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Cuca e o Menino

Amarelinho

Quando eu era criança, brincava solto na floresta, conhecia cada


canto da pequena fazendinha onde eu morava, corria para lá e pra cá
como quem estava na melhor das aventuras, pesquisando e
investigando cada canto, como se soubesse que, entre aquelas árvores,
havia um mistério esperando para ser descoberto.
Certo dia, quando estava no meio da tarde, resolvi sair em busca
de aventura, de alguma coisa que me libertasse do tédio típico das
tardes quentes na fazendinha. Peguei meu bornal de retalhos que
ganhei, selecionei duas ou três maçãs, um saquinho de biscoito, um
pouco de água e coloquei tudo no bornal. Depois de tudo pronto,
pus-me a caminhar num trieiro largo, que foi se afunilando conforme me
afastava da fazenda. Esse caminho tem como destino o rio que marca
os limites do lugar onde eu morava, das minhas aventuras e da parte da
floresta que eu conheço.
Sempre fui um menino obediente, educado, de ações refinadas e
louváveis. Mas, naquele dia, algum fato de ordem metafísica me induziu
a desobedecer as regras estabelecidas a mim e eu decidi cruzar o rio e
explorar a floresta que existe do outro lado. Então, com um pouco de
medo e bastante coragem, entrei na água, que alcançou a altura do
umbigo no ponto mais profundo.
Ao chegar do outro lado do rio, não reconheci muita diferença na
paisagem, as plantas e os insetos são semelhantes às da outra
margem, com exceção do trieiro que estava cheio de mato como se não
fosse usado há muito tempo. Apesar de sentir uma pontinha de medo
quando comecei a caminhar no trieiro, segui mata adentro em busca da
minha aventura. Depois de caminhar por uns 5 minutos, encontro
rastros de um animal que não consigo identificar. O rastro exibia uma
semelhança com patas de lagarto, mas, o tamanho era incompatível e,
também, as pegadas eram de um bípede, inviabilizando a ideia de um
lagarto grande ter passado por ali. Resolvi seguir adiante por mais
alguns minutos na expectativa de encontrar o dono das pegadas.
Depois de mais dois minutos caminhando, ouço gritos
desesperados de socorro, a voz parecia ser de uma pessoa meio velha.
Pus-me a caminhar em direção ao som dos pedidos de socorro. Não
demorou muito, encontrei o local de origem das súplicas desesperadas,
mas não consegui me mexer por uns 30 segundos. Tratava-se de uma
coisa meio humana meio réptil com rosto, pele e pés de jacaré, cor
verde e, ao mesmo tempo, mãos com anatomia humana, cabelos louros
grandes e sedosos. O tempo paralisado não serviu para pensar se
ajudaria ou não aquele ser que estava preso em uma armadilha de
caça, pendurada pelos pés em um pé de manga que ficava a poucos
metros da trilha em que eu caminhava.
O instinto moral pulsava forte para ajudar, pois trata-se de alguém
em apuros, precisando muito da minha ajuda para se livrar de uma
situação que poderia ser mortal, mas, ao mesmo tempo, eu poderia
estar soltando o monstro que atacaria-me brutalmente. Diante desse
dilema nunca antes vivido por mim, lembrei de uma história que me
contaram na escola. Essa estória falava sobre um médico que, levado
pela sua arrogância, narcisismo e egoísmo criou um ser que tinha
características físicas horripilantes e, por conta disso, era rejeitado pelas
pessoas que só viam o monstro exterior, não percebiam que aquele
monstro era um ser sensível e amável. A grande lição dessa estória é
que a aparência não representa o coração, a maldade não é feia nem
bonita, ela só é má.
Depois dessa breve lembrança epifânica, resolvi correr e desatar
o nó que sustentava a corda tensionada, fazendo com que a mulher
com aparência de jacaré caísse no chão. Depois fui ajudá-la a desatar o
nó que prendia seus pés. Ela me agradeceu e perguntou o que eu fazia
na mata sozinho, respondi que estava explorando o lugar e perguntei
quem ela era. Dando um salto e fazendo uns gestos engraçados, ela
disse que se chama Cuca e que era uma bruxa da floresta, dei um salto
e me preparei para sair correndo, pois já tinha ouvido falar dela através
das histórias contadas por minha avó. Gargalhando, ela se adiantou e
disse que eu não precisava ter medo, que estava agradecida por tê-la
salvado. Perguntei se ela era má como nas histórias que contavam e ela
disse que, apenas, defendia a floresta, a origem da fama negativa vinha
de histórias contadas e recontadas por homens que querem por medo
em outros homens.
Depois de tê-la libertado e conversado um pouco, resolvi voltar
para minha casa, pois o tempo havia passado, demasiadamente, rápido
e o crepúsculo começava a preparar o palco para a chegada da noite.
Durante a despedida, não percebi que tinha nascido ali uma nova
amizade para me acompanhar nas aventuras e que essa amizade
duraria a vida toda. A bruxa Cuca me ensinou o caminho para a sua
caverna e disse que aguardava meu retorno e eu, o Menino Amarelinho,
confirmei presença.
Pus-me a caminhar de volta para casa e, no caminho, só consegui
pensar em como estava feliz por ter feito uma nova amiga bruxa.

ANDRADE, Fabiano Guimarães. Cuca e o Menino Amarelinho.


Rondonópolis, janeiro de 2023.

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