriso bobo em seu rosto.
— Jordan me olhou de esguelha.
— Eu também não. A Anjo é tudo — declarei.
Lucky sorriu.
— Fomos fisgados por mulheres maravilhosas que se tornaram o nosso
mundo. — Encarou Daniel, Bryan, Jordan e Jason: — Agora falta vocês
quatro.
Bryan revirou os olhos azuis-celestes.
— Vocês nunca vão me ver caindo por uma mulher — garantiu com
firmeza.
— O mesmo vale para mim. — Jordan levantou seu copo de whisky e
brindou com Bryan e Daniel.
— Com certeza — concordou Daniel, sorrindo.
— Mulher é para foder e pronto — disse Jason, entornando sua bebida
e olhando para a pista sem parecer ver nada.
Isso me fez pensar na conversa que ele teve com Angelina sobre sua
amiga policial. Ficara bem interessado, mas quando ela disse seu nome, foi
como se levasse um soco no estômago. Decerto a conhecia de alguma forma.
Sempre soube que ele tinha uma tristeza grande em seu passado. Suspeitava
de que já se apaixonara, e isto deixou uma marca profunda. Talvez fosse por
essa policial. Esperava que meu amigo encontrasse a felicidade logo.
— Rapidinho estarão amando também. Não se esqueçam da aposta:
namorar por dois meses sem traição e mantendo seus paus dentro das calças,
a não ser que suas parceiras queiram transar também. Mas do jeito que a
Anjo é, vai achar umas mulheres mais certinhas. — Ri, sacudindo a cabeça.
— O carma para vocês. Adorarei ver isso.
— Eu também — Lucky se divertiu.
— Já estou quase arrependido — falou Bryan.
— Vai desistir? — provoquei.
Ele bufou.
— Não desisto de uma aposta, nunca. — Sorriu e fitou Jason. — Pelo
menos ela vai começar com você. Até lá, posso transar à vontade.
— Torço para a garota ser gostosa, e não virgem, doce e essas merdas.
— Jason suspirou, tomando mais um gole de bebida.
— Talvez seja a policial. Já imaginou ela algemando você, e não o
contrário? — sondou Bryan, sorrindo.
Jason se engasgou com o álcool, perturbado e tomado por uma dor
momentânea. Todavia, também enxerguei esperança ali. Ele queria que fosse
ela, podia ver em seu rosto. Estava confirmado: a conhecia de algum lugar.
Voltei-me à minha perfeita namorada. Ela sorriu assim que seus olhos
pousaram em mim, deslumbrante como um amanhecer. Este sorriso sempre
destruía a minha existência.
Notei um cara perto da Anjo, encantado com sua beleza. Trinquei os
dentes.
Daniel seguiu meu olhar e bufou também.
— Acho que tem alguém interessado demais, não?
Cerrei os punhos. Fui até ela e encarei o homem que a cercava como um
abutre.
— Ryan... — pediu, colocando as mãos no meu peito. Não bateria nele,
embora vontade não faltasse, apenas deixaria algo claro.
— Ela tem namorado, fique longe. — Beijei-a na frente de todos,
saboreando seus lábios deliciosos com vitaminas A, B, C, D, a porra do
alfabeto inteiro. Afastei-me depois de um minuto e reparei nos olhares
surpresos, tanto do caubói quanto dos outros frequentadores do local. Estava
ciente de que eu era um mulherengo, mas isso era demais, como se ninguém
acreditasse que eu seria capaz de namorar.
— Eu sou seu namorado — falava para ela, alto o suficiente para os
demais escutarem. — Os outros até podem vê-la e cobiçá-la, afinal, é linda
mesmo. Contudo, sou o único homem que faz seu coração acelerar, o único
que, se pudesse, lhe daria o céu, a lua e as estrelas. O que eu posso garantir
é o meu amor, o meu coração e a minha alma. Você foi a única que entrou e a
única que ficará, vou amá-la para sempre. — Dei mais um selinho em sua
boca aberta de choque.
Ouvi assovios, os quais ignorei, focando em minha musa. Todos
voltaram a dançar, me deixando apreciar minha adorada namorada.
— Você também é muito importante para mim. Se estou doente, você é o
meu remédio. Se estou faminta, você é o meu alimento. Se estou na
escuridão, você é o meu guia. Se estou triste, você é a minha felicidade —
sussurrou no meu ouvido.
Quando declarei o que sentia, não a imaginei fazendo o mesmo.
Adorava saber que meu amor por esta linda mulher era retribuído.
— Dance comigo. — Angie passou os braços em meu pescoço.
Apertei sua cintura fina.
— Por mais que eu ame estar com você, explorando suas curvas
perfeitas, preciso negar o convite. Mas ficarei de olho nesses babacas. —
Fuzilei alguns ali e dei mais um beijo nela.
— Vá lá com os homens e nos deixe aproveitar a noite. — Rayla me
puxou dos braços da minha garota — Chega de melação. — Afastou
Angelina para longe de mim.
De acordo, voltei para a mesa.
— Eu quase chorei — zombou Jordan, fingindo limpar o rosto.
Bastardo.
— Divirta-se por enquanto. Quando encontrar uma mulher que faça isso
com você, sou eu quem vou rir. — Dei um soco de brincadeira nele. — No
final, ela será tudo para você. Assim como a Anjo se tornou a razão de eu
viver, desde o dia em que a conheci. Sou o homem mais sortudo da face da
Terra porque, por um milagre, ela me ama de volta.
Angie dançava a música Cotton Eye Joe Rednex, balançando seus
quadris conforme a canção. Não sabia como as quatro não caíam de seus
saltos de dez centímetros. Mulheres... Achei sexy. Talvez, mais para frente,
pediria a ela para fazer pole dance para mim. Sorri com a ideia
maravilhosa.
— A Rosa Vermelha dança muito bem. — Lucky olhava para sua
mulher. — Adoro vê-la alegre.
Bryan riu.
— Eu também amo vê-la feliz. Ela sempre adorou dançar, fazia aula na
escola. — Seu tom demonstrava orgulho.
Sam poderia ser bela, porém, meu interesse continuava em Angie;
devorava seu corpo com os olhos. Cada movimento me deixava louco.
Angelina virou de costas para nós, foi quando vi a tatuagem de uma
estrela de sete pontas acima da sua bunda perfeita. Minhas mãos coçaram,
querendo tocá-la. Ainda bem que teria a noite inteira com ela, adoraria cada
minuto.
— Você viu a tatuagem que a Angelina tem nas costas? Parece uma
estrela com alguns nomes nas pontas — observou Bryan. — De quem serão?
Dei uma cotovelada na sua barriga. Ele praguejou baixo.
— Pare de cobiçar a minha mulher — rosnei. — Olhe a Alexia.
Ele riu do rosnado do Alex.
— Quero minha irmã longe das garras desse aí — falou Alex. — Ela
não merece sofrer de novo.
— De novo? — indagou Bryan.
Alex suspirou, coçando sua barba por fazer.
— Ela se apaixonou uma vez, quando tinha dezenove anos. O cara a
destruiu por dentro e por fora, tanto que meus pais tiveram de interná-la. Ao
sair, ela já não se importava com os homens. — Passou as mãos nos cabelos.
— Acho que ela fica longe deles para se proteger e não ficar daquele jeito
novamente.
— A Sam não deve saber disso, senão teria me contado. — A voz do
Bryan saiu grossa, vendo Alexia dançar com as meninas.
— Ninguém sabe, meus pais a levaram para a Suíça... Depois,
morreram — explicou Alex. — Por isso eu estava com medo dela entrar
nessa de namorada falsa com você. — Dirigiu-se a mim. — Você tem essa
capacidade com as mulheres.
— Temo igualmente por Angelina. — Daniel me olhou, sério. — Não a
quebre, ela já se machucou uma vez. E, com você, seria uma queda maior do
que com o Caim.
— Não vou feri-la — prometi. — Saiba que ela tem mais capacidade
de me destruir do que eu a ela. Nunca imaginei que isso aconteceria, sempre
me esquivei, optando por mulheres fáceis. Um simples olhar dessa garota,
com quem nem transei, me desarmou.
— Isso se chama amor, meu irmão. — Lucky passou o braço direito
sobre o meu ombro. — Você está completamente apaixonado por ela.
— Eu sei, e isso me assusta demais. — Jamais pensei em me declarar
para uma mulher, em especial na frente de um monte de gente, como acabara
de fazer.
Ela veio até mim com um sorriso lindo. Eu me levantei e a puxei para
os meus braços. Peguei-a firme, me enchendo do êxtase por estar ao seu
lado, domado.
— Você estava mais que gostosa rebolando essa bundinha linda —
sussurrei em seu ouvido.
Angie riu baixinho e murmurou também:
— Fiquei toda molhada só de ouvir isso.
Minhas mãos apertavam sua cintura fina e macia.
— Anjo...
Ela riu de novo e se afastou, sem nunca tirar os olhos de mim. Deu-me
um selinho.
Quando imaginaria que um dia eu desejaria me casar com alguém?
Agora, em sua presença, estava louco para possuí-la de todas as formas
possíveis. Queria tê-la comigo o tempo inteiro. A garota me fisgou, me
domou de corpo e alma.
No próximo final de semana, teria um desfile em uma ilha na França.
Era para ser na Flórida, porém, fora transferido. Ao voltar, a pediria em
casamento. Não dissera a ninguém o que estava planejando, seria uma
surpresa para ela. Gostaria muito que Angie fosse comigo; conhecendo-a,
sabia que não largaria o serviço para viajar. Sendo o dono da Editora
Luxem, não me oporia, contudo, ela não poderia descobrir isso por enquanto.
Pretendia chamá-la mesmo assim, mais tarde, na minha casa e na minha
cama.
Nunca pensei que chegaria o tempo em que eu levaria uma mulher para
o meu verdadeiro apartamento. Com ela, queria tudo: filhos, casamento e um
lar com varanda, cerca branca e um jardim na frente. Seria o seu cavaleiro,
faria qualquer sacrifício, até domar um maldito animal selvagem.
— E você tem namorado? — um cara perguntou à Alexia. Ela e as
meninas já estavam vindo sentar em nossa mesa.
A garota piscou e mirou Bryan, buscando ajuda. Não sabia por que não
respondia ela mesma. Ele pareceu entender o olhar, pois se levantou e deu
um passo à frente, encarando sombrio o homem vestido de caubói.
— Sim, você está olhando para ele. — Sua voz soou fria. — Então, se
não se importa, pare de dar em cima dela.
O cara piscou e depois sorriu, envergonhado.
— Desculpe — disse e se retirou.
— Quer dançar comigo? — perguntou Bryan, pegando a mão de Alexia
e a levando para a pista.
— Sim, eu quero.
Bem colados, um tanto afastados de nós, os dois dançavam e discutiam
ao mesmo tempo. Ela disse algo para ele, dando as costas e voltando à mesa.
Antes que chegasse, Bryan a puxou para os seus braços e a beijou, tão
faminto e profundo que pareciam que se fundiriam um ao outro. Ele segurava
sua cintura fina e os seus cabelos, aproximando seu rosto do dela. A garota
correspondia, apertando suas mãos em seu peito e cabelos negros.
Alex pareceu não gostar disso nem um pouco, mas ali tinha algo. Por
isso Bryan estava provocativo comigo, por causa de Alexia; sentia ciúme.
Agora fazia sentido.
Parei de prestar atenção nos dois e foquei na minha amada, que estava
do meu lado com um sorriso enorme em seu rosto angelical. Pensativa, fitava
Bryan e Alexia. Talvez seria Alexia o par dele na aposta.
Capítulo 10
Inocência
RYAN
Angelina e eu nos despedimos dos meus amigos e fomos embora para a
minha casa. Ao passarmos em frente ao meu antigo apartamento, ela
estremeceu. Acho que pensou que eu a levaria para lá. Isto nunca
aconteceria, pois a garota valia mais do que qualquer coisa neste mundo. Ela
era o meu futuro, o meu raio de luz, e um dia seria a mãe dos meus filhos.
— Ele foi vendido — anunciei, avaliando seu rosto.
Angie piscou.
— O quê?
— O prostíbulo, como você mesma o chama. — Revirei os olhos com o
termo que inventou. — Eu o vendi na sexta-feira passada.
Ela sorriu; brilhava mais do que o sol. Meu Deus! Jogou-se para mim,
colocando seus braços e suas pernas ao meu redor.
Eu a segurei por sua bunda linda, entrei em casa e fechei a porta, tudo
com ela nos meus braços.
Angelina beijava meu pescoço.
— Você não tem ideia de como fico feliz com isso.
Eu ri e a levei até o toalete, ligando a torneira da banheira branca. O
local era grande, com piso cor de areia, uma pia de mármore preta e um box
de tamanho considerável.
Coloquei-a sentada no balcão da pia enquanto enchia a banheira com
água quente e espuma de lavanda, seu cheiro.
— Fique aqui — pedi.
Ela assentiu, mirando-me com os olhos bêbados de desejo. Quase me
esqueci de tudo que precisava fazer. Nós tínhamos ficado no carro, então ela
precisaria de um banho, e eu também.
Escutei o barulho de panos caindo ao chão. Quando olhei para cima, a
vi nua. Reparei em suas pernas longas e perfeitas, o quadril com curvas, sua
boceta linda e raspada, a barriga lisa e os seios pequenos, que cabiam
perfeitamente em minhas mãos. Seu rosto inocente estava um pouco corado,
sorridente.
Fiquei extasiado, com uma enorme vontade de possuí-la ali mesmo,
devorando-a de todas as formas possíveis. Precisava me controlar, porque
ela era virgem. Antes que eu pudesse pedir para ela ter dó de mim — não
era justo ficar nua na minha frente, provocante —, Angie se lançou na minha
direção e me beijou com uma fome que nem acreditava ser possível. Nossos
lábios doeriam depois; não me importei.
Agarrei-a pela bunda e a apertei. Ela enrolou os pés em minha cintura,
gemendo em minha boca, com as mãos em meus cabelos, prendendo meu
rosto junto ao seu. Nossa! O beijo estava selvagem e faminto dos dois lados.
Prendi-a na parede, pressionando meu quadril contra o dela. Em seguida, me
afastei um pouco, colocando um dedo em sua entrada molhada.
— Não vou tirar sua virgindade hoje, mas posso abrir um pequeno
caminho? — pedi.
— Hummm — gemeu, incoerente.
— Você quer isso? — sondei. Não faria nada sem sua permissão.
Angelina passou a língua no meu pescoço. Reprimi um gemido e me
controlei para não fodê-la forte.
— Sim, eu quero tudo que você quiser. — Sua voz falhava de desejo.
— Transarei com você, só não hoje. — Não sabia quanto tempo
aguentaria minhas bolas azuis. Seria um sacrifício danado me esfregar contra
ela e não colocar para dentro, como eu gostaria.
— Ryan... — Inseri um dedo em sua boceta apertada e perfeita.
— Isso mesmo, chame meu nome enquanto eu a faço gozar. — Empurrei
tudo. Ela estremeceu. Com o polegar, acariciei seu clitóris, acelerando os
movimentos, o que a deixou nas nuvens. Seu corpo se projetava para cima e
para baixo, querendo acompanhar o meu dedo dentro dela.
— Oh, isto é o céu!! — gritou, apertando minhas costas. No dia
seguinte, estaria cheio de arranhões. Não liguei.
Acelerei mais a pressão contra seu clitóris. Ela explodiu, jogando sua
cabeça para trás, fechando os olhos e urrando meu nome. Nunca vi nada mais
lindo.
— Perfeita! Tão linda quando goza — sussurrei, maravilhado, olhando
seu rosto suado e trêmulo com seu orgasmo alucinante.
Ela sorriu, meio tímida.
— Não é gozar que me faz sentir mole e em êxtase, e sim você.
Eu ri e a coloquei na banheira com água morna, cheia de espuma.
Apoiou-se na borda, sem nunca tirar os olhos de mim.
— Você está muito vestido, não acha?
Sorri, passando a camiseta por cima da cabeça e a jogando no chão.
Notei que observava minha barriga, e suas íris escureceram ainda mais
quando tirei a calça e a cueca.
— Vendo algo que gosta? — sondei, entrando na banheira junto com
ela.
— Sim, você é tão perfeito! — falou, quase pasma. — Será que isto
não é um sonho? E amanhã acordarei e você não estará mais aqui?
Puxei-a para o meu colo, sentindo meu pau duro em sua entrada
perfeita. Controlei-me, pois ela não estava pronta. Toquei seu rosto e os
cabelos, presos num coque bagunçado, talvez para não os molhar na
banheira. Seus olhos negros como ônix me fitavam com intensidade.
— Sou real, e quando amanhecer, continuarei aqui, e no dia seguinte, e
no outro... — Beijei a ponta de seu nariz. — Serei tão grudento que você
brigará comigo querendo espaço.
Ela riu, passando a língua nos meus lábios.
— Vou amar, porque isso significa que ficaremos assim. — Rebolou no
meu colo e meu pau salpicou para cima, querendo ser enterrado.
— Anjo...
— Agora é a minha vez — disse, saindo do meu colo e ficando ali na
minha frente.
Eu franzi o cenho.
— Sua vez?
— Você colocou a boca em mim, farei o mesmo em você.
Queria tanto que isso acontecesse comigo, com nós, mas não a forçaria
a me dar prazer como dei a ela.
— Tem certeza disso?
Mirava meu rosto.
— Você não quer que eu faça porque não tenho experiência? — Sua voz
era só um sussurro, mas detectei a dor ali. Foi como um soco no estômago.
Eu me ajoelhei na banheira e a puxei para os meus braços. Beijei-a por
um momento, fitando suas íris negras umedecidas. Como podia pensar que eu
não a queria por sua falta de experiência, se esta questão me deixava
imensamente feliz?
— Anjo... Quero isso mais do que qualquer coisa. Sonho com esses
lábios carnudos em volta do meu pau, chupando e sugando, há muito tempo.
— Toquei seus lábios abertos de choque. — Quanto a não ter experiência, eu
me sinto um bastardo sortudo, porque significa que você nunca colocou essa
boquinha no pau de ninguém. Será só minha. E você pode fazer qualquer
coisa com meu corpo.
Angie me deu um sorriso que cintilava o lugar e meu coração.
— Você pode me ensinar para eu ficar experiente só para você. —
Beijou meu rosto, sem desviar os olhos. — Quero fazer isso. Não estou
pronta para transar, mas podemos fazer todo o resto. — Sorria como um gato
prestes a comer um canário. — Sente-se na beirada da banheira. — Indicou
o canto. — Apoie as costas na parede.
Fiz o que ela pediu, deixando que assumisse o comando. Quase ri disso.
Quando na minha vida sonhei em permitir a uma mulher tomar as rédeas no
quarto? Nunca! Essa garota veio para me fazer cair de joelhos. Não estava
reclamando.
Angelina se ajoelhou, colocando as mãos em cada uma das minhas
pernas. Seus seios desnudos estavam empinados na minha direção, tudo para
minha cobiça e tentação. Ela encarou meu pau duro como granito e seus
olhos brilharam com o que viu, o que me fez quase gozar. Lambeu os lábios,
em expectativa para saboreá-lo. Pegou meu pau duro em suas mãos pequenas
e apertou-o delicadamente. Não sabia o que estava fazendo, mas, mesmo
assim, fiquei perto de gozar antes da hora. Ela trançou os dedos na coroa,
pegando uma gota do meu líquido lubrificante e colocando-a na boca.
Gemi, apertando minhas mãos na beira da banheira com tanta força que
achei que os nós dos dedos ficariam brancos.
— Você está me matando aqui — sussurrei com a voz gutural e
anasalada.
Ela sorriu de modo libidinoso.
— Hummm, nada mal. — Curvou-se para frente e colocou seus lábios
em forma de coração na cabeça do meu pênis, passando a língua em volta
dele como se fosse um maldito pirulito. Levou-o mais ao fundo de sua boca e
sugou forte; meu corpo tremeu.
Gemi, fechando os olhos e sentindo o prazer me dominar. Ficava louco
ouvindo seus gemidos e gracejos. Eu era um cara grande, e tinha orgulho
disso. Ela não conseguiria me colocar inteiro em sua boca quente, mas o
êxtase que eu sentia dizia o contrário.
Abri os olhos e alisei seu rosto corado.
— Aperte a boca um pouco mais, não deixe os dentes pegarem nele —
pedi, traçando suas têmporas suavemente.
Obedeceu-me com intensidade. Uma visão de outro mundo: ela com a
boca cheia.
— Isso, agora segure com a outra mão o que sobrou do meu pau, o que
você não conseguiu colocar na boca.
Usou a mão direita, balançando para cima e para baixo, em
conformidade ao ritmo de seus movimentos, sugando-o e lambendo-o.
— Isso mesmo. — Fechei os olhos de novo, sentindo o êxtase chegar
tão intenso que coloquei minha cabeça contra a parede. Estava prestes a
gozar com cada sugada que ela dava.
— Anjo... — Minha voz falhou. — Se não quiser que eu goze em sua
boca, precisa tirar agora...
Apenas gemeu e acelerou mais os movimentos, levando-me bem ao
fundo de sua garganta, apertando meu pau mais uma vez. Foi quando eu
explodi, gritando seu nome, o nome pelo qual tinha adoração.
Ganhei muitos boquetes em minha vida, e com mulheres experientes,
contudo, nunca foi como este... Com ela, eu vi estrelas. Não! Vi uma
constelação inteira, ficando mole. Para quem nunca fez sexo oral, ela se saiu
muito bem. Parte da minha alegria residia no fato de sua boca nunca ter
estado em outro homem. Pensar nisso me dava vontade de matar um. Por
sorte, ela era só minha, e seria para sempre.
Angelina liberou meu pau mole e levantou seus olhos quentes e bêbados
para mim, limpando sua boca com as costas das mãos.
— Então, como me saí?
Detectei nervosismo em sua voz. Será que ela estava preocupada de eu
não ter gostado? Era louca?
— Você foi excepcional, tão incrível que estou até mole. — Era
verdade, foi o melhor boquete de todos os tempos.
Ela sorriu brilhante e me abraçou.
— Farei melhor na próxima vez, me esqueci de apertar suas bolas.
Dizem que isso deixa os homens loucos — sussurrou, beijando meu pescoço.
Gemi, saindo da banheira e a levando comigo nos braços.
— É melhor pararmos por hoje, já está tarde. — Eu não queria parar,
aliás, queria ficar com ela a noite inteira, sem espaço para descansar. —
Amanhã continuamos.
Angie franziu os lábios em um biquinho bonitinho, algo que sempre
achei fútil e sem graça em mulheres, mas nela era lindo e fofo.
— Mas me deu vontade de novo enquanto chupava você. — Mordiscou
meu ouvido. — Estou toda molhada, e não é da água da banheira.
Rosnei, feroz, devorando sua boca, sentindo o gosto do meu gozo nela.
Dei à minha mulher gostosa aquilo pelo que tanto ansiava: eu.
Capítulo 11
O tempo não apaga
ANGELINA
Acordei com o sol brilhando do lado de fora das janelas de vidro. As
persianas estavam recolhidas, por isso a claridade ali dentro. Já era tarde,
só não sabia o quanto. Observei o corpo quente e másculo por quem estava
completamente apaixonada. Sorri ao me lembrar do que fizemos à noite,
ardia ao pensar nos detalhes. Foi o melhor sexo oral da minha vida... Aliás,
foi o único.
Ryan estava com sua barriga tanquinho para cima, sem camisa, de boxer
preta, com a mão direita sobre seus olhos fechados, e a outra em minha
cintura. Seu rosto esculpido parecia sereno ao dormir um sono profundo. A
boca sexy, entreaberta, me deixava com fome dele de novo. Estava louca
para acordá-lo para continuarmos de onde paramos — e, agora, fazer o sexo
realmente, já esperara demais. Queria sentir seu corpo sobre o meu e
realizar meu sonho de possuir este homem gostoso e lindo.
Saí de fininho da cama, não querendo acordá-lo. Já era quase meio-dia
no relógio do despertador. Ainda bem que hoje era sábado, então
poderíamos aproveitar mais. Notei que estava sem roupas. Peguei uma
camisa verde dele e vesti; batia nos meus joelhos.
Fui à cozinha fazer o café da manhã para nós dois, pois estava faminta.
Era enorme, com armários de aço na parede, um fogão inox perto da pia de
mármore e uma ilha grande no meio da cozinha. Em cima da pia, havia uma
janela de vidro que exibia uma vista linda para o horizonte onde o sol se
escondia à noite.
Anos atrás, Ângela e eu fizemos uma promessa: no dia em que
completássemos dezoito anos, viajaríamos pelo mundo e veríamos o sol
nascer em vários lugares. Um sonho interrompido por causa de um monstro
que nos seguiu e fez meu carro capotar. Ela amava o sol, então eu o
observava todas as vezes que se punha, como se minha irmã estivesse logo
atrás, olhando para mim.
Preparei waffles e panquecas. Por sorte, sabia onde ficava tudo, pois
havia arrumado sua casa antes de ir trabalhar na editora. Depois que fiz o
café da manhã, organizei a mesa com leite, suco e iogurte. Após me
alimentar, saí da cozinha e segui para a sala de estar, gigante, com vista para
a cidade, dois sofás grandes na forma de L e uma estante com uma TV de 50
polegadas. Sentei-me em uma mesinha perto da janela de vidro e passei a
fitar Manhattan; um paraíso de se olhar por anos e nunca se cansar.
Peguei o iPhone do Ryan de cima da mesinha. Na noite anterior, deixara
seu número com Johnny para ele me ligar caso precisasse de mim. Vi as
mensagens perdidas de meu amigo, eram muitas. Será que aconteceu alguma
coisa? Não, tinha certeza de que tudo estava bem. Não podia sempre pensar
no pior, sabia que meus garotos encontravam-se seguros.
Ouvi passos vindo do corredor enquanto discava para Johnny. Olhei
para cima e me deparei com a bela visão do homem mais lindo do mundo.
Um verdadeiro Adônis. Peguei o celular e bati fotos, querendo eternizar a
imagem diante de mim, tudo para minha cobiça. Esse deus grego era só meu.
Quando tivesse meu telefone, passaria as fotos para ele.
Ryan usava cueca boxer, sem camisa, mostrando o V perfeito da barriga
tanquinho com alguns gominhos, o peito forte e os ombros largos. Seus
cabelos estavam bagunçados de um jeito sexy. Essa visão me encheu de
cobiça.
Arregalou os olhos assim que bati a primeira foto e sorriu torto para a
segunda.
— Espero que não pretenda mandar isso para ninguém. — Soava rouco
de sono, fomos dormir mais de três horas da manhã.
Eu pisquei.
— É claro que não! Elas são o meu presente.
Ele veio até mim, me puxou para seus braços fortes e me beijou como
se eu fosse seu café da manhã; de fato, eu queria ser. Retribuí o beijo com
igual vigor e paixão. Logo fomos interrompidos pelo toque do celular.
— Hummm — murmurou em minha boca. — Deixe-o tocar.
Era isso que eu queria, mas não podia ignorar a ligação. Afastei-me do
meu homem lindo e mirei seus olhos quentes.
— É o Johnny — disse, acrescentando mediante seu rosnado: — Não
seja assim. Eles são meus amigos.
Ryan assentiu sem querer e se distanciou, sem retirar a expressão
quente de seu rosto, me derretendo por dentro.
— Eu sei, desculpe. Prometo que serei legal com aqueles dois.
Contanto que mantenham as mãos longe do que é meu, não teremos
problemas.
Ergui minhas sobrancelhas.
— Eu sou sua?
Ele riu, lançando um olhar ávido ao meu corpo, que foi direto no meu
centro.
— Você é toda minha, Anjo, dos pés à cabeça. — Deu um sorriso
pervertido. — Quer mais provas?
Engoli em seco, pegando fogo. Era tão difícil resistir a ele, ainda mais
com esse corpo quase nu, me olhando como se quisesse me levar para a
cama e não me deixar sair dela tão cedo. Tonificado, com músculos
definidos em todos os lugares certos: peito, pernas, braços. Fora o rosto
esculpido, as íris cor de whisky, a boca sexy levantada em um sorriso
libidinoso. Nossa! Com esta visão, meu núcleo queimava em atrito.
Impossível me segurar, como um drogado tentando resistir ao seu veneno
preferido. Contudo, precisava saber o que estava acontecendo com meus
irmãos.
— Atendo enquanto você toma café da manhã — falei, levando o
celular ao ouvido.
Ele sacudiu a cabeça, ainda sorrindo. Tão lindo que só pude ficar ali,
encarando-o de boca aberta como um peixe.
— Preferiria me alimentar de outra coisa... — Notou que eu vestia sua
camisa, e seus olhos escureceram mais. Depois, virou-se e foi para a
cozinha, sem notar o efeito de suas palavras em mim, um maldito vulcão
prestes a explodir.
Estremeci e me recuperei.
— Oi, Johnny. — Minha voz saiu fraca, então pigarreei.
— Angelina. — Parecia nervoso.
Um gelo desceu por minha espinha, me deixando tensa.
— Aconteceu alguma coisa com os meninos?
— Anjo... — Ryan me chamou num tom preocupado. — O que houve?
Caminhava em minha direção com um iogurte de morango em mãos.
— Não, os meninos estão bem, se acalme — Johnny me tranquilizou.
Coloquei minha mão direita no coração e suspirei aliviada.
— Graças a Deus. Então qual é o problema? Você parece agitado. —
Sinalizei para o Ryan voltar a tomar café, mas ele balançou a cabeça e ficou
ali perto do sofá, atento.
— Não ligue a TV, Borboleta... — pediu Johnny, um tanto aflito.
— O quê?
Ele suspirou pesadamente.
— Não ligue a TV, por favor — repetiu, suplicante. — E não saia nas
ruas agora.
— O que está na TV? — Fiquei confusa. O que poderia estar passando
de tão grave que ele não queria que eu visse? Corri até o sofá, peguei o
controle e liguei o imenso aparelho.
Ofeguei de pavor e pesar; fotos minhas e do Ryan no Belas Country
estampavam a tela: eu o beijando na mesa, eu dando comida para ele em sua
boca. E o que vi em seguida fez meu mundo cair de vez, uma imagem que
arrancou meu coração...
— Anjo — chamou Ryan, aturdido, chegando perto de mim.
Escutava Johnny ao fundo, no entanto, meus ouvidos pareciam
obstruídos com algodão. Fui tomada de dor por todos os lados. Na TV, uma
menina de dezessete anos e meio festejava com homens aleatórios, usando
roupas curtas e provocativas, com olhos negros e vazios; olhos que um dia
brilharam mais que o sol.
Ryan arquejou. Não liguei que a princípio ele pensasse que fosse eu.
Não era eu ali, e sim ela... A pessoa que representava tudo na minha vida.
Agora, todos esses malditos jornalistas falariam mal da minha irmã, usando
meu nome nas imagens que ali circulavam. Também diriam que eu pretendia
dar o golpe do baú no Ryan, fora os nomes impróprios que utilizariam os
veículos midiáticos.
Meus olhos se encheram de lágrimas com a dor que se apossou de
mim... Tão forte que tudo embrulhou dentro do meu corpo. Corri para o
banheiro e caí de joelhos no chão, vomitando no vaso sanitário o que comera
há pouco. Ryan correu para o meu lado e pegou meus cabelos. Esquivei-me
dele, me sentindo como aqueles jornais me descreviam.
— Não chegue perto mim — gritei, chorando.
Ele deu um suspiro desalentado.
— Anjo, eu sinto muito.
Por que ele sentia muito? Por que estava sofrendo? Não queria que
sofresse por minha causa. Sentei-me no chão do banheiro e escorei a cabeça
na parede de azulejo frio, tentando aliviar a dor.
— Johnny, o que está havendo com ela? — perguntou Ryan, com o
celular que caiu em algum lugar.
Ignorei a conversa deles, só pensava em Ângela. Ela fez tudo aquilo,
saía com caras aleatórios, porque não pôde lidar com a angústia de perder
Caim. Não lutou de outra forma para seguir em frente, não, recorreu ao
álcool e a homens desconhecidos. Tentei salvá-la do poço onde estava se
afundando; não consegui.
Histérica, me debatia no chão do banheiro, querendo que o sofrimento
fosse embora, mas ele nunca iria... Não me importava em me machucar, uma
dor a mais não faria diferença.
— Anjo — balbuciou Ryan, assombrado ao acompanhar minha crise.
Estava entorpecida de amargura por todos os malditos lados.
Braços fortes me pegaram, me suspendendo do chão, me aninhando ali
como se eu fosse um bebê frágil. Ainda me debatia, pedindo para ele me
soltar, contudo, Ryan não deu ouvidos, apenas me prendeu na cama com
minhas mãos em cima da cabeça e seu corpo sobre o meu, impossibilitando-
me de lutar.
Minhas forças foram embora; fiquei ali, mole por um segundo,
soluçando e gemendo. Por que eu não fui com ela? Ângela me deixou sozinha
para lidar com tudo isso, com sua perda. A escuridão que me rodeava era
profunda, impedia-me de ver as coisas ao meu redor.
— Por quê? — urrei. Seus braços fortes continuavam a me firmar em
seu aperto.
— Oh, Anjo... — falava agoniado, incapaz de me trazer de volta da
escuridão.
— Por que ela me deixou? Por que não me levou junto? — Através na
névoa escura, ouvia vozes não muito longe, mas era incapaz de chegar até
elas. A dor em meu coração me cegava, como se eu estivesse em uma
maldita fornalha, me queimando sem poder morrer...
— Porque você precisava cuidar de seus irmãos. — Ryan resfolegou,
me trazendo de volta ao presente. Parecia que eu estava em uma rua deserta,
caçando e gritando, querendo encontrar Ângela. Pedi para me levar com ela
a todo custo. Em meio ao negrume, não conseguia ver nada, muito menos
quem eu tanto desejava. Somente sentia a dor a me consumir.
Abri meus olhos molhados de lágrimas e encontrei os de Ryan.
— E para eu amar você. — Beijou minhas lágrimas, carinhoso, não de
forma sensual, me tratando como a coisa mais preciosa de seu mundo.
Gemi, sacudindo a cabeça. Mentalizei Lira, minha bonequinha linda, e
meu irmão, que precisavam de mim, que eu fosse forte para eles. Não podia
me permitir cair agora, lutaria por quem amava, enfrentaria a dor que estava
esmagando meu corpo, meu coração.
— Lira... Shane. — Minha voz saía quebradiça como vidro.
— Eles estão na sala.
— Eu preciso... — Tentei me levantar, mas ele não me deixou.
Ryan respirou fundo.
— Você precisa se controlar antes, porque senão vai preocupá-los.
Fechei meus olhos por um segundo, depois os abri, acompanhando sua
face apreensiva. Eu estava vermelha e inchada de tanto chorar. Não sabia
por quanto tempo saí de mim, talvez horas? Minutos?
Ryan me fitava, entorpecido. Tirou suas mãos das minhas e alisou minha
bochecha, meus olhos, minha boca. Esquadrinhou meu rosto como se
estivesse memorizando-o.
— Desculpe-me...
Encostou sua testa na minha sem desprender os olhos dos meus.
— Sei o quanto doeu ver aquelas fotos. — Sua voz tinha uma pontada
de raiva. — Meus advogados estão entrando em ação para processar todos
esses abutres desgraçados.
— Quanto tempo fiquei fora?
Ele se encolheu.
— Quarenta minutos, mais ou menos...
Quarenta minutos? Lembrava-me de estar em um lugar escuro e rodeada
de dor, um pesadelo do qual não podia acordar.
— Eles disseram que quero seu dinheiro... — Minha voz falhou;
escondia meu rosto em seu pescoço. — Eu não quero, Ryan. Nunca quis. —
Apertei meus braços em suas costas. — Você precisa acreditar em mim.
Depois da minha crise, me dei conta de que talvez ele estivesse
pensando isso, que eu estava interessada em seu dinheiro. Nunca fiquei com
tanto medo de perdê-lo como agora, principalmente após saber o quanto ele
me amava. Esperava que esse amor fosse suficiente para ele nunca duvidar
dos meus sentimentos.
— Oh, Anjo! — Sentou-se na cama e me puxou para seu colo, me
embalando tal qual uma criança e beijando meus cabelos. — Você não é
interesseira. Rejeitou dois milhões, me deu seus modelos de vestidos que
valem quase duzentos mil só para pagar os vinte e cinco mil que aceitou
antes, e também pelo serviço que eu consegui para você. — Afagava meus
cabelos. — Se fosse uma golpista, teria pego os dois milhões na hora sem
nem mesmo pensar. Não o fez porque é pura. — Deu um selinho na ponta de
meu nariz. — Acredito em você de olhos fechados.
Engoli em seco.
— Ryan...
Ele alisou as minhas têmporas.
— Nunca senti tanto medo quanto há pouco, vendo você daquele jeito,
sem poder fazer nada, sem poder enfiar a mão em seu peito e arrancar toda a
sua dor… Eles vão pagar por isso. Eu juro.
— Sei que ela fez tudo aquilo, saiu para festas e com caras aleatórios,
mas foi porque não soube lidar com a dor de perder Caim. — Ainda assim,
eu não o culpava mais. Ninguém podia escolher quem amar. Talvez se eu o
tivesse conhecido depois dela, ele teria se apaixonado por Ângela, em vez
de mim?
Coloquei meu ouvido no coração do Ryan, de modo a aliviar um pouco
a dor da lembrança. Concentrei-me no ritmo de suas batidas e no seu cheiro,
que me deixava bêbada.
— Eles não têm o direito de falar sobre ela assim — chorei. — Minha
irmã não está aqui para se defender.
— Eu sei, meu Anjo, eles não tinham, mas vão pagar — concordou. —
Prometo.
— Confio em você.
— Você pode lutar, é muito forte, uma guerreira. Saberá defendê-la com
garra. E estarei com você até o final. Sempre.
Afastei meu rosto de seu peito e conferi sua expressão solene.
— Dói tanto falar sobre ela — murmurei com lágrimas a escorrer.
— Eu sei, querida. — Limpou-as com as pontas dos dedos.
— Às vezes, sinto raiva por ela ter ido... Prometemos nunca deixar uma
a outra — sussurrei. — Se eu tivesse feito mais...
— Tudo acontece nesta vida por uma razão — disse suavemente.
Tomou fôlego, fechando os olhos: — No dia em que meus pais foram para
Nova York de carro, era para eu ter ido com eles. Minha mãe estava
promovendo um baile de caridade, ela sempre fazia isso e me chamava,
querendo me prender a alguma garota certinha. Nunca dei ouvidos. Não
estava pronto para deixar a farra; com dezesseis anos, eu era igual a logo
antes de conhecer você.
Abriu os olhos e beijou meu nariz. Depois voltou a cerrá-los, acho que
para controlar a dor.
— Por isso minha aversão a bailes, porque me lembram ela. Era para
eu estar lá naquele carro com eles. Você não sabe o quanto pensei nisso
durante vários anos, que eu podia ter partido junto. Não era a minha hora,
mas eu pensava em mil maneiras de impedir o acidente, se estivesse lá...
Encolhi-me por dentro, por sua perda tão similar à minha. Ryan,
erroneamente, se culpava por isso.
— Você não tem culpa. — Ele abriu os olhos com o som da minha voz.
— Se estivesse lá, também teria... E jamais nos conheceríamos.
Ele beijou a minha testa.
— É o que repito a mim mesmo depois que a encontrei. Sabe quantas
vezes eu desejei estar lá e ter ido com eles? Muitas. Por isso lutei contra o
que sentia por você no começo. Não queria permitir que entrasse, porque
logo iria embora e desapareceria como eles.
— Isso é...
Ele me interrompeu.
— Ridículo, eu sei, mas era assim que eu me sentia. Meu amor por
você é maior do que qualquer coisa. Maior do que a culpa, maior do que o
mundo. Então entendo como se sente em relação à sua irmã, mas aqui há
pessoas que precisam de você. Seus irmãozinhos ali na sala, preocupados
com você. — Deu-me um selinho. — E eu. Nunca dependi tanto de ninguém
em minha vida.
— Também preciso de você, Ryan. — Beijei sua boca por um segundo.
Na sequência, me afastei dele com meus olhos arregalados. — Oh, meu
Deus!
— O que foi? — Soou urgente ao tocar meu rosto com as mãos.
Fiz uma careta.
— Eu vomitei e nem escovei os dentes. — Saí de seus braços e corri
para o banheiro, já pegando uma escova nova. Ele tinha um estoque dentro
da gaveta. Coloquei a pasta, escutando sua risada gostosa e ardente.
Fitei-o com o cenho franzido.
— Por que está rindo?
— Meu Deus, como você é linda! — Ele riu mais, pegou a minha
escova e jogou-a na pia de mármore. Eu estava prestes a reclamar quando
me beijou com fervor e adoração, uma mistura muito boa. Tentei empurrá-lo,
pois precisava me limpar, contudo, Ryan não deixou. Não tive forças para
impedi-lo. Ele chupou a minha língua como se fosse um pirulito saboroso.
— Poderia aprofundar mais o beijo, mas a sala está cheia de gente,
incluindo seus irmãozinhos... — Riu, sacudindo a cabeça e se afastando um
pouco. — Shane já chegou bravo comigo, pensando que era eu o motivo de
você chorar daquele jeito.
Arregalei os olhos.
— Ele sabe?
— Eu estava no telefone com Johnny quando ele ouviu seus gritos. —
Encolheu-se com a memória, depois sorriu. — Shane me deu dez minutos
para eu levá-la à sala ou ele entraria aqui e acabaria comigo.
Gargalhei, porque só meu garoto diria isso sem se importar de estar
falando com um homem. Era o meu protetor.
— Este riso é a coisa mais linda que já ouvi — declarou, observando
minha boca. — Pelo menos você sorriu um pouco.
Antes que eu respondesse, escutei a voz urgente do meu garotinho lindo.
— Angie — gritou, batendo à porta do quarto.
Respirei fundo.
— Estou saindo, meu amor — respondi, deixando os braços do Ryan.
Escovei meus dentes e penteei meus cabelos com os dedos; pareciam um
monte de feno. Já ia desistir e prendê-los em um rabo de cavalo, mas Ryan
pegou um pente na gaveta e veio atrás de mim para arrumá-los. Fiquei
surpresa.
Ele arqueou uma sobrancelha, me fazendo inveja.
— O que foi? — Olhava-me através do espelho.
— Você é o homem mais perfeito do mundo, o sonho de toda mulher —
falei, maravilhada por ele me amar.
Ryan sorriu.
— Anjo, sou assim só para você, ninguém mais. — Terminou, deixando
meu cabelo escovado e em ondas às minhas costas. — Como você disse, se
você estiver doente, procurarei o remédio; se estiver sofrendo, farei de tudo
para aliviar a dor; se chorar, secarei suas lágrimas com meus beijos; se
precisar de um amigo, estarei lá para você; se necessitar de um amante, serei
o seu; se quiser ir para a lua, a levarei. No final, quero ser o seu mundo, pois
você é o meu.
Como um homem mulherengo podia ser capaz de dizer tudo isso? Santa
Mãe do Céu, tirei a sorte grande por esse deus grego me amar.
— O que foi? Parece impressionada. — Sorriu torto.
— Ryan Donovan, o deus do sexo puro, o queridinho das mulheres, está
fazendo um poema à sua namorada?
Seu sorriso brilhava como diamante. Iluminava tudo: meu ser, minha
vida.
— Deus do sexo, hein? — Virou a cabeça para trás e gargalhou. —
Repito: só faço coisas assim para você. Mais uma primeira vez para eu
colocar na minha lista.
— Existe uma lista? — perguntei, ultrajada.
— Você está bem, Angie? — sondou Shane, me interrompendo de falar
que ele era o melhor homem do mundo, pular em seu pescoço e beijar cada
canto de seu rosto lindo.
Eu me recompus e saí do banheiro, gritando na direção da porta do
quarto:
— Sim, já vou sair. — Ryan ficou escorado no batente da porta. Seus
olhos estavam quentes, mas preocupados. Usava uma bermuda jeans, sem
camisa.
— Seus amigos estão lá fora? — Corei ao relembrar a crise que tive.
Ele assentiu.
— Agora são seus amigos também. — Olhou-me de lado.
— Não tenho roupas aqui, apenas o meu vestido.
— O Johnny trouxe algumas para você. — Foi até uma cadeira que
ficava no canto e pegou uma bolsa rosa, a mesma que comprei no Walmart no
ano passado. — Até que ele serve para alguma coisa.
Ryan sorria de leve. Em sua presença, a dor ficava menor. Estava
doendo, sim, contudo, ele a tornava mais suportável. Como se, de alguma
forma, Deus o tivesse enviado para me ajudar a passar por tudo que estava
enfrentando com Shane e minhas perdas... Era grata aos céus por ele ter
aparecido na minha vida.
Fui para o banheiro me trocar, porque não tinha muito tempo. Precisava
encarar meus problemas, encarar um bando de jornalistas. Vesti um jeans
skinny e uma blusa de alças finas, afinal, o tempo estava bom lá fora, a
despeito de não poder sair do hotel por enquanto.
Ryan não entrou comigo no banheiro; se entrássemos os dois ali, não
sairíamos tão cedo, e meu menininho estava impaciente do outro lado da
porta. Meu belo namorado já estava vestido com um jeans desbotado e uma
camiseta que abraçava seu corpo tonificado, com logotipo de uma banda de
rock que não conhecia. Seus cabelos loiros estavam de um jeito bagunçado e
sexy. Lindo, era esta a descrição ideal.
— Esqueça esse pensamento por enquanto. — Sorria cálido.
Ele estava certo: tínhamos problemas para enfrentar lá fora.
— Angie, você está demorando muito, então eu vou entrar. — Shane
anunciou, abrindo a porta. Correu até mim e abraçou minha cintura. Tinha
oito anos, mas era um menino grande. Acho que puxaria os quase dois metros
do meu pai. — Mana, você estava chorando por quê? — Sua voz tinha uma
pontada de raiva. Ele se afastou de mim e estreitou os olhos para Ryan. — É
por causa dele?
Mirei seu rostinho preocupado.
— Shane, meu amor, o Ryan está me ajudando a passar por isso tudo...
Ele me interrompeu.
— O que aconteceu? Está toda vermelha e inchada — rosnou, fechando
os punhos. Shane tinha um metro e trinta, grande como papai em sua idade.
Quando completasse quinze anos, ficaria mais alto que eu, se não antes. De
qualquer maneira, sempre seria meu bebê. — Quero acabar com quem fez
você chorar assim.
Eu ri, abraçando-o forte. Seu cheiro natural de bebê e sabonete de
morango me deixava inebriada com amor. Queria sentir isto por toda a minha
existência.
— Eu te amo muito, meu amor. — Beijei seu rostinho.
— Por que ficou triste agora?
— Não estou triste... Estou feliz por ter você e Lira em minha vida. —
Pigarreei. — Agora vá com Lira.
— Promete ficar bem?
Levantei a mão direita para cima num sinal de juramento.
— Palavra de escoteira.
Soltou uma risada gostosa e rica.
— Você nunca foi escoteira.
Baguncei seus cabelos.
— Sim, eu fui, mas uma péssima — cochichei.
Riu de novo e foi para a sala, fechando a porta. Fiquei ali, mirando a
porta de madeira e lamentando por ele estar doente.
— Anjo, o que está acontecendo? O que foi? — Ryan correu para o meu
lado e me abraçou. — Por favor, me conte.
— Não posso perdê-lo, Ryan... — choraminguei.
— Eu não vou... — interrompeu-se, me afastando e olhando meu rosto.
— Você não está falando de mim, não é?
Balancei a cabeça.
— Preciso ser forte por ele. — Fechei os olhos por um momento.
— É sobre o Shane? — Parecia confuso. — Você não vai perdê-lo,
querida, aquele garoto venera o chão que você pisa.
Respirei fundo e abri os olhos, fitando suas íris preciosas.
— Aquele dia no hospital em Nova Jersey, descobri que Shane tem uma
falha no coração, e precisará fazer uma cirurgia...
— O quê? No coração?
Aquiesci.
— Sim, foi por isso que aceitei o dinheiro da aposta, para poder
adquirir alguns remédios. A cirurgia foi marcada para daqui a duas
semanas...
— Não vai acontecer nada com ele, eu juro.
— Talvez se eu... — Minha voz falhou no final.
— Não existe “se”, Anjo. Quando algo assim acontece conosco, temos
que acreditar que tudo dará certo — disse, alisando meus cabelos que há
pouco escovara.
— Obrigada por estar aqui e me dar forças para seguir em frente. — Eu
o abracei forte.
— De nada, sua felicidade é a minha — respondeu e segurou as minhas
mãos. — Agora vamos lá para a sala, temos de enfrentar esses abutres
falando coisas ruins de você. Processarei todos eles, garanto. — Sua voz
soou fria.
Caminhamos até a sala de mãos dadas. Todos já estavam ali nos
esperando. Ostentavam expressões preocupadas comigo, alguém que eles
praticamente conheceram no dia anterior. Achei que duvidariam de mim,
porém, estava errada. Alguns se sentavam no sofá na forma de L: Jordan,
Jason e Rayla, de mãos dadas com Alex. Alexia estava perto de Bryan, sem
se tocarem, um par perfeito e lindo. Lucky abraçava a Sam. Charles e
Johnny, de pé, situavam-se perto do sofá. Daniel estava próximo aos meus
amigos. O grupo tinha olhos tristes, alguns com mais raiva, e não de mim,
pelo que percebi.
Sam veio na nossa direção e me abraçou por um momento.
— Lamento, querida, por esses idiotas terem feito isso com você —
sussurrou com doçura e uma pontada de ira.
Meu coração saltou por ela se preocupar comigo. Forcei um sorriso
para tranquilizá-la.
— Eles estão falando muitas coisas ruins a meu respeito. — Olhei cada
um, por último o irmão do Ryan, o Lucky. Ele tinha o poder de fechar as
portas para algumas pessoas, por isso desejava me explicar, não gostaria que
ele entendesse mal o que sentia pelo seu irmão. — Quero que saibam que
não tenho interesse no dinheiro do Ryan. Eu o amo, é por isto que estou com
ele.
— Eu sei, querida. — Lucky me puxou para os seus braços. — Confio
em você.
— Obrigada — sussurrei, comovida.
— Certo, chega — rosnou Ryan, me tomando dos braços do irmão. —
Abrace sua mulher, não a minha.
Encarei-o de forma dúbia.
— Não acredito que até do seu irmão você tem ciúmes.
Beijou-me na testa.
— Sinto ciúmes de você com todos os homens deste mundo. — Mirou
Charles e Johnny, perto de nós. — Incluindo eles dois, que não gostam de
mulher.
— Gostamos de mulher — replicou Charles. — Apenas não da mesma
forma que você.
Ryan revirou os olhos.
— Você é... — Minhas palavras fugiram.
— Lindo? — falou com um esboço de um sorriso.
Estava prestes a retrucar quando a campainha tocou. Todos ficaram
confusos.
— Quem será? — Jordan franziu o cenho para Ryan. — Você está
esperando alguém?
Meu namorado balançou a cabeça e foi abrir a porta.
— Que diabos você está fazendo aqui? — esbravejou. Em seguida,
escutei o barulho de um punho acertando a carne de alguém, acompanhado
por um gemido de dor.
Corri até o hall e arregalei os olhos. Caim estava ali, massageando o
queixo em que Ryan havia batido. Ryan imprensou-o contra a parede.
— Não bata nele, por favor — gritou a namorada de Caim.
Surpreendi-me ao vê-la ali, junto a ele. Bom, pelo menos os dois
continuavam namorando.
— É por sua causa que a irmã dela ficou daquele jeito... — sibilou
Ryan na cara de Caim. — Agora Angie está sofrendo com isso.
— Porra, você não sabe de nada — retornou Caim.
Puxei Ryan para ele parar de bater no outro.
— Não é culpa dele. — Fiquei de frente para o Ryan e toquei seu rosto
rígido e tenso. Seus olhos foram para mim. — Por mais que eu odeie admitir,
ela foi a única que se deixou levar por esse caminho. Eu estava com a mesma
dor que ela naquela época, por Caim ter ido embora, e não fiz o que ela fez.
— Expirei, me controlando. — Acalme-se.
Ele respirou fundo para se controlar e assentiu. Fitou Caim com frieza,
mas não disse nada. Eu também olhei meu quase ex, ainda atônita.
— O que faz aqui?
Parecia triste.
— Vim resolver as merdas que estão falando de sua irmã. E impedir
que falem mal de você, aquelas fotos nem suas são. — Esfregou o queixo. —
É tudo minha culpa.
— Caim...
Ele me interrompeu.
— É verdade, eu deveria ter aberto o jogo com ela desde o início, antes
que as coisas tomassem aquelas proporções. — Suspirou. — Montei uma
coletiva com os jornalistas aqui no salão.
— Você fez o quê?
— Sim, vamos esclarecer as coisas com esses fodidos, depois você
pode processá-los se quiser.
— Mas Caim, eles nem tocaram em seu nome — argumentei. — Você
está de casamento marcado... — Olhei para sua noiva. — Não devia estar
nesta situação, nem neste escândalo.
— Se você fez isto porque pensa que vai ter algum mérito com ela,
esqueça — rosnou Ryan. — Angie é minha.
Caim olhou frio para ele. Após, voltou-se a mim, mais brando.
— Não estou fazendo isso por uma chance com você, Angie. Pensei no
que disse sobre eu viver no passado; estava certa. — Encarou, triste, sua
noiva, e depois eu. — Te amei muito, mas agora chegou a hora de eu seguir
em frente. Além disso, este idiota a adora, devo admitir. — Aparentava ter
respeito por Ryan. — Ainda mais depois das fotos de vocês dois juntos no
restaurante country, que estão em todos os lugares.
Ryan saía com muitas mulheres antes de eu entrar em sua vida, mas não
em restaurantes e encontros iguais a como foi comigo, só em festas e
baladas.
— Idiota é você. — Ryan urrou, já indo para cima de Caim; eu o
segurei.
— Ryan... — repreendi, olhando Caim. — Então agora você decidiu
que, na realidade, nós nunca existimos? Não romanticamente, é claro. Fomos
amigos um dia, espero continuar assim. E gostaria de ser sua amiga também.
— Dirigi-me à namorada dele.
Ela deu um sorriso doce.
— Você parece uma pessoa legal. Contanto que não esteja interessada
em Caim, podemos sim ser amigas.
— Quem tem Ryan em sua vida não pensa em mais ninguém — garanti
com júbilo. Caim focalizava a namorada com um semblante impressionado,
como se estivesse se perguntando: “O que eu fiz para merecer esta
mulher?’’.
Devia agradecer mesmo, porque nenhuma garota suportaria o que ele
fez com ela, deixá-la para correr atrás de outra.
— Então você vai me ajudar? — perguntei.
— Sim — assegurou. — Marquei uma reunião daqui a uma hora com
nós dois juntos, para esclarecermos as coisas.
— Ele quer que eu quebre a cara dele? — Ryan sibilou.
— Ryan... — repreendi-o de novo, embora estivesse doida para
quebrar sua cara também se ele insinuou algo como estarmos juntos, ainda
mais com sua namorada presente. — O que quer dizer com “juntos”? Há
pouco você falou em desistir de que um dia existiu nós dois...
Ele respirou fundo.
— Olha, o único jeito de despistarmos os jornalistas é contando o que
realmente aconteceu. E faremos isto juntos, mas não juntos num sentido
romântico. — Deu um olhar triste. — Foi por minha causa que Ângela fez
aquelas coisas. Agora temos uma nova vida, e não podemos deixá-los se
intrometerem nela. — Passou as mãos nos cabelos. — Estarei com Kate, e
você com Ryan. Vamos calar a boca desses estúpidos.
— Isto é loucura, ela nunca deu uma entrevista para um monte de gente
— retrucou Ryan. Disse para mim: — Mas a decisão é sua.
— Vai querer se esconder para sempre? — perguntou Caim, me
olhando de lado. — Você está namorando uma figura pública, qualquer coisa
que fizer afetará a imagem dele.
— Eu lido com isso, não você. — Ryan cerrou os punhos. — E não me
importo, contanto que ela esteja comigo. Você só está querendo dar motivos
para ela me deixar. Isso não vai acontecer, eu a seguiria nem que fosse no
inferno.
Arregalei os olhos com suas palavras. Antes que eu falasse algo, Caim
rugiu.
— Não é nada disso, seu estúpido. O que estou dizendo é que temos que
esclarecer as coisas, porque eles estão falando mal dela, e isso não pode
continuar assim, porra! — Virou-se para mim. — Ele é um idiota, você sabe
que estou certo.
— Não ligue para o que esse cretino diz. — Ryan me olhou nos olhos.
— Não me abala eles falarem de minha carreira ou não.
Suspirei. Ele estava fazendo isso para eu não ter de enfrentar um mar de
repórteres querendo me devorar viva, mas eu não podia deixar isso
acontecer com Ryan, ele não podia levar seu nome à lama por minha causa.
— Ele está certo, Ryan, tenho de enfrentar tudo isso hoje. Não posso me
esconder, deixando seu nome sendo arrastado junto com o meu. Preciso ir lá
e declarar que eu não sou interesseira, que não estou atrás do seu dinheiro.
— Apertei a ponta de meu nariz. — E também por Ângela, que não está aqui
para se defender. Eu estou e vou dizer a esses estúpidos que o que quer que
ela tenha feito não é da maldita conta deles. A única que tem o direito de
dizer alguma coisa dela sou eu, porque a amo com cada gota de meu sangue.
Vamos nessa. Esses idiotas vão engolir suas palavras.
Ryan sorria de orelha a orelha, quente. Tive de me controlar para
manter meu foco.
— Você realmente gostou daqueles modelos de vestidos que fiz? —
sondei.
Ele franziu o cenho, sem entender.
— Sim, são fabulosos, inclusive tenho o contrato comigo para você
assinar. Pierre, meu estilista, pediu para eu contratá-la para trabalhar com
ele na Fashion Donovan. Os vestidos estarão no nosso próximo desfile,
daqui a alguns meses na Califórnia.
— Pierre Delacourt tem um bom gosto — Rayla falou atrás de nós. —
Por que não aceita ser estilista para o Ryan?
Sacudi a cabeça.
— Gente, eu desenho por hobby, não por paixão. O que amo são os
livros — afirmei. — Além disso, trabalho na Luxem, a editora do Daniel e o
sonho de todos os escritores. Quem iria querer mudar isso? — Peguei uma
troca de olhares entre Lucky, Jason, Jordan, Daniel e Ryan. Não entendi
muito bem.
— É verdade, Anjo, temos que fazer o que amamos. Se você ama
escrever livros, então é lá na editora que você vai ficar... — Beijou minha
testa.
— Posso fazer os dois, os livros para mim, e os vestidos ou qualquer
roupa que eu venha desenhar para você.
— Eu aceito se você me deixar pagar o devido valor...
— Se eu quiser presenteá-lo e não cobrar, é problema meu — falei com
segurança.
— Isso é verdade, mas não concordarei, porque não é justo com minha
namorada linda que gosta de ajudar a todos sem pensar nela mesma. —
Beijou meu nariz, enquanto eu fazia uma careta. — Felizmente, eu penso em
você a cada maldita hora. — Num estalo, emendou outra questão: — Por que
você perguntou sobre os vestidos agora?
Mordi meu lábio inferior. Seus olhos foram para eles e escureceram.
— Estou preparando minhas respostas. — Fitei o Johnny. — Preciso ir
em casa pegar um vestido para a entrevista.
Johnny sacudiu a cabeça.
— Não pode sair daqui, lá embaixo está lotado de repórteres, e
algumas fãs malucas do Ryan. Todas contra você.
Andava de um lado a outro do hall de entrada.
— Não acredito nisso — resmunguei. Essas mulheres que fizeram
coisas que nunca fiz agora estavam contra mim? Era culpa do Ryan por ter
ficado com toda a América do Norte. Não disse nada, afinal, ele se
preocuparia ainda mais com isso, e seu passado não era tão importante
quanto suas ações presentes.
— Sobre as garotas, não posso fazer nada. Namorar com homens com
cara de Adônis é pedir por isso. — Sam sorriu para o marido, que fez uma
careta linda. — Quanto ao vestido, consigo te emprestar um, temos
praticamente o mesmo corpo.
— Já que a Sam não vai mais desfilar para você, que tal pegar a
Angelina no lugar? — Jason disse para o Ryan com um esboço de um
sorriso, decerto na intenção de provocá-lo. Pelo visto, conseguiu.
— Porra nenhuma que vou deixar vocês, babacas, verem a porra de seu
corpo. São loucos se acham isso. Essa perfeição é apenas para mim.
Revirei os olhos com a hipérbole.
— Ryan, querido, estou longe de ser perfeita. — Sorri para Sam. —
Obrigada, mas vou usar um dos vestidos que eu fiz sem precisar do dinheiro
do Ryan. Nem o conhecia quando o costurei. — Passei as mãos nos meus
cabelos e falei ao meu namorado: — É um dos modelos que estão com você.
Se eu vestir antes do desfile, vai me processar?
Notou que eu não estava falando sério.
— Oh, Anjo. — Sorriu maliciosamente ao mirar meu corpo. — Tem
outro jeito de me pagar.
Ryan puxou meus cabelos delicadamente e cheirou uma mecha deles. Eu
tremi com seu toque. Mesmo depois de tudo, ainda sentia vontade dele como
nunca. Ignorei esse desejo e fitei Caim; não havia dor em seus olhos. Acho
que ele entendeu que nunca houve um “nós”, somente estava iludido com o
passado.
— Daqui a quanto tempo é a entrevista? — sondei.
Ele olhou no seu Rolex.
— Quarenta minutos, mais ou menos.
Pedi para Johnny trazer o vestido que fiz no propósito de ir para o meu
noivado... Bom, quando encontrasse um noivo. Agora tinha Ryan em minha
vida. Não sabia aonde iríamos a partir dali, entretanto, com certeza não
podia viver sem ele. Só de pensar nesta possibilidade me encolhia por
dentro.
Ryan e os outros caras desceram para o salão no qual se daria a
entrevista. As garotas ficaram na sala, exceto Alexia, que foi comigo para
ajudar a ajeitar o meu cabelo no quarto do Ryan. Não gostava de me arrumar
cercada de gente. Tolice, eram mulheres iguais a mim.
Alexia fez um coque no alto da minha cabeça, com mechas dos dois
lados do meu rosto. Colocou rímel nos meus olhos e sombra ao redor deles,
não muita. Ficou bonito, destacou bastante minhas íris negras e meus e cílios
longos.
— Como você sabe tanto sobre cabelos e maquiagens?
— Fiz um curso alguns anos atrás — respondeu. — Quero que saiba
que não ia namorar o Ryan, fui àquele restaurante dizer isso a todos. Fiquei
feliz por ele se declarar a você.
Avaliava seus olhos violetas através do espelho. Vi sinceridade neles.
— Obrigada. Posso saber por que não ia ficar com ele antes de
descobrir sobre nós dois? Ryan é lindo... — Estava curiosa a respeito dela,
a mulher parecia guardar muitos segredos. — Se não quiser contar, não
precisa — acrescentei, pois hesitou.
Alexia riu, passando as mãos em seus cabelos loiros.
— Vamos dizer que um cara alto, moreno, de olhos azuis e boca
matadora me impede de pensar em outra coisa — revelou. No entanto, ainda
havia algo escondido. Não pedi para que me contasse; eu também guardava
segredos, inclusive do Ryan.
— Sabia que você e Bryan estavam juntos!
— É complicado nosso lance. — Ela suspirou. — Vamos ver como isso
se desenrola.
Deixei quieto; Alexia não diria mais nada, a menina era fechada.
Gostava dela.
Sorriu ao dar os seus últimos retoques em mim.
— Nossa, mulher, você está um avião. — Assoviou. — O Ryan que se
cuide.
Fui colocar a roupa. O vestido, na região do busto, tinha a forma de
duas maçãs, e escamas até abaixo dos peitos. Na altura da barriga, a cintura
era colada ao corpo, exibindo minhas curvas em razão da renda transparente.
A saia, cor de ostra, fora feita num material grosso, ficando acima dos
joelhos. Na região rodada, havia uma estrela de sete pontas bordada, e em
cada uma delas coloquei uma pérola, por serem tão preciosas quanto os
nomes desenhados na tatuagem às minhas costas. Fechava-se com uma tira
trançada, em vez de botões ou zíper.
Sentia-me confiante, apesar da tensão em relação ao que encontraria
diante daquele mar de jornalistas. Olhei para o espelho e falei a mim mesma:
— Seja forte. — Seria o meu mantra também depois da entrevista. —
Vamos lá.
Capítulo 12
Vamos jogar!
RYAN
Depois da noite anterior, achei que passaria o dia inteiro me
maravilhando e amando minha garota linda. Estava pensando em levá-la para
jantar e ir ao cinema, algo que nunca fiz em toda minha vida. Com ela, queria
fazer tudo, nem que fosse dançar a maldita Macarena.
Custava a acreditar que aquela mulher maravilhosa era realmente
minha, e que a tive em meus braços toda a noite, dormindo juntinhos. Dormir
junto trazia suas vantagens: beijá-la, sentir seu cheiro de morango, ter ela
nua esparramada na minha cama, onde podia saboreá-la a qualquer momento
que desejasse, ou seja, sempre, pois era simplesmente viciante. Jamais teria
o suficiente.
A porra das fotos na TV veio em um mau momento. Não queria que
saísse na maldita mídia. Mataria todos aqueles bastardos que ousaram dizer
aquilo dela e de sua irmã. Quando enxerguei as imagens da garota exuberante
de cabelos e olhos negros se agarrando a dois caras no maior esfrega, pensei
que estivesse vendo coisas. A menina das fotos parecia perdida e tinha olhos
vazios, sem nenhuma esperança. Percebi logo de cara que não era meu amor.
Angelina jamais faria algo do tipo. Além disso, fui o único que a tocou.
Agradecia a tudo por aquela mulher ser minha, tão doce e pura; nunca se
submeteria a ficar com caras aleatórios.
Já suspeitava que ela tivesse uma irmã, porque o maldito Caim a
chamou de Ângela, muito parecido com Angelina. Não desconfiava que fosse
sua irmã gêmea e houvesse morrido. Johnny me contou sobre a separação
dela e de Caim, a briga dos dois nesses últimos anos. Bom, ficava feliz por
aquele idiota não a ter tocado, pois só de pensar... me dava vontade de
acabar com sua raça.
Angelina amava sua irmã, a dor era evidente em seus olhos negros
borrados de lágrimas. Eu me lembrei dela dizendo que Ângela era sua alma
gêmea. Queria muito ajudá-la e tirar sua dor, impedir que ela chorasse mais,
mas não podia fazer nada, apenas mostrar o meu amor por ela.
Quase tive um colapso ao ver o estado em que ela ficou no banheiro, a
crise que teve; por pouco não se machucou. Nunca me senti tão impotente em
minha vida. Fiquei do seu lado até meu Anjo se acalmar.
Agora estava lá, esperando-a chegar para começar a entrevista e calar
esses malditos que andavam falando mal da minha garota.
O salão grande, cor de creme, lotara-se de jornalistas aguardando nossa
conferência à imprensa. Conversavam entre si, ansiosos por uma aparição da
Anjo. Alguns repórteres nos olhavam confusos, sem saber o que estava
acontecendo. Nenhum deles entendia o motivo da presença de Caim e por
que pediu a coletiva. Ninguém se aproximou para solicitar respostas, estava
bem claro que só falaríamos depois que minha linda namorada chegasse.
Encontrava-me perto de Caim e Lucky. Ainda bem que meu irmão me
acompanhara, caso eu precisasse dele. Alguns jornalistas pensavam em ir até
nós, e só de olhar para a cara sombria do Lucky, saíam quase correndo.
Acho que suas carreiras dependiam muito disso, dessa informação.
Fiquei nervoso com a possibilidade dela perder o controle na frente
daquele bando de abutres, rondando uma notícia para vender e ganhar um
bônus. Angie não estava acostumada com isso, não saberia lidar. Se eles
dissessem algo que a ofendesse, assassinaria todos com minhas próprias
mãos.
— Relaxe, Ryan, tudo dará certo, cara — pediu Lucky, vendo meu
nervosismo.
— Ela não está acostumada a isso, Lucky — reclamei, observando o
mar de repórteres. — E se Angie me deixar? Se pensar que é demais para
aguentar?
Caso Angelina acabasse nosso namoro, não saberia o que seria de mim.
Ela era a única mulher que enchia meu coração de gozo e alegria. Precisava
dela como do ar que respiro.
— Cara, você não conhece mesmo a Angie. Quando minha amiga ama
alguém da forma que ama você, ela não desiste — explicou Johnny. — Vi o
jeito como ficou quando a deixou. Ela não comia direito, não dormia, tudo
por sua causa. Então não tenha medo dela não querer continuar só porque
você é famoso, seria impossível.
— Acha que ela vai querer passar por aquilo de novo? — Charles me
olhou de lado.
Eu me encolhi ao pensar na dor que causei à Angie na semana anterior,
tudo porque não aceitava o que sentia por ela, a razão da minha existência.
Faria qualquer coisa para não a ferir novamente.
Caim estava em silêncio ao lado de sua noiva. Era uma morena bonita,
mas eu só tinha olhos para a minha namorada.
— Obrigado — disse a Caim. De madrugada, pedi ao Simon para
procurar saber tudo sobre ele. Fiquei chocado ao descobrir que ele ajudou
Angelina, arrumando serviços para ela, mesmo sem minha amada saber
disso. Ajudou a tirar a antipatia que eu sentia por ele.
O cara franziu a testa.
— Pelo quê?
— Você conseguiu muitos trabalhos para a Anjo sem ela saber. O que
não entendo é por que não arrumou um serviço melhor, menos cansativo e
sofrido.
Ele suspirou.
— Ela não deixava currículo para outras funções, apenas de faxineira e
doméstica — disse num tom triste. — Eu não podia fazer nada. — Levantou
as sobrancelhas. — Vai contar isto a ela?
— Não, não é minha história para contar — falei a verdade.
— Bom, porque se dissesse algo, também teria de dizer sobre a editora
que comprou somente para ela trabalhar lá.
Arregalei os olhos.
— Como sabe?
Ele sorriu.
— Do mesmo modo que descobriu a meu respeito. Tudo para ajudá-la.
A proeza com a editora foi impressionante.
Estava pronto para responder que não me arrependia, quando ouvi
alguns murmúrios encantados ao redor do salão.
— Maldição! — praguejou Jordan. — Meu amigo, você ganhou na
porra da loteria.
Levantei a cabeça e notei que todos olhavam para a entrada. Eu me
virei e ofeguei com a visão exuberante adentrando o salão como uma maldita
rainha.
A Anjo estava com as mãos trêmulas. O que me deixou de queixo caído
foi sua beleza com aquele vestido, que preenchia suas curvas perfeitas, todo
modelado com detalhes magníficos. O resto desapareceu: só havia ela.
Estendi a mão à minha namorada e a puxei para os meus braços,
devorando sua boca perfeitamente “beijável”. Notei os flashes das câmeras
através das minhas pálpebras fechadas, e não liguei. O mundo inteiro
poderia acabar e eu nem me importaria.
— Você está deslumbrante — declarei, me afastando dela sem querer.
A entrevista foi boa, Angie se saiu muito bem respondendo cada
questão, esclarecendo que as fotos eram de sua irmã. Caim também apareceu
e contou a sua versão na história de Ângela, e os motivos que levaram minha
cunhada a cair ao fundo do poço. Disse que não podia ficar com ela porque
era novo na época, e que depois de sua morte foi até em terapeutas para
aliviar a culpa.
— Não sou psicóloga, mas eu sei que as pessoas têm várias formas de
lidar com a dor: beber, fumar, ficar com estranhos, tudo para se esconderem
do sofrimento, tentando aliviá-lo. — Angie encolheu os ombros. — Ela
escolheu festejar e sair com os homens errados.
Angelina contou acerca da perda dos seus pais e de ter que largar a
faculdade para cuidar de seus irmãos. Havia angústia em sua voz ao narrar
os acidentes que levaram seus pais e Ângela. Queria poder tirar sua dor, mas
tudo que conseguia era assegurar meu amor incondicional a ela.
Alguns ali arfaram pela história triste e pelo trabalho duro para garantir
a vida honrada que mantinha sempre, mesmo com as lutas vencidas. Angelina
deu a volta por cima, nocauteando as críticas dos jornalistas. O resto do
problema meu advogado resolveria.
Após terminar a reunião, subi com minha linda e gostosa namorada para
o meu apartamento, de modo a comemorar a sua entrevista brilhante.
Expulsei todos da minha casa para ficar a sós com minha mulher. Shane e
Lira foram com Sam e Lucky, os dois levariam os meninos para passear, algo
assim. Precisava agradecer à Sam por isso.
— Você se saiu perfeitamente bem — sussurrei contra sua pele linda.
Ela foi mesmo perfeita, mas mais perfeito ainda seria tomá-la de todas as
formas.
Comprei um terreno perto do rio Hudson, onde estava construindo uma
casa. Copiei o modelo de uma página do caderno de desenhos que ela me
deu. Dei três meses para o engenheiro terminá-la, pois seria o tempo que
levaria para preparar o casamento. Bom, esses eram meus planos, esperava
que ela dissesse sim.
Levei-a para o quarto. Torcia para Jordan ter feito o que eu pedi a ele.
Ao entrar, percebi que me amigo não me decepcionou.
Fiquei um pouco atrás, deixando-a observar os objetos sobre o colchão
e a mesa de madeira que coloquei ali no canto, ao lado da cama. De repente,
me senti nervoso ao mostrar para ela esse meu lado. Talvez Angie não
quisesse nada disso, ser minha submissa. Se fosse assim, retiraria tudo
rapidamente; ela era mais importante do que meus desejos carnais.
Havia algemas, chicotes de montaria, bondage slaves, cordas de
restrições, grampos de mamilos e outros sex toys. Não usaria tudo nela, só
algumas coisas. Bom, isso se Angelina deixasse, claro. Seus olhos já
grandes ficaram ainda maiores ao ver o poste de pole dance colocado
próximo de um suporte de porta-algemas.
O rosto lindo corou diante de tudo, principalmente dos vibradores para
clitóris que comprei para usar nela.
— Nós vamos...? — Nervosa, foi incapaz de prosseguir.
Fiquei de frente para ela e fitei seus olhos negros.
— Anjo, nós não vamos fazer nada que não queira, ok? Apenas vamos
jogar, e se não gostar, paramos. — Dei de ombros. Nunca a obrigaria a agir
contra sua vontade.
Ela assentiu, mordendo seus lábios.
— Só jogar? — Sabia no que ela estava pensando. Queria muito que
fosse hoje, que ela estivesse pronta. Notando sua tensão, via que não.
— Prometi que só tiraria sua virgindade quando estivesse preparada.
Se não for hoje, tudo bem. — Desenhei seu queixo com os dedos. — Vamos
jogar igual fizemos ontem, mas com brinquedos. Você confia em mim?
— Com a minha vida — respondeu, sem nem mesmo pensar.
Era o filho da puta mais sortudo da face da terra por ter uma mulher
dessas.
— Não fique nervosa, relaxe — pedi após me recuperar.
Transara com várias mulheres desta forma, amarrando-as e as deixando
submissas. Todavia, com elas, eu ordenava e era obedecido; com Angel,
fazia questão de que ela apreciasse cada segundo, tal qual eu.
— Estou nervosa. E se eu fizer algo errado? — Entristeceu-se.
Toquei o belo rosto e levantei seu queixo para que olhasse para mim.
— Não fará nada de errado. Fique tranquila e me deixe tomar conta.
Ela sorriu como o sol, atingindo direto o meu coração, todo dela.
— Tudo bem, serei sua submissa — anunciou, séria, se afastando de
mim. Em seguida, colocou as mãos nas costas e abaixou a cabeça. — O que
quer que eu faça, senhor?
Como não amar uma mulher dessas? Ali, me apaixonei de novo por ela.
Não consegui me segurar e ri. Não dela, claro, e sim do seu jeito inocente, se
esforçando para tudo dar certo. Oh, porra, se eu não gostava disso... Eu
adorava! Se soubesse quem a enviou para mim, eu me ajoelharia aos seus
pés em gratidão por toda a minha vida.
Ela franziu a testa, um tanto irritada.
— Desculpe, você fica mais linda se submetendo às minhas vontades.
— Sentei-me na beira da cama sem nunca tirar meus olhos dela. — Tire a
roupa bem devagar.
Engoliu em seco, mexendo as mãos às suas costas.
— O vestido é de laço, não conseguirei desatá-lo sozinha, senhor —
sussurrou.
Apertei os lábios para não rir dela me chamando de senhor. Não havia
coisa mais linda.
— Querida, você pode me chamar... — me interrompi, olhando de
soslaio para ela. — Que nome você me daria no quarto? Escolha, e toda vez
que formos jogar, você se dirigirá a mim por ele.
Angelina franziu os lábios, pensativa, e logo sorriu. Se ela soubesse o
que esse sorriso fazia comigo, teria um pouco de dó de mim e do meu pau,
duro como uma rocha.
— Estrela.
— Estrela? — sondei, confuso.
Mirou-me bem no fundo dos meus olhos.
— Você é minha estrela de mil pontas, porque há mil motivos para eu
amá-lo — falou, convicta.
Era mesmo um bastardo sortudo da porra.
— Venha aqui — chamei, estendendo minha mão para ela.
Angie fez o que eu pedi, sem nunca tirar os olhos de mim. Segurei-me
para não a beijar com todo o meu amor e esquecer os jogos. Virei-a de
costas para mim. Assim que senti aquela pele linda e sedosa em minhas
mãos, me deu vontade de atirar tudo para o espaço e possuí-la. Peguei as
tiras do vestido em meus dedos.
— Vou rasgá-lo — disse com a voz grossa de desejo.
— Não! — gritou, em seguida baixando sua voz para um tom suave. —
Desculpe...
— Por que não? — perguntei, querendo entender sua reação.
Ela pigarreou.
— Estrela, este é o vestido que fiz para usar no dia do meu noivado.
— Felizardo do seu noivo então, não é? — Sorri, desfazendo os laços.
— Hummm, acho que sim. — Sua voz tremeu quando meus dedos
tocaram sua pele.
Evitei rir.
— Então vamos manter o vestido, certo?
— Seria bom, Estrela. — Ouvia o sorriso na sua voz.
A peça caiu no chão aos seus pés. Saiu dela e se abaixou para pegá-la.
Fui tomado por uma visão incrível de sua bunda linda com um maldito fio
dental. Assoviei por entre os dentes.
— Porra! — rosnei, cerrando os punhos. Era uma visão única.
Angie colocou seu vestido na beira da cama e ficou na mesma posição
de antes, com as mãos para trás e a cabeça baixa.
— Sabe dançar? — perguntei quando se posicionou na minha frente.
Era uma pergunta idiota, já que a vira dançando no Belas Country.
Ela piscou e assentiu.
— Sim, fiz aulas quando era mais nova — respondeu.
Peguei meu iPhone e coloquei uma música da Beyoncé, Halo;
combinava com ela. O som fluiu no quarto.
— Dance no poste para mim — ordenei.
Ficou um tanto assustada, mas concordou, corando. Tão linda!
Foi até o poste, a alguns metros de onde eu estava sentado na cama. Pôs
as mãos no metal e começou sua dança sensual. Girou com as pernas para
cima e abertas, me deixando com a visão do paraíso. Parecia aquelas
pessoas que fazem ginástica olímpica. Sua destreza e habilidade eram de
outro mundo.
A cena deixou meu pau mais duro ainda, um feito praticamente
impossível. Seria difícil me segurar só esfregando sua boceta suculenta.
Fez um último movimento e pousou com classe, depois sorriu para mim,
um pouco ofegante. De repente, fiquei preocupado.
— Você está bem? — sondei.
Aquiesceu
— Apenas faz tempo que não danço assim — explicou, já retornando à
posição de submissa.
Como eu queria essa mulher! Toquei seu rosto com as pontas dos dedos
e desci sobre seus seios rosados e duros, mesmo através do seu sutiã de
renda tomara que caia, na cor igual à do vestido. Seu peito subia e descia
com a respiração alterada devido ao meu toque em sua pele de pêssego.
— Você confia em mim?
Assentiu sem conseguir falar, porém, eu precisava escutar sua resposta.
Peguei seus cabelos e enrolei-os em minha mão direita, puxando-os para
trás, não forte para não machucá-la.
— Quero que diga — ordenei, encarando seus lindos olhos quentes,
bêbados de desejo por mim.
— Si-sim... — gaguejou, ofegante.
Afastei-me dela para evitar beijá-la, o que me levaria a esquecer de
tudo e tomá-la antes da hora. Caminhei em direção à cama.
— Vá para a plataforma onde fica o suporte das algemas e se ajoelhe
no meio dela com as mãos para trás e a cabeça baixa — mandei, sem me
virar, ou não cumpriria nada dos meus planos.
Ouvi-a arfar, encaminhando-se aonde pedi. Tinha quase certeza que
tirou os sapatos, porque não escutei o barulho dos saltos.
Quando pedi ao Jordan para colocar a plataforma no canto do meu
quarto, e que ela teria de ser revestida de camurça e veludo para não
machucar os joelhos dela, o babaca gargalhou, porque o normal seria elas se
ajoelharem no chão mesmo. Não queria os joelhos da minha garota
vermelhos e ralados, então não liguei para seus deboches. Um dia, ele seria
fisgado por uma mulher e entenderia o que eu sentia pela Anjo.
Peguei as algemas de couro, cobertas de veludo, e me virei para ela na
mesma posição que a mandei ficar: ajoelhada com as mãos para trás e a
cabeça baixa.
— Malditamente linda! — declarei, chegando perto.
Ela me fitou através de seus cílios grossos e negros e arregalou os
olhos para as algemas de couro macio em minhas mãos. Não pretendia
marcar sua pele linda, por isso escolhi aquelas.
— Você quer isso? — indaguei, avaliando sua reação.
— Sim, eu quero tudo com você — falou, segura.
Sorri, me segurando para não beijá-la.
— Obrigado, linda. — Ajoelhei-me ao seu lado e coloquei as algemas,
prendendo seus pulsos atrás das costas e beijando sua cabeça com cheiro do
paraíso. — Sente-se sobre seus calcanhares.
Fez o que mandei. Estava adorando vê-la submissa, embora também
amasse enxergá-la perdendo o controle de vez em quando; ficava mais linda
quando estava irritada.
— Boa garota. — Fui até a cama de novo, agora para pegar a venda
preta, e algumas outras coisas que usaria nela.
— Cobrirei esses lindos olhos, está bem?
— Sim. — Fechou as pálpebras e se remexeu sobre os calcanhares.
Com certeza estava toda molhada e quente. Adoraria saciar seu prazer.
Coloquei as outras coisas no chão, perto dela, e tapei seus olhos com a
venda. Depois, me afastei, a encarando algemada com as mãos para trás e
vendada, indefesa, à minha mercê.
— A visão mais linda do mundo — grunhi, tirando minhas roupas e
jogando por cima do ombro. Peguei meu pau, que já estava duro como
granito e pingando com meu pré-sêmen no chão. Cheguei mais perto dela. —
Abra essa boquinha linda.
Abriu a boca e colocou sua língua para fora, como se estivesse pedindo
por ele. Oh, porra, se eu não gostei... Quase gozei antes da hora.
— Você quer meu pau em sua boca, não é? — Batia punheta enquanto
ela gemia.
— Sim...
— Darei o que minha menina deseja. — Passei a ponta inchada e
vazando líquido em seus lábios e língua. Ela gemeu e abocanhou meu pau
quase inteiro. — Está com fome, querida?
Gemeu de novo, agora com a boca cheia. Não havia nada mais lindo
neste mundo do que aquela visão: sua boca voluptuosa em volta do meu pau,
que sumia com ele dentro dela. Toquei seu rosto enquanto Angie sugava e
lambia, degustando-me.
— Porra — grunhi, fechando meus olhos. — Vou deixar por sua conta,
não quero machucá-la, então leve tão fundo quanto puder, ok?
Acelerou mais o movimento de sua língua, já expert. Dava-me tesão
imaginar que fui eu quem a ensinou a fazer um boquete incrível — diga-se de
passagem, o melhor da minha vida. Ela circulava a língua em volta do meu
pau e chupava como se fosse um maldito pirulito. Meu corpo tremeu e gozei
em sua boca, sabia que não duraria muito, não com ela querendo me comer.
Abri meus olhos bêbados e moles. Só essa mulher me deixava assim
depois de um boquete. Estava louco para transar com ela, enterrar tão fundo
que não andaria em linha reta por semanas, mas esperaria seu momento.
Tirei meu pau de sua boca e a olhei, passando a língua nos lábios,
limpando-os. Queria beijá-la, contudo, assim não conseguiria fazer o que eu
desejava. Eu me agachei na sua frente e peguei seu sutiã com fecho frontal e
soltei-o, jogando-o longe.
— Obrigado, querida, pelo boquete incrível que me deu. — Não resisti
e beijei sua boca com meu gosto meio salgado harmonizando com seu sabor
frutal. Tive de lutar contra tudo para me afastar dela, em especial depois do
seu gemido de dor. Sabia o que Angelina queria. — Cuidarei de você —
prometi, afastando meu rosto do dela. Peguei o óleo aromatizado que fazia as
mulheres se excitarem ainda mais e despejei-o sobre sua pele de seda. Ela
se remexeu, já sentindo o efeito. Quase sorri, porque o óleo deixava a
pessoa louca de prazer, aumentava sua libido.
Porra! Adorava vê-la assim, tão quente e toda molhada para mim.
— Sou um filho da puta sortudo — rosnei, indo para trás dela.
Coloquei o vidro no chão e esparramei o líquido sobre seu corpo com as
mãos, pelos seios rosados e inchados. Massageei seu peito e ela gemeu,
fechando as pernas uma contra a outra. Doía nela de tanta vontade. Eu não a
deixaria sofrer.
— Está molhada para mim, querida? — Tirei seus cabelos das costas,
mordiscando sua orelha. — Você quer meus dedos em sua boceta apertada?
— Sim... — Ofegou ao sentir meus dedos dentro de sua calcinha. O
óleo continuava neles, isso aumentaria seu prazer. Quando toquei seu
clitóris, ela gritou, jogando a cabeça para trás, no meu ombro. Empurrou seu
quadril na direção da minha mão, querendo mais. Então lhe dei o que
precisava.
— Abra um pouco as pernas — sussurrei em seu ouvido. Ela gemeu e
fez o que eu mandei. — Isso, querida.
Peguei o pedaço de pano de sua calcinha e o rasguei. Seu corpo
convulsionou como se tivesse levado um choque elétrico.
— Vou enfiar dois dedos hoje, sim? — Eu também arfava, já pronto de
novo. Agora, entretanto, era hora do prazer dela, tudo para satisfazê-la.
Angie assentiu. Deixei passar porque sabia que ela não conseguiria
falar nada. Puxei-a, escorando suas costas em meu peito nu, e coloquei meus
dois dedos dentro dela, o médio e o indicador; com o polegar, circulava seu
clitóris. Não demoraria a gozar. Agarrei seu corpo e a pus de joelhos,
segurando-a, pois ela não teria forças para nada, uma vez que suas pernas
estavam bambas. Com a outra mão, apalpei seus seios, amassando-os e
beliscando-os, enquanto mordiscava seu pescoço. Meu pau cutucava sua
bunda linda, mas era ela primeiro, depois eu. Angie berrava, tanto que meus
ouvidos provavelmente doeriam. Eu não me importava, amava vê-la toda
eufórica. Ela balançava o quadril junto com os movimentos de minha mão.
Acelerei mais o gesto, dentro e fora dela.
Gemeu, com a cabeça em meu ombro, e gritou.
— Linda demais! — exclamei ao sentir seus dedos em volta do meu
pau, apertando-o. Assoviei. — Está vendo como ele está duro? Isto tudo é
por sua causa — chupei sua orelha.
Ela gemeu novamente e começou a bater uma para mim. Suas mãos iam
para cima e para baixo, me deixando louco.
— Maldição! — Estava perto de gozar; só ela fazia isso comigo.
Dominava meu corpo, mesmo sem saber.
— Eu estou perto... tão perto. — A voz linda com sotaque sulista falhou
de desejo e prazer.
— Goze para mim, Anjo — pedi, mexendo mais meus dedos dentro
dela. E foi o que fez, gozou forte. Eu me segurava para não terminar antes.
Ao vê-la desmoronar nos meus braços, gritando meu nome, transbordei
também.
Eu me afastei, não querendo sujar seu corpo delicioso, afinal,
estávamos apenas começando. Fechei meus olhos, me deliciando com seu
toque ao me levar à loucura.
— Nossa! Isso foi... — Ficou sem fôlego. Virou a cabeça e sorriu para
mim. Mesmo com seus olhos vendados, sabia que brilhavam como o sol.
Eu sorri, beijando seu nariz.
— É só o início, querida. — Levantei-me, levando-a comigo, ignorando
seu gemido de prazer com o que eu disse.
— Então nós...
Fitei seu rosto lindo.
— Quer continuar jogando? — inquiri.
Ela sorriu e concordou.
— Sim, Estrela, estou gostando muito... — Enrubesceu.
Eu ri, desprendendo sua mão direita da algema. Massageei-a.
— Elas machucaram sua mão?
— Não, minha pele é branca e fica marcada com facilidade. Está tudo
bem.
Carreguei-a até a parede, prendendo seus dois braços abertos por cima
da cabeça nas correntes que estavam ali. Dei um leve puxão, conferindo o
trabalho.
— Você gosta de me ver presa, não? — Riu, deliciada.
Retribuí o gesto, embora ela não pudesse ver, por causa da venda.
— Você, à minha mercê? Com certeza. — Puxei sua venda para cima
um pouco, pois precisava que ela visse uma coisa. Angie piscou com a
claridade e observou o saquinho em minhas mãos. — Quer usar?
Surpreendeu-se com os grampos de mamilos. Com um esboço de
sorriso, falou:
— Achei que um Dom fizesse o que quer no quarto, sem se preocupar
com a opinião de sua parceira.
Tirei os grampos do saquinho, divertido. Não gostaria de usar nada nela
que já tivesse sido usado, queria tudo novo, pois merecia do bom e do
melhor.
— É assim, mas com você é diferente. Faço questão que goste também.
— Bati de leve meu dedo em seu nariz. — É para o prazer de nós dois.
— Estou amando cada coisa que fizemos, e acredito que também vou
adorar as outras surpresas que preparou.
Peguei os grampos e olhei de lado para ela.
— Fico feliz com isso. Pronta?
Aquiesceu. Coloquei os grampos nos bicos de seu peito. Angelina
ofegou assim que eles apertaram.
— É desconfortável um pouco, mas veja isso. — Puxei um.
Ela gritou.
— Oh, porra!
Eu ri.
— Você, xingando?
Apertou as pernas juntas, tentando tirar o atrito que estava ali.
— Nossa! Isso foi... — Não achou uma palavra para descrever o que
sentia.
— Vai adorar ainda mais depois. — Coloquei de volta o grampo e
puxei a venda para cobrir seus olhos de novo. — Vou tapá-los porque será
mais prazeroso.
Peguei um chicote preto com várias tiras. Passei-as sobre o pescoço, os
seios e a barriga lisa. Ela ofegava alto, gemia ao mesmo tempo que mexia o
corpo junto com as algemas que a deixavam indefesa.
Com uma mão, segurei o chicote, e com a outra o meu pau, que já estava
duro de novo. Maldição, nunca endureceu tão rápido assim, apenas ela tinha
este poder sobre ele. Puxei o chicote e bati as tiras em sua barriga lisa. Ela
gritou de novo, mas não de dor, e sim de prazer. Acertei seus seios lindos.
Adorava ouvi-la berrar de desejo, ciente de que fui quem a deixou assim.
Ela estava perto de gozar, então joguei o chicote no chão e caí de
joelhos na sua frente. Seu corpo perfeito tremia, tamanho era o desejo e fogo
que ela sentia, tal qual eu. Peguei suas pernas e a suspendi.
— Coloque suas pernas em volta do meu pescoço — pedi a ela com o
meu tom rouco de desejo, prazer e fome, uma mistura muito boa.
Angelina arquejou com a minha boca em seu clitóris, sugando e
lambendo, degustando seu delicioso sabor de creme. Eu a chupava enquanto
batia punheta, porque se colocasse meu pau para esfregar em sua boceta, não
resistiria e acabaria fazendo uma besteira sem ela estar pronta.
Suas pernas apertavam meu pescoço, me dando mais prazer. Eu estava
com uma mão no meu pau e a outra segurando sua bunda, para ela não cair e
não machucar seus pulsos presos nas algemas. Imprensei-a contra a parede,
firmando mais seu corpo.
Nunca me preocupei com os prazeres das mulheres, sempre foi só para
o meu benefício, embora elas se satisfizessem por tabela. Com a Anjo era
diferente: amava vê-la gritar, gemer e implorar por mais. Ela estava tão
vidrada no êxtase que o que disse me pegou de surpresa:
— Ryan... coloque dentro... de mim — gritava a cada segundo que eu a
estocava com a minha língua.
Tirei a minha boca e olhei para ela, pensando ter ouvido errado.
— Anjo, tem certeza? — sondei, entre a dúvida e a esperança.
— Sim, tenho, por favor.
Não respondi, apenas a devorei ainda mais, levando-a às nuvens. Puxei
os grampos de mamilos e a fiz gritar de êxtase. Depois do ápice ela ficou
mole, então tirei suas pernas do meu pescoço e coloquei-as em volta de
minha cintura. Levantei com ela nos braços, escorando-a contra a parede e
retirando as algemas, que prendiam seus pulsos.
— Agora chegou a hora de fazer amor com a minha linda namorada.
Capítulo 13
Primeira vez
ANGELINA
Ri com o que ele disse. Considerando tudo que aconteceu ao longo do
dia, com as fotos de Ângela saindo na TV, não achei que pudesse ficar feliz
como estava. Ryan era o meu milagre.
Seus olhos foram para a minha boca e vi um lampejo de felicidade por
eu estar rindo.
— Desde quando Ryan Donovan faz amor?
Ele sorriu.
— Desde que ele se apaixonou pela mulher perfeita que se tornou seu
mundo inteiro. — Mirou-me de soslaio. — Então, fará amor comigo?
Escondi meu rosto em seu pescoço, tímida.
— Mil vezes sim.
— Esta é a risada que venero. — Beijou minha pele. — Eu a amo.
Mordisquei sua orelha e coloquei a língua no seu ouvido.
Ele apertou minha cintura e rosnou feroz, me colocando na cama com
suavidade e pairando sobre mim.
— Desde o dia em que o vi no seu apartamento, você se tornou uma das
razões para eu respirar, Ryan. Aliás, acho que foi até antes disso, quando o
conheci no hospital. — Peguei seu rosto lindo em minhas mãos e olhei bem
no fundo de seus olhos brilhantes. — Eu te amo, não posso viver sem você,
sem o seu toque, sem os seus beijos.
Deu um selinho na ponta do meu nariz e sorriu, o sorriso lindo que eu
amava. Depois, beijou minha boca com carinho, amor e devoção. Enquanto
uma de suas mãos esquadrinhava meu corpo, a outra foi para o meio de
minhas pernas. Enfiou dois dedos e, com o polegar, circulou meu clitóris.
— Não vou tirar sua virgindade hoje...
— Estou pronta, Ryan. Já passou da hora, fiz uma promessa a mim
mesma de que me entregaria a você hoje — declarei, beijando-o com fervor.
Ele mexeu mais os dedos; tremi e já estava quase gozando quando ele os
tirou. Prestes a reclamar, senti-o na minha entrada, empurrando um pouco.
Minhas pernas estavam em sua volta e, as mãos, em seus ombros.
Apertei-o ao sentir a sua intrusão. Ofeguei com um pouco de dor, afinal, o
homem não era pequeno, mas o adorava assim.
Seu corpo congelou e ele afastou o rosto, olhando-me preocupado.
— Você está bem?
Assenti, ainda arfando.
— Não quero machucá-la — disse com uma pontada de tristeza.
— Não vai, eu confio em você. — Coloquei meu rosto em seu ombro.
Ele suspirou.
— Tudo bem — sussurrou e empurrou de uma vez.
Mordi sua carne, marcando-o; ele não reclamou. Estremeci com a dor
súbita, então Ryan parou de se mover e esperou eu me acostumar com ele
dentro de mim. Beijou-me em uma tentativa de aliviá-la, lento e amoroso. A
agonia sumiu após um minuto de carícias, dando espaço para o prazer.
Comecei a mexer meus quadris. Ele tomou isso como um motivo para se
mover também, sempre devagar, com medo de me machucar.
— Ryan, estou bem agora — alertei em sua boca.
— Estou fazendo amor — disse, deliciado. — Ouvi dizer que é para ir
devagar.
— Até um idoso aceleraria além disto. — Levantei meus quadris,
querendo mais.
Ele me olhou e riu.
— Depende... No meu caso, quando ficar velho, pretendo tomar um
balde de Viagra para levantar o meu pau e te fazer gritar como agora.
Eu ri, não pude evitar ao imaginar o Ryan velho.
— Sua risada é tão linda — sussurrou, abobado, olhando minha boca.
Sacudi a cabeça.
— Esqueça esse negócio de fazer amor lento. Eu quero ver estrelas!
Ele fez o que eu pedi. Não podia esperar menos, o cara era bom. Bom
nada, maravilhoso. Cada estocada me levava a enxergar uma constelação
inteira. Gemia, gritando seu nome, até explodir como um vulcão.
Ele chegou lá logo depois; seu corpo ficou rígido e estremeceu.
Murmurava meu nome com adoração, caindo mole em cima de mim e
rolando de lado para beijar meus cabelos.
— Você está bem? — Ofegava, talvez pelos ruídos e grunhidos que deu
ao estocar dentro de mim. Só em pensar nisso, tudo recomeçava a queimar.
Senti minhas pernas molhadas. Levantei-me depressa, de olhos
arregalados.
— Oh, droga! — Corri para o banheiro sem me importar em estar
pelada, liguei o chuveiro e fui lavá-las, torcendo que tudo saísse antes do
pior acontecer. Não entendia bem disso, então esperava que lavando logo
após o sexo eu não engravidasse.
— Machuquei você? — Apressou-se atrás de mim e entrou no
banheiro.
— Você não usou camisinha — critiquei. Por ser experiente, Ryan
deveria ter pensado mais sobre isso do que eu, que estava bêbada de desejo
por ele.
— Estou limpo — prometeu.
— Não me preocupo com doenças, e sim com gravidez. — Continuei
lavando. Seria tarde demais?
— Você não quer ficar grávida? — Seu tom tinha uma nuance que não
entendi.
Parei o que estava fazendo e olhei para ele ali, de braços cruzados, nu
com toda sua glória exposta.
— O que foi?
— Um filho seria bom para nós. — Deu de ombros, contudo, havia
excitação na sua voz.
— Você intencionalmente não usou proteção? — perguntei, estupefata.
Admitiu sem arrependimento, pegando um pano para se limpar, sem
tirar os olhos de mim.
— Será o fruto do nosso amor.
Ignorei suas palavras, focando em meu maior medo. Por que não tomei
remédio antes? Maldição! O médico deixou bem claro que se eu
engravidasse, minhas chances seriam mínimas de sobreviver na hora do
parto. Eu tinha cardiopatia, o que impedia meu coração de se movimentar
igual ao de uma pessoa sadia. Precisava tomar remédios direto, então um
parto seria arriscado, pois o órgão poderia falhar...
Olhei para ele, que estava sorrindo com a ideia de ser pai. Como eu
diria a Ryan que jamais teríamos filhos? Apagaria aquela alegria estampada
em seu rosto.
Ele estreitou os olhos.
— O que foi? Você não quer ser mãe do meu filho? — Ouvi uma
pontada de dor na sua voz.
Engoli em seco.
— Ryan, nós nem nos casamos ainda — falei, ignorando o tremor.
Necessitava ganhar tempo para pensar sobre isso. Claro que logo teria
de contar a verdade a ele. Será que me deixaria? Queria matá-lo ao imaginar
que ele seria capaz. Brigaria comigo se eu não fosse sincera. Eu conseguiria
arriscar a minha vida para vê-lo feliz? E por que a ideia de ser mãe de um
garotinho loiro com olhos caramelos me alegrava? Decerto porque seria
filho dele.
— Nós vamos nos casar em breve. Se você quiser esperar, usarei
proteção de agora em diante. Porém, já é tarde demais.
— Por quê?
— Porque você já engravidou. — Seu tom tinha tanta confiança que me
encolhi.
— Ryan, as chances de eu engravidar na primeira vez são... — Na
realidade, as chances eram altíssimas sem camisinha, mas eu precisava
manter a esperança.
Deixei esse assunto perigoso de lado por ora, pois não sabia o que
fazer em relação a isso, e fui para o quarto. Havia sido um dia longo, com
tudo o que aconteceu comigo. Deitei na cama.
— Durma um pouco. Depois, continuaremos nos divertindo. — Ele
também deitou ao meu lado e beijou meus cabelos.
Aconcheguei-me em seus braços com os olhos fechados.
— Você é o meu milagre enviado por Deus — sussurrei com um sopro.
— E você é o meu Anjo. — Senti seus lábios nos meus por um breve
segundo. Dormi tomada por êxtase.
Ryan foi para a França para um desfile que haveria lá. Queria que eu o
acompanhasse, mas não pude, porque tinha de trabalhar e cuidar dos meus
irmãos. A semana que passou fora maravilhosa, aproveitei cada segundo ao
seu lado. Sempre ficávamos juntos, tanto que eu já estava profissional no
sexo oral.
Fazia três dias que viajara, todavia, parecia uma eternidade sem ele.
Todas as noites nos falávamos por Skype até tarde, o que amenizava um
pouco a saudade.
Eram dez horas da noite de segunda-feira quando ele ligou. Eu estava
deitada na cama só com a sua camiseta, a que ele deixou comigo logo que
nos conhecemos. Guardei-a para mim, assim sentiria seu cheiro delicioso
impregnado nela.
— Oi, namorado — atendi meu telefone.
Ele riu.
— Olá, Anjo. Amanhã estarei em casa por volta das sete ou oito horas
da noite. — Sua voz grossa demonstrava desejo. — Estou louco para chegar
e matar a saudade.
Suspirei.
— Também sinto sua falta.
Meu peito doía com a distância, tanto que às vezes mal conseguia
respirar direito. Mas ele precisava do seu trabalho, eu não podia ficar muito
colada. Talvez Ryan achasse ruim, ouvi dizer que homens não gostam disso.
— Está se comportando? — inquiri. Ele estava cercado por modelos
lindas e formosas, podia até ser que tivesse ficado com algumas delas no
passado. No entanto, não havia motivos para a minha insegurança: ele me
amava. Mas eu era uma garota simples, jamais conseguiria competir com
uma modelo, caso ele mudasse de ideia.
— Quem tem uma mulher igual a você não olha para outra. Você é
incomparável, Anjo. Quando Deus a criou, jogou o molde fora — afirmou,
rouco. Prendi a respiração ao ouvir a sua resposta. Ele sempre dizia coisas
lindas para mim, nem parecia que um dia foi mulherengo. Adorava isso. —
Você é tudo na minha vida.
Rolei na cama e olhei para a foto de plano de fundo do seu celular, que
antes tinha também os seus amigos. Colocara ela num quadro em cima da
minha mesinha de cabeceira. Usei o Photoshop e deixei somente ele com seu
peito nu, escorrendo água do mar nos seus olhos lindos, descendo pelo corpo
sarado. O sorriso sexy que lançava para a câmera era deslumbrante como o
sol.
— Sei que estou sendo paranoica, mas com você cercado de mulheres
lindas... é um pouco difícil.
— Você é a única que eu quero — garantiu — Só você. De onde veio
essa insegurança?
Respirei fundo.
— Não sei... Às vezes penso em você com essas modelos... —
sussurrei; jamais seria igual a elas, belíssima.
Ele me interrompeu.
— Anjo, não pense nisso, ok? Eu só tenho olhos para você. Posso estar,
sim, cercado dessas mulheres, mas nenhuma delas é você. Nenhuma delas faz
o meu coração bater como se fosse sair do peito só por olhar seu rosto.
Nenhuma delas enche meu estômago de borboletas ao ouvir sua voz.
Nenhuma delas me tocou fundo como você, quando roubou minha alma, meu
coração e meu mundo.
Prendi o fôlego por um segundo, me sentindo a garota mais feliz do
planeta. Ele também era o único homem que eu amava e queria para sempre,
mais do que tudo nesta vida.
— Confio em você.
— Fico feliz com isso. — Ouvi um sorriso em sua voz rouca e sexy
como o pecado. — Você está sozinha em seu quarto?
Pisquei confusa pela mudança de assunto.
— Quem mais estaria aqui?
Ele riu, deliciado.
— Vá até sua porta e a tranque, depois tire as roupas e deite na cama —
ordenou com sua voz grossa.
Arregalei os olhos.
— Vamos fazer sexo por telefone? — Obedeci. Fechei a porta e
coloquei o celular no viva-voz.
— Ligue seu notebook, entre no Skype e coloque na cadeira ao lado da
cama para que eu possa ver todo o seu corpo.
Desliguei o celular e nos conectamos pelo Skype. Assim que a tela veio
à vida, vi meu milagre do outro lado. Estava sentado no meio da cama,
escorado na cabeceira, vestindo uma camiseta preta, mas nu na parte de
baixo, uma visão dos deuses. Queria perguntar por que ele estava com a
camiseta, por que não a tirou, mas ele falou antes de mim.
— Você tem algum brinquedo aí que possa usar?
Ajeitei meu note na cadeira ao lado da cama e fiquei sentada sobre
meus calcanhares, olhando para ele ali, sentado como um deus grego.
— Hummm — murmurei. — Tenho um vibrador.
Seus olhos brilharam.
— Que tipo de vibrador? — Segurava o riso.
Engoli em seco.
— Na forma de um pênis...
— Você tentou usá-lo?
— Hummm — pigarreei. — Tentei na noite em que nos falamos pela
primeira vez por mensagens... Pretendia dormir e não conseguia, pensando
em você, no desejo que despertou em mim. Doeu quando comecei a
colocar... Então parei. — Eu me remexi nos calcanhares, procurando ignorar
seu olhar ardente, como se o sol estivesse bem ali beijando minha pele.
— Oh, eu que ganho com isso. — Seu sorriso era ofuscante. Ele virou a
cabeça de lado, sem nunca tirar os olhos de mim. — Doeu porque você era
virgem na época, fico feliz por ter parado. Amei ser o primeiro e espero
fervorosamente ser o último. Mas estou curioso, aonde conseguiu o
vibrador? Você não é do tipo que compra isso.
Não queria dizer a ele que foi o Johnny que me deu para eu ir
experimentando antes de ficar com homens. Se contasse, geraria uma
discussão, algo que não desejava.
— Tabitta me deu quando veio aqui — menti. Sempre que nos
encontrávamos, ela tentava fazer minha cabeça a comprar vários brinquedos
sexuais para eu usar na minha menina, palavras dela, não minhas. Ela tinha
um monte dessas coisas.
— Tire sua camiseta bem devagar — ordenou. Comecei a fazer o que
ele pediu. — Esta é minha camiseta? Sexy pra caralho.
Assenti, muda. Fiquei de joelhos diante da tela, só de calcinha fio
dental que mal tapava a frente, imagine atrás? Seus olhos escureceram ao
olhar a peça vermelha da Victoria's Secret, toda rendada.
— Porra! Fio dental — grunhiu, pegando seu pau duro como rocha.
Desejava tanto ele comigo para eu colocar minha boca e sugar tudo. — Tire
sua calcinha, querida. — Sentei na cama e joguei a lingerie no chão. —
Agora se ajoelhe, do jeito que você estava antes.
Minha timidez foi para o espaço.
— Sente-se sobre os calcanhares, mas com as pernas abertas, expondo
a sua boceta gostosa para mim — grasnou feroz, sacudindo seu pau para
cima e para baixo. — Agora eu quero que você coloque uma mão em seus
seios deliciosos e a outra em sua vagina suculenta. Porra, queria estar aí
para devorá-la inteira.
Gemi, fechando os olhos ao posicionar meus dedos no clitóris,
esfregando-o.
— Abra os olhos — ordenou. — Eu os quero em mim.
Acatei. Minha visão foi direto para o seu pau caindo pré-gozo,
deixando minha boca cheia de água. Quem diria que algum dia eu acharia um
boquete bom? Dizem que as mais quietas são as piores; concordo com quem
inventou esta frase. Lambi meus lábios.
— Está com vontade de colocar meu pau em sua boca? — falava rouco
ao ver o desejo em meus olhos.
Perdera a capacidade de formar frases há muito tempo, tudo o que eu
podia fazer era concordar. Meu corpo pegava fogo.
— Ótimo. — Pareceu orgulhoso com isso. — Agora aperte seu clitóris
e finja que são meus dedos, minha língua lambendo seu broto rosado, mais
saboroso que qualquer comida.
Tremia tanto, a ponto de gozar ao tocar meu clitóris e beliscar meus
seios, tal qual ele fazia quando estávamos juntos.
— Caralho! — Seus olhos se fixaram no meio das minhas pernas,
vendo eu me tocar. — Tire a mão desses seios lindos e coloque dois dedos
dentro de você. Com a outra, continue a brincar com seu clitóris.
Fiz isso, mexendo para dentro e para fora. Já estava gritando pelo
orgasmo que se aproximava. Gemi, rebolando meus quadris junto aos
movimentos das minhas mãos. Acelerei o ritmo e meus gemidos ficaram
maiores, incapaz de manter meus olhos abertos.
— Porra, porra, porra. — Tomou ar. — Esta é uma visão que guardarei
para sempre. — Soltou uma respiração áspera por entre os dentes. — Puta
merda! Perfeita.
Meus olhos bêbados encontraram os dele ali, todo quente.
— Goze para mim, querida. — pediu.
Suas palavras foram como um raio direto no meu centro, após a última
estocada de dedos. A voz sexy desencadeou toda a explosão que tive dentro
de mim. Precisei apertar a boca para não berrar. Ele estava perto de chegar à
sua libertação. Por sorte, o volume do Skype era baixo.
Tirei os meus dedos de dentro de mim e mirei seu corpo tremendo, o
rosto tenso e o maxilar contraído, quase gozando. Coloquei meus dedos na
boca, sugando meu líquido sem nunca desviar o olhar.
Parecia bêbado de luxúria, prazer, amor e desejo, uma mistura muito
boa que eu amava. Gozou grunhindo meu nome, ou melhor, meu apelido:
Anjo.
Ficou mole por um tempo, igual a mim.
— Foi abduzido? — sondei depois de recuperar o fôlego. Deitei na
cama, exausta, ajeitando a tela do note para mostrar o meu rosto.
— Sim, acho que vi estrelas... — Fitava-me através dos seus olhos
anuviados. — Quando você lambeu os dedos, fui ao paraíso e voltei em
segundos. Puta merda, aquilo foi perfeito, uma visão dos céus.
Sorri, meio mole depois do êxtase.
— Foi sim, perfeito — concordei, sonolenta.
— Vá dormir, Anjo, amanhã nos falamos — prometeu.
— Eu te amo, Ryan. — Adormeci antes de ouvir sua resposta.
Capítulo 14
Medo
ANGELINA
Acordei cedo com um sorriso bobo após sentir um grande êxtase na
noite anterior. Nunca pensei que faria sexo assim, por Skype, mas amei. Foi
tão bom quanto seria pessoalmente.
Eu me levantei ainda nua e fui tomar banho. Trajei um vestido florido
de alças trançadas. Na região dos seios, era justo, e não muito rodado na
saia. Batia no meio das coxas. Calcei botas de caubói que iam até a canela e
coloquei um suéter por cima.
De repente, ouvi os gritos urgentes de Lira. Saí correndo do quarto em
direção à cozinha, de onde vinha o barulho. Ela parecia estar chorando.
Quando cheguei, me deparei com uma cena que me levou a gritar em
desespero. Daria para me ouvir do outro lado do quarteirão. Shane estava
caído no chão, todo mole... Como se estivesse... “Não, não, não, não, por
favor, não deixe que ele... Oh, Deus, não. Você não pode levá-lo de mim, não
pode”, implorava. Era para ser só uma simples cirurgia, então por que ele
passou mal?
Caí de joelhos ao seu lado e toquei seu rostinho lindo. Meu irmão
estava gelado...
— Shane, por favor, acorde — supliquei.
De repente, eu não estava sozinha. Fui tirada de cima dele por Charles,
enquanto Johnny massageava o peito de Shane e fazia respiração boca a
boca.
— Shane... — chorava.
— Ele vai ficar bem, Borboleta — Charles disse.
— Não posso perdê-lo, não posso — gemi, fechando os olhos.
Ângela se foi, assim como os meus pais, e agora Shane estava... Ele
ficaria bem, eu tinha de confiar e acreditar nisso. Não podia deixar as outras
perdas me dominarem.
— Ele está respirando de novo — avisou Johnny, preocupado. — A
ambulância está a caminho.
— Ele está dodói? — perguntou Lira, chorando.
Peguei-a nos braços, precisava dela perto de mim. Se Shane não
conseguisse... Não, deveria pensar positivo.
— Ele vai ficar bem — sussurrei, querendo acreditar naquela
promessa. Quando perdi Ângela, eu tinha tanta fé de que ela sobreviveria
àquele acidente... Aliás, que nós duas sobreviveríamos e escaparíamos do
crápula delinquente que fez meu carro capotar. Com meus pais foi a mesma
coisa... Temia pelo pior, mas lutaria e não perderia a fé.
Os paramédicos chegaram, colocaram Shane na maca e o levaram para
a ambulância. Charles pegou Lira e saiu do apartamento. Busquei minha
bolsa e fomos para o hospital.
Shane foi encaminhado à sala de exames para checarem seu estado; não
pude acompanhá-lo. Fiquei ali, entorpecida, na sala de espera, em um
corredor branco e comprido. Parecia que eu estava morrendo aos poucos.
Charles chegou alguns minutos depois.
— Onde está Lira? — questionei, sem vida.
— Deixei-a com a minha mãe, não sabemos quanto tempo vai demorar
aqui. — Sentou-se ao meu lado esquerdo, e Johnny no direito. — Ele ficará
bem, Angie.
— Sim, Shane sairá dessa, querida — garantiu Johnny.
Chorei em seus braços pelo que me pareceram horas. Soluçava e não
me importava que me vissem sofrendo. Só queria meu irmão curado e
comigo.
— Preciso contar algo a vocês dois.
— Pode falar, estamos aqui para o que quiser — incitou Charles.
— Com certeza — concordou Johnny.
— Hoje, faz seis anos que Ângela se foi. Estou completando vinte e
quatro anos... — Nunca revelei o dia exato do meu aniversário. Era para ser
uma data feliz, contudo, ela só me lembrava de uma tragédia que nunca
esqueceria.
Os dois ofegaram em sincronia.
— Angelina...
— Já pensaram no carma que é isso? No nosso aniversário de dezoito
anos, a perdi. Agora Shane está... sabe-se lá Deus como. — Expirei,
limpando as lágrimas. Curvei-me para a frente e coloquei minha cabeça em
meus joelhos, fechando os olhos. — Não era para ele passar mal assim.
Shane estava com fadiga esta semana, mas o médico disse que era normal...
— Ele vai ficar bem — Johnny reiterou.
— Espero que sim. Estou com medo. — Ajeitei-me no banco,
colocando a cabeça no encosto do sofá. — Eu vou contar a todos e quero
vocês no apartamento do Ryan comigo.
— Porque não os chama aqui? É melhor do que ir até lá só para dizer
sobre Shane — falou Charles.
— Porque eu quero contar tudo, tanto a respeito de Shane como o que
houve naquela noite em que perdi Ângela, um dos momentos mais tristes da
minha vida. Eu já os considero meus amigos. Vocês estarão comigo?
Os dois concordaram em me ajudar. A cada dia, criava mais laços com
aquelas pessoas. Sam era uma ótima companhia, saí com ela algumas vezes
enquanto Ryan viajava. Alexia e Rayla também. Por isso não queria deixá-
las de fora em um momento tão difícil para mim.
— Obrigada, amo vocês dois.
Escrevi a todos uma mensagem para que me encontrassem na casa do
Ryan às sete e meia da noite, assim daria tempo dele chegar. Não liguei para
ele, não queria incomodá-lo; conversaríamos mais tarde, quando voltasse de
viagem. Eram a recém onze horas e estava ansiosa para vê-lo. Todos os
meus amigos responderam dizendo que estariam lá no horário marcado.
Ficaria a tarde inteira com Shane, rezando para ele melhorar. Precisava
deste milagre em minha vida, precisava do meu irmão comigo.
Passava das duas da tarde quando o médico deu o veredito: Shane
estava bem, mas precisava ser operado o quanto antes.
— Administramos um sedativo para ele dormir. A cirurgia para colocar
o marca-passo deverá ser feita o mais rápido possível, não poderemos
aguardar mais uma semana. Marcamos para amanhã, às nove horas.
— Ele corre risco de vida? — indaguei num sussurro, já sabendo a
resposta.
— Não se preocupe, ele ficará bem se a cirurgia for realizada o quanto
antes. Tenha fé.
Aquiesci, muda. Fé... Tinha tanta antes das perdas... Não resolveu muita
coisa. A despeito disto, não abandonaria a esperança de logo ter o meu
bebezinho comigo e bem.
Entrei no quarto onde ele se encontrava dormindo com um lençol
branco sobre seu corpo. Meu coração doía vendo meu menino naquela cama,
mesmo o médico dizendo que ele estava a salvo. Não conseguia parar de ter
medo.
— Mamãe, papai e Ângela, se vocês estiverem me olhando aí do céu,
por favor, me ouçam. Necessito dele aqui comigo. Se Shane partir para onde
estão, não saberei o que fazer... Lira depende de mim. — Toquei seu rostinho
lindo. — Por favor, Deus, se você existe, não o deixe morrer, ele e Lira são
a razão da minha existência, minhas metades. — Beijei sua testa. — Amo
você, meu garotinho lindo, amo para sempre.
— Estou bem, Angie — sussurrou.
Virei para cima e me deparei com um par de olhos negros que me
fitavam confusos. Chorei de felicidade por vê-lo consciente.
— O que está havendo?
Sorri em meio às lágrimas ao ouvir sua voz linda que sempre iluminava
minha vida.
— Oh, meu Deus! Você está bem, meu amor? — Abracei-o forte,
beijando seu rostinho lindo.
— Não chore, Angie — implorou.
— Estou chorando de alegria!
Ele me abraçou, me reconfortando, repetindo a cada segundo que estava
bem. Inalava seu delicioso aroma, que me trazia luz e paz. Ficamos
conversando e sorrindo. Esperançosa de que tudo daria certo, não me
permiti pensar negativo ou ficaria louca. Queria somente apreciar a
felicidade por meu lindo irmão estar seguro.
RYAN
O desfile na França foi um sucesso com minha nova coleção de
lingerie. Era para Sam ter participado, mas perdi a aposta por causa da
Anjo. Não que eu me arrependesse de escolhê-la, aquela mulher surgiu para
trazer luz à vida vazia que eu levava, agora completamente preenchida com
ela ao meu lado.
Os vestidos dela seriam lançados na Califórnia em alguns meses,
acredito que se tornariam um sucesso. Contava com isso, pois eram
esplêndidos. Estava orgulhoso pelo talento de Angie.
Quando cheguei da França, fui visitá-la, doido para vê-la, abraçá-la,
beijá-la e passar o seu aniversário juntos. Até aluguei o restaurante Baboo,
conhecendo seu amor por comida italiana. Seria o primeiro encontro oficial
de toda a minha vida.
Soube que ela iria ao meu apartamento aquela noite. Pensei que seria
para nós conversarmos, mas ela convidou a todos, os meus amigos e os dela.
Quando ela falou que quase cometeu suicídio diante da morte de seus
pais, foi como se tudo dentro de mim se partisse ao meio, temendo que ela
tivesse pensando nisso de novo. Graças a Deus, Angelina já não considerava
esta opção. Porra! Por ela eu enfrentaria o inferno, moveria céus e terra.
Meu amor faria o mesmo por mim.
Ao ter a Anjo em meus braços pela primeira vez, custei a acreditar
realmente que faríamos amor. Pensava que ela estivesse se guardando para
seu futuro marido. Pelo olhar dela, Angie achava que isso não aconteceria
comigo. Não por falta de amor, e sim por não acreditar que eu me
comprometeria tanto. Antes de conhecê-la, de fato, eu pensava assim
também. Angie mudou isso, não sabia o que essa mulher tinha. Fez com que
eu desejasse tudo: casamento, filhos. Por ela, andaria em brasas sem ter
medo de me queimar.
Se minha garota quisesse casar, assim seria, nem que para isso eu
tivesse de enfrentar um maldito cavalo.
Enquanto criança, adorava cavalos, achava fascinante como eles
troteavam livres pelos pastos verdejantes do haras dos meus pais, hoje meu.
Algumas vezes, frequentava o local só para vê-los correr, com suas crinas ao
vento. Queria montá-los e sentir o ar puro beijar minha pele, o sol banhar
meu rosto, mas tudo não passava de um sonho. Caí de um pônei quando tinha
sete anos. Já pensou, um homem crescido com medo de cavalos? De
qualquer forma, precisava acabar com este temor, porque era o único jeito
de provar para Angelina que eu valia a pena, que por ela levaria uma
maldita bala.
Minha amada era melhor do que tudo que já experimentei. Seu gosto de
fruta, seus gemidos doces, maldita canção para os meus ouvidos. E os
gritos? Simplesmente divinos, algo que queria escutar para sempre. Se
alguém um dia me dissesse que eu faria amor com uma mulher, teria rido na
cara dele, perguntado se havia bebido. Mas fazer amor, transar, foder com
ela, era tudo o mesmo, igualmente perfeito.
Não dormi à noite, conversado com o Lucky e o doutor Raul Smith, um
cardiologista especializado em todos os tipos de problemas no coração.
Lucky disse que ele era o melhor. Esperava que sim, porque não queria vê-la
destruída.
Meu irmão mandou os exames de Shane por e-mail para o doutor
providenciar tudo. A cirurgia foi marcada para o meio-dia, duraria em torno
de duas a quatro horas. O médico o transferiria para o Hospital Mount Sinai,
de Manhattan.
ANGELINA
Os três meses que passaram foram os melhores de minha vida em todos
os sentidos, tudo estava em seu devido lugar. Shane se recuperou bem da
operação que fez em outubro. Brincava normal, claro, comigo não o
deixando extrapolar para não correr o risco de dar um problema na cirurgia.
Seguia à risca a recomendação do médico para ele ficar curado logo.
O baile que Sam organizaria (uma vez que o Ryan perdeu a aposta) foi
adiado, porque ela estava grávida de sete meses e sentindo algumas dores,
então o médico recomendou repouso absoluto. Lucky não a deixava fazer
nada. Certo ele, com uma gravidez assim não se brinca.
Em dezembro, Ryan me levou ao Times Square em Nova York. Quando
eu disse que morava no Bronx há cinco anos e não conhecia aquele lugar, ele
não pensou duas vezes. Não revelei a ele o porquê de nunca ter ido lá antes:
achava que era frequentado só por pessoas finas e ricas, todavia, estava
redondamente enganada. Amei sair em um encontro com ele.
Olhei para o homem deslumbrante ao meu lado. Ele estava vestido com
jeans escuro, camisa preta e uma blusa de lã por cima, por causa do frio. Eu
usava calça jeans, blusa grossa, um casaco marrom para me aquecer e botas
de caubói que Ryan comprou para mim. A temperatura não atrapalhou nosso
passeio.
— Ryan Donovan em um encontro? — Sorri ao chegarmos ao
Rockefeller Center. Ele me levou para ver o pôr do sol do terraço.
Apaixonei-me pela vista, mesmo que, nesse dia, não houvesse um sol
aparente se pondo no horizonte. As nuvens estavam carregadas no céu,
prenunciando a chuva. Talvez nevasse na virada do ano, dali a algumas
semanas.
Ele riu, me apertando em seus braços.
— Mais uma coisa que vai para a lista de primeiras vezes com você. —
Beijou meu rosto. — Terei muito mais para colocar, estamos apenas
começando.
Aquele dia foi um dos mais lindos da minha vida. Após o terraço,
patinamos no gelo. Ele não queria ir, porque não sabia como; felizmente,
cedeu ao meu pedido.
— O que não faço por você? — falou ao entrarmos no centro de
patinação, próximo ao Times Square.
— Por isso amo você — declarei, sorrindo de lado. — Prometo que, ao
chegar em casa, o recompensarei.
Fitou-me com desejo.
— Oh, querida! Estou contando com isso.
Sacudi a cabeça, ainda sorrindo. Nós colocamos os patins e fomos para
a pista de gelo. Deu um passo e já ia caindo, mas segurei suas mãos e fiquei
de frente para ele.
— Droga, Anjo, não sei andar nesta merda!
— Não é difícil, é como aprender a andar de bicicleta. Feche mais as
pernas — pedi. Ele acatou. — Darei um passo para trás e você me segue,
ok?
— Vou parecer uma maricas — reclamou, observando ao redor para
ver se alguém estava olhando.
— Sei, com toda a certeza, que você não é uma maricas — sussurrei,
sedutora. — Talvez eu tenha de refrescar sua memória. — Também conferi
se ninguém estava perto, mas os demais patinadores se encontravam a uma
distância considerável. Sorri, devassa. — Não foi na minha boca que gozou
logo cedo?
Ele piscou e me puxou para os seus braços, todavia, foi rápido demais,
caindo de costas no gelo, e eu por cima dele. Gemeu com a pancada no chão
e meu peso, mas seus braços continuavam firmes em minha cintura.
— Esqueci os malditos patins — rosnou, ofegante. — Você está bem?
Eu sorri.
— Perfeitamente bem. Na próxima vez que estiver de patins, seria
interessante lembrar de não puxar as pessoas bruscamente.
Ele riu.
— Oh, caralho, se vou usar esta merda de novo! — Beijou a ponta do
meu nariz. — Você é a culpada por falar assim comigo enquanto estamos
cercados de gente.
— O quê? Não gostou de eu dizer que amo seu pau na minha boca ou
que você me perverteu? — Mordi meus lábios.
— Maldição — praguejou. — Vamos embora agora, porque mesmo
com minhas bolas congelando neste frio, eu as quero enterradas em você.
Meu corpo tremeu, querendo ele também, desejando-o tanto que
chegava a doer. Eu me levantei e o ajudei a se erguer para irmos aproveitar
cada momento que esse homem tinha a oferecer a mim.
Já era quase dez da noite quando saímos do Times Square. Mal
aguentava esperar chegarmos em casa, estava faminta demais por ele.
Como o aquecedor estava ligado, não morreria de frio quando tirasse a
roupa. As janelas do carro eram escuras, então quem surgisse do lado de
fora do estacionamento da loja não nos veria. Ryan saiu e foi comprar algo
que o Jordan pediu. Ele ficou confuso quando eu disse que ia esperá-lo no
carro, mas não falou nada. Eu precisava tirar minhas roupas.
Estava no Mitsubishi L2OO Triton dele — o carro era lindo, devo
dizer. Meu homem gostava de colecionar máquinas velozes. Já eu, não
entendia nada delas. Continuava usando seu Volvo para ir ao serviço; era o
mais simples no meio de seus sete automóveis, que incluíam: Porsche,
Ferrari, Maserati, Range Rover e, por fim, o Bugatti, um dos meus favoritos,
pois remetia a lembranças da primeira vez que ficamos juntos. Agora seria
do Mitsubishi que teria recordações.
Ao entrar no banco de trás, ignorando que eu estivesse em um
estacionamento, já fui tirando as roupas: calcinha, sutiã, calça e blusa, deixei
apenas o casaco comigo, que ia na altura dos joelhos. Sentei-me e esperei
por ele.
— Anjo... — interrompeu-se, entrando no carro e vendo que eu estava
no banco traseiro. — O que faz aí?
Não respondi, apenas abri o jaleco e mostrei a ele o que o casaco
escondia.
— Porra, Anjo — praguejou e olhou ao redor, vendo se avistava
alguém. Rosnou e saiu do carro, abriu a porta de trás e entrou, me puxando
para os seus braços, devorando a minha boca. — Não consegue esperar até
chegar em casa? Minha mulher está faminta? — sibilou na minha boca. Sua
mão direita foi para o meio das minhas pernas. — Droga, encharcada.
— Você me faz assim, quente e molhada. — Mordisquei seus lábios.
— Merda, querida, vamos ter de ser rápidos aqui, a loja fecha em meia
hora. — Ele me afastou um pouco e tirou seu pau duro e gostoso para fora de
sua calça. — Droga, não tenho preservativos comigo. — Olhou-me de lado.
— Quer arriscar?
Evitei um suspiro, porque já era tarde demais para me prevenir. Ainda
não fizera o exame, mas tinha certeza de que eu estava grávida, algo em que
não queria pensar.
Não disse nada, apenas montei nele e desfrutei do paraíso.
— Cavalgue em mim — ordenou, tirando meu casaco e abocanhando
meus seios. Passava de um a outro, sugando, mordendo, lambendo-os. Suas
mãos estavam em meus quadris, apertando-os, me ajudando a cavalgar. —
Apertada demais, porra.
Puxei seus cabelos, querendo ver seu rosto e beijar sua boca. Meu
corpo tremia pelo êxtase. Sabia que não demoraria muito a gozar. Levei
meus lábios aos seus e devorei, faminta, sua boca com gosto do whisky que
tínhamos tomado no restaurante; bebi somente um gole, por suspeitar da
gravidez. Esses beijos eram o meu alimento, a minha vitamina, o meu tudo.
Ele não falou enquanto transávamos, ou melhor, fazíamos amor — dizia
que todo sexo comigo era fazer amor. Achei incomum ele ficar calado
durante a transa; pensei que fosse porque alguém poderia nos ouvir ali. Só
depois que terminamos, enquanto estávamos ofegantes, indagou:
— Por que você fica tensa sempre que o assunto é gravidez? — sondou,
olhando nos meus olhos.
Eu suspirei.
— Quero tudo com você, Ryan. — Coloquei minha cabeça em seu
ombro. — Eu o amo.
— Também a amo, Anjo, tanto que às vezes não consigo nem mensurar.
Não foi a primeira conversa que tivemos sobre filhos. Sempre que
tocávamos no assunto, ele ficava pensativo e me avaliava. Decerto achava
que não queria filhos com ele; não era verdade. Desejava tudo com ele,
porém, não podia. Estava sendo covarde por não contar a verdade; precisava
revelá-la, e logo.
O meu livro seria lançado no próximo mês. Sentia-me feliz pelo meu
sonho realizado. Um dos sonhos... Agora só faltaria eu me casar com meu
lindo namorado, o homem mais perfeito do mundo para mim.
No meio do êxtase, vivendo com meu Ryan, uma coisa estava me
incomodando e me fazendo perder o sono à noite: a menstruação atrasada há
três meses. Esta era a minha preocupação, porque ela nunca atrasou nem um
dia. Sempre fui daquelas mulheres bem reguladas. Sentia um frio na espinha,
porque sabia o que isso significava: eu estava grávida. Aquela nossa
primeira vez teve uma consequência, porque ele não usou preservativo,
querendo me engravidar. Pelo visto, conseguiu.
RYAN
Fui para o meu desfile na Califórnia, e tentei levar Angelina comigo,
mas ela não quis, disse que tinha de trabalhar. Isso era algo que teria de
contar a ela quando chegasse em casa, sobre ela ser a dona da editora, e não
o Daniel. Afinal, ele precisava deixar a editora para se lançar de cabeça em
seu sonho de ser um piloto de corrida.
Ainda bem que o meu último dia na Califórnia passou. Eu gostava de
trabalhar, claro, mas nesse desfile não estava com a cabeça no lugar, e sim
com a mente a quase dois mil quilômetros de distância, pensando na minha
linda mulher.
O desfile foi um sucesso, ainda mais lançando os vestidos da Angelina.
Assinei contrato com várias redes de lojas, tanto daqui dos Estados Unidos,
como do Japão e da Alemanha. Estava feliz com isso, mas ficaria mais
contente quando chegasse em casa e finalmente pudesse estar junto da minha
mulher, que ficou me aguardando. Desejava que ela tivesse uma boa notícia.
Há três meses andava ansioso porque a menstruação da Angelina não
desceu, então contava os dias nos dedos e torcia para ela estar esperando o
nosso pequeno anjinho.
Eu tinha um desejo forte de um dia ser pai, mas nunca aparecera a
mulher certa para concretizar este plano, até que o ser mais lindo do mundo
surgiu na minha vida, me fazendo cair de joelhos.
Quando me mudei para o meu apartamento — que agora era o nosso
apartamento —, chamei-a para ir morar comigo, mas ela arrumou um monte
de desculpas: “Meus irmãos estão numa escola do Bronx e não podem mudar
de colégio agora”, como esta e várias outras. Eu a convenci com meus dedos
dentro dela, uma arma não muito justa de usar, mas, porra, adorava vê-la
gritando, dizendo que faria tudo que eu pedisse.
Estava louco para vê-la, ainda mais depois de passar cinco dias fora,
sem seus toques, sem seus beijos. Esses dias foram os mais longos da minha
vida, isso porque não tinha minha namorada comigo.
Quando retornei, olhei todos os quartos à sua procura, e não a avistei.
Logo senti um aperto no peito, mas depois pensei: “Ela deve ter ido na
Sam”. Isso sempre acontecia comigo. Sabe quando você vive algo tão bom e
maravilhoso que custa a acreditar ser real? Eu me sentia assim com ela, que
era tudo de mais precioso para mim. Então, às vezes, tinha medo dela
desaparecer como num passe de mágica.
Eu ia ligar para Angelina assim que guardasse o anel de diamante
amarelo, com a pedra na forma de uma estrela e a palavra “anjo” dentro.
Mandei o joalheiro fazer assim porque são símbolos importantes para nós
dois: o anjo a representa para mim, e a estrela representa a mim para ela.
Meu peito inchou quando me lembrei dela dizendo que eu era a sua estrela
de mil pontas, pois tinha vários motivos para me amar. Eu só não conseguia
imaginar quais eram eles. Considerava-me um bastardo sortudo por aquela
mulher me querer, e pretendia pedi-la em casamento hoje.
Guardei o anel para mais tarde. Tive de esperar três meses para a nossa
casa ficar pronta, para então, assim, pedir sua mão. O dia mais esperado, o
dia com que tanto sonhei, chegara.
Escondi a caixinha azul com o diamante de dezoito quilates e já estava
fechando a gaveta quando avistei papéis de exames. Podia apostar que era a
ultrassonografia do nosso pequeno anjo. Eu sentia meu peito bater forte,
como se quisesse sair pela boca. Tinha certeza de que ali estava o que eu
tanto queria.
Assim que abri, li “POSITIVO”. O nosso bebezinho se encontrava
dentro dela, tão pequeno e indefeso, e eu já queria protegê-lo para sempre.
Antes de deixar a felicidade me dominar por completo — a ponto de gritar
feito louco —, enxerguei duas coisas que fizeram meu corpo congelar e
minha alma sangrar. Se alguém enfiasse as mãos em meu peito usando garras
no meu coração para esmagá-lo, acho que doeria menos. Não podia acreditar
no que estava vendo.
A data do resultado dos exames era de antes de eu ir para a Califórnia.
Então ela já sabia que estava grávida e não me dissera nada? Deixou-me
aflito esse tempo todo, sonhando e rezando para ela estar esperando nosso
filho? Eu desejava tanto ter logo meu pequenino em meus braços, e que ele
fosse parecido com Angelina. Por que escondera a informação? Por qual
razão faria isso comigo?
Um tremor se apossou do meu corpo ao ver um panfleto de uma clínica
para abortos. Não! Ela não podia fazer isso... Não a mulher que eu conhecia
e amava. Daria sua vida pelos seus irmãos e por mim, então como não
aceitaria nosso fruto, que fizemos com todo nosso amor? Deveria haver outra
explicação para toda esta porcaria. A partir do momento em que a conheci,
ela se tornou a razão da minha existência, assim como o nosso filho que
estava dentro dela.
Fui para a sala ainda tonto com tudo que descobri, iria atrás dela para
confrontá-la e buscar explicação para essa merda. Respirei fundo, tentando
controlar minha ira.
Estaquei ao vê-la entrar pela porta e me fitar com seus olhos negros
marejados. Acho que tinha algo a me dizer, porque seu rosto estava sério e
úmido. Eu seria capaz de matar e morrer por essa mulher. Por que fez isso
comigo? Antes que Angie falasse algo, esbravejei:
— Que porra isto significa?
Observou a minha mão, que carregava o exame, e arregalou os olhos.
Enxerguei arrependimento ali, não obstante, isto não atenuou a minha raiva.
— Eu posso explicar... — Sua voz tremeu, mas eu estava irado demais
para me preocupar com isso agora.
— Explicar? Diga como pode explicar isto? — Sacudi o resultado na
mão. — Este exame foi feito antes de eu ir para a Califórnia, por que não me
contou?
Encolheu-se diante da minha raiva.
— Não queria trazer problemas para a sua viagem.
Angelina endoidou? Caralho! Eu precisava me controlar ou perderia o
resto da minha fodida mente.
— Problemas? — rugi. — Estava louco para ser pai, e você sabia
disso. — Expirei, tentando me controlar com várias golfadas de ar.
Seu belo rosto já estava molhado e sofrido. Quis abraçá-la e beijar suas
lágrimas, secá-las com minhas carícias, dizer que tudo ficaria bem e não era
necessário chorar. Todavia, a vontade de descobrir a verdade foi maior.
— Eu sei, é por isso que eu não disse nada. — Mordeu os lábios,
controlando o choro.
Estreitei meus olhos.
— “Eu sei”... — Ri com amargura. Tudo em mim parecia estar morto
ou morrendo aos poucos. Nosso futuro dependeria do que ela responderia:
— Pensou em abortá-lo?
Maneou a cabeça para trás num rompante e me encarou como se eu
fosse louco. Meu coração se encheu de esperança, querendo que não
passasse de um engano, que houvesse outra explicação para essa porra.
— O quê? — quase gritou.
Mostrei o panfleto que achei no meio do exame, sobre a maldita clínica
de aborto. Nem li o nome do lugar, pois a palavra “aborto” me cegou na
hora. Seus olhos ficaram maiores do que antes.
— Você estava tentando abortar o nosso bebê? — A dor que eu sentia
saiu bem visível na minha voz, afinal, já dominara o meu corpo.
Angelina deu um passo para trás, como se eu tivesse batido nela. Pela
dor em seus olhos, acho que machucaria menos se eu tivesse feito isso.
Ambos sofriam.
— O quê? Não... — Aparentava sentir-se traída, sem motivo: fora eu o
enganado.
— Então como explica esta merda, Angelina? — Amassei o folheto. —
Você não me contou que estava grávida e, além disso, achei este panfleto de
uma maldita clínica de aborto.
Apertava suas mãos pequenas na lateral do corpo, num gesto nervoso.
— O médico viu minha expressão... deve ter pensado que eu não o
queria... então me entregou o folheto. — Sua voz falhou. Por que reagira
assim ao nosso filho? Sempre foi tão pura e doce, eu mal acreditava no que
via e ouvia. — Eu devo ter pegado ele junto com o exame sem saber.
Meus olhos ficaram sombrios, mas evitei a dor que estava ali me
comendo vivo, pois se sua expressão era tão ruim a ponto do médico lhe
entregar o folheto de uma maldita clínica só para ela tirar nosso bebê...
Então ela realmente não o queria? O fruto do nosso amor?
— Sua expressão estava aterrorizada? Tudo porque não queria ter um
filho meu? — pretendia urrar, mas saiu um lamento.
Lembrei desses três meses de ansiedade e euforia, aguardando a notícia
de que estava grávida. Quando eu mencionava isso, Angelina ficava distante,
até mesmo com um olhar entorpecido. Pensei estar vendo coisas; agora
compreendia a razão por trás do seu distanciamento. Ela não o queria, não
como eu.
E assim, num grito de dor, revelou algo que não só desmoronou minha
vida, mas também a minha alma. Creio que morri ali.
— Não posso ter filhos. Eu nasci com um problema no coração, quase
igual ao do Shane, mas o meu é mais grave. Tenho cardiopatia. Meu coração
bate mais lento do que o das outras pessoas, por isso tomo remédios. Não
sobreviveria até o final da gestação. — Tomou fôlego sem nunca tirar os
olhos de mim, petrificado. — Era por isso que eu estava com medo...
A bomba foi tão grande que perdi todo o ar dos meus pulmões. Entrei
em pânico.
— Assim como estou vendo agora o terror em seus olhos... — disse-me
ela.
Sim, estava tomado de pavor. Tudo me consumiu, me matando por
dentro tal qual uma maldita erva daninha. Teria de escolher entre as duas
coisas mais importantes da minha vida: ela ou o nosso bebê! Se Angelina
ficasse com ele... eu perderia tudo. Se ela não conseguisse... seria o fim da
minha existência.
Nunca quis entregar meu coração a alguém por causa de cenários
similares a este, em que corria o risco de um dia perdê-la, como aconteceu
com os meus pais. Era a pessoa mais valiosa do meu mundo inteiro, a única
que me enchia de júbilo, paz, alegria, amor. Meu céu, minha estrela, meu sol,
minha lua e todo o maldito universo. Sem Angelina, não resistiria... Não
mesmo.
Queria brigar com ela por não ter me dito logo de cara a verdade. Se
tivesse me contado, não estaríamos nesta situação. Eu não a teria
engravidado e também não precisaria escolher entre os dois — isso se ela
conseguisse chegar até o ponto de nosso anjinho nascer.
Porra! O que faria? Desejava nosso filho, no entanto, não aceitaria
perdê-la. Sacudi a cabeça várias vezes tentando sair desse pesadelo em que
me encontrava. Como pode uma pessoa estar em êxtase em um segundo, e no
outro o mundo desmoronar sobre si, deixando-a no mais completo tormento?
Os meses em que nós dois estivemos juntos foram uns dos melhores da
minha vida...
Em retrospectiva, quando saí desgovernado do meu apartamento, sem
chão, e disse aquelas coisas a respeito dela tirar nosso bebê, quis bater na
minha cara. Fui egoísta, sim. Era um filho da puta por tê-la deixado sozinha
para lidar com tudo. Angelina também está sofrendo: por ela, por mim e
pelas palavras feias que proferi.
Fui para a nossa casa, a que comprei para ela, para morarmos juntos
após o casamento, que era para ser dali a um mês. Será que tudo viraria pó?
A vida que sonhávamos juntos ainda existiria? Eu seria forte o bastante para
vê-la moribunda? Não, eu não permitiria que nada acontecesse a ela.
Observei nossa casa com paredes cor de areia, de dois andares.
Angelina gostava de janelas largas de vidro, para dar claridade ao ambiente,
então pedi ao engenheiro para fazer assim. Também havia uma varanda que
ladeava toda a residência, com uma bela vista para onde o sol se punha no
fim de tarde. Notei que ela adorava vê-lo, porque sempre que o sol estava se
pondo, ia para a janela da cozinha do apartamento.
Pensava em como seríamos felizes ali, juntos: Lira, Shane e o nosso
anjinho. O mesmo anjinho que eu disse para ela tirar... Oh, Deus! O que eu
fiz? Por que eu falei aquilo para Angie? Imploraria por seu perdão, nem que
fosse de joelhos.
Meu coração sangrava pelo risco que ela correria estando grávida, e,
paradoxalmente, se acelerava de felicidade por saber que carregava meu
filho. Faria tudo que ela quisesse neste mundo. Ficaria ao seu lado,
independente do que acontecesse... Seria forte por ela. Como lhe disse uma
vez, se ela chorasse, secaria suas lágrimas; se sofresse, removeria sua dor.
Voltei para o apartamento, já mais calmo, louco para abraçá-la, beijá-
la, garantir que tudo ficaria bem e que eu a amava com toda a minha alma,
que não sairia do seu lado. Ao chegar, por volta das cinco da tarde, a casa
estava em completo silêncio. Um gelo desceu pelo meu corpo. Não, ela não
iria embora assim, não me deixaria, a despeito de eu merecer isto, depois de
tudo que disse... Não podia viver sem ela.
Corri, procurando em cada canto da casa, por último em nosso quarto.
— Anjo! — chamei. Como respostava, objetive o silêncio pétreo. Abri
o armário e suas roupas não estavam mais lá.
“Não, não, não, não...”, pensei, desesperado, com minha visão
turvando. Não sei bem o que houve depois do meu mundo cair sobre mim.
Apenas ouvia a voz alterada do Lucky, e outras que não identifiquei. Tudo
em mim estava dormente e sem vida, ela me matou ao partir.
— Meu Deus! Ryan, o que houve? — rugia meu irmão.
Não respondi; sinceramente, não ligava para o caos no meu
apartamento. Parecia que um furacão passara por ali e destruíra tudo. Os
sofás jogados pelos cantos, as mesas reviradas, a televisão quebrada com
milhões de cacos de vidro espalhados por todo o chão...
Estava de joelhos perto de um espelho quebrado, bem onde fizemos
amor antes de eu ir para a Califórnia. Onde a fiz enxergar sua beleza na
tentativa de acabar com a insegurança que a acometia cada vez que eu
viajava. Fizemos amor, e mostrei à Angelina a mulher magnífica e linda que
era. Somente ela existia na minha vida, ninguém mais.
Sabia que ela estava insegura por eu ir para a Califórnia. Ela sempre
ficava assim quando eu viajava para os desfiles de minha empresa. Nós
estávamos sozinhos em casa. Shane e Lira foram para a Sam, brincar com
Shaw. Aproveitei para desfrutar da minha mulher.
— Venha aqui. — Puxei-a para a frente do espelho da sala.
Arregalou os olhos.
— O que vai fazer?
— Mostrar a beleza de mulher que você é. Mostrar que somente você
faz isso comigo. — Fiquei atrás dela e imprensei meu pau na sua bunda.
Angie engoliu em seco e fechou as pálpebras. — Abra os olhos e veja a obra
divina diante deste espelho.
Seu corpo nu refletido ali me matava de prazer. As íris vidradas
estavam presas às minhas.
— Observe a minha mão acariciando seu clitóris, este broto rosado e
suculento que é meu alimento. Agora abra mais as pernas para eu colocar
meus dedos dentro desta boceta deliciosa.
Fez o que eu mandei, ofegante. Com a minha mão direita, enfiei dois
dedos dentro dela, e com a esquerda, amassei seus mamilos saborosos. Sua
pele tremia, ela não demoraria a gozar de novo. Nós já tínhamos ficado no
quarto, ou melhor, jogamos lá. Fiquei feliz por gostar das brincadeiras
comigo. Tudo que pedia, Angie fazia. Adorava isto.
— Por que você fica insegura sempre que vou para a agência ou viajar
a trabalho? — Mexi meus dedos dentro dela; com o polegar, acariciei seu
clitóris.
Ela piscou com os olhos bêbados e me encarou. Depois, desviou o
rosto. Eu interrompi o movimento. Angelina choramingou.
— Preste atenção em mim, ou não vai receber meus dedos e meu pau —
rosnei. — Quero a resposta.
Respirou fundo.
— Porque elas são lindas, e você já ficou com todas... — Sua voz
falhou.
Suspirei.
— Para deixar bem claro: não fiquei com todas as minhas modelos.
Aquelas com quem mantive relações e que estão comigo ainda, são hoje
casadas ou têm namorados. As outras não trabalham mais para mim. — Tirei
a mão do seu peito e toquei seu rosto lindo.
Ficou surpresa.
— Não há nenhuma modelo com quem já tenha ficado que ainda
trabalhe para você e esteja solteira?
Estreitei meus olhos.
— Por que duvida de mim? Não acredita quando digo que só você
importa? — sibilei, um tanto irritado.
Mordeu os lábios.
— É que elas são tão perfeitas... Às vezes, acho que não sou mulher
suficiente para você...
Ela era louca? De onde saiu isso? Quando enxergaria que era
maravilhosa?
— Olhe para essa mulher no espelho e diga o que você vê nela —
ordenei. Engoliu em seco, todavia, obedeceu. — Descreva-a.
Ela suspirou.
— Pele branca, bronzeada. Olhos negros como a noite, que brilham
como a lua sempre que ela olha para você. — Fitou-me e continuou: —
Cabelos pretos anelados, caindo em cascata nas costas. Boca voluptuosa em
forma de coração. Corpo...
Hesitou, notei que ela não gostava de algo nele, e eu queria saber o que
era, porque via Angelina como uma maldita obra de arte.
— Continue.
— Corpo curvilíneo, barriga lisa com uma borboleta azul tatuada na
virilha... Seios... Eles são pequenos.
— Você não gosta do tamanho?
— Eu... — titubeou.
— Responda, você realmente não gosta deles?
Ela pigarreou.
— Todas as mulheres com quem você ficava tinham os peitos grandes...
Diferente de mim...
Eu a interrompi.
— E estou com elas agora? Fiquei mais de uma vez com alguma delas?
Engoliu em seco.
— Não...
— Com quem eu estou agora, Anjo? Por qual mulher meu pau fica
duro? Qual devoro todas as noites? Qual nome grito quando gozo em sua
boca ou dentro dela? Para qual fiz uma tatuagem em meu peito? Hein, Anjo?
Para quem digo, todas as manhãs, que é a minha luz, o meu milagre, a razão
de eu existir neste mundo? — Mirava-me com seus olhos como os de uma
coruja. Prossegui, ignorando a dúvida em sua face. — Quem é essa mulher
que tem a porra de um corpo esculpido que me faz gozar sempre? Quem?
— Eu...
— Sim, você, porra! — grunhi com os dentes cerrados. — Então não
tenha ideias que não existem, porque a única que eu quero é esta aqui,
refletida no espelho. A linda morena gostosa em quem sou viciado, na sua
boca, nos seus seios que adoro saborear, na sua boceta, em toda você. —
Voltei a mexer meus dedos dentro dela. — Olhe para a única mulher que meu
pau e eu queremos, e me diga: ela não é linda?
Observava a si mesma, contudo, estava tão bêbada de desejo que
provavelmente mal conseguia se ver direito.
— Eu quero ouvir sua voz.
— Sim, ela é linda, e você a ama. — Seus olhos encontraram os meus.
Neles, havia tanto amor, tanta admiração; eu era seu maldito mundo.
— Sim, com toda a porra da minha alma. Ponha as duas mãos no vidro
do espelho e veja a mulher que eu amo. — Retirei meus dedos dela, o que a
fez choramingar. Peguei seu quadril por trás e segurei-o, vendo sua bunda
gostosa. — Firme-se no espelho e empine essa sua bundinha linda para trás.
Ela ofegou e fez o que eu pedi. Sabia no que pensava, que eu usaria sua
bundinha hoje. Porém, Angelina não estava pronta. Talvez um dia a teria de
todos os ângulos.
— Mente suja. — Dei um tapa em sua bunda. — Um dia a possuirei,
mas não hoje.
— Oh... — gemeu assim que entrei dentro dela, saboreando a sensação
de sua vagina apertada.
— Quem eu estou comendo agora? — rosnei.
— Eu... — gritou.
— Sim, você, Anjo. A única que vou foder, saborear, comer e com
quem farei amor até os últimos dias da minha vida — ofegava falando com
ela enquanto estocava. Mordisquei sua orelha ao gozar dentro dela, gritando
seu nome com adoração.
Sentia dor em minha mão, talvez houvesse cacos de vidro nela. Não me
importei, porque dor maior eu vivenciava por todo o meu corpo. Pulsava
cada vez que eu respirava, por ela ter ido embora, me deixando quebrado e
destruído, aliás, morto.
Ryan,
Sei que está sofrendo muito por receber esta notícia assim, e sofrerá
ainda mais quando eu for embora, mas eu não posso ficar aqui, não
quando você quer matar o pequeno tesouro que Deus nos deu.
Lutarei com unhas e dentes pela minha vida, por você, pelos meus
irmãos, por nosso bebê. Eu prometo, querido.
Você disse que se algo acontecesse comigo, não iria aceitá-lo. Não
faça isso, Ryan. Ele é parte de você e de mim, nós dois o fizemos com o
nosso amor. Então, se algo der errado, não o tire da sua vida, pois ele
precisará de você para protegê-lo e amá-lo. Então, por mim, não abandone
nosso pequeno milagre.
Imploro que tenha forças e lute por ele, não se entregue à derrota.
Não se entregue à bebedeira e às mulheres aleatórias. Talvez eu não tenha
o direito de exigir isso, ainda mais quando pretendo sumir, porém, faça
pelos bons momentos que tivemos juntos. Saiba que não guardo rancor por
querer tirar nosso pequeno anjinho. No fundo, compreendo que disse
aquilo da boca para fora, porque estava sofrendo. Se eu sobreviver ao
parto, retornarei para você, mesmo que não me queira mais, insistirei em
conquistar seu perdão, para que me aceite de volta.
Ryan, não me agrada deixá-lo. Isto está me matando aos poucos, a
cada segundo. Gostaria de tê-lo ao meu lado, agora e sempre. O amor que
sinto por você vai além de tudo, acho que até da morte.
Fique com Deus, meu amor, minha vida.
Seu Anjo.
Meu telefone tocou quando estava indo para o haras encontrar o Neve.
Nesses três meses na solidão e escuridão, consegui domar o cavalo dela. Só
precisava encontrá-la para nos casarmos.
Arregalei os olhos vendo quem era.
— Por favor, me diga que descobriu onde ela está — falei assim que
atendi.
— Sim, eu a encontrei — respondeu Daemon.
Capítulo 18
Esperança
ANGELINA
Há três meses, minha vida se tornara um completo martírio... Três
meses sem respirar direito, e quando fazia, parecia doer tudo dentro de mim.
Três meses sem dormir, sem comer. Três meses sem viver, pois meu mundo
desabou. Três meses que perdi o homem que amava, o pai da minha filha.
Coloquei as mãos na barriga já grande, sentindo-a chutar. Lágrimas
escorriam pelo meu rosto e caíam no meu peito.
— Meu amor, queria tanto que seu pai estivesse vendo isto, sentindo
você mexer aqui dentro. — Alisei minha barriga. — Ele sonhava com você,
sabia? A chamava de “pequeno anjo”... — gemi em meio ao choro.
Isso era o que resumia meus dias: chorar deitada na cama e pensar nele.
Estava morrendo aos poucos por não saber dele.
Quando procurei a ajuda de Tabitta e fui ficar em sua casa na praia,
pedi para ela não contar nada sobre Ryan que viesse a aparecer na TV ou nas
redes sociais. E que não mencionasse nem o seu nome. Caso eu descobrisse
como ele resolvera lidar com a dor... Se escolheu o mesmo caminho de
Ângela após Caim a abandonar... Oh, céus, que não tenha feito nada disso e
esteja bem. Quase ri com a ideia, pois tinha certeza de que ele não estava.
Sofreria porque eu parti sem dizer nada.
Naquele dia, depois que ele saiu à procura de um jeito de tirar a nossa
filha, peguei Shane e Lira e fomos para a casa de Tabitta, deixando a minha
alma para trás.
Não sentia dores da gravidez, apenas minha respiração estava cada vez
mais lenta e pesada. O médico Julian, que sabia do meu caso, disse que
teríamos de fazer uma cesariana ao completar oito meses de gestação, ou
seja, dali a dois meses. Ainda assim, as chances de eu sobreviver seriam
pequenas. Felizmente, o amor e o prazer de carregar a minha filha superava
tudo. Sim, uma filha, quando fiz a ultrassonografia descobri que era uma
menina. Fiquei feliz demais. Seria uma garotinha linda, porque puxaria ao
pai, ou seja, teria de tomar cuidado com os garotos.
Soube que a Sam teve uma menina também. Queria estar lá para
conhecê-la, mas não conseguiria ir e vê-lo; precisar partir de novo seria
como a morte.
Escrevi várias cartas para serem entregues caso eu não resistisse ao
nascimento de minha filha. Muitas delas para Lira e Shane, a serem entregues
em cada um de seus aniversários, no dia em que começassem a namorar, em
seu casamento, quando tivessem filhos... Também fiz vinte e cinco cartas
para a minha filha, Victoria. Em todas, dizia o quanto a amava e adoraria
estar com ela, mas que não podia, pois me ocupava a acompanhando do céu.
As cartas faziam parte do meu plano B, pois eu lutaria pela vida até o
último minuto. Contudo, talvez fosse mais fácil se Ryan estivesse ao meu
lado. Se eu sobrevivesse, o procuraria e pediria perdão por abandoná-lo.
Samira levou Lira e Shane para sua casa em Trenton, a alguns
quilômetros dali. Ela era uma garota doce e meiga, a melhor amiga de
Tabitta. Iria com as crianças — Lira, Shane e Emily, filha de Tabitta — num
parque perto de sua casa. Minha amiga ficou comigo, não querendo se
distanciar caso viesse a acontecer alguma coisa.
Já era quase hora do almoço. Como sempre, não sentia fome, embora
soubesse que precisava me alimentar; comia mesmo sem ter vontade.
Guardei as cartas em uma caixa de sapato para serem entregues no
momento certo. Acariciei minha barriga, tentando acalmar seus chutes,
porque eles me deixavam ofegante, apesar de amar senti-la. Isso significa
que seria sadia. Entoei uma cantiga de ninar que fiz para ela e para mim:
“Durma, durma, meu pequeno anjo, que papai logo virá para nós, e com seu
amor nos tirará da solidão”.
Estava cantando quando a porta se abriu num rompante. Minha
respiração falhou ao ver quem estava ali.
Ryan me fitava com seus olhos atormentados. Balançou a cabeça,
parecendo acordar de um pesadelo. Piscou três vezes para checar se era eu
mesma ali. Fiquei paralisada, em pé, perto da mesinha, com uma mão na
minha barriga.
Estava mais magro, dava para ver através de sua camiseta que perdeu
bastante peso. Então ele também deixara de se alimentar direito? Ao redor
dos olhos, a cor roxa denunciava noites mal dormidas. Pelo jeito, também
não se barbeava há muito tempo.
— Ryan... — Minha voz falhou. Ali estava um rosto que sonhei em
rever, ao longo de três meses de solidão e vazio sem ele. E agora aparecia
lá, na minha frente. Meus olhos umedeceram devido às lágrimas que desciam
pelo meu rosto. — Oh, Ryan...
Ele correu até mim, caindo de joelhos na minha frente e abraçando a
minha cintura, colocando a testa na minha barriga inchada. Esta menina seria
grande; puxou ao seu pai, que tinha um metro e oitenta.
— Ah, Anjo, eu sinto muito. — Beijou minha barriga. Eu usava um
shortinho curto e um top. Seu pequeno gesto me fez prender a respiração. —
Nunca quis dizer tudo aquilo de você, pequeno anjo.
Minhas mãos foram para seus cabelos, que também estavam grandes,
batendo nos ombros. Há muito não viam um corte. Tão diferente do que
costumava ser...
— Perdoe-me, meu filho. — A dor era evidente em sua voz e olhos,
aliás, por todo ele.
Não queria interromper seu momento, mas eu precisava.
— Filha... — Soava rouca.
Ele afastou sua cabeça e me observou com os olhos de menino perdido,
que depois se iluminaram um pouco.
— Droga! Terei de comprar uma arma se puxar a você. — Deu mais um
beijo na minha barriga. Erguendo-se, tocou meu rosto e limpou minhas
lágrimas. Notei uma cicatriz em sua mão direita. Parecia ter levado pontos, e
não foram poucos.
Meu coração gelou.
— O que é isso? — perguntei, passando o dedo nela
Ele respirou fundo e fechou os olhos.
— Aquele dia, depois que saí do meu apartamento sem rumo, fui para a
casa que mandei fazer para morarmos juntos depois de casados.
Arregalei os olhos, interrompendo-o.
— Você comprou uma casa?
Puxou-me para a cama e se sentou ao meu lado. Eu ainda segurava sua
mão. Ele assentiu.
— Comprei o terreno logo que começamos a namorar, e fiz a casa. —
Encolheu-se. — Foi para lá que eu fui ao deixar o meu apartamento. Quis
olhar o lugar onde viveríamos para sempre juntos... Fiquei nela por horas.
Ao retornar, você não estava... — Deitou no meu colo, como uma criança
perdida que necessitava da mãe. — Shane, Lira e você... Tinham ido
embora, e ninguém sabia para onde. — Expirava com dificuldade. — Foi
quando achei a carta que deixou, e a li.
Pensei na carta e tentei me acalmar para controlar a dor, a minha e a
dele. O homem em meus braços era uma casca vazia do que deixei há três
meses.
— Ryan... — comecei, mas ele não me ouviu e continuou, preso naquele
pesadelo.
— Você tinha ido, suas coisas sumiram... Enlouqueci e quebrei todo
meu apartamento, nosso quarto, nossa cama... Tudo dentro de mim se partiu,
foi como cair da porra de um prédio e foder todos os meus ossos. Respirava,
embora muito mal, porque até isso doía. — Ele tomou fôlego. — Voltei
arrependido por ter dito aquelas coisas para você, sobre a nossa menina. —
Virou o corpo, ainda deitado no meu colo, e colocou a boca na minha
barriga. — Não sei por que falei aquilo... Juro, Anjo, não queria... — Seus
olhos, que um dia foram brilhantes e lindos, agora estavam quebrados. Oh,
Deus, e fui a responsável.
— Não se atormente mais — supliquei. — Eu sinto muito.
— Eu é que sinto por magoá-la, por dizer aquelas coisas a você e à
nossa garota. — Alisou minha barriga, bem na hora ela chutou forte.
— Oh! — Ofegou, atônito, e se sentou na cama. — Ela se mexeu! —
Um sorriso lindo surgiu em sua boca, puro e verdadeiro.
Fiquei feliz que nossa filha resolveu chutar para acabar com as chamas
de tormento de sua mente. Esperava alegrá-lo em breve. Deitei na cama com
a barriga para cima, para deixá-la por conta dele, que se posicionou ao meu
lado, sem tirar a mão de nosso bebê.
— Ela nunca para quieta, às vezes não me deixa dormir à noite —
sussurrei, colocando minha boca em sua testa. — Ryan...
Acredito que ele compreendeu o desejo que sentia, a ponto de quase
implorar, afinal, foram meses separados, e não sei o que ele fez sem mim,
mas... não, eu não queria descobrir. Tinha medo da resposta e não poderia
culpá-lo, pois fui eu quem o largou.
— Não houve ninguém — garantiu, lendo o meu rosto. Fazia isso muito
bem, eu não conseguia esconder nada dele. — Sempre será só você, meu
Anjo. — Beijou minhas têmporas e testa, nunca a boca.
— Amor... — reclamei, pegando seus cabelos e puxando-o para mim,
devorando seus lábios, dos quais estava morta de saudades. Louca, queria
compensar cada maldito dia perdido. Gemi ao sentir seus dedos hábeis em
meu corpo. Todo o desejo adormecido nesses meses reacendeu tão forte que
achei que gozaria só com seus beijos, um bálsamo para mim.
Uma de suas mãos foi para o meio das minhas pernas. Gelei, não
porque não queria isso, queria mais do que o ar que eu respirava, mas já
fazia meses que não me depilava, e a coisa lá estava feia.
Ele sentiu meu constrangimento e tirou sua mão de mim. Fitou-me,
preocupado.
— Você sente alguma dor? Desculpe...
Eu o interrompi.
— É que já faz tempo que não me depilo, e a coisa lá embaixo não está
bonita... — Corei. — Nem consigo ver meus pés.
Gargalhou, exibindo dentes brancos como o sol. Levantou-se e pegou
minha mão, me levantando junto.
— O que foi? Aonde vamos?
Não respondeu, apenas me guiou até o banheiro. Meu quarto não era
grande, tinha uma cama de casal, dois criados-mudos e uma penteadeira
onde ficavam minhas coisas.
Ao entramos, observou o pequeno toalete e fez uma careta linda. Não
era nada igual ao seu, que dava quase cinco daquele.
Virou-se para mim e tirou o top preto que eu usava em casa e o meu
short curto; estava muito quente. Não reclamei, permiti que fizesse o serviço,
seja lá sua intenção.
— Sorte sua não ter um homem aqui, esta porra de short é mais
parecido com uma calcinha — resmungava, já tirando meu fio dental. — Oh,
merda, como espera que eu tenha controle vendo isso?
Sorri, o meu primeiro sorriso verdadeiro em eras.
— Quem disse que eu quero que você se controle? Querido, estou na
seca há meses, desejando e sonhando com um único homem, que agora está
neste banheiro me despindo.
Ele sorriu com a mesma felicidade que estava estampada em meu rosto.
— Por mais que goste desta calcinha, ela precisa sair. — Largou-a no
chão. Levantou, foi até o lavabo e voltou com a vasilha e o estojo que eu
usava para me depilar.
Entendi o que ele pretendia.
— Você não vai fazer isso — falei, cobrindo minha frente, mas nem era
preciso: pelo tamanho da barriga, não dava para ver nada. Sorte a minha que
não tive estrias.
Sorriu com candura.
— Você disse que não enxerga mais. Então, sim, depilarei minha futura
esposa. — Abaixou-se diante de mim. — Agora fique quietinha para eu não
a cortar, está bem?
Tentei retrucar, contudo, ele estava tão animado que deixei, ignorando
meu rosto vermelho.
— Você já fez isso antes? — sondei, sem querer saber de fato.
Sentia a lâmina raspando minha pele, e suas mãos tão leves quanto uma
pluma. Respondeu sem tirar os olhos do seu serviço:
— Não, nunca. Mais uma coisa para a lista de primeiras vezes.
— Hummm — murmurei, lembrando que ele já tinha dito isso antes. —
Cite o que mais está na lista.
Ele riu, a risada que eu amava.
— Bom, vamos ver: a primeira para quem mandei mensagens, a
primeira com que fiz sexo no meu carro e no meu apartamento. A primeira
que mexeu comigo de imediato. A primeira em que pensei ao deitar para
dormir, ao me levantar de manhã e no restante do dia.
Ryan suspirou. Não pude esconder minha surpresa. Ele finalizou o
trabalho e limpou o lugar que raspou com o chuveirinho. Assim que a água
tocou no meu clitóris, dei um gritinho e o desejo reacendeu, divertindo-o.
— Sensível. — Levantou-se e focalizou meus olhos. — A primeira
mulher para quem faço poemas. A primeira com quem vou a encontros. A
primeira para quem compro uma empresa só para ela trabalhar. A primeira
que pretendo presentear com um livro raro de Shakespeare. A primeira com
quem faço amor. A primeira que roubou minha alma, meu coração e tudo que
há em mim. A primeira e única que me dará nossa princesinha. — Beijou
meu nariz e sorriu. — Espero acrescentar muito mais à lista.
Meus olhos estavam arregalados de choque ao ouvir aquilo.
— Você comprou a editora do Daniel só para eu entrar lá? — Meu tom
era ultrajado. — E o livro de Shakespeare?
Deu de ombros, como se isso não fosse nada.
— Para você eu daria a lua e as estrelas que brilham à noite. Daria o
sol que ilumina o dia, daria a minha vida. — Aproximou o rosto do meu,
polegadas de distância. — Nada importa se eu não puder tê-la. Nesses três
meses, confirmei tudo isso. Dormia e acordava nas trevas. Na sua ausência,
passei a vivenciar um purgatório. Ou pior, era como estar no inferno... —
Limpou as lágrimas que caíam por minha face. — Quando cortei meu braço,
e Lucky me achou ferido e perdendo sangue, queria morrer, queria que ele
não tivesse chegado e me socorrido...
Chorei mais, então ele me abraçou.
— Não chore, li a carta onde falava o quanto amava eu e a nossa filha.
E que se você sobrevivesse, voltaria para mim e imploraria por meu perdão.
Anjo, não é você que tem de pedir perdão, e sim eu que preciso rastejar aos
seus pés e suplicar por sua misericórdia.
Sacudi a cabeça em seu peito.
— Não precisa, não. Fui eu a errada desde o começo, não contei a
verdade sobre a minha doença no coração. Se você soubesse, teria se
prevenido e nada disso aconteceria. Agora que ela está aqui, não me
arrependo; exceto por partir e não enfrentá-lo, mas eu estava com medo...
Beijou minha cabeça.
— Eu sei, nós dois erramos. Vamos resolver esse problema, já passou...
Afastei-me dele e mirei seus olhos.
— Problema?
— Sim, vim buscar minha mulher e meus queridos cunhados, que
considero meus filhos. Vou levá-los para casa, mas antes... — Distanciou-se
e se ajoelhou na minha frente, tirando do bolso da calça jeans um diamante
com uma pedra na forma de uma estrela, com o nome “Anjo” escrito dentro.
Parecia ter uns dezoito quilates.
Arregalei os olhos sabendo o que ele faria a seguir.
— Ryan, eu estou nua aqui, você acabou de... E grávida, inchada, com
os pés igual a um pão que cresceu para fora da forma. Meus peitos estão
grandes, parecem dois melões... E você vai me pedir em casamento? — Meu
coração batia a mil. Poderia dar problema naquele momento e não teria nada
a ver com a minha doença.
Ele sorriu com amor, desejo e devoção ao fitar meu corpo, não se
importando com o inchaço. Esse homem me completava.
— Você é a mulher mais linda do mundo...
Cortei-o.
— Dizem que o amor é cego, agora acredito nisto.
Ryan sacudiu a cabeça.
— Eu não sou. Anjo, você é minha vida, minha alma, sem você eu não
vivo, apenas vegeto como um zumbi. Mas um zumbi lindo e gostoso. —
Piscou para mim com um meio sorriso e estendeu a mão. — Aceita ser a
minha esposa? Prometo amá-la enquanto viver, e também depois.
Fiquei incrédula. Teria pulado nele se não fosse a barriga.
— Sim, mil vezes sim! — exclamei ao ver o diamante pesado no meu
dedo. — E você não precisa domar o Neve. Eu sei que me ama.
Ele se levantou e me beijou com amor, ternura e devoção. Seus beijos
eram como raios, um pouco dele e já estava toda consumida pela corrente
elétrica. A barba pinicava um pouco. Estava na hora dele fazê-la sumir.
— O quê? Agora que consegui domá-lo, após dois meses de treino? —
sussurrou, se afastando de mim com um brilho nos olhos.
Eu arfei.
— Você conseguiu domar o Neve? Ele deixou você subir nele?
Ryan riu, pegando a lâmina de barbear do chão, junto com a vasilha,
para guardá-las. Não deixei, tomando-as de suas mãos. Ele ergueu suas
sobrancelhas.
— Caí um bocado de vezes, mas conversei com ele e expliquei que
seria o único homem que sempre a amaria como você merece. Ninguém iria
tocá-la, a não ser que quisesse morrer. — Deu de ombros. — Então consegui
montá-lo.
— Você foi até Nashville?
— Quando desapareceu, fui até a casa da sua tia, pensando que estaria
lá. Pedi a ela para levá-lo ao meu haras. Contei sobre sua promessa ao
Neve. — Olhou-me de lado. — Aliás, está furiosa com você por esconder
muitas coisas dela.
Eu suspirei. Sabia disso, só não queria preocupá-la.
— Depois conversarei com ela. — Puxei uma cadeira, peguei seu braço
e o fiz sentar. Levantei minhas mãos com o estojo e a vasilha. — Devo trocar
o estojo para raspar sua barba?
— Vai me barbear? — Sorriu. — E por que eu não usaria esse aí?
— Porque você raspou lá... em mim? — incitei.
Ryan jogou a cabeça para trás e gargalhou por um segundo.
— Anjo, minha boca já esteve em cada canto de sua vagina, não tem
problema usar o estojo na minha barba.
Corei com seu olhar quente no meu corpo. Peguei o sabonete, já que
não tinha creme de barbear, e raspei toda sua cara linda, deixando-a lisa
como veio ao mundo. Observei seu corpo.
— Há outro lugar que precisa ser raspado? — Fitei suas calças,
mordendo os lábios.
Ele riu.
— Não, eu já raspei meu saco, aquele troço coça quando tem cabelos.
Ri também. Seus olhos foram para a minha boca.
— Senti tantas saudades de sua risada.
Eu ainda sorria quando guardei o estojo e peguei a tesoura, olhando seu
cabelo.
— Você confia em mim para cortá-los?
— Confio em você de olhos fechados, para tudo — disse com
convicção.
— Se fosse você, não iria tão longe. Vai que eu encurte demais? —
provoquei, balançando a tesoura.
— Você continuaria me querendo careca? — Levantou as sobrancelhas.
— Querido, iria querê-lo de todos os jeitos. Mas já amava seu cabelo
antigo — falei, moldando os fios com a tesoura, na altura da orelha. Afastei-
me e sorri. — Lindo!
— Você que é! — Ergueu-se, pegou os cabelos do chão e jogou no
cestinho de lixo. — Vou tomar um banho, quer me acompanhar?
Aquiesci com meu corpo pegando fogo, ansiando pelo seu toque. Ele
ligou a água quente, me virou de costas e agarrou meus cabelos.
— Vai lavá-los?
Eu sacudi a cabeça.
— Lavei mais cedo, preciso prendê-los. — Eu já ia fazer isso, mas ele
tirou a minha mão do caminho e os amarrou num coque.
Pegou o sabão e a bucha e se agachou atrás de mim, lavando minhas
costas. Senti-o passar o dedo na estrela de sete pontas, onde futuramente
tatuaria os dois nomes que faltavam: Ryan e Victoria, as minhas outras
razões de viver. Contei a ele o nome que pretendia dar a ela.
— Victoria? — perguntou.
Acariciei a barriga.
— Sim, porque será uma vitória tê-la e ver seu rosto lindo. Aposto que
puxará a você.
— Nada disso, eu a quero igual a você, morena com olhos negros —
discordou.
— Independentemente de com quem se pareça, vamos amá-la — falei.
Ele suspirou.
Olhei para trás, para Ryan agachado lavando minhas costas e bunda.
Fiquei nua na frente daquele homem de vários jeitos, todavia, sempre corava
quando me expunha tanto.
— Sim. — Beijou uma ponta da estrela. — Eu sabia que era onde
colocaria o nome de nossa filha. — Como não amar um homem desses?
Tomamos banho juntos e ele ainda não havia me tocado. Eu estava a
ponto de gritar por isso. Ryan me secou, e em cada lugar que sua mão
passava, minha pele incendiava.
— Ryan... — clamei por mais.
Ele beijou meu nariz.
— Cuidarei de você, mas não aqui. — Puxou-me para fora do banheiro
e me deitou na cama, posicionando-se ao meu lado. Beijou minha boca por
um momento e logo seguiu para o meu pescoço, lambendo, mordiscando e
chupando.
Eu ofegava alto, segurando seus braços bem forte, a ponto de deixar
marca.
— Ryan! — Cerrei as pálpebras, sentindo seus dedos e suas mãos
sobre o meu corpo.
Ele me virou de costas e escorou-as em seu peito, com a boca no meu
pescoço. Uma mão agarrava e beliscava meus enormes peitos duros; a outra
foi para o meio das minhas pernas.
— Molhada para mim — sussurrou no meu ouvido. Enfiou dois dedos e
circulou meu clitóris. Logo vi as estrelas de que tanto sentia saudades. Gritei
seu nome, não me importando de escutarem. — Tão sensível, porra —
rosnou, circulando mais rápido. Tudo explodiu, me levando ao céu em
segundos.
Manteve seus dedos dentro de mim, até meu corpo parar de vibrar com
o orgasmo que acabara de ter. Fiquei mole.
— Foi rápido esse.
— Hummm — murmurei sem forças, ofegante. Parecia ter corrido uma
maratona, mas era porque havia ficado muito tempo conversando e em pé.
— Está passando mal? — questionou, preocupado.
Sacudi a cabeça — ou, pelo menos, tentei; estava pesada.
— Ficarei bem, é só o cansaço — consegui dizer.
— Onde guarda seus remédios? — perguntou, alterado.
Eu me virei, coloquei minha cabeça em seus ombros e o abracei.
— Não posso tomar remédios, traria sequelas à nossa filha, então
decidi parar até ela nascer. — Fechei os olhos. — Mas isso me deixa tão
fraca...
— O que agravou sua condição? Por favor, não me diga que foi o que
acabei de fazer com você!
— Não, depois que parei de tomar remédios, minha respiração passou
a falhar. — Era incapaz de abrir os olhos. — Então não posso ficar muito
tempo conversando... Rouba a minha energia...
— Anjo — a tristeza estava ali em sua voz linda —, entrarei em contato
com o médico, enquanto isso você dorme um pouco.
— Não vá embora — implorei, segurando seu pescoço. Sentia raiva
por não conseguir lutar contra minhas pálpebras. — Não posso viver mais
sem você, é pior do que pensar em morrer.
Ele beijou de leve meus lábios.
— Não vou a canto algum enquanto você estiver respirando neste
mundo. — Seu tom tinha uma nuance que não entendi.
— Ryan, não... — comecei, sem forças para prosseguir. O que ele
queria dizer com aquela afirmação? Tive vontade de gritar, porém, me vi
sem poder reagir.
— Durma, Anjo. — Senti seus lábios na minha testa. — Agora estou
onde queria, nos braços da mulher que é dona da minha alma.
Não desejava dormir, por medo daquele sonho lindo acabar. Contudo,
não deu para segurar, e pela primeira vez em três meses, dormi como um
anjo, sem os costumeiros pesadelos que me assolavam dia e noite. Ryan não
iria a lugar nenhum sem mim. Ele me amava. Com este pensamento,
adormeci. Antes, pensei ter ouvido:
— Eu a seguirei, Anjo, onde for, porque aqui neste mundo não posso
viver mais sem você...
Capítulo 19
Luz e trevas
RYAN
Quando descobri por Daemon onde Angelina estava, fui correndo para
Nova Jersey. Só de imaginar que já estive uma vez na casa de sua amiga
Tabitta — a policial — à procura dela, mas a cadela disse que não sabia de
nada, e que mesmo se soubesse não me diria, sentia muita raiva. Naquela
hora, quis esfolá-la viva, mas deixei quieto, porque minha cabeça não estava
boa, então, para não fazer besteira, fui embora.
Toquei a campainha da casa na esperança de vê-la. A residência de
dois andares era feita de madeira avermelhada, ficava perto da praia. A
porta se abriu, e não tive tempo de processar o que estava para acontecer,
apenas senti o vento de um punho vindo em minha direção. Por reflexo,
desvencilhei-me, já querendo matar a cadela louca, mas o Jason interveio e
puxou Tabitta para longe de mim. Eu sabia que os dois se conheciam e
pareciam se amar, mas nenhum dava o braço a torcer para isso.
Quando falei em aparecer ali, ele se prontificou em ir comigo. Eu não
tinha cabeça para assimilar sua relação com ela, não liguei, no entanto, meu
amigo merecia coisa melhor do que essa víbora.
A garota era linda, sim, loira com o corpo cheio de curvas, ainda mais
usando aquelas calças de couro sintético preto e espartilho, bem como um
salto de dez ou mais centímetros, não sabia direito. O seu único defeito era
sua boca, porque, cá entre nós, era louca. Assim que abriu a porta, já foi
voando em minha direção. Por pouco eu não levei um soco na cara. Apenas
não fui em cima dela porque não batia em mulheres, e Jason a levou para
longe de mim. Escutei-a me xingando de tudo quanto era nome; até os MCs
ficariam para trás com seu vocabulário vil.
Subindo a escada de madeira, parei um segundo para ouvir o que
parecia ser uma canção de ninar, cantada por uma voz que me tiraria do
tormento que eu estava vivendo.
“Durma, durma, meu pequeno anjo, que papai logo virá para nós, e com
seu amor nos tirará da solidão”.
Abri a porta num rompante, e ali estava: o meu Anjo de cabelos negros,
com sua barriga enorme; ficara mais linda grávida. Visualizava um menino
parecido com ela, com tudo seu e nada meu. Corri até Angie e caí de joelhos
à sua frente, beijando nosso fruto que estava ali dentro, gerado com tanto
amor... Esperava que fosse forte e saudável.
Ficamos a tarde inteira juntos, comigo alisando sua barriga. Quando
senti nossa filha — sim, uma filha! —, fiquei muito emocionado. Torcia para
Victoria se parecer com sua mãe, mas maldição, precisaria me manter atento
a qualquer malandro que quisesse se aproveitar do meu bebezinho. Seria sim
meu bebê até ficar velha; se decidisse se tornar uma freira, melhor ainda.
O nome de nossa filha seria Victoria, pois era o nosso pequeno milagre,
uma guerreira que sobreviveria assim como Angelina. Toda vez que pensava
nisso, me dava um aperto no peito. Esses meses vivendo, ou melhor,
vegetando longe dela... Não aguentaria de novo. Não podia mais viver sem
ela. Encolhi-me ao imaginar um cenário onde ela não resistisse... Só me
restaria uma coisa a fazer.
Há seis meses, quando a palavra “suicídio” cruzava a minha mente,
sentia raiva das pessoas que davam fim às suas vidas. Talvez agora isso
fosse a minha sentença, dependeria de como ela se sairia no nascimento de
nossa filha. Não mencionei a ninguém meus planos; se dissesse, todos se
oporiam, acho que me prenderiam e jogariam a chave fora, até eu voltar a
mim. Mas ninguém estava na minha pele, só eu entendia o tormento que vivi
e sofri nesses meses sem ela. A solidão, a dor, a angústia, o desespero, tudo
era mil vezes pior que a morte.
Notei que Angie estava feliz, ou melhor, radiante por nossa
reaproximação. Contudo, também percebi que sua saúde se debilitara,
sempre ofegava como se tivesse feito ginástica ou corrido bastante. Não
gostei nada disso, e dela ter dito que parou de tomar os remédios porque não
queria afetar nossa filha. Não sabia o que senti em relação a isso, não
desejava prejudicar Victoria, todavia, também não queria ver a Anjo mal.
Não dava para conciliar as duas vontades? A despeito disto, confiava que
tudo daria certo. A esperança de vê-la bem era a única coisa que me impedia
de enlouquecer. Sentia-me entre a luz e as trevas. A luz seria estar ao lado
dela, e as trevas era a impotência de enxergá-la definhando a cada segundo,
e eu sem poder fazer nada, apenas assistindo a tudo...
Observar seu rosto lindo enquanto dormia tão pacífica apertou meu
coração. Não podia perdê-la, era a única forma de eu viver neste mundo.
Deixei-a dormindo com sua respiração pesada. Não queria sair de
perto dela, mas precisava fazer algo o mais rápido possível. Desci a escada
com meu celular na mão, já discando o número do médico, registrado caso
precisasse dele.
— Como ela reagiu a você? — rosnou Tabitta com um gosto amargo na
boca, como se tivesse comido algo estragado.
Ignorei-a e liguei para o médico, Raul Smith, o mesmo que operou
Shane. Expliquei quanto ao estado da Anjo e ele se prontificou a estar ali de
manhã, bem cedo, para avaliar a situação dela.
Passei a noite ao seu lado, acompanhando seu sono instável. Puxei-a
para os meus braços e beijei sua testa e seu nariz. Não queria dormir, porém,
estava cansado por ter ficado várias noites acordado.
Inalei seu cheiro de morangos e suspirei feliz: a mulher em meus braços
era quem eu amava com toda a minha alma. Com ela, estava em casa.
Durante meses, minha vida se resumiu à solidão de sua ausência.
Agora, com ela e minha filha, por fim via a luz. Pela primeira vez em muitos
anos, rezei a um Deus no qual nem sequer acreditava direito. Pedi que não
levasse as duas mulheres, porque eram minha razão de viver.
Acordei seis horas da manhã com meu telefone tocando. Saí da cama
sem acordá-la. Linda, dormia de barriga para cima, com uma mão sobre o
seu ventre, como se estivesse protegendo nosso bebê. Seus cabelos negros
estavam em cascatas em cima do colchão, com alguns fios em seu belo rosto.
Nunca vi nada mais belo que esta visão. Tirei uma foto e coloquei como
plano de fundo do meu celular.
Notei que sua respiração estava mais pesada do que ontem à noite.
— Alô? — respondi, sem olhar a tela.
— Sou eu, Raul, estou aqui na porta da casa que você me indicou.
— Aguarde um minuto — disse e desliguei. Saí do quarto de fininho,
observando-a dormir com seu pijama: calça e camiseta largas. Ainda bem
que era comprido, não gostaria que ninguém a visse quase nua. Fui abrir a
porta para o médico que veio de Houston para ver como Angelina e nossa
filha estavam.
Olhei para o cara careca de meia idade. Gente fina, conseguiu salvar o
Shane, e esperava que fizesse o mesmo por minha futura esposa e nosso
bebê.
— Bom dia, doutor — cumprimentei.
— Bom dia, senhor Ryan — respondeu formalmente.
— Ela está no quarto, vamos lá? — De repente, escutei-a gritando meu
nome como se estivesse em um pesadelo e eu fosse sua âncora. Corri,
pulando os degraus de dois em dois para chegar até ela, deixando o médico
para trás.
Entrei no quarto vendo-a sentada na beirada da cama com os olhos
cheios de lágrimas e uma mão na barriga. Eu me agachei à sua frente e toquei
seu rosto molhado.
— Você está bem? Está sentindo dor? — Minha voz saiu alta de
preocupação. Eu já ia chamar o doutor quando suas mãos pegaram minha
camisa e me puxaram. Ela escondeu o rosto no meu pescoço, chorando.
— Oh, Ryan... — lamentava.
Alisei seus ombros e cabelos, tentando tranquilizá-la, temeroso.
— Anjo, me diga o que houve, estou preocupado com você — pedi, me
esforçando para ficar calmo.
Angie suspirou e me apertou mais em seus braços. Parecia não querer
me deixar nunca.
— Eu acordei e você não estava aqui... Então eu pensei... — Sua voz
linda sumiu.
Entendi o que ela dizia, qual era o seu medo. Afastei-me para ver seus
olhos lindos e molhados.
— Estou aqui, não vou a lugar nenhum. — Beijei seus lábios salgados
por conta das lágrimas e depois as sequei com as pontas dos dedos. — Juro
pela nossa filha.
Após um segundo ela assentiu, mais calma. Antes que falasse algo, ouvi
alguém pigarreando. Nós dois olhamos para a porta. O médico estava ali, de
pé, fitando-nos e sorrindo. Pretendia ignorá-lo, mas ela se afastou e olhou de
mim para ele, confusa.
— Shane? — Soou embargada.
Óbvio que se preocuparia com Shane em primeiro lugar, não? Sempre
se deixando por último!
— Não, ele está bem — garanti. — O doutor veio por você.
Raul entrou no quarto.
— Bom dia! Nós nos encontramos de novo, Angelina — disse,
colocando sua maleta preta sobre o criado-mudo. — Vim examiná-la, posso?
Angie piscou e sorriu para mim, um gesto capaz de iluminar minha vida
e me resgatar da escuridão. Ali, havia adoração e amor; isto também estava
nos meus olhos.
Ela se recompôs e assentiu.
— Tudo bem, doutor — respondeu, meio ofegante. Piorava a cada hora.
Tentei não deixar minha preocupação incomodá-la, não queria estressá-la.
Afastei-me para ceder espaço ao doutor.
Passados alguns minutos, Raul se virou para nós dois.
— Então, doutor, como ela está? — sondei, ansioso.
Ele suspirou, dirigindo-se à Angie:
— Eu soube que você interrompeu a medicação para o coração...
A Anjo aquiesceu.
— Sim, não queria machucá-la. Remédios fortes deixam sequelas, por
isso parei. — Alisava a barriga.
— Tem algum médico acompanhando sua condição e a gestação?
Ela franziu a testa.
— Sim. Por quê?
Estreitou os olhos.
— O que ele falou sobre parar com os remédios para o coração?
Franziu a testa.
— Disse que prejudicariam o bebê. Por quê? — Sua respiração já
estava mais desigual do que há alguns minutos.
— Sinto avisar, mas esse médico não sabe de nada. Por ser formado,
devia entender mais acerca de seu problema. Parando de tomar os
comprimidos, sua respiração tende a enfraquecer, como agora, e cada vez
ficar pior. Mesmo com os remédios, sua gravidez é de risco. É um milagre
ter chegado tão longe. Já não deveria ter oxigênio para sua filha e você.
— Então ela corre risco de vida? — Ficou em choque.
Ofeguei de pavor, um sentimento que compartilhávamos.
— Não só sua filha, você também — assegurou. — Onde estão seus
exames mais recentes?
De olhos arregalados, apontou para o armário de roupas. Notei que se
esforçou muito para levantar a mão direita.
— Dentro de uma caixa vermelha...
Fui até lá, peguei os exames em uma pasta branca e entreguei ao doutor.
— Aqui.
Ele conferiu cada folha de papel. Demorou alguns segundos para dar
seu veredito.
— Pelo que vejo aqui, você está grávida de seis meses. Poderíamos
fazer uma cesariana, mas sua filha nasceria prematura extrema. — Voltou a
checar os papéis, tanto da gravidez como os referentes ao coração dela. —
De imediato, precisamos interná-la para conduzir novos exames, além de
arranjar um pediatra e um obstetra com urgência para sabermos se já
podemos realizar a cirurgia. — Olhou para nós dois. — Quero deixar claro
que sua operação é de alto risco, contudo, farei o que posso. Vamos levá-la a
Houston, lá tenho o doutor Christian, pediatra, a obstetra Camille, e Dennis,
ginecologista, os melhores de seus ramos. E minha equipe toda. Precisamos
fazer isso o mais rápido possível.
Arquejei pensando em como sua vida poderia acabar em questão de
segundos. E eu achando que teria mais tempo com ela... Não quis continuar a
imaginar tal possibilidade. Tinha de acreditar que ela ficaria bem.
Quando meus pais morreram, não deu tempo de rezar. Não que eu
rezasse na época, nunca fui em igrejas, mas minha mãe ia todos os domingos.
Se havia um Deus no céu, que ajudava as pessoas que a ele recorriam,
implorava para ouvir minha súplica e fazer com que minha mulher
sobrevivesse. Não podia simplesmente viver sem ela, de nenhuma forma.
FIM
Louco por você
Série Dilacerados
Livro III
IVANI GODOY
2ª edição
2018
Copyright© - Ivani Godoy
EMILY
Quando descobri que o homem que admiro era de fato meu pai, não
pude acreditar. Sempre fui louca por ele — calma, gente, por “louca” me
refiro ao fato de ser sua fã, e ele, meu grande herói; minha mãe surtaria se
pensasse o contrário. Farei oito anos daqui a algumas semanas.
Achei na gaveta secreta da mamãe a foto dele. Lá, ela guardava seu
maior segredo. Um segredo que nunca quis me contar, por mais que eu
insistisse. Por sorte, ela esqueceu a chave antes de ir trabalhar. O que era
estranho, já que nunca a deixava, mas hoje parecia distraída e mais feliz.
Tentei buscar alguma resposta dela, mas eram sempre vagas quando
perguntava o que mamãe não queria responder. Como quando inquiria sobre
o meu pai.
— Mamãe, quem é meu pai? — repetia desde sempre.
— Ele é alguém de quem não precisa saber — replicava. — Apenas se
foi.
O “se foi” eu entendia de dois jeitos: ou morreu, ou a abandonou
grávida de mim. Eu poderia tentar fazer uma pesquisa, ou pedir para o
Nathan fazer para mim, já que o garoto era bom em computador, mas nem o
nome dele eu sabia, por que ela não disse. Aliás, ela não disse nada.
Antes de mamãe sair, perguntei de novo a respeito do meu pai. Sua
resposta foi diferente.
— Amanhã a gente conversa sobre isso.
Eu não queria esperar esse amanhã que talvez nunca viesse a acontecer;
queria a resposta naquele momento.
Cansei de aguardar e abri sua gaveta com a chave que peguei sem ela
saber. Não gosto de fazer isso, porque teria de mentir para ela, mas não
conseguia esperar. Foi quando encontrei as fotos dela com Jason Falcon no
tempo em que ele era mais novo. Acho que na escola em que estudava, em
Austin, no Texas. Os dois estavam sorrindo e pareciam se amar muito. Ela
gargalhava para a câmera, enquanto ele a fitava com adoração.
O que me causou estranheza foi saber que ele desconhecia minha
existência, porque nas colunas sociais onde o via aparecer, dizia não ter
filhos. Jason não parecia estar mentindo.
Agora eu compreendia todas as vezes que brigava comigo quando me
pegava assistindo a uma entrevista dele na TV ou na internet. Ela, com
certeza, não queria que eu descobrisse sobre isso, que ele é meu pai. Mas ali
estava a prova, em minhas mãos: fotos dos dois juntos, o amor presente em
cada linha do rosto dela, e do dele também.
Comparei-me com os dois. Eu tinha cabelos castanho-claros, que
batiam nas costas. Parecidos com os fios curtos dele. Os de minha mãe eram
louros, cor de ouro, e, seus olhos, verde-esmeralda. Já as minhas íris eram
cor de chocolate, iguais às de Jason. Tudo em mim se assemelhava mais a
ele do que a ela. Isso confirmava as minhas suspeitas de que Jason era o meu
pai.
Eu sabia que ele estava em Trenton lutando hoje, era um esportista
brilhante. Eu amava assisti-lo; claro que minha mãe não deixava, por causa
das cenas fortes. Porém, eu escapulia e via assim mesmo, principalmente
quando ela viajava a trabalho, isto é, quase sempre.
Nossa! Ele derrubava os caras com apenas um golpe. “Bala” era seu
apelido. Gostei.
Eu não podia perder a chance de conhecê-lo pessoalmente, já que
estava na mesma cidade que eu. Minha mãe ficaria furiosa comigo, mas não
deixaria a oportunidade passar, ou nunca mais teria uma igual.
Sentia-me mal pelo que fiz com Samira, ela era gente boa. Nathan me
garantiu que aquela seria a dose certa do remédio para dormir, usei somente
as medidas que indicou. Assim, ela não passaria mal, apenas apagaria por
algumas horas. Samira cuidava de mim sempre que minha mãe viajava.
Depois pedia perdão.
Encontrava-me no salão do Hotel Calion, no centro de Trenton, a
cidade onde moro desde que nasci. Estava pensando e armando um jeito de
entrar sem ser notada pela recepcionista que fica no balcão na entrada. Sabia
que ele estava hospedado ali, porque Nathan pesquisou tudo certinho; meu
amigo era um gênio. Eu o ajudei na investigação. Investigação? Estava
pensando como minha mãe.
Liguei cedo dizendo que era fã de Jason, indagando se ele estaria no
hotel à noite. Por incrível que pareça, a mulher respondeu. Talvez
imaginasse que, por eu ser criança, não apareceria lá e ficaria gritando por
ele. Bem, ela não me conhecia... Herdei a teimosia de minha mãe.
Preparava-me para entrar em ação quando um homem alto surgiu, ele
era forte e meio velho, acho que tinha uns quarenta anos, mais ou menos. Sua
expressão era sombria, vazia e fria, tal qual à que vi uma vez na pasta da
mamãe, de um cara do mal que ela prendeu. Quando perguntei o que o velho
de cabeça branca fizera, ela não quis me contar. Achei estranho um senhor
daquela idade ser preso por um crime.
Do lado do homem sinistro havia um garoto de prováveis onze anos,
bem maior que eu. Vestia jeans rasgados e camiseta preta, e tinha cabelos
louros e olhos negros. O adulto segurava seu braço ao passar pela
recepcionista. Aproveitei a deixa e fui para perto do homem, fingindo estar
com ele, mesmo não indo com a sua cara. Um erro que, se minha mãe
soubesse, me mataria. Ela sempre dizia: “Não aceite nada de estranhos, seja
caronas, doces ou o que for”. Costumava cumprir suas ordens, contudo, hoje
estava muito ansiosa para ver o Jason e não liguei para nada, nem para
minha segurança, pela qual mamãe tanto zelava. Ela era bastante protetora
comigo.
Aprendi muita coisa com minha mãe, uma policial. Ensinou-me desde
pequena; bom, desde que comecei a entender o bastante para diferenciar um
cara do bem de um do mal. Sei lá, esse homem ali parecia mal. Talvez pelo
jeito com que apertava o braço do garoto, que estremecia de dor, ou pelo seu
olhar frio. O menino não estava ali porque queria estar, e sim fora forçado a
ir com esse homem. Seria um pai abusivo? Não gostei nada disso. Minha
mãe sempre foi aberta comigo sobre maus-tratos às crianças.
O barbudo entrou no elevador com o garoto. Fui junto, mesmo
estremecendo por ficar perto dele em um espaço pequeno e fechado. Corri o
risco. Ainda bem que a moça da recepção não reparou em mim, ou, se
reparou, supôs que eu estava com ele. Por ela ser recepcionista, deveria
prestar mais atenção nas coisas.
Assim que as portas se fecharam, os olhos negros do cara foram para
mim e brilharam com malícia. Eu sabia que ele era malvado! Enxergava em
sua face. Também sabia que judiava de crianças pela forma que apertava o
menino. Com minha mãe, aprendi a odiar esse tipo de homem. Ela sempre
falava que caras que pensam em fazer maldade com crianças não deveriam
existir na Terra. Concordava com ela, principalmente depois de cruzar com
esse aí.
Abri a mochila que carregava nas costas e a deixei assim, caso
precisasse usar a arma de choque que minha mãe me deu para situações
como essa. E também o spray de pimenta no bolso do lado.
O cara apertou o botão para o décimo andar. Ele não disse nada, mas eu
podia sentir seus olhos a cada segundo em mim. Tremi de medo, apenas não
deixei transparecer, ou ele venceria. Apesar de que, se tentasse alguma coisa
comigo, venceria de todo jeito, já que era um homem grande.
Por sorte, ele estava indo para o mesmo andar do meu pai, que
provavelmente se encontraria no seu quarto, porque a luta acabou há algumas
horas. As pessoas que trabalhavam para ele também estariam, tinha certeza
disso. Bom, esperava que sim, para o meu próprio bem.
O elevador se abriu quase em frente ao número do quarto do meu pai —
sabia qual era porque umas mulheres subiram antes, dizendo estarem indo
para lá. Ele era bastante mulherengo, será que foi por isto que se separou de
minha mãe? Bom, logo descobriria a verdade. Não podia ficar pensando no
que era e no que não era, precisava saber de tudo.
O cara olhou para os dois lados do corredor, com certeza checando
para ver se havia alguém por ali. Ele estava prestes a agir, podia sentir.
Fitou-me com olhos de lobo mau.
— Vocês dois vêm comigo. — Não parecia uma pergunta.
O garoto se esquivou do seu toque e ficou na minha frente, como se
fosse me defender do cara. Não teríamos capacidade de lutar com ele, afinal,
éramos crianças, mas podíamos tentar, porque eu não o acompanharia de
jeito nenhum.
— Você não vai levá-la para sumir com ela igual fez com minha irmã,
seu canalha — sibilou o menino com o rosto duro. Vendo-o assim, parecia
mais velho do que era de fato.
O homem fechou a cara e cerrou os punhos, pronto para acertar o
garoto. Agi por instinto: peguei o spray de pimenta e apertei o frasco,
espirrando em seus olhos. Sorte minha que ele não era um gigante, acho que
tinha um metro e oitenta, mais ou menos.
Ele uivou de dor, e suas mãos foram para seu rosto, enquanto eu peguei
a do garoto e levei-o na direção do quarto de Jason. Toquei a campainha
várias vezes e virei para trás, o cara estava vindo na nossa direção, com
seus olhos agora vermelhos. A porta se abriu e eu entrei correndo com o
garoto ao meu lado, passando pelo homem que a abriu.
— Quem diabos são vocês? — indagou o cara, chamado Silas ou algo
assim, treinador do Jason. Era forte, moreno, parecido com o Samuel L.
Jackson (que eu conhecia dos filmes dos Vingadores). — Esta festa não é
para criança.
Eu estava prestes a pedir que fechasse a porta quando o malvado pegou
meu braço. Gritei tão alto que a música parou. Todos ficaram em silêncio,
acho que de choque, paralisados. Antes, estava havendo uma festa, repleta
de mulheres com poucas roupas e bebidas. Não vi meu pai em nenhum lugar.
O garoto do meu lado pegou algo no bolso e enfiou na mão do cara que
me segurava. Era um estilete. O maldito berrou de novo, soltando meu braço.
Eu parecia um robô, executando ações de modo automático. Não pensei
em nada, apenas segurei a arma de choque, apontei para o seu peito e
disparei. Ele caiu no chão, mole. Antes, ouvi seu urro.
— Que droga está acontecendo aqui? — rosnou uma voz grossa. — Que
gritos são esses?
Jason saía por uma porta de madeira, acho que do quarto. O que me
deixou chocada foi que ele não estava sozinho.
Ofeguei, olhando a única pessoa que nunca pensei em ver ali.
— Mamãe?
Capítulo 1
Disfarce
TABITTA
— Bom dia, Taby — cumprimentou meu chefe assim que entrei no meu
serviço na agência do FBI do Brooklyn.
Teria de me mudar para lá no próximo mês, porque trabalhava muito
longe da minha casa atual. Morava em Trenton, Nova Jersey. Samira ficava
com Emily enquanto eu viajava, o que era quase sempre. No entanto, não
queria abusar da boa vontade dela, por isso no Brooklyn seria melhor para
nós, assim ela ficaria com Mama.
O departamento se situava em um prédio pintado de branco de quatro
andares, no centro do Brooklyn, com várias janelas de vidro. Gostava de
trabalhar ali, amava o que fazia, bem como adorava meu chefe, que era um
George Clooney gato.
Sorri para ele.
— Thomas, bom dia — disse, beijando seu rosto. Ele tinha cinquenta
anos, era casado com Sandra há quase trinta. Os dois me ajudaram muito em
um momento ruim da minha vida, no qual não tive mais ninguém, então eu os
considerava como se fossem meus pais.
Em casa, eu o chamava de “Papy”, e ali por Thomas, pois estávamos
em um ambiente de trabalho. Tanto ele quanto eu levávamos nosso serviço a
sério.
Eu me formei na polícia há pouco tempo, ainda estava no período de
experiência, assim disse Papy, mas já prendi vários assassinos e bandidos
corruptos. Apenas um, o pior de todos, não consegui pegar ainda. O motivo
de eu me tornar policial: Sebastian Ruiz.
— Sem beijos no trabalho, já disse — me repreendeu, se afastando de
mim.
Ele me alertara que ali nos trataríamos como os dois profissionais que
éramos, e deixaríamos nossa ligação de pai e filha de lado. Às vezes, eu
esquecia.
— Você morreria sem meus beijos. — Sorri, pegando um café preto
sem açúcar na cafeteira e tomando um gole. Isso me ajudava a relaxar.
Sentei à mesa. A sala não era grande, havia apenas a mesa com três
cadeiras, sendo que uma era a minha; um sofá pequeno no canto; e um
armário com vários arquivos. Meu trabalho envolvia mais o meu PC.
Ele revirou os olhos negros.
— Você é indomável — disse, colocando-se na cadeira diante de mim.
Seus cabelos eram um pouco brancos, usava óculos de grau e era um tanto
robusto. Eu o amava.
— Concordo. — Houve um tempo em que um homem me domou, e, em
certo nível, continuava exercendo seu efeito sobre mim até hoje, tanto que
não estive com ninguém depois dele, enquanto o tal já ficou com metade da
população feminina da Terra.
Expulsei esse pensamento ou sucumbiria na frente de Thomas. Isto não
poderia acontecer, ainda mais no meu horário de trabalho.
Thomas e Sandra sabiam que existiu alguém importante na minha vida,
alguém que era meu mundo inteiro. Somente desconheciam quem era, eu não
disse nada, pois ele se tornou bastante famoso: Jason Falcon, o Bala, como
as pessoas o chamavam. Uma vez, fui a uma luta sua, mas não fiquei muito
tempo, após reparar que a tatuagem que fizemos juntos tinha desaparecido de
seu corpo. Foi como se ele pegasse uma navalha e rasgasse o meu coração.
Dada a dor insuportável, fui embora. Depois disso, passei a evitar
reencontrá-lo; por sorte, a internet e a TV mostravam quase todos os seus
passos.
— Por que não sai e namora um pouco? O agente Marrone tem
demonstrado interesse — falou Thomas, interrompendo meus pensamentos.
Pigarreei, tentando retornar ao presente, não querendo pensar em Jason.
Sei o que desencadeou essas lembranças: mais cedo, antes de levar Emily à
escola, ela me perguntou sobre seu pai de novo, onde ele vivia, o que fazia e
por que não a procurava. Eu não podia responder a nenhuma dessas
questões, para sua proteção, e de Jason. Se Sebastian soubesse dele... Não
queria nem cogitar isto. Faria o que fosse preciso para manter ele longe de
mim, o fiz por oito anos e sete meses, aguentaria mais um pouco, não me
importando que isto me matasse a cada segundo.
Foquei no agora, no meu trabalho, e tranquei minhas emoções — ou,
pelo menos, tentei.
— Lincoln? — Sorri sem vontade. Era um dos meus muitos disfarces,
fingir felicidade sendo que meu coração sangrava aos poucos. — Ele tem
uma namorada, mas não pode ver uma mulher que seus olhos só faltam sair
de órbita.
— Ele tem? — indagou com descrença.
Eu ri.
— Está vendo? Sim, mas seu comportamento cafajeste não é de um
homem comprometido. — Bebi mais um gole do meu café. — Sabe quando
eu transaria com um homem daqueles? Nunca, a não ser para eu cortar suas
bolas e fazê-lo comer.
Desta vez, Papy gargalhou. Ele e Mama não se importavam com minha
linguagem, falava o que pensava e não me importava nem um pouco.
— Bom ponto, um homem que não respeita sua mulher devia estar
sozinho. — Fez uma careta. — E quis dizer para você namorar alguém, não
necessariamente transar.
Eu sacudi a cabeça.
— Papy... desculpe, Thomas — corrigi antes dele me advertir por
chamá-lo assim. — Não estou a fim de arrumar namorado, aliás, minha vida
está boa do jeito que está, sem um homem para se meter nela.
— Está para nascer um homem que vai domá-la e fazê-la cair de
joelhos. — Mal sabia ele que já existia um cara capaz disso, somente não
podia tê-lo. — Durante os oito anos que a conheço, até agora, só vi você
tratando-os com gelo e mais nada.
Mudei de assunto, não queria falar com ele sobre romance. Já fui
rasgada, e não havia a mais remota possibilidade de eu ser de novo, mesmo
se Jason não estivesse incrustado no fundo de minha mente e em meu
coração.
— O que faz aqui na minha sala? — sondei, curiosa. Ele não ia muito
ali, para evitar falatório por eu ser sua suposta protegida. — Não que eu não
queira sua companhia, claro — acrescentei.
Ele sacudiu a cabeça.
— Você sempre foge quando o assunto é seguir em frente com sua vida,
não? — criticou de um jeito paternal. — Taby, quero que seja feliz, não só
comigo e Sandra e com a nossa Emily, mas também que encontre alguém
capaz de alegrá-la como você merece.
Evitei um suspiro, pois isso era impossível: a felicidade plena era algo
que não sentia há tempos, aproximadamente oito anos e sete meses. As
únicas luzes na minha vida eram Emily e meus pais adotivos, Thomas e
Sandra. E também Samira, amiga que cuidava de Emily para eu trabalhar;
era meus pés e minhas mãos, não sabia o que faria sem ela quando me
mudasse, sentiria muita falta. Além deles, havia ainda a minha doce amiga
Angelina.
— Não preciso de ninguém, Thomas, apenas de você, Mama e Emy.
— Emy me ligou hoje cedo... — começou, me observando de lado.
— O que ela queria? — Lembrei que a peguei no telefone antes de ir
para o serviço, mas ela disse que estava falando com Nathan, seu coleguinha
da escola, por isto não dei bola. Ela mentiu para mim? O que queria com
Thomas para não me dizer a verdade?
— Ela me disse que você chegou triste ontem à noite e foi chorar em
seu quarto. — Seu tom denotava preocupação comigo. — O que aconteceu
com você? Não tivemos nenhum caso que abalasse seu emocional para agir
assim. É outra coisa?
Eu me levantei e olhei a rua lá fora da janela de vidro. A minha sala
ficava no segundo andar do edifício. Não me abalava sempre com o meu
serviço, só quando o assunto era crianças maltratadas e abusadas, ainda mais
sexualmente, este era meu ponto fraco. Por esse fato, caso fosse preciso,
havia um psicólogo à disposição no trabalho.
Não queria lembrar do que houve ontem à noite, mas as lembranças
estavam ali, me comendo viva.
Estava saindo do shopping em Nova York, fui lá para comprar uma
fantasia para Emily e algumas coisas para a nova casa no Brooklyn. Foi
quando vi Jason abraçado com uma mulher morena; morena vírgula, ela tinha
pele branca e cabelos negros. Vê-lo com outra não foi o que me quebrou,
embora isso também tenha doído muito. O que me fez sangrar foi vê-lo
passando a mão em sua barriga de grávida e a chamando de “preciosa”.
Havia muito carinho ali, mas nada romântico. Enxergara aquela garota na TV,
alguns meses atrás: era mulher de Lucky Donovan, um dos homens mais
influentes da cidade, pelo que soube, e melhor amigo de Jason.
A dor naquela hora foi tremenda, quase desfaleci lá mesmo no corredor
da loja, mas me controlei, ou ao menos tentei. O gesto carinhoso dele para
com ela foi demais, era pior do que saber que ele estava fodendo por aí,
porque naquele momento eu queria que fosse comigo, o que era impossível.
Eu ansiava tanto por seu toque que tudo em mim gritava pedindo para ser
feito ou morreria.
Vendo a cena dele passando a mão na barriga daquela mulher me fez
lembrar e desejar que ele tivesse feito o mesmo quando eu estava grávida de
nossa filha. Queria suas mãos, seus beijos e tudo que ele viesse a dar. Eu
teria tudo isso se não tivesse partido, ou talvez estivéssemos sob lápides
agora... Estremeci. Isso não aconteceria.
Foi por isso que saí de lá quase correndo antes dele me ver, por mais
que eu o quisesse, eu não poderia.
Thomas veio até mim e me abraçou, me reconfortando.
— Taby, querida...
— Eu vi alguém que não vejo há muito tempo — comecei a contar.
Fomos interrompidos com a porta sendo escancarada, e depois uma voz.
— Ora, ora, será que a dona Sandra sabe que a está traindo com uma
mulher mais nova, Thomas?
Eu me afastei de Thomas enquanto ele fazia uma careta pela suposição
do imbecil que entrou sem bater, como se a sala fosse dele.
Fuzilei o babaca. Ele tinha olhos negros e sorriso de comedor de
merda, achando que sabia de tudo, mas na verdade não sabia de nada.
— Isso que está atrás de você se chama uma porta, e ela estava fechada.
Deveria bater antes de entrar, idiota, não acha? — Cerrei meus punhos,
querendo esmurrá-lo.
Um cara que estava ao seu lado riu. Ele tinha cabelos negros curtos,
com mechas sobre seus olhos azul-cobalto, que combinavam com a pele
bronzeada e barba por fazer.
— Gosto dela — disse com um sorriso que faria as mulheres caírem de
joelhos aos seus pés. — Eu falei para batermos antes de entrar.
O comedor de merda o fuzilou.
— Que tal ficar calado, Bryan? — rosnou ao outro, que só deu de
ombros, ainda sorrindo. Após, seus olhos mortais pousaram em mim. —
Você tem a boca muito espertinha, não é?
Dei de ombros.
— É o que dizem. — Se ele achava que teria medo dele, estava muito
enganado. Já lidei com homens piores. — O que faz aqui na minha sala?
Garanto que não veio só para ver se minha boca é esperta.
Ele pareceu não ligar para o que eu disse, deixando-me com mais
vontade de quebrar seus dentes.
— Estou curioso. — Olhou de mim para Thomas. — Vocês dois...
Revirei os olhos.
— Não existe “nós dois”, seu idiota, ele é como um pai para mim.
Agora diga logo o que quer ou desapareça da minha sala, porque só de olhar
para sua cara me dá vontade esmurrá-la.
Ele fechou a cara e deu um passo até mim com os punhos cerrados.
Perguntei-me se ele iria realmente me enfrentar; quase ri disso. Não sei
quem ganharia: ele era forte, mas eu sabia lutar, derrubei caras maiores que
ele.
Thomas se pôs entre nós para evitar a carnificina que eu estava prestes
a fazer nesse arrogante.
— Tabitta, sossegue — ordenou, fitando sombriamente o homem que
vestia um terno social que valia mais do que minha moto. — E você também,
Dennis. O que faz aqui? Não veio de Manhattan apenas para ver se eu estou
traindo minha esposa — sibilou.
Dennis revirou os olhos.
— Precisamos dela para uma missão junto com o agente Bryan. —
Olhou para mim e depois para o cara de olhos azuis.
— Tantos agentes na CIA e você vem no FBI buscar uma minha? — O
tom de Thomas era de desdém. — Por que não foi no FBI de Manhattan ou
no seu departamento?
— Você quebrou o regulamento de não contar a ninguém sobre nós. —
O cara teve a audácia de fechar a cara.
Thomas riu de modo frio.
— Não vai precisar dela para sua missão? Então com certeza ela terá
de saber de onde vocês são e o que vão fazer, não é?
— Posso recusar, chefe?
Dennis me cortou.
— Você não pode.
Eu ri, pensando em esmagá-lo com o salto de dez centímetros da minha
bota.
— Não perguntei a você. — Mirei meu chefe, ignorando o rosnado do
Dennis.
— Você não pode recusar — repetiu. — Ou trabalha conosco, ou vai
presa.
Gargalhei de modo zombeteiro.
— Posso saber o que fiz de tão grave que a CIA precisa me levar
presa? Não estou conspirando contra o meu país ou algo do tipo. Essa é a
função de vocês, não?
— Tabitta — Thomas me repreendeu.
— Você tem uma ligação com quem precisamos prender, estamos atrás
dele há muito tempo. — Observou com atenção minha reação diante de suas
palavras.
Ri com escárnio.
— A única ligação que você vai achar entre eu e um bandido é minha
bota indo parar em suas bolas como um presente de boas-vindas.
Dennis sorriu, não sei se zombando de mim ou pelo que eu disse. Medo
de ser presa eu não tinha, afinal, não devia nada a ninguém.
— Mostre a ela, agente Bryan.
Franzi a testa enquanto Bryan abria sua bolsa preta nas costas e pegava
uma pasta da mesma cor, entregando-a a mim. Olhei para Thomas, que estava
de cenho franzido. Abri a pasta e o que vi fez meu coração saltar pela boca,
minhas mãos suaram frias de dor e medo. Eu ofegava.
— Tabitta, o que é? — indagou Thomas.
Eu o ignorei, passando folha por folha. A primeira foto mostrava eu,
uma adolescente de dezessete anos, ajudando sua avó a fazer compras na
esquina de casa. Margareth, com seus sessenta anos, cabelos grisalhos e pele
enrugada pela idade, sorria para mim. Lembrava-me desse dia, eu não queria
ir com ela, não gostava, porque vovó conversava com todos e demorava a
voltar para casa. Sinto falta disso, da sua alegria.
Alguns dias depois da minha fuga naquela noite, chequei nos jornais e
até na polícia se havia notícias de um corpo encontrado na rua em que
morávamos em Austin. Foi um choque descobrir que não, mas isso não me
dava esperança de ela estar viva, eu tinha certeza de que ele apenas sumiu
com o corpo, só para eu não achá-la. Aposto que Sebastian fez isso, assim
ninguém investigaria o assassinato.
Tudo em mim doía, meu coração estava sangrando pelas memórias
vivas daquele dia. Bloqueei isso ou desfaleceria ali, na frente dos agentes.
“À noite você se deixa sucumbir à dor, Tabitta”, pensei como um mantra.
A outra foto era de um homem que procurei por anos provas para
mandá-lo para cadeia pelo resto de sua vida, foi por isso que me tornei
agente do FBI, sabia que logo encontraria seus podres: tráfico humano,
tráfico de drogas e vários outros crimes. Até agora, não conseguira provas
suficientes. Sempre que chegávamos perto, outra pessoa assumia a culpa e ia
para a cadeia no lugar do salafrário desumano.
Entretanto, eu também encontrei pessoas que trabalhavam para ele,
como Franklin Salazar, um velho que vivia pendurado em meninas menores
de idade. Um pedófilo desgraçado, no qual adoraria colocar minhas mãos.
Seu pau não levantaria nunca mais, nem à base de remédios, depois que eu
acabar com ele.
Nas fotos seguintes, o velho safado apertava as mãos de Sebastian Ruiz
em sua casa no México, com duas meninas de quatorze ou quinze anos atrás
deles. Elas estavam de cabeça baixa, uma morena e outra ruiva. Eu sempre
odiei homens que abusavam de mulheres, para mim todos deveriam ser
decapitados. Claro, por ser uma policial, com obrigação de fazer justiça, não
deveria pensar isso; não ligava. Esses vermes não deveriam existir.
Respirei fundo. Olhei para Dennis, que pela primeira vez estava sério.
— O nosso infiltrado no cartel no México nos disse que Sebastian Ruiz
teve uma filha. — Ele me olhou de lado, me sondando. — Uma filha que
desapareceu com sua avó no Texas, e nunca mais voltaram para lá. Onde
vocês duas foram morar? — Apontou para a pasta — As fotos mostram só
Sebastian e os seus homens saindo da casa, não vocês. Onde está sua avó
agora? Eu tenho quase certeza que ela não sobreviveu, não é?
Evitei sua pergunta e fiz outra. Não queria pensar naquele momento, eu
já tentara imaginar o que aquele crápula fez com minha avó, mas nada de eu
descobrir isso. Talvez ele tenha tirado ela de lá pelo mesmo lugar que eu saí
da casa, foi a única conclusão que achei. Talvez eles soubessem que havia
câmeras no local.
— Não. Mas se tem um infiltrado no seu cartel, por que precisa de
mim? Ele não pode buscar as provas de que carecem?
— O agente Milles foi descoberto e morto há alguns dias — falou
Dennis, sombrio. — Por isso vim aqui hoje.
— Você deu queixa do Sebastian Ruiz matando sua avó? — questionou
Bryan.
Eu suspirei.
— Queixa sem corpo? Por quatro anos tive esperança dela, de alguma
forma, ter sobrevivido. Com o tempo e sem notícias, cheguei à conclusão de
que ela morreu mesmo, mas não podia ligar Sebastian ao crime, por isso me
tornei policial, para buscar prendê-lo. — Minha voz estava fraca no final.
— Vamos conseguir pegar esse cara — garantiu Bryan.
— E o que tenho a ver com isso? Eu não tenho nenhuma relação com
seus crimes e sua crueldade.
Ele riu como se guardasse um segredo, ainda sexy.
— Tabitta Rodrigues Ruiz, nascida no Texas em agosto de 1989, mãe
Luciene Rodrigues, ex-mulher de Sebastian Ruiz. Foi assassinada em julho
de 1991 no México. Você foi criada por Margareth Rodrigues, que está
desaparecida desde março de 2006 — falava sem nem mesmo olhar na
pasta. — Diz que ela foi assassinada por Sebastian, e que presenciou todo o
acontecido, e logo depois você desapareceu sem deixar rastros. Todos na
cidade pensam que vocês se mudaram.
— Como vocês a descobriram aqui? — A voz do Thomas soava rouca.
Podia ver que ele estava magoado por eu esconder isso dele. Devia ter
contado a ele e Mama sobre meu passado e minha avó. Eles foram sempre
bons comigo. Eu era realmente uma cadela egoísta.
— O que nos levou a você foi nosso infiltrado no México mencionando
seu nome antes de sua vida ser eliminada a mando de Sebastian. —
Suspirou. — Então chequei mais a fundo e a achei, uma agente do FBI.
— Eles sabem onde estou morando e onde trabalho? — Minha voz
falhou, temendo que ele viesse atrás de mim e descobrisse sobre Emily.
— Sebastian sabe que você está no FBI, um dos subordinados dele até
sugeriu que a pegasse para trabalhar para eles. — Bryan sacudiu a cabeça
com desdém. — Mas ele disse que você não os ajudaria nunca. Supus que
ele sabe que você o odeia, e que quer sua ruína.
— Com cada fibra do meu ser — disse com ferocidade.
— Por isso queremos você conosco, assim que prendermos Franklin
Salazar, e você fizer a prisão dele. Nós pensamos que ele sairá da toca, pois
Franklin é seu braço direito. É onde pegaremos Sebastian e seus cúmplices
— explicou Bryan, sério.
— Conseguimos a informação de que Salazar é o cabeça do tráfico
humano. Não há sucessor para este cargo, por isso temos certeza de que
Sebastian mesmo vai assumir o que Salazar fazia depois que o trancafiarmos
— disse Dennis.
— Está falando em me usar como isca para atrair Sebastian?
— Não temos outro jeito, a solução é você nos ajudar. O problema é
que não é só ele que está nesse ramo, há peixes maiores ainda, incluindo
agentes do FBI e do meu departamento, deputados e vários políticos, juízes...
a lista é imensa.
— Daqui? Quem seriam esses? — Fiquei em choque. Tentei imaginar
todos com quem trabalhava e pensar que algum deles era um maldito rato.
— Não posso dizer, não posso deixar que vaze, e descobrirem que
suspeitamos deles. Quero pegar todos os ratos de uma vez — rosnou Dennis.
Eu sorri.
— Dê-me cinco minutos com cada um deles, vou ensinar o que faço
com ratos e pedófilos.
— Tabitta, nosso serviço é prendê-los e mantê-los presos, não dar
lições usando a força — contra-atacou Thomas.
Dennis revirou os olhos.
— Vamos achar provas suficientes para mandá-los por toda sua vida
para a cadeia. Não posso mais mandar infiltrados para o cartel, afinal,
levaria anos para a pessoa chegar perto dele, e mais mortes que não quero
ter sob minhas mãos. Agora ele está desconfiado e sua segurança foi
reforçada, então vamos atraí-lo para fora do México e buscar mais provas
contra ele. — Pela primeira vez, Dennis parecia triste, acho que devido ao
seu agente que morreu.
— Qual o plano? Eu sei que Franklin Salazar é um tremendo de um
canalha que abusa de meninas novas. Como será a operação? Precisamos de
algo concreto para o prendermos e o deixarmos lá sem direito à fiança.
Dennis foi até minha mesa, pegou um pendrive e colocou em meu
notebook. Seus olhos se estreitaram ao ver a foto de duas pessoas no plano
de fundo do meu PC.
— Jason Falcon? Quem diria que a dama de gelo tem um ponto fraco
por um homem. Há uma aposta correndo por aí sobre você gostar de mulher
— provocou.
Revirei os olhos e bufei. Até parece que não ouvi isso antes. Ali estava
a foto de Jason no ringue de luta, e Emily sorridente ao sair da escola no ano
passado. Os dois amores da minha vida.
— Apenas faça o que tem de fazer e pare de prestar atenção no que não
diz respeito a você — repliquei.
— Acho que você precisa de um homem de verdade, e não ficar
sonhando com um famoso — ronronou. — Se quiser, estou disponível. —
Seu olhar varreu meu corpo, dando um sorriso.
Eu ri com desdém.
— Você acha que tem chance comigo? Se enxergue, nem se eu estivesse
bêbada ficaria com você. Cuide do seu trabalho, em vez de dar em cima de
mim. Vamos ao plano, já que veio aqui até falando em me prender por estar
aliada com um homem que tem centenas de mortes nas costas, tráfico de
menores e de drogas, porte ilegal de armas e obstrução da justiça. Eu me
pergunto por que ainda não aniquilaram o filho da puta... Não seria a
primeira vez que a CIA faz algo assim por debaixo dos panos.
— Você tem uma ideia muito errada da gente — rosnou, mas abriu o
arquivo no PC e virou a tela para nós.
— Pelo visto, você sabe bastante sobre seu pai... — começou Bryan.
— Oh, oh, pare aí, não é por que aquele monstro deixou seu esperma na
minha mãe que quer dizer que seja meu pai — rosnei. — O único pai que
considero é o Thomas.
— E eu aqui pensando que vocês eram amantes. — Dennis sorriu para
mim e para careta do Thomas. Os olhos do Papy estavam grandes, acho que
mais pelo que eu disse dele, que o considerava meu pai. — Mas ela é muita
areia para o seu caminhão.
— Pare de dizer besteira e explique o plano, não vou arriscar minha
cabeça ajudando a CIA sendo que nem trabalho para eles.
— Você é o nosso melhor elo para usar contra ele. Aqui. Precisamos
derrubar todos seus pontos de drogas, prostituição e vários outros. No final,
você irá à TV e dirá que logo ele será preso.
— Aposto que ele vai ficar furioso com isso.
— Sim, ele vai, mas acreditamos que, em vez de mandar alguém matá-
la, virá ele mesmo, é aí que o pegaremos. — Apontou para a tela. Ali, havia
dois contêineres perto de um píer, estava noite, mas alguma claridade
emanava de um poste de luz não muito longe. O que vi na outra foto me
chocou e me fez quase vomitar: as portas abertas do contêiner e, dentro,
várias mulheres, aliás, crianças e adolescentes. Da faixa dos quatorze aos
dezenove anos, sujas e encolhidas.
— Essas fotos foram tiradas no porto de Oakland, na Califórnia,
semana passada. Aqui há mais ou menos quinze meninas, pelas notícias que
tive da polícia local, que logo acionou o FBI porque sabiam de quem era
aquilo, e que o departamento do FBI estava atrás deles há tempos. Thomas
chamou o UNODC, o Escritório das Nações Unidas. As garotas eram de
países diferentes, algumas do México, outras do Brasil, Argentina, Tailândia
e China. Todas raptadas de suas famílias.
— Houve quatro casos como esses no Texas, na Geórgia e na
Califórnia. O policial Lewis, da Califórnia, me ligou e pediu para nós
montarmos um esquema para encontrar as pessoas que estavam fazendo isso.
Então chegamos ao suspeito que temos, por isso Lewis nos avisou de novo
sobre essa apreensão que fez na Califórnia — elucidou Thomas. — Alguns
agentes foram para lá buscar mais provas contra o suspeito que foi preso,
falar com os pais das garotas e sondar se possuem mais suspeitos neste caso.
— Por que não me disse sobre isso? — perguntei, magoada.
Ele levantou as sobrancelhas negras para mim.
— Tabitta, eu sou chefe deste departamento, nem sempre posso dizer
tudo aos meus funcionários. Querendo ou não, aqui você é uma, e lá fora é
minha filha, então trate de aceitar. E também não vi você me dizendo sobre
seu pai ser um dos homens mais procurados da América. Um homem com a
ficha tão extensa quanto o fã-clube dos Beatles.
Eu me encolhi por dentro com o ressentimento em sua voz.
— Sinto muito...
— Depois vamos conversar sobre isso, em casa com Sandra. Agora,
estamos no trabalho. — Usava um tom duro. Sempre falava assim quando
estava magoado ou me reprendia. — A polícia encontrou um homem com as
meninas, o nome dele é Tom Myers. Ele foi encarcerado e morto na prisão
no dia seguinte, antes de falar algo. Acredito que Sebastian mandou executá-
lo para não delatar nada que tenha feito ou mandou fazer, como raptar as
garotas.
— Certo, então o que Franklin tem a ver com essas meninas? Sei que
aquele velho safado fica com garotas menores de idade, mas ele também
participou desta vez? Ele estava lá nesse dia? — sondei, embora crente que
sim.
— Sim, ele estava na Califórnia, mas o desgraçado tem um álibi.
— Me deixe adivinhar: disse que estava transando em um quarto de
hotel qualquer, não é? — indaguei com amargura.
— Sim, foi checado nas câmeras de segurança do Hotel Belmont que
esteve realmente lá com uma mulher maior de idade. Por isso, não
conseguimos ligar ele ao tráfico de humanos. Sabemos que ele estava lá, só
não conseguimos provar — disse Bryan.
Dennis me olhou.
— Aí que você entra, Franklin abriu um clube de BDSM Fetish em
Manhattan. Acreditamos que, neste lugar, não frequentam só meninas maiores
de idade, já que seu fetiche é mais por garotas novas.
Odeio homens abusadores de menores. Por mim ele estaria morto.
Contudo, antes eu teria o prazer de fazê-los comerem seus paus e os
estupraria com uma pá enferrujada para eles saberem como é bom ser
rasgados.
— Qual vai ser o meu disfarce? Se você disser que vou ter de servir de
submissa a alguém, te castro aqui mesmo. — Fuzilei o Dennis — Amo meu
trabalho e adoraria ver Franklin servindo de mulher na prisão, mas não vou
foder...
— Ninguém aqui falou que vai foder alguém — retrucou. Senti-o se
encolher. Era bom mesmo, porque não transaria por aí para cumprir meu
trabalho e levar alguém preso. Se eu fosse assim, poderia ter entrado
disfarçada no cartel do México, dizendo que estava com Sebastian, e feito
tudo que quisesse até ele abaixar a guarda e matá-lo. Não sou capaz, por isso
minha justiça e vingança estão demorando tanto.
— Tenho uma agente disfarçada lá dentro que está fazendo isso, mas ela
não é a submissa, e sim o contrário. Fizemos assim para ela não precisar se
deitar com ninguém, mas, às vezes, isso acontece, faz parte do trabalho. —
Dennis acrescentou, me olhando de lado.
— Bom, ainda bem que não trabalho para CIA, não é? — retruquei,
depois franzi o cenho. — Então o que vou fazer lá dentro? Faxina?
Dennis e Bryan fitaram meu corpo. O olhar do Dennis era de quem
queria me devorar, mas Bryan apenas me mirou incrédulo, como se
duvidasse que eu serviria para ser faxineira. Esse homem com cara de bad
boy, com certeza, já foi fisgado por uma mulher.
Dennis riu.
— Desculpe — disse, entre risos. — Querida, se você estivesse
vestida de faxineira, seria a fantasia de todos os homens daquele lugar. Logo
Franklin estaria entrando em contato com você para trabalhar para ele. Você,
com certeza, sabe o que exerce sobre os homens, não é?
Sei que sou bonita, não posso dizer que puxei os genes dos meus pais.
Puxei vovó quando era nova. Ela tinha cabelos louros e longos, olhos verde-
esmeralda e corpo curvilíneo, assim como eu. Vi sua foto uma vez. Linda!
Esta palavra a descrevia. E ainda era até o dia em que Sebastian a matou
friamente na minha frente; ele pode não ter puxado o gatilho, mas não
significa que ele não a matou.
Pigarreei, ignorando o aperto no meu peito com lembranças dolorosas.
— Então o que vou fazer? Qual será meu papel? — Tentei controlar a
voz.
O cara de pau sorriu, eu sabia que ali tinha coisa.
— Você será a submissa de Bryan...
— Espere, o quê? — interrompi, chocada — Eu não vou...
Bryan me cortou.
— Não vamos transar ou algo do tipo, apenas fingir que sou seu mestre.
E, você, minha submissa.
— E se houver uma situação em que tenhamos de fazer alguma coisa?
— sussurrei.
Sua expressão caiu um pouco, acho que com medo de algo que eu não
sabia o que era.
— Vamos torcer para que isso não aconteça, porque não estou a fim de
trair minha namorada. — Estremeceu com esse pensamento. Gostei dele,
isso que era homem fiel, e não o bastardo do Lincoln, que não respeitava a
coitada da sua namorada.
— A nossa agente infiltrada dará cobertura a vocês dois. Não posso
dizer quem é ainda; ela vai procurá-los assim que chegarem lá amanhã à
noite. Nós precisamos de todas as provas que conseguirmos contra Franklin
Salazar. Vamos pegar os peixes pequenos, depois o grande.
Certo, eu não gostei disso, mas penso que podia lidar. Esperava não
precisar tocar em Bryan ou fazer as coisas que fazem naquele tipo de clube.
Nunca fui em um, porém, sabia como funcionava.
Logo começamos a tramar nosso plano de ação. Não apreciava meu
papel lá dentro, e nem o fato de servir de isca para atrair Sebastian do
México aos Estados Unidos, no entanto, me sacrificaria para ligá-lo ao
tráfico de humanos, que estava acontecendo aqui como uma maldita praga.
A justiça por seus atos estava para começar. Eu faria de tudo para ele
cair; aliás, não só ele, mas todo seu império do crime.
Capítulo 2
Reencontro
JASON
— Jason, se concentre, cara — ordenou Silas, o meu treinador. Ele
também era meu amigo há muito tempo, acho que desde que me tornei lutador
profissional, há quatro anos.
Silas me achou brigando na faculdade e nas ruas de Cambridge,
Massachusetts. Aquele foi um tempo difícil para mim, pois minha cabeça não
estava em um bom lugar. Caçava brigas com todo mundo que me olhava. Ele
me treinou para descarregar por meio do esporte essa raiva que me consumia
vivo.
No ringue, deixava sair todas as frustrações e a raiva presas dentro de
mim, me corroendo como larvas de fogo. Essa ira que me consumia se dava
por causa de uma garota do meu passado, uma que ficou na minha maldita
pele, como uma tatuagem. “Ou pior, porque tatuagens podem ser removidas.
O sentimento por ela, não”, pensei, amargo. Mulheres, bebidas, nada a apaga
de dentro de mim.
Em março, fará dez anos desde que Tabitta se tornou tudo na minha
vida. Ela era doce, meiga, tão linda e inocente que eu só queria colocá-la em
um pedestal e dizer para ninguém tocá-la. E, se por acaso isso acontecesse,
eu o mataria.
Por um ano ela foi meu mundo inteiro, por um ano ela se tornou minha
razão de viver, de ser feliz. Depois, se foi como um cometa, deixando-me
destroçado e cheio de raiva por não ter sido homem suficiente para ela.
Mesmo que oito anos e nove meses tenham se passado após sua partida, não
conseguia esquecê-la, sentia o seu cheiro de jasmim a me consumir todas as
noites. Seu gosto de pêssego ainda parecia estar na minha pele e na minha
boca.
Quando conheci Tabitta, ela se tornou minha luz no meio da escuridão
que eu vivia. Minha vida em casa não estava boa, aliás, nunca foi, era como
viver no inferno. Entretanto, com ela, tudo era o paraíso.
Eu já tive milhares de mulheres, mas nenhuma delas me marcou do
mesmo modo. Nenhuma mulher me fez sentir como se o ar me faltasse só ao
olhá-la. Nenhuma delas fez meu coração bater tão forte, como se fosse parar,
só em estar perto dela. Nenhuma mulher me fez esquecê-la, nem mesmo por
um segundo. Era só sexo, mais nada. Acho que era por isso que eu as
deixava amarradas e as fodia por trás, assim não veria seus rostos e não me
sentiria culpado por usá-las como eu fazia.
Senti um soco em minha boca e cambaleei para trás, me trazendo de
volta ao presente.
— Droga, Jason — sibilou Silas. — Onde está a sua fodida mente?
Nós dois treinávamos no ringue para uma luta que teria em alguns dias
em Nova Jersey. Esse era o meu problema: onde a porra da minha mente se
encontrava, deixando meu cérebro mais fodido do que já era. Soube por
Angelina que Tabitta morava em Trenton.
Suspirei, limpando a boca e tirando o sangue dali.
Merda, por que não parava de pensar nela nem por um segundo? Desde
o dia em que Angelina, a namorada do Ryan, disse que era amiga da Tabitta,
eu andava assim desligado. Isso foi há dois meses. Quando soube onde
morava e que ela não estava longe de mim, eu mal pude acreditar. Acreditar
que eu a encontrei após anos sem saber seu paradeiro, como estava vivendo,
se estava feliz. Depois desse dia, ela estava mexendo e fodendo com a minha
cabeça de novo, ainda mais do que antes.
Não fui procurá-la em sua casa, mesmo sabendo onde ela morava e o
que fazia da sua vida. Tão diferente do que ela imaginara. Lembro-me de
Tabitta dizer que sonhava em ser professora de jardim de infância, porque
amava crianças. Uma profissão muito diferente do que aquela com que
trabalhava hoje. Jamais imaginei que se tornaria uma agente do FBI. Ela com
armas nas mãos, enfrentando homens que poderiam machucá-la... Só de
pensar nisso, me dava vontade de matar todos que tentassem, qualquer um
que encostasse um dedo nela. Ainda tinha o instinto de protegê-la, igual fazia
no passado.
Eu não conseguia simplesmente ir vê-la, pelo fato de eu não ser capaz
de perdoá-la pelo que fez, por ter me deixado sem dizer adeus. Quais foram
as suas razões? Eu não fui suficiente para ela? Não fui homem o bastante? Às
vezes, achava que era por essa razão que eu ficava com mulheres aleatórias,
como se fosse provar algo com isso, como se fosse provar que eu era bom
de cama ou apenas bom o suficiente. Mas isso não acontecia, porque logo
depois eu me sentia como um lixo. Dava razão a ela para ter me deixado.
— Maldição! — rosnei, saindo da minha academia que ficava na
Madison Ave.
Silas praticamente me expulsou de lá, já que não estava conseguindo me
concentrar em nada no treino. Já era quase onze horas da noite. Chega! Isso
acabaria hoje, eu não podia ficar com essa raiva se apossando de mim por
ela ter me deixado no passado sem nenhuma explicação. Precisava fazer
alguma coisa, mas o que iria me ajudar?
Cheguei ao clube de BDSM Fetish, que ficava mais afastado do centro.
Nunca frequentei este lugar, era novo, acho que abriu há pouco.
Não fui à Rave, mesmo com meus amigos estando lá e me convidando.
Minha cabeça não estava boa para ficar perto de alguém, eles começariam a
fazer perguntas que eu não poderia responder. Não agora. Não com a porra
do meu peito me sufocando.
Precisava me manter no controle ou explodiria. O único lugar onde
podia conseguir isso era o clube de dominantes. Há tempos não ia a um
desses: fazia dois meses que não ficava com mulher nenhuma, não sentia
vontade de fazer sexo com ninguém mais. Não depois de saber onde Taby
vivia, só a uma hora e meia de mim. Tão perto, e ao mesmo tempo tão longe.
Como o sol: eu o vejo, mas não posso me aproximar ou tocá-lo.
Entrei no clube, estava meio escuro, com luzes vermelhas. Era assim
mesmo, pois dava mais suspense, vontade e prazer. As paredes do salão
eram vermelhas.
Uma mulher nua e presa por correntes pendia do teto. Outras, de
joelhos, prostravam-se na frente de seus Dons. Pensei que, vendo essas
cenas, meu pau levantaria. Pelo jeito, me enganara. Estava frustrado por não
sentir nada assistindo a cenas de sexo dos Dons com suas submissas. Não
tinha vontade de fazer o mesmo com uma mulher qualquer desse lugar,
apenas sentia nojo disso tudo. Nojo e raiva de mim mesmo, por ser tão
fodido.
Estava prestes a dar a volta e ir embora quando vi alguém que eu nunca
pensei em ver de novo, não ali naquele lugar. Sonhava o tempo todo em
reencontrá-la, contudo, nunca num ambiente como o clube. Travei meus
músculos e meu coração bateu forte no peito, parecia que logo teria um
enfarto. Mas eu não me importaria de morrer vendo, pela última vez, o rosto
que sempre iluminou meu mundo.
Tabitta estava na minha frente; a menina de dezoito anos que usava
vestidos longos, cabelos presos num rabo de cavalo e óculos de grau agora
estava ali. E virou um mulherão. Linda! Embora ela sempre tenha sido.
Sempre foi como um sol para mim, onde entrava, iluminava tudo com seu
esplendor e doçura.
Usava seus cabelos louros soltos às costas. Com salto alto, tinha um
metro e oitenta, mais ou menos. Lembro-me de gostar de colocar meus dedos
nos seus fios lisos e sedosos. Seu cheiro de jasmim era de outro mundo. Sua
silhueta estava mais delineada do que me lembrava; antes, ela era mais
cheia, não gorda, claro, apenas seus vestidos a deixavam um pouco maior, o
que achava bom, assim ninguém veria seu corpo, além de mim. Ela também
usava óculos de grau na época, escondendo seus olhos verde-esmeralda.
Mesmo com eles, não deixava de ser linda, tal qual agora.
Tornara-se ainda mais perfeita, mas a reconheceria em qualquer lugar
do mundo. Vendo-a assim, me dava vontade de matar qualquer um que
olhasse para ela. Porém, isso não podia acontecer, porque ela não me
pertencia mais.
Encontrava-se a alguns metros de mim, vestindo uma saia de couro
preta curta que parecia mais um cinto, nem podia chamar aquilo de saia, pois
o tecido mal cobria a bunda dela. Vestia um sutiã preto, também de couro.
Seu rosto estava forrado com maquiagem, bem diferente da menina doce pela
qual me apaixonei: no passado, ela não gostava de usar nada de maquiagem,
e mesmo assim continuava linda; aliás, era mais linda sem. Foi isso que me
fez apaixonar por ela.
Entrou no salão e foi direto até um homem acompanhado de duas
mulheres. A primeira era loura, de joelhos na sua frente, com os braços
presos para trás; bonita, mas não chegava perto da borboleta. Havia também
uma morena do lado do cara, usando um vestido vermelho; não parecia
submissa.
Taby não me viu, porque estava de costas para mim. Mesmo no escuro,
enxerguei a tatuagem de borboleta nas suas costas, perto da bunda. Pedi para
fazermos juntos, simbolizando nosso amor. Ela ainda estava ali. Eu que
escolhi esse lugar, por que era um local que eu gostava de ficar beijando. A
minha tatuagem fiz no meu peito direito, mas a cobri com uma águia; era
doloroso demais vê-la todos os dias e saber que nosso amor se foi, ou o
dela, pelo menos. O meu continuava vivo, me comendo e me corroendo por
todos esses anos. Pelo visto, Taby não apagara a dela. Eu queria saber seus
motivos para não removê-la de sua pele, já que me tirou da sua vida como se
eu não fosse nada.
Sua barriga lisa, onde muitas vezes passei a língua, estava de fora. O
que eu amava fazer; aliás, eu amava fazer tudo com ela. Por que ela estava
naquele clube? Por que se vestia assim? Como se fosse uma dessas garotas
submissas? Tabitta até tinha o colar de submissa. Será que era uma submissa
de alguém? Meu peito doeu em resposta, por vê-la desse jeito. O pior seria
ela estar com alguém. Com certeza pertencia a algum desses caras.
Ela chegou no cara barbudo, que estava com as duas mulheres. Será que
era dele? Se fosse, por que as outras duas estavam ali?
— Oh, maldição, não vou simplesmente ficar vendo isso e não fazer
nada — sibilei, olhando com fúria para o cara.
Taby sorriu para ele ao se aproximar. O bastardo largou a mulher de
joelhos à sua frente e foi ao seu encontro. Que homem não iria? Só se fosse
cego. Ele pegou seu colar e a puxou para ele, como se fosse beijá-la. Ela
desviou o rosto, e ele beijou seu pescoço.
Eu poderia ter ficado ainda mais furioso vendo essa cena, se não
estivesse enxergando suas mãos em punhos, como se quisesse acertá-lo na
cara. Bom, eu estava louco para fazer isso também. Meu sangue ferveu
quando ele pegou sua bunda. Eu me sentia como se tivesse uma bomba
dentro de mim, pronto para explodir em mil pedaços.
Cerrei meus punhos e fui até eles sem me preocupar onde eu estava e
que eu poderia ser preso por isso. Puxei o braço dela para longe dele e
esmurrei o cara, que já ia reclamar, mas não teve tempo, porque caiu
desacordado no chão. Eu só ouvi o poc do meu punho acertando sua face.
— Que porra foi essa — ela rosnou, irritada. Fez menção de me
acertar, mas ela travou no chão, com as mãos caindo ao lado do corpo assim
que seus olhos encontraram os meus. Congelou no lugar, como se tivesse
sido petrificada.
Eu pude ver que ela me reconheceu na mesma hora, talvez já soubesse o
que eu me tornei, a fama de lutador. Sua respiração ficou ofegante, como se
tivesse corrido muito e cansado. Mas também vi dor em seus olhos verdes.
— Jason... — Sua voz falhou.
Nesse momento, parecia que existia somente nós dois. O clube sumiu,
as pessoas sumiram. Custava a acreditar que ela estava na minha frente. E
que eu a amava da mesma forma que antes. Entretanto, também senti raiva
por ela ter me deixado sozinho para superar sua perda, seu abandono. O que
não foi superado merda nenhuma, a dor sempre esteve comigo, agora ela só
aumentou mil vezes, tanto que era quase difícil respirar.
— Olá, Tabitta, quanto tempo. — Soei duro ao cumprimentá-la.
Seus olhos se estreitaram com o ressentimento na minha voz. O que ela
queria? Que eu a recebesse em um tapete vermelho cheio de rosas? Ela foi
embora sem nenhuma explicação, porra. Taby devia ter sido mulher o
suficiente para dizer que não me queria mais na sua vida, dizer que acabou e
pronto.
Algumas pessoas gritaram pelo segurança. A mulher loura começou a
berrar. Não dei uma mínima para isso.
— Quem é ele? — indagou a morena que estava ao lado do cara.
Tabitta piscou, saindo do congelamento, e olhou sobre o meu ombro
para alguém. Depois, pegou meu braço.
— Eu resolvo isso, então continue — respondeu à mulher sem tirar os
olhos de mim. Puxou-me para um corredor meio escuro, com as paredes de
vidros, onde podíamos assistir aos quartos.
Ela pegou algo no sutiã e colocou no ouvido: uma escuta.
— Houve um problema, continuem sem mim. — Estava rouca.
A garota foi disfarçada àquele lugar, usando só esse pedaço de pano?
Seus superiores aceitaram isso? Malditos bastardos. Aposto que todos
gostavam de vê-la assim.
— Ele ia encontrar com o seu subordinado, foi quando... — Ela parou e
me olhou de lado. — Bom, o James Martine está inconsciente agora.
Franklin acabou de chegar.
Eu segui sem dizer nada, esperando para ver o que ela faria. Tabitta me
puxou para um dos quartos, que estava recheado de coisas, como a cruz de
Santo André no canto e uma plataforma cheia de correntes em uma parede.
Ali era onde os Dons prendiam suas parceiras para elas ficarem à sua
disposição.
Ela suspirou e continuou falando com quem quer que fosse pelo fone
sem fio.
— Alguém do meu passado — respondeu enquanto fechava a porta.
Aquilo foi como um soco no estômago. Se eu lutasse com dez homens e
tivesse apanhando deles, não doeria tanto quanto doeu ela dizendo isso.
Então Taby me considerava apenas alguém do seu passado, que nunca
significou nada? Alguém sem importância?
Expirei para me acalmar e tentar controlar a dor que me comia vivo.
— Sim. Mantenha-me informada. — Desligou a coisa e me olhou com
os olhos de ventania, o seu verde me pareceu mais escuro. — Por que droga
você foi bater no James?
Estreitei meus olhos.
— Ele tocou em sua bunda. — Cerrei os dentes. — O que tinha na
cabeça para se submeter a isso? A se vestir assim, e ainda por cima vir em
um lugar como este?
Ela maneou a cabeça de lado e riu, amarga.
— Falou o cara que fica com duas mulheres de uma vez? Agora está se
preocupando se um homem tocou em minha bunda? — dizia, venenosa. —
Você só pode estar brincando com a minha cara, porra!
— Até parece que você também não ficou com homens por aí depois de
ir embora e me deixar sem uma maldita nota dizendo pelo menos adeus —
rosnei. Não precisava explicar que nunca fiquei com duas mulheres ao
mesmo tempo, apenas com uma, e dividia ela com meus amigos, Ryan e
Lucky, antes de se apaixonarem por suas namoradas. Jordan também.
Eu queria matar todos os homens que a tocaram durante toda sua vida,
desde quando ela foi embora até o maldito inconsciente lá no salão.
Seus olhos verdes viraram tempestade. Eu sabia que ela estava perto de
perder a cabeça, parecia que queria bater em mim, podia ver suas mãos em
punhos, destacando os nós dos dedos. Tão diferente da doce e meiga garota
que conheci e pela qual me apaixonei há quase dez anos. Essa parecia mais
uma leoa do que um gatinho manso.
Ela estava prestes a dizer algo, mas foi interrompida pelo seu celular. O
som veio do meio de suas pernas.
— Lugar legal para esconder um telefone — eu disse, desejando que
minha boca estivesse onde ele estava agora. Eu faria um trabalho excelente.
Taby grunhiu para mim, pegando o celular na cinta-liga em suas coxas e
atendendo.
No momento em que eu disse que ela ficou com outros homens, percebi
um brilho de dor em seus olhos, fora sua reação, foi como se eu tivesse
batido nela. Ela ficou com outros caras, não ficou? Taby não pode ter
passado esses anos sem que um cara a tocasse, se foi embora porque não fui
homem suficiente para ela. Eram muitas perguntas, e nenhuma resposta.
Ela atendeu e logo arregalou os olhos.
— O quê? — Passou a mãos nos cabelos num gesto exasperado. Notei
suas unhas vermelhas. — Maldição! — Mirou o espelho na parede, que dava
para o corredor. Ali era onde as pessoas assistiam aos casais transando nos
quartos. Alguns iam lá só para assistir, e não para participar.
— Quantos minutos tenho? — Suspirou. — É claro que vou fazer,
vamos pegar aquele cretino custe o que custar.
Ela me olhou ao desligar o telefone.
— Eu tenho que prender um cara...
— Franklin Salazar? — chutei.
Já ouvira falar desse velho com mais de sessenta anos que ficava com
menores. Ryan, alguns meses antes, conseguiu umas fotos dele com menores
de idade e o ameaçou para comprar sua parte na Editora Luxem. Depois, deu
as fotos ao Bryan, que disse que cuidaria disso. Talvez fosse montar um
esquema para prendê-lo, somente não informou quando. Acredito que não
pudesse contar, por não ser permitido pelos seus superiores.
Droga! Ele sabia que Tabitta estava ali hoje. Por que não disse nada?
Eu quase ri disso. Como ele me contaria, se não sabia que eu a conhecia?
Aliás, ninguém sabia. De que forma diria aos meus amigos que a única
mulher que eu amei foi embora porque não fui suficiente para ela?
— Você o conhece? — indagou.
— Não, mas ouvi dizer que ele fica com menores, é verdade? É por
isso que está aqui. — Não foi uma pergunta: era óbvio que ela estava ali por
isso.
— Sim, preciso prendê-lo. Não posso dizer muito, já que não fui
autorizada a isso, mas estamos há eras o cercando, por isso não tenho muito
tempo. — Olhou para o espelho com a expressão preocupada.
— Tempo para quê?
Ela me fitou.
— Franklin está vindo checar se você está me punindo. Ele acha que
você é meu dono, e eu o desrespeitei indo para outro cara. Ele virá ver o que
fará comigo para me castigar como Dom. — Riu com desgosto. — Ironia,
não? Vindo de um homem que sai com várias mulheres ao mesmo tempo.
— O que vamos fazer? — sondei, antecipando o que ela ia sugerir. Eu
estava louco para isso acontecer, louco querendo tocá-la novamente, após
anos. Só de pensar, meu pau ganhou vida, uma vida que perdera há dois
meses pelas outras mulheres quando soube onde ela estava.
— Vamos ter que atuar como dominante e submissa. — Pareceu não
gostar dessa parte. Isso foi como um soco no estômago.
— O quê? — Eu não a tocaria se ela não me desejava, não como eu
ansiava por ela. Porra! Isso era demais.
— Isso mesmo. — Foi tirar sua saia. Um sutiã preto segurava seus
seios fartos, um pouco maiores do que aos seus dezoito anos. Agora, com
vinte e seis, tinha um corpo até mais fabuloso. — Garanto que está
acostumado a ver mulheres sem roupas. — Seu tom era amargo feito fel no
final.
Observei seu rosto lindo e moldado, como se um artista habilidoso a
tivesse feito. Era um pouco cheio, embora suave, com boca voluptuosa,
olhos verdes e cílios bem desenhados, que a deixavam mais linda. Ela
estava com raiva de mim por ter tido outras mulheres?
— Se não tivesse ido embora, garanto que jamais haveria outra mulher
na minha cama — sibilei.
Ela engoliu em seco e olhou para o chão por um segundo, depois
sacudiu a cabeça se esforçando para não perder o controle.
— Isso não vem ao caso agora. — Soou grossa, como se estivesse com
dor.
Mas quem deveria sentir dor era eu, e não ela, que me deixou. Hoje, a
revendo, o abismo no meu peito se escancarou. Não sabia se seria capaz de
deixá-la partir... Ao pensar nisso, sentia que morreria...
Ela já estava descendo o zíper da minúscula saia. Coloquei minhas
mãos em cima das suas; ela tremeu ao meu toque, como se tivesse recebido
um choque.
— O que está fazendo? — Meus olhos não deixaram os dela. Não sabia
do que seria capaz se alguém a visse sem roupas assim. Mataria qualquer
um.
— Não temos escolha, ok? Ele chegou aqui com uma menor, com
certeza vai me checar antes de prosseguir. — Seu tom era sombrio e com
asco ao falar sobre Franklin. — Ele vai entrar em ação com a menor, então o
prenderemos. — Olhou nos meus olhos, e vi minha dor refletida nos dela. —
Estamos há muito tempo tentando pegá-lo, não posso desperdiçar esta
oportunidade.
— Não vou transar com você aqui, com pessoas olhando — retruquei.
Ela estreitou os olhos.
— Você não faz isso sempre? Não é por isso que está aqui? — A
amargura marcava presença, mas ela expirou para se controlar e pegou meu
pulso. — Por favor, eu não tenho muito tempo.
Eu suspirei. Ela estava certa, foi para isso que fui lá, porém, tinha
desistido e já ia embora, então a vi e não pude abandoná-la.
— Tudo bem, mas você me obedecerá, ok? Se não quiser assim, não
vamos fazer nada. — Deixei o ultimato, afinal, eu precisava estar no
controle, e não havia nada melhor do que com ela.
— Certo, use seu lado Dom comigo, já que você não veio aqui à toa. —
Novamente, a dor se expressava em suas palavras.
Expirei, tentando não pensar no seu sofrimento. Eu já mal suportava
aquele em meu peito. Encarei a parede com várias correntes. Eu a prenderia
ali, assim o velho tarado não poderia ver seu corpo esculpido. Peguei sua
mão e a levei onde as correntes estavam.
Ela levantou as sobrancelhas, olhando de mim para a parede.
— Ainda fará o que eu disser? — sondei de novo.
Suspirou, frustrada, fitando o espelho e depois eu.
— Tudo bem. — Ficou perto da parede vermelha cheia de correntes.
Virei-a de costas para mim e a porta, deste modo, todos veriam somente
sua parte traseira. Se aquele velho pensava que a enxergaria nua, estava
redondamente enganado.
Ela fungou quando prendi suas mãos nas algemas de couro vermelhas
para cima da cabeça, com os braços abertos.
Peguei seus cabelos e coloquei no lado direito do rosto. Lambi seu
pescoço e sua orelha. Taby tremeu. Eu gostava de ouvi-la ofegar e suspirar
de prazer, aquilo era música para meus ouvidos. Algo que sempre sonhei em
escutar de novo, pois nunca esqueci.
— Agora, olhos na parede, e não olhe para mim até eu mandar —
ordenei e mordisquei sua orelha.
Ela gemia e respirava alto. Eu me afastei e fui a um armário, porque
sabia que as coisas de que precisava estavam ali. Todos os clubes eram
parecidos, eles deixavam tudo pronto para você pegar e usar.
Escolhi uma venda preta de couro com renda e um chicote de várias
tiras. Voltei onde ela estava amarrada e à minha mercê, toda para mim.
Coloquei o chicote no bolso de trás da minha calça jeans e beijei suas costas
lindas. Adorava beijá-las, não sabia bem o porquê, mas amava fazer isso,
desde sempre. Depois, desatei o fecho do sutiã.
— Vamos tirar isso, sim? — Estava rouco de desejo, prazer, luxúria e
muito amor não correspondido. Tentei não pensar nisso, ou meu pau nem
levantaria.
Ela gemeu de novo e fechou os olhos, apertando as pernas uma na outra,
querendo tirar seu atrito.
— Está molhada para mim? Responda — mandei, porque ela hesitou.
— Sim, muito molhada — revelou, ofegante.
— Bom saber. Agora vou cobrir seus olhos, assim será mais prazeroso.
— Tapei seus olhos lindos com a venda.
Mirei o vidro e vi o sorriso cruel do Franklin. Ele estava com uma
menina loura do seu lado, acho que ela devia ter no máximo dezesseis anos.
“Esse homem é um canalha”, pensei com rancor. Não via a hora de o
prenderem.
Deixei de lado quem assistia e olhei para a obra de arte esculpida à
minha frente, com as costas nuas e perfeitas. Ela estava apenas com a saia e
os seus saltos. Eu não tiraria a última peça de roupa, não na frente desse
bando de abutres, porque não era só o Franklin que estava ali, havia outros
caras desconhecidos.
Peguei o chicote e passei as tiras pelo seu corpo. Ela estremeceu, mas
não disse nada. Bati em suas costas. Tabitta gritou e ofegou ao mesmo tempo.
— Já fez isso antes? — sondei, querendo saber algo dela, e, ao mesmo
tempo, não desejando escutar a resposta. Por sorte, esses quartos eram à
prova de som. Os bastardos só podiam nos ver.
— Não, mas é bom sentir dor e prazer.
Eu sorri.
— Que bom que gostou. — Fiz de novo em suas pernas, sua bunda e
suas costas. Não bati com força, não queria machucá-la.
Suas mãos puxavam as correntes no ato de prazer, fazendo o tilintar
delas correr pela sala. Eu sabia que ela estava a ponto de gozar.
Olhei para a janela e vi o velho safado empurrar a menina para o quarto
de frente a este e fechar a porta.
Bryan apareceu no corredor e sorriu, piscando através do vidro. Já o
outro cara que estava com ele olhou para Tabitta e estreitou os olhos, depois
franziu o cenho para mim. Parecia, pela sua expressão, ter um monte de
perguntas, eu só não sabia quais seriam elas. Tinha uns cinquenta ou sessenta
anos, talvez. Havia ainda outro homem que estava olhando Tabitta, esse com
luxúria. Minha vontade foi de quebrar sua cara, mas me controlei. Fui até a
janela e apenas baixei a cortina vermelha, impedindo-os de ver algo.
Agora éramos só nós dois. Caminhei até ela e a virei de frente para
mim, então vi seus seios que tanto amava chupar. Afrouxei as correntes para
não machucarem seus braços esticados e retirei sua saia minúscula.
— Você disse...
— Não tem ninguém olhando, cobri com as cortinas. — Fitei seu corpo
nu, exceto pela calcinha de renda vermelha que mal tapava sua boceta, na
qual estava louco para colocar a boca, a fim de saborear o gosto que tanto
queria de novo.
— Deslumbrante! — rosnei, colocando um mamilo na boca e o
sugando. Ela gritou, mas logo se calou. — Pode berrar, essas paredes são à
prova de som.
Eu lambia, mordiscava e chupava seus mamilos. Minhas mãos foram
para sua calcinha; rasguei o pedaço de pano. Taby ofegou, e antes que
recuperasse o fôlego, enfiei dois dedos dentro dela e circulei seu clitóris
com o polegar. Ela puxou as mãos com seu corpo tremendo, estava perto,
podia sentir. Então retirei os dedos. Tabitta fez um muxoxo de reprovação.
— Não pare, estou tão perto...
Caí de joelhos à sua frente e vi o seu monte de Vênus escorrendo suco
devido ao prazer. Levantei sua perna direita e coloquei no meu ombro. Inalei
seu sexo com cheiro de jasmim, tal qual eu me lembrava. Suguei seu suco
como se não me alimentasse há anos, pois, de fato, não me alimentei dela por
muitos anos: quase nove sem seus gemidos, sem provar e degustar seu gosto
de pêssego que era meu êxtase, e, pelo visto, continuava sendo.
Peguei sua bunda linda e a trouxe mais para mim. Mordisquei seu
clitóris de leve, então ela gritou, com seu êxtase batendo na porta, e gozou na
minha boca. Eu a segurei firme, lambendo-a até ela parar de tremer.
Levantei-me e abaixei a braguilha de minha calça jeans, tirando meu pau
duro para fora. Com suas pernas em volta de mim, enfiei meu pau em sua
boceta molhada, gostosa e apertada. Estava sem o piercing que tinha no
pênis; sempre que treinava ou lutava eu tirava, mas adoraria tê-lo ali, só
para ele encostar-se ao seu clitóris e fazê-la gritar ainda mais.
Coloquei minha boca na dela e a beijei enquanto estocava meu pau
dentro de sua boceta apertada. Ela gritava, e eu a mordia, degustando e
lambendo seus lábios e sua língua saborosa, tanto que senti gosto de sangue.
Não liguei, apenas queria matar essa fome que me consumia há muitos anos.
Nenhum de nós disse nada. Eu sabia que se falasse algo estragaria as
coisas naquele momento, então fiquei quieto.
A cada estocada do meu pau dentro de Tabitta, eu queria ir mais fundo,
o bastante para me fundir a ela, se assim fosse possível. Desejava ficar ali
para sempre, mas não podia segurar mais. Logo que ela gozou, eu a
acompanhei, desfrutando do êxtase tanto meu quanto de Taby ao vê-la
desmanchar nos meus braços. Eu a beijei por mais alguns segundos até
pararmos de tremer do nosso pós-orgasmo.
Não queria sair dali de dentro dela, estava tão quente e confortável. No
entanto, fomos interrompidos por alguém batendo à porta.
Nessa hora, ela afastou sua boca e desprendeu suas pernas da minha
cintura.
— Maldição! — praguejou. — Me solte, eu preciso me vestir.
Tirei a venda de seu rosto. Ela piscou por um segundo. Precisava saber
o que Tabitta estava pensando sobre o que acabáramos de fazer. Antes, ela
era fácil de ler, como um livro aberto; agora, não conseguia decifrá-la, ela
parecia ter mil cadeados.
Fechei minha calça e soltei suas mãos das correntes e algemas. Ela
suspirou e observou seu corpo, depois me fitou de olhos arregalados.
— Droga, você não usou a maldita camisinha — reclamou.
Foi a primeira vez que perdi o controle em toda a minha vida. Nunca
transei sem camisinha, apenas com ela no passado, quando era só minha.
Agora, eu não sabia a quantos homens ela pertenceu. Só de pensar em outro a
tocando, fiquei furioso.
— Eu estou limpo — disse e inquiri: — E você?
Seus olhos viraram fendas enquanto vestia a saia e o sutiã. Ela ficou
sem calcinha, porque eu rasguei a sua. Ajeitou sua roupa e foi para o
banheiro, evitando a pergunta. Ela estava muito mudada; antes, quando
ficava nua na minha frente, corava em um tom de rosa lindo, eu achava tão
perfeita a cor na sua pele. E hoje? Não... Esta mulher e a menina que amei
eram tão diferentes e, simultaneamente, tão iguais. Queria descobrir o
motivo que a levou a me deixar e mudar da água para o vinho. Precisava
saber se a culpa foi minha. Onde foi que errei? Não dei valor suficiente a
ela?
— Por quê? — Segui-a até o banheiro.
Tabitta me encarou após se ajeitar na frente do espelho.
— Por que o quê?
Eu ri, amargo.
— Você só pode estar brincando comigo! Você foi embora sem dizer
uma maldita palavra, apenas desapareceu do mapa. Por que simplesmente
não disse que não me queria mais? E que encontrou algo melhor... — Essa
parte era bem esquisita. Lembro-me de acordar em um quarto de hotel em
Chicago com Dominic do meu lado. Ele apenas me disse que ela lhe pediu
para me levar para longe de Austin. E não falou mais nada. Eu queria
quebrar sua cara aquele dia, mas não era culpa dele por ter feito o que
Tabitta solicitou. Na ocasião, ele estava todo machucado, não ia piorar as
coisas.
Voltei para Austin depois e fui até sua casa, mas ela estava vazia. As
pessoas disseram que ela e sua avó tinham ido embora da cidade, e que
ninguém sabia para onde. Surtei, não recordo o que aconteceu em seguida
porque a dor foi forte, fiquei uma semana bebendo no chalé até Dominic ir lá
e me levar para longe, dizendo que soubera que ela foi para Massachusetts.
Fiquei anos lá, e nada dela aparecer.
Ela expirou e fechou os olhos por um momento. Após, me olhou: a
máscara estava de volta, sua frieza era tanta que me encolhi. Contudo, por
um instante, pensei ter visto dor em seus olhos.
— Não é hora para conversa. — Esquivou-se com frieza. — Deixe o
passado para trás.
Cerrei os dentes.
— Meu pau estava dentro de você há um segundo atrás, e você quis
aquilo, não minta para mim — sibilei.
Ela passou por mim, saindo do banheiro.
— O que tivemos foi apenas sexo, e mais nada. — Sua voz saiu aguda.
— Era preciso fazer aquilo para ganharmos tempo.
Aquelas palavras saindo de sua boca foram como um tiro no meu peito,
apenas para terminar de me matar.
— Então você só transou comigo para resolver um caso?
Ela me fitou com os olhos frios como uma maldita geleira.
— Sim, foi só por isso, então siga com sua vida, finja que nunca me viu
aqui. E esqueça o passado, pois ele não volta mais.
Eu custava acreditar que estava ouvindo isso da sua boca. Ela
enlouquecera? Como podia pedir isso depois de tudo que vivemos juntos,
depois de hoje? Depois de eu sentir seu gosto, de estar com meu pau dentro
dela? Como ela pôde dizer isso? Nunca achei que algo doeria tanto após ela
ter me deixado, mas isso era mil vezes pior, ver sua frieza e saber que nunca
seria bom o bastante para ela, jamais seria. Isso era o que o velho sempre
dizia a mim, que minha mãe foi embora e me deixou porque eu não era
suficiente para ela e nem para ninguém.
Passei por Tabitta ou faria uma besteira da qual me arrependeria pela
eternidade, como implorar que ficasse comigo.
— Meus parabéns pelo seu bônus — desdenhei, abrindo a porta. — Um
dia você foi o meu mundo inteiro, agora você não é nada.
Saí sem olhar para trás, abandonando para sempre a única mulher que
deixei entrar e que quebrou meu coração em milhões de pedaços — não só
uma, mas duas vezes.
Capítulo 3
Convite
TABITTA
Passado
TABITTA
Presente
— Mamãe, me leve para a casa da tia Angie — Emily pediu assim que
me sentei à mesa para tomar café da manhã. — Eu quero ver o Shane.
Nós estávamos na cozinha. Ela era grande e branca, com armários cor
de areia (porque amo essa cor), fogão de inox e geladeira duplex. A mesa
em que estávamos se cercava por seis cadeiras avermelhadas. As janelas de
vidros tinham vista para o jardim.
Eu suspirei. Olhei seus cabelos castanhos e olhos da cor dos de seu pai.
Tão linda minha menina. Desejava levá-la para ver Shane, mas não podia
arriscar e me deparar com Jason. Se ele a visse, saberia que ela era dele na
mesma hora, porque a garota era sua cópia viva.
— Vamos ver depois que eu chegar do trabalho. Agora tenho que ir,
meu amor. Amo você, querida. — Beijei suas bochechas e me esquivei mais
uma vez de seu pedido, não sabia até quando conseguiria manter isso
trancado dentro de mim. Sabe quando tem algo guardado e você quer apenas
explodir para aquele fardo ficar mais leve? Estava assim há oito anos e nove
meses, carregava uma rocha sobre meus ombros.
Desde que saí de casa hoje cedo, contava os minutos para prender
Franklin Salazar, o abusador de menores. Se fosse por mim, faria uma
coivara de fogo e jogaria todos lá dentro sem ao menos perder uma noite de
sono. Cruel, eu sei, ainda mais eu sendo uma policial, mas era o que sentia.
O plano estava certo, o disfarce também, era só esperar e prendê-lo
com a boca na botija. Tudo quase foi por água abaixo assim que eu o vi ali
no clube. Sabia o que Jason foi fazer lá, com certeza conseguir mulheres, o
que não era difícil para ele, bastava estalar os dedos. Tentei não pensar
nisso.
Após todos esses anos ele estava igual. Eu o via nas revistas e TV.
Além disso, o encontrei pessoalmente uma vez no clube de luta, na loja em
Nova York, e também no hospital quando fui visitar Shane. Quase nove anos
e só o enxerguei três vezes, e meio de longe, sem sentir o seu cheiro de
lavanda com um toque de menta, que não foi perdido com o tempo: pelo
visto, ele ainda tinha esse aroma. Mesmo antes ele não gostava de usar
perfume, apenas desodorante masculino, e amava tudo que tinha menta. O seu
cheiro ainda estava em minha pele.
Não queria dizer a ele tudo que disse, não queria ver a dor naqueles
olhos como eu vi quando falei que não significou nada o que tivemos, que
seu toque, seu gosto e seus beijos foram apenas para ajudar no caso. Estava
mentindo, porque significaram tudo para mim. Fazer sexo com ele foi aquilo
com que sempre sonhei, era o que desejava e queria para sempre.
Gostaria de revelar a verdade, os motivos de eu partir e das decisões
que tomei, o que realmente houve naquela noite que era para ser o dia mais
feliz da minha vida, quando eu o tinha, quando estávamos comemorando
nosso primeiro ano juntos. Um ano de felicidade e amor. Queria contar
porque não disse adeus; se eu falasse, aquilo me mataria, não teria coragem
de partir.
Vendo a sua dor — aliás, ultrapassava a dor —, ele estava quebrado, e
fui eu a responsável... Nesse momento, percebi a intensidade do seu amor
por mim, um amor que, quando mais nova, sonhava em ter; um amor que
ultrapassasse tudo, barreiras, o tempo, os obstáculos, que nunca fosse
esquecido. Notei isso hoje ao rever esse homem, soube que o que tínhamos
antes ainda estava vivo e forte.
Suspirei ao lembrar da mulher que um dia fui, com olhos verdes que
brilhavam de felicidade, agora vazios. O rosto bonito, antes meigo, se tornou
sombrio e sem vida, mesmo correndo sangue em minhas veias. Eu estava
viva e morta ao mesmo tempo. Viva porque tinha a Emily, meus pais, amigos,
e por ver Jason ainda respirando. Sua sobrevivência neste mundo valia
qualquer sacrifício, mesmo que significasse permanecer em tormento por
anos.
Limpei as lágrimas dos meus olhos, tentando controlar a dor. Ela nunca
iria embora, estava gravada em mim como um câncer. Apesar disso, não me
arrependia de amá-lo, o sofrimento que sentia era a única lembrança do que
vivemos.
— Recomponha-se, Tabitta — sussurrei a mim mesma. — Não quebre
agora.
Lavei meus olhos e enxuguei-os, saindo do banheiro. Não reparava à
minha volta, só o que eu via e sentia era a dor de Jason. A porta se abriu e
Lincoln entrou após Jason sair. Tentei não pensar no sofrimento de meu
amado ou desmoronaria. Lincoln parecia ter raiva, eu o conhecia bem para
saber que ele estava furioso, embora não soubesse o motivo, e também não
me interessava. Éramos apenas colegas de trabalho e nada mais.
— Nem comece — falei, passando por ele, que já ia abrir a boca, com
certeza para criticar o que fiz.
Lincoln segurou meu braço.
— Tabitta, sério, o que você fez? Transou com o cara? — rosnou.
Ele era alto, forte, com cabelos curtos e olhos claros. Sempre quis ficar
comigo, porém, nunca aceitei. O cara era um tremendo de um sem-vergonha.
Estreitei meus olhos.
— Se eu transei ou não, isso não é da sua maldita conta — sibilei.—
Cuide da sua vida e me deixe em paz.
Bufou, enraivecido.
— Tudo bem, a vida é sua. — O desdém estava em cada palavra. — Já
que gosta de se sentir assim.
Ergui as sobrancelhas.
— Assim como? Termine.
Ele suspirou.
— Deixe para lá. De onde você conhece Jason Falcon? Ele bateu em
James Martine, o aliado de Franklin, o nocauteou com um soco, só porque
ele a tocou.
Expirei, tentando me controlar.
— De novo, não é da sua conta. — Cerrei os dentes, querendo
machucá-lo. Não desejava conversar sobre Jason agora, muito menos com
ele.
Lincoln com certeza estava pensando que eu era mais uma foda dele, e
que amanhã Jason me trocaria por outra. Eu achava que não chegaria até
amanhã, afinal, a noite ainda não acabara. Ele podia já estar com alguém,
ainda mais sofrendo do jeito que estava depois de tudo que eu disse a ele.
Não podia pensar nisso, precisava focar no caso do Franklin, porque
com ele preso, Sebastian sairia da toca e eu o capturaria, então iria atrás de
Jason e diria toda a verdade.
— Conseguimos prender o Franklin com provas suficientes para ele
passar um bom tempo na cadeia? — perguntei, cruzando por um corredor
cheio de agentes. O lugar fora evacuado para a operação. Havia alguns
policiais no quarto de frente ao que eu estava. Com certeza, foi ali que o
velho tarado levou a menina.
— Sim, nós o prendemos — afirmou assim que estávamos perto de
Thomas.
Thomas franziu a testa para mim, me avaliando. Notei que ele sabia
agora que Jason não era qualquer um, ainda mais depois de ter visto sua foto
com Emily no meu PC, e eu ficando com ele. Papy compreendia que eu
jamais aceitaria fazer o sacrifício de ficar com um homem aleatório. Depois
conversaria com ele e Mama.
Quando contei tudo aos meus pais sobre meu passado, não mencionei
Jason, apenas vovó e o filho da puta que dizia ser meu pai. Os dois
aceitaram bem, só ficaram um pouco magoados comigo por não ter revelado
antes a verdade.
Papy tirou sua jaqueta preta e deu para eu vestir. Eu sentia um pouco de
frio, pois minha roupa mostrava todo o meu corpo, e estava sem calcinha,
porque Jason rasgou a minha.
Dennis chegou com Bryan com um imenso sorriso de comedor de
merda.
— Nem comece — rosnei antes que ele pudesse abrir a boca.
Dennis me olhou de lado.
— Eu não disse nada...
— Mas ia. — Mudei de assunto: — Onde o velho está?
— Foi levado só de cueca para a prisão. — Bryan riu com um revirar
de olhos. — Está na sala de interrogatório da polícia local.
Eu ri também.
— Uma visão bem bonita, não acha? Um velho e sua bunda murcha.
Todos gargalharam, até o Thomas, que sacudiu a cabeça.
— Você não existe, agente Tabitta.
— Nosso departamento ficou melhor com você nele, Taby — o agente
Milton me disse. — Quarenta anos no FBI, e só nesses dois últimos passei a
sentir mais ânimo no trabalho, sua disposição é contagiante. Ainda mais para
um velho como eu.
— Você não é velho, apenas enxuto, dá até um caldo grosso. — Sorri
para o senhor de quase sessenta anos, um grande amigo. Acho que se
aposentaria no ano que vem.
Thomas bufou.
— Vamos interrogar Franklin Salazar — Papy falou, seguindo para fora
do clube. — Os agentes Milton e Raul coletaram todas as provas contra ele.
— Onde está a garota? — perguntei, o acompanhando também.
— Peguei sua declaração. — respondeu Milton. — Ele ofereceu um
carro novo, um apartamento e outras coisas para ela.
— Quantos anos ela tem?
— Dezesseis. — Thomas soou seco. — O que farão o pai e a mãe
dessa menina e de mais seis que achamos nos quartos com homens, incluindo
dois políticos? As famílias sempre sofrem pelos filhos. A agente Desiree
está neste momento conversando com os pais delas.
— Espere, seis garotas? — Meu tom saiu um pouco alto, então abaixei
a voz. — Não era só a que estava com ele?
Thomas meneou a cabeça.
— Não, com ela eram sete. Seis vieram aqui porque queriam, mas uma
menina não estava por vontade própria. Agora está sendo examinada, porque
um cara a machucou um pouco com seu jeito sádico e doente.
— Essas meninas são tontas por acreditarem em homens como Franklin
e James. Esses canalhas as machucam e entregam para caras estupradores.
Como podem não ver isso? Como podem querer algo assim? — Tinha
vontade de abrir suas mentes, mas não podia, porque só elas seriam capazes
disso.
Quando saímos da boate, vi Jason dirigindo sua Ferrari cinza. O que me
cortou fundo foi que ele não estava sozinho, havia uma mulher loura ao seu
lado; não deu para vê-la direito. Ele passou devagar, sem tirar os olhos de
mim. Por um breve segundo se ateve no Lincoln. Pareceu querer matá-lo.
Vê-lo com outra mulher foi um soco no estômago, como se ele tivesse
enfiado as mãos em meu coração e o triturado tal qual carne moída.
— Olhe quem já está com outra mulher — comentou Lincoln, encarando
o Jason e a loura.
Meu peito subia e descia com o tormento. Tentei expirar para controlar
a dor que estava me comendo viva. Merecia isso ou coisa pior, se tivesse
coisa pior. A própria morte seria um alívio. Eu o magoei tão profundamente
que chegava a ser criminoso. A extensão da dor que vi em seus olhos era
intensa, me consumia a cada segundo.
Queria mais que tudo neste mundo arrancar sua angústia de uma vez por
todas. Não era justo com ele. A melhor das hipóteses seria se ele me
esquecesse, não? Quase ri disso; se em nove anos ele não me esqueceu, não
seria agora que aconteceria, considerando o que repetimos juntos, que senti
seu cheiro, seu gosto, e ele o meu.
Entendia que Jason fora ferido por minhas palavras duras, mas ele não
poderia ter esperado para pegar outra mulher? Não esfriou nem o que
acabáramos de ter. Como ele pôde fazer isso comigo?
“Maldição! Concentre-se, Tabitta”, pensei, forte.
— Você está bem? — sondou Thomas num tom preocupado, olhando de
Jason para mim.
Respirei fundo, desviando os olhos e cobrindo meu rosto com uma
máscara fria. Não deixaria que notassem meu interesse nele; Sebastian tinha
gente em todos os lugares, inclusive onde eu trabalhava.
— Estou — menti. Tranquei a dor dentro de mim; lidaria com ela
depois, e não agora, com os olhos de todos à minha volta sobre mim.
— Tem certeza? — sussurrou, acho que para os outros não ouvirem.
— Sim, eu tenho.
Jason virou a esquina com sua nova foda.
— Então vamos embora.
Sabia que ele queria retrucar, mas não disse nada. Apostaria que era
por estarmos cercados de gente, e também por estarmos trabalhando.
Capítulo 5
Interrogatório
TABITTA
Entrei na cela onde Franklin, sentado em uma cadeira, estava com as
mãos algemadas nas costas. Os outros seis presos continuavam sendo
interrogados pelos demais agentes. Eu fiquei com o velho, já que tinha de
colocar o nosso plano em ação.
— Você e aquela cadela desgraçada vão pagar por isso — Franklin
sibilou, fuzilando-me com raiva. — Não vou ficar preso por muito tempo.
Anya era a mulher enviada por Dennis, que também estava disfarçada
no clube.
Levantei uma sobrancelha, chegando perto dele, e parei a um passo. O
agente Chris estava atrás dele, hoje era seu último dia trabalhando conosco,
ele estava montando uma empresa de segurança junto com seu primo;
desejava sorte para eles. Agora chegara a minha parte do plano.
— Você não devia ameaçar a filha do seu chefe, ele poderia mandar
matá-lo na cadeia. — Olhei de lado para ele. — Claro que ainda
agradeceria se ele o fizesse, por acabar com a escória fodida que você é.
Acho que ele parou de me ouvir no momento em que mencionei seu
chefe e o fato de ser sua filha... Eu não queria ter o sangue daquele monstro,
mas isso era algo que não poderia mudar.
O maldito olhou ao redor, como se buscasse câmeras, mas nessa sala
não tinha nenhuma, não que ele soubesse: estavam escondidas.
— Qual é a pegadinha? Acha que sou burro para cair na sua conversa?
— zombou. — Você é uma cadela que só está procurando matar sua
coceira... — Sorriu. — Posso dar um jeito em você...
Gargalhei com desdém, fitando Chris, que ainda estava sério, mas vi-o
revirando os olhos.
— Ouviu isso?
Chris riu. Era um cara bonito, apenas não me interessei por ele e nem
por ninguém. Havia apenas um homem de quem gostava dessa forma, o único
que não podia ter.
— Cara, se enxergue, você viu o homem com quem ela estava? Acha
que vai querer um velho como você?
— Nem se eu estivesse bêbada — rosnei, depois voltei aos planos,
pois não pretendia passar a noite olhando para seu rosto asqueroso.
— De qualquer forma, não acredito em você. — Mirou-me com seus
olhos zombadores. — Com certeza está checando para ver se eu falo algo.
Não vou dizer nada.
Caras como ele são muito espertos, contudo, acabara de admitir que o
conhecia. Ele nem sabe disso, mas sua forca estava preparada.
— Acredita mesmo nisso? — Dei um passo para o lado, ainda o
fitando. — Tenho provas que colocariam você na prisão, com direito à pena
de morte...
O filho da puta riu.
— Pena de morte? Estamos em Manhattan, aqui não existe pena de
morte. Além disso, nunca estuprei ninguém, elas estão comigo porque
querem.
— Aí é que você se engana. Foi acusado de estuprar e matar uma
menina de dezessete anos no estado do Texas. Acredita que lá tem pena de
morte? É só mandarmos você para lá.
Seu rosto ficou tão branco que parecia papel, ele sabia que menina era.
Algumas semanas antes, descobri por Bryan, que investigou o caso de
Franklin. A garota era ninguém menos que Pamela Andrew; uma cadela, eu
sei, na escola ela me humilhava muito, mas nunca merecia ter sido morta
como foi.
Entretanto, isso significava que ele esteve lá naquele dia com
Sebastian, somente não na minha casa, porque não me lembrava dele. Pamela
foi morta na mesma noite em um hotel, supunha que fosse depois que ela
deixou o quarto de Dominic, quando fui procurá-lo para pedir sua ajuda para
levar Jason embora. Seu corpo foi encontrado no rio Colorado após alguns
dias, por pessoas que andavam pelo local. Na autópsia, descobriu-se que ela
foi violentada várias vezes. Tinha sinais de luta, ou seja, ela o enfrentou
antes de morrer. A ira se apossou de mim ao saber de tudo isso. Queria
matar eu mesma os homens que faziam esse tipo de coisa, pena que não
podia.
A polícia local tentou descobrir todos esses anos o que aconteceu com
ela, mas só conseguiram quando Bryan, um hacker brilhante, achou uma
gravação do hotel mostrando Franklin e Pamela juntos no corredor, entrando
no quarto dele. Então os proprietários resolveram abrir o jogo: eles foram
ameaçados a não dizer nada, ou sua família sofreria as consequências.
Contaram que ele foi embora sozinho, a garota não saiu junto, então o casal
suspeitou que os caras que estavam com Franklin a levaram pela janela, já
que estava hospedado no térreo. As câmeras comprovaram isso.
Quis esganar o velho por fazer isso com uma garota inocente. E mesmo
se não fosse inocente, ninguém merecia uma morte assim. Felizmente, seus
dias estavam contados.
Não desejava o mal de Pamela, embora não gostasse dela ter ficado
com Jason antes que eu entrasse em sua vida e se tornasse seu mundo inteiro,
como ele disse quando saiu do clube. Não queria pensar no que falou depois,
não, eu não podia aceitar, precisava fazer o necessário para ter o homem que
eu amava.
— Então, o que vai ser, Franklin? Fará um acordo conosco? Eu não
gosto disso tanto quanto você. Caras como você não deveriam estar vivos, e
sim apodrecendo no inferno, que é o seu lugar. Você vai pagar por estuprar e
matar Pamela Andrew, e também por ficar com menores e vendê-las no
mercado negro.
— Você não tem provas disso — retrucou.
A porta se abriu num rompante. Bryan entrou furioso e foi direto no
Franklin, pegando ele e imprensando contra a parede.
— Me diga o que você quer com esta mulher. — Pegou uma foto e
colocou na cara do velho.
Franklin arregalou os olhos para a imagem.
— Onde conseguiu isso? — perguntou, irritado.
Cheguei mais perto dos dois e olhei confusa para o Bryan. Por que ele
interrompeu o meu interrogatório? Não era para o cara estar ali.
— O que foi, Bryan? Que foto é essa?
— Responda, droga, o que você queria fazer para essa garota? Sua foto
estava na parede do seu quarto com um maldito X na cara dela —
esbravejou Bryan, esmurrando-o na parede.
Franklin gemeu com a pancada.
— Por culpa dessa vagabunda o desgraçado do Ryan Donovan me
chantageou para comprar a Editora Luxem, ela era minha — rosnou. — Ele
não tinha o direito.
Bryan riu com desdém.
— Para ser uma empresa de fachada, igual vinha fazendo às escondidas
de Daniel Luxem, o filho do Michael, seu sócio? Você fazia falcatruas
fingindo que levava uma quantia exorbitante de livros em contêineres para
várias cidades, mas, na verdade, carregava garotas para vendê-las no
mercado negro, não é?
Arregalei os olhos. Essa empresa era a mesma em que Angelina
trabalhava? Um frio desceu por minha espinha. Sabia que ela e Ryan eram
namorados, mas não que ele tinha comprado a editora. Será que adquiriu
essa empresa somente para ela trabalhar nela? Se fosse, ele era bem
altruísta.
Peguei a foto da mão do Bryan e ofeguei: ali estava Angelina abraçada
com Ryan, e um X vermelho em cima do rosto dos dois. Ele planejava
alguma vingança?
— O que pretendia fazer com Angelina? — sibilei, querendo matar esse
homem ainda mais.
— Responda agora ou nada de acordo com você — falou Papy,
entrando também na sala.
— Sim, eu usava as embarcações e forjava pedidos de livros, levava as
garotas no lugar para vendê-las, faturei milhões com isso. — Riu.
— Agora não vai faturar mais, já que vai para uma prisão até aguardar
julgamento — disse Papy. — Agente Bryan, solte-o. O interrogatório acabou
por hoje.
— Agente Bryan, solte Franklin agora — mandou seu chefe, pois Bryan
hesitou diante da ordem de Papy.
Bryan suspirou, frustrado, e o largou, ou melhor, o jogou no chão sem
nenhum tipo de simpatia — não que eu não faria o mesmo que ele, claro.
— Quero as localizações dos negócios de Sebastian, onde ficam seus
contatos e seus nomes. Quero tudo, então desembuche — ordenou Thomas.
— Vocês são loucos se acham que podem pegar alguém como ele. Há
infiltrados seus em todos os lugares. Assim que eu assinar esse acordo, serei
um homem morto.
— Daremos proteção a você — assegurou Papy. Pelo seu tom, ele não
parecia gostar disso; ninguém com coração iria querer um homem desses
vivo, não com tudo que ele fez.
O velho riu.
— Ninguém conseguiria me proteger do chefe. Sem chance de eu
entregá-lo, prefiro pegar a pena de morte, pelo menos assim seria rápido. Já
com ele? — Maneou a cabeça de lado, se ajeitando no chão. — A única
coisa que posso dizer é que vai haver uma transportação quinta-feira.
Ele nunca dizia “Sebastian”, dava o seu testemunho sem usar o nome do
meu falso pai diretamente, assim não teríamos mais provas contra ele.
— Transportação de quê? — perguntou Papy.
Franklin levantou as sobrancelhas.
— O que vocês acham?
— Onde? — rosnei.
— Vão ter de descobrir por vocês, não é esta sua função? Têm três dias
para fazer isso, ou aquelas lindas borboletas voarão para seus donos. —
Sorriu e assoviou.
— Elas são seres humanos, seu... Você me dá nojo — falei com repulsa.
Saí da sala antes que eu esganasse o velho asqueroso. Precisava fazer uma
ligação importante.
Não podia contar à Angelina que sua vida corria perigo, mesmo com
Franklin preso. E ela acabara de passar uma barra com seu irmão...
Peguei o celular para ligar para a única pessoa que podia protegê-la.
— Para quem pensa em telefonar? — indagou Bryan, chegando perto de
mim.
Olhei para ele.
— Preciso proteger a garota da foto, eu a conheço, Bryan, somos
amigas. — Levantei a foto da Angie, que ainda segurava. — Eles precisam
de proteção.
— Eu já cuidei disso, não se preocupe — ele me tranquilizou. —
Também sou amigo dos dois, Tabitta. Falei com Lucky, o irmão do Ryan. Ele
tem bastante influência em todos os lugares, irá protegê-los.
— Eu ia ligar para ele, mas já que o fez, obrigada, Bryan — agradeci
— O que Lucky disse?
— Ele não quer preocupar seu irmão, então vai colocar guardas que
vigiem ele e Angelina vinte e quatro horas por dia, até sabermos que eles
não correm mais perigo. Estarão protegidos, Tabitta. — Aproximou-se e
tocou meu ombro, me reconfortando. Eu nem notei, mas estava tremendo.
Conheci Angelina quando estudávamos juntas, alguns anos atrás. Ela
entendia a minha dor porque sentia algo parecido por ter perdido alguém
naquela época. Eu sofria pelo Jason, enquanto ela sofria pelo Caim, o seu
primeiro amor. Ficava alegre por ela ter encontrado uma nova e recíproca
paixão.
Eu já estava de saída da agência quando Bryan me chamou. Achei que
era para mais um interrogatório sobre Franklin.
— Tabitta.
Ele vinha em minha direção. Eu estava na calçada da sede da delegacia
de Manhattan. O prédio era de tijolos vermelhos e forrado nos vidros, não
muito diferente da nossa sede.
— O que foi? Algum problema no caso?
— Não, Dennis e Thomas estão cuidando e montando uma estratégia
para pegarmos o Sebastian, agora que Franklin não está querendo ceder. Mas
não foi por isso que te chamei. — Sacudiu seu celular preto na mão. —
Recebi uma ligação de um amigo meu sobre uma briga de bar...
Eu o cortei.
— Não sei se você sabe, mas brigas de bar são trabalho da polícia, e
não nosso. Meu trabalho é prender gente perigosa como Franklin, e não ir
atrás de alguém que bebeu demais e está causando encrenca.
Ele suspirou, sacudindo a cabeça.
— O cara bêbado que está causando encrenca é o Jason.
Eu arfei.
— Maldição! O que ele tem na cabeça? — rosnei. — Onde fica esse
bar?
— Venha comigo resolver esse problema. — Seguiu em direção à sua
Range Rover.
Chegamos ao bar perto da praia. Era pequeno e meio afastado da
cidade. Eu não entendia o que ele foi fazer em um bar. Bem, eu o machuquei
tanto, vi a dor queimando em seu rosto, então devia ser por isso que ele
estava ali.
Entramos no estabelecimento repleto de cadeiras de madeira
espalhadas pelo pequeno salão. Não tinha muita gente ali, apenas alguns
homens bebendo e outros jogando sinuca.
Jason discutia com um cara barbudo. Havia um senhor no bar, e Bryan
foi conversar com ele. Decertou foi ele que ligou para o Bryan. Cheguei
mais perto do Jason e ouvi sua discussão.
— Você acha que quero sua mulher? — desdenhou, apontando para a
garota do lado do barbudo, uma morena bonita. Meu coração foi atingido ao
pensar que ele já estava com outra. Onde se encontrava a loura? Achei que
estavam juntos.
— Acha que sou burro? Vi vocês dois. — O cara apertou o taco em
suas mãos, como se quisesse bater no Jason com ele.
— Ela veio até mim para pedir um autógrafo. — Sua voz saiu um pouco
arrastada. Estava bêbado, porém, não muito.
— Você acha que não conheço Jason Falcon das colunas sociais, com
mulheres penduradas no pescoço? — rosnou o cara.
— Ele está falando a verdade, Paulo, eu só queria um autógrafo —
disse a mulher.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — perguntei, ficando
entre os dois.
Jason me olhou e sorriu para mim por um momento. Em seguida, virou-
se para Paulo.
— Você já foi enfeitiçado por uma boceta vodu?
O cara franziu o cenho. Olhou para mim e para a arma no meu coldre.
— Vocês são da polícia? — inquiriu a mim e Bryan. — Só estou vendo
a arma, cadê o distintivo?
Peguei no bolso da calça e mostrei para ele.
— Aqui.
— FBI? — praguejou.
Jason me pegou pelo braço e puxou para ele, quase nos fazendo cair.
— Ela me pegou com sua boceta vodu. — Fitou meus olhos. O amor
imenso estava ali, visível. — Meu pau só se levanta quando você está perto.
Ergui uma sobrancelha para ele.
— Sério? Não era o que parecia. Vi você saindo da boate com uma
loura não tem muito tempo — soltei, sarcástica.
Ele franziu o cenho.
— Alexia? Eu não estava fodendo ela e nem ninguém.
Bryan ofegou atrás de mim.
— Alexia estava na boate hoje? — indagou, sufocado, ou foi o que me
pareceu.
Jason olhou para ele.
— Sim, dei carona para ela, já que estava chorando muito e não parecia
bem para dirigir.
— Droga! — xingou e me olhou. — Você segura as pontas aqui?
Preciso esclarecer algumas coisas com ela. Com certeza viu algo que não
aconteceu.
Eu sabia que ele estava com alguém, só isso explicaria o fato dele não
ter dado em cima das garotas e de mim, porque o cara era um maldito deus
grego.
— Deve ter visto você com outra mulher. Estava aos prantos, dizendo
que mentiu para ela e a traiu — Jason falou.
Eu não vi Bryan com ninguém. Nós dois tivemos de ir a um quarto e
ficar bastante tempo lá, para todos pensarem que estávamos fodendo. Mas
isso não aconteceu. Ela devia ter enxergado ou ouvido algo que a fez pensar
que ele estava a traindo comigo. Precisei deixar Bryan sozinho no clube para
ver se eu buscava uma confissão de James, foi quando Jason apareceu e
estragou tudo. Felizmente, agora o filho da puta do James estava preso, já
que foram encontradas várias coisas que envolviam ele com menores em seu
carro.
— Pode ir, Bryan, eu resolvo aqui — garanti, enquanto guardava o meu
distintivo.
Ele assentiu e saiu correndo do bar. Esperava que os dois se
entendessem.
Dirigi-me ao cara e sua mulher:
— Estamos resolvidos ou teremos de ir à delegacia?
— Contanto que ele fique longe da minha garota — rosnou o homem,
furioso.
Jason bufou.
— Eu já disse, meu pau só se levanta por uma mulher. — Sorriu para
mim. — Você.
Revirei os olhos.
— Certo, vamos embora, então. — Peguei seu braço para tirá-lo dali.
Indaguei ao senhor do bar: — Quanto ele deve a você?
O senhor de meia-idade olhou para o Jason, que estava cheirando meu
cabelo. Ele sempre gostou de fazer isso.
— Pode deixar, não é a primeira vez que ele bebe demais no meu bar.
Amanhã ele vem e acerta a conta, não se preocupe.
Eu franzi a testa. Jason ia direto ali para beber? Ele sempre ficava
assim? Isso tudo era minha culpa.
Fui ao bar com Bryan em seu carro, mas ele partira para resolver seus
problemas com Alexia. Esperava um dia também resolver os meus com esse
homem do meu lado, que era a minha vida.
— Cadê a chave do seu carro? — perguntei assim que paramos perto
do seu automóvel.
— Hummm, no meu bolso da frente — respondeu, sem nunca tirar os
olhos de mim. Era como se estivesse com medo de eu desaparecer.
Coloquei minha mão em sua calça e peguei as chaves do carro.
Seguimos para sua mansão na beira do mar, um lugar lindo, eu devo dizer.
Sua casa possuía dois andares, já tinha visto em uma revista de moda.
— Como sabia que eu morava aqui? — sondou assim que estacionei
seu carro na garagem imensa. Havia mais veículos ali, só não reparei nas
marcas.
— Sei tudo sobre você — respondi ao entrarmos em sua sala.
Ele ligou a luz usando um controle remoto. Não sabia como ele achou
no escuro, ainda mais estando bêbado.
A sala era imensa, com paredes marrons, uma cor bem estranha para
um ambiente caseiro. Os móveis também eram marrons e pretos, tanto os
sofás na forma de L quanto a estante embutida na parede. Não havia quadros
ou fotos; a sala era linda, mas parecia sem vida.
— Estranho, porque eu não sei nada sobre você — retrucou, tirando sua
jaqueta e deixando-a no sofá.
— Eu tive um dia longo e não quero discutir, em especial sabendo que
amanhã não vai lembrar nada que conversarmos hoje.
— Vou me lembrar de tudo, não estou tão bêbado assim.
Balancei a cabeça.
— Você tem uma linda casa, embora um pouco triste. Por que cores
escuras?
Ele deu de ombros.
— Dizem que o ambiente em que se vive revela o que você é por
dentro. — Expirou, ao que eu me encolhi. Antes que eu dissesse alguma
coisa, ele continuou: — Por que eu não fui homem suficiente para você?
— O quê?
— Eu não fui suficiente para você...
A dor que se apossou de mim era tão terrível que me deixou sem fôlego
por um momento. Entendia que foi preciso deixá-lo, todavia, não imaginava
que ele pensava que não era homem suficiente para mim. Ele era tudo, todos
esses anos e eu continuava o amando da mesma forma que antes.
— Você sempre foi o bastante para mim, Jason, nunca pense o contrário
— falei a verdade.
— Então por que foi embora aquele dia, me deixando vazio e morto por
dentro?
Expirei e fechei os olhos por um momento, estabilizando minha
respiração e a dor que me consumia.
— Me diga o que houve, borboleta? — pediu, tocando meu rosto e o
esquadrinhando.
Seu toque era quente e abrasador na minha pele. Abri os olhos meio
úmidos, encarando-o ali tão perto de mim.
— Não posso...
— Por quê? — Seus dedos seguiam por meu rosto e lábios.
Ele parecia não saber o que seu toque fazia com meu corpo. Eu me
afastei.
— Eu tenho que ir embora. — Ficaria em um hotel nas proximidades.
Era para ir à casa do Papy no Brooklyn, mas já era quase duas da
madrugada, então continuaria por aquela vizinhança mesmo.
Ele me segurou antes que eu saísse e me puxou para si.
— Tudo bem, não vou perguntar mais nada, ok? Apenas não vá embora
hoje. — Seu tom era suplicante, e sua voz linda tremeu.
Fitei seus olhos. Estava com medo de eu ir embora e deixá-lo de novo;
parecia quebrado. Eu quebrei esse homem no momento em que o abandonei,
e ele nunca se recuperou. Por isso precisava concluir minha missão e trazer
luz ao cara na minha frente.
— Certo. — Peguei sua mão e levei para a escada.
— Obrigado. — Aparentava estar um pouco mais feliz.
— Onde é o seu quarto?
— Na segunda porta à direita.
Deparei-me com um recinto branco; bom, ao menos ele não era marrom
ou preto, igual ao resto da casa. A cama era king size, com lençóis claros.
Na parede à direita estava uma TV enorme, e, na esquerda, uma imensa
janela de vidro. Não tinha muita coisa lá, como quadros e outros enfeites.
Meu coração doeu pela culpa ser minha por ele estar assim.
Soltei suas mãos, sentei na cama, e tirei minha camiseta e jaqueta preta.
Depois, as botas escuras, a faca no meu tornozelo, o coldre com a arma e a
calça.
— Nunca pensei que veria você com uma arma um dia.
Virei para cima e notei que ele estava me olhando com um esboço de
um sorriso. Gostei de ver esse sorriso verdadeiro em seu rosto. Fazia muito
tempo que não o enxergava deste modo.
— Eu também não. — Retribuí o gesto.
— Já atirou em alguém com ela? — sondou.
— Já, mas não matei ninguém ainda, espero que nunca precise. —
Estremeci. Eu era uma boa atiradora, mas sempre mirava em pernas e mãos,
nunca em um órgão vital. Orava para que jamais viesse a precisar.
Ele olhou meu corpo tão logo tirei a minha calcinha e o meu sutiã. Seus
olhos eram quentes.
— Você não cora mais. Sempre que eu encarava seu corpo, seu rosto
ficava vermelho — observou.
Revirei os olhos e fui para o banheiro.
— As coisas mudam.
— Algumas mais que as outras — disse, me seguindo. Seu tom foi de
crítica. Falou antes que eu pudesse retrucar: — Você é tão linda! —
sussurrou, quase abobado. — Sempre foi como o sol.
Eu me virei já debaixo do chuveiro, com a água quente a escorrer, e
olhei para ele todo nu, com sua beleza dura exposta. Seus músculos estavam
cobertos por tatuagens. Eu o puxei para mim e o beijei, querendo mostrar
tudo que não podia dizer em voz alta. Apertei meu corpo contra o dele,
saboreando as sensações lindas e maravilhosas. Seus braços agarravam
minha cintura com força.
Logo em seguida, ele estava dentro de mim. Coloquei minhas pernas à
sua volta, enquanto ele me imprensava contra a parede e me penetrava com
seu pau.
Gemi, sentindo seu membro gostoso. Cada estocada me levava mais
perto do prazer. Esperava que ele não caísse e me levasse, já que está meio
bêbado.
Seus lábios tomaram meu pescoço e minha orelha, mordiscando-os e os
lambendo. Gritei, escorando a cabeça na parede. Queria apenas que esse
homem matasse o desejo e a fome que sentia por ele. Cada estocada me
levava ao limite, à porta do meu orgasmo.
Ele afastou o rosto do meu e fitou meus olhos com luxúria, amor e
adoração.
— Eu te amo, borboleta, sempre amei e sempre vou amar — declarou
com fervor.
Meu coração rachou com essa manifestação. Uma parte de mim ficou
feliz em ouvir isso. Desejava que nossa história fosse real, igual foi um dia.
Era o que me dava mais forças para lutar e viver neste mundo sem ele,
sabendo que no futuro ficaríamos juntos. Eu não respondi, apenas beijei sua
boca e chupei sua língua, desfrutando de seu gosto delicioso.
Apertei sua cabeça contra mim, querendo mais, querendo colocá-lo
dentro mim. Urrei em sua boca assim que meu orgasmo bateu, tão forte como
um raio. Depois de um segundo, seu corpo tremeu. Gozou dizendo “eu te
amo” de novo. Ele me beijou e escorou sua testa na minha, sem nunca tirar
os seus olhos brilhantes dos meus olhos bêbados por ele.
— Não me afaste de novo, por favor. — Meu coração sangrou com
isso. Não podia ficar próxima dele, mesmo desejando isso com a minha
vida. Talvez se mantivéssemos nossa relação em segredo? Esperava que
funcionasse.
Soltei minhas pernas à sua volta e me afastei, pegando a bucha de banho
para ensaboá-lo. Não respondi.
— Por que não responde quando falo com você? — Seu tom era
quebradiço como vidro.
Observei seus olhos atormentados.
— Porque não devo prometer o que não posso cumprir. — Minha
garganta se arranhou.
— Por que não? Sinto que me ama também, vejo através dos seus
beijos, do seu toque e do seu olhar. — Acariciava meu rosto ao dizer isso.
Eu expirei.
— As coisas são complicadas. Se quiser que eu fique aqui, não faça
perguntas hoje, ok? — pedi, quase suplicante.
Ele assentiu, mordendo os lábios. A minha falta de respostas às suas
perguntas o machucava. Isso era pior do que tudo.
Passei a bucha em sua pele cheia de tatuagens. Ele tinha um falcão nas
costas, e asas de falcão nos braços. Ensaboei o local onde deveria estar a
tatuagem de borboleta que fizemos juntos, simbolizando nosso amor.
Rachei, não consegui mais segurar a dor que estava me sufocando
quando vi que ele removeu nossa tatuagem. Se ele a apagou, era porque não
queria mais sentir nada por mim. Se não tivesse minha filha, teria
desmoronado de vez. Vendo o lugar coberto com outro pássaro, eu me
afundei.
Deixei-me cair no chão do banheiro e chorei em demasia, me
quebrando na sua frente. Ele agachou, me puxou para o seu colo e desligou a
água. Suspendeu-me do chão em seus braços e me levou para o quarto, me
secando e me depositando na cama. Deitou ao meu lado, me puxando para
junto de si.
— Eu tive que tirá-la... A dor era demais quando a via em meu peito...
Por não saber o motivo pelo qual me deixou. Pensar que não fui homem
suficiente para você, que não fui o bastante, que talvez fiz algo para merecer.
Meus olhos estavam molhados.
— Você não fez nada de errado, Jason, sempre foi maravilhoso. Eu não
queria ter ido embora aquele dia. — Toquei seu rosto com barba por fazer,
em choque com o que eu disse. — Foi preciso.
— Por quê? — Ele limpava as lágrimas da minha face. — Eu não
entendo...
— Não precisa entender. Só saiba que fiz tudo isso por você. — Minha
voz falhou.
— Por mim? — Seu tom saiu alto no quarto. — Que droga isso quer
dizer?
— Eu tive de ir embora, não podia colocar sua vida em perigo...
— Borboleta...
Eu o beijei, impedindo-o de falar.
— Se amanhã você se lembrar do que conversamos hoje, eu contarei
tudo — disse a verdade. Esperava que ele se lembrasse, assim eu tiraria
esse fardo de cima dos meus ombros. Aninhei-me em seus braços. — Vamos
dormir agora.
— Eu vou me lembrar de tudo — prometeu.
Capítulo 6
Tiroteio
TABITTA
Acordei cedo e olhei ao redor no quarto branco. Senti um corpo ao meu
lado, virei e ali estava ele. O homem com o qual eu sonhava dia e noite. Seu
corpo musculoso despido, sua pele macia que tanto amava. Alisei seu peito,
seu rosto e sua boca.
Ele pegou minha mão. Ao se dar conta, fugiu tão rápido que logo estava
fora da cama, longe de mim.
— Não me toque — gemeu, colocando as mãos na cabeça devido à
ressaca. Seu cérebro parecia estar dando voltas como um redemoinho.
Deixá-lo uma vez antes foi insuportável; beber era a única forma que
achei de aliviar a dor. Se eu não tivesse Emily, não sabia o que teria
acontecido comigo. Provavelmente não estaria aqui agora. Por isso tinha
certeza de que Deus e esse homem me deram ela para passar por tudo.
— O quê? — Doeu perceber que ele não queria o meu toque.
Ele me olhou com o cenho franzido.
— Tabitta? O que faz aqui?
Gelei. Então ele não se lembrava do que tivemos na noite anterior? O
pior: ele pensou que eu fosse uma de suas vagabundas com quem transa e
esquece no dia seguinte. Doeu tanto, como se ele enfiasse as mãos em meu
peito e esmagasse o meu coração.
Não disse nada, apenas vesti minhas roupas e guardei minha arma na
cintura e minha faca na joelheira, calçando as botas.
— Responda, droga! — gritou, ao que gemeu pela ressaca.
Fuzilei-o enquanto colocava minha jaqueta de couro.
— Você não se lembra de nada mesmo?
Ele estreitou os olhos com o ressentimento na minha voz.
— Do que eu deveria me lembrar? Me diga. — Veio em minha direção.
Eu sacudi a cabeça.
— Esqueça, se você não se lembra, é porque não era importante. — Saí
do quarto, desejando ir embora dali e deixar a dor me consumir; ela estava
me esmagando por dentro.
— Tabitta, espere — gritou, indo atrás de mim. Deve ter notado que
estava sem roupas, porque o ouvi praguejar.
Ignorei-o e desci a escada correndo. Abri a porta num rompante e ali
estava uma loura, mas não a de ontem à noite. Essa tinha cabelos louros
platinados e olhos castanho-claros. Reconheci a modelo Rayla Donovan,
irmã do Ryan e Lucky.
Precisava ir embora antes que acabasse matando alguém.
— Quem é você? — perguntou ela na varanda. Passei sem responder.
— Tabitta... — gritou Jason.
— Jason, pensei que não trouxesse mulheres para sua casa — comentou
Rayla num tom confuso.
Isso me pegou de surpresa. Ele não levava garotas para sua casa?
“Talvez tenha ficado comigo só porque estava bêbado demais”, pensei,
irritada.
— Tabitta, quer esperar? — rosnou à meia-voz. — Como consegue
correr com esses saltos?
— Para quê? Vai me chamar para fazer um maldito ménage com você
dois? — Ele me pegou pela cintura. Eu podia lutar, mas jamais o
machucaria, e, com certeza, perderia.
— Fique calma e me conte a verdade, preciso ouvi-la dizer.
Expirei, me controlando, e me virei ainda em seus braços para enxergar
seus olhos.
— O que você quer que eu diga, Jason? Que eu abri a porra do meu
coração para você ontem, e hoje você não se lembra de nada do que houve
com a gente? — Suspirei. — Mas talvez seja bom.
— Você se abriu comigo? Por que não esperou até eu estar sóbrio? —
Seus olhos estavam grandes.
Eu ri, amarga.
— Você disse que se lembraria de tudo quando acordasse hoje, não
achei que estivesse tão bêbado. Me enganei, não é?
Ele colocou as mãos na cabeça.
— Não consigo me lembrar de nada, me diga o que houve!
— Não...
— Como não? — cortou.
— Talvez seja melhor assim. — Eu me afastei dele. Estávamos na
frente da sua casa.
— Melhor para quem? — censurou. — Para você vir até mim e depois
dizer que o que tivemos na boate não significou nada?
— Eu já disse o quanto significou. Mas você não se lembra, não é? Só
vamos esquecer isso, ok?
— Oh, porra nenhuma! — sibilou. — Eu preciso saber o que aconteceu.
— Então trate de lembrar, porque eu não direi nada. Não me procure
até recordar.
— Maldição, Tabitta, e se eu não lembrar nunca?
— Continue fazendo o que fazia antes, garanto que mulheres não
faltarão.
Ele seguiu meu olhar para a garota que estava na varanda nos fitando
com curiosidade. Depois, me encarou de olhos arregalados. Eu pensei que
ela namorasse aquele cara tatuado que vi no hospital quando fui visitar
Shane; talvez tenham terminado.
— Rayla? Ela é namorada de um amigo meu. Eu não tenho e nunca tive
nada com ela. — Voltou-se para mim. — Você é a única mulher que eu quero,
Tabitta.
Ele me puxou para seus braços e me beijou; isto é, a palavra certa seria
me consumiu. Foi então que ouvi pneus derrapando e me afastei dele,
olhando para o portão. Ofeguei ao enxergar um carro abrindo as portas; meu
instinto foi protegê-lo ainda mais quando eu vi suas armas.
— Corra para dentro da casa — ordenei, pegando sua mão e o
conduzindo.
— O que... — Parou de falar ao escutar os tiros por todos os lados.
Rayla começou a gritar e entrou na mansão, assim como Jason e eu.
— Abaixem-se! — berrei aos dois. Eles fizeram o que mandei,
escondendo-se atrás de um móvel. Balas voavam e quebravam os vidros.
— Oh, Deus! Eles vão nos matar — chorou Rayla, assustada. — Eu
nem tive a chance de dizer ao Alex que estou grávida.
Ela alisava sua barriga, amedrontada. Eu já estive com esta sensação
uma vez. Cheguei perto dela e toquei suas mãos.
— Não vai acontecer nada com você, tudo bem? — prometi. Eu me
levantei, peguei minha arma e a destravei. Olhei para o Jason. — Fique com
ela, eu vou cuidar deles. Chame ajuda.
Ele pegou meu braço.
— O que vai fazer, ficou louca? Espere a polícia chegar.
Eu ri.
— Eu sou policial, se esqueceu? Já enfrentei coisa pior que um bando
de atiradores. Não a deixe sozinha. — Saí correndo na direção da garagem
antes que ele dissesse alguma coisa. De lá, teria uma visão melhor dos caras.
Precisava saber quem eram esses homens, se estavam ali atrás de mim
ou de Jason. Um frio desceu por meu corpo: e se o Sebastian descobriu
sobre eu e Jason? Foi por isso que mandou homens atrás dele? Se o matasse,
também acabaria comigo. Maldito desgraçado. Eu teria que deixar Jason de
novo, não ficaria ao seu lado com sua vida correndo perigo.
Cheguei à garagem e mirei em um dos homens. Eram pelo menos três,
dois atirando e um no carro.
Comecei a atirar e acertei um homem na perna. Logo o outro estava
mirando em mim, atingindo a parede ao meu lado. Senti alguém ao meu redor
e apontei a arma na cara do Jason. Meu coração gelou.
— Droga, Jason, o que faz aqui? Eu poderia ter atirado em você. —
Estremeci. Empurrei ele para o canto. — Era para você ter ficado com a
Rayla, e não vir atrás de mim.
Ele suspirou.
— Ela está segura lá em cima. Eu não podia continuar escondido e
deixar você enfrentando esses bandidos sozinha.
— Sou treinada para isso. — Saí da parede e mirei no carro, atirando
nos homens.
— Tabitta, sua cadela, eu sei que está aí, seu pai manda lembranças —
gritou um dos caras, e depois seguiram-se tiros atrás de tiros, com certeza de
uma metralhadora. Como o portão estava aberto, alguns pegaram nos carros
de Jason.
Jason sibilou com punhos cerrados, não por seus carros alvejados junto
com sua casa, e sim por eles terem me xingado.
— Fique calmo, não entre na dele. Já fui xingada por nomes piores, não
ligue — pedi, apertando a minha mão na arma. — Diga ao Sebastian para
sair da toca e me encarar como o homem que ele nunca foi. Senão, juro que
seu império no crime vai cair. E com vocês junto, seus paus-mandados.
— Ele quer você longe dos seus negócios. Se não o fizer, acabaremos
com todos que ama, inclusive esse lutador de araque por quem é apaixonada.
— Riu. — Adorarei fazer isso.
— Eu vou protegê-lo de escórias como você e o bandido do Sebastian.
Franklin foi só o começo, acabarei com tudo dele, pode dar o recado.
— Pai? Sebastian? — indagou Jason, estreitando os olhos. — Se ele é
seu pai, por que quer matá-la?
— Não, ele quer matar você e me levar com ele, mas isso não vai
acontecer. — Atirei novamente, acertando no ombro de um.
— Vou matar você, sua puta — rugiu o cara atingido.
— Sério? Deixe eu te dizer uma coisa, seu filho da mãe. — Estava a
uns dez metros deles, a parede grossa nos separava. — A polícia está a
caminho, vou amar enfiar seu traseiro na cela de uma prisão.
Ele riu.
— Ninguém está vindo, eu interceptei a frequência da polícia e disse
que era engano. Não é maravilhoso? A casa está cercada, não tem para onde
fugir.
Ouvi mais carros parando do lado de fora. Então a ajuda veio? Eram
seus capangas, como ele acabara de informar. Olhei para o Jason.
— Precisamos sair daqui. Onde está Rayla?
— No andar de cima. Eu tenho um quarto protegido onde guardo meus
pertences valiosos, com porta de aço e chumbo, como as de cofres de
bancos.
— Vamos para lá, então. — Corremos em direção à escada.
— Renda-se, Tabitta, suas munições estão acabando, e a ajuda não virá.
Quando a pegarmos, revezaremos com você. Vamos ver se é tão boa na cama
quanto sua boca atrevida sugere.
Eu o ignorei, mas Jason se retraiu ao ouvir essa ameaça. Puxei-o,
relevando sua raiva. Chegamos ao final do corredor, diante da porta grossa.
Ele digitou a senha, e entramos.
Quando ele disse que tinha coisas valiosas, pensei que fossem joias,
quadros e dinheiro, nunca o que estava à minha frente.
Em uma parede havia algumas armas nove milímetros e outras, além de
uma rede de computadores de primeira geração. Reconheci as câmeras na
cidade de Austin, várias delas, em cada canto das ruas. Arregalei os olhos e
o fitei, enquanto ele acabava de fechar a porta.
— O que é tudo isso?
— Oh, graças a Deus, vocês estão bem — disse Rayla, aproximando-
se. — Por que a polícia está demorando tanto? Liguei para eles e me
disseram que logo chegariam.
— Vamos dar um jeito de sair daqui. — Eu esperava mesmo que
pudéssemos fugir, já que a polícia não estava vindo. Olhei para o Jason, que
me fitava. — Sabia que você não pode ter tantas armas assim? Se a polícia
entrar aqui, vão pensar que está contrabandeando. E essas câmeras? Por que
está vigiando Austin?
Ele não respondeu, apenas foi no computador, colocou a imagens dos
homens lá fora na tela e ativou o leitor facial. Logo tínhamos os nomes dos
bandidos.
— Victor Cortesia. — Apontou para o homem moreno. — Acusado de
tráfico humano, roubo, estupro e assassinato.
— Ele está lista de procurados do FBI — comentei. Fiz toda uma
pesquisa dos capangas do Sebastian procurados pela justiça. Sabíamos que
sua fortaleza ficava no México, tão protegida e armada quanto Fort Knox. Se
fôssemos fazer uma emboscada lá, teríamos grandes perdas, ainda mais pela
quantidade de armas e homens de que dispunham. Por isso queríamos que ele
saísse da toca e cometesse os crimes ele mesmo, sem que alguém levasse a
culpa. Mas estava difícil de fazer isso. — Vai me dizer para que tudo isso,
Jason? As armas, a espionagem em Austin e estes computadores?
Ele suspirou e me olhou de lado.
— Responderá às minhas perguntas?
— Justo. — Olhei pela janela de vidro coberta com uma cortina escura.
— A janela é a prova de balas — afirmou Jason.
Eu assenti, precisava tirar todos dali. Avistei um fuzil M16. Era isso ou
nada. Não deixaria esses criminosos impunes.
Quando fui pegar sua arma, Jason perguntou:
— O que fará com ela?
— Eu vou para o telhado atirar neles. Pegue Rayla e fuja daqui,
cobrirei vocês. Use meu telefone para entrar em contato com um cara
chamado Thomas e diga o que está acontecendo. Ele vai mandar os homens
certos, que não estão na folha de pagamento de Sebastian.
— Oh, porra, se eu vou deixar você aqui... Não ouviu o que eu falei
desses homens? Eles são estupradores e assassinos da pior espécie, sem
chance de eu largar você sozinha.
— Eu não tenho escolha, eles vão nos cercar e destruir sua casa...
— Acha que eu me importo com a porra da casa? Não ligo para isso, eu
me importo com você, então se você for para o telhado, eu vou junto.
— Droga, Jason, por que não faz o que peço pelo menos uma vez?
— Porque eles podem matá-la, não vê isso? Ou fazer coisa pior, como
o cara lá fora disse agora há pouco. Não venha dizer para eu ficar e esperar,
porque isso não vai acontecer.
Sabia que ele não mudaria de ideia, sempre foi cabeça dura. Amava
isso nele. Peguei o meu celular e liguei para o Papy, ele nos ajudaria.
Garantiu que os policiais viriam em alguns minutos.
Sentei em uma cadeira assim que desliguei o celular. Jason se
encontrava de pé à minha frente, depois sentou em um sofá perto da Rayla.
— A polícia logo chegará — disse a eles. — Você deve esconder essas
armas ou eles vão prendê-lo.
— Tenho porte para cada uma delas, então estou bem com isso.
Ficamos em silêncio. Pelo menos o tiroteio acabara. Acho que eles não
queriam chamar tanto a atenção, mas não significava que desistiram; deviam
estar se aproximando em silêncio. Esperava que a ajuda chegasse rápido.
— Desde quando conhece Jason? — perguntou Rayla a mim.
— Em março vai fazer dez anos, estudávamos juntos na escola em
Austin quando eu tinha dezessete — respondi. — Três meses depois,
começamos a namorar.
— Quanto tempo vocês ficaram juntos? Desculpe perguntar isso, mas
parece que ainda se amam. — Olhou de um para o outro.
Expirei, conferindo os homens lá fora através das câmeras. Parecia que
montariam guarda. Alguns começaram a entrar na casa. Contei oito caras.
— Um ano. — A dor forte me impediu de respirar por um segundo.
— Posso perguntar por que se separaram, sendo que ainda se amam?
Respirei fundo, mas foi ele quem respondeu.
— Ela foi embora — gemeu, baixando a cabeça.
— Jason... Eu sinto muito — murmurei.
Levantou os olhos para mim.
— Eu só queria entender por que me deixou. — Seu tom era um
sussurro de dor. — Não me venha com essa história de que me disse ontem.
— Acrescentou assim que eu abri a boca.
— Fui embora para protegê-lo, Jason. Se eu não tivesse partido, hoje
você não seria o que é...
— Acha que eu prefiro a fama a você? Daria tudo que tenho para tê-la
de volta, minha herança e meus bens, até a porra da minha alma!
Engoli em seco.
— Não precisa dar nada. De qualquer forma, não importa mais, ele
sabe que você existe e o quanto é importante para mim.
— Do que está falando?
— Sebastian, o meu pai. Ele vai querer usar você contra mim para me
atrair. Por isso, de agora em diante, você terá que andar com os seguranças
que vou arranjar.
— Oh, caralho se vou, não preciso de nenhum segurança — rosnou com
os punhos cerrados. — Sou lutador, esqueceu?
Levantei as sobrancelhas.
— Até onde eu sei, lutador não pode contra balas, não é? E mesmo
você possuindo porte de armas, não pode andar armado e atirar por aí; já um
segurança profissional, sim, se for preciso.
— Não vou ficar com segurança algum. — Foi firme.
Suspirei, esfregando a testa.
— Se não aceitar proteção, eu não vou poder ficar do seu lado, vou ter
de ir embora, só assim estará seguro. Por favor, me deixe terminar — falei,
porque ele já ia abrindo a boca. Vi a dor em seus olhos ao me imaginar
partindo. — Ou pode aceitar os seguranças que eu conseguir, e me ter por
perto.
O brilho que adentrou seus olhos foi tremendo, mais que o sol de verão.
A felicidade me tomou com tanta força que achei que logo gritaria, embora
continuasse preocupada com o que podia acontecer com ele e Emily, e
também meus pais e amigos. Torcia para o plano de Dennis e Thomas
funcionar, pois estava cansada de me esconder e ficar longe do homem que
amava.
— Quer dizer que você não vai embora, não vai me afastar mais? —
Levantou-se, me puxou para seus braços fortes e me beijou.
Quase esqueci que tínhamos companhia e estávamos cercados por
bandidos perigosos e armados. Afastei-me dele, fitando seus olhos
brilhantes e seu sorriso.
— Não, de qualquer forma, ele sabe sobre você. — Meu celular tocou.
Era Emily.
— Quem é Emily? — sondou.
Distanciei-me, não querendo ter essa conversa. Contaria sobre Emily,
mas não agora, conosco presos e com bandidos lá fora nos cercando.
Chequei as câmeras de dentro da casa, eles já estavam chegando ao corredor
quando ouvi as sirenes, trocas de tiros lá fora e carros saindo em alta
velocidade.
Escutei os bandidos praguejarem e fugirem. Oh, isso não aconteceria.
Eu fui para a porta. Jason pegou meu braço.
— O que vai fazer?
— Eles estão escapando, preciso pegá-los — respondi. — Pode abrir a
porta?
Ele não quis, a princípio, mas logo abriu. Eu não tinha tempo a perder,
não podia ficar esperando e deixá-los fugirem. Observei o corredor vazio.
— Os policiais estão aqui para fazer isso — respondeu com uma
pontada de medo em sua voz.
Virei e olhei para ele.
— Jason, eu sou uma agente, este é o meu trabalho. Preciso pegar o que
está correndo pelos fundos — falei, segurando minha arma e saindo antes
dele dizer algo.
Diego Sales estava fugindo pela janela do quarto do Jason. Eu corri
atrás dele e apontei a arma antes dele pular:
— Parado ou eu vou atirar — ordenei.
Ele estacou e se virou para mim com um sorriso e a arma apontada na
minha direção.
— Abaixe a arma e coloque as mãos para cima.
Ele sacudiu a cabeça.
— Você sabe que não vou fazer isso. Atire em mim, e eu em você, e nós
dois morreremos, o que acha? — disse sem nenhum medo. — Eu sou mais
experiente. Já matou antes? Aposto que não.
Eu já fiquei com uma arma apontada para mim no passado, e sempre
que isso acontecia, meu corpo gelava e minha pele suava, mas nunca deixava
transparecer, pois assim o inimigo ganharia.
— Então temos um problema, não é? Porque eu também não vou baixar
a arma. Renda-se antes que eu atire em você. Garanto que minha pontaria é
boa. — Não queria matá-lo, mas não tinha opção. Estava a ponto de puxar o
gatilho quando um tiro acertou seu ombro, fazendo sua arma cair no chão.
Olhei para trás dele: Lincoln estava ali, na varanda, e foi prender o
cara.
— Você está preso. Qualquer coisa que disser poderá ser usada contra
você no tribunal...
Um policial veio e levou Diego embora. Antes dele passar por mim,
ameaçou:
— Isso ainda não acabou.
— Tire esse cara daqui antes que arranque sua cabeça — rosnei.
— Tabitta, você está bem? — sondou Lincoln, vindo até mim. Não deu
tempo de responder, pois ouvi o grito dolorido do Jason.
— Taby! — Ele apareceu na porta e me olhou dos pés à cabeça, depois
correu até mim e me abraçou. — Você está bem?
Abracei-o, sentindo seu aroma que tanto amava.
— Estou, Jason — tranquilizei-o, beijando sua boca e esquecendo de
todos ao meu redor. Para mim, a Terra desapareceu.
Eu parei ao ouvir um pigarrear distinto, sabia que era o Papy. Mas
fiquei abraçada com ele, não queria me distanciar nem por um segundo.
Vi preocupação na face do Papy. Ele correu até mim e me abraçou, me
tirando um pouco dos braços do Jason.
— Está bem, querida?
— Estou, Thomas, não se preocupe.
Ele sorriu para mim, depois encarou Jason com seriedade.
— Jason, este é Thomas, meu chefe e meu pai adotivo.
— Prazer em conhecer o senhor — Jason disse, apertando a mão do
Papy.
— Há um quarto cheio armas no corredor — um policial recém-
chegado informou.
— Ora, ora, será que vamos ter de prender o famoso Jason Falcon por
posse ilegal de armas? — cacarejou Lincoln, sorrindo para o Jason. Ele
adoraria que isso acontecesse.
Jason fechou a cara para ele. Isso me lembrou do olhar que lançou ao
Lincoln na boate. Será que ele pensava que tive algo com meu colega?
— Você não vai ter essa fama às minhas custas — rosnou e dirigiu-se
para o Papy: — Tenho posse de todas elas. Sou colecionador de armas e
motos, podem ver as duzentas motos que tenho no casarão ao lado.
Arregalei os olhos com esse fato. Duzentas motos? Oh, eu adoraria vê-
las, era apaixonada por elas também. Andava mais de moto, só usava carros
quando saía com Emily.
Alguns policiais ofegaram, inclusive Papy. Já o Lincoln fechou a cara.
— Com certeza quero ver as provas.
— Isso não é sua função, e sim tomar o depoimento de Diego Sales e
descobrir para onde Victor Cortesia foi. Os policiais vão cuidar disso —
ordenou Papy.
A polícia pegou nossos depoimentos, de Jason, Rayla e meu. Diego foi
levado para interrogatório; após, seria conduzido à prisão.
— Você está bem? — perguntei à Rayla depois que demos nosso
depoimento. — Não quer um médico? Afinal, passou por um grande susto
hoje.
— Estou bem, o Alex já está a caminho. — Ela me abraçou por um
segundo, mas logo depois um cara chamou seu nome.
— Rayla!
Eu me afastei e vi o mesmo cara musculoso e cheio de piercings e
tatuagens que enxergara no hospital. Ele se aproximou dela e a abraçou forte.
Este devia ser o Alex, seu namorado.
Deixei o Jason em sua casa com dois policiais de guarda e liguei para o
Bryan. Ele conseguiria alguns guarda-costas profissionais para tomar conta
da segurança de Jason. Eu ficaria mais aliviada com isso. Gostaria de fazer
eu mesma, porém, precisava trabalhar para colocar Sebastian na cadeia de
uma vez.
Capítulo 7
Proteção
JASON
Estava grilado por ter esquecido a noite de ontem, por não me lembrar
de nada do que ela disse. Como esqueci algo tão importante? Algo que
estava querendo ouvir por anos? E por que ela não esperou eu estar sóbrio
para me dizer a verdade?
Sentia raiva por aqueles homens terem atirado em nós, aliás, nela. Taby
disse que eles estavam me querendo, mas não acreditava nisso, não depois
de dizerem o que fariam com ela se a pegassem. Por que ela não foi arrumar
uma profissão menos arriscada? Maldição! Se todas as vezes que sai para
trabalhar Tabitta enfrenta homens perigosos assim, eu ficarei louco da
cabeça.
Já lutei com vários caras fortes e bons em um ringue, mas nunca senti
medo. Ouvindo o que aqueles bandidos diziam que iam fazer com ela, eu me
enfureci, querendo matar todos. Graças a Deus foram presos, menos um,
Victor Cortesia, o pior deles. Ela sim devia andar com guarda-costas, e não
eu.
Tabitta saíra há alguns minutos, mas deixou dois policiais comigo. Eu
não queria a proteção de ninguém, contudo, a garota disse que se eu não
aceitasse, ela iria embora. Eu não podia deixar isso acontecer.
Nem acreditava que a tinha de volta na minha vida. Gostaria de saber
mais sobre o que houve aquele dia. Ela disse que fez para me proteger, mas
do quê? E de quem? Seria do seu pai bandido? Eram muitas perguntas, e
nada de respostas. Queria insistir para me dizer, mas tinha medo de que, se a
pressionasse, ela se afastaria.
— Fiquei aliviado e feliz por estarem bem — disse Lucky. — Quase
tive um ataque do coração ao saber do que houve aqui. Eu vim direto da
empresa para cá, não disse nada à Rosa Vermelha, não queria preocupá-la.
Lucky, Jordan e eu estávamos sentados na mesa da cozinha, o único
móvel que não foi alvejado.
— Fez bem, mas acredito que logo ela saberá, já que os jornalistas
estão em todos os lugares feito um bando de abutres. — O meu agente estava
cuidando dos repórteres em volta da casa, e de alguns fãs preocupados
comigo. Luís garantiu para todos que eu estava bem. Falei para ele deixar
Tabitta fora disso, afinal, não queria as câmeras na cara dela. Esses
bandidos podiam usar isso e machucá-la. Tremia só de pensar.
Rayla e Alex conversavam entre si lá na sala de estar. Assim que eu
liguei para o Lucky e contei o que houve, veio correndo para cá, preocupado
conosco. Amigos assim são verdadeiros, como o Dom também era. Eles são
mais que amigos: são a família que nunca tive.
Contei aos dois o que aconteceu no clube ontem, ou melhor, nessa
madrugada, porque já era tarde àquela hora, sobre os tiroteios, e também a
respeito de Tabitta, que me trouxe bêbado para casa.
— Essa Tabitta é aquela que Angelina mencionou, a policial? —
Estreitou os olhos, me avaliando. — Por que nunca me disse sobre ela antes?
Sou seu melhor amigo.
Eu me encolhi com sua acusação. Ele estava certo, deveria ter contado
há anos tudo o que houve comigo, mas não podia na época, a dor cortava
fundo. Como diria a eles que a única mulher que amei na vida e amava até
hoje me deixou por eu não ser homem suficiente para ela? Era isto o que eu
pensava antes de descobrir o seu amor por mim. Machucava falar sobre esse
assunto.
— Deveria ter contado, sim, sinto muito por esconder isso de vocês —
sussurrei. — Doía demais mencioná-la.
Ele assentiu.
— Bem que eu percebi que tinha algo de errado com você, seus olhos
demonstravam um sofrimento cuja origem eu desconhecia. Nunca perguntei o
motivo da dor visível em seu rosto, porque sabia que no dia em que
estivesse pronto, você me diria; não só a mim, mas também para todos
aqueles que o amam. — Ele expirou — Às vezes dói falar e lembrar, sei
disso, já que vivi algo parecido toda a minha vida.
Jordan concordou e falou, bebendo seu whisky, embora fosse cedo:
— Sim, cara, somos mais que amigos, somos irmãos. Mas estou
curioso: quando conheceu esta mulher? Parece que não foi agora, e sim há
muito tempo. Vejo essa dor em seus olhos desde Harvard, quando nos
conhecemos.
— Na escola onde estudava, em Austin, a vi pela primeira vez. Logo
sua doçura e pureza me conquistaram. Ela era meiga, e agora está diferente,
impulsiva e com garras, como uma tigresa. Gosto dela assim também. —
Passei as mãos no cabelo. Era verdade: não importava o que ela se tornara,
eu a queria com a mesma intensidade.
— Se a ama tanto, por que a deixou antes? — sondou Lucky, confuso.
Eu expirei.
— Não fui eu quem a abandonou. Ela foi embora...
— Eu não entendo — sussurrou Jordan. — Então ela é uma...
Olhei para ele com o rosto duro.
— É melhor nem terminar — cortei-o. — Ela teve seus motivos.
— E quais foram? — indagou Lucky. — Ao menos disse por que foi
embora?
— Eu não sei, Taby não me contou. — Minha voz saiu baixa.
Lucky trincou os dentes.
— O quê? Ainda assim vai defendê-la? — Soava incrédulo. — Sei que
a ama, mas ela tem de dizer tudo a você. Não pode deixar por isso mesmo.
— Entendo sua fúria, mas não fiquem deste jeito. Também me senti
assim no começo, porém, não posso viver sem essa mulher, Lucky. Fiz isso
por anos e foi um completo tormento, era como se eu estivesse respirando,
mas morto. — Eu a amava tanto que estava disposto a ter somente o que ela
me desse, mesmo meu coração doendo por querer saber tudo sobre ela,
saber a verdade.
— Posso ver, meu amigo. Entretanto, viver com segredos não é certo,
você não pode aceitar ficar com ela sem saber o que aconteceu, o que a
levou a deixá-lo, não é justo. Nenhum dos dois vai ser feliz com isso. Posso
ver em seus olhos o quanto machuca quando fala que não sabe o porquê dela
ter partido. Isso não é vida.
Lucky estava certo, todavia, tinha medo de prensá-la a dizer a verdade
e ela ir embora.
— A única coisa que sei é que ela me deixou pela minha segurança... —
Bom, foi isso que ela disse quando estávamos presos no quarto.
Jordan me interrompeu.
— Como assim?
Eu suspirei.
— Depois desse tiroteio de hoje, com aqueles caras dizendo que o pai
dela exigiu que ela saísse do caso ou seria o fim... Tenho certeza que tem o
dedo dele nisso. — Olhei para os dois. — Estou com medo, esses caras são
barra-pesada da pior espécie.
— Quem é o pai dela? — perguntou Jordan. — Não deve ser nada bom,
já que mandou alvejar vocês.
— Sebastian Ruiz, chefe do principal cartel do México, conhecido por
matar pessoas, estuprar, traficar drogas e humanos, e por vários outros
crimes.
— Como sabe sobre isso? — Jordan estava assustado.
— Ouvi alguns policiais falando dele e do que faz. Temo por ela.
Depois, vou conversar com Taby para ver se vem ficar aqui. Colocarei mais
seguranças no local para impedir que o que aconteceu hoje se repita.
— Ela vai aceitar? Não acha que está se precipitando, a chamando para
morar com você? E se ela estiver interessada em seu dinheiro? — Jordan
emendava os questionamentos.
— Ela não é assim, nunca foi, e mesmo agora mudada, continua a
mesma nesse sentido. Sinto que me ama, seu amor é tão intenso quanto o
meu. O problema é esse enrosco dela não me contar o que houve aquela
noite e depois me deixar sem dizer nada.
Eu não permitiria que a dúvida e os meus pensamentos nebulosos
atrapalhassem a felicidade que eu estava sentindo por tê-la de volta nos
meus braços.
Resolvi mudar de assunto, dirigindo-me ao Lucky. Falar do passado me
deixava sem controle. Faria de tudo para resolver esse pepino antes que algo
grave acontecesse. A sua segurança vinha em primeiro lugar. Até porque,
com ela segura, talvez um dia me contasse.
— Rayla falou a você ou ao Ryan sobre estar grávida? Logo teremos
mais um bebê por aí. — Ryan estava em uma reunião de trabalho em
Chicago, por isso Lucky falara para ele que Rayla esteve envolvida no
tiroteio. Não queria preocupá-lo, mas as notícias voavam, então logo
saberia.
Lucky arfou.
— Rayla está grávida? — Seu tom saiu duas oitavas acima.
Antes que eu respondesse, ouvi um arfar alto atrás de mim. Olhei para a
porta da cozinha: Alex estava ali, de pé e olhos arregalados, buscando Rayla
do seu lado como se procurasse uma resposta.
Ela me fuzilou.
— Obrigada por ficar calado, Jason — reclamou.
— Desculpe, achei que não tinha contado sobre isso só ao Alex.
Alex estreitou os olhos para a amada.
— Você não ia me dizer que espera um filho meu? — Seu tom era
ultrajado e magoado.
Ela se encolheu.
— É claro que eu ia contar, mas neste final de semana, quando
estivéssemos em nossas férias nas Bahamas.
Ele sorriu e a pegou nos braços, girando-a. Alex também tinha uma
surpresa para ela programada: pediu sua mão ao Lucky e Ryan. Disse que
tinha a intenção de propor casamento durante a viagem.
Fiquei contente pelos dois estarem bem e felizes. Pela primeira vez na
minha vida, não sentia inveja ao ver um casal apaixonado, fosse Lucky com a
Preciosa, Ryan com a Anjo dele, ou esses dois. Não invejava porque tinha o
mesmo com Taby agora, e esperava termos para sempre. Não sabia o que
aconteceria conosco, mas não a deixaria partir de novo, não mesmo.
— O que está acontecendo aqui, pessoal? — Bryan entrou na cozinha,
seguido por dois homens altos, fortes e com as expressões sérias, como a de
Simon. Eu não os conhecia.
— Que droga houve com seu olho? — indagou Jordan, preocupado,
acho que com medo dele ter apanhado em uma luta. — Está brigando por aí?
Parece que o cara acertou de jeito.
O entorno de seu olho estava roxo. Eu me lembrava de ter visto ele na
boate esta noite, será que houve uma luta por lá? Depois de levar um fora
mais uma vez da Taby, eu fui embora, não podia ficar tão perto dela, doía
muito sua rejeição. Acredito que fui beber, após? Deu um branco, não
recordava nada até hoje cedo, quando abri os olhos e vi Taby na minha
cama.
Bryan sorriu.
— Vamos dizer que uma loirinha esquentada ficou furiosa comigo e
desceu uma bola de cristal na minha cara. — Passou as mãos nos olhos e
estremeceu.
— Ela viu você com outra na boate ontem à noite, não foi? — Botei a
mão direita na cabeça. — Lembro-me de dar carona a ela, e que estava
chorando muito, e a deixei no seu apartamento.
— Você traiu minha irmã, seu desgraçado? Vou acabar com você —
rosnou Alex. — Quando me pediu para namorar com ela, eu te falei para
nunca fazê-la sofrer!
Eu sabia que os dois começaram a namorar há algum tempo, logo
depois de um encontro do nosso grupo no Belas Country. Bryan olhou para
ele.
— Eu nunca trairia Alexia. Ela apenas soube que fiz algo, que não
aconteceu realmente, por isso ela fez isto. — Apontou para o seu rosto. Não
parecia irritado com o machucado.
— O que ela pensou que fez, então? — sondou Alex. — Deve ser sério,
porque o ferimento está bem feio.
Bryan estreitou os olhos para mim.
— Humm, não acho que vá gostar dessa parte. Quero que saiba que
quando entrei sozinho no quarto do clube com Tabitta, nós não...
— Vocês ficaram sozinhos num quarto? — indaguei com dentes
cerrados.
— Não, bem, sim... — ele se interrompeu quando me lancei na sua
direção e o prendi na parede. — Mas que porra! Eu não a toquei, juro.
— Então o que foram fazer?
Ele levantou uma sobrancelha.
— Não confia nela?
Grunhi e soltei-o, ele tinha razão. Não era certo duvidar da Taby, ela
jamais faria isso, mesmo não a conhecendo bem hoje, sentia seu amor por
mim. Eu me afastei dele, fui até uma garrafa de whisky e bebi direto dela.
— Cara, relaxe, nós fomos naquela boate disfarçados, estávamos
atuando que éramos parceiros, ela minha submissa, mas sem fazer nada na
frente das pessoas...
— Isso quer dizer que fizeram pelas costas? — inquiriu Jordan.
Fechei os olhos com força por um momento e depois encarei Bryan, que
me fitava.
— Como eu disse, não houve nada entre nós. Precisávamos manter as
aparências, e uma das garotas observou que não íamos muito ao quarto,
então tivemos de improvisar para que pensassem que estávamos nos
divertindo. Eu nunca enganaria minha namorada com ninguém, mesmo que a
Tabitta seja perfeita.
— O que essa operação é, pode nos contar?
Bryan olhou para o Jordan.
— Desculpe, é segredo, há coisas no meu trabalho que não posso
revelar. E acredito que ela também não.
“Ótimo! Mais segredos”, pensei, irritado. Ao menos os segredos quanto
ao seu serviço eu tolerava de boa, ao contrário dos que guardava sobre sua
partida.
— Com tudo que aconteceu hoje, você precisa ser protegido vinte e
quatro horas por dia. Esses caras aqui vão fazer isso... — Bryan ajeitou sua
jaqueta e olhou para mim com uma expressão séria
— Eu não preciso de proteção, Tabitta sim. Aqueles malditos querem
ela, não eu — cortei o Bryan.
Bryan suspirou.
— Sim, mas ela está segura com seus amigos agentes. Não se preocupe
demais com Tabitta, foque em você.
Bryan olhou para os dois homens que estavam calados. Um era moreno,
e o outro louro.
— Esses são Landon e Chris. A partir de agora, serão seus seguranças.
Se sair para qualquer lugar, eles irão segui-lo e fazer sua proteção.
— Ele tem razão, Jason, esses caras são barra-pesada, como disse há
pouco, e podem vir atrás de você. Por favor, fique com eles, assim ficaremos
mais tranquilos — falou Lucky.
Eu não gostei disso. Queria protegê-la, mais do que a mim mesmo.
Bryan disse que os caras eram profissionais, sabiam lutar e lidar com várias
situações. Esperava que estivesse certo, porque não podia nem imaginar
minha vida sem ela de novo.
—Fique com eles por enquanto, não deve demorar muito para
prenderem esses homens, não é? — Jordan olhou para o Bryan em busca de
afirmação.
— Sim, nós vamos prendê-los logo — respondeu Bryan, mas não senti
muita confiança em sua voz. Mudou de assunto rapidamente, direcionando-se
ao Lucky: — Onde está a Sam?
Chequei meu telefone para ver se tinha alguma ligação de Taby. Não
havia nenhuma. Optei por acreditar na palavra do Bryan de que ela estava
bem e continuaria assim.
Lucky respirou fundo.
— Eu não disse a ela ainda. Logo que chegar em casa eu conto, não
gosto de manter segredos. — Foi uma indireta para mim. — Eles sempre
vêm à tona, nem sempre de um jeito bom. Vocês devem lembrar disso, não é?
Sabia do que ele estava falando: referia-se à Sam ser irmã do Bryan, o
que ela escondeu do Lucky, e isto quase a matou.
Entretanto, o que Tabitta guardava de mim não era nada como isso. E
seja qual fosse o motivo, eu aceitaria. O pior era ficar sem ela.
Capítulo 8
Armação
JASON
Passado
Três meses vendo a loura tímida com seus vestidos largos e óculos de
grau no corredor da escola, nas salas de aula, tão diferente das garotas a que
eu estava acostumado, que só se importavam com seus cabelos e suas unhas
bem-feitas. Essa menina não ligava para nada disso. Foi o que chamou a
minha atenção. Sua inocência, pureza e doçura me fizeram gostar mais dela,
como nunca gostei de ninguém na minha vida.
Meus amigos começaram a rir de suas roupas largas de vovó, mas eu os
cortei, dizendo que se algum deles falasse mal dela, ia se ver comigo.
Nenhum era páreo para mim. Ou até acho que Dom ganharia, caso
lutássemos, mas ele era meu melhor amigo, jamais brigaríamos.
Tanto tempo escondendo o amor que eu sentia por essa garota... Não
adiantou nada eu me afastar dela por sua proteção. Eu não era bom, não o
suficiente para merecê-la. Vivia com meu pai bêbado e desempregado, e
tinha uma mãe que o abandonou.
Assim que ela me viu com Pamela no ginásio, eu enxerguei a dor nos
seus olhos, e soube que ela também me amava. Tinha medo de chegar até a
menina e dizer o que eu sentia. Cortei as garotas depois que soube que era
recíproco, não vi sentido em continuar com a mulherada sendo que pensava
só nela, Tabitta.
Quando a toquei para impedi-la de cair no corredor, meu corpo pareceu
ter sido tomado por uma corrente elétrica. Soube que não podia e não queria
ficar longe dela de nenhuma forma, mesmo não a merecendo.
Fui até sua casa numa noite e a vi saindo para ir à biblioteca, até aí tudo
bem, mas ela foi a pé e atravessou o beco escuro de um bairro não muito
bom para garotas andarem sozinhas, principalmente àquele horário.
Andou um quilômetro para pegar livros e passar onde ficavam os
moradores de rua. Todas as noites que ia lá, ficava conversando com um
senhor. Ela levava comida e café, e às vezes papeavam por muito tempo.
Mudei meu horário de trabalho na academia para os dias em que Tabitta
não frequentava a biblioteca. O atendente disse que ela ia lá duas vezes por
semana.
Eu precisava saber se ela ficaria bem andando naquelas ruas escuras. A
garota não parecia enxergar a maldade nas pessoas, contudo, eu via alguns
homens do beco olhando para ela de uma forma que não gostei. No dia
seguinte, fui bater um papo com os caras que estavam lá, alguns até usando
drogas. Dom foi comigo, todos do lado errado da lei ouviam ele.
Tabitta parecia ser de uma família rica, seu carro era uma Mercedes. Eu
não tinha nada para dar a ela, mas esperava ser um lutador um dia e levá-la a
um restaurante caro, porque ela merecia do bom e do melhor.
Ignorei todas as coisas que o velho dizia a meu respeito, que ninguém
me queria, que nenhuma pessoa lutaria por mim, que sou um bastardo
abandonado pela própria mãe. Não deixaria essas lembranças e ofensas me
atingirem e destruírem a única luz que achei no meio da escuridão.
Custava a acreditar que Taby aceitou sair comigo, meu coração batia
alto e descompassado sempre que pensava em finalmente sentir o gosto de
seus lábios lindos. Estava louco para tê-la em meus braços, adorá-la e amá-
la como merecia.
Cheguei ao buraco que era a minha casa. Não falava isso por ser pobre,
e sim pelo velho estar lá sentado e bêbado naquele sofá carcomido da sala,
sem fazer nada, apenas definhando em sua amargura e seu desprezo por tudo
à sua volta, inclusive a mim. A nossa casa era pequena: dois quartos, sala e
cozinha.
Julio estava bêbado no sofá como sempre. Desde o dia em que minha
mãe nos abandonou, quando eu tinha oito anos, para viver sua vida sem um
marido e filho, ele ficou amargurado. Quando era pequeno e não sabia me
defender, me batia com o que tivesse na sua frente. Para ir à escola, eu tinha
de vestir roupas que cobriam as marcas da surra. O crápula era esperto,
batia onde ninguém podia ver. Se exagerava e eu ficava de cama, o velho
ligava para a escola e dizia que eu estava doente. De fato, estava, mas era
ele que me deixava assim.
Por que uma mãe largaria seu filho de oito anos sob responsabilidade
de um bêbado? Era uma pessoa que não deveria ser mãe nunca na vida.
O velho (como eu o chamava, porque aquilo não era pai, ele nem
saberia o que significava tal palavra) me culpava por minha mãe ter ido
embora, mas a culpa era dele por não parar em casa e estar sempre bebendo.
Quando eu fiz quinze anos e ganhei músculos, ele tentou me bater, e eu o
derrubei no chão, falando que da próxima vez que ousasse me tocar, se
arrependeria. Depois disso, ele começou a provocar e dizer coisas que me
machucavam; fazia porque sabia que doía em mim, mais do que se me
batesse na cara.
— Já chegou o bastardo que nem a mãe quis. — Era deste modo que me
dava boas-vindas. Dizia isso todas as vezes que eu chegava em casa.
Ele estava lá sentado bêbado, com uma garrafa de Jack Daniels nas
mãos. Acabou com todo o seu dinheiro na poupança para comprar álcool,
não sabia como ainda não morrera de tanto beber.
Ignorei suas provocações e fui para o meu quarto. Ele era gordo e
barbudo, nem se cuidava mais. Mesmo com as portas fechadas, podia ouvi-
lo me xingando:
— Você é um verme imundo que ninguém quer por perto. Ninguém
nunca vai te amar e lutar por você, se nem sua mãe lutou.
Bloqueei sua voz, pensando na garota que aceitou que eu a levasse para
um encontro. Quando um dia eu imaginaria que iria a um encontro? Nunca,
para mim era só foda e diversão, nada mais. Entretanto, com Taby não era
assim, ela me fazia querer ser tudo para ela, assim como ela se tornou meu
mundo inteiro. Taby era a única luz que tinha nesta vida, o resto era só
escuridão e abandono.
Fui tomar banho. Considerei bater uma visualizando ela, mas eu
prometi que me comportaria. Sabia que não ia possuir seu corpo hoje, mas
eu não ligava, apenas a queria do meu lado. Por ela, esperaria o tempo que
fosse. Não arruinaria a sua confiança em mim, jamais.
Cheguei à casa do Dom. O sol estava saindo, mas tinha certeza que sua
mãe não tinha voltado; ela retornava por volta das dez horas. Dom sempre
levantava cedo para arrumar a bagunça da festa, antes dela chegar em casa,
ou melhor, ele colocava as garotas para fazerem isso. Tudo por uma noite
com ele.
Entrei, ignorando Alicia, Laura e a cadela da Pamela. Aproximei-me
dele, que estava perto do sofá com cara de ressaca, e desci um soco na sua
boca. Nós sempre fomos amigos, nunca brigamos assim, mas agora estava
furioso por ter feito o que fez. Ele sempre me ajudou em horas difíceis.
Lembrava-me da última vez que meu pai triscou a mão em mim, eu tinha
quinze anos e estava na cozinha quando ele entrou bêbado, claro, e começou
a me xingar, dizendo que minha mãe se foi por minha causa. Respondi que o
culpado era ele por ser um bêbado fodido que não conseguia parar em
emprego nenhum. Eu não vi chegando, só senti o cabo de vassoura pegar
minha cabeça. Fiquei zonzo na hora, e o sangue escorria.
Naquele dia, saí de casa e conheci Dominic, um garoto de dezessete
anos, forte em termos de músculos, pois era lutador. Ele deu pontos na minha
cabeça e queria me levar ao hospital, mas eu não aceitei. Dom sabia suturar
muito bem, já que sua mãe era enfermeira; devia ter aprendido com ela.
Depois disso, viramos melhores amigos, e ele me ensinou a me defender do
meu pai e de quem quer que fosse.
— Que porra é isso, cara? — rosnou, limpando o sangue da sua boca.
— Ah, você já sabe.
— Do quê? Que você bolou um plano fingindo ser eu transando com a
puta da Pamela, tudo para Taby ver?
— Eu não sou uma puta — defendeu-se ela.
Fuzilei-a.
— Cale a maldita boca. Só não faço com você o que fiz com o Dom,
porque não bato em mulheres.
Ela estremeceu ante minhas palavras. Não liguei. Olhei para o Dom.
— Por que fez isso?
Ele suspirou.
— Desculpe, cara, achei que você estava entrando em uma furada
saindo com uma garota igual a ela. Não sabia que estava tão fissurado na
garota...
Cortei-o, com os punhos cerrados.
— Direi apenas uma vez, Dom, então preste atenção. Você é meu
melhor amigo, nunca houve limites entre nós dois. Agora, existe uma linha
que não pode ser cruzada. Taby é esta linha, que não vou tolerar ser
ultrapassada por ninguém, nem mesmo por você — ameacei, ácido. — Eu a
amo, e por ela derrubaria até meu melhor amigo.
Ouvi as garotas arfarem. Dom, primeiro, arregalou os olhos; após, o
bastardo sorriu. Livrou-se de eu quebrar sua cara só porque o sorriso de
merda que estava dando era por parecer impressionado.
— Não acredito que foi domado por uma...
Eu o interrompi.
— O que eu disse sobre a linha não ser cruzada? — lembrei. — Ela
não é dessas que você fode por aí, Taby é mais como o para sempre.
Pretendo dar isso a ela algum dia.
O bastardo ainda sorria. Muitas vezes, antes de eu saber lutar, Dom me
defendia de garotos de rua. Eu não conseguia enfrentar nenhum deles, por
serem maiores que eu. Dom dizia aos meninos da nossa cidade para ficarem
longe de mim. Ele até lutou com três garotos, e venceu sem nem mesmo
piscar. Eu o considerava desde então como um irmão mais velho e protetor.
— Prometo me comportar. Se é importante para você, agora é minha
irmã também. — Foi até mim e bateu de leve nos meus ombros. — Seja
feliz, cara, você merece.
— Obrigado. Vou sair com ela na hora do almoço, depois irei levá-la
na oficina às quatro horas.
— Já vai apresentar aos caras? — Ergueu as sobrancelhas.
Fechei a cara.
— Oh, porra não! Só você estará lá para eu fazer uma tatuagem, e nela
também.
— Tatuagem? Tipo para selar o amor de vocês dois? — O bastardo não
escondia seu sorriso de merda. Ignorei e respondi normal.
— Isso, então esboce uma borboleta azul para mim. Você me deve isso,
não acha? — O filho da mãe era bom tatuador, fez todas as minhas tatuagens,
e ficaram excelentes.
— Sim, cara, eu devo.
TABITTA
Presente
Quando saí da casa do Jason, fui com Papy para o Brooklyn. Não
queria deixá-lo, mas sabia que por ora ele estava seguro. Por via das
dúvidas, além dos policiais que deixei lá, também liguei para o Bryan dar
uma ida à sua casa. Bryan ficou também encarregado de conseguir dois
guarda-costas para Jason. Eu não o conhecia bem, porém, sabia que podia
confiar a segurança de meu amado a ele, já que os dois eram amigos.
Na volta para a casa, Papy me encheu de perguntas sobre Jason: como
eu o conheci, por que terminamos, se ainda nos amávamos...
Revelei toda a verdade a ele, que merecia saber disso. Falei que
precisei deixá-lo pela sua segurança, porque corria perigo nas mãos do
Sebastian. Isso agora mudara, uma vez que esse segredo foi descoberto,
então eu o protegeria com a minha vida se fosse preciso.
— Ele sabe por que você o largou?
— Dei um resumo, mas ele não conhece os detalhes. Contarei a ele, só
estou esperando o momento certo.
— Você está com medo, isto é normal, querida. Diga-me uma coisa:
também vai revelar a ele sobre Emy ser sua filha? Jason merece saber.
— Sim, eu sei que ele merece. Já que estou ao seu lado, não quero mais
mentir para ele, Papy, e não vou. Lamento não ter dito a verdade a você e
Mama, doía falar nesse assunto, sinto muito.
Ele deixou uma mão no volante e, com a outra, me abraçou, beijando
meus cabelos.
— Não precisa sentir, querida, está tudo bem. Posso entender por que
não disse nada.
— Obrigada, pai.
— Emy vai adorar saber que é filha de Jason, pois gosta dele, uma fã
de carteirinha. — Riu, orgulhoso. — Ele parece ser um cara legal, fora a
parte de ter sido mulherengo enquanto vocês dois estavam separados esses
anos. — Papy me olhou de lado. — Você vai ficar bem com isso? Sei que
não foi culpa dele sair com mulheres, já que ele pensava que tinha ido
embora, mas não deixa de doer, não é?
Emy sempre foi fã de Jason. Se ela soubesse que ele estava na TV, fazia
suas tarefas e ia para frente dela só para vê-lo. Eu só não a deixava assistir
às lutas, não era para criança.
— Sim, Emy vai adorar saber que ele é seu pai — murmurei. — Jason
é fácil de ler, eu pude perceber que ele ficava com essas mulheres para
provar um ponto a si mesmo. Achava que não foi homem suficiente para
mim... Por eu ter ido embora sem dizer adeus.
— Isso não quer dizer que será fácil — insistiu.
— Sei que não vai. São consequências dos meus atos. Mas o pior será a
hora em que eu disser toda a verdade. E se Jason não quiser me perdoar?
Afinal, são quase nove anos escondendo sua filha.
Ele alisou meus ombros.
— Pelo pouco tempo que estive perto daquele homem, percebi o quanto
ele a ama, Taby. Não há nada que faça ou tenha feito que o motivaria a
pensar o contrário. Então não tenha medo, tudo bem?
Eu assenti e não respondi, não tendo certeza de que aquilo era verdade.
Se Jason escolhesse me odiar, eu aceitaria. Merecia por tê-lo abandonado.
Assim que chegamos à casa do Papy no Brooklyn, desci de sua
Mercedes. A residência tinha dois andares, paredes de tijolos vermelhos e
uma varanda na frente.
— Olá, filha. — Mama sempre me chamou assim, e eu adorava isso.
Ela era uma mulher bonita, de cabelos negros com alguns fios brancos. Não
era vaidosa, tinha uma política de que as pessoas deviam aceitar o que
realmente são. Eu não discordava, achava que todos deviam fazer o que
querem e gostam.
Abracei-a por um segundo, me reconfortando com isso. Sempre que o
fazia, me lembrava da vovó, de chegar da escola e correr para os seus
braços. Confortava-me saber que eu era amada por ela, mesmo que não tenha
sido pelos meus pais. Se é que podia chamar aquilo de pais... Uma mãe que
só me teve e deu para a minha avó, e dois anos depois foi morta no México,
provavelmente por Sebastian. Como uma mulher podia aceitar um homem tão
inescrupuloso? Vovó dizia que eles se amavam, mas isso não era amor.
Quem ama não vende sua mulher, como ele fez.
— Mamãe, ficou sabendo que Jason Falcon vai lutar aqui em Trenton
este final de semana? Não acredito que vou estar na mesma cidade que ele!
— falou Emy, entrando na sala toda eufórica.
Ela estava com um vestido rosa e uma sapatilha que dei a ela na semana
anterior. Linda, minha filhota. Às vezes, à noite, eu a olhava dormir e
imaginava o que fiz de bom para merecer algo tão precioso para mim como
minha menina. Era a luz que Deus enviou para eu passar por todo o calvário
que foram esses anos sem o Jason. Ela se parecia muito com ele.
Eu suspirei.
— Sim, eu soube — respondi, entendendo o porquê dela falar disso.
— Podemos ir vê-lo, mamãe? Ele está tão perto! — suplicou. — Por
favor. Faça isso como presente de aniversário, eu não quero mais nada,
apenas conhecê-lo pessoalmente, nem que seja uma vez na vida.
Expirei e troquei um olhar com Papy, cuja expressão sugeria um “Não
disse?”. Ele chamou mamãe e foi para a cozinha, de modo a me deixar a sós
com Emy para eu resolver tudo. Não podia dizer nada a ela, não antes de
falar com Jason. Meu coração se partiu por ter de negar isso a ela, com seu
aniversário sendo dali a duas semanas. Esperava que Jason estivesse
conosco nesse dia importante de nossas vidas. Para ele também se tornaria,
quando soubesse a verdade.
— Emy, querida, um ringue de lutas não é lugar para crianças — me
esquivei. Precisava saber a reação de Jason antes de apresentá-los.
Seu semblante mudou, ficando triste.
— Oh... — O tom desapontado cortou meu coração. Eu não podia fazer
nada, não agora.
Passei a tarde inteira com ela, tentando alegrá-la e distraí-la de Jason
um pouco, mas sabia que não desistiria. Por isso, falaria com Jason logo e
diria a verdade.
Esses dias foram cheios no trabalho. Eu estava junto com minha equipe
buscando descobrir novos lugares e os pontos que Franklin usava para
prostituição infantil. Desmanchamos três casas usadas para prostituição de
menores em três cidades diferentes: Michigan, Ohio e Boston.
Foi uma semana corrida. Fiquei feliz por resgatarmos essas crianças
vivas, que teriam agora um futuro pela frente. Seus sonhos, interrompidos
por causa de homens abusadores de menores, seriam retomados. Para elas,
se tornaria um trabalho difícil seguir em frente com todos os pesadelos e
traumas, mas, pelo menos, estavam vivas. Isso era o que importava.
Quinta-feira, fomos a Riverside, subúrbio localizado quatorze
quilômetros a oeste de Chicago, e três fora dos limites da cidade.
Bryan descobriu a localidade onde o contêiner cheio de garotas estaria.
À meia-noite, as meninas seriam levadas para pontos de prostituição em
vários lugares. Eu não ia permitir isso. Faltavam dez minutos para meia-
noite. O pior era que o lugar estava cheio de contêineres, acho que uns
cinquenta, mais ou menos. Por isso, nos dividimos para procurar o certo.
— Jason sabe que está aqui? — sondou Bryan do meu lado.
Encontrávamo-nos numa rua afastada, mal movimentada. Os malditos a
escolheram justamente por isso, assim evitariam pessoas descobrindo o que
tinha dentro.
Eu respirei fundo.
— Disse para ele que estava vindo a trabalho, não entrei em detalhes.
— O que ele achou? — Chegamos perto de umas árvores próximas ao
local. Lincoln, Papy e Dennis estavam lá. Não entendia porque a CIA
participava da missão, não era sua função. Eles ficavam mais responsáveis
por investigarem e fornecerem informações de segurança nacional aos
senadores do nosso país. Caçar Sebastian tudo bem, ele era considerado
perigoso para a nação, mas ali encontraríamos só seus servos. Quando
perguntei ao Papy sobre isso, ele disse que Dennis combinou de continuar
com a gente até prendemos Sebastian e seus comparsas. Também falou que
isso era uma missão pessoal para ele, mas Papy não quis revelar o porquê,
ou talvez não soubesse. “Bom, para quem Sebastian não fez algum mal?”,
pensei, frustrada.
— Ele queria vir comigo. Não deixei, afinal, há muito pessoal do
Sebastian por aqui. — Tentei não pensar nisso agora, não gostava nem de
imaginá-lo lá.
— O que aconteceu naquela noite que o deixou? — inquiriu, curioso.
— Vai me dizer por que terminou com Alexia? — Levantei a
sobrancelha para ele. — Até dois dias atrás, vocês pareciam no maior love,
e agora está assim, como se num purgatório.
Ele expirou e estremeceu. Fins de namoro deixam qualquer um
destruído. Não entendia por que eles terminaram, os dois faziam um casal
tão lindo. Eu a conheci pessoalmente dois dias antes, em um restaurante onde
fui jantar com Jason. Ela estava lá com Bryan. Uma loura deslumbrante, isso
a descrevia.
— Bom ponto, mas eu não posso dizer nada sobre isso. — Sua voz
demonstrava devastação. — Agora vamos esquecer nossas vidas pessoais e
nos concentrar no caso.
Eu não ia insistir, já que ele não queria contar. Esperava que os dois se
entendessem logo. Foquei na missão, esquecendo o resto.
Assim que Thomas deu um sinal, nós invadimos o local, que parecia um
sítio, separados em duplas. Eu fiquei com Bryan. Havia sete homens na
entrada, mais cinco perto de dois contêineres, vigiando-os. Supus que ali
tinha coisa.
— FBI, abaixem as armas e levantem as suas mãos — gritou Thomas, e
os tiros começaram.
A minha função e do Bryan era tirar as garotas com segurança, enquanto
o resto do pessoal, junto com a polícia local, prendia todos e descobria se
havia mais meninas ou drogas nos outros contêineres.
Bryan desarmou dois e atirou em mais dois. Eu acertei um no braço. Ele
estava me dando cobertura para eu abrir o primeiro contêiner. Os tiros
pareciam ter cessado. Escancarei a porta com meu coração acelerado, com
medo delas estarem machucadas. “Não, essas meninas estão bem, preciso
acreditar nisso”, pensei.
Assim que a porta foi aberta, com a arma em punho, mirei no homem na
frente das várias garotas, acho que dez, mais ou menos.
— FBI, abaixe a arma e levante as mãos — ordenei.
O cara ignorou o que eu disse e apontou sua arma na minha direção.
Meu corpo estava gelado, minhas mãos suavam, eu temia que o pior
acontecesse. Em dois anos, nunca matei ninguém; agora, sabia que não ia
passar. Foi tão rápido que mal deu para assimilar: uma garota correu,
querendo fugir, e veio na minha direção; o cara estendeu a arma e disparou, e
eu também. Meu corpo parecia estar no piloto automático. A menina caiu nos
meus braços sangrando, e o cara foi ao chão com um tiro na cabeça.
Ignorei meu corpo tremendo e olhei a menina loura de uns quinze anos,
mais ou menos. Acho que gritei por uma ambulância e para salvarem sua
vida, mas eu estava entorpecida. Tudo doía. Não lembro muito bem o que
houve depois, apenas que fui levada para uma escuridão profunda.
Acordei visualizando um teto branco e ouvindo um bip não muito longe
de mim. Tentei recordar o que aconteceu: a menina nos meus braços, o cara
morto no chão...
— Oh, meu Deus! — Fui me levantar, mas mãos me impediram de fazê-
lo.
— Você precisa se acalmar e ficar quieta — pediu Papy com a voz
trêmula.
Fitei seus olhos tristes. Parecia que não era o único, Lincoln e Bryan
também estavam ali, perto de mim. Encontrava-me em um hospital. Olhei
para o meu ombro enfaixado e senti uma dor aguda proveniente dele.
— O que houve? A menina está bem? — perguntei ao Papy.
Todos baixaram seus rostos, então um frio desceu por minha espinha,
me deixando sem fôlego, esmagada por dentro.
— Ela não resistiu, filha. A bala atravessou seu coração. Não vimos
que tinha outro cara no lugar, ele acertou seu ombro, por isso está no
hospital. — Papy alisou meus cabelos. — Sinto muito, querida.
Não consegui impedir que as lágrimas caíssem. Eu poderia ter sido
mais rápida, puxado o gatilho antes. Abracei Papy, ignorando todos ali,
deixando-me apenas sentia a dor em meu peito. Eu sabia que meu trabalho
era perigoso, não só física quanto mentalmente. A angústia que vivia agora
era pior que a dor no meu ombro machucado.
A sensação de impotência me consumia aos poucos. Papy ficou comigo
me reconfortando, embora não estivesse doente. Eles queriam me manter no
hospital até o outro dia, mas eu não aceitei. Naquele momento, eu só queria
ver uma pessoa e sentir seus braços, para ver se ele tirava essa dor.
TABITTA
Passado
Faz um ano que conheci Jason, o garoto bad boy que se tornou meu
mundo inteiro: meu namorado, meu amigo e meu amante. Oh, esta última
parte era a que eu mais gostava, ser sua de forma incondicional.
O momento mais feliz foi o dia em que ele me levou para fazer uma
tatuagem. O que fez meu coração saltar de felicidade foi ele também fazer
uma igual à que eu sempre quis.
— Essa borboleta selará nosso amor para sempre — disse Jason. Fiz
uma borboleta azul acima da bunda, nas costas.
Nosso ano juntos foi maravilhoso. Jason me levava à casa do Dom
para as festas que havia lá. Depois de algum tempo com Dom, pude perceber
que ele era um cara legal, um amigo que Jason adorava, então também passei
a amá-lo.
Minha avó gostava de meu namorado como se ele fosse da família.
Alegrava-me o fato dela se dar bem com o homem que eu amava, e com o
qual pretendia me casar um dia. Passaríamos a nossa lua de mel em Maui, no
Hawaii, um lugar que sempre achei lindo. Quando mencionei isso a Jason,
ele disse que era um dos seus locais favoritos, e gostaria de conhecê-lo junto
comigo, assim que ele se tornasse um lutador profissional, como era seu
sonho.
Já era quase sete da noite, Jason e eu ficamos de nos encontrar na
cabana de que ele tomava conta. Comemoraríamos o meu aniversário, e
também um ano de namoro.
Uma vez, fui à sua casa, e seu pai me deu medo; estava bêbedo e
xingava o Jason com coisas que o faziam sofrer, culpando-o por sua mãe ter
ido embora. Eu estava prestes a fazer aquele velho engolir todas suas
palavras, mas Jason me tirou de lá antes disso. Até achei bom, não queria
que ele enfrentasse seu pai por mim; mesmo o cara sendo o crápula que era,
ainda era pai dele. Depois disso, passamos a nos encontrar em outros
lugares, principalmente na cabana, que se tornou nosso refúgio e ninho de
amor
Eu estava na sala dando um abraço na vovó antes de ir ver Jason. Já
havia contado a ela que não era mais virgem, e vovó foi compreensiva,
ciente de que eu e Jason nos amávamos e que pretendíamos ir para a
faculdade juntos, só não sabíamos onde, ainda. E, depois, nos casaríamos.
Eu contava com isso.
A porta foi escancarada em um rompante, tendo sido chutada. Gritei
com o susto, porque isso nunca aconteceu. Assaltos eram incomuns nessa
região, e nós também não éramos tão ricos. Vivíamos da aposentadoria do
meu avô, que morreu quando eu era pequena.
Entraram na sala três homens, dois morenos, por volta de vinte ou trinta
anos, mais ou menos, exceto pelo cara do meio, que devia ter uns quarenta e
cinco, a julgar pelos longos cabelos ligeiramente grisalhos e barba por fazer.
Vestia-se de preto, parecia um gângster, e seus amigos estavam armados.
Vovó ficou na minha frente, como se para me proteger dos bandidos.
Pareceu se esquecer de que empunhavam armas, e não podíamos com eles.
— O que está fazendo na minha casa, Sebastian Ruiz? Você não é bem-
vindo aqui — rosnou ela com os punhos cerrados.
— Eu vim ver minha filha — disse com os olhos em mim.
Fiquei espantada. Então esse homem era o meu pai? O cara que nunca
se importou se eu estava viva ou morta? Como minha mãe se envolveu com
ele, sendo que podia enxergar a maldade de longe, incrustada em si? Sua
expressão era sombria.
— Você é... — As palavras fugiam devido ao choque.
— Sou seu pai e vim buscá-la....
— Para quê? Para fazê-la se prostituir também, como fazia com a mãe
dela? — vovó rugiu. — Você não passa de um monstro, seu desgraçado!
Ofeguei de pavor. Ele forçava a minha mãe a vender seu corpo? Esse
homem era um animal desalmado dos piores, como pôde querer isso para
sua esposa e sua filha? Ele devia tentar me proteger, e não o contrário.
Estava prestes a dizer que não iria a lugar algum na sua companhia,
jamais, porque o único homem que tocaria meu corpo seria Jason, e mais
ninguém, quando ouvi um tiro. Vovó arquejou com a mão no peito. Virei-me
para ela, pronta para perguntar se estava bem, mas vi sangue, e vovó caindo
no chão.
Parecia que estava em um pesadelo, contudo, continuava acordava,
assistindo à minha avó morrer. Botei-me de joelhos ao seu lado e gritei para
chamarem uma ambulância. Soluçava e gemia ao mesmo tempo.
A mulher que me criou engasgou com o sangue que saía de sua boca.
— Oh, Deus, vovó! — Estava desesperada, com medo de perdê-la. Isso
não podia acontecer, ela era tudo na minha vida.
— Eu mandei você atirar nela? — sibilou Sebastian, o monstro que
tirou a minha avó de mim. Depois ouvi outro estampido. Pensei que o cara
tivesse atirado de novo, agora em mim, mas o homem que atirou em vovó
estava estirado no chão da sala, morto. Sebastian matou seu próprio
capanga? Eu não liguei, apenas não queria que vovó morresse e me deixasse.
Precisava dela comigo.
— Vá para o quarto branco... Lá tem tudo de que vai precisar... —
sussurrou em seu último suspiro.
Teria de deixar a dor para mais tarde, agora precisava sair desse lugar,
como vovó pediu. O quarto branco a que ela se referia era um ambiente que
preparou, pensando que um dia necessitaria usá-lo. Não entendi na época,
não achei que correríamos perigos a ponto de carecermos de um quarto para
nossa proteção. Ela sabia que algo ruim aconteceria algum dia, que o
monstro do meu pai viria atrás de mim.
— Tabitta, venha comigo ou eu vou matar todos que ama. Seus amigos,
conhecidos e vizinhos serão mortos se não me acompanhar. — Ouvi
Sebastian em algum lugar ali perto.
Eu me movi no piloto automático, precisava sobreviver por mim, pela
vovó e pelo Jason. Depois prosseguiria com meu luto. Corri para o quarto
que ficava no final do corredor.
— Não a deixe fugir, ou eu mato você também — gritou o monstro.
Um cara veio atrás de mim. Meu coração gelou assim que ele tentou
pegar meus cabelos. Fui mais rápida e coloquei a palma da minha mão para
abrir a porta. Entrei no quarto e fechei-a logo a seguir. A porta só abria com
as digitais minhas e de vovó, então eles não conseguiriam entrar.
Era um quarto de três e meio por três e meio, com uma porta de aço
reforçada com concreto e revestida de aço inoxidável. Quando perguntei se a
vovó estava fazendo um cofre para guardar os bens que não tinha, ela apenas
deu uma risada. Uma risada que nunca mais ouviria...
Tinha celulares descartáveis, e cartões de crédito e débito em meu
nome. Coloquei tudo na bolsa preta para levar nas costas e peguei uma mala
maior com dinheiro dentro, não sei quanto, e também não me importava
agora.
Há um ano, vovó me levou ali e mostrou onde ficava tudo. Falou que se
um dia precisasse sair às pressas, poderia carregar o essencial, como
dinheiro, cartões e passaporte. Estava com minha bolsa no meu ombro, onde
se encontrava meu celular, que logo peguei e quebrei com o pé. Não sabia
como isso funcionava, talvez ele rastreasse o meu número. Se esse homem
fosse igual os caras dos filmes, faria algo assim.
Saí pelo alçapão no meio do cômodo. Embaixo ficava o túnel que dava
a quatro quadras de casa. Segurei as duas bolsas, por sorte uma era pequena,
e corri pelo túnel usando uma lanterna para enxergar e não me machucar,
pois não teria como explicar os machucados ao Jason depois.
Sebastian não podia saber do Jason nunca, porque se isso acontecesse,
ele o mataria como fez com vovó... Jason teria de sair da cidade; se ficasse,
seria o seu fim. Sebastian poderia usá-lo para me levar com ele e fazer o
quisesse comigo, e o pior, não deixaria Jason vivo no processo.
Conhecia só uma pessoa que podia me ajudar a protegê-lo. Cheguei à
casa do Dom, ele estava dando uma festa. Isso não era novidade, já que o
fazia direto. Deixei as mochilas em seu Cadillac Eldorado 67.
Entrei quase correndo e parei alguns de seus amigos, que estavam
bebendo e se divertindo, ao contrário de mim, destruída por dentro.
— Vocês viram o Dom? — Ofegava por ter corrido.
Algumas pessoas disseram que não sabiam dele, outros comentaram que
ele estava com alguém no seu quarto. Pensei nesses adolescentes se
divertindo sem saberem que suas vidas pudessem correr perigo, devido ao
monstro que era o meu pai. Talvez ele os massacrasse só porque alguns
estudavam comigo, ele mesmo disse que mataria todos à minha volta.
— A polícia está vindo, precisam ir embora, a não ser que queiram ir
para a cadeia. — Muitos ali eram menores de idade. Todos saíram correndo
como o diabo fugindo da cruz.
Esqueci sobre eles por enquanto e dirigi-me ao quarto do Dom, abrindo
a porta sem bater. As horas estavam correndo, não podia enrolar mais e
deixar Jason resolver me buscar em casa, isto seria o fim dele e o meu.
Arregalei os olhos com o que vi. Pamela estava de joelhos na frente do
Dom, com o pau dele em sua boca. Uma visão que não queria ter nunca.
Balancei a cabeça para expulsar essa cena da minha mente.
— Tabitta, o que foi? — Dom se pôs de pé nu. Eu não olhei, não
querendo essa memória para a posteridade. Pamela estava nua também e
ficou ao lado dele, me encarando com raiva. Dom não parecia
impressionado com a nudez da garota.
— O que você quer? — gritou. — Já não tem o Jason, agora vai querer
o meu Dom também?
Dom estreitou os olhos para ela, pareceu se esquecer de que os dois
estavam pelados.
— Você é só uma foda, um pedaço de carne, nunca se esqueça disso —
desdenhou, sombrio. Eu me encolhi por ela. — Quer saber? Nem um pau
você é boa para chupar, então pegue suas roupas e vaze da minha frente.
Dom era um cara legal, mas quando essa sombra entrava em suas
feições, era como se ele fosse outra pessoa. A causa? Eu não fazia ideia.
Uma vez, perguntei ao Jason sobre isso, mas nem ele que era o seu melhor
amigo sabia de nada.
Pamela pegou suas roupas no chão e saiu chorando porta afora.
— O que foi? — perguntou num tom confuso. — Por que está aqui? Não
era para você estar em um encontro com Jason no chalé?
— Coloque suas roupas, pegue tudo que precisar e bote na mochila,
porque precisamos ir embora.
— O quê? Por quê? — Franziu a testa.
— Porque você está indo embora da cidade agora.
Ele arfou.
— Eu não vou a lugar algum, Taby. O que houve, por que está agindo
assim?
Fui ao seu armário e peguei suas roupas do cabide. Suas mãos
seguraram meu braço e me sacudiram. Percebi que estava tremendo, mas
tentei me controlar, não me permitiria quebrar.
— Me diga o que há, porque está me deixando doido.
— Precisamos ir logo, eles podem estar a caminho daqui, atrás de mim
e do Jason. — Fitei-o com os olhos molhados. — Por favor, só quero salvá-
lo.
Engoli o choro. Precisava ser forte para o que faria a seguir, depois eu
poderia me desmanchar à vontade, já que estaria sozinha e com minha alma
vazia.
— Quem são essas pessoas que estão atrás de você e Jason? — Vestiu
jeans e camiseta. — Talvez eu possa cuidar deles...
— Não! — gritei. — Eles parecem ser da máfia ou coisa assim.
Mataram a vovó.
Espantou-se.
— O quê?
— Dom, não podemos ficar conversando, precisamos ir até a cabana
antes que Jason resolva aparecer lá em casa, aí sim estaremos todos mortos.
— Eu me encolhi com essa ideia. — Pegue o que necessitar, porque vocês
não vão voltar mais. Esse homem deve saber tudo sobre mim e Jason, e pode
usá-lo para chegar até nós.
— E minha mãe? — Botou mais roupas dentro da mochila.
— Você a busca antes de sair da cidade. Leve-os para longe de Austin,
distante desse homem.
— Quem é esse cara? Qual é o seu nome? — perguntou assim que
entramos em seu carro.
— Meu pai, Sebastian Ruiz.
Pisou no freio devido ao choque.
— Desculpe, você disse “pai” e “Sebastian Ruiz” na mesma frase? —
Seus punhos estavam cerrados no volante com força.
— Já ouviu falar dele? — Arregalei os olhos.
— Sim, ele é o chefe do maior cartel mexicano, um dos homens mais
poderosos no mundo do tráfico, tanto humano como de drogas. — Soava
amargo. — Soube que tem federais atrás dele, mas nunca conseguiram
provas o suficiente para derrubá-lo.
— Esse desgraçado usava minha mãe para se prostituir, e ia me levar
com ele...
— Faria o mesmo com você? — rosnou.
— É o que parece. Caras como ele não têm amor paternal, aliás, acho
que nem sabe o que é isso. — Limpei as lágrimas do meu rosto. — Tenho
medo de que ele vá atrás de Jason, então é melhor para todos... eu ir
embora... — Precisei respirar, porque depois disso estaria apenas vegetando
na Terra. — Ele disse que se eu não fosse, mataria todos meus amigos e
vizinhos.
— O que pensa em fazer, Taby? — inquiriu, me avaliando.
— Você vai levá-lo junto com sua mãe para longe daqui. Para alguma
cidade fora do Texas — murmurei.
Ele me olhou de lado.
— E você?
— Eu vou embora também, mas não com vocês, não vou correr o risco
deles me acharem e matarem Jason... — Minha voz falhou.
— Tabitta...
— Eu o amo como nunca amei ninguém nessa vida, por sua segurança
sou capaz de tudo, até de viver na solidão para ele ficar seguro e feliz,
mesmo que seja longe de mim. Jamais colocaria Jason em risco. — Peguei
sua mão, a que não estava no volante. — Por favor, fique do meu lado.
Ele respirou fundo.
— Você sabe o que está me pedindo? — Sua voz estava quebradiça
como vidro.
— Sei que será difícil, já que ele é o seu melhor amigo, mas é a sua
própria segurança que está em jogo. — Expirei; meus pulmões doeram.
Suspirou.
— Ele vai sofrer, Taby. Aquele cara morreria por você — sussurrou,
entristecido.
— O importante é ele continuar seguro e vivo... — Meu peito pesava
com o que aconteceria comigo e com ele dali para frente.
Assim que chegamos, Dom desligou o carro. Por sorte, era noite. Jason
não veria o Dom, mas saberia que era ele no carro.
— Vá buscar sua mãe, passe longe da rua de casa. Depois, venha pegar
o Jason. Ele estará inconsciente, então cuide dele, ok? Enquanto isso, vou me
despedir.
— Dirá que vai embora?
— Não, não posso dizer adeus, não conseguirei partir assim... E
também ele jamais permitiria.
— Aonde você vai depois daqui?
— Não sei ainda. — Toquei a mochila preta e grande no banco de trás.
— Isso é para vocês viverem por enquanto. Não diga que eu dei, invente
alguma coisa. O que está aqui bastará para vocês dois irem à faculdade e se
formarem. Têm notas boas, poderão entrar em qualquer uma.
Abriu a bolsa e assoviou. Eu não sabia quanto tinha, mas era mais de
quinhentos mil, acho que por isso meu ombro ficou doendo por carregá-la no
túnel escuro.
— Menina, de onde esse dinheiro saiu?
— Minha avó sabia que logo esse homem chegaria para nos procurar,
por isso arrumou tudo, o quarto com porta de aço e leitor de digitais, e o
túnel por debaixo da casa, foi assim que fugi. — Peguei a mochila menor e
coloquei no ombro.
— Daqui a meia hora, eu volto. — Parecia estupefato com o que eu
disse e tinha o semblante triste pelo que teríamos de fazer.
Fui para a cabana, nosso ninho de amor, onde era para comemorarmos o
dia mais importante da minha vida, nosso primeiro ano de namoro. Tudo que
é bom dura pouco, não?
Antes que eu batesse, ele abriu a porta e olhou o carro do Dom indo
embora.
— Aquele é o Dom?
Segurei tudo para não chorar ao ter de deixá-lo.
— Ele me deu uma carona, disse que não queria que eu perdesse nossa
comemoração.
— Por que não veio no carro da sua avó? — questionou, confuso.
Controlei a dor por perder vovó. Nem um enterro eu poderia dar a ela,
tudo por culpa daquele maldito monstro desalmado.
— Ela o usaria hoje — menti. Jason sempre foi bom em me ler, logo,
puxei uma máscara de tranquilidade e sorri, trancafiando minha dor.
— Então vamos aproveitar! Um ano de namoro; com certeza, haverá
muito mais. — Sorriu com tanto amor que me encolhi, porque amanhã esse
sorriso lindo não estaria mais estampado em seu rosto.
Beijei-o para mostrar o quanto eu o amava com cada fibra do meu ser.
Logo ele me odiaria e tentaria me esquecer nos braços de outra mulher.
Jason tirou minhas roupas e colocou-se dentro de mim.
— Promete que nunca ninguém tocará esse seu corpo, Taby, só eu? —
Sempre perguntava isso, era como se tivesse medo que o sonho lindo que
estávamos vivendo acabasse. Ele nem imaginava que esse sonho terminaria
antes mesmo de começarmos nossa vida juntos.
Gritei em cada estocada dada, até que gozamos em sincronia. Fitei seus
olhos lindos e brilhantes.
— Prometo ser sempre sua, e de mais ninguém — jurei com tudo da
minha alma, que urrava de dor. Eu sabia que ele não cumpriria sua promessa
de só pertencer a mim, não depois de pensar que o abandonei.
— Eu a amo, para sempre.
Beijei a borboleta que tatuou no peito, simbolizando nosso amor.
— Eu também te amo mais que a vida. — Isso era verdade. Decidi me
submeter a uma existência de solidão e tormento apenas para ele ficar
seguro.
— Taby, me dê sua mão — pediu, ao que obedeci. Não sabia o que ele
faria, mas jamais hesitaria diante de um pedido desse homem. Fiquei
surpresa assim que vi um anel de ouro com uma pedra azul no meu dedo. —
Eu te amo mais que o sol e as estrelas. Por você, eu daria minha vida, minha
alma e tudo que há em mim. Tabitta Rodrigues, aceita ser minha esposa?
Prometo amá-la para sempre.
— Sim, mil vezes sim — respondi, beijando-o de novo e entregando
meu amor e corpo a ele. No dia seguinte já não poderia fazer isso... Queria
chorar com a dor no meu peito, contar tudo, mas não podia. Apenas me
desfrutei dele e de todo seu amor por mim.
Levantei-me depois da segunda vez que ficamos juntos. Chegou a hora
de comer o bolo que ele fez para mim. Comemoramos meu aniversário,
enquanto ele cantava parabéns. Era um momento que queria registrar para
sempre, uma lembrança que não esqueceria jamais.
Coloquei um sonífero em sua bebida. Minha alma cortava por fazer isso
com ele, contudo, não havia alternativa.
— Beba um pouco. — Entreguei o suco; logo ele apagaria.
Podia deixá-lo acordado e simplesmente ir embora, mas sabia que ele
partiria atrás de mim e reviraria cada canto da cidade. Isso não podia
acontecer, não com Sebastian à solta. Depois que Dom os levasse para
longe, seguiria na direção contrária. Faria com que Sebastian me localizasse,
talvez em Londres ou na China, assim tiraria o foco dos meus amigos e do
garoto que amava. Um purgatório, era isso que minha vida se tornaria dali
em diante sem Jason, o único homem que eu amei e amaria para sempre.
Capítulo 11
Luta
TABITTA
Presente
TABITTA
— O que foi? Está silenciosa — sondou Jason, enquanto me abraçava
de lado e beijava meus cabelos. Nós dois estávamos indo para o hotel onde
ficaria hospedado junto com as pessoas que trabalhavam para ele.
— Estou bem — menti.
— Não faça isso.
— O quê?
— Não minta para mim — pediu. — Sempre que o faz, meu coração
gela, pensando no pior. Antes era fácil ler você, agora não é tanto, isso me
deixa doido.
Eu me encolhi.
— Talvez isso aconteça...
— Tabitta, pelo amor de Deus! — Alterou-se dentro do carro. Foi tão
alto que o motorista dele olhou para nós no banco traseiro. — Você vai me
deixar maluco aqui.
— Não estou falando que eu vou deixá-lo, mas o que direi a você hoje
pode mudar sua opinião quanto a querer ficar comigo. Talvez não me queira
mais. — Minha voz falhou.
— Nada vai mudar, Taby. Eu a amo a ponto de não conseguir respirar
sem você. — Beijou meus lábios.
Eu assenti, mas não respondi; talvez não fosse verdade. A cada segundo
que nos aproximávamos do Hotel Calion, meu coração gelava e minhas mãos
suavam. Nunca me senti assim, nem mesmo quando apontavam uma arma
para mim. Expulsei esse pensamento, ficaria pior se me lembrasse do que
houve em Chicago.
Na suíte do hotel, havia algumas meninas dançando com poucas roupas.
O pessoal que trabalhava para ele estava ali, como o agente Luís, o treinador
Silas, e também alguns colegas de Jason.
Tinha um homem louro com cabelos compridos abaixo dos ombros.
Lembrava-me dele do hospital, quando fui visitar Angelina e Shane. E outro
com cabelos negros e curtos, com roupa social em vez de jeans e jaqueta,
como o cara louro. Também me recordava dele do hospital.
— Ora, ora, quem é essa...
Jason cortou-o com os punhos cerrados.
— É melhor vigiar o que fala, se não quiser precisar de um médico,
Jordan. — Jason me abraçou forte de lado e olhou para os caras. — Esses
são meus amigos, Daniel — gesticulou para o moreno de cabelos negros,
depois apontou para o outro — e Jordan, que vai levar um soco se não parar
de encarar você.
Jordan sorriu, inabalado.
— Estou te olhando não por ser linda, sabemos que isso você é. Apenas
fiquei impressionado por conhecer pessoalmente a mulher que fez Jason se
apaixonar por ela há quase dez anos, e mantê-lo fissurado até hoje — disse,
chocado que alguém amasse uma pessoa por tanto tempo. Decerto nunca se
apaixonou. Adoraria ver isso acontecendo com ele. — Angelina vai amar
saber disso.
Levantei as sobrancelhas.
— Angelina? Por que ela amaria Jason estar com alguém?
— Quer calar a boca, Jordan? Ou eu vou ter que fazer isso? — sibilou
Jason, fuzilando o amigo.
— Deixe-o contar, estou louca para saber o que Angelina tem a ver com
a história — pedi.
— Fizemos uma aposta alguns meses atrás com Angelina... Daniel —
apontou para o seu amigo —, Bryan, Jason e eu.
— Que tipo de aposta? — Angelina participando de uma aposta? Isso
era novo. Desde que a conheci, a menina nunca se arrumava ou saía para se
divertir, o que era um erro, já que a garota era linda.
— Jordan — avisou Jason.
— Não seja estraga-prazeres. — Sorri. — Eu quero saber.
— Nós quatro temos que namorar uma menina durante dois meses. —
Revirou os olhos. — Sem as trairmos, e também levando-as a piquenique e
parques. Um carma, não acha?
Joguei a cabeça para trás e gargalhei por alguns segundos.
— Sério? Oh, vou adorar presenciar isso — disse, entre risadas. —
Não sabia que Angelina era tão espirituosa em propor isso a um bando de
bad boys mulherengos como vocês.
— Ela disse que ia começar por Jason — contou Jordan.
— Até desconfiamos que você fosse a amiga policial que ela
mencionou. Dá para acreditar na coincidência? — Daniel sorriu para mim e
Jason.
— Quanta gentileza dela me arrastar a essa aposta, não é? — Sacudi a
cabeça, ainda sorrindo. Jason me avaliava. — Embora eu fosse adorar os
passeios no parque e piqueniques com você.
Ele sorriu para mim e beijou meus cabelos.
— Eu também adoraria, querida — declarou.
— Devo mencionar que você é mais linda do que ela disse? — falou
Jordan, depois se apressou em explicar após o rosnado de Jason: — Com
todo o respeito, claro.
Revirei os olhos.
— Obrigada, Jordan.
Jason fechou a cara.
— Quero que leve essa festa para outro lugar — ordenou, dirigindo-se
a Silas e seus amigos.
— Não precisa mandá-los embora, apenas vamos para o quarto. —
Peguei sua mão. — Deixe-os fazerem sua festa enquanto fazemos a nossa.
— Já gosto dela — Jordan sorriu, piscando para mim.
Jason me puxou para um quarto, aliás, uma suíte máster, com cama
California king com lençóis brancos, alguns outros móveis, como sofá e
mesas, e uma vista para a cidade.
— Então Angelina fez uma aposta com vocês, hein? — inquiri,
querendo saber o que ele pensava sobre isso.
Ele me puxou e me abraçou forte.
— Sim, mas não estou com você por uma aposta. Sabe disso, não é? —
Beijou-me por um momento.
— Eu sei. Jason, nós precisamos ter a conversa agora.
— Estou tremendo aqui, nunca reagi assim, nem quando vou lutar.
— Desculpe, preciso revelar a verdade, o que houve aquela noite, o
porquê de o deixar, e também outra coisa. Não sei se vai me perdoar. Espero
que sim, porque o amo. — Fomos interrompidos por um grito de criança, o
que fez meu corpo tremer e gelar, pois reconheci a voz.
— Não pode ser! — sussurrei, correndo atrás de Jason, que já estava
indo para a sala.
— Que droga está acontecendo aqui? — rosnou Jason.
Assim que cheguei à sala, me deparei com alguém que não deveria estar
ali. Seus olhos foram do Jason para mim, arregalados.
— Mamãe?
Todos da sala me encaravam, menos Jason, concentrado em Emily. Não
liguei a princípio por ele descobrir sobre ela desse jeito. O pior era que
havia um homem desmaiado e ensanguentado no chão, e, perto da minha
filha, um garoto louro, acho que de uns onze anos, mais ou menos. Emily
segurava um taser que dei a ela.
— O que está fazendo aqui? E quem é esse homem caído no chão? E
esse menino? Por que saiu de casa? Cadê a Samira? — Emendei uma
pergunta atrás da outra. — Responda, Emily.
Ela deu o taser ao menino.
— Descobri que Jason é o meu pai, mamãe. Por que nunca me disse a
verdade? Foi porque ele a abandonou e não queria ficar conosco? — A dor
era evidente na sua voz.
Um ruído sofrido saiu da garganta do Jason. O restante das pessoas
estava em silêncio, em choque ao descobrir tudo.
— Nós vamos conversar sobre isso, mocinha, assim que eu souber
quem é esse homem e por que usou um taser nele. E, ao que parece, seu
amiguinho aqui furou sua mão, porque ainda segura a arma do crime. — O
garoto carregava um estilete. — Quem começa?
— Esse desgraçado raptou minha irmã — disse o menino, pegando uma
foto do bolso e me mostrando. Ela era loura, acho que tinha uns quinze anos.
— Eu estava chegando em casa quando eu vi esse cara a colocando em seu
carro hoje cedo.
— Como veio parar com ele? — sondei, já querendo matar esse filho
da puta por raptar uma garota.
— Fui à polícia, mas eles não ligaram para mim, por ser uma criança.
Então andei pelos bairros caros daqui, já que seu carro era um Maserati. Foi
quando eu o vi e o enfrentei, dizendo que queria minha irmã de volta. O
homem falou que se eu quisesse ver minha irmã, deveria ir com ele. Não
acreditei nele nem um pouco. — Gesticulou a cabeça na direção da Emily.
— Sabia que era malvado. Quando ele viu sua filha, o seu olhar era daqueles
pedófilos, nos ensinaram sobre isso na escola. Não gostei do jeito com que
olhou para ela.
— Eu sei me defender — replicou minha garota.
Fechei a cara para ela, com o meu coração gelado devido ao perigo que
passou e o que poderia ter acontecido.
— As coisas não estão bonitas para você, mocinha. Se for para fazer
gracinha, é melhor ficar calada. Agora eu quero que vocês dois vão para
aquele quarto e fiquem lá até eu chamar. — Apontei para o quarto onde eu
estive com Jason há pouco. — Sem reclamações.
— Mas mamãe... eu queria... — Ela olhava para o Jason, que parecia
uma estátua ali de pé. Emy queria a verdade, mas teria de esperar.
— Agora, Emily! — ordenei. Só usava esse tom quando precisava. —
Depois conversaremos.
Assim que os dois foram para o quarto, virei para o Jason, que me
fitava em transe.
— Entendo que tenha muitas perguntas, e vou responder a todas elas,
mas preciso me livrar desse lixo. — Abaixei-me diante do homem e mexi em
seus bolsos.
— O que está fazendo? — questionou Jordan.
— Preciso achar algo... ah, aqui. — Peguei o celular, a sua carteira e a
chave do quarto dele. Procurei o meu telefone.
— Para quem vai ligar? — indagou o agente do Jason. — Não pode
chamar a polícia daqui do quarto do Jason, se a imprensa souber, será um
desastre. Agora que acalmou sobre o ataque na casa dele, não podemos
encarar mais escândalo.
— Por isso vamos levá-lo para o seu quarto, cuja chave eu tenho. —
Sacudi-a a eles.
— Sua filha é bem valente, não é? — Jordan piscou para mim e Jason,
um tanto chocado. — Acho que puxou a vocês dois. Eu nem acredito que tem
uma filha! Você sabia sobre ela e não nos disse, Jason?
Deixei-o murmurando com Daniel e Jason, e fui virar o rosto do cara no
chão. Olhando para ele, fiquei com mais raiva do que esse maldito queria
fazer com minha filha.
— Algum de vocês pode trazer minhas algemas e minha arma? Estão na
minha bolsa no quarto — pedi, checando sua identidade. — Ora, ora, se não
é Júlio Weston.
— Conhece esse cara? — perguntou Silas, me entregando o que
solicitei.
— Sim, ele está na lista de procurados do FBI. É acusado de
homicídio, sequestro e tráfico humano. — Algemei suas mãos e dei um tapa
na cara dele para acordá-lo, mas o bastardo nem se abalou. — Droga, acho
que o choque foi grande. Podem me ajudar a levar esse filho da puta para o
seu quarto? — Havia cinco homens ali: Luís, Silas, Jordan, Daniel e Jason.
Daniel e Jordan o carregaram. Jason continuava em silêncio esse tempo
todo, acho que furioso e com raiva demais para dizer algo. Eu liguei para o
Papy. Depois eu falaria com Jason.
— Taby, não está de licença? — perguntou Papy ao atender o telefone.
Eu só ligava nesse número quando era trabalho.
Contei a ele tudo o que aconteceu, tanto acerca do cara que tentou me
matar no clube, quanto do bandido foragido Júlio Weston, que queria levar
minha filha com ele. Também disse que ele estava no Hotel Calion
algemado, e pedi para enviar agentes.
— A Emy foi até o hotel para ver o Jason a essa hora da noite sozinha?
— Senti sua voz tremendo.
— Pois é, Papy, mas isso é minha culpa, eu deveria ter suspeitado que
ela estava aprontando alguma coisa, toda entusiasmada, querendo conhecer o
Jason. — Olhei para ele do meu lado, abrindo a porta do quarto e entrando.
— Nós estávamos fazendo uma emboscada para prender esses bandidos
hoje. Júlio e Matias Weston não verão a luz do dia nunca mais — rosnou.
O apartamento era grande e vazio, exceto por um sofá e colchões em
vários lugares. Não desejava nem pensar o que eles faziam nesses colchões
ou eu mataria esse cara antes da polícia aparecer. Apontei para o sofá.
— Coloque ele ali. — Viemos Jordan, Daniel, Jason e eu. Nenhum
deles conversava muito, então o barulho que ouvi ao entrar no apartamento
me fez ver fogo: gemidos, e não de prazer, mas de dor, provenientes do
quarto.
Olhei para os caras ali.
— Papy, fique na linha. Vocês três, me esperem aqui. — Coloquei o
celular no viva-voz e escondi no meu top. Levantei minha arma e fui na
direção do quarto.
— Taby... — chamou Jason à meia-voz. Era a primeira vez que ele
dizia meu nome, depois de tudo. Acho que temia por minha vida.
Eu o ignorei e fui em silêncio ao quarto. O que vi me enojou e me fez
querer matar ao mesmo tempo.
Havia um homem sem camisa e com as calças abaixadas e uma garota
amarrada na cama, sem roupas. Sua boca estava com um pano,
impossibilitando-a de gritar. O medo e o terror eram evidentes em seus
olhos.
— FBI, coloque as mãos para cima onde eu possa ver — gritei. O cara
deu um pulo e já ia pegando sua arma na cabeceira da cama para atirar em
mim.
Eu estava prestes a puxar o gatilho quando alguém deu dois tiros no
peito do cara, que caiu para trás, morto. Vi Bryan com os olhos sombrios e
sua arma em punho. Não deixei de me sentir aliviada por ele ter aparecido,
porque na hora de atirar eu gelei. Não estava preparada para fazer isso de
novo, por isso tanta terapia
— O que faz aqui? — inquiri, olhando ao redor.
— Estava junto com os agentes preparando a emboscada. Devido ao
que aconteceu, tivemos de acelerar as coisas. — respondeu, soltando as
mãos da garota e tirando a mordaça de sua boca. — Vai ficar tudo bem,
somos da polícia.
A menina chorava e se cobriu com o lençol.
— Eles chegaram a... — sondei.
— Não, vocês apareceram a tempo de impedir. Obrigada. — Parecia
agradecida e aliviada.
— Tudo bem. — Não falei sobre seu irmão, achei melhor esperar. Era a
mesma garota que vi na foto do menino no apartamento do Jason. Ainda bem
que impedimos uma catástrofe.
— Há mais meninas ali dentro. — Ela apontou para uma porta do lado
direito do quarto. — E alguns homens com elas.
Bryan e eu corremos para a porta. Meus nervos travaram vendo umas
sete meninas entre doze e dezessete anos, todas encolhidas lá dentro, em
cima de colchões sem lençóis. E os caras em pé, vestindo as calças; acho
que ouviram os tiros. Duas garotas estavam machucadas.
— Oh, Deus! — exclamei. — Papy, olhe isso. — Mandei fotos das
garotas em cativeiro para ele e dos homens que procurávamos: políticos e
alguns empresários.
— Estamos entrando no prédio — respondeu.
— Algumas não parecem ser dos Estados Unidos, precisamos contatar
as embaixadas de seus países. — Meu coração sangrou só de pensar que
minha filha poderia ser uma delas, com algum desgraçado abusando dela.
Bryan mandou todos se deitarem no chão e os algemou.
— Vamos ver como aparecerá amanhã na TV. “Senador foi pego com
menor de idade em cativeiro’’. Sabe qual é a parte boa disso tudo? Você não
vai ver a luz do dia nunca mais, seu traste! — Virei para as duas meninas
machucadas: — Qual deles fez isso com vocês?
Apontaram para um cara alto, parecia que lutava boxe; era um político
também.
— Solte-o, Bryan. Vamos ver se ele gosta tanto de bater em mulher me
enfrentando mano a mano.
— Isso não vai acontecer — rosnou Jason, entrando no local e arfando
vendo os homens e as garotas encolhidas no canto, chorando. — Você ainda
não se curou da ferida, e se um filho da puta desses a tocar, eu o mato, Taby.
Sabia que ele faria isso mesmo, logo, deixei Bryan resolver tudo
enquanto o resto dos policiais não chegava. Voltei para a sala bem a tempo
do outro filho da puta acordar.
— Que droga é você? — Júlio piscou, amarrado.
— FBI, você está preso. — Dirigi-me a Daniel, Jordan e Jason, que
estavam do meu lado ainda com os olhos arregalados: — Voltem para o seu
apartamento e me esperem lá. O FBI e a polícia estão a caminho,
provavelmente a imprensa também. Não quero o nome de Jason no meio
desse falatório, com políticos abusadores de menores.
— Não vou deixá-la — disse ele. Olhou sombrio para o homem no
sofá. — Ainda mais com esse crápula e os caras presos naquele quarto.
— Ela não estará sozinha, Jason, lhe farei companhia. E você não pode
ficar aqui. Retorne ao seu apartamento. Assim que terminarmos, ela voltará.
— Bryan entrava na sala. Virou-se para Jordan e Daniel: — Levem ele antes
que seja tarde demais.
Os dois foram para perto do Jason e pegaram o seu braço. Ele não se
moveu; seus olhos estavam em mim, com medo de me perder, não sabia se
para a morte ou por tudo que houve entre nós.
Segurei seu rosto em minhas mãos e olhei dentro de seus olhos.
— Vou ficar bem, prometo, não vou lutar com nenhum deles, juro. Cuide
de Emily para mim, ok? Daqui a pouco estarei lá e poderemos conversar
direito, tudo bem?
Ele tremeu o canto da boca e assentiu, saindo com seus amigos. Encarei
o cara no sofá.
— Estou sangrando, me leve ao hospital — pediu.
Eu ri.
— Está ouvindo isso, Bryan? Ele quer um hospital. O que acha que
somos? — Amarrei seus pés um no outro; suas mãos já estavam algemadas.
Fitei-o com frieza.
— Quantas das meninas naquele quarto disseram que estavam com dor
ao serem violentadas? Quantas gritavam, chorando, pedindo por
misericórdia? — Peguei suas bolas e apertei forte. Ele berrou de dor. —
Quantas, hein, seu filho da puta?
— Você é louca? — Ofegou. — Se são policiais, por que estão fazendo
isso? Eu vou processá-los.
— Oh, me processar? Se eu não tivesse prometido ao meu namorado
que não lutaria com ninguém, adoraria enfrentá-lo e vê-lo sangrar, verme
maldito, assim como todas as meninas que sequestrou, inclusive a minha
filha, minha bebê, que você queria trazer para cá, para estes monstros. —
Apertei mais o seu pau por cima da calça, enquanto ele uivava.
Bryan chegou com uma faca afiada de cozinha nas mãos. Júlio arregalou
os olhos.
— O que pensa em fazer? — Arquejava. — Oh, porra, sinto muito pela
sua filha, seja ela quem for.
— A criança do elevador, lembra? Ela tem oito anos e você ia
sequestrá-la. Sabe a raiva que me dá ao pensar nisso? O que me dá vontade
de fazer? Talvez, se cortasse suas bolas, você não estupraria mais meninas
ou as sequestraria para dar a caras como esses malditos que estão presos
naquele cômodo — rosnei. — Grite, ninguém vai ajudá-lo.
— Seu irmão está morto, agora vamos aliviar a dor de ter suas bolas
esmagadas ou arrancadas. — Bryan alisou a faca afiada.
Claro que não faríamos isso, mas ele não precisava saber. Até eu fiquei
espantada com minha raiva desses vermes, mas só de pensar no perigo que
minha filha correu, me encolhia por dentro.
— Queremos respostas, e você as dará a nós. — Não era um pedido do
Bryan. O cara era alegre quase sempre, contudo, algumas vezes, detectava
algo sombrio através dos seus olhos azuis.
Apertei mais as bolas do Júlio, que gritou. Ficaria dolorido por
semanas, o que era bom: todo sofrimento para ele era pouco.
— Eu falo, apenas tire essa mulher louca de perto de mim...
Eu me afastei um pouco e sorri, satisfeita. Ele nos entregou todas as
bocas de tráfico humano da cidade e de vários outros lugares. Os dois, e
mais alguns homens, estavam envolvidos nisso. Deu nomes de políticos e
famosos, os que foram pegos ali.
Os agentes e a polícia chegaram e os levaram embora, um morto e o
outro vivo — conhecendo Sebastian, não por muito tempo, já que ele deu
com a língua nos dentes. Deus me perdoe, mas não tinha dó desse tipo de
gente. Podia até estar sendo antiprofissional, mas era o meu jeito de resolver
as coisas. Os crápulas deputados e senadores também foram detidos; a
perícia examinaria o local para descobrir o que mais houve lá.
As meninas foram levadas ao hospital para fazerem acompanhamento
médico. Após, seriam enviadas às suas famílias.
Quando acabei de dar meu depoimento, o garoto foi levado para junto
da irmã, e ligaram para sua mãe.
Concedi uma entrevista a uma TV, pondo em ação o plano que sabia que
ia funcionar. A carta já tinha sido jogada, agora era só esperar o resultado.
Fui para o apartamento do Jason. Ele estava sozinho, os seus amigos
tinham ido embora.
— Acabou? — sondou, me olhando de cima a baixo. Enxergou sangue
em mim. — Está machucada? O corte abriu? Você prometeu que não lutaria
com nenhum deles.
Neguei com a cabeça, indo até o quarto. Ele me seguiu.
— Não lutei, juro. O sangue não é meu. — Fui ao banheiro e tirei
minhas roupas, precisava ficar livre do cheiro de podridão daqueles
monstros.
Escorei-me na parede e chorei, sobrecarregada pelas meninas que
tiveram suas inocências perdidas, por minha filha que quase foi uma delas e
pela dor que Jason estava passando agora por minha causa.
— Taby... — A impotência se fazia presente em sua voz ao se agachar
na minha frente e me puxar para os seus braços.
— Elas são apenas crianças e tiveram sua inocência roubada por
aqueles bandidos... — gemi, agarrando sua camiseta. Tentei tirá-la, mas ele
me impediu.
— Taby, não. Está querendo fazer o mesmo que eu no clube, tudo por
medo de perdê-la. — Pegou meu rosto nas mãos e olhou bem no fundo dos
meus olhos. — Eu me lembro de tudo que houve naquela noite, depois da
boate, na minha casa, cada coisa que disse. Não vou deixá-la por não me
dizer que tivemos uma filha. Ela é minha filha, não é? Porque se parece
comigo.
— Eu nunca estive com nenhum outro homem, apenas você — sussurrei.
— Eu te fiz essa promessa na nossa última noite, prometi que nunca deixaria
ninguém me tocar. Eu a mantive.
— Oh, Deus, Taby! — Expirava para se acalmar e controlar a dor que
sentia. Queria poder acabar com ela, mas não era capaz. — Sinto muito.
Desculpava-se por ter quebrado a sua promessa, e eu mantido a minha.
Mas fui eu quem o abandonou e o deixou lidar com a dor sozinho.
— Não precisa sentir, Jason. No momento em que o deixei, sabia que
isso ia acontecer, era inevitável. — Eu me encolhi ao pensar nele e nas
mulheres que teve.
Desligou a água, me secou e me enrolou na toalha. Depois, segurou
minha mão e me puxou para a cama, onde Emily dormia. Já passava das três
da madrugada.
Vesti uma camiseta dele e um short que ficou maior do que eu. Jason
deitou-se de um lado da nossa filha, e eu do outro. Beijei seus cabelos.
— Oh, Deus! Se algo tivesse acontecido com ela... — Chorei.
Chegou mais perto e abraçou nós duas.
— Não aconteceu nada, então não fique pensando nisso tudo. — Alisou
meu rosto, limpando as lágrimas. — Não suporto vê-la chorando. Vá dormir
um pouco.
— Preciso te contar o que aconteceu aquele dia... — Minha voz saiu
fraca, estava sem energia. Foi um dia longo, o mais longo da minha vida.
Mas eu estava aliviada por ter as duas pessoas que eu mais amava nos meus
braços.
— Amanhã conversaremos. — Beijou meus lábios. — Amo você.
— Eu também amo vocês dois... — Estava dormindo antes de terminar
de falar.
Capítulo 13
Acerto de contas
JASON
Não preguei os olhos essa noite, observando as duas mulheres da minha
vida. Taby já era há quase dez anos, a partir do momento em que a vi.
Naquele dia, ela se tornou meu mundo inteiro. Agora, vendo minha filha, uma
filha que eu nem sabia que eu tinha... Seus cabelos castanhos, pele branca e a
maçã do rosto arredondada, cílios grandes e negros, e olhos iguais aos meus.
No clube, lutei mal porque minha cabeça não estava no ringue, e sim no
que Taby disse. Temia que ela estivesse me deixando, assim como foi nos
meus sonhos, ou melhor, pesadelos, que tive desde a hora em que ela falou
que revelaria a verdade sobre o que aconteceu naquela noite, e que isso
poderia nos afastar.
Nunca pensei que meu coração fosse se amedrontar por quase perdê-la
várias vezes em uma única semana para a morte. Quando aqueles bandidos
atiraram em nós dois na nossa casa, temi por sua vida, ao mesmo tempo que
queria acabar com aqueles filhos da puta.
Depois, quando ela foi baleada em Chicago, e no dia anterior, com
aquele homem no clube... Eu ia dar mais que um murro nele, só não o fiz por
ela. E mais o que houve aqui do lado, no outro apartamento.
Ser policial acarreta riscos, mas isso já era demais. Queria que ela
retomasse o plano de se tornar professora, como foi sempre seu sonho. No
entanto, vi que as coisas mudaram. Por que não escolheu uma profissão
menos arriscada? Se toda vez que ela saísse pela porta eu ficasse
preocupado com o que aconteceria, envelheceria antes do tempo ou surtaria.
Meus nervos estavam tão rígidos ontem que não consegui adormecer,
pensando no perigo que as duas correram. Graças a Deus, estavam em
segurança nos meus braços, a minha mulher e a minha filha, Emily.
Sentado no sofá, esperava Tabitta chegar da sua casa. Ela foi lá deixar
Emily com Samira e falar com seu pai, que estava na cidade. Taby o
chamava de Papy, embora seu nome fosse Thomas. Não sei bem a história,
mas parece que ele era como um pai para ela. Gostei de minha preciosa ter
encontrado pessoas que a amavam e a protegiam, como esse Thomas e sua
esposa, Sandra.
Emy ficava com Samira, uma garota muito legal e doce, pelo que notei
dela quando foi ali. Eu disse que não precisava mandá-la para casa, porque
já estive longe da minha filha tempo demais, oito anos sem ela. Tabitta
insistiu, então supus que nossa conversa não seria nada fácil. Eu estava
nervoso com o que ela iria me contar.
Fui até a cozinha, peguei uma garrafa de whisky e um copo e caminhei
para a sala, de modo a esperar por ela. Liguei a TV e me deparei com Taby
dando uma entrevista, falando das meninas que foram achadas, e que mais
uma rede de tráfico humano e prostituição foi fechada.
Tabitta e Thomas se encontravam perto um do outro. Ela estava séria e
com raiva, podia ver nos seus olhos através das câmeras.
— O que vocês pretendem fazer para acabar com o tráfico humano e as
casas de prostituição infantil? Os envolvidos eram somente esses dois
homens e aqueles políticos? — A repórter citou os nomes dos caras que
foram presos.
Ela olhou para a câmera, como se quisesse dar um recado a alguém.
— Pretendemos acabar com essa corja de bandidos que usam crianças
para ganhar dinheiro. Escute, seu crápula, o pegarei, não importa onde esteja
escondido. Vou prendê-lo e você nunca mais verá a luz do dia.
— Então realmente já sabem quem está por trás disso tudo? Vocês
podem dizer o nome? — A repórter sondou.
Ela assentiu.
— Sabemos sim, seu nome é Sebastian Ruiz, um homem perigoso,
capaz de tirar a vida de alguém em um segundo. Mas vamos pegá-lo e fazê-
lo pagar por tudo — declarou com firmeza.
— Assistindo à minha entrevista? — perguntou, entrando na sala.
— De um a dez, o quanto seu pai, que você provocou em num programa
de TV, é perigoso? — Coloquei a garrafa na mesinha de centro, e fiquei com
o copo cheio de bebida. Desliguei o aparelho.
Ela suspirou e sentou-se perto de mim no sofá.
— Mil, e ele não é meu pai, Papy é.
Ofeguei de pavor.
— E você o enfrenta assim, em público? Ele com certeza verá isso, não
é?
— O que queria que eu fizesse? — Pegou o meu copo e bebeu o resto
em um gole. — Por culpa desse cara, eu fiquei longe de você. Por culpa
dele, milhões de adolescentes com um futuro pela frente perderam seus
sonhos. Ele sequestrou essas meninas e as levou para longe de suas casas, de
suas cidades, e até de seus países, para forçá-las a vender seus corpos.
— Ele queria que ficássemos separados, por isso você foi embora?
— Vou te contar tudo que houve aquela noite — sussurrou. Primeiro,
falou sobre estar de saída de sua casa quando apareceram e mataram sua
avó.
— Espere, ele assassinou a sua avó? — a interrompi, chocado.
Encontrava-me tão absorto em felicidade por tê-la de volta que esqueci de
perguntar onde sua avó estava. — Mas eu voltei lá no dia seguinte e não
soube de morte alguma. Todos pensaram que vocês saíram da cidade para
nunca mais voltarem, por isso espalhei câmeras em Austin, para ver se
retornariam algum dia.
Ela se encolheu no sofá.
— Sim, ele a matou e depois sumiu com o corpo dela. Eu não podia ir à
polícia, já que ele é chefe de um cartel mexicano e teria várias pessoas
compradas lá. Além disso, não havia um corpo.
Não acreditava que a dona Margareth estava morta. Lembrava-me de ir
àquela tarde pedir a mão da Taby em casamento. Ela nem por um minuto
hesitou em dá-la a mim, um rapaz que só tinha um emprego em uma academia
e treinava para ser um lutador um dia. Sua avó não ligou para isso, ela me
aceitou para sua neta, concedendo sua benção a nós.
Meu coração se apertou ao saber o quanto Taby sofreu sozinha. Ela se
manteve pura, e eu fiquei com centenas de mulheres no intuito de esquecê-la.
Quando pensava nisso, sentia ódio de mim mesmo.
Ela relatou os seus minutos de agonia ao fugir deles, e também a sua
escolha por minha proteção, porque não me queria morto. E continuou com
seu relato nos mínimos detalhes.
— Dom te ajudou a me dopar para você se afastar de mim? — rugi
depois que ela me revelou toda a verdade. A dor que teve de enfrentar sem
auxílio, com a perda de sua avó e a descoberta de que seu pai era um
assassino e a queria com ele para fins desumanos...
Terminou afirmando que sofreu todos esses anos por ter me escondido a
verdade sobre me abandonar e a respeito de nossa filha.
Eu estava com raiva, e não dela, como Taby esperava e temia, e sim de
alguém que pensei ser meu melhor amigo, por quem entraria na frente de uma
bala.
Ela se encolheu com minha fúria, mas se apressou em explicar:
— Dom fez o que fez para protegê-lo, Jason. Ele sabia do que
Sebastian era capaz, até já tinha ouvido falar dele, acho que daqueles caras
mal-encarados com quem saía.
Eu me levantei, furioso, com os punhos cerrados.
— Não, Taby, ele era meu melhor amigo, devia ter me dito a verdade,
entende? Eu merecia saber. Você estava sofrendo sozinha em algum lugar
deste mundo, grávida, tudo por ele não me dizer a verdade.
Ergueu-se também e ficou na minha frente.
— Jason, por favor...
Sacudi a cabeça, tentando clarear minha mente. Confiava nele
cegamente. O quanto chorei e sofri após a partida dela... Ele estava lá,
presenciando tudo, e não fez nada. A mulherada que eu fodia para abafar a
dor, enquanto ele sabia que Taby me amava, e o porquê de ter partido.
Oh, Deus! Eu não a merecia, não merecia essa mulher que sacrificou
tudo por mim. Ela fazendo o impossível para a minha proteção, e eu fodendo
o mundo inteiro no intuito de esquecê-la, esquecer a única que já se
preocupou comigo e me amou de forma incondicional. O que ela sacrificou,
e o que eu fiz?
— Eu não mereço você. — Afastei-me dela me sentindo imundo, um
canalha egoísta que não merecia nem estar na sua presença.
Virei e saí do prédio com ela gritando atrás de mim para eu esperar e
me acalmar. Eu não precisava ficar calmo, precisava era quebrar a cara de
um traíra que me enganou por quase nove anos, nove fodidos anos.
Estacionei o meu carro em frente ao clube dos MCs. Estava irado e
doido para matar o meu ex-amigo.
Entrei no clube pisando forte e vendo tudo embaçado, tamanha era
minha fúria por aquele falsário. Passei pelo garoto na porta, ignorando
quando ele me saudou. Todos ali me conheciam, afinal, sempre que podia
passava lá.
Entretanto, nunca fiquei com nenhuma prostituta do lugar. Até pensei em
ficar uma vez, mas o bastardo sabia da verdade sobre Taby, e provavelmente
por isto não deixou. Mas isso não mudava nada, porque peguei várias
mulheres. Porra! Porra.
Assim que entrei no clube, me deparei com vários MCs: Nasx, Daemon,
Kill e outros. Todavia, procurava apenas um, que estava sentado no sofá
perto de uma ruiva exuberante. Ela não parecia ser prostituta, não mesmo.
Ele se levantou e sorriu ao me ver, porém, o sorriso sumiu ao notar a
minha cara de fúria; acho que fúria era pouco, estava mais para serial killer,
parecia até o Kill (ou melhor, Michael, seu nome real). O bastardo era um
cara de coração frio; pelo menos era o que sua expressão demonstrava.
— Jason, o que... — interrompeu-se quando soquei sua boca e o sangue
jorrou. Ele cambaleou para trás. Alguns caras tentaram me parar, mas
derrubei todos. Armas e facas foram apontadas para mim. Não liguei: peguei
o Dom pelo colete e olhei em seus olhos.
— Solta-o ou eu vou atirar — rosnou alguém com quem não me
importei.
— Ninguém atira — ordenou Dom.
— Mas esse louco vai matar você! — sibilou a ruiva, irritada comigo.
— Quando descobriu? Ela te contou? — sondou, sem nunca desviar os
olhos de mim.
Eu o prendi na parede e soquei seu estômago com força; ele gemeu.
Sentia alguns caras se aproximando.
— Ninguém entra nesta briga.
Seu clube inteiro estava doido para atirar em mim. Eles matariam e
levariam um tiro por Dom, como eu também teria levado um dia.
— O quê? Que meu melhor amigo me traiu, porra? — Dei mais um
soco. — Eu confiava em você com a minha vida! — E outro.
Ele não estava se defendendo, apenas apanhava calado, exceto pelos
gemidos. Seus amigos queriam impedir, mas não o fariam, porque seguiam as
ordens de Dom, já que ele era seu chefe. Eu só não sabia dizer da ruivinha
brava.
— Não vai se defender? Só vai ficar aí levando? — Joguei-o em cima
de uma mesa de sinuca e peguei o taco de bilhar. — Eu confiei no meu
amigo, e o que você fez? Ajudou ela a me deixar, e tudo para quê? Você se
interessou por ela? Por isso a ajudou a se livrar de mim?
Sentou-se na mesa e limpou o sangue que escorria pela sua boca.
— Você é louco? Nunca me interessei pela Tabitta, ela sempre foi uma
amiga para mim, assim como você, Jason.
Eu ri com desdém.
— Amigo não faz o que você fez, não deixa uma mulher colocar seu
amigo para dormir, depois o leva embora e a abandona grávida de uma filha
dele para se virar sozinha, porra! — Minha carne tremia devido à raiva que
me consumia.
— Grávida? Ela não me disse isso. — Havia dor em seus olhos. — Se
quer tanto me matar, me mate logo, cara. Não acho que socos são suficientes
para me fazer pagar por ajudar Taby. Se quiser acabar com a minha vida,
fique à vontade, ninguém vai impedir.
— Não conte com isso. — A ruiva me peitou com um olhar homicida.
Após, virou-se para o Dom: — Se ele o ferir mais, vou acertá-lo, e não
perderei uma noite de sono com isso.
A ruiva tinha cabelos anelados e íris cor de ouro.
— Então, quer me enfrentar? Pode vir, seu filho da puta, não tenho
medo de homens fodões como você — sibilou, com uma adaga em cada mão,
pronta para atirar.
Eu estreitei os olhos.
— Esta é a linha que você não pode ultrapassar, igual me falou uma
vez. — Dom olhou para a ruiva e depois para mim. — Ela é a linha que
ninguém cruza.
Fuzilei-o.
— Você cruzou essa linha quando a deixou ir embora e não me contou
nada. — Dei mais um soco na sua cara. — Seu bastardo!
— Dom! — gritou a ruiva, chorando, prestes a atirar suas adagas, mas o
tiro veio antes.
Congelei pensando que alguém tinha atirado em mim. Não senti dor
nenhuma, mas o espelho do lado de nossas cabeças se espatifou em milhares
de cacos de vidro.
Todos observavam a porta da frente, com suas armas direcionadas para
lá também. Surpreendi-me vendo Taby, que também segurava uma arma nas
mãos.
— Abaixe a sua arma agora — rosnou um prospecto, querendo bancar o
machão.
No clube dos MCs, existia uma hierarquia: prospecto, quando se está
iniciando para se tornar um motoqueiro MC com colete e tudo; vice-
presidente, igual a Nasx; e presidente, como o Dom. Ele era o cabeça do
grupo.
Eu me esqueci do Dom e da minha raiva por ele, e fui até ela, que
parecia não ligar para mais de vinte armas apontadas para si. Eu já estava
ficando louco, porque se alguém atirasse nela, não sabia o que faria.
Morreria ou iria para a cadeia, porque ninguém a machucaria e sairia vivo.
— Ninguém atira — ordenei aos caras sombrios.
Taby riu, ignorando-o e fitando o garoto.
— Quantos anos têm? Dezesseis? Sua mãe sabe que está aqui, menino?
— zombou.
O garoto inflou o peito.
— Tenho dezenove anos e não preciso da autorização da minha mãe
para fazer o que quero. — Ainda apontava a arma para ela.
— Você possui licença para ter uma arma? — Ela não conseguia ver as
coisas e simplesmente deixar seu lado policial de fora. Fez o mesmo comigo
na minha casa, checando a procedência da minha coleção de armas.
Taby sorria inabalável, como se esses homens fossem brincadeira de
criança. Ela abaixou sua arma.
— Eu, ahm... — Piscou, meio chocado, buscando o Dom atrás de mim.
Com certeza não possuía porte.
— Todos abaixem as porras das armas — ordenou Dom, gemendo de
dor. — Tripper, você também.
— Espere, Tripper é nome ou apelido? — indagou Taby ao garoto, que
já tinha abaixado sua arma.
Tripper sorriu para ela.
— Apelido.
Ela assentiu e olhou para todos ali.
— Eu deveria prendê-los por não terem licença para armas de fogo.
— O que está fazendo aqui? — perguntei.
Ignorou-me e falou num tom de acusação:
— Vejo que descarregou sua raiva. Compensou viajar quase doze horas
para acertar as contas com Dom?
— Não cheguei nem perto de liberar toda minha raiva. — Eu podia ter
ido de avião, mas eu precisava pensar, então fui de carro.
— Certo. — Seu tom era seco. Ela deu a arma para Tripper, que
arregalou os olhos, principalmente quando tirou sua jaqueta e ficou só com o
espartilho, que deixava meus lindos bebês arrebitados.
— Não use essa arma, agora ela tem suas digitais. — Piscou para ele.
O garoto ofegou.
— Como sabe tanto sobre porte de armas e digitais? Você é algum tira?
— Acertou na mosca, Tripper.
Todos arfaram em sincronia perfeita, espantados. Olhavam para o Dom
como se buscassem respostas às suas perguntas mudas.
— De que departamento você é? — questionou Tripper.
Ela sorriu.
— FBI, e estou fora da folha de vocês — falou com um revirar de
olhos.
Ouvi maldiçoes de todos os lados, mas não do Dom. Ele sabia o que
ela era, só podia saber, não tinha como o cara ficar tanto tempo no escuro.
— Relaxem, não estou aqui em busca de nada ilegal. Mas devo apontar
que isso não parece faltar. Estou certa?
— Vai nos prender? Porque só vai revistar o lugar se tiver um mandado
de busca — disse Kill com seu olhar mortal e frio. Quando o conheci, eu me
perguntava às vezes se ele era mesmo humano. — Por que o maldito FBI
mandou uma va...
Cortei-o, cerrando os punhos.
— Termine essa frase e vou esquartejá-lo com as suas próprias facas
— sibilei. Tinha cabelos negros na altura dos ombros e barba por fazer. Foi
andando para mim, assim como eu ia para ele, para enfrentá-lo. O clube
inteiro ficou paralisado, apenas Dom deu um suspirou frustrado.
— Michael — chamou uma voz atrás dele. — Eu não posso ficar um
segundo longe e você já quer acabar com alguém?
Era uma garota pequena com um vestido florido, cabelos negros com
tranças nas costas e olhos verdes. Conheci Michael no clube de luta em
Cambridge, há alguns anos, quando estudava em Harvard. Ele namorava
Isabelle, uma garota doce e gentil. Fiquei sabendo que os dois se separaram
há quase cinco anos. Depois disso, ele bebia direto e se tornou mais sombrio
e mortal do que já era. Não éramos bem amigos, só colegas.
Ele sorriu para ela, guardando suas adagas nos bolsos da calça.
— Isy! — Pegou a baixinha nos braços e a levantou do chão, beijando
sua boca, esquecendo que nós estávamos ali.
Nessas horas, via que Michael era humano, embora parecesse ter algo
amedrontador nele — não igual ao passado, claro, quando perdeu Isy. Já vi o
mesmo no Lucky antes da Sam entrar em sua vida, e também via às vezes no
Bryan. Ele usava aquela máscara de garoto extrovertido, mas havia sombras
mortais em seus olhos; o abismo estava lá, o afogando a cada dia. Eu só não
sabia o porquê.
Vivendo com Dom por anos, fiquei bom em lê-lo. Talvez pelo peso da
culpa todo esse tempo, mantinha uma expressão mortalmente fria para quem
não o conhecia, por isso seu apelido era Shadow.
— Tio Jason — chamou uma coisinha minúscula, puxando minha
camisa. — Você veio aqui para me ver?
Olhei para baixo e me deparei com um monte de cabelos negros e um
par de olhos verdes. Ela sorria para mim. Eu sorri também, pegando Bella
nos braços.
— Oh, coisa pequena, como você está, querida?
Então ela contou que seu papai lhe comprou um cachorro. Michael
criando um cão? Essa eu gostaria de ver. Reparei que todos me olhavam,
tanto os MCs como Taby.
— O que foi? — perguntei.
— Desde quando a conhece? — Michael, confuso, fitou Isy, que já
estava no chão ao seu lado.
— Tio Jason bateu nos caras maus que queriam machucar mamãe e eu
— falou Bella antes de Isy.
— Caras maus? Isy? — indagou Michael, taciturno.
Suspirei e coloquei-a no chão.
— Princesa, pode ir brincar... e, hum, me deixe falar com seu pai e sua
mãe? — pedi.
Ela cruzou os bracinhos.
— Não pode bater no meu papai, ele é bom, não é um cara mau. Ele
disse que me ama até a lua.
Sorri para ela.
— Você é uma coisinha linda. — Eu me agachei à sua frente e coloquei
seus cabelos volumosos atrás da orelha. — Juro não brigar com seu pai, tudo
bem?
Bella sorriu e assentiu. Foi até Michael, que a pegou nos braços e a
beijou em ambos os lados da bochecha, fazendo-a rir de cócegas devido sua
barba grande. Depois, ela saiu para a porta da cozinha. Michael olhou para
mim e Isy.
Contei a ele que estava em Dallas para uma luta, andando no meu carro
para o hotel, quando três caras cercaram uma mulher e uma criança. Não
sabia que era Isy até acabar com os caras.
— O que eles queriam? Era gente do Berry? — sondou Michael.
Ela suspirou.
— Acredito que sim, porque um mês depois Bella foi sequestrada e eu
vim parar aqui. — Ela se encolheu, e ele colocou o braço direito à sua volta.
Michael assentiu e me olhou, agradecido.
— Obrigado por salvar minhas duas razões de viver — falou, mirando
Isy e na direção da porta onde Bella se foi.
— E eu, onde fico nisso? — arrulhou a ruiva perto do Dom, magoada,
mas parecia estar brincando.
— Você também, minha preciosa. — Sorriu para ela. Ele estava com
Isy e essa ruiva com Dom, então o que diabos era isso? Algum tipo de orgia?
— Evelyn é irmã do Michael — disse Dom, vendo minha confusão.
Lembrava-me de Dom mencionar uma vez que a família de Michael foi
morta e, sua irmã, sequestrada. Bom, ficava feliz que os dois tenham se
reencontrado. Deve ter uma história bem interessante envolvida nisso, uma
que não estava a fim de saber agora. Talvez depois, com menos raiva.
— Tremo só de pensar no perigo que você correu todos esses anos
sozinha, longe de mim, e tudo para quê? Para eu não matar meu presidente?
— Seu tom agora era mortalmente frio.
— Bem-vindo ao clube. A sua foi embora para você não matar alguém,
já a minha se foi para eu não morrer. — Trinquei os dentes para o Dom, com
minha ira crescendo de novo.
— Cadê aquelas mulheres que engravidam dos homens para prendê-
los? — falou Nasx, sorrindo, acho que para aliviar a tensão. — Não que eu
queira isso acontecendo comigo. Portanto, crianças, usem proteção.
Taby deu um suspiro frustrado, ignorando-o, e veio na minha direção.
— Você quer descarregar a raiva? Então lute comigo. Afinal, nós dois
que mentimos para você. Eu o deixei, e ele ajudou, então lute, porra —
gritou.
Ofeguei de pavor e pesar; só de imaginar alguém a machucando, ficava
grilado, até se fosse eu mesmo.
— Não vou lutar com você — disse a ela. — Jamais faria isso.
Taby meneou a cabeça.
— Não vá me dizer que tem medo de lutar com mulheres. — Enxerguei-
a passar rápido por mim, depois minhas costas bateram no chão duro de
cimento.
Arquejei com a dor nas minhas costelas. Antes que eu recuperasse o
fôlego, ela montou em mim e começou a socar meu peito. Porra! E que
socos.
— Reaja, seu bastardo, não quer descontar a raiva? Então revide —
rosnou em cada pancada.
Ouvi várias pessoas rindo, inclusive a ruivinha e o bastardo do Nasx,
que parecia uma gralha maldita.
— Luta de Jason Falcon ao vivo, e eu nem preciso pagar por isso —
Nasx cacarejou feito uma galinha. Como se ele pagasse para assistir às
minhas lutas. Todos meus amigos tinham passe livre aos eventos.
— Isso, loura, acerte seu pau e o esmague para nunca mais funcionar
com nenhuma mulher — gritou a ruiva para Taby, enquanto eu grunhia com
os socos.
Taby parou por breve segundo e olhou para Evelyn com um sorriso.
— Não posso machucar seu pau, preciso dele para me dar vários
orgasmos.
Mais gargalhadas na sala. Aproveitei sua distração e a rodopiei sem
machucá-la, colocando-a de costas, comigo por cima, e prendendo-a com as
mãos para cima e suas pernas presas às minhas.
Ela me fuzilou, tentando se soltar.
— O quê? Só vai me prender no chão? Lute comigo, não é isso que
você queria?
Respirei fundo.
— Sim, mas não com você. Droga, Taby, por culpa dele, você sofreu
sozinha, enquanto eu...
— Então é esse o problema — sibilou. — Me solte.
— Vai me atacar de novo?
— Não — grunhiu, mostrando os dentes, tão linda que só queria beijá-
la.
Eu a libertei e me levantei, pegando seu braço para erguê-la também.
Ela até pareceu esquecer que levou um tiro há nem uma semana. Ficou na
minha frente, ainda irritada.
— Essa é a causa da raiva, e não por Dom me ajudar, não é? Está se
culpando porque não fiquei com nenhum homem depois de você, enquanto
você ficou com toda a população feminina do país? — Se suas palavras
fossem facas, eu estaria todo cortado.
— Ele sabia da verdade, devia ter feito algo... para eu não...
— Sair fodendo tudo que se movia em uma tentativa de tirar sua dor?
Se você está grilado com isso, então vamos ver... — Olhou para os homens
dali. — Quem daqui é solteiro e quer transar comigo?
Todos arregalaram os olhos e não disseram nada.
— Oh, cacete, isso não está acontecendo — xinguei, frio igual a uma
geleira.
Ela me fitou, venenosa.
— Não é esse o seu problema? Sua culpa te comendo vivo? Se é por
isso, fico com vários homens e estamos quites, o que acha?
Ofeguei pensando nela com outros. O que eu achava? Ela era louca de
perguntar isso? Tentei me acalmar, mas estava difícil.
Por sorte, nenhum dos caras disse nada. Deviam entender que briga de
casal ninguém se mete. E minha paciência não estava boa, caso isso viesse a
acontecer. Eu conhecia a maioria dos homens dali, eles me respeitavam e
vice-versa. Até o Nasx que sempre foi brincalhão ficou quieto.
— Isso não está acontecendo, Taby — repeti com ferocidade. — E não
é só por isso, bati nele porque Dom mereceu, tanto que não se defendeu. —
O cara permanecia calado, sentado em um sofá. — Garanto que se fosse a
ruiva, se ela e eu fizéssemos o que vocês dois fizeram, ele reagiria da
mesma forma. — Meus olhos varreram dela para ele, encolhido no sofá,
respirando mal pelos ferimentos (merecidos).
— Você acha que eu me juntaria a um verme como você? — rosnou
Evelyn, me fuzilando e dando um passo até mim com os punhos cerrados.
Dom pegou seu braço e a puxou para ela sentar ao seu lado, gemendo no
processo.
— Evy, se controle, mulher, você não pode atacar um homem forte no
mano a mano. Se ele a machucar, um de nós dois teria de matar o outro. E
não estou a fim de assassinar um irmão.
Bufei.
— Não bato em mulheres, você deveria saber disso — retruquei.
Evelyn olhou para mim e sorriu. Essa garota era outra coisa, sua boca
atrevida e com garras de leoa, havia motivos para Dom ter sido domado por
ela, o que era praticamente um milagre. Bem, milagres aconteciam, até Ryan
também foi domado.
— Pois eu bato com maior prazer em homens. Quer experimentar? —
Dom a segurava firme pelo braço, impedindo-a de vir até mim.
Taby riu. O som que eu amava. Gostei de vê-la sorrindo, sempre que
mencionávamos ou ela ouvia das mulheres que tive, ela sofria. Fiquei
contente que a ruiva a fez sorrir, mesmo sendo às minhas custas. Essa era
minha maior tristeza: não podia mudar o passado, não podia mudar o que fiz.
— Você é das minhas, porque eu também bato em homens, pergunte a
todos os caras que já prendi. Aposto que não terão filhos por muito tempo,
incluindo o último, cujas bolas esmaguei. — Parecia deliciada com isso.
— Espero nunca ser preso por você, então. — Nasx sorriu para ela. —
Eu já gosto dessa garota. — Dirigiu-me a mim, assim que rosnei: — Com
todo respeito, é claro.
Revirei os olhos; acreditava nele. Os MCs da Fênix tinham suas regras,
e envolverem-se com mulheres comprometidas era uma das que nenhum
podia infringir. Adorava Nasx, ele me lembrava Bryan, sem a escuridão que
cercava seus olhos, às vezes. Bryan tinha isso, esperava que Alexia a tirasse
de lá, mas a menina era igual a ele, exceto que a escuridão dela parecia ser
de dor, enquanto a do Bryan era outra coisa que eu não conseguia identificar.
Agora que eu estava mais calmo, deixaria Dom falar sua versão da
história.
— Por que a ajudou com o plano tosco daquele dia?
Taby me cortou.
— Não era tosco, era para sua própria segurança — retrucou.
— Uma segurança que não pedi e da qual não precisava — rosnei e
fitei Dom, esperando que falasse.
— Quando Taby me encontrou na minha casa aquela noite e me pediu
para levá-lo para longe, eu não queria fazer aquilo porque eu era seu amigo,
e você ia sofrer...
— Sofrer? Eu estava morto esses oito anos e nove meses — sibilei num
tom entrecortado.
Tanto Taby quanto ele se encolheram.
— Eu sei, cara, e lamento por isso, mas eu já sabia da fama de
Sebastian Ruiz naquela época. Ele era conhecido por ter tudo o que quer,
liquidando quem passasse pelo seu caminho. Incluindo você, Jason. —
Alisava a mão da garota. — Ele queria Taby e podia usar você para chegar
até ela, e obrigá-la a fazer qualquer coisa.
Gelei com a ideia de Sebastian, que todos temem, levando Taby. Pensei
naqueles caras na minha casa, dizendo que se a pegassem iam revezá-la...
— Deixei-a na cabana e fui buscar minha mãe no hospital. Antes que eu
chegasse lá, fui abordado por três caras armados com metralhadoras. Eles
me levaram a um armazém abandonado e me prenderam, querendo saber da
Tabitta. — Expirou, controlando a dor.
Acho que Dom precisava de um médico, devo ter exagerado. Continuou
com seu relato. Imagino o medo que deve ter sentido na frente desses homens
armados ameaçando matá-lo.
— Olhe aqui. — Levantou sua camisa, mostrando a barriga. Nela, havia
uma cicatriz de faca. Mais em cima havia duas tatuagens de revólveres, um
de cada lado, com os canos apontados para dentro. Nos cabos, estava escrito
“MC” e “Fênix”.
— Você disse que tinha brigado com alguns caras, mas não mencionou
que eles eram do cartel — acusei.
Abaixou a camisa e me olhou. Notei que tatuara também o nome da
Evelyn no antebraço esquerdo. No direito, eu sabia que ele tinha uma
serpente enrolando seu braço. Achei sinistro quando o vi.
— Eu menti, eles iam acabar comigo, mas... — Olhou para a serpente
no seu braço. — Um cara chamado cobra me ajudou a me libertar. Ele era
dos MCs da serpente. Eu ia lá direto. Lembra que perguntava o que eu fazia
quando eu sumia?
Assenti. Eu achava que ele estivesse em alguma gangue, apesar de não
considerar os MCs como uma: eram mais uma família imensa que morreria e
mataria uns pelos outros. Apreciava a lealdade entre eles.
— Ele morreu aquele dia para me salvar — continuou num sussurro.
— Por isso a tatuagem no braço, em homenagem a ele. — Não era uma
pergunta.
— Sim, ele era um irmão verdadeiro. Nós dois lutamos com os caras.
Eu pensava que os homens eram do Sebastian Ruiz, já que procuravam Taby.
Mas não...
— Espere, então de quem eram? — A voz da Taby saiu alta. — Quem
mais estaria à minha procura?
— Seu nome era Hector Salgado, um chefão do cartel dos lobos
solitários. Cada cartel, máfia e MCs têm suas marcas. — Olhou para Nasx,
que sorriu. Ele estava sempre de bom humor, acho que fazia isso para aliviar
a tensão.
— Se você gosta de me ver tanto sem camisa, é só pedir, VIP. —
Piscou, brincalhão. Tirou seu colete preto com emblema da Fênix e camiseta,
virando as costas para nós, ignorando o bufo e revirar de olhos do Dom. Ali
estava uma fênix, colorida e brilhante. No meio dela, lia-se “MC Fênix”.
Uma tatuagem impressionante que cobria todas as suas costas.
— Todos aqui a temos; os homens, pelo menos. Com eles não é
diferente. Por isso descobri a verdade. Rendi dois e o torturei até saber o
que eram — hesitou neste final, observando a reação da Taby, uma agente
que trabalhava pela lei. — Eram inimigos do Sebastian Ruiz e queriam você
como moeda de troca ou algo assim.
— O que aconteceu depois? Porque já passava das duas aquela noite e
você não tinha chegado à cabana — murmurou ela.
— Assim que eu consegui fugir, fui ao hospital e dei pontos na ferida
aberta. Se não tivesse feito, teria morrido de hemorragia. Também avisei
minha mãe que ficaria fora da cidade por um tempo. Achei melhor não a
levar comigo. Enquanto isso, ela iria para a casa de sua irmã, no Arizona.
Quando cheguei para te contar que não era só seu pai que estava atrás de
você, e que tinha outro cartel querendo pegá-la, você já tinha ido. —
Suspirou com um olhar triste para Tabitta e eu. — Tinha duas opções: ir
atrás de você para tentar de alguma forma protegê-la desses dois cartéis,
mesmo sabendo que não era páreo para eles na época, ou levar Jason para
longe. Não consegui ajudá-la, Taby, sinto muito. Não tinha como proteger os
dois ao mesmo tempo.
— Tudo bem, Dom, não o culpo. Eu é que sinto muito por você ter sido
ferido aquele dia por minha causa.
— Não sinta tanto, porque eu matei dois homens aquele dia, Taby, então
você terá a escolha de me prender agora. Vai fazer isso? Se for, agora é sua
chance. — Ele se levantou meio sem fôlego pelos socos que eu dei nele. A
ruiva estava ao seu lado. A cada arquejo de dor, ela me lançava punhais com
os olhos.
Não ia bater boca com ela sendo que Dom a amava. Gostei de ele ter
encontrado algo bom, mesmo que fosse essa ruivinha esquentada.
Os seus amigos do clube estavam de olhos arregalados, alternando
entre Dom e Taby. Tabitta foi até ele e segurou suas mãos, depois o abraçou
forte.
— Eu não estou aqui como policial, Dom, estou aqui como amiga e
irmã — sussurrou, alisando suas costas. — Não tinha ideia do quanto sofreu
para manter Jason seguro. Obrigada por tudo, por protegê-lo.
Fitou-me com um olhar triste.
— Irmão é para isso, não é?
Eu estava agradecido por tudo que ele fez por mim e por Taby. Meu
peito ardeu por sua dor, por ter sofrido e vivido aquilo nas mãos de
assassinos. Isso amenizou um pouco da raiva que sentia.
A ruiva fechou a cara vendo a Taby abraçada ao Dom. Eu também não
gostava disso, mas confiava nos dois. Mentiram para mim, mas também
sofreram com tudo isso. Não perdoara Dom ainda, deixaria o tempo agir.
— Tem uma coisa que não entendo: quando você soube onde Taby
estava? Todos aqui se assustaram por ela ser do FBI, e você não ficou nada
chocado. Suponho que descobriu há muito tempo e não disse nada a mim,
inclusive que ela morava a uma hora e meia da minha casa, não é?
Ele se afastou de Taby e sentou de volta, segurando a barriga.
— Quando eu vim para o MC da Fênix, pedi ao Berry (ou Charles,
como você o conhece) para investigar sobre a Taby. Descobri o que ela era e
onde morava, mas ele me proibiu de chegar perto dela, por ser uma agente.
Se eu me aproximasse, ele saberia. Eu seguia sua liderança, afinal, ele era
meu presidente até alguns meses atrás, quando foi morto.
— Que apodreça no maldito inferno, que é o seu lugar — sibilou Kill.
Não queria estar na pele desse cara se ele estivesse vivo e nas mãos do
Michael.
— Eu queria ir lá e contar tudo a você. — Seus olhos verdes foram
para mim. — Mas as coisas aqui saíram dos eixos, então não pude. Estava
me preparando para ir logo, mas quando vi Tabitta na TV hoje de manhã,
tive certeza de que logo saberia dela. Estava indo para Manhattan te
procurar, contudo, você chegou antes.
— Sim, eu soube dela pela namorada do Ryan. Angelina e Taby são
amigas desde a faculdade.
— Conversei com Ryan alguns meses atrás, ele me disse que é
plenamente feliz com essa mulher, fico alegre por ele. Até me pediu para
localizar alguém chamado Stive Lutner, acho que tentou violentar sua
namorada e matou a irmã dela.
— Espere, ele pediu a você para localizar Stive Lutner? — cortou
Tabitta com a voz aguda. — Esse filho da puta foi quem atacou Angelina e
sua irmã gêmea? No aniversário de dezoito anos de Angie, ela foi buscar
Ângela em uma rave. Sua irmã estava andando com pessoas do lado errado,
Angelina fez de tudo para tirar a menina do fundo do poço. Não sei da
história inteira, já que doía nela falar sobre isso. Apenas disse que um cara
chamado Stive fez ela e sua irmã saírem da estrada, matando Ângela no
processo. Não tinha ideia de que esse cara era o mesmo serial killer de
quem estou há um ano e meio a atrás.
— Você o conhece? — indaguei.
— Ele está na lista de procurados do FBI, assumi uns dois casos dele
neste ano. Stive Lutner pega as mulheres e as mantém em cativeiro por
semanas, torturando-as com cintos, facas e estiletes. Uma vítima que
sobreviveu nos contou que além dele as espancar, deixa sua autoestima lá
embaixo, desmoralizando-as... — esclareceu, reparando em minha confusão.
— O bastardo começa a namorar suas vítimas e depois as captura, tortura,
estupra e mata. Estamos caçando ele há eras, mas sempre que chegamos
perto, arruma um jeito de fugir. Até seus pais, que eram prefeitos em
Nashville, ele matou. — Suspirou, frustrada e com raiva. — Se tiverem
notícias dele, me informem. O maldito precisa pagar por tudo que fez com
dezoito garotas, que eu saiba; deve haver mais.
— Se encontrarmos esse serial killer, entro contato com você —
prometeu Dom.
— Obrigada... — interrompeu-se ao conferir uma mensagem que
acabara de chegar. Virou-se para Dom: — Se tiverem algo aqui no clube ou
ao redor que não esteja dentro da lei, sugiro que fiquem nas sombras por esta
semana, ok? Principalmente nos bairros afastados.
— O que você vai fazer? — sondou Nasx, sério pela primeira vez. —
Vai mandar revistar nossas casas noturnas?
— Eu soube de uma apreensão que fizeram esta semana aqui em
Chicago. Será algo assim de novo? Saiba que não temos nada a ver com isso
— falou Dom. — Estou vendo quem são os fodidos desgraçados que estão
fazendo da minha cidade um ponto de tráfico humano...
— E quando pegarmos eles, vamos mostrar o que fazemos com gente
desse tipo — Kill terminou a frase, aposto que por Taby estar ali.
Nenhum de nós disse nada, nem mesmo ela. Eu que não sentia pena
desses caras nas mãos de Kill.
Capítulo 14
Aliança com o inimigo
TABITTA
Uma semana tinha se passado após eu levar um tiro. Minha recuperação
estava indo bem. Voltaria a trabalhar depois do feriado do final do ano.
Meus pesadelos tinham sumido, graças à Linda, a psicóloga que eu
frequentava.
Papy descobriu que o homem que queria me matar no clube era filho de
Clara Daves. David Daves tentou me assassinar para se vingar de Sebastian,
mandante de morte de sua mãe. A polícia estava apurando o caso, mas se
tratando do Sebastian, não duvidava de nada. Porém, se David achava que
me matando faria Sebastian perder uma noite de sono, estava redondamente
enganado. Era capaz de aquele crápula agradecer a quem fez o serviço.
Foram fechados vários pontos de prostituição. Prendemos diversos
bandidos acusados de tráfico humano. Mesmo afastada, eu os ajudava
sempre que podia. Não conseguia ficar de fora, vendo a injustiça, e eu sem
poder fazer nada.
Jason estava tão apegado à nossa filha que fazia tudo por ela, até ir à
escola e dizer aos coleguinhas que era o seu pai. Sua alegria era contagiante,
nunca vi meu bebê tão feliz assim na vida. Ela já amava o Jason, mesmo
antes de saber que era seu pai. Agora que descobrira, estava no céu.
No aniversário dela, fomos almoçar fora. Bom, esse era o meu plano,
mas Jason, como sempre, interveio e fez uma imensa festa, convidando mais
de cem pessoas, mais amigos dele do que meus. Ele disse que queria
apresentá-la a todos, queria que conhecessem sua filha e sua mulher. Eu
adorava quando ele falava que eu era sua mulher.
A festa estava sendo realizada no grande salão do Hotel Plaza, que
pertencia a Lucky Donovan.
— Papai — gritou Emily, correndo na direção do Jason. Ela vestia um
vestido branco rodado, com uma tiara de borboletas. Seus cabelos estavam
soltos e seus olhos brilhavam ao fitar Jason. Eu amava isso, adorava sua
felicidade.
— Sem correr, Emily — a reprendi.
Ela parou na nossa frente e pegou a mão de Jason, que logo a segurou
nos braços.
— O que minha princesa quer? Me diga que eu faço.
Revirei os olhos.
— Cuidado com o que promete, essa danadinha pode ser bem
convincente quando deseja algo — falei, indo me sentar e deixando os dois
conversarem. Antes, ouvi o que ela pediu, o que me fez rir sozinha.
— O senhor pode ser o Papai Noel este ano na escola? Cada ano é o
pai de um aluno. Meu nome foi sorteado, e meus colegas disseram que você
não aceitaria, por ser famoso. Mas eu disse que você é o melhor pai do
mundo e concordaria, não é? — Sua alegria era tanta que seria impossível
Jason negar. Não que ele pretendesse, já que fazia tudo que ela queria.
— É claro que estarei lá, minha linda. Vou ser o Papai Noel e darei
presentes a todos — garantiu com carinho na voz e jubilo, beijando-a em
ambas as bochechas. — Este final de ano será inesquecível para a minha
princesa.
— Obrigada, papai! — Ele a colocou no chão e Emy saiu correndo toda
eufórica, gritando para seus amigos. — Meu papai vai ser o Papai Noel mais
lindo do mundo, e disse que dará brinquedos a todos nós. — A turminha de
amigos dela comemorou.
Jason ficou lá, parado, olhando para ela como se grato por tê-la. Eu
também agradecia aos céus por ter os dois na minha vida.
Estava sentada em uma mesa grande, sentindo os olhos de uma pessoa
em mim. A mulher do Lucky me mirava com cara de poucos amigos. Eu
sabia que ela estava reagindo assim por eu ter abandonado Jason no
passado. No momento em que os vi juntos, percebi que ela gostava mais dele
do que dos seus outros amigos. Felizmente, não havia sentimento romântico.
O amor dela pelo seu marido, um homem moreno de cabelos castanhos e
olhos verdes, era evidente.
— Você está linda! — sussurrou Jason no meu ouvido, assim que
chegou à nossa mesa.
Eu vestia um vestido vermelho de cashmere tomara que caia, todo
modelado no meu corpo. Ele usava uma calça jeans e camisa branca,
enrolada até os cotovelos.
— Você também. — Sorri. — E aí, Papai Noel, hein? Ela te convenceu
a isso? Saiba que vou adorar ver você gordinho.
Ele riu, olhando por sobre meu ombro, acredito que para Emily.
— Emy está tão animada com isso, então não me importo. — Deu de
ombros e beijou minha testa. — Sua felicidade é tudo para mim.
Angelina não pôde vir no aniversário de Emily porque foi viajar com
seu namorado para Vail. Bryan me disse que ela foi passar o fim de semana
lá com seu gato louro de olhos caramelos. Gostei da minha amiga estar feliz
com Ryan. A viagem foi programada por Lucky e Bryan para tirá-la da
cidade por um tempinho, depois de eu ter dito aos dois o que Stive Lutner
era de verdade, um maldito serial killer que poderia resolver procurá-la.
Quanto ao bastardo do Franklin, até agora não fizera nenhuma investida,
então não faria mais, assim eu esperava. Por via das dúvidas, havia guarda-
costas acompanhando os dois e as crianças vinte e quatro horas por dia.
Escondidos deles, claro. Lucky disse que não queria que seu irmão se
preocupasse com nada. Admirava esse seu jeito protetor.
Rayla e seu namorado estavam perto dos pequenos que brincavam mais
afastados; acho que ela gostava de crianças. Talvez pensasse no seu filho,
que viria em alguns meses. Samira estava ao seu lado. Ela era uma morena
linda, alta, com corpo fabuloso. Bem nerd, lembrava eu na escola, com
vestidos largos e tudo mais. Samira não era de se arrumar para nada. Isso
não mudava o quanto ela era perfeita, mas ela não parecia acreditar.
Na mesa estavam Jason, Sam, Lucky e eu. Jordan e Daniel não tinham
chegado ainda. Bryan e Alexia também não, mas estava cedo; logo
apareceriam. Pela expressão que vi no rosto de Bryan no dia anterior, ele e
Alexia não tinham voltado. Seja qual fosse o problema dos dois, esperava
que resolvessem, porque se amavam.
Suspirei, olhando para Sam e sua cara emburrada. Estava assim desde
que entrei no salão.
— Ok, desembuche — falei a ela. — Sei que deseja dizer alguma
coisa, então diga.
Lucky e Jason permaneceram calados.
— Tudo bem, se você quer assim... — Ela se ajeitou na mesa e me
fuzilou.
— Rosa Vermelha, deixe isso quieto.
Ignorou seu marido e me fitou, soltando a raiva que estava sentindo.
— Você abandonou o Jason, quebrando seu coração, e não deu sequer
sinal de vida. Sabe o que fez? A ferida que deixou? O tanto que ele sofreu
por sua causa, todos esses anos? Você não o merece, não depois de como
agiu.
Jason expirou.
— Não diga isso, preciosa, ela não fez...
— Ela tem razão — concordei, encolhendo os ombros. — Mas também
está errada. Eu sei que não mereço Jason depois do que o fiz passar, mas não
me arrependo disso, só me arrependo de fazê-lo sofrer. Tê-lo deixado é a
razão para ele estar vivo agora, a razão pela qual entrou na faculdade,
conheceu seu marido e realizou seu sonho de se tornar lutador.
— Mas ele não queria nada disso, Jason queria você — rosnou.
— Eu também queria ficar ao seu lado, mas não podia. Não foi só ele
que sofreu esses anos, eu tive que andar me escondendo durante muito tempo
desse homem que queria a morte das pessoas que eu amava. Tive que
aprender a lutar sozinha quando eles me acharam na Rússia, na China e em
vários países no primeiro mês longe de Jason. Na minha fuga para Chicago,
fui atingida na barriga e descobri que estava grávida, também quase a perdi.
— Olhei para Emily brincando com um menino moreno. Acho que era Shaw,
o filho adotivo da Sam e Lucky. — Foi onde conheci meus pais adotivos.
Eles me deram proteção e me ajudaram a me esconder em uma casa na
Sibéria até Emily nascer e eu ver o que faria da minha vida. — Respirei
fundo. — Então eu não podia ficar com ele, porque esse cara poderia levá-lo
e me obrigar a fazer o que ele queria, e eu faria qualquer coisa para salvar a
sua vida, não me importando o que viesse a acontecer comigo. Por causa de
Emily, não deixaria isso acontecer.
Jason ofegava.
— Você não me disse isso — acusou.
Mirei seus olhos grandes e tristes.
— Você não precisava saber de tudo de ruim que me aconteceu. Eu só
não disse nada para protegê-lo.
— Eu não queria proteção, maldição!
— Para que saber, para se torturar ainda mais? Eu também não quero
me lembrar daquele tempo sombrio da minha vida. A única luz que veio para
iluminar o meu caminho foi Emily. Por ela e por você, Jason, sobrevivi a
todos esses anos. — Sam estava com os olhos molhados. Perguntei a ela: —
Você não faria o mesmo por seu marido? Ou ficaria junto dele, não ligando
para os riscos?
Ela se encolheu com o que eu disse. Lucky me lançou um olhar
venenoso, que ignorei; olhares assim não me causavam medo, já estava
acostumada a ver isso todos os dias no meu serviço, então não me
importava.
— Você está fazendo ela chorar — advertiu-me.
Estreitei meus olhos.
— Não era a verdade que ela queria ouvir? Aqui está a realidade.
Quando conheci o Jason, ele só tinha Dom. Falo de amigos verdadeiros, não
esses que, em qualquer dificuldade, se afastam de você, igual aconteceu com
seu pai e sua mãe...
— Taby... — avisou Jason.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Jordan, chegando até
nós. Daniel estava ao seu lado.
Eu respirei fundo.
— Sentem que vou contar uma história a vocês. — Jason espantou-se
com o que eu disse. — Eles precisam saber da verdade, querido. Tudo bem?
— Que verdade Jason não contou a nós? A mim, que sou seu melhor
amigo? — Lucky acusou com os dentes cerrados. — Você já não contou que
foi apaixonado por uma mulher por anos, e ainda por cima a amava até hoje.
— Abaixe a crista, cara. Antes de você chegar acusando-o, deixe eu
falar primeiro — rosnei, não gostando de ele olhar assim para Jason, como
se meu amado o tivesse traído.
Ficaram quietos, a despeito de contrariados.
— Ótimo. — Virei para Sam. — Gosto de como se preocupa com ele,
da forma que o ama também. Ele merece isso, merece ser amado, porque
nem sempre foi assim.
Peguei uma taça de champanhe e tomei um gole.
— Seu pai era um tremendo de um hipócrita e desgraçado, e não é só
porque está morto que vou mudar minha opinião sobre ele. Julio sempre
dizia ao Jason que ninguém lutaria ou ficaria com ele, que ninguém se
importaria. Mas Jason se provou forte, não ligando para seu pai. Pedi para o
Papy descobrir o seu paradeiro, checar como estava indo sem seu filho. Não
que eu me preocupasse, não era isso. Fui visitá-lo no hospital para dizer
algumas verdades que estavam entaladas por anos na minha garganta e
mostrar o que o filho dele tinha se tornado, o cara maravilhoso que sempre
foi, e que não havia nada que ele pudesse fazer em relação a isso.
Contei aos seus amigos o que disse ao pai de Jason. Falei que pelo
homem que eu amava, faria e fiz de tudo para mantê-lo feliz. Meu sacrifício
por Jason só provava que ele era importante. Por ele, eu entraria na frente de
uma bala.
— Espero que isso nunca venha a acontecer — sussurrou.
Eu sorri.
— Também espero. Eu disse a ele que Jason se tornou um lutador, não
só no ringue, mas no sentido de seguir em frente, tendo tudo o que sempre
quis. Que mesmo eu estando longe, você permaneceria vivo e seguro.
— Eu tive algumas coisas nesse tempo, sim, mas o que mais desejava
era você. Não estou lhe acusando ou reclamando... Se fosse comigo, eu faria
o mesmo para vê-la segura — declarou.
— Eu sei que sim. — Alisei sua mão e olhei seus amigos. — Vocês
parecem ser amigos de verdade dele, então aqui vai a pergunta: o que fariam
no meu lugar e do Dom? Ele se sacrificou por Jason, se tornou líder dos
MCs para protegê-lo. Dom sabia que eu fazia o mesmo, mas não era
suficiente para afastar o Sebastian, então virou Shadow e fez coisas que nem
quero imaginar para manter Jason a salvo. Isso é amizade e amor.
Lucky fitava Jason com compaixão e tristeza, acho que pelas coisas que
seu amigo passou.
— Quando conheci Dom e você naquele clube de luta em Cambridge,
senti que tinha algo de errado com os dois. Mais com ele, pois inúmeras
vezes eu o peguei pesquisando sobre um homem parecido com um gângster.
Não vi o nome porque ele desligava o PC quando eu entrava, alegando que
era um trabalho que estava fazendo para uma garota. Cá entre nós, quando
Dom faria isso por uma mulher? Nunca, as mulheres que faziam para ele, e
não o contrário. Mesmo achando estranho, deixei quieto na época. — Lucky
tomou sua bebida. — Acho que não devia ter feito isso, devia ter checado
mais a fundo, tentado ajudar de alguma forma.
— Você é poderoso agora, mas mesmo com seu dinheiro, não iria
querer bater de frente com o Sebastian, não seria páreo para ele. Ele é chefe
do cartel mexicano...
— Não é bom você sair falando sobre mim por aí, já que meu nome
está sendo procurado. — Escutei a voz dos meus pesadelos.
Eu me coloquei de pé num salto e olhei para o homem que esperava
rever, mas comigo armada, colocando-o na cadeia. E ali estava, desarmada,
na festa de aniversário da minha filha, onde havia muitos adultos inocentes e
crianças. Os convidados do Jason não tinham chegado ainda. Só Silas, seu
agente e seus amigos mais próximos. Papy e Mama também não tinham
aparecido. Torcia para que Thomas notasse algum movimento estranho e
mandasse os agentes para prender esse homem. Infelizmente, com o que
tínhamos dele, não pegaria perpétua. Landon e Chris estavam no canto com
suas armas apontadas para os homens de Sebastian. Seus capangas estavam
sem nada nas mãos, mas isso não significava que não estivessem armados.
— Todos atrás de mim — falei sem alterar a voz. Não foi preciso
repetir. Somente Jason se manteve ao meu lado.
Sebastian vestia-se de preto, com um terno caro que valia mais do que
meu salário. Também, com o tanto que faturava com coisas ilegais...
Preferiria andar nua a comprar algo com dinheiro de sangue, conquistado
mediante vidas destruídas.
— O que está fazendo aqui? — Tentei não deixar minha voz falhar,
temendo pelos meus amigos. Ele estava cercado por cinco caras.
Ele riu.
— É assim que trata seu pai?
Eu desdenhei.
— Pai? Você é muito ousado, seu crápula, para vir aqui e dizer isso.
Você foi apenas o doador de esperma para minha mãe e nada mais. Talvez eu
nem seja sua, já que a obrigava a se prostituir por aí.
Estreitou os olhos.
— Você não sabe de nada, menina. Vamos conversar em um lugar com
menos pessoas ao redor. — Olhou por sobre meu ombro e sorriu, acredito
que para Emily. — Minha neta é linda!
Cerrei os punhos e dei um passo até ele. Jason me puxou de volta.
— Fique longe dela ou acabo com você — sibilei.
— Vim aqui para informar que sua vida corre perigo...
Ri com desdém.
— Não precisava deixar seu reinado no México para me dizer que
pretende me matar. Eu já sabia disso. Agora que está aqui, pretendo prendê-
lo por todos os crimes que cometeu na sua vida.
— Não estou falando de mim, se eu quisesse matá-la, já teria feito há
muito tempo — retrucou.
— Você tentou me matar muitas vezes. Na Itália, na China e até aqui no
país, em Chicago, há quase nove anos. Recebi um tiro na barriga, quase
perdi minha filha. E assassinou a minha avó. O que fez com seu corpo?
Jogou em algum lugar qualquer? Dentro de um rio?
Ele suspirou.
— Primeiro: não matei sua avó, foi Pablo, que foi morto logo em
seguida por ter feito o que fez. Também não mandei meus homens a matarem,
foi Hector Salgado, o antigo...
Eu sabia quem era Hector Salgado, pesquisei mais sobre ele depois que
Dom o mencionou.
— Sei quem ele é, o antigo chefe do cartel da família Salgado ou Lobos
Solitários, como eram conhecidos. Foi morto há mais de sete anos... —
Parei, porque foi bem nessa época que deixei de ser perseguida. — Você o
matou! Por quê? Porque me queria levar para me prostituir para você? E aí
se livrou de um chefe de cartel para que ele não o impedisse, me
assassinando?
Deu um passo na minha direção. Jason me colocou atrás dele e fuzilou
Sebastian.
— Se tocá-la, juro que o mato — rosnou Jason com os punhos cerrados.
Pareceu se esquecer de que falava com um bandido.
Os seus seguidores já estavam colocando suas mãos no paletó, acredito
que para pegarem suas armas. Meu coração gelou no meu peito, com medo
de uma possível catástrofe.
— Se vocês sacarem suas armas na frente da minha neta, arranco seus
fígados e os faço comer — ordenou num tom mortal.
Saí de trás de Jason e encarei Sebastian. Todos se recompuseram e não
fizeram nada, acho que conheciam o chefe que têm para saber que ele faria
isso mesmo.
— E quanto à casa do Jason, há duas semanas? Três homens, sendo dois
deles Diego Sales e Victor Cortesia, que fugiu, atiraram contra nós. Então,
sim, você mandou me matar — falei, ácida.
— Não mandei que fizessem isso. Depois terei uma conversa com eles
por ousarem agir pelas minhas costas. — Seu tom era maligno. Não queria
estar na pele de Cortesia e Sales.
Expirei para me acalmar.
— Só me diga o que veio fazer aqui e vaze da minha frente, a não ser
que pretenda confessar seus crimes e me deixar prendê-lo. — Não tinha
esperança quanto a isso.
Esse era o problema: nós não conseguimos provas suficientes para
levá-lo por toda a sua vida à prisão. Ele usava seus cúmplices para fazer o
serviço sujo e, quando eram pegos, confessavam que fizeram tudo por conta
própria. Papy disse que há nove anos tenta arranjar provas para trancafiá-lo;
até agora, não teve êxito. Sempre escapava pelos dedos, como água.
Ele riu, sacudindo a cabeça.
— Não posso protegê-la da prisão, então não, não serei preso hoje... —
Foi interrompido quando as portas se abriram. Por elas, entraram Papy,
Dennis, Lincoln, Bryan e mais agentes do FBI. Apontavam suas armas para
Sebastian e seus homens.
— FBI, mãos para cima, onde eu possa ver. — gritou Papy.
Olhei assustada para onde Emily e seus coleguinhas estavam, mas não
os vi, e nem o garotinho da Sam. As outras pessoas ficaram em silêncio.
— Tire todos daqui, agora — ordenou Bryan a alguém.
— Rayla levou as crianças para o apartamento do Lucky, eles estão
bem, não se preocupe — garantiu Jason, notando a minha preocupação.
Papy fuzilava com frieza Sebastian.
— Olá, agente Smith, nos vemos de novo — Sebastian encarou Papy de
frente. Não parecia temer as armas apontadas para si. Contanto que seus
servos não sacassem as suas também, ficava tranquila.
— Eu vou prender você agora — rosnou Papy.
— Pelo quê? Até onde sei, você não tem provas conclusivas contra
mim, não aquelas que tanto deseja — desdenhou. — E agora estou aqui
porque você não soube protegê-la, e, por sua culpa, a vida dela corre perigo.
— Apontou o dedo para mim, enraivecido.
— Desde quando se importa com sua filha? Você é um desumano
desgraçado, que não liga para nada, exceto faturar dinheiro às custas de
inocentes. Não me venha com essa de pai protetor, porque isso você não é, e
nunca foi.
— A única ameaça para mim é você, seu desgraçado. — Aliviei-me
pois todos saíram dali, embora contrariados, forçados pelos agentes. Sam
não queria ir, mas Lucky a levou, não desejando arriscar a vida do seu bebê
e de sua esposa.
— Eu não vou sem ela. — Jason segurava minha mão, fuzilando um
agente.
Fiz um sinal para meu colega deixá-lo. Sabia que ele não me
abandonaria, eu o conhecia bem.
Sebastian olhou para mim.
— Você, com sua ideia estúpida de me atrair para fora do México,
soltou meu nome na TV. Os Bravata viram, agora virão atrás de você, não
entende? Não sabe o que eles fazem?
Cortei-o, furiosa.
— O quê? Você é diferente dos Bravata? Diferente de Andrey Jacov, o
chefe da máfia? Eles são uns fodidos mafiosos russos que faturam mais de
setenta bilhões de euros por ano, com mais de duzentos e cinquenta mil
bandidos à sua disposição e quase dois milhões de seguidores pelo mundo
todo. — Deu um sorriso de merda, maravilhado por eu saber algo assim. —
O que, não achou que eu sabia de tudo isso? Você comete os mesmos crimes
que Andrey: tráfico de drogas, prostituição, tráfico humano, tráfico de
órgãos, homicídio, extorsão e lavagem de dinheiro. O que mais tem para eu
colocar na lista? Você e esse mafioso desgraçado não deviam estar soltos,
deviam estar no inferno, que é o seu lugar.
— Impressionante a forma com que nos odeia...
Eu o interrompi.
— Odeio todos que fazem mal no mundo; você é um deles.
Sebastian sacudiu a cabeça.
— Em vez de ficar rosnando para mim, me acusando de fazer tudo isso,
deveria tomar cuidado com sua segurança. Provavelmente conhece o que
Andrey faz com seus prisioneiros — rosnou de volta. — E você não está
ajudando concedendo entrevistas, falando a meu respeito.
— Espere, o que os Bravata querem com Tabitta? — indagou Papy.
— Capturá-la, claro, para chegar até mim. Eu a mantive nas sombras
por muito tempo, mas ao sair na TV, eles descobriram que ela é minha filha e
virão atrás dela. Por isso eu vim aqui, para protegê-la.
— Não preciso da sua ajuda, aliás, não preciso nada de você e de seus
modos sujos de resolver as coisas. — Olhei para o Papy — Se vai prendê-
lo, tire-o da minha frente antes que eu mesma atire nesse monstro.
— Mesmo que me leve preso, não vou ficar lá por muito tempo, sabem
disso. Vocês têm alguma prova contra mim que me deixará trancafiado para
sempre? Aposto que não. Evidências não conclusivas jamais convencerão o
júri a me dar pena de morte ou ao menos perpétua. — Fitou cada um dos
agentes e, por último, Papy.
— Temos Franklin, vocês dois estavam conversando na sua casa no
México, e com menores do lado.
— Isso, minha querida, não prova nada, apenas que ele foi me visitar
com suas mulheres, mas eu não sabia que elas eram menores de idade. E ele
não lhes disse nada além disso, até onde me informaram.
— O que ele foi fazer lá, se não tinham negócios juntos? — sibilou
Bryan.
— Propor negócios que não aceitei, claro.
Bufei, indignada.
— Você consegue se safar em tudo, não é? Mas aqui vai outra: na noite
em que matou minha avó, você e seu bando foram filmados saindo da nossa
casa em Austin. Também assassinou Pablo, o cara que atirou em vovó, e
ocultou os cadáveres.
Sorriu, inabalado com o que eu disse.
— Sim, fui avisar que sua vida corria perigo com Hector Salgado atrás
das duas, todavia, você não me deixou contar nada disso depois que Pablo
atirou na sua avó, simplesmente se trancou no cofre.
— O que queria que eu fizesse, hein? Ele era seu servo e matou minha
avó...
Cortou-me.
— Sem o meu consentimento. E sim, se você testemunhar, pode me
acusar de matar Pablo, mas aí está: vai mesmo querer me prender por um
assassinato, sendo que alega que cometi milhares de crimes, pelos quais
mereceria a pena de morte? E não ocultei o corpo de sua avó, ela está
enterrada em um cemitério. Direi onde depois que pegarmos Andrey.
— Você é um tremendo de um desgraçado — rosnei. — Vou te fazer
pagar por todas as vidas que destruiu, todas as crianças raptadas que foram
obrigadas a ganhar dinheiro para você. Não posso provar ainda, mas
conseguirei, nem que seja a última coisa que faça na vida.
— Eu não vou impedir. Agora, acredito que temos um problema maior.
Soube por uma fonte confiável que Andrey Jacov está em primeiro lugar na
lista de procurados do FBI, não? Vocês não podem e não vão conseguir
capturá-lo sem mim. Tenho um plano para prendê-lo. O que vai ser? Sei que
não têm provas suficientes contra ele, por isso nunca o pegaram, porém, eu
tenho. O suficiente para ele ser extraditado para os Estados Unidos e julgado
aqui, e não na Rússia. Cederei elas a vocês, se trabalharmos juntos.
— Você está dizendo para nos unirmos para capturar Andrey Jacov, é
isso? — Dennis riu, sacudindo a cabeça. — Por isso apareceu aqui sem ter
medo de ir preso por assassinato... Sabia que precisaríamos de você para
capturar o chefe da máfia russa.
— Nós não precisamos dele, podemos pegá-lo sozinhos, sem esse
assassino desalmado nos ajudando — grunhi, não gostando da ideia de me
aliar ao criminoso que mais queria capturar. Sem chance no inferno.
— Sabe que depois de prendermos Andrey, pegaremos você também,
não? — Dennis questionou com as sobrancelhas levantadas.
Sebastian sorriu.
— Vamos ver. Há apenas uma condição para eu trabalhar com vocês.
— Cruzou os braços e olhou para mim. — Tabitta não estará no caso.
Arfei diante de sua petulância. Procurei Papy com o olhar. Sebastian
continuava com seu sorriso, o qual odiava; era como se estivesse sempre um
passo à minha frente. Eu me enfureci e me lancei contra ele, mas não cheguei
perto de quebrar sua cara, porque Jason me pegou por trás e apertou seus
braços à minha volta, me impedindo de esganar esse homem desgraçado.
— Tabitta, pare — ordenou Papy. Só usava esse tom quando encarnava
o papel de chefe, colocando o de pai de lado. Eu me recompus e fuzilei
Sebastian. — Ele tem razão...
Eu o cortei.
— O quê? Não pode me tirar assim do caso!
— É claro que posso, sou seu chefe. Além disso, Andrey a quer, não
vamos levá-la até ele e entregá-la de bandeja. Você ficará afastada do caso e
ponto final. — Olhou para Sebastian. — Agora vamos andando, estou louco
para saber seu plano. Se não for bom, você ficará um bom tempo na prisão,
mesmo que não seja acusado de seus verdadeiros crimes.
Capítulo 15
Perdão
TABITTA
Cheguei à casa do Jason furiosa, pisando forte e querendo matar
Sebastian com minhas próprias mãos. Como ele ousava dizer que não faria
parte desse caso? Maldito! Ele não era nada, apenas um assassino filho da
puta que achava que podia dar as cartas. O pior foi que Papy aceitou suas
condições.
— Taby, querida, isso foi melhor, seja qual for o motivo para esse cara
exigir que se afastasse. Eu surtaria de tanto medo. Se já não bastasse um
cartel mexicano atrás de você, agora vem essa máfia russa? Como manter
minha mente sã com você longe de mim? — Aproximou-se e tocou meu
rosto. Nós estávamos na sua sala. — Pelo modo que seu pai...
Eu o interrompi:
— Ele não é meu pai, Papy é.
— Eu sei, linda. O que quero dizer é que tudo isso levaria tempo e você
teria que ir para a Rússia com eles. Não posso deixar isso acontecer, ficaria
louco aqui pensando no pior.
Nesse ponto ele tinha razão. Queria fazer parte da investigação contra
Andrey, contudo, teria que ficar meses afastada de Jason e Emily, e não
conseguiria. Já fiquei longe dela a trabalho, mas nunca durante meses.
Como a festa de Emily foi interrompida, ficamos de levá-la para se
divertir no zoológico, porque ela amava animais. Puxou à vovó, que só não
criava um monte de gatos porque eu era alérgica a pelos. Por isso nunca
pude comprar um cachorrinho para Emily. Esperava que quando tudo isso
acabasse, aquele desgraçado contasse onde vovó foi enterrada.
Fitei o anel de noivado no meu dedo. Queria casar o quanto antes, mas
como pensávamos em casar na praia, precisava que todos esses chefes de
cartel e da máfia russa estivessem presos. Odiaria ser interrompida no meu
casamento, aí sim mataria alguém. Então Jason e eu decidimos realizar a
cerimônia depois deles serem presos. Nenhum sairia livre disso, não mesmo.
Passei a morar em sua casa. Eu ia me mudar para o Brooklyn, mas ele
me convenceu, já que estávamos noivos, a morar juntos até nos casarmos.
Claro que mudei a cor da casa e até os móveis, tornando o ambiente mais
alegre, combinando com a família feliz que éramos, e não sombria, como
estava a vida dele antes de nos reencontrarmos. Havia fotografias de nós três
em todos os lugares.
Olhei para o meu lindo namorado, ou melhor, noivo, e o beijei.
Precisava senti-lo nem que fosse um pouco, mesmo que não pudéssemos nos
aprofundar mais no beijo, porque nossa filha estava na porta ao lado.
— Eca, vocês dois. Beijo é algo nojento, cheio de saliva — disse
Emily, entrando na sala. — Quando eu namorar o Jacob, não vou beijá-lo.
Eu sorri. Jacob era o garoto que estava com ela no Hotel Calion. Toda
vez que me lembrava de resgatarmos sua irmã, Julie, das garras daqueles
estupradores, sentia mais ódio de Sebastian.
Fui visitar os dois irmãos há alguns dias, moravam em um trailer
afastado do centro. Meu coração sangrou ao ver o estado em que viviam. Sua
mãe estava doente, vivia mais internada do que com eles, então os dois
ficavam bastante tempo sozinhos e indefesos, por isso a garota foi
sequestrada. Veria como poderia ajudá-los de alguma forma. Jacob era um
garoto que valia ouro, doce e gentil, mas ficava furioso quando se deparava
com injustiça. Dei meu telefone a ele para me ligar caso acontecesse algo.
— Emy, Jacob é cinco anos mais velho que você. E você é nova demais
para pensar nisso. — Jason se afastou de mim e olhou para ela.
Jacob tinha treze anos (e, sua irmã, quinze), e não onze como eu havia
imaginado. Apenas era baixinho.
— Só vai namorar quando o cara em questão me derrotar no ringue.
Ela arregalou os olhos.
— Mas o senhor é invencível, nunca perdeu uma luta na vida.
Jason sorriu com a declaração dela e a pegou pela cintura,
suspendendo-a do chão e beijando sua cabeça. Eu adorava ver momentos
como esse dos dois juntos.
— Por isso mesmo, querida. Não vai namorar nunca.
Revirei os olhos para os dois. Antes que eu dissesse que Jason não
podia controlar para sempre a vida de nossa filha, meu telefone tocou.
— Alô? — sondei, confusa, porque não havia identificação na tela.
— Senhora agente, Julie e eu precisamos de você — disse Jacob; só ele
me chamava assim. Soou urgente e amedrontado.
— Jacob? O que foi, aconteceu alguma coisa?
— Meu pai veio ao nosso trailer querendo levar Julie e eu com ele, mas
não posso permitir, ele é igual ao cara do hotel. Por favor, nos ajude —
implorou. — Foi ele quem deu Julie para o cara que a levou aquele dia.
— Calma, Jacob. Cadê sua mãe?
Ele suspirou, parecendo chorar.
— Mamãe está no hospital... Ela está morrendo.
Olhei para Jason e minha filha, ambos assustados.
— Vocês têm um lugar onde possam se esconder até eu chegar aí? Estou
em Manhattan agora, demorarei algumas horas. Qual é o nome desse cara?
— Samuel Diaz. E temos sim. Assim que a senhora chegar, me ligue,
que atendo e digo onde estou. — Parecia correr. — Obrigado, senhora
agente.
— Taby, o que foi?
Desliguei o telefone e peguei as chaves da Mercedes.
— A mãe de Jacob foi internada e seu pai louco, que por sinal parece
ser quem entregou sua irmã a Matias e Júlio Weston, está atrás dos dois.
Estou indo para sua casa agora resolver isso. Fique com Emily...
— Oh, coisa nenhuma, você não vai sozinha, eu vou junto — falou com
firmeza. — Já te vi em perigo demais por hoje, então sem reclamação, eu
vou com você.
Suspirei, desistindo. Chegamos a Trenton uma hora e meia depois.
Liguei para Jacob, e ficamos de nos encontrar no hospital.
Os dois estavam lá fora me esperando, com suas roupas um pouco
rasgadas e sujas. Um homem alto aguardava na frente dos dois. Jacob entrou
na frente da irmã, encarando-o com frieza.
Saí do carro antes que Jason encostasse na vaga e corri, ignorando meu
noivo praguejando baixo.
— Você não é meu pai, desgraçado. Nunca ligou para mim, por que só
agora apareceu?
— Sua mãe está morrendo, vocês dois não têm ninguém além de mim.
— Virou na direção de Julie. — Vou saber usá-la muito bem.
Ela cuspiu na cara dele.
— Vá à merda, seu crápula. Se acha que vou com um desgraçado igual
a você, está enganado. Foi você quem me deu para aquele cara no hotel, e
ele levou meu irmão. Por sorte, fui liberta pela agente que cuidou de nós.
O cara fez menção de dar um tapa na Julie, porém, eu o impedi,
chegando por trás dele e colocando a arma na sua cabeça.
— Se tentar alguma coisa eu atiro em você agora, Samuel Diaz. Ou eu
devo te chamar de Dentinho? — Prostrei-me na frente dos garotos e peitei o
verme. Alguns de seus dentes faltavam.
Eu dei o nome do cara para Bryan puxar sua ficha antes de ir para lá.
Era um tremendo de um filho da puta, um cafetão de segunda. Era pai só de
Jacob, e não de Julie. Decerto usaria a garota, uma loura linda para fins
inescrupulosos. Mas isso não aconteceria, eu não permitiria. Perguntava-me
o que Rebeca, a mãe deles, viu neste homem... Por que se envolveria com
alguém igual a ele?
— Quem é você, sua vadia desgraçada... — Foi interrompido por um
soco de Jason; mais um dente caiu no chão, e ele tombou, desacordado.
Sacudi a cabeça, repreendendo Jason.
— Querido, você precisa se controlar, não pode simplesmente chegar e
derrubar os criminosos com um soco. Sabe aquele ditado “Pergunte primeiro
para bater depois”?
Deu de ombros, perguntando aos garotos.
— Vocês estão bem?
Antes que eu respondesse, Julie saiu do seu lugar e deu um tapa no
rosto de Jason, pegando todos de surpresa, inclusive Jason.
— Ficou maluca, Julie? — criticou Jacob, segurando seu braço.
— Eu não acredito, Jacob, é ele mesmo! — disse e gritou eufórica.
Abraçou Jason, pegando-o desprevenido.
Jacob revirou os olhos.
— Ela é uma fã de carteirinha de Jason Falcon. Tem fotos dele em
todos os seus cadernos.
Julie riu e se afastou de Jason. Parecia estar sonhando acordada.
— Desculpe por bater em você, precisava ver se você era real mesmo.
— Quicava de tão feliz. — Sempre sonhei em me casar com você quando
crescesse.
Eu ri.
— Você e toda a população feminina do universo — falei. — Vou
chamar a polícia para prender Samuel Diaz, já que ele é procurado.
Julie piscou.
— Desculpe por agarrar ele assim, mas eu sonhava em vê-lo há muito
tempo, até fui à sua luta com Escorpião.
— Não tem problema, querida, Jason tem esse efeito nas pessoas,
mulheres principalmente. — Beijei de leve os lábios dele, que fez uma
careta com a menção às mulheres. — Farei a ligação. Enquanto isso, entrem
no hospital e procurem saber como vai Rebeca.
Ele arfou.
— Rebeca? — Seu tom saiu estranho ao pronunciar esse nome.
— Sim, a mãe dos meninos que está internada aqui.
Assentiu e foi com os garotos para dentro do prédio. Ignorei sua reação.
Será que ele a conhecia? Será que Rebeca era Bechy? Não podia ser. Fui
interrompida em minhas conjecturas
— Alô? — Minha voz soou grossa.
— Não sabe o que descobri sobre Rebeca Louis Falcon. Ela é a mãe de
Jason, Taby, precisa dizer a ele antes de chegarem.
— É tarde demais para isso, Bryan. Depois eu ligo, tenho que ir. —
Corri para a entrada do hospital, avisando ao guarda de lá para chamar a
polícia e prender Samuel Diaz, que deixei algemado e inconsciente.
Cheguei ao quarto informado pela enfermeira, onde estava deitada na
cama e moribunda a mulher que abandonou Jason quando criança, largando-o
com o monstro do seu pai. Eu tinha antipatia pelos dois por fazerem Jason
sofrer todos aqueles anos. Agora me deparava com seus filhos, irmãos de
Jason... Escondi minha antipatia pela mulher no seu leito de morte.
Acabara de falar com o médico: o câncer atingira todos os seus órgãos;
eles deram horas para ela. O estranho era que o médico também disse que se
tivesse tratado há alguns meses, ela teria se salvado. Por que não buscou a
ajuda de Jason? Ele teria auxiliado, mesmo não gostando dela por deixá-lo.
Assim que entrei no quarto, ouvi o sussurro dela falando com ele. Seus
ombros estavam tensos e rígidos enquanto fitava a mulher, e suas mãos em
punhos.
— Você me abandonou com aquele homem, agora está pedindo para eu
esquecer todas as...
— Jason, você pode ser adulto, mas não faça mamãe chorar ou
brigaremos — rosnou Jacob.
— Jacob, querido. — Sua voz saía fraca ao falar com eles. Jason se
parecia com ela. Tinha cabelos castanhos, com alguns fios brancos, e um
rosto demonstrando envelhecimento precoce. Ela não tinha mais de sessenta
e cinco anos, mas sua aparência estava péssima. A doença e o sofrimento
acabam com as pessoas. — Ele tem razão para me odiar, eu o deixei quando
era pequeno e indefeso nas mãos do pai dele. Não conseguia mais ficar com
um homem que me batia. Mas eu estava doente na época, não podia ficar
com você. — Olhou para o Jason. — Se tivesse, teríamos morrido os dois
sozinhos, sem dinheiro e sem lugar para morar. Não estou pedindo que me
perdoe, porque isso é impossível. Aceitei esta doença como um castigo por
fazê-lo sofrer todos esses anos.
— Mamãe, não morra — pediu Jacob, tocando o rosto dela. Ele estava
chorando. — A senhora agente e Jason vão levá-la a um hospital melhor,
então...
— Meu garoto, sempre tentando conseguir um jeito de me salvar...
— Se a senhora sabia que Jason Falcon era nosso irmão, por que não
pediu a ele para contratar um médico bom que a curasse? — Julie sussurrou
com lágrimas nos olhos.
Rebeca respirou fundo e se encolheu, tossindo por alguns segundos.
— Mamãe! — gritaram Jacob e Julie em uníssono.
Jason saiu do transe e deu mais um passo na direção da cama, mas
parou quando Rebeca falou, ofegante:
— Jason... Eu o magoei muito, não achava justo aparecer e pedir algo
assim a ele, só por ser famoso e ter dinheiro. Eu mereço seu ódio por mim...
— Não odeio a senhora. Houve um tempo que sim, mas não mais. —
Chegou perto de sua cama e tocou o rosto dela, limpando as lágrimas.
— Eu sempre amei você, Jason, tanto que guardo suas coisas de quando
era criança no trailer. Carrego comigo tudo que era seu. Foi a forma que
achei de ter um pedacinho de você comigo. Sinto muito, meu filho. Eu tentei
te achar depois, na Geórgia, mas seu pai se mudou, levando você com ele, e
perdi o contato...
— Está tudo bem, mamãe. Não fale agora, apenas descansa um pouco...
— Eu não tenho muito tempo. Você precisa tomar conta dos seus irmãos
para mim. Sei que o pai de Jacob vai querer ficar com ele só para ter Julie,
então os proteja. Eu me entristeço de partir e não poder protegê-los.
— Prometo, ninguém tocará nos dois, juro pela vida da minha filha.
Ela sorriu.
— Não esperaria nada menos de você, Jason. Com o sofrimento que
deve ter passado com seu pai, você nunca se tornaria igual a ele. Sempre foi
um garoto bom.
Jason respirou fundo.
— Tudo graças à Tabitta, minha noiva. Ela transformou a escuridão que
eu tinha, em luz. E me deu uma filha linda, olhe ela aqui. — Tirou seu celular
do bolso e mostrou a foto de Emily jogando um beijo para ele. — Ela é meu
raio de sol.
— Linda! Se parece com você. Fico feliz que esteja contente, meu
garoto. Tornou-se um homem grande e forte. — Pousou os olhos atrás dele e
se deparou comigo ali, espiando o momento da família. — Foi você quem
trouxe a luz para a vida do meu filho?
Eu me endireitei e entrei no quarto, ficando perto do Jason, que estava
com os olhos úmidos. Sabia que a morte dela estava chegando. Meu coração
doeu por ele, porque ao contrário do seu pai, sua mãe se arrependeu do que
fez. Eu queria tirar sua dor, mas não podia.
— Ele também trouxe luz à minha — falei a verdade. — Quero dizer
que descanse em paz. Jason e eu perdoamos a senhora por tê-lo deixado.
Juramos dar amor e carinho a Jacob e Julie.
Ela olhou para Jason por um segundo, como se estivesse buscando
confirmação para o que eu falei.
— Sim, perdoo a senhora. — Abaixou-se, beijando a testa dela. —
Também sempre te amei e vou amá-la para a eternidade, mamãe.
Alguns segundos depois, Rebeca deu seu último suspiro. Os meninos
começaram a gritar e chorar ainda mais, depois o médico entrou e a deu
como falecida, desligando os aparelhos. Era como se ela estivesse se
mantendo viva só para vê-lo antes de morrer. Felizmente, os dois se
despediram.
Abracei os meninos, oferecendo conforto a eles, já que não podia tirar
a dor que sentiam. Jason saiu do quarto quase correndo. Eu me afastei deles,
cujos olhos vertiam lágrimas.
— Já volto — falei aos dois e fui atrás de Jason. Ele estava do lado de
fora do quarto, no corredor, e já ia lançar um soco na parede. — Não ouse se
machucar! — gritei.
Ele freou o seu punho e me fitou com seus olhos atormentados, também
molhados.
— Nunca se machuque porque está sofrendo, Jason. Se quiser bater em
algo porque está assim, bata em mim...
Puxou-me para seus braços e chorou.
— Dezoito anos sem ela, sem saber nada a seu respeito, e quando a
encontro, em quinze minutos minha mãe morre? Não é justo, por que ela não
me procurou? Poderia estar viva agora... — continuou balbuciando.
— Você precisa ser forte, seus irmãos necessitam de você, tudo bem?
Carecem do seu apoio. E eu estarei ao seu lado, sempre — jurei. — Agora
vamos voltar para o quarto, pegá-los e organizar o funeral de Rebeca.
Capítulo 16
Promessa
TABITTA
Três meses depois
Foram três meses difíceis, mas também felizes por ter Jason, Emily,
minha família, meus amigos e os dois novos irmãos de meu amado noivo.
Jacob e Julie estavam lidando do jeito que podiam com a perda de sua mãe.
Adoravam ficar com Jason e comigo. Ele ficou com a guarda definitiva de
Jacob, já que o pai dele era um criminoso e passaria muitos anos na cadeia.
Jason pegou as coisas que sua mãe guardava dele: meias, chupeta,
macacãozinho e uma carta, onde dizia que sentia muito por tê-lo deixado, e
também para cuidar dos irmãos. Ficou destruído por semanas após sua
morte, mas Emily, Jacob e Julie faziam biscoito e chocolate e levavam na
cama para ele.
Entretanto, o que fez Jason levantar mesmo e deixar um pouco sua dor
de lado foi o sofrimento do Ryan. Não que eu me importasse com aquele
filho da puta...
Há três meses, Angelina me procurou pedindo minha ajuda para
protegê-la, porque Ryan queria que ela tirasse o filho dos dois. Isso já me
fez odiá-lo muito mais. E o pior: falou que, ao ter o filho, corria perigo de
morrer. Angelina era cardiopata, então não podia ter filhos sem se arriscar.
— Tem certeza de que você quer isso? — inquiri, assim que a levei
para minha casa de praia, um lugar que ninguém sabia que tinha. Eu iria
guardá-la de todos, inclusive de seu namorado, que não queria que ela
tivesse a criança justamente para não morrer no parto.
A casa de madeira avermelhada dispunha de quatro quartos, sala e
cozinha.
Ela suspirou com os olhos molhados.
— Só não conte a ninguém que estou aqui, muito menos ao Jason,
porque tenho certeza de que ele diria ao Ryan... — Encolheu-se. — Também
não me diga nada do que vier a saber lá fora sobre ele... De como está
lidando com a dor.
— Eu prometo, Angie, não vou dizer nada — jurei.
Essa promessa que fiz à Angie me custou muitas brigas com Jason, mas
não ia traí-la, porque ela precisava da minha ajuda e proteção.
— Ele é meu amigo, droga, e está sofrendo agora, não vê isso? —
sibilou uma noite, quando pediu para eu dizer o paradeiro dela.
— Não posso quebrar minha promessa. Se aquele filho da puta se
preocupasse com ela, não a mandaria abortar seu filho. Só não fui lá dar uma
lição nele porque ela pediu — gritei de volta.
Depois disso, tivemos várias discussões. Para não brigar mais, me
mantive focada no trabalho, e ele viajando para suas lutas. Eu ligava todas
as noites. Jason atendia, mas não dizia nada, e ficávamos os dois ali, sem
falar por um momento. Até ele suspirar e dizer que me amava, e eu de volta.
Isso acontecia sempre que estávamos longe um do outro.
Por três meses, mal nos tocamos, e quando fazíamos, ao acabarmos, ele
virava as costas para mim, me ignorando. Eu sabia que merecia isso por
esconder Angelina.
Johnny e Charles, amigos de Angelina (e namorados, o que era um
desperdício, porque os bofes eram lindos) cuidavam dela para mim enquanto
eu não podia durante esses meses. Eles a amavam tanto quanto eu. Mas eu
escapulia durante o serviço e ia com ela nas suas consultas médicas. Pegava
ruas diferences para não ser seguida por alguém que estava caçando Angie,
Bryan era um deles.
— Seu bebê está se formando bem, acredito que daqui a dois meses já
podemos fazer uma cesariana — o médico disse. — Completaram seis
meses hoje, então com oito meses podemos tentar. Você aguentará até lá?
Angelina ficava mais fraca a cada segundo, tanto que nos dez últimos
dias tive de dizer ao Jason que ia a trabalho ao Alaska, só para fazer
companhia a ela. Ele desconfiou, seus olhos se estreitaram, mas não disse
nada, já que nossa comunicação estava nula por enquanto. Esperava fazer as
pazes em breve.
Angie estava ofegante, mal andava e ficava sem ar. Eu queria ajudar,
contudo, não podia fazer nada por ela, apenas permanecer ao seu lado e
amar a filha que ela estava esperando.
— Que nome vamos dar à nossa menina? — indaguei ao colocá-la na
cama. Escondia meu desespero e medo de que ela não resistisse à cirurgia.
Ela não precisava saber o quanto estava sofrendo por me sentir impotente.
Angie sorriu, arquejando, e alisou a barriga. Deitei ao seu lado e
também passei a mão ali, sentindo nossa bebê chutar.
— Victoria, porque se parecerá com o pai e será um milagre tê-la. Eu
vou conseguir, certo, Taby? — perguntou, chorando. Eu a abracei forte e
beijei seus cabelos.
— Vocês duas conseguirão, minha querida. Nós ainda vamos atirar nos
garotos que vierem convidá-la para sair — eu disse.
Ela riu.
— Só você para me fazer rir em uma hora assim. Mesmo ele não
estando aqui comigo... — Expirou, fechando os olhos. — Estou feliz por
nossa filha estar bem...
Eu não queria pensar no Ryan, porque sempre que o fazia, me dava
vontade de matá-lo. Por que aquele filho da puta não usou preservativo? Se
ele tivesse feito isso, hoje a vida dela não correria perigo. Não só ela, como
Victoria também.
Mandei Emily, Shane e Lira, irmãozinhos de Angelina dos quais ela
tomava conta desde que seus pais morreram, irem passear com Samira, que
ficou ao meu lado o tempo todo. Uma amiga que valia ouro.
Estava prestes a ligar para Jason. Ele chegaria aquele dia de uma luta
em Londres. Eu precisava fazer alguma coisa por Angie, estava com medo
dela não conseguir. E ela amava aquele fodido do seu namorado. Se ele a
fizesse feliz, talvez isso desse mais forças para minha amiga lutar por sua
vida.
A campainha tocou antes que eu pudesse ligar para ele. E não foi
preciso, porque era Ryan na porta. Uma fúria me subiu por ele estar ali, de
pé, enquanto ela estava acamada e com a respiração pior. Sua cardiopatia se
agravara porque resolveu parar de tomar os remédios para não prejudicar a
bebê.
Abri a porta e olhei para o cara de quem sentia raiva desde que soube o
que ele fez. Não dei a mínima para se estava sofrendo ou não. Fechei minhas
mãos em punhos e fui esmurrar sua cara, mas o bastardo se esquivou.
— Seu filho da puta — rugi. Estava prestes a matá-lo, mas fui levada
para longe dele pelo Jason, que me pegou pela cintura e me carregou até a
cozinha. — Vou cortar seu pau com faca cega e fazê-lo comer, seu
desgraçado. Vou pegar uma pá e estripá-lo com ela! — continuei xingando. O
que me fez ficar com mais raiva foi que ele me ignorou e subiu a escada,
indo para o quarto de Angelina.
Jason me imprensou na parede.
— Quer se acalmar? Você não pode enfrentar um homem como Ryan, a
sua cabeça não está em um bom lugar neste momento. — Afastou-se, mas
sentia que ele estava grilado comigo, foi assim durante três meses.
— Ele merecia que eu fizesse coisa pior — rosnei. — Castrá-lo ainda é
pouco.
— Ficou maluca? Ele está sofrendo todo esse tempo longe dela, droga,
e você podia ter aliviado isso para ele, mas não o fez. Decidiu até se afastar
de mim só para não ter que contar. Como foi seu trabalho no Alaska? —
acusou. — Você mentiu para mim.
Estreitei os olhos.
— Você também mentiu quando disse que ainda estava em Londres, não
é? Enquanto, estava em um maldito clube de strippers em Chicago com Dom
— sibilei.
— Acha que eu a trairia? — Uma sombra escura atravessou suas
feições. Isto me lembrou de quando o conheci e duvidei dele, sua expressão
ficava assim.
— Faz quanto tempo que não transamos? Uma ou duas semanas? Isso
sem contar que era frio depois que terminava, o que sempre comprova que o
homem tem outra mulher...
Ele me cortou, agora furioso.
— Você não confiou em mim para resolver a coisa com Ryan e
Angelina, apenas a escondeu e não me disse nada. Vi meu amigo definhando
a cada dia sem ela. E sabe por que eu queria ajudá-lo, mesmo ele não
merecendo? Porque eu fiquei daquele jeito quando me deixou, e não foram
três meses não, foram quase nove anos num maldito purgatório. — Expirou,
ganhando gás. Eu me encolhi por lembrar do seu sofrimento. — Ele está
agora lá em cima naquele quarto sofrendo, vendo a sua mulher doente e
moribunda, sem saber se ela vai sobreviver ao parto. Como acha que ele
está, hein?
— Ele pode estar sofrendo, mas eu fiz uma promessa a ela, não podia
dizer nada a ele e nem a ninguém...
— A sua proeza com a promessa diminuiu o tempo dos dois, porque ela
pode...
Eu me lancei para ele, batendo no seu peito. Peguei-o desprevenido.
Estava sofrendo e com raiva dele pensar e dizer isso.
— Ela não vai morrer, está me ouvindo? Ela não pode morrer! —
Socava e chorava ao mesmo tempo. — Se ela precisar de um coração novo
para viver, eu lhe dou o meu...
— Oh, Deus, Tabitta! — balbuciou entristecido e me puxou para si. Eu
quebrei ali, nos braços de Jason, despedaçada tanto por ficar longe dele esse
tempo, quanto pelo meu medo de perder Angie, que era mais como a irmã
que nunca tive, tal qual Samira.
Ele alisava meus ombros, esperando que eu me acalmasse.
— Nunca a trairia, Taby, independentemente de estarmos brigados,
jamais tocaria em outra mulher. Só você importa. — Beijou a minha testa.
A cirurgia de Angie foi marcada para aquele dia, porque ela acordou
pior, não conseguia nem se mexer direito.
Estávamos todos na porta que levava ao centro cirúrgico, observando-a
encolhida na maca, ofegante pela dor que sentia.
— Vai dar tudo certo, Angie — Charles disse, beijando sua testa, e
Johnny também.
— Estaremos aqui com você — Johnny alisou seu rosto.
— Obrigada, pessoal — sussurrou. — Vocês são os melhores amigos
de todos os tempos...
— Eu a amo, sempre — declarei, chorando. Queria acabar com seu
sofrimento, mas não podia.
Angie não respondeu, acho que não conseguia falar. Para ela, devia ser
doloroso conversar, sendo que não tinha muito oxigênio nos pulmões.
Depois, seus olhos molhados pousaram em Ryan. Os dele também estavam
úmidos. O cara realmente a amava, e não era pouco.
— Amo você, Ryan — afirmou, meio sem ar. — Lutarei por nossas
vidas, tanto a minha como a de nossa filha.
Ele ficou em silêncio por um instante, sem conseguir falar, acredito que
controlando o desespero por ela entrar naquela sala sem saber o que
aconteceria com Angie e nosso bebê. Sim, “nosso”, pois eu seria a segunda
mãe de Victoria.
Minha amiga o encarava com ansiedade, como se buscasse saber que
ele acreditava nela quando dizia que voltaria.
— Sim, eu sei que vai — disse e a beijou nos lábios. — Eu também te
amo para sempre, minha vida.
Eu estava encolhida e chorando, tamanha era minha dor e impotência, à
semelhança de Ryan. Jason passou os braços à minha volta e beijou minha
testa, me dando conforto.
— Promete que se for para escolher entre eu e Victoria... você vai
salvá-la?
Arregalei os olhos diante do que ela pedia para ele. Todavia, depois de
pensar um segundo, eu faria a mesma se estivesse no seu lugar. Se fosse para
optar entre eu e Emily, salvaria minha filha.
Notando a dor e o desespero de Ryan, percebi que seria um tormento
imenso escolher entre as duas pessoas que ele mais amava. Seria como ser
dividido ao meio.
— Anjo...
— Prometa, Ryan — suplicou. — Porque se me escolher... eu não
conseguirei... — Sua voz sumiu quando ela desmaiou ali na nossa frente.
Todos nós soltamos gemidos de dor e desespero com medo de perdê-la.
Ryan começou a gritar, tocando seus ombros, mas Lucky e Jason foram até
ele e o arrastaram para longe dela. Os médicos a levaram correndo para o
centro cirúrgico.
— Deus, Lucky! Se ela morrer, eu... — Ryan estava em pânico. Ele se
escorou na parede e quebrou ali, puxando as pernas e se abraçando,
parecendo uma criança desolada.
Lucky ficou falando com ele, tentando aconselhá-lo e acalmá-lo. De
repente, Ryan se levantou e seus olhos pousaram em mim, o tom caramelo
escurecido. Lançou-se na minha direção. Por sorte, Jason tinha um bom
reflexo e o impediu de me atingir.
— Por sua culpa tive pouco tempo com ela — esbravejou, querendo me
matar. — Sua vadia desgraçada...
Foi cortado quando Jason o imprensou na parede; chegou a gemer.
— Entendo seu sofrimento, porque fiquei do seu lado todo esse tempo
em que ela não me revelou onde estava Angelina. Arrisquei meu
relacionamento por você, porque não achava justo sofrer longe da sua
mulher. Mas não ouse chamá-la assim de novo, ou eu vou esquecer que está
sofrendo e revidar como homem — alertou Jason.
Lucky entrou no meio e afastou Jason, olhando de um para outro.
— Maldição, porra! Estamos em um hospital e sua mulher está tendo
sua filha agora, então não pense que teve pouco tempo com ela, porque
haverá mais para vocês dois, ok? Um futuro onde criarão sua filha juntos —
disse para um Ryan encolhido.
Ryan não respondeu. Foi para uma vidraça com vista para a cidade,
mas aposto que ele não via nada, apenas escuridão e dor. Eu estaria assim se
fosse Jason naquela sala, por isso não briguei ou senti raiva dele, embora
ainda guarde ressentimento por ele não ter se prevenido.
Lucky se virou para o Jason.
— Não é hora para isso, nem o lugar, droga. — Jogou as mãos para
cima num gesto frustrado. Sam foi até Ryan e passou os braços na cintura
dele.
— Falei com a enfermeira para saber como ela está...
— O que ela disse? — A voz dele parecia morta, aliás, ele parecia
morto.
— Que a respiração dela estabilizou e estão fazendo a cesariana neste
momento. — Soava fraca. — Ela vai ficar bem, Ryan. Não precisa temer.
— Angie é uma guerreira, sempre foi. Lutou pelos irmãos, pelos
amigos, agora fará o mesmo por você e sua filha — declarou Charles,
olhando o Ryan. Ele não viu, porque fitava a janela de vidro.
— Ela vai sair dessa e voltará para nós — assegurou Johnny.
— Vocês dois também sabiam onde ela estava esse tempo todo e não
disseram nada — sussurrou desprovido de vida, sem olhar para Johnny e
Charles.
Johnny suspirou.
— Eu lamento, cara. Ela nos pediu segredo, e minha ajuda foi para
rastrear as consultas médicas e deletar tudo para o Bryan não achar nada. —
Mirava as costas do Ryan. — Sei que foi errado, mas não podia dizer “não”,
eu a amo como uma irmã.
— Fizemos isso por Angie — afirmou Charles a todos.
— Vocês três são um bando de traidores — Ryan, venenoso, falou para
Charles, Johnny e eu. — Torçam para ela sair dessa ou eu vou destruí-los.
— Olhou para o Jason. — Não me importa se ela é sua mulher ou não.
Jason já ia dando um passo até ele, mas segurei sua mão e o mantive
perto de mim. Ryan deu de ombros com o meu gesto, virou as costas para nós
e seguiu fitando o nada.
Não liguei para suas ameaças, porque sabia que ele estava sofrendo
com tudo o que aconteceu. Se não fosse isso, ele jamais ameaçaria as
pessoas. Muito menos a mulher do seu amigo.
— Não é só você que a ama, ouviu? Nós também a amamos e estamos
com ela há mais tempo que você. — Eu não queria abrir minha boca,
contudo, não conseguia simplesmente deixar de lado.
— Eu não quero ouvir sua voz — rosnou para mim.
— Sosseguem, os dois — ordenou Jason.
— Ele começou... — Meu telefone tocando me interrompeu. Franzi a
testa, não queria atender ninguém agora, mas era o nome do Bryan. O que
será que ele queria? Pelo que eu saiba, estava trabalhando disfarçado na
Rússia para podermos pegar o chefe mafioso.
— Oi, olha, agora não é um bom momento para falarmos...
— Quem é? — perguntou Jason.
Bryan me cortou.
— Alexia foi sequestrada...
— Oh, meu Deus, não! — Meu tom saiu agudo e mais alto. Abaixei a
voz porque uma enfermeira fez careta para mim.
Jason veio até mim.
— Você está bem?
— Não entre em pânico agora, mas tem alguém disfarçado aí no
hospital para matar Angelina. Chris e Landon a pegaram e está sendo
mantida em uma sala até a polícia chegar. Stive Lutner queria vingança, e
sequestrou Alexia também.
— Oh, Deus! — repeti. — Resolverei isso e depois vou aí te ajudar.
— Não precisa, tem muita gente aqui para me dar cobertura, apenas
cuide da Angelina. Agora tenho que ir.
Guardei o celular e peguei a arma na minha bolsa.
— Tabitta, pelo amor de Deus, me diga o que houve, está me deixando
louco. — Jason pegou meu braço.
— Não posso explicar agora. — Saí correndo, parei na frente do Lucky
e olhei para ele, que ficou tenso me vendo com uma arma. — Não deixe
Jason vir atrás de mim.
Fui à sala onde a mulher estava sendo mantida sob custódia,
supervisionada por Landon e Chris. Encarei-a com uma fúria assassina, me
controlei para não puxar o gatilho; se o fizesse, me arrependeria para
sempre. Sentava-se na cadeira, algemada com as mãos para trás. Landon e
Chris conseguiram uma sala vazia para eu interrogá-la até a polícia chegar.
— Como a descobriram aqui? — perguntei aos dois. — Qual é o nome
dela?
— Luana Savvy — respondeu Landon. — Bryan ligou e me disse o que
estava acontecendo, então fiz uma varredura pelo hospital e descobrimos
essa mulher, que não trabalha aqui, vestida com o uniforme de enfermeira.
— Agora me diga onde está Alexia...
— O que minha irmã tem a ver com isso? — perguntou Alex.
Virei-me e estavam todos ali, espantados, Jason incluso.
— Eu falei para impedir Jason de vir me procurar — recriminei Lucky.
— O que está acontecendo? Quem é essa garota e o que a Alexia tem a
ver com isso? — perguntou Jason, chegando perto de mim.
Ignorei-o e fitei a menina, que estava chorando.
— Quero saber onde ela está e por que veio para matar Angelina.
Todos arfaram, em especial Ryan, ao meu lado.
— Você tentou matar minha mulher? Porra! — gritou na cara dela,
fazendo-a ir para trás com o corpo. A cadeira só não caiu porque estava
escorada na parede.
— Stive me pediu para acabar com sua vida, ele disse que nós dois só
podíamos ficar juntos se eu injetasse a agulha com veneno na garota antes
dela ter a criança, assim morreriam as duas. — Sorriu para nós, balançando
a cabeça como se tivesse um tique nervoso. — Ele me ama, sei que vai fazer
a loura pagar.
— Oh, Deus! Ela é louca. — Entrei na frente do Ryan, que parecia que
queria matar a garota de uns vinte anos, mais ou menos. — Ryan, eu cuido
disso, então se afaste. Lucky — chamei o irmão dele, porque Ryan hesitou.
Olhei para a garota morena com cabelos longos e presos em um rabo de
cavalo. O que a loucura não fazia? Isso não era amor, ela precisava de um
psiquiatra urgente.
— Vou te dizer quem é Stive Lutner: um monstro. Ele conquista suas
vítimas, as sequestra, espanca e estupra, depois joga seus corpos no lixo.
Quer mais ou continua apaixonada? — Meu tom era mortal, ignorando seus
olhos arregalados. — Me diga onde esse maldito levou Alexia, ou eu juro
que vou usar um método de descobrir as coisas nada dentro da lei. Adianto
que será doloroso.
Então ela me disse que ele estava em Chicago, e Alexia em um hotel em
Nova York. Pena que nos encontrávamos longe demais para acabar com o
verme desgraçado. Mas eu não entendi: se ele estava em Chicago, por que
manter Alexia em cativeiro em Nova York?
Alex saiu desesperado assim que soube da localização de sua irmã.
Rayla foi com ele. Liguei para o Bryan para avisar sobre Alexia, caso já não
soubesse; afinal, talvez tivesse descoberto seu esconderijo antes de mim. Ele
disse que Daemon, do MC Fênix, já estava com ela. Bryan falou que o cara
era um excelente rastreador, foi ele quem encontrou Angelina para Ryan.
Indaguei o que fariam quanto ao Stive, e Bryan respondeu que quanto
menos pessoas soubessem onde estava, melhor. Um gelo desceu por minha
espinha ao imaginar que tivesse matado o cara. Não que Stive não
merecesse, porque merecia, sim. Mas se Bryan fizesse isso, estragaria sua
vida.
Quatro horas depois do episódio da louca assassina, o médico apareceu
e avisou que a cirurgia foi bem. O tempo seria essencial para sua
recuperação. Fizeram a cesárea e operaram seu coração.
— Então ela vai viver? — sondou Ryan com esperanças na voz.
— As primeiras vinte e quatro horas nos dirão — disse o médico, Raul,
o mesmo que operou Shane, irmão da Angelina, alguns meses atrás.
— E a Victoria, como está? — questionei.
— Ela está bem agora, mas na incubadora por ter nascido prematura.
Acredito que vai sobreviver.
Fomos para o berçário ver nossa bebezinha linda. Angelina não
podíamos visitar ainda, só quando ela fosse para o quarto.
— Oh, que perfeita! — Queria pegá-la nos braços, mas não podia, teria
de esperar. Ela era tão miudinha. Enfiei as mãos no buraco da incubadora e a
toquei. Victoria estava dormindo. Acariciei seu rostinho redondo e meio
inchado.
— Fofinha da tia. — Sam, que também teve uma menininha linda,
babava por ela.
— Mamãe número um não pode estar aqui agora vendo você, mas a sua
segunda mamãe está, e sua tia também — sussurrei, sorrindo.
Ryan se aproximou. Seus olhos estavam molhados e maravilhados,
como se presenciasse um milagre. E, realmente, era um milagre ela estar
viva.
— Quer tocá-la? — perguntei a ele. — Coloque o braço aqui. — Fez o
que eu pedi sem reclamar, acho que ele não estava vendo mais nada ali, só
ela, Victoria. Meio desajeitado, tocou seu rostinho lindo.
— Tão pequena e linda! Como a mãe — murmurou. — Maravilhosa,
meu pequeno anjo.
— Sim, ela é. — Lucky sorriu, batendo nas costas do irmão.
— Se Angie não conseguir...
— Angelina ficará bem, Ryan — garantiu Lucky.
— Eu só estou dizendo... Você pode tomar conta da minha filha? Você e
Sam são as únicas pessoas que conheço e nas quais confio para amá-la, além
de Rayla, mas ela está grávida — sussurrava atormentado ao irmão.
— Prometemos, Ryan. Mas Angelina vai ficar bem, acredite e tenha fé
— assegurou Sam.
Três dias depois da cirurgia, Angelina acordou. Não pude ficar mais
feliz com isso. Agora minha amiga estava segura de dois loucos, porque
Franklin disse que não tocaria nela e nem em ninguém da sua família, e Stive
Lutner... Bem, desse não tive notícias.
A alegria de ter Angelina e Victoria perto de nós superava tudo. Pedi a
todos para manter a sua tentativa de assassinato longe dos seus ouvidos, até
que ela ficasse cem por cento boa.
Capítulo 17
Infiltrados
JASON
Dois meses e meio depois
Olhei para a mulher que estava debaixo de mim, com meu pau
penetrando-a centímetro a centímetro, suas unhas rasgando minhas costas e
seus pés prensando minha bunda, querendo mais de mim.
— Céus! — gritou. — Sim, Jason, me fode mais forte.
— Oh, querida, eu vou — rosnei e dei o que minha garota queria. A
cada estocada, a levava ao ápice do prazer. Coloquei uma mão entre nós e
esfreguei seu clitóris, fazendo-a gritar. — Goze no meu pau, quero senti-lo
quente com seu gozo.
Empurrei mais forte meus quadris, em sincronia com os dela. Adorava
a sensação de ter meu pau dentro de Taby, sentir suas unhas me deixando
marcado. Ela disse que o faz para todas as mulheres na academia verem que
tenho dona; aprecio essa possessividade. Ela puxou minha boca para a dela
e chupou minha língua com um gemido rouco, até que gozou gritando, mas
nossas bocas abafaram o som. Eu a segui logo após. Fiquei em cima dela por
um segundo, depois me retirei e beijei sua testa.
— Essa foda foi... uau — sussurrou, beijando meu peito. Sempre fazia
isso onde ficava nossa tatuagem, como se a quisesse ali de volta. Não dizia
nada, mas eu entendia.
— Vou fazê-la de novo — disse, avaliando seu rosto. — A tatuagem,
quero dizer.
Ela sorriu.
— Não precisa, Jason. Sei que estou aqui. — Colocou a mão em meu
coração. — É por isso que eu beijo o local, agradecendo por estar dentro de
você sempre.
Eu sorri.
— Também gosto de estar dentro de você. — Beijei seus lábios, depois
falei sério: — Sim, você está no meu coração, mas quero uma tatuagem que
simbolize não só você, mas Emy, Jacob, Julie e minha mãe.
— Hummm — murmurou e pegou minha mão. — Você pode pôr as
iniciais dos nossos nomes nos seus dedos. Ficaria lindo. Também farei, mas
colocarei os nomes nas asas da borboleta. O que acha?
— Como é possível eu amá-la mais do que já amo? — perguntei a mim
mesmo. Ela tratava meus irmãos como se fossem nossos filhos.
Jacob e Julie estavam indo à escola que Emy frequentava. Os dois se
deram bem ali, adaptando-se depressa. Às vezes Emy chegava reclamando
que Jacob não a deixava conversar com nenhum coleguinha da escola.
Gostava de como protegia as duas meninas; enfrentou um homem em um
elevador só para salvar minha filha, e nem sabia que era tio dela. Tremia ao
pensar nos perigos que encararam aquele dia, não só ele, mas Julie também.
Por sorte, Emy não pensava mais em namorar o Jacob, já que eram parentes.
Argh, não queria imaginá-la namorando alguém, talvez daqui a uns vinte
anos.
— Fico feliz com isso — falou, sorrindo. — Acha que consegue mais
uma? — Ela me montou. Olhei para cima, me deparando com a coisa mais
bela do mundo. Antes de continuarmos, parei, pois ouvi um carro
estacionando na frente da casa. O segurança deve ter reconhecido, já que
deixou entrar.
— Acho que vamos ter que esperar. — Sentei-me com ela ainda no meu
colo, peguei o seu seio e coloquei-o na boca, mordiscando. Taby gemeu e já
ia encaixar meu pênis na sua entrada, quando a campainha tocou sem parar.
— Juro que vou matar quem estiver na porta — rosnou, saindo de cima
de mim e indo no banheiro se limpar. Vestiu um top e short curto, deixando
sua barriga à mostra, e as pernas também.
— Vai descer assim, sendo que nem sabemos quem está lá embaixo? —
Levantei-me também e coloquei uma bermuda. Ia vestir uma camiseta, mas
ela precisava mais. — Bote isso para eu não assassinar alguém por olhar
minhas gostosuras. — Pus a mão na sua boceta por cima do short e apertei-a.
Ela gemeu, e o som foi direto no meu pau.
— Maldição! — sibilou com raiva, saindo do quarto pisando forte.
Ri do seu jeito fogoso e sexy. Taby abriu a porta e meu ânimo se foi.
Por ela entraram Dennis, Lincoln e Bryan. Os três ergueram as sobrancelhas
para nós, Dennis e Bryan sorrindo; já o filho da puta do Lincoln fez uma
careta desgostosa.
— Interrompemos alguma coisa? — perguntou Dennis com um sorriso
debochado.
Observei a reação dela, para checar se ao menos ia corar um
pouquinho, mas nada. Apenas estreitou os olhos.
— Sim, estávamos indo para a segunda rodada e vocês nos
interromperam — rosnou, enquanto eu sorria, orgulhoso da minha mulher
fogosa. — Então espero que seja importante.
Dennis revirou os olhos.
— Eu diria que lamento empatar, humm... o momento de vocês, mas é
necessário. — Seu tom agora era sério. — A festa de casamento do Ryan
Donovan será vigiada pelos Bravata...
Taby ofegou de pavor.
— Espere, o quê? — arquejou. — Vamos prendê-los antes disso, não
é? Eles não podem estragar o casamento da minha amiga.
— Nós pensamos em usar seu relacionamento com Jason hoje na festa.
Vocês entram em uma discussão, e Tabitta sai correndo da igreja, levando
todos a segui-la.
— Isso não vai acontecer. Não vou deixar esse bando de assassinos ir
atrás dela — rosnei com os punhos cerrados. — Por que não aparecem lá e
prendem todos os suspeitos?
— Porque não sabemos quem são, só que estarão à espreita para levá-
la com eles. E para não haver tumulto ou até tiroteio na igreja, decidimos
fazê-la se afastar das pessoas. Nós a seguiremos. E quando os capangas de
Andrey aparecerem para sequestrá-la, pegaremos eles — falou Lincoln.
Tinha algo nesse cara que me fazia não confiar nele, e eu não parecia ser o
único que notava isso; Bryan o olhava com raiva.
Ela avaliou os três ali na sala.
— Mas assim não pegaremos o Andrey! Sei que ele está em algum lugar
escondido em Manhattan, então o que vocês querem não é só que eu saia da
festa, e sim que seja capturada com uma escuta. Deste modo, teremos provas
contra ele. — Ela era esperta, soube exatamente o que eles estavam
enrolando para dizer.
— Isso não está acontecendo — grunhi para os três. — Sem chance no
inferno.
— É o único jeito — interveio Dennis. — Sem isso, não vamos pegá-
lo, porque ele não vai sair da toca. O que adianta termos as provas e não a
pessoa para prender?
— Irônico, não é? Temos Sebastian Ruiz, mas não provas suficientes
para prendê-lo, e temos provas sobre Jacov, mas não conseguimos chegar
nem no mesmo espaço que ele — Bryan parecia falar com ele mesmo. — O
homem está fora do radar.
Ela ignorou Bryan e me fitou. Eu conhecia esse olhar, era de quando ela
queria fazer algo para um bem maior, mesmo que se sacrificasse no
processo. Minhas entranhas se reviraram, eu não podia deixar isso
acontecer, não podia.
— Jason, querido, dependemos disso para sermos felizes, precisamos
dele preso e do Sebastian também. — Olhou para o Dennis. — E se ele
quiser me usar de moeda de troca com Sebastian? Garanto que não vai se
entregar para me libertar.
— Bom, ele não terá exatamente uma escolha, então o bastardo estará lá
quando Jacov exigir a troca. Prenderemos os dois de uma vez — assegurou
Dennis. — Topa?
— Papy não sabe desse nosso esquema, não é? — inquiriu.
Dennis olhou para o Lincoln, que parecia nervoso demais para o meu
gosto.
— O agente Lincoln disse que tinha conversado com Thomas, e que ele
concordou.
Ela estreitou os olhos para Lincoln e Dennis, depois suspirou.
— Tudo bem, eu aceito — disse.
Assim que os três saíram, correu para o andar de cima, e eu a segui.
— Sabe que isso não vai acontecer — falei, vendo-a ir para o banheiro
e tirar as roupas. — O que está fazendo, Taby?
Ela não respondeu, só me mostrou uma escuta no bolso do shortinho que
usava antes. Eu já ia abrir a boca, mas ela me silenciou, beijando-me,
gemendo e gritando, em êxtase.
— Me foda mais fundo. Isso mesmo, querido, amo seu pau dando cada
estocada dentro de mim. — Ela me cutucou para eu dizer mais alguma coisa.
Revirei os olhos, mas entrei no jogo, seja lá qual fosse seu plano. Sabia
que ela tinha um. Virei-a de costas para a parede.
— Você ama meu pau, querida? — Tirei para fora meu pênis e penetrei-
a por trás, fazendo-a gritar. — Então ele é todo seu, cada centímetro. —
Puxei seus cabelos para trás, lambi seu pescoço e mordisquei sua orelha.
Uma mão amassava seus seios, e a outra circulava seu clitóris.
— Oh, céus! Isso mesmo, mais forte — gritou.
Seja quem fosse que colocou a escuta, curtiria uns bons gemidos. Fiz
uns sons mais altos para abafar os dela ao ser fodida, não queria nenhum
filho da puta ficando excitado às suas custas.
Dei mais duas estocadas e acelerei meus movimentos no meu bebezinho
rosado. Puxei de leve seu clitóris, ao que chamou meu nome e se
desmanchou nos meus braços. Gozei logo em seguida.
— Você nunca me decepciona, querido noivo — sussurrou, beijando
meu peito, e foi para o chuveiro toda sorridente.
— Eu e meu pau estamos aqui para servi-la, minha querida noiva. —
Tirei minhas roupas e entrei no chuveiro com ela. — Agora vou mostrar o
quão bom eu sou com a boca.
— Oh, querido, já sei o quão talentosa sua língua é — murmurou,
rouca. Apertou suas pernas, contendo o atrito ao imaginar minha boca
sugando sua boceta deliciosa. Mas eu não daria mais um show da minha vida
privada para quem estivesse ouvindo.
— Você a fez ficar talentosa, porque eu a coloquei só em você em toda
a minha vida — disse a verdade. Por mais que tenha feito muito sexo por aí,
nunca botei minha boca nas mulheres, nem antes de conhecer a Tabitta.
Ficava feliz por não ter feito, porque o sorriso que ela me lançou agora valia
mais do que tudo na vida.
— Você é o melhor homem do mundo. — Pulou nos meus braços. — Eu
o amo.
— Eu também, minha linda. — Dei um beijo de leve nos seus lábios.
Saímos do chuveiro e nos vestimos, eu de jeans e camiseta com jaqueta,
e ela com uma calça de couro, moldando suas curvas gostosas. Fomos para a
garagem.
— Então, vai me dizer o que está acontecendo?
Taby olhou para mim.
— Quando os três vieram aqui naquela hora, Lincoln se aproximou de
mim e tocou minha bunda...
— Espere, o quê? — cortei-a, furioso. — Eu vou quebrar todos os seus
dedos.
— Pode fazer isso depois. Na hora, eu senti e também ia bater nele,
mas Bryan me lançou um olhar significativo, que normalmente só dá quando
está planejando alguma coisa.
— Você está dizendo que esse filho da puta do Lincoln é infiltrado...
— Acabei de falar com Bryan, soube que Lincoln é russo e trabalha
para o Jacov. Ninguém nunca desconfiou dele, afinal, não tem sotaque. Sua
mãe era americana. — Ela suspirou. — Ele nunca chamou Papy ou perguntou
nada, planejava me levar lá, ter Sebastian e ficar comigo.
— Porque ele tem uma queda por você, não é? Deve estar furioso
depois do que tivemos no banheiro. — Avaliava seu rosto lindo.
— Sim, todos esses anos trabalhando com Lincoln, aprendi que, quando
está com raiva, faz muita besteira, impedindo-o de pensar direito. Por isso
ele vai dar um passo em falso e Bryan o pegará, mas precisamos deixá-lo
pensar que vou para Jacov, como era o plano.
Levantei uma sobrancelha.
— E você não vai?
— Eu vou, mas com uma equipe que não me trairia, porque estando lá
precisarei de proteção. Uma pessoa que seja influente nesse terreno, em
quem nós dois confiamos — sussurrou, observando meu rosto.
— Dom — eu disse, e ela assentiu. — Ele virá para o casamento do
Ryan. Daemon ajudou muito na localização de Angelina.
— Eu sei, Bryan marcou para encontrarmos com Dom daqui a alguns
minutos, no Hotel Riff. Então vamos, preciso ir lá e voltar sem que ninguém
me veja saindo até a hora do casamento. — Abriu a porta de uma das minhas
Mercedes, entrou no banco de trás e se abaixou.
TABITTA
O casamento de Angelina ia de vento em popa. Estava contente por sua
felicidade com seu marido e nossa princesinha linda.
— Taby, estou com medo desse homem fazer algo a você, mesmo
estando vigiada por várias pessoas — sussurrou Jason, entristecido.
Peguei seu rosto em minhas mãos e fitei seus olhos lindos. Queria dizer
a ele o que descobri há alguns dias, mas temia que, se revelasse isso, Jason
não me deixaria ir a canto algum. Chegamos tão longe para desistir de pegar
o mafioso. Essa corrida infernal tinha de acabar hoje.
— Vai dar tudo certo, eu prometo. — Esperava estar correta em relação
a isso ou faria esse homem sofrer ainda mais.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Lucky, bem na hora que
Jason ia me interromper. Acho que tinha noção de que estava escondendo
algo dele. Mesmo comigo usando minha máscara, ele sabia quando eu
mentia, foi assim que descobriu que eu estava com Angelina.
— Nada, está tudo bem — menti.
— Nada uma porra — rosnou Lucky. — Acha que sou idiota? Estou
vendo os olhares que dão a Dom e Bryan, então me contem. Não quero que
nada estrague a felicidade do meu irmão. Ele já sofreu muito, não acham? —
acusou-me.
— Eu não posso dizer, mas vou resolver tudo — garanti.
Lucky fechou a cara com minhas palavras vagas.
— O que ela vai resolver, Jason? — Buscou o amigo à procura de
resposta.
Eu suspirei.
— Vou me despedir dos noivos. — Saí antes dele falar algo. Fui até
Angie, que estava em uma salinha no fundo da igreja, com Ryan ao seu lado.
Ela amamentava a bebezinha.
— Você está feliz por passar a vida inteira com esse traste? — Olhei
feio para ele, que retribuiu com o mesmo desgosto.
— Não briguem, os dois — falou, sacudindo a Victoria já amamentada.
Sorri para ela e estendi os braços para pegar nossa bebezinha.
— Venha com a mamãe dois...
Fui cortada pelo Ryan.
— Você não é mãe dela, porra! Não há a mais remota possibilidade de
eu ter enfiado meu pau em você, preferiria me castrar — rosnou, me
fuzilando com seus olhos frios.
Sorri com deleite.
— Eu posso cuidar disso. — Dei um passo na direção dele, mas
Angelina se colocou na frente.
— Não deixaria isso acontecer, preciso do seu... — ela se interrompeu
e olhou para Victoria, depois para mim, corando. — Preciso dessa parte na
lua de mel.
— Não se preocupe, eu te dou a coleção de pênis que tenho guardada
em casa — brinquei. Usava bastante vibradores antes de Jason entrar de
novo na minha vida. Agora não precisava mais, já que dispunha de um de
carne e osso.
Ryan grunhiu e saiu gritando o nome do Jason.
— Já vai tarde, carrapato. — Olhei para Angelina, que estava sorrindo.
— Sabe que terá de perdoá-lo um dia, não? Não foi culpa dele, e por
causa disso nós temos ela. — Beijou Victoria.
— Eu sei, mas gosto de vê-lo arrancando os cabelos e indo reclamar
com Jason, sabendo que não vai resolver nada. — Sorri.
— Quando vai me contar tudo sobre Jason e você? — questionou, me
avaliando.
Suspirei.
— Quando você chegar da lua de mel. Eu prometo.
— Eu a amo, Tabitta. Você é uma amiga que vale ouro — declarou.
— Não seria melhor diamante? Eles são mais caros — provoquei. —
Também amo você...
Fui interrompida pelo meu telefone tocando.
— Oi, Samira, já chegou em casa? — Ela tinha ido embora há pouco
tempo. O ruído de choro que ouvi em seguida drenou todo o sangue do meu
rosto. — Samira?
— Fique calada ou sua amiguinha gostosa vai pagar por isso — sibilou
uma voz masculina.
— Não a machuque, por favor. — Pedi silêncio à Angie, que estava
assustada. — O que você quer?
— Nós dois sabemos o que eu quero, agente Rodrigues, então vamos
esquecer as formalidades e ir direto ao assunto. Seu pai tem algo que desejo,
provas contra mim. Preciso delas hoje. Você terá uma hora, ou sua amiga
pagará o preço.
— Não seria mais fácil eu levar Sebastian até você? Perguntaria
diretamente a ele e teria sua vingança. — Tentei ganhar tempo. Sebastian
estava sob custódia da polícia, contudo, jamais cederia essas provas tão
facilmente. Não daria tempo de salvar minha amiga.
Ele riu.
— Você vai entregar seu pai? Os filhos hoje em dia não nos dão mais
valor como antigamente — recriminou
— Sebastian não é meu pai, e sim um assassino que merece morrer.
— As horas estão correndo, agente Rodrigues. Vá buscar seu pai na
toca onde ele estiver, e se encaminhem ao lugar que informarei por
mensagem — ordenou, impaciente.
Desligou o telefone. Eu ainda respirava mal. Sabia que Daemon já teria
ouvido pela escuta. Olhei para Angelina.
— Preciso que faça algo por mim, ok? — supliquei.
Ela assentiu, muda, acho que em choque.
— Quero que vá lá fora no salão e chame todos para cá, diga que fará
um discurso ou algo assim. — Continuei, porque ela já ia abrir a boca: —
Não faça perguntas, pois não posso responder. Só faça isso, tudo bem?
Prometo que trarei Samira de volta.
Triste, foi reunir todos na salinha com dez de largura por dez de
comprimento, um quartinho nos fundos. Lugar perfeito para mantê-los
seguros até eu resolver os problemas.
Alguns convidados do noivo tinham ido embora; ficamos só nós
(amigos próximos, como Jordan, Daniel e Simon, guarda-costas de Sam), os
MCs, Lucky e sua família. Além dos amigos da Angie, Johnny e Charles. Sua
tia já tinha ido também, o que achei bom, menos uma para me preocupar.
— O que ele queria? — perguntou Daemon, trocando um olhar com
Dom do outro lado da sala.
Daemon era um cara lindo. Forte, alto, com olhos caramelo-ouro,
cabelos curtos, brincos em sua orelha direita e um alargador. Tinha um
piercing na língua que notei quando riu para mim, ao sair do quarto após
testar a escuta na minha menina. Ele estava de jeans rasgado nos joelhos e
uma camiseta branca com um colete com logotipo da Fênix. Usava uma
corrente grande no cós da calça, prendendo a sua carteira que se encontrava
no bolso da frente. Na corrente, tinha um par de soqueiras. Adoraria vê-lo
em ação.
— Preciso levar Sebastian até Andrey ou aquele fodido mafioso vai
matar a Samira, mas antes quero deixar todos aqui seguros. — Minha voz
falhava.
— O que fará com Jason? Garanto que ele não vai ficar e deixar você ir
com dois assassinos frios. — Olhou para o Jason, que conversava com Ryan
e Lucky.
— Aqui para você. — Evy me entregou um “boa noite, Cinderela”. —
Não deixe Dom saber, ou contará ao Jason. Ele disse que nunca mais vai
guardar dele segredos em relação a você.
— Você vai botar Jason para dormir? — indagou Daemon.
— Sim, e você não vai dizer nada. Hora do show — falei e levantei a
taça. Nós estávamos numa salinha nos fundos da igreja. Achei mais prudente
colocá-lo para dormir do que aturar uma briga. Fui até o Jason e entreguei
um copo para ele, que sorriu.
— Por que isso?
— Um brinde aos noivos — sussurrei, triscando os lábios no
champanhe, e vendo-o beber seu whisky com gelo. — E à família linda que
me deu. Seus irmãos e nossa filha.
Depois de alguns minutos, o remédio fez efeito.
— Você também... — Sua voz falhou. — O que você fez? — Seus
braços seguraram os meus e seu copo caiu no chão.
Meu coração doeu ao enxergar a traição em seus olhos. Eu me segurei
para não chorar, precisava ser forte.
— Sinto muito, Jason. Saiba que o amo com toda minha alma —
sussurrei.
— O que você fez com ele? — rosnou Lucky, segurando Jason,
impedindo-o de cair no chão.
— Não deixe ela ir... — Então apagou. Lucky amaldiçoou, colocando-o
no sofá. Virou-se para mim. — Explique-se. Agora.
Expirei e contei a todos o que aconteceu e o que precisava fazer.
Depois de deixá-los seguros na igreja, fui à procura de Sebastian. Chris e
Landon ficaram de guarda.
Bryan encarregou-se de me entregá-lo na ponte do Brooklyn. Assim que
estacionei a Mercedes do Jason, o homem entrou no meu carro.
— Olá, minha filha.
— Não sou sua filha. Vamos acabar logo com isso.
Liguei para o número da Samira. Atenderam no segundo toque.
— Eu estou com ele, agora quero ouvir a voz dela para saber se está
bem.
— Taby, me tire daqui, por favor, esses homens são maus — suplicou.
Meu coração doeu por ela estar em perigo por minha causa.
— Vou te trazer de volta, prometo...
— Vá para o Pier 17, em Manhattan. Se eu souber que a polícia está
envolvida nisso, começarei a desmembrar sua amiga, dedo por dedo.
Expirei para me acalmar. A ida para Manhattan estava silenciosa, então
resolvi descobrir mais sobre o cara ao meu lado, porque uma coisa me
deixou confusa, e demoraríamos um pouco para chegar.
— Por que aceitou ir comigo? E sem essa de que é um bom pai, isso
sabemos que não é. Você mata pessoas, sequestra crianças e as obriga a se
prostituírem. Como uma pessoa assim pode ter amor por alguém? — Apertei
minhas mãos no volante.
— Sim, não ligo para nada neste mundo, sou frio, um monstro. Minha
alma foi levada de mim no dia em que Andrey Jacov matou sua mãe grávida
do meu filho e a deu para os seus homens estuprarem, rasgando-a inteira e
me fazendo presenciar tudo. Vi a única pessoa que eu amava nesta vida
sendo violentada — esbravejou. — Então não, eu não sinto pena de ninguém,
hoje eu não sinto nada, porque estou morto por dentro, Tabitta. Morto!
— Oh, meu Deus! — balbuciei, chorando e tremendo horrorizada.
Tantas vezes pensei que ela tivesse me deixado e ido viver sua vida com ele,
sem filhos para atrapalhar. Depois, o odiei por obrigar a minha mãe a ficar
com caras, sendo que isso não aconteceu, ela foi... Oh, céus.
— Tabitta — gritou alguém, e logo senti um tapa na cara.
Pisquei e olhei para mim mesma, ainda sentada no carro, trêmula. Notei
que estávamos um tanto longe do Pier 17. Mirei o cara do meu lado. Não
sabia mais o que ele era.
— Você deu um tapa na minha cara. — Minha voz saiu fraca. O veículo
estava parado em um acostamento, logo na chegada de Manhattan.
— Você estava entrando em pânico, tive de fazer alguma coisa, porque
temos problemas. — Aproximou-se dos meus seios, mas olhando para mim.
Decerto sabia que tenho uma escuta, e imaginava que fosse ali. — Eu só
espero que vocês a protejam, pois há alguém que ficará furioso com isso. Ao
contrário de mim, ele se preocupa com ela e derrubará qualquer um que a
coloque em risco.
Franzi a testa.
— Quem é essa pessoa de que está falando? — perguntei, curiosa.
— Logo saberá — respondeu, dando de ombros.
Queria saber a quem se referia, todavia, ignorei minha vontade, porque
algo estava me deixando tensa e amedrontada.
— Você não pensa em sobreviver a isso, não é? Pensa em matá-lo, e
depois o quê? Fugir? Vingança não leva a nada...
Ele riu.
— Você me procurou por anos para se vingar do que eu fiz, ou do que
acha que eu fiz — lembrou-me.
— Sim, mas eu queria você preso, não o mataria, não sou uma
assassina. — Tentei não pensar no homem que matei em Chicago ao tentar
salvar a garota.
— Vamos deixar essa história de lado e nos concentrar neles. — Virou-
se para frente.
Segui seu olhar e ofeguei. Havia dois carros pretos parados diante de
nós. Sete caras armados saíram dos veículos, e um veio em nossa direção.
— Saiam e caminhem até aqui — ordenou um homem com sotaque
russo.
Minhas mãos tremiam. Alisei a barriga, tentando me acalmar.
— O que é isso? — indagou, sombrio.
Sebastian notou minhas mãos por cima da barriga. Eu as retirei e saí do
carro.
— Nada.
Ele amaldiçoou alguma coisa e escreveu uma mensagem: “Ela está
grávida, a proteja, Nikolai”. Queria perguntar quem era, mas os caras do
Jacov estavam ali e podiam ouvir.
Eles nos revistaram atrás de escutas, mas não encontraram. Colocaram
capuzes em nossas cabeças. Andamos mais um pouco e o carro parou. Não
disseram nada, e nós dois também não. Senti-me ser retirada do automóvel.
Caminhamos alguns metros; ouvi um solavanco e senti o cheiro de água
salgada. Estávamos perto do mar, talvez em um barco. O capuz foi retirado
da minha cabeça e pisquei para a claridade, ofegando de pavor.
Na minha frente havia mais ou menos uns duzentos homens. Estávamos
em um navio da marinha, parecido com um Destroyer USS Mason. Ele era
enorme para caber todas essas pessoas, vestidas com ternos e gravatas.
— Olá, Tabitta. — Lincoln estava perto de um homem mais ou menos
da idade de Sebastian.
— Lincoln, você é um rato — xinguei, enojada.
Sorriu como se eu o tivesse elogiado. Bastardo filho da puta. Segurei
minha língua para não insultá-lo, temendo por eu não estar sozinha e me
machucar. Estava impressionada comigo mesma por me manter no controle
até agora. Quando soube o que esses homens cruéis fizeram com minha mãe,
entrei em choque, mas não podia quebrar, precisava ser forte para enfrentar
tudo. Choraria quando estivesse nos braços do Jason, tanto pelo risco que
estava passando, quanto pela dor de perder minha mãe de um jeito trágico e
por mentir para meu amor.
— Nos vemos de novo, não é? Faz quanto tempo mesmo? — zombou
Jacov, sorrindo de modo frio para Sebastian.
Minhas mãos estavam em punhos para dilacerar sua cabeça.
— Vinte e três anos, quando você matou minha esposa que esperava o
meu filho. — A raiva predominava na sua voz e expressão.
— Oh, sim, a doce Luciene. Aquilo foi um recado para nunca me
traírem de novo. Você era um servo perfeito, até que se apaixonou e ficou
mole. No nosso mundo, não pode haver amor, você deveria saber disso.
Espantei-me com a revelação de que ele trabalhava para Jacov.
Sebastian estava com sua expressão dura.
— Hoje eu sei disso. Você a entregou para trinta homens abusarem dela.
— Cerrou os dentes. — E a matarem no final.
Jacov deu de ombros. Sua frieza me deixava com vontade de matar o
filho da puta.
— Veja por este lado: você matou todos eles.
— Faltou um, é por isso que estou aqui — rosnou e depois gritou: —
Agora!
Não sei bem o que houve, mas um tiroteio teve início. Eu não sabia
quem atirava, os MCs ou os federais. Estava desarmada, então não podia
lutar muito, nem corpo a corpo, já que eu não devia levar nenhuma pancada.
Corri para dentro do barco para achar Samira. Era por isso que eu
estava ali, acima de tudo. Os dois assassinos que se engolissem. Não ligava
para eles, mas torcia para Sebastian matar Jacov, porque prisão para ele
seria pouco depois do que fez com minha mãe.
Passava de porta em porta para ver se eu a avistava, mas não a vi em
nenhuma das cabines do navio. Porão! Isto, ela devia estar no porão. Estava
prestes a ir procurar, quando alguém pegou meu braço. Era o Lincoln.
— Me solte, seu filho da puta, traidor — gritei, dando um safanão nele.
— Sua puta desgraçada, sabia que eu tinha colocado uma escuta em
você e ainda assim transou com aquele desgraçado para eu ouvir tudo —
esbravejou. — Você gritando! — Colocou as mãos nos cabelos, como o
louco fodido que era. — Aqueles sons me atormentam.
— Ele será meu marido em breve, posso fodê-lo o quanto eu quiser, e
quer saber? Seu pau é bom, ele é bom, amo tudo do Jason. Se quer lutar,
vamos lá.
— Eu poderia e vou, assim que tirar esse bastardo que está na sua
barriga. Achou que eu não sabia? Vi você indo comprar um teste de
gravidez. Aposto que deu positivo, já que agora há pouco a enxerguei com
sua mão no ventre.
Arregalei meus olhos.
— Você andava me seguindo? — Minha voz aguda ecoou nas paredes
do navio.
— Sim, precisava arranjar um jeito de capturar você para fazer tudo
que sempre sonhei com seu corpo. Agora quero rasgar sua barriga e tirar
esse feto imundo de dentro.
Teria que lutar com ele, mano a mano. Esperava ganhar e não sair
machucada.
— Não chame meu filho de bastardo ou feto, ele é alguém que terá
muito amor, meu e do seu pai — sibilei, pronta para brigar. — E você, seu
verme, jamais possuirá meu corpo, porque ele pertence ao meu marido, o pai
dos meus filhos.
Gritava parecendo estar possuído ou algo assim. Veio na minha direção
com os punhos cerrados, mas não chegou até mim, porque caiu no chão
alguns passos antes.
Enxerguei fios em suas pernas e alguém o arrastando para longe. Era um
cara vestido de preto, com cachos dourados e olhos verde-esmeralda. Virou
Lincoln de barriga para cima e colocou seu coturno preto sobre ele, que
perdeu o ar, assustado. O garoto devia ter por volta de vinte e poucos anos.
Acho que Lincoln o conhecia de algum lugar, e tinha medo dele.
Dominic disse que é possível reconhecer as gangues pelas marcas e
tintas. O garoto tinha dragões nos braços e em um pedaço do pescoço. O
resto devia estar debaixo da camiseta preta.
— Jacov ganhou uma passagem só de ida para o inferno, e agora será a
sua vez, mas de modo bem mais doloroso. — Fitou-me de lado, como se nos
conhecêssemos há anos. Eu nunca o vira antes. Era um maldito deus grego,
com músculos fortes e tonificados. Decerto malhava.
— Se você quer a cadela, pode ficar. É uma puta desgraçada que não
vale nada, nem uma foda — disse com alguma esperança de que o garoto não
fosse matá-lo.
Chamava de “garoto” porque havia algo de juvenil nele, embora
existisse também algo de adulto e sombrio. Uma mistura bem diferente, que
nunca enxerguei em nenhum criminoso com o qual me deparei.
— Você que não vale nada, Lincoln. É um bastardo estuprador. Quantas
vezes já fez isso com mulheres, hein? Quantas vezes não aceitou um “não” e
levou para o lado da violência? Você é um verme, um lixo. — Cuspi na cara
dele.
O garoto esboçou um sorriso, como se gostasse do jeito com que tratava
caras como Lincoln.
— Você será preso, seu corrupto, por trair o nosso país, e nunca mais
verá o dia de novo — prossegui.
Lincoln olhou para o garoto desconhecido e franziu o cenho.
— Eu vou para a prisão? — Mantinha a esperança, mas quando viu o
rosto do garoto, tão sombrio e mortal, ficou branco. Acho que sabia do que o
menino era capaz, ao contrário de mim.
— Até deixaria você ir para a prisão, se não tivesse tentado colocar
suas mãos imundas em cima dela. — Apontou o dedo na minha direção. —
Ninguém a toca e sai vivo. Tire isso pelo Sebastian, que só se preocupava
com vingança e não se importou de trazê-la aqui. Porra! Então não, você não
vai para uma prisão federal, e sim para outra muito pior. Lá, desejará morrer
a cada maldito segundo, o que não acontecerá tão cedo.
Lincoln estremeceu e começou a implorar por sua vida, gritando para
não ser levado às masmorras dos Dragon. Berrava que sentia muito por ter
me insultado de alguma forma, contudo, suas súplicas não comoveram o
garoto. Ele olhou para trás e dois homens vestidos como ele, nos quais eu
não tinha reparado antes, caminharam até nós.
— Leve-o daqui, depois acerto minhas contas com esse verme imundo.
— Desceu o soco na cara do Lincoln, fazendo-o cair desmaiado.
— Não o mate, você pode ser preso por isso. Entregue-o às
autoridades, que saberão fazer o necessário — falei a ele.
Revirou os olhos verdes. Ele me lembrava alguém, mas não sabia
exatamente quem. Ou talvez estivesse enganada.
— Vamos sair daqui — disse, sem me responder. Foi seguir por um
corredor.
— Não posso ir embora — sussurrei.
— O quê? Como assim? — Virou-se para mim com um olhar
exasperado, que ignorei completamente. — Tem quase trezentos homens dos
Bravata aqui e chegarão mais, precisamos ir.
— Minha amiga Samira está aqui embaixo em algum lugar, acredito que
no porão.
Nós seguimos para lá. Ele entrou primeiro e averiguou o local, acho
que para ver se havia problemas ou não.
Eu estava com o coração na mão, rezando para ela estar bem, e que
esses homens não a tivessem tocado de nenhuma forma.
— Я нашел тебя кроликом.
“Eu achei você, coelhinha”, falou em russo. Pelo menos foi isso que
entendi. Porém, o garoto não parecia nada russo; depois pesquisaria mais
sobre ele. Agora só queria salvar minha amiga e nada mais.
Continuou na nossa língua:
— Vou tirar você daqui — disse a ela.
Eu me aliviei ao vê-la bem, sem nenhum arranhão. Dei graças a Deus
por isso.
— Não ouse se aproximar de mim, seu tarado estuprador. Não vou
deixá-lo me tomar à força e, se tentar, cortarei seu pau pequeno e o farei
comê-lo inteiro, seu filho da puta! ― rosnou Samira, furiosa.
O cara grunhiu de raiva, não pelas palavras dela, e sim pelo que viu.
Samira estava nua e amarrada com as mãos para cima, presa em correntes. O
rosto do garoto ficou duro como pedra.
Foi ajudá-la a se soltar.
— Coelhinha, eu tomo conta de você — jurou, baixinho.
Enquanto ele a auxiliava, eu olhava ao redor, checando para não vir
ninguém. Esperava que não, não estava a fim de matar mais ninguém, mesmo
que fosse um assassino igual a esses caras.
— Samira? Sou eu! Esse cara não vai te fazer mal, ok? Ele veio para
nos tirar daqui — tranquilizei-a.
— Oh, Taby, ainda bem que você está comigo. Sabia que me salvaria.
— Sua voz estava fraca.
— É claro que eu viria! Você e Angelina são como irmãs para mim —
declarei. Ela suspirou, olhando o rapaz que a auxiliava a se libertar.
Perguntei a ele: — Qual é o seu nome? Você não me disse como se chama.
— Não disse e não vou dizer — respondeu. Amaldiçoou quando a
pegou pela cintura. — Prenda suas pernas à minha cintura.
— Por quê? — indagou.
— As correntes estão esticadas demais, preciso delas frouxas para
soltá-las..
O cara só poderia ser o tal Nikolai. Ele soltou uma das mãos de
Samira. Ela tirou sua venda e o encarou, piscando algumas vezes. Não
entendi sua expressão de raiva direcionada a ele.
Antes que eu perguntasse alguma coisa, gritei quando Nikolai jogou
uma faca acima da minha cabeça, acertando a testa de um homem que caiu no
chão com a lâmina cravada no cérebro.
— Avise quando for soltar facas por aí, ok? Você poderia ter me
acertado — rosnei.
— Isso não aconteceria, sou bom demais. — Soltou as algemas,
desprendendo-a das correntes.
Tirou sua camiseta e a entregou para Samira, que estava de pé,
cobrindo seu corpo com as mãos.
Notei que as costas dele eram cercadas por tintas de dragões, e também
algumas caveiras.
— Tatuagens legais — observei.
Ele não respondeu, apenas olhou para o corredor e amaldiçoou. Fechou
a porta, trancando-a por dentro. Conversou em russo com alguém por um
relógio no seu braço, que, com certeza, era alguma engenhoca feita para
escuta. Eu não entendia muita coisa em russo, então só captei alguns trechos,
como “explodir a lateral para sairmos”.
— Você vai explodir o lugar? — Arquejei. — Vamos morrer afogadas!
— Vejo que fala russo. — Ele me fitou com a expressão mais calma, a
despeito de ainda ter aço em seus olhos. — Sim, eu vou, pois não temos
escolha. Há mais homens dos Bravata entrando aqui, e, com certeza,
querendo usá-la como escudo contra os tiras que estão lá fora cercando o
lugar.
Ele nos escondeu em um canto e usou seu corpo para nos proteger da
explosão. De repente, a parede explodiu e a água começou a entrar na
cabine.
Samira parecia prestes a entrar em pânico; era pior do que ser
algemada.
— Ela não sabe nadar — informei ao Nikolai, que praguejou.
— Fique comigo, ok? Depois que sairmos daqui, nós vamos nos
encontrar — falou com os olhos nos dela.
Parei de ouvir quando a água nos cobriu e saímos pelo buraco. Ele
ajudou a Samira. Surpreendi-me ao me deparar com um submarino pequeno.
Nadei até uma porta que se abriu e a água entrou conosco dentro do
corredor. As portas foram fechadas e, finalmente, pude respirar.
— Vocês estão bem? — perguntou Dominic, de pé na minha frente,
junto com Daemon e Michael. Nasx estava ao seu lado também.
— Não teria deixado você se soubesse o que ia acontecer. Certamente
eu teria ido embora junto, como estava nos planos — Nasx falou para
Samira.
Os dois ficaram amigos após Angelina ter decidido deixar Ryan.
Aparentava preocupação.
— Estou bem agora, Nasx. — Ela o abraçou, mas o cara loiro o tirou
de cima dela e o prendeu na parede com uma faca em sua garganta.
Armas e adagas foram expostas de todos os lados, tanto dos MCs
quanto dos homens que estavam com esse meu salvador.
— Fique longe dela — alertou, frio.
Pretendia me levantar e impedir o massacre; eu não entendia por que
ele se preocupava com Nasx. Talvez fosse daqueles machos alfa que, ao ver
uma mulher uma vez, pensa que ela é dele. Entretanto, tudo girou e Dom me
pegou antes que eu caísse no chão.
TABITTA
Duas semanas depois
IVANI GODOY
3 ª Edição
2021
Copyright © - Ivani Godoy
ALEXIA
Meu coração martelava, palpitava e gritava de medo do demônio
desalmado que um dia eu havia amado e que tinha se aproximado de mim
fingindo me amar só para depois me sequestrar e me levar para aquele lugar,
aquela masmorra que me dava calafrios e desespero. Porque ali eu estava
sozinha e desamparada, sem ninguém, sem meus pais, meu irmão e meus
amigos; só éramos eu, a dor e a solidão.
Estava em uma gaiola sem nada no meu corpo, que ele violava pelo que
parecia uma eternidade. Tudo em mim doía, gritava socorro, mas minha voz
não saía mais devido à sede e à fome, por ele não me dar água nem comida.
Alex e meus pais deviam estar preocupados comigo, porque era para eu
ir até a loja da esquina, mas não contava que Samuel aparecesse e me fizesse
entrar em seu carro após apontar uma arma para mim, obrigando-me a ir
consigo, e depois levada para aquele lugar e mantida em cativeiro por dias.
Minhas forças tinham se acabado, mas não foi isso que me destruiu, e
sim a confiança, o amor que eu sentia por aquele monstro, que no começo era
um cara legal, mas logo se transformou em um demônio desalmado. Nesse
dia ele me aniquilou de forma irreversível.
Capítulo 1
ALEXIA
Um mês se passou depois do encontro com Bryan no restaurante Belas
Country, e eu sem sair de casa e cabisbaixa, isso por ser mais uma vez idiota
e por confiar nos homens. Aquela raça não prestava. Um exemplar dela
quase tinha me matado uns cinco anos antes. Depois de tanto tempo, o único
que me fazia sentir algo por um deles não me queria; beijou-me no
restaurante, depois ficou com outra mulher em seu apartamento.
Bryan definitivamente era um bastardo filho da puta, mulherengo. Eu fui
ao seu apartamento no dia seguinte ao encontro no Belas Country para
entender qual era o nosso lance, porque sentia que ele me queria também,
ainda mais ao me beijar daquele jeito, tão intensamente, como se quisesse
devorar a minha boca, meu corpo e minha alma. Pensei que ele só não me
possuiu lá mesmo por estarmos em público. Contudo, depois de vê-lo com
uma morena, percebi que me enganei, ainda mais vendo os dois só de toalha,
como se tivessem saído do banho naquele momento.
Saí correndo de lá, na verdade, nem entrei; quando ela abriu a porta e
eu vi os dois daquele jeito, só corri, chorando. Até pensei que ele viria atrás
de mim e falaria que aquilo era uma ilusão, mas ele não veio; aquilo
realmente aconteceu, ele ficou com outra, não comigo.
Sofri por semanas, depois fiquei com raiva, tanta que, se eu o visse na
minha frente, o esmagaria com meus saltos Louboutin. Quem ele pensava que
era para pisar em mim assim? Beijar-me em um momento e, na mesma noite,
ir para a cama com outra?
Depois de um mês sem sair de casa, eu estava na boate Lux, à qual
minha amiga Claire me convidou a vir consigo e Luana. Claire era uma loura
linda e formosa, e Luana, uma ruiva exuberante. Havíamos sido colegas de
faculdade, na qual eu fazia Marketing, mas tive que parar para tomar conta
de uma escola. Pretendia retomar no ano seguinte, só não sabia ainda que
curso faria, talvez designer de moda, já que amava comprar sapatos e
vestidos glamourosos. Terminaria meus estudos bem mais velha que o
normal, pois também tinha feito a high school tarde, pois fiquei muito tempo
em um hospital psiquiátrico.
Nós três éramos amigas. Ainda faltava uma, Samantha, mas ela estava
casada com Lucky Donovan, um homem lindo e poderoso. Samantha era irmã
do cara mulherengo que me deixou com um buraco enorme no peito, porque
eu já nutria sentimentos por ele havia muito tempo.
Apaixonei-me por Bryan quando o vi no dia em que ele foi visitar Sam
na faculdade. Ele até deu em cima de mim, mas vi que ele só queria uma
coisa naquele tempo. Eu não estava pronta para transar com ele naquela
época, mas depois, sim, por isso fui ao seu apartamento, para conversarmos
e talvez até ficarmos juntos, fazermos algo além de beijar, mas encontrei
Bryan com outra mulher.
— Hoje você vai transar com um cara gato, Alexia — declarou Claire
enquanto caminhávamos pela boate até nossa mesa. Acrescentou, assim que
abri a boca para dizer que tinha ido ali para acompanhá-las e comemorar o
aniversário de Luana, não para transar por aí: — E sem essa de não estar
pronta, porque já estou cansada de ouvir isso de você.
Só tinha uma pessoa com quem eu pensava em fazer sexo, e justamente
ele não me queria desse modo, apenas me via como a melhor amiga da sua
irmã. Talvez nem me achasse bonita.
— Eu só estou aqui por vocês, pelo aniversário da Luana e mais nada,
então esqueça essa coisa de me fazer me interessar por alguém, porque isso
não vai acontecer — rosnei, aproximando-me da mesa, meio afastada do
salão.
Mikael e Julian já estavam sentados ali. Mike, como o chamávamos, era
namorado de Claire havia algum tempo. Era dono da boate onde estávamos,
no Centro de Nova Iorque, um loiro lindo com sardas. Claire dizia que as
amava. Eu também via Luana direto com Julian, que era um cara moreno,
com olhos negros, forte. Aliás, tanto ele quanto Mike eram fortes, afinal,
jogaram basquete na escola, mas Mike seguiu com a boate, e Julian ainda era
um jogador.
— Você está linda, meu amor — disse Julian, beijando Luana. — Feliz
aniversário.
Ela riu e corou. Estava mesmo deslumbrante. Vestia um vestido rosa-
claro de cashmere com sandálias de salto alto. Seus cabelos ruivos
combinavam com seus olhos castanho-claros. Os dois formavam um casal
lindo. Eu ficava contente por minhas amigas estarem bem e felizes.
— Obrigada, querido.
Se não fosse pelo aniversário de Luana, eu não teria saído de casa. Era
a única solteira daquele grupo, provavelmente por isso elas ficavam tentando
me arrumar um namorado, pois eu tinha acabado de completar 24 anos e
ainda não havia tido um. Entretanto, apenas um cara me interessava dessa
forma, com aquele par de olhos azuis, corpo forte e pegada firme. Bem, não
se pode ter tudo que se deseja, não é? Se fosse assim, a minha vida teria
sido diferente quando eu tinha 19 anos... Expulsei esse pensamento, afinal,
era uma noite alegre, não era hora de pensar no meu passado obscuro.
— Oi, gente — falei aos dois, mas eles mal olharam, só assentiram
para mim enquanto adoravam suas namoradas. Achei bom. Um dia queria ter
aquilo também, ver aquele olhar de adoração na pessoa pela qual me
interessasse. Bem, milagres assim não acontecem, pois Bryan é indomável
e galinha.
Claire abraçou Mike, e nos sentamos à mesa na sala VIP da boate.
Aquele lugar me lembrava muito o clube que meu pai deu para meu irmão,
Alex, em Manhattan. Ele sempre amou isso, até já foi DJ em várias casas
noturnas, inclusive no Japão, na China e em alguns outros países. Por isso
papai deu a boate a ele, no intuito de fazê-lo sossegar. Acredito que
funcionou, mas, no fundo, foi Rayla, sua namorada, quem o colocou na linha.
Olhei as cores vivas do lugar. Estava lotado de gente dançando e se
divertindo.
— Olá, pessoal, vejo que cheguei atrasado — falou Jack, o irmão
sarado de Claire, loiro, alto, forte, com olhos cor de mel e sorriso
encantador. — Desculpem, tive que resolver algumas coisas antes de vir
para cá.
— Chegou bem na hora de levar nossa amiga Alexia aqui para dançar e
se divertir — disse Luana.
— Aliás, vamos todos dançar — falou Claire, pegando a mão de Mike
e indo para a pista de dança.
Eu estava perto de reclamar, quando Jack pegou minha mão e me levou
para a pista. Jack, Claire e eu fomos criados praticamente juntos, os dois
eram como irmãos para mim e Alex, embora eu soubesse que Jack queria
mais que minha amizade, mas eu não podia me entregar a ele nem a
ninguém... com exceção de Bryan.
— Jack, eu não quero dançar, não estou com ânimo para isso hoje —
reclamei quando ele ficou à minha frente e colocou as mãos em minha
cintura, puxando-me para si. Sussurrou em meu ouvido:
— Não olha agora, Alexia, mas, a alguns metros daqui, o cara por quem
você é apaixonada está com uma mulher, ambos sentados a uma mesa, e o
filho da puta ainda me olha como se quisesse me matar. Dá para acreditar
nisso? — em sua última frase, parecia falar consigo mesmo.
Meu coração deu um solavanco tão grande que acreditei que dava para
ser ouvido do outro lado do salão e através da música dançante que estava
tocando. Ao virar o rosto na direção em que Jack olhava, deparei-me com
um par de olhos azuis me fitando do outro lado do salão. Bryan estava ao
lado da mesma morena que eu tinha visto no seu apartamento havia um mês.
Então ele realmente se prendeu a uma mulher? Achei que meus pulmões
estavam com um defeito que impediam o ar de sair. Eles combinam... Eu e
ele, não.
“Ninguém quer você, não vê isso, sua puta?” Uma voz que eu não
queria ouvir invadiu minha cabeça. “Só eu”. Então a cena veio à minha
mente. Tentei bloqueá-la, mas ela estava ali, comendo-me viva. Suas mãos
no meu corpo...
Ele não está aqui, Alexia, se controla, entoei a mim mesma,
expulsando aquela voz da minha mente. Bryan, olhos azuis, lábios
avermelhados e beijo de mel, repeti isso várias vezes. Esse era o mantra
atual que eu invocava para as lembranças ruins irem embora de vez.
— Alexia — chamou Jack.
Virei o rosto e fitei meu amigo, que se encontrava com um olhar ansioso
e preocupado. Então percebi que tinha ficado meio absorta por alguns
segundos enquanto ele sacudia meus ombros, talvez querendo me trazer de
volta dos meus pensamentos.
— Eu estou bem, não se preocupe comigo — menti, ofegante. Era como
se eu tivesse subido uma ladeira correndo e de repente ficasse sem fôlego.
— Só preciso de ar fresco... e sair daqui, ir para onde eu não precise ver os
dois...
— Vem comigo, sei de um lugar ideal — falou, pegando minha mão e
me levando por uma escada para o terraço do prédio.
Eu já havia ido ali uma vez com Claire e Luana. O lugar tinha a vista
mais linda de todas, dava para ver Nova Iorque inteira de lá.
Escorei-me à grade do parapeito do terraço e olhei as luzes lá embaixo
e ao longe. O clube de Mike era no alto do prédio do pai dele, o senhor
Martínez, dono da Fundação Martínez, que beneficiava várias crianças pelo
mundo, como a Vênus, da Samantha. Lucky, seu marido, deu a empresa Vênus
para ela de presente. Embora eu não tivesse inveja dela por isso, porque só
queria uma coisa, ou alguém, que estava lá embaixo na boate com sua
namorada, e, quanto a mim... estava ali, sofrendo por ele.
— Você sabe o que sinto por você, não sabe, Alexia? — começou Jack,
pegando nos meus ombros e me deixando de frente para si. Fitou-me. —
Desde os 15 anos, no baile da escola, eu já queria você, mas depois viajei
para a Inglaterra, e, quando voltei, você estava naquele hospital na Suíça...
Eu sei que não sente o mesmo por mim, que gosta daquele cara lá embaixo,
mas podemos tentar.
Eu mirava seus olhos brilhantes pela luz da lua e das estrelas. Não
sentia nada por ele, exceto amor de irmão. Entretanto, meu coração doía por
não corresponder ao seu amor, que eu podia sentir e ver...
— Jack, eu não... — fui interrompida por sua boca na minha e seus
braços à minha volta.
Ele aproveitou meus lábios abertos de choque por ouvir suas palavras e
os devorou como se não se alimentasse havia anos e não quisesse nunca mais
parar.
Se quem eu quero não me quer, então por que não dar uma chance ao
meu amigo, que me ama? Talvez depois, com o tempo, o amor surja, não é?
Igual acontece em filmes e livros de romance.
Eu estava a ponto de retribuir seu beijo, quando Jack foi arrancado de
perto de mim e lançado em cima de uma mesa próxima de nós e na qual eu
não tinha reparado antes.
Jack arquejou com a pancada, enquanto eu ofegava de pavor vendo
Bryan em cima dele, espancando-o. Quando ergueu a mão para esmurrá-lo na
face de novo, gritei:
— Bryan, não! — Corri até ele e peguei seu braço para o impedir de
bater de novo em meu amigo, que estava sangrando um pouco. Estaria com
uma hemorragia maior se não tivesse se defendido do ataque. — Mas que
droga! O que você tem na cabeça?!
Ele não parecia querer parar de bater em Jack, que enfim estava
revidando. Os dois pareciam saber lutar, mas Bryan estava em vantagem.
— Você vai ficar longe dela, ou eu juro que vou matá-lo — sibilou
Bryan, lançando mais um soco em Jack, que se defendeu com destreza.
— Não vou ficar longe dela, cara, a não ser que ela queira. Ao
contrário de você, eu a amo e não quero apenas entrar em suas calças só
porque ela é gostosa — rosnou Jack, limpando a boca, que estava sangrando.
— Você não sabe de nada, porra! — Ele ia bater em Jack de novo, mas
o impedi entrando em sua frente e o empurrando para trás.
— Maldição, quer parar de tentar bater nele?! — Estava prestes a dizer
para ele voltar para sua namorada, que, por sinal, deixara na boate para vir
atrás de nós. Se ele se importasse realmente comigo, ao ver o beijo, devia
ter falado algo para mim, não ter batido em Jack.
— Bryan, que droga! O que está fazendo aqui? — indagou sua
namorada, chegando até nós e olhando a cena. Suas íris negras pousaram em
mim e sua testa se franziu.
Não liguei para isso, porque estava com raiva demais de Bryan por
tudo o que ele tinha feito. Afastei-me dele.
— Você não devia estar aqui, Bryan. Pega sua namorada e vai embora
— ordenei, deixando a raiva se apossar de mim; era melhor do que a dor em
meu peito, que estava me sufocando, quase me impossibilitando de respirar.
Aproximei-me de Jack sem tirar minha atenção de Bryan.
— Bryan, temos que ir agora. — A mulher pegou seu braço, puxando-o
para irem embora.
Entretanto, ele parecia travado me olhando. Por um breve momento, vi
a dor nos seus olhos, mas foi tão rápido que logo passou, e sua expressão se
tornou sombria, ainda mais ao fitar Jack ao meu lado.
— Toque em um fio de seu cabelo, e eu vou caçá-lo e acabar com você
— ameaçou.
— Se eu quiser, isso não é da sua maldita conta! Buscou minha opinião
para andar transando por aí? Não fez isso, não é? — sibilei já com lágrimas
escorrendo por meu rosto. — Agora some da minha frente, porque não quero
saber de você nunca mais!
A garota o arrastou, mesmo ele não querendo ir embora.
Uma relação bem estranha a que eles têm. Como uma namorada
aceita isso sem reclamar ou ficar furiosa por ele bater em um cara por
causa de outra mulher? E por que ele veio até mim preocupado por eu
ficar ou não com alguém?
Quando eu disse para Bryan ir embora e que eu não queria vê-lo, notei
uma chama de dor em seus olhos lindos, porém tristes. Embora eu o tivesse
mandado embora, não queria que ele fosse de verdade, queria que ficasse
comigo e dissesse que só queria a mim, não outras mulheres por aí. Todavia,
com Bryan era assim mesmo, ele nunca se contentaria só com uma mulher,
sempre teria que ter mais. E eu jamais aceitaria isso. Se Bryan me quisesse,
teria que ficar só comigo, porque eu jamais dividiria um homem, ainda mais
o homem que eu amava.
— Você está bem, Jack? — Olhei para ele, que limpava o seu rosto.
Ele suspirou.
— Sim, mas preciso ir ao banheiro me limpar para não assustar
ninguém.
— Lamento pelo que aconteceu, não sabia que ele seria capaz disso —
sussurrei.
— Não foi sua culpa. ― Deixou bem claro que só existia um culpado.
— Agora vou cuidar desse sangue. Nos encontramos lá dentro.
Voltei para a boate e forcei um sorriso, pois não queria estragar a
comemoração de Luana porque não conseguia parar de pensar em um bad
boy mulherengo que não se prendia a ninguém. Ele nunca se prenderia a mim,
uma garota simples que vivia tendo crises de paralisia quando as lembranças
sombrias do que tinha vivido no passado voltavam a atormentá-la.
Jack foi ao banheiro para se arrumar e dar um jeito em sua face; ele
também não queria estragar o momento de Luana.
Bryan continuou na boate com sua namorada. Eu o ignorei por todo o
tempo em que estive lá, até que falei para as meninas que voltaria para o
meu apartamento. Elas não queriam me deixar ir sozinha, então eu disse que
iria com Jack.
Ele não se queixou por eu usá-lo assim, mas me senti mal, porque, por
mais que seu beijo fosse bom, eu não sentia nada por ele. Seu beijo com
sabor de menta era tão diferente dos beijos doces de Bryan... Eu amava sua
boca e seus beijos, tudo nele. Sabia que era burra por ainda querê-lo depois
de vê-lo com outra mulher, mas não podia esquecê-lo. Queria poder, mas não
conseguia.
Luana e Claire não viram problema em eu sair com Jack. Eu tinha
certeza de que, na mente delas, nós ficaríamos juntos, mas isso não
aconteceria. As duas sabiam que eu não era mais virgem, embora não
soubessem como perdi a virgindade, ou melhor, como ela foi arrancada de
mim havia uns cinco anos por um desgraçado que deveria estar apodrecendo
no inferno. Elas só sabiam que eu fiquei internada por um tempo, mas todos
pensavam que era por causa do meu cativeiro. Ninguém sabia o que
realmente aconteceu naquele lugar, só os policiais, meus pais e meu irmão,
que guardaram isso muito bem.
— Você está bem para ficar sozinha? — sondou Jack parando seu carro
em frente ao meu apartamento.
O prédio possuía cinco andares. Eu morava no último, pois adorava
lugares altos, de onde eu podia ter uma vista panorâmica.
Respirei fundo, mas doeu fazê-lo. Queria ficar sozinha e deixar a dor da
rejeição de Bryan me dominar, me consumir.
— Eu vou ficar bem — menti. Acrescentei, assim que ele abriu a boca
para dizer, possivelmente, que sabia que eu estava mentindo: — Eu sinto
muito por ele ter batido em você por minha causa.
— Não sinta, não foi sua culpa aquele idiota agir daquele jeito por
ciúmes. O que não entendo é por que, se ele ama você, não faz nada para tê-
la e fica com outras mulheres... — Ele parecia falar consigo mesmo no final,
mas estremeci ao imaginar Bryan com outra mulher. — Desculpe por dizer
isso; só não entendo.
— Ele não me ama — murmurei num choramingo. — Por que eu não me
apaixonei por você?
Ele beijou meus cabelos.
— Porque ninguém manda no coração, Lex. Se mandasse, você já seria
minha mulher e com certeza mãe dos meus filhos — falou com tanto amor
que me senti mal por gostar de outro cara que não assumia o que sentia.
— Eu sinto muito.
Chorei em seus braços, depois fui para o meu apartamento quase
correndo, querendo apenas mergulhar na minha banheira e chorar por um ano
inteiro.
Capítulo 2
ALEXIA
Quando entrei no corredor do meu andar, notei que tinha algo errado; a
porta do meu apartamento estava entreaberta. Meu coração gelou ao pensar
em Samuel. Havia algumas semanas eu vinha recebendo recados sinistros,
ameaças de morte por mensagens em meu celular. Até troquei o número, mas
as mensagens continuaram. Supunha que eram do monstro que desgraçou
minha vida e que nunca havia sido preso. Eu não fui à polícia saber dele
depois que saí do hospital. Meu pai, quando estava vivo, cuidou de tudo. Eu
apenas soube que Samuel não tinha ido para a cadeia.
Meu coração estava batendo alto enquanto eu me aproximava mais do
apartamento no corredor vazio, embora fosse tarde para me deparar com
alguém ali.
Ao chegar mais perto, ouvi uma música soando através da abertura da
porta. O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky. No passado eu gostava muito de
ouvi-la, porque sonhava em ser bailarina, mas esse sonho morreu quando
Samuel, o monstro, destruiu-me. Ele me fez odiá-la, assim como eu o odiava
com todas as forças, o que me fazia ficar de pé e não deixar o passado me
dominar e me levar ao fundo do poço em que eu havia estado alguns anos
antes.
Assim que ouvi essa canção tocando na caixinha de música com uma
bailarina que ganhei da minha mãe, virei-me e saí correndo, mas colidi com
um peito musculoso, o que me fez gritar tão alto que acreditei que dava para
ouvir no prédio inteiro. Naquela hora fiquei cega de medo, ódio, dor e
apenas bati na pessoa que, em minha mente, me segurava e me esmurrava.
— Me solta, seu desgraçado! Eu odeio você, seu monstro! Você
destruiu minha vida há cinco anos e tem a audácia de vir me procurar?! — eu
gritava e chorava enquanto batia no peito do cara. De repente minhas costas
estavam na parede, e minhas mãos, erguidas acima da cabeça. Ele estava me
imobilizando.
“Você gosta disso, não é?”. Senti as cintadas em minha pele, batendo-
me até eu dizer que gostava daquilo, daquele ato horrendo e desumano.
“Você é minha puta, não é?”
Fechei os olhos, sacudindo a cabeça, querendo esquecer todas aquelas
lembranças que não queria ter mais. Bryan, pensei nele, visualizei seu belo
rosto e respirei fundo. Foi então que ouvi vozes perto de mim. Na verdade,
era uma só voz me chamando. A princípio, achei que estava imaginando,
então a voz ficou mais alta e mais clara.
— Alexia!
— Bryan? — Percebi que quem me segurava era Bryan, e não o imundo
do... Não quero pensar nele agora, nem nunca! Já tive crises demais hoje!
— Alexia, me diz o que houve, porque estou louco aqui ouvindo seus
gritos de dor e tormento, como se alguém estivesse te batendo... — Sua voz
falhou. — Me diz! Se aquele maldito da boate tocou em você, eu vou matá-
lo, eu juro!
Pisquei e me mexi, e ele soltou minhas mãos. Sabia a quem ele se
referia.
— Jack não fez nada. — Minha voz estava rouca pelas lembranças que
me atormentavam havia anos, ainda mais quando as crises vinham.
Caminhei para o meu apartamento. Sabia que tinha que enfrentar o que
estivesse lá dentro. Não podia fugir para sempre, como um gato medroso e
assustado, embora com motivos. Precisava tentar. Além disso, não estava
sozinha.
— Você saiu correndo e deixou a porta aberta? — O tom de voz de
Bryan era de acusação e crítica, mas também tinha uma nota de confusão. —
O que houve de errado para sair correndo?
Eu ia ignorá-lo, mas depois pensei que ele podia me ajudar a descobrir
se era realmente Samuel que estava fazendo aquilo comigo, afinal, Bryan era
policial e podia investigar as ameaças. A invasão à minha casa, deixando a
música como um recado, só podia ser obra de Samuel, já que era o único que
sabia que eu amava aquela canção antes de ele me fazer ouvi-la tantas vezes
enquanto estava em seu poder.
— Quando cheguei, ela estava aberta... — mal terminei de falar quando
ele me puxou para trás de si e pegou sua arma, apontando-a para a frente e
abrindo o restante da porta com a sua bota preta.
— Droga, Alexia, por que não disse isso logo? — grunhiu, acendendo a
luz na entrada.
A canção ainda tocava, e a bailarina dançava rodopiando na caixa de
música.
— Você deixou a caixinha ligada?
Respirei fundo, tentando bloquear as lembranças que aqueles acordes
me traziam.
— Não, por isso saí correndo, porque não a deixei ligada e a minha
porta estava entreaberta. Se fosse só pela porta, pensaria ser um ladrão, mas
essa música tem um significado; sei quem é a pessoa que deu corda na
caixa...
Ele olhou todo o apartamento, mas estava vazio. Era claro que estaria,
Samuel não seria estúpido a ponto de se deixar ser pego. Eu me lembrava de
ele dizer que as autoridades eram lerdas, por isso nunca o pegariam.
Enquanto isso, ele raptaria mais garotas tolas e inocentes como eu...
— Está limpo, sem sinal de arrombamento. Você sabe quem invadiu sua
casa? Qual o nome da pessoa? Me passa, para eu investigar. Sou da polícia,
lembra?
Ri com amargura.
— A polícia não vai achar nada, esse cara se move como uma sombra.
Ninguém vai chegar perto dele, a não ser que ele queira. Ele não para até ter
o que quer... — Minha voz falhou enquanto eu estendia a mão para fechar a
caixinha de música, mas Bryan me impediu.
— Não toque em nada, pode ter digitais na caixa e em outros lugares do
apartamento. — Ele pegou o telefone e falou com um cara chamado Calebe.
Deixei-o conversando e fui para o quarto arrumar umas roupas para
mim. Precisava ir para outro lugar até tudo se resolver completamente.
Também tinha de checar se algo havia sido levado. Samuel não era ladrão,
mas quem sabia o que mais aquele monstro se tornara após aqueles anos,
além de ser um estuprador de mulheres inocentes?
Eu não iria para a casa do Alex, já que não queria trazer problemas
para ele, mas precisava dar um tempo de Nova Iorque, ficar longe de Claire
e Luana. Não podia deixar aquele ser desprezível chegar perto delas.
Precisava fazer Mike e Julian as levarem para umas férias longe dali, longe
daquele desgraçado que, depois de quase cinco anos, resolveu voltar para
terminar o que começou e foi interrompido.
Depois que as roupas estavam colocadas na mala, fui até minha caixa
de joias. Não era por ser fútil e gostar de me arrumar, embora gostasse; eu
me importava com aquelas joias porque tinham sido de minha mãe, que me
deu antes de morrer. Então, aonde eu fosse, levava-as comigo como
lembrança.
Assim que abri o pequeno baú, encontrei um bilhete.
ALEXIA
Entrei no quarto seguida por Bryan, que não me deixava sozinha um
segundo; não liguei, contudo. Apenas queria ver meu amigo. Jack estava
acamado, coberto por lençóis, ladeado pelo senhor Milles e Claire. Os três
me olharam.
— Oi — sussurrei com a voz rouca devido ao choro. Meus olhos ainda
estavam molhados e vermelhos.
Jack me olhou de modo preocupado, checando para ver se eu tinha
algum ferimento. Seu olhar nada tinha de romântico ou sexual ao me fitar dos
pés à cabeça. Isso era bom.
— Você está bem? — Sua voz saiu rouca, e ele se encolheu devido à
dor.
— Era eu que devia perguntar isso, não você — falei, em seguida me
voltei para Claire e seu pai. — Desculpem, eu só soube agora, quando ligou
para mim, Claire.
O senhor Milles me abraçou por uns segundos. Ele sempre fazia isso
desde que eu era pequena. Considerava-o um segundo pai para mim.
Adorava aquela família.
— Está tudo bem, querida, agora nosso garoto está bem — disse e
franziu a testa para Bryan. — O que está fazendo?
Bryan estava em cima de uma cadeira, colocando algo no teto no canto
do quarto. Não olhou para nós enquanto respondia:
— O cara que atirou em seu filho sabe que o garoto sobreviveu e virá
terminar o serviço, que ficou inacabado. Como não podemos trocá-lo de
hospital ainda, vamos trocá-lo de quarto, e um agente nosso vai fingir ser o
rapaz...
— O nome dele é Jack — rosnei, porque, sempre que ele dizia as
palavras “garoto” e “rapaz”, tinha um toque de desdém.
Bryan estreitou os olhos enquanto me fitava, mas não respondeu, só deu
de ombros.
— Que seja. O que importa é que ele vai ser transferido de quarto, e,
quando o criminoso chegar aqui, o prenderemos. — Seu tom soou mortal no
fim.
— Você é policial? Onde está seu distintivo? — perguntou o senhor
Milles.
Bryan sorriu. Seu sorriso parecia esconder muitos segredos. Eu podia
ver que ali tinha coisa.
— Você vai ver no seu devido tempo — falou e continuou instalando o
que me parecia uma pequena câmera.
Ignorei-os e cheguei mais perto de Jack, tocando seu rosto lindo e
ansioso, embora com alguns hematomas, resultado da briga que teve com
Bryan.
— Eu fiquei com tanto medo depois que soube do que houve com você.
— Eu estava na casa tentando... — Sua voz ofegava devido ao esforço.
— Não fale, ou será que vou ter que tampar sua boca? — sussurrei, não
querendo vê-lo com dor.
Ele sorriu.
— Eu sei de algo que você pode fazer que me impedirá de falar. — Sua
voz ainda estava ofegante.
— Isso não vai acontecer — rosnou Bryan em tom sombrio. — Porque,
se a beijar, vou ter que matá-lo ao invés de protegê-lo.
Jack, que sorria alguns segundos antes, ficou sério e olhou entre mim e
Bryan.
— Você não pode aceitar ficar com ele, não pode aceitar ser a outra
nunca...
Bryan o interrompeu:
— Ela não é a outra nem a primeira, é a única, e pare de falar, ou vai
arrebentar os pontos no seu peito — Bryan disse num grunhido. — Preciso
de você sadio e fora daqui, se possível, do país.
— Não vou deixar Alexia com um canalha como você! — Sua voz soou
alta, e o som do aparelho que monitorava seu coração ecoou ao lado da
cama.
— Que história é essa de sair do país? — o senhor Milles perguntou
preocupado. Ele se parecia com Jack, mas tinha quase 60 anos. — Você está
namorando esse cara que diz ser policial?
— Eu não disse que sou da polícia, embora seja de certa forma —
replicou Bryan. — E sou namorado de Alexia, querendo vocês ou não.
Pisquei diante do que ele tinha acabado de dizer.
— Ela parece não saber disso — disse Claire, olhando entre nós dois.
E eu não sabia mesmo. Não sabia o que tínhamos, mas tinha certeza de
que sentíamos algo um pelo outro. Bem, eu o amava. Quanto a ele, eu não
tinha ideia. Talvez sentisse algo por mim. Esperava que também fosse amor.
— Ela sabe. — Ele sorriu para ela.
Notei que Claire prendeu a respiração ao admirar seu sorriso sexy e
lindo. Quem não reagiria assim a ele? Aquele homem tirava o fôlego de
qualquer mulher.
ALEXIA
Assim que chegamos à casa de Bryan, fomos para o quarto. Seus
amigos não vieram conosco. Depois de conversar um pouco com os MCs, eu
já gostava deles. Todos eram legais e tinham protegido, junto a Bryan, tanto
a mim quanto Jack e meus outros amigos. O pai de Jack iria transferi-lo para
outro hospital, onde ele ficaria até receber alta, depois seria levado por
guardas para ser protegido, já que era uma testemunha fundamental para
pegarmos Samuel e Steve Lutner. Isso estava me deixando confusa.
Bryan me olhava o tempo todo, parecia esperar que eu fosse entrar em
choque com tudo que aconteceu.
— O que foi? — perguntei, sentando-me na sua cama, levantando as
pernas e tirando minhas sandálias de salto. Notei que seus olhos
escureceram ao olhar minhas coxas expostas.
— Você não está surtando com o que viu e ouviu hoje no hospital?
— Por que eu deveria? Às vezes é melhor deixar a raiva se apossar de
mim em vez da dor que tenho ao reviver as lembranças obscuras do meu
passado — expliquei, tirando meu vestido e me deitando sem nunca tirar os
olhos dele.
Bryan pairou em cima de mim, beijando meu pescoço, traçando os
lábios sobre ele com desejo, então me esqueci de tudo, apenas desfrutei dos
seus beijos e carícias. Suas mãos eram labaredas no meu corpo, fazendo-me
gemer de prazer. Tirei sua jaqueta e camisa e logo desabotoei suas calças,
louca para senti-lo dentro de mim e nos fundirmos em um só.
— Alexia... — ele disse meu nome como um louvor. Entretanto, ao
invés de entrar em mim, sua boca desceu para os meus seios, lambendo-os e
os degustando com fome, enquanto uma de suas mãos ia até entre minhas
pernas e esfregava meu clitóris. — Molhada pra cacete!
— Sim, e querendo você dentro de mim... — Gemi ao sentir sua boca
descer pela minha barriga. Abri minhas pernas em um convite silencioso.
Porém, antes que seus lábios chegassem ao meu centro, que já estava
pulsando de desejo por ele, senti-o tenso. Bryan se afastou, e logo entendi o
que ele estava vendo ali, algo que ninguém nunca tinha visto antes. Ninguém
sabia o que havia acontecido comigo além de meu irmão, meus pais e a
equipe médica.
— Alexia, isso é... — Seu tom estava assombrado.
Expirei para controlar a dor e as lembranças daquele dia. Precisava ser
forte para não me deixar sucumbir como no passado.
— Sim, eu tive uma filha. — Meu coração doeu ao recordar o bebê que
eu tinha perdido. Provavelmente foi por isso que eu pirei ao acordar e não a
ver comigo, quando descobri o que havia acontecido com ela. — Então,
Bryan, não fique preocupado que eu queira prender você com uma
gravidez...
— Alexia... eu fui um idiota ao dizer aquilo. O que existe em mim... é
algo escuro. Não queria manchar sua luz... Então busco sempre uma forma
para fazer você se afastar de mim, e ao mesmo tempo não quero. É
impossível conciliar os dois desejos.
— Bryan, todos temos escuridão dentro da gente... — comecei, mas ele
me cortou:
— Luz do Sol, a sua escuridão não tem comparação com a minha. Se eu
contasse... você não ficaria comigo, iria fugir para longe.
— Nada vai me afastar de você a não ser uma traição; o resto, aturo
tudo — falei com intensidade, querendo deixar bem claro que ele podia
confiar em mim. Se para isso fosse preciso que eu lhe contasse a minha
história, que assim fosse.
Ele riu com amargura, sentou-se na cama e me admirou com seus olhos
brilhantes e meio tristes.
— Eu nunca trairia você, Lex, nunca! — Tocou meu rosto assim que me
sentei ao seu lado.
— Confio em você — sussurrei. Levantei-me e fui até a janela, olhando
a vista lá fora. Peguei uma camisa dele e a vesti, já que não faríamos mais
nada, não naquele instante, com as lembranças me consumindo por dentro a
ponto de me deixar sem ar.
— Alexia, o que houve? Cadê ela? — ele murmurou. — O que
aconteceu? Sabe que pode confiar em mim sempre, estou aqui e não vou
deixar nada acontecer com você, prometo.
— Eu poderia dizer o mesmo a você. — Virei-me e apontei para suas
cicatrizes profundas. Algumas pareciam costuradas de forma grosseira,
como se ele não tivesse recebido pontos de modo profissional.
Seus olhos viraram sombras de novo. Eu sabia que ele não diria nada,
não naquele momento.
— Quanto à minha história, ou pesadelo, como preferir... Conheci
Samuel quando ainda estava na escola.
— O nome dele é Steve Lutner, não Samuel. Ele usa vários nomes
diferentes para fazer o que faz, para conquistar mulheres indefesas e as
capturar, depois abusar e matar. Até agora foram 18, 19 com você, a única
que sobreviveu a ele. Por isso esse fodido sádico está atrás de você.
— Você está dizendo que Samuel Lewis é na verdade Steve Lutner, o
mesmo que matou a irmã de Angelina? — Minha voz saiu rouca.
— Sim, ele é um serial killer procurado pelo FBI, e não só aqui, é um
dos mais procurados no mundo.
Ele me pediu para continuar a contar minha história, mas precisei de
uns minutos para pôr a cabeça no lugar, pois estava confusa. Também não
conseguia entender como um ser abominável como aquele existia, alguém
que deveria estar morto e no inferno.
— Samuel, ou Steve, era atencioso comigo como ninguém jamais tinha
sido. Eu era jovem e ingênua, acreditava no que ele dizia e declarava a mim.
Era uma adolescente que não me arrumava, não me enturmava muito com as
pessoas, e, quando um cara carinhoso se aproximou e disse que eu era
linda... acreditei. — Olhei para a janela sem nada ver. — Eu sei que fui tola
em acreditar nisso...
Senti seus braços à minha volta, abraçando-me por trás. Sua atitude era
reconfortante.
— Você não foi idiota, caras como esse sabem como chegar em uma
garota, conquistá-la e conseguir o que querem — falou num tom calmo, mas
senti, por trás de sua calma, que ele estava borbulhando de raiva.
— Eu o namorei por dois meses, e tudo estava indo bem, mas não
estava pronta para me entregar a ele. Eu tinha sonhos de me casar antes,
sabe? Lia nos livros histórias bonitas relacionadas a casamento e sonhava
em me casar na neve, porque amo a neve. Adoro vê-la caindo... — Fechei os
olhos por um momento, desfrutando de um sonho que nunca aconteceria.
Bryan estava tenso ao meu lado, mas não me interrompeu.
— Ele não aceitou isso muito bem... — Estremeci quando as
lembranças sombrias cobriram as boas.
— O que ele fez? — Tinha um tom mortal em sua pergunta, como se ele
quisesse matar o meu algoz. E eu não duvidava disso, mas não o deixaria
sujar mais sua alma matando alguém, mesmo que fosse um ser monstruoso
como Steve. Já bastava o que Bryan teve de fazer ou aturar, algo que trouxe
aquela escuridão que havia dentro dele, como ele mesmo tinha dito. Eu não
podia deixá-lo ter mais daquilo.
— Um dia eu fui a uma loja perto de casa, e ele apareceu e me mandou
entrar no seu carro. Eu sabia que ele estava nervoso, tenso, não parecia o
mesmo cara que eu namorava e gostava. Não entrei, mas então ele apontou
uma arma para mim e me forçou a ir com ele... Lembro-me de ficar com tanto
medo... — Minha voz era só um sussurro.
— Se você não quiser falar agora, tudo bem — disse ele baixinho e
alisando meus cabelos, talvez tentando me acalmar.
— Eu preciso desabafar com alguém... Isso parece estar marcado em
minha pele. Pois bem, ele me levou a um calabouço em um lugar bem
afastado, como uma fazenda, eu acho. Não reparei na hora, pois estava com
muito medo. Sabia que algo terrível estava para acontecer. — Respirei
fundo, ainda de olhos fechados. — Fiquei lá por cinco dias, mas me pareceu
um ano ou uma eternidade. Quando ele me colocou na cama e algemou
minhas mãos e pés...
— Alexia...! — A dor e a raiva estavam em seu tom e em suas mãos em
punhos fechados.
— Me deixa terminar, por favor... — supliquei com meus olhos
molhados. — Lembro-me da dor que senti ao ter meu corpo não só violado,
mas chicoteado enquanto eu gritava, mas sabia que a ajuda não ia chegar.
Desejei morrer naquelas horas. Ele me xingava e me mandava ser obediente.
Às vezes, para me livrar da dor, eu fazia o que ele queria, então gritava, mas
o fodido achava que eram gritos de prazer. Depois de dois dias seguidos, já
não aguentava mais. Seu toque, seu corpo e tudo nele me causavam repulsa.
Caso não fizesse o que ele queria, seus castigos iam ficando piores. Ele me
prendeu em uma gaiola, nua, sem água ou comida, e, quando eu ficava à
deriva, vagando em minha própria mente, ele me jogava água gelada,
fazendo-me gemer, porque nem forças para gritar eu tinha mais. Também não
tinha mais esperança de ser encontrada. Não viva, pelo menos. Eu pensava:
por que estava ali? Que pecado tão grave eu cometi para suportar e aturar
tudo aquilo? Depois de cinco dias de cativeiro, ele ficou bravo e falava
sozinho. Eu já vi pessoas com problemas mentais, ele tinha esses sintomas.
Desmaiei. Quando acordei, estava em um hospital, com pessoas me tocando.
Depois tudo ficou confuso. Foi quando fui levada para uma clínica
psiquiátrica, na Suíça. Meus pais não queriam especulações sobre mim aqui.
— E sua filha...?
Meu peito se apertou tanto que parecia que estava sendo esmagado e
triturado. Saí do seu abraço sem responder, porque não conseguia falar mais.
Algo enorme estava entalado em minha garganta. Cheguei ao banheiro e
liguei o chuveiro com água gelada. Precisava dela agora, para me lavar,
porque me sentia suja, mas, antes que eu pegasse a esponja a fim de esfregar
meu corpo, Bryan me impediu e me puxou para seus braços.
— Meu Deus, Alexia! — Seu tom era devastado e cheio de impotência.
Foi quando eu chorei. Chorei pela perda da minha bebezinha. Não
importava como ela tinha sido concebida, eu a amava profundamente.
Bryan não me disse nada, apenas desligou a água e me deixou chorar
em seus braços. Sentou-se no chão e me colocou em seu colo.
— Eu a amava — sussurrei, encolhida em seus braços. — Seus chutes,
seu choro quando nasceu... mas então, quando acordei no outro dia, papai
disse que ela tinha morrido... Não vi seu corpinho, porque surtei e me
internaram de novo.
— Você não estava internada quando a teve? — sondou ele com a voz
grossa.
— Sim, estava, mas em outra ala, pois me sentia melhor por causa da
gravidez. Ela me deu motivos para viver. — Limpei as lágrimas. — Eu
ansiava por ver seu rostinho, sentir seu cheiro, mas então ela se foi após ter
ficado minutos comigo. Eu não me importava com a forma como ela foi
concebida e nem com quem era seu pai, apenas a amava. Por ela, eu daria
minha vida se fosse preciso. Eu estava muito mal até dois anos atrás... mas
decidi que precisava reagir, não podia ficar daquele jeito para sempre. Alex
sofria com aquilo, meus pais também. Então lutei e fiquei boa. Não curada,
pois isso jamais... irá acontecer. — Minha voz falhou.
Ele franziu a testa.
— Por que não a deixaram vê-la? — Seu tom estava confuso e parecia
desconfiado. Do quê, eu não sabia.
Suspirei.
— Eu não sei. Pedi ao papai para vê-la uma última vez, mas ele disse
que já a tinham enterrado. Achei estranho, pois tinham se passado só seis
horas. Depois que fiquei boa, quis saber onde ela tinha sido enterrada, mas
ele morreu antes de poder me contar, e Alex estava no Japão na época, então
não soube informar, já que papai não disse nada a ele. — Respirei fundo,
controlando a minha dor.
Ele suspirou.
— Então até hoje você não só não pôde vê-la antes do enterro, como
também não sabe de seu paradeiro?
— Sim, papai não me disse. Por esse motivo, todo ano, no dia do seu
aniversário, vou a Zurique, na Suíça, porque sei que foi lá, em algum lugar,
que meu pai a enterrou, mesmo eu não sabendo o local. Fui para lá no dia do
casamento da Sam, por isso não participei dele. Sempre digo às pessoas que
vou assistir a palestras, mas vou para lá para ficar nem que seja por umas
horas perto dela.
— Deve ter um atestado de óbito em algum lugar na clínica em que
você ficou, não é? — sondou, levantando-se e me levando junto.
— Tentei conseguir uma cópia, mas eles não me deram — falei com
amargura.
— Vou ver o que consigo descobrir, o.k.? Qualquer coisa, te aviso.
Arregalei os olhos, fitando-o.
— Faria isso por mim?
— Por você, eu faço tudo, Luz do Sol! — assegurou com ferocidade. —
Agora quero pedir que nunca mais se machuque de novo porque pensa que
está suja. Jamais faça isso! — Ele pegou meu braço e me levou para fora do
quarto.
— Bryan, eu estou molhada — sussurrei, olhando para ele, cuja calça
jeans semiaberta também estava molhada.
Ele sorriu travesso.
— Eu gosto de você molhada, querida. — Sua voz estava sexy e rouca,
fazendo-me queimar entre as pernas. Se fosse em outro tempo, ainda mais
depois de eu ter recordado tantas lembranças ruins, suas palavras me fariam
surtar, mas Bryan tinha algo que fazia a dor ficar suportável. Nunca parava
de doer, claro, mas eu me sentia confortada ao lado dele.
— Aonde vamos? — inquiri confusa, seguindo-o para o corredor.
Bryan não respondeu, apenas pegou a maçaneta da porta do quarto em
que ele disse que ninguém podia entrar e a abriu.
— O que estamos fazendo aqui? Que quarto é esse?
— É um quarto que uso para trabalhar e me exercitar — respondeu
assim que entramos.
O quarto não era bem um quarto, e sim uma sala gigantesca, com uma
parte voltada para jogos, ringue de luta, outra com muitos computadores
instalados e várias telas, em que, no momento, eu conseguia ver imagens de
câmeras de vários pontos da cidade e daquela casa, inclusive do quarto que
eu estava ocupando.
Uma parede atrás do ringue tinha um arsenal de fora a fora com vários
tipos de armas.
— Nossa, você tem um arsenal aqui. É liberado ter tantas armas assim?
Ele riu, pegando a minha mão e me levando para o ringue.
— Sim, tenho posse sobre elas, então não são ilegais.
— Por que estamos em um ringue de luta? — perguntei, avaliando o
lugar.
Ele não respondeu e foi até onde estava um saco de areia. Pegou duas
luvas de boxe e me entregou.
— Quando estiver com raiva e com dor e sentir vontade de machucar a
si mesma, não faça isso. Venha aqui e bata nesse saco até cansar. Só nunca
fira a si mesma. — Ele tocou meu rosto. — Não suporto vê-la machucada.
— Certo — sussurrei, estremecendo com seu toque. — Faço isso com
Ramiro.
— Ramiro...? — Seu tom tinha algo sombrio, como se quisesse matar
alguém.
— Ele é o personal trainer da academia que frequento, a do Jason. Ele
disse que, quando eu for bater no saco — gesticulei para o saco de areia ali,
pendurando por correntes — para eu levantar a perna assim. — Fiz o
movimento e dei um high kick no saco.
— Eu vou matá-lo — rosnou, puxando-me para seus braços fortes.
Pisquei e afastei o rosto, fitando seus olhos brilhantes, mas ferozes.
— Por quê? — sussurrei ofegante pelo fogo em meu corpo causado
pelo seu toque.
— Esse miserável diz isso porque adora ver você levantando as pernas
gostosas numa calça justa e ver sua bunda. — Ele apertou minha bunda,
virou-me de costas e me pressionou em suas calças. Pude sentir que ele
estava a todo vapor, quase tão duro como granito.
— Eu uso short, Bryan... — Revirei os olhos.
— Querida, já viu sua bunda? Se, nesses vestidos que usa, você fica
sexy, imagine com um shortinho curto? Porra, você não vai mais treinar lá
para esse merda te comer com os olhos! Quando quiser treinar, eu te ajudo.
Eu estava prestes a reclamar, mas ele me beijou e me deitou no chão do
ringue, pairando em cima de mim. Seus lábios eram urgentes nos meus,
ferozes e famintos, parecia que não tínhamos o suficiente um do outro.
Ele deixou os meus lábios e foi para o meu pescoço. Eu estava
ofegante, mas não liguei, apenas queria aquele homem mais do que tudo no
mundo. Queria tê-lo para sempre, amava-o tanto que, se eu o perdesse, não
sabia o que seria de mim.
Bryan puxou a camiseta que eu estava usando – dele – e a rasgou, e
logo foi a vez do meu sutiã. Seus olhos azuis eram brasas vivas. E logo
abocanhou meu seio, desfrutando dele e o sugando forte. Senti-me
arrebatada. Meu corpo queimava devido ao seu toque e às carícias, que me
faziam gemer como nunca, sem me importar com quem escutasse.
— Bryan! — gritei assim que sua boca devorou meu centro. Ele sugava
e lambia cada canto, mas fui ao delírio quando chupou meu clitóris.
Prendi sua cabeça com minhas coxas e levantei a bunda do chão,
querendo mais de sua boca, de sua língua mágica, que me levava quase a um
arrebatamento. Eu ia às nuvens e voltava.
— Você é saborosa demais! — Ele deu um último chupão e logo depois
colocou dois dedos dentro de mim enquanto esfregava meu clitóris com a
língua, até que eu gozei gritando seu nome e fiquei mole no chão.
— Então, como foi? — sussurrou, beijando meus lábios. — Sinta seu
gosto, que, de hoje em diante, será minha melhor vitamina.
— Cara, você é bom — falei, toda mole, e o empurrei até ele se deitar
e eu ficar por cima. — Agora é a minha vez de chupar você, querido.
— Alexia...
— Nunca fiz isso, mas acredito que vou amar, afinal, quando leio livros
com cenas assim, me dá um baita tesão. — Prendi meu cabelo em um coque
e me abaixei para beijar seus lábios, que estavam sorrindo. — O que foi?
— Você com tesão por ler um livro. Gosto disso. — Ele me beijou,
apertando-me mais em seus braços.
— Seus beijos são bons, mas quero outra coisa — sussurrei, depois
algo me veio à mente. — Aqui têm câmeras que estão nos filmando?
Ele riu.
— Querida, todos os cômodos têm câmeras, mas este aqui não, afinal,
ninguém entra aqui se eu não quiser, então não se preocupe, porque jamais
filmaria o que acontece entre nós — falou, beijando minha bochecha.
— Que alívio! Agora vou treinar um boquete em você — avisei,
beijando seu tórax e me deliciando com seu corpo saboroso, que eu amava.
Então dei de cara com os nomes em seu peito, sobre os quais eu estava
supercuriosa. O que acontecera com as donas daqueles nomes?
— Emília e Emma? Quem são elas? — Notei que seu corpo ficou tenso
com minha pergunta e que ele fechou os olhos de dor e tormento. — Bryan,
quem são elas?
Ele me tirou de cima de si, sentou-me ao seu lado e se levantou,
passando por uma porta que só então percebi. Supus que era um banheiro.
Peguei uma camisa que estava em cima de uma cadeira, até estava com o
cheiro de Bryan, vesti-a e o segui.
Era mesmo um banheiro. Pela toalha no chão, ele tinha acabado de se
secar e estava se vestindo.
— Bryan...
— Não, Alexia, não posso falar agora. — Sua voz estava grave e
irritada.
— Me diz o que está havendo, porque esses nomes devem significar
algo para você, senão não teria agido assim, correndo desse jeito. — Peguei
seu braço. — Olha para mim, droga! Não vou deixá-lo sair sem ao menos me
dizer o que está havendo com você.
Ele respirou fundo e puxou o braço.
— Não tenho que dizer nada a você — retrucou.
— É claro que tem. Nós estamos juntos, não é? Temos que contar tudo
um para o outro.
— Você acha que, só porque estamos fodendo, tem algum direito de
saber sobre mim? Não tem! Não se meta no que não é da sua conta, caralho!
— rugiu e saiu do banheiro e da sala.
Eu não tinha ideia de quanto tempo fiquei no banheiro em estado de
choque, dolorida, porque aquelas palavras eram como um tapa. Acreditei
que teria doído menos se ele tivesse me batido, porque era como se Bryan
tivesse enfiado as mãos em meu peito e esmagado meu coração até não restar
mais nada, apenas vazio.
Eu não vou me quebrar agora, não de novo! Como ele pôde me dizer
isso após eu ter me aberto para ele, após dizer tudo o que sentia a ele?!
Chegou a hora de eu tomar as rédeas da minha vida. E para isso preciso
tirar Bryan da minha vida.
Capítulo 8
ALEXIA
— Alexia, querida, o que foi?
Robert era o meu braço direito. Na verdade, aquele homem era meus
pés e mãos na escola.
Fazia alguns minutos que eu tinha chegado ali, e minha expressão devia
tê-lo alertado de que alguma coisa acontecera comigo. Minha cara devia
estar pior do que eu imaginava. Havia tentado melhorar, mas provavelmente
não fui bem sucedida.
Depois que Bryan saiu desgovernado no dia anterior, esperei-o o resto
do dia e da noite, até a manhã do dia seguinte, mas ele não apareceu, então
peguei parte de minhas coisas e fui embora da sua casa, não querendo estar
lá quando ele voltasse. Se não tinha voltado ainda, era porque não se
importava comigo. Não queria vê-lo por enquanto, não depois do que ele me
disse. Meu peito doía com a possibilidade de não o ver mais, mas talvez
fosse bom, afinal, ele só vivia me magoando, dizendo coisas que me feriam.
Eu sabia que ele as falava somente para eu o deixar, que eu não devia ouvi-
las, mas não podia. Aquelas palavras ainda corroíam minha mente a cada
segundo.
— Estou bem, Rob, apenas... problemas — menti para o homem de
meia-idade moreno e de cabelos grisalhos. — Sei que vai viajar esse fim de
semana. Enquanto isso posso ficar na sua casa? — pedi enquanto via as
crianças comerem.
Era sexta-feira, por isso elas estavam animadas, pois o fim de semana
estava chegando. Eu não sabia como o meu seria, porque, desde que revi
Bryan na boate, minha vida se transformou em um reboliço, sendo
perseguida por um homem que estava em meu encalço.
Eu amava aquele lugar, adorava ver as crianças correndo pelo jardim,
brincando, alimentando-se, suas risadas e sorrisos.
— Tia Lex, isso é para você. Uma flor para uma flor — disse Ariane.
Ela tinha 4 anos, cabelos louros e olhos azuis intensos. Sempre que eu
estava perto dela, meu coração batia forte. Eu não entendia o motivo disso.
Gostava de todas as crianças ali, mas sentia algo a mais por Ariane. Sua avó
era a dona Aria, a cozinheira da escola, uma ótima pessoa que eu admirava
de coração. Eu soube que os pais de Ariane morreram quando ela era
pequena, então ela era criada pela avó. Aria era conhecida dos meus pais
desde a minha adolescência. Eu achava que era por isso que ela ainda
trabalhava ali, apesar da idade.
Abaixei-me na frente dela e peguei a flor que ela me deu de presente.
Eu guardava todas que ela me dava. Era claro que murchavam, mas não me
importava. Seu carinho por mim alegrava minha alma.
— Oh, minha princesinha linda, obrigada! — Abracei-a, beijando seus
cabelos lindos e sedosos. Seu cheiro era maravilhoso e me fazia lembrar da
bebê que perdi. Se ela estivesse viva, estaria com a idade de Ariane. Eu não
me importaria com quem ela se parecesse, mesmo que fosse com aquele
monstro, contanto que estivesse viva.
— Por que está chorando, tia? — perguntou Ariane um tanto magoada.
— Não gostou da rosa?
Eu me afastei e sorri para tranquilizá-la; não queria que ela ficasse
triste, parecia doer em mim.
— Não, querida, eu amei a rosa, apenas estou feliz, então não liga, o.k.?
Agora vá brincar com seus coleguinhas — falei, cheirando a rosa.
Ela sorriu radiante com minha resposta e foi brincar com suas colegas
no pátio. Já eram quase 2h da tarde. Eu queria ir aonde Jack estava para
ficar com ele e Claire, mas não podia, já que eles corriam perigo. Eu
também corria risco na escola, vim somente para deixar tudo organizado.
Precisava me afastar das crianças. E se aquele lunático do Steve tentasse
fazer algo a elas? Eu não podia deixar isso acontecer.
— Ela ama muito você, sabia? — disse Rob ao meu lado. Até tinha me
esquecido dele.
Fitei-o.
— Eu sei. A conheço há um ano e meio, desde que vim para cá, e não
largamos uma da outra. De vez em quando, a levo para passar uns dias
comigo. — Eu amava quando isso acontecia, quando Aria me permitia levar
Ariane para minha casa.
Rob me deixou ficar em sua casa naquele fim de semana. Eu precisava
de um momento a sós para pensar no que iria fazer, já que não voltaria para a
proteção de Bryan.
Aria entrou na minha sala quase já no fim do expediente. Mais cedo, ela
tinha dito que precisava falar comigo. Pelo seu tom, parecia sério. Eu
esperava que não fosse nada grave, a conhecia desde que tinha 15 anos e ela
veio trabalhar com papai e mamãe quando fundaram a escola.
— Oi, menina Alexia — disse ela e tossiu. Ela sempre me chamava
assim.
Corri até ela e a ajudei a se sentar. Ela tinha uns 60 anos, e seus cabelos
estavam grisalhos.
— O que foi? Está doente? Por que veio trabalhar, então? Devia
descansar — falei com minha voz alterada, vendo-a assim e não sabendo o
que fazer.
Ela sorriu para mim, meio abatida. Com ela perto de mim, percebi
como estava sem cor, como se estivesse exangue. Aria parecia doente.
— Eu estou bem — disse ela, mas tossiu e colocou uma toalhinha na
boca.
— Eu vou chamar um médico — falei, pegando o telefone para ligar
para um médico conhecido.
— Não, eu não preciso de médico, mas sim falar com você. — Ela
pegou um papel na bolsa e me entregou. — Isso pertence a você, menina
Alexia. Não tenho mais ninguém a quem recorrer, só você.
Peguei o papel sem ter a mínima ideia do que se tratava. Seria alguma
receita médica e ela precisava de ajuda para a compra dos remédios?
Porém, se fosse isso, por que ela teria dito que pertencia a mim?
— O que é isso? — indaguei, então li o documento, em que ela falava
que estava me dando a guarda definitiva de Ariane. Arregalei os olhos e fitei
Aria, encolhida na cadeira.
— Eu tenho câncer nos pulmões. Não tem cura, é terminal. Os médicos
me deram dias de vida. Nem era para eu estar aqui, mas não quero passar
meus últimos dias em um quarto de hospital, e sim ao lado de Ariane e
dessas crianças, que são a minha vida. — Sua voz foi fraquejando enquanto
falava.
— Não fala — pedi. — Fica quieta para não piorar. Por que não me
disse antes? E por que dar a mim a custódia de Ariane? Você deve ter algum
parente vivo.
— Não tenho, menina, só você. Vejo como gosta dela, e ela de você,
então pode cuidar bem dela e amá-la como se fosse sua filha. Por favor, não
tenho mais ninguém a quem confiar sua segurança e educação.
O que eu faria? Queria Ariane para mim, porque amava aquela
garotinha esperta demais para sua idade, mas conseguiria ficar com ela sem
que as lembranças me dominassem, sem pensar na minha filha, que era para
ter a idade dela? E, se eu ficasse com ela, jamais teria Bryan. Não que eu
fosse ficar com ele depois que me disse que o que tínhamos era só sexo.
Sexo, não; foda, o que era pior. Eu não conseguia entender por que ele reagiu
daquela maneira quando eu lhe perguntei sobre os nomes tatuados em seu
tórax. Quem eram aquelas mulheres? Sam não tinha mencionado que ele já
fora apaixonado por alguma mulher ou que havia tido uma filha. Seria por
isso sua aversão a filhos, tanto que até chegou a dizer que faria uma mulher
abortar caso ficasse grávida para prendê-lo? Como se eu fosse fazer algo
assim...
Ao olhar para o documento mais uma vez, eu já tinha tomado a decisão.
Jamais deixaria uma garotinha desprotegida por causa de um cara.
— Eu vou tomar conta dela, prometo — jurei, assinando os papéis,
embora imaginasse que aquilo não tinha bases legais, mas, se aquela era a
única coisa que deixaria Aria feliz e tranquila, eu não me importava. Depois
entregaria o documento nas mãos do advogado dos meus pais. Ele me diria o
que eu precisava fazer para ter Ariane legalmente.
Aria sorriu, contente, mas logo começou a tossir. Para meu horror, a
toalhinha ficou vermelha de sangue.
— Oh, meu Deus!
Ignorei quando ela disse que estava bem e chamei a emergência. Quem
está bem cuspindo sangue de seus pulmões? Ninguém!
Capítulo 9
ALEXIA
Assim que chegamos ao hospital, levaram Aria para a emergência, e um
médico a consultou. Meia hora depois, ele confirmou o que ela me disse,
mas os dias que ela tinha se transformaram em horas de vida. Por que ela
não descansara ao invés de fingir estar bem para ir trabalhar? Ela precisava
de repouso.
Ariane estava comigo e chorava pela sua avó, embora ela não soubesse
o que estava acontecendo, apenas que Aria estava dodói. Eu queria poder
livrá-la daquela dor, mas não podia. Jurava que a protegeria e tomaria conta
dela como se fosse minha filha, porque eu já a amava dessa forma.
— Precisa tomar conta dela, menina Alexia... — A voz de Aria estava
muito fraca ao pedir isso, mais moribunda do que antes.
Ela estava num leito de hospital, cercada de aparelhos para ajudá-la a
respirar, mas, mesmo com eles, estava ofegante. Olhou para a neta ao meu
lado.
— Obedeça à tia Alexia em tudo que ela pedir. Faz isso para vovó?
— Sim, vovó, eu faço. — Ariane pegou a mão da avó e a beijou. —
Você vai ficar boa, não vai?
— Estou doente, meu bem, não vou mentir. Depois que vovó for para o
Céu, ainda vai olhar você de lá e desejar que seja feliz aqui ao lado da
menina Alexia. — Aria me olhou com os olhos cansados. Eu sabia que ela
não queria ir embora na presença da neta. — Pode ficar com ela lá fora?
Mas antes pegue a minha bolsa. Tem uma carta dentro dela. Quero que a leia,
mas só quando eu me for, tudo bem?
Franzi a testa, confusa, mas não disse nada, só assenti. Sabia que ela
não seria capaz de responder às perguntas que eu tinha no momento. Peguei a
carta de dentro da sua bolsa e a coloquei na minha a fim de cumprir minha
promessa. Talvez aquela missiva tirasse minhas dúvidas.
— Prometo que só vou abrir... depois... — Minha voz falhou por causa
do choro, mas me segurei, porque precisava ser forte por Ariane. Deixaria
minha dor para depois. Naquele momento, só a queria segura, e comigo a
menininha não teria segurança, não até que Steve fosse preso ou morto. Eu
sabia que não devíamos desejar a morte dos outros, mas não me incomodaria
nem um pouco se ele morresse.
Lutner era um hacker, então só outro hacker poderia encontrá-lo. Bryan
ainda não conseguira localizá-lo. Eu só conhecia outro cara fera em
computadores, que podia localizá-lo para que Ariane ficasse segura, porque
Steve com certeza seria capaz de matar uma garotinha, se descobrisse que eu
estava com ela. Eu duvidava que ele se importasse com a idade de suas
vítimas.
Sabia que estava exposta demais naquele hospital. Por instinto, olhei ao
redor à procura de algo suspeito, mas o que vi foi um par de olhos caramelo
me fitando e um sorriso sexy.
Já eram quase 18h, e eu estava cansada. Desde o dia anterior, eu não
descansava, mas não me importava. Não sairia dali até... Não queria pensar
no fim de Aria. Queria que existisse uma cura para que ela pudesse criar sua
neta, mas sabia que era impossível.
Fui até Daemon – foi assim que Nasx o chamou no hospital. Deixei
Ariane sentada em um sofá perto de mim, pois não queria perdê-la de vista
um segundo.
— O que faz aqui? Está me seguindo? Se está aqui a pedido do Bryan,
mande aquele filho da puta ir para o raio que o parta, que não quero saber
dele — grunhi sem alterar a altura da voz, afinal, estávamos num hospital, e
não queria que a criança ouvisse meus palavrões.
Seu sorriso me deu vontade de socá-lo na cara. Eu estava grilada, mas
não podia descontar em todos o que Bryan fez comigo, ou melhor, o que
disse antes de me deixar sozinha, afinal, ninguém tinha culpa, só ele.
Havia ligado para Alex da escola dizendo que estava com problemas e
estava prestes a contar-lhe sobre Aria quando Bryan tomou o telefone da
mão do meu irmão. Percebi que era ele porque ouvi sua voz do outro lado da
linha. Na hora desliguei na sua cara, segurando o choro e a raiva. Quem ele
pensava que era para querer falar comigo depois do que tinha feito?
— Você não está com seu celular. Bryan está louco atrás de você. O que
tem na cabeça? Não sabe que está sendo caçada por um lunático? — rosnou
Daemon, perdendo o sorriso.
— Não quero saber nada do Bryan. Se você veio aqui porque ele pediu,
pode dar meia volta e ir embora — sibilei. Olhei para o outro lado bem a
tempo de ver um cara passando a alguns metros de nós, vestido com roupas
de médico. Usava óculos e tinha barba, mas eu conhecia aquele rosto muito
bem, dos meus pesadelos e lembranças. — É ele...
Não soube como Daemon ouviu alguma coisa, pois meus lábios
estavam rígidos ao dizer aquilo. Ele me colocou atrás de si bem a tempo de
ver Steve virar o corredor. Entretanto, antes disso, seus olhos encontraram
os meus. Ali tinha tanta frieza... Era como se estivesse me dando um recado:
logo nos encontraríamos.
— Aquele cara vestido de médico? — Daemon inquiriu com a voz
grossa de fúria e saiu correndo atrás dele assim que assenti sem falar nada,
chocada demais para isso.
Peguei Ariane no colo para caso precisasse correr com ela e tirá-la
dali. Esperava que ele não tivesse me visto com ela, já que a menina havia
estado sentada no sofá. Ele me viu com Daemon, e seus olhos ficaram
escuros de raiva.
Antes que eu pensasse mais sobre isso, houve uma correria de médicos
e enfermeiros para o quarto de Aria. Corri para lá com meu coração
acelerado de medo de que ela já tivesse partido.
Entretanto, assim que passei por algumas pessoas que pareciam
congeladas, parei de súbito e ofeguei. Nas paredes, estava escrito em
vermelho, como se a tinta usada fosse sangue: Imunda, mentirosa, traidora!
Sua alma vai queimar no inferno!, e muitas palavras de baixo calão. Ainda
bem que, ao passar pela porta, eu tampei o rosto de Ariane para que ela não
visse a avó se essa tivesse falecido. Estava prestes a olhar para Aria,
torcendo para ela estar bem, mas meus instintos diziam que não; inclusive
sabia quem era o responsável por tudo aquilo.
Todavia, a mão de alguém cobriu meus olhos para que eu não visse
nada. Estava a ponto de gritar e lutar se fosse preciso, pois não iria embora
dali com quem quer que fosse, mas ouvi a voz baixa:
— Sou eu, Nasx, então não me bata, porque até agora a minha barriga
dói daquela surra de vassoura. — Puxou-me suavemente dali.
Oh, Deus! Ela morreu por minha causa! Se eu não estivesse perto
dela, Aria não teria sido assassinada, teria morrido por causa de sua
doença! Quem aquele cretino pensa que é para fazer algo assim e ainda
desejar a danação da alma de alguém? Era ele que deveria estar
queimando no inferno!
— O que aconteceu com vovó? — perguntou Ariane com a voz fininha.
— Lembra de ela dizer que ia para o Céu? — Ela assentiu, então
continuei: — Pois é, meu amor, ela foi agora, mas Aria sempre vai estar
conosco.
Quando ela estivesse mais velha, eu explicaria melhor sobre perdas e
tudo mais. Naquela hora, só queria sair dali e levá-la a algum lugar seguro,
longe das vistas de Steve. Eu queria ficar ali e cuidar do velório e enterro de
Aria, mas, pelo que eu imaginava, já que não vi seu corpo, acontecera um
assassinato, então demoraria um pouco para liberarem o cadáver. Eu me
sentia como um robô, ligada no automático. Não sabia como estava de pé
ainda.
— Vai ficar tudo bem, gatinha — assegurou Nasx com os braços em
meus ombros. — Estamos aqui para protegê-la desse... — Ele se conteve,
olhando para Ariane, que estava com a cabeça no meu ombro.
Percebi que estava tremendo, mas me esforcei para não tremer mais,
para ser forte pela criança. Não queria chorar na sua frente. Depois choraria
em minha casa... Quase ri. Eu não tinha mais casa, já que não podia ir para
lá. O lugar mais seguro para mim era a casa de Bryan, que era reforçada no
quesito segurança. Eu ficaria lá só para me manter segura? Não. Porém,
ficaria lá para ver Ariane segura? Sim, sem pensar duas vezes. Sabia que
seria difícil a minha estada lá depois de tudo. Só esperava que ele não
levasse outras mulheres para casa enquanto me acomodava, mas acreditava
que não. Bryan podia ser um mulherengo, mas não era um canalha.
Assim que saímos do hospital, Daemon ia entrando com a expressão
furiosa.
— Você o pegou? — sondei, embora sem esperança.
Ele suspirou.
— O cara é rápido, devo admitir. Acredita que ele fez a porra de um
sinal abrir só para eu não o alcançar? Acho que ele não está agindo sozinho,
porque, para controlar os semáforos, ele teria que hackear um computador,
mas, pelo que pude ver, a única coisa que ele tinha era uma faca... — Calou-
se devido a Ariane, que estava dormindo nos meus braços. Por sorte, ela não
era pesada.
Daemon me mostrou uma faca que estava dentro de um saquinho.
— Acredito que esteja com digitais, porque ele estava sem luvas. Não
parece se importar mais em se esconder...
Cortei-o:
— Isso é bom ou ruim?
— Não sabemos, porque esse cara é louco de pedra.
— É um assassino que matou uma mulher doente a sangue-frio e, ainda
não contente com isso, escreveu com sangue dela nas paredes um monte de
expressões horríveis, maldições, xingamentos — declarou Nasx de modo
sombrio.
— Espere, ele matou alguém lá dentro? — rosnou Daemon furioso. —
Eu liguei para Bryan, ele... — Calou-se quando Bryan estacionou seu carro
perto das motos dos MCs. Notei que tinham mais deles, uns 15, mais ou
menos, quase fechando a rua inteira. Havia carros de polícia também.
Bryan me olhou em pânico e me checou dos pés à cabeça para ver se eu
estava bem enquanto vinha em minha direção. Quando viu Ariane, deteve-se.
Notei dor em seus olhos, como se aquela cena o ferisse. Isso me fez pensar
que os nomes que estavam em seu peito fossem de uma mulher e talvez uma
criança, sua filha. Não sabia como reagir a isso. No entanto, não o acusaria
se fosse algo assim, afinal, eu também havia tido uma filha... Ela só não
estava ali. Provavelmente, a dele também não. Eu só queria que ele
confiasse em mim e me dissesse a verdade em vez de me machucar para me
afastar.
— Encontrou o desgraçado? — perguntou Bryan a Daemon com os
dentes trincados.
— Acho que temos que conversar. — O cara me olhou de lado. — A
sós se possível.
Eu poderia retrucar, mas estava cansada demais para fazer tal coisa.
— Certo, essa é minha deixa para sair — falei, olhando para Nasx e
Daemon. — Obrigada a vocês dois por estarem aqui, senão não sei o que
teria acontecido.
Nasx veio até mim e me abraçou, mas logo me soltou após o rosnado
que Bryan deu. Ignorei isso e fui até Daemon para abraçá-lo, mas ele se
afastou.
— Eu valorizo o que tenho no meio das minhas pernas, mulher —
comentou, sorrindo para mim, depois olhando de forma sombria para Nasx,
que revirou os olhos.
— Somos amigos, não é, gatinha? — Sorriu para mim, depois para
Bryan. — Eu a chamo assim não por ela ser gata, embora seja, mas pela
porrada que ela nos deu.
— Não precisa dizer nada ao Bryan. — Olhei para seus olhos azuis,
escuros como uma tempestade. — Afinal, não somos namorados, não é?
Apenas foda.
Capítulo 10
ALEXIA
Saí de lá antes que voasse em sua face linda e o beijasse. Às vezes
achava que era idiota por aceitar tudo que ele fazia e me dizia, fazendo-me
chorar, como no dia anterior. E eu tinha um forte pressentimento de que não
seria a última vez. Queria poder estar errada quanto a isso.
Fui até o carro de Bryan, não ao meu, que estava no estacionamento do
hospital. Depois teria que vir buscá-lo. Estava com Ariane nos braços e não
queria acordá-la. Eu iria com ele para sua casa, porque era o lugar mais
seguro para ela naquele momento, bem como para mim.
— Onde vai deixar a criança? — questionou ele assim que entrou no
carro.
— O nome dela é Ariane, e ela vai ficar comigo. Se você não quiser,
me avisa, que saio do carro e vou com Nasx para o clube dele. — Meu tom
era frio, aliás, eu me sentia fria devido a um misto de dor, raiva e medo.
Bryan rosnou de um jeito mortal e apertou as mãos com força no
volante.
— Isso não vai acontecer, porra! — grunhiu, depois respirou fundo. —
Eu te liguei o dia todo desde que desligou na minha cara quando telefonou
para Alex, e você não atendeu o maldito celular.
— Por que eu atenderia depois do que disse a mim, Bryan? Queria falar
com você ontem, mas sumiu. Agora quer que atenda suas chamadas? É muita
cara de pau a sua — sibilei e olhei pela janela, tentando me controlar, ou
esganaria aquele homem, que era minha razão de viver. Esperava ser algo
assim para ele também.
Senti sua mão em meu ombro como se estivesse me reconfortando. Eu
não queria sua pena, então me esquivei do contato, não desejando suas mãos
em mim naquela hora. Quando eu poderia pensar que um dia fugiria do
toque de Bryan? Nunca. Bem, tudo tem sua primeira vez.
— Não toque em mim... — Se ele me tocasse, eu não iria me controlar,
não conseguiria me afastar dele e me quebraria na sua frente. Isso não podia
acontecer, pois eu não queria sua pena. Apenas iria para sua casa porque
Ariane precisava ser protegida.
— Eu sinto muito, Alexia... — Sua voz estava tão baixa que eu quase
imaginei tê-la ouvido.
A voz frágil como vidro estilhaçado quase me fez esquecer da minha
própria dor, mas eu não podia fingir que nada tinha acontecido, não depois
do que ele me disse. Ele precisava decidir se eu era importante para si ou
não, porque, pela forma como sempre me feria, parecia que eu não
significava nada para ele.
— Eu tive um dia longo e estou cansada. Não quero discutir com você
hoje.
Bryan ficou em silêncio depois disso. Achei bom, precisava arejar a
cabeça.
Assim que entramos na casa, ele foi para a sala de computadores,
acredito que socar alguma coisa, pela raiva em sua expressão, toda dirigida
a si mesmo, não a mim ou a outra pessoa, eu tinha certeza. Queria poder tirar
aqueles sentimentos dele, mas não podia, só se ele me deixasse entrar em seu
coração.
Segui para o cômodo ao lado do dele; não iria para o seu quarto, já que
não estávamos juntos, não éramos namorados como eu tinha pensado. Se ele
quisesse foder, teria que procurar outra pessoa, uma idiota que aceitasse
qualquer coisa que ele quisesse dar. Se bem que eu era uma tola também,
pois amava havia tanto tempo aquele homem que não suportava ficar longe
dele. Sua dor parecia doer em meu peito. Eu devia tentar esquecê-lo, afinal,
se ele não ligava para a minha dor, por que eu deveria ligar para a dele?
Também havia Ariane, a garotinha linda que eu amava desde que a
conhecera. Como Bryan parecia não se dar bem com crianças e eu estava ali
de favor, não queria incomodá-lo, então ficaria no meu canto. Esperava que
isso funcionasse. Rezava para ter capacidade de vê-lo a todo o momento sem
tocá-lo, sem querer estar ao seu lado, beijá-lo e amá-lo. Havia uma
montanha gigante nos separando, porque era isso o que seus segredos eram,
uma maldita montanha intransponível.
Coloquei Ariane ainda dormindo na cama de casal que havia no quarto,
com janelas que davam para o jardim da frente. Não tinha muita coisa no
cômodo, só a cama, um guarda-roupa e uma TV.
Fui para a suíte de Bryan, já que algumas de minhas coisas estavam lá,
umas poucas peças que não levei quando parti dali naquela manhã. Tinha de
levá-las para o quarto onde eu ficaria com Ariane, assim não precisaria
entrar no lugar a todo momento e sentir o cheiro dele.
Resolvi tomar banho na suíte dele para não acordar Ariane. Minha
garota tinha passado por muita coisa naquele dia. Tão pequena e já
enfrentara tanto... Entrei no chuveiro e peguei a esponja de banho, querendo
tirar tudo de mim, libertar-me do que tinha acontecido, da dor, das perdas,
de tudo que me corroía viva, como se chamas invisíveis me queimassem.
Mãos que eu conhecia bem pegaram as minhas e tiraram delas a esponja
que eu esfregava em minha pele. Eu sabia que era Bryan atrás de mim, sentia
seu calor, tão forte que parecia que iria me queimar, mas de forma boa, pois
aquilo significava que seu corpo estava moldado ao meu.
— Não pode se machucar por minha causa, Luz do Sol. — Ele me virou
e escondeu seu rosto em meu pescoço, na cortina do meu cabelo, abraçando-
me forte. Bryan respirou meu cheiro como se fosse algo que adorava. — Eu
não valho isso, na verdade, não valho nada... — Sua voz estava tão quebrada
que eu me encolhi por dentro. Deixei de lado minha dor, porque sentia que a
dele era maior, tão intensa que me tirou o fôlego.
— Eu não ia me machucar, Bryan — garanti, apertando meus braços à
sua volta, sentindo seu calor irradiando pelo meu corpo, coração e alma.
— Eu quero que saiba que não queria dizer aquilo, só falei para afastá-
la, para você não saber nada sobre o meu passado... É tão escuro que não
consigo nem recordar... Essas lembranças me assombram e vão assombrar
para sempre.
Meu peito doeu com sua dor. Eu faria de tudo para ajudá-lo. Esperava
que ele me permitisse entrar em sua alma. Não suportava quando me afastava
só para eu não ter conhecimento do seu sofrimento e sua dor. Fosse o que
fosse que acontecera com as donas daqueles nomes, havia-o marcado para
sempre.
— Seja o que for que aconteceu com você, eu vou estar sempre ao seu
lado. — Fui firme em minha promessa. Precisava que ele soubesse que eu
não o deixaria nunca, não importava o quão grave fossem seus segredos.
Bryan não se afastou de mim, apenas me apertou mais em seus braços e
gemeu como se sentisse dor. Com certeza estava preso em seu próprio
pesadelo.
— Não vai, porque a escuridão está aqui dentro, os demônios que me
atormentam estão aqui. — Senti seus lábios em meu pescoço. — É por causa
disso que vou perdê-la no final... quando descobrir.
— Não vai, Bryan! — insisti com ferocidade. — Eu juro! — Afastei-
me dele e fitei seus olhos lindos e atormentados. — Confie em mim.
— Eu confio em você, mas o que há em mim é grande demais, por isso
não quero que se aproxime de mim, é escuro demais e vai poluir você e sua
luz...
Eu o interrompi:
— Acha que não tenho escuridão? Eu tenho, Bryan. Quando fecho os
olhos, sempre vejo os demônios que me atormentam. — Respirei fundo.
Ele sacudiu a cabeça.
— Não são iguais aos meus. Você foi a vítima. Quanto a mim, fui o
algoz; elas foram as vítimas. — Apontou para os nomes femininos em seu
peito.
Olhei para as letras que formavam os nomes “Emília” e “Emma” em
seu peito nu, já que ele estava sem camisa. Depois de ouvir que elas tinham
sido vítimas, perdi o fôlego ao imaginar o que ele tinha feito com elas.
— Está vendo o pavor em seus olhos? E nem sabe os motivos. Imagina
quando souber... Você não vai aceitar nunca...
Olhei suas íris em chamas.
— Deixa que isso eu decido, não você — retruquei. — Só me diz uma
coisa, você estuprou alguma delas?
Ele arregalou os olhos e arfou como se eu tivesse batido nele, então se
afastou de mim.
— O quê?! Não! Eu jamais faria isso com alguém! Posso ser um
monstro, mas não a esse ponto! — declarou com ferocidade, mas o tormento
ainda estava lá.
Suspirei aliviada.
— Acredito em você. Não queria te acusar, Bryan, apenas quero
entender a sua dor para poder ajudar você. — Toquei seu rosto com barba
por fazer. — Não pode me afastar sempre que a situação ficar ruim. E não
pode me machucar no processo.
Ele me abraçou de novo.
— Não desista de mim! — suplicou. — Você é a única luz capaz de
apagar a escuridão que há em meu interior!
Meu peito se aliviou por saber que ele me queria, que só não estava
sabendo lidar com todos os sentimentos e segredos que o dominavam.
— Eu não vou, também não vou perguntar o que houve em sua vida que
o assombra até hoje, mas quero que saiba que, se os nomes em seu peito
forem de uma mulher que você gostou e uma filha que perdeu, entendo e
aceito.
Quando ele me olhou, parecia ter uma chama de vida em sua face. Era
bom ele saber que eu jamais iria deixá-lo, não importavam os motivos que o
haviam levado a se fechar.
— O quê? Não! Eu nunca engravidei ninguém, muito menos fui
apaixonado, antes, por nenhuma mulher. — Sua voz era sincera. — É só
que...
— Quando estiver pronto para falar, eu vou estar aqui para você, tudo
bem? — Beijei seu rosto em ambos os lados. — Seja o que for, não vou
correr, Bryan, porque amo você.
Ele me beijou e me possuiu debaixo do chuveiro, mas uma coisa não me
passou despercebida: ele não devolveu minha confissão.
Capítulo 11
BRYAN
Passado
BRYAN
Presente
Depois que saí de casa após dizer palavras cruéis a Alexia, passei a
noite no loft que eu tinha no Centro da cidade. No dia seguinte fui visitar
Samantha no intuito de me acalmar e aliviar a dor que estava apertando meu
peito, sufocando-me de dentro para fora, desde que as portas das lembranças
foram abertas.
Havia algum tempo, Sam tinha a capacidade de tirar um pouco da
escuridão que havia em mim. Atualmente havia Alexia, a mulher de boca
quente que me enlouquecia, fascinava-me. Toda a escuridão, quando eu
estava perto dela, desaparecia, como se ela fosse o sol, o meu sol, a minha
luz.
Entretanto, após ela querer saber o que houve comigo no passado e a
menção dos nomes que estavam tatuados em meu peito, praticamente surtei.
Antes de voltar para casa, acabei na cobertura de Sam e Lucky, seu
marido.
Quando Sam começou a namorar Lucky, eu não queria, afinal, ele quase
praticamente obrigou minha irmã a ficar com ele, tanto que ela se demitiu da
empresa dele, onde trabalhava, a Vênus. Contudo, ele a salvou de ser morta
pelo pai de Shaw, o garotinho que ela adotou com Lucky. Isso me fez dar o
braço a torcer e aceitar o relacionamento deles.
Ao olhar para a morena de olhos azuis como os meus e ver sua
felicidade, eu me enchia de júbilo. Eu a via pouco, porque gravidez era algo
em que eu não queria pensar. Gravidez e crianças me traziam vários
pesadelos. Sam estava grávida, teria sua filha em março. Eu sorria e
brincava com isso, chamando a bebê de “sobrinha”, mas meu peito se
apertava com a dor que quase me sufocava, impedindo o ar de ir para os
meus pulmões.
Ela não sabia o que acontecera comigo, nem o que eu tinha feito pela
segurança dela, de minha avó e de... parei nesse pensamento, porque era um
terreno perigoso, que me enchia de fúria e dor ao mesmo tempo, raiva por eu
não ter conseguido fazer nada para salvá-las...
— Oi, sumido — falou Sam, abraçando-me assim que entrei em sua
casa, forrada de imensas janelas e móveis elegantes.
Lucky estava sentado no sofá, assim como todos. Eu não sabia que era
uma reunião familiar. Se soubesse, nem teria vindo. Rayla, irmã dos
Donovans, estava perto de Alex, irmão de Alexia. Angelina também estava
ali com Ryan, seu namorado, bem como Jordan. Todos estavam no sofá em
forma de L, conversando entre si. Eu queria dar meia volta e ir embora, mas
Sam agarrava meu braço apertado, o que me impedia de fazer tal coisa.
Fazia dias que eu não ia à Vênus, que gerenciava com ela, embora eu
fizesse bem meu serviço de longe, tanto que a empresa estava lucrando.
Samantha não ligava para dinheiro, mas eu ficava feliz por ela ter
conseguido tudo que um dia sonhou e não pôde alcançar devido aos nossos
pais.
Algum tempo antes, Ryan me dera umas fotos de um cara chamado
Franklin Salazar com menores de idade. Estávamos trabalhando para
prendê-lo. Aquele fodido usava a editora Luxem, que era de Ryan e de
Daniel, para contrabandear menores. Ele usava os livros para isso; fazia
pedidos grandes de mercadoria, mas levava meninas no lugar. Só em pensar
nisso me fazia querer matá-lo em vez de prendê-lo. Era uma pena que, desde
2007, em Nova Iorque não tinha mais corredor da morte, porque era isso que
ele merecia.
Ryan comprara a editora havia algum tempo para Angelina trabalhar,
um gesto nobre de sua parte. Nobreza, pelo visto, era algo de família, porque
Lucky deu a Vênus, que valia bilhões, a Sam. Outro Donovan não podia ser
diferente.
Jason, um amigo, também estava ali, meio distante das pessoas e
cabisbaixo. Eu queria dizer a ele que estava trabalhando disfarçado com
Tabitta Rodrigues no caso de Franklin Salazar e seu chefe, Sebastian Ruiz.
Eu apostava que Jason e Tabitta tiveram um lance e se amavam, ainda mais
depois de ter visto a foto de Jason no computador dela. Entretanto, não podia
revelar aquilo a ninguém, já que era meu disfarce. Eu e Tabitta juramos ficar
em silêncio sobre aquilo. Era um dos problemas que eu tinha. Quase ri ao
pensar no termo “problema”, porque eu estava lotado deles. Meus demônios
me consumiam, a mulher que eu amava estava sendo perseguida por um
lunático que deveria estar morto, e eu tinha de esconder dela onde, de fato,
eu trabalhava. Alexia pensava que eu era um simples policial, quando eu era
um agente da CIA. Não eram muitas as pessoas que sabiam disso.
Eu era um hacker excepcional, por isso, assim que iniciei meu trabalho
na polícia de Nova Iorque, quase um ano atrás, fui sondado e recrutado pela
CIA e me tornei um agente. Estava havia alguns meses em uma missão na
qual trabalhava disfarçado junto a outros agentes da lei, como Brenda, contra
uma rede de pedofilia que tinha ramos em cerca de oito países.
Dennis e eu fomos à sede do FBI recrutar Tabitta para a tarefa de pegar
o chefe mafioso mexicano Sebastian Ruiz, que era um grande chefe do crime
organizado junto a Franklin Salazar. Sebastian era pai de Tabitta, que o
odiava, pois ele matara sua avó. Ela era a única que podia nos ajudar a ter
sucesso na empreitada, porque policiais de vários departamentos de muitos
estados e o FBI tentaram prendê-los, mas não conseguiram. Quando
chegavam perto deles, outras pessoas assumiam a culpa e iam para a cadeia
no lugar daqueles salafrários desgraçados.
Tabitta era uma agente dedicada, amava seu trabalho, assim como eu.
Por isso eu aceitei trabalhar para a CIA tão jovem, para fazer a diferença.
Sabia que havia muitos policiais corruptos, como eu mesmo já vira. Ela
trabalhava duro para colocar o pai na cadeia, assim como eu mesmo tinha
feito com o meu.
Nós dois ultimamente estávamos trabalhando em um clube de BDSM
chamado Fetish, em Manhattan, como um casal, mas não fazíamos nada, pois
era apenas um disfarce. Além disso, apenas uma mulher me importava dessa
forma, como apenas um homem importava para ela.
— Bryan? — chamou Sam, trazendo-me para o momento, ali em sua
casa.
— Apenas trabalhando muito — respondi, beijando sua testa.
Tudo naquela sala gritava elegância e grã-finesse. Eu também tinha
bastante dinheiro, ganhei muito trabalhando para Black, embora não pudesse
dizer que aquilo foi um trabalho de verdade. Eu não mexi naquela grana até
Sam começar a correr perigo. Por isso construí minha casa e a equipei com
todo tipo de segurança, para o caso de ela precisar de novo. Graças a Deus
não precisou. Pelo menos aquela casa, erguida com dinheiro sujo, estava
servindo para manter a Luz do Sol segura. Eu esperava em breve pegar
aquele estuprador que estava atrás dela. Tinha dó de sua pele quando eu
colocasse minhas mãos nele e fizesse tudo que desejava.
— Você trabalha demais, meu irmão, fazendo dois serviços, para a
Vênus e a polícia — disse ela, aproximando-se do marido.
Não disse nada. Queria lhe dizer o que eu realmente era, que não era
um simples policial, mas um agente da CIA, que trabalhava infiltrado em
muitos casos, mas não podia, nem para Alexia, embora eu visse a
curiosidade em seus olhos. Eu me sentia mal por isso, por esconder a
verdade das duas, principalmente de Alexia, mas não podia dizer nada.
Lucky ajudou Sam a se sentar. Olhava para ela com adoração, como se
ela fosse uma rainha.
— Que bom, Bryan, que você chegou. Eu estava pensando em você —
disse Angelina sorrindo animada com alguma coisa. Só podia ser a maldita
aposta, na qual eu não queria pensar, afinal, estava com Alexia porque
queria, não por causa de um desafio. Um mês antes, no Belas Country,
havíamos feito uma aposta sobre quem seria domado primeiro. Ela iria
conseguir mulheres para mim, Jason, Jordan e Daniel. Começou com Jason e
Tabitta, que ainda estavam se acertando, mas eu acreditava que logo
chegariam lá. Apostava que eu e Alexia seríamos o próximo casal a se
formar e que era disso que Angelina estava falando.
Levantei as sobrancelhas e sorri, embora forçado, tanto que eu apostava
que o sorriso saía meio desfigurado. Enquanto isso, Ryan grunhia olhando
para sua namorada.
— Anjo, que porra é essa? — Seu tom soou mortal na imensa sala.
Ela riu e sussurrou algo em seu ouvido que o deixou calmo, porque sua
expressão sombria foi embora. Só Ryan para pensar que uma mulher
daquelas iria olhar para mim ou para alguma outra pessoa. Angelina o
adorava, eu podia ver em seu olhar o seu amor por Ryan, porque era o
mesmo olhar que eu notava nos olhos de Alexia quando direcionados a mim.
O amor é um troço perigoso e complicado, mas é bom, porque traz
paz e alegria... pensei. Bem, isso quando estamos perto de quem amamos,
mas, como sou um idiota, fico magoando Alexia para fazê-la se afastar de
mim no intuito de protegê-la. Isso acaba me quebrando, porque, se causo
dor a ela, mesmo que seja para o seu bem, fico arrasado.
Sentei-me perto de Jordan e olhei para Angelina.
— Sério? O que estava pensando? — provoquei, falando algo que
jamais aconteceria, mas não consegui parar, apenas saiu: — Está querendo
uma dose de um cara quente?
— Ryan, não! — Angelina tentou detê-lo antes que um soco fosse
desferido na minha boca.
Eu não sabia no que eu estava pensando para arrumar confusão. Estaria
tão fodido que caçaria briga com qualquer um, até um amigo? Lembrei-me
de uma época sombria da minha vida, em minha adolescência, em que
brigava muito, por isso eu tinha várias cicatrizes. Participava de lutas livres
e ilegais no intuito de aliviar minha dor interna, mas ela nunca ia embora,
assim como jamais iria.
Senti o sangue escorrendo pelo soco bem dado e merecido por eu não
respeitar uma mulher comprometida, embora eu não tivesse pensado muito
no que ia falar. Eu podia ver Ryan falando alguma coisa para mim, ouvia
uma cacofonia de outras vozes, mas elas pareciam tão distantes... ou talvez
fosse eu que estivesse longe.
Fechei os olhos, esperando mais de seus socos. Precisava sentir mais
dor. Eu não tinha feito Alexia sofrer? Então precisava de sofrimento também.
Aquilo era pouco comparado ao que eu fiz a ela.
A surra que eu tanto esperava não veio, então abri as pálpebras e fitei
os olhos cor de uísque, que me perscrutavam, estreitos.
— Você quer isso, não é? Por esse motivo disse aquilo, para eu bater
em você. — Não era uma pergunta, mas uma declaração. — Maldição!
Ryan devia ter visto em meus olhos a dor que estava ali, consumindo-
me como uma erva daninha, embora ninguém soubesse os motivos.
— Bryan... — A dor na voz de Sam era evidente. Outra mulher que
sofria por mim.
Respirei fundo, tentando controlar-me, porque Samantha estava
chorando. Eu preferia sofrer sozinho, não suportava ver as mulheres que eu
amava sofrendo. Eu era a porra de um fodido que deveria consertar suas
merdas, não ficar por aí caçando confusão.
Angelina se aproximou de Ryan e o tirou de perto de mim. Ele se
afastou sem reclamar ou dizer alguma coisa. Era como se entendesse o que
eu sentia, por isso não me atacou mais.
Todos estavam calados. O silêncio era cortante.
Levantei-me sem dizer nada e saí, ou melhor, tentei, pois Sam pegou
meu braço.
— Bryan, o que está havendo com você? — sussurrou com voz
dolorida. — Você tem andado sumido e agora aparece aqui assim, estranho e
caçando briga. O que houve?
— Eu sinto muito por tudo, mas preciso sair. — Tentei sair de novo,
mas ela novamente me impediu.
— Não, você não precisa. O que precisa é dizer o que está havendo
com você. Olha para você, parece tão atormentado... — Ela me olhava quase
suplicante. — Por favor, Bryan, você precisa me dizer...
Cortei-a, peremptório:
— Não preciso nada, droga! — Joguei as mãos para cima num gesto
exasperado. — Será que todos querem saber o que está havendo comigo?!
Maldição, eu só quero que não façam tantas perguntas!
— Fale baixo com ela, cara, ou eu juro que vou acabar com você, não
me importa se é seu irmão — rosnou Lucky com os punhos cerrados.
Gostei de ele tomar as dores de Sam e a proteger de mim, um maldito
bastardo imundo. Eu queria bater em mim mesmo por ter gritado com ela,
algo que nunca havia acontecido, bem como por ter sido tão grosso com
Alexia, que devia estar sozinha e sofrendo em minha casa, não atendendo a
nenhum telefonema, enquanto eu estava ali, arranjando confusão.
Porra! O que há de errado comigo? Por que estou aqui ainda?
Preciso ir para casa e dizer a Alexia que só ela me importa, que nunca foi
foda entre nós, e sim amor. Todo sexo com ela é feito com amor.
Ignorei todos ali e mirei os olhos molhados da minha irmã.
— Eu sinto muito, Sam, por ter gritado com você. Minha cabeça não
está muito boa hoje, embora isso não seja desculpa para o que fiz. — Cocei
a testa, tentando aliviar a minha dor de cabeça. Tudo em mim doía como uma
cadela.
— Está tudo bem, meu irmão, mas, seja o que for, quando estiver
pronto, estarei aqui para você. — Ela me abraçou forte. — Eu amo você,
nunca se esqueça disso.
Respirei fundo, fechando os olhos por um momento. Ela me amava,
assim como Alexia. Uma era minha irmã querida, enquanto a outra era a
minha razão de viver.
— Eu também te amo, Sam, e lamento ter perdido a cabeça com você e
ter provocado vocês dois. — Afastei-me dela e olhei para Angelina, que
parecia triste, e para Ryan, ao seu lado, cuja expressão estava séria.
— Tudo bem, às vezes todos nós explodimos de vez em quando —
falou Angelina sorrindo de leve. — Está perdoado. Além disso, eu sabia que
você estava brincando, afinal, não sou uma loura linda com pernas longas
que conheço. — Piscou para mim como se estivesse cheia de segredos.
Se eu não estivesse todo fodido, teria revirado os olhos, porque sabia
que ela estava falando de Alexia, a minha Luz do Sol.
— Alexia querida, respire e fale devagar, o.k.? — Alex falou.
Arregalei os olhos ante esse nome e olhei para ele, que estava ao
telefone com sua irmã. Voei em sua mão, tomei-lhe o celular e o comprimi
em minha orelha. Talvez tivesse acontecido algo com ela, além de eu ter sido
um idiota.
— Alexia! — chamei, depois ouvi seu suspiro, e a linha ficou muda.
Liguei de novo, ignorando o olhar furioso de Alex. Maldição, ela não
atende!
— Que droga está fazendo?! — esbravejou ele, pondo-se de pé na
minha frente.
— O que ela disse a você? — perguntei-lhe, ignorando sua pergunta,
porque estava parecendo um louco varrido, mas não me importei, apenas
precisava saber se tinha acontecido algo com minha garota.
— Eu não vou dizer nada, porra! — rosnou, cerrando os punhos. —
Você está desequilibrado, precisa ser internado em um hospital psiquiátrico!
Dei um passo até ele, louco para quebrar sua cara, mas pensei em
Alexia. Ela não iria gostar disso, com certeza brigaria comigo para proteger
seu irmão. Quando uma pessoa me colocaria em primeiro lugar em sua vida?
No entanto, como Alexia me colocaria, se eu não deixava, se a afastava?
Sam tinha Lucky; vovó, sua fazenda e os animais. A única pessoa que eu
tinha era Alexia, mas, como um idiota, a estava afastando da minha vida.
Uma vida que, sem ela, era só trevas.
Esperava que ela estivesse bem, porque, se algo lhe acontecesse, eu
não sabia o que faria. Talvez derrubasse aquela cidade inteira e matasse
quem entrasse em meu caminho. Ela está bem. Se tivesse acontecido algo,
Calebe teria me ligado para avisar, pensei, desejando intensamente que
aquilo fosse verdade.
Alexia com certeza ligara para o irmão para pedir ajuda. Talvez
quisesse sair da minha casa. Se fosse isso, eu não poderia deixar que
acontecesse. Minha propriedade era o único lugar em que ela ficaria segura,
longe das garras de Steve Lutner. Havia várias pessoas atrás daquele cara,
mas ninguém o havia localizado ainda. Eu joguei arquivos e fotos nas mãos
de Johnny, o melhor amigo de Angelina. O cara era bom em computadores, e,
como eu não podia ficar o tempo todo trabalhando naquilo, pedi ajuda a ele,
bem como a Joshua, que também era fera nisso. Acreditava que em breve
eles me dariam boas notícias, então eu poderia respirar melhor, sabendo que
Lutner estaria a um passo de ser capturado.
— Bryan, o que está acontecendo aqui? O que você quer com Alexia?
Aconteceu algo com ela? — A voz de Sam soou alarmada.
Não respondi, apenas liguei para Calebe para aquietar meu coração, ou
ficaria mais louco do que já estava.
— Ora, se não é...
Cortei-o, porque não estava com bom humor para ouvir suas gracinhas.
— Alexia está aí? Porque ela acabou de ligar para Alex, seu irmão. —
Peguei meu celular e avistei as câmeras do quarto, sala, cozinha, e nada de
vê-la.
— Claro que ela está. Estou no portão da frente, e, por aqui, ela não
saiu — assegurou ele.
Suspirei frustrado.
— Dê uma olhada na sala dos computadores e nos banheiros, porque
são os únicos lugares que não têm câmeras. Ela não está nos outros cômodos,
estou olhando para eles — falei enquanto me encaminhava para a porta, mas
Alex pegou meu braço.
Até pensei que era por causa de seu telefone, ao qual eu ainda estava
falando com Calebe. Todavia, ao ver sua expressão sombria, percebi que era
por Alexia. Enquanto eu estava falando com Calebe, acabei me esquecendo
de que estava cercado de pessoas, que me observavam de olhos arregalados.
— O que você quer com minha irmã? E o que significa “ela não está
nos outros cômodos”? Está mantendo minha irmã presa? — Chegou mais
perto de mim, olhando-me com ferocidade. Parecia capaz de me matar.
Fuzilei-o com os olhos.
— Vai responder o que ela falou a você? — devolvi a pergunta.
Ele suspirou.
— Ela está na escola e me disse que teve um problema, por isso estava
chorando. Isso é verdade, ou vocês têm algum lance e você a fez chorar?
— Que tipo de problemas? Ela disse a você? — sondou Rayla em tom
preocupado.
— Ela não me disse, já que alguém fez o favor de pegar meu telefone...
— rosnou Alex, tomando o aparelho da minha mão e mandando uma
mensagem, certamente para a irmã. Depois me olhou com os olhos estreitos.
— É por sua causa que ela estava chorando? Porque, se a fez chorar, eu vou
acabar com você.
Não respondi, porque uma sensação gelada desceu pelo meu corpo,
fazendo-me encolher. Alexia não estava mais segura, ainda mais estando em
um lugar sem vigilância alguma.
Liguei para Calebe de volta, de meu próprio celular.
— Ela não está aqui, deve ter saído pelos fundos — respondeu ele
assim que atendeu.
— Encontre-a — rosnei, embora ele não tivesse culpa. Alexia era uma
mulher engenhosa; quando queria algo, não descansava até conseguir. Ela
com certeza não queria que ninguém soubesse que tinha saído. Não sabia dos
riscos?
— Farei isso, mas, se ela saiu, com certeza Daemon está atrás dela.
Sabe que ele não a deixa fora da sua vista um segundo — ele disse com um
suspiro.
Tentei não pensar naquilo, porque sabia que Daemon tinha uma queda
por Alexia, mas, quando sua segurança estava em jogo, a proteção que ele
poderia lhe dar era mais importante do que meu ciúme.
Liguei para Daemon.
— Por favor, me diz que você está com ela à vista agora — falei assim
que ele atendeu.
— Sim, eu estava vigiando os fundos da casa, já que Calebe estava na
frente, quando ela pegou o carro dela, que Nasx trouxe, e saiu. Já faz
algumas horas que ela entrou na escola, mas uma ambulância chegou faz
pouco tempo.
Ofeguei de pavor, mas ele continuou:
— A ambulância não é para ela, mas para alguém que passou mal lá
dentro, acho que uma senhora. Os paramédicos a levaram para o hospital
mais próximo da escola.
— Fique de olho nela, não a perca de vista um segundo.
— Sim, irmão.
Alex tornou a segurar meu braço para evitar que eu saísse.
— Me solta — sibilei entredentes.
— Porra, isso não vai acontecer! Você não vai sair daqui sem dizer
nada! Quero saber por que você anda vigiando minha irmã e por que ainda
têm outros caras a seguindo! Quero saber de tudo agora!
— Você quer a verdade? Pergunte a ela, porque não vou dizer nada a
você nem a ninguém! — grunhi, puxando meu braço. — Se você não sair por
bem do meu caminho, eu juro que vai sair por mal.
Ficamos encarando-nos mortalmente. Eu sabia que ele merecia saber,
mas aquela história tinha que ser contada por Alexia.
Rayla foi até ele e pegou seu braço, obrigando-o a sair do meu
caminho.
— Alex, meu amor, deixe Bryan ir. Depois você fala com Alexia e
descobre o que está acontecendo, por favor — suplicou ela, com medo de
nós dois brigarmos.
Ele não queria, mas ela insistiu, então, sem olhar para mim, pegou seu
celular para ligar para a irmã.
Dei as costas a todos e fui embora quase correndo para o hospital a fim
de buscar minha mulher.
Capítulo 13
BRYAN
Acordei cedo e saí, deixando Alexia dormir, já que o dia anterior tinha
sido longo para ela. A perda de sua cozinheira pelas mãos de Lutner a
abalara. Na verdade, os últimos três dias haviam sido pesados para minha
garota, com a invasão a seu apartamento, o que aconteceu no hospital onde o
garoto amigo dela foi internado e o assassinato de Aria, bem como a maneira
como eu a tratei.
Eu, Shadow e os outros tínhamos que montar uma estratégia para pegar
Steve Lutner logo, porque ele sempre estava em sua cola quando ela saía, e
eu não podia deixá-la presa para sempre em minha casa. Alexia precisava
ter uma vida sem medo, seguir em frente... comigo ao seu lado. Queria que
ela andasse contente, livre, não com um alvo em sua testa.
Precisava falar com Alex também e resolver as coisas que tinham
ficado pendentes na casa de Sam, depois falar com Joshua e Johnny, que
eram ótimos hackers. Eles precisavam me dar uma maldita luz para encontrar
aquele psicopata desgraçado. Daemon também era bom nisso, mas eu
necessitava dele na proteção de Alexia.
Eu tinha de organizar tudo, já que, nos últimos meses, estava
trabalhando disfarçado e não podia estar 24 horas por dia com ela. Eu não
sabia qual era pior, Sebastian Ruiz ou Steve Lutner. Os dois deviam estar
queimando no inferno, e eu teria prazer em mandá-los para lá, pelo menos
Steve, depois que conseguíssemos descobrir seu paradeiro.
Também precisava manter meu disfarce para Alexia não descobrir onde
eu estava trabalhando, primeiro, porque ela não entenderia, segundo, porque
eu não queria caras como Salazar e outros fodidos que trabalhavam para ele
colocando os olhos nela. Já bastava Lutner, que era meu pesadelo vivo, um
do qual eu não estava conseguindo me livrar.
Emprestei meu apartamento para Nasx e Daemon enquanto eles
estivessem na cidade. Shadow os liberara por quanto tempo eu precisasse.
Eu agradecia ao meu amigo, ou melhor, irmão, porque, mesmo não tendo o
mesmo sangue, nós éramos irmãos, parceiros para tudo que viesse.
A porta vermelha se abriu assim que bati, mas não foi Alex que a abriu,
e sim Rayla, com seus cabelos platinados presos em um rabo de cavalo.
Parecia que ela ia sair, mas, pelo que eu sabia, ela gostava de estar arrumada
o tempo todo, não importava onde e com quem estivesse.
— Oh, Bryan! — Parecia surpresa e preocupada ao mesmo tempo,
talvez pelo que tinha acontecido na casa do Lucky. — Aconteceu algo com
Alexia?
Quase revirei os olhos ante isso. Como se eu estaria ali caso tivesse
acontecido algo com minha Luz do Sol... Nós estávamos bem, ela me
prometeu que não desistiria de mim, que, não importava o que acontecesse,
estaria ao meu lado. Eu não podia ficar mais feliz do que quando ouvi suas
palavras, embora temesse lhe contar tudo que já havia feito, as coisas feias e
cruéis, como matar pessoas.
— Não aconteceu nada com Alexia, ela está bem — tranquilizei-a. Ela
estava parada à porta, ainda segurando a maçaneta, impedindo-me de entrar.
— Alex está? Posso entrar para falar com ele?
Ela piscou, parecendo só então perceber que eu estava à porta e ela não
me convidou a entrar.
— Oh, desculpe! Claro, entre. — Deu-me espaço para passar.
A sala da casa de Alex era grande, com sofá em forma de L num canto e
uma TV enorme. Não reparei em mais nada, porque naquele momento ele
entrou no cômodo. O que tínhamos para conversar não era fácil, mas
ajudaria a nossa relação, afinal, eu não queria brigar com a família de
Alexia.
— Rayla, quem era na porta... — Ele parou assim que me viu e franziu
a testa. — O que faz aqui?
Suspirei. Não merecia nada menos que isso, por isso não reclamei de
seu tom seco. Olhei para Rayla, que tinha ido para perto dele.
— Pode me deixar sozinho com Alex, Rayla? — pedi a ela num tom
calmo, assim não a assustaria mais. Já bastava o receio que estava vendo em
seus olhos.
— Eu não acho bom... — Ela olhava entre nós dois, preocupada com
seu namorado, com certeza com medo de que brigássemos.
— Eu não tenho segredos com ela, então, seja qual for o motivo para
você estar na minha casa a essa hora da manhã, pode dizer na frente dela. De
qualquer forma, contarei tudo a ela depois... — começou, mas eu o
interrompi:
— Jura? Então ela sabe o que houve há cinco anos com Alexia? Os
motivos de ela ter sido internada em um hospital psiquiátrico?
Ele ficou branco, parecia que o sangue tinha fugido de sua pele
bronzeada. Alex não se parecia em nada com Alexia. Ela era loura, enquanto
ele tinha cabelos escuros, era coberto de tatuagens e com brincos em sua
orelha.
— Alex...? — sussurrou ela. Pela forma como franzia o cenho, não
parecia saber de nada.
Ele piscou, saindo do estado catatônico em que se encontrava.
— Rayla, pode ir. Depois te conto tudo, o.k.? — falou com a voz aguda.
— Tudo bem. — Ela parecia mais preocupada que nós dois
brigássemos que pelo fato de ele não lhe ter dito a verdade sobre Alexia.
— Não vamos brigar, pode ir tranquila — informei. Eu não tinha ido
até ali para brigar, era justamente o contrário. Precisava fazer as pazes com
meu cunhado, já que não renunciaria a Alexia.
Assim que Rayla saiu da sala, Alex me fitou com cenho franzido.
— Como sabe sobre o passado de Alexia?! Anda investigando a vida
dela?! Por quê?! Não é suficiente persegui-la por aí?! — esbravejou, cheio
de ira.
Eu estava calmo, diferente do dia anterior, então relevei seus gritos e
acusações, até porque eu merecia, de certa forma, pela forma como o tratei.
Apesar da calma, estava com medo de que viesse a acontecer alguma coisa a
Alexia, ainda mais depois de ambos os episódios em hospitais, quando
aquele merda teve oportunidade de a levar consigo. Caso Daemon não a
tivesse seguido, eu nem podia imaginar o que teria acontecido. Tremia só em
pensar na possibilidade de que ela se machucasse. Mesmo a proteção de
Daemon e Nasx não foi suficiente para proteger Aria, a cozinheira de Alexia,
da morte. Lutner, além de matar a mulher com requintes de crueldade, ainda
escreveu um monte de coisas horrendas sobre ela com seu próprio sangue.
Aquelas palavras demonstravam que ele tinha bastante raiva da mulher; foi
isso o que deu a entender ao chamá-la de usurpadora, traidora, mentirosa,
imunda e desejar que a alma dela queimasse no inferno. Isso me fazia
perguntar como Lutner conhecia Aria e por que a odiava tanto. Os
xingamentos e o sangue esparramado pelo quarto do hospital demonstravam
isso. Eu esperava que Johnny descobrisse para mim o que havia por trás
daquele assassinato.
— Ela me contou sua história, não investiguei nada sobre sua vida...
Alex ofegou.
— Espere, o quê? Alexia te contou toda a verdade sobre o seu
passado? Mas como, se ela não conta isso a ninguém? — Estreitou os olhos.
— O que está acontecendo entre vocês? Perguntei a ela ontem, mas não quis
me dizer nada, e você também não me disse.
Suspirei, então lhe contei tudo que Alexia me disse acerca da sua vida,
os momentos ruins, a dor, a perda, sua alma quebrada aos pedaços por causa
de Steve Lutner, o cara que abusou dela e quase a matou e voltou para
terminar o serviço.
— O desgraçado do Samuel na verdade é Lutner? E está atrás dela? —
Seu tom parecia magoado. — Por que ela não me contou e veio até mim, que
sou seu irmão?
Respirei fundo. Entendia Alexia. Ela queria proteger o irmão, assim
como eu protegi a minha irmã de algumas coisas sombrias que já haviam
acontecido comigo. Nunca lhe havia dito nada, pois não sabia como ela iria
reagir. Talvez me aceitasse e me redimisse dos meus pecados, mesmo que eu
achasse que nunca seria absolvido.
— Porque esse cara toca nas pessoas próximas a ela, assim como fez
com Aria e Jack. — Passei a mãos nos cabelos, tentando relaxar.
— Meu Deus! Eles estão bem? Conseguiram sobreviver a esse cara?
Pelo que ele fez com Alexia, não parece ter uma gota de humanidade —
sondou preocupado. — Deus me perdoe por pensar dessa forma, mas
homens assim deveriam estar mortos e no inferno.
Espero mandá-lo para lá em breve, pensei. Entretanto, de certo modo,
aquilo me preocupava, porque eu acreditava que, se fizesse com aquele
maníaco o que tinha vontade de fazer, Alexia não me aceitaria, pois eu me
afundaria ainda mais no abismo escuro de minha alma. A luz de Alexia
amenizava a escuridão, mas não a eliminava totalmente, esse era o preço a
pagar por meus pecados. E eu temia que, se me afundasse ainda mais, nada
poderia me fazer retornar à luz.
— Jack está bem, foi operado e está sendo protegido por policiais,
mas, em relação a Aria, não conseguimos chegar a tempo. Ele a matou.
Disfarçou-se de médico e chegou perto dela sem que ninguém o visse. Ele
poderia ter levado Alexia, se Daemon não estivesse com ela.
— Então Alexia não me disse nada sobre isso para ele não chegar até
mim e Rayla?
— Sim. O foco dele são mulheres, então tome conta da sua e deixe que
eu protejo Alexia. Juro que não vou deixar nada acontecer a ela! — prometi
com fervor.
Esperava estar certo, porque, se eu não conseguisse protegê-la e ela se
machucasse... Não, eu não podia admitir a possibilidade. Tinha que pensar
que o prenderíamos ou o mataríamos.
— O que houve ontem? Vocês brigaram? Porque ela parecia com raiva
quando perguntei sobre você.
— Mais ou menos...
— Como assim “mais ou menos”? Você a deixou sozinha, por isso ela
saiu, não foi? — Seu tom agora era acusatório. — Porque ela me disse que
está ficando em sua casa, mas que não era para eu fazer perguntas, que,
quando pudesse, ia me contar tudo. Que droga isso significa?
— Eu preciso contar a ela algo sobre meu passado que nunca contei a
ninguém, mas não aceitei isso bem quando ela cobrou de mim. — Apenas
Shadow sabia sobre o que me aconteceu, de onde vinha a escuridão que eu
tinha. — Mas prometo que isso não vai mais se repetir.
Ele assentiu.
— Eu suspeitava que Alexia amava você desde a faculdade, ainda mais
depois de saber que ela queria colocar seu nome em sua pele. Seria sua
primeira tatuagem, mas não deixei, já que você nem sabia que ela existia.
Eu não sabia sobre a tatuagem. Esperava em breve poder colocar seu
nome em meu coração também, porque aquela mulher chegara ali para ficar.
— Eu sabia, mas estava fodido na época, não podia me envolver com
alguém assim, como estou pronto hoje. — Isso era verdade. Eu desistira de
Alexia uma vez no passado porque Emília e sua filha, Emma, precisavam de
mim. Depois, quando as duas se foram, uma parte de mim se fora junto a
elas.
— Você a ama? Faria qualquer coisa por ela? Como acabou de dizer
que a protegeria, me pergunto: até que ponto? — Ele me avaliava.
Eu não precisava pensar na resposta, já que sabia havia muito tempo.
Até gostava de sentir o que sentia por ela.
— Sim, eu a amo como nunca amei ninguém na minha vida e sou capaz
de qualquer coisa por ela.
Suspirei. Quando ela declarou que me amava, gelei por dentro, não por
não sentir o mesmo por ela, mas por Alexia ser a primeira mulher a dizer
aquilo para mim, além de Sam e vovó. Eu esperava me confessar para ela
naquela noite, no jantar ao qual iria levá-la. Calebe ficaria com Ariane, a
neta de Aria, para que eu e Alexia pudéssemos ter um encontro.
Quando Alexia disse que só ficaria em minha casa se Ariane também
ficasse, achei que a perderia para sempre, já que tinha certeza de que não
conseguiria ficar em um lugar com uma criança fazendo-me lembrar da
princesinha linda que era Emma. Pensar nela me fazia refletir no que eu tinha
sido capaz de fazer, na vida dela e de sua mãe, que eu havia destruído.
Acariciei os nomes sobre o meu peito para tentar aliviar a dor
insuportável que eu carregava havia quase um ano. O estranho era que eu não
tinha pensado nisso na noite anterior e mais cedo naquela manhã, quando vi
Ariane na cozinha tomando leite. Ela não chamou Alexia para preparar seu
café da manhã, ela mesma foi até a geladeira, pegou a bebida e a tomou. Eu
lhe perguntei se queria açúcar, mas ela disse que não podia tomar nada doce
porque tinha uma doença, então supus ser diabetes. Mais tarde, pesquisei
sobre ela e descobri que realmente tinha a doença. Gostei dela e me senti
aliviado, porque as dores dos traumas não me assombraram como sempre
faziam quando eu estava perto de uma criança.
O enterro de Aria seria naquela manhã. Tentei dar um jeito de Alexia
não ir, mas ela não aceitou. Como parecia gostar realmente da mulher, não
insisti. E, pelo que eu soube, Aria não tinha parentes vivos. Entretanto, o que
me angustiava era que eu teria de trabalhar naquele dia e não poderia
acompanhá-la. Por isso estava buscando um jeito de prolongar o funeral a
todo custo, para que nada desse errado em relação aos esquemas de
proteção.
Alex aceitou o meu namoro com sua irmã. Fiquei contente com isso,
embora eu não a deixaria mesmo se ele não concordasse, porque amava
Alexia.
Estava para sair da casa dele para ir falar com Shadow, mas, antes de
sair, deparei-me com um porta-retratos de uma menininha loirinha com
cabelos lisos e olhos violeta ao lado de uma mulher que eu achava ser a mãe
de Alex e Alexia. Tinham fotografias dos pais deles em toda parte na sala,
um homem moreno e uma mulher loura.
— O que foi? — questionou Alex seguindo meu olhar e riu
amorosamente. — Alexia. Ela tinha quatro anos quando papai tirou essa foto
dela.
A menina da foto era a fotocopia de Ariane, loura, pele branca, nariz
bem-feito. Peguei o porta-retratos e o trouxe para mais perto. Elas eram
quase idênticas, a única coisa diferente era a cor dos olhos, porque os de
Alexia eram violeta, já os de Ariane, azuis.
— Mas como isso é possível? — sussurrei comigo mesmo, ainda em
choque.
— O que não é possível, cara? Essa menina na foto é, sim, Alexia...
— Não é isso. A neta de Aria é a cara de Alexia nessa foto. —
Levantei o porta-retratos.
— Eu não era amigo dela, já que mal a conhecia, viajava muito
trabalhando como DJ, até construir a Rave, mas Aria era “amiga” dos meus
pais desde que construíram a escola. Bem, eu soube que, pouco antes de
papai e mamãe morrerem, eles não estavam se dando bem com ela. Acho que
a amizade deles foi abalada por alguma coisa. — Ele coçou o queixo,
pensativo. — Mas Alexia levava Ariane para casa consigo às vezes, em suas
férias. Foi assim que vi a garotinha e notei que ela era a cópia de Alexia, até
na inteligência, alta para sua idade. Fico triste por Aria ter partido, ainda
mais de um jeito tão cruel.
— Então Aria era próxima de vocês? — sondei, minha mente girando
com uma suspeita incabível, mas provável.
— Um pouco. Como eu disse, não tinha muito contato com ela. Mas
Alexia sempre foi próxima dela e da neta, mesmo quando a amizade entre
Aria e meus pais ficou abalada. Lex até levou a menina em uma viagem ao
Alasca quando ambas estavam de férias a fim de verem a Aurora Boreal. Eu
inclusive chamei sua atenção, porque ela estava se apegando demais a
Ariane, talvez pensando na sua bebê, que morreu. — Seu tom no final estava
triste.
— Por que seus pais não a deixaram ver a criança depois de morta?
Afinal, independentemente de como Alexia estava, merecia saber de tudo.
— Eu não estava no país nessa época, estava em Tóquio. Nem sabia
quando ela ir dar à luz. Quando soube, papai e mamãe disseram que a
criança tinha morrido e que os dois a enterraram para Alexia não sofrer
mais, mas isso era impossível, porque nunca vi minha irmã tão quebrada,
assim que voltei ao país com urgência poucos dias depois. — Ele
estremeceu, provavelmente recordando o sofrimento de Alexia. — Estava
mil vezes pior do que antes... depois do que aquele ser abominável fez com
ela.
— Seus pais não disseram onde enterraram o bebê. — Tudo o que eu
ouvia me fazia suspeitar ainda mais de que minhas suposições estavam
certas.
— Não. Até achei estranho na época, porque nenhum dos dois disse
nada, apenas que era melhor assim para Alexia não sofrer mais do que já
estava sofrendo e que, dessa forma, ela se curaria mais rápido. — Ele deu
um suspiro frustrado. — Não concordei com isso, uma, porque ela ficou
pior, não melhorou em nada, e outra, porque ela amava aquela criança em
sua barriga. Você devia ter visto o sorriso dela e o brilho em seus olhos.
Tentei achar o lugar em que a criança foi enterrada, certidão de óbito, mas
não consegui.
Como os pais de Alexia tinham feito aquilo com a própria filha? Eles
não perceberam que, ao fazer aquilo, fariam com que ela sofresse ainda
mais? Se ela tivesse a menina ao seu lado, talvez recebesse alta do hospital
psiquiátrico mais cedo. Eles tiraram dela a única coisa que a faria ter forças
para lutar contra os traumas. Lembrei-me de ela dizer que não se importava
com a forma como a criança tinha sido gerada, que a amava quando ainda
estava dentro dela. Esse amor seria ainda maior quando o bebê nascesse.
Eu queria entender o que levava os pais a fazerem tantas tolices
pensando que estavam protegendo os filhos, mas, na verdade, estavam
trazendo-lhes dor e sofrimento, como os pais de Alexia fizeram ao esconder
que a neta havia sobrevivido, dando a criança para outra pessoa cuidar. Isso
me fez perguntar: Lutner sabia disso? Foi por esse motivo que ele tinha
matado, xingado e amaldiçoado Aria?
— O que foi? — perguntou Alex, avaliando-me. — O que está
pensando? Você está com essa expressão sombria, como se quisesse matar
alguém.
Quero mesmo, mas eles já estão mortos, pensei amargamente.
— Se minhas suspeitas estiverem certas, isso vai acabar com Alexia —
falei e ergui o porta-retratos. — Posso ficar com essa foto dela?
— Claro, eu tenho outra no meu quarto. Mas de que suspeita está
falando? Até que ponto isso afetará Alexia? — Ele arregalou os olhos,
fitando a foto, depois a mim. — Não, eles não seriam loucos a esse ponto,
não é?
— Vou apurar tudo e descobrir a verdade. Assim que souber, conto a
você. Mas me diz uma coisa. Seus pais morreram em um acidente de avião,
não é? Descobriram os motivos da queda?
— Eles estavam indo para a Suíça para buscar Alexia, que ia receber
alta da clínica, quando o avião teve um problema e caiu, matando cem
pessoas... — Ele estremeceu. — Do que está suspeitando?
— Acredito que Lutner está por trás disso, assim como fez com Aria.
De um jeito distorcido e desumano, ele achou um jeito de se vingar das
pessoas que mentiram para Alexia. — Franzi a testa. — Sua mente é doentia,
acredito que ele queira Alexia só para si. É bem possível ser por isso que
ela seja a única de suas vítimas que ele não matou.
— Você está dizendo que esse cara pode ter assassinado meus pais?
Mas por que não fazer isso só com os dois e deixar as outras 98 pessoas
inocentes a salvo?
— Eu vou investigar direito, mas não duvido de nada vindo daquele
psicopata. Agora preciso ir embora. — Olhei para a porta por onde sua
namorada tinha sumido. — Fique perto de Rayla e a mantenha sob segurança
24 horas por dia. O forte dele são as mulheres. Inclusive vou falar com
Lucky para vigiar Sam. Acredito que Simon faz isso bem, mais dois
seguranças são melhores.
ALEXIA
Depois de ter me entendido com Bryan na noite anterior, eu estava mais
calma ao acordar na manhã seguinte. Ainda estava triste pelo assassinato de
Aria, mas me sentia bem com Bryan e Ariane naquela casa segura.
Lembrei-me da carta que Aria deixara para mim. Ao abri-la e começar
a leitura, minha calmaria se dissipou como poeira no vento.
Eu não tenho muito tempo de vida, então estou deixando esta carta
para você saber toda a verdade. Eu sei que, assim que a ler, jamais terei
seu perdão, mas tudo bem, o que importa é que você saiba de tudo.
Há quatro anos, minha filha, Amanda, sofreu um acidente de carro
junto ao seu esposo. Ela esperava um filho, mas nenhum deles resistiu ao
acidente. Foi bem na época em que você teve sua filha.
Seus pais, Igor e Isabel, me perguntaram se eu podia ficar com sua
bebê... Eles me disseram o que tinha acontecido com você, a crueldade que
lhe tinham feito. Então, pensando que você, ao ver a criança, não
conseguiria seguir em frente, eles resolveram se desfazer dela. Eu lhes
avisei que isso podia ser pior, mas não quiseram me ouvir.
Menina Alexia, você estava tão feliz pela gravidez, eu sentia isso
quando nos falávamos pelo telefone. Me parecia impossível que não
amasse a criança. Seus pais disseram que, se eu não ficasse com ela, iriam
entregá-la a um lar adotivo, então fiquei com ela. Sabia que, comigo, você
teria a chance de ter sua filha de volta no futuro.
Há seis meses descobri que tenho câncer. Eu poderia ter buscado a
cura, mas não o fiz, porque acredito que mereço isso, mereço ser castigada
por toda a dor que você sofreu, menina. Lamento muito por isso. Eu queria
poder voltar no tempo e fazer o certo, mas não podemos mudar o passado,
apenas tentar consertar os erros no presente.
Se estiver lendo esta carta, é porque fui embora para sempre. Não
preciso pedir para você proteger Ariane e amá-la, porque você já faz isso.
Espero que um dia me perdoe.
ALEXIA
Meu telefone tocou enquanto eu tirava a roupa e ia tomar banho. Estava
suada devido aos socos no saco de areia. Inclusive meus braços doíam por
causa disso.
— Alô? — atendi sem olhar a tela e liguei o chuveiro após acionar o
viva voz e colocar o aparelho sobre a pia.
— Isso que está caindo é água? Está no chuveiro? — perguntou Jack
com riso na voz.
— Droga! Espere. — Desliguei a água, corada pelo fato de estar nua,
embora ele não pudesse me ver. — Desculpe por isso, Jack, achei que fosse
uma das meninas.
— Está se desculpando por estar no banheiro e...
Cortei-o, acalorada:
— Certo, o que deseja? Como está a ferida? — Prendi o meu cabelo, já
que não queria molhá-lo. — Estão todos bem?
— Você está perguntando se o lunático apareceu por aqui querendo nos
matar? — Seu tom estava sombrio, cheio de raiva. — Eu queria estar bem
para protegê-la.
— Não precisa me proteger, Jack, estou bem, mas preciso desligar.
Tenho que ir ao enterro de Aria...
— Ela morreu?! — gritou. — Ai... — queixou-se.
— Jack, fica quieto, o.k.? Não se mexa, está tudo bem — tranquilizei-o.
Nesse instante, a porta se abriu e Bryan entrou, calado, todo nu, coberto de
tatuagens e gloriosamente duro, inclusive ficou mais duro aos meus olhos,
porque, assim que fitei seu pênis, ele ficou ainda mais ereto, como se
sentisse meu olhar.
Ele não disse nada, só se agachou à minha frente com os olhos em meu
centro nu. Balancei a cabeça, pedindo silenciosamente para ele não fazer o
que eu pensava que iria, não com Jack no outro lado da linha, podendo ouvir
tudo.
— Droga, eu queria estar com você nessa hora... — A voz de Jack se
perdeu quando Bryan esfregou a língua em meu clitóris.
Segurei seus cabelos, tentando afastá-lo, mas isso o motivou a
continuar. Segurei-me na pia enquanto ele pegava uma das minhas pernas e a
colocava em seu ombro a fim de poder me devorar mais.
— Alexia, está aí? — sondou Jack.
Eu me esforcei para me controlar, para lhe responder sem gemer
conforme tudo queimava em mim.
— Sim... — Saiu um barulho estranho da minha garganta assim que
Bryan enfiou a língua dentro de mim e em seguida mordiscou meu clitóris. —
Maldição!
— O que foi, Alexia? — inquiriu Jack em tom preocupado.
Olhei para baixo e encontrei um par de olhos azuis me espiando, e seus
lábios se curvaram em um sorriso lindo e safado que me deixou de pernas
bambas. A cada estocada de língua, ficava mais difícil segurar os gemidos,
porque minha vontade era de gritar tamanho o prazer.
— Estou... bem... Apenas o xampu, que caiu no chão... — Respirei
fundo. — Tenho que ir, Jack.
Desliguei o celular e fechei os olhos, querendo mais daquele homem
que estava me consumindo. Puxei seus cabelos e apertei sua cabeça em meu
centro. Para onde foi a minha vergonha nessa hora? Para o espaço! Quem
pensaria em vergonha com um desejo daqueles queimando no corpo?
Ninguém! Até uma freira cairia sem se arrepender depois.
Bryan deu mais um chupão em meu clitóris, então gozei intensamente.
Segurei-me para não gritar, ou Ariane apareceria ali para saber o que estava
havendo comigo.
— Então, gostou? — indagou, erguendo-se aos poucos e seguindo com
a língua em minha pele. Mordiscou meus seios, depois me beijou, deixando
meu gosto, meio salgado, em minha boca.
Gemi de novo, com meu desejo florescendo novamente por aquele
homem. Afastei-me com bastante sacrifício assim que ele ia enfiar sua
delícia de pau em mim, mas eu tinha outra ideia.
— Alexia? — sondou confuso.
Peguei sua mão, levei-o para debaixo do chuveiro e me ajoelhei à sua
frente, admirando-o. Eu amava tudo naquele homem.
— Alexia... não precisa fazer isso...
— Eu sei que não, mas quero. — Segurei seu membro duro e o apertei,
deslizando para cima e para baixo.
Ele gemeu, escorando-se na parede e me fitando com adoração.
Passei a língua em sua cabeça rosada, lambendo o pré-sêmen que
escorria e não desperdiçando uma gota, e logo coloquei o membro inteiro em
minha boca, ou melhor, o que consegui, já que ele não era pequeno. Eu
adorava o seu pau, que me fazia gritar de prazer.
Quanto mais ele gemia, mais forte eu o sugava, levando-o à loucura.
Suas mãos apertavam meus cabelos, mas não me forçavam a ir mais fundo.
Bryan me deixava tomar dele o quanto eu conseguia. E eu o amava ainda
mais por isso.
O fogo se reacendeu em mim, fazendo-me gemer com ele. Segurei o que
não coube em minha boca de seu membro e o movimentei para cima e para
baixo. Coloquei minha mão direita entre as minhas pernas e circulei meu
clitóris, levando-me ao limite. Eu já tinha me tocado antes pensando nele,
então estava familiarizada com isso, mas, com seu pau em minha boca, as
sensações eram mais intensas.
— Estou perto de gozar... — Sua voz falhou no final, assim que dei uma
sugada forte, levando-o à borda.
Acelerei os movimentos em meu clitóris enquanto chupava Bryan com
tudo que eu tinha. Então senti seu gozo bater no fundo de minha garganta
conforme eu gozava também.
— Porra, Luz do Sol! Eu estou mole aqui — sussurrou ele com a voz
fraca.
— Porra digo eu! Estou até com as pernas bambas — murmurei.
Ele me levantou e me escorou de frente para a parede e de costas para
ele. Eu sabia o que ele ia fazer, mas aquela era uma posição em que eu não
conseguia ficar. Tentei bloquear as lembranças das mãos sujas de Steve me
segurando assim e da dor que senti...
— Bryan...
Ele afastou os lábios do meu pescoço e se afastou, virando-me de frente
para si. Acreditei que ele ouviu a dor na minha voz, confirmando-a ao ver as
lágrimas em meu rosto.
— Alexia, o que foi? Machuquei você? — Seu tom era preocupado.
Abracei-o e aspirei seu cheiro, tentando me acalmar e bloquear as
lembranças sombrias.
— Não, mas podemos fazer outra posição? — Tentei manter minha voz
calma para não o deixar chateado.
Talvez, com o tempo, Bryan me deixe, já que eu não posso fazer muita
coisa com ele, não o que ele está acostumado a fazer e gosta, como ser
algemada, fazer sexo por trás e outras coisas, como ser chicoteada. Isso
eu jamais vou poder fazer!
Um ruído saiu de seu peito, e reconheci a fúria, e não era pouca,
inteiramente dirigida ao monstro que me estragara para sempre. Seria
irreversível? Eu esperava um dia ficar curada.
— Tudo bem, vamos tomar banho — falou, beijando meus cabelos.
— Bryan, nós podemos seguir, só não assim... — comecei, mas ele me
cortou com a voz calma, embora eu sentisse a raiva fervilhando em seu
peito:
— Alexia, já estamos atrasados para o velório. Depois continuamos. —
Beijou meus lábios de leve.
— Mas... — Temi que ele ficasse com raiva de mim por não ter
continuado.
— Luz do Sol, não há a menor chance de ficarmos juntos depois de eu
ver a dor em seus olhos com a lembrança... Só vamos tomar banho agora,
tudo bem?
Assenti, mas meu peito doía por não ser uma mulher completa para ele,
tudo por culpa daquele desgraçado que me arruinara.
Escondi minha dor e meu medo, mas parecia que Bryan me conhecia
bem, porque, assim que terminamos o banho, ele me puxou para seus braços
e beijou a minha testa.
— Você não sabe como eu me sinto ao ver a dor em você e não poder
fazer nada, não conseguir chegar à pessoa... que te causou isso. — Sua voz
soou atormentada no fim da frase. — Mas vou pegá-lo, eu juro, e, quando
isso acontecer...
Gelei ao ouvir seu tom mortal.
— Você vai entregá-lo às autoridades, Bryan. Promete... — falei com a
voz um pouco grossa demais e trêmula.
— Não posso prometer isso, porque não sei o que farei caso o encontre
pessoalmente.
Meu coração disparou, temendo o que ele viesse a fazer com Steve. Ele
merecia, mas Bryan não podia se afundar no desejo de vingança. Eu via a
escuridão em seus olhos. Se ele deixasse a ira dominá-lo, haveria mais dela
em seu olhar, e eu não podia deixar isso acontecer.
— Bryan...
— Alexia, não vamos discutir isso agora, tudo bem? É irrelevante —
Seu tom era duro.
Suspirei e saí irritada do banheiro. Como ele podia me dizer que aquilo
não tinha importância? Eu também queria Steve morto, mas não queria a
alma de Bryan morta. Chateada e preocupada, não disse nada enquanto me
arrumava.
Saímos de casa ainda calados e continuamos assim até chegarmos à
igreja que Aria frequentava todos os domingos. Ariane ficou em casa com
Calebe. Eu não podia deixá-la à vista de Steve.
Algumas pessoas já estavam ali. Alguns rostos eram conhecidos da
escola, outros deviam ser conhecidos dela, talvez frequentadores da igreja.
Eu esperava que não tivéssemos problemas ali como no hospital.
Bryan, ainda calado, deu-me um beijo casto quando me deixou no
templo. Eu também não disse nada, mas queria que ele mudasse de ideia ou
que Steve morresse pelas mãos de outra pessoa.
Os MCs estavam ali. Alguns eu não conhecia, somente Nasx, Daemon,
Shadow e Michael, cujo apelido eu descobri que era Kill. Até parecia, pela
expressão sombria que ele demonstrava de vez em quando, que ele matara
mil vezes, o que eu não duvidava, mas não podia julgar ninguém sem
conhecer sua história.
— Está tudo coberto. Tentei transferir o velório para outro lugar, mas
não consegui — disse Daemon olhando ao redor como se caçasse alguém, ou
melhor, o monstro chamado Steve Lutner. — Cobriremos você, Alexia. Não
se preocupe. Há irmãos nossos aqui disfarçados, checando movimentos
suspeitos.
Suspirei aliviada ao ouvir isso, mas esperava que acabasse logo e que
aquele criminoso fosse preso antes de Bryan colocar as mãos nele.
Aproximei-me do caixão lacrado. Daemon disse que não podiam deixá-
lo aberto porque o que tinham feito com ela assombraria as pessoas.
Estremeci. Eu não vi como ela tinha ficado no hospital, pois Nasx não
deixou. Senti-me aliviada, porque já bastavam os pesadelos que eu tinha;
não queria ter mais nenhum.
Meu coração doía por Aria. Sabia que ela me enganara por quatro anos,
mas não me afastara de Ariane. Ela me deixava levá-la nas férias comigo
para onde quer que eu fosse, até fora do país. Que pais ou avós fariam isso?
Então eu supunha que ela não me queria longe de minha filha.
— Eu perdoo você, então vá em paz — sussurrei, alisando o caixão de
madeira.
Eu não sabia o que acontecia com as pessoas quando morriam. Sempre
ouvi a parte de “ir para o Inferno ou para o Céu” dependendo do que tinham
feito enquanto estavam vivas. Porém, fosse como fosse, eu não acreditava
que Aria iria para o Inferno. Eu precisava acreditar que ela seria redimida,
afinal, cometeu erros, mas quem não os comete nessa vida? Além disso, ela
pediu perdão e disse a verdade no fim da vida.
O padre ministrou algumas palavras para a redenção e salvação da
alma de Aria. Eu estava chorando. Então senti braços à minha volta, mas não
eram os que eu ansiava, e sim os de Daemon. Bryan não podia estar comigo,
uma vez que estava trabalhando e não conseguiu tirar folga. Mesmo assim,
senti-me confortada por Daemon e protegida por seus amigos MCs.
Daemon não saía do meu lado. Sua proteção estava cerrada. Eu queria
entender por que ele era tão presente. Seria só por ser amigo de Bryan?
Porque mal nos conhecíamos. Ele era um cara legal. Eu acreditava que
seríamos grandes amigos depois que tudo aquilo terminasse.
Após as palavras do padre, meus colegas da escola me incentivaram a
falar alguma coisa também. Eu não tinha vergonha disso. Adorava falar,
embora com certeza choraria na frente de todos os meus colegas e dos
amigos de Aria, uma pessoa amada.
— Oi, pessoal. Estamos reunidos aqui por um motivo triste, a morte de
uma pessoa querida por todos nós. O que posso dizer sobre Aria, ou mama,
como as crianças a chamavam na escola? Ela era uma pessoa maravilhosa,
meiga, gentil e caridosa. Não havia nada que pedíamos a ela que nossa
querida Aria não se esforçasse para fazer. — Olhei para sua foto sorridente
perto do caixão, que estava no altar da igreja. Imaginava que fosse a sua
bondade que a fez aceitar o pedido dos meus pais para que ficasse com
minha menina.
As pessoas estavam sentadas nos bancos em frente e me fitavam com
seus olhos molhados pela perda de uma amiga, assim como eu, mas me
controlei para terminar meu pequeno discurso, que era de coração.
— Todos nós cometemos erros, inclusive ela, mas ninguém merece o
que lhe fizeram. Eu não sabia que Aria estava doente até ontem, quando foi
levada para o hospital e cruelmente assassinada... — Estava prestes a
continuar, quando senti uma sensação estranha. Sentia-me observada. A
igreja inteira estava me fitando, mas era diferente. Era uma atenção que me
deixava inquieta.
Olhei discretamente para cada canto do recinto e cada pessoa à minha
frente, mas não vi ninguém que não deveria estar ali, não Steve, pelo menos.
De repente, no coro[2] da igreja, acima da entrada, deparei-me com o
monstro, que me fitava sorrindo de forma cruel, como se gostasse de me ver
chocada. Expulsei todas as lembranças sombrias que eu tinha dele; não lhe
daria o gostinho de mostrar meu medo, afinal, aquele desgraçado amava
isso. Respirei fundo, ignorando seus olhos em mim, e encontrei o olhar de
Daemon, torcendo para ele perceber que algo estava errado.
Para meu alívio, Daemon devia ter notado, porque olhou para os outros
MCs ali, que assentiram, comunicando-se entre si em sua linguagem de
sinais própria. Sabendo que eles estavam alertados, deixei minha raiva
tomar conta de mim e disse tudo o que pensava de Steve Lutner, olhando-o
diretamente:
— O monstro que fez isso não deveria estar solto. Aliás, desculpe-me
por dizer isso, padre, esse homem merecia estar queimando em um caldeirão
de fogo, não falo no Inferno, porque sei que ele vai para lá por sua
desumanidade, mas sim aqui na Terra, como suas vítimas sofreram, porque
eu soube que Aria não foi a única vítima desse demônio desgraçado. Se eu
tivesse uma chance, o mataria da pior maneira possível, mas ele se esconde
atrás dos outros. É um covarde.
Seus olhos estavam cheios de raiva, suas mãos, em punhos e os dentes,
trincados. Apesar do receio, ergui mais a cabeça; não deixaria aquele
monstro saber que eu estava tremendo por dentro, porque uma coisa eu
aprendi nos meus dias de cativeiro com ele: aquele cara gostava de ver o
medo nas pessoas, a impotência delas ao estarem à sua mercê. E eu não lhe
daria aquele gostinho; não mesmo.
— Covarde, é isso o que ele é... — Fui interrompida pela boca de
Daemon na minha. Senti gosto de menta, porque meus lábios estavam abertos
devido ao choque.
Capítulo 16
ALEXIA
Meus olhos estavam abertos de choque, e, pela minha visão periférica,
notei que não era a única, afinal, estávamos em uma igreja velando uma
amiga. O que deu em Daemon? Por que fez isso? Não era por gostar de mim,
então supus que fosse algum plano que eles tinham bolado. Perguntei-me se
Bryan estava ciente daquilo. Se estivesse, o que eu faria a respeito? Porque,
se ele deixara uma pessoa me beijar, seus sentimentos não eram fortes como
os meus, porque eu o mataria se me traísse.
O beijo durou alguns segundos, então Daemon me virou, e ouvi um tiro
próximo a nós. Recuperei-me do choque do beijo, que me encheu de fúria.
Olhei para cima e vi Steve correndo. Não soube o que deu em mim, só saí
correndo atrás dele.
Antes de ir para o templo, peguei uma das armas de Bryan. Eu não
sabia usá-la muito bem, mas aprenderia atirando naquele monstro que teve a
audácia de ir até a igreja onde estava sendo velada uma mulher que ele
matou. Ouvi um xingamento de Daemon, mas não liguei, saí dali bem a tempo
de ver o crápula pulando uma janela. Ficamos nos olhando, um de frente
para o outro. Rosnei, furiosa, assim como ele, que parecia um daqueles bois
bravos, soltando fumaça pelas ventas.
Levantei a arma e puxei o gatilho, então ouvi o som do tiro e um
gemido. Steve me fitou com os olhos arregalados, como se não acreditasse
que eu tinha feito aquilo. Ele não me conhecia; por Bryan, eu era capaz de
tudo, até de matá-lo se fosse preciso.
De repente motos apareceram de todos os lados, atirando em mim, mas
não me acertaram.
— Se ela levar um tiro, mato vocês! — gritou Steve para os caras, que
pareciam ser MCs também, mas com coletes com o nome Scorpion escrito.
— Ela é minha para eu fazer o que quiser e castigá-la da forma como ela
merece!
Não liguei para isso, estava prestes a dar outro tiro nele; se estava
falando, então ainda estava vivo. Contudo, não fui muito longe, porque os
MCs Fênix apareceram e revidaram os tiros com outros. Não sei bem o que
houve, porque Daemon me jogou dentro do carro, e partimos. Enquanto isso,
os MCs Fênix e Scorpion lutavam, tudo por minha causa. Se algo
acontecesse aos meus amigos, que me protegiam, seria minha culpa.
— Oh, Deus, o que eu fiz?! Só o queria morto para Bryan não ter que
fazer isso! Não posso deixá-lo matar Steve... — Chorava deitada na cama de
Bryan.
Ainda bem que Ariane está dormindo no outro quarto, assim ela não
vê isso... pensei angustiada.
Daemon estava sentado ao meu lado, alisando meus cabelos, que
estavam sobre um travesseiro todo molhado de lágrimas.
— Vai ficar tudo bem, todos estão bem agora, a situação foi controlada.
— Limpava minhas lágrimas, que não paravam de cair. — Não sabíamos que
esse cretino estava aliado ao MC Scorpion. O desgraçado fugiu, mas vamos
dar um jeito de pegá-lo, eu prometo.
— Bryan não pode matá-lo, Daemon... Isso encheria de mais sombras a
sua alma... Já é difícil trazer luz para ele... Como posso impedir isso? —
Observei seus olhos caramelo.
— Juro que nunca vou deixar isso acontecer. Prometo que o impedirei
de fazer isso — jurou, abaixando a cabeça como se fosse me beijar.
— Daemon, por favor, não... — supliquei, não sabendo seus motivos
para me beijar àquela hora, mas não queria que as coisas se complicassem
ou ficassem esquisitas entre nós. Então achei melhor esclarecer as coisas. —
Daemon, sobre o beijo...
Ele sorriu e beijou minha testa.
— Era preciso beijar você...
Ele se interrompeu quando foi tirado de perto mim e preso na parede
por um Bryan mortal. Eu já o tinha visto sombrio, mas daquele jeito, nunca.
Parecia que mataria alguém, no caso, Daemon, que deu um gemido com a
pancada.
— Você, seu maldito, como ousa beijá-la?! Porra! — Deu um soco na
boca de Daemon, que cerrou os punhos e empurrou Bryan.
— Você está preocupado com um beijo? Deveria pensar na dor que
Alexia está sentindo agora! — esbravejou. — Por sua culpa ela atirou em um
cara, contrariando o que ela é, só para você não ter que fazer isso! Então
devia pensar antes de me ameaçar por tê-la beijado, porque era preciso algo
assim para deixar Steve furioso e fazer besteira...
Bryan o cortou, feroz:
— E matar todos à volta dele?! — Deu um passo até Daemon.
Os olhos de Daemon estavam mortais também. Pelo que percebi, ele
não parecia temer a ira de Bryan.
— Escuta, Bryan, você é meu irmão...
Ele riu amargo.
— Irmãos não tentam roubar a namorada do outro! Acha que não
percebi como olha para ela?! Você a quer!
Eu estava paralisada ouvindo a discussão dos dois, mas prendi a
respiração ante o que Bryan disse. Não, isso era impossível!
— Sim, eu a quero, aliás, gosto dela...
Ofeguei, porque não tinha percebido isso, afinal, fazia poucos dias que
o conhecia, mas descobrira que ele estava havia meses me vigiando. Então
Daemon sentia mais por mim do que amizade?
Não fui a única a ofegar com isso; percebi que tinha mais gente à porta,
vendo tudo. No entanto, não reparei em quem era, já que estava temendo
pelos dois, que pareciam prestes a se matar.
— Eu vou matar você, seu desgraçado! — Bryan se lançou sobre
Daemon, mas Shadow entrou no meio para impedir a catástrofe.
Também me levantei na tentativa de acalmar os dois, mas minhas pernas
pareciam travadas no chão, enquanto os fitava de olhos arregalados.
— Maldição, o que está havendo?! — rosnou o presidente do MC, um
tanto sombrio. Enfim eu entendia por que o chamavam de Shadow; seu olhar
estava cheio de sombras ameaçadoras ao olhar entre os dois. — Daemon.
Daemon não olhou para ele, só fitava Bryan.
— Eu não roubo mulher de irmão, independentemente se gosto dela ou
não. Jamais entraria no meio de vocês dois, mas, se não resolver suas
merdas e a perder, vou lutar por ela, cara, e não vou desistir até conseguir.
— Seu alerta estava em cada palavra que dizia. Entretanto, ao falar
novamente, sua voz soou calma: — Todos temos escuridão, Bryan, só temos
que escolher entre deixar a luz dominá-la ou as sombras nos comandarem.
Será a sua escolha, então a faça bem, porque, se escolher a escuridão, você a
perde. — Seu dedo apontou para mim. — Porque ela sofre por você não a
deixar entrar e consertar o que está quebrado.
Bryan olhou entre nós dois.
— Você contou a ele os nossos problemas? — Seu tom saiu magoado,
mas o meu soou raivoso por ele pensar que eu diria aos outros algo que só
dizia respeito a nós.
— Claro, disse até quantas vezes transamos por dia! — sibilei furiosa e
senti Daemon se encolher. Fui até ele e peguei suas mãos. — Desculpe, eu
não sabia o que sentia por mim. Lamento por isso, mas não posso. — Olhei
para Bryan, que parecia controlado, braços cruzados, depois olhei para o
rosto triste de Daemon. — Eu...
— Não precisa dizer nada, loura, eu sei que o ama. Não é toda mulher
que tenta matar um homem para salvar a alma de outro ao impedir que ele
venha a fazer isso. — Ele deu um passo até mim e caiu para frente, nos meus
braços.
— Daemon? — chamei, caindo de joelhos com o peso do homem,
afinal, ele tinha 1,90 m de altura e uns 100 kg de peso. Senti algo molhado
em minha mão, que estava em seu tórax, e a olhei, ofegando a seguir. — É
sangue! Oh, Deus! Ele foi baleado!
Capítulo 17
ALEXIA
Shadow tirou Daemon de cima de mim e o colocou na minha cama,
estendido e desmaiado.
— Maldição, Daemon, por que não nos disse que estava ferido? —
criticou, abrindo sua jaqueta preta e vendo a mancha de sangue por toda a
sua camiseta. Por isso não víamos o sangue, por causa da cor de sua roupa.
— Precisamos de um médico ou levá-lo a um hospital — afirmei
chorando, vendo meu amigo estirado na cama, ferido e inconsciente.
— Não podemos levá-lo ao hospital, porque isso incluiria boletim de
ocorrência, e teríamos que contar o que houve na igreja — disse Nasx,
olhando o amigo desmaiado. — Precisamos conseguir um bom médico.
— Conheço um confiável, já que você não podem ser vistos — avisei,
pegando meu telefone e ligando para um amigo meu que estava se formando
em medicina.
Quinze minutos depois, Paulo Figueiredo, meu amigo de ascendência
brasileira, chegou e entrou no quarto, que parecia muito apertado por estar
tomado de homens fortes – Nasx, Shadow e Michael, bem como Bryan ao
meu lado –, e ainda tinha mais gente na sala, cerca de uns 16 caras.
Os olhos de Paulo se arregalaram ao se deparar com tantos homens, um
deles ferido. Estudávamos na mesma universidade antes de eu sair.
— Lex, o que está havendo? Quem são esses homens? — sondou com
os olhos estreitos.
— Você está aqui para cuidar dele, não para fazer perguntas — sibilou
Michael.
Percebi que Paulo prendeu a respiração. Senti-o tremendo, afinal,
provavelmente ele não tinha visto nada assim na vida. Fechei a cara para
Kill, ignorando suas sobrancelhas desafiando-me a dizer algo. Bem, ele não
me conhecia, pois eu não fugia de um desafio.
— Paulo, não ligue para esses homens e seu jeito grosseiro de falar.
— Grosseiro...? — inquiriu Michael revoltado.
— Kill, fica frio — ordenou Shadow para ele, que ficou quieto.
Paulo ofegou e pegou meu braço como se fosse me tirar dali na marra.
Seus pais eram brasileiros, mas ele nasceu ali.
— Kill? Meu Deus! Eles são assassinos e estão te obrigando a ficar
aqui, não é?! — Sua voz saiu alta e trêmula ao encarar cada rosto.
Paulo sempre foi uma criatura estudiosa e bondosa. Quando eu
precisava dele, lá estava para me ajudar, mesmo quando ainda estava no pre-
med.
Nasx riu.
— Cuidado para não mijar nas calças, garoto, e calma, que ninguém
aqui vai te machucar. Ignora Kill, esse é seu jeito de ser — falou ele,
tranquilizando meu amigo.
— Paulo, estamos perdendo tempo — informei com o coração
acelerado. — Salve meu amigo, por favor. Ele se machucou para me salvar.
Ele assentiu e foi averiguar o estado de Daemon. Depois de alguns
minutos de averiguação, olhou-nos.
— Ele levou um tiro...
— Não diga, Sherlock — rosnou Kill e olhou para Shadow. — Estamos
perdendo tempo com esse garoto, não podemos deixar Daemon morrer.
— Eu não sou um garoto, tenho 25 anos. — A voz de Paulo soou alta e
irritada. — Se me deixasse terminar de falar, saberia o que estou tentando
dizer. Ele levou um tiro pelas costas, e a bala atravessou. Isso é bom. Agora
vamos estancar a hemorragia. Se possível, podem esvaziar o quarto para eu
trabalhar?
Shadow acenou para todos, que assentiram, ficando só ele ali, além de
mim e Bryan.
— Vamos, Alexia — chamou esse.
Paulo me observou com os olhos arregalados, depois fitou a cara
fechada de Shadow. Ele não queria ficar sozinho com eles.
— Eu vou ficar aqui com eles. Se quiser, pode ir — falei, sentando-me
no sofá do quarto, o que fez Paulo respirar normalmente.
Bryan estreitou os olhos e foi ficar ao lado de Shadow perto da porta,
cochichando, com certeza sobre o que aconteceu naquele dia.
Ignorei-os e ajudei Paulo a suturar a ferida da bala de Daemon. Eu
limpava o sangue em sua pele morena com um pano úmido. Ele possuía
muitas tatuagens e cicatrizes, como Bryan.
— O que aconteceu com você? — indaguei baixinho e alisei sua testa,
que estava quente. Seus cabelos negros estavam sobre seu rosto bonito, tão
sereno enquanto estava apagado.
— Pelos cortes, são facadas, e não foram poucas. Parece que alguém
estava amolando a faca em sua pele. — Paulo estremeceu ao dizer isso
enquanto costurava a abertura que a bala deixara perto de seu ombro. Então
o virou de bruços, e o que vi me assombraria para sempre.
— Oh, Deus! Daemon... — Suas costas estavam grossas, como madeira
riscada a faca. A tatuagem da fênix que tinha nas costas não conseguia
encobrir isso, as coisas horríveis que tinham feito com ele. — O que fizeram
com você?
— Ele nunca contou sua história. Ninguém sabe — disse Shadow,
respondendo a minha pergunta.
— Por isso ele disse sobre a escuridão... Ele sabe disso, porque já
viveu na pele. — Minha voz falhou devido ao sofrimento do meu amigo.
— Todos nós temos um passado escuro, só temos que ter certeza de se
queremos viver no presente ou no passado, ou seja, deixar a escuridão tomar
ou não conta de nós — declarou Shadow com um suspiro preocupado. — É
fácil amar Daemon e se apegar a ele. Ele é calado, mas, quando precisamos
dele, o cara dá sua vida por um irmão ou por quem gosta, não pensando no
que vier a acontecer consigo.
— Assim como fez comigo, porque ele estava ao meu lado quando me
beijou. — Um ruído saiu da garganta de Bryan; reconheci a raiva. — Então
ele me rodopiou, e depois ouvi um tiro. Ele com certeza previu o que
aconteceria, por isso foi atingido no meu lugar... para me salvar.
— Sim, como eu disse, ele daria a vida pelas pessoas que ama, e você
é uma delas. Eu não sabia que ele estava sentindo isso por você; se
soubesse, teria dado a função de te vigiar e proteger a Nasx. Sei que você
não sente o mesmo por ele, afinal, é mulher de um irmão e ama seu homem.
Paulo não disse nada enquanto trabalhava. Quando ele cuidava das
pessoas, não pensava em nada, só se concentrava no seu serviço. Por isso eu
o chamei, sabia que ele podia lidar com Daemon e sua ferida e salvá-lo sem
ser necessária a ida a um hospital.
— Me sinto mal com tudo que aconteceu hoje, esse cara atrás de mim,
matando pessoas como Aria e atirando em outras, como Jack e Daemon...
— Jack Milles levou um tiro? — interrompeu-me Paulo com a voz
alterada enquanto aplicava uma injeção em Daemon.
— Ele está bem agora, não se preocupe com isso — falei para
tranquilizá-lo.
— Agora é só esperar e ver como ele reage, mas parece que a bala
atravessou a parte superior do tórax e das costas, não acertando nenhum
órgão vital ou articulação. Acredito que ele ficará bem, afinal, já deve ter
aturado coisa pior que isso. — Paulo olhou para as cicatrizes de Daemon e
estremeceu, certamente pensando no que acontecera em sua vida. Eu
acreditava que não teríamos nenhuma explicação, porque Daemon não
parecia o tipo que se abria com as pessoas.
— Obrigada por ter vindo, e confio que não dirá nada a ninguém do que
viu e ouviu aqui — falei, abraçando-o.
— Vai custar caro, afinal, me deve um encontro que furou no dia da
graduação, quando foi para casa com Jack. — Ele franziu o cenho. —
Ficaram juntos naquele dia?
Ri.
— Não ficamos juntos. Satisfeito? — falei, afastando-me dele, porque
senti a tensão de Bryan, e, para ele perder a paciência depois de já ter
passado por tanto, não demoraria. — Ele não tinha um par de olhos azuis e a
boca avermelhada que eu conheço.
— Ele? Então é o irmão da Sam? — sondou checando Bryan. — Faz
tempo que não a vejo. Soube que ela se casou com Lucky Donovan.
Revirei os olhos. Todos nós estudávamos na mesma universidade – eu,
Luana, Claire, Sam, Jack, Mike, Julian e Paulo – e, apesar dos diferentes
cursos, tanto no college quanto na pós, éramos amigos.
— Que tal fazermos um dia de fraternidade quando eu resolver alguns
problemas que tenho? Assim todos nos reunimos e comemoramos, sim?
Paulo ficou de me ligar depois para organizar a reunião, afinal, eu não
tinha cabeça para isso, não com tudo que estava acontecendo comigo e com
as pessoas que eu amava.
Os MCs ficariam ali por enquanto, até Daemon se restabelecer, e
bolariam um plano mais completo, agora que sabiam que Steve estava aliado
ao MC Scorpion. Pelo que notei das conversas deles, aquele MC era inimigo
mortal do MC Fênix. Eles não me disseram nada, mas eu sabia que a
situação estava preta para o nosso lado. Meu medo era perder gente do
nosso lado. Eu não podia aceitar nunca algo assim. Precisava fazer alguma
coisa, mas o quê?
Dois dias se passaram depois que Daemon foi baleado. Ele ainda
estava ali, mas parecia ter melhorado. Fiquei aliviada com isso. Shadow foi
embora e deixou Nasx ali conosco. Eu não ligava, já que Bryan não ficava
muito tempo em casa. Cada vez saía mais, principalmente à noite. Eu sabia
que ele estava trabalhando em algo da polícia, então não me incomodei, mas
sentia falta de estarmos juntos.
Ariane estava animada com a casa cheia de gente, ou melhor, de
homens. Antes só tinha o Calebe, depois tinham mais dois, já que Michael
resolveu ficar também. Eu o chamava assim quando ele estava calmo, e de
Kill quando assumia sua expressão furiosa. Ele brincava muito com Ariane,
e gostei de que ela fosse capaz de fazer aquele homem sorrir.
Fui ao quarto de Bryan, onde Daemon estava. Eu dormia com Ariane no
outro quarto, já que Bryan não passava a noite mais em casa. Tentei não
pensar nisso.
Assim que entrei, vi Daemon gemer e murmurar alguma coisa
incoerente. Aproximei-me dele e toquei seu ombro para acordá-lo.
— Daemon... — Interrompi-me ao ser jogada na cama, e ele pairou em
cima de mim com as mãos em meu pescoço como se quisesse me sufocar.
Devo ter gritado, porque de repente a porta se abriu. Entretanto, não me
importei com quem era, apenas mirava o olhar de dor de Daemon. Aquela
dor vinha do mais profundo do seu ser, algo que eu via no espelho todos os
dias. Fosse o que fosse que acontecera com ele, era algo sério, que deixou
marcas profundas, e não só em sua pele, mas também em sua alma.
Antes de ele me sufocar, voltou a si e percebeu o que estava fazendo.
Saiu de cima de mim, ficou de pé e gemeu. Talvez tivesse se movimentado
rápido demais e seu machucado se inflamara.
— Maldição, Nasx! Por que a deixou perto de mim? — rosnou Daemon
com os dentes trincados.
— O que está acontecendo? — questionou Bryan, entrando no quarto e
me olhando sentar na cama, onde Daemon estava antes. Abaixei meu vestido,
que tinha se levantado um pouco. — Que porra está acontecendo aqui?
Levantei-me e corri assim que Bryan se lançou sobre Daemon, mas
Nasx foi mais rápido e se colocou na frente, impedindo seu caminho.
— Bryan, não foi culpa dele. Eu o vi tendo um pesadelo e toquei nele...
— Ele atacou você? — Sua voz estava fria como uma geleira.
— Me desculpe, loura, não achei que fosse você... — Ele estremeceu e
olhou para Nasx. — Droga, eu poderia tê-la machucado.
— Lamento, cara, eu só fui à cozinha. Não achei que ela apareceria
aqui e esqueci que isso não podia acontecer — falou de modo triste.
Respirei fundo, segurando firme o braço de Bryan, que estava calado,
avaliando Daemon, mas pensei ter visto entendimento ali, porque o vi
relaxando.
Olhei para Daemon, que estava triste ao me observar. Fui até ele e
peguei sua mão, apertando-a. Ele estava vestindo apenas uma calça jeans, e
as gazes tampavam seu ferimento. Ignorei suas cicatrizes; muito
possivelmente ele não gostava que as pessoas as vissem.
— Daemon, não precisa se desculpar por isso, o.k.? Eu devia...
— O quê? Falar de longe? — Seu tom estava ácido. — Estou feliz que
não sinta nada por mim. — Tentou soltar minha mão, mas não deixei. —
Quem iria querer sentir?
Fitei Nasx e Bryan.
— Podem me deixar a sós com ele? — pedi, principalmente ao Bryan,
que fechou a cara.
— Não conte com isso...
— Bryan, por favor, preciso conversar com Daemon — supliquei. —
Nós já vamos sair.
Ele não queria, mas saiu; antes, porém, alertou-nos:
— Cinco minutos.
Fiz uma careta assim que eles saíram, em seguida olhei para Daemon.
— Daemon, se eu não amasse o Bryan, teria o maior orgulho de te amar,
seria um privilégio. Não me importaria o que aconteceu em seu passado. É
claro que eu iria querer saber o que se sucedeu e tudo mais, para você reagir
assim quando estava dormindo e ter tantas cicatrizes — sussurrei, apertando
suas mãos.
— Eu contaria se dividisse a minha cama... mas sabemos que isso não
vai acontecer, não é? Porque você o ama assim como ele a ama. Por isso a
preocupação e os ciúmes dele por você.
Arregalei os olhos, admirando seus olhos intensos, que esboçavam um
sorriso.
— Eu sei e torço para aparecer uma pessoa que seja especial e o ame
muito, porque você merece. Espero que não demore muito; tudo que sente
por mim, você vai ver que será fichinha em comparação ao que sentirá por
ela — sussurrei, beijando sua bochecha macia, depois me afastei.
— Agora vamos para a sala. Preciso sair deste quarto e ver alguma
coisa após anos nesta cama. Além disso, logo ele vai aparecer aqui. —
Daemon sorriu, mas o seu sorriso não chegou aos olhos.
— Não foram anos, e sim dois dias — respondi sorrindo.
Eu só esperava que tanto ele quanto Jack um dia fossem felizes, afinal,
eram garotos lindos. Almejava que as garotas sortudas que aparecessem nas
suas vidas viessem a ver o que eles tinham por dentro, não somente sua
beleza física, assim como eu vi em Bryan.
Capítulo 18
ALEXIA
Um mês e meio depois de sermos alvejados em frente à igreja, ainda
não tínhamos descoberto o paradeiro de Steve. Para meu azar, o cara não foi
morto. Assim disse Nasx, que soube por uma pessoa que ele estava na sede
do MC Scorpion. Os federais estavam atrás dele desde então. Eu esperava
que os prendessem logo, antes de Bryan o pegar e fazer o que disse que
faria.
Enquanto isso, tinha algo que estava me deixando inquieta. Bryan estava
esquisito. Desde que eu disse que não conseguia ficar naquela posição, no
banheiro, ele não me tocava mais. A princípio, achei que fosse porque Nasx
e Daemon estavam na casa, mas pouco depois eles foram embora. Mesmo
assim, ele não tentou mais.
— O que foi, Bryan? — sondei em uma noite em que ele chegou tarde.
Isso não era surpresa, já que seu trabalho ocupava horas da sua noite.
— Estou cansado — disse, como em todas as vezes em que vinha para
casa e se deitava ao meu lado.
Aceitei isso até a noite em que peguei uma conversa dele com Calebe,
no qual mencionavam que ele estava trabalhando em um clube de BDSM
chamado Fetish com uma mulher chamada Tabitta. Na hora em que soube
disso, pareceu que parte de mim foi destruída. A dor era insuportável, mas
eu não cairia; precisava saber o que estava havendo e por que ele estava
trabalhando disfarçado. Ele se submeteria a tudo pela sua profissão, até me
trair?
Enfim eu estava em frente ao clube Fetish, meio afastado de Manhattan.
Nunca tinha ido a um local assim antes. Talvez aquela fosse a praia de
Bryan. Afinal, ele fazia sexo duro antes de mim, que era quebrada, não
conseguia fazer o que ele gostava. Era por isso que ele não ficava comigo
havia tanto tempo? Talvez não conseguisse mais levantar seu maldito pau em
minha presença, por isso dava a desculpa de que estava cansado.
Entrei no clube olhando ao redor, para suas luzes vermelhas e mulheres
nuas para todos os lados, algumas de joelhos em frente aos homens. Uma
mulher estava suspensa de ponta-cabeça e envergada como um arco.
Sinistro. Algumas das garotas estavam algemadas enquanto eram espancadas
por homens mal-encarados.
Eu tremia conforme lembranças assombrosas me assolavam, mas me
mantive firme; não ia surtar, precisava descobrir a verdade fosse ela qual
fosse. Tinha de ver com meus próprios olhos.
Dei mais alguns passos, então vi Bryan sorrindo e conversando com
uma mulher morena e alta. Ela colocou uma de suas mãos no peito dele, mas
ele a tirou.
— Eu soube que ficou quase uma hora no quarto com sua submissa.
Posso saber o que fizeram lá de tão especial? — inquiriu a mulher com voz
melosa.
Ele deu seu sorriso normal, mas que fazia qualquer mulher cair de
quatro. Aquela com certeza o queria de todo jeito. Meu coração batia alto e
despedaçado ante o que ouvi, mas, finalmente estando ali, eu precisava ouvir
tudo até o fim.
— Quer mesmo ouvir? Bem, eu a algemei na cama, de bruços, com sua
bunda para o ar, então a chicoteei e devorei sua boceta ao mesmo tempo,
depois a fodi com força. — Seu tom era provocativo.
— Isso me deixou até molhada — disse a mulher, colocando a mão no
meio das pernas. — Quer ver?
Não fiquei para ouvir sua resposta. Corri, chorando e com um nó no
estômago. Vomitei ao imaginar Bryan fazendo o que disse com outra mulher.
— Alexia?
Por um momento achei que fosse ele, mas não era sua voz. Limpei a
boca e olhei para Jason Falcon, que estava saindo da boate também.
— J-Jason? — Minha voz falhou, então pigarreei para limpá-la e
controlar o que estava sentindo.
— O que faz aqui? — Sua voz também parecia igual à minha. Seus
olhos castanhos chocolate estavam cheios de chamas de uma dor profunda.
Não perguntei por que, afinal, se eu mal dava conta do que estava
sentindo, não aguentaria sequer pensar no sofrimento dos outros. A dor
estava me consumindo.
— Está indo embora? Pode me dar uma carona? Acho que não vou
conseguir dirigir... — Minha voz estava grossa pelo choro, e minhas
lágrimas me cegavam. Se eu fosse de carro, correria o risco de cometer um
acidente.
— Você viu Bryan com outra, não é? — indagou, avaliando-me.
Não respondi, afinal, não conseguiria falar sem gritar ou xingar, e o
único que merecia aquilo era Bryan, que estava lá dentro, talvez até
pensando em fazer um ménage com duas mulheres.
Jason não disse mais nada. Apenas saímos dali, mas o notei, antes de
dar partida, olhando com dor para uma loura com saia curtíssima e jaqueta
por cima, saindo do clube. Ela era linda.
Eu a fodi com força, essas palavras arranhavam meu cérebro, fazendo-
me querer gritar. Era para eu ir para a casa de Bryan, onde estava
hospedada, mas precisava falar com ele sozinha e botar um fim em nosso
relacionamento como adultos, e lá, com Calebe – ao qual despistei ao fugir
da casa – e Ariane, não seria possível.
Minha cabeça pegava fogo. Perguntava-me sem cessar se Bryan estava
no clube apenas disfarçado ou se ele queria aquilo e dava a desculpa do
disfarce para fazer o que realmente gostava.
Jason me deixou no prédio do apartamento de Bryan em Manhattan, já
que eu não podia ir para o meu. Eu sabia que, assim que ele chegasse em
casa, iria procurar por mim, então, quando me ligasse, eu lhe diria onde
estava. Todavia, ele nem sonhava o que estava para acontecer consigo. Eu
acabaria com aquele traidor de merda!
Chorei, gritei, mas com as mãos na boca para abafar o som enquanto
subia pelo elevador e entrava no corredor do andar do apartamento, ou os
vizinhos logo chamariam a polícia para descobrir o que estava acontecendo.
Depois de tanto chorar e lamentar, em vez da dor, eu estava com raiva de
Bryan por ter me usado. Se ele não me queria, era bom ter dito isso antes de
ir procurar outra mulher. Mesmo se fosse algo necessário para a conclusão
de um caso, eu não aceitaria algo assim. Jamais me submeteria àquilo,
mesmo amando-o como o fazia.
Estava quase alcançando a porta quando alguém pegou meu braço.
Prestes a gritar, percebi quem era.
— Daemon? O que faz aqui? — questionei, enxugando meu rosto
molhado.
Ele estreitou os olhos.
— Eu é que pergunto isso. O que faz aqui a essa hora da noite? E como
conseguiu sair da casa sem Calebe ver? — sondou confuso e irritado.
Pigarreei.
— Eu precisava ver uma coisa e não podia esperar — falei, tentando
controlar o choro.
— O que você viu? Alexia... me diz o que viu! — pediu preocupado,
aproximando-se mais de mim.
— Eu não quero falar sobre isso agora. — Esquivei-me, então
acrescentei, assim que ele estava prestes a retrucar: — O que está fazendo
aqui?
Ele suspirou.
— Alguns de nós, MCs, estamos aqui, no apartamento do Bryan, já que
ele não está usando esse lugar por enquanto. Vamos entrar.
Assenti e entrei no apartamento de Bryan, que era como um loft. Logo
na entrada tinha um sofá tão grande que uma pessoa podia dormir
confortavelmente nele. Em frente a ele havia uma estante com uma TV
imensa, na qual estava passando um filme pornô ao qual Nasx estava
assistindo.
Logo adiante havia uma cozinha com balcão de mármore separando-a
da sala. Tinha uma escada que dava para um andar acima, onde eu podia ver
uma cama e um guarda-roupa. Gostei dali, aconchegante e simples.
Nasx se colocou de pé e olhou de mim para Daemon, franzindo a testa.
— O que está fazendo aqui?
Não respondi; sentei-me no sofá, peguei uma cerveja que estava em
cima da mesinha de centro em frente ao sofá e tomei um gole bem grande. Eu
gostava de cerveja, mas a bebida me deixava bêbada rápido, de modo que eu
fazia coisas das quais não me lembrava no dia seguinte.
— Daemon... — insistiu Nasx, indo para perto dele. Os dois ficaram
me olhando.
— Eu não sei. Eu estava chegando aqui quando a vi à porta, chorando.
Disse que saiu porque precisava ver uma coisa, mas não disse o que era —
murmurou em tom confuso.
Ignorei-os e assisti ao filme. Na cena de sexo da vez, uma mulher
estava nua e presa a uma cruz em forma de X. Um homem à sua frente, só de
calça jeans e com um chicote, a açoitava. Levantei-me e cheguei mais perto
da TV, ouvindo-a gritar, mas seus gritos não eram de dor.
— Por que eu não posso fazer isso?! Por que não posso ser suficiente
para ele?! — gritei meio histérica, pegando os dois de surpresa, mas não
liguei.
— Alexia, do que está falando? — sondou Daemon. — Está se
referindo ao Bryan?
Olhei para ele com lágrimas se derramando pelas minhas bochechas.
— Por que não sou mulher suficiente para ele? — Olhei para a tela
onde, naquele momento, o casal transava com a garota ainda presa, sendo
fodida com força. — Não posso dar o que ele precisa...
— O que Bryan fez? — ele insistiu.
Sequei uma cerveja e peguei outra, assim a dor passaria, já que eu
ficaria bêbada logo, logo.
— Buscou fora o que não pude dar a ele... — Minha voz estava morta,
assim como eu.
— Você está dizendo que ele a traiu? — O tom da voz de Daemon era
fatal.
— Isso não é possível! Bryan é louco por você, mulher — disse Nasx.
— Se ele fez isso, eu vou matá-lo — rosnou Daemon com os olhos
sombrios.
— Não pode. — Minha voz saiu meio enrolada. — Eu é que vou matá-
lo.
— Vai matar quem? — perguntou Bryan, entrando na sala.
Encarei-o de modo feroz, peguei a primeira coisa que vi à frente e
joguei nele.
— Seu desgraçado traidor! Por que não me disse que estava fodendo
por aí?! — Voei em seu pescoço, mas tropecei em razão das pernas bambas.
Daemon me impediu de cair e quebrar a cara.
Bryan rugiu, mas não me importei.
— Acho que bebeu demais — Daemon falou baixo para mim, depois
com acusação para Bryan, que estava tampando um olho com uma das mãos:
— Espero que tenha uma explicação muito boa para isso.
Estreitei os olhos, firmando-os nos de Bryan.
— O que foi? Não está querendo nem me ver mais... É por isso que está
tampando o olho? — murmurei, mordendo o lábio, magoada, e fitei Daemon
ao meu lado, ainda me firmando. Minha voz saiu arrastada: — Eu sou...
assim tão feia, que não querem olhar para mim?
Nasx riu, então me fitou com um sorriso sexy. Eu não devia estar tão
bêbada, se conseguia diferenciar um sorriso sexy de um normal.
— Querida, você é perfeita, mas está vendo isso? — Ele pegou algo no
chão e o levantou.
Fui até ele meio cambaleando, contente por não cair. E peguei a coisa
brilhante, então notei que era um globo de neve de cristal.
— Mas está errado... — comentei, olhando-o de perto. — A terra está
de cabeça para baixo...
Ele riu de novo e virou o globo, então vi a neve caindo e me lembrei do
meu casamento, que eu queria que fosse na neve. Olhei para Bryan, ainda
tampando seu olho.
— Por que tinha que estragar tudo? Era para nós nos casarmos na
neve... mas então você mentiu e me traiu, tudo porque não fiz o que gosta...
— acusei-o, chorando e observando a neve cair.
— O que eu gosto? — Sua voz parecia embargada, como se tivesse
algo nela.
Suspirei irritada, peguei seu braço e o levei até a TV. Na cena da vez, a
mulher estava algemada à cabeceira da cama e com a bunda no ar enquanto o
cara a chicoteava. Era a mesma cena que ele descrevera para a mulher no
clube.
— Seu desgraçado, como pôde fazer isso comigo?! — Voei nele e
esmurrei seus peitorais, fazendo-o arfar e cair sentado no sofá,
provavelmente de susto ou surpresa, pois eu não era forte assim, ainda mais
meio bêbada.
Percebi que ainda estava com o globo de neve na mão. Talvez fosse por
isso que ele se encolhera. Continuei esmurrando-o até que ele pegou meus
pulsos e me rodopiou, deitando-me no sofá e pairando em cima de mim.
— Maldição, Alexia — grunhiu e olhou para cima. — Vocês poderiam
nos deixar a sós? Podem ir para minha casa. Aproveitem e digam o que
aconteceu ao Calebe, que deve estar surtando por ela ter saído escondida de
novo.
Não liguei para aquilo, só queria aliviar a dor que estava em meu peito.
— Por que eu não fui suficiente para você?! Por que não me disse que
precisava de mais do que só sexo?! — choraminguei, encolhida sob ele.
— Por Deus, Alexia! Acha mesmo que eu trairia você depois de tê-la
em meus braços, depois de sentir seu gosto, seu cheiro, que tanto adoro?
Meus olhos molhados se arregalaram, e alguma esperança inundou meu
peito.
— Eu ouvi você conversando com uma morena que estava te tocando...
— Mas eu tirei a mão dela de cima de mim.
Franzi a testa.
— Isso é verdade, mas depois você começou a dizer o que fez no
quarto com outra mulher, uma submissa... — Encolhi-me por dentro ao
pensar nessa cena.
— A mulher com quem eu disse que fiquei é uma policial do FBI
infiltrada, assim como eu, como policial, naquele clube para prender um
pedófilo desgraçado que não vai ver o sol nascer nunca mais, e não ficamos
juntos como você pensa. Aquela mulher que estava conversando comigo
trabalha no clube, estava desconfiada de mim e Tabitta, porque éramos para
entrar lá como um casal, mas não ficávamos juntos ao vivo, o que gerou
desconfiança...
— Mas então...?
— Ficávamos, sim, em um quarto, mas sem fazer nada. Tabitta não é
dessas, e eu também não. Por mais que eu goste do meu trabalho, jamais vou
ficar com outra pessoa para concluir um caso, porque eu amo você, Alexia,
só você. — Então ele me beijou intensamente, mas gemeu de dor e se
afastou.
— O que foi? — Foi então que notei seu olho inchado. — O que houve
com seu olho... Oh, Deus! O globo! — Alisei seu rosto lindo e sereno. —
Sinto muito por ter machucado você. Acho que agora estou pensando no que
fiz. Eu sou mole para bebida, uma vez fiz strip-tease. Minha sorte era que só
tinham mulheres.
Os olhos dele tinham ficado escuros no início de minha última frase,
mas, após ouvir o final, ele relaxou e beijou meu rosto.
— Que bom, porque, quando você tiver que fazer um strip-tease, quero
que faça apenas para mim — comunicou com a voz abrasadora e beijou
minhas pálpebras. — Lamento que tenha sofrido ao ouvir o que falei, mas
quero que saiba, Alexia, que, independentemente de como façamos sexo,
você me realiza em todos os sentidos, porque você é a única que me tem
dentro de você. — Ele remexeu seus quadris para enfatizar o que dizia.
Gemi, sentindo-o pronto ao se encaixar entre minhas coxas abertas. Eu
estava latejante por ele. Fazia muito tempo que estava seca e faminta por
aquele homem.
— Você não me tocou todo esse tempo — acusei, acariciando seus
cabelos negros e barba por fazer.
— Sinto muito, Luz do Sol, mas, depois do episódio no banheiro, eu
não sabia como faria isso. Fiquei com medo de que, quando eu ficasse com
você, trouxesse alguma lembrança ruim. Prefiro mil vezes morrer ao ver
aquela dor de novo em seus olhos e voz, não se eu puder evitar.
Suspirei.
— Bryan, nós já transamos antes várias vezes, e isso não aconteceu.
Apenas sexo por trás é complicado, mas podemos tentar... Eu quero fazer
tudo com você...
— Alexia, eu nunca vou fazer algo que traga lembranças que irão
atormentá-la e lhe causar dor...
— Mas sexo comum não é suficiente para você... — falei num
choramingo. Vi sua reação ao olhar aquela cena na TV, parecia que seus
olhos brilhavam como fogos de artifício. Eu precisava superar meu medo de
ficar amarrada.
Ele levantou as sobrancelhas ante o que eu disse.
— Como sabe do que gosto ou não? — retrucou. — Sei que ouviu
muitas coisas de mim da Sam, por serem amigas, mas nada daquilo importa
mais. Você, Alexia, é importante, não entende? Só quero você.
Eu estava prestes a replicar dizendo que não tinha entendido se ele
queria mais ou não. Entretanto, Bryan me soltou e nos despiu. Logo ele
estava dentro de mim, enchendo-me, saciando-me de algo pelo que eu estava
faminta: aquele homem.
— Isso é o paraíso, Luz do Sol. Com você, tudo é perfeito, ou melhor,
esplêndido. — Ele me beijou novamente, trazendo-me à borda do prazer.
Colocou a mão entre nós e circulou meu clitóris. — Eu te amo mais que a
qualquer coisa no mundo. Sexo, foda, trepar... com você, tudo é fazer amor.
— Eu também amo você, Bryan... Sei que posso não lembrar muita
coisa amanhã, mas espero me lembrar de você me dizer que me ama —
sussurrei.
— Amanhã, depois e depois eu digo de novo — sussurrou, dando uma
última estocada dentro de mim, levando-me ao Quatro de Julho em pleno
mês de dezembro.
Contudo, eu tinha em mente que só seria feliz por completo quando
superasse o meu medo e pudesse dar tudo ao meu homem lindo e gostoso.
Capítulo 19
ALEXIA
Após minha ida ao clube Fetish e a reconciliação com Bryan na mesma
noite, nós voltamos a fazer sexo normal. No entanto, eu precisava controlar
meu medo de ser amarrada, então pedi ajuda ao Nasx. Eu ia pedir ao
Daemon, mas, como ele tinha sentimentos por mim, decidi não o magoar,
porque eu não gostaria que o garoto que eu amasse pedisse minha ajuda para
superar algo em prol de sua namorada. Eu ficaria destruída ante algo assim.
Fui jantar uma noite com Bryan e nossa filha. Ele disse que já gostava
dela assim e a tratava dessa forma. Quem não amaria uma garotinha como
aquela, esperta e carinhosa? Fosse qual fosse o motivo da aversão dele a
crianças, estava passando, e eu dava graças aos Céus por isso. No
restaurante a que fomos, conheci Tabitta, a policial que estava trabalhando
disfarçada e parceira de Bryan. A loura era deslumbrante, mas o que me
chocou foi ver que ela estava com Jason. Bryan me disse que os dois
estavam juntos e que tiveram um lance no passado. Olhando os dois juntos,
era notável que se amavam muito. Eu desejava que os dois fossem felizes.
Como não tivemos mais notícias de Steve, resolvi fazer minhas tarefas
normais. O Natal estava chegando, então eu precisava comprar muitos
presentes para todos, um em especial para Ariane, pois seria o primeiro que
eu lhe daria como mãe, não como amiga. Ela passou a me chamar assim, e eu
apostava que foi Calebe quem a incentivou. Eu ainda não lhe havia dito que
era sua mãe de verdade, afinal, ela era pequena. Eu a deixaria crescer um
pouco mais, ou talvez lhe contasse depois que os problemas passassem.
— Ainda está decidida? — sondou Nasx assim que estávamos na casa
que ele alugara, num lugar ermo, sem vizinhos muito próximos para não
ouvirem meus gritos, porque isso iria acontecer, eu não tinha nenhuma
dúvida.
— Claro — falei firme. — Vamos começar. Eu sei que no começo
posso entrar em crise, então não entre em pânico e espere até... bem, até a
situação ficar pior.
Ele respirou fundo.
— Ficar pior?! O que isso quer dizer? — Sua voz soou alta na sala
grande e vazia.
— Eu desmaiava algumas vezes quando era algemada; talvez isso
aconteça — murmurei com o corpo trêmulo.
Ele ofegou e olhou para uma porta fechada. Imaginei que, naquele
cômodo, deveria ter colocado tudo o que eu precisava para perder o medo
de bondage de uma vez por todas.
— Talvez não devêssemos... — começou Nasx com tom preocupado,
mas o cortei, ficando de frente para ele:
— Por favor, Nasx, preciso controlar esse medo que vive dentro de
mim, não só para dar ao Bryan tudo que ele anseia, mas também por mim.
Quero ser uma mulher normal, sem ter crises, ainda mais durante o... hum,
você sabe. — Corei ao insinuar aquilo ante um homem.
— Se Bryan souber, vai me matar — afirmou, mas não parecia ter
medo. — Não quero perder sua confiança em mim, porque somos irmãos.
— Não vai, e você não está me obrigando a isso, eu estou te
implorando para me ajudar — garanti, apertando suas mãos. — Por favor.
Ele assentiu e abriu a porta, deixando-me ir na frente para ver tudo o
que ele organizara. Não era nada do que eu tinha pensado, totalmente
diferente dos meus pesadelos, do que eu tinha vivido.
Havia uma cama king size com lençóis vermelhos e cabeceira de ferro,
onde estavam algemas. Na parede ao lado tinham fileiras de correntes e,
perto delas, uma cruz em X como a que eu vi na TV. Além disso, o quarto
estava decorado, havia cortinas vermelhas. Tudo parecia lindo.
— Achei melhor mudar o cenário, deixar o quarto parecendo uma sala
de prazer, não de tortura, porque sexo assim — ele gesticulou para os
objetos — pode ser prazeroso, mas algumas pessoas fodidas confundem
prazer com escravidão e suplício. Você só tem que pensar que aqui é um
local de prazer, tudo bem?
Assenti, respirando fundo ao olhar ao redor.
— O que vou fazer primeiro? — Tentei deixar minha voz estável.
— Qual dos objetos ativa mais seus traumas? — sondou, avaliando-me.
Minha respiração acelerou ao olhar por mais tempo para as algemas na
cama.
— Alexia...
— A cama. Eu ficava muito nela com as mãos e pés algemados,
enquanto... — Minha voz falhou, tentando bloquear a visão daquelas cenas,
daqueles momentos terríveis de agonia e tortura.
— Talvez seja melhor começar com outra coisa e deixar essa por
último — disse ele com a voz preocupada, possivelmente com medo de que
eu surtasse.
Não respondi, mas assenti, tentando estabilizar a respiração, que
parecia cada vez mais aguda e ofegante, como se eu tivesse subido uma
ladeira quilométrica correndo.
Ele me levou até as correntes que estavam presas na parede e olhou nos
meus olhos.
— Tem certeza? — perguntou de novo.
Assenti, mas não respondi, não sabendo como minha voz sairia. Então
Nasx prendeu meus braços e pernas abertos, e tudo escureceu, levando-me
de volta ao pesadelo.
Abri os olhos; estava deitada no banco de trás do meu carro, com Nasx
dirigindo. Suas mãos brancas apertavam tão forte o volante que eu achei que
o quebrariam.
— Nasx? — Sentei-me e olhei para os meus pulsos vermelhos, quase
em carne viva. — Maldição! Eu surtei, não foi? Como vou explicar isso ao
Bryan?
Ele respirou fundo.
— Nunca vi nada assim antes, seus gritos torturantes... — Ele
estremeceu, mas senti raiva em seu tom. Eu sabia a quem se destinava essa
fúria. — Do que se lembra?
— Lembro-me de estar algemada, mas não naquela parede e com as
correntes, mas em uma cama, e ele estava lá... — Sacudi a cabeça,
expulsando as lembranças sombrias.
— Talvez seja melhor deixar isso quieto. Bryan te ama, Alexia, ele
jamais vai deixá-la independentemente do que fizerem ou não — falou quase
suplicante. — Talvez você possa frequentar psicólogos; eu soube que eles
ajudam muito nesses casos.
Respirei fundo, porque parte de mim queria desistir, mas parte não
queria, a maior. Eu queria ser uma mulher normal, sem medo de provar tudo
com Bryan.
— Eu sei, mas já frequentei demais psicólogos na clínica psiquiátrica
em que fiquei internada, e isso não resolveu nada — informei, suspirando e
olhando os pulsos machucados. — Vamos continuar até eu conseguir me
controlar, mas primeiro preciso resolver esse problema com meus pulsos.
Podemos ir ao shopping?
— Mulher, você acabou de desmaiar por causa de um trauma e quer ir
ao shopping? — Ele sorriu descrente e sacudindo a cabeça loura.
— Preciso comprar braceletes que cubram essas feridas, que inclusive
podem se tornar hematomas, ou ele vai desconfiar. Não quero que Bryan
saiba de nada até eu conseguir me fortalecer.
— Tudo bem, eu vou fazer isso por você e pensar em algo que não
machuque mais a sua pele — concedeu, e seguimos para o shopping.
A partir daquele dia, passamos a ir todas as tardes à casa para treinar.
Nas primeiras vezes, eu desmaiava e era levada para dentro do pesadelo das
lembranças. Era como se eu estivesse viajando de volta ao passado e
vivendo aquilo tudo de novo.
No quarto dia de treino, imergi em um pesadelo em que estava
amarrada de bruços à mesa, com os braços abertos, a bunda para cima e os
pés no chão.
Você é minha puta, falava aquele demônio, batendo em minhas nádegas
nuas com um chicote de montaria. As chicotadas eram tão fortes que eu
gritava de dor e desespero.
A névoa das lembranças passou a se misturar com o presente, e eu não
sabia mais o que era real ou não. De repente, uma voz inconfundível me
trouxe ao presente.
— Alexia... — chamava Bryan a todo momento o meu nome,
desesperado.
Aquela voz era capaz de me tirar dos piores pesadelos. Eu podia estar
no inferno, que ela tinha o poder de me resgatar de lá.
Abri os olhos e estava no cômodo que Nasx arrumou para mim, presa à
Cruz de Santo André. Pesquisei sobre ela, já que me deixou curiosa o fato de
uma cruz com nome de santo ser usada para aquele tipo de coisa. Lembrava-
me de ser colocada ali antes de surtar de novo, como sempre, mas fui trazida
de volta pela voz do único homem que era capaz de me ressuscitar dos
mortos.
Não era Nasx à minha frente, embora eu pudesse vê-lo todo machucado
num canto. Parecia que tinha levado uma surra, e não fora leve, pelo sangue
que saía de sua boca.
Meu coração gelou ao tomar consciência de que, por minha causa, ele
apanhou de Bryan, que estava à minha frente com os braços cruzados,
olhando-me.
— Saiam os dois agora — rosnou Bryan sem tirar os olhos de mim.
Percebi que ele falava com Nasx e Daemon – esse estava perto da
porta.
— Porra, eu não vou deixar você assim, como está, com ela — grunhiu
Daemon, olhando furioso para Bryan.
Bryan suspirou e puxou a arma, apontando-a para Daemon, que não
parecia preocupado com isso.
— Shadow, leve-os agora daqui, ou não respondo por mim — sibilou
num tom mortal.
— Daemon, venha comigo, deixe Bryan resolver isso com sua garota —
falou Shadow, cuja presença só então notei, olhando com expressão triste
para Bryan. — Lembre-se, Bryan, a luz sempre vence a escuridão.
Assim que todos saíram – inclusive da casa, já que ouvi o som de
motos se afastando –, foquei em Bryan, que guardou a arma. Eu ainda estava
chocada por ele ter puxado a pistola para um dos seus amigos.
— Bryan... — comecei, mas parei ao ser interrompida por sua fúria.
— O que acha que pode me dizer quanto a isso?! Acha que não vi as
marcas nos seus pulsos e tornozelos?! Porra! Sabe o que estou sentindo
agora?! Quase matei o Nasx hoje! Não sabe o quanto me segurei para não
fazer isso!
— Mas não fez, você é bom...
Ele riu sem vida.
— Bom? Acha que sou bom ao deixá-lo viver? Você não entende, não
é? Ver você amarrada e gritando... e aquele fodido assistindo a tudo e não
fazendo nada!
— Porque eu pedi a ele para me ajudar a acabar com o medo das
lembranças e ser completa para você... — Chorei e tentei respirar fundo
para me controlar.
Ele se aproximou de mim e colocou as mãos nos meus cabelos,
puxando-os para trás com força, embora não a ponto de me machucar. Por
incrível que pareça, gostei disso.
— Você quer ser fodida assim? — sibilou, pegando uma faca na sua
bota e deslizando a folha suavemente em minha pele, então passou a lâmina
no vestido, cortando-o em duas metades e o arrancando do meu corpo.
Ofeguei tanto pela lâmina quanto por estar sendo despida. O sutiã e a
calcinha foram as próximas peças a serem rasgadas.
— Ainda vai me deixar fazer tudo que quero com seu corpo? É isso que
você quer? Você ainda vai querer um monstro fazendo isso?
— Você não é um monstro...
— Não? Você não sabe como está minha mente agora; se soubesse, iria
fugir de mim, Alexia — declarou de um jeito sombrio. — Olhe dentro dos
meus olhos; os demônios estão aí dentro, loucos para serem soltos e matar
sua fome.
— Eu confio minha vida e minha alma a você — afirmei com forte
convicção.
Seus olhos escureceram.
— Você não devia dizer isso a alguém como eu. — Ele se afastou,
pegou um chicote e veio até mim com os olhos me pedindo para pará-lo, mas
eu não ia fazer isso.
— Pois eu digo, quero que faça comigo tudo que fez com as mulheres
que já passaram pela sua vida, não me importa o que seja! — garanti com a
voz segura.
Tinha algo nos olhos dele que estava diferente, mas não me deu medo,
porque eu acreditava que Bryan nunca me machucaria de nenhuma forma.
Ele rosnou e assentiu, com seus olhos azuis escuros como uma
tempestade. Ele veio até mim e me beijou, mordendo meu lábio tão forte que
senti o sabor de sangue, mas não liguei. Estava amando ver o fogo em seus
olhos lindos e raivosos. Esperava que meus treinos tivessem tido efeito.
Então seus lábios seguiram para minha orelha, mordiscando o lóbulo e
me fazendo gemer, ansiando por ele, por aquele homem, que me curava até
de um trauma que sempre me atormentara, ainda mais depois daqueles quatro
dias de enfrentamento das lembranças. Ouvindo sua voz, tudo ficava
suportável. Eu nem imaginava que sua voz, seu cheiro e seu olhar eram a
arma que eu precisava para não cair nas profundezas do abismo que foi
aquela semana nas mãos de um psicopata, e acreditava que poderia estar
com Bryan completamente sem surtar.
Ele se afastou e escorou a ponta do chicote em minha pele, fazendo
meus braços mexerem e as correntes tilintarem. O som me fez estremecer,
mas foquei na imagem de Bryan ali, e não naquelas que me causavam medo e
dor.
— Quer isso, Alexia? — inquiriu como se sentisse que eu precisava
ouvir sua voz para aquietar meu coração e meu medo das correntes.
— Sim; com você, eu quero tudo — falei a verdade, porque meu corpo
e minha alma queriam aquele homem mais do que eu precisava comer e
respirar.
— Bom — disse em tom quase orgulhoso e bateu em meus peitos com a
ponta do chicote.
Ele fazia isso várias vezes enquanto meus olhos se fechavam, sentindo
o prazer se apossando de mim dos pés à cabeça, quase me fazendo entrar em
combustão. Meus gemidos eram altos, porque nunca tinha sentido nada
daquilo antes, o prazer, o fogo devorando-me, consumindo-me. Essa palavra
descrevia tudo. Bryan me consumia.
— Olhos em mim. — Bateu em minha boceta, da qual meus sucos
escorriam, deslizando pelo interior de minhas coxas devido ao meu prazer,
desejo e fogo. — Você quer minha boca? Ou o chicote?
Abri os olhos e fitei suas íris brilhantes.
— Sua boca, eu a adoro. — Olhei sua boca avermelhada, que esboçou
um sorriso.
Então ele se agachou à minha frente e devorou minha boceta, lambendo-
a, degustando-a tanto que logo vi milhares de estrelas. Ele já havia colocado
a boca em mim muitas vezes, mas daquela vez foi fora do normal, tanto que
logo gozei em sua boca.
E não parou por aí. Em vez de entrar em mim, como sempre fazia, ou de
me deixar colocar a boca nele, soltou minhas mãos e pés e me pegou nos
braços, já que eu estava mole pelo orgasmo. Levou-me para a cama,
deitando-me nela, e se afastou, olhando-me de pé perto da cama.
— Deite de bruços agora — ordenou, e, assim que estremeci, pois essa
posição era a pior, porque eu tinha medo de não conseguir ultrapassar o
medo e deixar o prazer e o amor por aquele homem me consumirem,
acrescentou: — Ouça a minha voz, a siga, o.k.?
— Sim, Bryan. — Respirei fundo e fiz o que ele mandou, deitando-me
de bruços nua e abrindo os braços na direção das algemas. Ofeguei ao sentir
o medo começar a me dominar ao ser algemada. Flashes de lembranças
acometeram minha mente, mas a voz de Bryan, como sempre, trouxe-me de
volta.
— Luz do Sol, sou eu aqui... — Pôs-se sobre mim, puxou meu cabelo e
lambeu minha orelha. — Ouça minha voz, sinta meu cheiro e meu pau duro
querendo se apossar de seu corpo enquanto levanta essa sua bunda linda e
gostosa.
Meu coração bateu forte com sua voz sexy expulsando todo o medo que
queria me governar. Aquele homem era a luz que iluminava a minha
escuridão, assim como eu sonhava um dia ser para ele.
— Hummm, nunca fiz nessa posição, mas com você, quero tudo —
sussurrei.
— Mas eu pensei que, devido ao seu trauma dessa posição... era isso
que tinha acontecido — falou em tom grave, mas respirou fundo para se
controlar.
— Não, ele só gostava de me pôr assim para me bater com o cinto... —
Minha voz tremeu.
Ele me interrompeu.
— Não pense nisso agora, pense só em mim e no meu toque e saiba que,
se eu bater em sua bunda assim, será para o seu prazer, não para lhe causar
dor, tudo bem? Quer tentar? — Beijou minhas costas. — Se você não quiser,
eu paro. Jamais vou fazer algo que não queira ou que a machuque.
— Eu quero, Bryan! — garanti com ferocidade, para ele ter certeza de
que eu não estava mentindo. Gritei assim que ele deu um tapa na minha
bunda, mas não senti apenas dor – leve –, e sim um fogo ainda maior me
consumindo, tanto que acreditei que gozaria se ele continuasse. — Oh, Deus!
— Gostou? Quer mais? — Senti outro tapa, perto de minha boceta, e
gemi, querendo juntar as minhas pernas para aumentar o atrito, mas suas
mãos impediram que isso acontecesse.
— Bryan, por favor! — Eu me remexi e levantei os quadris, querendo e
ansiando por ele onde latejava, a cada toque no meu clitóris. — Eu quero
você dentro de mim agora!
— Seu desejo é uma ordem, minha Luz do Sol! — Então ele estava
dentro de mim, possuindo-me por trás, mas, pela primeira vez tendo um
homem contra minhas costas, eu não estava sendo levada pelas sombras, mas
sim pela luz chamada Bryan. Ele era a minha luz na escuridão.
— Eu te amo, Luz do Sol. Com você aqui, a escuridão se aquieta dentro
de mim — sussurrou quando eu estava deitada em seu peito e quase
dormindo.
— Um dia quero poder tirar toda ela... Quero ser a luz no abismo
escuro que às vezes domina sua alma. — Dormi antes de ouvir sua resposta.
Capítulo 20
BRYAN
Passado
ALEXIA
Presente
Quando acordei de manhã, estava em êxtase, tão feliz por ter ficado
com Bryan algemada sem surtar ou entrar em pânico. Ele foi maravilhoso.
Todo o momento em que o medo ameaçava me dominar, ele me tranquilizava
com sua voz, com seus beijos de mel, que eu tanto amava.
Contudo, assim que me levantei, senti minhas pernas bambas e uma
dorzinha estranha entre as pernas. Eu nunca tinha transado tanto em minha
vida, sem contar quando estive com Steve, afinal, aquilo não era sexo, mas
estupro.
Olhei para o meu corpo e ofeguei ao ver machas roxas por todo lado,
mas não era de se estranhar, afinal, eu era muito branca e ficava marcada
com facilidade. Dei alguns passos, sentindo meu corpo rígido, como se
tivesse feito muita musculação e não aguentasse andar no dia seguinte.
Olhei ao redor, no quarto da casa que Nasx alugou para eu treinar
bondage. O treino só foi efetivo e perfeito com Bryan. Quando pensei em
seu toque, fiquei com vontade dele de novo, com uma fêmea no cio.
Enverguei um vestido azul que estava em uma cadeira. Eu não sabia
quem o havia trazido, mas não me importava, afinal, o que eu usava foi
inutilizado por Bryan.
Procurei-o no banheiro, já que ele não estava no quarto, depois segui
para a sala vazia e o vi de pé à janela de vidro, olhando para fora.
Fui até ele para abraçá-lo e lhe agradecer pela noite mais maravilhosa
da minha vida.
— Não toque em mim — falou com a voz gélida, virando-se e me
fitando com olhos sombrios.
— O quê? Por que não posso tocá-lo? Ainda está bravo por eu ter
pedido ajuda a Nasx? Quero que saiba que ele só me algemava, não me
tocava, então não precisa ter ciúmes. — Sorri. — Nossa! Foi a melhor noite
da minha vida...
— Você ainda sorri?! — esbravejou, afastando-se de mim. — Eu
praticamente estuprei você!
Arregalei os olhos com descrença.
— Espere, o quê? Você não me estuprou, Bryan. Não se lembra do que
tivemos? — Franzi o cenho. — Ontem tinha algo a mais em seus olhos, mas
não consegui identificar o que era.
— E ainda assim me deixou tocar em você, porra! Alexia, não sabe o
que sinto quando vêm flashes à minha mente de você gritando “pare”...
— Como não se lembra do que houve, do que aconteceu ontem?!
Enquanto estive com você, só gritei de prazer! — Alguma coisa em seu olhar
me fez suspeitar de algo. — Fora você ter me encontrado aqui com seu
amigo, aconteceu mais alguma coisa? — Dei um passo até ele, mas Bryan
recuou, e parei onde estava.
Ele respirou fundo.
— Meus pais foram mortos ontem. Dylan foi espancado até a morte na
prisão, e minha mãe, em sua casa. — Sua voz soou sem vida ao dizer isso.
— Oh, meu Deus! — Cobri a boca com uma das mãos tamanho o
choque. — Sinto muito, Bryan. Sabe quem foi? Será que foi Steve?
— Pelas câmeras na prisão, que filmaram, sim. Ele se vestiu de guarda,
entrou e fez o que fez. Acredito que também tenha sido ele que fez isso com
minha mãe, mas em sua casa não há câmeras.
Meu estômago embrulhou, e só não vomitei por não ter nada no
estômago, mas aquela informação me encheu de fúria. Por que eu não o
matei quando atirei nele?! Se eu tivesse feito aulas de tiro, teria acertado
precisamente, não teria errado.
— Maldição! Bem que eu podia tê-lo matado! — rosnei com os punhos
cerrados.
— Queria ter feito isso? Você não sabe o que está dizendo para falar
algo assim.
— Por quê? Só porque você me acha perfeita? Não sou perfeita, Bryan,
e queria tê-lo matado, porque agora você vai fazer isso, não é?
— Sim, vou matá-lo e de maneira dolorosa. — Sua voz era fria e
desumana.
— Não pode! Por favor, Bryan! Eu sei que ele matou seus pais, mas não
faz isso! Não deixe a escuridão vencer você... — comecei, mas ele me
interrompeu:
— Meus pais? Você acha que quero vingá-los? Não, não me importo
com eles, mas com o que esse verme fez a você e tantas mulheres inocentes.
Por isso vou matá-lo de maneira lenta e torturante, como ele fez com todas as
outras vítimas.
— Bryan, você não é um monstro como ele. Eu sei que está sofrendo
pelos seus pais, mas não fique assim, vamos dar um jeito nisso... — Queria
tocar nele para tranquilizá-lo, mas seus olhos pareciam um abismo escuro e
profundo, como se a escuridão estivesse vencendo.
— Não estou assim por meus pais. Alexia, eu sou um monstro, que a
violou como esse imundo. Acha que sou diferente dele? Você gritava, e eu
não ouvia! A minha alma estava negra naquela hora. Shadow e Daemon não
deviam ter me deixado sozinho com você! — Colocou as mãos nos cabelos
como se fosse arrancá-los e fechou os olhos ante a dor. — Seus gritos me
assombram, e será assim para sempre.
— Bryan, meus gritos quando você chegou aqui eram de dor e medo,
mas porque eu estava imersa num pesadelo lúcido com aquele demônio!
Depois que você me tocou, gritei de prazer, não de outra coisa! Pode confiar
em mim? — inquiri em tom magoado.
— Por quê, se você diz isso apenas para eu não sofrer e não me sentir
culpado por algo que fiz? Maldição, você tem trauma de ser algemada e
fazer sexo por trás, e eu fiz tudo isso! Não vê o monstro que sou?!
— Não, não vejo! Se você se lembra dessas partes, por que não se
lembra das outras, quando eu pedia e ansiava para ter seu toque, seus beijos
e tudo que estava me dando? — sussurrei. — Ficamos várias vezes assim, e
eu não surtei, amei cada momento. Você não é um monstro. Nunca pense isso.
— Eu não sou? E esses demônios que estão aqui dentro de mim há tanto
tempo? Quer ouvir minha história?
Então ele narrou sobre o MC Black, do motoclube Scorpion, que
ameaçou sua família caso ele não matasse algumas pessoas. Disse que
assassinou quatro, mas que não pôde fazer isso com um, que era inocente, e,
quando foi dizer ao chefe do MC que não trabalharia mais para ele, as coisas
saíram do controle.
Contou que salvou uma menina de 15 anos que foi estuprada e estava
grávida e a qual Black via como sua posse. Após isso, Bryan foi viver com
outros nomes junto a essa menina, chamada Emília, e sua bebê, Emma. Falou
sobre a noite estranha em que teve uma conversa com Emília sobre seus
sonhos deixados de lado para protegê-las.
— Sabe o que é mais estranho? Eu não queria realizar sonhos. Eu as
amava, embora como irmã e sobrinha, e isso bastava para mim.
Assenti.
— O que aconteceu depois? — sondei, porque algo havia acontecido
com elas, já que ele tatuou o nome de ambas em seu peito, como uma
lembrança e homenagem.
— Recebi uma ligação informando que Sam tinha sido atacada. Aquela
vez em que ela ficou no hospital, lembra? E Fui ajudar minha irmã. — Ele
não me esperou responder e continuou, mas eu me lembrava desse dia, tinha
estado muito preocupada com minha amiga: — Quando voltei para a
fazenda, a casa tinha virado pó; havia pegado fogo com elas dentro... — Ele
fechou os olhos por um segundo, depois respirou fundo e os abriu. —
Shadow disse que elas morreram.
Meu peito se apertou. Sentia tanto sua dor que fiquei sem ar por um
momento. Fui até ele e passei os braços à sua volta, mesmo que ele tentasse
não me deixar abraçá-lo.
— Por favor, Bryan... — supliquei, olhando seus olhos em chamas. —
Eu sinto muito pela perda que teve, mas isso não é sua culpa.
— Estou cansado de ouvir que não é minha culpa... — falou com os
olhos molhados.
— Mas não é, e sim de quem fez isso com elas, assim como também
não é sua culpa que a gente tenha transado várias vezes nessa noite —
garanti ainda o fitando. — Foi tudo de bom, Bryan. Espero que se lembre.
— Não posso ficar perto de você agora... Toda vez que vejo esses
flashes e olho para você, me sinto um desumano igual a esse cara de quem
estamos atrás, Lutner. — Afastou-se de mim, e deixei, já que estava chocada
com suas palavras. — Acabou tudo entre nós, Alexia.
Perdi o fôlego, algo parecia me sufocar, e meu coração bateu tão rápido
que era como se o estivessem esmagando. Eu não aceitaria isso, não depois
do que tivemos naquela noite, quando ele provou que me amava de verdade
ao não deixar a escuridão dominá-lo.
— Eu não aceito isso...
— Você não precisa aceitar; apenas acabou tudo entre nós — cortou-
me, sombrio.
Ele estava me afastando, sempre fazia isso quando a situação se
apertava.
— Então me diz uma coisa: quando você estiver sozinho sem mim e
sofrendo, porque é isso que vai acontecer quando me deixar, vai ficar com
outras mulheres? Diga a verdade, Bryan, não aquela que vai me ferir para me
afastar de você, como fez no começo.
Ele prendeu a respiração e olhou para o chão.
— Eu sei que não vai, Bryan — continuei assim que ele não respondeu.
— E sabe por quê? — Seus olhos atormentados pousaram em mim. —
Porque você me ama e não quer outra pessoa, e sabe como sei? Porque meu
corpo e meu coração são apenas seus, Bryan. Só você me importa assim. —
Fui até onde ele estava, paralisado, e dei um selinho em seus lábios. —
Tome seu tempo, mas não acabamos. Eu não aceito isso, não depois do que
me provou e me disse essa noite. E você vai ficar feliz quando se lembrar de
tudo. Você sabe onde me encontrar.
Saí da casa chorando, claro, e fui embora, abandonando alguém que
amava mais do que tudo em minha vida, mas não era para sempre. Eu lhe
daria tempo, porém, não aceitaria o fim do nosso relacionamento.
ALEXIA
Assim que desci do carro junto a Daemon, que se recusava a me deixar
sozinha, depois de uma viagem que durou mais de 12 horas, olhei para a
casa pequena da fazenda em Culberson, Carolina do Norte. Então foi ali que
tudo acontecera, onde ele perdera sua amiga e a menininha Emma. Pelo
visto, ele estava sofrendo mais do que antes e foi para ali justamente para se
torturar. Ele deveria ter construído outra casa no lugar após o incêndio que
acontecera havia cerca de um ano.
— Só quero lhe agradecer por tudo que fez por mim e pela minha filha,
e saiba que amo você... — ouvi uma voz de mulher ali perto.
Entrei na casa e vi Bryan de costas para mim, diante de uma mulher de
cabelos escuros em estilo chanel. Arfei, talvez muito alto, porque os dois se
viraram e olharam para mim.
— Não é o que pensa, Alexia. — Ele veio até mim com os olhos em
chamas.
Eu tinha tanta certeza de que ele não ficaria com ninguém, de que
apenas eu importava para ele, que fiquei chocada. Pelo visto, eu havia me
enganado. Todos os meus projetos para o casamento viraram pó, assim como
eu. Apenas a dor existia.
— Você a largou e veio transar com uma puta qualquer? — sibilou
Daemon olhando para a mulher.
Ela o olhou indignada.
— Veja como fala comigo, seu cretino! — rosnou de volta.
Ignorei-os, virando as costas para sair dali, enterrar-me em algum lugar
e deixar a dor me consumir. Contudo, Bryan pegou meu braço.
— Espere, Luz do Sol, não é o que pensa — falou baixinho e
suplicante.
— Me larga! — Puxei meu braço. Ele se afastou como se eu tivesse
batido nele. — O que tem para explicar? Que você não quer casar comigo
porque anda fodendo por aí?
— Maldição! Eu não estou fodendo ninguém...
— Não era o que parecia, principalmente depois de eu ouvir um “amo
você”! — Lancei-me contra ele, batendo em seu peito com meus punhos
cerrados. — Seu desgraçado! Como pôde fazer isso comigo?! Como você
ousa?!
Ele segurou meus pulsos, mas chutei sua canela com meu Louboutin, o
que o fez praguejar.
— Ela é a Emília...
Parei de lutar e olhei entre os dois.
— Mas você disse que ela morreu...
— Eu não estou morta, também não sou nenhuma puta. — Fuzilou
Daemon com o olhar.
— Ele sofreu durante todos esses meses enchendo sua alma de
escuridão por pensar que você estava morta. — Afastei-me de Bryan. —
Como ousa, sua vadia?! — Voei para cima dela, mas não fui muito longe,
porque Bryan me segurou. — Você não tinha esse direito!
— Eu não sabia que Bryan pensava que eu tinha morrido, porque, se
soubesse, teria vindo antes e dito a verdade.
— Por que fugiu dele, então? Você não devia ter feito isso, sua...
— Olha, eu lamento pelo que fiz, mas tinha meus motivos, e Bryan sabe
quais são. — Ela o encarou. — Sabe onde me encontrar.
— Luz do Sol, acalme-se — pediu Bryan depois que a tal Emília foi em
direção à porta da casa.
— Ela se fingiu de morta? — perguntei assim que ela e Daemon saíram
da sala.
— Não, só foi embora. Não sabia que eu pensava que elas estavam
mortas... — Ele se encolheu.
— Não entendo... Então como?
— Shadow mentiu para mim. — A dor pela traição se revelava em seu
tom.
— Espere, o quê? Como aquele motoqueiro de araque fez algo assim?
Vou estripá-lo com uma pá! — Cerrei meus punhos. — Como ele pôde ficar
calado enquanto via você se afundando cada vez mais? Não só ficar calado,
não houve omissão! Ele mentiu deliberadamente!
Bryan riu. Era o som que eu amava ouvir.
— Você não pode bater em um homem, porque, se algum deles encostar
em você, eu o mato, entende? Mas vou resolver as coisas com ele depois.
Agora me diz, de onde vem essa selvageria?
— Acho que treinei muito na academia essa semana em que você fugiu
de mim, e isso me dá mais garra...
— Com certeza aqueles babacas só ficam olhando para você em seu
shortinho curto.
Ergui minhas sobrancelhas.
— Está com ciúmes?
— Não é porque terminamos que deixei de amar você — falou
calmamente.
Sorri.
— Não acabamos, querido. Eu lhe disse que apenas lhe havia dado um
tempo. Então vamos nos casar?
— Eu não posso, não depois do que fiz a você. Sei que está tentando
aliviar a minha culpa, mas isso não vai acontecer. — Ele cerrou os punhos.
— Lembra dos treinos que eu fazia com Nasx? — Continuei
rapidamente ao notar que ele abriu a boca para xingá-lo: — Então, ele
estava gravando tudo para me mostrar depois. — Peguei o pen drive. —
Aqui estão todos os detalhes dos nossos momentos juntos, desde o instante
em que eu estava gritando na escuridão e segui sua voz me chamando e me
trazendo de volta ao presente, até a manhã seguinte. Você não me estuprou,
Bryan. Eu sabia que jamais faria isso. Você preferia morrer a me machucar.
Mesmo na escuridão em que se encontrava, você pediu a minha opinião,
nunca me subjugou, e, quando eu sentia medo, sua voz me trazia ao presente,
me norteava, era minha bússola.
— Eu... — Ele pegou o pen drive e o olhou com esperança.
— Vamos ver o que tem aqui dentro, porque eu não assisti ainda, já que
praticamente voei para cá.
Ele me levou para um dos quartos, no qual havia alguns computadores,
já que ele era fera em computação.
— Então como tem certeza do que eu fiz? — Sua voz estava cheia de
dúvida. — Sempre que essa escuridão chega, não me lembro de muita coisa.
Por isso, quando ela me domina, venho para cá e deixo Shadow avisado
para não me deixar fazer besteira, mas ele não me impediu naquele dia.
— Ele confia em você, Bryan, assim como eu confio, e não preciso
assistir, porque me lembro de cada detalhe daquela noite, querido, cada
toque, beijo, gemido e sua voz, que tem o poder de me tirar do abismo. —
Sentei-me num sofá. — Desde quando essas sombras o controlam?
— Desde o dia em que eu soube que elas estavam mortas. — Sua voz
falhou, mas ele respirou fundo, sentou-se ao meu lado, encaixou o pen drive
num laptop e acionou o arquivo de vídeo que havia nele.
— E a notícia da morte dos seus pais desencadeou tudo, não foi? Você
se importava com eles.
— Eu não ligo... — Seus ombros se encolheram, mostrando que ele
estava mentindo, talvez até para si mesmo.
— Não importa como nossos pais são, Bryan, eles sempre serão nossos
pais. É bom você se importar, isso significa que é humano e tem sentimentos
— expliquei, vendo a cena em que eu me debatia na Cruz de Santo André e
gritava de medo e asco, mas ele me despertava do pesadelo com sua voz
linda e sedosa.
— Eu a trouxe de volta! — Seus olhos estavam muito abertos e
impressionados.
— Mesmo antes do encontro no Belas Country, ainda na época da
faculdade, quando eu entrava em surto, pensava no seu rosto, nos seus olhos,
boca e voz. Eram como um mantra para me manter controlada. — Olhei para
ele e para a tela que mostrava nós dois juntos, cada detalhe ali.
Como o vídeo era longo, pois havíamos transado por horas, aceleramos
o filme. O sorriso que Bryan deu assim que ele terminou foi maravilhoso,
mais lindo que o sol ao nascer.
— Cinco vezes? Isso explica as minhas pernas bambas. Foi a foda do
ano! — Sorri para ele. — Não sabia que tinha tanta energia assim. Fiquei
andando torta por uma semana, mas adorei.
— Eu também achei que não seria capaz. — Ele fechou o notebook e o
colocou no chão, então me deitou no sofá e pairou em cima de mim, beijando
meu pescoço. — Mas gostei. Estou louco para fazer de novo, já que estamos
secos há uma semana.
— Damon me manteve entretida...
Seu corpo ficou rígido, e ele se afastou para me olhar. Vi fúria ali,
assim como dor.
— Que porra está dizendo?! Se aquele desgraçado a tocou, eu vou
matá-lo!
Ri e toquei seu rosto.
— Eu estou falando de vibradores em forma de pênis que tenho...
Ele ficou ainda mais furioso e já ia se afastar, mas não deixei,
prendendo-o com minhas pernas à sua volta. Já ficara longe dele por tempo
demais.
— Você usou vibradores com nomes de outros homens? De Daemon?
Cortei-o:
— Eu disse Damon, não Daemon. Estou falando do ator Ian
Somerhalder, de Diários do Vampiro. — Beijei seus lábios. — Estou
brincando, não usei minha coleção de vibradores, por isso estou aqui, quente
e molhada por você. O que vai fazer a respeito disso?
Ele se afastou, mas continuou com os olhos escuros, apesar das íris
azuis.
— Porra! Quando voltarmos, vou jogar todos fora! O único pau que vai
entrar nessa boceta maravilhosa é o meu! — Ele se remexeu para se encaixar
mais em minha boceta, que estava ansiando por ele cada vez mais. — E você
só irá pensar em mim quando eu foder você.
— Seu desejo é uma ordem, querido. Mas, por mais que eu queira ficar
com você, Daemon está lá fora, e não quero magoá-lo... — Meu tom era
triste.
Durante todo aquele tempo ele ficou comigo, protegendo-me. Eu até lhe
pedi que fosse embora, assim seria mais fácil me esquecer, mas o cara era
turrão, disse que não iria até tudo se resolver. Parecia que tinha esperança,
caso eu não ficasse com Bryan.
— Ele tem que aceitar, querida, afinal, você é minha, sempre foi desde
que bati os olhos em você, a loura perfeita usando saltos e vestido elegante
— disse, beijando-me em seguida, ou melhor, devorando-me.
Eu estava prestes a me deixar levar por suas carícias e amor, quando
ouvi barulho de moto, e não era só uma, pareciam várias de uma vez.
Bryan saiu de cima de mim e correu para a janela. Logo praguejou,
correndo até a sala.
— O que foi, Bryan? — perguntei, seguindo-o para o cômodo. Bem na
hora Daemon entrou carregando uma menininha nos braços, e Emília vinha
logo atrás.
— É o Black — disse Daemon com um rosnado.
— Acho que eles descobriram que estou viva — ela murmurou.
— Meu Deus! Será que Steve está junto?! — Minha voz saiu duas
oitavas mais alta. Eu já ia espiar pela janela, mas Bryan pegou meu braço e
me puxou para perto de si.
— Não. Shadow foi até o Black para perguntar o motivo de ele estar
com Steve Lutner, um dos homens mais procurados do FBI.
— E esse cara disse por que se aliou com aquele monstro? — inquiri.
— Black não sabia quem ele era. Steve pagou para que eles o
protegessem ao ir à igreja, mas não sabiam que os MCs Fênix estariam lá e
que você era protegida deles...
— Mas o que isso tem a ver? Quero dizer, pelo que ouvi desse Black,
ele não parece ser diferente de Steve. Por que Black não lutaria contra
Daemon e Shadow? Ele tem medo de vocês? — Olhei para Daemon.
— Black não tem medo de ninguém — ele respondeu. — Shadow o
obrigou a sair de cena não por medo, mas para ele pagar o marcador que
devia. E, antes que pergunte o que é marcador, é uma dívida que nós, MCs,
prezamos em cumprir, e, se ele não fizesse... — ele deu de ombros — bom,
teria que lidar com as consequências e enfrentar Shadow. Nesse caso Black
perderia, já que ele tem vários aliados, e não somos procurados como ele.
Um erro, e Shadow o mandaria para a cadeia.
— Eu sei que você está aí dentro! Saia e nos enfrente como o homem
que você não é, Scott! — ouvi gritos lá fora.
Eu sabia que o segundo nome de Bryan era Scott, porque Sam me disse
uma vez.
O cara louco lá fora continuou gritando, mas tanto Bryan quanto
Daemon o ignoraram.
Daemon entregou Emma, que estava querendo puxar seu brinco na
orelha, para Emília.
— Não pode puxar isso, princesa — disse em tom suave.
Gostei de ver seu sorriso ao olhar para a menininha, que era a cara da
mãe.
Bryan arrastou o sofá para um canto. Aproximei-me dele quando tirou o
carpete do chão.
— O que está fazendo? O que tem nesse alçapão? — Ele puxou a
argola, abrindo a tampa no chão, então assoviei. — Querido, eu espero ser
sua amiga para sempre — falei, olhando várias armas de variados modelos.
A única que eu conhecia era o revólver calibre 38.
Ele sorriu para mim.
— Você será mais do que isso, minha linda, vai ser minha esposa e mãe
dos meus filhos. E, por falar nisso, como anda nossa filha? — Ele me olhou
de lado enquanto pegava as armas. — Sinto falta dela.
— Vocês dois têm filhos? — sondou Emília nos olhando. — E vão se
casar?
— Não é minha filha de sangue, mas eu a amo como se fosse. E vou me
casar com essa mulher semana que vem, já que uma danada de uma loura não
desistiu de mim. — Ele sorriu para ela. — Estou louco para você ser minha
esposa, senhora Scott...
— Eu também, querido. E não vão ser uns bastardos de MC que andam
pendurados em motos que farão com que isso não aconteça. — Peguei uma
arma e puxei a trava. — Nem que para isso eu tenha que atirar em todos eles.
Bryan riu e tomou a arma da minha mão.
— Luz do Sol, você não vai atirar em ninguém, o.k.? Porque, se alguns
desses merdas tocarem em você, aí, sim, teremos um Apocalipse na Terra,
pois não restará nenhum deles vivo. — Tocou meu rosto. — Você é a única
luz que ilumina a minha escuridão; se eu perder você, perco tudo: a vida, o
ar que respiro. Entendeu? — Ele se levantou e olhou para Emília, que nos
fitava chocada. — Vocês duas fiquem quietas. Deixem que Daemon e eu
resolveremos isso.
— Mas, Bryan, se eles quiserem atirar em você...
Ele me interrompeu:
— Não vão, confie em mim.
Eu não gostava disso, mas acataria sua ordem para resolver logo as
coisas e ir embora para minha filhota linda, que deixei com Rayla. Calebe e
o segurança dela estavam de olho nas duas, o que me deixava mais tranquila.
— Vamos resolver isso logo — ele falou, saindo da casa seguido por
Daemon, ambos empunhando armas.
Capítulo 23
ALEXIA
— Estou curiosa... — falei, observando Emília. Tinha ficado ao seu
lado olhando pela janela, enquanto Emma brincava no chão. Era linda, com
pele branquinha e olhos escuros.
— Sobre o quê?
Olhei pela janela novamente e vi os mesmos homens que vi na igreja,
mas lá não havia reparado muito neles, já que balas voavam para todos os
lados. O principal, claramente o líder, era moreno, tinha cabelos negros e
usava uma jaqueta de MC com o nome Scorpion escrito. Daemon e Bryan
estavam a uma certa distância deles. Não tinha muita certeza se era isso, mas
achei que o pessoal do MC abaixou as armas ao ver Daemon e seu colete
com o nome do MC Fênix.
— Você não parece amá-lo, quero dizer, não parece estar apaixonada
por ele. A forma como o olha é como eu olho para um amigo meu. Nunca
gostou dele de outra forma? Se já, eu não sou contra, só estou curiosa, afinal,
isso seria no passado.
— Eu não o amo assim e nunca amei, só tenho Bryan como um irmão
que nunca tive na vida. Não sei, era bom me sentir protegida e querida,
porque não me lembro de alguma vez ter tido algo assim. — Suspirou.
— Você se sacrificou para que ele tivesse uma vida e pudesse realizar
os sonhos, como acabou fazendo. Eu faria o mesmo por Bryan se estivesse
no seu lugar. — Sorri, depois fiz uma careta. — Já o Shadow, eu vou chutá-
lo quando o vir.
— Acredito que Shadow se sacrificou bastante por Bryan. Sei que não
justifica o fato de ele ter mentido dizendo que morri. Mas ele com certeza
deve ter feito coisas horrendas para Black apenas para que Bryan ficasse
livre.
Sacudi a cabeça.
— Não quer dizer que ele não mereça ter sua bunda chutada.
— Vamos nós duas chamá-lo para um duelo. — Sorriu com um revirar
de olhos. — Bryan sempre amou você, até tinha uma foto sua na carteira.
Sempre que pensava que eu não estava vendo, ele olhava para ela. Pode
conferir, que ainda deve estar lá. Estou feliz por vocês. Vejo como ele olha
para você; é como se estivesse em um mar, se afogando, e de repente você
aparecesse; como se estivesse em um deserto sem nada para beber e comer,
e de repente encontrasse um oásis. Você é a salvação desse homem, Alexia.
Ele a venera. — Sorriu e olhou para fora. — Quero que um cara me olhe
assim um dia, como se eu fosse seu mundo inteiro ou fizesse parte dele.
— Com o pai de sua filha não foi assim? Bryan me disse que você foi
estuprada. Foi pelo pai de seu filho ou algum outro cara? Eu sei que tinha 15
anos, mas... — sondei, curiosa em relação ao assunto, porque Bryan foi vago
ao me falar sobre ele.
— Ele era meu pai... me vendeu como pagamento de uma dívida para
Black. Por isso ele está aqui, querendo “o que é dele” — sibilou com a voz
cheia de ira.
— Oh, Deus! Sinto muito por isso.
— Não gosto da piedade das pessoas — sussurrou.
Coloquei a mão em seu ombro.
— Não é pena, é entendimento. A minha filha também veio de um
estupro, de um lunático serial killer. Ele conquista mulheres idiotas, como
eu fui, e as leva para um cativeiro por semanas, mas o que ele faz... é como
se estivéssemos no inferno. Eu não conseguia ficar presa em correntes;
Bryan me ajudou a superar isso. Ele é como um anjo que apareceu na minha
vida. Ariane e ele são meu mundo inteiro.
— Nunca me arrependo de ter escolhido ter Emma. Mas confesso que
pensei em tirá-la quando descobri a gravidez. As lembranças e pensamentos
pelo fato de ter sido violentada eram demais. Devo dizer que foi uma época
muito perturbada a que passei. Mas, quando senti Emma chutar, tudo mudou,
sabe? Não sei explicar. Hoje, eu adoro ver o sorriso dela, ouvi-la me
chamando de mamãe. Não há nada mais lindo do que isso.
Então contei sobre a minha história, que tive de ficar internada em uma
clínica psiquiátrica e pensei que minha filha estava morta. Eu já a amava
tanto, mesmo antes da descoberta. Sim, eu também não me arrependia de ter
minha menina.
— Meus pais queriam que eu abortasse. Eu não sou contra quem opta
pelo aborto após ter sido violentada, mas acho que a decisão deve ser da
mulher, como também a decisão de ficar ou não com a criança. Devia ter
partido de mim a decisão de não criar minha menina, não dos meus pais. —
Meus olhos estavam úmidos. — Por culpa do meu pai, eu perdi quatro anos
com Ariane. Mesmo depois que pensei que ela estivesse morta, eu ainda a
amava. Graças a Deus, ela voltou para mim. Assim que tudo isso acabar, vou
registrá-la como minha filha.
— Nossa filha. Eu serei pai dela — afirmou Bryan, entrando na sala
com Daemon, que parecia muito chateado.
Olhei para os caras, que iam embora em suas motos. Graças a Deus
ninguém saiu ferido ou morto. Isso era muito estranho. Por que partiram sem
lutar?
— O que aconteceu? — perguntei, indo até Bryan e o abraçando,
aliviada por ele estar bem.
Ele me abraçou forte por uns segundos e se afastou, tomando a arma que
eu segurava.
— O que eu falei sobre armas, Luz do Sol? — repreendeu-me.
— Era por garantia, sabe? Para o caso de eles atirarem em vocês dois
— murmurei.
Ele balançou a cabeça.
— Estava pensando em atirar neles? — Seu tom era descrente. —
Ainda bem que não houve luta então, né?
— O que vai fazer para o filho da puta em troca da minha liberdade e
da de Emma? — questionou Emília preocupada. — Porque Black não faz
nada de graça, e seu preço é alto, Bryan.
Ele suspirou e olhou para ela e Daemon.
— O que propôs, Bryan? Sabe que não pode fazer nada para eles. Se o
departamento de polícia souber que você está metido com esses caras, a sua
carreira vai acabar. Seus sonhos... — sussurrei ansiosa, preocupada que ele
tivesse mais uma vez dado sua alma ao diabo.
Ele beijou minha testa.
— Não vou fazer nada para eles. — Afastou-se e observou Daemon. —
Daemon fez um acordo com Black que ele não pôde recusar.
— Você? Que tipo de acordo alguém como você faria para me salvar?
Matar alguém? — Parecia muito chateada ao piscar chocada para Daemon.
Achei que fosse por ele tê-la chamado de puta quando mal havia colocado os
olhos nela. Eu também estaria furiosa no lugar de Emília caso isso
acontecesse comigo.
Daemon a fitou com expressão de poucos amigos.
— Alguém como eu? Acha que sou assassino? Você, sua ingrata,
deveria me agradecer, já que salvei sua bunda, salvei você de ser levada por
aqueles homens para servir como prostituta deles.
Eu nunca tinha visto Daemon assim, tão irritado. Já o vira calmo e
calado, atormentado, chateado, mas nunca furioso, ainda mais por aquele
sentimento ser direcionado a uma mulher que tinha acabado de conhecer. Era
estranho.
— Você me chamou de puta, se esqueceu? — ela grunhiu, parecendo tão
raivosa quanto ele. — Você não sabe nada sobre a minha pessoa, seu
crápula, para me xingar.
Ele cerrou as pálpebras e respirou fundo, como se tentasse se acalmar.
Em seguida voltou a fitá-la.
— Pegue sua filha e vamos embora agora. — Era uma ordem. Não
deixei de notar que ele não se desculpou com ela por xingá-la.
— Eu não vou a lugar algum com você! Nem se eu fosse louca —
contrariou-o.
— Você não tem uma maldita escolha. Ou vem comigo, ou vai voltar
para o Black e seus homens. E, quando uma pessoa é dele, o que ela tem
também é considerado dele, entende o que quero dizer?
Ela arregalou os olhos, fitando Bryan em pânico.
— Bryan... sei que me odeia...
— Odiar você? — ele indagou bruto. Pelo que eu conhecia de meu
homem, ele ainda estava com raiva por ela ter ido embora. — Eu apenas
estou furioso pelo que fez, mas minha raiva mesmo é de outra pessoa.
Eu sabia que Shadow estava frito, mas não tinha pena dele, afinal, fez
Bryan padecer por um ano inteiro.
— Olha, Emília, os MCs têm uma lei que seguem claramente e que não
pode ser quebrada, nem por Black, que não liga para nenhuma regra —
continuou Bryan.
— Qual lei é essa? Todos esses MCs fodidos são bandidos e
estupradores, não ligam para a lei — afirmou ela.
Bryan se adiantou para lhe responder, porque, pela expressão de
Daemon, não sairia nada de bom se ele abrisse a boca naquele instante, o
que parecia ser sua intenção.
— Sim, tem uma lei que não pode ser quebrada por nenhum deles:
ninguém pode mexer com a mulher de um irmão, porque é contra as regras
fazer isso. Se mexer com sua mulher, mexerá com todos os membros do
clube, e, como Daemon mencionou antes, Shadow é bem conhecido, mais do
que Black, então ele não tem escolha a não ser obedecer à lei. — Ele olhou
dela para Daemon.
— Oh, Deus! Você está querendo dizer que disse ao Black que sou
mulher desse cara? — Apontou para Daemon. — Nem morta fico com esse
homem.
— Querida, eu preferia cortar meu pau a enfiá-lo em alguém como você
— rosnou Daemon. — Afinal de contas, não curto crianças mimadas. — E
saiu batendo a porta.
Emília pegou um cinzeiro e o jogou na porta, despedaçando-o, depois
gritou quando ele a chamou de forma grosseira para irem embora, lá de fora.
Capítulo 24
ALEXIA
Meu casamento foi organizado para aquele dia, e tudo estava ocorrendo
maravilhosamente bem. Minhas melhores amigas eram perfeitas; foi uma
correria com os preparativos, pois se passou apenas uma semana entre minha
decisão e o dia marcado.
Rayla me comprou um vestido dos sonhos, branco com pedrinhas
brilhantes, com um ombro só e uma capa por cima. Olhei-me no espelho
vestida com ele. Meus cabelos louros estavam encaracolados e presos para
cima, mas com algumas mechas soltas ao lado do meu rosto maquiado.
— Linda! Mas, querida, acho melhor andarmos logo. Algumas pessoas
estão reclamando do frio — falou Samantha. — Como eu poderia supor que
um dia veria você casada com meu irmão? Que tivesse alguma mulher que o
domasse? — Ela sorriu. — Fico feliz que tenha sido você.
— Eu também estou feliz por isso, mas agora vamos; não quero as
bolas do meu marido geladas, afinal, vou precisar muito dessa parte essa
noite — comentei, saindo do quarto e seguindo para o meu grande dia.
— Eca! Não quero imaginar algo assim a respeito do meu irmão. —
Sam estremeceu.
Alex se posicionou ao meu lado. Vestia um terno preto com gravata.
Ficara encarregado de me levar até o altar que fizemos no jardim para
aquele grande dia, um dos mais felizes da minha vida. O outro foi o dia em
que eu soube que minha filha estava viva.
— Muita felicidade, minha irmã. Você merece, após tantas coisas que
lhe aconteceram. — Beijou minha testa, depois olhou à nossa frente, para
minha princesa. Ariane estava com um vestido branco rendado e rodado,
parecendo uma boneca loura. Ela segurava um buquê de flores com cores
sortidas. — Não acredito que sou tio e pai ao mesmo tempo.
Rayla descobriu havia pouco tempo que estava grávida. Eu estava feliz
demais. Tinha minha filha e o homem dos meus sonhos, com o qual iria me
casar e teria uma sobrinha, e meu irmão tinha encontrado sua felicidade.
Ariane, como dama de honra, seguiu adiante com seus passinhos curtos,
e eu e meu irmão fomos logo atrás. Assim que saí da casa, olhei para o céu,
sentindo a neve beijar meu rosto. Ainda bem que minha maquiagem era à
prova d’água.
Olhei ao redor para a vista magnífica. Por causa do gelo e da neve,
estava tudo branco e parecendo cheio de cristais. O altar estava mais à
frente, e, dos dois lados do corredor até ele, havia algumas filas de cadeiras
decoradas com guirlandas de flores coloridas, contrastando com o branco
predominante daquele dia de inverno. Meus amigos estavam nas cadeiras do
lado esquerdo. Olhei à direita; ali estavam os MCs, tanto os Fênix de
Chicago quanto os Fênix de Nova Iorque (aos quais eu não conhecia muito) e
as mulheres daqueles que tinham namoradas ou eram casados. Shadow se
encontrava ao lado de sua namorada, uma ruiva esquentada que só faltou
bater em Bryan por seu acerto de contas com o motoqueiro por ele ter
mentido sobre Emília. Ele até estava com o olho inchado.
Pensar em Emília me fez lembrar que tinha chamado Daemon para vir
ao casamento. Ele disse que precisava de um tempo, e eu o entendia. Bryan
tinha tentado entrar em contato com eles no dia anterior, mas não conseguiu.
Eu sabia que meu futuro marido estava com raiva dela, mas queria sua amiga
e a filha, que ele considerava uma sobrinha, em seu casamento. Eu só
esperava que Emília e Daemon não estivessem se matando.
Todos se levantaram assim que pisei no corredor, onde havia um tapete
que ia até o altar de madeira coberto por camurça verde, mas branco pela
neve que caía.
Olhei para o meu futuro marido no altar e me controlei para não
tropeçar pela fraqueza nas pernas. Ele estava de terno preto e com seus
cabelos negros molhados e penteados para cima, mas os flocos de neve em
sua roupa e nas mechas de cabelo o faziam ficar mais lindo do que já era.
Seus olhos azuis se iluminaram ao me ver ali, adorando o homem que eu tive
a sorte grande em encontrar.
Assim que chegou ao altar, Ariane foi para onde estavam as crianças,
em uma tenda feita especialmente para elas, afinal, não queríamos nenhuma
delas pegando um resfriado devido à baixa temperatura.
Bryan pegou minha mão, que meu irmão lhe entregou, e a levou aos
lábios sem tirar os olhos de mim.
— Espero que a faça feliz, ou te faço em picadinho — alertou Alex.
— Eu farei. — A promessa estava em cada palavra que ele dizia.
O padre pigarreou, provavelmente querendo apressar as coisas para
não congelar. Também ouvi Nasx gritar:
— Casa logo com ela, Bryan, porque estou congelando aqui, ou vou
subir no altar e tomar seu lugar!
Bryan revirou os olhos. Então o padre passou a ministrar a cerimônia.
Fiquei de frente para Bryan para lhe dizer o que ele significava para mim, o
que trouxe para minha vida, mas ele falou antes:
— Alexia, você viu luz em mim quando tudo que eu via eram trevas,
escuridão, dor e desespero. Você me salvou do abismo em que eu me
encontrava. Você me ensinou a ser feliz e a amar a mim mesmo, alguém que
eu desprezava, porque acreditava que não tinha redenção. Mas lá estava
você, lutando, me amando e me dando uma felicidade que jamais pensei que
pudesse sentir ou merecer. — Tirou um floco de neve que caiu no meu nariz.
— Você é alguém que quero para sempre, a mulher, mãe dos meus filhos, a
minha Luz do Sol, e prometo amá-la enquanto eu respirar neste mundo.
Respirei fundo em meio às lágrimas, porque ele disse tudo o que eu
pretendia e ainda mais.
— Querido noivo, você também foi meu anjo, minha luz, meu suporte,
meu milagre. Eu já estava pensando que não existia mais felicidade, não
depois do que houve comigo, mas estava errada, porque, quando eu tinha
pesadelos, você estava comigo, me resgatando deles, me trazendo para a luz
— sussurrei com meus olhos marejados. — Você me ensinou o verdadeiro
significado do amor, um amor verdadeiro e puro, capaz de superar tudo, a
dor, as lembranças ruins, os pesadelos. Você me resgatou do abismo e
restaurou tudo que estava quebrado em mim. — Levei sua mão que eu
segurava ao meu peito, bem sobre onde batia o meu coração. — Bryan Scott,
eu sou a mulher mais sortuda deste mundo por ter um homem maravilhoso
como você ao meu lado, um homem capaz de fazer sacrifícios, como fez pela
sua irmã, por Emília e por Emma. Um homem que desistiu de seus sonhos
por amor a elas. Como não amar um homem assim? Você é o meu milagre, e,
se eu visse Deus pessoalmente, lhe agradeceria dia e noite por você ter
entrado em minha vida. Eu vou te amar para sempre.
Mal terminei de falar, ele já estava me beijando com ferocidade. Logo
ouvi assovios vindos de todos os lados.
— Já que se beijaram antes de eu concluir, eu vos declaro marido e
mulher — disse o padre.
Dirigimo-nos para dentro da casa, que parecia pequena para todos que
estavam ali, mas demos um jeito.
Todo mundo nos desejou felicidades. Os primeiros foram meu irmão e
minha cunhada.
— Sejam felizes, minha querida — disse Rayla com os olhos
vermelhos. Com certeza tinha chorado ao assistir à cerimônia.
— Obrigada.
Samantha e Lucky se aproximaram. Ela também tinha estado chorando,
mas, pela tristeza em seus olhos, não parecia que era apenas emoção.
— Bryan... — Ela mordeu o lábio.
Ele a puxou para seus braços.
— Assim que terminar a minha lua de mel, preciso te contar sobre o
que ouviu hoje. Não agora. Pode esperar? — Beijou sua testa e se afastou
um pouco, olhando-a atentamente.
Samantha assentiu ainda chorando. Sua barriga estava enorme, ela
ganharia o bebê dentro de três meses. Seu marido a abraçou, reconfortando-
a. Não seria fácil quando ela soubesse de toda a verdade acerca da morte de
seus pais.
Angelina e Ryan vieram também.
— Parabéns aos dois — cumprimentou Angelina, abraçando-me e
depois estendendo os braços para Bryan, mas Ryan a puxou para longe dele.
Ele era um louro bonito; não, bonito era eufemismo. Lindo seria a palavra
certa.
— Anjo, você quer que eu mate o noivo em seu casamento? Para
desejar felicidades, não precisa de abraços, é só dizer.
— Eles são nossos amigos, Ryan, não precisa ter ciúmes — disse
Angelina.
— Anjo, ele queria ficar com você, se esqueceu? Quando penso nisso,
me dá vontade de esganá-lo — rosnou encarando Bryan, que estava sorrindo.
— Eu não ia ficar com ela, só disse aquilo para você e Alexia saírem
de suas conchas e mostrarem o que sentiam, você por Angelina, e Alexia por
mim.
Arregalei os olhos para ele.
— Eu não demonstrei ciúmes nenhuma vez naquele dia. — Embora
tenha sido difícil me controlar diante tudo o que ele disse a ela.
— Você acha que não, mas se esqueceu de que sei ler seu corpo? Você
tentou esconder, mas senti tudo, por isso a beijei naquele dia. — Ele me
puxou para seus braços e me beijou até ouvirmos um pigarro próximo a nós.
Shadow se aproximou com Evelyn, que estava de cara fechada para
Bryan, mas o MC estava sorrindo, mesmo meio torto e com um olho inchado
devido aos socos que levou. Pelo que eu soube, o cara até havia estado
acamado.
— Felicidades aos dois, principalmente a você, Bryan. Tinha esperança
de que sua vida mudaria no futuro, e mudou para melhor. Seja feliz, meu
amigo. Mesmo que esteja com raiva de mim, espero que um dia possa me
perdoar.
— Amigo?! Esses dois brutamontes não são seus amigos! É bom que
nunca mais os veja! — rosnou Evelyn, olhando para Jason e Bryan. — Eles
bateram em você! Como amigos fazem isso?
— Ele mereceu — responderam Bryan e Jason em uníssono, o que foi
esquisito. Eu não sabia que Jason também já havia batido em Shadow.
Evelyn voou em cima de Bryan, mas foi pega pelo namorado, que a
manteve no lugar.
— Por que não batem em mim, seus cretinos? Façam isso, que acabo
com os dois! — ela sibilou. — Mesmo sem minhas facas, eu os esquartejo.
— Mulher, se eles fizessem isso, ambos estariam mortos, porque
ninguém toca em você — declarou Shadow em tom calmo, levando-a para
longe de Bryan e Jason.
— Eu pensava que eu era uma fera, mas sou um gato manso em
comparação a essa leoa enfurecida — comentou Tabitta sorrindo e bateu
com carinho no peito de seu namorado. — Não se preocupe, querido, eu te
protejo dela.
Depois disso, tudo voltou ao normal, mas eu queria mesmo era estar
com meu marido, por isso saímos da festa mais cedo. Samantha ficaria com
Ariane para mim. Nós iríamos a um hotel, que já estava fortemente
protegido. Bryan averiguara tudo com Johnny, um cara legal que conheci na
casa de Ryan quando Angelina falou sobre seu passado para nós. Era lindo,
cheio de músculos e tatuado; um desperdício, pois era gay. Tinha se casado
com um homem chamado Charles.
Eu esperava que tudo ocorresse bem, porque não queria ser
incomodada na minha lua de mel.
Entramos no quarto de hotel, branco, com uma cama de casal elegante,
redonda e com espelho no teto. Não reparei em mais nada assim que Bryan
me puxou para seus braços firmes e devorou minha boca, mordendo meus
lábios com força, mas não liguei. Apenas queria que meu marido matasse o
fogo que me consumia dos pés à cabeça.
— Então, querida esposa, o que você quer? Sexo normal ou mais
quente? Sabe que só vou fazer o que você quiser — sussurrou, mordendo de
leve minhas orelhas.
— O que quiser, marido; com você, eu supero tudo. — Segurei seu
rosto. — Eu sei que, se eu começar a sentir algum medo, você me trará de
volta, como fez naquela vez. Vamos treinar até tudo ser superado.
Ele sorriu e beijou minha testa.
— Primeiro vamos tirar esse vestido. — Ele me virou de costas e abriu
os botões, beijando minha pele a cada vez que desabotoava um, até que
terminou tudo, e o vestido caiu no chão aos meus pés. Ele assoviou. —
Porra, sem calcinha.
— Bryan... — sussurrei assim que ele deu um beijo em minha bunda,
seguido por um tapa. Gemi pelo fogo que se gerou entre as minhas pernas,
que me fez remexer as coxas em busca de mais atrito. — Estou molhada...
— Eu vou te ajudar com isso, minha linda... — murmurou, tirando suas
roupas, e olhei seu peito, onde tinha o nome de Emília e Emma, mas também
tinha o de Ariane, o meu e o da sua irmã, o que me deixou surpresa, pois
ainda não tinha visto a tatuagem.
— Quando fez? — sussurrei, alisando os nomes em seu tórax. — São
lindas.
— Hoje de manhã. Quando estava afastado de vocês, senti tanto a sua
falta... Então decidi fazer a tatuagem para sempre ter vocês aqui também,
perto do meu coração, apesar de que também estão dentro dele. — Ele
acariciou minha face. — Esse rosto é um sem o qual não posso viver mais,
nem quero.
— E não vai! — prometi, abraçando seu pescoço e o beijando com
ferocidade.
Ele me colocou na cama ainda me beijando e me rodopiou, deixando-
me por cima dele.
— Monte em minha boca, querida, quero provar esse mel que está
escorrendo — ordenou com a voz rouca.
Arregalei os olhos, mas assenti. Faria qualquer coisa por aquele
homem. Ajoelhei-me com seu rosto entre minhas coxas e me abaixei. Meus
pensamentos, constrangimento, tudo o mais foram para o espaço assim que
sua boca me consumiu. Ele circulava sua língua experiente em minha vagina
e sugava meu clitóris, tanto que eu rebolava sobre seus lábios. Suas mãos
amassavam meus peitos e beliscavam os bicos, trazendo-me para a borda,
até que gozei gritando seu nome. Passaram-se alguns segundos até que fui
trazida de volta para a Terra.
Olhei para baixo e encontrei as íris azuis brilhantes admirando-me com
adoração. Corei e me deitei sobre seu corpo sem tirar meus olhos dos dele.
Sentia-o duro entre minhas pernas.
— Céus! Eu nunca vi ninguém mais linda e maravilhosa que você na
minha vida! Foi incrível ver você rebolando em minha boca enquanto eu
comia sua boceta deliciosa... — Ele me beijou, e senti meu gosto em sua
boca, então, sem aviso, ele me penetrou, fazendo-me gemer, saciando-me e
me enchendo com aquela parte do seu corpo que eu tanto amava, assim como
ele inteiro.
— Me cavalgue — ordenou com os lábios roçando os meus.
Passei a me mexer para frente e para trás sem nunca tirar os olhos dele.
Ali tinha amor, devoção, adoração e paixão, tudo o que eu também sentia.
— Ah, Bryan...
— Geme, minha linda, geme o meu nome! — pediu. Sua mão direita foi
para o meu clitóris, esfregando-o de forma cada vez mais acelerada. —
Goza no meu pau, minha esposa!
Suas palavras foram como um gatilho direto ao meio de minhas pernas,
então gozamos juntos e chamando um pelo outro. Eu estava no céu.
Capítulo 25
ALEXIA
Quatro meses depois
ALEXIA
Olhei para meu antigo prédio em Nova Iorque. Eu venderia meu
apartamento, já que estava morando com Bryan em nossa casa segura.
Mesmo depois que tudo aquilo passasse, eu continuaria lá, já que amava o
lugar. Foi nele que descobri que Bryan me amava, bem como onde foi
realizado meu casamento com ele.
Respirei fundo e entrei na portaria, depois subi pelo elevador até o meu
andar. Não podia fraquejar. Apesar disso, um arrepio desceu por minha
coluna, mas me controlei. E se Steve tivesse hackeado as câmeras do prédio,
estivesse me observando e, ao me ver tremer, desconfiasse de algo? Nada
podia dar errado naquela noite.
Assim que entrei em meu apartamento, ouvi a música tocar na minha
caixinha de música. Tudo dentro de mim gritava para fugir, como aconteceu
quando Bryan me seguiu depois da boate naquela noite em que Steve esteve
ali. Eu sabia que, se ele estivesse me vigiando assim que saísse sozinha do
restaurante e pegasse meu carro, seguindo o caminho mais comum para meu
prédio, ele me seguiria e se apressaria a entrar ali antes de mim. Bem, assim
eu esperava.
— Eu me pergunto se você é estúpida por se livrar de seu guarda-costas
e vir aqui sozinha — ouvi a voz do meu pesadelo, mas daquela vez era real.
Virei-me e olhei para o cara que um dia destruiu minha alma, que
felizmente foi reconstruída por Bryan. Eu não deixaria aquele imundo
desgraçado destroçá-la de novo, nem que para isso tivesse que matá-lo com
minhas próprias mãos.
Eu ainda estava perto da porta, e ele, sentado confortavelmente no meu
sofá, como se fosse o dono do lugar. Vestia jeans e camiseta, seus cabelos
estavam longos e oleosos, bem como sua barba cheia e desgrenhada. Eu não
achava que era um disfarce, apenas que ele era um imundo que não ligava
para nada, nem para sua higiene.
— Samuel? Ou devo te chamar de Steve? — ironizei, fuzilando-o com
os olhos.
— Então já sabe sobre mim — disse, apontando uma arma em minha
direção, como já tinha feito outras vezes.
— Que você é um desgraçado, desumano e estuprador de mulheres?
Que usa de disfarces e outros nomes para conseguir seu intento? Você não
vale nada, não passa de um fodido imundo que merecia estar morto! —
sibilei com os dentes cerrados, louca para voar nele. Como eu tinha
aprendido a lutar, não tinha medo de ter de enfrentá-lo no mano a mano, mas
ele estava armado, o que dificultava as coisas.
Sua expressão se modificou, revelando sua ira, que era tanta que ele
pulou do sofá com a arma em punho. Suas mãos tremiam tanto que achei que
ele estava prestes a puxar o gatilho.
Meu sangue gelou, mas não demonstrei meu receio, afinal, não queria
que ele pensasse que eu era fraca e medrosa como antes. Precisava ser forte,
porque ele gostava de fraqueza e impotência.
— Sua puta desgraçada, você é minha e faço com você o que eu quiser!
Minha puta, não daquele fodido de merda! — vociferou. — Agora venha
aqui, tire as roupas e se dobre no sofá, que eu vou te ensinar uma lição!
Tentei esconder meu pavor e asco. Eu nunca mais me submeteria àquilo.
— Você só pode estar louco se acha que vou deixar você me tocar —
desafiei-o. Eu sabia que estava sendo idiota, afinal, ele estava armado, mas
não deixaria o medo tomar conta de mim, e sim a raiva que eu sentia daquele
monstro. — O único homem que me toca é meu marido!
— Você vai fazer o que eu mandar, porra! — rosnou, vindo para cima
de mim. Pensei em correr, mas, como não podia estragar o plano, fiquei
quieta e o deixei pegar meu braço e me jogar no sofá. — Agora tire suas
roupas, ou eu tiro!
— Não vou me despir! Acha que sou aquela idiota medrosa que fazia
tudo que você mandava? Se quiser atirar em mim, vá em frente, seu cretino
de merda, mas não vou fazer isso! — Cerrei meus punhos, louca para acertar
sua cara imunda. Esperava que os agentes entrassem logo e o prendessem,
mas eles precisavam de uma confissão da localização de alguns corpos de
garotas que nunca haviam sido encontrados.
Ele levantou a mão direita como se fosse bater em meu rosto, mas seu
telefone tocou.
— O que você quer, Olivia? — questionou, colocando a ligação no
viva voz, falando num tom meloso, como falava comigo antes de me raptar
no passado.
— Estou no hospital. Já vou entrar para fazer o que você quer — falou
uma voz feminina. — Depois vamos ficar juntos, não é?
Eu não estava entendendo nada. O que a mulher faria em um hospital?
Quem era a tal de Olivia? Aquela louca parecia gostar dele. Certamente não
sabia nada sobre o monstro que ele era.
— Sim, apenas mate aquela cadela da Angelina e sua filha bastarda —
ele respondeu e desligou.
Meu sangue gelou a ponto de meu corpo tremer. Angelina estava em um
hospital e, pelo que parecia, ganharia sua filha. Aquele monstro queria matá-
las? Eu precisava saber tudo sobre aquilo, então olhei para ele. Eu sabia que
fazer aquele ser abominável ficar com raiva não ajudaria em nada. Então
resolvi fazer um jogo diferente. Só esperava que, quem quer que estivesse
ouvindo pela escuta, alertasse Angelina.
— O que você tem contra Angelina? Ela não te fez nada! Você que
matou a irmã dela e a fez sofrer — perguntei num tom tranquilo, embora
fosse difícil manter a calma.
Ele me olhou de lado.
— Eu sou o que sou por culpa dessa vadia desgraçada e da puta da
irmã dela! — sibilou, abrindo dois laptops nos quais eu não tinha reparado
ainda. Nas telas, as imagens pareciam captadas em tempo real das câmeras
de um hospital. Seria onde Angelina estava?
— Você matou a irmã dela, quase estuprou minha amiga e ainda saiu
impune por ser rico...
Ele me fitou com os olhos sombrios de um demônio capaz de matar
qualquer um.
— Impune? Acha que não fui castigado, porra? Aqueles desgraçados
dos meus pais me levaram para um colégio interno na Inglaterra só para não
causar problemas para eles, já que eram políticos! — Ele se levantou e
pegou uma garrafa de bebida no meu aparador. — Aqueles imundos nem
checaram o lugar para saber se era realmente uma escola de confiança! Não,
eles só queriam se livrar do estorvo que eu era!
Um nó apertou minha garganta ao imaginar o que tinha acontecido lá.
Com certeza não fora boa coisa. Eu podia ver pela sua expressão colérica e
atormentada, cheia de asco e dor, que algo terrível acontecera com ele
naquele lugar. Eu até podia imaginar o que era.
— O que houve lá? — perguntei, depois acrescentei, não o querendo
com mais raiva, afinal, precisava ouvir a verdade dele: — Pode me dizer?
Ele se sentou perto de onde havia deixado os computadores, ainda
bebendo e apertou um botão. As imagens que vi, captadas de câmeras, me
assombrariam para sempre. Só não vomitei porque não tinha comido nada no
restaurante, afinal, fui lá para me encontrar com Brenda e Bruno, não para
comer.
No vídeo que passava, havia adolescentes presos em correntes em uma
fileira, todos nus, enquanto alguns homens abusavam deles. Minha vontade
era de acabar com todos.
— Oh, meu Deus! — sussurrei, engasgada como se tivesse alguma
coisa na garganta ou no peito.
— Deus não existe! Sabe o quanto gritei por ele para me salvar
daquilo?! Muitas vezes, assim como você e as garotas que matei gritavam
pedindo socorro, mas Ele não as ouviu, nem a mim! — Seus olhos pousaram
nos meus. — Por culpa de Angelina e meus pais, fui parar naquele inferno e
me tornei esse monstro que sou!
— Por isso matou seus pais? — Era uma pergunta retórica, porque eu
sabia que foi ele que matou os próprios pais, como também as garotas, como
se fosse uma vingança distorcida pelo que lhe aconteceu. — Por que não ir
atrás dos caras que te fizeram sofrer, em vez de torturar e matar garotas
inocentes, com sonhos pela frente? — Apontei o dedo para a tela do
notebook sem olhar para ela. Não conseguiria ver mais aquelas cenas
horrendas. Eu pensava que não existia monstro pior do que aquele que estava
à minha frente, mas acabava de descobrir que, sim, existia.
— Por que eu não faria isso? E os meus sonhos, que foram destruídos?
Alguém pensou em mim? Meus pais? Não, ninguém pensou, então não me
importo com ninguém! — esbravejou, mexendo no teclado, então vi um casal
nu e acorrentado a uma parede. Eles estavam cobertos de sangue, como se
tivessem sido espancados de tantas formas diferentes que sua pele foi
arrancada, como se estivessem esfolados. Por sorte ele não colocou o som,
só as imagens.
Desviei os olhos da cena, porque não podia mais ver aquelas
atrocidades. Um tremor passou por mim assim que uma suspeita terrível se
instalou em minha mente.
— Você grava todas as torturas e assassinatos? Todas aquelas garotas?
Eu...?
Ele sorriu de modo doente. Meu estômago se contorceu.
— Sim, precisava assistir a tudo depois e ver o que precisava ser
melhorado, aperfeiçoado.
— Meu Deus, você é um demônio!
— Sim, eu sou — respondeu como se eu o tivesse elogiado. — Eu
coloquei fogo naquele colégio de merda para o qual meus pais me
mandaram, mas, antes, fiz todos que cometiam as atrocidades e os que
sabiam o que acontecia ali e não faziam nada pagar na mesma moeda.
— Oh, Deus! — Engasguei-me ao pensar em algo horrível. — E os
garotos vítimas como você? Os salvou?
— Por que me daria a esse trabalho? Aqueles moleques tinham medo
dos guardas, por isso não os denunciavam, então também mereciam morrer
queimados — respondeu em tom frio. — Assim como meus pais e os pais de
Angelina. Eu ia tirar tudo dela, até seus irmãos. Aquela maldita criança era
para morrer com sua mãe, mas sobreviveu.
Dei graças a Deus por Lira, uma das irmãs de Angelina, ter sobrevivido
ao acidente que aquele desgraçado causou à família. Até o momento, todos
pensavam que tinha sido um simples acidente, mas foi um assassinato.
Outro pensamento me ocorreu, e meu sangue gelou.
— Matou meus pais também? Porque não descobriram as causas da
queda do avião até hoje. — Estava tremendo de raiva, tanto que faltava
pouco para eu voar na cara dele. Pelo menos ele deixara a arma sobre a
mesinha de centro, onde estavam os laptops.
— Aqueles desgraçados? Ainda os chama de pais? Eles te mandaram
para uma clínica psiquiátrica e falaram que nossa filha morreu! Do mesmo
modo fez aquela cadela velha da sua cozinheira, que cuidou de nossa filha
como se fosse dela, não ligando uma vez para você! — Mexeu no teclado do
PC, e ali estava o vídeo de ele matando Aria, mas não o olhei; não podia
lidar com aquilo.
— Como sabe disso? Andava me vigiando? Então por que não apareceu
antes? Por que se contentou matando outras garotas inocentes? Os corpos de
algumas delas sequer foram encontrados! — A menção aos cadáveres das
garotas fora planejada com Bruno e Brenda, que precisavam da informação.
Ele me fitou com os olhos estreitos.
— Acha que sou idiota? Que não sei que está com escuta? Você não ia
vir aqui à toa, não é? Não sabendo o que eu faria com você. — Ele se
levantou e me olhou de lado. — Tire as roupas e mostre a escuta.
Fiquei de pé também, olhando-o de igual para igual. Não fugiria dele,
afinal, ele já tinha falado tudo, menos a localização das meninas
assassinadas. Resolvi, então, barganhar com ele, ou ao menos tentar.
— Se eu tirar a roupa e provar que não tenho escuta, vai me dizer onde
estão os corpos? — Tentei colocar persuasão em meu tom de voz. — Steve,
você já destruiu os corpos dessas meninas; por favor, me diz onde eles estão,
para suas almas terem um pouco de sossego.
— Acha que vou dar sossego às almas delas?! — gritou, voando sobre
mim, que caí de costas no sofá com ele por cima. Estava furioso demais.
Pelo visto, meu plano não deu certo. — Alguém pensou em minha alma?! —
Ele pegou meu vestido e o rasgou. Então ficou mais furioso ainda ao ver o
nome de Bryan e o de Ariane em meus seios. — Você é minha, sua puta! Essa
filha é minha, não daquele policial de merda!
Eu não soube bem o que houve, estava preparada para tudo, mas,
quando ele me tocou, fiquei imobilizada. Devia ter surtado, porque não
ouvia nada, só sua voz me xingando no passado e suas mãos imundas me
agredindo, como se estivesse entrando num pesadelo lúcido... Oh, meu
Deus! Isso não pode acontecer de novo! Tentei lutar contra as lembranças
daquela época horrível, nas quais estava me afundando, mas não consegui.
Bryan! Ele podia me salvar da minha mente presa nas lembranças
sombrias. Seu rosto lindo, sua boca de mel, seu toque, que aquecia minha
pele, seu cheiro, que inebriava minha vida. Sua voz, então, que era capaz de
me trazer do inferno em que estava vivendo ao me lembrar daquelas cenas,
do meu corpo acorrentado, algemado, de suas mãos cruéis... Bryan! Ele era
meu salvador, minha fortaleza.
— Alexia... — chamou sua voz a pouca distância de mim. Seu tom
estava calmo e carinhoso, mas senti fúria e preocupação nele com o que
estava acontecendo comigo.
Segui a sua voz e abri meus olhos, deparando-me com os olhos azuis
que eram capazes de me trazer de volta para a luz. Aquele homem era o meu
milagre.
— Bryan... — Notei que minha voz estava rouca, provavelmente pelos
gritos que eu dei no pesadelo e na realidade também. Ele estava em cima de
mim no sofá, prendendo minhas mãos para cima, com a testa na minha e os
olhos nos meus. — Oh, Deus, Bryan... eu...
Ele soltou minhas mãos, e o abracei forte, sentindo o seu cheiro rico,
inundando-me em sua luz e tentando acalmar a escuridão que havia se
apossado de mim. Fazia meses que eu não surtava assim. A última vez tinha
sido durante a prisão na Cruz de Santo André. O toque de Steve desencadeou
tudo, as lembranças, a dor, as perdas.
— Eu estou aqui, Luz do Sol. Sinta o meu cheiro e ouça a minha voz,
ouça e volte para mim. Sinto muito, querida — sussurrou Bryan com a voz
sem vida.
Antes que eu lhe perguntasse por que sentia muito, quando ele não tinha
nada a ver com o que aconteceu comigo, pois eu aceitei servir de isca para
prender Steve, percebi, enfim, a movimentação ao meu redor. Olhei em torno
e me deparei com a sala cheia de MCs e agentes da lei, como Shadow,
Daemon, Nasx, Bruno e Brenda e alguns outros, mas não me importei,
porque Steve estava de joelhos.
Bryan saiu de cima de mim assim que me remexi debaixo dele. Olhei
para meu corpo, para meu vestido em pedaços. Na parte de cima estava
quase nua, só com meu sutiã branco. Bryan tirou sua jaqueta e a colocou
sobre mim.
— Obrigada. — Pigarreei para conseguir falar, então olhei para Steve,
que me encarava furioso.
— Não adianta me prenderem! Eu vou voltar e acabar com o resto das
pessoas que você ama uma a uma!
— Cale a sua boca! Tirem esse cara da minha frente antes que eu perca
o resto do meu juízo! — rosnou Bryan.
Os agentes o levaram dali. Fiquei aliviada depois que ele saiu
carregado, xingando e me ameaçando. Eu não queria me aproximar daquele
cara nunca mais. Cheguei mais perto de Bryan, como se buscasse mais
conforto, mas também para acalmá-lo.
Alguns dos agentes pegaram os laptops onde estavam os vídeos que
aquele lunático fez de suas vítimas.
Bruno estava com a face machucada. Eu apostava que tinha sido Bryan
quem fez aquilo, por ele ter me colocado naquela situação.
— Eu quero ir para casa — falei a Bryan, colocando a cabeça em seu
ombro.
— Alexia! — um grito agudo, de furar os tímpanos, soou.
Olhei para a porta e vi meu irmão tentando entrar no apartamento, mas
um policial não permitia. Seu rosto estava tomado de dor e pavor. Sorri de
leve para ele. Eu só queria estar perto da minha família, da qual Alex fazia
parte.
— Vamos para casa, meu amor — afirmou Bryan e olhou para Bruno.
— Depois falo com você.
Epílogo
ALEXIA
Dois meses e meio depois
BRYAN
Depois de tudo acabado após meses de investigação, prendemos vários
bandidos mafiosos, e outros foram mortos ao trocar tiros com os federais e
agentes da CIA. Fui agradecer aos meus amigos MCs, principalmente a
Shadow, que era meu melhor amigo. Ele sempre guardara minhas costas. Eu
confiava na polícia, mas tinham muitos infiltrados nela, por isso eu pedira
ajuda a Shadow. Também sabia que ele estava protegendo Tabitta para
Jason. Se acontecesse algo com ela, Jason morreria. Aquele cara adorava
aquela mulher, assim como eu amava Alexia.
— Obrigado, irmão. — Apertei sua mão. — Espero que tenhamos paz e
sossego por enquanto.
— Deus lhe ouça! — exclamou Nasx. — Não vejo a hora de voltar para
casa e me divertir com a mulherada. Eu te convidaria, mas você já tem uma,
não é? — Ele piscou para mim.
Revirei os olhos. Só pensava em Alexia. Eu nem podia acreditar que
tinha chegado o fim das perseguições, bandidos e chefes de máfias. Queria ir
para casa e relaxar com minha mulher.
— Sim, e a minha me ligou e disse que está me esperando em casa —
respondi e olhei para Daemon, que estava em sua Harley preta. Fui até ele e
dei um tapa de leve em suas costas.
— Obrigado, Daemon, por sua ajuda. Sei que fez isso por ela, mesmo
assim agradeço de coração — falei a verdade.
Ele deu de ombros.
— Não foi só por Alexia, mas tudo bem — respondeu. — Tome conta
dela.
— Eu cuidarei, prometo — jurei. — E você cuide de Emília e Emma.
— Eu as protegerei, não se preocupe. Agora preciso ir encontrá-las —
respondeu, ligando sua moto e partindo.
Fim
DOMADO POR VOCÊ
Série Dilacerados
Livro V
IVANI GODOY
Copyright © - Ivani Godoy
LAUREL
— Oh, meu Deus! — gemi, agarrando a mão do homem que estava ao
meu lado no avião assim que ele decolou.
— Fique calma e respire fundo, caipira — pediu ele alisando minha
mão, que segurava no intuito de me acalmar – assim pensei.
Eu estava indo para Las Vegas, ao casamento do meu irmão Shade.
Andar de avião sempre me deixava nervosa e tremendo, porque minha
família havia morrido em um acidente aéreo cinco anos antes. Fugia disso o
quanto podia, mas às vezes não era possível evitar.
Antes de o avião decolar, um rapaz louro tinha se sentado ao meu lado;
era alto, cabelos longos, mas estavam amarrados num rabo de cavalo. Seus
olhos eram tão azuis quanto o céu em um dia de verão. Ele tinha a aparência
do Thor.
― Me desculpe, é que aviões me deixam trêmula de medo, mas tenho
que ir para Vegas para um evento importante ― sussurrei envergonhada,
porque não era para uma mulher de 24 anos ter esse tipo de medo.
Certamente ele me acharia estranha.
Evento importante? Quase ri com esse pensamento. O casamento de
Shade definitivamente não era importante, não para mim; ao contrário, era a
minha cruz, meu calvário.
― O que você vai fazer em Vegas, para andar em algo que te
amedronta? ― sondou curioso, ou foi o que me pareceu.
Suspirei, porque aquele era um assunto sobre o qual eu não queria
conversar, não com a dor recente em meu peito, capaz de esmagá-lo.
Shade era meu irmão, embora não de sangue, filho do homem que se
casou com a minha mãe antes de os dois morrerem no acidente aéreo. Eu
considerava o meu padrasto, Louis, um pai, já que o meu genitor verdadeiro
desapareceu quando eu era criança e nunca deu as caras na minha vida. E eu
acreditava que nem faria isso.
Desde que Shade veio morar conosco junto a Louis, eu me apaixonei
por ele perdidamente. Até meus 15 anos, pensei que fosse uma paixonite de
adolescente, mas, conforme o tempo passava, o que eu sentia foi ficando
mais forte. Eu o amava em segredo, porque ele não sentia o mesmo por mim.
Shade me amava como uma irmã, assim como faziam meus irmãos de sangue,
Nilan e Gave.
Naquele dia, Shade estava se casando com uma mulher que não o
amava, e nem ele a ela. Eu não sabia o verdadeiro motivo para ele se casar
com ela, já que não tinha nenhum sentimento pela cadela. Eu falava isso da
Melissa não por inveja por ela estar se casando com Shade, mas porque
aquela mulher era uma verdadeira golpista de fama.
Shade era vocalista da banda King, que criou junto aos meus irmãos. Os
três tocavam havia mais de seis anos e eram conhecidos internacionalmente,
por isso viviam viajando pelo mundo. Eu quase nem os via.
― Você está bem? Está tremendo ― sondou o louro, trazendo-me de
volta ao momento.
Suspirei para me controlar, afinal, vivia com aquele sentimento por
Shade havia tantos anos que nem podia imaginar não o sentindo mais,
embora fosse mais saudável se o esquecesse, porque ele pertenceria a outra.
Fitei os olhos azuis do cara ao meu lado. Ele ainda estava segurando
minha mão, e, por incrível que pareça, seu toque me deixou bem calma.
Talvez fosse seu sorriso educado, embora também sexy. Ele parecia saber o
poder que exercia nas mulheres, como eu, que, por um segundo, até me
esqueci do Shade. Gostei da sensação. Talvez eu e aquele cara pudéssemos
ser amigos no futuro. Eu devia estar louca, porque nem o conhecia.
Embora ele não consiga tirar o meu medo de avião, pensei.
― Me distraia, por favor ― pedi a ele com a voz rouca.
Ele me lançou um sorriso tão lindo que tive que piscar. Eu só podia
ficar olhando, embasbacada, de boca aberta. Era bem provável que aquele
homem me distraísse apenas com aquele sorriso de lábios perfeitos
curvando-se levemente para cima.
― Você que pediu.
Eu pensei que ele fosse contar quem era e inventar alguma coisa. No
entanto, olhou ao redor como se estivesse checando se estava vindo alguém e
me beijou. Devo admitir que tudo dentro de mim se desfez, meu coração
palpitou forte, minha pele formigou e uma eletricidade tomou meu corpo
intensamente, tanto que pensei que seria consumida pelo prazer que senti.
Seus lábios eram macios e deliciosos como sorvete de morango. Seus
braços apertavam minha cintura como se ele quisesse se colocar em meu
interior, no sentido figurado, claro, mas acredito que o teria feito no sentido
literal caso estivéssemos sozinhos. Eu não soube como, mas ele tirou o cinto
de segurança e se aproximou mais de mim.
Apertei minha mão direita em suas costas, querendo-o mais contra mim,
mas o assento não permitia. Com a mão esquerda, eu alisava seus cabelos
lisos e sedosos, que cheiravam a xampu.
Aquele era o meu primeiro beijo de verdade, porque não contava o que
eu tive com Samuel, que me beijara no baile da escola, um beijo roubado. Já
aquele cara estava devorando minha boca de forma selvagem e faminta.
Aproveitei o máximo daquele momento maravilhoso, porque estava
gostando muito enquanto sua língua acompanhava cada canto de meus lábios,
fazendo-me estremecer e quase gemer. Só não o fiz por causa das pessoas
que se encontravam ali.
Uma parte do meu cérebro me dizia para não o beijar, afinal de contas,
eu nem o conhecia, mas a outra falava vai e aproveita, você já sonhou
demais com alguém que não pode ter. Bem, isso era verdade, porque antes
eu sonhava que Shade seria o meu primeiro em tudo, mas isso nunca
aconteceria, ainda mais depois que ele se casasse com Melissa.
O cara alisava minhas costas num gesto de carinho, o que fez com que
eu apertasse minhas coxas uma na outra por causa do atrito que estava
sentindo em minha intimidade, tanto que gemi baixinho. Ainda bem que não
estávamos perto de ninguém; aquela parte do avião estava praticamente
vazia, embora, se eu gemesse alto, como era minha vontade, os outros
passageiros certamente ouviriam.
Ele se afastou, porque eu não tinha mais forças para fazer tal coisa,
aliás, estava mole, e não era a única; seus olhos eram abrasadores nos meus.
― Não geme assim, ou vou esquecer que estamos em público. ― Sua
voz também estava quente, assim como seu olhar.
Assenti, muda, porque acreditei que tinha perdido a voz. Com certeza
não sairia nada de minha boca, ao menos não de modo coerente e composto.
Eu não sabia que beijos eram capazes de arrebatar uma pessoa; porque foi
isso que aconteceu comigo.
Ele me deu mais um selinho e me abraçou de lado, colocando minha
cabeça em seu ombro, então ajeitou o cinto de segurança.
― Isso é estranho, beijei um cara do qual nem sei o nome ― sussurrei
com a voz ainda fraca. Aliás, se eu estivesse de pé, com certeza teria caído,
com as pernas bambas como as minhas estavam.
Ele riu, e o som fez meu corpo tremer, tão gostoso como uma risada de
bebê.
― Taylor ― disse. Senti seus lábios em minha testa. ― E qual é o seu,
linda?
― Laurel.
― Muito prazer em conhecê-la, Lau. ― Ele piscou para mim. ―
Adorei a forma como nos conhecemos.
Corei.
― Já abreviando meu nome? ― Sorri e afastei o meu rosto do dele.
― Fica mais lindo ― comentou. ― É claro que você também é.
― Jura? Ninguém nunca me disse isso antes, além dos meus irmãos e
meus pais. Mas obrigada.
― Só estou dizendo a verdade ― disse, triscando na ponta do meu
nariz com seu dedo.
― Por que me beijou? ― questionei, corada e curiosa, incapaz de não
perguntar. ― Você tem um jeito de que não se interessa pelo tipo de mulher
que eu sou.
― Tipo de mulher que você é? ― Estreitou os olhos.
― Você parece ser o tipo de homem que só pega louras formosas, com
pernas lindas. ― Suspirei. ― Eu não sou nada dessa forma.
Olhei minhas roupas, saia jeans, botas de caubói, blusa xadrez. Eu as
adorava e não mudaria, porque queria que o cara em questão ficasse comigo
por quem eu era, não por me vestir na moda. Meus cabelos eram compridos,
mas estavam presos em um rabo de cavalo. Eu não era feia, mas não era
como aquelas mulheres que ficavam horas no espelho se embelezando para
sair.
Taylor tocou meu rosto.
― Você é mais do que linda, caipira, tão sexy com essas botas de
caubói que fez todos os malditos bastardos do aeroporto virarem o pescoço
para olhá-la. ― Sorriu torto para mim. ― E não fique zangada com o
apelido, apenas acho que combinou com você. Gostei desse seu jeito e peço
para que não mude nunca.
Ele era tão diferente de todos os homens que eu já tinha visto, diferente
dos meus irmãos. Suas palavras derreteram meu coração. Eu nunca havia
conhecido um homem assim antes, mas gostei. Não ligava por ser chamada
de caipira, mas no bom sentido, claro.
― Obrigada ― sussurrei constrangida e me ajeitei no banco. ― Mas e
você, o que faz? Vamos conversar, assim não penso em onde estou.
― Tudo bem. ― Ele se manteve segurando minha mão como se fosse o
meu namorado. Seu tom de voz despertava algo em meu corpo que eu não
entendia muito bem. ― Você tem namorado?
Ri amarga.
― Acha que eu teria deixado você me beijar se tivesse um? ― Meu
tom soou seco.
Eu não era santa, claro, mas também não era uma vadia, que namorava
um cara e saía beijando outros homens. Tentei tirar a minha mão da dele, que
não permitiu.
― Não quis ofendê-la, só queria entender; nunca conheci ninguém igual
a você. ― Parecia realmente curioso.
― Igual a mim como? Que não se atira em você rasgando suas roupas e
devorando seu corpo sexy? ― Corei, mas era verdade. Eu não era assim. Se
meus irmãos soubessem daquele beijo, matariam Taylor. Para eles, eu ainda
era uma adolescente desprotegida, não uma mulher de 24 anos.
Ele riu.
― Isso é meio exagerado. ― Revirou os olhos. ― Corpo sexy, hein?
Não sou tudo isso.
Ele era cego, porque o cara era um Adônis em pessoa, formoso, sexy,
atraente e sedutor.
― Que tipo de mulher costuma namorar? ― indaguei curiosa, mas já
imaginava: igual a Melissa.
Ele sacudiu a cabeça, divertido.
― Nunca namorei ninguém na minha vida.
Pisquei.
― Nunca? Mas você é lindo... Oh, meu Deus! Você é mulherengo,
cafajeste, safado e salafrário, não é? Você só pega mulher pelo sexo! ― Meu
tom saiu alto no início, então o diminui. Eu não sabia o motivo da minha
surpresa; o cara era um tremendo deus grego. ― De um homem assim, eu
quero distância.
― Nossa! Você odeia tanto assim esse tipo de homem? ― Ergueu as
sobrancelhas, depois sorriu. ― Não se preocupe, eu não sou assim. Só a
beijei porque precisava acalmá-la, mas não me arrependo, porque também
queria beijá-la.
Não parecia ter mentira em seu tom nem em sua expressão.
― Desculpe, mas acontece que meus irmãos são assim. Eu os amo mais
do que tudo, mas a forma como eles ficam com as mulheres, descartando-as
logo em seguida, me deixa irritada.
― Você é contra o modo de eles agirem. ― Não era uma pergunta; acho
que ficou evidente pela minha reação que eu não gostava daquilo.
― Sim, mas tudo bem, mesmo se você for assim. ― Olhei para ele. ―
Você me ajudou ao me distrair com o beijo, embora isso não vá se repetir.
― O prazer foi meu ― respondeu, depois repetiu a pergunta do início,
uma que eu estava evitando responder, mas não tinha mais como burlar: ―
Mas o que pretende fazer em Vegas?
Suspirei triste, pensando no que aconteceria naquela cidade.
― O meu irmão vai se casar hoje... ― sussurrei.
― Você não parece feliz ― observou.
Sacudi a cabeça.
― Não estou, a mulher é uma cadela fria e interesseira, só está com ele
pela fama. ― Meu tom era amargo.
Ele arqueou as sobrancelhas.
― E o que seu irmão é? Jogador de futebol ou algo assim?
― Ele é vocalista da banda King, uma banda de rock.
― Eu li em uma revista que os integrantes dessa banda são irmãos.
Suspirei.
― E são. Nilan e Gave são meus irmãos de sangue, já o Shade é...
― Oh, esse tom não é nada bom ― falou meneando a cabeça de lado.
― O que realmente sente por esse Shade? Você gosta dele, não é?
― Eu o amo há dez anos, mas nunca tive uma chance. ― Limpei uma
lágrima que caiu pela bochecha. ― Ele só me vê como sua irmãzinha caçula,
que precisa ser protegida. Só estou aqui, neste avião, algo que me faz temer,
porque o amo independentemente do que ele vai fazer hoje.
Taylor deu um tapinha de leve na minha perna, mas onde ele tocou ficou
queimando como brasa viva. Uma reação bem estranha, porque, se eu amava
Shade, então não deveria sentir isso por ninguém, não é?
― Ele é cego, devo dizer. ― Sorriu. ― Você é linda, ainda mais com
esses olhos cor de chocolate. Essa boca... ― ele aproximou os lábios dos
meus, mas não me beijou ― me dá vontade de beijá-la e nunca mais deixá-la
partir.
Sorri da sua tentativa de me fazer sentir bem naquele momento.
― Adorei beijá-lo, nem acredito que foi meu primeiro beijo, ainda
mais com um cara que conheci em um avião.
Ele me olhou de soslaio.
― Primeiro beijo? ― indagou. ― Mas você é perfeita, ainda mais com
esse sotaque sulista. Você é de Dallas?
― Sim, e não sou perfeita. Bonita, talvez. E, quanto ao beijo, eu estava
esperando por Shade, pensando que um dia ele viesse a olhar para mim.
Mas, alguns dias atrás, ele chegou lá em casa e disse que ia se casar com
Melissa. Fiquei sem chão, acredito que ainda estou... ― Expirei. ― Um
amor impossível.
― Por que me deixou beijá-la? Se não quisesse, eu não teria feito, juro
― falou, passando a mão direita em seus cabelos.
― Eu sei, mas está tudo bem. De qualquer forma, eu jamais teria uma
chance mesmo de beijar Shade ― murmurei pesadamente.
― Eu diria que sinto muito, mas estaria mentindo, porque adorei ser o
primeiro. ― Ele sorriu de lado. ― Poderia ser o primeiro em outra coisa
também.
― Não acha que está pedindo muito? Eu mal o conheço para fazer isso.
O beijo, tudo bem. ― Peguei uma bebida que a aeromoça havia nos trazido
momentos antes e a tomei. Eu realmente estava desesperada para conversar,
porque estava falando de coisas muito íntimas com um estranho, bom, um
estranho sexy e lindo.
― E você, senhor Tay? Posso te chamar assim, já que me apelidou de
Lau? ― Ergui as sobrancelhas.
― Claro que sim, caipira. ― Piscou para mim. ― Pode me chamar do
que achar melhor.
Bebi mais um gole do champanhe.
― Isso é bom, me deixa contente. Preciso parecer alegre ao ver aqueles
dois se casando. ― Olhei-o de lado. ― Você poderia me acompanhar no
casamento.
― Dificilmente, já que um amigo meu também vai se casar em Vegas.
― Oh, está bem então ― murmurei.
― Podemos nos encontrar depois num lugar chamado Vergas Hotel. Ele
é um hotel, mas tem restaurante e boate nele também. Lá tem de tudo, então
podemos nos divertir. O que acha? É melhor do que ficar trancada em um
quarto chorando. ― Ele suspirou. ― Posso te fazer esquecer as coisas um
pouco, isso será minha meta essa noite. Prometo que vai se divertir.
― Tem razão, com você falando comigo, nem reparei em nada... Oh,
merda! ― Era nessa hora que me dava um frio na barriga e me fazia querer
gritar, mas é claro que não fiz isso.
― Está pousando ― comentou, apertando a minha mão.
― Não me diga, Sherlock. É nessa hora que me dá mais medo...
― Sei de algo que vai acalmar você. ― Pegou minha cabeça, enfiando
os dedos em meus cabelos e devorou minha boca, aliás, consumiu-a.
Por um instante, eu me esqueci de onde estava, das pessoas. É uma
pena não esquecer o meu amor por Shade também, pensei. Isso seria
maravilhoso.
― Senhores, já pousamos ― disse a aeromoça, assustando-me. Eu nem
tinha visto a hora da aterrissagem, nem ouvido as instruções de segurança.
Éramos os últimos passageiros ali. O meu cinto estava no lugar, mas o de
Tay, não, por isso seu beijo estava explosivo e seu corpo, colado ao meu.
Afastei-me da sua boca, que parecia com mel de tão boa.
A aeromoça olhava para Taylor, mas que garota não faria o mesmo?
Contudo, ele nem ligou, só me fitava com um sorriso lindo.
― Desculpe-me, nós já estamos saindo ― respondi com a voz um
pouco fraca.
Aquele homem era definitivamente uma força da natureza. Como era
capaz de me deixar toda mole e fraca com um beijo?
Deixei o avião com Tay ao meu lado, mas sem nos tocarmos. Como não
íamos passar muito tempo, tínhamos trazido pouca bagagem, na cabine
mesmo, por isso fomos direto para a área de desembarque. Vi o Milton me
esperando. Ele era o segurança dos meus irmãos, mas eu não queria ir com
ele para o hotel onde todos estavam, principalmente Shade e Melissa.
― Acho que o segurança do seu irmão está aqui ― falou Tay, fitando
Milton.
― Como sabe que ele é um segurança e está me esperando? ― Franzi a
testa.
― Simples, o cara é forte, parece ser do exército, tem olhos sérios, e
você o encara como se o conhecesse, então chutei, mas pelo visto acertei. Só
não entendo algo: eles devem saber que você tem medo de avião, então por
que não foram te buscar?
― Porque era para eu vir com uma amiga minha, mas ela teve que fazer
outra coisa. ― Na verdade, eu nunca havia contado a nenhum dos meus
irmãos sobre meu medo de avião. Escondia muito bem isso quando estava
com eles. ― Não quero ir com ele, preciso ficar um tempo longe de todos e
preparar minha expressão.
― Vou te ajudar com isso. ― Pegou minha mão. ― Venha comigo.
Capítulo dois
LAUREL
Meu telefone tocou enquanto eu estava num carro com Tay.
― Onde está? Milton ficou te esperando no aeroporto, mas você não
apareceu ― falou Nilan em tom preocupado.
Expirei.
― Eu só preciso de um tempo sozinha antes de ir para a cerimônia.
O casamento aconteceria no salão do hotel onde eles estavam. Como
um casal podia se casar fora de uma igreja? Melissa não estava grávida,
porque, se estivesse, Shade teria nos contado. Por que se casar com ela se
ele não a amava?
Nilan suspirou.
― Eu sei que as coisas estão difíceis para você agora, ainda mais tendo
de vir aqui e fingir que tudo está bem ― falou com sua voz um pouco grossa
―, que não está doendo enquanto assiste ao Shade se casando com outra.
Nilan sabia do que eu sentia, porque uma noite ele me viu chorando
quando vi Shade se pegando com uma garota após o término de um dos
shows deles. Eu tinha ido para lá com a ideia de lhe dizer o que sentia, mas
ele estava com outra.
― Está chorando? Me diz onde está, e eu vou te buscar ― ouvi
impotência na sua voz.
Eu não queria que ninguém me visse assim, só queria ficar sozinha, mas
Tay não deixou isso acontecer. Meu irmão faria o mesmo se soubesse onde
eu estava. Nem eu sabia, mas também não me importava.
― Estou bem ― falei, depois corrigi: ― Vou ficar. Vou tentar ir ao
casamento, mas, se não conseguir, te ligo, ok?
― Nesse momento não é bom você ficar sozinha ― disse Tay assim
que desliguei o telefone.
― Eu sei, mas realmente preciso de um momento sozinha ― pedi a ele.
― Obrigada por tudo, caso não nos virmos mais.
― Não vou embora sem antes procurá-la ― informou, olhando o hotel
onde eu iria ficar. Não era aquele em que estavam meus irmãos e vovó.
Tay não queria me deixar, mas assentiu, o que foi sensato da parte dele.
Provavelmente ele percebeu que eu realmente queria aquilo. Gostei da forma
que ele estava me ajudando, mesmo sem me conhecer.
Entrei no quarto pequeno do hotel, ainda mais em comparação à suíte
em que meus irmãos estavam hospedados para o casamento.
Eles torciam para que eu vendesse a fazenda onde morava, em Dallas,
mas não podia, pois ali era o lugar onde mamãe viveu sua vida inteira, e eu
não conseguia me desfazer dele. Além disso, eu amava tudo naquela
propriedade. Muitas pessoas já haviam me procurado para tentar comprar a
fazenda com o intuito de fazer um hotel afastado da cidade, ainda mais com o
lago no coração do local. O lugar era paradisíaco, apaixonante, e não digo
isso porque era meu. Não queria ver ninguém destruindo a propriedade para
fazer um hotel. Eu expulsaria qualquer um que tentasse.
Entretanto, não era burra. Sabia que, por trás das propostas de compra,
tinha o dedo dos meus irmãos. Eles que a elogiavam e anunciavam a
interessados, querendo me forçar a vender, mas isso não aconteceria. Eu não
permitiria que algum engomadinho tirasse a fazenda de mim. Todos da minha
família queriam que eu saísse de lá para viajar, fazer algo por mim, mas até
então eu não tinha descoberto qual era a minha paixão, além de montar um
haras e uma pousada.
Antes de me apaixonar por Shade, eu sonhava em me casar com um
caubói, embora esse sonho não tivesse se perdido, porque ele vestia calça
jeans apertada e botas de caubói. Sempre achei isso sexy em um homem.
De banho tomado, vesti um vestido frente única, mas não dispensei
minhas botas de caubói, as quais ganhara do Nilan. Arrumei-me, mas não
para Shade, já que ele nunca havia me notado. Soltei meus cabelos,
deixando-os cair em minhas costas.
Tinha chegado a hora de colocar um ponto final naquilo, de desistir de
Shade e parar de ficar sonhando com ele. Não era para ser eu a ficar com
ele, mas não deixava de doer. Talvez, se ele amasse Melissa, eu aceitaria o
casamento de modo mais fácil, mas nenhum dos dois se amava para tal
compromisso.
Peguei um táxi, não querendo ir com o Milton. Precisava ficar sozinha e
longe da fama de meus irmãos. Gostava do fato de eles terem realizado seus
sonhos, como se tornarem cantores famosos e andarem pelo mundo.
Inclusive, eles fariam uma turnê durante dois meses na Europa. Entretanto,
ser famoso também tinha suas chatices, como andar nas ruas e ver aquele
bando de mulheres barulhentas gritando por eles.
Eu evitava ser filmada o quanto podia. Os três me ajudavam com isso,
não deixando sair nada sobre mim na mídia. Esperava que eu passasse
despercebida naquela noite também. Não queria que ninguém visse minha
expressão, pelo menos os repórteres, por isso coloquei um casaco escuro
para ninguém me reconhecer.
Fiquei escondida durante toda a “reunião”. Não parecia uma cerimônia,
porque todos ali pareciam estar participando de um velório, não de um
casamento. Isso me deu mais raiva. Por que ele vai se casar, então?
Ali no salão não tinha muita gente, era uma recepção simples, sem
muito luxo. Fiquei surpresa quando disseram que não se casariam na igreja,
ainda mais por Melissa aceitar isso.
Shade estava onde fizeram um altar improvisado. Estava vestido de
preto, os cabelos castanho-escuros bagunçados. Ele não havia tirado suas
roupas de caubói para vestir terno. Ficou lindo do mesmo jeito. Tinha a
barba por fazer e os olhos tão negros como a noite. Sua expressão era como
se estivesse em um enterro. Eu queria sacudi-lo para não fazer aquela
besteira, mas não conseguia fazê-lo enxergar a verdade. Então, com um
aperto no peito, via-o destruir sua vida.
Melissa estava com um vestido de noiva que combinava com sua pele
branca e cabelos vermelho fogo. Ela era uma ruiva deslumbrante. Era uma
pena que estava levando consigo o homem que eu queria para mim. Estava
sorrindo, mas parecia forçado, embora eu pudesse estar vendo coisas que
não existissem ou querendo respostas que não teria.
A dor estava consumindo-me, tanto que era impossível ficar ali por
mais tempo, por isso saí sem que ninguém me notasse. Possivelmente nem
me viram chegar ao casamento. O que eu ia dizer aos noivos se
permanecesse lá? Muitas felicidades ou meus pêsames? Não sou de pensar
e querer o mal dos outros, então preferi partir.
Limpei meu rosto assim que entrei em um bar. Não reparei no nome
dele, mas também não me importava, só queria beber para esquecer.
― Me dá uma bebida, por favor. Qualquer coisa forte ― pedi ao
barman.
O rapaz me trouxe uma bebida qualquer sem fazer nenhum comentário.
Talvez já estivesse acostumado a ver mulheres chorando em seu bar, afinal
de contas, estávamos em Las Vegas, a cidade do pecado e das fortunas.
Dizem que quem tem azar no amor, tem sorte nos jogos, ou o contrário. Vai
saber...
― Você não devia estar sozinha aqui ― comentou uma voz conhecida
ao meu lado depois que eu tinha tomado algumas doses.
Levantei a cabeça e vi Taylor ao meu lado de braços cruzados.
Coincidência?
― Sim, eu devo, ou melhor, preciso. E você não tinha um casamento
para ir? ― retruquei, levantando o copo para beber mais um gole do
bourbon, mas ele não deixou e tomou o copo da minha mão.
― Acho que já bebeu demais ― declarou de um jeito mandão.
― Ei, isso é meu! ― rosnei, tentando pegar o copo de volta, mas ele o
levou para longe, colocando-o no balcão.
Atraiu-me para um canto escuro, e meu corpo se chocou com o dele,
fazendo-me ofegar com o impacto.
― O que está fazendo? ― Fitei seus olhos azuis e lindos.
― Eu disse que você bebeu demais. Está na hora de parar. ― Seu tom
parecia uma ordem.
― Você não é meu dono. Se eu quiser beber todas as bebidas daqui,
então vou beber ― silvei, chorando e batendo nele. ― Você não pode me
dizer o que fazer da minha vida!
Ele pegou minhas mãos.
― Eu sei que está sofrendo, mas ficar chorando e bebendo não vai
resolver nada. Seja uma mulher decidida e não uma fraca ― disse sem tirar
os olhos dos meus. ― Então, em vez de ficar triste e desesperada, faça algo
que nunca fez na vida, mas que sempre quis, embora não tenha feito por
achar impróprio ou errado.
Pisquei, contendo as lágrimas.
― O que eu mais queria fazer? ― Mordi o lábio, pensando.
― Sim. Me diz qualquer coisa, vou te ajudar a fazer. ― Seu sorriso era
travesso. ― Prometo que não deixarei você sofrer esta noite.
― Jura? Qualquer coisa?
― Qualquer coisa.
― Hummm, fazer uma tatuagem, me casar com um caubói e fazer sexo,
esses três sempre foram os meus desejos. ― Sonhava em fazer isso com
Shade, um sonho que não podia realizar.
Ele piscou.
― Essas três coisas? ― Meneou a cabeça. ― Não quer mais nada?
― Só essas três, mas não tem como eu fazer nenhuma delas ― sussurrei
derrotada. ― Talvez a tatuagem; ela é mais simples do que as outras coisas.
― Claro que tem. Eu prometi tudo que você quisesse, e por que não
podemos fazer, não é? ― Ele me puxou para fora da boate, deixando uma
nota de cem dólares ao cara do bar.
― Vai me ajudar a realizar? A tatuagem, tudo bem, mas me casar e ter
sexo? ― Corei, mas ele não viu, pois me rebocava dali.
― Não irei reclamar quanto ao sexo. ― Sorriu, levando-me a um carro
preto.
― Sempre sonhei em me casar na igreja e depois fazer amor com meu
marido. ― Minha voz estava meio arrastada. Acho que a bebida tinha culpa
pela coragem que eu sentia naquele momento, porque, se eu não tivesse
bebido, fraquejaria com certeza.
― Vamos cuidar disso hoje, mas primeiro vamos fazer a tatuagem.
Conheço um lugar ótimo, já fiz algumas das minhas lá. O cara é meu amigo.
Olhei seu braço, que tinha uma tribal e alguns outros desenhos. Eu
quero uma âncora, pensei.
Chegamos a uma lojinha de tatoos. Era pequena, mas gostei dela.
― Olá, Jordan, há quanto tempo ― saudou um homem coberto de
tatuagens assim que entramos na salinha.
― Jules. ― Jordan sorriu.
― Espera, seu nome não é Taylor? ― perguntei, pensando que ele tinha
mentido.
― Tenho os dois nomes, mas gosto quando você me chama de Tay. ―
Piscou para mim, depois olhou para o cara e a mim de novo. ― Laurel, esse
é Jules, um amigo meu. Fiz várias tatuagens dele, e ele fez algumas das
minhas.
― Olá, Jules ― cumprimentei-o. ― Me chamo Laurel.
Ele sorriu.
― Prazer em conhecê-la. ― Levou-nos a uma sala onde ele realizaria o
procedimento. ― O que deseja fazer?
― Eu quero uma tatuagem de âncora.
― Por que uma âncora? ― sondou Tay com os olhos estreitos,
parecendo saber o significado.
― Ela simboliza firmeza, segurança, convicção, mas também pode
significar atraso e um fardo a ser carregado. ― Suspirei com pesar. ― Acho
que esse final combina comigo.
― Não combina ― retrucou. ― Mas, para simbolizar a âncora e ficar
mais linda, vamos colocar uma flor-de-lis, que significa poder. Você precisa
disso para conseguir tudo o que deseja. Soberania e honra, você já tem com
seus irmãos, e acredito que com qualquer pessoa, como também lealdade. ―
Ele sorriu ante a última palavra. ― Você é pura e tem uma alma bondosa.
― Não tenho...
― Sim, você tem ― contra-atacou. ― Eu vi o que fez com aquele
senhor que ia atravessando a rua. Foi ajudá-lo antes de entrar no hotel e o
levou a uma igreja a cinco quarteirões de lá.
Pisquei chocada.
― Você estava me vigiando? ― inquiri em tom incrédulo.
Ele sorriu enquanto Jules esboçava a arte que faria em meu corpo.
― Você é alguém que deve ser protegida, não podia deixá-la sozinha
em uma cidade desse tamanho, sendo que não conhece ninguém.
Fiquei de boca aberta por ele querer me proteger e me fazer apreciar
tudo que faríamos naquela noite. Por isso, antes de entrar ali, eu desliguei
meu celular, para não ser encontrada por ninguém, nem mesmo por Nilan e
Gave. Deixei apenas uma mensagem dizendo que havia ido embora para
casa. Não gostava de mentir, mas o que diria a eles? Estava ali fazendo uma
loucura! Só torcia para que eu não me arrependesse de nada. Só viveria o
momento, não pensaria em Shade nem no que ele estava fazendo com sua
mulher. Precisava esquecê-lo de uma vez por todas.
― Onde vai querer a tatuagem? ― perguntou Taylor olhando meu
corpo. Vi seus olhos pegarem fogo pelo desejo que sentia.
Antes que eu respondesse, Jules trouxe a arte para eu ver se havia
ficado do meu gosto.
― Veja se esse desenho está bom ― falou, entregando-me o croqui.
Uma flor-de-lis se entrelaçava a uma âncora num misto de vermelho,
verde e preto. Ao invés de ficar feia ou esquisita aquela mistura de cores,
ficou linda.
― Uau, está perfeita! Como será que vai ficar depois de feita na minha
virilha? ― comentei comigo mesma, questionando-me se ia ficar bem no
meu corpo. Ainda bem que eu estava em dia com a depilação total que usava
― Porra! ― grasnou Taylor. ― Vai ficar deslumbrante, só que é uma
região a qual ninguém consegue ver, a não ser se você estiver de biquíni.
Não quer em um local visível?
― Não, quero que seja aqui mesmo ― falei, apontando para o local,
mas estava nervosa, porque meus irmãos tinham bastantes tatoos e diziam
que doía na hora de fazê-las.
― Está com medo? ― Taylor alisou minha mão num gesto calmante. ―
Não fique, eu estarei ao seu lado, caipira. Sempre.
― Cavalheiro ele, não? ― Sorriu Jules. ― Agora tire a calcinha e se
deite ali.
― Isso não vai acontecer ― rosnou Tay com a cara fechada. ― Eu faço
a tatoo, só me dê as coisas que preciso.
― Acha que vou deixar outra pessoa tatuar no meu estúdio? ― Jules
arqueou as sobrancelhas negras.
― Lembra o que me deve? Me deixe tatuar minha garota, e a dívida
estará encerrada ― disse Tay.
Jules avaliou Tay e depois deu de ombros, sorrindo.
― Ótimo, agora o estúdio é seu.
Fitei Taylor.
― Você está dizendo isso para que eu não fique nua na frente do cara?
Aliás, eu acho que não preciso tirar a calcinha, apenas abaixar e mostrar o
local onde quero o desenho.
― Sim, mas, pelo tamanho, nós podemos só esboçar e tatuar depois...
Cortei-o, dizendo com firmeza e não deixando minha voz fraquejar:
― Eu aguento, pode fazer completa.
― Tem certeza?
― Sim, vamos nessa ― tentei soar confiante, assim ele não deixaria
para outro dia, porque talvez eu não estivesse mais ali.
Jules saiu, deixando tudo que Tay precisava para fazer a tatoo. Eu não
sabia o que ele devia ao Taylor para nos deixar sozinhos em seu estúdio,
mas devia ser algo grande, porque ele parecia gostar de tatuar.
― Deite nessa mesa ― Taylor ordenou.
Fiz o que ele mandou sem reclamar, curiosa para saber como a tatuagem
ficaria. Sempre quis fazer uma tatoo, mas meus irmãos, até Shade, diziam
que eu não deveria, que algo assim deixava a pele feminina feia, por isso
nunca a fiz. Porém, naquele momento, em que se encerrava tudo entre mim e
o que eu esperava de Shade, eu mudaria a página. Ao menos até quando eu
acordar amanhã, não pensarei mais nele, repeti isso como um mantra.
― Posso? ― Ele pegou a barra do meu vestido e a suspendeu assim
que assenti, corando, é claro, mas ia evitar ficar com vergonha.
Seu toque provocou chamas em meu corpo, fazendo-me remexer. Seus
dedos em minha pele eram como brasas ardentes. Meu peito subia e descia,
e fitei Taylor enquanto ele fazia o processo.
― Não fique com vergonha de mim. ― Ele deixou o vestido na minha
cintura e seguiu com seus dedos traçando minha barriga até minha calcinha.
Eu ofegava, mas me controlei para não gemer.
― O que está sentindo? ― Sua voz parecia controlada, apesar de que
senti seu divertimento com meu estado. O homem sabia o efeito que tinha nas
mulheres, só podia ser.
― Garanto que os tatuadores não fazem isso com seus clientes, ou iriam
presos... ― Minha voz falhou quando seu dedo roçou em cima da renda
branca da minha calcinha.
― Vai me prender? ― sondou com um sorriso safado.
Fechei os olhos ao sentir seu toque e apertei minhas coxas, querendo
sentir mais o atrito delicioso. Gemi e perdi a capacidade de falar e de
controlar meu corpo, que parecia ter vontade própria. Eu devia me
preocupar com o lugar em que estava, mas não dei a mínima.
Taylor riu perto do meu pescoço. Senti seu hálito em minha pele, o que
a fez formigar.
― Posso aliviar você? ― Ele não esperou uma resposta e começou a
esfregar por cima da calcinha, depois a puxou de lado, e devo dizer que fui
arrebatada.
Seus dedos circulavam meu clitóris, fazendo-me gritar, mas logo me
calei devido ao lugar em que estávamos e por seus lábios, que foram para o
meus e devoraram minha boca com tanta fome que meu corpo se lançou para
cima querendo mais do que apenas seus dedos e lábios.
Gritei tamanho o meu êxtase, mas sua boca abafava os gritos,
impossibilitando de alguém ouvir. Minhas mãos apertavam seus cabelos,
puxando-o mais contra mim. Meu gozo chegou com ímpeto capaz de
explodir, e de fato o fiz assim que vi milhões de estrelas.
Taylor ficou me beijando mais alguns segundos e com a mão em minha
boceta, até que parei de tremer após o orgasmo.
― O que achou? ― sondou, alisando minha face com carinho.
Abri os olhos e me deparei com os seus e com um sorriso no canto da
sua boca.
― Nossa! Não é nada parecido quando gozo com meus vibradores... ―
comentei. ― Estou até mole.
Ele praguejou.
― Cristo! Você faz isso? ― Sua voz estava rouca de desejo. ― Um dia
eu gostaria de vê-la se tocando.
Pela forma como Tay falava, parecia que nos veríamos de novo. Eu
queria isso, aquele homem era muito bom no que fazia, isso porque ainda
nem havíamos feito sexo.
― Sim. ― Corei.
Ele me deu mais um selinho, mas parecia impressionado. Era claro que
eu era virgem, de homens, pelo menos, tudo por ficar esperando um cara o
qual nunca iria ter, mas não era totalmente, já que havia tirado minha
virgindade com um vibrador em forma de pênis. Minha amiga que me dera
de presente. Depois disso, eu o usava direto.
― Você é uma caipira muito linda, ainda mais com essa cor vermelha
em seu rosto ― falou, abaixando um pouco minha calcinha. ― Vamos
terminar logo isso para podermos ir embora.
Taylor era um homem lindo, disso eu não tinha dúvida. Havia algo nele
que me fazia ser eu mesma, não uma menina calada aceitando o que seus
irmãos queriam. Aquela jamais diria o que falava com Taylor, fora a parte
de ele me fazer esquecer tudo à minha volta, de me animar para eu não ficar
chorando com um pote de sorvete nas mãos.
Então ele começou a fazer a tatuagem, e a coisa doía, mas não liguei;
apenas estava me renovando após tudo o que aconteceu.
Fiquei calada olhando seus olhos azuis enquanto ele fazia o serviço.
Assim que ele terminou, passou um remédio ou alguma pomada, não sabia
dizer, mas imaginava que era para não infeccionar o local.
Tay me ajudou a levantar e me deu um espelho, então vi a tatuagem no
meu corpo. Ela ia do meu quadril direito até a virilha, uma âncora preta com
talos verdes trançando-se sobre ela e culminando na flor-de-lis vermelha.
― É tão linda! ― sussurrei pasma.
― Sim, é linda ― concordou, mas, pelo seu tom, não parecia estar
falando da tatuagem.
Levantei a cabeça e vi que os seus olhos estavam em mim. Sorri.
― Você tem talento, ficou perfeita.
― Obrigado. Agora vamos para o próximo passo, o casamento ―
falou, ajudando-me a baixar o vestido. ― Já preparei a igreja.
― Como, se não saiu do meu lado? ― Arqueei as sobrancelhas. Eu só
o vira conversar com Jules antes de ele sair.
― Tenho um amigo aqui que fez um favor para mim.
Taylor tinha um toque delicado, mas também um pouco misterioso. Eu
gostava disso; nunca havia conhecido alguém como ele.
― Jules?
― Não, outro, mas deixa pra lá e vamos aproveitar.
― Tudo bem, mas, e depois que nos casarmos, como vamos nos
divorciar?
Ele arqueou as sobrancelhas.
― Nem nos casamos, e já quer se separar de mim? ― Fingiu estar
espantado.
― Vamos nos casar e mal nos conhecemos, além disso, não estamos
apaixonados um pelo outro ― comentei assim que estávamos perto de uma
igrejinha que não ficava muito longe do estúdio de tatoos.
― Não se preocupe, eu cuidei disso também. Amanhã assinamos o
papel do divórcio. O que acha?
Eu devia estar louca para concordar com aquilo. Podia culpar a bebida,
mas não estava assim tão chapada, mas ela me dava coragem, já que eu era
muito medrosa para lutar pelo que queria.
― Ok, então. ― Sorri. ― Se meus irmãos soubessem que vou me
casar, eles matariam você, principalmente o Nilan, que é o mais protetor de
todos.
― Então não vamos dizer a eles, não é? ― Piscou para mim. ― Agora
vamos nos vestir de modo apropriado para um casamento.
― Não posso me casar assim? ― Apontei para o meu vestido. ― Não
tenho vestido de noiva.
Ele balançou a cabeça.
― Eu disse para não ligar para isso, que já ajeitei tudo, incluindo um
vestido que vai caber perfeitamente nesse seu corpinho sexy. ― Ele varreu
os olhos sobre mim com um sorriso sedutor.
Capítulo três
LAUREL
Taylor tinha razão, o vestido coube perfeitamente em mim. Era uma
pena não ser real, mas o cara era bom em escolher, porque ficou perfeito. O
vestido branco tomara que caia tinha pedras brilhantes na região dos seios e
era colado no corpo, mostrando minhas curvas.
Segui para a porta da igreja sem ninguém para me conduzir. Meus
irmãos me matariam se soubessem o que eu estava fazendo sem eles. Bem,
eu ia parar de me preocupar com os outros um instante e me preocupar
comigo mesma, fazer algo por mim. Quando eu me casasse de verdade,
deixaria que eles me levassem ao altar. Não poderia convidá-los para meu
primeiro casamento, porque todos matariam Taylor por me ajudar com
aquilo, incluindo Shade.
Sempre quando eu via os casamentos nos filmes, ficava louca para um
dia ser eu a entrar na igreja, enquanto o meu noivo me esperava chegar até
ele sem tirar os olhos de mim. Sabia que daquela vez nada aconteceria como
o desejado. Entretanto, ao entrar no corredor da igreja, quase tive uma
síncope e arregalei os olhos, incrédula.
Tay estava no altar da mesma forma com a qual eu sonhava que um
homem estivesse me esperando, mas o que me chocou e me fez gostar ainda
mais dele foi ver que estava vestido de caubói, jeans, botas, cinto com fivela
estilo country, camisa xadrez e chapéu Stetson.
Seu sorriso era deslumbrante ao me ver ali de boca aberta, ainda mais
ao varrer seus olhos sobre mim. Era como se eles fossem lasers, porque meu
corpo ficou como brasa.
― Você está lindo! ― exclamei, falando a verdade, porque aquelas
vestes eram bem diferentes das que ele usava antes, jeans e camisa branca.
Ele sorriu.
― Sou eu que devo dizer isso. Você está magnífica, caipira. ― Seu tom
era orgulhoso e quente. ― Nossa! Você está de tirar o fôlego! É isso, estou
sem fôlego só em olhá-la.
― Obrigada, caubói. ― Fiquei à sua frente.
― Adorei esse vestido, ainda mais com essas fodidas botas sexy de
caubói.
O reverendo ministrou nosso casamento.
― Devemos dizer os votos? Não é errado jurar em uma igreja quando
não vamos cumpri-los depois? ― comentei baixinho.
― Aqui é Vegas, nada conta ― respondeu ele, olhando-me de lado.
― Para mim conta quando é juramento, ainda mais na casa de Deus. ―
Franzi os lábios. ― Que tal assim? ― Fitei seus olhos lindos e divertidos.
― Eu, Laurel Mary King, aceito você, Taylor, como meu marido nesta noite.
Prometo amá-lo hoje e respeitá-lo e fazer todas as suas vontades enquanto
permanecermos casados.
Ele sorriu, gostando do que eu disse, e repetiu:
― Eu, Jordan Taylor Johnson, aceito você, Laurel, como minha esposa
nesta noite. Prometo amá-la hoje e respeitá-la e fazer todas as suas vontades
enquanto permanecermos casados.
O reverendo nos declarou casados.
Fui à casa de Shade, um amigo meu. Ele e seus irmãos, Nilan e Gave,
formavam uma banda muito famosa. Era aniversário de Shade naquela noite.
Eu estava animado, pois imaginava que nos divertiríamos muito, mas
não contava que fosse conhecer uma caipira linda e sexy com botas de
caubói. Ela era a única que se vestia de maneira diferente na festa; todos
usavam roupas e acessórios chiques, mas aquela garota estava com saia
jeans e uma camisa xadrez, fora as fodidas botas. Tinha cabelos castanhos
soltos em cascata em suas costas.
Ela nem notava que todos os caras olhavam para ela com desejo e
loucos para entrar em suas calças, ou melhor, em sua saia jeans. No entanto,
nenhum se aproximava ou conversava com ela. Seus irmãos eram protetores
demais com a menina, foram eles que colocaram o rótulo de “intocada para
todos” na testa dela.
Observando-a sentada mais afastada na sala, notei que olhava de forma
diferente para Shade, com grande interesse, mas ele nem notava, ainda mais
enquanto estava ficando com Melissa, uma cantora pop.
Vi a caipira saindo do apartamento. Parecia que estava difícil demais
para ela ver os dois juntos e se dirigindo para o quarto. Despistei seus
irmãos e a segui até o terraço do prédio para acompanhá-la; precisava saber
o que ela ia fazer lá em cima, ainda mais que estava com uma garrafa de
bebida nas mãos. Ela já tinha tomado algumas doses antes de subir.
Assim que entrei, vi-a em cima de um banco, e ela caiu para frente.
Corri e a peguei nos braços.
― Shade ― sussurrou com a voz um pouco grogue.
― Desculpe desapontá-la, mas não sou o Shade, e sim Taylor.
Ela piscou e depois saiu dos meus braços, mas vi dor ali. Ajudei-a a se
sentar.
― Senta, ou vai cair. ― A garota fez o que pedi. E eu me sentei ao seu
lado. ― Quer conversar? Sou um ótimo ouvinte.
― Uma vez Shade me salvou quando eu ia caindo de uma árvore.
Depois desse dia meu coração começou a bater por ele de um jeito diferente
― murmurou.
― Desde quando é apaixonada por ele?
Ela limpou as lágrimas.
― Desde os meus 14 anos. Mas ele nunca me notou.
― Cristo! Ele é cego, com certeza. ― Era verdade. Quem iria olhar
para alguém com aquela mulher por perto? Ninguém. Em poucos segundos
aquela caipira já estava nos meus pensamentos.
Ela riu triste.
― Você é um cavalheiro, não parece ser como eles. ― Apontou o dedo
para a escada que levava para o andar de baixo.
Se essa garota soubesse, não diria isso. É claro que sou cavalheiro,
mas não sou muito diferente dos irmãos dela.
― Por que não gosta de homens que ficam com mulheres a torto e a
direito? ― Não era bem uma pergunta, pois ficou claro que ela não gostava
daquilo. Acho que todas as mulheres do mundo odeiam homens assim. Isso
nunca tinha me incomodado antes, aliás, eu sempre gostara, mas a reação
dela me fez ficar confuso pelo modo como eu levava a vida.
― Eles são uns fodidos prostitutos que andam fodendo com qualquer
uma! Se Shade fode com todas, por que não pode me foder também? ― Ela
me olhou de lado. ― Tem algo de errado comigo? Será que vou ter de ser
igual a essas mulheres? Que vou ter de ser uma groupie vadia?
Cortei-a:
― Não tem nada de errado com você. Não precisa ser como elas para
um homem notá-la. Veja, eu estou até bobo, porque nunca conheci alguém
igual a você. ― Toquei seu rosto lindo com as pontas dos dedos. ― Você é
fascinante demais, acredite em mim.
― Como assim igual a mim? Uma caipira sem graça? ― Fungou.
― Você não é sem graça, e sim uma garota linda demais. ― Alisei sua
pele macia como seda. ― Nunca pense o contrário.
― Você me acha linda? ― Piscou chocada. ― Ficaria comigo?
― Sem pensar duas vezes. Se você não fosse esquecer o que estamos
conversando, eu ia te provar agora beijando essa boca linda.
― Não vou me esquecer disso. ― Ela sacudiu a cabeça ferozmente. ―
Pode me beijar, já que nunca fiz isso, bem, não conto com Samuel, que
roubou um beijo meu sem minha vontade.
― Me diz onde ele está, que acabo com ele. ― Meu tom saiu duro.
Ela riu. A risada e a voz com sotaque sulista me deixaram perdido.
Laurel, era esse o seu nome. Algumas pessoas a chamavam pelo apelido,
Lau.
― Meus irmãos fizeram isso, pode ficar tranquilo. ― Ela tocou meu
cabelo. ― São tão macios, parecem com os de Bec.
― Bec? É alguma amiga sua? ― Sorri, porque estava fazendo-a
esquecer um pouco o que sentia, a dor de um coração partido. Eu nunca
havia me apaixonado para sentir algo assim, mas já vira amigos meus
sofrendo por isso.
Lucky ficou um caco quando pensou que Sam o havia traído, seu mundo
ficou sem chão. Ryan quase enlouqueceu a ponto de se machucar quando
Angelina foi embora e o deixou. Jason foi pior, sofreu nove anos pela mulher
que amava; finalmente estava feliz.
Olhando para aquela caipira linda, por mais que eu gostasse dela e de
ficar perto dela, não queria sentir nada parecido com o que meus amigos
sentiam. Isso seria um maldito carma.
― Não é minha amiga, mas minha égua. Ela tem a crina tão loura
quanto a sua. ― Ainda sorria.
Dessa vez, eu gargalhei, porque já tinha sido chamado de gostoso, gato,
lindo e tudo mais, mas nunca me haviam dito que meus cabelos eram
parecidos com os de uma égua.
― Não ria, ela é linda ― Laurel sussurrou, colocando a cabeça no meu
ombro. ― Se eu não me lembrar de você amanhã, promete que vai me contar
sobre este momento?
― Não quer me esquecer? ― Arqueei as sobrancelhas para ela.
― Não, você parece ser um cara legal. Podemos ser amigos...
― Não sou amigo de mulheres; se você realmente me quiser por perto,
então teremos que transar. ― Passei o braço à sua volta.
― Transar? ― Ela beijou meu pescoço. ― Posso fazer isso. Já que ele
não me quer, você pode me ter na hora que quiser.
Eu queria poder dizer que ia ficar com ela, mas estaria morto se
tentasse alguma coisa; os seus irmãos acabariam comigo. Embora eu pudesse
arriscar algo assim, minha vida era toda bagunçada. Horas antes, eu tinha
recebido a notícia de que meu pai quase sofrera um acidente. Depois da
morte da minha mãe, ele ficou pulando de uma mulher para outra, pior do
que eu, que era novo. Entretanto, o pior era o alcoolismo. Naquele dia ele se
acidentara porque estava bêbado. Eu teria que contratar um motorista
particular para ele e evitar que se machucasse ou acabasse ferindo alguém.
Além do caos da minha vida, ao olhar para aqueles olhos chocolate me
fitando com ansiedade, como se quisessem aquilo, percebi que eu não podia
beijá-la quando, no outro dia, seria bem capaz de ela não se lembrar de
nada. Eu queria que Lau ansiasse por isso, assim como eu estava louco para
tê-la.
― Não posso beijá-la...
― Mas por quê? ― Sua voz falhou no final. ― Você é igual a ele, não
sente nada por mim nem sequer deseja me beijar...
Eu a interrompi beijando-a. Minha língua acompanhou cada canto da
sua boca com gosto de bebida, mas não liguei, porque estava como um
animal sedento, necessitando mais dela do que apenas beijos e amassos.
Laurel se sentou no meu colo e me abraçou forte, colocando uma das
mãos em meus cabelos e a outra nas minhas costas, apertando-me mais
contra si.
Eu estava como um viciado querendo uma droga, e naquele momento
aquela menina era a minha. Como eu podia ficar assim com um beijo? Já
beijara bastante na minha vida, mas assim? Nunca! Ela estava me deixando
excitado, mole e ofegante.
Ela gemeu, remexendo-se no meu colo. Tive que me controlar
duramente para não a possuir ali mesmo, ignorando meu bom senso, que me
dizia que ela não estava sóbria, que aquilo seria incorreto.
Afastei-me mesmo sem querer. Foi preciso muita força de vontade para
fazer isso.
― Tenho de parar, ou vai ficar pior e não poderei me controlar... ―
Merda, quando perdi o fôlego por beijar uma mulher?
― Mas está tão bom... ― Ela puxou meu cabelo e se escancarou em
mim, com sua boceta em cima do meu pau duro como rocha.
Segurei seus quadris, tentando parar seus movimentos, pois ela
rebolava em meu colo. Maldição!
Cara, se concentra, pedi mentalmente, como um maldito mantra. Não
podia deixar aquilo acontecer. Eu podia ser um mulherengo e muita coisa
mais, mas jamais ficaria com uma mulher embriagada, ainda mais se
corresse o risco de ela não se lembrar de mim no outro dia. Isso seria abuso,
e eu jamais faria isso.
― Tay... ― gemeu.
Afastei-me um pouco, respirando com dificuldade, mas me controlei.
― Não podemos fazer isso, e não é porque você não seja linda, pois é,
mas porque está bêbada e amanhã não vai se lembrar do que houve. ―
Toquei seu rosto e fitei seus olhos arregalados. ― Mas, se você se lembrar,
podemos continuar de onde paramos, com você sóbria.
― Mas e se eu não lembrar... então não vou ter você. ― Ela fez
biquinho.
― Se não se lembrar, eu a faço lembrar e depois ficamos juntos ―
menti, porque não poderia tocá-la. Meus amigos, irmãos dela, acabariam
comigo. Além disso, ela merecia alguém melhor do que eu, afinal de contas,
eu era como os irmãos dela, e Laurel disse que odiava homens do tipo.
― Promete? ― Ela escondeu o rosto em meu pescoço.
― Sim. Agora dorme, que cuidarei de você ― sussurrei, ajeitando-a
em meu colo como se fosse uma criança, embora fosse uma mulher linda,
olhando para seu rosto adormecido e sereno, tão perfeito que poderia
admirá-lo para sempre.
Carreguei-a para dentro do apartamento ignorando o fato de estar com
pau duro. Esperava que ele voltasse ao normal para que ninguém percebesse,
principalmente os irmãos dela.
Assim que entrei na sala com ela em meus braços, Nilan e Gave, que
estavam com uma garota – não estavam sem roupas, mas não ia demorar
muito para isso acontecer –, vieram correndo até mim, seus rostos cheios de
preocupação.
― Por que sempre me deixam por causa dessa garota sem graça? ―
rosnou a mulher.
Nilan fechou a cara para ela, e vi raiva em seus olhos, que eram da
mesma cor dos de Laurel.
― Chegou a hora de você ir embora. Se não gosta da minha irmã, que é
a pessoa que mais amo no mundo, então não serve para estar comigo ―
grunhiu, fuzilando-a, mas ela não partiu, então Gave, que se parecia com
Nilan, moreno e cheio de tatuagens, algumas até feitas por mim, bradou:
― Seguranças?! Tirem essa mulher daqui e não a deixem entrar mais!
― Em seguida veio correndo até mim. ― Por que ela está apagada? Lau está
bem?
Eu os tranquilizei, porque suas vozes se alteraram e podiam chamar a
atenção de Shade. Não queria vê-lo naquela hora, ou acabaria com ele, não
me importando se eu não tinha direito a isso.
― Laurel está bem, só bebeu demais. Eu vi quando ela foi para o
terraço e a segui, porque ela não parecia bem, então notei que estava bêbada.
― Não contei que a tinha beijado, ou seria linchado.
Nilan a olhou com tristeza e depois para a porta pela qual Shade tinha
passado, então eu soube que ele tinha ciência de que sua irmã estava
apaixonada pelo irmão. Já Gave não parecia saber disso.
― Eu fico com ela ― disse Nilan, estendendo as mãos para tomá-la
nos braços. ― Lau é fraca para bebidas.
― Ela também fala muito. Ela disse algo a você? ― sondou Gave.
Balancei a cabeça enquanto a entregava a Nilan. Queria colocá-la eu
mesmo na cama, mas não podia.
― Não, só estava falando coisas sem sentido. Bom, agora tenho que ir.
― Eu não queria partir, mas, se ficasse ali, eles acabariam me enchendo de
perguntas que eu não podia responder. Se Lau não lhes disse o que sentia por
Shade, não era eu que diria.
― Obrigado por estar com ela, cara, e não a deixar fazer uma besteira
― Gave agradeceu.
Assenti, lembrando-me de tê-la salvado de pular do banco. Apostava
que ia fazer aquilo com o intuito de Shade salvá-la de novo, assim como ele
havia feito uma vez. Talvez, de um jeito maluco em sua mente bêbada, ela
queria que aquilo se repetisse.
― Não foi nada, mas acredito que ela vá acordar com uma baita dor de
cabeça ― comentei, olhando mais uma vez para ela, nos braços de Nilan,
tão serena que eu só queria protegê-la contra o meu peito e não deixar mais
ninguém a magoar, nem mesmo meu melhor amigo.
― Têm mulheres; pode pegar uma e se divertir ― ofereceu Nilan. ―
Eu vou levar Lau para o quarto.
Olhei as mulheres no salão, todas lindas e gostosas, mas tão diferentes
da garota que havia estado em meus braços alguns minutos antes, com seu
cheiro de lavanda... seus gemidos...
Percebi que não queria nenhuma daquelas mulheres, por isso fui
embora, esperando ver aquela caipira novamente e cumprir a promessa de
lembrá-la do que tivemos, caso ela se esquecesse.
Capítulo seis
TAYLOR
Dias atuais
― Porra, cara, onde você está indo? ― inquiriu Daniel, meu amigo de
baladas.
Antes, eu tinha Lucky e Ryan Donovan e Jason Falcon, além de Daniel.
Nós saíamos para festas e pegávamos muitas garotas. Todavia, todos
estavam casados e felizes com suas mulheres, menos eu e Daniel, que ainda
continuávamos solteiros.
― Estou indo para Dallas. Assim que chegar lá, te dou um toque.
― Atrás dela de novo? Você sabe que está ferrado, não sabe? ―
comentou com uma risada. ― Os irmãos dela vão acabar com você.
― Obrigado ― resmunguei.
Dois meses antes, após ver Laurel e a sentir em meus braços, eu
descobri que não tive o suficiente daquela mulher, por isso fui para Dallas.
Prometi à caipira que, quando ela estivesse sofrendo, eu estaria ao seu lado.
O dia seguinte seria o “grande dia”, aquele em que meu amigo Shade
iria para a forca. Pouco tempo após o aniversário dele, no qual ficou com
Melissa, os dois resolveram namorar. Eu não sabia o que tinha acontecido
para ele estar casando-se com ela.
Shade era calado, não era de se abrir muito. O único para quem ele
contava tudo era o Gave, que também não disse nada sobre o assunto. Eu não
o forçaria a me contar seus motivos para se casar com alguém que não
amava.
Melissa não era vagabunda, mas era fria com todos. Ela era conhecida
como a Dama de Gelo. Eu não sabia o que ele tinha visto nela, a menina era
uma maldita geleira. Bom, gosto não se discute.
― Você é louco. ― Daniel sacudiu a cabeça.
Ele era dono da editora Luxem, que vendeu para Ryan Donovan para
que esse a desse de presente para sua mulher, Angelina. Loucura, eu dizia,
jamais farei algo assim. Bom, pensava isso antes de conhecer Laurel.
― Vai ficar tudo bem, não se preocupe com isso. Está tudo resolvido.
Depois que eu chegar lá, dou um toque. Infelizmente você não pode ir, já que
precisa treinar para a próxima corrida.
― Sim. Enquanto isso, tome cuidado, cara. Os irmãos dela vão matá-lo
caso saibam que você anda louco pela irmãzinha deles.
Depois que conheci Lau pessoalmente, passei a nutrir sentimentos por
ela, que, além de linda, era bondosa. A cidade inteira parecia gostar dela.
Quem não gostaria?
― Droga, Jordan, você sabe da furada e encrenca que isso pode te
causar? ― questionou Daniel quando me mantive calado. ― Se os irmãos
dela souberem, eles vão te castrar.
― Shade pediu que eu fosse a Dallas a fim de convencer Lau a vender
sua fazenda. Ele quer que eu a compre para que ela vá fazer alguma coisa
fora de lá. ― Suspirei.
Fiquei chocado quando Shade veio até mim me pedindo para comprar a
fazenda de Laurel. Ele me disse que gostaria que ela viajasse e descobrisse
o que mais gostava de fazer. O cara era cego, mesmo sendo irmão dela.
Laurel atravessava a cidade para ir a um haras que ficava longe de sua
fazenda. Eu podia ver seus olhos brilhando ao ver os cavalos correndo nos
pastos verdejantes, percebi que aquilo era sua paixão. Só não sabia o motivo
de ela não fazer o mesmo em sua fazenda. O lugar era tão lindo, perfeito para
fazer isso.
― Sim, pediu, mas não para você ficar cobiçando a irmã dele, que, por
sinal, morre de amores por ele. ― Daniel suspirou enquanto entrava em seu
carro de corrida. O cara era bom nisso.
― Não posso deixar que ela continue apaixonada por Shade. Amanhã é
o casamento dele. Você sabe como me sinto. Sabe como ela está? Machucada
e sofrendo. Não vou deixá-la se afundar em dor enquanto Shade se casa com
Melissa. ― Passei as mãos nos cabelos. ― Prometi que não a deixaria
sofrer, não por ele, como acontecerá amanhã.
― Está apaixonado por ela, cara? ― perguntou surpreso.
― Não, claro que não! ― respondi. Não existia amor à primeira vista,
então eu não podia estar apaixonado. Como isso aconteceria comigo, que
não acreditava nessas coisas? Se bem que a maioria dos meus amigos tinham
caído por mulheres e estavam casados. Isso não podia acontecer comigo,
podia?
― Não? Cara, você ficou mais em Dallas do que aqui durante esses
dois meses. Aposto que estava atrás dela, não é? ― Arqueou suas
sobrancelhas. ― Não venha me dizer que era a trabalho, porque isso é
besteira.
Daniel tinha razão quanto a isso, mas eu só estava preocupado com
Laurel e queria vê-la e saber o que fazia da vida. Isso não podia ser paixão,
podia? Sempre quando a via, o meu coração acelerava como se fosse sair do
peito. Reação estranha, a qual nunca havia sentido antes, bem, apenas
quando a beijei naquela noite.
― Isso não significa que seja amor ― retruquei.
Ele riu.
― É o que então? Perseguição? Jordan, pensa bem. Se for mesmo se
aproximar da garota, diga a ela o que Shade pediu para você, porque, depois
que ela souber que está perto dela apenas com a intenção de tentar convencê-
la a vender a fazenda, as coisas não vão ficar bonitas ― aconselhou, ligando
o carro. ― Agora vou treinar, pois tenho uma corrida semana que vem.
Assenti, ainda chocado. O que diria a Laurel? Que ficaria perto dela
para convencê-la a vender a fazenda? Porém, eu não estava indo para fazer
isso, e sim para ficar ao lado dela e protegê-la. Por quê? Eu não fazia ideia.
Acordei à noite com o som de uma voz linda cantando na escuridão uma
música de Ed Sheeran – Photograph.
Taylor estava tocando no meu violão, que ganhei da minha mãe. A voz
de Tay soava como a brisa, tão leve e tão pujante. Algumas palavras da
música tinham um acento intenso, como se ele estivesse sofrendo por amor.
Não achei que estivesse apaixonado por outra mulher. Seria por mim? Por
que um cara aceitaria ficar com uma mulher enquanto ela gostava de outro?
Aqueles sentimentos só podiam ser por mim; se fosse pelo sexo, ele poderia
ter qualquer mulher.
Meu coração se comoveu ao perceber que ele pensava que podia sair
machucado daquela relação. Mesmo assim, através da letra da música e o
sentimento com que Tay tocava, senti a sua promessa de nunca me deixar
sozinha, além de um pedido para que eu o esperasse voltar para casa. Ele
estaria pensando em ir embora? Não conseguiria esperar até que meus
sentimentos por Shade estivessem resolvidos? Porque era isso o que eu
queria, uma resolução, e lutaria para ter somente Taylor em minha vida, meu
corpo e coração.
As palavras da canção que ele cantava também diziam que amar podia
curar a alma. Será que era isso que Tay queria me dizer? Que através do
amor ele poderia me curar? Eu gostaria de perguntar a ele, mas não queria
estragar o momento. Fechei os olhos e fingi estar dormindo.
Assim que a música terminou, ele expirou como se estivesse com
dificuldade de respirar ou se doesse. Senti seus dedos em meus cabelos.
― Você tem essa capacidade de me machucar que nunca ninguém teve
― falou, e, por um breve segundo, pensei que soubesse que eu estava
acordada. No entanto, continuou: ― Eu vou correr o risco, porque não posso
ficar longe de você. Nunca vou deixá-la ir embora.
Ele se afastou após um momento e se levantou da cama. Ouvi um baque
surdo como se ele estivesse guardando o violão, depois uma porta sendo
aberta e fechada.
Abri as pálpebras e olhei para a porta fechada pela qual ele havia
saído. Meu coração estava doendo com o que acabei ouvindo. Taylor
realmente gostava de mim. O que isso me tornava? Eu era uma cadela que o
aceitava correndo o risco de não me apaixonar por ele. Deveria terminar o
que tínhamos? Estremeci só em pensar nisso.
Sacudi a cabeça, levantei-me e fui procurá-lo. Precisava lhe dizer tudo
o que eu sentia naquele momento.
Tay estava na cozinha, sentado à mesa, tomando um copo de água.
― Eu não vou machucá-lo ― sussurrei.
Ele me olhou, mas não disse nada, então fui até ele e me sentei em seu
colo, colocando os braços em volta de seu pescoço.
― Juro que não vou machucá-lo, mas quero que me prometa o mesmo
para quando eu me apaixonar por você ― pedi, alisando seu rosto.
Ele me pegou pela cintura e me colocou na mesa, puxando minha
camisola para fora do meu corpo. Logo estava me possuindo, preenchendo-
me, adorando-me.
― Com meu pau dentro de você, eu juro que não vou machucá-la ao se
apaixonar por mim. Que a amarei a cada segundo e a farei a mulher mais
feliz do mundo. ― Beijou-me, selando a promessa.
Capítulo oito
LAUREL
Os dias seguintes foram os mais felizes da minha vida até então. Taylor
não falou sobre o momento em que havia cantado, algumas noites antes.
Todavia, notei que ele estava feliz com o que eu disse a ele. Eu também
estava, afinal de contas, era verdadeiro. Com o passar do tempo ao seu lado,
eu não pensava mais no que sentia por Shade, na verdade, nem sequer
pensava mais nele, não com interesse amoroso ou sexual. Era isso o que eu
queria ter, apenas Tay na minha mente.
Estava deitada usando meu biquíni preto sobre um cobertor fino que eu
tinha colocado no chão em frente à cachoeira. Taylor estava ao meu lado, de
short de banho. Estávamos sozinhos naquele lado da fazenda.
Sentei-me e olhei para a frente, admirando a beleza do lugar, os pastos
do outro lado do riacho. Tinha uma cerca que impedia meus cavalos de
chegarem a ele.
― Este lugar é magnífico. Você já pensou alguma vez em vendê-lo? ―
sondou ele. ― Porque seria um desperdício.
Suspirei.
― Não, nunca vou vender. Até já tive propostas tentadoras, mas está
vendo aqueles cavalos lá? Aquele preto? ― Apontei para frente ― Eu o
chamo de Corcel Negro. Às vezes venho aqui e o vejo galopar. Ele é tão
lindo que eu adoraria montá-lo.
― Por que não o faz? ― Ele olhava para o animal belo, trotando com
sua crina voando ao vento.
― Porque ele é selvagem. Não consegui domá-lo, mas gostei dele
desde a primeira vez que o vi. Seu antigo dono ia sacrificá-lo por ele quase
ter matado a filha dele, que tentou montá-lo. ― Apertei as mãos com raiva,
lembrando-me do ocorrido. ― Ela sabia que ele era um cavalo selvagem e
foi avisada para não o montar, mas sabe aquelas pessoas turronas, que não
ouvem ninguém?
― Sim.
― Então essa mulher era assim. Ela tinha 23 anos, então sabia o que
estava fazendo, não é? Por que montá-lo? Depois que ela caiu, seus pais
queriam sacrificá-lo, mas não deixei e briguei com eles. Eram amigos da
minha mãe. Falei que ia comprá-lo. ― Ri amarga. ― Sabe o que o fodido
fez? Ele ia matá-lo, mas, quando eu disse que o compraria, pediu uma
quantia exorbitante. Shade o comprou para mim.
Taylor ficou calado por um segundo, então olhei para ele, que estava
sério.
― O que foi?
Ele sacudiu a cabeça.
― Nada ― falou e mudou de assunto: ― Por que vai ao haras do outro
lado da cidade? Por que não faz um aqui? Este lugar é simplesmente perfeito
para fazer isso. Há espaço.
Pisquei.
― Sabe que sempre quis fazer um aqui? Mas as coisas não saíram
conforme planejei.
Ele estava prestes a falar alguma coisa, mas fomos interrompidos pelo
meu celular.
― Alô? ― atendi sem olhar a tela, porque estava com os olhos em Tay.
Deitei-me de costas.
― Como está a minha princesa? ― perguntou Nilan com tom
preocupado.
― Estou bem, Nilan. Ficaria melhor se parasse de perguntar isso ―
respondi com um suspiro.
― Não pode me culpar por me preocupar com a minha irmãzinha linda
― disse com um sorriso na voz. ― Sabe que, se precisar de mim, é só gritar,
e eu irei correndo para você.
― Eu sei que viria correndo se eu precisasse, mas não preciso, porque
estou mais do que bem ― garanti e toquei o rosto de Tay, com a barba mais
cheia, o que eu estava adorando na hora do sexo oral. Alisei-a com a ponta
dos dedos.
Ele sorriu para mim, adivinhando o que eu estava pensando. Agachou-
se à minha frente e abriu minhas pernas. No dia anterior, eu lhe disse que
adorava o que estava sentindo com sua barba. Ele sorriu e disse que ia
mantê-la assim.
Sacudi a cabeça num pedido para que ele não fizesse o que eu estava
pensando. Tentei fechar as pernas, mas Tay não deixou e as abriu mais.
― Tudo bem, querida ― disse Nilan. ― Como a fazenda vai?
― B-bem... ― Minha voz tremeu assim que Tay puxou a calcinha do
biquíni para baixo e a tirou de mim.
― Não ― falei para Tay, mas sem deixar o som sair da boca.
Ele não disse nada, mas abaixou o rosto, levando-o à minha boceta e
sugando meu clitóris. Tive de reprimir um gemido de puro prazer.
― Você está bem? ― questionou Nilan preocupado.
― Sim...
― Parece estar ofegante ― observou em tom confuso.
― Estou malhando, o exercício é bem pesado... ― Merda! Peguei os
cabelos de Tay e os puxei, mas ele não saiu do lugar, apenas me degustou
mais intensamente.
― Você não precisa fazer essas merdas, seu corpo é perfeito ―
afirmou com orgulho, mas um leve tom amargo. ― Não sabe o tanto de
garotos na escola em que tive de bater, quando diziam que você era quente.
O “quente”, ele acertou em cheio, porque cada uma das minhas células
parecia estar em ebulição.
― Obrigada...
― Escuta, eu soube de um leilão de cavalos que vai ter em Dallas hoje
― avisou.
― Hummm, eu soube. ― Não entendi o motivo de ele ter mencionado
aquilo, mas estava com a mente vaga por causa da boca de Tay em mim, o
que não me deixava pensar direito.
― Bom, providenciei dois ingressos para você. Basta pegar na entrada.
Pode levar a Sabrina. Eu soube que vão ter dois cavalos Árabes lá. Se você
quiser fazer o lance, pode fazer, que eu pago o preço que for.
Pigarreei.
― Obrigada, Nilan, eu... ― comecei a dizer, comovida, mas minha voz
falhou devido a uma língua vagando em mim. ― Preciso ir... ― Desliguei e
gemi, encontrando os olhos de Tay. ― Merda, isso é bom demais, mas fazer
isso enquanto falo com meu irmão é constrangedor.
Ele tirou a boca de mim e sorriu de modo pervertido.
― Caipira, é só pensar que ele não poderá vê-la, nem ninguém. ― Ele
gesticulou ao redor. ― Estamos sozinhos, e você ficou tocando minha barba,
desejando-a entre suas pernas... Estou só realizando seu desejo.
― Quando foi que eu disse que o queria entre minhas pernas? ―
Ofeguei, puxando-o para mim e o beijando com fome.
― Hummm, ontem à noite ― sussurrou nos meus lábios.
Sorri.
― Certo, você venceu. Adoraria ficar a tarde inteira aqui, desfrutando
da natureza, mas... ― Empurrei-o de costas, abaixei seu short e subi nele,
encaixando-me em seu pau duro. Montei nele com as mãos em seu peito, e as
suas vieram para os meus seios, massageando-os e os apertando de forma
enlouquecedora.
― Cristo, essa visão é deslumbrante... ― rosnou ele. ― Rebole em
meu pau, linda.
Fiz o que Taylor me mandou, porque seu tom usado enquanto estávamos
transando era enlouquecedor, e eu adorava cada momento. Não queria perder
aquilo nunca.
Uma sensação de calor entrou em meu peito ao encontrar seus olhos
preciosos iguais ao céu sobre nossas cabeças.
Seus dedos foram até o meu clitóris, induzindo-me a tremer e gemer
com um orgasmo alucinante. Ele veio logo atrás e me puxou para um beijo
quente e selvagem.
― Você me tira o fôlego ― comentei, dando um selinho antes de sair de
cima dele. Olhei minhas coxas molhadas. ― Não usamos camisinha.
Taylor ajeitou seu short e pegou minha parte de baixo do biquíni.
― Bom, você começou a tomar anticoncepcional, então pensei em
parar de usar camisinha e sentir a sua boceta quente apertar o meu pau
quando goza. O calor é sensacional. ― Sorriu, entregando-me a calcinha. ―
A não ser que não acredite que estou só com você. Antes, eu sempre usei
camisinha, então não tenho qualquer doença.
Remexi-me com suas palavras intensas. Ao ouvir sobre doenças, franzi
o cenho.
― Acredito que você não está vendo ninguém, Tay, não é isso, é só que
me esqueço de tomar os comprimidos às vezes. Isso pode causar um efeito
colateral, já imaginou?
― Vou lembrá-la todos os dias, mas, se acontecer, eu estarei aqui para
você, embora queira aproveitar cada segundo antes de termos filhos ―
anunciou, levantando-se e me puxando para a cachoeira. ― Agora vamos dar
um mergulho.
Assenti, ainda de boca aberta por ele querer ficar para sempre ao meu
lado. Cada dia em sua presença comprovava que Taylor cumpriria a
promessa expressa naquela música, que estaria sempre comigo.
Vesti minha calcinha e o fitei; ele estava com os olhos em mim.
― Você é tão linda que eu podia ficar o dia todo olhando para você ―
disse admirado e me puxou para seus braços, beijando a minha boca.
Retribuí e me afastei, meio ofegante.
― Você que é lindo ― afirmei. Nadamos um pouco, então saí da água,
indagando: ― Vamos embora?
― Por que a pressa? ― perguntou enquanto me seguia.
Peguei minhas roupas e as vesti, fitando-o ainda de short e peito nu.
Isso me fazia babar por ele o dia todo, e eu não me cansaria de forma
alguma, aliás, amaria cada segundo. Tay era esplêndido. Quanto mais eu
tinha dele, mais queria ter, nunca era suficiente.
― Adoro esse olhar em seu rosto ― comentou com um sorrio maroto.
Corei.
― Parece que nunca é suficiente estar em seus braços ― falei a
verdade, o que aumentou o seu sorriso. ― Mas tenho um compromisso hoje,
então vamos ter que esperar para aproveitar nossa lua de mel.
Ele riu caloroso.
― Lua de mel, hein? ― Piscou. ― Estou adorando isso.
― Eu também. ― Sorri também.
― Que compromisso é esse, já que estamos no fim de semana? ―
sondou enquanto vestia a camiseta.
― Tem um leilão de cavalos acontecendo hoje aqui em Dallas. Nilan
me disse que comprou dois ingressos. Estou há muito tempo querendo ir para
comprar um cavalo árabe. Já tenho um persa, um andaluz, que é originário da
Espanha, e alguns outros, mas estava louca por um Árabe.
― Você vai a um leilão de cavalos hoje? ― Ele me avaliava. Tinha
algo em seu tom que revelava que algo o estava incomodando. ― Por que
não me falou antes?
― Sim, eu já sabia há alguns dias. ― Franzi o cenho. ― O que foi? Por
que parece estar incomodado com isso?
Ele suspirou.
― Nada.
― Se vamos fazer nosso casamento funcionar, não devemos mentir um
para o outro, porque odeio mentiras ― falei de braços cruzados.
Ele assentiu e respirou fundo.
― Desculpe, você tem razão. ― Aproximou-se e tocou meu rosto. ―
Eu só tinha um jantar planejado para nós dois.
Franzi o cenho.
― Para que horas está marcado o jantar? ― inquiri enquanto passava
os braços à sua volta.
― 7h da noite.
Sorri.
― Bom, podemos ir ao leilão, que será às 4h da tarde, depois jantar.
Isso se você não se incomodar em ficar horas ouvindo todos falarem de
cavalos...
Nós já tínhamos conversado sobre seus hotéis em Dallas. Pela forma
como ele falava, parecia amar aquilo. Eu iria com ele caso tivesse algum
coquetel em seus hotéis e não reclamaria. Entretanto, nem todos gostariam de
ir a um leilão de equinos.
― Acha que eu não iria só por ser um leilão de cavalos? ― perguntou,
e continuou assim que assenti: ― Então me diga uma coisa: quando eu tiver
uma festa ou inauguração de algum hotel, você iria comigo ou isso a
chatearia?
Suspirei.
― Entendo seu ponto, porque eu iria com você, e, se a festa fosse ruim,
a faria ficar interessante. ― Passei o dedo em sua barriga.
Ele sorriu e pegou minha mão, que descia para seu short.
― Então faço o mesmo caso não goste do leilão de cavalos. ― Beijou
minha mão e minha aliança. ― Agora vamos embora.
― Ainda está com raiva? ― perguntou Taylor assim que nos sentamos
no restaurante Dallas Hills. Ele era cercado de vidro, com toalhas de linho
fino, com certeza caro.
Fuzilei-o.
― Não queria que eu ficasse? Você comprou dois cavalos que custaram
cerca de oitocentos mil cada, e nem gosta de cavalos!
― É claro que gosto, só não sou apaixonado por eles como você, que
concordou em receber o Árabe...
― Sim, eu o aceitei para deixá-lo feliz, porque gosto de vê-lo assim,
mas não dois, pois isso é loucura! ― reclamei.
Ele suspirou.
― Vamos fazer o seguinte: já que gosta de me ver feliz, você vai fazer
isso por mim, receber só o Árabe. E, quanto ao Clydesdale...
― O escocês ― rosnei. ― O que tem ele?
Taylor sorriu.
― Já deu nome para o meu cavalo? ― Seu tom parecia alegre. ― Ele é
meu, mas vou deixá-lo na sua fazenda, já que só tenho hotéis. O que acha?
Pensei nisso por um segundo.
― Então você comprou um cavalo para você, mas vai deixá-lo na
minha fazenda?
― Sim, você toma conta dele, já que não entendo de cavalos.
― Tenho Pietro, o veterinário e adestrador da fazenda. Ele trabalha lá
desde que eu era criança e cuida muito bem dos meus cavalos. Eu aceito,
mas você não vai vendê-lo depois, porque me apego fácil.
― Eu juro. ― Ele sorriu e enfiou a mão nos meus cabelos, puxando o
meu rosto para o dele e me beijando com fome, tanto que me esqueci de onde
estávamos.
Percebi que, de qualquer forma, havia ganhado dois cavalos, e tudo por
Tay ter me dado ambos. Ele não ia querer algo de que não entendia e pelo
qual não era apaixonado como eu. Um trapaceiro e tanto; no final das contas,
tinha o que queria desde o princípio. E eu também, porque amava seu
sorriso.
Capítulo nove
TAYLOR
Acordei com um fogo, um calor tomando conta de mim, lábios gostosos
me sugando e me fazendo gemer.
Abri os olhos e olhei para baixo para me deparar com uma visão a qual
jamais iria esquecer na minha vida. Eu já havia tido boquetes antes, mas,
porra, uma visão igual àquela, nunca!
― Puta que pariu!
Os lábios de Laurel estavam em volta do meu pau, chupando-o,
lambendo-o como se ela estivesse faminta. Uma de suas mãos estava ao
redor do meu pênis, na porção que ela não conseguia colocar na boca.
― Porra, adoraria ter uma câmera para filmar isso! Nunca vi nada mais
lindo!
Sua respiração acelerou, e seus olhos me fitaram tão quentes e famintos
que meu peito parecia querer explodir. Estava doido por aquela mulher
magnífica. Sorte minha que ela estava sentindo o mesmo. Esperava que ela
logo se apaixonasse por mim e esquecesse Shade completamente. Estava
ansioso por isso.
Dois meses antes, eu havia acordado à noite após ter um pesadelo com
ela me deixando, então olhei para o lado e a vi ali toda linda, adormecida.
Foi quando me deu vontade de cantar. Fazia anos que eu não tocava em um
violão, desde que minha mãe falecera.
Aquela música descrevia o que eu sentia naquele momento, mas não
achei que Lau estivesse ouvindo, apesar de que fiquei feliz por isso. Aqueles
dois meses com ela foram tudo de bom, aproveitamos cada segundo. Era
como se estivéssemos tendo nossa lua de mel na fazenda.
Nunca na minha vida eu quis ter um sentimento assim por uma mulher.
Ela veio e arrebatou meu mundo de tal forma que eu não conseguiria sair
daquela história sem me machucar e sem também machucá-la. Com certeza
eu faria de tudo para que isso não acontecesse. Precisava conquistá-la,
depois diria a verdade a ela, porque, se Laurel descobrisse que Shade me
pedira para vir tomar conta dela e depois convencê-la a vender a fazenda,
ela não entenderia, embora não fosse por isso que eu estava com ela. A
mulher conquistava todos por onde passava sem ao menos fazer esforço.
Expulsei os pensamentos ruins; lidaria com eles mais tarde, só queria
aproveitar o que tinha em mãos, mesmo que precisasse usar meu corpo e meu
charme para conquistá-la e ter somente a mim em seu coração e em sua
mente.
Peguei seus cabelos em minhas mãos, mas não a forcei a ir mais fundo.
Amava a sensação de tê-la chupando meu pau.
― Eu vou gozar nessa boquinha linda, caipira... ― anunciei, porque era
incapaz de me afastar. Eu era como um viciado, aquela mulher era meu
maldito vício, um muito bom, que eu adoraria ter para sempre.
Ela gemeu e acelerou mais os movimentos. Então fechei meus olhos e
me liberei com um grunhido feroz saindo do peito. Assim que gozei em sua
boca, puxei-a para se deitar de costas e fiquei em cima dela.
― Bom dia. ― Sorriu com o rosto corado. ― Vou ter mais prática a
cada dia.
― Você é linda! ― Beijei sua boca. ― Adoraria acordar sempre
assim.
― Então é ótimo que sejamos casados, não acha? ― disse com um
sorriso.
Esse sorriso doce me deixava todo mole. Adorava vê-la sorrir e pensar
em nosso casamento. Para ela, no começo foi um negócio, mas, dentro
daqueles dois meses em que estávamos juntos, percebi que ela estava
levando nosso casamento a sério, como eu gostaria que fizesse. Porque,
desde o início, eu o considerava assim, verdadeiro, como os meus
sentimentos por ela.
― Sim, é ótimo. Então agora vamos tomar banho e cuidar da lida. ―
Beijei seus lábios. ― Mas, antes, vou fodê-la no banheiro.
― Estou contando com isso ― respondeu se levantando da cama, nua.
A cada dia, Laurel perdia mais a vergonha comigo, embora sempre
enrubescesse quando eu olhava para ela.
Acariciei sua tatuagem linda de âncora, que eu mesmo fiz.
― Tão linda... ― comentei.
― Ainda bem que tenho um tatuador lindo e sexy para o caso de eu
desejar fazer outra, não é? ― falou me olhando de soslaio.
Sorri.
― Lindo e sexy? ― Puxei-a para os meus braços e a beijei.
Entramos no chuveiro, e a coloquei sentada sobre a enorme bancada da
pia. O banheiro era grande, com banheira de mármore da cor de areia da
praia.
Inclinei-me na sua frente e abri suas pernas, desfrutando da vista, a qual
eu já amava, lábios rosados e brilhantes de excitação.
― Tay...! ― clamou com um gemido.
― Uma visão linda, caipira, e só eu tenho a sorte de ter visto isso ―
rosnei e coloquei meus lábios naquela perfeição, lambendo, degustando.
Tomei seu broto rosa e o chupei.
― Porra, isso é tão bom! ― gritou ela, pegando minha cabeça e a
puxando mais contra si.
Dei mais a ela, conforme a sua necessidade, e a minha também, de certa
forma, porque adorava chupar sua boceta deliciosa.
Lau era uma mulher que não se envergonhava fácil, não na hora do sexo.
Em outras horas, ela até corava, mas não quando estava excitada. Eu amava
vê-la assim, eufórica e faminta.
Laurel explodiu na minha boca, e a degustei até ela parar de tremer,
depois a beijei e enfiei meu pau em sua entrada. Suas unhas entravam em
minha pele, apertando-me mais contra seu corpo.
― Mais forte! ― gritou em minha boca.
Grunhi e a fodi com mais vigor. Puxei seus cabelos, levando sua cabeça
para trás, e meus lábios foram para sua garganta.
― Vamos, minha caipira, goza para mim... ― rosnei, apertando mais
sua bunda e a trazendo para a borda, entrando mais fundo nela, tanto que
estava na porra das nuvens em questão de segundos. ― Puta merda! Você me
deixa louco! ― Respirei com dificuldade após termos gozado.
― Fico feliz com isso ― respondeu ela, dando-me um selinho. ―
Agora preciso falar com Rick e dizer o que precisa fazer com Bec e meus
outros cavalos, incluindo os que ganhei de você.
Estreitei os olhos. Os cavalos tinham chegado havia alguns dias.
― Rick?
― Sim, o filho de Pietro. Ele me ligou e disse que precisava viajar,
mas que seu filho viria no lugar. Ele também é veterinário e adestrador,
como o pai.
Tomamos banho juntos e nos vestimos. Ela saiu para receber Rick, e eu
fui atender uma ligação importante. Depois iria acompanhá-la aos estábulos.
― Onde você está? ― perguntou Lucky, meu melhor amigo, ou um
deles, além de meu chefe. ― Ouvi o recado de que não trabalharia por um
mês... mas já passa de dois meses, e você não retornou.
― Acredito que não irei tão cedo ― respondi, entrando na varanda da
casa e olhando para a cachoeira. Não aquela na qual ficamos no dia do
leilão, essa era mais em cima, uma cascata, na verdade. Ao redor tinham
bastantes árvores, tornando o lugar um paraíso, bem diferente da fervorosa
Nova Iorque – quer dizer, exceto pelo Central Park.
― Você está ferrado, sabe disso, não é? ― comentou com um sorriso
na voz.
Quando falei o que ia fazer para ele e Ryan, seu irmão, os dois quase se
mataram de tanto rir, mas não liguei muito. Todos sabiam o quanto os Kings
protegiam sua irmã. Eu estava ferrado, sim, mas não ligava, porque minha
vontade de ficar com Laurel superava tudo em minha vida, até levar uma
surra dos meus amigos, e, então, cunhados.
― Só para saber, quando os irmãos Kings forem decapitar você, estarei
ao seu lado, e poderemos enfrentar os três juntos ― informou.
Revirei os olhos. Ele sempre protegeria minhas costas, assim como eu,
as dele.
― Vou ter que passar por isso sozinho, mas não me arrependo de nada.
Nunca me senti assim na minha vida, até conhecê-la ― confessei, passando
as mãos nos cabelos. ― Porra! Estou ferrado...
Ele riu.
― Sim, está ― concordou entre risadas. ― Nem acredito que foi
fisgado, porra! Isso merece fogos de artifício e rojões.
― Muito engraçado ― rosnei. Não lamentava ter me apaixonado por
Laurel. O que estava me deixando inquieto era que, quando eu dizia que a
amava, ela não falava de volta.
― Em breve vamos comemorar o aniversário de Shaw. Você virá, não
é? Traga a garota se quiser; aposto que Angelina vai ficar louca ao conhecê-
la.
O bastardo ainda estava rindo e gozando à minha custa, provavelmente
se lembrando da aposta da cunhada.
― Sim, eu vou. Como está minha florzinha linda? ― perguntei,
mudando de assunto.
Beatriz era sua filha, uma garotinha esperta e fofa. Eu adorava ficar
com ela e com Victoria, a filha de Angelina e Ryan, mas o bastardo era muito
ciumento com sua filha, tanto que mal deixava as pessoas a pegarem.
Eu via meus amigos cercados de sua família e filhos. No princípio, não
queria algo assim para mim, mas, após conhecer Lau, percebi que o que
estava faltando na minha vida era isso, uma família que eu pudesse chamar
de minha, filhos que me chamariam de papai.
Olhei para o estábulo e vi Laurel do lado de fora, perto de uma égua
com crina loura. Bec, foi assim que ela me apresentou o animal. Na hora eu
ri, porque foi com a crina dessa égua que ela comparou meu cabelo quando
nos conhecemos. Definitivamente, o animal era lindo, com crina longa e
dourada.
Laurel estava de short jeans e botas de caubói e uma camisa xadrez
dobrada e amarrada no meio dos seios, deixando sua barriga linda exposta.
Seus cabelos estavam amarrados em um rabo de cavalo. Linda!
― Divina. Olhando para ela agora, eu agradeço a todos os santos... ―
respondeu Lucky à minha pergunta sobre Beatriz.
― Você não acredita em santos ― destaquei, sorrindo ao ver minha
garota penteando a crina da égua.
― É verdade, mas, seja quem for que me enviou a minha Rosa
Vermelha, eu agradeço; através dela sou completamente feliz e completo,
com nossa filha linda, a qual amo demais. ― Seu tom era orgulhoso.
― Fico feliz por você, cara. Quando um dia poderíamos pensar que
estaríamos assim, dominados por uma mulher? Que você e Ryan fossem
domados...
― Você também, não se esqueça disso ― lembrou-me.
― É verdade.
Ele suspirou.
― Mas tem certeza de que vai investir nela, quando ama outro cara? O
irmão?
Esfreguei minha têmpora. Era o medo que eu sentia a cada dia. Sabia
que Laurel gostava de mim, mas não tinha certeza se tinha esquecido Shade.
Queria que somente eu estivesse em seu coração.
― É um risco, eu sei, mas sinto que ela gosta de mim. Nesses dois
meses em que estamos juntos, foram raras as vezes em que a peguei sozinha
e pensativa, embora, quando isso acontecia, eu ficava imaginando se ela
estava pensando nele... Isso é uma maldita droga.
― Precisa resolver essa merda, Jordan. Isso não pode continuar assim.
Você a ama ou apenas gosta dela?
Continuei observando-a sorrir para sua égua, louco para tê-la de novo,
sentir seu corpo embaixo do meu e gemendo por mais. Não podia imaginar
alguém tocando-a da forma como eu fazia, na verdade, não queria que
ninguém a tocasse de forma alguma. Eu era capaz de acabar com qualquer
um que tentasse.
― Acho que esse silêncio prova que a ama. Pense bem, cara, mentiras
sempre são reveladas do jeito errado, nunca vêm como esperamos.
― Não estou mentindo para ela, só omitindo algumas coisas. Ela odeia
homens mulherengos. Acredito que ela só queria Shade porque, dos três
irmãos, ele é o mais quieto. Bem, e o único que não é de sangue. ― Suspirei.
― Se ela souber quantas mulheres tive, não quero nem pensar. Porra, nem eu
sei a soma. Imagina o que ela pensaria?
― Nessas horas é que lamentamos por ter ficado com tantas mulheres.
Mas ela tem que entender que isso faz parte do seu passado. Imagino que,
depois que a conheceu, não ficou com mais ninguém, não é?
― Sim, mas não sei como vou dizer a ela. Talvez eu a leve para jantar
esse fim de semana, assim revelo a verdade. ― Eu só torcia para que, no
final, ela me quisesse como eu a queria, porque não podia ficar longe dela
de forma alguma.
― Tenho um negócio para fechar em Dallas. Podemos nos encontrar no
seu hotel mais tarde.
― Se precisar de mim qualquer dia para fechar negócios, pode contar
comigo. Eu também tenho um lugar em que estou de olho para comprar e
fazer um hotel. Não vai acreditar, mas o local é mágico.
― Dallas é uma cidade linda ― concordou. ― Se precisar de mim,
estou aqui para qualquer coisa.
― Eu sei, cara, valeu. Encontro você no hotel mais tarde ― despedi-
me e desliguei.
Olhei para a caipira e a vi tão animada e alegre, bem diferente de
quando a conheci, tão triste e bêbada, mas ainda deslumbrante. Ela era
alguém que eu iria manter e enfrentaria a todos por isso.
Havia dois caras olhando para a minha garota, mas quem não olharia?
Um era Rick, e o outro estava ao lado dele. Ambos eram jovens, da minha
idade mais ou menos, um moreno e outro loiro, eu só não sabia quem era
quem. Lau não parecia perceber o que causava nos homens ao seu redor. Ela
me lembrava muito Angelina. A mulher era uma tremenda gata, mas não via
isso.
Fui na direção deles assim que um dos caras chegou mais perto de
Laurel.
― Ela parece estar se divertindo ― disse o homem olhando para a
égua.
Lau sorriu para ele.
― Sim, ela me ama. ― Voltou sua atenção para o animal. ― Bec é
linda.
― Sim, ela é ― ele concordou, mas olhando para minha mulher. ―
Escuta, eu queria saber se você quer jantar lá em casa hoje. Mamãe está
sentindo sua falta.
Fechei a cara.
― O que está acontecendo? ― perguntei com voz de aço.
Ela me olhou e sorriu tão deslumbrante que amenizou um pouco a minha
raiva, dirigida àquele cara por usar sua mãe para fazer minha mulher ir
comer na casa dele.
― Oi, Taylor, esse é Rick, aquele de quem te falei ― apresentou ela,
olhando nós dois e depois o loiro. ― Aquele é Scott. Rick, esse é Taylor...
um amigo meu.
Olhei para ela, que alisava o cavalo, e notei que sua mão direita estava
sem a aliança. Senti como se minha alma se partisse. Nunca havia sentido
algo como o que senti naquele instante.
― Seu “amigo”? ― Meu tom foi duro ao pronunciar a palavra. Porra!
Aquela palavra parecia ter um maldito veneno, que me rasgava por dentro.
Até aquele dia eu nunca havia pensado nas garotas com quem fiquei,
embora todas não tivessem passado de uma foda fácil. Eu não me lembrava
de ter almejado algo mais com alguma delas. Se quis, não liguei na época.
Perguntei-me se elas sentiam a mesma decepção que eu estava sentindo.
Usado, era como eu me sentia no momento.
O sorriso lindo de Laurel morreu.
― Tay...
― Então, durante todo esse tempo em que estamos juntos, não passei de
um amigo? ― Pronunciar aquela pergunta era como se brasas vivas
ardessem em minha garganta.
Ela se encolheu.
― Eu...
Ri amargo.
― Não acredito nessa porra! ― Tirei o anel do meu dedo e peguei sua
mão, colocando-o em sua palma. ― Bom, já que somos apenas isso durante
esse tempo todo, não precisamos de aliança, não é? Faça um bom proveito.
Porque eu não quero ser seu amigo.
Virei as costas e saí de lá antes que perdesse minha fodida mente,
embora a única coisa perdida fosse meu coração.
Capítulo dez
LAUREL
Passaram-se alguns minutos após Tay sair da fazenda usando seu
Mercedes. Meu peito estava doendo tanto que achei que estava faltando ar
em meus pulmões ou que eles estivessem com defeito.
― Algo está acontecendo entre vocês além da amizade, não é? ― Não
era uma pergunta de Rick. ― Posso ver que você o ama devido às lágrimas
que estão descendo pela sua face. Papai mencionou que estava namorando,
mas, pela aliança que ele te deu, vocês se casaram. Por que não soubemos
disso? ― Rick sempre foi um bom amigo, éramos assim desde crianças.
Nem notei que estava chorando, apenas segurei firme a aliança. Quando
tirara a minha mais cedo antes de ir ao estábulo, foi porque precisava falar
com as pessoas primeiro, com meus amigos, antes de eles virem a aliança de
casamento, porque alguns podiam contar aos meus irmãos antes que eu
falasse com eles. Todos na fazenda sabiam que eu estava namorando, mas
não casada. Jamais esconderia meu relacionamento com Taylor porque
sentia que éramos amigos. Ele era mais do que isso, a dor em meu peito
comprovava. Tay devia ter me deixado explicar as coisas antes de ter
partido.
― É complicado, mas agora preciso ir ― respondi. ― Depois conto
tudo com calma.
Fui para casa e fiquei esperando algumas horas para ver se Taylor
voltava, mas não apareceu. Eu o teria perdido de vez? De repente me
lembrei da música que ele havia cantado e do seu medo. Eu tinha jurado que
nunca o machucaria, mas fiz aquilo naquela manhã.
Eu já sentira dor profunda quando vi Shade com outras mulheres e
durante o seu matrimônio, mas nada igual ao que estava sentindo. Dois meses
com Taylor, e já sentia que o amava, mais do que um dia havia amado
alguém.
Meu telefone tocou enquanto eu estava de saída. Precisava falar com
Sabrina, pedir algum conselho sobre como fazer para encontrar Taylor, já
que ele se recusava a atender seu telefone.
― A-alô? ― atendi sem olhar, mas minha voz estava falha devido ao
choro.
― Laurel? O que minha bambina tem? Parece que está chorando ―
disse vovó.
Vovó morava em Dallas, do outro lado da cidade, em uma fazenda onde
plantava suas ervas medicinais, que vendia para as pessoas, como também
dava para aqueles que não tinham como comprar seus remédios naturais,
que, por sinal, eram excelentes.
Xinguei-me por dentro por não verificar no visor o nome de quem
estava ligando. Eu ia quase todo fim de semana à casa de vovó, ela até
conheceu Tay, mas não fez perguntas quando eu o levei lá, o que era bem
estranho, já que ela era pior do que uma casamenteira. Na visão da vovó,
seus netos deveriam estar casados antes dos 20 anos.
― Só estou gripada...
― Não me venha com essa, conheço quando você está chorando. Diga
o que houve. Pensei que estivesse bem com aquele seu namorado lindo, que
veio me visitar semana passada.
Não sei o motivo de ter dito isso a vovó, apenas soltei do nada:
― Eu me casei com Taylor em Las Vegas no dia do casamento de
Shade... Ele não é meu namorado, mas sim meu marido.
Ela gritou do outro lado da linha, e tive que afastar o aparelho da
orelha.
― O quê?! Como assim você se casou?! ― Ouvi o barulho de uma TV
sendo desligada. ― Menina, então, quando vieram aqui, vocês tiraram as
alianças?
― Quer me deixar surda? ― Entrei em meu carro conversando com
ela, coloquei no viva voz e dirigi para a cidade. ― Tive um desentendimento
com Tay.
― Quem é esse cara? Algum impostor querendo seus bens? Por que
razão ele se casou com você no primeiro dia em que a conheceu? ― Ela
suspirou. ― Ele pareceu ser boa gente.
― Vovó, não tenho bens, só a fazenda. E não é isso, eu que dei mancada
e o magoei, então ele foi embora. ― Contei-lhe tudo o que aconteceu entre
mim e Tay desde Vegas até o momento, só não dei detalhes do sexo, porque
isso não importava para ela.
― Me deixe ver se entendi: você se casou há dois meses pensando ser
um casamento de uma noite só e foi embora, mas ele bateu na sua porta, e
você decidiu ficar com ele. Você não tinha certeza de que amava seu marido
até ele deixá-la porque não gostou da forma como você se referiu a ele,
como amigo. Você não notou que ele estava com ciúmes do Rick ou algo
assim? Porque aquele garoto está louco para entrar em sua calcinha.
― Ele não está, além disso, nós somos amigos desde crianças. Não tive
a intenção de magoar Tay ao dizer que somos amigos. Eu não estava
pensando na hora. Sou uma idiota.
― Você é uma idiota ― concordou vovó.
― Vovó, era para a senhora estar do meu lado ― retruquei.
― Ficar do seu lado significa que estou do lado errado. Esse cara
parece gostar realmente de você pela forma que a olha, então me diz: você
teve alguma intenção de magoá-lo?
― Não, mas...
― Se ele amar você, vai perdoá-la pela mancada que deu. ― Ela
suspirou. ― Você está apaixonada por ele? Por que razão se casaria com um
homem sem conhecê-lo? E por que não me contou?
Vovó não sabia que eu amava Shade. De minha família, apenas Nilan e,
agora, Taylor sabiam. Esperava que continuasse assim.
― Quando estou com Tay, me sinto alguém que nunca fui antes, me sinto
viva, sabe? Como se eu quisesse gritar e cantar para o mundo que ele é meu
marido e que estar ao lado dele me enche de luz e paz. Sinto vontade de ficar
sempre ao seu lado. ― Limpei meus olhos. ― O que vou fazer se ele não me
perdoar?
― Você teve alguma intenção de magoá-lo? ― repetiu a pergunta, e
respondeu antes que eu dissesse algo: ― Não, então não pense nisso, e, pela
forma como falou, você o ama, querida. Até pensou em cantar! Apenas
precisa dizer a verdade a ele.
Eu não cantava mais desde que minha mãe morreu, sua partida precoce
até tirou a minha vontade de me entregar realmente à vida e deixar as coisas
acontecerem. Entretanto, com Tay, a minha vontade de pegar o violão e
deixar minha voz sair e gritar para todos que eu conhecia era imensa. Eu
queria realizar meus sonhos. Queria meu haras para cuidar dos cavalos, vê-
los galopando por todos os lugares, desenhar projetos e vê-los sendo
concretizados, como o de uma pousada perto do horas. Contudo, o mais
importante: eu queria isso com Tay na minha vida. Realizar tudo isso com
ele ao meu lado.
― Vou ver se o encontro na cidade. Tay me disse que possui negócios
aqui, então... ― Minha voz falhou, com medo de ele não querer me
desculpar.
― Não precisa temer, se ele realmente gostar de você, vai aceitar suas
desculpas; se não, depois acabo com ele por tocar em minha menina.
Ri.
― Obrigada, vovó ― sussurrei, entrando na cidade. ― Depois ligo de
volta. Não conta aos meus irmãos o que fiz, porque eles vão acabar com uma
úlcera, principalmente Nilan e Gave.
― De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, eles vão saber de tudo,
querida.
Suspirei.
― Eu sei, mas quero lhes contar pessoalmente e não por telefone, e eles
estão fazendo show neste momento, não quero atrapalhar o trabalho deles ―
disse, depois perguntei: ― Como acho uma pessoa em uma cidade deste
tamanho? Porque, em todo esse tempo, só fui com ele a um haras e um
restaurante, nem mesmo procurei saber mais profundamente sobre seus
negócios. Eu sou uma aberração de esposa.
Tay havia me falado sobre seus hotéis, mas eu não perguntei o nome de
nenhum deles. Como fui tola assim?, perguntei-me. Devia dar mais atenção
aos seus negócios.
― Você não se interessa por dinheiro. Amo isso em você, mas se
preocupar ou querer saber dos negócios do seu marido não vai fazer de você
uma interesseira, querida ― comentou vovó. ― Ele disse que é dono de um
hotel aqui, então geralmente a maioria coloca o sobrenome ou algo assim.
Estava no Centro e vi um hotel luxuoso com o nome Johnson Hotel.
― Acho que achei, vovó, e devo dizer que o lugar é bem chique, feito
só para celebridades ou algo assim. ― Minha boca estava aberta em choque.
― Acho que ele deve ter mais dinheiro do que meus irmãos juntos, ou
empata.
― Vá lá, garota. Qualquer coisa, eu estarei aqui para você! ― afirmou
com ferocidade. ― Amo você.
― Eu também, vovó ― respondi e encerrei a ligação. Desliguei o carro
e saí.
Nunca tinha me sentido tão nervosa e com medo na vida. Queria tanto
que Taylor estivesse ali e me perdoasse...
O hotel era cercado por vidro de cima a baixo. Tudo gritava luxo. Eu
não tinha a mínima ideia se conseguiria falar com Tay, porque com certeza o
local era cheio de seguranças.
Fui à recepção e vi um casal elegante perto do balcão. A mulher tinha
olhos parecidos com os de um lobo, pele branca e cabelos negros. O cara ao
seu lado não ficava atrás, um moreno de olhos verdes intensos e um sorriso
sexy dirigido à linda garota ao seu lado.
A recepcionista, uma loira linda, atendia o casal.
― Ele disse que já vai descer ― falou.
― Tudo bem, obrigada ― disse a mulher, que se sentou num sofá no
salão, ao lado do cara – imaginei que fosse seu marido, já que os dois
estavam juntos.
Aproximei-me do balcão.
― O-oi ― Minha voz estava fraca, então pigarreei para falar um pouco
mais alto: ― Oi.
― Pois não? ― A loira piscou. ― Você não é a irmã dos irmãos da
banda King?
Droga! Eu não queria ser reconhecida, mas talvez isso me ajudasse a
conseguir descobrir se Taylor estava ali.
― Sim ― respondi sorrindo. ― Você é fã deles?
Ela fez uma careta.
― Nem de longe ― respondeu em tom amargo.
Pisquei, surpresa.
― Oh, meu Deus, você é alguma de suas ex-namoradas? ― fui incapaz
de não perguntar, embora nenhum deles tivesse namorada, apenas ficantes.
Aquela mulher não parecia ser alguém que apenas ficasse sem compromisso.
― Namorada? Algum dia algum deles já namorou? ― Bufou. ― Não
sei como o mais velho se casou. ― Ela sorriu baixinho e piscou para mim.
― Eu sei que eles são seus irmãos, mas jamais ficaria com algum deles,
prefiro entrar em um convento e me tornar freira ou me tornar lésbica.
Ri alto. A garota era engraçada.
― Gostaria de dizer isso ao Nilan, aposto que não seria nada bom para
seu ego enorme. Como me conhece como irmã deles? Geralmente quem sabe
disso são os fãs deles, que xeretam tudo. ― Pensei em algumas ocasiões em
que algo assim aconteceu.
― Minha irmã faz aniversário mês que vem. Ela é fã deles, então estou
tentando conseguir que ela os conheça pessoalmente em um dos shows que
terão na região durante o próximo mês.
― Eu vou conseguir os ingressos para você ― falei, embora não
soubesse como; nunca havia pedido algo assim aos meus irmãos, mas
acreditei que eles me dariam.
― Yup! ― gritou ela batendo palmas. ― Ela ficará feliz com isso.
― Você está aqui para trabalhar e não para conversar ― rosnou uma
voz conhecida atrás de mim, parecendo muito irritada. ― Se não quiser ser
demitida, sugiro que faça seu trabalho.
Olhei para Taylor, sem acreditar na forma com que ele falava com a
menina. Até me esqueci do motivo de estar ali, porque fiquei com raiva pela
grosseria dele.
― Você não pode falar com ela assim ― grunhi com os punhos
cerrados.
Tay arqueou as sobrancelhas para mim.
― Não? Ela é minha funcionária ― destacou ele. Pelo visto, ainda
estava com raiva.
― Isso não lhe dá o direito de falar assim com a garota ― rebati e
olhei para ela. ― Se você quiser se demitir ou se ele o fizer, venha trabalhar
para mim.
― Hum-hum. ― Ela pigarreou, olhando entre mim e Taylor. ― Só por
curiosidade, o que eu faria para você?
Sorri.
― Vou montar um haras e vou precisar de uma secretária como você,
extrovertida e boa no que faz. ― Fuzilei Tay. ― Se seu patrão não te dá
valor, eu garanto que darei.
Ele estreitou os olhos, mas tinha um brilho ali que não entendi.
― Quando decidiu montar o haras? ― Seu tom era de surpresa.
― Neste momento. ― Pigarreei, sentindo-me nervosa.
Eu já sonhava em ter um haras, ele sabia disso, mas nunca arrecadara
dinheiro suficiente para isso. Meus irmãos ajudariam, mas eu não queria o
auxílio financeiro deles. Parecia idiotice, mas eu desejava fazer aquilo
sozinha. De fato, não havia lutado o bastante para conseguir antes.
Ele piscou.
― Você vai montar um haras, uma coisa que sempre sonhou, porém, que
nunca fez, e decidiu fazer hoje apenas para dar emprego à minha funcionária
e roubá-la de mim? ― Eu não sabia se tinha humor ou incredulidade em seu
tom.
― Sim ― respondi, mexendo em meus cabelos, ansiosa.
Notei que sua atenção estava em nossas alianças em meus dedos.
Colocara as duas ali, era como ficar ao lado dele e tê-lo por perto mesmo
que estivesse longe.
― Como me descobriu aqui? Nesses dois meses, você nunca se
interessou em conhecer o hotel.
Nesse ponto, ele tinha razão. Eu teria que me redimir e ser uma esposa
melhor.
― Na verdade, foi por acaso, estava te caçando, mas a cidade é imensa
para achar alguém, então, falando com a vovó, ela me disse que, na maioria
das vezes, as pessoas usam o próprio sobrenome para nomear suas
empresas, então passei por esse hotel, vi o nome dele, então entrei ― eu
falava sem parar, nervosa, e apontei para a secretária. ― Entrei aqui e
conheci, hummm... qual seu nome mesmo?
― Brittany Wolf ― ela respondeu.
Tay riu, a risada que eu amava.
― Convidou minha recepcionista para trabalhar para você e nem sabe
o nome dela? ― criticou.
Dei de ombros.
― Ela é legal e não está a fim dos meus irmãos, o que é um milagre.
Então não devo me preocupar que esteja fingindo ser minha amiga para
tentar fisgar um deles.
― Oh, meu Deus! Isso já aconteceu? ― indagou Brittany e olhou para
Taylor. ― Desculpe.
― Um par de vezes, mas eles têm regras que incluem não ficar com
minhas amigas, então elas caíram do cavalo e foram embora depois que
souberam que não iam conseguir nada. ― Dei de ombros, fingindo que isso
não havia me machucado na época.
Taylor me puxou um pouco para longe do balcão, provavelmente para
conversarmos em particular. Senti seus dedos no meu queixo, que ele
levantou para meu olhar colidir com o seu. Suas íris estavam ternas e puras,
além de expressarem um sentimento que não consegui identificar.
― Por que veio me procurar? ― Seu hálito quente banhou meu rosto.
― Queria me desculpar. Não queria dizer aquilo daquela forma. Só
pensei em dizer a todos primeiro, afinal de contas, eles são meus amigos...
― sussurrei com os olhos úmidos.
― O cara...
― Rick? Somos amigos desde crianças... ― comecei, mas ele me
cortou como se tivesse um gosto amargo na boca:
― Ele quer entrar em suas calças e gosta de você, mas não como
amigo.
― Eu gosto dele como um irmão. ― Mordi o lábio. ― Lamento pelo
que disse.
Ele me abraçou, beijando minha cabeça. Escorei meu rosto em seu
peito e o apertei forte, sentindo seu cheiro, que tanto amava. Nos seus
braços, senti-me confortada e ansiando por mais daquele homem.
― Não quero sentir de novo o que senti quando foi embora ―
sussurrei.
Seus braços se estreitaram em minha cintura.
― O que sentiu? ― Sua voz estava rouca.
― Como se meu coração estivesse se partindo ao meio, e um medo que
nunca senti antes... ― Minha voz falhou no final.
Ele se afastou, então temi que fosse me afastar para sempre. No entanto,
estava sorrindo e levantou sua mão direita.
― Acho que você está com algo que é meu ― falou ainda sorrindo. ―
Quero de volta. Agora vamos jurar que, por mais que briguemos, não vamos
tirá-las de nossos dedos por motivo nenhum.
Sorri, com meu coração batendo em ritmo normal de novo. Peguei o seu
anel, que estava meio frouxo no meu dedo, e o coloquei em sua mão
estendida.
― Sim, eu prometo. ― Joguei meus braços em seu pescoço e o beijei,
esquecendo-me do lugar e de todos à minha volta.
― Será que vou ter que encomendar seu caixão quando os irmãos dela
descobrirem que vocês se casaram em Vegas? ― sondou uma voz divertida
perto de nós.
Foi quando fui trazida de volta para o hotel. Parei de beijar Tay e olhei
para o casal que estava ali desde quando cheguei. Eles se aproximavam de
nós.
― Não seja estraga-prazeres ― disse a mulher, dando um tapinha em
seu peito de leve. ― Estou mais do que feliz por ele ter se apaixonado e
casado.
Taylor sorriu com doçura para a mulher.
― Obrigado, Sam. Esses são meus amigos, Samantha e Lucky Donovan
― apresentou-os a mim, em seguida disse a eles: ― Essa é Laurel. Vocês já
devem saber quem é, já que conhecem os irmãos dela, da banda King.
― Na verdade, não sei quem são eles... ― começou Sam, mas se
interrompeu: ― Espera, esses da banda King são os mesmos que vi na boate
do Alex? ― Olhou para Lucky.
O cara era lindo, mas tinha um rosto um tanto sombrio às vezes. Notei
que ele não gostava dos meus irmãos e fiquei curiosa para saber o porquê.
― Sim, eles mesmos ― grunhiu.
― Posso saber o que eles fizeram para não gostar deles? ― sondei.
Lucky olhou para mim.
― Na verdade, eles são legais, é só que...
― Quando conheci Lucky e achei que ele não me amava e tinha
brincado comigo, eu fui ao clube. Foi quando vi seus irmãos, bem, os vi de
longe, então Lucky soube que eu os achava bonitos e ficou bravo. ― Sam
sorriu e beijou a face de seu marido. ― Mas ele sabe que o amo com toda
minha alma.
Isso pareceu aliviar a cara sombria do homem, porque ele parecia
querer matar alguém. Dei graças a Deus que meus irmãos não estivessem ali.
― Vamos almoçar ou não? ― questionou ele, abraçando a mulher de
lado e olhando para mim. ― Você vai se juntar a nós?
Olhei a forma como eles estavam vestidos, tão elegantes, e eu com meu
jeans velho e botas. Não me parecia nada chique.
― Acho que não estou vestida apropriadamente para a ocasião ―
respondi e olhei para Taylor, que franzia a testa. ― Pode ir almoçar com
seus amigos, mas depois pode ir lá em casa?
― Não precisa trocar de roupa, você está linda ― disse com um
sorriso. ― Mas, se quiser trocar e ir conosco, tem uma loja aqui no hotel.
Vamos lá comprar alguma coisa para você. Acho melhor, porque, se
andarmos com você vestida assim, eu sou capaz de parar na cadeia.
― Assim como? ― Olhei para minhas roupas, depois para ele.
― Deixa para lá... Vamos? ― Ele me puxou antes que eu respondesse.
Olhei uma última vez para Brittany.
― Ligo para você depois ― anunciei falando um pouco alto, já que ela
estava um pouco longe de onde Tay e eu estávamos.
Capítulo onze
LAUREL
Na loja, Tay queria entrar comigo, mas fui com a Sam, pois, com outra
mulher, seria mais fácil escolher roupas, especialmente porque eu nunca
havia ligado para vestidos elegantes, sempre gostei do habitual e queria
deixar Taylor de queixo caído quando eu saísse dali.
Sam era uma mulher legal, era psicóloga infantil e parecia amar o que
fazia. Sua alegria era contagiante quando falava de seu trabalho. Era mãe da
Beatriz e do Shaw – um garotinho que havia adotado.
― Um gesto nobre, devo dizer ― comentei quando estávamos nas
araras de vestidos.
― Ele é uma criança que amei desde o início, sabe? ― Tinha muito
amor em sua voz. ― Agora tenho a Bia, a minha bonequinha linda.
― Onde eles estão?
― Com Angelina, a mulher de Ryan, irmão do Lucky. Não gosto de
ficar longe deles, mas viagens longas cansam, e Lucky tinha uma reunião
aqui e precisava de mim.
Assenti, vendo um vestido prata tomara que caia. Ele batia no meio das
coxas e, no busto, era amarrotado como duas conchas. Era lindo e
combinaria com minhas botas, embora um vestido daquele pedisse sapatos
de salto.
Não tire suas botas, Tay havia me dito antes de eu entrar na loja.
― Ficará lindo em você com saltos altos ― disse Sam enquanto
analisava o vestido também e apontava para um par de sapatos do outro lado
da loja.
― Tay me disse para manter as botas ― sussurrei, enrubescendo por
lhe obedecer, mas, com seu tom quente, ele me dizia que íamos aproveitar
depois.
Ela sorriu.
― Oh, eu ouvi. O fogo crepitava entre vocês de longe. Nunca imaginei
que ele fosse tão intenso assim. ― Ela parecia falar consigo mesma no final.
― Ele é intenso. ― Pensei nas noites que tivemos, e cada uma havia
sido melhor do que a outra. Por isso eu me apaixonei perdidamente.
― Estou vendo. ― Sorriu para mim e apontou para o vestido. ― Vista
ele.
Assenti e fui ao provador. Tirei minhas roupas, quando a mão dela
surgiu com um conjunto de lingerie de renda branca.
― Use isso. Acredito que seja seu número. Sei que, quando ele te vir
com essas roupas, haverá fogos de artifício pela forma como se olhavam no
salão. ― Senti um riso na sua voz.
Peguei aquelas peças sexy e as vesti. O sutiã era tomara que caia
também. Coloquei o vestido, que coube perfeitamente em meu corpo, soltei
meus cabelos anelados sobre os ombros e me olhei de corpo inteiro. Gostei.
Pensei que teria uma boa foda com Tay naquela tarde; só de pensar nisso,
minhas entranhas se apertavam de desejo.
― Mulher, você está um maldito avião ― comentou Sam assim que saí.
Sorri.
― Obrigada ― agradeci e suspirei, sondando assim que estávamos
pagando pelas roupas: ― Pode me dizer uma coisa?
― Claro.
― Você ia ficar com algum dos meus irmãos? Qual deles? Porque seu
marido parecia com raiva, e não era só por você achá-los bonitos.
Ela riu.
― Como disse antes, pensei que Lucky tinha se casado, então eu
precisava tirá-lo de dentro de mim. Foi quando fui à boate de um amigo meu.
Foi lá que vi Nilan e Gave, pelo menos foi assim que Lucky os chamou
depois que soube que eu os achei bonitos. ― Ela me olhou de lado. ― Alex
disse que eles só fazem em ménage, uma coisa interessante, mas não é minha
praia.
― A minha também não, não gosto de dividir nada, ainda mais um
homem.
― Sim, eu também, mas fui lá com o intuito de esquecer, então me
aproximei de um amigo dele. Na hora, eu não sabia que os dois eram amigos,
só depois, quando Jason Falcon me disse e Lucky chegou e, em seguida, me
levou embora. Mas, no fundo, eu não ficaria com ninguém, porque somente
Lucky me importa dessa forma.
― Jason Falcon? Já assisti a algumas lutas dele, mas soube que ele se
aposentou e agora é um treinador. Ele é lindo, embora meus irmãos também
sejam. Mas são mulherengos.
Ela arqueou as sobrancelhas.
― A maioria dos caras é assim antes de se apaixonar. ― Ela sorriu. ―
Talvez um dia eles consertem isso, não é?
― Tay não é assim. Ele disse que teve poucas mulheres, não um
milhão, como meus irmãos. ― Suspirei, pegando meu cartão.
― Ele disse isso? ― Sua voz tinha um tom estranho.
Olhei para ela.
― Sim, por quê?
Ela sacudiu a cabeça.
― Nada. Vamos pagar isso e ir embora, eles devem estar impacientes
― disse, mas seu tom parecia chateado.
― A roupa é por conta da casa ― respondeu a caixa da loja antes que
eu perguntasse o motivo da reação de Sam.
Pisquei, olhando para a mulher.
― O quê?
― Essa loja pertence ao senhor Johnson. Ele disse que tudo que você
quiser será seu, pois, já que são casados, tudo que é dele também é seu.
Eu não sabia o que dizer. Uma parte de mim estava feliz por ele dizer
que eu era mulher dele, mas tinha uma coisa na qual eu não tinha pensado
antes: nosso regime de matrimônio.
― Meu Deus! ― Coloquei a mão no rosto. ― Não sei se nos casamos
com comunhão de bens. Por que não pensei nisso antes?
― Esses caras são fera em nos enganar em relação a isso ― disse Sam
com um sorriso. ― Me casei em Vegas com Lucky e pedi com separação
total de bens, mas, na hora, ele trapaceou me beijando, e eu não li o contrato
de casamento. Fui saber bem depois que o regime foi com comunhão total.
Parecia que tinha um saco em minha cabeça me sufocando. Nunca tinha
pensado naquilo, mas, vendo tudo que ele tinha, por acaso ele pensava que
eu queria o seu dinheiro?
Chegamos ao lugar em que eles estavam nos esperando, na frente da
loja. Estavam sentados em uma cafeteria.
Aproximei-me de Jordan.
― Vamos nos separar ― informei a ele, que estava bebendo um café e
se engasgou, então olhou para mim com o cenho franzido.
― Repete?
― A funcionária da loja disse que tudo o que é seu também é meu,
então pensei: será que nós dois nos casamos com comunhão de bens? Não
li o papel. ― Minha voz demonstrava a irritação que eu sentia de mim
mesma.
Algo cintilou em seus olhos, mas foi tão breve que foi impossível
identificar.
― Sim, mas o que tem isso?
― O que tem isso?! ― Minha voz se elevou. ― Oh, meu Deus! Todos
vão achar que quero seu dinheiro, uma caipira dona de fazenda, casada com
um cara que é dono disso tudo. ― Apontei para o hotel, que mais parecia um
shopping. ― Merda! Vamos nos divorciar, eu assino um acordo pré-nupcial
dizendo que não quero seu dinheiro, nada dele, e podemos nos casar de
novo, mas com separação de bens, o que acha?
Ele piscou, parecendo chocado por eu lhe propor isso.
― O que eu acho? ― Sua voz saiu aguda.
― Sim, isso facilita as coisas, não é? ― Minha voz era urgente. ―
Podemos ir a Vegas e nos casar de novo.
Ele sacudiu a cabeça como se tentasse clarear a mente.
― Me deixa ver se entendi. Você quer assinar um documento que diz
que não quer nada meu, depois disso, nos divorciamos para, em seguida,
casar de novo, porém com separação de bens.
― Sim, não precisava repetir, só dizer que aceita. ― Mexia minhas
mãos, nervosa.
― Não aceito.
Arfei.
― Mas por quê? Sabe o que todos vão dizer quando souberem que
estamos casados? ― tentei persuadi-lo.
― Sim, vão dizer que tive uma puta sorte por estar casado com você.
― Ele pegou minha mão. ― Querida, você também tem bens.
― Só tenho a fazenda e uns cavalos e não isso... ― Gesticulei ao redor.
― Aposto que você tem mais do que hotéis em Dallas.
― Tenho vários em outros estados também e pretendo ter mais. ― Seus
dedos alisavam minha mão no intuito de me acalmar. ― Você também tem
muitos bens, uma casa no Havaí e uma em Veneza, uma em Los Angeles,
perto da Disneylândia. Um apartamento em frente à Torre Eiffel, além da
fazenda e cavalos de raça premiados.
Arfei e arregalei os olhos ante isso.
― Oh, Deus, você não...
― Eu? Não, foram seus irmãos. Devo dizer que são generosos em
relação a você.
― Oh, Senhor! ― Meus olhos estavam molhados. ― Nilan sabia que
meu sonho era me casar em Veneza e passar a lua de mel lá.
― Aposto que ele não ficou alegre com a parte da lua de mel ― ele
comentou sorrindo.
Sorri também.
― Na verdade, não, disse que não queria pensar em alguém me
tocando, porque ele seria capaz de me deixar viúva antes da hora. Mesmo
assim, ele me comprou uma casa lá.
― Quem você acha que te deu a casa no Havaí?
― Nilan também. Ele sabia que eu sonhava em ter uma casa lá, pois é
um paraíso, tão vivo. Eu assistia muito Hawaii five-0. Amo essa série, tem
cada paisagem linda! ― Meu tom estava chocado. ― A casa de Los
Angeles, aposto que foi o Gave. Teve uma vez que eu assisti a umas imagens
da Disney e comentei que um dia queria uma casa lá perto, para onde
pudesse levar meus filhos nas férias. Não achei que ele fosse fazer isso por
mim, achei que nunca ia realizar esse sonho.
― Eu vou lhe agradecer depois que tivermos os nossos filhos e os
levarmos lá. ― Sorriu para mim.
Arregalei os olhos.
― Você quer ter filhos? Porque me lembro de você dizendo que seria
mais para frente.
― Claro que sim, assim que contarmos aos seus irmãos que estamos
casados e passarmos a nossa lua de mel em Veneza. ― Seu tom era
divertido. ― Talvez daqui uns três ou quatro anos. Prefiro desfrutar sozinho
de você durante esse tempo.
Não imaginei que ele andava fazendo planos para nós no futuro, ainda
mais de ter filhos. Eu queria filhos, ainda mais se fossem parecidos com Tay,
loiros e de olhos azuis brilhantes. Seriam a coisa mais linda do mundo.
― E a casa em Paris, quem deve ter dado?
― Shade. Li sobre Jane Austen, e amava Paris, tão romântica. Uma vez
disse a vovó que queria ter um apartamento lá para ir com meu marido e
passear por todos os lugares. Ele estava perto, deve ser por isso que
comprou.
― Aposto que você queria passear com ele. ― Sua voz saiu como um
resmungo.
― Ei... ― Toquei seu rosto. Foi quando percebi que estávamos
sozinhos à mesa. Provavelmente Sam e Lucky tinham se afastado para nos
deixar discutir com privacidade. ― Não posso mudar o passado nem apagar
o que pensei na época, mas o que sei agora é que quero você, e, hoje, tive
medo de que não me quisesse mais...
Ele me beijou, interrompendo-me. Sua boca estava faminta sobre a
minha.
― Isso não vai acontecer ― respondeu contra os meus lábios. ― Sua
prisão comigo é irrevogável, jamais deixarei você ir. Apenas estava te
dando um tempo.
― Sou ruim com tempo, logo já penso o pior.
Ele sorriu e se levantou com os braços à minha volta.
― Vou me lembrar disso. Agora vamos comer, porque depois quero a
tarde inteira com você, quando desfrutarei de cada momento.
Fomos para o restaurante em frente ao hotel, onde Lucky e Samantha
estavam à nossa espera. Eu já tinha estado ali com meus irmãos. Embora
gostasse de coisas simples, como carne assada e galinhada, não disse nada,
apenas desfrutei do momento.
Meu chilique com seu dinheiro havia passado, primeiro, porque Taylor
não pensava que eu era interesseira, e segundo, porque, com tudo que meus
irmãos tinham comprado para mim, não me sentia mais tão inferior perto do
dinheiro do Tay.
Frisei em minha mente que, quando meus irmãos chegassem à cidade,
eu brigaria com os três por terem me comprado imóveis que eu nem sabia
que eram meus. Se não fosse por Taylor me dizer, eu jamais saberia. Isso me
lembrou de uma coisa.
Olhei para ele, sentado ao meu lado à mesa. Lucky e Sam estavam do
outro lado.
― Como sabia sobre as coisas que meus irmãos me deram, quando nem
eu tinha ideia?
Ele deu de ombros enquanto chamava o garçom.
― Fiz uma pesquisa sobre você ― disse Lucky ― assim que soube que
ele a estava namorando.
Olhei-o impressionada.
― Por que isso importaria a você? Por acaso achou que eu fosse
interesseira? ― Tentei esconder a raiva, mas Sam não escondeu a dela.
― Não acredito que fez algo assim, Lucky! ― Seu tom era descrente.
Ele suspirou.
― Não fiz isso por pensar que ela fosse uma golpista ou algo assim.
Conheço Shade e seus irmãos, sei o quanto faturam por show, fora as
propagandas... não, não os investiguei também ― falou assim que arregalei
os olhos. ― Sou amigo do agente deles, que é dono do Studio Music, e ele
comentou sobre o cachê deles, uma quantia exorbitante. Então pensei: se eles
ganham tanto dinheiro assim, por que deixam você enfurnada numa fazenda?
Achei que estavam se divertindo por aí e não pensavam em você.
― Então você pensou que, pelo fato de eu viver em uma fazenda, meus
irmãos não tomavam conta de mim? ― Meu tom era incrédulo.
― Sim, mas ainda bem que me enganei, pois isso me impede de
quebrar a cara deles quando os vir ― comentou, depois olhou para sua
esposa. ― Sinto muito, Rosa Vermelha.
Notei que ele se desculpara com ela, não comigo, embora estivéssemos
falando dos meus irmãos. Achei que ele não parecia ser gentil com outras
pessoas como era com sua mulher.
― Eles querem que eu viaje pelo mundo, que conheça lugares e tudo
mais ao invés de ficar na fazenda. ― Suspirei. ― Minha mãe morou lá.
Acho que ir para aquele lugar foi uma forma de me sentir mais perto dela.
Tenho muitos sonhos, e um deles é fazer o haras e uma imensa pousada com
vista para a cachoeira que tem na fazenda, perto do lago. Por isso nunca quis
vendê-la. Ali é o lugar perfeito para os dois empreendimentos. Estava
pensando em obter algum empréstimo ou coisa assim no próximo ano.
― E seus irmãos? ― Lucky arqueou as sobrancelhas.
― Quero fazer por mim mesma...
― Mas ninguém começa do zero, sempre tem uma porta a ser aberta
para ajudar. Quando montei o meu primeiro negócio, foi meu pai que me
emprestou a grana. Ele a daria a mim, mas fiz questão de lhe pagar depois.
Isso faz a gente dar mais valor ao nosso trabalho.
Pensei sobre isso. Não tinha cogitado pedir aos meus irmãos, até fui a
um banco uma vez, mas, como não tinha renda, além da fazenda para dar
como garantia, fiquei com medo. Talvez meus irmãos pudessem me
emprestar, e eu lhes pagaria, assim como Lucky fez com seu pai.
― Você pode estar certo. Obrigada. Vou falar com eles essa noite.
Quando eu disser que me casei em Vegas, eles vão surtar. ― Sorri para os
três à mesa. ― A única que amou a notícia foi a vovó. Ela adora isso,
sempre foi doida para nos ver casados, meus irmãos principalmente. Acho
que ela terá que rezar muito para isso acontecer.
― Shade se casou ― observou Lucky. ― Isso ainda a incomoda?
― Lucky, isso não é da sua conta ― rosnou Sam. ― Só diz respeito aos
dois.
― Concordo ― sibilou Tay, fuzilando-o. ― Você verificou a vida dela,
o que não deveria ter feito. Agora se afaste, cara. Estou falando sério. Fique
fora disso.
Estreitei os olhos, avaliando Lucky, e notei que ele parecia preocupado
com o amigo. Essa parecia sua forma torta de ajeitar as coisas.
Eu estava perto de responder que não gostava mais de Shade, não de
forma romântica, que somente Tay me importava daquela forma, mas a
garçonete chegou, e enrijeci.
Rachel me lançou um sorriso falso. Eu sabia que nada de bom viria
dela.
― Laurel? Faz tempo que não a vejo aqui. Cadê o Shade? Soube do
casamento dele com a cantora Melissa.
― Sim, eles se casaram há dois meses ― respondi em tom leve, não
aceitando suas provocações.
― Achei que você estaria em sua fazenda, chorando junto às suas vacas
por um cara que nunca a quis. Eu e Priscila pretendíamos ir lá nessa semana
para lhe oferecer apoio.
Fiquei com raiva, porque sua pergunta deixou Tay tenso. Eu podia ver
que o questionamento de Lucky ainda o estava incomodando, incômodo esse
que aumentou depois do que aquela cadela depravada disse.
― Não crio vacas, e sim cavalos de raça. Na verdade, estou ótima e
não estou chorando pelo Shade, só desejo que ele seja feliz. Talvez eu tenha
tido uma paixonite por ele, mas amar de verdade, só amei e amo um único
homem, e ele está aqui ao meu lado, o meu marido lindo, sexy e gostoso. ―
Sorri para Taylor.
Tay enfiou uma mão em meu cabelo e me puxou para si, com os olhos
abrasadores pregados nos meus.
― Repete? ― Sua voz estava ansiosa.
― Eu disse que amo você e que só tem espaço para você em meu
coração, para mais ninguém... ― declarei com fervor, mas, antes que eu
terminasse de me declarar, ele estava me beijando com amor, doçura e fome,
parecendo se esquecer de onde estávamos.
Ele se afastou, suspirou e fuzilou Rachel, que ainda estava atônita.
― Você está aqui para trabalhar e não para fofocar sobre a vida dos
outros, nem para causar intrigas. Se não está interessada em trabalhar, devia
ir embora. Agora leve seu traseiro daqui e traga nossos pedidos, o especial
da casa, antes que eu faça uma reclamação a Christian. Eu garanto que ele
não vai gostar nada de que sua funcionária tenha vindo infernizar a minha
esposa.
Ela saiu, ainda chocada com o que ouviu de nós dois. Não liguei por
ele ter sido rude com ela, porque aquela cobra peçonhenta merecia isso.
Sussurrei em seu ouvido:
― Se estivéssemos sozinhos, você já estaria todo nu, e eu agradeceria a
você de uma forma extremamente quente por me ajudar. ― Afastei-me assim
que ele gemeu.
― Você é uma trapaceira, caipira.
Sorri e notei o sorriso de Lucky.
― Acho que você teve sua resposta.
― Sim, eu tive.
O almoço correu de forma agradável após o episódio da cadela. Lucky
e Tay comentaram sobre negócios, enquanto Sam e eu falávamos dos meus
projetos.
Capítulo doze
TAYLOR
Eu só tinha uma coisa em mente depois de ouvir que Laurel me amava,
porque havia muito tempo esperava por isso. Devo dizer que gostei de
termos nos desentendido, pois só assim ela descobriu que me amava. Estava
louca para possuí-la de todas as formas possíveis.
Meu peito parecia estar mais do que aliviado ao descobrir aquilo.
Estava com medo de não ser a resposta que eu desejava, por isso não queria
Lucky insistindo no assunto da antiga paixão de Lau. Porra, o cara já tinha
feito muito vasculhando a vida dela e ainda sondando se ela me amava. Eu
sabia que ele se preocupava comigo, mas tinha exagerado. Fiquei feliz por
Lau não ter se zangado. Ela ficou apenas um pouco irritada, mas se
controlou, pois deve ter notado que ele queria me proteger. Lucky era assim.
Eu sabia o motivo de ela ficar na fazenda, notei isso assim que a ouvi
falando da sua mãe e do lugar em que morava. Apostava que seus irmãos não
tinham notado isso, ou não teriam me pedido para convencê-la a vender sua
propriedade.
Após o almoço, Lucky e Sam ficaram no hotel. Lau os convidou para
irem conosco à fazenda, mas sugeri que fossem no outro dia; eu passaria a
maior parte do tempo com ela no quarto.
Ela foi na frente com seu carro, e eu, com o meu logo atrás. Porra!
Estava louco para chegarmos, parecia um adolescente ao volante do
automóvel. Quando meu telefone tocou, pensei em deixar a ligação cair na
caixa de mensagens, mas eu conhecia aquele toque.
Não me dava bem com meu pai. Isso já acontecia antes de a mamãe
morrer, mas piorou depois disso, pois ele se lançou em bebidas e mulheres,
teve uma época que usou drogas, mas o coloquei na reabilitação, e as coisas
melhoraram. Isso fazia três anos. Até então, não teve recaídas.
Fiquei com algumas garotas que se aproximaram de mim para chegar
até ele. O pior era que ele pegava todas. Eu não ligava tanto para isso, só
não tolerava que ele bebesse, porque já havia sofrido dois acidentes; ainda
bem que saíra ileso e não ferira ninguém.
― O que você quer, papai? ― inquiri assim que apertei o botão do
painel do carro para responder no viva voz. ― Estou meio ocupado.
― Notei isso. Com uma mulher exuberante com botas de caubói, não é?
― Pela forma como ele falava, parecia estar bêbado. ― Ela é sexy pra
caralho.
Pisei no freio sem querer, e meu corpo foi lançado para frente.
― Porra, o que você disse?
― Você se casou em Vegas e nem convidou seu pai! É um ingrato igual
a sua mãe quando foi embora ― sussurrou ele.
― Mamãe morreu, papai. Você deveria aceitar isso. Agora me diz
como soube que me casei? ― perguntei com os dentes trincados, voltando a
dirigir. ― E não chame minha mulher de sexy, ela não é como as putas que
gostam de você pela fama.
― Calma, só estou dizendo que, quando os irmãos dela souberem, vão
acabar com você. Você vai levar uma surra por um rabo de saia?
Expirei, porque não ia discutir quando ele estava bêbado, ainda mais
por telefone.
― Como descobriu?
― Está em todos os jornais, na televisão e em revistas digitais, não
falam de outra coisa...
― Porra! ― rosnei. Estava chegando à fazenda. Parei o carro na
entrada. ― Maldição! Quem vazou isso?
― Não sei, mas não se fala de outra coisa, só no casamento do playboy
mais cobiçado dos Estados Unidos. Eu não sabia que você era tão cobiçado
assim. ― Ele riu. ― Você é meu filho.
Suspirei e ouvi uma buzina.
― Onde você está? ― indaguei preocupado.
― Indo para o carro para voltar para casa. Fiz um show na noite
passada, agora estou morto. ― Ele pareceu suspirar. ― Acho que estou
ficando velho.
― Você é velho. Cadê o Brad? Ele dirige quando você bebe. Onde ele
está?
― Ao meu lado. Sabe que posso dirigir, e você não precisa ficar tão
preocupado. Não sei o motivo de tanta histeria.
― Além do risco de você se matar ou matar um inocente? Você não
quer isso, nem eu, então deixe Brad dirigir. ― Passei as mãos nos cabelos.
― Agora tenho que ir.
― Se os irmãos da garota o deixarem vivo, traga essa garota para me
apresentar.
Nem fodendo, pensei. Desliguei e fui para casa, onde Lau estava na
varanda, esperando-me com um sorriso lindo estampado em seu rosto.
Como será que ela vai reagir depois de descobrir tudo o que eu não
disse a ela? Quem sou realmente, filho de um cantor famoso? Com isso, eu
sei que ela pode lidar. O pior será descobrir sobre as mulheres que tive na
minha vida, e não foram poucas, como disse a ela, além do pedido dos seus
irmãos para eu me aproximar dela para convencê-la a vender a fazenda
que tanto ama.
Liguei para o Lucky.
― Acabou de vazar na íntegra sobre mim. Você viu? ― questionei em
tom irritado.
― Sim. Você estava cercado de paparazzi em Vegas, já que um dos
garotos do rock se casou. Se queria a coisa bem escondida, deveria ter
tomado mais cuidado ou me chamado, pois eu o ajudaria. Mas, falando sério,
conta tudo. Essa garota ama você, ela vai entender. Fique tranquilo.
― Preciso de mais tempo com ela antes de contar ― falei um pouco
nervoso. ― Preciso ir para algum lugar afastado com ela, tipo uma maldita
ilha onde não tenha celular nem ninguém que me conheça ou a ela.
― Sério, Jordan, não é para tanto. ― Ele riu. ― Vai dar certo.
― Conta tudo você mesmo, porque vai ser pior se ela descobrir pela
boca dos outros ― disse Sam; com certeza tomou o telefone do marido. ―
Lembra quando não contei sobre mim e Bryan? A forma que Lucky descobriu
nos machucou muito. Ela vai ficar com raiva, sim, mas depois vai ver a
razão, afinal você não ficou com ninguém depois dela.
Sam se referia ao fato de não ter contado que era irmã de Bryan, e
Lucky pensou que os dois fossem amantes. Os bastardos dos seus pais
morreram pelas mãos de um assassino frio que buscava vingança por Bryan
estar casado com Alexia. Steve Lutner era um fodido doente mental que
prendeu Alexia e a violentou na sua adolescência, depois voltou buscando
vingança, então matou o pai de Bryan, que estava na cadeia na época, bem
como a cadela da mãe da Sam.
― Sim. Eu vou dizer a ela essa noite, antes de irmos para a cama.
Lucky, só impeça de os paparazzi virem à fazenda até amanhã.
― Sim, cara, eu farei isso ― ele afirmou e desligou.
Cheguei à varanda e puxei Laurel para os meus braços, devorando sua
boca, que eu amava. Não podia perder isso, não mesmo. Precisava fazê-la
entender que seríamos felizes e que não havia ninguém que a amaria mais do
que eu.
Peguei-a pela cintura enquanto ela colocava as pernas à minha volta e a
levei para dentro da casa, seguindo para o quarto. Escorei-a na porta e
rasguei sua calcinha, abaixei minha calça e soquei fundo em seu interior,
fazendo-a gritar e apertar minhas costas.
― Me fode mais forte! ― pediu levantando o rosto, a cabeça escorada
na porta e os olhos fechados, mas com sua boca aberta e gemendo.
Penetrei-a com mais força e puxei seu vestido para baixo, expondo seus
seios fartos. Coloquei um em minha boca, lambendo-o mais intensamente
enquanto acelerava mais as estocadas.
― Tay, eu...
Grunhi sentindo sua boceta espremer meu pau com sua necessidade. Eu
sabia que ela estava perto, então mordisquei seu mamilo e o puxei com mais
força, trazendo-a para a borda, assim como eu estava.
― Isso, goza para mim, minha caipira! ― grasnei e a vi se desmanchar
contra o meu corpo. Nunca tinha visto nada mais lindo na vida.
Eu a segui logo depois e escondi meu rosto em seu pescoço, sentindo
seu cheiro de lavanda, que se tornara minha essência preferida. Eu não podia
perder aquilo, não podia ficar longe dela de maneira alguma.
― Nossa! Isso foi maravilhoso, apesar de você ter estragado a lingerie
nova que eu estava pronta para estrear com você ― comentou ela, rindo e
beijando meu pescoço. ― Mas amei mesmo assim.
Afastei meu rosto e a olhei, depois observei o pedaço de pano no chão.
― Eu devia dizer que sinto muito, mas não seria verdade ― falei e a
coloquei sentada na cama.
― Você está bem? Parece nervoso desde o telefonema que recebeu.
Quem era? ― sondou, tirando o vestido e indo para o banheiro.
Olhei para a janela lá fora, pensando que a qualquer momento algum
repórter apareceria e ela descobriria realmente quem eu era.
― Pode me dizer ― falou, voltando ao quarto e enlaçando minha
cintura por trás. ― Sempre vou estar ao seu lado.
Eu queria poder acreditar em suas palavras, mas temia pelo pior assim
que contasse tudo.
― Jura? Porque fiz uma coisa e não sei se você vai ser capaz de me
perdoar, pois menti para você. Espero fervorosamente que me perdoe.
Seus braços sumiram do meu corpo, levando seu calor consigo e me
deixando vazio.
― Mentiu? ― Ouvi a dor e o medo na sua voz. ― O que fez?
Doía fundo em meu peito ver aqueles sentimentos em seu rosto e ouvi-
los em sua voz. Saber que eu era o causador disso me matava.
Suspirei e fitei seus olhos.
― Conheci você no aniversário de Shade, em Manhattan, como já
comentei antes. Bom, eu já tinha visto você algumas vezes antes disso.
Nunca tinha conhecido uma mulher desse jeito, sabe? Você não se importava
em se vestir na moda, não ligava para a opinião dos outros. ― Passei as
mãos nos cabelos.
― Não me lembro de você... ― Sua voz era só um sussurro. ― Eu
queria.
― Você estava muito bêbada para isso. Conversamos, e você contou
sobre o haras, sobre o sonho de ser arquiteta e sobre sua paixão por Shade.
Depois nos beijamos, então você disse que era seu primeiro beijo ―
expirei. ― Não sabe a alegria que senti por ser o primeiro.
Ela engoliu em seco.
― O que houve depois?
― Eu vim para Dallas depois disso. Já tinha hotéis aqui, mas queria
mais, para fazer uma imensa rede de hotéis. Perguntei ao Shade antes de
conhecê-la se você venderia a fazenda. Ele disse que não, mas que queria
que você vendesse. ― Olhei para ela, que estava de olhos arregalados. ―
Fui ao casamento porque não queria deixá-la sozinha, como disse antes, mas
Shade me pediu para me aproximar de você e convencê-la a vender suas
terras.
― Oh, meu Deus! ― gritou ela, chorando com a mão na boca. ― Você
ficou ao meu lado e me fez te amar para conseguir minha fazenda? E Shade
pediu que me levasse para a cama para conseguir...
Pisquei, assustado.
― Claro que não! Eu falei que Shade me pediu para convencê-la a
vender, mas não liguei para isso, porque já estava vindo ficar com você de
qualquer forma... E, quanto à fazenda, alguma vez me ouviu pedindo para
você vendê-la?
Ela sacudiu a cabeça.
― Não, mas isso deve estar em seus planos, já que me fez casar com
você com comunhão de bens, porque agora ela também é sua. ― Sua voz
estava sem vida. ― Não acredito nisso... Como fui idiota!
― Você não é idiota, e não me casei com você querendo nada seu!
Quero que você transforme esta fazenda em um haras, como é o seu sonho, e
não em um projeto que eu tinha antes de conhecê-la. Posso conseguir outro
lugar, mas esse é único para você. Um sonho que precisa realizar mesmo não
me querendo ao seu lado...
― Então é isso, você solta essa bomba em cima de mim e depois vai
embora?! ― gritou. ― Você é um tremendo filho da puta! Disse que nunca ia
me deixar, falou na música que tocou naquela noite!
― Eu não vou embora, mesmo se você me pedir, mas isso não é tudo...
Ela riu amarga.
― O que tem mais para contar? Que Shade te pagou para ficar comigo?
Recuei como se ela tivesse me dado um tapa.
― Porra! Você acha que eu seria capaz disso?! Posso ser um merda e
não ter dito algumas coisas, mas quis estar com você a cada segundo! Gostei
de você à primeira vista!
― Jeito bem estranho de demonstrar isso, mentindo para mim... O que
tem mais? Vamos acabar com isso.
― Conhece James Johnson? Cantor da banda Clave? ― Fiquei rodando
minha aliança no dedo.
― Ouvi falar. O que tem ele? ― parecia confusa com minha pergunta.
― Sou filho dele.
Ela estreitou os olhos.
― E...? Por que o fato de você ser filho de um cantor de rock é algo
que me perturbaria? Nós nem conversamos sobre seus pais ainda.
Definitivamente, sou uma esposa terrível. ― A amargura estava na sua voz.
Seria mais difícil do que eu pensava de fato, mas estava disposto a
tolerar e dar tempo a Laurel, como Sam disse. Não desistiria dela; não era
uma opção de modo algum.
― Menti sobre ter ficado com poucas mulheres. A minha vida antes de
conhecê-la era regada a festas e sexo... Tudo isso mudou a partir do
momento em que a vi e a quis para mim.
Ela parecia não ter ouvido o fim da frase, fixada apenas na parte das
mulheres e do sexo:
― Você está dizendo que é igual aos meus irmãos? Que vive com a
mulherada? Fode tudo o que se move?
― Vivia, fodia, no passado. Não faço mais isso desde que a conheci e
vim para Dallas atrás de você. Não me arrependo disso.
Ela expirou. Seus olhos estavam molhados. Eu não suportava vê-la
chorando, isso me doía fundo. O pior era eu ser o causador disso, e não
Shade, como eu presenciara outras vezes, com vontade de quebrar sua cara.
― Quero que vá embora. Meu advogado vai entrar com os papéis do
divórcio...
Meu peito se apertou, sufocando-me por um segundo. Lancei-me para
ela e a prendi na parede, pegando-a de surpresa.
― O que está fazendo? ― Notei que ela estava se segurando para não
voltar a chorar. ― Me solta agora.
― Você pode ter seu tempo, mas não vou dar a porra do divórcio,
entendeu? Não vou deixá-la por causa de um passado de merda e que não
tem como eu voltar atrás para mudá-lo...
― Você mentiu para mim ― lamuriou. ― Me fez amá-lo...
Aquilo foi como uma facada na porra do meu peito.
― Lamento por isso, mas só quero você e sempre quis desde que a
conheci. Sei que está se sentindo confusa e traída, por isso vou deixá-la
sozinha, mas não me peça o divórcio, porque isso eu não darei. ― Toquei
seu rosto, fazendo-a estremecer. ― Perder você não é uma opção.
― Nosso casamento foi uma farsa todo esse tempo, sou a mais
completa estúpida por ter caído em sua conversa e me apaixonado por você.
― Ela se afastou do meu toque como se fosse veneno e a ferisse.
― Não era uma farsa! O que sentimos não é uma farsa, e o que tivemos
também não, nunca pense isso! Você e eu não acabamos. Depois que colocar
sua cabeça no lugar, verá que não pode me acusar pelas mulheres que tive no
passado. Apenas pode me acusar por não ter contado a verdade a você.
Vamos ter nossa lua de mel em Veneza, e farei muitos filhos em você. Essa é
nossa vida, porra!
― Me solte! Não posso confiar em você! ― cuspiu. ― Você mentiu
para mim! Como posso acreditar que me ama?! Quero ficar sozinha! ―
pediu quase suplicante.
― Trabalhei muito para ter seu coração, fui através de seus sentimentos
por outro cara, lutei até que você o esquecesse e, agora que tenho seu amor,
não vou deixar que nada me faça perdê-lo. Você é a única coisa boa que
tenho, e eu vou até o maldito inferno para buscá-la. Lamento por ter mentido
e vou consertar isso. O que não posso e não vou é perdê-la porque fui idiota
e temi que não me perdoasse. ― Soltei-a e fui até a porta, mas olhei para
ela, encolhida na parede. ― Eu amo você, Laurel. A partir do dia em que a
conheci, você se tornou todo o meu mundo.
Saí porta afora, embora não quisesse fazer isso, só a queria em meus
braços para amá-la.
Cheguei ao meu carro e fiquei olhando para a casa, com esperança de
ela vir atrás de mim, mas não veio.
Meu telefone tocou.
― Papai, nós acabamos de nos falar...
― Seu pai teve uma overdose e está sendo levado por uma ambulância
― informou Brad.
Porra!
Capítulo treze
LAUREL
Estava deitada na cama, não querendo ver ninguém, nem sair dali.
Taylor havia ido embora, deixando-me com o coração despedaçado.
Ele não cumprira sua promessa de nunca me deixar. Bastara eu mandá-lo
embora uma vez, e ele logo se fora.
Sabia que era uma idiota por ter acreditado nele. Mesmo o amando, não
podia perdoá-lo pelo que ele tinha feito, não quando as feridas estavam
abertas e me matando a cada pulsação.
Sempre fui cercada de amigos que não me queriam de fato, só aos meus
irmãos, pela sua fama. Sempre fui usada; naquele momento me sentia da
mesma forma, mas o pior era por ser pelo homem que eu amava mais do que
um dia havia amado alguém.
Meus olhos estavam vermelhos e molhados, porque pesquisei sobre ele
na internet e o vi em festas com mulheres de todos os tipos, todas lindas,
algumas eram até modelos que eu inclusive tinha visto nas festas dos meus
irmãos. Acho que eles faziam rodízio das mulheres, pensei amarga.
Durante toda a minha vida, sonhei em ter um homem só meu, embora
isso fosse impossível, pois estávamos em pleno século XXI, mas Taylor
tinha que ser um playboy mulherengo, como as pessoas o chamavam, como
chamavam aos meus irmãos?
Merda! Eu era muito azarada mesmo. Primeiro, gostei do Shade, que só
vivia com mulheres em seu pescoço, embora nenhuma vez ligasse para
alguma delas, até se casar com Melissa. Será que ele a ama? Se ama, então
os “bad boys” podem ser capazes de amar e mudar?
― É claro que os bad boys são capazes de amar e mudar ― respondeu
vovó entrando no quarto.
Eu nem sabia que havia feito a pergunta em voz alta. Minha mente devia
estar longe, porque nem a vi chegando, ou a sua picape barulhenta, que
parecia um trem enferrujado.
Olhei para ela, ao lado da minha cama. Vovó era uma mulher linda, pele
branca e cabelos grisalhos.
― Se levante e vá tomar um banho, porque precisamos conversar ―
mandou ela sem me dar direito de recusar.
Encolhi-me nos travesseiros, sem ânimo para nada, não sem Tay ao meu
lado, sem o seu sorriso, sua animação contagiante. Eu não podia perdê-lo,
mas como podia esquecer que ele tinha mentido para mim?
― Não quero me levantar, aliás, quero ficar aqui para sempre ―
choraminguei.
― Você cheira a sexo, então precisa tomar banho... ― comentou vovó,
puxando a coberta.
― Sexo?! ― rugiu Nilan entrando no quarto, seguido por Gave. ― Eu
vou matar aquele filho da puta!
― Como ele ousa tocar em você e ir embora depois? ― sibilou Gave.
― Eu vou acabar com ele.
Fechei os olhos, tentando me controlar.
― Ele não foi embora, eu o mandei ir... ― Minha voz falhou devido à
realidade que batia à porta da minha mente, que parecia que ia explodir.
― Você o mandou embora depois de ele tê-la desonrado? ― indagou
Gave com asco na voz. ― Só de pensar nele tocando em você me dá vontade
de matá-lo.
Sentei-me na cama e estreitei meus olhos.
― Desonrado? Você quer matar um cara por ter fodido comigo? Vocês
não fazem isso o tempo todo? Não saem fodendo tudo o que se move?
― Você é nossa irmãzinha linda...
― Sou adulta, tenho 24 anos e não preciso que me tratem com uma
adolescente imatura ― interrompi Nilan. Peguei a toalha e fui para o
banheiro.
Depois do banho, coloquei um short e uma camiseta de Taylor que
estava no banheiro. Até tinha o seu cheiro.
Não vi ninguém no quarto, mas não significava que haviam desistido ou
que tinham me deixado sozinha com minha dor e saudade, além da
humilhação.
Fui para a cozinha, onde estavam todos sentados, incluindo Shade, que
fixou os olhos na camiseta que eu usava. Aposto que sabia que era do Tay.
Não consegui ler seus olhos, mas também não liguei.
Fui até o armário e peguei uma garrafa de bebida, mas ela sumiu da
minha mão. Olhei para Nilan.
― Que porra é essa? ― rosnei. ― Me deixe beber, pois preciso aliviar
a dor.
― Você não vai beber. Agora senta sua bunda aqui nessa cadeira e fala
o que aconteceu, porque na minha cabeça há vários cenários, e todos acabam
comigo matando o Jordan. ― Ele me puxou e me fez sentar de frente para
ele.
― Você não pode matá-lo, eu o amo ― grunhi, fuzilando todos.
― Você sabe quem é ele...
Cortei Gave:
― Ele me contou...
Estreitou os olhos.
― Me deixe reformular a pergunta: você sabia quem ele era antes de se
casar em Vegas?
Eu me encolhi.
― Não, o conheci no avião, mas ele me disse que nos conhecemos na
festa de aniversário do Shade. ― Olhei para ele, que estava calado. ― Mas
só soube disso depois de nos casarmos, já que eu tinha bebido muito naquela
noite.
― Para onde ele foi? Era para estar aqui e termos uma conversa ―
falou vovó. ― Porque, se vocês são casados, preciso saber qual a intenção
dele com a minha neta.
― Ele disse que ia me dar tempo para assimilar o que me falou sobre
ele, mas que depois voltaria e que não aceitaria o divórcio.
― Divórcio? Você pediu o maldito divórcio? ― perguntou Gave com
uma faca na mão. Com certeza queria matar alguém – Taylor.
― Sim, mas ele não aceitou e disse que não ia me dar ― respondi
olhando a mesa, mas sem nada ver.
― Ótimo, pois isso prova que ele ama você, minha querida ― falou
vovó se sentando ao meu lado.
― Não entendo. Eu sei que saíram muitas coisas na televisão a respeito
do casamento de vocês, mas por que pedir o divórcio se você sabe que ele...
ama você? ― sondou Nilan confuso.
Expirei.
― Ele era como vocês três, ficava com muitas mulheres... e...
― Não somos assim ― retrucou Gave com um suspiro.
Franzi o cenho.
― Não? Gave e Nilan, vocês ficam com uma mulher só, já imaginou o
que é isso? A porra de um ménage. Eu sei que os roqueiros fazem isso, foi
isso que papai fazia quando nos deixou ― sussurrei, colocando a mão na
testa. Na verdade, não eram as mulheres que Taylor teve que estavam me
incomodando, porque, depois de eu pensar, aquilo fazia parte do seu
passado, e ele não sabia que eu ia aparecer. O que fazia meu peito doer era
ele ter mentido para mim, uma coisa que odeio que façam.
Percebi que Nilan e Gave se engasgaram, embora não tivessem nada na
boca.
― Onde ouviu isso? Foi dele? ― indagou Nilan com a voz grossa.
― Não, foi de uma amiga minha, a Samantha Donovan. Alex disse a
ela, que me contou. Embora eu já soubesse, porque ouvi de outras pessoas
também. ― Dei de ombros.
― Essa Samantha é a esposa de Lucky Donovan? ― sondou Shade,
falando pela primeira vez.
― Sim, nós almoçamos hoje no Pleylis.
― Você sabe quem é o dono do Pleylis e do prédio em frente? ―
inquiriu Gave.
― O hotel, eu descobri que é do Tay, e o... Oh, meu Deus, o Pleylis
também é dele?! ― Minha voz saiu duas oitavas mais alta.
― Sim, assim como mais sete hotéis aqui. Ele queria fazer um aqui na
fazenda ― informou Nilan.
Encolhi os ombros.
― Eu sei, ele me contou que Shade lhe pediu para ficar comigo e me
convencer a vender minha fazenda. ― Alisei minha aliança enquanto olhava
para ele. Os outros também o fitaram.
― Você o mandou para ela? ― indagou Gave com raiva, como se
estivesse pensando em esmurrar Shade.
― Porra, me diz que você não fez isso só para empurrá-la para longe e
para fazê-la esquecer que era apaixonada por você. ― Os punhos de Nilan
estavam brancos de tão apertados.
― Apaixonada? O que você quer dizer com isso? ― Vovó olhou para
cada um de nós. ― Você amava o seu irmão? Meu Deus! ― Ela colocou a
mão na boca como se tivesse ouvido que eu ia sair nua na Times Square.
― Não somos irmãos de sangue, então não precisa olhar como se eu
tivesse cometido um pecado terrível ― comentei baixinho. ― Mas não amo
mais o Shade assim, apenas o Tay.
― Depois nós vamos falar sobre isso, mocinha ― ela disse, em
seguida olhou para Shade. ― Você sabia do que ela sentia?
Shade suspirou.
― Sim, mas achei que era uma paixão adolescente, até que soube que
ela bebeu muito no meu aniversário...
― Até eu esmurrá-lo na boca e dizer a verdade ― disse Nilan e me
olhou. ― Eu sei que não era para dizer, mas não podia continuar vendo você
daquela forma e não fazer nada.
― Então resolveu bater nele? ― rosnou vovó, fuzilando os três. ― Sua
mãe criou vocês melhor do que isso, ela se reviraria no túmulo caso visse
seus filhos brigando uns com os outros.
― Desculpe, vovó, não queríamos brigar e não vamos fazer de novo ―
avisou Shade envergonhado. ― Mas eu precisava acordar e ver o estrago
que estava acontecendo. Nilan me levou ao quarto, e eu a vi bêbada e
dormindo. Soube que não podia ficar no escuro. Mas...
― Você não podia fazer nada, já que me amava como uma irmã, não é?
― completei. ― Pode dizer, está tudo bem. Ninguém manda no coração.
Embora você não tivesse o direito de mandar Taylor para mim.
― Eu não mandei, só pedi para ele convencê-la a vender a fazenda, não
para dormir com você, ou pior, se casar. Fiz isso não com a intenção de fazer
você superar sua paixão por mim, mas para viver uma vida fora desta
fazenda, conhecer pessoas, namorar e outras coisas. Não tive a intenção de
machucá-la. Jordan é um cara legal, o cara perfeito para você, melhor do que
um dia desejei.
Olhando para ele naquela hora, eu me perguntei: onde tinha ido parar
aquele amor que eu sentia por ele? Era como se tudo tivesse desaparecido.
Foi quando pensei no que Tay me disse sobre ter trabalhado duro para me
fazer esquecer Shade e me ter inteira para si, por isso não ia desistir de mim.
― Se ele se aproximou de você para que vendesse a fazenda, eu vou...
Interrompi a ameaça de Nilan, que parecia real. Com certeza ele a
cumpriria e acabaria com Taylor, e eu não podia deixar isso acontecer; por
mais brava que estivesse, não podia deixar ninguém o machucar, doía demais
em mim imaginar isso.
― Ele não quer que eu venda a fazenda para fazer um dos seus prédios.
Na verdade, me aconselhou o contrário.
― Não? ― Shade sondou.
Suspirei e coloquei minhas mãos sobre a mesa, rodando o anel,
nervosa. Notei os olhos de todos na minha aliança.
― Um minuto comigo na festa do seu aniversário, Shade, e Tay soube
qual é a minha paixão, o que eu sonho em fazer aqui na fazenda.
― E que sonho é esse que não sabemos? ― questionou Gave.
― Fazer um imenso haras e uma pousada. Tenho tudo arquitetado.
Esperem, que vou buscar. ― Corri para fora da cozinha e peguei a planta do
lugar, que marcava o celeiro, os estábulos e tudo mais. Limpei uma brecha
na mesa e estendi o papel sobre ela, mostrando tudo.
― Aqui ― indiquei a área plana da fazenda ― vai ficar o campo e o
haras. Do lado direito, quero fazer a pousada. Do lado esquerdo, pretendo
reformar os estábulos e aumentá-los ainda mais.
Notei o silêncio e vi que todos estavam com os olhos em mim.
Pareciam chocados, impressionados.
― O quê?
― Isso é fantástico, porra, não sabia que minha irmãzinha era tão
talentosa assim. ― Nilan piscou. ― Esse projeto que arquitetou está
fantástico.
― Nilan, olha a boca ― repreendeu vovó.
― Desculpe, vovó. ― Sorriu para ela.
― Por que nunca nos disse que esse era seu sonho? ― indagou Shade.
― Não achei que conseguiria realizá-lo algum dia... ― Sentei-me.
― Por que não, po...? ― Gave se interrompeu, olhando vovó, que
fechou a cara.
Eles sempre falavam palavrões, mas, na frente de vovó, todos se
refreavam, embora muitas vezes esqueciam.
― Bom, tentei fazer um empréstimo, mas o banco queria hipotecar a
fazenda, então tive medo e deixei quieto, mas aí Tay chegou e me incentivou
a lutar por isso... a não desistir do que eu queria... ― Minha voz falhou. ―
Ele parece enxergar dentro de mim.
― Isso se chama amor, minha neta ― disse vovó. ― Vi nos olhos dele
quando foi nos visitar, o amor era evidente ali.
― Eu sei, mas como esqueço tudo? Ele se aproximou de mim por causa
de um pedido de Shade, apesar de Tay ter dito que se aproximaria de
qualquer forma, mas ele mentiu para mim. Como posso confiar em alguém
que fez isso? ― Enrolei meu projeto do haras e o deixei na mesa.
― Duvida do que ele sente por você? Acha que ele a enganaria algum
dia? ― sondou Shade. ― Conheço Jordan, ele não é esse tipo de homem.
Suspirei, porque Taylor não merecia isso, afinal de contas, depois que
ficamos juntos, ele só tinha estado comigo e mais ninguém, o que provava
que realmente me amava.
― Você tem razão. ― Suspirei. Já fazia quase seis horas que ele havia
saído. ― Ele me deu um tempo para pensar, e pensei; agora vou atrás dele.
Vovó sorriu como se tivesse ganhado na loteria.
― Isso, minha neta, vá atrás do seu futuro e seja feliz.
― E, quanto ao projeto, vamos dar o dinheiro a você para fazê-lo ―
notificou Nilan.
Olhei para ele, Gave e Shade e os vi assentindo para mim.
― Se vocês quiserem me emprestar...
― Por que faríamos essa merda? Vamos dar, e você vai aceitar ―
retrucou Gave. ― Somos uma família.
― Lucky Donovan disse que, quando começou, ele pegou dinheiro
emprestado com seu pai, que não queria que o filho pagasse, mesmo assim
Lucky pagou. Ele me disse que, quando fazemos algo com sacrifício, damos
mais valor ao que é nosso. ― Suspirei. ― Eu quero assim, quero fazer isso
por mim mesma, lutar por aquilo que quero. Se vocês me emprestarem, eu
aceito.
Eles ficaram em silêncio uns segundos. O primeiro a sorrir foi Nilan,
que me puxou para seus braços.
― Claro que sim, minha princesa. O que você quiser, pode fazer, só me
fale, que envio o dinheiro ― disse, beijando a minha cabeça. ― Agora vá
ser vestir para ir atrás de Jordan, porque tenho umas coisas para falar com
ele.
Afastei-me e o fuzilei.
― Vocês não vão lutar ― avisei. ― Isso só diz respeito a mim e a ele.
― Não vamos brigar, mas temos coisas para dizer a ele, porque você é
nossa irmã ― replicou Gave, também me abraçando.
Fui me trocar e optei por uma calça jeans, mas permaneci com a
camiseta de Tay. Quando meu telefone tocou, pensei que fosse ele, mas era a
Sabrina.
― Oi, minha amiga, como você está? ― sondou ela. ― Acabei de ver
na televisão que aquele loiro é, na verdade, o filho do astro do rock James
Johnson.
― Ele me disse isso hoje cedo. Por isso brigamos, porque eu não quis
aceitar que ele mentiu para mim.
― Estou na minha tia, em Seattle, mas, quando chegar aí, vou à sua
casa.
― Ok. Agora estou bem. Estou indo procurá-lo no seu hotel...
― Querida, você não assiste à televisão? O pai dele teve uma overdose
de remédios ou algo assim, e Tay está com ele no hospital, em Los Angeles.
Enquanto ela falava, corri para a sala, pegando o controle-remoto da
TV, que estava transmitindo uma partida de basquete, e mudando para o
canal CNN.
― Ei, estou assistindo ― reclamou Gave.
Na emissora de notícias, estava passando uma reprise do caso, cenas da
ambulância levando o cantor, depois na parte externa do hospital em que ele
foi internado.
― Oh, porra! É o James! ― Gave gritou. Nilan e Shade entraram na
sala junto à vovó. ― O pai de Jordan teve uma overdose.
― Aquele cabeça-dura sabe que não pode beber nem se drogar porque
tem diabetes! ― rosnou Shade. ― Maldição! Jordan deve estar um caco, ele
tem pavor de hospital...
― Por quê? Não tente me poupar ― falei e nem percebi que Sabrina
ainda estava na linha, apenas quando ela perguntou:
― Lau?
― Tenho que ir, depois nos falamos ― respondi e encerrei a chamada.
Na TV, mostrava o momento em que Tay chegou ao hospital com Lucky
e Sam ao seu lado. Ouvi as perguntas, que faziam Tay endurecer e seus olhos
se encherem de dor.
― Senhor Jordan, esse incidente vai atrasar a sua lua de mel? Sua
esposa não veio com você? ― perguntou um repórter. ― O que está
sentindo neste momento, vendo seu pai indo para o hospital do mesmo
jeito que sua mãe há nove anos? Na ocasião, ela não saiu com vida; acha
que seu pai vai conseguir?
― Bando de abutres... ― sibilou Shade. ― Não podem perder nada.
― Meu Deus, o hospital o faz lembrar sua mãe, não é? A dor que vi nos
olhos dele assim que chegou e ouviu essas perguntas... ― Minha voz se
quebrou. ― Preciso ir para Los Angeles. Vocês podem me levar? Ele está
precisando de mim.
― Sim, ele está, agora mais do que nunca ― respondeu Shade.
― Vamos levar você ― disse Gave.
― Sim, iremos ― concordou Nilan.
Olhei para os três.
― Obrigada, amo vocês ― declarei.
Só me faltava chegar ao meu homem para dizer tudo que estava
sentindo, que ele era o homem pelo qual eu estava completamente
apaixonada.
Capítulo quatorze
JORDAN
Saí da casa da caipira sem querer, mas precisava saber como papai
estava. Tinha de acreditar que estava bem, que nada ia derrubá-lo.
Eu não era muito amigo dele, mas, porra! Amava aquele velho. Um dia
ele havia sido mais carinhoso, embora ainda não deixasse de ser. Apenas
ficou meio distante por causa da minha mãe, que morreu pela mesma causa
pela qual ele acabava de ser hospitalizado.
Meu pai estava no auge da sua carreira mais de nove anos antes, e eu
podia apenas cogitar o que levara minha mãe a tomar remédios sem
necessidade. No começo, culpei a fama do meu pai, mas, conforme fui
ficando mais velho, percebi que não podia odiá-lo como gostaria.
Nós dois já havíamos tido várias discussões feias, durante as quais
quase chegamos a nos agredir fisicamente. Foi quando me mudei de sua casa,
em Los Angeles, para Manhattan. Com a distância, passamos a nos entender
mais.
Ele já tinha sido pego dirigindo bêbado algumas vezes e recebia uma
porrada de multas, então, para ele não se acidentar ou ferir alguém, contratei
Brad para dirigir e tomar conta dele, querendo meu pai ou não.
― Espero que tenha uma boa explicação para essa merda, ou vou
chutar sua bunda ― rosnei assim que ele me informou sobre meu pai ter tido
uma overdose.
― Chefe, ele estava festejando com seus amigos depois do show ontem
e acabou dormindo na boate, nos quartos que têm lá. Depois que ele acordou
hoje, só o vi beber e não achei que os caras da banda fossem loucos para dar
algo a ele. Passou mal pouco depois do telefonema para você.
― Descubra quem deu, estou chegando aí ― desliguei e telefonei para
o Lucky.
― Porra, cara! A coisa aqui está feia, repórteres por todos os lados,
mas eu os impedi de irem à fazenda, então fica tranquilo, mas contou tudo a
ela? A mulher reagiu bem? ― falou antes que eu dissesse algo.
― Sim, conversei com ela, mas não reagiu bem, como eu sabia que ia
acontecer caso descobrisse. Dei um tempo a Lau, mas, porra, estou ficando
louco! Agora isso acontece com meu pai...
― Vai dar tudo certo, cara. Acabei de ver na TV sobre James. Preparei
o jatinho, está pronto para irmos a Los Angeles.
― Você sabe que... ― Minha garganta se apertou ante seu gesto.
Desde que conheci Lucky, em Harvard, éramos melhores amigos, como
também Jason, Ryan e Daniel. Éramos inseparáveis, ajudávamos e
defendíamos uns aos outros.
― Jordan, nós somos mais do que amigos, somos irmãos, então só
vamos nessa. Já falei com Ryan e Jason, os dois estão indo pra lá também.
Tenho uma casa lá, caso não queira ficar na do seu pai, com a banda dele.
― Obrigado. Estou indo para o aeroporto, logo chego lá, e poderemos
partir.
― Não vai levar a Laurel? Porque, mesmo que ela esteja irritada com
você, aquela mulher vai querer estar lá por você. Ela é dessas. Estamos
saindo do hotel agora.
― Valeu, cara, mas não a quero no meio disso, dessa porra de abutres
que são esses repórteres. ― Suspirei. ― Agora entendo o motivo de os
irmãos a deixarem bastante isolada do meio deles.
― Certo, cara. Vamos esperar você lá.
TAYLOR
― Vamos prender o fodido assassino que matou minha mãe e tentou
acabar com o meu pai ― falei assim que Bryan disse que tinha descoberto a
localização de Travis.
Tinham policiais indo para o local em que ele se encontrava naquele
momento, e eu estava feliz com isso.
Olhei para o corredor que dava para o banheiro aonde a caipira tinha
ido havia um tempo. Ela estava demorando.
Fui até as meninas para saber se tinham visto Laurel. Meu peito estava
apertado, uma sensação que eu não entendia.
― Vocês viram a caipira? ― perguntei a elas, que negaram e ficaram
preocupadas.
Minhas entranhas se apertaram. Algo não estava nos eixos. Corri para o
banheiro. Talvez ela tivesse passado mal ou algo assim. Todavia, ele estava
vazio, exceto por uma mensagem no espelho.
James tirou meus sonhos e minha felicidade, agora vou tirar o que
seu filho mais ama.
Meus músculos travaram e minhas mãos se apertaram em punhos.
Aquele desgraçado havia pegado a minha mulher e iria machucá-la!
Pessoas falavam ao meu redor, mas meus ouvidos pareciam tampados.
Ouvi Bryan gritar com alguém ao telefone.
― Travis está com ela?! Estou indo pra aí! Entra no lugar agora, não o
deixe machucá-la! ― ordenou.
Olhei para ele.
― O que está acontecendo? Eles sabem onde minha esposa está? Ela
está bem? Como ele entrou aqui quando estava sendo vigiado? ― Minha voz
se elevou: ― Porra, me diz que eles têm isso sob controle! Estou a um
segundo de perder minha mente!
― Sim, ela está bem. Sei onde estão, e meus colegas vão entrar agora
no lugar. Se quiserem ir, então vamos. Mas parece que ela não é a única
refém, também há uma mulher e a filha dele no lugar.
― Filha? Nunca soube que Travis tinha filhos. ― Segui-o para um
Mercedes.
― Sabe aquela história que eu disse sobre ele e um amigo terem
espancado o namorado de uma garota no passado e depois a terem
estuprado, mas nada ter sido comprovado? ― perguntou enquanto dirigia.
Assenti.
― A mulher é ela, mãe da menina, fruto do estupro.
― Porra! Se ele a tocar...
― Não vai, os policiais estão entrando lá agora. Se tivesse acontecido
algo a ela, eles já nos teriam dito.
Ficamos em silêncio enquanto nos aproximávamos de um imóvel não
muito longe do hotel em que estávamos. Parecia com um galpão, e estava
escuro, mas vi os carros de polícia. Meu coração martelou nas costelas,
porque as sirenes e os policiais me fizeram lembrar de quando encontraram
minha mãe morta nove anos antes.
Saí correndo do carro e fui na direção das viaturas. Vi Laurel ao lado
de duas mulheres. Um policial estava tomando seus depoimentos.
― Tay... ― sussurrou ela e veio correndo para os meus braços.
Peguei-a firme e a abracei forte, não querendo soltá-la nunca mais na
vida. A partir de hoje, ela vai andar sempre com segurança, pensei. Não
quero e não vou passar por isso de novo.
― Você está bem? Ele a tocou ou machucou você? ― perguntei em tom
preocupado.
Ela suspirou.
― Estou bem, só quero sair daqui e ficar com você ― disse com a voz
tremendo.
― Vamos embora.
Capítulo dezoito
LAUREL
Dois meses depois
Fim
Bônus
LUCKY
Já fazia dias que meu telefone tocava direto, ligações que eu não queria
atender. Mary tinha deixado de ser minha mãe quando me abandonou quando
eu era criança. Até então eu não sabia seus motivos, nem se tinha algum.
Talvez ela fosse apenas uma cadela fodida mesmo, não?
Três semanas, e eu estava sendo perseguido por ligações do advogado
dela. Até falei com meu advogado para que tentasse impedi-lo de me
atormentar com aqueles malditos recados, porque eu não queria saber dela
de forma alguma.
Entretanto, ela persistia com o recado de que precisava falar comigo
sobre uma coisa importante, e, se eu não fosse visitá-la, jamais saberia o que
realmente havia acontecido comigo e seus motivos para me abandonar tão
jovem.
Falei a mim mesmo que não queria saber, mas, no fundo, ainda restava a
dúvida dos motivos que a tinham levado a me odiar e desejar minha morte.
Sentei-me à mesa em frente à pessoa que um dia eu havia amado e
chamado de mãe – ao menos na infância. Eu ainda me recordava do
abandono; às vezes só queria apagar tudo da minha mente.
Mary estava acabada, não tinha mais nenhuma maquiagem ou cabelos
tratados pelos melhores da área. Parecia mais velha do que era.
― O que tem de tão importante para falar comigo? ― questionei em
tom duro. Sabia que a cadela era minha mãe, mas, além do abandono, ela
havia roubado meu dinheiro, então por que eu deveria ser educado e tratá-la
com luvas de pelica? Aquela mulher merecia mais do que minha frieza,
merecia o meu desprezo total.
Ela olhou para mim e Bryan, ao meu lado, e franziu o cenho.
― Por que não veio sozinho? Achou que eu mataria você? ― Seu tom
era incrédulo e raivoso, mas também cheio de sarcasmo. ― O que eu
poderia fazer aqui?
Eu não tinha levado o Bryan por medo. Ele apareceu na minha empresa,
a Onix, assim que eu estava saindo e decidiu vir junto.
― Você tentou isso uma vez, se esqueceu? Deixou-me sozinho em uma
casa, com fome, para morrer naquele lugar. ― O desdém era evidente na
minha voz.
Ela nem se encolheu ou piscou com minhas palavras. Certamente aquela
mulher era feita de pedra, por não se importar com o próprio filho. Eu amava
minha menina e, por ela, moveria Céu e Terra. Faria isso até por Shaw, que
não tinha meu sangue, mas eu o amava como se fosse meu. Por isso a frieza
daquela mulher me deixava com mais raiva.
― Soube que tem uma filha. Meus parabéns... ― começou, mas a
cortei, grunhindo:
― Não me chamou aqui para falar da minha família, porque você nunca
ligou para isso. ― Estava perdendo a paciência com toda aquela falsidade.
― Vá direto ao ponto, pois tenho mais o que fazer ao invés de olhar para
essa sua cara.
Ela estreitou os olhos.
― Preciso que me tire daqui...
Ri, sacudindo a cabeça com fúria; estava quase explodindo como um
maldito vulcão, logo estouraria, mas torcia para não matar minha própria
mãe – ou a mulher que me colocou no mundo, porque mãe de verdade ela
nunca havia sido.
― Você é louca? ― sibilei enfurecido. ― Você e o bastardo do seu
filho adotivo me roubaram! Acha que vou deixá-los soltos? Ninguém me
rouba e fica impune.
Mary foi presa depois que usou Kevin, que trabalhava para mim – a
mando dela, vale salientar – e era filho do homem com quem ela estava na
época, para desviar meu dinheiro. Certamente convenceu o trouxa a me
roubar, e por causa disso os dois estavam presos.
― Você tem muito dinheiro e não sabe nem o que fazer com ele. Se a
vadia da sua mulher não tivesse dado com a língua nos dentes...
Senti Bryan endurecer ao ouvi-la chamar sua irmã daquela forma.
― Não ouse manchar o nome da minha esposa, você é a única vadia
aqui. ― Levantei-me, ou quebraria a cara dela, embora soubesse que jamais
espancaria uma mulher. Só por isso ela ainda estava inteira. ― Se era
apenas isso que tinha a dizer, estou indo embora. Você não vai ver a luz do
dia fora deste presídio.
Ela suspirou, parecendo frustrada. Na verdade, ambos estávamos,
embora eu apostasse que fosse por motivos diferentes.
― Você é um homem arrogante, mas tudo bem... Se é assim que quer
jogar... ― apontou para a porta, dando de ombros ― vá embora sem saber
onde suas irmãs vivem e como andam até hoje.
Virei-me, porque já tinha quase alcançado a porta. Olhei para a víbora,
pensando não ter ouvido direito, mas, pela cara dela, era justamente o que eu
tinha acabado de ouvir.
― Irmãs? Eu não tenho irmãs, e você não tem nenhuma filha, porra!
Então não me venha com essa merda! ― grunhi. ― Não acredito em nada
que venha dessa sua boca mentirosa! O que uma pessoa não faz por
dinheiro?
Ela arqueou as sobrancelhas e se escorou na cadeira com um sorriso
diabólico.
― Não? Se você não acredita em mim, o problema é seu, mas elas
existem. São gêmeas e mais novas do que você. Dei as duas para pessoas
diferentes.
Uma cadela de rua era mais mãe do que aquela mulher tinha sido.
Estreitei os olhos.
― Então onde elas estão e com quem? ― perguntei, mas, conhecendo
Mary, sabia o que iria querer em troca da informação que acabava de
revelar.
Ela sorriu.
― Acha que vou dizer a troco de nada? Tire-me deste lugar, e eu falo,
ou você nunca saberá onde elas moram nem o que fazem ou como estão. Será
que estão bem ou passando dificuldade? E você cercado do bom e do
melhor... ― Ela checava as unhas enquanto falava, como se estivesse
analisando-as após sair de um salão de beleza.
Meu peito parecia ter sido socado com força. Eu não podia soltá-la,
mas como descobriria sobre minhas irmãs? O que elas faziam? Será que
estavam bem? Será que sofreram como eu, sendo abandonadas para morrer
de fome?
Porra! O que vou fazer agora?!
SEMPRE FOI VOCÊ
Série Dilacerados
Livro VI
IVANI GODOY
Copyright © - Ivani Godoy
SOPHIE
Estava olhando para o garoto que eu amava bem na minha frente, o meu
melhor amigo desde criança.
Tínhamos perdido uma aposta, por isso estávamos naquele quartinho de
vassouras; teríamos que ficar ali até a meia-noite e nos beijar. Poderíamos
apenas dizer aos nossos colegas que tínhamos nos beijado, mas, no fundo, eu
queria muito aquilo.
O lugar em que Daniel e eu estávamos era bem apertado, e ficamos
colados um no outro.
Sua respiração estava tornando minha concentração difícil, e eu só
queria beijá-lo de forma enlouquecida.
― Seu coração está batendo muito rápido ― observou ele com seu
hálito quente.
― Não é nada. ― Tentei clarear minha mente nebulosa igual ao lugar
em que estávamos, com iluminação fraca.
― Quer mesmo que eu te beije? Posso falar que aconteceu, e ficamos
aqui até meia-noite, como é o esperado.
Ao ouvir aquilo, meu coração rachou. Então ele não queria me beijar?
― Se não quer me beijar, basta dizer, Daniel. Não precisa inventar
desculpas. ― Empurrei-o, mas seu corpo não se moveu do lugar.
Daniel, para sua idade – 17 anos –, era bem forte, corpo no lugar certo.
Eu não tinha qualquer chance com ele.
― Sophie, não é nada disso. É só que ouvi seu coração acelerado e
achei que você não quisesse.
― Vamos acabar com isso logo. ― Beijei seus lábios. No começo, ele
ficou parado, provavelmente em choque, mas logo depois aprofundou mais o
beijo, e suas mãos apertaram minha cintura.
Sua língua mergulhou em minha boca numa dança erótica e selvagem.
Cada puxão de língua me fazia gemer mais, tanto que não ligava para quem
ouvisse.
Senti minhas costas no chão e ele em cima de mim; não me importei que
não fosse uma cama a princípio nem que, para ele, aquilo fosse apenas uma
aposta que perdeu. Entretanto, para mim, era tudo, o amor que sempre sonhei
em ter um dia, a partir do momento em que descobri que o amava havia
alguns anos.
Suas mãos passearam em minhas coxas antes de abri-las e ele se
encaixar ali, fazendo-me perder o resto do fôlego.
― Esses malditos lábios são como mel ― rosnou no meu pescoço,
deixando-me respirar.
O meu centro pulsava, louco para ser saciado, um lugar que ninguém
jamais tinha tocado, embora eu desejasse que ele fizesse. Suas mãos estavam
uma em minha coxa, e a outra entre minhas pernas.
― Daniel... ― Não sabia o que pediria, só queria que ele me tocasse
mais do que apenas na boca.
Assim que falei, foi como se um interruptor houvesse sido desligado, e
então Daniel piscou, encarando-me ali, através da luz fraca do lugar. Percebi
naquele momento que ele tinha se arrependido de me tocar. Pelo menos foi o
que vi em seus olhos.
― Merda! Não era pra ter acontecido isso. ― Olhou para mim debaixo
dele, com o vestido levantado na cintura e sua mão perto de onde, outrora, eu
quis que ele tocasse. ― Me desculpe, não vai mais acontecer.
Ouvir aquelas palavras foi como receber um soco no estômago. Doeria
menos. Não pensei e só o empurrei antes de sair correndo do lugar sentindo-
me humilhada como nunca.
Aquela foi a primeira vez que Daniel quebrou meu coração.
Capítulo 1
SOPHIE
Passado
SOPHIE
Presente
Seis meses atrás, descobri que tinha anemia aplástica e que precisava
de um transplante urgente. Todavia, estava sendo difícil conseguir alguém
que fosse compatível. Eu estava na fila de espera, então era só aguardar para
ver o que aconteceria dali para frente. Por isso, decidi que não queria trazer
mais pessoas para a minha vida, pois eu poderia morrer em pouco tempo.
Fui adotada quando criança e teve uma época em que quis saber quem
eram meus pais verdadeiros. Queria perguntar o motivo de minha mãe
verdadeira ter me abandonado. Eu teria sido um erro tão grande assim que a
levou a me deixar em uma lixeira? Fui tratada pior do que um cachorro
sarnento. Nem um animal merecia tal tratamento.
Depois de um tempo, não me importei mais em encontrá-la, então,
quando descobri a doença e que, para o transplante, haveria mais chance de
compatibilidade se fosse alguém da família, o meu amigo Wellington me
ajudou a descobrir quem minha mãe era, não só ela, mas meu irmão também.
Assim que eu soube, fui visitá-la. Mary estava na cadeia, porque
roubou dinheiro de seu próprio filho. Como uma mãe era capaz de tal ato?
Procurei-a não apenas para pedir ajuda, mas porque queria descobrir os
motivos que a levaram a me abandonar. Talvez ela tivesse sofrido depressão
pós-parto. Eu só queria entender suas razões.
Se eu quisesse apenas o transplante, irmãos eram mais prováveis, e
ainda assim a compatibilidade não era forte. Lucky Donovan poderia me
ajudar. Eu queria ir até ele... Só precisava ter coragem de contar-lhe que era
sua irmã. Quando eu soube que também tinha um irmão, fiquei imensamente
feliz. Na hora, só queria me apresentar a ele, mas precisava primeiro
assimilar tudo. Afinal, havia acabado de saber que tinha uma família
biológica.
Uma parte de mim me dizia que eu não deveria estar ali, naquele
presídio, mas a outra falava que eu precisava daquilo, mesmo que estivesse
com medo da reação dela. Poderia ser algo bom acabar com aquela angústia,
porque, senão, sempre teria uma parte de mim perguntando-se se poderia ter
sido diferente, se Mary poderia no fundo ter algo bom dentro de si.
Eu estava ali, na sala de espera, aguardando minha mãe. Tinha
ressentimento pelo que ela fez, mas seria capaz de esquecer, ou ao menos
tentar, se ela fizesse um mínimo de esforço para querer me conhecer, se
tivesse ao menos um pouquinho de preocupação em me perder, como uma
mãe de verdade teria.
― Ora, ora... Quem é viva sempre aparece. ― Ouvi uma voz soando
divertida e irritada ao mesmo tempo. ― Não achei que um dia você viria
aqui para me ver neste lugar.
Franzi a testa, olhando para a mulher de meia-idade. Não parecia ser
aquela que vi nas revistas, com roupas de luxo e toda maquiada, cabelo
feito. Essa parecia uma bagunça.
― Não me olhe com pena ― grunhiu enquanto se sentava diante de
mim. ― Você não é melhor do que eu.
Ignorei sua grosseria e foquei no que eu queria saber dela, os motivos
que a levaram a me abandonar sem se importar comigo. Algo em meu peito
se apertou, porque, no fundo, eu sabia que não aconteceria como eu
esperava, mas não imaginava que seria tratada com tanta frieza.
― Por que nunca me procurou? ― Fui direto ao ponto, não querendo
enrolar mais. ― Por que me abandonou daquela forma?
A maneira que me olhou, como se eu fosse idiota e ingênua, trouxe uma
pontada ao meu coração. É claro que eu sabia que não seria recebida com
flores e alegria, mas por que tanto ódio? Não fazia sentido.
― Acha mesmo que eu iria desperdiçar o meu tempo com você ou seus
irmãos? O pior erro da minha vida foi ter tido vocês, malditos bastardos. ―
O asco era evidente na sua voz.
― Por que nos teve então? Deveria ter evitado! Naquele tempo já tinha
a maldita camisinha e outros contraceptivos. Uma mulher só tem filhos se
quiser, pois há várias formas de prevenir. ― Cerrei os punhos com raiva. De
repente, algo que ela disse chamou a minha atenção. ― Você disse “você ou
seus irmãos”. Então quer dizer que tenho mais de um? Sei que Lucky
Donovan é um deles. Quem é o outro?
Ela fechou a cara.
― O que faz aqui mesmo? ― Riu, zombeteira. ― Veio atrás de mim
para eu ser sua doadora? Eu soube que pode morrer com sua doença e sabia
que logo viria até mim ou até seu irmão. Inclusive, estou surpresa de não tê-
lo procurado ainda.
Estreitei meus olhos.
― Como sabe tanto sobre mim? Anda me espionando? Uma mãe
deveria se importar com sua filha ― rosnei irritada.
Ela riu.
― Acha que eu me daria ao trabalho de segui-la? Você não vale a pena,
nem grana tem. Por que eu haveria de me importar com uma garota como
você? ― desdenhou.
― Então como...
― A velha da sua mãe veio me implorar essa manhã para salvar a sua
vida. Talvez eu possa ser uma doadora. Trouxe até uma foto sua para tentar
amolecer meu coração. ― Revirou os olhos. ― Como se eu me importasse
com suas lágrimas ou com o que acontecer com você.
Pisquei. Minha mãe tinha estado ali? Eu nem sabia que ela estava na
cidade. E, se tinha vindo, por que não foi até mim? Queria apenas conversar
com a Mary?
Meu coração doeu por saber que ela havia implorado ajuda àquela
mulher que me deu à luz. Falo dessa forma porque a palavra “mãe” é
sagrada, uma mãe se preocupa com seus filhos, diferente daquela cobra, que
zombava da dor dos outros. Ela se achava inabalável? Que o castigo de
Deus não poderia cair sobre si? Não se pode tratar nem ao próximo assim,
imagina uma filha ou um parente.
― Como pode ser assim? Minha mãe está sofrendo por minha causa
justamente por não poder fazer nada para me ajudar. Você não passa de um
monstro! ― Arfei, limpando as lágrimas do meu rosto.
― Não vou fazer nada sem dinheiro. Quanto vale a sua vida? ― Ela
colocou as mãos sob o queixo. ― O que fará para evitar morrer? Estaria
disposta a dar uma grande quantia? Também tenho outra condição, ou seja,
duas. O que vai fazer?
O solavanco em meu coração foi tão forte que mal consegui assimilar.
Como um ser humano podia pedir dinheiro para salvar alguém? Ainda mais
uma mãe em relação à própria filha? Dona Alísia não tinha meu sangue e,
mesmo assim, daria sua vida por mim. Até se deslocara até ali, disposta a se
humilhar para conseguir que Mary me ajudasse.
― Quanto você quer? Quanto almeja pela doação da medula? Quanto
quer para me dizer quem é meu outro irmão ou irmã? ― sondei. Talvez
minhas economias dessem, não pela medula, mas para eu saber sobre meu
outro parente. Senti-me feliz em saber que tinha mais alguém, não porque
poderia me salvar, mas porque minha família estava crescendo, e eu amava a
ideia de ter irmãos.
― Quinhentos milhões de dólares, além da minha liberdade definitiva.
Quero ficar livre dessa cadeia em que o maldito do seu irmão me colocou.
― Ela se recostou na cadeira e sorriu. ― Tem todo esse poder, garota? Se
tiver, então temos um acordo.
Arregalei os olhos.
― Você está doida? Como acha que tenho todo esse dinheiro? Nem se
eu trabalhasse toda a minha vida. ― Estava chocada e chateada por ter
perdido o meu tempo indo até ali, quando sabia que não valeria de nada.
Mary continuou sorrindo como se não se importasse com o meu estado
chocado e furioso.
― Isso não é problema, pois seu irmão Lucky tem mais do que isso,
pode acreditar. Aquele maldito fedelho é bilionário, então esse valor não vai
fazer nem cócegas na conta dele ― comentou, com inveja do meu irmão.
Levantei-me depressa, mortalmente decepcionada.
― Você é mesmo desequilibrada se acha que vou pedir esse dinheiro a
ele só para que me ajude. Como alguém é capaz dessa merda? Só sendo sem
escrúpulos como você! ― Tentei não gritar, porque corria o risco de os
guardas me colocarem para fora. De qualquer forma, eu só queria sumir
daquele lugar e nunca mais vê-la.
― Por que não? Se acha tão certinha a ponto de morrer sem pedir ajuda
ao seu irmão? ― zombou com um olhar afiado. ― Conheço mulheres como
você, querida, que se fazem de sonsas, mas não passam de golpistas.
― Fale por você. ― Trinquei os dentes. ― Não vou me aproximar do
Lucky e pedir algo assim a ele. Também não quero sua medula, só quero
saber onde está o meu outro irmão.
Eu já estava perto da porta, quando ela falou:
― Você vai morrer só para não ter que pedir ajuda? Isso é orgulho e
uma completa idiotice.
Dei de ombros.
― Não vou, porque, ao contrário de você, o Lucky pode me ajudar e
não irá querer nada em troca. Ele é um ser humano decente, e você, uma
vadia golpista que, se depender de mim, apodrecerá nesta cadeia. Só vim
aqui hoje pensando que talvez tivesse mudado com o tempo, mas vejo que
ficou pior, cheia de ressentimento, amargura e ambição pelas coisas dos
outros. De hoje em diante, para mim você está morta.
Saí daquele lugar antes que fizesse alguma besteira e acabasse atrás das
grades. Estava com raiva dela e tinha motivos para isso. Aquela mulher era
desumana, alguém que foi capaz de abandonar a própria filha dentro de uma
lixeira. Fui idiota por procurar saber dela. Pelo menos algo bom resultou
disso, acabei descobrindo que Lucky e eu tínhamos mais um irmão ou irmã,
embora eu não soubesse onde estava.
A cobra da Mary me pedia algo impossível para falar onde nosso irmão
estava. Eu não poderia pedir ao Lucky que a libertasse e que me desse
aquele valor em troca de ela dizer o paradeiro do nosso irmão. Seria uma
garota? Se sim, como estaria? Certamente também tinha sido abandonada,
como nós dois, Lucky e eu. Merda! O que fazer? Desistir não era opção,
mas as coisas estavam complicadas, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Eu
não podia segurar aquele fardo sozinha, precisava me abrir com alguém, com
Lucky.
Capítulo 3
LUCKY
Já fazia dias que meu telefone tocava direto, ligações que eu não queria
atender. Mary tinha deixado de ser minha mãe quando me abandonou quando
eu era criança. Até então eu não sabia seus motivos, nem se tinha algum.
Talvez ela fosse apenas uma cadela fodida mesmo, não?
Três semanas, e eu estava sendo perseguido por ligações do advogado
dela. Até falei com meu advogado para que tentasse impedi-lo de me
atormentar com aqueles malditos recados, porque eu não queria saber dela
de forma alguma.
Entretanto, ela persistia com o recado de que precisava falar comigo
sobre uma coisa importante, e, se eu não fosse visitá-la, jamais saberia o que
realmente havia acontecido comigo e seus motivos para me abandonar tão
jovem.
Falei a mim mesmo que não queria saber, mas, no fundo, ainda restava a
dúvida dos motivos que a tinham levado a me odiar e desejar minha morte.
Sentei-me à mesa em frente à pessoa que um dia eu havia amado e
chamado de mãe – ao menos na infância. Eu ainda me recordava do
abandono; às vezes só queria apagar tudo da minha mente.
Mary estava acabada, não tinha mais nenhuma maquiagem ou cabelos
tratados pelos melhores da área. Parecia mais velha do que era.
― O que tem de tão importante para falar comigo? ― questionei em
tom duro. Sabia que a cadela era minha mãe, mas, além do abandono, ela
havia roubado meu dinheiro, então por que eu deveria ser educado e tratá-la
com luvas de pelica? Aquela mulher merecia mais do que minha frieza,
merecia o meu desprezo total.
Ela olhou para mim e Bryan, ao meu lado, e franziu o cenho.
― Por que não veio sozinho? Achou que eu mataria você? ― Seu tom
era incrédulo e raivoso, mas também cheio de sarcasmo. ― O que eu
poderia fazer aqui?
Eu não tinha levado o Bryan por medo. Ele apareceu na minha empresa,
a Onix, assim que eu estava saindo e decidiu vir junto.
― Você tentou isso uma vez, se esqueceu? Deixou-me sozinho em uma
casa, com fome, para morrer naquele lugar. ― O desdém era evidente na
minha voz.
Ela nem se encolheu ou piscou com minhas palavras. Certamente aquela
mulher era feita de pedra, por não se importar com o próprio filho. Eu amava
minha menina e, por ela, moveria Céu e Terra. Faria isso até por Shaw, que
não tinha meu sangue, mas eu o amava como se fosse meu. Por isso a frieza
daquela mulher me deixava com mais raiva.
― Soube que tem uma filha. Meus parabéns... ― começou, mas a
cortei, grunhindo:
― Não me chamou aqui para falar da minha família, porque você nunca
ligou para isso. ― Estava perdendo a paciência com toda aquela falsidade.
― Vá direto ao ponto, pois tenho mais o que fazer ao invés de olhar para
essa sua cara.
Ela estreitou os olhos.
― Preciso que me tire daqui...
Ri, sacudindo a cabeça com fúria; estava quase explodindo como um
maldito vulcão, logo estouraria, mas torcia para não matar minha própria
mãe – ou a mulher que me colocou no mundo, porque mãe de verdade ela
nunca havia sido.
― Você é louca? ― sibilei enfurecido. ― Você e o bastardo do seu
filho adotivo me roubaram! Acha que vou deixá-los soltos? Ninguém me
rouba e fica impune.
Mary foi presa depois que usou Kevin, que trabalhava para mim – a
mando dela, vale salientar – e era filho do homem com quem ela estava na
época, para desviar meu dinheiro. Certamente convenceu o trouxa a me
roubar, e por causa disso os dois estavam presos.
― Você tem muito dinheiro e não sabe nem o que fazer com ele. Se a
vadia da sua mulher não tivesse dado com a língua nos dentes...
Senti Bryan endurecer ao ouvi-la chamar sua irmã daquela forma.
― Não ouse manchar o nome da minha esposa, você é a única vadia
aqui. ― Levantei-me, ou quebraria a cara dela, embora soubesse que jamais
espancaria uma mulher. Só por isso ela ainda estava inteira. ― Se era
apenas isso que tinha a dizer, estou indo embora. Você não vai ver a luz do
dia fora deste presídio.
Ela suspirou, parecendo frustrada. Na verdade, ambos estávamos,
embora eu apostasse que fosse por motivos diferentes.
― Você é um homem arrogante, mas tudo bem... Se é assim que quer
jogar... ― apontou para a porta, dando de ombros ― vá embora sem saber
onde suas irmãs vivem e como andam até hoje.
Virei-me, porque já tinha quase alcançado a porta. Olhei para a víbora,
pensando não ter ouvido direito, mas, pela cara dela, era justamente o que eu
tinha acabado de ouvir.
― Irmãs? Eu não tenho irmãs, e você não tem nenhuma filha, porra!
Então não me venha com essa merda! ― grunhi. ― Não acredito em nada
que venha dessa sua boca mentirosa! O que uma pessoa não faz por
dinheiro?
Ela arqueou as sobrancelhas e se escorou na cadeira com um sorriso
diabólico.
― Não? Se você não acredita em mim, o problema é seu, mas elas
existem. São gêmeas e mais novas do que você. Dei as duas para pessoas
diferentes.
Uma cadela de rua era mais mãe do que aquela mulher tinha sido.
Estreitei os olhos.
― Então onde elas estão e com quem? ― perguntei, mas, conhecendo
Mary, sabia o que iria querer em troca da informação que acabava de
revelar.
Ela sorriu.
― Acha que vou dizer a troco de nada? Tire-me deste lugar, e eu falo,
ou você nunca saberá onde elas moram nem o que fazem ou como estão. Será
que estão bem ou passando dificuldade? E você cercado do bom e do
melhor... ― Ela checava as unhas enquanto falava, como se estivesse
analisando-as após sair de um salão de beleza.
Meu peito parecia ter sido socado com força. Eu não podia soltá-la,
mas como descobriria sobre minhas irmãs? O que elas faziam? Será que
estavam bem? Será que sofreram como eu, sendo abandonadas para morrer
de fome?
Porra! O que vou fazer agora?!
― Vamos, Lucky. Talvez seja tudo mentira mesmo ― Bryan falou pela
primeira vez. Com toda a merda que ouvi, acabei me esquecendo dele ali
comigo.
Se fosse dinheiro que ela quisesse, eu até lhe daria em troca da
informação, mas a liberdade? O pior não era isso, mas sim que não havia
garantia de que ela realmente estivesse dizendo a verdade. Eu precisava
apurar as informações antes. Sabia que conseguiria, mas precisava de algum
tempo.
― Não achei que fosse mesquinho ao ponto de não se importar com
alguém do seu próprio sangue ― ela continuou. ― Como alguém pode ser
capaz disso?
Eu devia ficar quieto quanto àquela réplica, mas estava furioso demais
para manter a compostura.
― Quem você acha que é para me julgar? Uma mulher que abandona
seus próprios filhos, como uma puta qualquer... Que garantia tem de elas não
estarem mortas? Era para eu estar, só não morri por causa dos Donovans,
que me salvaram, senão estaria numa tumba. O que faz você acreditar que
elas estejam vivas?
― Ao contrário do que aconteceu com você, eu sempre soube onde e
com quem elas estavam. ― Não havia remorso em sua voz pelo que ela tinha
feito com seus filhos. Se fosse só por má condição financeira... mas ela me
deixou da pior maneira possível, e eu não acreditava que com minhas irmãs
tinha sido diferente.
Bryan chegou perto de mim e falou baixo, só para que eu ouvisse:
― Vou procurar saber a verdade. Não dê o que essa mulher quer,
porque ela não merece sair deste lugar.
Sabia que Bryan estava certo quanto àquilo. Virei-me para a mulher que
me deu à luz, mas que nunca se importou comigo.
― Posso saber por que teve filhos se não gostava de nós? Nos
abandonou como se fôssemos lixo. Tem alguma razão por trás disso ou
realmente você é só uma cadela psicótica que adorava engravidar e maltratar
os filhos?
Ela não pareceu se importar com o que eu disse, aliás, nunca se
importava.
― Acha que ligo para a sua opinião? Não. Mas a verdade é que eu não
queria ter tido nenhum de vocês. ― Olhou-me de lado. ― Os três me
lembravam o morto de fome do seu pai, que acreditava que deveríamos ter
as coisas com o próprio suor; ele nunca quis ser rico ou ter uma vida boa,
sempre achando que viver na simplicidade era obra de Deus. Aquele maldito
não merecia nem estar vivo. Quem nasce com a alma de pobre morre pobre.
― Você sabe quem é meu pai? ― perguntei. Sempre achei que ele era
um maldito bêbado ou que ela nem sabia quem era, já que não passava de
uma puta.
― Claro que sei. Sei até onde o morto de fome mora ― rosnou. ― Se
quiser saber quem é, então me solte, que te dou essa informação como um
bônus. Assim você e suas irmãs podem ficar com a ralé. Você pode ter grana,
Lucky, mas não passa de ralé assim como ele.
― Não procurei sua opinião...
― O pai deles sabe que tem filhos ou você escondeu isso dele? ―
perguntou Bryan.
Sabia que ele estava checando para ver se ela soltava algo a fim de
facilitar seu trabalho de busca às minhas irmãs.
― Aquele pobretão não sabia de nada. Se soubesse que fiquei grávida,
com certeza teria vindo pegar vocês. Não faz muito tempo que descobriu
sobre os filhos, mas não conseguiu achá-los. ― Ela sorriu. ― O verme deve
estar arrasado.
Jesus! Como alguém assim existe?! Aquilo não era nem um ser
humano; certamente nem alma tinha.
― Não vou dar o que você quer. Vou procurá-las eu mesmo e sem sua
ajuda. Enquanto isso, apodreça neste lugar ― sibilei.
― Seu moleque atrevido... ― Ela começou a me xingar de vários
nomes que deixariam caminhoneiros de boca aberta, mas não me importei e
apenas saí dali.
Estava pisando duro quando cheguei ao meu carro. Não sabia o que
fazer. Queria minhas irmãs comigo e saber do meu pai também. Que tipo de
homem ele era? Se Mary falara mal dele e de seu ponto de vista, que não era
interesseiro, então ele devia ser parecido comigo. Ainda estaria nos
procurando?
― Vou achá-los para você. Irei pesquisar tudo sobre sua mãe, saber
onde deu à luz, porque isso pode ajudar ― disse Bryan, entrando no carro ao
meu lado. ― Fique tranquilo, cara.
― Tudo bem. Obrigado. ― Não queria preocupá-lo e dizer que minha
mente estava fodida. Aquela mulher tinha poder sobre mim, algo que eu
odiava. Até pensei que aquilo tinha passado, mas percebi com amargura que
não.
― Lucky... ― ele começou, mas eu mal ouvi, porque minha mente
estava a mil enquanto dirigia de volta ao trabalho.
Porra! Eu precisava me controlar e não deixar que nada me afetasse,
mas era difícil. Ouvir sobre minhas irmãs e não saber como elas estavam,
nem sequer se estavam vivas me agoniava. Como alguém podia viver dessa
forma? Eu não as conhecia, mas estava louco para isso. Estava preocupado e
sem saber o que fazer.
Bryan falou comigo sobre uma forma de encontrá-las, como também ao
meu pai. Assenti para tudo, mas o meu peito se sufocava, quase me deixando
sem fôlego.
― Você vai ficar bem, cara? Assim que eu souber de algo, te chamo.
― Estarei bem, só preciso da Rosa Vermelha. Ela afasta a escuridão
que há em mim. ― Inspirei fundo, mas tudo em mim parecia doer demais.
Bryan foi embora assim que estacionei em frente aos prédios da Ônix e
da Vênus. Fui até a sala de Samantha na Vênus à procura dela.
― Senhor Donovan. ― A recepcionista se colocou de pé assim que
entrei na recepção.
― Minha esposa está no escritório? ― perguntei com a voz estranha.
Eu me sentia estranho, como um vulcão prestes a explodir e gritar aos
quatros cantos.
― Não senhor, está atendendo...
Eu sabia que não deveria interromper a consulta de Sam; mesmo que eu
precisasse dela, havia crianças ali que necessitavam mais de sua presença
do que eu.
Ignorei a preocupação no rosto da mulher, que falou algo, mas não ouvi
e rumei para a Ônix, ao meu escritório. Servi-me de uma dose de uísque e
tomei um gole grande para me acalmar. Minhas mãos tremiam tanto que achei
que minha raiva transpirava pelos poros.
― Maldição! ― praguejei, sentando-me na minha cadeira e encarando
a vista de Manhattan.
Onde minhas irmãs estavam naquele momento? O que estavam fazendo?
Moravam ali ou em outra cidade? Queria tanto conhecê-las, saber o que
aconteceu em suas vidas até aquele momento. Esperava que tivessem tido
uma vida melhor que a minha, apesar de que, desde que fui adotado quando
criança, a minha vida foi só felicidade. Esperava que a delas também. Eu
tinha meus irmãos, Ryan e Rayla, mas adoraria ter aquelas duas também,
conhecer alguém do meu sangue além da víbora que me deu à luz.
― Porra! ― Joguei meu copo do outro lado da sala, quebrando tanto a
ele como a um jarro de vidro.
― Por Deus, Lucky! ― Sam arfou, entrando na sala e se deparando
com a bagunça que fiz. ― O que aconteceu para agir dessa forma?
Olhei para minha linda esposa, a mulher que roubou minha alma e
coração e me deu a coisa mais incrível da minha vida, minha princesinha.
― Rosa Vermelha, me desculpe. Mas é que as coisas com Mary saíram
do controle. Aquela cadela tem o dom de me tirar do sério e me fazer querer
matá-la. ― Respirei fundo para me acalmar e ir até ela.
― Você foi visitar sua mãe? ― indagou, sem entender meu gesto. Toda
a minha família sabia que eu não gostava da minha mãe. Eu nem entendia
como me referia a ela assim, mas não significava que a reconhecia dessa
forma. Era só uma palavra sem significado. ― Oh, meu amor... ― Sam me
abraçou forte. Senti muito conforto nisso. ― O que aquela mulher disse para
deixá-lo assim?
Contei tudo a ela sobre as minhas irmãs, que a Mary deu como se as
filhas não fossem nada. Expliquei que eu não tinha ideia de quem elas eram e
o que faziam, seus nomes nem muito menos se estavam bem.
― Oh, Lucky querido. ― Puxou minha mão para me sentar no sofá e
ficou ao meu lado. ― Vamos dar um jeito de descobrir quem são elas.
― Bryan disse que vai conseguir, e acredito nele. É só que isso tudo é
tão fodido. Como uma mãe é capaz de chantagear um filho em troca de dizer
onde suas irmãs estão? Mary não passa de uma vagabunda chantagista que só
pensa em si mesma e em mais ninguém. ― Passei as mãos nos cabelos. ―
Não posso retirar a queixa em troca dessa informação. Se soubesse que ela
me diria a verdade, eu até faria isso, mas não acredito nem um pouco nela;
quem roubou e mentiu uma vez faz sempre.
― Vamos esperar e ver se Bryan descobre alguma coisa. Meu irmão é
bom em desvendar coisas desse tipo. Então, se não conseguirmos,
poderemos pensar na possibilidade de aceitar a chantagem dela. Mas não
deixe que isso suba à sua cabeça. ― Ela olhou para o vidro quebrado. ―
Sei que é doído pensar nelas e não saber como estão vivendo, mas acredite
em mim, perder a mente não é a solução. Se precisar de mim, sempre estarei
com você.
― O que eu fiz para merecer uma mulher como você? ― perguntei
quase a mim mesmo.
Sam também foi humilhada e maltratada por seus pais. A mãe era louca,
e o pai se tornou abusivo quando pensou que ela não era sua filha. Foi a
cadela da própria mãe quem disse isso a ele, envenenando o marido por
causa de ciúmes. Que Deus me perdoasse, mas eu não sentia pela morte dos
dois, que foram assassinados por um serial killer que estuprou e sequestrou
a mulher de Bryan e matou a irmã de Angelina. Depois eu soube que aquele
assassino e estuprador só chegou aos pais de Sam e Bryan porque, de alguma
forma maluca, ele odiava pais que maltratavam seus filhos, provavelmente
por ter tido uma infância ruim, embora não fosse motivo para cometer
atrocidades. Tive uma infância de cão nos meus primeiros anos de vida e
não cometi algo hediondo nem me tornei desumano.
― Você é bom, Lucky. Sei que não vai descansar até encontrar suas
irmãs, e, acredite em mim, também quero conhecê-las. ― Sorriu com
candura. ― Por que não vamos embora agora? Ou tem mais alguma reunião?
― Não tenho mais nada, cancelei tudo. Não estou com cabeça para
nada. ― Beijei seus lábios. ― Amo você demais, Rosa Vermelha.
― Também amo você ― declarou com um sorriso doce. ― Sou uma
sortuda por ter conseguido chegar até aqui. ― Tocou meu coração. ― Vamos
então? Preciso te contar algo, mas não quero fazer aqui.
― Foi só você e sempre será ― afirmei, beijando-a e a deixando toda
derretida e excitada com meus carinhos, mas depois um pensamento me
ocorreu.
Fazia algumas semanas que eu vinha notando que o seu apetite por sexo
estava maior que o normal. Sempre fizemos amor diariamente, mas, quando
ela ficou grávida da nossa filha, a frequência aumentou... O que tinha a dizer
teria a ver com isso?
― Você está grávida? ― sondei, avaliando seu rosto lindo.
Seus olhos azuis me encararam.
― Como sabe disso? ― perguntou, confusa. ― Eu vim aqui para te
contar, mas então vi você naquele estado.
Alisei suas coxas, fazendo com que ela estremecesse, dando ênfase ao
que eu disse:
― Seu apetite por sexo aumenta sempre que está grávida. Mas não ligo,
porque amo fazer amor com você. Adoro ainda mais saber que tem um ser
pequenino aí dentro, assim como foi com minha bonequinha.
Ela sorriu, acariciando meu cabelo.
― Que bom que pensa assim. Quanto às suas irmãs, vamos encontrá-
las, assim como ao seu pai.
Beijei seus lábios.
― Obrigado por me fazer feliz dessa forma.
― É um prazer te fazer feliz, Lucky, e vai dar tudo certo, querido. Vou
estar aqui, e vamos fazer tudo juntos. ― Alisou meu rosto.
― Sempre ― jurei.
Capítulo 4
SOPHIE
Minha amiga Laurel faria o aniversário de 1 ano de sua filha, Jordana,
com seu marido, Jordan, o filho do cantor aposentado James Johnson. A festa
seria na casa dela, no Texas, bem na cidade onde meus pais adotivos
moravam, Dallas.
Eu não queria ir ali, porque encontraria Daniel, que era o melhor amigo
de Jordan desde a faculdade que fizeram juntos. Dessa turma faziam parte
também Lucky, Ryan e Jason. Eu soube disso quando voltei a visitar Laurel
tinha algum tempo. Já havia muito que eu não o via pessoalmente. A última
vez foi quando ele brincara comigo, deixando-me quebrada e destroçada.
Isso era algo em que eu não queria pensar, porque ele matou meus sonhos e
minha paixão por ele. Foi difícil na época, mas dei a volta por cima. Ao
menos era o que eu dizia a mim mesma a todo momento.
― Que bom que chegou ― disse Laurel, beijando ambos os lados do
meu rosto. Estava usando um vestido rosa salmão e com os cabelos presos
no alto da cabeça, mas com mechas caindo em seu rosto. Era muito linda, e
sua bebezinha era ainda mais. A garotinha parecia o pai, loirinha de olhos
azuis, mas tinha traços de Laurel também.
Conheci Laurel antes mesmo de ir para a faculdade, então nossos
caminhos foram separados. Bem depois nos reencontramos, e eu não ficaria
longe dela nem após saber que o seu marido era o melhor amigo de Daniel.
― Não perderia por nada a festa da minha princesinha linda. ― Sorri.
― Onde ela está?
Laurel sorriu.
― Com Jordan. Ela não o larga hora nenhuma. ― Gesticulou para que
eu entrasse. ― Entre, mas saiba que Daniel está aqui. Ele acabou de chegar.
Sabia que ele estaria aqui, pensei amarga. Sempre que ouvia que
Daniel estava em algum lugar, meu coração acelerava forte; ainda batia por
ele. Isso me dava raiva, porque ele não merecia, não após ter feito o que me
fez.
Expulsei esse pensamento e foquei em participar da festa para depois ir
embora e deixar de ver sua cara bonita e descarada de mulherengo.
― Sei disso, mas não ligo ― menti. Laurel sabia da minha paixão por
Daniel. Contei-lhe assim que rejeitei um convite no mês anterior para visitar
o haras dela, porque Daniel estaria lá também. Infelizmente, não pude
declinar o convite para o aniversário, afinal, por Jordana, valia a pena vê-lo.
― O ouvi perguntando ao Jordan sobre você ― disse. ― Talvez esteja
interessado...
Cortei-a:
― Está enganada. E, mesmo se ele estivesse, não ligo para o que o
bastardo pensa.
― Esse ressentimento que ouço na sua voz diz o contrário ― falou com
o olhar triste. ― Conversa com ele. Ouvi dizer que, quando Daniel tenta
conversar, você se esquiva. O deixe se explicar.
Não queria que ele explicasse nada do que houve, não porque eu fosse
rancorosa, mas por causa da minha doença, descoberta recentemente. Se eu
não conseguisse um doador, não sabia o que seria de mim. Já bastavam meus
pais, que estavam sofrendo por mim sem poder fazer nada.
Eu sabia que éramos jovens na época, mas tive meu coração partido por
Daniel quando o vi entrando em um motel com uma garota, aquela de quem
eu não gostava, a Stacy. Depois disso, fui embora e não tornei a vê-lo
pessoalmente, só em jornais e revistas. Quando aparecia na TV, eu mudava o
canal.
Passei um tempo rancorosa, mas não era mais. Só queria mantê-lo longe
de mim para quando as coisas ficassem piores, porque havia a chance de
isso acontecer. Eu esperava que não, afinal não queria morrer.
Quando saí do presídio onde visitei Mary no dia anterior, fui até a
empresa de Lucky contar a verdade a ele, mas não consegui entrar, tive
medo, não de ele não me ajudar e não me aceitar, porque sabia que ele me
apoiaria, mas sim de fazer mais pessoas sofrerem por mim. Estava ali,
naquela festa, não só para felicitar e beijar a Jordana, mas para finalmente
contar tudo ao meu irmão. Talvez fosse por isso que eu estava nervosa.
Também queria contar para Laurel sobre a minha doença, porém não queria
preocupá-la, assim como não queria ter feito com meus pais. Entretanto, não
pude evitar. Tinha a intenção de contar, só precisava me acostumar com a
ideia primeiro. Também gostaria de lhe contar sobre Lucky, mas precisava
revelar a ele primeiro.
― Melhor deixar como está ― respondi à sugestão de Laurel sobre eu
ouvir Daniel. ― Agora vamos ver a minha aniversariante mais linda do
mundo.
Assim que entramos, deparei-me com Lucky ao lado de sua esposa. Os
dois faziam um casal muito bonito. Ela tinha pele branca, cabelos negros e
olhos azuis. Já o Lucky tinha cabelos escuros e olhos verde floresta.
Meu amigo Wellington puxou a ficha de meus parentes no intuito de me
salvar e conseguiu encontrar Lucky. Surpreendi-me quando descobri que ele
também era amigo de Daniel e Jordan.
Naquele dia eu me aproximaria de Lucky e lhe diria quem era
realmente. Meu coração palpitava toda vez que o via; já tinha ido a três
lugares em que ele estava depois que soube que era meu irmão: a portaria do
seu prédio, no dia em que descobri a verdade; sua empresa, assim saí do
presídio onde Mary estava trancafiada; e agora ali, a casa de Laurel e
Jordan. Além disso, assisti a algumas palestras online que ele presidiu.
― Sophie, está ouvindo? Não acho bom que fique olhando para o
Lucky, ele é casado, e a mulher dele é muito boa. Alguém pode entender que
esteja interessada nele. ― Laurel estalou os dedos na minha frente, trazendo-
me ao momento. ― Ele é bonito, mas não faz seu tipo, além disso, é bem
casado.
― É claro que eu não me interessaria por um homem casado! É que já
ouvi palestras que ele deu e gostei bastante. ― Não era mentira, mas eu não
podia dizer a verdade completa. Não ainda.
Peguei uma taça com água.
― Lucky tem várias empresas beneficentes que ajudam crianças pelo
mundo. Ele é um cara fechado, mas parece gente fina ― comentou Laurel.
― Não tenho interesse nele...
― Interesse em quem? ― Ouvi uma voz que ficou gravada em meu
cérebro e acreditava que ficaria para sempre, porque, mesmo após quase 11
anos, ela ainda me fazia tremer.
Senti minha pele se arrepiar com uma sensação que eu só sentia estando
perto de Daniel. Sabia que fazia anos que não chegava pessoalmente perto
dele, mas a sensação abrasadora de estar ao seu lado nunca foi esquecida.
Era como se eu estivesse perto de uma fornalha.
Virei-me e fiquei de frente para o homem que um dia fora meu melhor
amigo e o amor da minha vida. Mesmo seguindo caminhos diferentes, eu
ainda o amava, nada parecia ter mudado. Podia sentir isso através do meu
coração traiçoeiro.
Tive alguns relacionamentos após Daniel ter me deixado, porém nunca
davam certo, porque eu ficava tentando encontrá-lo em todos os homens. Isso
me enfureceu por muito tempo, então chegou um tempo em que parei de
procurar e foquei na minha profissão, que eu amava. Porém, acabei
descobrindo aquela doença.
Meu relacionamento mais sério foi com o Neil. Ficamos juntos por um
ano. Nunca pude amá-lo como deveria, e naquele instante entendi o porquê.
Jamais consegui me esquecer realmente do Daniel, por isso não insisti ou
lutei para que nosso relacionamento desse certo. Não podia seguir em frente
por causa daquele homem ali, na minha frente, com aqueles olhos negros e
cabelos curtos e lisos, a forma como seus lábios estavam curvados em uma
careta. Aquele homem parecia um deus grego de terno, um que me quebrou,
e, após isso, foi difícil lutar para me reerguer.
Sorri de modo frio.
― Ah, sim, eu estava dizendo a Laurel que vou me casar. ― Levantei a
taça como se estivesse brindando.
Uma sombra escura atravessou suas feições perfeitas.
― Casar? ― cuspiu como se fosse veneno. ― Com quem vai se casar?
Além de parecer sombrio, tinha algo na voz dele que soava como
tormento, mas com certeza eu devia estar errada. Afinal, ele vivia cercado
de mulheres, então por que iria preocupar-se com quem eu estava saindo?
Ele tinha deixado claro havia anos que eu não fazia parte de sua vida de
forma alguma, por isso nunca apareceu nem para me dizer um “oi”.
― Isso não é da sua conta. ― Cheguei perto dele, quase o tocando. ―
Você me tirou da sua vida, então não tem que dar nem um piu a esse respeito,
lembra?
― Sophie...
― O que está acontecendo aqui? ― perguntou Jordan chegando até nós.
Minha amiga era uma mulher de sorte, o cara era um tremendo deus
loiro de olhos azuis, muito parecido com o gato do ator que protagonizava o
personagem Thor. Segurava Jordana nos braços.
― Nada que seja importante ― respondi e estendi minhas mãos para
minha bonequinha. ― Vem com a titia?
Sua boquinha com apenas dois dentinhos na frente sorriu para mim.
Peguei-a nos braços e me virei para sair dali, pois não queria mais ficar
perto de Daniel, mas ele segurou meu braço.
― Sophie, você vai mesmo se casar?
Cortei-o com os dentes cerrados:
― Por que se importa? O que não falta é mulher para aquecer sua cama.
― Dei um safanão, arrancando sua mão de mim, e saí dali antes que dissesse
algo mais.
Ficar assim, tão perto dele, fazia meu peito doer, algo que achei ter
superado, mas percebia que não. E temia nunca poder.
― Como está a minha florzinha linda? ― Fiquei nos próximos minutos
brincando com Jordana até que Laurel se aproximou, e ela quis a sua mãe.
― Por que disse aquilo ao Daniel? Ele está furioso com essa notícia,
até me perguntou se é verdade. ― Ela se sentou ao meu lado no sofá e pegou
a menina.
― Não contou a verdade, não é? Sou sua amiga, deve ficar do meu
lado, não do dele ― apontei.
Ela revirou os olhos.
― Não disse nada, mas ele vai descobrir logo. Vocês dois precisam se
entender, Sophie, já faz tantos anos. E a forma como vocês agem faz parecer
que ainda se amam.
― Vou comer alguma coisa. ― Coloquei-me de pé, não querendo ouvir
mais nada sobre Daniel, porque conversar sobre ele me deixava triste e
irritada.
― Continua fugindo ― ouvi-a dizer atrás de mim.
Ignorei-a e entrei na cozinha, que era em estilo fazenda, cheia de
armários de madeira. Coloquei a chaleira com água no fogo para fazer uma
xícara de chá verde. Enquanto isso, comia alguns bolinhos.
Estava bastante irritada. Na verdade, essa palavra era um eufemismo,
porque eu estava puta, mas comigo mesma. Daniel me fez sofrer muito e,
naquele momento, aparentemente, parecia estar com ciúmes por pensar que
eu tinha alguém. Isso me deixava com raiva. Como ele ousava ter aquela
reação após anos? Quando namorei Neil, ele nunca apareceu para me pedir
para voltar, então por que se importava?
Acho que o que me fez sofrer mais não foi só o fato de eu estar
apaixonada por ele loucamente, mas sim porque éramos amigos antes disso,
desde crianças, então tudo isso se perdeu também. Perder as duas coisas, o
amor e a amizade, foi um golpe que me deixou arrasada por anos.
Neil era legal, um cara que todos adoravam, e juro que tentei me
apaixonar por ele, mas não tinha como eu amar outro quando meu coração
não me pertencia mais. Ele sempre foi apenas de Daniel. Eu não sabia se foi
por Daniel ter sido meu primeiro amigo, meu primeiro amor, aliás, meu
primeiro em todas as experiências. Às vezes, eu até temia que ele tivesse
levado minha alma junto ao meu coração.
― Imbecil. ― Coloquei a chaleira na pia com um pouco mais de força
que o necessário.
― Daniel merece isso? ― inquiriu uma voz grave.
Olhei para cima e me deparei com Lucky escorado na quina da mesa.
Aquele era o momento perfeito para eu lhe dizer quem era, mas estava
furiosa demais com Daniel e não conseguia pensar em nada. Deixaria para o
dia seguinte, assim poderia falar com mais calma.
― Se veio aqui para defender o seu amigo, pode dar meia-volta ou
guarde sua opinião para você. ― Estava com muito mau-humor para ser
educada.
― Não vim defendê-lo, só vim pegar um copo de suco para a minha
esposa. ― Meneou a cabeça de lado. ― Mas estou curioso. O que ele fez?
Pisquei.
― Achei que contassem tudo um para o outro, já que são amigos.
― Nem tudo. Daniel é um cara reservado, não é de contar sobre sua
vida particular, embora eu suspeitasse que ele gostasse de alguém assim que
o conheci na faculdade.
Sacudi a cabeça.
― Deve ter sido outra pessoa, porque não era eu. E, mesmo se fosse,
não ia perdoá-lo, porque ele me traiu. Jamais me esquecerei daquilo nem se
ele percorrer as Muralhas da China de joelhos ― grunhi. ― Sabe o que
devia acontecer?
Ele me avaliava.
― Não, o quê?
― Todos os homens serem extintos da face da Terra. ― Tomei um gole
do chá no intuito de me acalmar. ― Tirando meu pai, o resto não devia
existir.
E tirando você também, pensei comigo mesma. Eu tiraria da lista dos
homens que deveriam ser extintos apenas os dois.
Dessa vez Lucky riu, uma risada rouca e gostosa. Por um segundo,
fiquei admirada com isso. Ele era conhecido por ser um empresário sério e
um pouco frio, mas ali mostrava o contrário. E tudo graças à sua mulher, pois
eu soube que ela o mudou bastante.
― Você tem muitos sentimentos reprimidos aí dentro. ― Apontou para
o meu coração sem tirar os olhos dos meus. ― Isso comprova que não vai se
casar. A não ser que seja com uma mulher, já que odeia os homens.
Não os odiava, é claro. Só porque o meu primeiro amor me estragou
para todos os outros, não significava que eu queria que todo o gênero se
extinguisse. Era só maneira de falar.
Bufei. Mesmo que aquela conversa fosse estranha, eu estava adorando
conversar com ele.
― Você não ia pegar suco? Está ali, na jarra. ― Apontei para a
geladeira. ― Pegue e vá aproveitar a festa.
Tomei todo o chá e coloquei a xícara na pia, em seguida me virei para
sair e desfrutar da presença dos outros. Contudo, assim que passei por
Lucky, uma vertigem me atingiu, e tudo escureceu.
DANIEL
Minha vida estava uma bagunça havia algum tempo. Meu pai era dono
da Editora Luxem e foi sócio de um homem que mexia com tráfico humano.
Não foi comprovado que ele estava envolvido, mas eu não colocava minha
mão no fogo. Aquele velho era um sádico fodido. O seu sócio, Franklin
Salazar, foi preso pela esposa de Jason Falcon, Tabitta, que era agente
federal na época. Meu pai já estava morto quando isso aconteceu, então não
pôde ser julgado. Ele me deixou tomando conta de tudo, apesar de eu ter
rejeitado. Eu não sabia que Franklin estava envolvido naquilo até que o FBI
me procurou depois que meu pai morreu e pediu minha ajuda para tomar o
lugar da parte do meu pai na editora a fim de buscar provas que colocassem
o maldito Franklin na cadeia. Só não achei que essa merda demoraria tanto.
Quase vomitei quando vi um dos contêineres que deveria ser usado
para transportar livros para o México, mas, em seu lugar, havia garotas entre
10 e 16 anos. Reportei o incidente ao FBI, e eles fizeram a apreensão de
todos os envolvidos.
O pior foi que, depois que Franklin foi preso, confessou que meu pai
também estava envolvido naquilo. Eu já odiava o velho por ter me separado
da Sophie, e piorou muito mais depois disso. Alguns bens do meu pai foram
congelados, mas não me importei, pois tinha meu próprio dinheiro.
Nunca contei aos meus amigos que odiava meu pai. Todos achavam que
nos dávamos bem antes de ele morrer. Sentia desprezo por ele, não só por
ter feito algo abominável como sequestrar crianças e vendê-las no mercado
negro, mas também porque me separou da única garota que eu já havia
amado na vida.
Sophie e eu éramos amigos desde crianças, mas, assim que ficamos
adolescentes e a vi ganhar corpo e revelar tanta doçura, apaixonei-me
perdidamente por ela. Foi um sentimento tão avassalador que não pude lutar
contra ele – nem queria.
Entretanto, meu pai descobriu e me obrigou a ficar longe dela. Se ele só
tivesse ameaçado a mim, eu até lidaria com isso sem problemas, mas
ameaçou fechar todos os caminhos dos pais dela. O velho os demitiu assim
que soube de nós dois. Fui um fraco, devia ter lutado mais, mesmo que isso
tivesse significado matar o desgraçado.
Ainda me lembrava de nossa primeira noite como se tivesse acontecido
no dia anterior, quando ela foi minha, quando a tive em meus braços, e ela
nos meus. Nós nos amamos loucamente. A felicidade durou pouco, apenas
alguns meses, pois tive que simular trair a Sophie, só assim ela me deixaria.
Se eu não a magoasse, ela nunca realizaria seus sonhos, como o de ser
médica. No fim das contas, atualmente ela não era uma, pois optou por ser
fisioterapeuta, e, pelo que eu soube, amava o que fazia.
Às vezes eu pensava no que teria acontecido se não tivéssemos nos
separado. Ela estaria feliz? Porque meu pai não era homem de não cumprir
suas ameaças. Eu sabia disso por experiência própria.
Queria contar-lhe o que fiz por ela, o sacrifício que foi deixá-la viver
longe de mim. Viver todos aqueles anos longe de Sophie foi a pior coisa que
já fiz.
Só contei aos meus amigos que amava Sophie recentemente. Escondi a
verdade não por vergonha ou coisa do tipo, mas porque precisava arrumar a
bagunça que meu pai fez primeiro. Não queria trazer perigo para ela, como o
cartel mexicano com o qual o nome da nossa família estava envolvido.
Queria limpar tudo, porque tinha sido meu pai a se envolver naquilo, não eu
e a minha mãe.
Foi declarado havia algumas semanas que estava tudo limpo e não
havia mais problemas com carteis e nada que envolvesse meninas raptadas
usando o nome da minha família. Eu queria ir limpo para Sophie. Sabia que
não tinha feito nada, mas queria ficar com ela sem nenhum sinal de perigo.
Conquistá-la seria um trabalho difícil e árduo, primeiro, porque ela me
odiava por ter machucado seu coração quando parti, e segundo por achar que
a traí, quando não o fiz, embora eu estivesse disposto a tudo para tê-la de
volta em minha vida, ainda mais sabendo que não tinha mais ninguém que
ameaçasse nem minha família nem a dela.
Sophie sempre foi uma mulher doce e gentil desde que a conheci, então
vê-la com raiva de mim me pegou de surpresa. É claro que eu merecia mais
do que isso por tê-la machucado de uma forma que chegava a ser criminosa,
tudo por culpa do meu pai, que me obrigou a ficar tanto tempo longe dela.
Depois que ele morreu, fui atrás de Sophie, mesmo não merecendo, já que a
tinha magoado demais e não queria estragar sua vida. No entanto, apareceu o
problema com a editora e o envolvimento do meu pai com o FBI. Novamente
tive que ficar longe dela. Devo dizer que foram tempos sombrios, quando a
saudade dela era tanta que eu achava que estava morrendo.
No momento, eu estava em Dallas para o aniversário de 1 ano da filha
de Jordan e Laurel. Soube alguns meses antes que tanto Laurel quanto Sophie
se conheceram antes de elas irem para a faculdade. Depois disso, ambas
ficaram um tempo sem se ver, quando Sophie foi para Manhattan trabalhar e
Laurel ficou em Dallas tomando conta da fazenda de seus falecidos pais.
Sophie trabalhava para a Speed Car, uma empresa que promovia
corrida de carros. Não era tão popular como a antiga em que eu trabalhava, a
Stor Corry.
A Speed ficava em Manhattan, e a Stor, em Seattle, então, para ficar
mais perto de Sophie, deixei o cargo em que ganhava mais para estar em um
lugar pequeno, embora eu não trabalhasse pelo dinheiro. Eu amava correr,
pois a sensação era maravilhosa. A adrenalina em minhas veias me
emocionava e fascinava.
Deixei de pensar nisso e foquei na mulher deslumbrante à minha frente.
Sophie usava um vestido que mostrava suas curvas. Ela tinha encorpado bem
mais durante os últimos anos, afinal naquela época éramos adolescentes, e
nos tornamos adultos. Ficou mais linda do que já era.
Ela toda já tinha sido minha um dia, e eu lutaria para tê-la de novo e
não deixaria mais ninguém se meter em meu caminho, nem mesmo ela. Se eu
soubesse que Sophie não me queria mais, eu me afastaria e não lutaria,
mesmo que tudo em mim me matasse, mas sabia que ela me desejava e ainda
me amava, só estava magoada por eu tê-la machucado, e não tirava sua
razão.
Assim que ela disse que ia se casar, parte de mim pareceu morrer. A
dor foi inigualável. Todavia, depois de pensar um pouco, não consegui me
lembrar de vê-la namorando alguém nos últimos anos, embora não tivesse
cem por cento de certeza.
Ainda desorientado, peguei um copo de uísque e bebi todo o líquido em
um gole só.
― Daniel, isso precisa parar. Você não pode mais viver dessa forma.
― Jordan chegou até onde eu estava de pé, vendo Sophie brincar com a
Jordana.
Sabia que ele tinha toda razão, pois tinha chegado a hora de eu lutar por
aquela mulher e derrubar todos os meus empecilhos. Meu pai era a pedra no
meu sapato, porém, ele já não existia, então eu não ficaria mais longe. A
vida de Sophie e sua família não corria mais perigo. Então por que me
manter afastado? Não tinha sentido, quando na verdade eu a amava.
― Vai dizer a verdade a ela? O motivo para ter se afastado mesmo a
amando? ― Jordan continuou. ― Porque, se não vai, acho melhor se afastar,
porque essa menina ainda ama você, só está ferida.
Laurel se aproximou de nós e ficou ao lado de Jordan. Falou antes que
eu respondesse a ele:
― Não vou me meter nisso, mas conheço Sophie há alguns anos e me
lembro que ela estava destruída na época. E até agora sofre quando vê você
desfilando em revistas com mulheres ― censurou. ― Você não a merece,
então fique longe ou lute por minha amiga.
Ela saiu batendo suas botas de caubói antes que eu tivesse tempo de
comentar que não tinha a intenção de magoar a Sophie.
― Porra! ― praguejei.
Sabia que posava para fotos em revistas algumas vezes, mas era para
provar ao meu pai que eu tinha superado a Sophie, pois assim ele não a
perseguiria. Porém, nunca fiquei com nenhuma delas. Aliás, depois que
terminamos, só fiquei com mulheres quando ela estava com alguém, tentando
me superar. O seu relacionamento que durou mais foi com o Neil, o último
de que eu tinha ideia. Ficaram juntos por um ano. A cada relacionamento de
Sophie, eu sofria mais.
Durante um desses relacionamentos dela, três anos atrás, resolvi me
reaproximar da família Winter e de Sophie e fui à fazenda. Meu pai
descobriu e quase conseguiu que os Winters perdessem sua fazenda. Tive
que intervir. O bastardo comprou algumas pessoas para fazer surgir uma
dívida imensa de onde não tinha. Eu sabia que os pais de Sophie poderiam
ganhar na justiça com um bom advogado, mas isso geraria mais gastos e
duraria muito tempo, então paguei a dívida. Naquele dia, tive uma briga feia
com meu pai e por pouco não o matei. Só não o fiz pela minha mãe, porque
ela sofreria com a morte do velho. Por coincidência ou não, pouco depois de
nossa briga, os Winters tiveram um acidente. Graças a Deus não foi fatal e
não se machucaram, mas isso me lembrou da vez em que o aquele monstro
quase matou a Sophie mandando alguém atropelá-la, o que a faz ficar
semanas internada em um hospital. Tentei conseguir provas para incriminar
meu pai por ambos os incidentes, mas, como ele era aliado ao cartel, tudo
foi encoberto. A vida de Sophie e de seus pais valia mais do que meu
sofrimento por estar longe dela, por isso me mantive afastado.
Que Deus me perdoasse, mas eu era grato por meu pai ter morrido,
assim eu não carregaria mais aquela cruz. Sabia que era errado desejar a
morte dos outros, mas o velho merecia coisa pior do que enfisema pulmonar
por ter fumado demais, merecia ficar preso para sempre.
― O que vai fazer? ― Jordan sondou de novo. ― Acho que ela não
tem noivo, pois, se tivesse, o traria aqui, não acha?
Expirei, não gostando de pensar que Sophie estivesse com alguém, não
quando finalmente eu poderia tê-la, ou melhor, lutar por ela.
― Vou checar as coisas e, se ela tiver... um noivo, vou deixá-la em paz.
― Precisei respirar fundo ao dizer isso. ― Mas, se não, vou lutar por ela,
implorar se for preciso para que me perdoe.
Bebi mais um gole da bebida, sem tirar os olhos de Sophie. O sorriso
dela era lindo, doce e meigo. Até irritada ela ficava linda. A sua risada
gostosa era algo que sempre amei nela. Fascinava-me mesmo após todos
aqueles anos.
Ela foi para a cozinha, e fiquei tentado a ir atrás dela, mas lhe daria
espaço. No dia seguinte, iria à casa dos pais dela bem cedo e imploraria seu
perdão se fosse necessário. Demoraria um pouco para eu ter sua confiança,
mas conseguiria.
Minha falecida avó sempre dizia que o que é bom nunca vem fácil e
precisamos lutar por ele. Eu faria isso nem que demorasse minha vida toda.
Sabia que, para viver o que sentíamos um pelo outro, teríamos muitas coisas
a enfrentar, a perdoar, mas estava confiante de que conseguiria ter minha
vida ao lado de Sophie, como sempre sonhei, casar, ter filhos e ser feliz,
pois isso foi tirado de mim por muitos anos. Estava cansado de esconder as
coisas dela, então lhe contaria tudo o que fiz e o porquê. Já tinha guardado
segredos demais e por muito tempo; era hora de jogar as cartas na mesa.
Esperava que Sophie me perdoasse por tudo que escondi dela. Então
por que me sentia tão nervoso sobre a sua resposta? Talvez fosse porque ela
podia ser a que eu não esperava ouvir: que eu nunca seria perdoado.
Lucky tinha ido à cozinha, onde Sophie estava, já havia algum tempo e
ainda não tinha voltado. É claro que eu não tinha ciúmes dele, afinal meu
amigo morria de amores pela Samantha, sua esposa, além disso Sophie não
era dessas, jamais se interessaria por homens casados. Eu podia ter ficado
muitos anos longe dela, mas isso com certeza não mudara.
Quando vi Sam ir até a cozinha e não voltar também, resolvi ir até lá.
Talvez estivesse acontecendo algo. Assim que passei pela porta, fiquei de
queixo caído ao ver Sophie nos braços de Lucky; poderia ter pensado que
estava rolando algo entre eles, mas ela estava branca feito giz. A palidez de
sua pele era assustadora, e ela estava ofegante, como se tivesse corrido e de
repente necessitasse de ar.
Lucky me informou que ela tinha desmaiado antes que eu entrasse no
lugar. Isso me deixou mais louco da vida, com medo de que ela estivesse
doente. Ofereci-me para levá-la a um médico, mas Sophie não quis. Sempre
foi muito teimosa, fazendo-se de forte para que não percebêssemos que não
estava bem, como quando quebrou o braço na infância. Nem chorar, ela
chorou. Ou quando foi atropelada e, mesmo com costelas quebradas, se
recusava a ir a um hospital e teve que ser forçada a isso.
Ela me disse que foi uma queda de pressão, apesar de que eu nunca
soube que ela teve isso, mas Sophie tinha razão, eu não sabia mais da sua
vida. Perdi tanto, momentos que deveríamos ter passado juntos, mas não
pude.
― Você não sabe nada sobre mim. ― Ela me olhou com fúria. ― Agora
esqueça que eu existo, porra!
Assim que ela falou tais palavras, foi como se tivesse me lançado um
soco na boca do estômago, então saiu correndo dali antes que eu dissesse
mais alguma coisa.
― O que aconteceu, Lucky? Ela disse a você o que tem? ― indaguei
após me recuperar da dor em meu peito, não por sua frieza, mas sim pelo
sofrimento que ouvi na sua voz.
― Não disse nada além de que odiava a raça dos homens. ― Lucky
pegou a mão da Sam. ― Ela parece realmente doente. Talvez seja mesmo
queda de pressão.
Antes que eu comentasse algo, Laurel apareceu ali, furiosa, como uma
mamãe galinha.
― Vi Sophie sair correndo daqui. Mas o que diabos aconteceu, Daniel?
― Cerrou os punhos, olhando-me. ― Se você machucou a minha amiga, vou
fazer muita serventia das minhas facas de cozinha.
Jordan apareceu por trás dela e a abraçou forte para não deixar sua
garota me atacar.
― Calma, caipira, não ataque o meu amigo. Na verdade, a Sophie
desmaiou ― comentou Jordan. ― Ela lhe contou que estava doente ou algo
assim?
Depois de pensar um pouco, acabei me lembrando de que notei que sua
pele estava pálida demais, mas achei que pudesse ser ausência de sol, afinal
em Manhattan não fazia tanto calor como em Dallas.
― Laurel? ― Olhei para ela em busca de uma resposta. ― Sabe
alguma coisa?
Ela sacudiu a cabeça.
― Não, Sophie não me disse nada. ― Sua voz soou preocupada no
final. ― Mas, pensando bem, senti que tinha algo de errado, apesar de ela
ter se esquivado quando perguntei. Ela não contou nada para mim. Se fosse
algo sério, ela me diria, não é?
― Não acho que ela deveria andar sozinha hoje, ainda mais dirigir ―
disse Sam. ― Acha que ela pode estar grávida? Porque gravidez dá enjoos e
tontura.
Laurel arregalou os olhos.
― Acha que isso é possível? Que ela esteja realmente grávida?
Grávida? Pensar nisso era tão ruim quanto pensar que ela estivesse
doente. Tinha chegado a hora de eu realmente desistir? Amei aquela mulher
por anos. Seria a hora de eu deixá-la ser feliz longe mim? Eu sabia que não
poderia ser assim sem ela. Nunca deixei entrar em meu coração as mulheres
com quem fiquei depois dela, porque no fundo sempre tive esperança de que
um dia fosse tê-la de volta à minha vida.
Sentia-me como se tivesse sido atropelado por um ônibus em
movimento. Todavia, naquele momento, esforcei-me para relegar isso,
porque a prioridade era evitar que Sophie dirigisse por aí sozinha, ainda
mais depois de desmaiar. Se ela estivesse grávida, poderia correr o risco de
perder o bebê.
Pude ouvir todos me chamando, mas só me virei e saí correndo atrás
dela.
― Sophie! ― gritei para o carro que acabava de arrancar dali em alta
velocidade.
Porra! Se eu não tivesse perdido tanto tempo conversando com os
outros, ainda a teria encontrado antes que saísse dali. Entrei no meu carro e a
segui até a fazenda dos pais dela, que não ficava muito longe dali.
Os Winters compraram a propriedade logo depois que meu pai os
demitiu. Eu sabia que eles tinham algumas economias guardadas, mas não
dariam para comprar um imóvel grande como aquele, então, na época, vendi
dois dos meus carros, paguei a diferença e pedi à corretora para comentar
que estava em promoção e que jamais revelasse a verdade.
Ajudei os Winters não por causa da Sophie, mas sim porque amava os
dois. Aquela família foi melhor para mim do que a minha de sangue. Deixá-
los ir foi uma das coisas mais dolorosas que já fiz, quase tão difícil quanto
deixar a Sophie. Viver longe dela foi como estar no limbo, foi insuportável.
Eu precisaria me conformar caso ela realmente me dissesse que estava noiva
e grávida. Na hora em que ela disse que se casaria, não acreditei nisso, mas,
depois que passou mal, eu já não sabia de mais nada. Precisaria saber a
verdade e também lhe contaria tudo o que fiz. Pensar em nunca mais vê-la
era como se eu estivesse sendo torturado vivo.
Não demorou muito até que ela chegasse em frente à fazenda e saísse do
carro, arregalando os olhos ao ver o meu automóvel.
Desliguei o carro e fui até onde ela estava, parecendo uma estátua linda
de Afrodite.
― Daniel? O que faz aqui? ― Sua expressão tinha um misto de
preocupação e choque.
― Está mesmo doente ou é só uma gravidez? ― questionei. ― Quero
dizer que não me importo se estiver grávida, a não ser que diga que ama
outra pessoa.
― Como ousa, seu bastardo?! ― Lançou-se contra mim e começou a
bater no meu peito. ― Já disse para sumir da minha vida!
― Vou sumir se me disser que não tenho mais chance com você e que
nossa relação acabou há anos.
Ela riu com frieza.
― Você me traiu, mentiu para mim, seu bastardo filho da puta! Foi
embora e me deixou quebrada! O que há para recuperar? Agora está aqui me
querendo de volta depois de todos esses anos? ― desdenhou. ― Não me
faça rir, seu desgraçado...
Não respondi, só a peguei pela cintura e a beijei de forma louca e
desesperada. Sabia que tinha coisas a perguntar, mas a fome de tocá-la era
demais. Não foi um simples beijo, foi como se eu tivesse sido arrebatado,
um desejo insaciável que eu não sentia havia anos, ao menos não depois
dela.
Sophie lutou contra o beijo no início, mas depois o retribuiu com
tamanho vigor que pude sentir que ela ainda me amava. Ali eu soube que não
deveria desistir a não ser que ela amasse alguém, mas, pelo tipo de beijo que
estávamos tendo, não parecia ser possível.
Ela gemeu, e eu a escorei no carro, fazendo-a gemer mais. Minhas mãos
foram parar entre suas pernas. De repente, o feitiço se perdeu, fazendo com
que ela se afastasse de mim e estapeasse o meu rosto, pegando-me de
surpresa. Doeu mais em meu peito do que na minha carne, mas eu não podia
perder as esperanças.
― Como se atreve a me beijar, seu filho da puta?! ― esbravejou. ― Já
não destruiu meu coração o suficiente? Passei anos tentando recuperar o que
você destroçou! Agora vem aqui e me beija dessa forma e me diz que quer
voltar? Acha que vou aceitá-lo depois de ter ficado com todas aquelas
mulheres, com a Stacy? Você só pode estar louco!
Inspirei fundo, controlando a dor causada por suas palavras, embora
elas fossem verdadeiras.
― Você também ficou com caras. Acha que não sei? ― apontei com
amargura. ― Posso ter ficado com algumas mulheres, mas nunca fiquei com
Stacy. Agora vou te contar a verdade do que realmente aconteceu para eu tê-
la deixado.
― Você me traiu, porra! ― gritou, sacudindo a cabeça. ― Não quero
ouvir nada!
― Você vai ouvir, ou eu vou ficar aqui a noite inteira. ― Aquilo era
verdade. Não sairia dali sem revelar a verdade.
Capítulo 6
DANIEL
Passado
DANIEL
Passado
Três semanas depois
A minha vida na casa dos Winters era maravilhosa. É claro que acordar
cedo na fazenda para ajudar na lida me baqueou um pouco, mas eu estava
fazendo aquilo com muito gosto. Era bom estar cercado de pessoas que me
amavam e se importam comigo. Sempre fui cercado de tudo que o dinheiro
podia comprar, mas nunca fui feliz. Ali, naquela cidade, na simplicidade, eu
me sentia realizado.
O senhor Antônio era um homem muito bom, e eu gostava bastante dele.
Ensinou-me a dirigir um trator, a capinar e arrumar cercas. Martelei meu
dedo na primeira tentativa.
― Comprar esta fazenda foi um sonho realizado. Não achei que
conseguiríamos, mas a corretora de imóveis nos fez um preço promocional.
― Ele parecia extasiado enquanto olhava para a vasta fazenda, que tinha
uma área grande cheia de gado, um curral onde prendia as vacas e um
estábulo para os cavalos. Na frente da casa tinha um lago de águas azuis
rodeado de árvores.
Quando surgiu a oportunidade de eles comprarem aquela fazenda, todos
da família ficaram eufóricos, mas era um pouco cara em relação ao valor
que a senhora Alísia e o senhor Antônio tinham economizado a vida inteira.
Eu dispus de dois dos meus carros e dei o restante que faltava direto à
corretora, em segredo, pois sabia que eles não aceitariam.
― É muito lindo este lugar ― admiti e me virei para ele. ― Só queria
lhe agradecer por me deixar ficar com vocês. Sei que receberam ameaças do
meu pai por causa disso, mas juro que não deixarei que nada lhes aconteça.
Era uma promessa. Saí das garras do meu pai, e, por isso, ele não
estava feliz comigo, mas eu não dava a mínima para o que ele pensava.
O senhor Antônio sorriu.
― Você é um garoto especial. Se não fosse, a minha Sophie jamais teria
se apaixonado. Conheço minha filha. ― Pegou um dos martelos e pregou
algumas tábuas no celeiro, que estavam quebradas.
― Eu a amo. Assim que terminarmos a faculdade, vou me casar com
ela, se assim o senhor deixar. ― Estava ansioso para isso, mas esperaria
Sophie se formar em Medicina como era o seu desejo.
Eu ainda não sabia no que me formaria; tinha até o começo do ano para
me decidir, mas Sophie já sonhava em ser médica havia anos. Estava ansioso
por aquela fase da minha vida, embora já estivesse muito feliz namorando
minha menina e longe do meu pai. Isso era uma benção, pois eu tinha Sophie
e sua família, que já considerava como minha.
― Sei que o relacionamento de vocês é bastante sério, até porque
deixou tudo por ela e nos acompanhou. ― Suspirou. ― Daniel, o que eu
quero saber é: você tem certeza de que nunca irá se arrepender? Porque essa
vida aqui não é igual à que você tinha antigamente, é de pessoas que ralam
no pesado. Outra coisa, seu pai pode ser duro de lidar, mas é seu pai no final
das contas, e isso não vai mudar.
― Entendo o que está querendo dizer, mas não ligo para serviço duro e
para isso. ― Levantei minhas mãos, mostrando alguns calos. ― Sophie vale
qualquer coisa, e não vou perdê-la porque meu pai acha que eu tenho que
ficar com alguém do mesmo status da sociedade, uma patricinha mimada
vivendo à custa dos pais.
Ele assentiu.
― Você tem o seu próprio dinheiro e pode montar o que desejar na sua
vida, o que amar de verdade ― disse com tom orgulhoso.
― Vou realizar meus sonhos também, só quero que Sophie vá para a
universidade, o que é o seu sonho. ― Stanford sempre foi seu sonho,
inclusive ela mandou uma carta para a instituição, bem como para algumas
outras universidades de renome, como a do Alabama, e eu esperava que
fosse aceita em uma delas e que ganhasse uma bolsa integral. As inscrições
nessas instituições de ensino eram bastante seletivas, mas minha garota era
brilhante, quase um gênio, então tiraria de letra.
― Para qual você vai? ― perguntou assim que terminamos de pregar as
tábuas soltas e se virou para mim.
Eu não tinha pensado nisso, porque só tinha uma coisa que gostaria no
momento, que era ver os sonhos de Sophie sendo realizados. No futuro, eu
gostaria de ser piloto de carros de corrida e competir por todo o país e até
pelo mundo.
― Faculdade? Não sei direito no que quero me formar ainda ― admiti,
seguindo para guardar as ferramentas.
― Sei que ama a minha filha e pensa no futuro dela, mas você também
precisa pensar no seu. Agora por que não vai tomar um banho? Soube que
vão ao cinema hoje à noite, antes da festa surpresa de aniversário que
estamos preparando para Sophie.
Era aniversário de Sophie, que estava completando 18 anos. Eu tentaria
distraí-la para que não pensasse muito na data, embora achasse que ela
pensava que iríamos passear naquele dia por causa disso. Mesmo ela não
dizendo nada, eu a conhecia bem. Depois de sua festa surpresa, eu a levaria
a uma ilha não muito longe dali. Esse tinha sido o plano antes de meu pai
demitir os Winters. Essa seria a minha surpresa para ela. Ficaríamos
sozinhos no local por uma semana. Dona Ally e o senhor Antônio deixaram
sua filha ir comigo, pois sabiam que estaria segura. Nenhum deles era cego
ao ponto de não saber que não transávamos, mas tinham certeza de que eu a
respeitava e do quanto Sophie significava para mim. Ela era tudo na minha
vida.
― Preciso ajudá-lo a dar comida aos animais e... ― comecei, mas ele
me cortou com tom grave, como de um pai de verdade:
― Vá e se divirta, Daniel, deixe que eu cuido do resto. Está faltando
pouca coisa aqui. ― Deu um sorriso. ― Já trabalhou demais, então tire uma
folga e saia um pouco com minha filha.
Não discuti, só me virei e fui para casa, direto para o quarto tomar
banho.
Se minha mãe me visse daquele jeito, todo sujo de trabalho duro, teria
um enfarto. Ali aprendi muito, tanto a valorizar mais a vida como a perceber
quem realmente se importava comigo. Por isso eu não media esforços para
ajudar os Winters. Minha mãe não ligou mais para mim desde que lhe falei
para não telefonar caso o assunto da conversa fosse o meu pai, que para mim
estava morto.
Sob o chuveiro, pensei que já tinha algum tempo desde a última vez que
eu e Sophie havíamos transado. Não tínhamos oportunidade, e eu achava
errado continuar ficando com Sophie sob o mesmo teto dos pais dela sem
nos casar. Como éramos novos ainda para tal coisa, teríamos que arrumar
outro jeito para fazer sexo.
Foquei os pensamentos na minha garota, na forma como seu corpo
reagia ao meu. Segurei meu pênis duro e me concentrei nisso, no seu cheiro,
nos seus lábios em volta dele, nos seus gracejos que eu tanto amava.
― Espero que esteja pensando em mim ― disse uma voz rouca. ―
Porque é uma visão muito sexy.
Abri meus olhos e me deparei com Sophie nua vindo na minha direção
com os olhos quentes, quase me deixando sem fôlego. Eu poderia ter caído
na sua frente em razão das pernas bambas, só não o fiz por estar escorado na
parede.
― Sua mãe...
― Foi ajudar o meu pai. Então aproveitei para vir aqui. ― Tocou meu
peito e desceu sua mão, fazendo-me gemer. ― Estou faminta, Daniel, e não
posso aguentar mais ficar sem você. Só precisamos ser rápidos. Acha que
consegue?
Sorri de modo provocativo.
― Vamos descobrir. Por que não se ajoelha e chupa o meu pau? ―
Sacudi-o para que visse a forma como fiquei mais excitado apenas por vê-la
daquela forma na minha frente.
Ela não discutiu e fez o que mandei. Logo estava com o meu membro na
boca, chupando-o forte como em meus pensamentos havia pouco, embora a
realidade superasse tudo, fosse mais do que perfeita.
― Isso, gatinha, suga tudo de mim. ― Peguei seus cabelos molhados
devido à água que caía sobre nós. Sophie estava tão magnífica e molhada,
toda para mim.
Quanto mais ela me chupava, mais eu ficava perto da borda. Era tão
intenso que tive que me segurar na parede com uma das mãos enquanto me
esforçava para, com a outra, não forçar sua cabeça a ter mais de mim do que
ela aguentava.
― Por mais que eu ame sua boca saborosa, preciso gozar dentro de
você. ― Puxei-a pela cintura, coloquei-a contra a parede azulejada do
banheiro e, em seguida, entrei nela sem proteção, sentindo seu calor que eu
tanto adorava.
Sophie disse que ia começar a tomar anticoncepcional para evitar
gravidez, afinal ter filhos naquele momento não seria nada bom. Éramos
jovens e queríamos aproveitar muito apenas nós dois.
Beijei-a enquanto metia duro nela, tão forte que suas unhas foram parar
em minhas costas, apertando-me mais contra si.
― Goza em meu pau, querida. ― Mordisquei sua orelha, fazendo-a
gritar, então a calei com minha boca, pois não queria que ninguém ouvisse.
Abafei os sons que eu adorava ouvir, mas poderia ser bem constrangedor se
os pais dela nos escutassem.
― Eu amo você demais, Daniel ― declarou nos meus lábios assim que
gozamos juntos. ― Agradeço a você por estar aqui, por não ter desistido de
nós dois.
― Desistir de você seria como deixar de respirar. Agora vamos tomar
banho antes que meus sogros saibam o que fizemos.
Ela riu.
― Não quero ter que explicar isso a nenhum dos dois.
Após tomarmos banho e nos vestimos, Sophie questionou:
― Vamos ao cinema agora? Estou animada.
Sempre que havia alguma estreia interessante, nós íamos assistir. Não
era tanto os filmes que amávamos, mas estarmos juntos. Aquela mulher era a
razão da minha felicidade.
Cheguei a Manhattan com o coração na mão. Fui direto para a casa dos
meus pais, já que o desgraçado do Michael não especificou o hospital em
que ela estava nem deixou que eu perguntasse algo, apenas desligou.
Entrei quase correndo na sala da casa e me deparei com a mamãe
sentada no sofá, olhando uma revista.
Parei, franzindo o cenho.
― Mãe? A senhora está bem? ― questionei, indo até ela e checando
sua temperatura para verificar o seu estado.
Ela sorriu.
― Meu filho, você voltou! ― Abraçou-me forte, fungando como se
estivesse se segurando para não chorar.
Eu nem sabia que ela sentia minha falta daquela forma, pela maneira
como sempre havia me tratado.
― Achei que você estivesse doente e que tinha ido para o hospital. ―
Algo dentro de mim me dizia que meu pai havia me enganado.
Mamãe se afastou e estreitou os olhos.
― Estou bem. Quem disse que eu estava passando mal?
Sacudi a cabeça, tentando controlar a raiva, embora estivesse aliviado
por ela estar bem.
― Meu pai ― grunhi. ― Onde ele está?
Ela piscou.
― Ele deve ter dito isso porque ficou preocupado e quer você de volta.
Inspirei fundo e me controlei para não ser grosseiro com ela por causa
da sua cegueira em relação ao meu pai, por não reconhecer a cobra que o
homem era.
― Onde ele está?
― No escritório dele. ― Ela me avaliou. ― Não vai brigar com ele,
não é? Seu pai te ama muito, meu filho.
Amar? Aquele homem não conhecia aquela palavra nem o seu
significado. Não respondi, apenas lhe dei as costas e fui até onde o
desgraçado estava.
Como um pai é capaz de mentir ao filho dizendo que sua mãe está
doente? Isso é incabível, pensei com amargura.
Entrei no escritório pisando duro.
― Como ousa mentir sobre a minha mãe, seu filho da puta?! ― rugi,
indo em sua direção.
Ele estava sentado atrás de sua mesa, o que não era novidade, já que
ele não saía dali. Tinha um notebook aberto na sua frente.
― Vejo que aquela caipira está mudando o seu linguajar. Está bem
inapropriado. ― Fuzilou-me.
Ignorei seu comentário, ou voaria contra seu pescoço.
― Você mentiu sobre a minha mãe. Para quê? ― Cerrei os punhos. ―
Diga que porra você quer, porque não quero mais ver a sua cara.
― Devia me respeitar, pois sou o seu pai, querendo você ou não.
― Se vai me obrigar a deixar a Sophie, isso não vai acontecer. Os
Winters são mais minha família do que você já foi um dia ― cuspi.
A fúria tomou suas feições, mas ele logo se controlou.
― Você não vai ficar mais com aquela família. Eu me livrei da garota
de uma vez por todas. ― Apontou para a tela.
Meu coração gelou por dentro, pensando que, de algum modo, ele
tivesse tocado em Sophie. Fui até o computador e vi um carro capotado. Era
o meu carro, com o qual Sophie tinha dirigido até a fazenda. Reconheci a
estrada.
O mundo caiu aos meus pés. A dor se apossou de mim de tal forma que
achei que surtaria e mataria aquele homem à minha frente.
― Deixe aquela família, ou o pior vai acontecer com os pais dela
também, e o único culpado será você. ― Ouvi-o dizer atrás de mim.
Eu poderia matá-lo, mas precisava ir até a Sophie e conferir se aquilo
era verdade; depois acertaria minhas contas com ele.
Meu telefone tocou assim que me encaminhei para o aeroporto na
intenção de retornar a Dallas. Já tinha tentado entrar em contato com a
Sophie e os meus sogros, mas não consegui, e aquela falta de contato estava
me deixando desesperado.
― Oh, graças a Deus que atendeu! ― exclamou a voz chorosa de dona
Alísia. ― Tem algo que preciso dizer.
Meu coração se encolheu do tamanho de uma noz. Lágrimas caíam dos
meus olhos. Não, não, ela não poderia ter morrido! Se o pior tivesse
acontecido, eu mataria meu pai e não ligaria se passasse a vida toda na
cadeia.
― Sophie...
― Ela sofreu um acidente e está no hospital, mas graças a Deus está
bem. Teve duas costelas e uma das pernas quebradas, mas está bem. ―
Suspirou, um pouco aliviada.
Deixei um suspiro escapar também, embora tudo em mim ainda doesse,
porque era culpa minha o fato de ela ter parado no hospital e quase ter
morrido. Não quis ouvir a ameaça daquele monstro que me mandou ficar
longe dela.
O que fazer? O velho conhecia muitas pessoas influentes, então seria
capaz de tudo o que prometeu que faria, a prova era o atentado à vida da
minha garota. Como eu poderia ter Sophie e não a prejudicar, bem como aos
seus pais? Se ficasse com ela, sua família perderia tudo... Como podia
conviver com isso?
Maldição! Queria poder matar aquele homem com minhas próprias
mãos. O único problema nisso era que eu não era assassino, caso contrário,
ele já estaria em uma tumba.
Só havia uma coisa a ser feita, eu não tinha escolha, tudo graças ao
maldito que destruiu minha vida. Tudo dentro de mim doía como se meus
órgãos fossem cortados por uma navalha. O vazio se expandia em meu
interior, pois eu sabia que no final me veria sozinho e perderia a única
pessoa que já havia amado e amaria por toda a minha vida.
Nunca tinha pensado que seria altruísta ao ponto de abrir mão da minha
felicidade só para proteger não só a ela, mas também a sua família. Como eu
viveria sem Sophie?
Contudo, não ficaria longe dela por muito tempo; só precisava ser mais
poderoso que o meu pai para conseguir proteger Sophie e sua família. Se,
para que todos ficassem seguros e longe das garras do meu pai, eu tivesse
que fazer um acordo com o diabo, eu faria. Lutaria contra ele e o derrubaria.
Provaria que ele foi o causador do acidente dela e o mandaria para a cadeia.
Um dia, faria aquele demônio pagar por cada lágrima que eu fizesse a
Sophie derramar.
Presente
Sophie piscou.
― Depois que você ficou comigo durante meses até que eu me curasse,
me traiu com a Stacy. Está me dizendo que fez isso para que eu não corresse
mais perigo? ― A dor e a incredulidade eram evidentes na voz dela.
― Não consegui comprovar o envolvimento do meu pai no acidente,
então o procurei e lhe pedi que me deixasse ficar ao seu lado até que se
curasse. Depois disso, procurei Stacy, já que você não gostava dela na
época. ― Encolhi-me. ― Propus à garota que forjássemos um envolvimento
naquela noite, pois sabia que você me seguiria. Você precisava ver aquilo
para seguir em frente sem mim, ou acabaria sendo morta. Foi um milagre ter
sobrevivido àquele acidente, que na verdade foi um atentado, e eu não
correria o risco de novo.
― Só o segui porque o senti estranho durante todo aquele tempo; estava
distante demais, e eu precisava saber o que estava acontecendo. Então quer
dizer que nunca aconteceu nada entre você e a Stacy? ― Sua voz estava
grave.
― Não. Eu jamais trairia você ou algo assim; só precisava que seguisse
com sua vida, segura, até que eu pudesse resolver tudo. Mas, infelizmente,
demorou demais. ― Expirei. ― Só preciso que me responda a uma pergunta
e, dependendo da resposta, te deixarei em paz para sempre. ― Aquilo era
verdade, mesmo que a ideia de deixá-la me matasse.
Sophie saiu de perto de mim, levando consigo seu calor, que eu tanto
adorava.
― Por favor! ― supliquei, pegando seu braço.
Ela suspirou.
― O que é?
― Você está noiva e grávida? Ou só se sentiu mal mesmo?
Ela piscou, mas a noite dificultou a leitura da sua expressão.
― Entendo o seu lado por ter feito o que fez, mas foi fraco ao ceder ao
seu pai. Eu precisava saber da verdade, e você não me incluiu na sua vida.
Agora retorna querendo saber sobre mim?
― Quero você na minha vida e vou lutar por isso dependendo da sua
resposta.
― Não para nenhuma das duas perguntas. ― Seus olhos estavam
molhados. ― Não tenho noivo, nem sequer um namorado nem estou grávida.
Porém isso não quer dizer que vou perdoá-lo pelo que fez comigo, pela dor
que me fez sofrer. Segui em frente, Daniel.
― Senti em seus beijos que me deseja e me quer tanto quanto eu. ―
Toquei seu rosto. ― Fico feliz que esteja melhor e lamento que tenha
sofrido, mas prometo que, se me der mais uma chance, nunca mais vou
magoá-la, Sophie.
Ela sacudiu a cabeça, meio tonta, parecendo estar procurando uma
resposta.
― Não precisa dizer nada agora. Se resolver que me quer em sua vida,
vou aceitar qualquer coisa que me der até estar pronta para receber o meu
amor de novo. ― Dei mais um selinho em seus lábios, aproveitando que ela
estava confusa.
― Você...
― Eu te vejo no clube daqui uns dias, e você me dá uma resposta.
Tenho uma viagem para fazer nessa semana. Enquanto isso, por favor, pense
bem, apesar de que não desistirei de você. Nunca. ― Beijei sua testa. ― Se
passar mal de novo, me chame. Boa noite.
Deixei-a ali e fui embora, mas não desistiria dela nem naquele momento
nem nunca. Sophie seria minha de novo. Na verdade, ela nunca tinha deixado
de ser.
Capítulo 8
SOPHIE
Eu sabia que tinha sido egoísta ao dizer ao Daniel que tinha seguido em
frente, quando na verdade isso não havia acontecido. Só não queria que ele
soubesse o quanto sofri por sua perda. No entanto, o que eu devia fazer? Ou
dizer? “Daniel, ainda amo você e mais do que antes”. Não era algo para
ser dito. Também não queria dizer que não poderia superá-lo de forma
alguma. Tinha consciência de que precisava fazer isso para seguir em frente,
mas como conseguir, se não fui capaz em quase 11 anos? Temia sofrer de
novo caso lhe desse mais uma chance, como ele me pediu.
Sacudi a cabeça para não pensar mais nesse assunto. No momento, só
queria aproveitar meu dia com meus amigos no clube em Dallas. Dentro de
alguns minutos, iria encontrá-los.
Tinha se passado uma semana após meu encontro com Daniel, e pensei
bastante sobre ele e o que fez. Merda. Tudo o que houve foi culpa do seu
maldito pai, que queria nos separar, e Daniel foi fraco por ter se deixado
coagir assim.
Peguei uma foto onde estávamos juntos; sempre a guardava na cômoda
do meu quarto. Deveria ter me livrado dela, mas, na imagem, os olhos dele
estavam brilhantes enquanto me fitavam, tão quentes e ternos que me fazia ter
saudade da forma como me olhava. Vi o mesmo olhar na festa de Laurel. Não
sabia o que fazer.
― Imbecil! ― grunhi, guardando com tanta força o porta-retratos que
até fez barulho.
― O que o porta-retratos fez a você? Já disse que devia deixá-lo no
criado-mudo, não guardado na gaveta ― disse mamãe escorada no batente
da porta do meu quarto, linda com seus cabelos anelados emoldurando o
rosto e com seus olhos escuros.
Arfei.
― Não devia bater antes de entrar? ― Peguei meu celular sobre a
cômoda a fim de checar se tinha algum recado. Havia apenas um da Laurel,
lembrando-me do nosso encontro no clube. Já tínhamos estado ali antes, mas
agora Daniel estaria junto a todos.
― Desde quando isso importa para mim? ― Entrou no cômodo. ―
Quanto tempo vai demorar para a sua raiva do Daniel passar? Vocês ainda se
amam, minha querida.
― Não posso amá-lo, mamãe, ele é um idiota e me machucou demais.
Por que ele não foi forte o suficiente para me dizer a verdade? Eu tinha o
direito de saber de tudo.
― Daniel teve suas razões. Fiquei magoada também quando ele me
contou tudo na semana passada, mas sei por que ele fez aquilo. Eu, como
mãe e por amar você, teria feito o mesmo, pois só quero que fique segura,
assim como ele. Eu sei, querida, que tudo é doído, mas às vezes temos que
enfrentar alguns riscos. A vida é curta demais para não aproveitarmos ao
máximo as coisas boas que ela oferece. Não estou dizendo isso por causa de
sua doença, meu amor, mas porque você amou tanto esse garoto e, pelo que
vi, ainda não deixou de amá-lo.
Sacudi a cabeça.
― Não...
― Sei que está magoada e muito ferida por tudo o que houve. ― Ela
veio na minha direção. ― Mas foi bom vocês terem exposto tudo o que
estava entalado, assim podem resolver suas desavenças.
― É difícil esquecer o que ele fez, mamãe ― murmurei, encolhida.
― Vem cá, meu anjo. ― Ela se sentou no sofá-cama e bateu ao seu lado
para que eu me sentasse.
Sentei-me ao seu lado e coloquei a cabeça em seu colo, com meus
olhos úmidos.
― Ele me deixou... ― Fazia tempo que eu não chorava nos braços da
minha mãe.
― Sophie, o menino Daniel teve motivos para isso. ― Alisou meu
cabelo.
Olhei para ela.
― Sim, ele foi ameaçado pelo seu maldito pai. Mas eu não queria que
tivesse feito aquilo para me proteger...
Balançou a cabeça, discordando.
― Eu sentia que tinha acontecido algo que o obrigou a deixá-la,
querida. Nunca acreditei que aquele menino, que venerava você, que ia até
levá-la a uma ilha em seu aniversário após nossa festa surpresa, tivesse sido
capaz de traí-la. Eu tinha quase certeza de que era obra do pai dele.
Confirmei quando o vi algum tempo atrás.
Ergui o tronco depressa.
― O quê? Ele veio aqui? E como sabe que não está mentindo?
Daniel não era de mentir, aquela era uma qualidade que eu amava nele,
mas os anos se passaram, e eu não sabia mais o que pensar.
― Sim, veio, pouco antes do acidente que eu e seu pai sofremos, há uns
três anos. E não sei por que acredito nele, mas o faço. Cuidei desse menino
desde criança, eu o conheço.
― Como posso lidar com tudo isso? Ele ficou com tantas mulheres. ―
Minha voz falhou.
― Querida, você é adulta agora e também teve namorados depois dele,
não se esqueça. Tentou seguir sua vida, mas não conseguiu. Seu
relacionamento com Daniel não acabou. ― Ela apertou minhas mãos, que
segurava. ― A vida é muito boa para desperdiçá-la pensando em coisas
fúteis como o medo de não dar certo.
― Não é só isso... Se fosse, eu podia lidar, mas como vou contar sobre
minha doença a ele? Não o quero comigo por pena.
― Aquele garoto não fica com ninguém por pena. ― Olhou-me de lado.
― Daniel adora o chão que você pisa, aquele garoto a ama de verdade. Vou
lhe contar uma coisa, meu anjo. Devia ter feito isso há muito tempo ―
murmurou. ― Eu só não disse porque você namorava o Neil na época e
achei que não deveria estragar as coisas entre vocês dois.
― O que é? ― incitei-a para que continuasse, porque estava curiosa
demais. Mamãe nunca foi de esconder algum segredo de mim.
― Lembra quando viemos para Dallas?
― Quando viemos para cá a fim de comprar esta fazenda depois que o
pai do Daniel os demitiu? ― Não gostava daquele velho idiota e prepotente,
pois ele se achava melhor do que todo mundo.
― Era quase impossível achar uma boa fazenda com a quantidade de
dinheiro que tínhamos. Mesmo com todas as nossas economias, ainda iria
faltar. Mas então conseguimos este lugar. A corretora disse que estava em
promoção, era como se soubesse exatamente o valor que tínhamos para
dispor. ― Ela suspirou. ― Eu soube que Daniel pagou o restante e pediu
para a agente imobiliária não contar nada.
Meus olhos pareciam saltar das órbitas.
― Mas como? Mamãe, ele tinha acabado de fazer 18 anos e não tinha
muitos recursos. ― Franzi a testa. ― Como soube disso? Alguém contou a
você?
― A corretora deixou escapar quando eu e seu pai fomos negociar a
casa que compramos para você aqui há alguns anos. Ela deixou escapar que
não podia fazer preço promocional dessa vez, e, quando o caso da fazenda
foi mencionado, informou que alguém pagou o restante do valor da compra
naquele dia, e foi uma soma exorbitante. Só depois de algum tempo, eu
investiguei e descobri que foi Daniel quem nos ajudou com a compra.
Também tem aquela viagem que seu pai e eu fizemos a Cancún, lembra?
― Mas, pelo que me disseram, vocês a ganharam em um sorteio de
supermercado, não foi? ― indaguei de forma dúbia. ― Como sabe que foi
ele que pagou por isso também?
Não conseguia acreditar que Daniel foi capaz de tudo aquilo por mim e
minha família.
― Foi ele mesmo, eu o vi lá, em Cancún. Ele até perguntou por você.
Falei que, se estivesse realmente preocupado, deveria ir vê-la e conversar.
― O que ele disse?
― Daniel falou que não podia fazer isso para sua própria proteção e
que desejava que você fosse feliz. Vi nos olhos dele o tanto que a amava,
que só a deixou obrigado, para sua segurança.
― Obrigado? Ele já era um homem, não precisava ter cedido às
ameaças do seu pai.
Lembrava-me que o senhor Luxem sempre quis que seu filho ficasse
longe de mim, mas ele o enfrentava, não se deixava ser coagido pelo velho
asqueroso, ao menos enquanto criança e adolescente.
― Aquele homem morre por você. Ele nos ajudou comprando esta
fazenda, assim como nessa viagem. ― Tinha veneração na voz da mamãe ao
falar de Daniel. Era sempre assim.
― Não pode ter certeza ― falei, não acreditando ou não querendo
acreditar, mas senti no seu beijo o tanto que ele me amava.
― Sophie, ele cuidou de você assim que você se acidentou, então se
afastou para o seu bem e só voltou para nossas vidas depois que o pai
morreu. Por isso acho que sempre foi ameaçado. ― Mamãe tocou meu rosto.
― Você deve falar com ele e resolver todos os problemas.
Eu sabia que ela tinha razão quanto àquilo. Mesmo que me faltasse
tempo para ter uma vida ao seu lado, precisava conversar com Daniel de
alguma forma. Se nos acertássemos, então por que não vivenciar aquele
amor? Eu podia aproveitar e ser feliz ao lado dele nem que fosse por
enquanto. Se não voltássemos, podia ao menos ficar ao seu lado. Assim, se
por acaso eu me fosse, ele não se sentiria culpado por ter estado longe de
mim, como eu sabia que Daniel se sentiria.
Quando o senhor Michael foi morto, fui ao cemitério, não por respeito
ao defunto, já que ele não merecia nada, mas sim por Daniel. Quis me
aproximar e reconfortá-lo, mas só não o fiz por medo. Era medrosa demais.
Recordei-me, enquanto falava com mamãe, que, alguns dias antes de
seu falecido pai morrer, Daniel me ligou para falar alguma coisa sobre ele, e
eu falei que o senhor Michael podia morrer. Estava com raiva na hora, mas
não achei que aquilo fosse acontecer.
― Vou falar com ele, mamãe. ― Deixei meus pensamentos culpados
para trás. Não podia viver pensando naquilo, não quando eu poderia não
sobreviver.
Ela sorriu de modo tão brilhante, como se eu tivesse lhe dado o melhor
presente do mundo.
― Estou tão contente com isso. ― Beijou minha testa, então me afastei,
mudando de assunto.
― Eu vi o Lucky na festa da Laurel.
Ela arfou com os olhos estatelados, mas vi esperança ali.
― Contou a ele que são irmãos? ― Não parecia ter esperança no seu
tom.
― Não. Eu ia contar, mas então o Daniel apareceu e estragou a minha
semana. Não pude, mas pretendo contar a ele hoje. Eu soube que Lucky vai
estar no clube também. Pretendo falar apenas sobre nosso laço sanguíneo,
depois digo sobre a doença. Preciso deixá-lo digerir nosso parentesco
primeiro. ― Naquela semana, evitei ir à cidade só para o caso de Daniel
aparecer.
― Faça isso, meu amor. Revelar pelo menos um pouco da verdade é
suficiente por enquanto. Depois você conta o resto a ele, porque precisamos
agilizar o procedimento. Não vou deixar que a situação se agrave. ―
Naquela noite, passei mal de novo, com tontura e náuseas. ― Te dou até a
semana que vem para resolver as coisas, então, se não fizer nada, entro em
contato com o Lucky e digo a verdade. Acho que ele, por ser seu irmão pelos
dois lados, tem mais chance de ser compatível com você do que sua mãe
biológica. ― Ela suspirou. ― Não vou ficar parada e ver a situação piorar
antes de tomar precauções.
― Mas, mamãe...
― Não, Sophie. Já esperei demais, não posso deixar essa enfermidade
avançar tanto, porque isso pode ser perigoso, você ouviu o que o médico
disse. Temos no máximo alguns meses, e, meu amor, não vou ficar sentada
esperando um doador na fila de espera, quando tem alguém do seu sangue
com mais chances de ser um. Você precisa ao menos fazer os testes e ter
certeza.
Eu não gostava de ver minha mãe sofrendo daquela forma.
― Vai dar certo, mamãe.
Puxou-me para seus braços.
― Não posso deixar que isso a leve de mim.
Meu coração se quebrou devido à sua dor. Não podia mais deixar que
ela sofresse daquela forma só porque eu estava com medo de enfrentar o
Lucky, embora ainda não o tivesse feito não por temor, mas por culpa do
Daniel. Com minha cabeça no lugar, eu contaria a verdade – ou parte dela –
ao meu irmão. Não podia deixar que minha situação se agravasse. Mamãe
tinha razão. Eu não podia deixar uma doença me matar, tinha de lutar contra
ela e vencê-la. Faria isso de cabeça erguida, mesmo que fosse difícil. Sabia
que todos nós morreríamos um dia, mas eu ainda não havia tido tempo de ser
feliz.
Devolvi o abraço de dona Alísia, fazendo-me a promessa de nunca a
deixar chorar de novo, não se eu pudesse evitar. Se eu não tivesse algum
parente biológico, contaria apenas com a sorte na fila de espera de um
transplante. Todavia, com meu irmão e minha genitora, a situação mudava, eu
tinha mais chances. Só precisava ter fé em que um deles fosse compatível.
Se havia uma chance, eu precisava agarrá-la. Também tinha outro irmão ou
irmã cuja identidade eu ainda não sabia, e talvez ele ou ela também pudesse
me ajudar.
― Oh, mamãe, eu vou lutar! ― prometi. Não queria que ela chorasse
mais.
― Obrigada, meu amor. ― Afastou-se de mim sem tirar os olhos do
meu rosto e limpou suas lágrimas, sorrindo. ― Tenho fé em que tudo dará
certo. Agora se arrume e desça. Vou preparar o café da manhã para você.
Ela foi em direção à porta, mas parou e se virou para mim.
― Não tenha medo do que acontecerá quando for até o seu irmão,
porque ele vai amar você, meu anjo.
Queria ter tanta certeza como ela, mas faria um esforço para que isso
acontecesse, como também ouviria o que Daniel tinha a dizer, depois tomaria
uma decisão. Os motivos para ele ter me deixado foram explicados, e eu os
entendia, mesmo não tendo gostado. Fosse como fosse, se eu ficasse
estagnada, seria uma covarde, algo que nunca fui.
― Foi bom ver o meu irmão. Sempre que estou perto dele, o meu
coração acelera. Quase lhe falei quem eu era, mas então Daniel apareceu e
tudo se enrolou. Vou vê-lo de novo hoje, então conversarei com ele, e
também vou aproveitar para falar com Daniel.
― Já te disse, vou te dar uma semana para contar tudo ao Lucky. Se não
disser nada, eu mesma falarei com ele ― ela ameaçou de novo.
― Tudo bem, eu entendi. ― Sorri para acalmá-la. Se mamãe soubesse
que, além da noite passada, também passei mal na festa e que ainda
amanheci com tonturas ficaria bem mais preocupada. ― Já vou descer. Só
vou me vestir, não vou tomar café da manhã aqui, porque combinei de me
encontrar com Laurel no clube e comer lá, então não precisa fazer nada para
mim.
― Estarei aqui ansiosa para que você faça as pazes com o Daniel. Não
gosto de ver você triste desse jeito. ― Ela saiu do quarto.
Tinha chegado a hora de eu enfrentar meu destino, de encarar mais uma
vez o homem que eu amava e amaria para sempre.
Capítulo 9
SOPHIE
Cheguei em frente ao clube e estava descendo do carro quando meu
telefone tocou.
― Oi, Richard. Aconteceu alguma coisa? ― Ele era o meu chefe, e eu
o adorava. Era difícil encontrar um patrão que fosse um bom amigo, mas fui
felizarda com isso. Ele promovia corridas de carro na Speed Car, a mesma
coisa que Daniel fazia, mas em uma empresa diferente.
― Como estão indo as férias? Pegou algum caubói? ― sondou com um
sorriso na voz.
Eu o conhecia havia muitos anos, mesmo antes de trabalhar como
fisioterapeuta para sua empresa.
― Não foi possível, já que cheguei aqui há apenas uma semana, mas
também não tenho a intenção de arrumar um namorado. ― Com Daniel em
meu coração, eu não podia ter outra pessoa. ― Além disso, tenho você.
Ele riu.
― Tenho idade para ser seu pai, e minha esposa te mataria. ― Tinha
amor em seu tom.
Olinda era uma coroa enxuta que passava várias mocinhas novas no
chinelo, uma mulher maravilhosa.
― Mas, falando sério, tenho algo a dizer ― começou, mudando de
assunto. Senti-o eufórico do outro lado da linha.
― Deve ser algo importante, pois você parece estar nas nuvens. Nem
conseguiu me esperar chegar aí. ― Fechei a porta do carro e dei a chave
para o manobrista.
― A melhor notícia do mundo! Consegui contratar Daniel Luxem, que
corria pela Stor Corry. Ele vai correr para mim por menos do que recebia lá,
sendo mais específico, quase 15 milhões a menos. Não sei por que ele
aceitou minha oferta de tanto tempo atrás, embora eu não esteja reclamando;
seja qual for seu motivo para aceitá-la, agradeço ― falou em um fôlego só.
Pisquei.
― Daniel Luxem?! ― gritei, fazendo algumas pessoas olharem para
mim.
Não podia ser... Seria coincidência ele ter aceitado o trabalho ou tinha
feito aquilo por mim? Se fosse para ganhar um salário maior, eu até poderia
entender, mas trabalhar por menos? Não tinha muito tempo que ele começou
sua carreira, mas Daniel era bem procurado por todas as equipes de corrida.
― Sophie, está me ouvindo? ― Richard me trouxe de volta dos meus
pensamentos.
Sacudi a cabeça para clarear minha mente. De repente, fiquei meio
tonta, e não tinha nada a ver com minha doença.
Entrei no clube pisando duro e querendo estrangular alguém. Ignorei
todos ali e foquei em uma pessoa só. Um maldito corredor.
― Filho da puta! ― rugi, virando o corredor que dava para a piscina.
Já tinha estado ali algumas vezes. ― Vou matá-lo!
― O quê? Eu não fiz nada a não ser contratar o melhor piloto do mundo
― disse Richard.
― Desculpe, não disse isso para você. Preciso ir, depois nos falamos.
― Desliguei e fui para onde vi Laurel, sentada à beira da piscina com várias
mulheres, duas de cabelos negros – Samantha e Angelina – e três loiras –
Tabitta, Rayla e Alexia.
― Sophie! Que bom que chegou aqui! ― declarou Laurel. ― Nós
estávamos esperando você.
― Cadê o Daniel? Preciso falar com aquele idiota desgraçado. ―
Minhas mãos tremiam devido à raiva.
Ela arregalou os olhos.
― O que ele fez? ― Apontou para uma mesa de bilhar à esquerda dali.
― Depois nos falamos, pois agora vou decapitar certo alguém. ― Fui
na direção que ela apontou.
Daniel, Jordan, Jason, Bryan, Ryan, Alex e Lucky estavam jogando
sinuca, todos de short de banho, com os músculos à mostra, mas eu só tinha
um deles em mente.
Daniel estava ali em toda a sua glória e beleza, barriga tanquinho onde
era possível ver o V perfeito na base do abdome. Diferente de seus amigos,
não possuía tatuagens. Meu irmão estava de costas para mim, e tinha uma
tatuagem impressionante no dorso.
Tentei não me abalar com a visão de tanta pele nua de Daniel, só passei
por Lucky e peguei seu taco. Daniel se curvou para dar uma tacada, mas bati
com o do meu irmão na mesa, fazendo-o pular.
― Mas que porra! ― Ele piscou, olhando-me ali ao seu lado. ―
Sophie?
Ficamos nos encarando por um tempo. Olhar para ele sempre foi um
colírio para meus olhos, não só seu rosto e corpo, como também sua alma,
que eu não acreditava que tivesse mudado. Sua boca sempre foi minha
fraqueza, ainda mais quando pensava na forma como deslizava por meu
corpo. Isso me dava vontade de provar mais. Sentia tanta falta disso. Tive
uma prova de sua boca na última noite em que o vi, mas foi pequena e eu
queria mais. A vontade de ter aquele homem nunca acabaria. Certamente foi
por isso que nunca segui em frente com minha vida, porque ele sempre
esteve em minha mente.
― Sophie... o que... ― Ele não terminou de falar, pois apontei o taco
para seu corpo. É claro que não bateria nele, mas vontade não me faltava
depois de saber o que fez.
― Você tem dois segundos para me dar uma resposta honesta, ou juro
que esse taco vai acertar outro tipo de bola! ― ameacei com veemência.
Alguns dos seus amigos riram, enquanto ele arregalou os olhos,
avaliando-me, provavelmente se perguntando se eu teria coragem, e deve ter
pensado que eu falava sério, porque assentiu.
― O que quer saber? ― Pigarreou. ― Vou fazer o possível para
responder suas perguntas, e depois vamos conversar como eu disse que
faríamos.
― Ótimo, que bom ouvir isso. Fiquei sabendo que vai trabalhar para a
Speed Car. é verdade?
― Sim ― respondeu, parecendo confuso com minha pergunta. Talvez
pensou que eu fosse perguntar algo sobre nós.
Assenti para mim mesma.
― Saiu da Stor, onde ganhava muito mais, para entrar na Speed? Por
quê? Isso não faz o menor sentido!
Franziu a testa.
― O que isso tem a ver com o meu salário? ― Colocou seu taco na
mesa sem tirar sua atenção de mim. ― Apenas quero ficar em Manhattan.
― Então por que não foi para a Belliver Trwer? Eles são de Manhattan
e queriam você, além disso, pagariam bem mais do que a Speed.
― Apenas queria novos ares. ― Deu de ombros. ― Não posso fazer
isso? E gostei da Speed.
Trinquei os dentes e dei um passo para ele, que se afastou e ficou atrás
da mesa. Homem esperto por temer minha fúria.
― Falei para dizer a verdade. Por que mudou de empresa? Ainda mais
para aquela em que eu trabalho? ― Já suspeitava da razão, mas queria a sua
confirmação. Minha raiva começou a amenizar.
― Por você ― falou sem hesitar. O olhar que me deu era como o Sol,
tão quente e abrasador, tão cheio de amor, como eu me lembrava.
Encarei-o de forma dúbia, não acreditando que ele tinha feito algo
assim por mim. Ainda não sabia como me surpreendia, pois Daniel sempre
foi assim e nunca ia mudar.
― Por mim? Você ficou doido? Não sabe fazer cálculos? Olha o quanto
perdeu nessa troca de empresas! ― quase gritei, então expirei e continuei:
― Não pode fazer isso. Precisa voltar para onde estava.
Ele voltou a dar de ombros, não se incomodando com a minha
preocupação.
― Se eu fizer isso, quebrarei o contrato que assinei ― disse, como se
estivesse falando de algo banal e não de uma perda de quase 15 milhões.
― Por que não? ― rosnei, trincando os dentes. ― Já quebrou um
contrato antes, por que não fazer de novo?
― Não dou a mínima para a porra do contrato ou para o que me pagam,
porque essa é a única maneira de eu ficar perto de você. ― A voz dele
estava rouca.
― Perto de mim? ― Ri amarga. ― Você teve anos para fazer isso e não
fez; por que agora? O que mudou?
― Meu pai morreu... ― Ele passou a mão no rosto. Sempre fazia isso
quando estava frustrado ou com raiva de alguma coisa.
Seus amigos estavam calados e pareciam confusos, mas eu não.
― Ele morreu há quase três anos. Por que não me procurou nessa
época? Tente outra desculpa.
― Vamos deixar vocês conversarem a sós ― disse Lucky com o cenho
franzido para Daniel. Parecia um pouco curioso com o assunto, então não
devia saber de nada ou talvez soubesse e só estivesse torcendo para Daniel
abrir logo o jogo comigo.
― Aproveitem que o clube está quase vazio, assim podem conversar
com mais privacidade ― comentou Jordan e sorriu para mim. ― Cuidado
com esse taco para não estourar as bolas do meu amigo.
Arqueei as sobrancelhas.
― Por quê? Você vai fazer uso delas? ― provoquei com um sorriso.
Minha raiva estava um pouco mais contida.
Todos riram, mas a única risada que me tocou foi a de Daniel, tão linda.
A rouquidão o deixava mais perfeito do que já era.
― Eu devia retrucar e falar algo espertinho, mas Laurel chutaria minhas
bolas. ― Jordan revirou os olhos. ― Isso se Daniel não fizesse primeiro.
Daniel bufou.
― Seus cunhados chegaram. Por que não vai lá e me deixa falar com a
Sophie?
Segui seu olhar e vi três homens entrarem no clube. Eu os conhecia não
só pessoalmente, mas também por serem famosos. Os irmãos Kings faziam
parte de uma banda de rock muito famosa. Nilan era alto, assim como o
irmão, Gave. Ambos eram fortes e lindos. Shade era o irmão mais velho,
também muito bonito, e se casara havia alguns anos. Gave era o mais
encantador dos três, possivelmente por ser o mais espirituoso.
― Será que vou ter que matar o Gave para fazer você parar de olhar
para ele? ― grunhiu Daniel.
Voltei minha atenção para ele, com as sobrancelhas franzidas devido ao
seu ciúme, mas deixei aquilo de lado, pois tínhamos coisas mais sérias para
tratar.
― Voltando ao nosso assunto... quero saber tudo. Qual a razão de não
ter aparecido antes? Quero a verdade, Daniel.
― Vou responder todas as suas perguntas, esclarecer o motivo de eu
não ter ido atrás de você assim que meu pai morreu. ― Não havia amor ou
saudade quando ele falava do pai morto, na verdade, nunca houve. Daniel
não tinha amizade ou respeito para com seu pai, pois o senhor Michael nunca
se importou com ele ou fez algo que demonstrasse que amava o filho. O
homem sempre foi rude, grosso e ignorante, além de um assassino, por ter
tentado me matar naquele acidente de carro. Os freios foram cortados, o que
me fez capotar, pois perdi o controle na estrada inclinada e cheia de curvas
que levava à fazenda onde meus pais moravam.
― Ótimo! Então me conte, porque descobri muitas coisas que você fez
pela minha família e estou ansiosa para saber o porquê. ― Escorei o quadril
na mesa, mas, antes que ele dissesse algo, uma garota de cabelos escuros e
olhos claros apareceu ao seu lado toda eufórica, tão perto que poderia pular
em seu pescoço.
― Daniel Luxem! Eu sou sua fã! Tenho seguido suas corridas desde o
começo! ― Sua voz estava excitada e era muito sensual, não só a voz, mas
também o corpo, ainda mais com aquele vestidinho apertado, com os peitos
quase pulando do decote.
Senti-me contente por ele não olhar para ela, mas sim para mim, além
de parecer um pouco irritado com a interrupção em nossa conversa.
― Você pode me dar um autógrafo aqui? ― Ela puxou mais o decote,
mostrando quase o bico do peito. ― Assim faço uma tatuagem.
Eu sabia que, por ele ser famoso, vivia cercado de fãs, mas tudo tinha
limite. Se a garota apenas tivesse pedido um autógrafo, eu não me
incomodaria, mas quase mostrar os peitos? Aí já era demais.
Bati o taco com força na mesa, trazendo a atenção dela para mim.
― Ele não vai autografar porcaria nenhuma. Agora suma daqui antes
que precise fazer uma plástica pela forma como vou deixar seu rosto de
Barbie ― sibilei, querendo lançar aquele taco na cabeça dela, mas me
controlei, afinal eu não tinha o direito de ter ciúmes.
― Você não pode me ameaçar ― insurgiu-se a garota.
Sorri de modo frio.
― Quer mesmo testar? Se você quiser um autógrafo, procure uma
caneta e papel, então poderemos conversar. Se não quiser, vaze daqui. Não
estou com muita paciência hoje. ― Gesticulei para que ela saísse dali. Sabia
que estávamos em um lugar público, mas não estava a fim de ser
interrompida.
A menina teve um pouco de decência e saiu sem reclamar, apenas com
um murmúrio para Lucky e os outros – não muito longe de nós: “ela é louca”.
Ouvi alguns rirem, assim como Daniel, que estava gargalhando feito
uma hiena, o que me deixou bem furiosa.
― Engula a porra desse riso, ou vai ficar sem os dentes ― grunhi,
descansando o taco na mesa. Escorei-me nela de novo para continuar nossa
conversa. ― Agora abra o jogo.
― Estava com saudades de ver como você fica ainda mais linda
quando está furiosa. Porra! Tão sexy ― O brilho nos olhos dele quase me
fez cair de joelhos na sua frente como uma submissa.
― Daniel ― avisei, porque não estava para brincadeira ―, fale logo a
verdade. Se não disser, eu vou sair da Speed...
Ele riu, cruzando os braços. Isso me fez encarar seus músculos e a pele
bronzeada.
― Você nunca deixaria o Richard, gosta demais dele para fazer tal
coisa. ― A certeza na sua voz me fez ver que ele procurou saber tudo sobre
mim. Tinha razão, pois eu amava meu trabalho e adorava a todos lá,
incluindo meu chefe e sua adorável esposa. ― Vou contar os meus motivos
para não ter entrado em contato com você há alguns anos... Deixar você foi a
decisão mais difícil que já precisei tomar. Foi como se eu estivesse morto. A
dor e o vazio foram quase impossíveis de aturar. Quebrado, essa palavra mal
descreve o que eu sentia e ainda sinto por não ter você na minha vida.
O fôlego pareceu ter sido sugado dos meus pulmões, porque senti a
verdade em cada palavra dita por ele.
Capítulo 10
DANIEL
Sophie me avaliava com o rosto atormentado.
― Te abandonar foi a coisa mais difícil que já fiz na minha vida, mas
foi para o seu bem...
― Meu bem? ― rosnou, pegando o taco novamente. ― Você não tinha
o direito de fazer essa escolha por mim, seu idiota!
Ela era ainda mais linda quando ficava brava. Senti saudade daquilo em
todos os anos longe dela. Como consegui ficar afastado por tanto tempo?
― O que você queria que eu fizesse? Que deixasse meu pai acabar com
a vida dos seus pais e matar você? Naquele atentado, você teve sorte de ter
sobrevivido, mas e se houvesse outro? ― Olhei ao redor e vi que o lugar
estava ficando cheio. Não queria conversar com ela cercado de gente. ―
Vamos conversar ali, que está menos cheio.
Por incrível que pareça, Sophie não discutiu comigo. Esperava que ela
entendesse os meus motivos para ter feito o que fiz, o sacrifício que foi ficar
todos aqueles anos longe dela, a dor e o vazio que enfrentei. Merda!
― Daniel, o que você fez para os meus pais? ― Ela sussurrou,
encolhida. ― Sei que os ajudou a comprar a fazenda deles, não é?
Eu não queria confessar, mas também não queria mais mentir para ela.
Já tinha mentido por tempo demais.
― Sim. Se eu oferecesse aos seus pais o restante do dinheiro, eles não
aceitariam. Não me arrependo.
― Pelo que sei, o seu pai morreu há quase três anos; então por que só
veio atrás de mim agora? ― Sophie parecia desconfiada. ― Não faz
sentido.
Aquilo não era algo de que eu gostaria de me lembrar, mas precisava,
se isso a fizesse entender os meus motivos.
Tentei ficar mais poderoso que meu pai durante os seus últimos anos de
vida para poder enfrentá-lo, mas não consegui. O maldito conhecia gente da
pesada, e esse era um caminho que eu não queria seguir para alcançar seu
patamar, então por isso a demora em voltar para ela. Quando finalmente o
velho morreu, deixou uma bomba às minhas costas.
― Após a morte do meu pai, tive problemas por causa dele. Não sei se
você leu em algum jornal sobre o fato de o sócio do meu pai ser um
tremendo de um ordinário que usava a nossa editora para fins de tráfico
humano. ― Suspirei.
― Ouvi algo assim. O seu pai estava envolvido?
Estávamos sozinhos em uma sala de jogos, o que facilitaria o que eu
tinha para dizer a ela.
― Não sei, mas não ponho minha mão no fogo por ele. Com a morte do
velho, um agente do FBI me procurou e revelou o que o sócio da editora
fazia. Se eu não a administrasse e cooperasse com eles, poderia ser
considerado um cúmplice da porcaria em que ele estava metido. Eu não
queria você envolvida nisso, por isso me mantive longe depois que ele
morreu até que tudo acabasse. Lamento, porque sei que demorou mais do que
deveria. ― Aproximei-me dela e segurei sua mão. ― Queria vir para você,
mas aconteceram muitas coisas que me impediram. Realmente sinto muito
pelo que houve e por ter deixado você sozinha e mentido que não a amava
mais.
― Daniel...
― Você é a única pessoa que já amei na vida, a única pelo qual já fiz
algum sacrifício. ― Toquei seu rosto lindo. ― Não importa o preço que eu
tenha que pagar, o farei se assim a deixar segura.
Sonhei tanto que aquele momento viesse a acontecer de novo, e ali
estava eu, sentindo a sua pele de pêssego tão macia quanto pluma. Estava
louco para beijá-la de novo, não consegui ter o suficiente dela na última vez.
Tinha algo em seus olhos que me mostrava que ela queria o mesmo que eu,
embora não fosse só isso, eu podia ver que tinha algo mais, só não entendia
o que era. Sabia que teria um longo caminho a percorrer até que tivesse a sua
confiança de volta. Faria tudo que pudesse para que isso acontecesse.
― Lamento por tudo o que houve e espero que um dia me perdoe ―
sussurrei, inclinando-me para beijar seus lábios sem tirar os olhos dos dela.
― Posso? Não quero receber outra bofetada.
Ela meneou a cabeça de lado.
― Você mereceu, então não reclame. Podemos tentar. Minha mãe disse
uma coisa; acho que ela pode estar certa. ― Sorriu com doçura, aquele
sorriso que eu tanto amava.
Arqueei as sobrancelhas.
― O que a senhora Ally disse? ― Estava curioso. Em todos aqueles
anos, senti falta dela e do senhor Antônio. Esperava voltar para a vida deles
em breve.
― Que a vida é curta para não aproveitarmos ao máximo o que ela
oferece. ― Seus dedos traçaram meu peito e minha barriga, parecendo
gostar do que viu.
Quando a deixei, eu ainda era um moleque e não tinha o corpo tão
definido, afinal, malhava bastante atualmente. Sorri.
― Fico feliz com isso. Então quero te convidar para jantar hoje à noite.
Aceita? Quero fazer tudo certo dessa vez. Inclusive falar com os seus pais...
Ela parou de sorrir, e isso fez meu coração gelar como se eu tivesse
recebido uma injeção de água gelada nas veias.
― Vamos com calma, pois preciso digerir tudo antes. Só vamos viver o
momento, sim? Hoje vamos aproveitar e ficar juntos com os nossos amigos.
À noite, nós jantamos e conversamos mais sobre tudo. ― Encostou seu
corpo no meu, fazendo com que eu me arrepiasse dos pés à cabeça. ― Só
preciso que me beije agora. Vamos viver um dia de cada vez. O que acha?
Senti vulnerabilidade em sua voz, não detectei nada mais do que isso,
mas Sophie sempre foi boa em esconder o que sentia, mesmo antes de tudo o
que nos aconteceu. Sabia que ela estava certa, precisávamos ir com calma,
embora eu quisesse que Sophie voltasse logo a ser minha namorada. Eu não
podia “colocar a carroça na frente dos bois”, como dizia dona Alísia, teria
que ir com calma para não espantá-la e levá-la para longe de mim.
― Podemos fazer isso. Vou com calma, prometo.
Encostei meus lábios nos seus, tão maravilhosos. O beijo começou
simples, mas depois senti sua língua na minha, a doçura que eu tanto amava e
com a qual sonhava. Passei meus braços à sua volta e a puxei contra mim,
deliciando-me com os seus beijos.
Tentei ter em mente que estávamos em um lugar público e que eu não
podia agarrá-la do modo como gostaria, como necessitava havia muitos
anos. Ainda me lembrava da forma como era ter seu corpo debaixo ou em
cima do meu, gemendo o meu nome na sua ânsia por prazer, o jeito que ela
corava e implorava por mais de mim. Era algo de que eu nunca me
esqueceria.
O meu corpo estava quente como o de Sophie. É claro que tive sexo
antes e depois dela, pois, de alguma forma, eu precisava de algo que me
mantivesse longe de sua presença até o momento certo. Contudo, o sexo com
outras mulheres nunca foi tão bom ou me fez sentir como se minha alma
estivesse saindo do corpo, como se fosse entrar em combustão a qualquer
momento. Sophie era a única mulher que me fazia cair de joelhos, quase a
ponto de implorar. Para tê-la, eu não me importava se tivesse que rastejar.
As labaredas, eu só as sentia com ela, e faria de tudo para ter essa sensação
de novo.
Ela também gemia nos meus lábios e me agarrava de forma que pensei
que não queria mais me soltar, e, para falar a verdade, eu não queria que
minha garota me soltasse.
― Vejo que se entenderam ― disse uma voz divertida perto de nós. Eu
queria ignorar o Lucky, mas Sophie se afastou após suas palavras.
Naquele momento, eu quis quebrar a cara do meu amigo. Não entendia
o motivo para ele estar ali. Só queria sentir mais o corpo quente da minha
menina.
Ela sorriu para ele e corou.
― Vamos nos entender, isto é, se ele não fizer mais besteiras. ― Olhou
para mim e depois para ele.
Sacudi a cabeça. Sabia que veria a desconfiança nela por um tempo,
mas esperava que, em breve, aquilo acabasse. Não queria que Sophie
continuasse tendo dúvidas em relação a nós dois.
― Não irei, eu prometo ― garanti. E manteria minha promessa.
Sophie assentiu, mordendo o lábio inferior e respirando com
dificuldade devido provavelmente aos nossos amassos. Ela também tinha
sido afetada pelo meu toque, assim como antigamente. Recordava-me das
vezes em que um mero beijo a fazia derreter-se em meus braços.
Com aquele beijo, pude ver que ela ainda me queria assim como eu a
desejava. Aquilo não tinha mudado, aliás, parecia que estávamos famintos
um pelo outro. Eu não via a hora de a noite chegar e, com ela, o nosso jantar,
embora não tivesse certeza de que faríamos sexo.
― Espero não estarmos interrompendo vocês, mas acho melhor assim,
ou vocês seriam presos por atentado ao pudor. ― Jordan sorriu de modo
provocativo.
Logo atrás dele estavam Jason e Bryan, que reviraram os olhos com a
provocação de Jordan.
― Você é um idiota. Não sei como Laurel aguenta você ― disse Sophie
meneando a cabeça para os lados.
Jordan piscou.
― Ela me ama.
Sophie bufou.
― Vou para onde as meninas estão. ― Virou-se para mim. ― Depois
vamos falar sobre o seu novo emprego e a burrada que acabou fazendo.
Precisamos ver se ainda tem chance de voltar atrás.
Eu sabia da decisão que tomei ao me mudar de empresa, mas fiz isso
para ficar perto dela, não ligava para o dinheiro. Além disso, Richard era
um homem de negócios e leal aos seus empregados. Benny, o meu antigo
chefe, também era. Entretanto, para estar perto de Sophie, eu faria qualquer
coisa.
― Não temos nada para falar sobre isso, não vou voltar atrás. Além do
mais, não posso me livrar de outro contrato. Achei que Richard e você eram
amigos. Pelo que me disse, ele está ansioso para que eu corra para ele.
Ela fez uma careta.
― Depois falamos disso, mas é uma loucura o que está fazendo, porque
vai perder muito dinheiro, e para quê? Não faz sentido. ― Sophie parecia
confusa.
― Não precisa entender. E não é só por sua causa que vou trabalhar em
Manhattan. ― Eu tinha meus amigos e minha mãe lá. Sabia que ela nunca
havia se importado comigo, mas tinha Mal de Alzheimer, e eu não podia
simplesmente abandoná-la, embora não pretendesse contar a Sophie ainda.
Deixaria para dizer mais para frente.
Assim que ela saiu para encontrar as meninas, os caras vieram até mim.
Alguns estavam por dentro da minha história com a Sophie – Ryan e Jordan.
Tinha contado a eles um tempo atrás. Ryan sabia desde a compra da editora,
mas pedi a ele que não dissesse nada a ninguém até estar tudo resolvido com
a lei. Não queria que nenhum bandido cercasse minha menina à procura de
vingança por seu negócio ter sido interrompido. Jordan soube assim que
Sophie veio visitar a casa dele pouco tempo atrás e ele ouviu sua esposa e
ela falando de mim, então lhe contei tudo sobre ela e o que fiz para ficar
longe de minha garota para o seu bem e o de sua família.
― Eu achava que éramos amigos, e aqui está você, guardando segredos
de mim ― acusou Lucky, mas não ouvi censura em seu tom.
Lucky Donovan era um empresário bem-sucedido e um homem que teve
uma vida de cão quando pequeno, mas deu a volta por cima e agora tinha
amigos, uma esposa e filhos.
― Não foi por maldade, mas aconteceram muitas coisas envolvendo
Sophie, o meu pai e o bandido do Franklin Salazar, que usava a editora para
promover tráfico humano. Tudo isso bagunçou a minha vida. ― Respirei
fundo, controlando-me. ― Deixá-la foi a coisa mais difícil que já fiz.
― Sabia que era altruísta a ponto de fazer uma escolha dessas ― disse
Jason. ― Não sei se eu faria tal coisa.
Suspirei.
― Acredito que faria. Você só nunca chegou a ser encurralado ao ponto
de ter que fazer uma escolha. Porque quem ama de verdade faz sacrifícios.
― Peguei um taco. ― Querem jogar?
Passamos as próximas horas jogando bilhar e conversando, mas eu
queria mesmo era estar com a Sophie. Talvez pudéssemos passar a semana
juntos, afinal, eu só tinha que trabalhar na próxima semana, mas apenas se
ela não estivesse ocupada demais.
― Talvez tenha razão, sabe? Sobre fazer sacrifícios. Por Taby, eu sou
capaz de tudo nesta vida. ― Jason sorriu e bateu de leve no meu ombro. ―
Espero que eu nunca precise fazer tal escolha. Agora vamos apreciar as
nossas mulheres.
Sorri também.
― Acho que agora você acabou com as festas regadas a mulheres. ―
Ryan suspirou. ― Mas, pensando bem, faz tempo que não vejo você com
uma.
Fazia, sim, desde que eu soube que Sophie tinha deixado o seu último
namorado. Eu nem sabia o motivo do término, mas eles ficaram juntos por
um ano mais ou menos. Isso foi pouco depois da morte do meu pai. Foi um
dos motivos que me impediu de ir até ela assim que ele se foi.
Não gostava de pensar nela com outros homens, mas não podia viver no
passado. Agora só queria Sophie e não ligava para mais nada. Já tinha
sofrido demais quando soube que ela tinha namorados. É claro que eu não
era ingênuo para pensar que ela me esperaria a vida toda, afinal, eu nem
sabia quando me livraria do meu pai.
Por causa de tudo que meu pai faz para me separar de Sophie e
prejudicar os Winters, eu tinha certeza da sua participação nas tramoias de
seu antigo sócio, Franklin, que estava preso, bem como de sua participação
nos atentados contra a Sophie e seus pais. Procurei provas para mandá-lo
para a cadeia, mas Michael conhecia muita gente influente. Depois que eu
soube do envolvimento com o cartel, entendi o motivo de ele nunca ser
punido por suas falcatruas e crimes.
― Pode ser, pois não havia sentido ficar com outras mulheres, quando
eu só quero uma na minha vida. Agora que toda essa merda acabou, vou lutar
para reconquistar a confiança dela e ter seu amor de volta. ― Aquilo era
uma promessa que eu manteria até meu último fôlego de vida.
― Não acho que precise lutar muito. Vejo a forma que ela olha para
você, da mesma maneira que a Rosa Vermelha me olha ― disse Lucky. ―
Nunca estive tão feliz quanto quando ela entrou na minha vida.
Ganhei de quase todos os meus amigos no bilhar, mas perdi para o
fodido do Jordan, que era melhor do que eu naquele tipo de jogo, além disso
fazia tempo que eu não jogava, então estava enferrujado.
Fomos para a área da piscina, onde as garotas estavam sentadas
conversando. Parei assim que vi Sophie de pé perto da piscina. Ela vestia
um biquíni branco que combinava com sua pele, tornando-a mais linda,
cabelos soltos nas costas e curvas em que eu estava louco para passar as
mãos. Queria possuí-la por completo, saciar a fome que eu estava sentindo.
De repente, algo me fez ofegar, o que estava tatuado acima de sua bunda
perfeita e redonda, na região do cóccix. Estava escrito em hebraico תזדיין
אותי. Foda-me.
― Porra! ― grunhi, porque notei que alguns caras que a estavam
olhando também entenderam o que estava escrito, ou apenas estavam de olho
na sexy região tatuada em seu corpo. ― Como ela pôde tatuar isso?
Ouvi a risada do Lucky logo atrás de mim.
― Não são todos que entendem o significado, não é? ― Olhou para
meus amigos.
Sacudi a cabeça.
― Você entende, então outros podem entender também ― grunhi com os
punhos cerrados.
Ele sorriu.
― Eu entendo porque tenho uma empresa em Israel e precisei aprender
o idioma para facilitar as negociações sem precisar de tradutor ― revelou.
― Também entendo, porque viajei bastante ― comentou Jason, indo até
onde Tabitta estava sentada numa cadeira. ― Oi, linda. Como você anda?
― Muito bem, querido, só esperando você para entrarmos na piscina.
― Ela sorriu.
Taby era uma loira deslumbrante que tinha meu amigo na palma da mão.
Fui até Sophie, que estava se preparando para pular na piscina, e passei
meus braços ao seu redor, fazendo com que ela soltasse um gritinho
assustado, mas relaxou assim que me viu.
― Tatuagem interessante. Só não sei se concordo que todos os machos
desse lugar leiam e tentem fazer um avanço. ― Beijei seu ombro. ― Se
fizerem, vou ter que colocar as aulas que tive em prática e ensinar uma lição
a esses bastardos.
Ela sorriu para mim.
― Aprendeu a lutar? Lembra-se da vez que te chamei para participar
de uma aula e você não aceitou? Aposto que estava com medo ― provocou.
― Medo, hein? Vou te mostrar o medo. ― Peguei-a nos braços, rindo.
― Tá doido? Coloque-me no chão, seu idiota, não somos mais
adolescentes imaturos... ― ela se interrompeu assim que pulei na piscina
com ela nos meus braços.
― Idiota! ― gritou, voltando a cabeça molhada à superfície e limpando
a água dos olhos.
Sorri. Senti tanta falta daquela garota. Os anos que fiquei longe foram
terríveis. Eu não queria fazer aquilo nunca mais. Fiz um juramento e
pretendia cumpri-lo. Por ora, iria aproveitar aquele momento ao lado dela e
dos meus amigos.
Percebi que em seu peito tinha outra tatuagem que dizia Alma gêmea.
Lembrava-me de ter-lhe dito que ela era minha alma gêmea.
― Ficou linda! ― Alisei as letras.
Ela bufou.
― Você só quer pegar no meu peito ― brincou.
Ela não estava errada.
― Isso significa que perdi a aposta?! ― gritou Angelina na beira da
piscina. Ela vestia um biquíni preto e sorria de modo brilhante.
― Aposta? ― Sophie a encarou.
― Há alguns anos, nós fizemos uma aposta de que todos eles seriam
domados por uma mulher. Eles disseram que não, mas aqui estão todos...
― ...domados? ― Sophie sorriu, terminando a frase. ― Por que você
perdeu, Angelina?
― Porque tinha um prazo, e ele não se apaixonou no tempo que
estipulei, então...
Peguei a cintura de Sophie.
― Na verdade, foi antes disso. Amei a Sophie desde os meus 17 anos,
acho até que antes disso. Então venceu a aposta, Angelina. Marque o dia, e
eu lhe darei o que prometi.
― Vou fazer uma festa para comemorar ― anunciou ela. ― Assim que
eu marcar, aviso a vocês.
― Estaremos lá ― prometi e beijei o ombro da minha garota,
esquecendo-me de todos à minha volta. Naquele momento, só existia Sophie
para mim.
SOPHIE
Meus amigos e eu estávamos nos divertindo no clube, mas tinha mais
alguém ali com quem eu precisava me entender, não só Daniel.
Lucky estava sentado ao lado de Sam com um sorriso imenso. Meu
peito inchou de alegria por vê-lo feliz, mas ao mesmo tempo se apertou ao
pensar que em breve eu teria que lhe dizer sobre a minha enfermidade. Por
ora, revelaria apenas que era sua irmã.
Levantei-me da cadeira e me virei para Lucky. Havia chegado a hora da
verdade.
― Posso falar com você a sós? ― Não queria soltar aquilo na frente
dos amigos dele. Poderíamos lhes dizer depois; eu só não queria jogar a
notícia de supetão e pegar meu irmão desprevenido.
Lucky franziu a testa, olhando de mim para o Daniel e Sam e depois
para mim de novo, então assentiu e se levantou.
― Sophie? ― Daniel parecia confuso.
Virei-me e dei um selinho em seus lábios.
― Não vou demorar. Assim que conversar com ele, falo com você
também e com os outros. ― Afastei-me dele e fui a um canto mais afastado
no clube.
Pelo que notei, aquela era uma área que não tinha muitas pessoas,
estávamos somente nós. Isso se devia aos irmãos Kings, pelo que ouvi. Onde
eles chegavam, a entrada de novas pessoas era reduzida, ou o staff não
conseguiria administrar a quantidade de fãs.
Lucky me seguiu e, assim que estávamos longe de todos, se virou para
mim com o cenho franzido.
― É algo relacionado ao Daniel?
Sacudi a cabeça.
― Não. Já faz um pouco de tempo que eu queria te contar isso, desde a
festa de Laurel, para ser mais exata, mas então Daniel pareceu, e tudo se
enrolou. Não posso mentir para você temendo o pior ― divaguei, sem
entender o porquê do nervosismo.
― Você está me deixando confuso, Sophie. O que precisa me dizer que
Daniel não pode saber... ― Ele se interrompeu e ficou tenso. ― Será que
você...
Pisquei, entendendo a sua dúvida.
― O quê? Não. Eu jamais pensaria em você dessa forma. ― Inspirei
fundo e soltei de uma vez: ― Sou sua irmã.
Ele arfou.
― O quê?
― Sou adotada, e há pouco tempo um amigo meu me ajudou a descobrir
sobre os meus parentes, então localizei a Mary, que está na cadeia por tê-lo
roubado. Descobri que você é o filho que ela abandonou em uma casa
sozinho para morrer. Não foi diferente comigo, pois aquela mulher me
deixou em uma maldita lixeira. Se não fosse os meus pais, eu não sei o que
teria sido de mim. ― Fitei seus olhos estatelados.
― Você é mesmo minha irmã? ― Sua voz soou grave. ― Eu soube
disso há pouco tempo e pedi para o meu cunhado descobrir onde você
estava.
― Estava há meses procurando a minha família, mas descobri sobre
vocês apenas alguns dias antes da festa da Laurel. Fui visitar Mary a fim de
descobrir os motivos que a levaram a nos abandonar, mas nela só vi frieza e
desdém. ― Sacudi a cabeça, limpando os olhos. ― Ela também disse que
temos mais um irmão ou irmã. A puta velha não me deu muitas informações,
mas disse que tínhamos mais um parente e pediu dinheiro para me revelar o
nome.
― Mary me disse que temos uma irmã. ― Ele soltou um suspiro. ―
Pensei em dar o que ela quer, já que dinheiro não é o problema, mas ela quer
ser solta, e isso sim seria uma complicação. Aquela mulher é uma sociopata.
Acabaram de surgir alguns casos em que ela está sendo acusada de matar
seus maridos com veneno apenas para ficar com a grana deles.
Ofeguei.
― Merda! Eu não sabia disso! Mas não me surpreendo, depois de tudo
o que nos fez. ― Minha voz falhou. ― Será que nossa irmã foi jogada como
nós?
― Não sei, mas não duvido de nada. ― Chegou mais perto de mim. ―
Por que não me disse a verdade antes?
― Como te falei, ia contar na festa, mas então passei mal e veio o
Daniel e não consegui pensar em mais nada.
Ele colocou a mão nos cabelos.
― Porra! Você é minha irmã, a mesma mulher que Daniel ama! ― Ele
parecia falar consigo mesmo. ― É verdade, você passou mal naquele dia.
Foi gravidez ou queda de pressão?
Queria revelar a verdade, mas não podia ainda; não queria que ele
sofresse ao saber da minha condição logo ao descobrir quem eu era.
Esperaria mais uma semana, então revelaria tudo. Primeiro, tinha que contar
ao Daniel.
Ri.
― Gravidez? Não, foi só um mal-estar. ― Sorri para ele. ― Quando eu
soube que tinha um irmão, fui até o prédio em que você mora, mas tive medo
de me aproximar e dizer quem eu sou...
Ele franziu a testa.
― Por quê? Não devia ter medo. ― Pegou minha mão e a apertou.
― Não sei, acho que uma parte de mim acreditava que você pensaria
que sou igual a nossa mãe, interesseira e sem escrúpulos ― sussurrei. ―
Queria ter entrado lá, o abraçado e dito o quanto me sentia feliz por ter um
irmão como você.
Lucky me puxou para seus braços e beijou meu cabelo.
― Estava ansioso para conhecê-la e jamais pensaria mal de você. Se
Daniel a ama e fez tanto por você, é porque vale a pena. Além disso, sei
quando as pessoas não valem nada. Seus pais te criaram muito bem, minha
irmã. ― Seu tom saiu triste no final. ― Só falta encontrarmos a nossa outra
irmã.
Alguém arfou ao nosso lado.
― “Nossa irmã”? ― Era a voz de Daniel.
Afastei-me e olhei para ele, parado ao lado da Sam perto de nós, com
os olhos arregalados. Acho que, ao nos ver abraçados, eles se aproximaram
para buscar explicações. Eu teria feito o mesmo, isso se não quebrasse a
cara de Daniel antes.
Lucky segurou minha mão e estendeu a outra para a sua esposa, que
estava confusa, mas parecia esperançosa.
― Rosa Vermelha, eu achei uma das minhas irmãs. Bem, ela me
encontrou. ― Lucky parecia eufórico.
Fui até Daniel e peguei a sua mão.
― Eu ia contar a você depois de dizer ao Lucky, mas você veio antes e
ouviu o final.
― O que queria que eu fizesse? Vimos vocês dois abraçados, e eu quis
quebrar a cara do Lucky. ― Daniel sacudiu a cabeça, olhando entre nós dois.
― Então são irmãos? Merda, nunca nem suspeitei que isso fosse possível.
― Nem eu ― anunciei. ― Mas venho procurando por meus parentes há
algum tempo e, há mais ou menos duas semanas, eu soube quem eram. Tive o
prazer de saber que tenho o Lucky como irmão, já foi um desprazer conhecer
a minha mãe biológica. Nenhuma mãe pode ser igual àquela cobra venenosa.
Sam sorriu para mim e me abraçou.
― É um prazer saber que você é minha cunhada. ― Riu. ― Até achei
que teria que bater nos dois por se abraçarem desse jeito.
Ri também.
― O único homem que me importa de forma romântica é o Daniel.
Acredito que ele me estragou para todos os outros.
Daniel beijou meu rosto.
― Fico feliz em ouvir isso. ― Ele parecia extasiado.
Naquele momento, eu me senti completamente feliz; tinha o cara que eu
amava e meu irmão ao mesmo tempo.
Capítulo 11
SOPHIE
Quando Daniel me contou toda a história que aconteceu com ele e os
motivos que o levaram a me deixar, fiquei furiosa com ele, mas já tinha
sentido raiva por anos, além disso, suas razões tinham algum sentido, o que
amenizou a minha raiva.
Entretanto, o que fez com que eu me decidisse de verdade a lhe dar uma
chance foram as palavras da minha mãe, quando ela me disse que a vida era
curta. Ela não quis dizer com isso que eu tinha pouco tempo de vida,
obviamente, era só maneira de falar, mas não deixava de ser verdade. Eu
poderia não ser capaz de sobreviver, afinal corria o risco de Lucky não ser
compatível comigo mesmo sendo meu irmão.
Eu poderia já ter dito a ele a verdade sobre a minha doença, mas
precisava de mais tempo, pois me assustava imaginar a reação e o
sofrimento de Lucky. Também teria que contar a verdade ao Daniel, e nós
nem havíamos começado um relacionamento ainda.
Eu queria isso, queria dar uma chance a nós, pois já tínhamos perdido
muitos anos. Nossos caminhos foram separados e seguiram em direções
opostas, mesmo assim eu desejava viver todos os meus momentos com
Daniel, porque nunca o esqueci, nem cheguei perto disso.
Quando namorávamos, nunca pensei na palavra “fim”, planejava viver
com ele a minha vida toda, casar-me e ter filhos, um sonho que foi
interrompido por anos por causa do pai dele. Sabia que o maldito estava
morto e que não deveríamos falar mal dos mortos, mas aquele filho da puta
merecia muito mais.
No clube Trons, em Dallas, nós tivemos momentos maravilhosos com
nossos amigos, mas eu estava contando os minutos para a nossa noite juntos.
Jantaríamos e conversaríamos, e, depois que ficássemos sozinhos, eu
esperava poder matar a saudade que tinha dele, de tocá-lo e beijá-lo, de
senti-lo dentro de mim, dos sons que fazia quando ficávamos juntos. Só em
pensar nisso, eu começava a sentir uma pulsação dolorosa entre minhas
pernas, um desejo louco que precisava ser saciado.
Depois do clube, eu e as meninas fomos a um salão de beleza e ao
shopping. Eu precisava me arrumar para a noite. Estava tão ansiosa que mais
parecia uma adolescente louca para ter seu primeiro encontro.
― Então você decidiu dar mais uma chance para o Daniel? ―
perguntou Laurel.
A cabeleireira estava arrumando nossos cabelos. Resolvi deixar o meu
da mesma cor e apenas aparar as pontas.
― Não tem sentido lutar contra esse sentimento, já tentei por anos e não
resolveu nada. Cansei de lutar, então hoje só quero viver... ― como se fosse
o último dia, pensei em complemento.
Ela sorriu.
― Fico feliz com isso.
― Também estou. O cara me fez sentir tanta raiva, mas estou cansada
de tudo isso. ― A vida era curta, e tínhamos que aproveitar cada segundo.
― Mas então me diz: como anda o haras? Soube que comprou mais cavalos.
Seus olhos brilharam. Era sempre assim quando comentava sobre seus
cavalos e o haras, assim como eu me sentia ao falar da minha profissão. Eu
amava ser fisioterapeuta, ajudar e incentivar as pessoas a se estabilizarem e
a se curarem.
― Jordan comprou dois da raça Árabe para mim no mês passado ―
disse ela.
― O que aquele homem não faz por você, não é? ― Sacudi a cabeça,
sorrindo.
Desde a adolescência Laurel foi apaixonada por Shade, o seu irmão,
não de sangue, claro, mas esse amor nunca foi correspondido. Ela o amou até
conhecer Jordan no casamento de Shade. Agora os dois estavam casados e
felizes e com a minha bonequinha linda, filha deles.
Toda vez que eu olhava para Jordana, sentia uma imensa vontade de ser
mãe, embora não tivesse certeza de que seria possível, pois talvez eu não
conseguisse ser curada. Ainda não tinha perguntado isso ao médico, mas,
assim que tivesse a minha próxima consulta, falaria com ele e perguntaria
sobre o assunto.
― O Daniel não fica atrás. Jordan disse que ele tentou se reaproximar
de você uma vez, um pouco antes de você namorar aquele cara ruivo. ―
Olhou-me de lado.
― Neil? Mamãe me disse que Daniel foi à fazenda, mas eu não estava
em Dallas na época.
Em todos aqueles anos, eu não o vi pessoalmente, sempre foi através da
TV e revistas que falavam de sua profissão, colunas sociais de jornais e até
canais de notícias na época do que houve envolvendo a editora Luxem.
― O pai dele descobriu que ele foi à procura de você e da sua família,
então comprou gente corrupta, que atribuiu uma dívida inexistente imensa à
fazenda dos seus pais. Se Daniel não tivesse pago, eles a teriam perdido.
Talvez, se recorressem, ganhariam a causa, mas isso envolveria advogados,
gastos e tempo. Depois que o pai dele morreu, você começou a namorar o
Neil, e ele se manteve longe não só para não estragar sua vida, como para
protegê-la. ― Ela suspirou. ― É um amor estilo romance de livro, não
acha? Angelina vai ter uma lista imensa de histórias para inspirá-la a
escrever seus livros.
Pisquei, chocada. Não acreditava no que ele tinha feito por mim. No
entanto, como eu ainda tinha dúvida? Daniel sempre foi bom com todos e
ainda mais com quem ele amava. Lembrava-me de que minha mãe dizia que
toda sogra iria adorar tê-lo como genro. Assim também dizia o papai.
Depois que os dois descobrissem o que mais ele fez por nós, certamente o
tratariam como a um deus, embora não fosse esse o motivo para gostarem
dele.
Eu desejava agradecer-lhe infinitamente pelo que ele fez por mim;
sacrificou-se tanto por minha família, diferente da cadela da minha mãe
verdadeira, que me jogou na lixeira perto da casa dos meus pais adotivos. Se
não fosse uma das câmeras na rua, eu nunca teria descoberto quem era a
vadia desalmada.
Tudo o que Daniel fez para e por mim provava o quanto tinha me amado
e ainda amava, porque, se não amasse, ele não estaria atrás de mim.
Eu não acreditava que o destino fosse tão fodido assim, mantendo-nos
separados por todos aqueles anos e sofrendo com a dor, a raiva e a desilusão
e, agora, com a possibilidade de, depois da reconciliação, não podermos
viver nosso amor. O que eu podia fazer era apenas lutar contra a maldita sina
que queria nos separar por causa de uma doença.
Após o salão de beleza e a compra do vestido certo, senti-me esgotada
e febril, mas evitei falar qualquer coisa às meninas; não podia contar sobre
minha enfermidade a mais ninguém antes de dizer a Daniel e Lucky, pois
seria traição. Daniel tinha uma entrevista e um ensaio em Savannah dentro de
três dias, e, assim que voltasse, eu contaria tudo.
― Me liga para contar como tudo aconteceu ― pediu Laurel. ―
Apesar de eu saber que vai ser mais do que perfeito. Aquele homem morre
por você.
Eu não gostava de pensar naquela palavra, pois a morte andava
pairando muito sobre a minha vida nos últimos meses.
― Pode deixar ― assegurei com um sorriso.
Cheguei em casa com algumas coisas que comprei para mim e meus
pais.
― Mamãe, cheguei! ― chamei e logo me sentei no sofá, ofegante, com
tontura e náuseas. Odiava me sentir assim tão enfraquecida. ― Droga!
Ela apareceu na porta da cozinha e arregalou os olhos quando me viu
ali, adoentada.
― Meu Deus, Sophie! O que houve? ― Correu até mim e tocou minha
testa. ― Está ficando quente... ― Pegou minha bolsa. ― Onde estão seus
remédios?
Inspirei fundo, tentando não a preocupar com isso; por esse motivo não
quis voltar para Dallas quando descobri sobre minha doença. Assim mamãe
não presenciaria meu corpo definhando.
― No quarto. Acabei me esquecendo de levá-los hoje cedo ―
sussurrei. ― Desculpe, mamãe.
― Temos que entrar em contato com o seu irmão imediatamente! Não
posso ficar esperando você tomar a decisão! ― A dor estava em cada
palavra sua.
Escorei-me no encosto do sofá e encarei minhas mãos, que estavam
suando frio.
― Eu sei. Vou resolver isso. Eu lhe contei hoje que sou sua irmã, e ele
me aceitou. Foi emocionante!
Mamãe alisou meu rosto.
― Não quero perder você, meu amor, não posso...
― Não vai, mamãe. ― Não queria que ela se preocupasse com isso,
então por enquanto deixaria quieto. ― Preciso subir e me arrumar para sair.
― Tentei me levantar, mas senti uma tontura.
― Não pode sair desse jeito, precisa descansar. Já se divertiu bastante
hoje, é ótimo que aconteça, mas precisa ter mais cuidado, não pode se
esforçar muito ― pediu. ― Agora vamos subir, que vou preparar uma sopa
enquanto você toma os remédios. Seja o que for que ia fazer hoje, vai ter que
adiar.
Eu sabia que ela tinha razão, mas não queria ficar em casa e desmarcar
o meu encontro com o Daniel.
― Resolvi seguir o seu conselho e dar uma chance para o Daniel, ainda
mais depois de saber tudo o que ele fez por mim. ― Olhei para ela. ― Tinha
razão sobre ele.
Contei-lhe tudo o que Daniel fez por minha causa e pela deles. Assim
que terminei, havia lágrimas em seus olhos; pude ver tristeza, gratidão e um
forte carinho neles. Ela sabia sobre a ajuda dele na compra da fazenda, mas
não sobre a maldita hipoteca falsa que meus pais teriam enfrentado só
porque Daniel resolveu me fazer uma visita, dívida à qual ele honrou.
― Oh, Deus! Não consigo imaginar o que o menino Daniel deve ter
passado ― sussurrou com os olhos molhados. ― Ele é um garoto de ouro, e
sei disso ainda mais agora, que soube o que ele fez por nós, além de tê-la
deixado para sua proteção. O senhor Luxem foi um monstro por tentar matá-
la...
Ela me deixou na cama e me entregou os remédios. Aquela era a minha
rotina desde que descobri sobre a anemia plástica, mas eu tinha esperanças
de que logo não precisaria mais deles. Odiava remédios, sempre odiei.
― Eu sei que ele foi um idiota, pois não deveria ter me afastado ―
comentei. ― Mas, pelo que fez por você e pelo papai, não só por mim,
peguei leve com ele, apesar de ainda estar brava por não ter me contado
tudo. Queria ter estado ao seu lado. ― Sacudi a cabeça.
― Se o senhor Luxem mandou alguém cortar os freios do carro, isso
significa que ele era um demônio. ― Suspirou. ― Fique deitada, eu já volto.
Vou fazer sua sopa.
Sorri um pouco, sentindo-me melhor da fadiga e da tontura, mas ainda
tinha febre.
― Nunca gostei daquele velho, que achava que todos os pobres eram
lixo e que só quem pertencia à alta sociedade era gente. ― Meneei a cabeça
de lado. ― Mãe?
― Sim, querida? ― Seus olhos eram avaliadores, cheios de
preocupação.
― Eu ia sair com o Daniel hoje, até fui ao salão de beleza e comprei
um vestido para usar, mas como posso encontrá-lo me sentindo mal desse
jeito? Não quero lhe contar sobre a doença por enquanto, preciso primeiro
saber como a nossa relação vai caminhar. Quero que ele fique comigo
porque quer, não por pena. ― Sabia que era bobagem pensar assim, mas não
conseguia evitar. Queria algo real com ele, sem pensar que tudo poderia
apenas fazer parte de um sonho.
Ela arregalou os olhos.
― Vocês iam a um encontro? ― Mamãe parecia triste e, ao mesmo
tempo, feliz.
Assenti.
― Sim, mas agora estou tão esgotada que não sei se conseguirei ir...
Mamãe suspirou.
― Para que hora está marcado o encontro? Talvez você possa
descansar um pouco e, assim que acordar, estar se sentindo bem. Dessa
forma, poderá ir. Ou então vocês podem ficar por aqui mesmo. ― Colocou o
cobertor sobre mim e passou a mão em meus cabelos como fazia quando eu
era criança e ficava doente.
― Talvez tenha razão, afinal ainda faltam algumas horas até as 19h ―
murmurei, expirando e fechando os olhos.
SOPHIE
Cheguei ao hospital em Manhattan, porque tive que sair mais cedo de
Dallas para minha consulta. Ao menos aproveitei cada segundo dos três dias
que tive ao lado do Daniel.
Depois que tive aquele mal-estar e precisei faltar ao nosso encontro,
nós decidimos, ou melhor, ele decidiu que deveríamos ficar na fazenda com
os meus pais, onde aproveitamos cada segundo ao lado um do outro. Algo
me incomodou durante aquele tempo, o fato de ele não ter me tocado
intimamente de nenhuma forma, além de beijos. Eu queria mais, só que, por
alguma razão, ele estava hesitante. Eu tinha certeza de que era por eu ter
adoecido naquele dia, mesmo eu tendo dito que era só um resfriado.
“Você precisa se recuperar. Depois nós faremos o que quisermos”,
foram suas palavras quando insisti. Eu já estava bem, mas Daniel foi
categórico quanto àquilo. Imagina quando soubesse o que eu tinha de
verdade?
Descobri que, poucos dias atrás, assim que souberam do meu problema,
alguns amigos da empresa em que eu trabalhava vieram fazer exames para
descobrir se eram compatíveis comigo. Naquele momento, eu saberia os
resultados dos exames. Tinha esperança de que algum deles pudesse ser meu
doador, pois os sintomas estavam um pouco mais fortes. Vinha amanhecendo
sempre com um pouco de enjoo, o que era uma droga.
Era bom saber que ainda havia pessoas boas no mundo ao ponto de
fazerem uma campanha para ajudar uma colega, tudo graças ao Richard.
Mesmo que nenhum deles fosse compatível comigo, talvez fosse de outra
pessoa com o mesmo problema que eu ou outros que dependiam de doação
de sangue e medula.
Daniel estava em um compromisso em Savannah, mas voltaria logo
para Manhattan, e então nos encontraríamos em seu apartamento.
Meu telefone tocou assim que entrei no hall do hospital.
― Oi, como foi sua entrevista? ― perguntei ao Daniel. ― Não tive
tempo de assistir a ela.
Ele riu.
― Legal. Foi apenas uma conversa sobre a nova corrida que farei em
alguns dias, a primeira que farei para o Richard. ― Suspirou. ― Ele está
ansioso por isso.
Sacudi a cabeça.
― Não duvido disso. Ele sempre quis você trabalhando para a Speed.
― Isso era verdade. Cansei de ouvi-lo comentando sobre contratá-lo. Na
época, eu ficava torcendo para que não o fizesse, pois assim eu não correria
o risco de vê-lo.
― Como está se sentindo hoje? Sua mãe disse que você esteve enjoada.
― Sua voz soou preocupada, mas tinha uma nuance que não entendi a
princípio. ― Por que não me ligou?
Eu teria que ter uma conversa com minha mãe para que ela não ficasse
comentando sobre meus sintomas com Daniel, não antes de eu contar a
verdade a ele.
― Estou bem, não se preocupe comigo. Minha mãe exagera demais. ―
Tentei soar despreocupada, assim ele não notaria a minha preocupação com
a consulta que eu teria em breve.
Sabia que mentiras em um relacionamento não funcionavam e não
pretendia esconder aquilo dele por muito tempo mais, mas precisava saber o
que fazer, ainda mais depois da resposta do médico na consulta dentro de
alguns minutos. Tinha feito outros exames para descobrir o motivo de eu
estar passando mal direto.
― Tem certeza? ― indagou, ainda em dúvida. ― Se você estiver...
sabe... Quero que saiba que não ligo se...
Levei um momento para entender o que ele estava tentando dizer. Pensei
nos sintomas que eu estava sentindo, e alguns deles se pareciam com os de
uma gravidez: tonturas, enjoos, mal-estar.
― Oh, não, eu não estou grávida ― assegurei. ― Não há a mais remota
possibilidade de isso ter acontecido, não se preocupe, Daniel. Se eu
estivesse, você seria o primeiro a saber. Acho que já disse isso.
Até quando eu namorava o Neil, quase não fazíamos sexo. Foi uma das
razões que levou ao nosso término, pois ele vivia frustrado. Pensando
naquela época, percebi que em nenhum momento chorei ou sofri por causa
do rompimento. Eu ainda não conseguia entender o motivo de ter ficado um
ano com ele.
― Só queria que soubesse que, mesmo se você estivesse grávida, não
mudaria nada do que sinto por você. Mas vamos conversar à noite, assim
que eu chegar. ― Ouvi verdade em seu tom. Meu coração se aqueceu com o
que ele disse.
― Tudo bem, mas prometo que não é nada disso ― tranquilizei-o.
― Se não melhorar, precisará buscar um médico. Promete fazer isso?
― Sim, prometo. ― Desliguei assim que cheguei à recepção e vi a
Kamille, a recepcionista. Ela era alta e bonita e usava óculos de grau.
Conversávamos às vezes. Conheci-a depois que comecei a me tratar naquele
hospital.
― Sophie! Que bom vê-la. ― Sorriu para mim.
― Também é bom vê-la. ― Olhei ao redor. ― Tenho uma consulta
marcada. O doutor vai me atender agora ou terei que esperar?
Estava ansiosa demais e com os nervos à flor da pele. O meu coração
batia forte. Podia conversar tranquilamente com todos, mas só eu sabia o que
estava sentindo ao torcer para encontrar alguém, dentre todos que fizeram os
exames, que fosse compatível.
— O doutor Eduardo está esperando por você ― disse com um sorriso
doce, bastante animadora. ― Seja o que for que estiver nos exames, estou do
seu lado, Sophie, pode confiar.
Respirei fundo.
― Obrigada, Kamille. Espero que eu tenha bons resultados.
Entrei na sala.
O médico estava sentado atrás da mesa, olhando uns papéis, mas parou
assim que entrei. O senhor de meia-idade suspirou e me encarou. Tentei ler
sua expressão, mas era impassível.
― Boa tarde, doutor Michigan. ― Sentei-me na cadeira que ele
apontou.
― Prazer em vê-la, senhorita Winter. Sei que está ansiosa pelos
resultados, tanto dos exames de compatibilidade quanto dos que você fez.
Então vou direto ao ponto, como me pediu uma vez.
Quando fui diagnosticada com aquela doença, o médico me explicou
tudo sobre ela. Pedi-lhe que sempre fosse direto ao ponto, porque assim
seria mais fácil para o meu entendimento.
Pela expressão do médico, deduzi que as notícias não seriam boas.
Provavelmente nenhum dos meus colegas era compatível. Ao menos eu inda
tinha uma chance com o Lucky. Sabia que estava enrolando para contar
aquilo a ele, mas primeiro precisava ver as opções que eu tinha nas mãos.
― Sophie, tem uma chance de 25 a 30% de o seu irmão ser compatível.
Por que não o traz aqui?
― Então nenhuma daquelas pessoas é compatível? ― sondei, embora
já soubesse a resposta.
― Não, lamento. Era um risco que corríamos. Por isso digo que, se
você tiver mais irmãos, nós poderemos fazer um teste. Entretanto, com
pessoas sem vínculo genético, as chances são mais remotas, embora não
impossíveis. A compatibilidade é maior quando o doador é da família.
― Eu...
― Não sei por que está hesitando tanto em chamar o seu irmão. Devo
informar que as coisas estão piorando. Se não conseguir um doador urgente,
os sintomas vão avançar, Sophie.
Ele falou mais coisas, mas minha cabeça estava longe, pensando no que
fazer com aquela descoberta. Não seria somente eu a sofrer com aquilo, mas
também meus pais, meus amigos... e Daniel.
O que fazer? Além de Lucky, eu tinha outra irmã cujo paradeiro não
tinha a mínima ideia. Não sabia se tinha mais irmãos espalhados pelo
mundo, afinal de contas, Mary era uma mulher sem escrúpulos e ficava com
vários homens ricos que davam uma vida estável a ela.
E se a única pessoa compatível comigo fosse Mary? Ela nunca iria me
ajudar. Era tão difícil ter esperanças e, no final, perdê-las.
Saí do consultório com o médico me dizendo para não desistir ainda e
que também havia a possibilidade de eu conseguir um doador compatível na
fila de espera. Entretanto, eu pensava que, se quase dez pessoas fizeram
exames e não deu em nada, a fila de espera seria quase improvável. Minhas
esperanças estavam começando a findar, porque, se minha família de sangue
não fosse compatível, que outra pessoa seria, ainda mais se eu precisasse
encontrá-la em pouco tempo?
― Sophie! ― ouvi Wellington me chamando não muito distante, até que
fui puxada para os braços fortes do meu amigo, um lindo loiro de olhos
verdes. ― Oh, querida, sinto muito pelo resultado... Queria tanto que tivesse
dado positivo... ― Sua voz falhou. ― Não podemos perder a esperança.
Ele me puxou para sentar-nos em um banquinho na frente do hospital.
― O que eu faço agora? ― Meus olhos estavam molhados. Tinha
esperança de que tivesse mais tempo e de que um de meus colegas fosse
compatível, mas percebi que só me restava a minha família biológica. Ainda
assim, as chances eram pequenas.
Ele tocou meu rosto, limpando as lágrimas.
― Vou dar um jeito. Somos amigos há mais de uma década, não a
deixarei ir assim tão fácil.
Ele era médico naquele hospital. Eu o tinha conhecido havia mais de
dez anos, logo depois que me separei do Daniel. A sua bravura e sinceridade
me faziam lembrar-me do amor que eu havia perdido, e logo viramos
melhores amigos. Sua namorada era fisioterapeuta como eu, Zoe, uma mulher
maravilhosa com quem ele estava havia alguns anos.
― Obrigada, mas acho que ninguém pode fazer nada quanto a isso... ―
sussurrei, encolhida. ― O único jeito é o Lucky, mas fico arrumando
desculpas para não pedir a ajuda dele.
― Podemos localizar o restante da sua família. Talvez possamos
encontrar mais irmãos ou então ir até sua mãe ou seu pai biológicos. É uma
chance pequena, mas podemos tentar, apesar de que o Lucky seja mais
provável na compatibilidade, e ele mora aqui, na mesma cidade.
Sacudi a cabeça.
― O doutor disse o mesmo. O Lucky tem no máximo 30% de chances.
O pior é a esperança, sabe? Temos tanta, e, na hora, não dá em nada... Isso
acaba com a gente.
― Se não fizer nada para ir atrás do seu irmão, irei falar com ele,
Sophie ― ameaçou, igual a minha mãe.
― Primeiro, vou contar ao Daniel, depois irei atrás do meu irmão.
― Algum problema aqui? O que precisa contar ao Daniel e depois a
mim?
Meu corpo travou nos braços de Wellington, então me afastei depressa
e encarei o homem que podia ser o único que me salvaria.
― Lucky? ― Franzi a testa, levantando-me e ficando à sua frente.
Seus olhos verdes avaliavam os meus, que estavam molhados, e
Wellington ao meu lado. Ele parecia confuso, e eu sabia exatamente o
porquê. Lucky me viu nos braços de outro cara e devia estar pensando que,
de alguma forma, eu estava traindo o Daniel.
― O que houve? Por que está chorando? ― Ele sondou e olhou ao
redor. ― Por que está neste hospital? Aconteceu alguma coisa para você
ficar nesse estado?
Suspirei e me virei para Wellington.
― Pode nos deixar a sós? Te ligo depois ― falei, apertando sua mão.
Wellington sabia quem Lucky era, já que foi ele quem me ajudou a
descobrir quem era a minha mãe biológica. Meu amigo era bom no que fazia,
e, se não fosse por ele, eu jamais teria descoberto sobre o meu irmão. Na
noite anterior, eu tinha ligado para ele e dito que contei ao Lucky que era
irmã dele.
Ele assentiu.
― Você tem certeza? Tenho pacientes para ver, mas, assim que
terminar, te ligo para saber como está indo. ― Beijou minha testa e levantou
o queixo para Lucky, depois entrou no hospital.
― Achei que estivesse com o Daniel. Não sei o que está havendo aqui,
mas meu amigo está na sua, e agora não sei o que pensar. ― Ele colocou a
mão na cabeça, avaliando-me. ― Só me diga que não está enganando-o e
que... droga! Eu não sei. Há outro motivo para você estar chorando abraçada
àquele médico?
Eu deveria ficar com raiva por ele ter pensado o pior, mas, no lugar
dele, eu pensaria o mesmo ao presenciar a cena. Fiquei feliz por ele se
preocupar com o amigo.
Sentei-me de volta no banco e ignorei as pessoas ao redor. Não sabia o
que dizer a ele, só não podia deixá-lo pensar besteira a meu respeito.
― Quando eu era pequena, sonhava em ser médica para ajudar as
pessoas, fazer tudo o que pudesse e que estivesse ao meu alcance. ―
Expirei, apontando o queixo para o hospital. ― Fui escoteira e, na
faculdade, após o pre-med, tentei fazer Medicina, então uma vez meu pai
quebrou o pé e precisou fazer fisioterapia, pois poderia ter sequelas e não
andar normalmente de novo.
Lucky não disse nada, só me encarava confuso, mas não me
interrompeu.
― Estávamos sem grana para as despesas médicas, então passei a fazer
o curso de fisioterapia. Nas horas vagas da faculdade, eu ia até o meu pai e
aplicava o que aprendi ― sussurrei. ― Foram meses trabalhosos, mas
consegui, e ele ficou bom. Não teve sequela nenhuma. ― Sorri, lembrando-
me daquele momento. ― Depois decidi que era isso o que eu queria e passei
a amar a profissão.
― Não entendo. O que isso tem a ver com o fato de você chorar nos
braços daquele cara? Algum paciente seu não conseguiu se recuperar?
Sacudi a cabeça.
― Não, o que quero dizer é que eu sempre quis salvar as pessoas, mas,
no final, não posso nem me salvar... ― Abaixei a cabeça e chorei. ― Como
posso ficar com o Daniel se não vou estar para sempre ao lado dele? —
Virei-me para o Lucky. ― Lamento dizer isso, queria protegê-lo, mas não
posso.
Ele arfou.
― O que foi? Você está doente ou algo assim? ― Sentou-se ao meu
lado.
― Tenho anemia aplástica e preciso de um transplante de medula óssea
urgente, ou não vou conseguir... ― Respirei fundo.
Não achei que fosse contar isso a ele antes de dizer ao Daniel, mas o
aparecimento de Lucky ali foi providencial para eu ter coragem de lhe
revelar a verdade.
― Por acaso é maligna? ― Sua voz estava baixa. ― Isso quer dizer...
― Está querendo saber se eu posso morrer? Sim, tem essa
possibilidade se eu não conseguir um doador rápido.
Ele tocou minha mão.
― Uma coisa que aprendi com a minha esposa é que devemos ter
esperança e fé, pois, com isso, nós podemos conseguir qualquer coisa. Se
precisar de mim, entro em contato com algumas pessoas para ver o que
consigo. Posso fazer o teste também se precisar de mim.
Pude ver sinceridade em seus olhos lindos; sabia que podia contar com
ele. Falar com meu irmão trouxe uma chama de esperança ao meu coração.
― Lucky, eu acabei de falar com o médico, e ele disse que as coisas
estão se agravando. Preciso de uma medula, e as chances de compatibilidade
com um parente de sangue são maiores, especialmente irmãos de pai e mãe.
Então é mais provável que a sua medula possa ser compatível.
Puxou-me para seus braços.
― Farei qualquer coisa para ajudá-la. O que não posso é perdê-la, não
agora, que a tenho comigo. ― A dor estava em cada palavra.
― Obrigada, Lucky. Gostaria de mantê-lo fora disso, mas os sintomas
estão piorando... ― Funguei, afastando-me dele.
Meu irmão se colocou de pé, puxando meu braço.
― Vamos lá dentro, quero falar com o médico ― disse.
Entramos no hospital de novo.
― Posso falar com o médico da minha irmã? ― perguntou ele à
recepcionista. ― Preciso saber de tudo em relação ao estado dela.
Kamille pegou o telefone e conversou com o doutor, que felizmente
estava disponível para nós.
― Tudo bem, vou mandá-los entrar. ― Desligou e nos levou até a sala
da qual fazia pouco tempo que eu tinha saído. ― Doutor Michigan? Aqui
estão a Sophie e seu irmão.
― Lucky Donovan. ― Apresentou-se ao médico. ― Preciso saber a
situação da minha irmã. Seja o que for que precisar de mim, vou fazer para
salvar a vida dela.
Meu coração balançou ouvindo a veemência em seu tom; sabia que meu
irmão faria tudo por mim. Fui idiota por ter esperado tanto para lhe contar a
verdade.
O doutor sorriu.
― Que bom. Se quiser, nós já podemos fazer o exame de
compatibilidade e alguns testes que comprovem que você é sadio ―
informou o médico.
― Como ela está, doutor? ― perguntou preocupado.
Mesmo eu tendo lhe dito, acho que ele queria uma opinião profissional.
― Como informei à senhorita Winter, a situação dela está se agravando,
por isso precisa urgentemente de um transplante. O seu mal-estar está
piorando a cada dia. Falei para ela procurar o irmão, pois com ele teria mais
chances. ― Sorriu para nós. ― Que bom que está aqui. Agora vamos fazer
os exames?
― Claro, faço qualquer coisa para que ela fique boa. ― Senti seus
dedos apertando a minha mão.
Com ele ao meu lado, eu podia lidar com tudo que viesse. Só faltava
contar ao Daniel.
― Não ia entrar no hospital quando me viu? ― perguntei a Lucky assim
que entramos em uma salinha e passamos a esperar a enfermeira que viria
colher o seu sangue.
Ele negou com a cabeça.
― Estava indo ao prédio ao lado, mas então vi você aqui com aquele
cara e vim ver o que estava havendo. Às vezes, as coisas têm outra
explicação além do que parece à primeira vista. ― Ele me lançou um olhar
triste. ― Lamento pelo que pensei de vocês dois.
― Você estava apoiando um amigo, eu o entendo. Mas o Wellington é
só meu amigo, quase como um irmão. O plano, quando fizemos o pre-med,
era nos formarmos médicos juntos, mas escolhi outro curso, e ele continuou e
se especializou em cardiologia. Apesar de a fisioterapia também ser na área
de saúde, não tem o mesmo status da medicina, mas amo minha profissão. ―
Apertei sua mão que ainda segurava, tão confortável e quente. ― Obrigada
por tudo.
Ele assentiu.
― Se me permite um conselho, não esconda nada do Daniel. Segredos
tendem a ser descobertos de uma forma que machuca demais; sei disso por
experiência própria. ― Deu um aperto suave na minha mão. ― Não vou
dizer nada a ele, sei que você irá fazer isso. Quero que saiba que estou aqui
no caso de precisar. Meu amigo ficará arrasado, assim como estou, mas
estou esperançoso que eu possa ser compatível.
Sabia que ele estaria comigo.
― Daniel tem sorte de ter um amigo leal como você ― comentei e
depois sussurrei: ― Se algo acontecer comigo, quero pedir que não o deixe
se perder. É difícil Daniel amar alguém, mas, quando o faz, é para sempre.
Queria que ele não sofresse, entretanto não poderei evitar isso. Só não o
deixe fazer nenhuma besteira caso eu venha a...
— Eu protegeria você também se soubesse como.
Ele me puxou para seus braços, e chorei.
― Não vai acontecer nada, prometo que vai dar tudo certo. Mesmo se
eu não for compatível, nós vamos dar um jeito, Daniel e eu, assim como os
seus amigos. ― Tinha muita confiança na voz dele. ― Se os sintomas
piorarem mais, não nos deixe de fora, o.k.? Isso não é bom. Além disso,
como poderemos ajudar se não soubermos como se sente?
― Prometo que lhes direi e que não deixarei nem Daniel nem você de
fora. Vou abrir o jogo com ele essa noite, só estava esperando-o chegar de
viagem. ― Senti-me muito acalentada ao estar nos braços do meu irmão,
assim como quando abraçava meus pais.
Meu irmão valia ouro.
Capítulo 13
SOPHIE
Lucky fez os exames, e o resultado sairia no dia seguinte, logo cedo.
Após isso, mesmo tendo recebido a mensagem de Daniel avisando que ia
demorar um pouco mais para chegar, fui para o seu prédio, portando as
chaves de seu apartamento, que ele me deu para caso eu quisesse ir até ali.
Meu irmão não queria me deixar sozinha, mas, como Sam tinha exames de
gravidez para fazer, insisti que partisse, dizendo que ligaria para ele. Eu
precisava conversar com Daniel sozinha. A situação não ia ser nada boa,
afinal, de um jeito ou de outro, ele sofreria por minha causa.
Meu telefone tocou assim que entrei no apartamento dele. Era na
cobertura de um dos prédios mais populares de Manhattan. Ele tinha
praticamente herdado tudo depois que o pai morreu, já que sua mãe estava
doente, como ele me disse uns dias atrás.
Entretanto, nunca me importei com fortuna, portanto me sentia triste e
pequena quando o senhor Michael me jogava na cara que eu nunca seria
mulher suficiente para o Daniel, que ele logo se cansaria de uma garota
simples como eu; ficou provado que ele estava errado, contudo, pois Daniel
fez sacrifícios que nenhum outro homem já tinha feito por mim. Ele me
esperou durante aquele tempo todo, nunca desistiu de nosso amor.
Eu não podia fraquejar! Precisava lutar! Sabia que o tempo estava
passando e que eu logo poderia ter um fim que não desejava. Eu tinha de
orar e continuar em busca de um doador caso meu irmão não fosse
compatível comigo, além de procurar a outra irmã que Mary mencionou.
― Sophie, estou te ligando faz horas. ― A voz de Wellington soou
preocupada. ― Onde você está? Está tudo bem? Soube que seu irmão foi
fazer o exame. Vai dar certo.
Expirei fundo, varrendo os olhos pela sala decorada como uma revista
especializada, mas de um jeito masculino. Tudo estava limpo, nada fora do
lugar. Daniel sempre foi organizado.
A vidraça dava para uma vista magnífica do rio Hudson.
― Estou bem ― menti.
Wellington não acreditou.
― Percebo que não é verdade. Onde está?
― No apartamento do Daniel. Ele me deu uma chave ― sussurrei.
― Sophie, por Deus! O que houve? ― ele quase gritou. ― Sua voz
parece quebrada...
Acho que estou quebrada, pensei. Ver as pessoas que eu amava
sofrerem não era nada bom; minha mãe, meu pai, Lucky e logo o Daniel, isso
sem contar os meus amigos.
― Onde fica o prédio dele? ― questionou meu amigo, e eu lhe disse,
informando também que o apartamento era na cobertura.
Coloquei minha bolsa na mesinha de centro e fui até a cozinha em estilo
italiano; poderia admirá-la se não estivesse com tantos problemas. Sabia que
a qualquer momento iria desmoronar e chorar, mesmo que já tivesse feito
isso em todo o trajeto até o apartamento.
― Estou chegando, já estava perto. Só deixe avisado na recepção que
eu vou subir ― disse, e ouvi o som de um carro acelerando.
― Não precisa correr, pode se machucar, e Zoe te esganará ― pedi.
― Não estou. Agora vou desligar e em dois minutos estarei aí. ―
Encerrou a ligação.
Liguei para a recepção, alertando da chegada do Wellington e que
poderiam deixá-lo subir. Ele sempre esteve do meu lado nas horas boas e
ruins, não seria diferente naquele momento.
Telefonei para o Daniel a fim de avisar que um amigo meu viria ao seu
apartamento, mas ele não atendeu, então lhe mandei uma mensagem, depois
fiz um chá calmante e fui para a varanda admirar o horizonte, pensando que
talvez não pudesse voltar a fazê-lo no futuro. Se eu tinha pouco tempo e
chances, poderia pelo menos aproveitar ao máximo a vida que me restava.
Meu peito se apertou tão forte que me senti sem ar, porque não queria
morrer, ainda mais depois que reencontrei o Daniel. Não tive nenhuma
chance de viver uma vida com ele. Tinha tão pouco tempo. Não era justo.
A campainha tocou, e fui abrir a porta para o Wellington.
― Devia olhar pelo olho mágico antes de abrir a porta, porque poderia
ser um assassino ― repreendeu-me.
― Um assassino em um prédio como esse? ― Sacudi a cabeça. ―
Entra.
Ele me puxou para seus braços um segundo depois, levou-me para o
sofá da sala e ficou ao meu lado.
― Então contou ao seu irmão que é irmã dele. Ele parecia realmente
preocupado com você, pela forma como agiu na frente do hospital.
― Assim que soube o que tenho, ele me levou direto ao médico para
conseguir mais informações e pediu para fazer os exames. O doutor lhe
explicou que, se ele fosse compatível, eu teria que passar por um processo
de quimioterapia.
― Acho que você tem uma grande sorte por ser beneficiada com um
irmão como ele, tão diferente da sua mãe.
― Fui visitá-la. As coisas não saíram como eu gostaria. O que aquela
mulher disse...
― O que a bruaca falou?
Contei-lhe tudo o que aconteceu na minha visita a Mary, suas palavras,
seu ar de desdém. Assim que terminei, vi a fúria em sua expressão.
― O quê? Ela pediu dinheiro para salvá-la? Como uma mãe é capaz
disso? ― Ele parecia falar consigo mesmo, mas respondi ainda assim:
― Não me surpreendeu nada, afinal, ela nos abandonou e ainda roubou
grana do filho. ― Escorei-me no sofá. ― Quando vir a chance de conseguir
dinheiro do Lucky, ela não vai desperdiçá-la, mas, por mim, não terá nada.
― Vai dar certo com o Lucky. Pelo que vi hoje no hospital, ele se
importa com você.
― Sim, eu sei. Cogitou até fazer campanhas em benefício de doações,
se ele não for compatível ― sussurrei, com meu coração aquecido ao me
lembrar do que ele me disse enquanto tinha seu sangue colhido.
Wellington sorriu.
― Vai ser compatível com ele, Sophie. Não tenha medo do resultado
dos exames. Sei que é esse o seu maior medo, como também sei que não
quer que o Lucky sofra por ver você doente.
Assenti. Ele me conhecia muito bem, afinal éramos amigos havia anos.
― Vou fazer o possível para não ficar com medo. Mas também não vou
criar expectativa...
― Ter confiança é muito bom, querida, não perca isso jamais. A fé é
algo maravilhoso, e não devemos perdê-la. ― Alisou meu cabelo. ― Nunca
vou deixar que você desanime, irei estar ao seu lado e segurarei a sua mão.
Se eu pudesse ser doador, doaria, mas não posso, então vamos confiar em
quem pode.
― Mesmo o Lucky se dispondo a isso, ainda não é garantido cem por
cento de compatibilidade, no máximo 30%. E, mesmo se a Mary for
compatível, ela jamais me daria seu sangue e sua medula, pois cobrou
quinhentos milhões para revelar onde estava a minha outra irmã e para fazer
os exames. ― Sacudi a cabeça, com raiva de que pudesse existir alguém
mau àquele nível.
― Quinhentos milhões? ― Wellington assoviou com a quantia pedida.
― Sei que as chances com meu irmão não são muitas, mas podemos
tentar e confiar.
― Mais do que precisamos. Agora se deite aqui, pois estou sentindo
você meio pálida. Está se sentindo bem? Precisa que eu a examine? ―
Sondou meu pulso.
Sacudi a cabeça, negando.
― Estou bem, não se preocupe. ― Tinha passado mal no dia anterior e
sentido um leve mal-estar ao acordar mais cedo, naquela manhã, mas eu não
tinha como fugir disso, pelo menos até fazer o transplante.
― Lamento que esteja passando mal, querida. Eu queria poder fazer
algo para seus sintomas diminuírem, mas, como não posso tirar a sua dor,
vou fazer o que tiver ao meu alcance para ajudá-la da forma que seja.
― Obrigada. ― Ele e a Zoe eram amigos fiéis. Ela estava na Espanha
fazendo um curso na área da Medicina. — E quanto à possibilidade de eu e
Lucky termos uma irmã, se Mary não estiver mentindo? Não sei se posso
confiar nela. ― Deitei-me no sofá e coloquei a cabeça na perna dele. ―
Queria conhecê-la...
― Vou fazer o possível para encontrá-la, só preciso descobrir os
hospitais em que sua mãe se internou. ― Beijou minha testa. ― Durma um
pouco, querida.
― Não posso dormir, Daniel vai chegar logo... Mandei mensagem para
ele avisando que você estava aqui... ― O chá devia estar fazendo efeito.
Meus olhos estavam pesados. Sentia-me esgotada não só fisicamente, mas
mentalmente também. ― Você é o melhor amigo do mundo.
― Não liga, querida, só descanse. Eu vou tomar conta de você ―
jurou. ― Eu te amo.
― Também te amo. ― Assenti, fechando os olhos e torcendo para que
o dia seguinte fosse melhor.
Capítulo 14
DANIEL
Eu ainda custava a acreditar que Sophie era minha novamente e que ela
ainda me amava mesmo depois de todos aqueles anos. Ela não tinha me
esquecido depois de tudo o que vivemos. A solidão que senti ao ter ficado
longe dela, algo que nunca quis, finalmente tinha acabado. Jamais fiz algum
esforço para tirá-la da minha mente e do meu coração, sempre tive esperança
de um dia tê-la novamente comigo.
Entretanto, mais cedo, a sua mãe me ligou dizendo que Sophie tinha
passado mal de novo, sentido tontura e náuseas. Eu não entendia muito do
corpo feminino e suas reações, mas sabia que aqueles sintomas eram de uma
mulher grávida. Porém, como podia ser aquilo, se ela não tinha ficado com
ninguém recentemente? Seu último namoro terminara havia anos, e Sophie
não era dessas que ficam com caras por uma noite só.
Mesmo quando ela disse que estava noiva na festa da Laurel, uma parte
de mim sabia que era mentira, que ela disse aquilo para me magoar, como fiz
com ela no passado. Fosse como fosse, eu faria tudo por minha garota.
Sophie me garantiu que não estava grávida, e eu acreditava nela com
cada fibra do meu ser, mas falei sério quando lhe disse que não me
importaria caso ela estivesse, afinal, isso teria acontecido antes de estarmos
juntos. Apesar de tudo, um peso saiu dos meus ombros assim que ela negou
que aquilo fosse possível. Eu acreditava em Sophie, pois ela jamais mentiria
para mim, o que me levava a crer que minha garota estava doente mesmo,
por isso cancelei todos os compromissos da minha agenda da semana e
passaria meus dias com ela até que se recuperasse 100%. Também não
conseguia me concentrar em nada a não ser em saber se ela estava bem.
Peguei o primeiro voo para Manhattan, com uma saudade imensa da
minha garota, mesmo que a tivesse visto havia poucos dias. Já tinha ficado
tanto tempo longe dela no passado que não conseguia ficar de novo.
Teríamos que trabalhar isso, afinal, às vezes teríamos que viajar a trabalho.
Meu telefone tocou assim que acabei de sair do saguão do aeroporto.
Atendi sem olhar na tela, pensando ser a Sophie.
― Oi, já estou chegando...
A voz alterada do outro lado me interrompeu:
― Senhor Luxem? Aqui é da casa da sua mãe, é Salina, a empregada.
― Aconteceu alguma coisa? ― Caminhei até o estacionamento, onde o
carro se encontrava com o meu motorista, Luigi. Eu gostava de dirigir, mas,
como vim direto, decidi chamá-lo.
― Lamento informar que dona Felicia quase colocou fogo na casa,
então a levei para o hospital para checar se não houve nada sério.
Meu coração bateu forte, temendo que algo tivesse acontecido com a
mamãe. Sabia que ela nunca tinha se importado comigo, mas também não era
ruim como o meu pai. Além do mais, era minha mãe, então eu não podia
abandoná-la só por não ter tido o carinho dela.
Eu vinha adiando a ideia de colocá-la numa casa de repouso. Não
queria fazer isso com ela, mas não podia mais evitar. Portadores de
Alzheimer têm que ter certos cuidados que eu não poderia dar a ela, não se
quisesse continuar com a minha carreira. Eu já tinha desistido da minha vida
e dos meus sonhos por tempo demais. Primeiro, meu pai não aceitava a
mulher que escolhi; quando ele morreu, tive que tomar conta dos negócios
dele, nem que fosse para ajudar o FBI. Eu amava minha mãe e não deixaria
nada lhe faltar onde quer que ela estivesse, mas não podia me dedicar
pessoalmente a cuidar dela. Poderia visitá-la sempre que estivesse em
Manhattan. Por isso tinha ido visitar uma casa de repouso chamada Recanto
do Vovô, perto de onde eu estava construindo minha casa, pois jamais iria
morar novamente na mansão onde cresci; assim poderia vê-la todos os dias
quando estivesse na cidade. O meu apartamento não era um lugar seguro para
ela.
Sophie me mandou mensagem dizendo que tinha ido para meu
apartamento. Eu queria estar com ela, mas minha mãe vinha em primeiro
lugar naquele momento, pois tinha acontecido algo sério.
― Bom dia, senhor Luxem ― cumprimentou Luigi assim que entrei no
carro. ― Como foi de viagem?
― Bem...
Ele me avaliou.
― Algum problema? Parece preocupado ― comentou. ― Aonde o
levo?
― Para a casa da minha mãe. Parece que ela tentou colocar fogo na
casa. ― Suspirei.
Luigi arregalou os olhos com preocupação.
― Ela está bem?
― Parece que sim, mas só vou ter certeza quando vê-la.
Mandei uma mensagem para Sophie dizendo que ia demorar um
pouquinho.
― Se o senhor me permite dizer, acho que deveria colocar a sua mãe
em um local especializado na doença dela ou então contratar alguém que
tenha especialidade nesse assunto. ― Olhou para mim pelo retrovisor
enquanto dirigia. Ele trabalhava para a minha família havia anos, então meu
pai morreu, e, para não despedi-lo, o contratei como meu motorista, porque
sabia o quanto Luigi era um homem correto e íntegro. Mesmo trabalhando
para o meu pai, ele jamais compactuou com as coisas erradas que o velho
fez.
Assenti, porque sabia que ele tinha razão.
― Farei isso. Já vinha pensando em hospedá-la numa casa de repouso.
Dependendo de como ela estiver, quando minha casa estiver pronta, talvez
eu contrate alguém para cuidar dela, apesar de que eu soube pela
supervisora do local que os pacientes geralmente gostam de lá. ― Guardei o
telefone após enviar a mensagem para a Sophie.
Cheguei à casa dos meus pais. Era uma mansão em estilo italiano que
foi construída antes de eu nascer. Mamãe contou que teve a ideia depois de
uma viagem à Itália. Saí do carro às pressas, mas confiava em Salina, que
garantiu que mamãe estava bem.
― Onde ela está? ― perguntei à empregada assim que entrei na sala.
Salina também trabalhava para minha família havia um bom tempo,
mais de uma década. Foi contratada depois que meu pai despediu os
Winters. Eu gostava da senhora. Não éramos próximos como acontecia com
a dona Alísia e o senhor Antônio, mas Salina era uma boa pessoa. Os
funcionários do meu pai que seguiam à risca suas ordens mesmo quando elas
eram erradas ou criminosas foram presos ou despedidos, porque eu não
queria gente assim trabalhando para mim.
― Está na estufa molhando as plantas. Tentei levá-la para dentro, mas
não consegui, ela não queria, e tentei não deixá-la alterada por
recomendação do médico ― disse com tom triste. ― Acho que o senhor
deveria contratar uma enfermeira ou algo assim, porque ontem ela subiu em
uma escada na biblioteca dizendo que precisava limpar os livros. Por sorte,
cheguei na hora.
Eu sabia que ela tinha razão; pessoas como minha mãe precisavam de
cuidados especiais, e eu tomaria providências quanto àquilo antes que algo
mais sério acontecesse.
― Arrume as coisas dela, pois a levarei para um lugar onde ela
receberá os cuidados necessários ― falei com tom triste, embora fosse o
melhor. Se, mais para frente, ela melhorasse, eu a levaria para morar
comigo, quando minha casa estivesse pronta.
― Sim, senhor, farei isso ― informou a senhora, indo para o primeiro
andar da casa.
Fui à procura de mamãe. A estufa estava bem-cuidada, não só por ela,
mas também pelo jardineiro. Jardinagem era algo que minha mãe sempre
amou, mas não se dedicava muito a isso antes da morte do papai. Depois, ela
deixou de ser uma socialite e foi cuidar do jardim e da estufa como um
hobby. Não fazia muito tempo desde que fora diagnosticada com Mal de
Alzheimer, mas eu via o quanto ela havia mudado, especialmente quanto à
perda da memória recente. Eu tinha certeza de que, em parte, sua doença foi
desencadeada pela morte do marido.
Ela estava molhando as plantas enquanto cantava uma canção. Usava
um vestido florido comum e tinha seus cabelos bagunçados. O que meu pai
fez àquela mulher? O maldito foi embora e a deixou quebrada. O pior era
que minha mãe se esquecia de quase tudo, menos dele.
― Mamãe, como está? ― Fui até onde ela estava e a beijei na testa.
Ela sorriu.
― Bem, mas agora estou molhando as plantas, porque não quero que o
Michael reclame ― disse e voltou ao trabalho.
Meu coração se apertou.
― Papai me mandou buscá-la para levá-la a um lugar. Ele me disse que
ia encontrá-la lá. ― Eu não gostava de mentir, mas era a única forma de
levá-la dali sem que ficasse alterada demais. Já tinham acontecido momentos
parecidos com aquele, em que ela se esquecia de tudo, até de onde estava, e
começava a gritar pedindo ajuda, dizendo que a estavam sequestrando. Foi
por isso que a levei a um médico e, através de exames, o seu problema foi
diagnosticado.
Seus olhos brilharam. Mais uma facada em meu peito. Como ela podia
amá-lo assim? Aquele filho da puta não merecia. Não merecia nada.
― Ele vai estar lá? Faz tempo que ele foi viajar e ainda não voltou
para casa ― sussurrou.
Às vezes, ela se lembrava de que ele tinha morrido, mas em outras
acreditava que estava viajando. Eu não a corrigia para que não sofresse
mais.
― Sim, o papai vai estar lá, não se preocupe. ― Suspirei, meu peito se
enchendo de tristeza.
Peguei suas coisas e a levei para o meu carro; eu poderia ficar com ela
no meu apartamento naquela noite, mas lá não era seguro, não tinha proteção
na varanda, fora o fato de que Sophie estava lá, e eu não sabia bem qual
seria à reação de minha mãe a ela. Na última vez que a mamãe a viu comigo,
não a tratou bem. Talvez as coisas sejam diferentes agora, pensei com
esperança.
― Já fez as pazes com o seu pai? Ele não é mau, apenas quer o seu
bem.
― Meu bem? ― Franzi a testa.
― Sim. Ele me contou que aquela menina que você namora só está
interessada no nosso dinheiro. Seu pai sabe das coisas ― ela falou,
remexendo as mãos no colo.
Sophie nunca se importou com quem eu era ou com quanto eu tinha na
minha conta bancária. Meu pai era um filho da puta sem escrúpulos que só
pensava em enriquecer e não dava a mínima para a própria família. Contei
até dez, porque assim não falaria nenhuma besteira, ainda mais para quem
estava doente. Ela pensava que ainda estávamos naquela época. Se soubesse
das coisas que o maldito fez, talvez entendesse, porém havia se esquecido de
tudo.
Após deixar minha mãe na casa de repouso e conversar com a diretora
do lugar, a senhora Silver, fui para o meu apartamento. A minha cabeça
estava cheia, sem saber como lidar com tudo. Talvez um dia eu pudesse
trazer a minha mãe para minha casa, se ela aceitasse Sophie como a minha
mulher.
Assim que abri a porta do meu apartamento, levei um imenso susto ao
focar na visão à minha frente.
― Que porra é essa?! ― esbravejei.
Sophie estava dormindo no sofá com a cabeça na perna de um cara. A
luz da sala estava apagada, mas a do abajur estava acesa, e a cena fazia meu
coração bater forte, não no bom sentido, mas de uma forma que doía pra
caralho.
O rosto do cara virou na minha direção. Ele se levantou, ajeitou a
cabeça de Sophie numa almofada e veio na minha direção com um olhar
duro.
― Espero que não esteja pensando mal dela agora, ou vamos ter um
problema ― falou baixo, mas com um tom tão firme quanto a expressão em
seu rosto. ― Ela lhe mandou mensagem avisando sobre minha presença aqui.
Olhei meu telefone e notei a mensagem, bem como uma ligação perdida
dela. Certamente as recebi quando fui buscar minha mãe para levá-la à casa
de repouso. Eu não sabia o que pensar, minha cabeça estava a mil por hora
com tantas coisas de uma vez acontecendo em minha vida. Todavia, mesmo
que tivesse ficado longe de Sophie todos aqueles anos, sabia que ela jamais
me trairia ou mentiria para mim. De repente pensei nas tonturas que ela vinha
tendo.
Reconheci o cara como sendo o melhor amigo de Sophie desde a
faculdade. Embora nessa época eu já não estivesse com ela, sempre mantive
os olhos em minha menina e no que fazia, ainda que de longe. Foram
momentos difíceis que tive que suportar, vê-la seguindo em frente sem mim.
― Sophie está passando mal? ― perguntei após um momento, indo na
direção dela e passando pelo cara.
― Ela está passando por alguns problemas difíceis de lidar ― rosnou
ele com os punhos cerrados.
Ela estava mesmo doente? Eu só esperava que fosse um simples
resfriado, nada mais sério, embora quisesse que me dissesse, mas, pelo
visto, ela preferia se abrir com o seu amigo. Tentei não me sentir magoado
com isso e acreditar que ela tinha um motivo para fazer aquilo. Eu não podia
reclamar; a tive no passado e a deixei ir embora, então precisava lidar com
as consequências da minha decisão. Não podia culpá-la por se sentir mais
confortável com outras pessoas.
― Não pode me dizer o que ela tem? Sei que anda passando mal desde
que voltamos a conviver, mas achei que fosse algo simples, um resfriado,
uma virose qualquer ― comentei, sentando-me na mesinha de centro, perto
de onde seu rosto lindo estava no sofá.
Ele curvou a cabeça para o lado como se me sondasse, então a sacudiu.
― Não posso dizer. Isso é entre vocês dois. E espero que você fique do
lado dela.
― Desde quando sabe sobre esse problema que anda deixando a minha
garota doente? ― perguntei, mas já sabia que não era algo muito recente.
― Algum tempo...
Sacudi a cabeça, tonto, porque me sentia traído por ela ter aberto o jogo
com o seu amigo, e não comigo. Desde crianças sempre fomos próximos.
Antes mesmo de começarmos a namorar, contávamos tudo um para o outro.
Por que ela não me contou? Talvez estivesse com medo da minha reação,
pensasse que eu não reagiria bem ou algo assim. Tal pensamento me deu um
calafrio na espinha.
― Lembre-se de que estou na vida da Sophie há mais de dez anos,
então não fique pensando que ela confia mais em mim do que em você,
porque não é isso. Além disso, eu sou médico. Só espere até amanhã, porque
acredito que Sophie vai lhe dizer tudo. ― Ele veio até nós e tocou de leve o
rosto dela. ― Têm coisas ruins para acontecer. Só prometa que ficará com
ela não importa o que ocorra.
Não era necessário que ele me dissesse isso, pois, por Sophie, eu faria
tudo, estaria ao lado dela independentemente de qualquer coisa. Contudo, o
que ele disse me preocupou. O quão grave era o que ela estava me
escondendo?
― Não pode me dizer do que se trata? ― inquiri, preocupado. ― Tem
a ver com o fato de ela vir passando mal ou é outra coisa?
― Sim, mas é melhor que ela lhe conte. Não quero fazer as coisas pelas
costas dela. ― Deu um tapinha no meu ombro. ― Só fique ao seu lado.
― Não há nada que Sophie diga que fará com que eu me afaste dela.
Nada. Ela é a razão da minha existência. Já fiquei longe dela tempo demais,
e isso não acontecerá novamente.
Ele sorriu, contente com minha resposta.
Meu peito estava apertado. Eu não parava de pensar em minha conversa
com a Sophie assim que ela acordasse. Só esperava que não fosse nada tão
grave quanto parecia.
― Fico feliz com isso ― confessou, dando um beijo na testa dela e se
afastando. ― Essa garota é como uma irmã para mim, então, se machucá-la
ou a fizer chorar de novo, vou partir você ao meio.
Franzi a testa.
― De novo?
― Falo dos anos que ficou longe dela, pois vi a dor e o sofrimento que
lhe causou... Não quero ver aquilo de novo. Se a deixar outra vez, não
importa se o papa obrigá-lo a se afastar, farei com que pague caro. ― A
ameaça estava em cada palavra.
― Jamais irei abandonar a Sophie. Só fiz isso antes porque precisava.
Mas fiz um juramento a mim mesmo de que nunca mais vou deixá-la e o
manterei custe o que custar. ― Essa era uma promessa que eu sustentaria ao
pé da letra.
― Ótimo.
― Obrigado por protegê-la e ficar ao seu lado enquanto estive longe.
― Estendi a mão para ele, que deu um aperto firme.
― Sempre vou fazer isso, mesmo que você tenha voltado para a vida
dela. Seja o que for que tenha para conversar com Sophie, deixe para
amanhã. Ela está esgotada. Agora preciso ir.
Assenti, levando-o até a porta.
― Valeu, cara. Por tudo ― agradeci.
― Wellington ― apresentou-se. ― É bom conhecer você pessoalmente,
Daniel. Se continuar amando a minha garota, acredito que seremos amigos.
― Também acho.
Assim que ele se foi, voltei-me para Sophie, ainda adormecida. Peguei-
a nos braços, levei-a para o meu quarto e a depositei na cama.
― O que será que você esconde de mim?
Ela se remexeu.
― Daniel... ― sussurrou, sonolenta. ― Tem algo que preciso dizer...
― Shiii ― silenciei-a. ― Amanhã cedo conversaremos, minha
pequena.
Deitei-me ao seu lado e a puxei para os meus braços.
― Durma um pouco, querida. Eu estarei aqui quando acordar ―
prometi.
Ela apertou os braços à minha volta, mas parecia ainda estar dormindo.
― Nunca me deixe ― pediu em um sussurro.
― Jamais ― jurei, beijando sua testa. ― Vou amá-la para sempre,
minha doce Sophie.
Capítulo 15
DANIEL
Mal consegui dormir naquela noite. Não conseguia parar de pensar no
que Sophie tinha a me dizer. Deveria ser algo importante, porque senti a
urgência na voz dela, mas não consegui pensar em nada. Não queria imaginar
que pudesse ser algo letal... Não podia nem cogitar algo assim. Parei de
pensar quando percebi que aquilo não me levaria a nada. Fosse o que fosse,
eu precisava ser forte para ela assim que Sophie acordasse.
Minha cabeça não estava muito boa por tudo que aconteceu no dia
anterior, não só com Sophie, mas também com mamãe. A revelação de
Sophie estava me deixando inquieto. Para piorar, mesmo com ela dormindo,
eu a ouvia chorar, provavelmente em seus sonhos.
Levantei-me sem acordá-la e fui para a cozinha preparar o café da
manhã para ela; queria fazer-lhe uma surpresa como antigamente.
Estava a ponto de ligar para Lucky e perguntar se ele sabia de algo, mas
meu telefone tocou assim que entrei na cozinha.
― Como vai o meu piloto favorito? ― perguntou Richard. ― Temos
uma corrida para você amanhã. Frey Dex se machucou e vai ficar de fora,
então conversei com o seu agente, e ele concordou, se assim você quiser. ―
Ele parecia ansioso.
Frey era um dos melhores pilotos dele, e eu soube pelo jornal que tinha
se acidentado, mas, graças aos Céus, estava bem, embora precisasse ficar
sem correr por um tempo. Já Cássio Ortis era meu agente, ótimo, por sinal.
Com ele, fechei vários contratos. O único com que ele não concordou foi
com a agência do Richard, porque perdi muito, mas lhe expliquei meus
motivos para querer estar na Speed. No final, ele concordou e torceu por
mim.
Até estava pensando em aceitar cobrir o Frey, mas, depois do que
aconteceu no dia anterior e o jeito que estava minha mente naquele momento,
quando eu só sabia pensar na minha conversa com a Sophie, não conseguia
raciocinar. Eu não podia planejar mais nada por enquanto, já que não sabia o
que ela tinha para me contar.
― Vou dar a minha resposta mais tarde. Primeiro vou ter uma conversa
com a Sophie e não sei como tudo vai se desenrolar. ― Suspirei enquanto
fazia torradas, a chamada no viva voz.
Minhas palavras deixaram Richard em silêncio por um momento. Eu
não sabia se ele estava por dentro do que acontecia com a Sophie, mas os
dois eram muito amigos.
― Sophie? Ela decidiu contar a verdade a você? Isso me deixa mais
aliviado. Aquela garota é uma alma muito boa e vai vencer tudo o que está
acontecendo ― disse em tom triste.
Franzi a testa.
― Sabe do que se trata? ― Estava começando a ficar com raiva por
todos saberem, menos eu.
― Não se preocupe, pois nossa menina vai passar por isso e nós
estaremos aqui do seu lado ― falou meio depressa. ― Acho que vou
colocar o Victor na corrida; você não vai ter cabeça para isso por um bom
tempo. Agora preciso ir.
Estava a ponto de perguntar o que ele queria dizer, mas Richard
encerrou a ligação.
― Maldição! Que porra está acontecendo aqui?!
Ia começar a ajeitar o café da manhã em uma bandeja para levá-lo para
Sophie, mas ela entrou na cozinha. Estava com minha camisa, que batia em
suas coxas. Seus cabelos estavam bagunçados e seu rosto, sonolento, mesmo
assim era a mulher mais linda do mundo. Como alguém podia amar com a
intensidade que eu a amava?
― Cheiro maravilhoso. ― Ela inspirou o aroma do café que tinha
acabado de ser coado. Ficou na entrada da cozinha de pé, parecendo
nervosa; percebi isso devido às suas mãos, que grudavam nas laterais da
camisa que usava.
― Eu ia levar o café na cama para você, mas, já que está aqui, sente-se,
que a sirvo. ― Também estava nervoso devido ao que ela ia me revelar.
Sophie assentiu e veio até mim, tocando meu coração como se ouvisse
o martelar dele ou sentisse quanto eu estava ansioso. Acredito que fez isso
para me tranquilizar.
― Obrigada, Daniel. ― Sentou-se à mesa com um sorriso lindo e doce.
― Por nada, linda. ― Servi-a de bolo, ovos e torradas, chá e café,
assim ela decidiria o que desejava comer.
― Está muito bom ― confessou, comendo a torrada aos pedacinhos,
como costumava fazer antes. ― Como eu me lembrava, mas acho que ainda
melhor.
Também tomei café da manhã. Mesmo me sentindo tão ansioso, eu
precisava ser forte, embora o medo que eu sentisse fosse um pouco maior.
Acreditava que Sophie estivesse doente, a cor pálida de sua pele
demonstrava isso. Contudo, o que ela tinha? Esperava que não fosse nada
mortal. A vida não seria tão injusta comigo, seria? Não podia pensar no
pior; tinha que ser outra coisa, não algo que a levasse de mim para sempre.
― Daniel. ― Ela colocou as mãos sobre a mesa e as olhou por um
segundo, depois a mim. ― Precisamos conversar. Sei que devia ter dito
antes, mas...
Assenti.
― Sei que precisa me contar algo, mas, antes, quero que saiba que, seja
o que for, eu vou estar ao seu lado, e vamos passar por qualquer que seja o
problema que Wellington me disse que você tem. Vamos passar por isso
juntos. ― Eu só queria deixar aquilo claro para ela antes que me dissesse a
verdade.
Sophie piscou.
― Ele te disse mais alguma coisa? ― Tinha algo na voz dela que não
entendi. Eu devia estar imaginando coisas, ela não tinha motivos para se
preocupar com o que seu amigo havia me contado, tinha?
― Não me disse nada. Só comentou que você estava com um problema
sério e que precisaria da minha compreensão e ajuda. ― Coloquei minhas
mãos na mesa também. ― Seja o que for, eu estarei aqui.
Sophie me deu um sorriso triste, mas, ainda assim, lindo como eu
amava.
― Essa é uma qualidade que sempre amei em você e continuo a amar.
― Respirou fundo, como se doesse fazer aquilo ou apenas estivesse tensa
como eu.
― Então o que é? Sei que tem algo acontecendo e a cada momento fico
mais nervoso, sem saber o que pensar.
― O que vou dizer vai machucá-lo, e lamento muito por isso, pois, se
pudesse evitar, eu o faria. Mas não posso e não vou mentir para você. ― A
dor estava em cada linha do seu rosto.
― Só preciso saber a verdade não importa o quanto doa. ― Expirei. ―
Tenho notado que anda pálida e vem passando mal ultimamente. Então o que
tem? Está doente ou é outra coisa?
Sua respiração estava desigual enquanto me encarava com dor nos
olhos.
― Sim, estou doente. Não queria que você sofresse, por isso fiquei
relutante em dar uma chance para nós dois, pois não queria que passasse
pelo que vai passar estando ao meu lado. Porque, no final, não poderei
protegê-lo disso. ― Sua voz era só um sussurro.
A dor que ela estava sentindo me matava não só por vê-la sofrer, mas
por medo também; algo me dizia que a notícia não seria boa. Estava mais
para uma bomba.
― O que você tem? ― Não sabia se gostaria de saber a resposta, mas
precisava. Não podia ficar no escuro, imaginando o pior.
― Descobri há alguns meses que tenho anemia aplástica e preciso de
um transplante de medula óssea urgente.
O solavanco que meu peito deu foi tão forte que juro que poderia ser
ouvido a quilômetros dali. Se eu não estivesse sentado, aposto que teria
caído no chão com as pernas bambas. Custei a acreditar no que meus
ouvidos ouviram, e meu corpo estremeceu como se tivesse recebido uma
descarga elétrica que me deixou sem fôlego. Precisei respirar fundo, mas
doeu como se eu tivesse brasa viva em meus pulmões.
Não, não pode ser, ela não pode estar doente a ponto de precisar de
um transplante! Não quando nem tive a chance de ter uma vida ao seu
lado! Acabei de recuperá-la, droga! A vida não pode ser tão injusta assim,
não é?
Eu já tinha ouvido falar daquela doença, mas não sabia muito sobre ela,
só o bastante para saber que Sophie precisaria ter alguém compatível, e a
chance seria maior se houvesse parentes de sangue, o que piorava tudo,
porque ela era adotada.
Porra!
Levantei-me meio trôpego e saí da cozinha, pois precisava de ar para
recuperar o fôlego. Tudo em mim doía como uma maldita navalha me
cortando.
― Daniel, por favor, não me deixe... ― Ouvi a dor na voz dela atrás de
mim.
Virei-me e a vi ali, de pé com as mãos caídas nas laterais do corpo,
parecendo tão pequena, os olhos castanhos molhados e machucados com a
minha reação.
― Por Deus, Sophie! ― Corri até ela e a puxei para os meus braços.
― Acha mesmo que a deixaria após ouvir tudo isso? Não sou egoísta!
Seus braços à minha volta me apertaram firme.
― Você saiu...
― Não saí, eu só ia à varanda para tentar recuperar o fôlego um minuto.
― Tentei não deixar que visse o que aquela informação me causou; não
queria preocupá-la mais do que ela já estava.
― Desculpe, Daniel... Lamento por tudo isso.
Caí de joelhos à sua frente com a cabeça em seu estômago, não
querendo perdê-la nunca. Sabia que devia ser forte para ela, mas não
consegui frear as lágrimas. O desespero estava apertando meu peito a ponto
de me fazer querer gritar.
― Tive medo de contar, não escondi por mal...
Uma bomba tinha sido jogada em cima de mim. Eu imaginava que ela
tinha uma doença difícil, mas com mais possibilidade de cura, mas aquilo?
Havia uma possibilidade de ela conseguir um doador, mas corria contra o
tempo. Por que aquilo estava acontecendo comigo? Mamãe estava doente, e
agora Sophie.
― Vai ficar tudo bem, querido. Vamos passar por isso juntos, não é?
Era para eu consolá-la, e ali estava eu sendo consolado por ela.
Precisava tirar forças do mais profundo do meu ser e ter fé em que
conseguiríamos passar por aquela batalha juntos. Superaríamos e
venceríamos no final.
Olhei para cima e notei seu rosto molhado, mas também havia
esperança. Então eu também teria, mesmo que meu coração estivesse tão
pequeno por temer o pior.
― Parte meu coração não poder tirar esse medo de seus olhos. ― Ela
alisou meu rosto molhado.
Coloquei-me de pé e toquei sua face.
― Vou fazer tudo que puder para conseguir um doador compatível. ―
Essa era uma promessa que fiz a mim mesmo e a ela. Esperava conseguir
realizá-la. ― Vou conseguir o melhor médico.
Seu sorriso era doce, tão lindo... Mesmo com ela passando por aquilo,
ele não se perdeu. Eu também queria ter a mesma fé e esperança dela.
― Isso não tem a ver com o melhor médico e especialista, mas em
conseguir um doador compatível. ― Pegou minha mão e me puxou para o
sofá, sentando-se ao meu lado.
― Vou fazer o impossível para conseguir. Não posso perder você,
Sophie. ― Beijei sua testa. ― Como funciona essa anemia? Pode me dizer?
Já ouvi falar dela, mas não muito.
Ela me contou sobre a doença, seus sintomas e o modo como avançava,
as chances de compatibilidade que tinha, tratamentos que fazia. Também
disse que tinha pouco tempo para conseguir um doador, porque, no caso
dela, estava avançando muito rápido.
― Pouco tempo? ― sussurrei. Não podia ser, porque os dias em
situações como aquelas passavam voando.
Eu não sabia bem o que fazer, mas de uma coisa tinha certeza: faria de
tudo para não perder aquela mulher, não só porque não saberia viver sem
ela, mas também porque Sophie era muito jovem e linda, tinha um futuro
inteiro pela frente.
― Vamos conseguir, Daniel. ― Ela apertou minha mão. ― Acredito
que Lucky seja compatível. Eu o terei ao meu lado, assim como você, que
era o meu porto seguro. Não sei como sobrevivi todos esses anos sem você.
Puxei-a para o meu colo.
― Foi um completo tormento viver na solidão sem você... Não vou
passar por isso de novo. ― Inspirei fundo para controlar a dor e tudo que
estava sentindo. Não deixei transparecer mais minha preocupação a ela, não
mais do que o necessário. ― Pelo que me disse, tem uma chance a mais com
parentes de sangue, não é? Especialmente irmãos. Então as chances são
maiores de o Lucky ser compatível. Conheço meu amigo; se ele souber
disso, com certeza ajudará.
Ela respirou fundo, parecendo encolhida. Não entendi sua reação.
― O que foi, Sophie? Você já disse ao Lucky o que tem? Se ele não for
compatível, podemos ir atrás da sua mãe.
Dona Alísia amou mais a Sophie do que a própria mãe dela; certamente
estava sofrendo com tudo o que estava acontecendo com minha garota.
― Ela me abandonou, Daniel... em uma maldita lixeira. ― Respirou
fundo e saiu do meu colo, ficando de pé. ― Mas isso não é o pior...
― Tem coisa pior do que isso?! ― indaguei num surto de raiva.
Sempre reagia assim em relação àquela mulher. Nem a conhecia e já a
odiava, primeiro pelo que fez com o meu amigo, e agora, por saber o que fez
a Sophie.
― Conheci a minha mãe. O Wellington conseguiu localizá-la. Sabe, no
começo, até quis ir até ela sem ser pelo motivo de eu estar doente; queria
entender os motivos que a levaram a me deixar, mas então senti a frieza
dessa pessoa. A forma como ela reagiu à minha presença... ― Sacudiu a
cabeça. ― Ela nunca vai me ajudar. Não falo sobre fazer os exames, porque
acredito que Lucky será compatível, mas sim porque eu queria saber sobre a
minha irmã.
Pisquei aturdido.
― Ela a maltratou em sua visita? ― Senti vontade de acabar com
aquela mulher.
Sophie riu com amargura.
― Ela não vai me ajudar sem ter alguma coisa em troca. ― O dissabor
era evidente na sua voz.
― O que você quer dizer? Ela sabe sobre a sua situação e pediu algo?
Assentiu.
― Minha mãe foi até ela para pedir ajuda, mas ela se negou. E, quando
fui visitá-la, me disse a mesma coisa. O pior é que ela disse que só me
ajudaria a encontrar a irmã que eu e Lucky temos se eu pagasse uma quantia
exorbitante. ― Ela estremeceu.
Arregalei os olhos com descrença. É claro que, pelo que eu sabia de
Mary, não seria nada diferente; a mulher era gananciosa demais, só pensava
em dinheiro.
― Pago qualquer preço se, no final, ela ajudar você, além de também
lhe dizer sobre sua irmã.
― Eu não devia ficar surpresa com tal atitude de uma mulher que teve
coragem de abandonar a própria filha como se ela fosse lixo. ― Trincou os
dentes. ― No fundo, queria que ela ao menos tivesse se arrependido do que
fez.
― Lamento por isso, querida. Saiba que jamais vou sair do seu lado ―
jurei.
― Eu sei, mas não quero que você dê o que aquela mulher quer ―
pediu suplicante.
Sacudi a cabeça.
― Não posso prometer isso, não quando há chances de você ser
curada. Se Lucky não for doador compatível, eu irei até ela.
Entendia os seus motivos para não querer nada daquela mulher, mas não
havia tempo para pensar assim. Se sua mãe quisesse dinheiro, então eu lhe
daria. O que me importava era a minha Sophie curada e feliz.
― Ela pode não ser compatível e ter mentido sobre ter mais filhos.
Mary disse que tenho mais um irmão, e Lucky me disse que é uma mulher,
mas não sei se confio nela quanto a uma informação tão importante, não
quando está pedindo milhões em troca. ― O asco era evidente na sua voz.
― Também tem outra condição. Ela quer sair da cadeia. ― Apertou as mãos
uma na outra, parecendo furiosa ou com frio.
Peguei suas mãos e as esfreguei enquanto falava com ela:
― Vou dar um jeito nisso.
― Wellington está tentando descobrir alguma coisa. Ele é bom nisso.
― Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, sinal de que estava
nervosa. Sophie sempre fazia isso, um gesto que não se perdeu com o tempo.
― Se Lucky sabe da sua irmã, então com certeza Bryan a está
procurando agora e arrumando uma forma de ajudar você. ― Naquele
momento, fiquei feliz que ela tivesse encontrado o meu amigo, seu irmão. O
aperto em meu peito ainda estava ali, mas minha esperança floresceu ao
pensar em Lucky e tudo o que estava ao alcance dele.
― Eu ia contar a você antes de dizer a ele, mas Lucky me viu na saída
do hospital e tive que falar. Só queria protegê-los, mas não pude... ― Passou
a mão nos cabelos. ― Preciso tomar meus remédios. ― Ficou de pé. ― Já
volto, depois continuamos a conversa. ― Beijou meu rosto. ― Obrigada por
tudo. Sabe que amo você e sempre irei amei.
― Também amo você ― declarei.
Após ela sair, suspirei, sacudindo a cabeça para clarear meus sentidos,
então peguei meu telefone e liguei para o Lucky.
― Podemos conversar, Lucky? Pode vir à minha casa? ― Era melhor
ele vir até nós; eu não queria que Sophie saísse.
― Daniel? Aconteceu alguma coisa? ― Sua voz estava estranha, e não
consegui perceber por quê.
― Sabe sobre a doença de Sophie? Não posso perdê-la...
Ele deu um suspiro.
― Não vamos perdê-la. Os resultados dos meus exames saem ainda
hoje, então saberemos. Estou motivado e confiante que dará certo.
― Pode vir aqui? Preciso falar com você.
― Estou a caminho.
Sophie ficaria bem. Aquela era uma promessa que eu cumpriria.
Moveria céu e Terra para que acontecesse.
Capítulo 16
LUCKY
― Você não pode ceder às chantagens da sua mãe ― disse Sam. ― Sei
que deseja saber onde a sua irmã está, mas deixar uma mulher como ela solta
depois de tudo o que fez?
Bryan estava tentando localizar a minha outra irmã. Essa espera estava
acabando comigo. Não saber onde e como ela se encontrava estava me
fazendo perder o sono.
Fazia quatro dias que eu descobri que Sophie era minha irmã, e nunca
estive mais feliz, embora ainda faltasse a sua irmã gêmea. Porém, ficou mais
fácil para o Bryan procurar usando a imagem de Sophie nos bancos de dados
da polícia, já que as duas eram gêmeas idênticas. Isso facilitaria as coisas.
― Eu sei, Sam, mas estou enlouquecendo sem saber onde ela está. E se
ela tiver a mesma doença que Sophie, ou pior, se já teve e... ― Minha voz
falhou. Não podia pensar na possibilidade de que ela estivesse morta.
Rosa Vermelha veio até mim e pegou minha mão, dando-lhe um aperto
delicado.
― Ela está bem, meu amor, não aconteceu nada, o.k.? Não fique
pensando nisso ― pediu. ― Bryan vai conseguir localizá-la.
― Fiquei animado e esperançoso, então conheci Sophie e agora sei que
ela está doente. Se eu a perder também... ― murmurei, bebendo um pouco de
vodca. Precisava de algo forte para não pensar demais.
Depois que soube que tinha irmãs, não conseguia me concentrar direito
no trabalho, em nada. Ao descobrir o que Sophie tinha, as coisas ficaram
piores. O medo de perdê-la estava me deixando inquieto, por isso pedi que
um amigo meu me ajudasse com a situação de Sophie. Ele era um médico
especialista na doença que ela tinha. Eu sabia que minha irmã já tinha um
médico, mas confiava naquele e em que tudo daria certo. Precisava ter
esperança.
― Lamento pela Sophie, querido, mas vai dar tudo certo. Você será
compatível e poderá salvar a sua irmã, e meu irmão encontrará a outra. Se
não conseguirmos nada até o final de semana, aí vamos até sua mãe ― falou
Sam. ― Se fosse só pelo dinheiro, nós poderíamos até lhe dar o que ela
quer, mas aquela mulher quer ser solta, e isso é injusto, porque fez muitas
coisas erradas para você e suas irmãs. Ela merecer continuar presa e ter a
chave jogada fora!
Ri da fúria de Samantha. Eram raras as vezes em que minha linda
esposa reagia assim em relação às pessoas. No entanto, Mary merecia aquilo
e muito mais.
― Você fica tão linda quando está com raiva. ― Sorri, puxando-a para
meus braços e beijando seus lábios. ― Se não fosse você e nossos filhos, eu
não sei o que seria de mim.
― Eu não seria feliz sem você, disso tenho certeza. Você, Lana e Shaw
são a razão para que eu me sinta realizada e lute todos os dias. ― Colocou a
mão na barriga. ― Além desse bebê que vai nascer.
Sam estava grávida de três meses. Não sabíamos o gênero ainda, mas,
independentemente do sexo, eu amaria aquela criança.
Aquela mulher e tudo o que ela me deu eram a única razão para eu me
manter são, pois, se não fosse isso, não sei o que eu teria feito ao descobrir
tudo que Mary fez além de me abandonar para morrer; com certeza, alguma
besteira.
― Você é a luz da minha vida. — Apertei mais meus braços ao seu
redor.
― Te amo, Lucky. ― Beijou-me com fervor e paixão, e retribuí
igualmente, prestes a tirar suas roupas.
― Estou interrompendo? ― Ouvi um grunhido. ― Não acho que gosto
da forma que está agarrando a minha irmã.
Bryan entrou na sala e veio em nossa direção com os olhos estreitos.
― Acho que vou demitir a minha secretária, já que não está fazendo o
trabalho dela direito. ― Afastei-me de Sam e olhei para o meu cunhado. ―
Não devia bater antes de entrar?
Samantha ajeitava as roupas e retocava o batom, que estava um pouco
borrado. Ela limpou a minha boca também, ignorando o irmão.
― Bati umas dez vezes, até achei que você não estava aqui, mesmo a
secretária dizendo que estava. Acho que estava ocupado demais para ouvir
alguma coisa. ― Ele foi até sua irmã e a beijou na testa. ― Não gosto de
presenciar uma cena dessas, pois me dá vontade de matá-lo.
― Não comece a criticar, pois ele é meu marido. ― Ela fez uma careta
linda. ― Devia guardar energia e implicância para quando Ariane crescer e
quiser namorar.
Se, com sua irmã, ele era protetor assim, imagina quando as suas filhas
crescessem? Eu tinha até pena delas, embora imaginasse que eu seria
igualmente protetor com a Lana.
― Se alguém chegar perto dela, eu mato ― rosnou, afastando-se de
Sam.
Ela bufou.
― Vai sonhando. Continue com isso por alguns anos, até conhecer seu
genro. Aposto que Ariane vai amar que você atire no namorado dela ―
provocou.
Bryan fechou a cara e estava a ponto de discutir, mas pensou melhor.
Entregou-me um envelope grande.
― O que é isso? ― sondei, checando o material por fora. ― É o que eu
acho que é?
Ele assentiu.
― Sim, são as informações que consegui sobre as suas irmãs e seu pai,
mas...
Ele foi cortado por uma batida na porta, então Leidy, a secretária,
entrou.
― Desculpe interromper, senhor Donovan, mas tem uma senhora aqui
que deseja falar com o senhor. ― Ela parecia nervosa, provavelmente por
ter deixado Bryan entrar sem me avisar.
Eu sabia que às vezes era rígido demais, mas estava tentando mudar um
pouco as coisas; percebia que estava diferente do homem grosseiro e
arrogante que era antes de conhecer Sam. Ela me ensinou a ser alguém
melhor, mais gentil e educado.
― Uma mulher? ― Não estava esperando ninguém. ― Pode mandar
esperar...
Naquele momento, eu só desejava ver o que havia no material que
Bryan conseguiu. Esperava que minha irmã estivesse bem fosse lá onde
estivesse no momento.
― Sim, senhor... ― Ela se virou para sair, mas então uma senhora de
cabelos levemente grisalhos invadiu o escritório. Logo a reconheci.
― Dona Alísia? ― Estava confuso, sem entender o que ela estava
fazendo ali.
Dona Alísia era a mãe adotiva de Sophie e era como uma mãe para o
Daniel, que a amava como se fosse. Eu não a conhecia pessoalmente, só por
fotos que ele me mostrou, em seu apartamento. Ela estava parada perto da
porta, olhando-me, então acenei para que a Leidy saísse e nos deixasse a
sós, junto a Sam e Bryan. Eu não mantinha segredos deles.
― Desculpe entrar dessa forma, mas não sei mais a quem recorrer. ―
Ela expirou, parecendo sofrida. ― Posso falar um minuto com você?
Acreditei que era sobre o problema que Sophie tinha. Quando ela me
contou no dia anterior, senti-me mal e inútil antes de saber que podia ser seu
doador, porque pensei que não pudesse fazer nada, diferente de quando
salvei um amigo meu, o Logan, ao doar um pedaço de meu fígado a ele. O
garoto sobreviveu e se tornou forte e estava feliz com sua família adotiva.
Na época, depois que seu pai o espancou a ponto de acabar com seu
órgão, fiquei com o Logan e o ajudei a se curar. Sabia que podia tê-lo
adotado, mas minha mente estava tão fodida que eu pensava que não seria um
bom pai para educar uma criança, então consegui uma casa para ele, e agora
o garoto morava em Seattle e estava feliz com sua nova família. Samantha
mudou minha forma de pensar ao trazer Shaw para as nossas vidas. Com ele,
descobri que eu podia, sim, ser pai e amar uma criança, que não me
assemelhava em nada à minha mãe, que teve coragem de abandonar o
próprio filho.
Assim que eu soube da Sophie, percebi que precisava ajudá-la de
alguma forma, pois não podia perder a minha irmã, não quando ela tinha
acabado de chegar à minha vida. Além disso, se ela se fosse, meu amigo
sofreria demais. Daniel era um cara fechado, embora fosse um amigo leal e
fiel aos seus. Ele tinha muita dificuldade em deixar alguém entrar em sua
vida, mas, quando se abria, era para sempre. Amava a Sophie desde que
eram adolescentes e nunca a esqueceu, então eu sabia que meu amigo seria
destruído caso perdesse aquela mulher. Por tudo isso eu não podia deixar
que minha irmã perecesse. Promoveria campanhas para conseguir a ajuda de
quantos fossem possíveis no caso de a minha medula não ser compatível com
a dela. Sophie precisava viver e ser feliz com o meu amigo. Fosse o que
fosse que dona Alísia precisasse, eu iria ajudá-la.
Olhei para a mulher sofrida à minha frente, seus olhos vermelhos e
úmidos pelas lágrimas. Notei que tinha algo de errado... Isso queria dizer
que Sophie...
― Aconteceu algo com a Sophie? ― indaguei com preocupação.
Sam me olhou por um segundo e depois para a dona Alísia.
― A senhora é alguma coisa de Sophie? Ela está bem? ― indagou
Rosa Vermelha com preocupação.
― Sou mãe dela. E... ― Dona Alísia veio para perto de mim. ―
Sophie está bem na medida do possível, mas o que tenho a dizer não vai ser
fácil. Preciso da sua ajuda, Lucky.
― Minha?
― Sim. Eu prometi a Sophie que deixaria que ela falasse com você,
mas acho que, devido ao medo da minha filha, ela está hesitando demais.
Está com medo de você, do que poderá pensar. ― Encarou-me com dor nos
olhos.
Franzi a testa.
― Medo de mim? Mas eu falei que estou ao lado dela para o que der e
vier e que, mesmo se os resultados dos exames não forem o que esperamos,
vou fazer de tudo para conseguir salvá-la.
Foi a vez de dona Alísia franzir o cenho.
― Ela te contou tudo?
― Que ela é minha irmã e que tem anemia aplástica? Sim. Ontem eu a
vi saindo do hospital chorando, então perguntei o motivo, e ela disse.
Ela suspirou de alívio.
― Que bom que ela revelou a verdade. Vim aqui como uma mãe
desesperada. ― Começou a chorar. ― Não posso deixar que minha filha
morra... Não posso perdê-la!
Peguei suas mãos e a levei para o sofá.
― Creio que dará tudo certo, senhora ― tentei tranquilizá-la.
Olhei para a Rosa Vermelha à procura de ajuda, porque não sabia o que
fazer. Ela pegou um copo d’água e veio até onde dona Alísia estava.
― Tome um pouco de água para se acalmar um pouco ― pediu
gentilmente.
Dona Alísia assentiu, tomando um gole da água e respirando
longamente como se tentasse se tranquilizar.
― Obrigada. Antônio e eu nunca pudemos ter filhos. Eu quis tanto que,
ao longo dos anos, quando éramos mais jovens, nós tentamos, mas
fracassamos. Então acabei desistindo. Em uma noite, vínhamos da mansão
dos Luxens, e, quando chegamos em casa, ouvi um choro de bebê não muito
longe. Quando fomos à lixeira ali perto, havia uma menina linda e suja
chorando. Ela estava no meio daquele lixo todo. Procuramos a mãe pelo
bairro e não avistamos ninguém. ― Seus olhos perderam o foco enquanto
sua mente vagava para longe.
Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer, tentando segurar a raiva que
eu sentia da Mary, porque isso era tudo culpa dela. Nossas vidas não foram
diferentes, no fim. Eu fui deixado em uma casa sozinho para morrer de fome,
e Sophie, em uma lixeira; o destino de nossa outra irmã não deveria ter sido
diferente. Eu temia só em pensar.
― Na época, não acreditei que alguma mãe tinha sido capaz disso, mas
o fato se provou certo. Sua mãe a deixou como se ela não fosse nada.
Antônio e eu decidimos adotar a Sophie e a amamos como se fosse nossa. ―
Ela olhou para mim. ― Queria ter o sangue dela para poder salvá-la, mas
não posso. As chances são maiores com um parente biológico, então só resta
você.
― Não há somente eu como irmão. Nós temos mais uma irmã. ― Olhei
para o Bryan à procura de uma resposta. ― Conosco, as chances são
maiores.
― Foi difícil descobrir a verdade, tive que procurar no fundo do baú.
Por sorte, nos arredores de onde a Mary deixou Sophie, tinha uma câmera.
― Ele olhou para mim. ― Os antigos donos do imóvel perto da lixeira
tinham colocado uma câmera externa de segurança e são daqueles que não
jogam nada fora, então vi as imagens e observei Mary deixando a bebê ali.
Depois achei imagens do hospital, enquanto ela saía com duas crianças no
colo. Não ficava longe de onde Sophie foi deixada.
― E a outra? ― apontei.
― Ela primeiro deixou a Sophie perto da casa que os Luxens cediam
aos empregados. ― Ele se virou para a mãe de Sophie. ― Onde vocês
moravam.
― A outra irmã de vocês é gêmea da minha garota? ― Dona Alísia
piscou. ― Quando penso em tudo o que essa mãe de vocês fez... Só queria
que ela nunca mais saísse da cadeia.
― Sophie foi visitar a genitora dela no intuito de receber ajuda, mas foi
tratada com desprezo. Mary pediu grana tanto para fazer os exames quanto
para revelar quem é a outra irmã, além de exigir sair da cadeia. ― Bryan
cerrou os punhos. ― Aquela mulher não merece ficar livre, não depois do
que fez a você, Lucky, como também a Sophie e à outra irmã de vocês.
― Se você achou Sophie em uma lixeira, onde a puta da Mary deixou a
outra? ― Virei-me para dona Alísia. ― Ela deixou só uma bebê lá ou tinha
outra e vocês ficaram apenas com a Sophie?
Então me lembrei que Mary falou que tinha separado as duas e as
colocado em lugares diferentes.
― Só tinha a Sophie lá, não vi mais ninguém ― respondeu dona Alísia.
Bryan pigarreou.
― Ela foi deixada longe, em outra cidade, na frente da sede de um MC
cujos integrantes até já foram presos. A garota tinha uma vida de cão... ―
Ele estremeceu. ― Ficou lá até os seus 16 anos, como prostituta do lugar,
sendo obrigada a fazer coisas impuras e horríveis, apesar de não ser culpa
dela, e sim daqueles malditos bastardos fodidos, então fugiu de Louisville e
veio para cá, onde conheceu o marido dela. Não teve sorte com ele, pois
apanhava demais. Sei disso pelos relatos dos vizinhos.
― Oh, Deus! ― sussurrei, sentindo ânsia de vômito ao imaginar os
dissabores que minha outra irmã tinha passado. ― Preciso saber onde ela
está e ajudá-la de alguma forma. Qual é o nome dela e onde mora?
Bryan hesitou.
― O que foi? ― insisti.
― Esse marido a tratava mal, mas ela nunca o denunciou. Os vizinhos
disseram que Laila queria um lar e não queria deixar o filho dela sem pai,
mas o cafajeste um dia bebeu e bateu tanto nela que... a matou na frente do
filho.
Meu corpo tremeu como se tivesse sido atingido por um raio. Aquela
notícia era como uma bomba jogada na minha cara.
― Ela morreu? ― Minha voz parecia sem vida. Meu peito estava
apertado como se a pulsação estivesse falhando. Sonhava em encontrar
minhas duas irmãs, e no final só tive a sorte de ter uma delas.
― Sim. Essa mulher é a mãe de Shaw ― falou, avaliando sua irmã.
Fiquei de pé subitamente.
― Meu filho? ― questionei. Lembrei-me da vez que Shaw contou o
que o pai fez com a sua mãe, as atrocidades que presenciou e o tanto que ela
sofreu. Quando eu poderia imaginar que ele estivesse falando da minha
irmã?
O pai do garoto tentou abusar da minha esposa. Eu deveria tê-lo matado
naquele dia. Se tivesse feito isso, aquele desgraçado estaria no inferno,
apesar de eu saber que, na prisão onde Raul estava, ele já tinha ido parar até
na enfermaria por causa de surras e coisas piores. Então, de certa forma, ele
vivia o inferno na Terra.
De qualquer modo, o que eu fizesse com ele não traria a minha irmã de
volta. A culpada de tudo era a Mary, e eu jurava por Deus que aquela bruxa
pagaria.
Bryan abraçava a irmã, que estava chorando.
― Lamento por isso.
Sam conteve as lágrimas.
― Lucky, Shaw sempre teve o seu sangue ― sussurrou em choque.
Meus olhos estavam estatelados. Por um lado, eu estava feliz por saber
que o garoto que amava como filho era também meu sobrinho, o filho da
minha irmã. Por outro, estava triste, porque nunca conheceria a Laila,
destruído por ela ter sido assassinada. Se eu soubesse dela e do Shaw antes
de tudo, os teria protegido do que aconteceu.
― Vou matar aquela puta desgraçada. ― Cerrei os dentes e olhei para
dona Alísia. ― Desculpe por dizer essa palavra na sua frente.
― Tudo bem. Que Deus me perdoe, porque já pensei o mesmo dela. ―
Ela veio até onde eu estava e me abraçou. ― Obrigada por tudo, e lamento
pela sua irmã.
Eu não me lembrava da última vez que fui abraçado dessa forma sem
ser pela Sam, pelo Shaw ou pela minha mãe adotiva, Laura Donovan, antes
de ela morrer. Ela era um anjo em minha vida, e eu também a havia perdido.
Os Donovans me salvaram, me adotaram e me amaram como filho. Eu os
tinha perdido em um acidente de carro, e agora sabia que também não
poderia ter uma de minhas irmãs comigo, além de ter a possibilidade de
perder a outra.
― Obrigado. ― Afastei-me dela. ― Lhe agradeço por ter cuidado e
amado a Sophie. Me sinto aliviado por pelo menos uma de minhas irmãs ter
sido criada com amor. Se eu soubesse delas antes, teria ido atrás no mesmo
instante.
― Eu sei que sim. Se fez isso cuidando de seus irmãos adotivos depois
que os Donovans morreram, sei que faria o mesmo pelas de sangue.
― É verdade, querido. Sei que você fez de tudo para saber onde suas
irmãs estavam a partir do momento em que soube delas. Mal dormia e
andava feito louco atrás de descobrir seu paradeiro. ― Sam pegou minha
mão. ― Nada de ruim que aconteceu é culpa sua.
― Eu sei, mas é que eu queria ter feito mais pela Laila. E agora a
Sophie está doente... Não posso perdê-la também. ― Esperava que eu fosse
compatível, porque não suportaria perder outra irmã.
― É bom você olhar o dossiê, Lucky. Há informações sobre seu pai aí.
Consegui encontrá-lo, e acho que você vai gostar de saber o que descobri ―
Bryan disse.
Abri o envelope, tirei os documentos de dentro dele e, à medida que
lia, meus olhos se arregalavam e meu queixo caía.
De repente, meu telefone tocou e, quando vi o nome do Daniel, meu
coração deu uma batida forte.
― Podemos conversar, Lucky? Pode vir à minha casa? ― pediu com
tom estranho.
― Daniel? Aconteceu alguma coisa? ― Eu não sabia se Sophie havia
contado a verdade a ele, por isso desconversei.
― Sabe sobre a doença de Sophie? Não posso perdê-la... ― ele
declarou com a voz perdida.
― Não vamos perdê-la. Os resultados dos meus exames saem ainda
hoje, então saberemos. Estou motivado e confiante que dará certo.
― Pode vir aqui? Preciso falar com você.
Falei que estava a caminho. Precisava revelar a Sophie a verdade sobre
nossa irmã.
Capítulo 17
SOPHIE
Não achei que teria coragem de contar ao Daniel sobre minha doença,
pois parecia que eu tinha algo entalado no peito. Até achei que ele sairia
desgovernado e sem rumo devido ao que ouviu, e eu não tiraria sua razão.
Entretanto, após se afastar um pouco para respirar, ele ouviu tudo o que eu
disse e ficou comigo o tempo todo. Matava-me aos poucos ver a dor e a
impotência em seus olhos.
No fundo, eu estava escondendo dele e de Lucky justamente por isso,
por não querer ver os dois destruídos. Daniel ficou arrasado e até chorou. Eu
queria protegê-los, mas não podia mais; esconder isso me mataria, e os dois
sofreriam ao me perderem.
Eu não podia morrer ainda. Precisava me casar com Daniel primeiro,
viver e ser feliz ao lado do homem que eu amava. Queria ter filhos e uma
vida plena ao lado da minha família: Daniel, meu irmão, meus pais e meus
amigos. Inclusive, eu precisava encontrar a irmã que eu nem conhecia ainda.
Tinha confiança de que Wellington a encontraria para mim. Eu iria amá-la; na
verdade, já a amava antes mesmo de conhecê-la. Só a ideia de ter mais uma
irmã me deixava eufórica. A vida ou o destino não poderia ser tão injusto ao
me fazer não receber tal benção. Obviamente eu não era santa, mas também
não havia cometido tantos pecados assim para pagar um preço alto e não
poder realizar os meus sonhos.
A fadiga, a febre e a tontura estavam piorando. Amanheci cheia de
hematomas no corpo. Daniel nem viu, e eu estava torcendo para que, quando
visse, não surtasse.
Bem, eu não podia ficar pensando no pior, tinha que dar forças a ele e
não ao contrário; sabia que Daniel se fazia de forte, mas no fundo estava
sofrendo por não poder fazer nada para me salvar. Eu, no lugar dele, estaria
sentindo o mesmo.
Passei meses sem esperança, e, quando descobri sobre Lucky, ela
retornou para mim com força total, mas o medo veio acompanhando-a, por
isso hesitei em dizer a eles; queria protegê-los, pois, no final, eu não poderia
evitar machucá-los, mesmo sem querer.
Tomei meus remédios e voltei para a sala, onde deixei Daniel, porém
ele estava com alguém que não vi chegar, embora tivesse ouvido a
campainha tocar minutos antes.
― Porra, essa merda não pode ser verdade! ― ouvi Daniel praguejar
na sala.
Parei no corredor, encolhendo-me por dentro ao pensar que talvez
Daniel não conseguisse ficar ao meu lado para enfrentarmos aquela luta
juntos.
― Também fiquei furioso quando eu soube. ― Era a voz de Lucky.
Lucky? Ele está aqui? Será que também ficou furioso por saber da
verdade? Então por que não me disse quando lhe contei tudo? Acho que foi
pelo meu estado. Será que eles estão bravos comigo?, pensei.
Talvez não estivessem falando de mim. Eu não podia imaginar nenhum
dos dois com raiva de mim. Ambos jamais me dariam as costas, ainda mais
naquele momento.
― Quando você soube que tinha irmãs? ― Daniel perguntou.
Eu sabia que deveria mostrar a eles que ouvia a sua conversa, mas
estava curiosa; precisava descobrir se por acaso estavam chateados comigo,
porque seu tom de voz não estava agradável.
― Mary me ligou há pouco tempo me pedindo para vê-la. Ao chegar lá,
ela me disse que eu tinha duas irmãs. Desde então, eu estava à procura delas.
Demorou, mas consegui as informações que eu precisava, apesar de Sophie
ter se apresentado a mim antes de elas chegarem. Não imagina a surpresa ao
saber que uma de minhas irmãs estava perto de mim e eu nem sabia disso...
― Ele deu um suspiro. ― Também ajudou na investigação o fato de que
Sophie foi visitar a Mary, pois Bryan ouviu a conversa das duas ao
conseguir as filmagens. E dona Alísia foi me ver agora há pouco para pedir a
minha ajuda. Ela não sabia que eu já sabia da verdade.
Ofeguei ao imaginar o Lucky tendo acesso à minha conversa com Mary.
As coisas que aquela mulher disse... Meu irmão não deveria nunca escutar
nada daquilo. Esperava que ele não tivesse visto o vídeo.
E minha mãe foi até o Lucky, como prometeu. Pelo jeito, cansou-se de
me esperar contar a verdade sobre a minha doença a ele. Com tudo o que
aconteceu, eu me esqueci de ligar para ela e dizer que nós já tínhamos
conversado sobre esse assunto.
― Ainda bem... ― murmurei ao perceber que não estavam com raiva
de mim, mas de Mary, fazendo com que os dois olhassem para onde eu
estava.
Saí do corredor e os encarei. Lucky estava de pé perto da janela, e
Daniel, na frente dele. Ouvi vozes de mulheres na cozinha. Não sabia dizer
de quem eram, mas no momento não me importei. Minha vida não podia estar
mais confusa.
Observei os dois homens da minha vida. Tanto os olhos escuros de um
quanto os verdes do outro me encaravam com preocupação.
― Sophie... ― Daniel veio até mim e tocou meu rosto com suavidade.
Tentei ler sua expressão, mas não vi nada além de preocupação. ― Está tudo
bem? Parece cansada. ― Puxou-me para o sofá grande em forma de L e se
sentou ao meu lado.
― Estou bem, só senti um pouco de falta de ar, mas nada que não tenha
sentido antes ― tentei brincar para aliviar a tensão, mas não fui bem
sucedida.
A porcaria tinha me deixado quase sem fôlego, então fechei os olhos,
inspirando pelo nariz e não querendo ver a dor que estava nos olhos dos
dois.
Merda! Como eu queria que não sofressem assim por minha causa...
Talvez eu devesse ter ficado longe de Daniel até ficar curada, então voltaria
para ele depois. Todavia, só com a mera ideia de não o ter, eu me sentia
como se estivesse morrendo, e não era uma hipérbole. Eu realmente não
podia mais ficar longe do homem que era meu suporte, meu porto seguro.
Então, fosse o que fosse, eu queria ambos, meu homem e meu irmão, ao meu
lado. Não só eles, mas toda a minha família e meus amigos. Eu ainda não
tinha contado a Laurel, que era minha melhor amiga. Logo ligaria para ela e
contaria a verdade eu mesma; não queria que ela soubesse por ninguém além
de mim.
― Sophie... ― A dor estava na voz de Daniel.
― Logo vai passar ― tentei tranquilizá-lo.
― Vamos levá-la ao hospital. Eu até falei com um especialista ― disse
Lucky. ― Seu médico e o doutor Klaus ficaram de fazer uma reunião para
ver os seus exames e os meus. Assim que eu sair daqui, vou lá para ver o
resultado.
Fitei os olhos do meu irmão e vi esperança neles.
― Você vai doar a sua medula? Dizem que isso provoca efeitos
colaterais, dores de cabeça e outras coisas.
― Não ainda. Primeiro, vamos ver os exames que comprovem que
estou sadio e o de compatibilidade. O doutor me disse que, antes de receber
a minha medula, no caso de eu ser compatível, você passará a receber altas
doses de quimioterapia e, talvez, também de radioterapia, com a finalidade
de destruir a medula antiga para que possa receber a nova medula óssea. ―
Seu tom era triste.
O médico já havia me dito sobre o que eu teria de fazer caso
encontrasse um doador e todas as complicações que poderiam resultar disso.
Senti Daniel prender o fôlego, então alisei sua mão para confortá-lo.
― Quando você soube disso? ― inquiriu ele.
― Ontem, o doutor Michigan, médico da Sophie, me falou algumas
coisas. Então entrei em contato com um médico em Houston, do mesmo
hospital em que Angelina foi operada. Ele é muito bom. ― Olhou para mim.
― Desejo que eu seja compatível com você e que seja curada, não posso
perdê-la... ― Tinha um tom estranho em sua voz, como se ele estivesse
sofrendo ainda mais. Seria por minha causa? Eu estava a ponto de
tranquilizá-lo, quando ele continuou: ― Tem algo que preciso lhe dizer, e
não quero que saiba por ninguém além de mim.
― Não acho que seja o momento ― interveio Daniel, parecendo estar
ainda mais preocupado.
Franzi a testa.
― O que não quer me contar, Daniel? Do que quer me proteger?
Os dois trocaram um olhar cujo significado não entendi.
― Daniel? Lucky? ― Fiquei de pé, esperando não ficar tonta, ou eu
corria o risco de ser internada mesmo sem querer. ― Quero a verdade,
droga! ― gritei, pegando ambos de surpresa. Então suavizei meu tom a fim
de incentivá-los a dizer o que estavam escondendo de mim: ― Por favor,
preciso saber da verdade seja ela qual for.
― Senta aqui. ― Daniel me puxou para seu colo como se quisesse
me confortar. ― Não vai ser fácil.
O meu coração gelou, com medo de que algo tivesse acontecido.
― Minha mãe e o papai estão bem? Não aconteceu nada com eles, não
é?
Lucky se sentou na mesinha de centro à nossa frente e segurou minha
mão.
― Não é isso, eles estão bem. Mas descobrimos quem é nossa irmã.
Nossa irmã? E não era para ser uma notícia boa? Por que Daniel não
queria que o Lucky me contasse? As batidas do meu coração aceleraram
tanto que achei que ele pararia. De repente, não queria ouvir mais nada, mas
precisava saber o que aconteceu com ela. Pela dor nos olhos do Lucky, as
notícias sobre nossa irmã não seriam o que eu esperava. Será que ela... não!
Eu não podia pensar nisso; precisava acreditar que tudo estava bem.
― Ela está... ― Não consegui terminar a frase. A morte estava me
rodeando havia alguns meses, e eu não me imaginava perdendo alguém que
gostaria de ter na minha vida para sempre.
― Sim, ela morreu há uns poucos anos, mas eu só soube hoje. ― Lucky
foi até a janela e mirou além dela com os pensamentos distantes, ficando de
costas para mim. ― Queria ter feito algo. Se eu soubesse dela ou de você,
teria me apresentado. Agora é tarde... ― O tormento era evidente na sua voz.
O meu peito parecia vazio, e, ao mesmo tempo, latejava dolorosamente
a cada pulsação. Doía demais.
― O que aconteceu com ela? Como se chamava? ― Fiquei de pé com
Daniel ao meu lado segurando minha cintura como se quisesse me apoiar,
mas permaneceu calado.
― Seu nome era Laila. Ela foi abandonada por Mary igual a nós dois,
mas, ao contrário de nós, não teve alguém que a protegesse e a amasse... A
sua vida foi só sofrimento. ― Então Lucky falou da vida sofrida dela com os
MCs que a usaram desde criança. Quando cresceu, ela fugiu de lá e conheceu
o seu marido, o mesmo homem que a matou na frente do filho de ambos.
― Oh, meu Deus! ― Cobri minha boca de choque e dor. As lágrimas
caíram por minhas bochechas. Pensei que ela tivesse partido por causa de
uma doença, não que tivesse sido assassinada pelo próprio marido.
Desde que eu soube que tinha outra irmã, sonhei que pudesse vê-la de
alguma forma e abraçá-la, mas, com essa bomba que foi jogada contra mim,
percebi que nunca poderia fazer nada disso, e tudo por culpa daquela
maldita cadela.
― Penso em todo o dinheiro que tenho, a forma como vivi, comendo do
bom e do melhor... Enquanto isso, ela estava vivendo no inferno. ― A voz
de Lucky era um sussurro dolorido.
― Lucky. ― Fui até meu irmão, deixando Daniel para trás, e peguei
suas mãos. ― Não é culpa nossa.
Ele se virou para mim com os olhos úmidos; os meus já pareciam uma
enxurrada.
― Por que aquela mulher fez isso? Por que ter filhos se nos odiava?
Ela não devia ter tido nenhum de nós. ― Cerrou os punhos. ― Viveu no seu
maldito palácio em Moscou, enquanto nossa irmã sofria, e o tempo todo
aquela maldita sabia onde Laila estava. Se não queria ajudá-la, devia ter me
falado, que eu teria ido ao inferno para buscá-la.
Puxei-o para os meus braços. Mesmo dilacerada por dentro, senti
conforto por estar nos braços dele.
Laila... Mesmo sem conhecê-la, eu já amava a ideia de ter mais irmãos.
Era uma pena que ela tinha partido.
― Por que ela ao menos não deixou vocês duas juntas? Se tivesse feito
isso, agora ela estaria aqui conosco. ― Os braços de Lucky se estreitaram
ao meu redor, como se ele precisasse de apoio.
― A odeio por ter nos separado ― murmurei.
― Aquela maldita fez isso porque é perversa. O que nossa irmã sofreu
com o abuso desde cedo, a dor que ela deve ter sentido... Com certeza deve
ter pensado que todos da sua família a abandonaram e que era sozinha no
mundo, quando, na verdade, nós não sabíamos dela. ― Chorou. ― Lamento
por tudo. Devia ao menos ter checado, sei lá, feito alguma coisa...
Afastei o rosto do dele e o fitei.
― Não se culpe, Lucky, Mary é a culpada de tudo, de toda a nossa dor,
de tudo o que aconteceu com Laila. ― Evitei pensar em meu próprio
sofrimento e foquei em confortar Lucky e afirmar que ele não era culpado,
afinal, nem sabia sobre nós. ― Quero que ela jamais seja solta.
― Não vai. Eu irei fazer tudo que puder para impedir isso ―
assegurou.
― Ela era bonita? Nossa irmã?
Lucky assentiu.
― Tão linda quanto você. ― Limpou as lágrimas do meu rosto. ―
Você era igual a ela, afinal eram gêmeas.
Éramos gêmeas? Dizem que os gêmeos são ligados pela alma.
Acredito que Laila e eu seríamos assim se tivéssemos sido criadas juntas,
pensei. Desejava que tivesse acontecido, mas não era possível.
Lucky pegou uma fotografia no bolso e me entregou.
― Olha aqui...
A foto mostrava uma mulher de cabelos anelados e escuros e com
expressão envelhecida, mesmo que não fosse. Devia ter sofrido muito.
Mesmo assim, naquele retrato, seus olhos estavam amorosos ao fitar o filho
no seu colo. O menino de cabelos escuros a observava como se ela fosse a
pessoa mais perfeita do mundo. Havia amor ali, entre os dois.
Sim, definitivamente éramos iguais. Poderíamos ter enganado muita
gente nos passando uma pela outra. Quase ri desse pensamento. Um sonho
que foi interrompido por uma maldita víbora doentia.
O que aquela criança teve que presenciar? Tudo graças a pais que não
deviam ter filhos. O pai dele era um monstro, assim como minha mãe.
Mesmo ela não estando lá com aquele assassino, teve sua culpa na morte de
Laila, porque não a protegeu quando sabia tudo sobre ela. Eu jamais a
perdoaria por minha irmã ter sofrido e sido assassinada, como também pelo
que meu sobrinho passou.
― Com quem ele está? Qual o nome desse garotinho lindo? ― A
criança não me parecia estranha. Passei o dedo no rostinho dele sobre a foto,
tentando recordar, mas não consegui.
― Sim, ele é lindo e se chama Shaw. É o meu filho agora. ― Ouvi a
voz da Samantha.
Virei-me e a vi na porta da cozinha ao lado da minha mãe, que eu não
sabia que tinha vindo com eles.
A tristeza vincava os olhos de Sam.
― Filho?
Shaw? De repente me lembrei de onde o vi. Foi em uma revista que
mostrava a família Donovan unida. Eu sabia que Lucky e Sam tinham
adotado um garotinho que viu o pai matando a mãe. Então essa tal mulher era
a minha irmã?
― Ainda custo a acreditar que Shaw é sobrinho de Lucky e que, de
alguma forma, foi enviado para as nossas vidas ― disse Sam, limpando as
lágrimas.
― Rosa Vermelha, não chore. ― Lucky foi até ela e a puxou para seus
braços.
Samantha forçou um sorriso.
― Estou bem, só feliz por ter meu garoto, mesmo que desejasse que ele
estivesse com a sua mãe. Mas ao menos ele veio para os tios dele. ― Ela me
olhou. ― Hoje, nós vamos contar a Shaw sobre você. Assim que ele a olhar,
poderá pensar que está vendo coisas, e não quero sua cabecinha confusa. ―
Ela sacudiu a cabeça. ― Tomei conta de Shaw e até olhei a ficha dele e vi a
foto de sua irmã. Na época eu não te conhecia, portanto nem fiz uma ligação
entre vocês duas. Além disso, ela parecia muito mais velha, cansada. A vida
judiou bastante de Laila. O sofrimento faz isso com as pessoas.
― O monstro que a assassinou está preso, né? ― Eu esperava que sim,
porque não podia aceitar que ficasse livre depois do que fez.
― Sim, não vai ver a luz do dia tão cedo ― garantiu Lucky. ― E Mary
também.
Assenti e depois falei uma coisa que estava me incomodando:
― Deixe para falar com Shaw sobre mim depois que eu fizer o
transplante, se você for doador. ― Olhei entre meu irmão e Sam. ― Não
quero que ele me veja ainda, porque, se por acaso eu não conseguir, a
criança ficará devastada, pois me pareço com a mãe dele, e isso poderá lhe
trazer lembranças que o afetarão.
Todos me encararam de olhos arregalados. Vi que não queriam
concordar comigo, mas no fundo sabiam que eu estava certa. Mesmo que
Lucky fosse compatível, eu passaria a fazer tratamento quimioterápico e
talvez até radioterápico, e tinha consciência de que era algo doloroso,
difícil, com muitos efeitos colaterais, apesar de ajudar para evitar a rejeição
do transplante. Era um processo pelo qual, de qualquer jeito, eu teria que
passar. Como eu não poderia proteger quem estava ao meu lado, pelo menos
faria isso com Shaw, que já tinha sofrido demais na vida. Eu só queria estar
bem para trazê-lo para minha vida, porque, quando ele estivesse nela, ficaria
para sempre.
― Sophie... ― começou Daniel, sacudindo a cabeça.
― Não quero que ele sofra mais do que já sofreu no caso de eu não...
― Ele estremeceu, assim como Lucky. ― Assim que eu estiver boa, vocês
falam com ele. Sei que concordam comigo; mesmo sendo difícil, é o certo.
― Os resultados saem hoje ― falou Lucky. Tinha certo nervosismo na
sua voz, como também esperança.
― Estou imensamente feliz por vocês terem adotado Shaw e o amado.
Nessas horas acredito em destino. ― Olhei para a foto de Laila. ― Acredito
que ela ficaria feliz com isso. Não podia ter escolhido família melhor.
― Você também foi acolhida e amada, assim como eu. ― Lucky deu um
sorriso para minha mãe, e eu repeti seu gesto, meu coração cheio de amor
por ela e papai; embora a dor que sentíssemos pela perda de Laila estivesse
em nós dois, a felicidade por termos nos encontrado, bem como ao nosso
sobrinho, também estava. ― Agora não sairei mais da sua vida. Terei você e
Shaw. Já o amava antes de saber quem ele era.
― Bryan também encontrou o pai de vocês, Sophie ― informou Daniel.
Virei-me para ele de olhos arregalados.
― Meu pai? ― Desde que eu soube da verdade, sempre imaginei que
ele fosse igual a Mary, que não se importasse o bastante conosco. ― Ele
sabe o que a Mary fez com a gente?
Lucky suspirou.
― Não sabia até Mary contar que teve três filhos com ele. Seu nome é
Joaquin Law, e ele mora em Savannah. Pelo que eu soube, nosso pai estava
tentando nos localizar, mas a Mary não lhe contou onde nos abandonou. Ele
gastou tudo que tinha com detetives particulares até não ter mais nada e,
obviamente, não conseguiu nos achar ― disse com emoção na voz.
Pisquei, aturdida. Então nosso pai tentou nos encontrar? Como ele
seria? Se vendeu tudo para nos achar, então se importava muito conosco.
― Ele sabe de nós agora?
Ele assentiu.
― Já deve saber. Bryan foi procurá-lo para falar sobre nós. Eu queria
ter ido, mas precisava falar com você e receber os resultados dos exames.
― Bryan vai contar que estou doente... ― Mais um que eu não poderia
proteger.
― É preciso, Sophie. Ele pode fazer os exames também, já que você é
filha dele. ― Estendeu-me outra fotografia.
O homem ali era alto, com cabelos escuros e cheios de mechas
grisalhas, olhos verde floresta e barba por fazer.
― Você se parece com ele ― sussurrei para o Lucky. ― Tão lindo!
Não vejo a hora de vê-lo.
Gostava de saber que tinha minha família biológica, exceto a Mary,
pois acreditava que quanto mais parentes, melhor. Passei a vida toda só com
meus pais adotivos, sem irmãos. Em um intervalo curto de tempo, ganhei um
irmão, um sobrinho e outro pai.
― Bryan vai trazê-lo, e poderemos falar com ele ― Lucky falou.
― Onde ele vai ficar? Posso ficar com nosso pai no meu apartamento...
Daniel me cortou:
― Você não vai embora daqui, então, se quiser, pode trazê-lo para cá.
Não vou deixar você sair do meu lado por nada.
― Joaquin vai ficar na minha casa, não se preocupe. Vai dar tudo certo,
Sophie. ― Lucky declarou.
Assenti. Não me incomodava com onde ele ficasse, desde que estivesse
na mesma cidade para que eu pudesse vê-lo em breve.
Depois disso, cumprimentei minha mãe com um abraço e um beijo,
então todos nos sentamos para conversar. Lucky e eu falamos sobre nossa
infância, amigos, pais. Mamãe às vezes complementava o que eu dizia.
Também contei como fui feliz ao lado de Daniel na minha vida até o
momento em que nos afastamos, sobre como primeiro fomos amigos, depois
o primeiro amor um do outro, então a nossa separação e agora o reencontro.
Lucky olhou feio para Daniel.
― Espero que nunca a deixe, ou juro que acabo com você, sendo meu
amigo ou não ― ameaçou.
Daniel não ligou para ele, só me olhava com tanto amor que meu
coração balançou e meu ventre latejou.
― Jamais poderei viver sem a minha alma ― declarou com fervor,
puxando-me para seus braços.
Mesmo com tudo o que eu teria que passar para continuar vivendo
aquela realidade ao lado das pessoas que amava, estava ansiosa para ter
uma família com aquele homem, que era a razão da minha vida.
Capítulo 18
SOPHIE
― Você não me contou ― acusou Laurel. ― Pensei que éramos amigas.
Contei a ela sobre a doença assim que chegou ao apartamento de
Daniel. Tinha ligado para Laurel e decidi chamá-la até ali, já que no
momento eu não poderia sair de Manhattan, uma vez que estávamos
esperando os resultados dos exames de Lucky, que não deveriam demorar a
sair. Eram para ter saído no dia anterior, mas tinha ocorrido um atraso.
Mamãe e papai estavam no meu apartamento, pois não quiseram ir
embora para Dallas sem saber os resultados. Logo depois, dependendo
deles, eu teria que começar as sessões de quimioterapia, e meus pais não me
deixariam passar por isso sem sua presença e apoio.
― Lamento, Laurel, as coisas ficaram tão confusas, sabe? A descoberta
da doença, a dor dos meus pais por não poderem fazer nada, a procura pelos
meus parentes e a esperança de me salvar.
Contei-lhe tudo sobre a conversa que tive com a Mary.
― O quê? Ela pediu dinheiro para salvar a filha? ― rosnou Laurel com
os dentes cerrados.
Ri amarga.
― Essa mulher fez coisas piores, Laurel, nos abandonou de forma que
nenhuma mãe faz. Poderia, sei lá, nos entregar a um orfanato. Até o maldito
Estado era uma saída, mas ela não quis. E o pior foi que minha irmã... Por
Deus, ela foi deixada em um clube de motoqueiros! ― exclamei com raiva.
― Nem todos os clubes de MCs são ruins ― interveio Daniel, olhando
uns papéis. Já fazia horas que ele estava vendo aquilo. Eu não sabia o que
era.
Quando Laurel chegou, ele nos deixou sozinhas na cozinha e ficou na
sala de estar mexendo em seus documentos. Jordan estava com ele.
― Até agora não ouvi coisas boas sobre nenhum ― declarei.
― Os MCs Fênix são pessoas boas. Conheço Shadow há alguns anos.
Sua irmã foi deixada em frente à sede do MC Scorpion. Parece que quem
ficou com ela foi o pai de Black, o presidente do clube até pouco tempo ―
disse Jordan.
Franzi a testa. Eu não era de julgar ninguém sem conhecer, mas aqueles
MCs transformaram uma criança em prostituta até o ponto de ela fugir e
aceitar qualquer coisa, como um marido violento.
― O que houve com o pai desse tal Black? ― Esperava que ele
estivesse preso e nunca mais saísse da cadeia.
Jordan suspirou.
― Black o matou e tomou seu lugar. Foi nessa época que sua irmã fugiu
de lá, pois aproveitou o reboliço.
― E esse Black?
― Morto. Ele ousou tocar na mulher do Daemon, um dos motoqueiros
do MC Fênix. Parece que o pai adotivo da garota a deu para o Black. Seu
nome é Emília. Enfim, Daemon matou o padrasto dela e no final soube que
ela era irmã de um chefe de cartel, Miguel, que mandou alguém na cadeia
matar o Black. ― Virou-se para mim com um meio sorriso. ― Acredite em
mim, não sobrou nada dele para contar história.
Laurel franziu a testa.
― Como sabe tanto sobre isso?
Seu sorriso direcionado à sua esposa era cheio de carinho e amor, o
mesmo que eu via em Daniel quando o dirigia a mim.
― Fiquei amigo do Axel, um dos membros do clube. Ele é leal aos
seus; se me contou algo assim foi porque sabe que eu nunca diria a qualquer
um. Só estou falando para vocês porque não há alguém em quem eu confie
mais e porque não é da nossa conta para nos metermos, a não ser que a gente
queira ir para uma cova, afinal o cartel está envolvido. ― Deu de ombros,
sem parecer se importar. ― O resto do grupo do MC Scorpion está preso.
Eu não diria nada a ninguém sobre aquilo. Estava aliviada que Black e
seu pai estivessem mortos. Tiveram o que mereceram.
― O que quero dizer é que nem todos os motoqueiros são bandidos ―
comentou Daniel. ― Acredito que, se vocês conhecessem os integrantes do
MC Fênix, pensariam o mesmo. Conheço Shadow, o presidente dele. Todos
os membros do clube ajudaram a resgatar a Samira e a Tabitta, que foram
sequestradas pela máfia russa há alguns anos. Eles são leais, uma família na
qual um morreria pelos outros.
― Você parece gostar deles ― deduzi.
Daniel deu de ombros.
― Aprecio a lealdade deles, pois é como a que tenho com Jason,
Lucky, Ryan, Jordan e Bryan. Daríamos a vida um pelo outro, assim como os
MCs. Não os vejo muito, Jason e Bryan são mais amigos deles do que eu. ―
Daniel levantou os olhos dos papéis e me encarou. Estava lindo com óculos
de grau. ― Vou apresentar vocês um dia. Acredito que vão se dar bem. As
esposas deles são gente fina. Conheci a Evelyn, esposa de Dominic, que
todos chamam de Shadow, acho que pelo ar sombrio que predomina nele,
mas parece legal e ama aquela mulher.
Talvez um dia eu pudesse conhecer aqueles motoqueiros e, de alguma
forma, agradecer-lhes por terem acabado com a corja do MC Scorpion.
Daniel e Jordan voltaram a atenção para os documentos e o laptop.
― Lamento mesmo não ter lhe contado antes sobre mim, mas juro que,
de agora em diante, não esconderei mais nada. ― Voltei ao meu assunto com
Laurel.
― Eu sei por que você fez isso, Sophie. Sempre teve essa mania de
querer proteger a todos. Só quero que saiba que estaremos aqui para o que
precisar, tanto eu quanto o Jordan ― afirmou. ― Sei que a caminhada será
longa, pois ouvi falar que não é fácil passar pela quimio.
Encolhi os ombros.
― Eu sei. Até pensei em não voltar para o Daniel no intuito de protegê-
lo da verdade. Também foi por isso que adiei contar ao Lucky. ― Sorri. ―
Mas agora, com todos aqui, me sinto mais esperançosa e entusiasmada,
querendo apenas que a provação passe logo, com fé em que tudo dará certo.
― A família nos dá mais força para enfrentar as lutas. Se não fosse a
minha, eu não teria conseguido sobreviver após perder minha mãe. Com
meus irmãos, sou mais forte, e agora mais ainda com Jordan e minha filha.
A mãe e o padrasto de Laurel, pai de Shade, seu irmão adotivo,
morreram quando o avião caiu alguns anos atrás. Isso deixou minha amiga
arrasada.
― Verdade. Agora, cercada de pessoas que amo e que me amam, estou
bem e tenho forças. ― Peguei sua mão. ― Espero não perder sua amizade
em razão do meu medo e por tentar protegê-la da verdade.
― Vem cá. ― Puxou-me para seus braços. ― Não tem nada para
perdoar, você não fez por mal, só queria me proteger da dura realidade.
Ficamos mais alguns minutos conversando, depois nós quatro
almoçamos.
― Se precisar de mim, eu estarei aqui, amiga ― disse Laurel assim que
estava de saída junto ao marido para pegar Jordana na casa de Lucky. ―
Falei com o Jordan, e vamos ficar no apartamento dele aqui até que o
transplante aconteça e você esteja bem.
Meu coração se apertou.
― Obrigada. Você é uma amiga que vale ouro. ― Beijei seu rosto.
Assim que eles se foram, voltei para a sala, onde Daniel ainda estava
sentado no sofá com o computador e os documentos.
― Para que esse monte de papel? Faz horas que está mexendo neles ―
sondei curiosa.
Ele fechou a pasta com os documentos e depois se virou para mim.
― É o contrato de um imóvel que estou comprando. ― Sorriu.
Meneei a cabeça.
― Está lindo com esses óculos. ― Sentei-me em seu colo e o beijei,
faminta como sempre quando estava com ele. Daniel retribuiu cada toque e
beijo.
Minha mão foi para suas calças, mas em dois segundos ele a pegou e a
afastou. Isso sempre acontecia quando as coisas esquentavam entre nós. Eu
já estava cansada disso. Ele estava me rejeitando desde a noite na casa de
minha mãe, quando nosso jantar foi interrompido em razão de minha febre.
Eu tinha consciência de que ele fazia isso por eu estar doente, mas eu não
estava sentindo nenhum sintoma naquele momento.
― Sophie...
― Mas que droga, Daniel! ― Saí do colo dele. ― Nós ainda não
ficamos juntos depois que voltamos! Sempre que me aproximo, você se
afasta!
Ele suspirou, mas vi dor em seus olhos.
― Só vamos esperar mais um pouco...
― O médico disse que minha doença não atrapalha o sexo. Só
precisamos usar camisinha ― tentei convencê-lo.
― Sophie...
Joguei minhas mãos para cima em um gesto exasperado e frustrado.
― Não vou ficar aqui implorando para que me toque, vou cuidar de
mim mesma, já que o meu homem fica me rejeitando. ― Saí da sala e fui
para o quarto, ignorando seu chamado.
Não estava magoada por ele querer esperar que eu ficasse curada, mas
sim irritada. Fiquei só de calcinha e sutiã e peguei o vibrador em forma de
pênis que comprei mais cedo. Queria ver a reação de Daniel quando o visse,
se me deixaria ser fodida por um vibrador ou se faria o serviço ele mesmo.
Eu estava de costas para a porta, mas ouvi quando ele a abriu e logo o
seu ofegar.
― Que porra vai fazer com isso?! ― rosnou, parecendo enraivecido.
Bom, éramos dois, então.
Virei-me de frente e levantei as sobrancelhas.
― O que acha? Satisfazer minhas necessidades, já que você não me
quer. ― Deitei-me na cama e olhei para ele enquanto tirava minha calcinha.
― Pode ficar e me assistir ser fodida por esse pênis, já que está me negando
o seu. O ruim é que esse não tem como eu lamber, beijar e chupar, assim
como faria com o seu pau.
Ele prendeu a respiração e ficou ali, tentando se controlar.
Vou empurrá-lo mais um pouco, pensei. Veria se Daniel era capaz de
superar o medo que tinha de me machucar caso ficássemos juntos. Se eu
estivesse passando mal, até entenderia, mas, desde o dia anterior, não sentia
nada, nem mesmo fadiga, e, além disso, o sexo era permitido, só
precisávamos nos proteger, já que eu não podia ficar grávida com uma
doença como aquela.
Abri mais as minhas pernas, e seus olhos seguiram o movimento,
vidrados.
― Não tem vontade de colocar a sua boca em mim? De lamber meu
clitóris e chupá-lo como se estivesse com fome? ― Minha voz era gutural de
desejo. ― De enfiar seu pau em minha boceta pulsante? Vê-la engolir todo o
seu pênis? Me ouvir gemer em seu ouvido?
Ele engoliu em seco.
― Não queria que sua ereção fosse esse vibrador para me preencher e
me levar ao êxtase? ― Olhei para ele enquanto levava o vibrador entre
minhas pernas. ― Daniel... ― gemi, fechando os olhos assim que o objeto
triscou meu clitóris.
Não demorou muito para ele agir. Assim que comecei a enfiar o
vibrador, ele foi arrancado da minha mão, e ouvi um baque não muito longe,
como se ele tivesse sido jogado contra a parede ou algo assim.
― Nenhum maldito pau de silicone ou qualquer outro irá entrar nessa
boceta ― grunhiu. ― Ela é só minha, Sophie, só eu possa usá-la e comê-la
da forma que eu quiser.
Meus olhos se abriram, e juro que meu coração parou por um segundo
ao vê-lo ali, em cima de mim, furioso e com tesão. Pude ver através de seu
short.
― Vai colocar esse brinquedo em ação? ― Apontei para a sua ereção
em pleno vigor. ― Porque estou aqui pingando e latejante por você. ― Dei-
lhe um olhar sensual.
― Você é uma provocadora, gostosa demais! ― Pairou em cima de
mim, com os olhos nos meus. ― Sophie, você não precisa implorar para
ficar comigo; sou todo seu.
Sorri.
― Bom saber. ― Coloquei minhas mãos em suas calças. ― Eu gosto
muito disso aqui.
Ele rosnou e trilhou um caminho de beijos do meu pescoço aos seios.
Tirou o meu sutiã e o jogou longe, e logo sua boca estava fartando-se deles.
― Merda! Era disso que tanto senti falta! ― choraminguei, agarrando
seus cabelos macios.
Foram anos até ter aquele homem de volta bem ali, onde estava, nos
meus braços. Cada toque seu era como um raio em meu corpo.
― Vamos fazer isso, Sophie. ― Ele olhou para mim. ― Mas precisa
me dizer se começar a se sentir mal. Não importa o sintoma, você precisa me
falar.
Assenti. Sabia que, por estar doente, não deveria pensar em sexo, mas
no fundo não sabia o que dariam os exames de Lucky. Se dessem positivo, eu
teria que fazer tratamentos, o meu corpo ficaria dolorido depois das sessões
de quimioterapia, por isso eu o queria agora, antes de as coisas ficarem
feias.
― Prometo. Agora eu só quero você! ― clamei, beijando seus lábios.
Não queria pensar em mais nada, apenas em nós dois naquele momento,
fingir que era sadia e que apenas estava fazendo amor despreocupadamente.
Foquei no homem em cima de mim, passeando com sua boca deliciosa
pelo meu corpo, barriga e ao sul dali. Daniel me possuía da mesma forma
que eu me lembrava. Sentia muitas saudades da sua boca em mim.
Cada deslizar de língua em meu ponto pulsante, cada intrusão dela em
meu interior, cada chupão me consumia.
― Daniel, isso é tão bom... ― disse, pegando seus cabelos e apertando
mais seu rosto contra meu centro.
Sabia que logo gozaria, pois ter aquele homem me tocando era como se
um vulcão tomasse conta de mim. Com ele na minha vida, eu teria mais
forças para lutar e vencer aquela doença custasse o que custasse.
― Goza, minha linda. Goza na minha boca. Eu quero provar esse mel
de que tanto senti falta ― grunhiu, enfiando dois dedos em minha boceta e
me fazendo gemer.
Sua língua e dedos estavam me deixando louca, então explodi vendo
milhares de estrelas.
― Quero você dentro de mim, Daniel ― pedi, mas senti o mal-estar
chegando... Não, droga! Sentia-me ofegante, mas não sabia se foi pelo
orgasmo ou porque já estava mesmo para acontecer.
― Sophie ― chamou Daniel ao meu lado, tocando meu rosto. A dor
estava na sua voz. ― Lamento, querida.
Abri os olhos, que nem percebi que tinha fechado, tentando recuperar o
fôlego.
― Não foi culpa sua, Daniel, eu que insisti e o seduzi para entrar em
ação ― falei, tentando tranquilizá-lo. ― Se tem alguém que precisa se
desculpar aqui sou eu, já que o deixei duro.
Ele sacudiu a cabeça.
― Acha que vou ligar para isso quando estou vendo a forma como essa
doença está tomando o seu corpo? Vi as marcas nele, os hematomas nas suas
costas. Como acha que me sinto com isso? ― A impotência era evidente em
suas palavras.
Abracei-o forte, querendo tirar todos aqueles sentimentos negativos
dele.
― Desculpe-me por ter sido insensível e por...
― Não lamente por me fazer tocá-la. Nunca faça isso. Anseio por você,
Sophie, mas, nesse momento, só quero que fique curada. Não posso pensar
em tocá-la, quando sei que passará mal, assim como agora. Isso me mata,
porque não posso tirar esse mal de você e colocá-lo em mim, pois, se
pudesse, eu o faria. ― A verdade estava em cada linha do seu rosto.
Deitei-me com a cabeça em seu peito.
― Às vezes me pergunto: por que eu? Por que tenho isso, logo agora,
que tenho você? ― Comecei a chorar. Nunca tinha feito isso nos braços de
alguém além dos da minha mãe, mas sucumbi nos braços de Daniel.
― Não sei, querida, mas vamos passar por isso juntos e vamos vencer.
― Alisou meu rosto.
― Acredito em você. ― Beijei sua face. ― Como tive a sorte de ter
alguém como você? É o homem mais perfeito do mundo.
Ele pigarreou, parecendo emocionado.
― Sophie, eu a amo demais! ― declarou com fervor.
― Se eu não conseguir...
Ele colocou os dedos nos meus lábios, interrompendo-me.
― Não, Sophie, não vamos ter essa conversa.
Peguei sua mão.
― Só quero dizer que, se eu não conseguir, não quero que você se
afunde. Prometa que não fará nenhuma besteira. ― Eu precisava ouvir isso
dele, sua afirmação.
Seus olhos se fecharam, e o vi respirar com dificuldade. Isso me fez
chorar ainda mais.
Oh, Deus! Que o senhor me cure para que esse homem não sofra com
minha perda!
― Não vai acontecer nada. ― Aninhou-me em seu peito, evitando meus
olhos, mas não me passou despercebido que ele não prometeu nada.
Eu estava a ponto de forçá-lo a jurar, mas meu telefone tocou na
mesinha de cabeceira. Afastei-me de Daniel para atendê-lo, mas ele o pegou.
― Eu atendo. Só fique aqui, deitada ― pediu e atendeu com uma das
mãos, envolvendo-me com o outro braço. ― Alô? ― Ele ouviu algo. ― Tem
certeza?
Afastei-me e olhei para ele, que parecia estar com uma grande
esperança no olhar.
― Vamos preparar tudo. Obrigado. ― Desligou o celular e me encarou.
― O que é, Daniel? Alguma notícia do hospital?
Ele sorriu.
― Lucky é compatível, e o médico vai interná-la. ― No final da sua
frase, o sorriso sumiu.
― Vai ficar tudo bem. ― Toquei seu rosto. ― Como você disse: vamos
enfrentar isso juntos.
― Juntos ― afirmou.
Era hora de eu enfrentar o cativeiro, mas valeria a pena se, no final,
conseguisse viver ao lado de Daniel e minha família.
Capítulo 19
SOPHIE
Após o telefonema do Lucky com a confirmação da compatibilidade,
senti-me feliz, mas também nervosa pelo que eu teria que passar. Nas minhas
idas ao hospital, vi muitas pessoas como eu, como a Bailey, uma garotinha
de 12 anos que estava fazendo quimioterapia depois de ter conseguido um
doador. Era o sofrimento que ela tinha de enfrentar para que seu corpo não
rejeitasse a nova medula. Eu não sabia como ela estava, porque seu
tratamento ainda não tinha terminado, mas esperava que estivesse bem.
Cheguei ao hospital e fui ao consultório do doutor Eduardo Michigan.
Lucky queria me levar para Houston, mas não achei necessário, afinal ali
teria o mesmo tratamento e chances.
― É muito bom que seu irmão seja compatível ― o médico disse. ―
Mas agora virá uma fase difícil. Eu sei que passou meses recebendo sangue,
e os sintomas aumentaram, não é? Com a quimioterapia, eles vão piorar.
Coloquei minhas mãos no colo, nervosa, e Daniel as segurou firme. Ele
estava ao meu lado, assim como Lucky e mamãe. O papai também queria
entrar, mas já tinha muita gente na sala do médico.
― Sim, eu sei que o processo é difícil. Quem poderá ficar comigo
aqui?
― É permitido que uma pessoa fique para ajudar quando a situação
ficar difícil. Mas você terá enfermeiros sempre que precisar.
― Minha...
Daniel me cortou:
― Não vou deixar você, Sophie. ― Sua mão me apertou mais um
pouco.
Olhei para ele, querendo encontrar um jeito de não o deixar ver a forma
como eu ficaria. Isso iria machucá-lo ainda mais, ver-me fraca e doente e
não poder fazer nada.
― Daniel...
Sacudiu a cabeça.
― Não, Sophie. Eu sei por que não me quer com você, para que eu não
a veja durante a administração dos medicamentos. ― Tocou meu rosto e me
fitou. ― Não posso ficar longe. Preciso vê-la não importa como você esteja.
Lembra-se do que me disse? Que faríamos tudo juntos? Então vamos fazer.
Meu coração rachou por dentro. Escolher minha mãe em vez de Daniel
para ficar comigo durante o tratamento não queria dizer que eu o amava
menos; eu sabia que mamãe era forte e me ajudaria com tudo, já o Daniel me
veria em uma situação nunca vista. Eu perderia peso, meus cabelos cairiam,
ou seja, eu teria que ficar careca antes de começar. Uma parte feminina
minha se importava com a ideia de ele me ver assim.
Ele limpou com seus lábios as lágrimas que desciam pelas minhas
bochechas.
― Vai ficar tudo bem, querida. Eu serei forte por você. Prometo.
― Não sabemos quanto tempo você vai precisar da quimioterapia.
Quanto menos precisar dela, melhor, e isso vai depender de como ela reagirá
em seu sistema sanguíneo ― informou o médico. ― Não costumo fazer isso,
mas posso liberar duas pessoas, sua mãe e seu namorado.
Fiquei escorada em Daniel, mas voltei minha atenção ao doutor.
― Poderei visitá-la sempre que puder? ― sondou Lucky.
― Lamento, senhor Donovan. Já estou abrindo exceção para mais uma
pessoa, não posso abrir mais. Ela precisará ficar isolada por um tempo, pois
suas defesas estrão muito baixas, mas vamos torcer para que seja breve. ―
Sorriu para mim.
Lucky não gostou muito disso, mas não reclamou, o que me
surpreendeu, já que eu soube que ele tinha o hábito de querer comprar a tudo
e a todos. Realmente meu irmão estava mudando.
― Tudo bem, mas precisarei que me mantenha informado sobre como
ela vai reagir. ― Senti-o encolhido, talvez pensando no quanto aquele
tratamento me machucaria.
― Avisarei ― garantiu Dr. Michigan. ― Agora se despeça dos seus
familiares, Sophie, e depois a enfermeira vai ajudá-la a cortar os seus
cabelos. Ou você prefere esperar que caiam sozinhos?
Encolhi-me por dentro. Não era tão vaidosa com meus cabelos, mas
adorava o fato de eles serem compridos. Nunca gostei deles curtos e gostaria
ainda menos raspados...
Inspirei fundo.
― Tudo bem. ― Não deixei transparecer como eu me sentia na frente
da minha família.
Saí da sala meio rígida. Precisava ter forças, mas não sabia como
conseguiria.
― Sophie...
― Vou ficar bem, Daniel ― tranquilizei-o e depois murmurei: ― Só
queria que vocês não vissem as mudanças no meu corpo. Será doloroso para
você e mamãe.
― Não vamos falar sobre isso de novo. Eu vou estar com você e ponto
final. Vou ser sua âncora. Serei tudo o que precisar. ― Apertou os braços ao
meu redor.
― Sou sua mãe, e é minha função cuidar de você. Você vai entender
isso quando tiver filhos ― mamãe disse. ― Queria ficar no seu lugar, mas,
como não posso, ao menos quero estar lá para quando precisar de mim.
Limpei as lágrimas quando chegamos à sala de espera.
― Lamento por fazer vocês sofrerem assim. Se pudesse, eu jamais faria
isso. ― Olhei para todos na sala, que, por sinal, estava abarrotada com
pessoas da minha família e amigos; papai; Jason e Tabitta; Ryan e Angelina;
Sam; Alexia; Rayla e o marido dela, Alex, que por sinal era irmão de
Alexia; Wellington e Zoe.
Abracei meus amigos e lhes agradeci por estarem ali comigo e me
darem força, então chegou a vez do papai.
― Não chore, papai, eu vou ficar bem. Vai dar tudo certo. Por favor,
tome o seu remédio para pressão nos horários certos, não deixe que ela se
altere, pois não posso perder você. ― Abracei-o forte. ― Eu te amo.
― Vai dar tudo certo, Abóbora. Também te amo. ― Beijou minha testa.
Olhei a todos.
― Obrigada por estarem aqui.
Queria que meu pai biológico estivesse ali também. Bryan informou a
Lucky que Joaquin tinha quebrado a perna e estava internado em Savannah.
Eu sabia que ele não podia ir até Manhattan ainda, mas eu poderia pelo
menos falar com ele por chamada de vídeo, já que não sabia quando sairia
do confinamento.
Estava a ponto de pedir o número dele ao Lucky para conversar com o
meu pai, quando Bryan entrou. Eu tinha sentido a sua falta. Atrás dele vinha
um homem com muletas e roupas de hospital com uma jaqueta por cima.
Pisquei, reconhecendo-o. Ele parou onde estava e varreu os olhos em
todos, demorando-se no final entre mim e Lucky. Certamente devia ter visto
nossas fotos, assim como vimos as dele. Joaquin estava magro e com os
cabelos mais grisalhos, além de com olheiras fundas.
― Não devia estar no hospital? ― Lucky foi até ele e depois virou a
cabeça na direção do Bryan.
― Ele ouviu que Sophie seria internada e ficou louco para vir. Não tive
escolha, senão trazê-lo.
Joaquin suspirou.
― Desculpe, eu só precisava vê-la antes que fosse internada, porque
me disseram que depois não poderá receber visitas por um tempo. ― Ele
parecia nervoso, mexendo nas muletas.
Fui até perto dele, ficando ao lado de meu irmão.
― Falei que o Lucky se parecia com você. ― Sorri. ― O senhor deve
ter partido corações quando moço.
Ele sorriu.
― Um pouco. ― Seu sorriso morreu. ― Sei que temos pouco tempo
para falar, então vou ser breve. Depois falamos mais, quando você ficar boa.
― Sente-se aqui e apoie o pé no sofá, ou isso lhe trará sequelas e muita
dor depois ― pedi.
Pelo que Lucky explicou, nosso pai caiu da escada quando estava
arrumando uma janela. Pelo que eu soube, ele trabalhava com construção.
― Fisioterapeuta brilhante ela é, né? ― Sorriu nervoso para o Lucky e
se sentou na cadeira. ― Só queria lhes dizer que eu não sabia de vocês, mas,
quando descobri, contratei vários investigadores, mas não consegui
encontrá-los. Essa semana, eu soube que a Eliana está presa há algum tempo
e que, na verdade, ela se chama Mary. Nem o nome verdadeiro ela me disse,
e isso dificultou bastante meu desejo de descobrir sobre ela e sobre vocês
durante todos esses anos. ― Suspirou. ― Espero que me perdoem e juro
que, daqui para frente, estarei aqui sempre que precisarem de mim. ― Ele
olhou para o meu pai, logo atrás de mim. ― Não quero tomar seu lugar de
pai, não tenho esse direito. Me contento apenas com um espaço no coração
dela.
― Você é pai dela também e não sabia de nada, então nós dois
poderemos ocupar esse espaço em sua vida ― papai disse.
Beijei meu pai de criação, pois ele amenizou a culpa que Joaquin
sentia, então abracei meu pai biológico, tomando cuidado para não machucar
sua perna.
― Não há nada para perdoar. O senhor não está roubando o lugar do
meu pai, pois posso muito bem ter dois pais. ― Beijei seu rosto barbudo. ―
Fique bem, pois, assim que eu voltar, nós vamos marcar um almoço, você,
Lucky e eu. O que acha?
― Perfeito. ― Ele sorriu para mim e meu irmão, que assentiu. ― Seu
tratamento vai dar certo. Lamento por conhecer vocês nessa situação e não
poder fazer nada para ajudar.
― Precisamos ir, meu amor. ― Mamãe sorriu para meu pai biológico.
― Sou Alísia, a mãe dela.
― Prazer em conhecer vocês pessoalmente. Bryan mostrou as fotos das
famílias dos meus filhos, das pessoas que os amam e protegem. Fico feliz
por isso e nunca poderei agradecer-lhes o suficiente por tudo o que fizeram
para a minha filha. Infelizmente, não pude conhecer e abraçar a Laila.
― Não precisa agradecer. Ela é a melhor coisa que aconteceu na minha
vida e na do Antônio.
Fiquei de pé, preparando-me para ir ao quarto onde ficaria trancafiada.
― Antes de irmos, quero pedir a mão de Sophie a vocês dois, Joaquin
e Antônio ― ouvi Daniel falar atrás de mim. ― Sei que não é o momento,
mas, ao mesmo tempo, é. Não há nada que eu mais ame nesse mundo do que
ela.
Pisquei, chocada.
― Você o aprova? ― Joaquin olhou para meu pai de criação, que
respondeu:
― Sim, ele é como um filho para mim. Daniel merece minha filha,
porque não há ninguém que a ame mais do que ele. ― Sorriu para meu
namorado. ― Tem a minha benção, filho.
― A minha também ― disse Joaquin.
Daniel caiu de joelhos e me ofereceu um anel de ouro com uma pedra
em forma de meia-lua. Isso me fez ofegar.
― Eu poderia esperar para pedir que se case comigo depois de tudo
isso passar, como era previsto, mas, pelo visto, tenho que provar que vou
estar ao seu lado na dor, nas lutas, aqui, neste lugar ― olhou ao redor ―,
naquele leito onde você ficará... Não importa se seus cabelos vão cair ou
não, porque não ligo para isso. Vi a preocupação em seu rosto. Só quero que
saiba que para mim você é tudo, a razão de eu viver e o ar que respiro.
Coloquei a mão na boca. Ele continuou:
― Ficarei com você na doença, como neste momento, e também na
saúde, porque, após sair deste lugar, você estará boa, e eu me casarei com
você e terei uma família, uma com a qual sonho há anos. ― O amor brilhava
em seus olhos, e a emoção estava em sua voz. ― Prometo amá-la e respeitá-
la para sempre. Aceita se casar comigo?
Sorri em meio às lagrimas.
― Sim. Mil vezes sim.
Ele colocou o anel no meu dedo e o beijou.
― Te amo e vou te amar para sempre. ― Ele se levantou e beijou meus
lábios.
Nesse momento, não liguei de estar chorando de novo, porque era um
choro de felicidade, que parecia fazer meu peito transbordar.
― Também te amo ― declarei, pulando nos seus braços. ― Te amo
demais!
Em meio a todo o meu sofrimento, ganhei três presentes: a
compatibilidade da medula do meu irmão; a visita do meu pai biológico
antes da minha internação; e o pedido de casamento do Daniel.
Ouvi aplausos dos meus amigos e familiares e até de outras pessoas que
estavam naquela área do hospital.
No fundo, com Daniel ao meu lado, seria mais fácil passar por tudo até
que eu ficasse boa. Ele me daria as forças que eu não tinha para lutar e viver.
― Você é a Lua que ilumina minhas noites escuras, as estrelas que
brilham em minha vida e o Sol que clareia os meus caminhos. Com você ao
meu lado, Daniel, terei forças e passarei pelo vale das sombras. ― Beijei
sua boca, selando minha promessa.
Capítulo 20
DANIEL
Sophie entrou na sala branca onde cortaria os cabelos; ela decidiu que
faria isso ao invés de esperar que eles caíssem. A enfermeira iria ajudá-la.
Apesar da resolução, vi a forma como Sophie olhava para a tesoura e a
máquina de cortar cabelo na mesinha.
Eu queria poder fazer alguma coisa para que ela não passasse por isso,
mas, como não tinha jeito, eu seria a sua força, sua âncora, como disse antes.
Ignoraria meus medos e a dor em meu peito por vê-la sofrendo daquela
maneira.
― Sophie. ― Beijei sua testa. ― Não me importa se você terá cabelos
ou não, porque te amarei da mesma forma.
Ela me fitou com os olhos banhados em lágrimas.
― Mas...
― Me deixa te perguntar uma coisa: se eu ficasse careca agora, você
me acharia feio e me deixaria?
Ela piscou como se eu tivesse feito uma pergunta absurda.
― Não, jamais deixaria você por causa disso. ― Segurou minhas
roupas. ― Eu só...
― Eu sei. Quero que feche os olhos. Eu mesmo vou fazer isso ― avisei
à enfermeira, que me entregou a tesoura.
― Daniel...
― Vai ficar tudo bem, querida. ― Sentei-a na cadeira. ― Feche os
olhos se preferir, pois poderá ser mais fácil.
Ela assentiu, fazendo o que pedi. Pensei que, se visse os cabelos
caindo, seria pior. Tomei as mechas em minhas mãos e as cortei, deixando-
as cair ao chão, então liguei a máquina e a passei na sua cabeça, ouvindo-a
choramingar.
― Vão crescer de novo, querida ― garanti para tranquilizá-la. Assim
que terminei, tirei o pano que cobria sua roupa.
Peguei um lenço branco de dentro do bolso; tinha pedido para Sam
comprar um para mim. Nele, estavam escritas mensagens de nossos amigos.
Coloquei-o na cabeça de Sophie.
― Abra os olhos ― pedi com meu rosto perto do dela e a beijei de
leve. ― Ainda é a mulher mais linda do mundo.
Ela fez o que pedi e piscou ao ver o pano todo rabiscado de caneta em
sua cabeça.
― São mensagens dos nossos amigos. Nelas, eles estão dizendo que vai
dar tudo certo e que você vai se curar. ― Entreguei a máquina a ela. ―
Agora é sua vez.
Ela franziu a testa, ainda olhando o lenço pelo espelho.
― O quê?
― Sua vez de cortar o meu cabelo. ― Sorri, tirando-a da cadeira e me
sentando no lugar.
Ela piscou.
― O quê? ― Seus olhos foram para os meus cabelos. ― Não, Daniel,
não posso fazer isso...
― Ou você corta, ou pedirei à enfermeira ali fora ― falei decidido. Se
ela se sentia mal por estar sem cabelos, talvez, se eu também raspasse os
meus, seu incômodo amenizasse. Eu esperava que sim, porque não suportava
ver a dor em seus olhos enquanto observava seu reflexo. Preferia mil vezes
chorar a vê-la chorando e não choraria por causa dos meus cabelos, mas sim
por vê-la sofrendo.
Sophie olhou para a porta e fez uma careta linda. Quase ri ao imaginar a
loira lá fora tocando-me; não foi nem preciso ler sua expressão para eu
saber que era isso que ela pensava. Eu a conhecia e sabia quando ela ficava
com ciúmes.
― Vou cortar, mas não precisa fazer isso por mim ― sussurrou.
Sorri.
― Você faria o mesmo. ― Dei um selinho na ponta do seu nariz. ―
Além disso, nossos cabelos crescerão juntos.
Ela tentou me convencer do contrário dizendo que estava bem e que não
ia dar mais chilique sobre os cabelos, mas no fundo eu sabia que aquilo
ainda a estava ferindo, e eu suavizaria sua dor, ou tentaria, já que não podia
fazer nada mais.
Como não mudou minha resolução, Sophie raspou meus cabelos até
minha cabeça estar lisa como a sua. Fiquei de pé assim que terminou e sorri
para ela.
― Como estou? Feio?
Ela sorriu um pouco.
― Você nunca ficaria feio, Daniel ― declarou, abraçando-me forte. ―
Obrigada. Não sei como tive a sorte de ter um homem como você.
― Fui eu que tive sorte por você continuar me amando todos esses
anos. Posso soar egoísta, mas agradeço por não ter seguido com sua vida e
esperado por mim. ― Peguei sua mão e a puxei para fora da sala.
― Eu também. ― Olhou para a enfermeira, que me olhava com um
sorriso.
― Vejo que a ama muito ― disse a mulher. ― Sempre acompanho a
rotina dos acompanhantes dos internos, e alguns tomam a mesma atitude. —
Apontou para minha cabeça. — É uma demonstração de amor.
― Ele não precisava ter feito isso, porque sei o quanto me ama. ― O
tom de Sophie era cheio de fervor. ― Assim como eu o amo.
Entramos no corredor e fomos para o elevador, seguindo até o último
andar, onde tomamos outro corredor. Quanto mais andávamos, mais Sophie
ficava nervosa, até que parou de repente.
― O que foi? ― indaguei, avaliando o lugar para entender o motivo de
ela ter parado.
À nossa frente tinha uma garotinha de aproximadamente 12 anos. Usava
um vestido comprido e um lenço como Sophie, mas com estampa de
corações. Ao seu lado estava uma mulher com um lenço também, então
entendi o que a enfermeira disse sobre o que alguns acompanhantes faziam
pelos pacientes.
― Bailey? ― Sophie questionou e depois sorriu. ― Está tudo bem?
― Bem. O doutor falou que logo vou para casa. ― Sorriu para Sophie
e me olhou, avaliando minha cabeça careca. ― Minha mãe também raspou a
cabeça para ficar igual a mim.
― Isso quer dizer que ela te ama ― declarei. ― Assim como amo a
Sophie.
― Você é namorado dela? ― perguntou a garotinha, então arregalou os
olhos. ― Você é o Daniel Luxem? Não o reconheci a princípio por estar sem
cabelos, mas meu irmão é seu fã. Ele ama carros e diz que será um piloto
quando crescer.
Notei que aquela menina fofa gostava muito de conversar, ou tinha
ficado muito tempo sozinha de quarentena e estava aproveitando a
possibilidade de falar com outras pessoas.
― Fico contente com isso. Assim que sairmos daqui, marco um
encontro com vocês dois. O que acha?
A garotinha riu, impressionada.
― Ele vai amar isso! Vocês são namorados? ― Ela olhou entre nós
dois.
― Somos noivos. Ele acabou de me pedir em casamento. ― Sophie
levantou o anel para a menina.
Bailey arregalou os olhos.
― Tão lindo! É a Lua.
― Sim, Sophie é a minha Lua, o meu tudo ― declarei. ― Espero que
saia logo daqui e fique bem.
Bailey assentiu.
― Obrigada. ― Virou-se para Sophie. ― A quimioterapia vai ser
ruim. Dói muito, mas você vai conseguir. A mamãe disse que tudo ia ficar
bem e que era para eu ter forças, que, no futuro, eu seria modelo. É o meu
sonho.
― Modelo, hein? ― Avaliei sua mãe, que sorria.
― Se ela quiser, nós daremos o maior apoio ― disse a mulher. ― O
importante é ela ser feliz.
― Bom, se, quando completar 18 anos, ainda continuar com esse sonho,
me procure, que apresentarei você ao Ryan Donovan...
Parei de falar com os gritos da menina.
― Bailey, por favor ― repreendeu sua mãe, segurando a menina, que
parecia meio sem forças ou se recuperando ainda. ― Desculpe, mas ela é fã
desse cara e não perde nenhum desfile nas redes sociais.
― Jura? Pode me apresentar a ele? Posso conhecê-lo assim que você
vir meu irmão. ― Ela estava quicando de tão animada.
― Vamos, Bailey, nós precisamos ir para o quarto, e eles precisam
seguir para o deles ― falou a mulher.
Percebi que a garotinha não sairia dali enquanto eu não prometesse.
― Farei isso. Agora vá se cuidar para ficar boa e concretizar o sonho
de ser modelo no futuro.
― Obrigada. ― Virou-se para a Sophie. ― Você vai conseguir, assim
como eu.
― Vou, sim, tenho muitos motivos para viver. ― Sophie apertou minha
mão, dando ênfase ao que dizia.
Assim que a menina se foi com a mãe, eu me virei para a Sophie
enquanto caminhávamos para o quarto. Dona Alísia tinha ido à frente para
ajeitar algumas coisas no quarto para minha garota. Eu amava a minha sogra.
― Ela é muito fofa. Quando a conheceu?
― Ela ficou doente antes de mim. Em uma das minhas vindas ao
hospital, eu a conheci e, algum tempo atrás, soube que tinha conseguido
alguém compatível. Eu não tinha vindo visitá-la ainda porque ela, igual a
mim agora, não podia receber visitas. ― Sophie olhou para onde a menina
tinha ido. ― Fico feliz que ela tenha conseguido. Espero que se recupere
logo.
― Para você também vai ser assim. Sei que será doloroso e lamento
por isso, por não poder fazer nada, mas quero que saiba que vou estar do seu
lado sempre.
― Eu sei, Daniel. Você até raspou sua cabeça por mim. ― Sorriu um
pouco.
Ela suspirou assim que entramos no quarto, e notei o motivo: o cômodo
estava cheio de máquinas. Havia duas camas em um canto e cadeiras no
outro lado.
O doutor estava ali junto a uma enfermeira e, ao seu lado, dona Alísia.
― Pode ir se trocar no banheiro. Nós podemos esperar ― disse o
médico.
Sophie saiu com a dona Alísia, enquanto eu esperei para falar com o
doutor.
― Quantas sessões de quimioterapia ela vai precisar? ― inquiri. Sabia
que os efeitos eram devastadores e muito dolorosos para o paciente.
― Depende de como ela reagir. O tratamento é basicamente matar a sua
medula antiga e preparar o corpo para receber a nova para que ela possa
crescer e se desenvolver dentro do corpo dela, sem rejeição e com a
produção de todas as células sanguíneas normalmente.
― Vai ser ruim, doutor? ― Conversava baixinho para que Sophie não
ouvisse do banheiro.
― Ela vai sentir muito mais do que sentiu até agora, pois as células
precisam morrer, e isso poderá fazer seu corpo dar sinais de colapso.
Encolhi-me, mas logo me recuperei assim que Sophie saiu do banheiro
vestida com uma bata azul.
― Você escolhe se quer ficar na cadeira ou deitada na cama. ―
Gesticulou o médico.
Sophie assentiu. Vi que ela estava nervosa a ponto de suas mãos
estarem em punhos. Fui até ela e segurei seu ombro, dando-lhe forças.
― Cadeira por enquanto. ― Sentou-se e expirou. ― Me sinto como se
estivesse entrando em um consultório de dentista.
Ri para romper a tensão.
― Isso porque você tem medo de dentista, daquela maquininha que faz
barulho.
Enquanto eu falava com ela, o doutor e a enfermeira colocavam uma
agulha e um cateter no seu braço esquerdo.
Sentei-me na cadeira ao seu lado, segurando sua mão direita.
― Como os dois vão ficar aqui, arrumei o quarto ao lado; assim vocês
dois poderão se revezar se quiserem.
Sacudi a cabeça.
― Não saio daqui. Se estiver cansado, me deito nessa cama. ―
Apontei para a cama que não era cercada de aparelhos. ― Vou ficar bem. A
dona Ally pode ficar com o outro quarto.
Por nada eu sairia do lado de Sophie. Vi que ela queria retrucar, mas
senti que pareceu aliviada. Minha garota se mostrava forte, mas no fundo
estava com medo de ficar sozinha.
DANIEL
Lucky doou a sua medula para a minha garota, que a recebeu em forma
de transfusão. Ela já se encontrava no quarto, dormindo. Eu torcia para que
funcionasse e que Sophie não ficasse pior do que quando estava fazendo a
quimioterapia. Ao menos o doutor disse que havia uma chance grande de a
medula fluir e não ser rejeitada, porque a compatibilidade deles era grande.
Isso me deixou mais aliviado.
― Vai dar tudo certo. Sei que esse processo é difícil, mas a quimio foi
mais. ― Dona Ally estremeceu.
― Sabe do Lucky? ― perguntei, pois não o tinha visto. Não queria sair
do lado da Sophie, como quando ela me obrigou. Foi difícil deixá-la naquele
dia.
― Se recuperando bem. Ele quer vir aqui, mas ainda está se
restabelecendo. ― Meu amigo estava em uma sala de recuperação no
terceiro andar do prédio. Dona Ally suspirou. ― Aquele garoto adora a
minha menina.
― Quem não adora? ― Um segundo com Sophie, e todos passavam a
amá-la. Com o irmão dela não seria diferente.
Quando eu poderia imaginar que meu amigo era irmão da menina que eu
amava e conhecia desde a infância? Se eu ao menos sonhasse, teria feito os
dois se encontrarem antes de tudo aquilo. Ainda bem que a verdade foi
descoberta a tempo de o irmão dela poder salvar sua vida.
― Verdade. ― Dona Ally sorriu. ― Desde criança foi assim. Onde
Sophie estava, iluminava o lugar.
― Às vezes eu penso que poderia ter ido atrás da sua família; poderia
ter tentado encontrar algum deles. Acho que não fiz muito por ela ―
sussurrei, segurando a mão da minha garota.
Foi preciso o seu amigo ir à procura deles. Ela poderia ter conhecido
Lucky antes de tudo aquilo acontecer. Talvez até tivesse encontrado a Laila
também. Todavia, era tarde demais.
Dona Alísia arfou.
― Não fez o suficiente, Daniel? ― Sacudiu a cabeça. ― Querido, você
fez tanto por ela, por nós... Olha o que sofreu para nos proteger... para
protegê-la. Aquele acidente em que quase a perdemos... Ainda custo a
acreditar que seu pai foi capaz disso. Se eu soubesse, teria ido até ele buscar
uma justificativa. ― Ela se aproximou de mim e tocou meu ombro. ― Não
pense nisso, filho, porque você fez mais do que podia. ― Ela olhou para sua
filha adormecida. ― Agora, com esse transplante, creio em Deus que tudo
dará certo. Nossa menina vai ficar boa.
― Vou dever ao Lucky para sempre por salvá-la. ― Respirei fundo.
Não queria pensar no que podia ter acontecido se ele não fosse
compatível ou se ela não o tivesse encontrado... Não gostava de imaginar a
ideia de perdê-la, nem de nunca mais vê-la. Vivendo aqueles dias ali,
naquele quarto hospitalar, e vendo-a moribunda sem poder fazer nada, eu
soube que não podia viver sem ela. Se a perdesse... não... isso não
aconteceria! Sophie ficaria bem, e nos casaríamos em uma ilha, como ela
sugeriu. Minha menina sempre foi apaixonada por ilhas desde que éramos
jovens.
― Não vamos pensar no pior, sim? Agora ela está indo bem e vai
continuar assim, porque Sophie é uma mulher muito forte, capaz de lutar para
não perder quem ama, ou seja, nós. ― Ela apertou meu ombro.
― Sim ― concordei. ― Não há ninguém mais forte do que ela.
― Isso é verdade ― assentiu dona Alísia.
Toquei o anel de noivado no dedo de Sophie como se fosse para
comprovar que, finalmente, ela era minha.
― Sophie foi para a faculdade para cursar medicina, mas então o
Antônio se machucou e precisava fazer fisioterapia. Nosso convênio não
cobria muito na época. Minha filha deixou a Universidade do Alabama,
voltou para Dallas e mudou seu curso para fisioterapia, tudo para ajudar o
pai. Olha que insisti que não fizesse isso, mas não teve jeito. ― Dona Ally
suspirou.
― Ela é muito teimosa ― comentei.
― Sim. Ela esteve em alguns relacionamentos, mas nunca deram certo.
O mais longo foi com o Neil, há poucos anos. Acho que queria tentar seguir
em frente, mas no fundo nunca conseguiu, tanto que não trouxe nenhum deles
para os conhecermos. Embora tenha ficado um ano com o Neil, ela nunca o
amou. Acredito que por isso terminaram. ― Seu olhar se fixou em mim. ―
No fundo, sei que ela não seguiu em frente com ele ou com qualquer outro
porque ainda amava você. Mesmo depois de todos esses anos, ela não o
esqueceu. Acho que foi por isso que fez aquela tatuagem. ― Dona Alísia
apontou para o peito de Sophie. ― Alma gêmea. Sophie sabe que você é
isso para ela.
Assenti a tudo o que ouvi. Pensar nela com outros homens não era bom,
sofri bastante na época, mas no momento só queria seguir em frente ao lado
daquela mulher e me esquecer do seu passado e do meu após deixá-la.
― Ela não falou o motivo de ter feito essa tatuagem, mas tenho certeza
de que foi por você ― continuou dona Ally.
Passei a mão na minha cabeça, onde estavam nascendo alguns fios de
cabelo.
― Eu lhe dizia que ela era minha alma gêmea, o Sol, a Lua e as
estrelas. ― O meu coração se apertava forte no peito. ― Sophie é tudo isso
e muito mais. ― Às vezes, eu pensava que não a merecia, mas era incapaz
de ficar longe dela.
― Isso é bom, porque eu não saberia viver sem a minha alma. ―
Sophie abriu os olhos e me encarou. Parecia cansada; os medicamentos
contra rejeição a estavam deixando baqueada, embora a quimio parecesse
deixá-la pior. Sabia que ainda haveria um processo longo a percorrer, e eu
estaria ali para ela.
― Você está bem? ― Sabia que era uma pergunta idiota.
― Estou ― ela sussurrou. ― Como está o Lucky? Deve estar passando
mal.
― Não o vi ainda, mas ouvi dizer que está se recuperando. Ele está no
terceiro andar deste prédio. ― Toquei seu rosto.
― Não o queria doente. Disseram que o doador fica com dor de cabeça
e outros sintomas péssimos ― falou baixinho.
― Ele está bem. Agora você só precisa se recuperar, porque ele vai
querer isso. Logo o seu irmão virá para ver você. ― Eu não gostava de vê-la
se sentindo culpada e triste.
Sophie me deu um pequeno sorriso.
― Sei que está dizendo isso para ameninar a minha culpa ― revelou e
virou a cabeça para a sua mãe. ― Não chore, mamãe, eu vou ficar bem.
― Só tenho a agradecer a Deus por isso. Agora você ficará conosco
por um longo tempo. ― Dona Alísia beijou a sua testa. ― Te amo muito,
querida.
― Também te amo, mamãe. ― Depois me olhou. ― Por favor, procure
Lucky e veja como ele está.
Sacudi a cabeça.
― Não vou deixar você...
― Estou bem ― interrompeu-me. ― Daniel, vá lá por mim, por favor.
Eu desejava negar o seu pedido, mas não queria estressá-la. Além
disso, Lucky estava no mesmo prédio, então levaria apenas alguns minutos.
Logo eu voltaria para ela.
― Enquanto você vai lá, eu vou dormir um pouco. ― Logo estava
dormindo de novo.
Fiquei contente em vê-la descansar, porque, com a quimioterapia, ela
quase não dormia, acordava praticamente todas as noites. Eu tinha
consciência de que logo os efeitos do transplante surgiriam e que eles seriam
bem fortes. Queria estar ali para ela.
SOPHIE
Cinco meses depois
DANIEL
Durante todo o tempo em que Sophie ficou no hospital e durante sua
recuperação após a alta, preparei, com a ajuda de meus amigos, familiares e
funcionários, a minha surpresa para ela. Tinha certeza de que minha garota
venceria aquela maldita doença.
Não gostava do fato de ela precisar tomar remédios, mas felizmente só
faltavam cinco meses para que ela se curasse por completo. Eu não via a
hora de tudo acabar.
Sabia que tínhamos passado por muitas coisas tanto antes quanto depois
do nosso reencontro, mas vencemos todos os obstáculos. Contudo, não
conseguimos sozinhos, pois nossa família e amigos ajudaram.
Principalmente, Deus ouviu minhas preces.
No dia do brinde, quando revelei a ela que viajaríamos, levei-a para a
ilha que comprei para ela, no Caribe, onde passaríamos as nossas férias e
viríamos em qualquer ocasião que quiséssemos.
O chalé ao qual a levei era de madeira avermelhada, com janelas de
vidro de cima a baixo e telhado na forma de V de cabeça para baixo. Era
perfeito e pequeno. Um grande naquele mesmo estilo foi construído no sul da
ilha pelo pai dela.
Eu soube que Joaquin estava precisando de dinheiro e trabalhava duro
para pagar algumas contas que fez ao tentar localizar Sophie, Laila e Lucky,
então me ofereci para pagar suas dívidas e ajudá-lo a se aposentar, não por
sua profissão ser vergonhosa, longe disso; a construção e a carpintaria eram
funções honestas, mas eu vi o medo de Sophie depois de saber que ele caiu
da escada.
Entretanto, meu sogro era daqueles velhos teimosos que não aceitam
dinheiro fácil. O que me veio à mente foi passar o trabalho da cabana para
ele fazer e lhe pagar mais do que seu serviço valia. O problema foi que ele
percebeu e quis apenas o valor justo. Para lidar com meu sogro, era preciso
ter muita paciência.
Lucky não aceitou a sua recusa e lhe pagou as dívidas; por causa disso,
foi a primeira briga entre pai e filho. Ao menos no outro minuto já estavam
se falando de novo. Lucky jogou minha garota e Shaw na conversa que teve
com meu sogro, dizendo que, se ele caísse e se machucasse gravemente, eles
sofreriam demais.
O meu amigo também sofreria se perdesse o pai, pois vi a forma como
estavam se dando bem durante todos aqueles meses. A doença de Sophie os
uniu mais ainda. Por isso falou ao pai que, já que ele queria continuar
trabalhando, então que abrisse uma construtora e arrumasse pessoas para
fazer o serviço pesado, afinal o homem estava ficando velho, tinha quase 60
anos, para subir em escadas e andaimes. Ele soube que Joaquin chegou a ter
uma, mas teve que fechá-la para tentar localizar os filhos.
Relutante, Joaquin aceitou a ajuda do filho como um empréstimo. O
homem arrumou até uma promissória, porque não deixaria Lucky pagá-la.
Deu-me vontade de bater naquele velho teimoso. O homem era gente fina; o
que precisássemos e ele pudesse dar, estaria em nossas mãos. Tinha apenas
aquele problema, sua tenacidade.
No final, deu certo, e o meu chalé ficou lindo, tudo o que Sophie
merecia. O homem sabia realmente trabalhar naquele ramo. Eu tinha ido lá
durante a manhã, enquanto Sophie dormia. Ela não tinha conhecimento do
outro chalé, só saberia dele no dia do nosso casamento, ou seja, no dia
seguinte, logo cedo.
Eu trouxe um médico especialista para cuidar dela enquanto
estivéssemos na ilha, embora o doutor Eduardo, o mesmo que cuidou de sua
doença, disse que isso não era necessário, pois ela ficaria bem. Eu o
convidei para o casamento.
Para ir do lugar em que estávamos ao outro chalé era preciso atravessar
a floresta ou ir pela praia.
― Este lugar é magnífico! Se você fizer chalés para alugar ou vender...
― Compre sua própria ilha para fazer isso ― cortei Jordan. ― Quando
eu estiver aqui, só quero sossego e mais nada.
Ele sorriu.
― Eu poderia comprar outra, mas Laurel disse que quer fazer um chalé
aqui.
― Rosa Vermelha também ― disse Lucky, balançando a cabeça.
― Acho que todas combinaram pedir isso. ― Ryan bufou. ― Até a
Angel, que não liga para nada dessas coisas, se apaixonou pelo lugar.
Estava na floresta com Jordan, Lucky, Ryan, Jason e Bryan, voltando da
visita ao chalé maior. Não era longe de onde eu ficaria aquela noite com
Sophie.
― Ouvi Taby dizer que elas querem um chalé cada uma, porque,
quando voltarmos aqui em outras ocasiões, nós poderemos ficar em lugares
separados. ― Jason sorriu. ― São muitas crianças, e isso a deixa louca,
mesmo ela as amando.
― Filho é algo bom, nos traz felicidade e nos faz valorizar mais o que
temos ― falou Ryan. ― Eu amo a minha como nunca amei alguém. E meus
cunhados são como meus filhos.
― Você pretende ter filhos? ― perguntou Bryan a mim.
É claro que eu sonhava em ter filhos com Sophie, mas primeiro teria
que falar com o doutor, porque não perguntei sobre isso; tínhamos que saber
quando ele liberaria a Sophie para engravidar.
― Eu gostaria, mas ainda preciso pesar os prós e os contras. Não vou
tentar antes de conversar com o médico.
― Daniel! ― ouvi Sophie gritar da varanda do chalé.
Olhei para todos ali.
― Vão embora, pois ela não pode ver vocês aqui. Para todos os
efeitos, o nosso casamento será em outra ilha. Pelo menos, ela pensa assim.
― Fode muito hoje... ― Jordan foi interrompido por um tapa de Lucky
na sua cabeça.
― Veja como fala da minha irmã ― rosnou.
Ri, sacudindo a cabeça.
― Você também, Lucky, fode muito com a sua mulher... ― Corri dali
assim que Bryan pegou um pedaço de pau para jogar contra mim.
Ouvi o restante deles rir e o rosnado de Lucky e Bryan. Não liguei e só
saí dos arbustos para caminhar em direção à mulher que me chamava. Sua
voz era como o canto de uma sereia.
Eu nunca me cansava de olhar para aquela perfeição de mulher, que
estava só de biquíni verde. Sabia que ela não gostava de tirar o lenço da
cabeça, porém eu não entendia se era por vergonha ou apenas costume. O
cabelo dela estava mais longo e a cada dia crescia mais, porque usava
produtos para estimular o processo de crescimento. Eu já não ligava, deixei
o meu crescer sozinho, no tempo certo.
― Você está a cada dia mais linda ― falei com o corpo pegando fogo.
Aquela mulher fazia isso comigo apenas com um olhar.
Seu olhar comia cada centímetro meu. Eu estava sem camiseta e usando
uma bermuda de surf. A fome estava em seu olhar, assim como acontecia
comigo.
― Que bom que gosta da vista ― provoquei, puxando-a para meus
braços.
Esperava que todos tivessem ido embora e não estivessem nos
espiando.
― Você não sabe o quanto estou com fome disso. ― Sua mão foi até a
minha bermuda, e minha ereção ficou mais dura. ― Daniel, eu estou bem,
então vamos fazer sexo. Se eu não fizer logo, vou subir essas paredes como
uma aranha.
Eu já havia resistido muito, e não foi por não desejar, mas por querer
que ela se recuperasse por completo, que atingisse seu peso ideal e que sua
saúde ficasse estável. Busquei a opinião do médico sobre isso, e ele deu o
aval, contanto que nos protegêssemos, afinal, ela não poderia engravidar
tomando toda aquela bateria de remédios.
Peguei-a pela cintura, e ela envolveu as pernas e braços ao meu redor.
Levei-a para dentro, não querendo que ninguém visse nada, muito menos seu
irmão, que era capaz de vir chutar a minha bunda.
― O único lugar onde você vai subir hoje é no meu pau ― falei em seu
ouvido.
― Minha boceta agradece. ― Mordicou minha orelha, fazendo-me
gemer.
Porra! Aquela mulher ainda iria me matar. Nunca pensei que poderia
morrer de tesão.
Coloquei-a na cama e pairei em cima dela, beijando seus lábios.
― Vamos transar, mas, se sentir qualquer coisa diferente, quero que me
avise. O médico disse que sexo está liberado, desde que não nos excedamos.
Eu vou fazer tudo, e você fica quietinha, tudo bem? ― Não queria que ela se
esforçasse muito.
Seus olhos se arregalaram.
― Perguntou sobre sexo ao médico?! ― Sua voz subiu duas oitavas.
― Claro. Eu não iria tocá-la se não tivesse um aval médico. ―
Suspirei. ― Lembra-se da outra vez que a toquei? Nunca me senti tão
péssimo quanto naquele momento, com sua falta de ar. Senti-me como um
canalha louco por sexo.
― Daniel, eu seduzi você. Não havia como um homem resistir, só se
não gostasse da coisa, o que não é o seu caso. ― Sorriu de lado. ― A não
ser que você tenha virado...
Rosnei, abaixando-me, tirando sua parte de baixo do biquíni e abrindo
suas pernas; ali estava aquela parte que eu tanto adorava e amava em seu
corpo, uma pela qual estava faminto demais.
Assim que minha boca alcançou aquele broto rosa, eu me senti em casa.
Lambia e chupava com toda a fome que estava sentindo. Seus gritos eram
como música para meus ouvidos.
― Oh, Deus! Isso é bom demais! ― Suas mãos apertavam mais minha
cabeça. ― Juro, se um dia cortar seus cabelos de novo, eu vou chutar sua
bunda, pois adoro ter onde pegar, como agora...
Sorri, puxando seu brotinho com os dentes.
― Para quê? Se desejar mais da minha língua, será só pedir, querida
noiva. ― Segurei seu quadril. ― Lembra-se do que eu disse sobre não nos
excedermos?
― Pare de falar e me coma logo, porque está bom... ― Ela suspirou. ―
Isso, assim... ― Implorou assim que chupei seu clitóris: ― Não para, está
tão gostoso!
Sorri e voltei à ação, gostando da forma como ela estava, tão fogosa e
eufórica.
― Prometa que mais ninguém tocará assim em você. ― Eu tinha lhe
pedido isso uma vez, então nos separamos, e ela teve namorados, algo em
que eu não queria pensar naquele momento.
― Nunca houve. Ninguém nunca me tocou assim, além de você ―
declarou.
Levantei a cabeça para ela, não acreditando no que estava ouvindo.
― Mas você teve...
― Não fizemos oral. E vamos parar de falar sobre isso quando sua
boca está em mim. Não quero pensar no que fizemos no passado. ― Ela
tocou o meu rosto. ― O importante é estarmos aqui agora e nos amarmos.
Sophie tinha razão quanto a isso. No dia seguinte, ela seria minha para
sempre.
― Só me responde o motivo...
Ela deu de ombros.
― Acho que foi pela promessa que fiz a você. Eu não conseguia
descumpri-la.
Sorri, pensando em como poderia amá-la mais do que já amava.
― Também não fiz isso com ninguém. ― Toquei seu rosto. ― Só com
você. E, a partir de agora, será tudo só com você.
― Amo você para sempre ― declarou nos meus lábios, meio sem
fôlego. ― Quero você dentro de mim, Daniel.
Eu não ia deixar minha garota esperar.
― Tantos anos sonhando com isso, com você nos meus braços. E
amanhã será minha para sempre. ― Coloquei a camisinha, pois não queria
correr nenhum risco. ― Na verdade, sempre foi.
Beijei seus lábios conforme entrava nela com delicadeza, mas de forma
tão intensa quanto o sol. Cada centímetro que eu possuía dela era como
minha volta para casa.
Suas mãos foram parar nas minhas costas; a forma como me agarrava
me deixava louco.
― Me fode com força, Daniel! ― implorou.
Mesmo ouvindo seu pedido, embora me custasse negar isso a ela,
peguei leve. Estar dentro de Sophie me levava ao limite. Eu sabia que não ia
durar muito, mas de forma alguma gozaria sem que ela o fizesse junto a mim.
Toquei seu clitóris enquanto a beijava e acelerava mais meu quadril até
sentir minhas bolas batendo em sua pele.
Vê-la se desmanchando debaixo de mim, não havia prazer melhor que
isso. A forma como gemia e clamava meu nome. O jeito que me agarrava
como se não quisesse me deixar nunca mais ou estivesse agradecendo a Deus
por eu estar ali.
Nossos olhos se conectaram, e agradeci aos Céus por ela estar bem e
viva, por me dar mais uma chance de ter aquela mulher de novo.
― Goza para mim. ― Assim que essas palavras soaram, foi como um
tiro; eu a vi desmoronar e a segui logo depois. Caí ao lado dela e a puxei
para meus braços.
― Essa foi rápida, mas prometo que vamos demorar mais na próxima
vez. ― Sorri, indo ao banheiro me livrar do preservativo.
― E então? Onde vai ser o casamento, Daniel? ― perguntou ela vindo
atrás de mim.
Sorri comigo mesmo. Toda hora Sophie perguntava isso, e, para evitar
sua pergunta, eu a distraía até que esquecesse. Tive ideia de como teria uma
noite agitada. Não estava reclamando; na verdade, adorando.
― Vem tomar banho comigo. Aqui faz muito calor. ― Puxei-a para
debaixo do chuveiro e tirei o seu lenço.
― Daniel...
― Sophie, você não precisa usar isso por achar que fica estranha com
seus cabelos assim. ― Toquei os fios curtos e molhados. ― Não ligo, linda,
o que me importa é você. Não ligo para cabelos, além disso, eles logo irão
crescer.
― Eu sei, mas acho que o uso do lenço virou um costume; fiquei tanto
tempo com ele quando estava careca que é estranho não o usar. ― Tocou
meu coração. ― Nunca pensei que você me deixaria por estar sem cabelos,
afinal enfrentou tudo ao meu lado... É difícil alguém fazer tal coisa.
― Alguém que ama faz, sim, Sophie, assim como eu amo você. Perdê-
la não era uma opção. ― Tracei sua face. ― Não sei viver sem isso aqui em
minhas mãos. ― Segui para seus seios. ― Ou isso.
― Meus peitos?
― Não sabe como eles são saborosos. ― Coloquei um na minha boca e
tomei o bico entre os dentes.
― Vamos para a segunda rodada. Acha que consegue? Afinal está meio
velho, não é mais um adolescente na puberdade ― provocou com um sorriso
safado como o pecado.
Oh, ela não sabia do que eu era capaz. Com um sorriso, caí de joelhos
na sua frente e abri suas pernas, colocando uma em meu ombro. Então a
devorei debaixo do chuveiro; cada lambida, e eu a fazia gritar ainda mais.
Então a penetrei com dois dedos conforme chupava seu clitóris.
Tive que segurar seu quadril, ou ela cairia ali, com as pernas bambas.
Devorei-a e a degustei como se fosse uma comida que eu adorava. Senti suas
paredes apertarem meus dedos, então coloquei outro, e logo ela gozou com
um grito. Não parei de lambê-la até ela que ela parasse de tremer em minhas
mãos e boca.
Afastei-me com um sorriso, colocando os dedos na boca.
― Deliciosa. Ainda vai falar que sou velho?
Seus olhos foram para a minha ereção em pleno vigor. Sorriu.
― Vamos ver. ― Caiu na minha frente, levando a mão ao meu pau duro.
Gemi, cerrando minhas mãos em punhos, deixando que ela fizesse o que
quisesse.
Sophie passou a ponta da língua na coroa, fazendo gotejar pré-sêmen.
Juro que nunca vi visão mais perfeita do que aquela.
― Tão gostoso quanto eu me lembrava. ― Seus olhos molhados pela
água do chuveiro se lançaram em minha direção. ― Senti muita falta dele
inteiro.
Engoli em seco.
― Ele é seu para fazer o que quiser ― consegui dizer, rouco.
― Oh, eu vou abalar o seu mundo. ― Sua boca tomou o meu pau. Se
alguém podia fazer isso, era ela. Com uma chupada, quase caí de joelhos,
tive que me equilibrar na parede de azulejos. Desliguei a água para apreciar
a visão da boca macia preenchida pelo meu pênis.
― Uma visão de outro mundo. ― Levei uma mão ao seu rosto. ― Tão
linda.
Seu olhar não deixou o meu por nenhum segundo e brilhava como o sol.
A parte do meu pau que ela não conseguiu colocar na boca, segurou. Então
sua cabeça passou a balançar para cima e para baixo com a sucção.
Meu corpo se convulsionava, tremendo; sabia que era por causa
daquela visão do meu pênis sumindo e aparecendo em sua boca. Meus olhos
se fecharam, e escorei a cabeça na parede, sem forças.
Empurrei meu quadril mais em sua direção.
― Porra, esses lábios... ― Interrompi-me quando ela acelerou mais os
seus movimentos. ― Vou gozar...
Estava a ponto de explodir em sua boca, quando um dedo foi enfiado na
minha bunda e seus movimentos aumentaram, puxando-me para o
arrebatamento.
― Jesus Cristo! ― exclamei, quase subindo pelas paredes, e gozei com
a força de um vulcão. A porra teve uma explosão que me deixou de pernas
bambas, mole feito um bêbado, mas com uma overdose de sexo.
― Está vivo? Ou terei que chamar o médico para saber se você teve um
ataque cardíaco após o sexo oral? ― Seu tom era provocante.
Meus olhos vidrados se abriram, e os foquei nela, que sorria brilhante.
Até minha visão ficou embaçada.
― Você conseguiu mesmo abalar o meu mundo ― consegui dizer,
ofegante.
Ela sorriu e ficou de pé. Em seguida, ligou o chuveiro para nos
lavarmos.
― Eu falei que faria isso. Aprendi o negócio do dedo no livro da
Angelina. ― Olhou-me enquanto se ensaboava. ― Parece que você gostou
disso. Acho que ela fez com o Ryan.
― Acho que não consigo me mexer ― sussurrei ainda sem fôlego e a
puxei para os meus braços. ― Você sabe deixar um homem de joelhos.
― Essa é a ideia ― retribuiu o beijo. ― Mas não pense que esqueci.
Você me distraiu sobre o casamento.
Quase gemi, mas dei um selinho em suas pálpebras.
― Sophie, minha linda noiva, só quero ficar essa noite com você.
Deixe a sua família organizar tudo. Lembra-se, no passado, quando falei que
tinha uma surpresa para fazer? Não tive tempo na época, então me deixa
fazer essa surpresa para você amanhã.
Ela piscou.
― Ia me pedir em casamento?
Ri.
― Não, mas eu ia levar você a uma ilha. Não podia comprar uma, mas
ao menos poderia passar aquele dia ao seu lado. ― Toquei seu rosto. ― Me
deixa fazer isso por você? Quero que seja feliz.
― Eu sou, Daniel. ― Sua voz estava cheia de emoção. ― Te amo
demais.
Beijei-a, dando graças aos Céus por aquela mulher me amar e nunca ter
desistido de mim.
Epílogo
SOPHIE
Quando Daniel me disse que faria uma surpresa em relação ao nosso
casamento, pensei que seria em uma igreja ali, no Caribe, perto da ilha em
que estávamos.
Eu estava no quarto grande de madeira branca, com janelas de vidro,
embora fechadas com cortinas. Estava totalmente proibida de sair para ver
como tudo estava indo. Poderia dar uma espiada, mas queria realizar o
pedido de Daniel.
Ele tinha me deixado ali, naquele quarto, havia algumas horas, para que
eu me arrumasse. Trouxe-me vendada. Todavia, o que me surpreendeu foi
que não pegamos helicóptero nem barco, então o casamento seria ali mesmo,
naquela ilha, em algum lugar não muito longe, porque andamos pouco de
onde estávamos, no chalé.
No fundo, achei divertido ser vendada e levada para não ver a surpresa.
Não sabia como estava a organização do local lá fora, mas de uma coisa
tinha certeza: eu amaria cada momento promovido pelos meus amigos e
parentes, assim como pelo homem que eu amava.
No quarto, mamãe, Laurel e Alexia estavam cuidando de mim. Até o
vestido tinham comprado, o meu tamanho atual. Eu não sabia como tinham
feito isso, mas conseguiram. Apostava que tinha o dedo do Daniel.
Ali, vendo-me refletida no espelho de corpo inteiro naquele vestido
branco, era como se eu estivesse em um sonho. Ele se moldava ao meu corpo
como uma luva, marcava minha cintura e era rodado. Na região dos seios
tinha diamantes em forma de Lua, as quatro estações. Um véu estava preso na
minha cabeça.
― Uma coisa azul. ― Mamãe me entregou uma corrente com uma pedra
azul-turquesa.
Eu já tinha uma coisa nova, os brincos que Tabitta havia me dado. A
coisa velha era uma pulseira que estava no fundo do baú, um antigo presente
de Daniel. Eu não a usava porque me trazia muitas lembranças na época.
― Só falta algo emprestado ― falou Alexia, examinando-me para ver o
que estava faltando. Enfim ela pegou um broche seu e o colocou no meu
decote. Por incrível que pareça, ficou bonito.
― Obrigada ― sussurrei.
― Está tão linda, meu amor. ― Mamãe colocou a mão na boca como se
tentasse conter o choro emocionado.
― Oh, mamãe, não chore ― pedi, abraçando-a.
― Sempre foi o meu sonho que você se casasse com ele. Demorou
anos, mas se cumpriu. ― Sorriu.
― Ele é o genro que você sempre quis, não é? ― Ri, sacudindo a
cabeça.
― Verdade ― concordou.
― A senhora o ama como a um filho.
A mãe de Daniel não viria ao casamento; ele não queria trazê-la,
porque temia que se alterasse ao ver nosso matrimônio. Eu não me
incomodava com isso, porque entendia que ela estava doente. Falei a ele
que, depois que nos casássemos, ela moraria conosco. Não poderíamos
tomar conta dela em razão dos nossos trabalhos, mas poderíamos contratar
alguém qualificado.
― Sophie, está na hora. ― Alexia me trouxe de volta dos meus
pensamentos.
Naquele momento, eu só queria focar em Daniel e vê-lo no altar
esperando por mim com aquele sorriso sexy que eu amava demais. Com ele
ao meu lado, enfrentei vários obstáculos, mas havia chegado a nossa vez de
sermos felizes ao lado um do outro.
― Pare de pensar, Sophie. Agora é hora de agir. ― Mamãe sorriu.
Uma batida na porta soou, e meu pai Joaquin surgiu ali, com um terno
azul, cabelo penteado de lado.
― Está um gato, papai. ― Sorri assim que mamãe e as meninas saíram.
― Você está tão magnífica, meu anjo. ― Beijou meu rosto. ― Só vim
desejar que você seja feliz, minha filha.
― Obrigada, pai. — Beijei seu rosto.
Soube por ele quando conversamos – assim que saí do hospital –, o
motivo de a Mary ser daquele jeito; ela foi tratada como alguém indesejada
pelos próprios pais e sempre viveu na pobreza, por isso desprezava tanto
quem não tinha dinheiro. Mesmo que ela tivesse se apaixonado por ele, isso
não era suficiente. A cadela queria ficar com o meu pai como um amante,
mas casada com outro cara, um russo rico. Foi assim que ela teve Laila e a
mim, em uma recaída, anos depois de abandoná-lo. Papai disse que, depois
de alguns anos, Mary voltou e quis ter outra noite com ele mais uma vez, mas
ele não quis. Foi quando ela contou sobre nós e ele tentou nos encontrar.
Para mim, o jeito como ela foi criada não justificava o que fez com seus
filhos, por isso não me importei quando soube que ela levou uma facada na
cadeia, indo parar na enfermaria. Parece que alguém ficou sabendo o que ela
fez com seus filhos. Mesmo que eu preferisse que isso não tivesse
acontecido, ela mereceu, porque, por sua culpa, eu não tinha a Laila ao meu
lado.
― Vou esperar lá fora ― falou assim que ouvimos outra batida na
porta. Eu sabia que era meu pai Antônio.
― Tudo bem. Só quero que saiba que amo você ― declarei.
― Também a amo demais. ― Beijou minha testa e saiu.
Ouvi-o falando com o meu pai lá fora.
― Oi, meu amor. Está pronta? ― perguntou meu pai Antônio.
― Papai, o senhor se magoaria se eu pedisse ao Joaquin para me levar
ao altar também? Vocês dois juntos? ― pedi com cuidado, pois não queria
ferir os sentimentos dele.
― Não me importo, querida, e acredito que ele vai ficar imensamente
feliz. ― Sorriu. ― Eu não poderia ter criado uma filha melhor.
No corredor, estavam duas crianças, as damas de honra, Ariane, com o
seu belo vestido rodado, e Lira, com seus cachinhos loiros brilhantes. Elas
seguiam na frente, e eu atrás delas, com meu pai. Esperava encontrar o outro
na entrada do local em que seria realizado o casamento.
Olhei ao redor, notando que aquele lugar se parecia com o outro chalé
em que estávamos horas antes, só que maior.
Passamos pela sala e saímos pela porta da frente.
Arfei.
― Todos vocês fizeram isso? ― questionei assim que consegui
recuperar o fôlego.
Encarava o mar azul e a areia branquinha, com coqueiros ao redor
fazendo sombra. À direita do chalé, de costas para o oceano, tinha uma tenda
grande com várias cadeiras ocupadas. Sob a tenda, tinham milhares de flores
de todas as cores, e uma guirlanda estava pendurada na entrada dela. Entre
as fileiras de cadeiras, um corredor coberto com um tapete verde seguia ao
altar improvisado. Às minhas narinas chegavam aromas florais, e a brisa
marinha soprava contra meu rosto.
― Sim. Aquele homem é louco por você. Olha o que ele fez. ― Meu
pai Antônio sacudiu a cabeça. ― Nunca poderei lhe agradecer o suficiente.
Meu coração se aqueceu por dentro. Daniel era assim, um homem
honrado e muito prestativo.
Olhei para a direita, e meu pai Joaquin estava ao meu lado com um
sorriso.
― Está feliz, meu amor? ― Ele parou sob a guirlanda.
― Demais, pai! Daniel é tudo o que eu sempre quis. Quer me
acompanhar também? ― inquiri.
Pensei que o sorriso que me deu iluminaria todo o lugar, e sabia que ele
logo choraria. Puxou-me para seus braços de urso.
― Muito obrigado pela honra, minha filha. ― Afastou-se e ficou ao
meu outro lado, curvando a cabeça de leve para o meu pai Antônio. ―
Obrigado.
Fiquei no meio dos dois e peguei seus braços. Ainda bem que o
corredor era grande e cabia nós três.
Meus olhos vagavam pelo lugar, que parecia um sonho encantado. Do
lado direito, estavam os meus amigos e minha família, além de meu chefe e
alguns colegas de trabalho. Do lado esquerdo, estavam os amigos do Daniel
e parentes, primos que eu não conhecia pessoalmente, mas sabia que tinha.
Vi dois homens desconhecidos no canto da tenda, quase do lado de fora.
Eles vestiam jaqueta preta com o emblema e o nome de uma fênix. Um era
alto, de cabelos curtos e sorriso sexy. O outro era um pouco mais baixo, com
cabelos em tom castanho e muito atraente. De repente me lembrei de que
Jordan e Daniel conheciam alguns MCs do bem. Eles não me pareceram
maus, apenas lindos.
Respirei fundo e olhei para o altar improvisado e, ao fundo, o mar. Ali
estava o homem por quem meu coração batia e eu respirava; aquele que me
deixava de pernas bambas. Se não fossem meus pais ao meu lado, eu teria
caído ou sairia correndo para ele.
Na noite anterior, nós fizemos amor algumas vezes, e eu realmente
fiquei esgotada, por isso dormi como uma pedra.
Chegamos ao altar, e Daniel veio ao meu encontro com um sorriso
lindo, quase maior que o Sol.
Meus dois pais me entregaram a ele fazendo algumas ameaças, mas eu
sabia que estavam brincando. Todos sabiam o que Daniel sentia por mim.
― Eu a farei feliz ― jurou, apertando minha mão ao prometer aos meus
pais que me amaria para sempre.
Nó nos viramos para o padre que ministraria a cerimônia.
― Estamos aqui hoje para celebrar o casamento de Daniel Frederic
Luxem e Sophie Winter.
Assim que terminou, ele pediu para que declarássemos os nossos votos.
Peguei a aliança e fiquei de frente para o Daniel.
― Nunca acreditei em alma gêmea até me apaixonar por você. Mesmo
com tudo o que aconteceu, a dor, o vazio e a solidão ao perder você, não me
arrependo de tê-lo conhecido. Daniel, o nosso amor sobreviveu a tudo isso,
à doença e ao vale da morte. Naquele hospital, sentindo dor, eu só tinha uma
coisa em mente: sobreviver. Porque, se perdesse a batalha pela vida, eu
perderia você, e essa não era uma opção. ― Respirei fundo. ― Você é o
meu Sol, a Lua e as estrelas. O Universo inteiro.
Seus olhos estavam marejados.
― Minha doce Sophie, a partir do momento em que me apaixonei, eu
sabia que não viveria sem você. Quando fiquei longe, era como se estivesse
morto; mesmo respirando, era como se eu tivesse perdido a minha alma. No
caso, você. ― Suas mãos apertaram as minhas. ― Hoje, eu a tenho de volta,
a minha alma está inteira, e nunca estive mais vivo. Mesmo naqueles
momentos em que achei que a perderia, no fundo tive fé e pela primeira vez
rezei para um Deus que eu não conhecia. E, no final, Ele me ajudou e a
deixou viva para mim. Amo você para sempre.
O padre nos declarou marido e mulher. Não perdi tempo e pulei nos
braços de Daniel, beijando-o e lhe mostrando todo o meu amor. Um amor
que sobreviveu à alegria, à saúde, à tristeza e à doença, capaz de abalar o
mundo.
Sobre a autora
IVANI GODOY
Nasceu em Nova Xavantina, Mato Grosso, em 1981, mas hoje vive em
Birigui, São Paulo. É casada há dezessete anos e mãe de três filhos, que são
sua razão de viver. Começou a se interessar por livros ainda criança, quando
fugia para a biblioteca da escola por sofrer bullying.
Acredita que o amor ultrapassa barreiras e preconceitos, sendo capaz
de superar tudo. Com esse pensamento, seguiu em frente e passou a escrever
histórias de amor, pois é o que ela mais gosta de fazer.
Convites
Venham conhecer meus outros livros também: “Híbrida”, uma
história de fantasia, é o primeiro livro da série “Destinos”. Um romance
entre uma garota metade elfo e metade humana que se apaixona por um
vampiro, o filho de seu pior inimigo.
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[1]
Nota da autora: o Gato de Cheshire, Gato Risonho, Gato Listrado ou Gato Que Ri é um gato fictício,
personagem do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol. Ele se caracteriza por seu
sorriso pronunciado e sua capacidade de aparecer e desaparecer.
[2]
Nota da autora: nas igrejas, local destinado aos ofícios divinos e aos cânticos, situado em diversos
lugares consoante a época (à frente do altar, sobre a porta de entrada principal etc.).
Table of Contents
VOCÊ É MINHA
Sinopse
Prólogo
1 – Injustiçada
2 – Conflito
3- Descoberta
4 – Influência
5 - Armação
6 – O Troco
7 - Escolha Difícil
8 - Renúncia
9 – Sobrevivendo
10 - Clube Rave
11 - Pedido Especial
12 - Desejo Ardente
13 – Casamento
14 - A Viagem
15 - O Fim
16 – Tormento
17 - A Verdade
Epílogo
A APOSTA
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Epílogo
LOUCO POR VOCÊ
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Epílogo
MARCA DA ESCURIDÃO
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Epílogo
DOMADO POR VOCÊ
Sinopse
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Bônus
SEMPRE FOI VOCÊ
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Epílogo
Sobre a autora
Convites