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Lumina Calao Zitoare

Lumina e o Meia-luz

Meu nome é Lumina e, há longínquos vinte anos atrás, eu nascia em um


pequeno vilarejo em meio às Terras Selvagens da Mata dos Sonhos chamado
Ventoleste. Meus pais - que a Protetora guie suas almas - eram pessoas simples,
humanos comuns, e cuidaram de mim ao longo de toda a minha vida até os dezoito
anos. Entretanto, as pessoas daquele pequeno vilarejo no meio do nada os
respeitavam bastante pelos seus sobrenomes. Calao e Zitoare eram conhecidas
famílias em que, frequentemente, nasciam exímios curandeiros de extrema
importância para Ventoleste, pois anunciavam, com suas nascenças, a iminente
chegada de tempos penosos e, portanto, eram a própria manifestação da Protetora,
que viria ajudar a comunidade por meio da cura e do renascimento.
Até onde sabemos, essas famílias nunca tiveram qualquer relação, até meu
pai e minha mãe se apaixonarem em uma taverna qualquer deste pequeno vilarejo.
Coincidentemente ou não, eles casaram e juntaram as duas célebres famílias, que
se um dia tiveram alguma ligação mística com a Protetora, agora consumaram esse
vínculo em um casamento quase que sagrado. Eu sou a primeira e, até hoje, a
única pessoa que carrega o sangue dessas duas famílias em minhas veias, o que
sempre foi um peso para mim.
Minha infância foi a de uma criança qualquer de um interior aleatório. Vivi de
forma simples, mas muito bem. Meus pais sempre disseram que, desde pequena,
eu tenho um vínculo especial com a natureza. Sempre me dei muito bem com todos
os animais. Aos meus cinco anos, eu tentava conversar com as plantas, com bestas
e vivia grande parte dos meus dias em contato com elas. Eu tinha um cachorrinho
chamado Nebli que saía comigo para brincar nas matas das Terras Selvagens. Foi
nesse período que aprendi a usar arco e flecha, pois ficava brincando e praticando
nos troncos das árvores cortadas, enquanto Nebli me acompanhava.
Lumina criança e o Nebli

Aos dezoito anos, meus pais me explicaram a história de nossas famílias e a


responsabilidade que isso representava. A vida inteira eu não tinha assimilado, pois
isso sempre foi guardado para ser contado “quando eu conseguisse entender”, mas
existia um grande temor acerca de minha imagem, uma tensão coletiva do vilarejo
sobre mim, assim como existia muita expectativa sobre o que ou quem eu iria me
tornar. Se, por acaso, eu desenvolvesse poderes curativos, isso significaria que uma
grande calamidade estava chegando, já que eu seria a “união dos poderes” das
duas famílias. Até existiam algumas pessoas que me contavam coisas estranhas e
fofocas da minha família, mas eu não ligava. Meus pais sempre me ensinaram a
não dar bola para boatos e assim eu segui minha vida inteira.
Quando entendi todo esse contexto, decidi tomar um tempo para mim, para
que eu pudesse, de alguma forma, processar tudo aquilo e limpar a cabeça. Me
isolei por quase um ano nas matas, pois ali senti um conforto que eu nunca havia
sentido antes. Nessa altura, eu estava completamente sozinha. Nebli havia morrido
há 4 meses e eu não queria qualquer contato com meus pais ou pessoas do
vilarejo. Foram tempos difíceis para mim, mas algo me confortava naquela profunda
e densa floresta.
Em uma noite calma e agradável, de repente, uma mulher misteriosa, branca
e de cabelos rosas, se aproximou de mim. Ela não parecia humana. Não parecia
sequer desse plano, mas por algum motivo eu não sentia medo. Quanto mais ela
chegava perto de mim, mais sua aparência mudava e ficava um tanto animalesca.
Ela se aproximou calmamente e me entregou um filhote de lobo. Me disse que
haviam grandes dificuldades se aproximando, talvez a maior já vista pelo vilarejo até
hoje. Me explicou também que eu vim ao mundo para ser um braço direito dela no
que estaria por vir, para curar e lutar ao lado do povo de Ventoleste.
Entretanto, aquela calmaria que acompanhava a entidade se esvaiu quando
essa começou a proferir encantamentos em um idioma incompreensível. Um terror
tomou conta de minha alma, eu escutava vozes, risos e coisas me cutucando. Ela
deitou-me em seu colo e começou a puxar da minha cabeça um par de chifres.
Enquanto eu via essa cena sem conseguir compreender o que estava acontecendo,
uma dor excruciante tomava conta do meu corpo, principalmente no topo de minha
cabeça. A dor era tanta que eventualmente desmaiei em choque.
A Protetora e a Lumina segurando o Meia-luz

Acordei no dia seguinte em meio à mata com aquele pequeno lobo lambendo
o meu rosto. Quando levantei, senti algo diferente, como se fosse um peso em
minha cabeça e percebi que aquelas… galhadas? Chifres? Que também… brilham?
Ainda estavam em minha cabeça. Até hoje tento entender tudo isso, mas as únicas
coisas que eu sei é que eles não sairiam tão cedo e minha pele estava
extremamente pálida.
Lumina acordando desnorteada com o Meia-luz

No mesmo dia, voltei para a vila. Quando cheguei, pálida, com chifres e um
lobo nos braços, foi um alvoroço. Algumas pessoas me olhavam com verdadeiro
terror nos olhos. Outras me admiravam com curiosidade e um tanto animadas. As
demais se ajoelharam ao me ver, em uma espécie de devoção à Protetora. Voltei
para a casa dos meus pais e expliquei o que aconteceu. Voltei a viver em
sociedade, mas com alguns trejeitos um tanto estranhos causados ou pelo
isolamento, ou por eu estar… diferente. A mensagem que eu recebi, supostamente
da Protetora, foi divulgada e correu por Ventoleste, causando tumulto, mas fazendo
nosso povo se preparar, pegando em armas bravamente para proteger o que estaria
por vir.
Eventualmente, um grupo enorme de caudilhos invadiu o vilarejo. Era, sem
dúvidas, impossível vencê-los. Foi uma carnificina sem a menor chance para nosso
simples povo, que se armou com armas modestas e, os que não possuíam-as, com
ferramentas de trabalho. Meus pais foram mortos, meus amigos e todos os que eu
havia conhecido naquele vilarejo.
Não sobrou ninguém, exceto por Mirana, uma elfa da floresta extremamente
alta que vivia no vilarejo há muitos anos. Ela é a guardiã de Ventoleste e, também,
minha companheira. Juntas adotamos uma pequena sobrevivente que encontramos
nos escombros do vilarejo. Chamamos-a de Violeta por conta de seus cabelos
únicos. Também temos o Meia-luz do nosso lado, olhando por nós e cuidando de
Violeta quando necessário. Felizmente, o ferreiro de Ventoleste também sobreviveu.
Nunca fomos próximos, mas todo mundo conhecia e respeitava-o.
Ainda tentamos nos recuperar disso tudo, mas ao menos sinto que ainda
tenho algo parecido com uma família. Tenho esperança que iremos nos restabelecer
e encontrar justiça, mas por enquanto precisamos apenas sobreviver.
Lumina, Mirana e Meia-luz

Hoje eu carrego, em minhas roupas, todas as mensagens deixadas na mata


pela Protetora, em pedaços de madeira pintados de branco. Também carrego sua
honra e a missão que foi dada a mim. Lutei e continuarei lutando, dia após dia, por
Ela, esperando que um dia esta terra seja digna de sua presença novamente.

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