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Laurence

Ato 1

Minha memória mais antiga é turva, incolor e insossa. Lembro-me de um navio


sujo, o cheiro da maresia forte, uma chuva constante e o som da voz grave de um
homem. O resto impregnado nas minhas raízes fica afogado em água. Água de mar,
talvez.
Minha infância, até onde eu consigo me lembrar, começa na beira de estradas
empoeiradas, punhos, hematomas e o contínuo gosto de sangue. Minha mãe pouco
falava comigo, só me arrastava para cima e para baixo, vagando sem rumo, procurando o
que comer e me dando o básico de relação humana quando eu precisava. Pelas poucas
vezes que conversamos, minha mãe me contou que nasci em um navio no qual o capitão
era meu pai. Nunca tive a curiosidade de perguntar qual navio, como meu pai era, nem
nada que se relacionava aqueles anos.
Mesmo pequeno e desentendido do mundo, eu percebia que havia algo de errado
com minha procriadora. Ela tinha problemas ao respirar e, dependendo do dia, ficava
tossindo a maior parte dele.
Certa vez, enquanto caminhávamos por uma floresta procurando abrigo da chuva,
minha mãe caiu. No chão ela ficou, estatelada, gelada, paralisada. Fiquei um tempo
olhando para ela, sem possuir sentimento algum. Não que eu fosse desprovido de
sentimentos, mas nunca tive capacidade para entendê-los. Não naquela época. Minha
mãe havia morrido.
Por dois ou três dias vaguei pela floresta, nunca deixando o corpo de minha mãe
muito longe, busquei por comida. Sobrevivi à base de frutas e outras coisas que
provavelmente não deveriam ser alimentos. Quando não tinha mais para onde ir, sentei
ao lado do corpo de minha mãe, observando as árvores, e ali fiquei.
Fiquei até a noite cair. Fiquei até meus olhos observarem o escuro. Fiquei até meu
corpo se cansar e deitar ali, pequeno e dependente. A manhã veio com um cheiro de
comida sendo assada. Quem seria?
— Você vai comer? — o homem barbudo perguntou.
Pus-me a sentar e observei a pessoa que me dirigiu a palavra, depois de muito
tempo. Era um homem usando um manto cinza, esfarrapado. Em seu pescoço era
pendurado um emaranhado de linhas, pedaços pequenos de madeira e pedra, algum tipo
de amuleto. Tinha uma barba longa, branca, lisa e que ia até a altura do peito. Carregava
consigo olhos calmos e despreocupados, porém cheios de sabedoria, na cor esmeralda.
Seus longos cabelos brancos cobriam suas orelhas.
— Se não comer, não vai conseguir ficar vivo por mais tempo, menino.
Gentilmente se levantou trazendo um pacote quente, envolvido em uma folha. Era
algum tipo de raiz cozida, que cheirava muito bem. Comida de verdade.
— Qual é seu nome?
Eu não tinha. Minha mãe me chamava de moleque, menino, garoto, ou qualquer
coisa relacionado a isso.
— Garoto. — respondi devorando o pedaço de raiz cozida.
Uma gargalhada rouca saiu de dentro do corpo do homem que me fez olhar em
choque.
— Muito bem, garoto. Não podemos deixar sua mãe nesse estado. Que tal se
devolvermos ela à terra? — falou ele, apontando para o corpo estirado ao chão que já mal
cheirava.
Eu não compreendia o significado daquelas palavras. Só apenas assenti e permiti
que o homem fizesse o que bem entendia, até porque ele havia me dado o que comer e
um pouco de conversa. Depois de algumas palavras estranhas, o homem dispensou o
corpo de minha mãe em uma cova cavada com ferramentas rústicas. Seu nome era
Babelion.
A partir daquele dia, Babelion cuidou de mim. Tratou de meus cabelos, me
apresentou ao que ele chamava de banho, me alimentou. Me deu tudo o que minha mãe
não havia me dado. Hoje eu vejo que não era culpa dela, eu era apenas um peso em sua
vida e, mesmo assim, ela me deu o mínimo para continuar vivendo, ou melhor,
sobrevivendo.
Ato 2

Morei na cabana de Babelion por alguns anos. Lá ele me ensinou muitas coisas.
Me ensinou sobre magia, rituais, sobre ser druida e me ajudou a treinar meu corpo e
sentidos. Me educou de boas maneiras, me ensinou a ler e escrever a língua comum e
me contou muitas histórias. Uma delas foi sobre o Círculo Silvestre, um grupo de pessoas
que veneram a natureza e de lá tiram energia e sabedoria para realizar rituais para
proteger a sociedade e a natureza. Babelion me contou de como ele havia sido expulso
após decidirem que meio elfos não poderiam participar mais do círculo.
— Na verdade, acho que eles me exilaram por outro motivo. — disse Babelion
enquanto se abaixava para acender o fogo da fogueira da cabana que nos mantinha
aquecidos.
— Por que exatamente então? — perguntei me aconchegando ao chão.
— Os elfos do círculo acreditavam que a natureza era pura e que as pessoas a
corrompem e, por isso, a natureza deve ser guardada e as pessoas excluídas. Eu acredito
que o verdadeiro equilíbrio está na perfeita harmonia das pessoas com a natureza. Eles
não devem ter gostado desse meu questionamento.
Fazia sentido. Babelion me ensinou que os elfos não gostavam muito de meio
elfos, e só isso já era motivo para exilá-lo. Ainda mais se esse meio elfo questionar a
integridade e objetivos do círculo.
Certa vez, meu avô, como eu passei a chamar Babelion, me ensinou sobre a
existência de um companheiro animal: um ser mágico que me acompanharia por toda a
minha vida no qual eu teria um vínculo de amizade e companheirismo muito forte. Na
época eu não quis prestar muita atenção no assunto porque não via necessidade na
companhia de um animal.
Contudo, nem tudo acontece como a gente deseja. Enquanto andava pelos
arredores da cabaninha onde morava, vi um pequeno furão ruivo ferido, jogado perto da
relva que rodeava uma árvore. Pequenina criatura, tão indefesa, ensanguentada e
completamente vulnerável. Compadeci-me do cenário e o carreguei para a cabana. Cuidei
dele por três dias, dando alimento e abrigo. Entretanto, a pequena criatura não conseguia
se desvencilhar de nossa presença.
Um tempo se passou até que eu percebi que o furão tinha prazer em compartilhar a
nossa presença. Criamos um vínculo de companheirismo, mesmo que sem querer. O
pequeno furão trazia pequenas frutas, sementes e cogumelos para a barraca em tempos
difíceis. Quando eu adoecia, a pequena criatura permanecia do meu lado. Pedi ao meu
avô para me ensinar o ritual do companheiro animal, um momento que me preencheu de
felicidade, acredito que a Pabu também.
Ato 3

Agora éramos três: eu, meu avô Babelion e Pabu, o furão. Vivíamos em paz, cada
um realizando seu papel na pequena cabana. Eu cresci, tanto em estatura quanto em
conhecimento e sabedoria. Reconheci que tudo que há na natureza deve receber respeito
e tem seu devido uso. Desaprovo a atitude do abuso da natureza e da morte. A morte é
algo natural e não pode ser adiantada, tudo deve acontecer no seu devido tempo, no
devido tempo natural.
O dia raiava sobre a copa das árvores da floresta em que morávamos quando, em
um de meus passeios matinais com Pabu, escutei um som horrível: alguma criatura
gritava de agonia e parecia fugir de algo. Rapidamente subi em uma das árvores baixas
para adquirir uma posição de vantagem na observação e busquei a origem daquele
clamor horripilante.
Um pobre javali corria com muita pressa dentre os arbustos que se espalhavam
pela floresta, sangrando e com uma flecha cravada em seu flanco. Olhei com cuidado a
procura do autor daquele massacre.
— Poroff, use seu machado! Não deixe ele fugir!
Era uma voz masculina um tanto quanto aguda. Seguida dela, outra feminina
exclamou alguma outra coisa. Eu não entendi pois a fúria havia tomado conta de mim
quando desci às pressas da árvore para encontrar com o grupo que havia ferido a pobre
criatura.
— O que vocês pensam estar fazendo? — berrei, pingando de suor.
Três figuras desconhecidas viraram-se para mim, assustados. Um elfo loiro de
olhos verdes, uma humana de baixa estatura e cabelo curto e um anão de nariz grande.
— Pegando nosso jantar, quem é você? — o elfo se pronunciou.
— Vocês acham que podem entrar na floresta dessa maneira e simplesmente
atacar um animal indefeso e, ainda por cima, pegarem-no para jantar?
Rapidamente a mulher humana veio até mim, afastando o elfo para trás. Não
pareciam querer problema, pelo menos não comigo.
— Não sabíamos que tinha alguém morando por aqui. Meu nome é Ellen. Meu
grupo está faminto e precisamos comer alguma coisa.
Cordialmente, a mulher falou comigo. Algo nela parecia doce, algo que me acalmou
naquele momento. Recuperei meu fôlego e minha raiva cessou por parte.
— Nessa área há algumas plantas, raízes e cogumelos que alimentam e são
saborosos. Se vocês quiserem eu posso mostrar a vocês, se me prometerem não atacar
nenhum animal.
— Se você nos der comida, prometemos deixar o javali em paz. E a comida terá
que nos sustentar. — com um sotaque carregado e pesado, o anão disse calmamente
guardando seu machado.
— Me sigam.
Guiei o grupo até uma clareira onde poderiam montar um acampamento e lá,
apresentei a eles às plantas e raízes comestíveis, bem como cogumelos e frutas.
Ajudei-os a coletar alguns mantimentos e os mostrei lugares perigosos e um pequeno
riacho onde poderiam beber água e se lavar, caso precisassem.
— O que vocês estão fazendo na floresta? — ousei perguntar quando o elfo e o
anão começaram a improvisar uma barraca.
— Viemos em busca de uma flor. É um remédio para a filha de um figurão da
cidade. — resmungou o anão.
— Flor? Qual flor seria?
Minha curiosidade havia sido provocada. Haviam poucas coisas que me faziam sair
de minha zona de conforto, uma delas é a arte que Babelion me ensinara pouco pela falta
de livros ou conhecimento: a botânica.
— Uma flor de pétalas brancas, com borda roxa…
— E manchas pretas. — interrompi a fala de Ellen com entusiasmo.
Os três se entreolharam e logo em seguida me olharam de volta.
— Conhece essa planta, menino da floresta? — questionou o elfo curioso.
— Claro que conheço, é a Flor de Lilás, o óleo extraído dela pode ajudar no
tratamento de doenças respiratórias.
Mal vi o dia passar quando Luna e Celene apareceram no céu. Passamos horas
conversando, descobri que o nome do anão era Poroff e o elfo se chamava Terenuel.
Naquele dia, claro, auxiliei-os na questão da Flor de Lilás. O medicamento não era algo
difícil de produzir, Babelion havia me ensinado sobre ela no verão passado quando
contraí uma tosse forte. Contudo, além de tudo o que aconteceu naquele dia, o pouco que
Ellen, Terenuel e Poroff me contaram a respeito de suas aventuras fez com que meus
olhos brilhassem com anseio. Anseio por conhecer florestas que nunca vi, montanhas que
nunca pisei, planícies que nunca fui e mares que jamais sonhei em contemplar. A
grandiosa natureza me aguardava, pacientemente.
Ato 4

— Menino, acho que chegou a hora. — Babelion disse, fixando seus olhos nos
meus.
— Hora do que, avô? — assustei-me com a repentina fala.
Estávamos indo pegar lenha para cozinhar, era final de tarde quando Babelion me
surpreendeu, puxando meu braço.
— Desde que você voltou para a cabana depois de ter se encontrado com aquele
grupo de estrangeiros, você não para de perguntar sobre coisas do mundo afora. Está na
hora de você passar pelo ritual.
Babelion havia me contado de diversos rituais, de forma que eu não fazia noção de
qual ritual ele estava falando.
— Que ritual seria esse? — perguntei enquanto coletava pequenos galhos caídos
ao chão e os colocando sobre uma cesta feita de cipós secos.
— O Ritual da Maioridade.
As palavras soaram sérias, duras, tristes, orgulhosas. Apenas fitei os olhos verdes
de minha figura paterna, olhos que me olharam de volta com a firmeza e a sabedoria de
anos de experiência.
O Ritual da Maioridade era um ritual feito pelos druidas do Círculo Silvestre onde o
pai escolhia um novo nome para o filho e o concedia o direito da Escolha: ficar no círculo
ou sair do círculo. Eu sabia muito bem o que ele queria dizer: Babelion estava prestes a
me liberar para escolher ficar com ele na cabana ou partir no mundo como um aventureiro
livre. Quando voltamos à cabana, Babelion disse que eu teria apenas um dia para decidir.
— Preciso que vá até a cidade comprar algumas coisas. — meu avô disse,
enquanto me acordava no dia seguinte.
Ele precisaria de alguns pregos e argolas de ferro, nossa cabana havia sofrido com
a ventania da semana passada e necessitava de reparos. Por isso, eu e Pabu nos
preparamos para um dos maiores estresses que eu poderia viver: ir até a cidade.
Eu vivia perto de uma pequena cidade que pertencia a uma região chamada
Greyhawk, aparentemente havia uma cidade grande que comandava toda a região
chamada Cidade Livre de Greyhawk. Nunca sequer tive vontade de pisar em uma cidade
grande. A pequena cidade que ficava a alguns quilômetros da cabana contava com
algumas casas, um templo estranho, alguns comércios, uma praça e uma construção
grande. Fedia a esterco e ferro, era barulhenta demais e havia pessoas demais.
— Menino da floresta? O que faz por aqui? — uma voz aguda familiar soou atrás
de mim quando eu estava indo na direção do ferreiro que fazia nossas argolas.
Era Terenuel, o elfo aventureiro que havia encontrado na floresta há alguns dias.
— Vim comprar algumas coisas para a reforma da cabana onde vivo.
Ellen foi a primeira a me cumprimentar, com um abraço. Um abraço? Não, na
época eu não sabia o que era e, por isso, não tive nenhuma reação.
— Aquele seu medicamento nos salvou! Ganhamos o dobro do pagamento por sua
causa, menino da floresta! — exultou a humana.
Poroff apenas fez um cumprimento com a cabeça.
— Não acho nada mais justo que lhe pagar uma boa sopa de legumes, já que você
não come carne, não é mesmo? — Terenuel enroscou o braço em volta do meu pescoço
enquanto falava, risonho.
Um leve sorriso percorreu meus lábios quando aceitei a proposta. O grupo de
aventureiros me levou até um estabelecimento chamado de taverna. Uma espécie de
lugar onde pessoas se reúnem para beber e comer, por vezes brigar e até cantar,
segundo Poroff. Por minha fortuna, o lugar estava vazio, contando apenas com o dono.
Naquela tarde eles me contaram um pouco mais sobre o desenrolar de seu último
trabalho do medicamento para a filha do nobre que comandava aquela pequena cidade e
eu fiquei maravilhado em saber que era possível ganhar a vida daquela forma, tão livre e
utilizando a botânica para gozar de uma vida feliz. Cumpriram também a promessa de me
pagar uma sopa de legumes que, aliás, estava deliciosa.
— Meu avô disse que eu tenho hoje para decidir se fico com ele na cabana ou
parto mundo afora em aventuras. — tentei soar o mais natural possível.
Os três me olharam com espanto.
— Não é nada disso que vocês possam estar pensando, ele não está me
expulsando de casa ou coisa parecida. É parte da nossa cultura, quando uma pessoa
atinge uma certa idade, ela deve fazer essa escolha.
— Que rígido isso, não? — Ellen sorridente, dirigiu a palavra ao grupo.
— O que você quer? — Poroff tinha sua própria atmosfera desconfiada, mas
parecia se abrir melhor quando estava presente com o grupo, a pergunta foi dele.
— Babelion foi o homem que me criou e me ensinou tudo o que eu sei. Tenho
enorme gratidão por ele. Ele sabe disso. O que eu quero hoje é conhecer mais da
natureza e buscar saber mais sobre a botânica. Não acho que ficar na cabana seja uma
escolha que me ajudará nisso. Não seria uma escolha muito sábia.
O grupo assentiu. Foram muito receptivos comigo. Acho que esse foi um dos
motivos de eu ter decidido, enfim, partir.

Ato 5

— Pois bem, encontre-me na Colina do Sol, ao amanhecer. Não tarde, menino. —


Babelion disse enquanto fazia os últimos preparos da noite para o Ritual da Maioridade
que aconteceria na manhã seguinte.
— Estarei lá.
Não consegui dormir muito bem à noite, Pabu notou isso e, por vezes, ia até minha
rede me cutucar. Estava aflito pois havia prometido ao grupo de aventureiros que voltaria
para a cidade na tarde do dia seguinte para ir com eles viajar. Também estava aflito pois
sabia que iria largar meu lar, minha cabana, meu avô.
O dia amanheceu gelado, o orvalho ainda caia quando me levantei. Peguei todos
os meus pertences de viagem, acordei Pabu que dormia sobre meu manto recém tecido e
então parti na direção da Colina do Sol. A colina era um ponto depois da floresta, ao
norte, que tinha uma enorme pedra onde meu avô e eu sentávamos para nossas lições,
foi ali que aprendi muito do que sei hoje.
Lá estava ele, de pé sobre uma pedra grande, de frente a uma pedra menor,
cuidadosamente preparada. Babelion segurava um cajado ornado de penas e linhas
trançadas em uma mão e uma coroa de folhas na outra.
— Levante-se, filho da natureza, e caminhe para seu destino. — meu querido avô,
sorrindo, apontou para a pedra diante de si.
Obedeci e, estufando o peito, caminhei até a pedra.
— Hoje, toda a Mãe Natureza é testemunha. Subistes como um menino, descerás
como um homem. Conceder-vos-ei um nome honrado, ó amado da floresta. Um nome
que pertenceu a um homem que minha vida poupou por tamanha misericórdia e amor.
Um nome que será ouvido por muitos nas gerações futuras. Um nome que fará jus ao
serviço da natureza. Proclamá-lo-ei Laurence!
Laurence. O nome do homem que salvou a vida do meu velho amado quando era
jovem. O nome que fazia parte de tantas histórias contadas a mim. Maior honra não
havia.
Ao final de seu discurso, meus olhos se encheram de lágrimas quando meu avô me
ofereceu o cajado, ao qual segurei com minha mão direita com força. Babelion levantou a
coroa de folhas acima de minha cabeça e assim a repousou com gentileza, calma,
sabedoria e certeza.
— Desça como homem, Laurence, filho da floresta.
Assim que desci da pedra, ao final do ritual. Senti que toda relva ao meu redor me
aplaudia. As árvores se jubilavam ao longe. As pedras comemoravam. Os animais
gritavam de alegria. Senti-me abraçado por toda a natureza. Senti-me abraçado pelo meu
avô e, correspondendo, mergulhei-me em seus braços calorosos.
Ato 6

Após o Ritual da Maioridade, fui até a cidade, onde o grupo estava hospedado.
Eles me receberam com abraços e apertos de mão, os quais tentei corresponder.
— Então agora devemos te chamar de Laurence? — perguntou Poroff.
Assenti dizendo que sim, com um sorriso torto.
— Eu prefiro “menino da floresta”. — caçoou Terenuel.
Com algumas risadas e batidas leves em minhas costas, o elfo chamou um pouco
a alegria para o meu ar de despedida. Custei um tempo grande para sair da cabana, tive
de me preparar mentalmente para sair. Babelion me ajudou com alguns pertences e me
deu um livro muito importante: uma enciclopédia de botânica. Não era muito grande mas
para mim era o suficiente para me encher de alegria.
Não demorou muito para partirmos. Enquanto eu estava preparando minhas coisas
para sair no dia anterior, o grupo aceitou um novo trabalho em uma vila ao sul. Me
explicaram que iríamos ver um nobre que estava de cama há dias e o botânico da vila não
tinha condições de preparar o remédio pois sofria do mesmo mal que seu senhor. Eles
estavam precisando de um emulsificado de ervas específicas.
Nossos primeiros trabalhos como um grupo de quatro pessoas eram como esses:
ajudar um senhor a se recuperar de uma doença, escoltar um rico de uma cidade à outra,
descobrir a causa da morte do filho de um marceneiro da cidade, entre outros. Nunca
saíamos dos domínios de Greyhawk até um ponto em que, depois de um ano juntos,
alugamos nossa casa em uma cidadezinha ao norte da floresta onde cresci. Não era perto
o suficiente para visitar meu avô, mas era perto o suficiente para voltarmos toda vez que
terminávamos um trabalho.
Nas horas vagas, eu estudava mais sobre a botânica e jamais deixava de realizar
meus rituais diários que Babelion havia me ensinado. Acabei descobrindo mais um pouco
sobre o serviço druídico em uma biblioteca durante um de nossos trabalhos, o que fez
minha paixão pela natureza aumentar com tamanho afinco que me fez definir um objetivo
claro: eu queria me tornar um grande botânico um dia e viver em comunhão plena com a
natureza. Unindo esses dois lados da mesma moeda, eu alcançaria o equilíbrio entre a
natureza e a sociedade, a harmonia de que meu avô falava.
Ato 7

Foi no nosso sexto ano juntos, perto de quando eu havia completado 26 anos, que
uma antiga intriga entre Poroff e Terenuel estourou. Estávamos indo para um trabalho de
escolta, o contratante era um elfo de cabelos castanhos e olhos verdes que se chamava
Galather. O elfo precisava atravessar uma colina rochosa que ficava a alguns quilômetros
da Cidade Livre de Greyhawk para chegar à uma pequena vila onde sua família constituiu
morada. Contudo, fomos interceptados durante o trajeto: era um grupo de anões que
clamava pela cabeça de Galather.
Confusos, eu, Ellen, Terenuel e Poroff tentamos entender o que havia acontecido.
Os anões explicaram que Galather havia mandado assassinar Monire Passolento, a líder
de família dos anões.
— Acusações falsas, são essas! — Exclamou Terenuel enquanto Galather
concordava.
— Um anão só abre a boca quando tem certeza, orelha pontuda! — Bradou Poroff.
Os ânimos entre o anão e o elfo do grupo já não estavam dos melhores nos últimos
dois anos, o que gerou em uma discussão feia, a pior que o grupo já teve. Isso fez com
que Poroff partisse com os anões em busca de provas concretas e Terenuel seguisse com
a missão de escoltar o elfo. Eu e Ellen decidimos seguir o trabalho.
Eu já sentia que o grupo iria se desmantelar, infelizmente. Poroff e Terenuel
brigavam o tempo todo. Ellen estava desgastada demais para conseguir intervir e eu não
tinha habilidades sociais o suficiente para convencê-los a se resolverem.
— Eu vou para Diamond Lake, Laurence. — disse Ellen com um semblante infeliz.
— O que tem nesse lugar?
Em resposta à minha pergunta, a mulher me disse que sua família morava por lá e
que sua mãe havia estado doente nas últimas cartas que se viram.
— Posso ir junto? Gostaria de saber se precisam do serviço de um boticário lá. —
Perguntei.
Um aperto em meu coração era constante e latente a cada passo que dávamos em
direção à Diamond Lake. Uma parte de mim havia ficado naquela cabana, outra havia
permanecido com Ellen, outra com Poroff e outra com Terenuel. Me senti triste não por
me separar de meus amigos, mas ver que era impotente. Não havia nada para fazer em
relação ao grupo.
— Diamond Lake é uma cidade mineira ao leito de um rio. Devem ter muitos
trabalhadores que necessitam de remédios. Ou quem sabe um grupo de aventureiros que
precise de um botânico em suas viagens. Quem sabe… — contive minhas lágrimas
enquanto caminhávamos fitando o horizonte.

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