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DRE N°118017957
Faculdade de Letras
2. O Mito 5
3.1 – Atributos: 15
4.1 – Elêusis 24
6. Conclusão 49
7. Agradecimentos 50
8. Referências 51
Aleister Crowley
1. Introdução
O trabalho aqui apresentado tem como objetivo usar a figura mítica da deusa helênica
Perséfone em um estudo que explica os arquétipos de transformação e empoderamento, para
que ao final possamos chegar numa conclusão a respeito da ligação da deusa grega com tais
atributos que são muito creditados a ela.
A concepção de Perséfone foi algo que não estava nos planos de Deméter, a deusa da
agricultura e da fertilidade. Ela estava muito bem criando plantações e cuidando da safra dos
homens, porém, foi durante esse período que Zeus divorciou-se de Têmis e começou a
perseguir a deusa dos grãos para tomá-la como esposa. Deméter tentou resistir e fugir na
forma de serpente, mas seu irmão também toma a forma do animal e a possui.
Por muito tempo a criação da Kóre foi recheada de paz e tranquilidade. Kóre estava
cercada da companhia de um séquito de ninfas e – frequentemente – de suas irmãs, Ártemis
(deusa da Lua, da Caça e das Virgens) e Athena (deusa da Sabedoria, da Guerra justa e do
Artesanato). Por não ter tanto contato com o sexo oposto, Kóre começava a verter-se à
castidade que era um atributo forte de suas duas irmãs. Isso, para a sua infelicidade, deixava
uma deusa irritada: Afrodite, senhora da beleza e do amor.
Depois que a Titanomaquia terminou, os deuses venceram seus antecessores e os
expulsaram para o fundo do Tártaro. Porém, novos inimigos erguiam-se contra os deuses. Os
gigantes eram Tífon, Briareu, Encélado e muitos outros; monstruosas criaturas de poder
destrutivo imenso que quase foram a ruína dos deuses, mas foram sobrepujados e
arremessados dentro do Etna onde até hoje se debatem na tentativa de escapar, tais sacudidas
na ilha causam terremotos e a respiração de todos causava a erupção do vulcão, assim
chamada pelos homens.
Tudo isso ocorria acima da terra, acima dos domínios fúnebres de Hades, deus dos
mortos e Rei do Submundo, que ficou preocupado com a queda dos monstros que sacudia a
terra botando todo o seu reino em perigo, pois seria exposto a luz solar. Por conta disso,
tomou sua carruagem negra e com seus cavalos rumou às terras superiores a fim de averiguar
a região para verificar a extensão dos danos. Foi aí que do alto do Monte Eryx a deusa do
amor começou a observar o funesto deus e, brincando com o filho Eros (o deus do amor
carnal e do desejo), falou:
– Filho amado, use suas flechas invencíveis que sobrepujam todos, até Zeus, e finque
uma delas no peito do Regente Ctônico. Por que ele pode ser o único a escapar de nosso
poder? Aumente nossos domínios para que não
sejamos mais desprezados, como somos pelos que se
ausentam de viver o amor e a paixão. Se teu interesse
é o mesmo que o meu, junte-nos num só e atire sua
seta no peito dele.
Antes de voltar aos bosques onde foi encontrada, Hades ofereceu à Kóre uma romã
dos jardins de seu castelo, pois ele já sabia do intento da deusa em querer ajudar e disse que a
romã era a chave para sua liberdade e escolha pessoal. A donzela divina aceitou e comeu
algumas sementes.
Enquanto isso, na terra, Deméter estava enlouquecida atrás da filha. Triste, devastada,
enlutada e desligada de suas tarefas como deusa. Ela buscou ajuda com deuses Hécate e
Hélio, pois esta iluminou sua busca nas noites sombrias e fora o outro que contara do
ocorrido. A busca de Deméter pela filha havia começado com o destino, agora, definido. Ela
caminhou pelo mundo inteiro e depois de um bom tempo parou e sentou-se sobre uma rocha
permanecendo ali por nove dias e nove noites, triste e exausta. Celeus passava por ali com
sua filha que vendo Deméter com outras deusas (transfiguradas em velhas senhoras) correu
até ela dizendo “Mãe, porque fica aqui sozinha na rocha?” Ouvir alguém chamá-la de mãe
aqueceu seu coração. Celeus convidou a deusa para seu palácio em Elêusis, porém a Senhora
dos Grãos recusou o convite que foi refeito ao que pai e filha acabaram por chorar com a
Deméter.
Vendo a situação chorosa, ela terminou por aceitar o gesto de compaixão e foi guiada
para ao palácio do homem. No caminho, o homem que levava uma carga em suas costas
contou sobre o filho recém-nascido que andava doente, ouvindo isso colheu algumas
papoulas antes de entrar na casa. Metanira, esposa de Celeus, recebeu a deusa e esta foi até a
criança beijando-lhe os lábios, o que lhe trouxe lividez e um novo vigor. Eles mantiveram a
deusa muito bem recepcionada durante um tempo, enquanto a deusa cuidava do filho do
casal, Demofonte. Ela o alimentava com leite misturado com suco de papoula (outras versões
ela usa a própria bebida dos deuses, néctar). Até que certa noite, Metanira encontrou Deméter
untando o filho em óleo de ambrósia e o pondo dentro da lareira. A mãe gritou com a velha
senhora retirando o filho das chamas, o que irritou a deusa que assumiu sua verdadeira forma
e dizia:
– Mortal idiota! Seu amor cego pelo teu filho o privou dos melhores presentes. Eu ia
torna-lo imortal e você se meteu no processo, agora ele será apenas um grande herói – a
comoção trouxe Triptólemo, filho mais velho do casal, e os demais para o quarto do bebê. Ao
entender tudo o que acontecia ali, o garoto que vinha ajudando na busca de Deméter,
intercedeu pela mãe. – Pelo menos, Triptólemo é sensato e há de cumprir uma missão dada
por mim. Ensinará os homens o uso do arado, e também sobre os tesouros que o cultivo da
terra podem trazer. Não esquecerei de te recompensar, mas antes tenho que achar minha filha
– dizendo isso, ela partiu em sua busca.
Durante o tempo que andou ignorando a terra, o mundo morria e aquilo que nela
habitava enfraquecia. Acabou sendo violada por Poseidon e dele nasceu os gêmeos, Arion – o
cavalo mais veloz do mundo – e Despina – a deusa da neve e da geada. Esta ficou desolada
pelo abandono da mãe e do pai, acabando sendo criada por um titã de nome Anitos que lhe
deu seu nome. Despina com rancor de ambos os pais, destruía toda a vegetação criada pela
mãe e congelava qualquer fonte de água, pois lembrava do pai. Deméter andou pelo mundo
mais uma vez, encontrou-se com uma ninfa que contou a ela o que acontecera e como Kóre
havia se tornado soberana do reino dos mortos, aquilo chocou a deusa de tal forma que ela
não tinha palavras.
Quando reuniu informações suficientes foi até Zeus para que ele tomasse uma atitude.
E qual foi seu espanto ao descobrir que o próprio pai de sua filha e seu irmão sabia do que
estava acontecendo. Deméter ficou furiosa e mandou que ele concertasse aquela situação ou
ela nunca mais iria fazer a terra ser fértil novamente. Zeus, que logo ficou sem ter para onde
ir, convocou Hermes para que ele fosse aos domínios sombrios de Hades para trazer Kóre de
volta, desde que ela não houvesse comido nada dos reinos inferiores. Que pena para a doce
inocência deles, pois ela já havia provado da romã.
Chegando no mundo inferior, Hermes foi ao castelo do Zeus Ctônico, Hades, e disse
para que havia ido àquele local. Hades chamou por Kóre que estava diferente aos olhos de
Hermes, que fora um dos deuses que tentou desposá-la. Ela estava mais bela, mais radiante,
mais poderosa. Hermes explicou a situação e Kóre disse que iria, mas que não poderia ficar
para sempre já que havia não só comido a romã, como também queria continuar naquele
lugar onde agora ela era rainha. O deus dos mensageiros foi até Zeus e Deméter, que logo se
desesperou pela atitude da filha mediante o que Hermes contara. Junto de todo o Olimpo com
Kóre e Hades inclusos, Zeus chegou ao acordo de que a filha ficaria três meses com o – agora
– marido e o resto ficaria com Deméter (algumas versões dizem que seriam seis meses com
Deméter e seis com Hades, mas essa é uma versão mais tardia do mito; há também uma
versão na qual a própria Perséfone oferece a solução para o conflito e não pai, Zeus) pela
terra. E Zeus ainda proferiu que Kóre quando descesse aos domínios ctônicos, não mais
carregaria tal inocente nome e, sim, seria chamada de Perséfone (Περσεφόνη), “Aquela que
destrói (a luz) ”.
Depois disso, Deméter ainda voltou à casa de Celeus para ensinar Triptólemo e
mandou que fundassem um templo no monte acima das marulhas de Cálidon. Lá a própria
deusa ensinou os mistérios e ritos à família de Celeus e aos eleusinos, tal iniciação viria mais
tarde ser conhecida como os famosos Mistérios de Elêusis.
Na versão mais corrente do mito, Kóre é raptada pelo deus psicopompo e feita
prisioneira dele até que houve a intervenção de Zeus por meio de Hermes que foi busca-la,
sendo que antes a jovem acabou por comer três (variando até seis) sementes de romã dos
jardins de Hades, ficando assim eternamente ligada ao local e ganhando seu novo nome.
Quando Afrodite incita Eros contra Hades, podemos imaginar que a ação pudesse ser
considerada um ato de tornar um solo antes infértil em um apto a sustentar a vida, pois Hades
seria as terras inóspitas e sem vida recebendo de Eros a força telúrica do amor (nesse caso, a
vitalidade), que pode ser considerada vinda Afrodite, uma vez que antes de ser deusa do
amor, ela também era cultuada como senhora da vida e da fertilidade. Aqui traçamos um
paralelo com um conceito de equilíbrio do Yin-Yang, em que um não existe sem o outro e
dentro de cada um existe um pouco daquele. Ou seja, se na terra havia a transição da vida
para morte, por que no submundo não haveria a passagem da morte para vida?
É aqui que Perséfone (vou trata-la dessa forma por conveniência social do nome mais
conhecido) entra na história. Ela é a deusa da primavera, das flores, frutos e perfumes,
inicialmente. O convite de Hades para levá-la ao submundo personifica a aceitação da parcela
faltante de algo em seu reino, que não respeitava esse equilíbrio comum do universo. Trazê-la
aos domínios ctônicos representava levar a vida ao local, que segundo Homero na Ilíada, era
podre, imundo e fétido. Ao aceitar o convite, Perséfone toma a primeira escolha importante
de sua vida, uma escolha que pode ser ou não carregada de rebeldia, mas que sem sombra de
dúvida representava o início de sua jornada pessoal de autoconhecimento. Isso traria à deusa
a liberdade de todos os estigmas e padrões aos quais ela estava imposta anteriormente pela
figura superprotetora da mãe.
Lá, como é relatado na versão do mito apresentada, Perséfone entende que seu poder
de fazer a vida crescer seria muito útil naquele lugar, pois somente através de seu poder que o
renascimento das almas seria possível. Muitos gregos acreditavam que para renascer
precisava-se da permissão de Perséfone, assim as almas passariam pela deusa Lete, que
cuidava do rio ctônico homônimo, para lavarem suas memórias da vida antiga para viver uma
nova experiência do zero.
Entrando na figura de Deméter agora, tem que se entender o que ela representa além
do fato de ser a deusa da agricultura. Ela, arquetipicamente falando, se mostra como a figura
da Mãe. Aquela que gesta, concebe, cuida, nutre e ensina. Mas é possível notar no mito que a
deusa possui sobre a filha uma obsessão doentia, privando a garota de viver uma vida livre,
uma vez que sempre tomava as decisões por ela e a mantinha numa zona de ignorância
perigosa para ela própria, Deméter. Ela também é responsável pela saúde da terra, pela
fertilidade do solo a ser cultivado e de seus resultados. Deméter é a própria terra que sustenta
a vida humana.
Ao ter sua filha “raptada”, Deméter ignora suas tarefas de deusa terrena e parte em
busca de Perséfone, sendo ela a deusa da fertilidade e do sustento da vida, sua partida
simboliza também o declínio vegetativo, a fragilização da saúde e bem-estar da terra e do
homem – visto que ela cura Demofonte, o que explicita seu epíteto Πλουτοδοτειρα
(Ploutodoteira), a Doadora das Riquezas, nesse caso a saúde e o bem-estar do bebê. Tirando
isso, ela era Δρεπανεφορος (Drepanephoros) – a portadora da foice – que cessava a
abundância por onde passava, condenando a todos pela sua tristeza e raiva. Outro título
possível para esse estado da deusa é Στειριτης (Steirites) – a Infértil.
Inclusive a figura do rapto em si é muito controversa, uma vez que na Grécia Antiga o
que se configura como rapto não é algo que parte da visão da vítima e, sim, daquele quem
perdeu a posse sobre o objeto ou pessoa. Isso também é evidenciado na Ilíada quando
descobrimos que Helena foi de “boa vontade” com Paris e não raptada como alegava
Menelau, o marido dela e, por conseguinte, seu “dono”. Logo, aqui Deméter que seria a
figura detentora de Perséfone, perde a posse a dela o que ao seu ver foi considerado um rapto,
mesmo que a jovem deusa tivesse ido de plena vontade em ir. Essa imagem pode configurar
também a perda da vida da terra, retratada na tristeza de Deméter pela partida da filha para o
Submundo.
As figuras de Hécate e Hélio são muito importantes para o mito também. Hélio,
titã-sol, é uma alegoria para a clareza que é despertada em Deméter, pois ele é aquele que
tudo vê. Ele pode ser encarado também como uma promessa de retorno da vida à Terra. Ao
passo que Hécate, deusa-titã da magia, das escolhas, dos caminhos e do Submundo, é
conhecida como a “Senhora das Tochas”. Hécate é quem ajuda Deméter durante as noites de
sua busca até que se encontrassem com Hélio. Hécate nesse caso é uma personificação da
esperança para a deusa, sendo assim, a fagulha de vitalidade que continua a manter a terra
viva.
Zeus é uma figura que como arquétipo de Pai, não se aplica apenas à filha Perséfone,
com quem não cumpriu tal papel (assim como com nenhum dos outros filhos), afinal ele é o
Pai-de-Todos e sua extensão de “cuidados”, por assim dizer, é muito mais vasta do que
apenas sendo literalmente a figura de pai. Ele é a figura de autoridade e aquele que preside no
alto e tudo observa, tendo momentos de atividade, como quando define a sentença perante a
situação da nova Rainha do Submundo e lhe atribui um novo nome.
Hermes é um dos poucos deuses helênicos que transitam entre os três mundos (mortal,
divino, subterrâneo). Ele é a ponte que permite o contato claro entre todas as terras. Hermes é
um deus que pode ser associado aos prenúncios de transformação da terra, dando os sinais de
declínio e renascimento das plantas. Ele também é um deus que ajuda os mortos a chegarem
ao Hades, logo um deus-psicopompo pela sua ligação com o Submundo. Isso denota que ele é
um deus que ajuda em transições de um estado a outro. Hermes também pode ser associado
ao elemento ar, que nos tempos antigos era muito usado para ter noção das fases sazonais
tanto quanto a posição do sol e o estado do solo.
Começando por Hades, ele é o deus dos mortos e do Mundo Inferior, um rei. Uma
forma de se olhar para o deus, além dele representar uma terra morta como dito
anteriormente, é como o desconhecido, as coisas ocultas e que, por vezes, deve ser temido.
Ao mesmo tempo em que personifica isso, ele é a tentação encarnada (não de uma forma
ruim, mas de algo que é proibido e que não se tem motivo
aparente), a chave para a liberdade que Perséfone nunca
pôde experimentar antes por viver sob a dura vigilância de
Deméter. Hades também é a figura de potencial a ser
descoberto por Perséfone, pois é através da romã oferecida
por ele que ela assume toda sua forma gloriosa de mulher
consciente, como a Rainha dos Mortos. Hades nunca olhou
para a donzela da primaveril como se ela fosse boba ou
inocente, ele viu dentro dela a mulher selvagem que lutava
para sair e, por isso, ofereceu a ela uma nova perspectiva.
Como já foi dito antes, a jornada ao Submundo de Perséfone pode ser encarada como
uma profunda fase de transformação pessoal, já que a deusa buscava novos horizontes
mediante a vida ordinária que levava na terra. O Submundo pode ser considerado um local
sob a jurisdição de tudo que é inconsciente, desconhecido, não tocado, rejeitado e oculto.
Pode ser visto como um pedaço do caos, mas um caos dentro da ordem e isso quer dizer que
o Submundo é um lugar que guarda um potencial a ser explorado, trazido à tona e moldado.
Essa é a missão de Perséfone. Ir ao fundo de si para descobrir seus verdadeiros anseios e
personalidade, assumi-los para que assim possa moldar um novo eu a partir do anterior, sendo
mais verdadeira com seu Eu Interior.
Sobre a romã há duas interpretações que vão variar de acordo com a versão do mito
que a pessoa for ler. Seguindo a forma apresentada aqui, o ato de aceitar a romã de Hades,
lembre-se dele aqui como a figura daquele que detém o conhecimento oculto, Perséfone toma
uma escolha inteiramente importante para sua vida e com ela, não só ganha sua liberdade,
mas junto dela uma nova visão sobre as coisas. Aqui traça-se um paralelo com o
amadurecimento pessoal e tomada de responsabilidades, a chegada da fase adulta. Pode-se
dizer, dentro de um viés espiritual, que Hades foi o testador e iniciador da própria esposa nos
Mistérios da Vida.
Se for se guiar pela versão mais corrente do mito, a atitude de Perséfone em aceitar é
um eufemismo para o defloramento da jovem virginal, sendo esse ato consensual ou não,
embora sempre seja relatado como uma violência sexual. Por isso que ela não pode mais
deixar o lugar quando Hermes chega para buscá-la, pois era um costume que o homem que
tirasse a virgindade de uma mulher se casasse com ela, principalmente quando ela era de uma
família de renome, vale lembrar que Perséfone é filha do Rei dos Céus.
Nesse momento em que ela assume essa nova postura de rainha e recebe seu novo
nome, Perséfone, a deusa ganha uma nova forma de encarar a vida, agora que conhece a
morte, e ao partir de seus domínios subterrâneos para se juntar a sua mãe por um curto
período de tempo, ela jamais deixa de usar todo o seu poder para fazer aquilo que ela sabe
que foi destinada a fazer. Trazer a transformação e equilíbrio a todos que a buscam, pois ela é
conhecida como Σωτειρα (Sotêira), a Salvadora, e Πραξιδικη (Praxidikê) a Executora da
Justiça. Em grego, Perséfone (Περσεφóνη), como já dito, significa “Aquela que Destrói (a
luz) ”. Se levar em conta a parte da luz, isso pode significar que ela é aquela que destrói a luz
que cega da verdade, guiando por um caminho escuro de coisas que antes eram ocultas, mas
que agora são reveladas. Se não levar em consideração, pode-se dizer que ela destrói tudo
aquilo que impede alguém de se transformar, quer isso seja doloroso ou não para a pessoa.
Sendo assim, além de ter todo um olhar sob a visão grega dos ciclos de passagem da
natureza, o que deriva as estações do ano, podemos também desmembrar cada ponto do mito
para chegar a novas conclusões. Afinal, a história carrega também toda a conotação
simbólica-psicológica onde todo o mito pode se ressignificar diversas vezes mediante a
diversos olhares e ângulos diferentes.
3. Símbolos e Atributos da Deusa e Seus Significados
Como toda divindade helênica, Perséfone também carrega seus símbolos e atributos
pessoais, pelos quais era possível para o povo grego usar para contatar a deusa em rituais,
orações e o que mais eles desejassem fazer. Tais símbolos já foram revestidos de significados,
tendo alguns se mantido e outros se perdido ou transmutados em algo um pouco diferente,
mas que guarda relação com o que sentido que lhe precedia. Determinados atributos foram
incorporados com a passagem do tempo e culto da deusa por diversos locais diferentes.
3.1 – Atributos:
Parte de ser uma divindade significa ter uma esfera de poder. E o que isso significa?
Significa ter um espaço de controle e influência, algo que fica sob seu domínio para atuar
livremente, por exemplo: Poseidon é o deus dos mares, logo ele controla as águas do mar e
tudo que está nela.
Perséfone por ser uma deusa que ora está junto da mãe na terra e ora junto do marido
no Submundo, possui dois lados diametralmente opostos, mas complementares. Ela é uma
deusa bipolar, no sentido de possuir esses dois lados.
Um fato interessante é que essa face era tida também como a Senhora do Labirinto,
regente de todos os Mistérios, principalmente os iniciáticos, mais uma ligação com
Perséfone. Era mais do que comum que jarros de mel fossem ofertados à Senhora do
Labirinto na entrada do local. Outro ponto a ser explicitado é que na Grécia havia também
uma deusa do mel e das abelhas chamada Melissa e que o nome ao ser utilizado como epíteto
podia ser carregado por outras deusas, sendo a mais conhecida Afrodite.
Perséfone, quando na terra, é a vida pulsante que sobe dos confins da terra para
espalhar as bênçãos de Gaia para o povo. É a Princesa do Olimpo que através dos perfumes
que exala traz novas sensações a quem o sente, com os frutos ela traz o alimento que
sustentará as pessoas e que trará novas vidas através das sementes. Em seu aspecto luminoso,
a deusa também tem vínculo com as práticas de cura, saúde e fertilidade.
Ao descer ao Mundo Inferior, a deusa se torna a Rainha dos Mortos, Guardiã das
Terras Inferiores. Ela é a que intercede pelas pessoas em momentos de adoecimento ou morte,
nesse último caso ela ainda age como a que conduz a alma aos seus domínios em segurança.
Ela é a que pode propiciar o contato com os ancestrais. Perséfone como deusa dos Mistérios é
a desafiadora e iniciadora, como Hades foi consigo mesma. Ela é a que leva o postulante até
o fundo da escuridão para que só depois ele possa chegar à iluminação, luz e trevas aqui
fazendo analogia à consciência plena e o oculto, respectivamente. Logo, uma deusa das
transformações.
Esta última parte ela dizia aos que não precisavam ou não optavam pela reencarnação.
Segue abaixo alguns dos epítetos que eram atribuídos à deusa por função ou
localidade:
Começando pelo seu símbolo mais conhecido, a romã é a fruta associada por
excelência à Perséfone. Porque além de estar presente no mito da própria, diversas das
simbologias da fruta se encontram com as regências da deusa.
Se for cortada ao meio, a aparência da fruta lembra muito um ovário, o que a conecta
a toda figura feminina. Pela quantidade abundante de sementes, a romã é o símbolo de
fertilidade e fartura. As sementes que ficam envolvidas por uma polpa vermelha translúcida
(que é comestível) já foi comparada a um zigoto, resultado da união de espermatozoide e
óvulo.
É uma fruta ligada também a deusa Hera e o motivo disso é por ser uma fruta ligada à
soberania. Por isso, o gesto de Perséfone ao tomar a fruta significa que ela aceita ser a
soberana do reino de Hades, mas acima de tudo de si, e consorte do Senhor do Submundo por
livre e espontânea vontade, assumindo assim controle total sobre sua vida.
Menta
A erva muito conhecida por ser de um cheiro suave e trazer um frescor ao hálito,
quando presente em balas, é associada à deusa porque em um de seus mitos ela transforma
uma ninfa do submundo, de nome homônimo, na planta. Algumas versões dizem por ter dito
ser mais bela que a deusa, outras dizem que é por ter tido um caso com Hades. Minthê (em
grego, Μινθη) depois de ser transformada em planta, ficou responsável por guardar as
entradas das cavernas onde a planta era encontrada, muitos acreditavam que cavernas podiam
levar ao Hades.
A planta é muito usada para chá que trazem o relaxamento e recuperação de resfriados
e dores de cabeça por ser antisséptica e expectorante. Dentro do meio místico, também é
ligada à cura e saúde, foi usada em rituais funerários (principalmente na Grécia Antiga) e
junto de outros ingredientes compunha uma bebida enteógena usada nos ritos eleusinos.
Alecrim e Sálvia
Começando pelo alecrim, é uma erva regida pelo sol e que traz vitalidade, cura,
purificação e proteção. É uma erva que toda pessoa que lida com misticismo acaba tendo,
pois ela atua em diversos campos, inclusive sendo somente um potencializador energético.
Ela é extremamente fácil de se achar e cultivar e ajuda a retirar debilidades febris, pode atuar
como relaxante muscular e ativador de memórias. Pela sua força energética é capaz de trazer
disposição e ânimo. E as flores brancas pequeninas que brotam neles eram muito dedicadas à
deusa.
Já a sálvia, com sua regência jupteriana (Júpiter é o planeta considerado o Rei dos
Astros, ele é o berço de onde nascem reis e rainhas, logo, toda e qualquer divindade que
carrega tal título de soberania automaticamente está ligado a este astro), ela é muito usada
medicinalmente para acalmar e manter o equilíbrio em dias pesados, muito fácil de achar,
encontra-se até em doces e balas. Esotericamente é usada para limpezas, banimentos, atração
de sabedoria e longevidade, além de prover proteção em todos os sentidos, principalmente de
espíritos. Andar com um raminho de sálvia no bolso sempre o mantem protegido e em
equilíbrio energético.
Abelhas e Mel
As abelhas fazem hexágonos perfeitos, que é outro símbolo da deusa, por poder ser
composto de dois triângulos sobrepostos (um de ponta para cima e outro para baixo) que
simbolizavam a união dos céus e da terra, o perfeito equilíbrio. Tumbas em Micenas foram
reproduzidas como colmeias. As abelhas são representantes da interconectividade, da
dedicação e da organização.
O mel, além de ser visto como “o ouro que se come”, já foi usado para embalsamar e
preservar os corpos dos mortos. Ele tem uma natureza energética, antisséptica, cicatrizante e,
além disso, é o melhor tipo de adoçante natural que se encontra. Combate, insônia e
ansiedade, elimina toxinas, atua como antibiótico natural, suaviza a pele, fornece cálcio e
alivia dores. Por isso no meio ocultista, o uso do mel pode ser diverso indo de um tratamento
de cura, podendo chegar até um elaborado rito para trazer o amor.
Por essa qualidade tão intrínseca com a natureza, sempre numa questão harmônica e
ampla, a abelha e o mel se ligam à Perséfone. Até porque as abelhas também eram associadas
à realeza, que já foi dito ser um atributo de Perséfone.
Cachorro e Borboleta
Além das abelhas, os cães eram muito sagrados à deusa. Por uma questão simbólica
de ser sempre fiel aos seus princípios, justo e leal para com os que ama. Muitos acreditam
que a relação da deusa com o cachorro seria pelo fato dela ter “se tornado” dona do cão de
três cabeças Cérbero, mas não. Ela é a que detêm controle, não só sobre ele, mas como sobre
toda a matilha infernal presente no Mundo Inferior. Cães eram sacrificados para a deusa em
rituais em sua honra e quando não havia tal prática eles eram muito bem tratados.
A Coroa
Logicamente tal objeto de poder não poderia ser deixado de lado, uma vez que antes
mesmo de ser uma rainha, a deusa em sua inocência já fazia diversas coroas de flores para si
mesma e aqueles que a acompanhavam. A coroa é um símbolo de poder, no sentido mais
amplo da palavra, ela lhe confere capacidade total de fazer o que acredita ser melhor. Ela
confere coragem, sensatez, perspicácia, entre outras qualidades. Claro que alguns podem se
deixar corromper, mas a essência da coroa é estar em pleno e total controle de si.
Serpentes
Muito pouco é difundido a respeito disso, mas Perséfone assim como sua mãe
Deméter, guarda relações com todos os tipos de serpentes e dragões. Possivelmente isso deve
se explicar pelo fator transmutativo das serpentes que mudam de pele com uma certa
constância, o que faz uma alusão às transformações da deusa ctônica.
Flores
Perséfone é a deusa flores e isso quer dizer, por consequência que é a deusa da
efemeridade. Não vou me alongar muito aqui, mas é importante ressaltar que muito embora
ela pudesse ser considerada Perséfone Antheia, a Senhora das Flores, ela tinha relações muito
próximas de algumas espécies, que são o lírio (este em especial, pois algumas versões de seu
mito dizem que ela colhia estas flores ao ser levada por Hades), a margarida, o jasmim e o
narciso. O que elas têm em comum é a cor branca, por mais que exista diversas cores de lírios
e narcisos, são os brancos dedicados à Perséfone, pois é uma de suas cores sagradas. A cor da
pureza e inocência.
Mais uma ressalva a ser feita é de que a ela era dedicado o asfódelo, planta que
nomeia um dos locais do Submundo (Campos Asfódelos) para onde iam as almas comuns
que nem mereceram as glórias dos Elísios e nem as torturas dos Campos das Punições.
Com isso, podemos ver que essa é uma deusa rica até dentro das coisas que a
caracterizam, pois mesmo nelas vemos a complexidade e abrangência que a própria
Perséfone carrega. Poderia ter citado mais coisas, como outros animais, cristais, plantas, etc,
porém se o fizesse essa parte ficaria muito extensa, podendo se perder do propósito do
trabalho.
4. O Culto Antigo da Deusa
O culto de Perséfone, pelo que apontam pesquisas, nunca foi um culto somente dela.
A deusa sempre esteve acompanhada em momentos sacros, fosse com sua mãe, Deméter, nos
Mistérios de Elêusis ou com seu consorte Hades, como aponta alguns achados antigos
esculpidos em pedras.
Mesmo com tal fato sendo presente, existe a peculiaridade em ambos os cultos de que
a deusa jovem se tornava o centro das atenções. De início vemos o caso de Elêusis que foi
fundado por ordem de Deméter para ser um culto dedicado a ela e somente ela. Então por
que, mesmo que fosse sua filha mais querida e importante, Perséfone ganhou destaque nos
Mistérios? Talvez porque por mais mitos que houvessem de Deméter, histórias que podem até
não ter chego aos nossos ouvidos, o conto da busca da deusa da agricultura pela sua filha teve
um impacto tão forte na civilização eleusina, digo ela especificamente pelo fato de que esse
mito pode ter tido origem ali naquela cidade-estado, que não teve como não trazer Perséfone
para o culto e com ela, Hades.
4.1 – Elêusis
Como visto na primeira parte, o culto de Elêusis foi fundado por Celeus a mando da
própria deusa, que iniciou não só ele, mas também toda sua família nos Mistérios. Os ritos
sagrados tinham uma importância tão grande que seu alcance se estendeu quase que
universalmente, vindo pessoas de outras regiões do mundo para pedirem pela iniciação nos
Mistérios.
Muito se fala sobre a origem real dos ritos, desconsiderando os registros mitológicos.
Heródoto credita certas influências dos Mistérios aos egípcios. Maçônicos sustentam que os
Mistérios derivaram da Maçonaria, sendo mais comum acreditar o contrário. E alguns
especulam que os ritos eram celebrados pelos antigos habitantes de Atlântida.
Uma coisa que vale citar, que está presente no livro Ritos e Mistérios de Elêusis, de
Dudley Wright, é esse fragmento que selecionei de uma fala de Platão:
“Os Mistérios foram estabelecidos por homens de grande talento que, no início dos tempos,
esforçaram-se para ensinar a pureza, para superar a
crueldade da raça, para exaltar sua moral e refinar seus
modos, e para conter a sociedade por meio de vínculos mais
fortes do que aqueles impostos pelas leis humanas (...)”
(WRIGHT, 2005, p. 14).
Ou seja, com isso entendemos que o papel dos ritos eleusinos eram muito mais do que
imbuir alguém de simples títulos ou status social, os Mistérios eram algo que faziam o
indivíduo entrar em comunhão consigo mesmo e os deuses.
Os Mistérios eram divididos em duas partes, que nem sempre foram dessa forma, são
elas: os Mistérios Menores e os Mistérios Maiores. Os Mistérios Menores eram uma fase
preliminar na celebração dos Mistérios para os estrangeiros que vinham se iniciar. Dizia que
eles foram criados para que Héracles, Castor e Pólux pudessem ser iniciados, tendo eles
seguido ordens da deusa Deméter, que é a figura central do culto. Essa fase foi criada por
isso, para que fosse um momento de preparação geral para os Mistérios que se seguiriam. Os
Mistérios Maiores, diferente dos Menores que serviam para te situar de forma subjetiva da
condição impura da sua alma, aqueles serviam para ensinar o postulante a transcender a
condição de submissão material e mundana na qual vivia anteriormente. Aqui era
simbolizada a descida de Perséfone, outra figura tão importante quando a de Deméter, ao
Submundo. Outro deus muito importante é Hades, por seu papel como regente do Submundo.
As celebrações dos Mistérios duravam nove dias e havia um período de trégua geral
durante suas celebrações que devia ser honrado começando no 15º dia do mês das
Broedomias (aproximadamente o mês de setembro) até o 10º dia do mês seguinte. O
armistício era proclamado por um arauto em todas as cidades helênicas que deviam aceitar o
termo. Todos os preparativos eram feitos por duas famílias sacerdotais, os Eumólpidas e os
Cérices. Haviam muitos envolvidos no processo, mais de dez pessoas podiam ser contadas,
desde o Arconte Basílio (o Rei) até o mensageiro e cada qual tinha sua importância dentro da
celebração dos Mistérios.
O envolvimento de Perséfone no rito era representar essa figura que desce os confins
da terra e que lá encontra a verdade que a guia para a iluminação, essa condição era
reproduzida por aqueles que seriam iniciados, pois seriam postos em condições específicas
para que chegassem a esse grau de elevação espiritual. Aqui lembra-se a face de Perséfone
como uma deusa que lida com transformações e mudanças mais uma vez.
“Abençoado é aquele que, observando aquelas preocupações comuns sobre a Terra, conhece
tanto o fim da vida quanto o fim de Zeus” (WRIGHT, 2005, p.
84).
Em Elêusis e por todo mundo os Mistérios foram celebrados e sagrados por muitas
gerações, até que como tudo que o homem toca, o rito foi corrompido tendo seu declínio.
Não há muito acerca desse culto à deusa, apenas uma imagem dela e de seu consorte
gravada em pedra sentados em tronos, lado a lado. Por esse e outros motivos que a ideia do
abuso sexual não é sustentada pelos estudiosos, que adicionam o fato de que não há menções
ao ato de violação nem no texto Homérico e nem no Órfico, eles dizem que a construção
dessa ideia é moderna e que ao se voltarem a estudos antigos, certos fatos caem por terra.
1
Tradução de Rafael Brunhara
5. Perséfone e seu Culto na Era Moderna
Hoje em dia não é difícil encontrar coisas que foram baseadas na deusa ou em seu
mito, ou, enxergar sua influência mediante a diversas coisas, principalmente dentro da cultura
pop que sempre faz uso de coisas antigas como referência ou base.
A influência do mito da deusa é muito presente no conto A Bela e a Fera (1740), da francesa
Gabrielle-Suzanne Barbot, a Dama de Villeneuve, porém é a versão de 1756 de Madame
Jeanne-Marie LePrince de Beaumont que é a mais conhecida e difundida pelo mundo, mesmo
sendo mais tardia que a de Barbot. A história da jovem que troca de lugar com pai, se
tornando prisioneira de uma Fera solitária e amarga já ganhou diversas adaptações e
releituras, a mais conhecida é o filme de 1992 da Disney, dirigido por Kirk Wise & Gary
Trousdale, com direito à trilha sonora feita por Alan Menken & Howard Ashman, sendo
Menken considerado uma lenda nos estúdios por trabalhar na trilha sonora de A Pequena
Sereia (1989), que foi o filme responsável por tirar a Disney de uma possível falência. A
história eternizada em músicas inesquecíveis e numa animação muito bem-feita, que
permanece intacta através do tempo, ganhou um filme live-action em 2017 com Emma
Watson fazendo o papel da heroína da história.
O
Outro lugar onde a deusa do Submundo ganha espaço são nos sites dedicados
às fanfics (do inglês “ficção de fã”, ou seja, histórias desenvolvidas por fãs de alguma obra ou
artista) onde diversas pessoas escrevem histórias usando os mitos da deusa como base para
suas narrativas, como Hope Springs Eternal: A Subterranean Romance, de Quantum Witch.
A história
de
Perséfone tão popular que ganhou uma versão moderna em quadrinhos onde os deuses se
habituaram ao mundo moderno, o nome da obra é Lore Olympus de Rachel Smythe, que até o
momento de término deste artigo não se encontra finalizada.
A figura da deusa e seu mito também já foram materiais de estudo em teses de
psicologia, como na tese defendida na conclusão de graduação por Maria Carolina de
Azevedo Antunes, Perséfone: A Morte como Transformação, e, no trabalho de Larissa
Fernanda Dittrich, O Mito de Perséfone e sua Relação com o Caráter Oral. Ótimos artigos
que cumpriram com o propósito das autoras, o último tem um tema voltado para a depressão
e dependência psicológica que é abordado de maneira fantástica.
Um fato curioso e interessante é que o dia vinte e cinco de novembro é dedicado a ela,
mas o que instiga a mente alheia é que neste dia também comemorado o Dia Internacional de
Combate à Violência Contra as Mulheres. O que muitos devotos acreditam é que houve uma
influência da própria deusa para que o dia fosse criado no ano 1999, visto que Perséfone é
tida para muitos ainda como uma figura de mulher que foi violentada. Eles dizem que isso
seria como se a deusa se posicionasse mediante ao assunto de violência à mulher, claro que
isso é algo que não pode ser afirmado de fato por ser uma gnose pessoal daqueles que seguem
e acreditam na deusa, mas vale a pena mencionar a curiosidade.
A Bruxaria como um todo, abarca diversas vertentes e dentro delas há a Wicca (que
vem sendo muito difundida na atualidade) que é uma forma de resgate das práticas antigas
remontadas de uma nova forma nos tempos modernos, no intuito de se comungar com a
natureza e as forças divinas e espirituais presentes no universo. Na Wicca muitos praticantes
acabam por conveniência de aprendizado escolar lidando com deuses gregos primeiro e com
eles, vem Perséfone junto que bem aos pouquinhos foi espalhando seu culto entre os novos
devotos.
A proposta do livro de Faur é que através de diversos rituais com deusas diversas, a
mulher encontra a cura de suas feridas para transcender a um novo estado de consciência
mais amplo e seguro. Perséfone combina muito com a obra da autora, já que ela cuida das
transformações da vida e da autonomia sobre si e seus potencias. Como foi dito anteriormente
na dissertação, Perséfone e o Sagrado Feminino andam lado a lado e esse aspecto é muito
presente em seu culto atual, seja homem ou mulher, a cura da energia feminina será trazida a
você, pois uma coisa que a deusa ensina é que todos devem se equilibrar.
Gabriel Alves, 19 anos, um jovem de São Paulo devoto de Perséfone, disse o seguinte
sobre seu relacionamento com a deusa ctônica e ainda deixando um parecer sobre a visão
social que tem da deusa:
Já Dítol Maveg embora diga, em seu relato que seguirá, que Perséfone não é uma
deusa presente em sua vida, deixou seu parecer mediante a uma experiência na qual a mesma
estava envolvida, ainda que ele não tenha tido contato com ela diretamente. Diz o carioca de
19 anos:
2
Tradução: “O único caminho é passando”.
E foi assim que comecei, cheio de cláusulas com a deusa, já estava
totalmente ciente que não seria fácil, e de início ela se mostrou um
pouco rígida, mas acho que era o mais correto a se fazer. Ao longo
da vivência, ela foi se aproximando aos poucos, sempre preocupada
e perguntando se estava tudo bem, ainda hoje é assim. Perséfone
sabe o tamanho da dor ao deixar coisas importantes para traz, por
isso ela tem uma grande preocupação em saber se você está
precisando de algo, mesmo que seja apenas um abraço. Ela é
aquela que corta os maus hábitos, que muda toda a nossa rotina,
mas também é aquela que nos deixa mais próximos do nosso eu
verdadeiro, ela é aquela que nos enche de amor individual, assim
como de amor ao conhecimento. Ela é a chave do nosso eu pessoal
que nos leva ao mais profundo dos Submundos: ‘A nossa sombra’, e
nos vira do avesso, tudo para que possamos viver limpos, aceitando
cada célula do nosso corpo exatamente do jeito que ela é, aceitando
nossas feridas e mágoas.
Margo Moon, 24 anos, é mais uma devota de Perséfone e tem um blog dedicado a ela,
o Templo de Perséfone. Formada em Letras, a paulista trilha o caminho da auto-dedicação da
religião Wicca de maneira solitária, em seu blog encontra-se textos dedicados à deusa e
outras informações, dentre elas o texto abaixo que a bruxa disponibilizou.
Aileen ainda fala de um projeto que criou no Padrim (sistema online de financiamento
coletivo) chamado Projeto Deusas e Laboratório Estelar onde a proposta era ajudá-la a criar
conteúdo para seus livros sobre magia e esoterismo através de vivências e estudos espirituais
obtidos pela assinatura de um dos planos mensais, do qual pude ter o prazer fazer parte. Um
dos lados do Projeto Deusas foi dedicado à Perséfone e nessa parte houve um trabalho de
“Descida ao Submundo”, no qual Aileen desenvolveu baseada na jornada do livro Journey to
the Dark Goddess: How to Return to Your Soul de Jane Meredith, onde a pessoa ia
voluntariamente aos confins de si mesma, assim enfrentando suas sombras e problemas, para
que depois emergisse no controle de sua própria vida, se tornando assim soberana de si.
Esse foi um dos relatos mais comoventes que foi dado para o artigo dedicado à deusa.
“Minha experiência com Perséfone começou com um teste na internet, quando eu tinha me mudado
de Brasília para Belo Horizonte para fazer faculdade. Eu me
identifiquei muito com esse lado de inocente dela, de ingenuidade,
de que foi superprotegida pela mãe e que estava aprendendo a ser
independente num lugar novo, foi muito isso... e durante toda minha
faculdade, eu me senti conectada com essa parte e as minhas
questões, tanto de independência quanto de autoestima, foram
muito importantes nesse tempo e acho que ela me ajudou muito
nisso. Eu era muito insegura e isso foi até eu ir para o sul, porque
eu fiz faculdade em Belo Horizonte. Foram cinco anos em Belo
Horizonte e mais dois de mestrado no Sul (Rio Grande do Sul), em
que eu sentia esse lado dela muito presente, porque eu não
conseguia ter tudo que queria num mesmo lugar. Então, eu tinha a
minha terra, Brasília, com os meus amigos, a minha família –
especialmente minha mãe porque eu ainda dependia muito dela. E
do outro lado no Submundo tinha outros amigos e, em alguns
momentos, o meu “Hades”, o meu amado estava no meu Submundo.
Isso para mim foi uma lição muito forte de Perséfone, e foi depois
que eu internalizei que eu realmente entendi isso, que a minha bolsa
saiu. Tanto que foi assim: eu subi (do Submundo) e cinco dias
depois eu recebi a bolsa”.
Por fim, mas não menos importante, segue o último relato de Eilonwy Swan
Hawthorn, a garota carioca de 22 anos está no mundo místico desde os 12 anos, quando
começou a estudar o assunto e tem uma relação com Perséfone tão íntima que em seu relato
conta sobre uma jornada espiritual que desenvolveu a pedido da própria deusa. A garota é
estudante universitária na faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e através de sua vivência com Perséfone conseguiu compreender muito sobre si de
forma tão profunda que poucos na sua idade conseguem ter a maturidade que a jovem tem em
diversos momentos da vida.
Esse é outro que relato muito tocante e especial, aqui pode ser quase tangível a força e
a presença da deusa.
“Minha relação com Perséfone começou quando busquei pelos
meus deuses pais, dentro da bruxaria é comum alguns praticantes
adotarem o conceito de que nossa essência foi forjada pelos deuses
antigos. Na época, eu fiquei cismada com algumas coisas que
vinham me acontecendo na minha vida pessoal e, então, foi nessa
hora que Perséfone chegou. Alguns acreditam que apenas se pode
ter uma mãe e um pai divino, mas outros veem a possibilidade de
mais de uma divindade, eu acredito nisso.
Entendo que Perséfone é uma deusa cíclica, isto é, uma deusa que
sempre está revivendo os mesmos ciclos de passagem, como as
estações do ano. Ela é uma força tão intrínseca dentro de todos nós
que se nos propuséssemos a entender as mudanças que a natureza
passa em paralelo com as nossas próprias, aprenderíamos a lidar
melhor com as mudanças que acontecem conosco. Perséfone me
ensinou a não me vitimizar pelo o que aconteceu comigo e a
entender que eu tenho que tomar o controle da minha própria vida e
de todos os meus potenciais.
Se não fosse por essa deusa, que é tão especial e querida por mim,
não sei como estaria no dia de hoje e nem se estaria aqui. Porque
ela me ajudou a lutar contra a depressão e todas as ideações
suicidas que tive, me confortou em crises existenciais e de
ansiedade. Ela me ensinou o que era a Morte de fato e que eu não
tinha de fazer aquilo comigo mesma, eu só precisava me voltar para
dentro e confrontar meus demônios. Ela estendeu a mão dela para
mim e disse que nunca, jamais, sairia do meu lado e até hoje ela
está aqui. Não tenho palavras suficientes para agradecê-la, ela me
salvou... me salvou de mim mesma.
Bom, acho que é isso... ela é uma deusa fantástica e uma das que
mais vive presente na cultura pop. Seja em livros, filmes, séries... o
que for, ela está lá na maioria das vezes, ou algum fragmento do seu
mito, que para mim é muito injustiçado. Hades é um perfeito
cavaleiro com aquele ar sofisticado e sóbrio, carregado de
melancolia. Ele ama Perséfone e ela a ele. Sempre que converso
com Perséfone sobre amor, ela fala que é algo agridoce. E eu não
entendia, mas hoje em dia entendo e esse texto que discursei reforça
o que ela me disse. Lembro da primeira vez que perguntei se ela
amava mesmo Hades e ela respondeu: ‘Sim, o amo com o todo meu
coração. No começo foi difícil viver longe da minha realidade e eu o
culpava por isso, mas quando me permiti conhecê-lo não pude não
me apaixonar’. Gente... eu juro que chorei nesse dia. E teve uma
outra vez que fui meditar com Perséfone e vi Hades, ele nunca me
transmitiu nada ruim. Só pareceu caladão. Quando perguntei onde
Perséfone estava no castelo, certa vez, ele falou: ‘Nos jardins dela’
e apontou com a mão segurando uma taça de vinho.
Meu culto a ela é muito íntimo e profundo, converso com ela e peço
conselhos. Acendo velas e faço rituais com diversas finalidades... de
um simples feitiço de cura até um grande ritual de adoração e
honra a ela. Tenho certeza de que ela é uma das deusas que jamais
irá embora da minha vida, sinto isso nos meus ossos e no meu
espírito.
Assim, encerro o trabalho deixando claro que Perséfone é uma figura complexa e que
exige muito daquele que for estuda-la, seja na área que for, mas que sem dúvidas corresponde
ao intento da pesquisa que era averiguar sua posição como deusa de transformação e
empoderamento por demonstrar estar presente em diversas pontos da vida humana quando
tais assuntos são postos em pauta.
7. Agradecimentos
Gostaria muito de aqui explicitar meus agradecimentos por poder ter realizado tal
trabalho que gratificou muito a minha pessoa. Quero deixar aqui minha profunda gratidão a
todos os envolvidos, meus amigos da faculdade, colegas bruxos. Aileen muito obrigada, pois
sem você e a inspiração que me passa esse trabalho não seria possível, obrigado pelo projeto,
por se predispor a ajudar antes mesmo de eu de fato começar a digitar este trabalho. A
Eilonwy, por sua coragem e bravura em abrir o coração e contar sua história íntima com a
deusa, meus parabéns, amiga, você merece muito. Ao Draco que vive me salvando entre
xícaras de café e cochiladas. Ao Aedan que esteve comigo durante o projeto do Padrim da
Aileen. Ao Gabriel, à Margo e ao Dítol pelas palavras tão lindas sobre a deusa.
Mas, principalmente, não posso deixar ela de lado. Quero agradecer à deusa Perséfone
que me guiou durante todo o momento, que sussurrou a ideia do trabalho nos meus ouvidos
me levando a encontrar informações, livros, sites, palestras e muitas coisas que foram cruciais
para o desenvolvimento deste extenso e profundo trabalho. Χαίρε Περσεφóνη (Khaíre
Persephónē)!
8. Referências
ANTUNES, Maria Carolina De A. Perséfone: A Morte Como Transformação. São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica, 2008.
DITTRICH, Larissa F.; VOLPI, José Henrique. O mito de Perséfone e sua relação com o
caráter oral. In: ENCONTRO PARANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO DE
PSICOTERAPIAS CORPORAIS, XVIII, XIII, 2013. Curitiba: Centro Reichiano, 2013.
ESTÉS, Clarissa P. Mulheres que Correm com os Lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
FAUR, Mirella. Círculo Sagrado para Mulheres Contemporâneas. São Paulo: Pensamento,
2011.
HOMERO. Ilíada. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2013.
–––––––––. Odisseia. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.
MEREDITH, Jane. Journey to the Dark Goddess: How to Return to Your Soul. United
Kingdom: John Hunt Publishing, 2012.
REIF, Jennnifer. Mysteries of Demeter: Rebirth of the Pagan Way. Massachusetts: Weiser
Books, 2000.
RIORDAN, Rick. Percy Jackson e os Deuses Gregos. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.
VALLEJO, Boris. VALLEJO, Doris. Ladies: Retold Tales of Goddess and Heroines.
Pensilvânia: Running Press, 1999.
https://templodepersefone.blogspot.com/2018/02/persefone-em-minha-vida.html Acessado
em: 20/10/2018
https://www.somostodosum.com.br/artigos/espiritualidade/reencarnacao-para-os-gregos-orfis
mo-9667.html Acessado em: 20/10/2018
https://www.facebook.com/groups/143358845746973/permalink/1956615554421284/
Acessado em: 10/10/2018
https://www.facebook.com/groups/143358845746973/permalink/1238498589566321/?hc_loc
ation=ufi Acessado em: 10/10/2018
https://www.fanfiction.net/s/1948991/1/Hope-Springs-Eternal-A-Subterranean-Romance
Acessado em: 09/10/2018