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UM SONHO IMPOSSÍVEL

Norma Afonso

NÓS ENVELHECEMOS,
NÃO PORQUE O TEMPO
PASSA, MAS
PORQUE ABANDONAMOS
NOSSOS SONHOS.

(Augusto Cury)
“ O homem é o que ele pensa o dia todo.”
Emerson

Este livro é dedicado ao meu neto que me


incentivou a escrever sobre minha vida, como
também, a meus filhos e as minhas noras que
têm me dado tanto apoio.
A Pedro Ivo os meus mais sinceros
agradecimentos pela correção do livro e a Júlia
pelo apoio logístico.

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NORMA AFONSO

Espero que você possa aceitar as coisas como


elas são
Sem pensar que tudo conspira contra você,
Porque parte de nós é entendimento...
Mas a outra parte é aprendizado...

Que você possa ter forças para vencer todos os


Seus medos
E que, no final, possa alcançar todos os seus
Objetivos
Porque parte de nós é cansaço...
Mas a outra parte é vontade...

Que tudo aquilo que você vê e escuta possa lhe


Trazer conhecimento
Que essa escola possa ser longa e feliz
Porque parte de nós é o que vivemos...
Mas a outra parte é o que esperamos...

Que você possa aprender sem se sentir


Derrotada
Que isso possa fazer você cada vez mais
Guerreira...
Porque parte de nós é o que temos...
Mas a outra parte é sonho...

Que durante a sua vida você possa construir


Sentimentos verdadeiros
Que você possa aceitar que só quem soube da
Sombra pode saber da luz...

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(Texto de autor desconhecido)

PREFÁCIO

Sempre gratificante é a honra de prefaciar um livro. No caso


deste livro, tal honra me veio de uma forma que até me parece
lógica. Lógica, porque, a despeito da despretenciosidade da
minha vida, fui elemento integrante de alguns episódios
comentados pela autora. Isso, longe de inibir-me, traz a mim
certo estímulo que, em última análise, se identifica com
exigência de autenticidade...
Se inoportunas as minhas palavras até aqui, a culpa disso é da
autora que inventou de inserir-me no seu livro.
O que importa, porém, é o livro em si, nos seus objetivos, na
sua transparência, na superação de sentimentos negativos que
poderiam ter prendido a autora, talvez, até hoje, no mundo
sombrio da inoperância ou depressão.
E tal superação vale como coroamento de todos os méritos da
autora. Mais ainda: realça-lhe os predicados de mãe, avó, sogra,
tia e cunhada. Na verdade, conheço-lhe os dois filhos, há mais
de quarenta anos dois grandões, inteligentes, freudianos,
trabalhadores e portadores de uma afetividade capaz de levantar
ainda hoje, a mãe nos braços; seu neto, já universitário,
exemplifica-lhe um neto cujo equilíbrio e euforia muito devem a
ela; sem cavilações místicas. Sua nora, me lembra a afetividade
rara, sacralizada na Bíblia, entre Noemi e Rute; meus seis filhos
são todos “manteiga derretida” para com a tia ; o signatário
deste prefácio seria vil mentiroso, se externasse alguma queixa
contra “NORMA DE AÇO” – Os leitores terão bom gosto.

Recife, 20 de março de 2007.

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Pedro Ivo Bedor Sampaio

CAPÍTULO 1

Quase sempre sentados na mesa a espera do almoço ou do jantar


começávamos a conversar e eu então contava algum fato sobre
minha vida a meu neto,um dia ele me falou:
-Vovó porque a senhora não escreve sobre sua vida?
Fui dormir naquele dia pensando como poderia contar de
maneira que fosse sincera e interessante minha história.Não sou
escritora.
Ao me acordar, tive uma idéia, a medida que fosse me
lembrando dos acontecimentos iria narrando-os,lembrei-me de
alguns fatos, e iniciei pela minha infância na casa dos meus pais,
sem me preocupar com a cronologia dos fatos ou mesmo sem
me preocupar com a regência ou concordância do que estava
escrevendo, o que me interessava era a idéia e a descrição dos
acontecimentos,isto ficaria para depois.
Me veio então a lembrança aquele dia chuvoso que me fez
voltar ao passado creio que mais ou menos a 64 anos atrás, então
me pus a descrevê-los.
Era um dia que as nuvens estavam de uma cor cinzenta,pesada,
parecia que ia desabar uma chuva muito forte, a empregada
corria para tirar as roupas que havia pendurado no arame para
enxugar, o tempo estava meio parado.
O cheiro da terra com o bater da água no solo, demonstrava
que as primeiras chuvas do ano haviam chegado. O som do
trovão e o faiscar do relâmpago, iluminava a rua. Eu observava
o belo espetáculo que a natureza travava no céu e o som do
trovão me fazia medo.
Wilson desaparecera, provavelmente estaria com os amigos
tomando banho na bica que vinha do telhado da casa. Eu fazia o
mesmo, corri para debaixo da bica, pulando e gritando de
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contentamento;era um jato de água muito forte e ininterrupto
que ao sair do cano e cair sobre minha cabeça e escorrer sobre
meu rosto me deixava sufocada,sacudia minha cabeça,passava a
mão no meu rosto para retirar um pouco da água, aí sentia uma
sensação de felicidade inexplicável, me deleitava com o
gostinho de liberdade.
A criançada se alegrava, no outro dia, iriam apanhar tanajuras
que saiam da toca.Tanajura é uma formiga que tem um bumbum
saliente e que quando chove saem para a superfície. A rua ficava
cheia de crianças que com um pano nas mãos sacudia sobre elas,
dando pulinhos para que não as mordessem, ao apanhá-las
colocavam-nas num saquinho para levá-las para casa e fritá-las
para comer,quando fritas, subia um cheiro característico e todos
percebiam que ali havia tanajuras.
O Rio que banhava a cidade estava cheio.
Wilson muito levado corria para cima da ponte com alguns
amigos, subiam na balaustrada e pulavam no rio, que cheio, se
tornava caudaloso e perigoso. Era um espetáculo, observar a
meninada corajosa dando um verdadeiro show!
Esse rio atravessava a parte mais baixa da pequena cidade
onde vivíamos. Não era um rio perene, porém quando chovia
ficava cheio e as pessoas se dirigiam para lá a fim de observar o
milagre que a natureza produzia. O rio Ipojuca com suas águas
barrentas trazida pela correnteza propiciava aos mais jovens um
excelente e perigoso divertimento.
Quando chegava ao conhecimento de papai, Wilson levava
uma bela surra. Muitas pessoas eram encontradas mortas por
conta da enxurrada.
Do outro lado do rio havia o Campo de Monta, pertencia a
municipalidade. Para irmos até lá, atravessávamos uma ponte de
madeira, onde só passava pedestres, uma ponte rústica que entre
uma tábua e outra, havia uma brecha permitindo que víssemos a
água que passava por baixo dela, hoje é, onde está localizada a
feira de Caruaru. Esta feira, com os anos ficou famosa pela
diversidade de frutas, verduras e demais coisas que eram
vendidas,O poeta Onildo Almeida e Luiz Gonzaga imortalizou-
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a numa canção.
Nós gostávamos de ir até ao campo de monta, para brincar e
observar as casinhas de galinhas cheias de ovos, essas casinhas
eram lindas, com poleiros nas suas laterais para que ali as
galinhas dormissem e pusessem seus ovos, havia também
ovelhas, cabras e cavalos que a prefeitura mantinha lá. Era um
local imenso coberto de pasto, que nos dava possibilidade de
brincarmos sem nenhum perigo.
Wilson quase sempre insistia para irmos brincar lá,
chamávamos alguns coleguinhas e juntamente com os filhos do
responsável pelo campo passávamos a tarde empurrando um ao
outro num balanço dependurado numa árvore chamada Juá.
Uma corda amarrada a um pedaço de madeira num dos galhos
da árvore formava esse maravilhoso balanço. Ou então numa
gangorra improvisada.
O Juá às vezes estava cheio de frutos pequenos e viscosos.
Comíamos alguns. Havia também muitos pés de umbu, ainda
que um pouco verde, comíamos umbu até desbotar os dentes,
como também, jaca, caju e jaboticaba. Ivete ainda era muito
novinha e Armando era um bebê.Para cortarmos a jaca era um
sacrifício, nos lambuzávamos todos com o leite que saía dos
bagos e aí com os dedos todos pegados íamos a procura de
folhas para limpar as mãos.
Corríamos de pega-pega, empinávamos papagaio o mais alto
possível até onde tivesse linha, os papagaios eram feitos por
Wilson, de papel de seda colorido retirado escondido da loja e
varas de madeira cruzadas,eu ajudava na confecção e na retirada
dos papéis.Quando ele subia como o desejado, ficávamos
olhando para o alto até nos cansarmos e irmos para casa.A noite
se aproximava e tínhamos que correr antes que nossos pais
percebessem que havíamos passado a tarde fora e não termos
feito as tarefas da escola.
Eram brincadeiras simples e inocentes, subíamos nas árvores e
ficávamos escondidos sacudindo pequenas pedrinhas em quem
estava passando.
Wlson aproveitava e ia nadar no rio, ficávamos à margem
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olhando-o mergulhar, ele por sua vez demorava a chegar à tona,
se exibindo, pois sabia nadar muito bem. Nós ficávamos
atônitos, olhando apavorados até que ele aparecia para descanso
de todos, porém não contávamos aos nossos pais as peripécias
do mano.
- Wilson, dizia papai:
- Não faça sua irmã ser castigada por sua causa, mas, era
bobagem, vez por outra estava eu levada por ele a fazer o que
não devia.
Tivemos uma infância muito saudável e considerada feliz, não
nos faltava nada, as tardes que passávamos brincando são
recordações que o tempo não consegue apagar, nossa vida era
uma brincadeira, não havia a pressão de hoje sobre os filhos
para fazer diversas atividades, como estudar inglês, fazer
natação, judô, balet ...estudar o básico,brincar era o
suficiente,não havia TV, vídeo game etc. nem brinquedos
especiais.
Estudei o maternal e jardim no Colégio de freiras o Sagrado
Coração, saí e fui para o Sete de Setembro, voltei depois para o
Colégio. Fiz amizade com duas coleguinhas que persistiram por
toda vida, Gudelível e Solange,esta morava perto lá de casa, era
extremamente endiabrada. Gudelível sempre fora recatada, filha
de uma senhora muito religiosa, morava um pouco distante.
Quando me casei, pouco foi o contato que tivemos. Solange veio
morar em Recife e Gudelível foi para Itália onde foi seguir uma
ordem religiosa. Quando voltou nos reencontramos.
Gudelível não se casou, tentou criar uma menina, mas esta tinha
um probleminha de saúde e morreu,hoje, ela tem uma agência
de viagem e está muito bem financeiramente, continua fiel à sua
fé.
Solange sempre foi peralta. Um dia a diretora do Colégio veio
repreende-la em voz alta e apontou-lhe o dedo em riste, ela não
teve dúvida gritava e dizia : tire este dedo daqui!...tire este dedo
do meu nariz!
Eu assistia e a admirava porque ela não tinha medo de ninguém,
mexeu com ela se daria mal,eu morria de medo porque meus
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pais não apoiava rebeldia.Depois do ocorrido saímos as duas
satisfeitas e sorrindo, Socorro não havia se rendido.
Quando ela ficou mais velha se meteu numa briga da sua irmã
com o marido, ele veio bater na sua irmã, Socorro que estava
presente partiu para cima dele,deu tanto nele que sua irmã
implorava que ela parasse, mas não tinha jeito,ela finalizou
depois que deu um chute nos seus culhões.
Nunca mais pôde ir à casa de sua irmã,esta estava acostumada a
levar pancada.
Outra vez ainda adolescente desejosa de dançar, sabendo que
mamãe não me deixaria sair com ela a noite, pulou para dentro
do meu quarto por uma janela que tinha mais ou menos uns dois
metros de altura para me convencer a sair com ela,no entanto,
não tive coragem ( eu tinha muito medo dos meus pais),minha
irmã ao abrir a janela para ela pular e sair, foi pega por mamãe e
não escapou de uma bela sova.
Minha mãe proibia que eu saísse com ela,no entanto eu sempre
dava um jeito de me encontrar com Solange.
Eu adorava viver, sonhar, desejava ser atriz e para isto
freqüentei e cantei nos programas de rádio promovidos por um
radialista, Ari Santa Cruz, da rádio Clube do Recife, eram shows
realizados no cinema da cidade, Cine Santa Rosa.
Todos os domingos pela manhã, era realizado o show de
calouros,a platéia aplaudia os cantores de que mais gostavam e
os mais aplaudidos iam para o trono.
Muitas vezes, fui para o trono, como prêmio, recebia algum
dinheiro e feliz, voltava no domingo seguinte.
Para que eu pudesse participar implorava a mamãe, pedia tanto
que a vencia pelo cansaço. Ela então, mandava alguém me
acompanhar, alguma das pessoas que trabalhavam na loja.Uma
das vezes, meus pais foram assistir à minha apresentação, para
minha tristeza, nesse dia, não fui escolhida a melhor.
Na escola, era convidada para participar de teatro, participei de
algumas peças, no Colégio quando fazia a subclasse. Participei
também de um concurso realizado no ginásio para rainha dos
jogos, Gudelível e Socorro, minhas amigas e companheiras, me
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ajudaram a vender os votos.
Sonhava com o mundo artístico! Juntava-me com as amigas e
imitando os artistas, cantávamos diante do espelho como se
fôssemos Adelaide Chioso e Eliana (artistas da época).
Às vezes, aos domingos, quando ainda criança, inventava de
brincar de teatro.Foi uma época maravilhosa na minha
vida,estava fazendo tudo que me dava satisfação e ser cantora e
atriz era tudo que eu queria ser. Para isto convidava minhas
amigas e elaborávamos uma peça em que nós iríamos nos
apresentar.
Minha casa tinha um grande jardim e ao lado uma garagem
enorme que cabia uns quatro carros.Nesta garagem,
improvisávamos um tablado, onde seria o palco.
Com uma ripa de madeira, entre as paredes, que ia de um lado a
outro, colocávamos dois lençóis que serviam de cortina.
As roupas eram feitas de papel crepom, para cada personagem
uma roupa diferente, éramos nós mesmos quem costurávamos
nas mãos.
Era uma tarde maravilhosa!
Num dos números, cada uma representava uma cor do arco-íris e
com os braços enlaçadas uma nas outras, cantávamos:

Aqui estão num só abraço,


As 7 cores unidas,
Que girando pelo espaço
Aa arco -íris damos vida!

E assim, cantando e dançando, cada uma de nós dava um passo


a frente e falava sobre sua cor, exaltando sua beleza.
Representávamos também outros números e no final a pecinha,
geralmente feita por a gente.
A platéia era composta de algumas amigas da nossa rua ou
mesmo convidadas que eu mesma ia de casa em casa chamá-las.
Meus pais estimulavam minha participação, olhavam com
admiração como eu era capaz de criar,ser comunicativa e
principalmente gostavam de que eu me divertisse em casa.
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-Muito engraçadinha
-Dizia mamãe, rindo (ela me achava linda).
Papai, com um leve sorriso nos lábios ficava encantado cada vez
que me via dançando e cantando.
Minha vida era uma festa, estudava porque era obrigada,
descuidada comigo mesma, era sempre chamada à atenção para
estudar e me cuidar.
Quando ia fazer as tarefas do colégio, colocava um gibi dentro
do caderno e ficava fazendo que estava estudando, até ser
descoberta e ficar de castigo.
Adorava carnaval, carnaval a melhor festa do ano porque
brincávamos durante três dias. Mamãe fazia lindas fantasias e
todo carnaval nos fantasiava. Eu não perdia um dia sequer,
brincava durante os três dias sem parar.
À noite, fantasiados, acompanhávamos o desfile dos Clubes de
rua da cidade, e às 24 horas, voltávamos para casa.
Todos conheciam os filhos do Sr.Camilo, a cidade era muito
pacata e pequena, por isso, não fazia medo brincar e
acompanhar os clubes.
Também não existia a violência de hoje. Passávamos na rua
sem nenhum medo.
Nem papai nem mamãe gostavam de brincar carnaval, mas
nem por isso, proibiam seus filhos de se divertirem. Bastava que
tivessem uma boa companhia, que estava tudo bem.
D. Carminha, uma amiga de mamãe, se responsabilizava por
mim e saía com seus filhos e eu muitas vezes dormia na casa
dela.
Minha amiga se chamava Conceição.
Duas, eram as agremiações mais ferrenhas: Motorista e
Vassourinhas. Quando se encontravam era um duelo tremendo.
Cada Clube exibia sua orquestra, que ao som do frevo fazia a
torcida delirar.
Eu pertencia ao Clube Vassourinhas. Junto ao Porta-Bandeira e
protegida por eles, acompanhava o desfile, fazendo malabarismo
que o passo do frevo requeria.
Mamãe fazia as indumentárias dos porta-bandeiras como
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também os respectivos estandartes.Eram dias e dias de trabalho
na loja preparando as fantasias dos clubes, às vezes iam até de
madrugada para dar conta das encomendas. Eram roupas muito
bonitas, de cetim ou de veludo, todas bordadas de miçangas e
lantejoulas com as cores do clube.Assim também, eram os
estandartes, tinha que ser feito as escondidas para que o clube
competidor não soubesse,havia a disputa do mais bonito.
Durante o carnaval na parte da manhã, dormíamos para
descansar, exauridos de tanto pular.
À tarde, munidos de lança perfume, confete e serpentina
desfilávamos pela rua central da cidade, muitas vezes, fazendo
o corso em cima de um carro aberto, exibindo nossas ricas
fantasias.
Meus pais iam olhar prazerosos como estávamos lindas
desfilando, às vezes saíamos de espanholas ou mesmo de russas
ou tirolesas,mamãe dizia:
-Caprichem pois minhas filhas têm que ser as mais bonitas é a
propaganda do Atelier..
Era uma vida tranqüila. Raramente se ouvia falar sobre algum
crime nos eventos de rua, o máximo que se via, era alguma
pessoa embriagada que brigava no tabefe e era logo posta para
fora ou presa.Depois do carnaval, todos voltavam à vida normal,
trabalho e escola.
Estava se aproximando meu aniversário de 10 anos e eu
sonhava com uma bicicleta,como eu queria uma!. Pedi a
bicicleta de presente, por mais que pedisse ou desejasse não fui
atendida. Sonhava ter uma. Pensei então:
-Já que não me deram, eu alugo uma.
Havia na cidade um comerciante que tinha várias bicicletas para
aluguel.
Resolvida a aprender alugando, todos os dias saia a pedalar.
Tive a ajuda de Socorro que me empurrava para que eu tomasse
impulso e saísse pedalando. Aprendi rápido e assim nos
reuníamos a tarde e corríamos para alugar as bicicletas.
Eu em uma e Socorro em outra.
Na primeira vez que consegui pedalar sozinha senti uma
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sensação maravilhosa,o vento que batia no meu rosto me fazia
sentir a suave brisa do cair da tarde e eu ora sentada na sela ora
em pé agilizava com mais força os pedais para que déssemos
mais rápido as voltas em torno de uma linda pracinha que havia
no bairro e pouco freqüentada para que meus pais não vissem
nem soubessem.
Um dia, a bicicleta estava sem freios e ao me aproximar de uma
carroça não consegui ativá-los. A carroça passou por cima de
mim, só que não havia peso na carroça e sai ilesa, não, porém da
surra que mamãe me deu. Alguém que tinha visto o acidente
contara tudo a ela. Mesmo assim, eu continuava me juntando a
Socorro e passávamos horas passeando de bicicleta,íamos agora
para um local mais distante e menos perigoso.
Eu não parava, sempre procurava algo para fazer, era inquieta e
muito astuta, não tinha medo de nada.
Um dia, fui convidada por minha amiga Conceição, para dar
uma volta de Teco-Teco (um pequeno avião).O namorado da
amiga estava se especializando para ser piloto.Sem dizer nada a
meus pais, fui com a amiga ao aeroporto da cidade. Foi uma
aventura incrível, nunca tinha andado de avião.A exibição do
piloto foi muito excitante, ele começou a fazer piruetas no ar,
subia e descia de vez, fazendo verdadeiro malabarismo.Foi uma
aventura inesquecível, minha amiga se pôs a enjoar e eu não
senti nada, absolutamente nada!Apenas a sensação maravilhosa
que vivi. Indescritível! Meus pais, nunca souberam desta trela!
Durante as férias, trabalhava na loja, uma loja de confecções de
roupas e venda de armarinho denominada de Atelier Moderno e
posteriormente de Magasim da cidade,era uma loja muito
moderna e interessante onde havia de tudo para as mulheres.
Muito habilidosa, aprendi desde cedo o ofício. Mamãe, Madame
Mercês coordenava todo o trabalho e papai administrava-
o.Mamãe era muito cheia de imaginação e o que via de mais
moderno na capital trazia para nossa pequena cidade.
Eu não gostava de ficar no balcão como vendedora, tinha
muitas dores nas pernas por ficar em pé, preferia trabalhar na
confecção das roupas. Por isso, aprendi desde cedo, com muita
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facilidade, todos os segredos da costura e das artes.,
Às vezes quando me dava preguiça pegava a revista Capricho ou
Grande Hotel, chupando confeito ou chocolate, trancava-me no
sanitário e ficava lendo até darem por minha falta.
Sempre muito comunicativa, me dava muito bem com as
funcionárias da loja, nunca descriminei ninguém, muitas vezes
fui repreendida por mamãe porque prejudicava até o trabalho
das funcionárias.
O Atelier era bem montado,mamãe tinha o cuidado de estar
sempre em Recife para trazer para Caruaru a moda local.
Eram vestidos de organdi, organza, musseline,tafetá
renda,cambraia bordada,etc...
A casa Slope tinha os últimos lançamentos da moda, e a Etan os
langerie mais ousados,portanto eram pontos de referência.
As senhoras de posse da cidade faziam suas roupas de Natal,
Ano Novo e fantasias de Carnaval no Atelier era o único da
cidade, não existiam roupas feitas; até os ternos dos homens
eram feitos na alfaiataria.
Uma das senhoras que também era costureira ia sempre comprar
aviamento na loja e levava sua filha,era uma mocinha muito
bonita e cativante, com isto fizemos amizade.O nome dela era
Alba.
Eu gostava muito dela, quando ela ia acompanhada da mãe eu
implorava para que ela ficasse e só no outro dia ela iria para casa
e assim Alba passava fins de semana comigo e aí brincávamos
de artista,passávamos horas conversando,lendo gibi e
sonhando.Alba era muito bonita, uma morena cor de
jambo,cabelos bem pretinhos.Ela fazia uns cachinhos que lhe
dava uma graça especial, muito alegre ela só pensava em ser
artista.Durante o carnaval brincávamos juntas,brincávamos tanto
que chegávamos a exaustão.
Algumas vezes ela vinha estudar comigo,eu muito preguiçosa e
ela muito responsável era uma boa companhia.Mamãe gostava
quando a via.
Nos domingos íamos a missa e éramos muito religiosas
comungávamos e nos sentíamos no céu,quando tinha retiro
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participávamos.Aproveitávamos a nossa adolescência,vivíamos
intensamente cada coisa que nos propúnhamos fazer.
Tínhamos nosso lado sonhador.
Durante as festas, o movimento do Atelier era grande e no
carnaval os Clubes noturnos exigiam que as pessoas fossem
caracterizados, portanto, era uma época de muito trabalho.
Trabalhava-se até às 24 horas, fazendo serão, para que as
encomendas ficassem prontas antes do Carnaval.
Mamãe era incansável, passava o dia todo recebendo as
freguesas, provando-lhes os vestidos e examinando se estava
tudo em ordem. Até papai cortava enxovalzinhos de bebê,
quando o movimento era grande.
O Clube Intermunicipal era o mais chique da cidade, era a nata
que o freqüentava.
Um fato, porém, causou um grande constrangimento na época:
Mamãe havia confeccionado uma fantasia de espanhola muito
bonita e rica para uma freguesa, era uma fantasia de renda
vermelha, ela iria pela primeira vez ao baile, estava muito
feliz.A fantasia lhe caíra muito bem,ela era alta,delgada,cabelos
pretos de pele branquinha.No dia do baile se preparou com
esmero,o vestido vermelho lhe realçou a pele,dos cabelos presos
por uma tiara saía um véu de cor preta e de suas mãos cobertas
por uma luva preta que vinha até os braços um leque que ao ser
abanado lhe dava toda graça. No dia do baile ela se vestiu e toda
faceira olhou-se no espelho e se sentiu linda,chamou seu
companheiro que a achou bela,foi ao encontro dela a abraçou e
beijou-a com muita ternura, estavam preparados para se
apresentarem a sociedade, no entanto, foi terrível, pois D Maria,
fora proibida de entrar no clube porque não era casada
oficialmente com o Sr Rafael, embora já vivesse com ele fazia
mais de quinze anos e dele tivera vários filhos.Era uma senhora
muito distinta e amável.Foi um fato que constrangeu a todos que
os conheciam.( Não havia divórcio e as pessoas permaneciam
ligadas ao outro de quem fora casado) O Sr Rafael foi casado.
As pessoas que viviam juntas, eram marginalizadas, eram
denominadas de amigadas e, se os dois tivessem sido casados e
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vivessem juntos, eram amancebados.
As senhoras casadas não tinham contato com as amancebadas e
não permitiam que seus filhos tivessem amizade com os delas.
As filhas mulheres ficavam descriminadas, tanto as filhas
legítimas do casal que se separou, quanto as que eram
consideradas ilegítimas, filhas dos que viviam juntos.A mulher
separada também era marginalizada,quando passava na rua
diziam:
-Lá vai a separada!

CAPÍTULO 3

Eu quando mais mocinha, por volta dos meus treze anos, saía
com minha prima Colija, uma moça muito bonita. Quase todos
os domingos de manhã nos vestíamos com o que tínhamos de
melhor e íamos para a sede da orquestra Nova Euterpe. Lá se
realizava uma matinal e se passava a manhã dançando, ao som
da orquestra.
Todas as duas éramos excelentes dançarinas de salão, pé de
ouro, por isso, éramos preferidas dos rapazes para dançar.
As músicas geralmente eram românticas, como bolero, fox,
tango, samba canção, etc...Às vezes éramos convidadas para
cantar em casa das funcionárias da loja, quando havia
aniversários. Minha prima cantava as músicas Quiçá, Besame
mucho e outras,era chic cantar em espanhol.Naquela época se
passava muitos filmes mexicanos e se cantava muitas músicas
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em espanhol dos cantores Bienvenido Granda, Libertar
Lamarque,Augustin Lara e o trio Iraquitam e assim aprendemos
um pouco deste idioma.
Ela passou um período lá em casa, fomos muito ami-
gas.Vivemos muitas aventuras juntas, coisas de adolescentes.
Tornei-me uma boa dançarina de salão por conta de Nilson, que
diariamente, antes do almoço, me pegava e nos púnhamos a
dançar,eu chegava do colégio e ele do trabalho e aí ficávamos
até sermos chamados para o almoço.
Nilson, quando dos bailes promovidos pelo Clube Comercial,
me levava e poderia dançar a vontade. Às 2 horas, porém, ele
me trazia de volta para casa, sem nenhuma objeção minha (sabia
que se assim o fizesse, ele não me levaria mais). Em seguida, ele
voltava para o Clube até o final. Meus pais não impunham
qualquer restrição.
Na companhia do irmão estava ótimo!
Gostava de dançar e cantar, era tão alegre e tão cheia de ilusão
que o que realmente importava era ser feliz. Não existia o
amanhã, a não ser dias de verdadeiro prazer. A infelicidade
consistia em não poder ir a uma festa, um cinema ou qualquer
diversão.
Nunca chequei perto de mamãe para contar alguma coisa que
meus irmãos tivessem feito, nunca me incompatibilizei com
algum deles por isso.
Uma ocasião, meu irmão mais velho, Nilton ganhara do Circo
Garcia, um passe que dava direito a um camarote e a freqüentar
o Circo pelo período em que ele estivesse instalado na cidade.
Nilton trabalhava para uma organização que fiscalizava as
músicas.
Durante todo o tempo que o Circo esteve em Caruaru, eu e
meus irmãos Nisete e Normando não perdemos uma única
apresentação.
Era uma verdadeira maravilha ver os malabaristas, a exibição
dos animais, dos trapezistas, palhaços, e para finalizar a
apresentação uma peça teatral, Escrava Isaura, A Dama das
Camélias ou O Ébrio.As histórias eram muito dramáticas e nos
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púnhamos a chorar.
O Circo ficava perto lá de casa e todas as noites íamos os três
irmãos que deslumbrados com a apresentação, riamos sem
controle.Tudo que os palhaços diziam ou faziam, era motivo de
riso.
Em casa, depois do Circo, eu dizia-lhes:
-Vamos se rir?
E eles em conjunto se punham a sorrir até se urinarem.
Nisete, de tanto rir, dizia:
- Não, por favor, estou me urinando!
Papai, depois de um dia de trabalho, sem poder dormir com o
barulho provocado pelo riso, se levantava e, austero, dizia:
- Vão dormir! E cada um tampando a boca com a mão se
dirigia feliz para sua cama.
Deitada, minha imaginação voava.
- E se eu pudesse ser uma artista de Circo?
- Poderia ser uma trapezista! E, no outro dia, com minha irmã ou
Socorro,tentávamos fazer algumas piruetas que víamos, em cima
do tapete rebolávamos e nos contorcíamos no chão.
Era um mundo de sonhos, a fantasia tomava conta de minha
mente e das minhas amigas.Tudo tinha uma enorme
dimensão,era pura imaginação.Nós não dispúnhamos dos meios
eletrônicos que nos passa uma visão explícita da vida,era tudo
muito etéreo, volátil,dávamos asas a imaginação e pensávamos
ser a princesa onde um dia o príncipe encantado apareceria e
seríamos felizes para sempre.
E assim foi Consuelo outra amiga minha que se apaixonou por
um artista do circo de nacionalidade argentina, o nome dele era
Felipe, todos os dias ele se apresentava em cima do seu fogoso
corcel de cor marron e crina preta, os pelos muito bonito e
sedoso, dava volta pelo tablado e ele fazia o cavalo dançar ao
som de várias canções, delirávamos porque era uma
apresentação muito bonita e principalmente porque ele era um
belo rapaz de estatura alta,magro, de cabelos louros, olhos azuis,
o encanto da mulherada.
Quando o circo foi embora, Consuelo foi com ele para desespero
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dos pais, nunca mais tivemos notícias dela.
Não se tinha acesso as informações que os adultos não
permitissem, portanto como saber da realidade da vida?
Quando mamãe dava a luz a uma criança, dizia que a cegonha a
havia trazido pelo telhado, por isso, ninguém a tinha visto!.
E os filhos se punham a olhar qual o buraco que a cegonha havia
passado.
Nas visitas, os filhos, eram postos para fora da casa, a fim, de
não ouvirem os comentários. A qualquer interferência que os
filhos quisessem fazer, se dizia:
-Criança não se mete em conversa de adulto!
-Vão lá para fora, vão brincar! De papai bastava um olhar para
que logo nos retirássemos.
À noite, antes de dormir, a babá, que geralmente era a madrinha
de apresentação, no batismo, contava estórias de papa-figo, de
bicho papão e Lobisomem.A criançada morria de medo. Se
ficasse na rua, corriam o perigo de serem engolidos pelos
bichos.
As estórias de alma penada deixavam a meninada apavorada, e
contra isso precisava rezar pelas almas do purgatório.Corríamos
para cama e púnhamos os pés sobre ela, pois as almas, poderiam
nos pegar pelo tornozelo.Todas as noites, de joelhos, de mãos
espalmadas, pedíamos ao anjo da guarda, proteção.

19
CAPÍTULO 4

A festa de Natal e Ano Novo era realizada em frente da Igreja


de Nossa Senhora da Conceição, portanto, ao lado do Atelier.
O comércio comemorava suas vendas, pois dois vestidos no
mínimo, as pessoas fariam: Um para o Natal, outro para Ano
Novo. Mamãe trabalhava sem parar.
Havia uma senhora cujo marido tinha uma amante.A esposa
fazia as roupas dela e das filhas no Atelier. e dizia: “espulore”
D. Mercês, “espulore”!!!(Era uma mulher rude que não sabia
falar direito o português) Mamãe se punha a sorrir, porque a
amante também era sua freguesa e lhe dizia: Não poupe, D.
Mercês quero o melhor que tiver e mamãe como boa
comerciante que era procurava agradar o máximo possível as
duas.
A Igreja ficava toda iluminada e toda noite se rezava o terço ao
som do coral da igreja.

20
A rua era toda enfeitada, especialmente para as festas do final de
ano.Começava o mês de dezembro e já começavam os
preparativos para a festa.
Por toda parte, eram armadas barracas de comida e carrosséis
em que as crianças e adultos brincavam.
Como era maravilhoso subir nos brinquedos em forma de barcos
e com outra pessoa a puxar a corda até alcançar o mais alto
possível! Um dia passando por este brinquedo,sem prestar
atenção o barco ao ser alçado veio em cima de minha testa e eu
caí desacordada,ao despertar estava com um galo enorme na
testa.Adorava ficar em cima de um cavalo que subia e descia
rodopiando, movido pelo motor do carrossel!
Na frente da Igreja, havia um largo, onde eram montadas umas
barracas, tipo restaurante onde as pessoas mais seletas se
sentavam para beber e ao mesmo tempo, ao som da orquestra,
dançar num tablado armado ao lado.
Dois coretos eram armados,um tablado alto,onde ficava a
orquestra, outro para a orquestra Nova Euterpe e outro para a
orquestra Comercial. Cada uma se esmerava na exibição de suas
músicas.
Ao redor, se formava um passeio, onde as mocinhas com seus
vestidos novos,de braços dados com suas amiguinhas giravam
em busca dos olhares dos rapazes que se plantavam em volta,
tentando conquistar uma namoradinha.
Os mais velhos traziam suas cadeiras e, ao redor de todo pátio,
formavam fileiras para ver o passeio e ouvir o toque das bandas.
Cada um se esmerava no seu traje. Afinal, passava o ano, só
pensando na roupa bonita que iria usar.Até os homens se
fatiotavam todos.
Não existiam roupas esportivas para homem. Se vestiam de
terno e gravata, sempre de cores discretas e na cabeça um
chapéu Ramezón ou Panamá.
Dentro de casa, havia sempre um móvel para se pendurar o
guarda-chuva e o chapéu. Papai ao entrar, tirava o chapéu e o
colocava no porta-chapéu.

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Todos os irmãos já mais adultos ajudavam na loja nessa época,
mas, depois que encerravam o expediente, iam se divertir.
À tarde, sem que meus pais soubessem, eu me juntava com
algumas amigas, íamos a uma lanchonete e com dinheiro de
algumas vendas, nos deleitávamos ao sabor de um gostoso doce
de leite, caldo de cana e pão doce.
Havia também as barracas de jogos de diferentes tipos como:
jogos de roleta, tiro ao alvo,alçando argola e outros onde os
acertadores felizes levavam para casa seus prêmios.
Eram de vários tipos as barraquinhas de comidas, ficava uma
fila de pequenas barracas com seu tipo de alimento,tinha de tudo
bolo,cocada,doces,pipocas, cachorro quente que se fazia numa
panela em cima de um fogareiro para estar sempre quente feito
com carne moída bem temperada no pimentão verde,muita
cebola, como também figo alemão frito e o famoso sarapatel que
se servia com farinha e uma boa dose de cachaça.Ainda havia
geladinha que com um raspador, tomava sua forma que era
colocada em cima das próprias mãos e esta coberta da calda
desejada. Saíamos então sugando o gosto maravilhoso dessa
simples geladinha.
Era uma festa que dava gosto se vê, não havia violência, os pais
podiam ficar tranqüilos.
Desde a mais tenra idade eu e meus irmãos participávamos
ativamente dessa festa, participávamos do ato religioso que a
igreja promovia, dos jogos, pastoril, enfim, da festa inteira, já
que durante o dia, todos trabalhávamos na loja, desde que já
passássemos dos 10 anos.
Eu e Nisete usávamos sempre uns vestidos muito bonitos,
representava o que de melhor mamãe fazia, éramos invejadas
pelas nossas amigas e sabíamos disso.
Quando Nisete participou do pastoril, ficou no lado vermelho,
daí em diante torcíamos pelo vermelho.
Ao romper do ano, papai e toda família se dirigiam para casa e
lá comemorávamos juntos a passagem do ano.Sabíamos que o
ano terminou quando as luzes se apagavam e os fogos
pipocavam.
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Aí nos abraçávamos, desejávamos uns aos outros um ano
maravilhoso e partíamos para saborear a ceia tão bem preparada.
Era uma mesa muito farta, com o característico peru recheado e
o capão. Eram engordados especialmente para essa ocasião. Os
bolos e doces que adornavam a mesa eram preparados pela
empregada, eram doces caseiros como: compota de mamão com
côco, goiabada, manjar etc...A fim de juntos comemorarmos
mais um ano e não faltava o queijo do reino Borboleta que só
era comprado nas festas de fim de ano. Não havia os
salgadinhos e docinhos que hoje existem era jantar mesmo!
Meus pais juntava toda a família para participarem desta feliz
ocasião com seus filhos; nilton, Neusa,Nilson,Norma,Nisete e
Normando.
Havia também a participação de vovó Luzia, avó materna. Era
uma senhora muito agradável e simpática morava com mamãe.
Muito bondosa, era querida e amada por todos.
Nunca pude esquecer a felicidade estampada nos olhos de papai,
ao ver os filhos todos juntos e felizes ao seu redor.Ele era um
senhor muito devotado à família. Um ano Novo se iniciava, vida
nova também! Ele tomava a palavra e com um discurso
conclamava a todos nós para sermos melhores como pessoa, que
deveríamos estudar, trabalhar, porque não saberíamos as voltas
que a vida dá, também falava na união da família e na fé que
deveríamos ter para com Deus.

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CAPÍTULO 5

Eu adorava as celebrações da igreja.


Nos dias de procissão, a cidade se enfeitava toda, colocavam às
janelas suas colchas mais bem bordadas e sobre elas, um belo
jarro com flores.Ia passar uma procissão!
Mamãe conclamava a nós todos para que participássemos.
Os fiéis se punham em fila, as mulheres de branco, cobriam a
cabeça com um véu, colocavam a fita da congregação a que
pertenciam e com o terço na mão, acompanhavam o andor
ornamentado com flores e carregado pelos homens.
Atrás vinha uma banda de música e todos numa só voz
cantavam e oravam dando louvores ao santo homenageado.
Havia muita devoção e respeito. Devoção adorável que nos fazia
sentir o céu na terra.Não havia dúvida, ou iríamos para o céu, se
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fossemos extremamente bons, (o que era muito difícil) ou para o
purgatório (o que era mais plausível) ou para o inferno (que não
seria tão difícil assim).
Eu tinha pavor do inferno, aquele fogo ardente que iria queimar-
me por todos os séculos, e o diabo? Todo de preto e vermelho
com um rosto horrível e por fim um rabo. Soltava uma risada
terrível, quando conseguia levar alguma alma para ele.Por isso
só vivia me confessando.
Que pecado eu tinha, meu Deus?
Acompanhava fervorosa a procissão. Nos meus oito anos,
acompanhara uma procissão noturna, depois do terço, recebera
uma lanterna, que deveria ser devolvida logo após o percurso.
Peguei a lanterna e feliz como se fosse um troféu, levei-a para
casa. Quando meus pais viram, obrigaram-me a entregar de
volta.Muito envergonhada, cheguei num recanto e coloquei-a
sem devolver aos responsáveis.Fora uma bela lição que aprendi.
Como esquecer também as retretas do mês de maio?Há!... tempo
que não volta mais!
As famílias se organizavam e promoviam a festa. Cada noite era
de um paroquiano,os comerciantes tinham um dia
reservado. .Ele deveria enfeitar a igreja e o nome do benfeitor
era anunciado além de dar também uma quantia em dinheiro.
Quando era o nosso, eu era que ia para igreja ornamentá-la. Que
fervor!
Me sentia encantada de participar da decoração da igreja, cada
patrono se esmerava para fazê-la mais bonita.O altar principal
onde ficava Nossa Senhora era no alto,ela ficava colocada em
cima de uns três degraus, para se sobressair, eu trazia da loja um
tecido de cetim de cor azul e arrodeava o pedestal onde ela
estava fazendo uns pafos e por cima cobria de tule, ali colocava
jarros com flores brancas como crisântemos, copo de leite ou
rosas com luzes escondidos entre os tecidos que ao acender
parecia que Nossa Senhora estava realmente no
firmamento.Quando se entrava na igreja tinha uma linda visão,
era um céu que minha imaginação produzira e ao som do coral
nos dava a idéia de paz, de amor e de luz. Clarice quando estava
25
em Caruaru, participava ativamente.
Depois do terço, me juntava às minhas amiguinhas e de braços
dados, ouvindo o toque da banda, passeávamos em frente da
igreja.
Não perdia um único dia! Ainda hoje me lembro com saudades
do Kyrie eleison, cantado em latim. Eu não compreendia nada,
mas eram lindas aquelas palavras diferentes, que com certeza
estavam louvando a Deus e um dia me levariam para o céu.
Assim espero!
Os coroinhas balançando um depósito soltando a fumaça do
incenso queimado, outro tilintando um sininho, davam o toque
do sobrenatural. Era a transposição do céu à terra.
Todo o mês de maio era uma festa só.Na rua, eram colocadas
barraquinhas aonde as famílias traziam pratos de bolos,
pastéis,sanduíches etc...para serem vendidas aos freqüentadores
da igreja. A arrecadação seria para a paróquia. Os jovens
trabalhavam com muito amor ajudando em várias atividades
para a realização da festa.
Havia também o leilão de alguns animais que eram doados por
alguns paroquianos fazendeiros.
O padre local se misturava com as pessoas e desfrutava da
beleza inocente da festa.As crianças se curvavam ante o pároco
e pediam-lhe a benção.
Todo ano celebrava-se a festa em homenagem à padroeira da
cidade. Entre elas, no centenário, Pedro meu cunhado e um
amigo professor, foram os autores do hino da Paróquia.
O alto falante, localizado num poste, anunciava a música que
seria tocada e muitas vezes oferecida a algum namorado ou
namorada.
-O locutor dizia:
-Atenção senhorita Josefa, seu namorado Antônio, oferece esta
canção, como expressão de seu grande amor!
E, assim, anunciadas na difusora da festa, muitas declarações de
amor foram ouvidas.
Eu recebi e ofertei algumas vezes.

26
CAPÍTULO 6

As brincadeiras das crianças eram muito participativas. À noite,


antes de dormir, as crianças da redondeza, com a supervisão dos
pais, brincavam de roda, barra bandeira, oiô, pega-pega, pulava
corda, roda-peão, bola de gude, amarelinha, etc...Brincavam até
ficarem suadas o bastante para tomarem um banho e irem
dormir.
Todas deviam dormir na hora estabelecida pelos pais.
Eu era uma danada, não escolhia brincadeira. Muitas vezes,
estava rodando peão ou bola de gude, que eram próprias de
menino.Nilson ao ver me arrancava o brinquedo e eu, como

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sempre, saia chorando.Uma das brincadeiras de roda dizia
assim:

Ai Ai Ai, minha machadinha (bis).


Trás coisa boa para tu seres minha (bis)
Tu és minha, Eu também sou tua, (bis).
Pula, machadinha, para o meio da rua (a criança ia para o meio
da roda) (bis).
No meio da rua, não hei de ficar (bis).
Por que tem fulana para ser meu par, (bis).
Pula, machadinha para o teu lugar.(bis)

As crianças faziam uma roda e de mãos dadas, rodavam e


cantavam, sempre colocando e tirando uma para dentro ou fora
da roda. Havia outra em que as crianças se punham em fila e
duas cruzavam as mãos para que as outras passassem por baixo,
uma ficava presa entre os braços cruzados e diziam assim:

Passarás, passarás,
a derradeira fica atrás,
Se não for a da frente
Há de ser a de detrás.
Tenho dois filhos pequeninos,
Não posso mais demorar, demorar, demorar.

Muitas e muitas outras cantigas eram entoadas pelas crianças. É


lamentável que o mundo moderno não consiga resgatar tamanho
tesouro! Havia a brincadeira da melancia, do anel, da estátua
etc...
Estão se perdendo essas cantigas e brincadeiras de domínio
público.Hoje, moramos em apartamento, cada um dentro de um
departamento hermeticamente fechado, sem comunicação com o
vizinho.Quando os encontramos no elevador, apenas nos
entreolhamos e dizemos a saudação do dia.O medo da
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bandidagem nos tranca em casa, cheia de grades, como prisão, a
televisão nos tira a inocência e o prazer da vida comunitária.
Por isso, estamos virando personagens do mal, sem sentimento,
sem solidariedade.
Até DEUS antes divinamente respeitado, tornou-se banalizado
pela TV. Havia tanto respeito que, na Semana Santa só se
ouviam músicas sacras ou clássicas,não comíamos doces e
fazíamos jejum.
A parte traseira da nossa casa era um terreno acidentado, os
fundos da casa eram sustentados por pilotis.
Era na parte baixa, debaixo desses pilotis que os irmãos se
reuniam para jogar futebol.Uma vez, faltara o goleiro e eu fui
designada para tal.No transcorrer do jogo, veio sobre mim a bola
que meu irmão mais velho chutara e, ao tentar apanha-la fui
jogada ao chão.
Muito chorona, saí aos prantos. Todos se puseram a rir sem
parar, mas, sem antes de ter-me acariciado o local dolorido.
O quintal da casa dava gosto de se ver.
Passava um córrego, dentro do quintal, coberto por um parreiral
de uvas pretas.Quando o parreiral brotava e se enchia de uvas,
era um deleite para os olhos e para o paladar.
Eu e meus irmãos ficávamos embaixo e colhíamos os cachos
em abundância. De lado, havia um pé de jambo muito frondoso
e a turma ficava para descansar na sua sombra, brincar ou comer
seu delicioso fruto.Havia também coqueiros que quando
brotavam ficavam cheios.
Cansei de fazer comidinha para comemorar os aniversários de
minhas bonecas (as bonecas eram de pano, denominadas de
bruxas).
Mamãe tinha um amor muito grande a uma horta que mandara
fazer, ela provia a casa de muitas verduras como: alface,
cenoura, pimentão, cebolinha, coentro, berinjela,repolho,couve
etc...
Era uma horta grande, em cada fileira um tipo de plantio,ficava
nos fundos do terreno.Os pés de chuchus ficavam por cima de

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uma armação de madeira quando ele brotava ficava cheio dos
frutos e os maracujás bem amarelinhos caiam sobre o muro
Todos os dias o jardineiro com a supervisão de vovó enchia uma
cesta de verduras e levava para a cozinheira.
Um dia sem saber como, um cachorro entrou na horta e
esfacelou-a toda, ficou tudo virado e arrasado.
Mamãe chorava como se tivesse perdido algo precioso.
Depois de uns dois meses estava tudo restaurado e as verduras
na mesa.

CAPÍTULO 8

Dona Luzia era uma vovó muito amável, papai tinha-lhe muita
estima e consideração.
Forte, de pele branca, cabelos escorridos amarrados num coque,
vestia sempre cores muito discretas como: branco, azul, cinza,
pois era viúva e assim era o costume.
Mãe de sete filhos homens e cinco mulheres, três das quais,
haviam morrido.
Seu marido Libânio Nunes de Oliveira morreu moço, foi
Capitão da Guarda Nacional, filho de Pedro Nunes de Oliveira e
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Maria Bezerra da Conceição. Fazendeiro de café, criador de
gado, comerciante e grande construtor de prédios (residenciais e
comerciais) na área urbana denominada de “Corredor do Bom
Retiro”, numa dessas casas ele viveu a vida quase toda, nela
falecendo no ano de 1922.Um dos prédios erguido por ele, foi
adquirido pelo Governo do Estado, onde funciona até hoje o
Posto de Fomento Agrícola.( estive lá com Laura quando estava
escrevendo este livro.)
Foi casado por duas vezes, na primeira núpcias não teve filhos
sua mulher morreu muito jovem de tuberculose e em segunda
núpcias com Lúcia de Araújo Lima, filha de Micias de Araújo
Lima e Thereza Ramos de Oliveira, ela ficara viúva aos 34 anos,
no entanto, ficara bem financeiramente.
Não lhe foi fácil ficar com essa filharada para educar. Viveu
entre Bom Conselho, Recife e Caruaru.Ficara uma viúva com
possibilidades de manter bem a família.Tinham armazém de
compra e venda de café.Depois tiveram uma firma de estivas e
entregara aos filhos mais velhos a administração da mesma. No
entanto, a firma depois de alguns anos veio a falir.
Quando veio morar em Caruaru, papai comprou uma casa para
ela. Tinha seus 60 anos, morou sozinha durante alguns anos,
depois foi ficando mais velha, vendeu a casa e deu a filha mais
necessitada.
Quando papai construiu nossa nova casa, ele fez atrás da
garagem, de frente para o parreiral, uma casinha, para que ela se
sentisse na sua própria casa, porém as refeições eram feitas em
conjunto, quando assim ela queria.
Às tardes, ela se sentava na frente de sua casinha e observando a
brincadeira dos meninos, se punha a fazer renda.
Sentava-se diante de uma almofada, cheia de bilrros, coberta de
um papel desenhado, onde, os trocados dos bilrros e os alfinetes
formavam o desenho da renda ou bico desejado. Só se ouvia o
toque do bater dos bilrros entre si e a baforada do fumo do seu
cachimbo. Muitas vezes, contava histórias de sua vida e os netos
ouviam-na atentamente eram histórias de sua infância e de sua
juventude.
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Seu pai era muito severo, tinha 12 irmãos só ela de mulher
portanto muito mimada pela mãe.Se casou muito
nova,conheceu seu marido negociando com seu pai,um jovem
viúvo,sem filhos que estava a procura de uma moça para
casar.Com três meses já estavam casados, foi morar em Bom
Conselho.
Foi uma mulher muito dinâmica, ajudou muito seu marido o que
veio a ter uma situação financeira muito boa.
Um belo dia estava ela fazendo sua renda quando Arnaldo subiu
numa árvore que dava sombra a sua casa, ela ficava aflita e por
mais que implorasse que ele descesse, ele continuava lá.De
repente, ela já aborrecida, disse-lhe:-
-Deus queira que você caia daí! Foi incrível, porque neste
mesmo momento, ele despencou e caiu no chão.
A aflição dela foi enorme, não era isso o que realmente queria.
Ao socorrer o menino, chorava e lhe pedia perdão, mas, não
houve nada, só o susto.
Os netos todos lhe tinham muita reverência; ai de quem lhe
faltasse com o devido respeito; Papai não perdoava, teria que se
ver com ele. Mesmo assim, havia uma canção que dizia assim:
- Vovó, eu já posso beber água? Eu instigada por Nilson dava
uma voltinha e perguntava-lhe várias vezes a mesma coisa, pelo
que ela, por fim, se aborreceu e disse-me:
-Pode, beba até estourar! Quando vi que ela se zangou, nunca
mais lhe fiz a dita pergunta.
Nunca reclamava de nada, não falava no passado triste, em
velhice, em doença, sofrimento ou morte; era dócil, tinha
sempre um sorriso meigo nos lábios. Antes de falecer, um dos
seus filhos, Pedro, morreu assassinado, porém disseram a ela
que fora de acidente. Toda vez que passava um caminhão, ela
tirava a vista.
Faleceu aos 86 anos, na casa de uma filha, em Recife.Estava
dormindo e não acordou mais.Morreu como viveu, calma e
serena.

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CAPÍTULO 9

Eu e Nilson, embora brigássemos muito, nos dávamos muito


bem, eu adorava ver as travessuras dele.Ele era tudo aquilo que
eu não era. Temperamento firme fazia o que lhe dava na
telha.Depois era outra história, teria que se ver pelo que fez.
Era um grande sonhador, sua mente borbulhava com o
inatingível. Quando passou o filme “Meu pé de Laranja Lima”
ele já homem feito, chorou convulsamente, lembrando-se de sua
infância e como aquele personagem era a representação dele!
Um dia, Nilson foi tomar banho num banheiro atrás de casa e
nele, havia um tanque de mais ou menos um palmo de fundura.
Nilson, de calção, pulava e gritava com a água que lhe caía
sobre a sua cabeça e a que tinha nos pés. Quando ouvi sua
alegria corri para a porta do banheiro que estava aberta, e do
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lado de fora pulava e gritava também, era uma alegria
contagiante. De repente, chegou papai que, sem observar nada,
puxou-me pelos braços e me bateu.
Não compreendi o porquê da agressão, estava apenas brincando,
saltitando de alegria!
Fui extremamente reprimida.
Muitas e muitas foram às aventuras com a participação de nós
dois.
No armazém de papai se vendia sucata de diversos tipos, entre
elas, caco de vidro.Já havia uma grande quantidade que mais
parecia um monte.Nilson um dia chegou cantando assim:

Meu pai se chama caco


Minha mãe caca Maria,
Arre lá com tanto caco
Que sou filho da cacaria.

Nós dois nos púnhamos a rir e cantar, cantávamos tanto, que


irritávamos nossos pais.
-Calem a boca os dois, senão vocês vão ver!

Dando belas gargalhadas saíamos a brincar.


Eu pegava uma revistinha em quadrinhos que ele comprava e
guardava bem escondidinha para ler, denominada Mandrak, um
mágico super-herói Quando ele a procurava e não a encontrava,
só Deus sabe!
Como eu amava meu irmão! Como sofria também,quando era
castigado!
Depois de muitos anos foi para o Rio, estudou engenharia, se
casou com uma mocinha que conheceu na cidade de Caruaru.
Depois de adulto,estudou engenharia no Rio de
Janeiro,trabalhou muito,conseguiu um emprego como
engenheiro na prefeitura,fez sociedade com um grupo tornou-se
empresário e fez sucesso,mas tornou-se outra pessoa, a vida o
transformou numa pessoa fechada, sem simplicidade e sempre
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revoltado porque não foi compreendido durante sua infância.
Não podia esquecer que mamãe não compreendia suas
travessuras, depois das surras que papai lhe dava ela não lhe
fazia um carinho,um afago sequer.
Era carente de amor, desejava sentir as mãos de mamãe
afagando-lhe a cabeça e enxugando-lhe as lágrimas ou mesmo
deitar em seu colo e procurar com carinho saber o porquê de sua
rebeldia.
Como adulto revia sua infância e sentia muito rancor nem tanto
por papai mas da falta de carinho de mamãe para com ele.
Teve dois filhos, um menino e uma menina que se tornou numa
bela mulher, a eles se dedicou tanto que já era um exagero.
Procurou dar aos seus filhos o amor que mamãe não lhe deu
sempre magoado e ressentido quando se falava de mamãe.
Quando eu ia para o Rio, me hospedava na casa dele que,
embora lhe faltasse espontaneidade, cheio de mágoa, difícil de
relacionamento, me tratava muito bem. Nunca tive com ele
problema, porque respeitei sua personalidade.
Morreu aos 56 anos, vítima de um assalto,saíra de casa para ir a
um restaurante com sua esposa, ao parar no semáforo, sua
esposa olhou no espelho e gritou:
-Nilson um assalto!
Ao se arrancar olhou para traz e levou um tiro na cabeça.

CAPÍTULO 9

Na época, não havia grandes mercados, eram pequenas vendas


ou mercearias. A mercearia do Sr. Barbosa era perto da loja, do
outro lado da rua.
Quando se necessitava de alguma coisa, eu ia buscar, adorava,
porque tinha direito a uma mariola, um docinho com açúcar e
enrolado num papel. Às vezes levava mais de um, o que logo era

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observado por mamãe. Uma caderneta registrava o que se
comprava.
Toda tarde, na padaria, se comprava uma grande quantidade de
pão para oferecer às funcionárias. Ainda hoje sinto o cheiro do
café e dos pães deliciosos, quentinhos, de massa pura, que dava
gosto comer. Um pão doce custava 1 tostão.
Quando meus pais viajavam, Neusa a irmã mais velha, ficava
com a responsabilidade de cuidar dos outros irmãos. Édson
fugia de casa,não admitia ficar sobre a supervisão dela porém,
quando ela conseguia segurá-lo, amarrava-o num poste que
havia no quintal da loja.
Quando eu via, pegava uma tesoura e, instigada por ele, me
sentindo a mocinha do filme, cortava-lhe a corda e o libertava.
Ele se sentia o próprio mocinho; pulando de alegria, fugia e eu,
realizada pela façanha de tê-lo libertado!
Nilson, era um menino muito bom, mas irrequieto, irreverente,
não tinha medo de nada.Papai já não sabia que fazer com
ele.Internara-o em um colégio em uma outra cidade . Parecia
que estava dando tudo certo até que um dia, ele se juntou a um
grupo de colegas e arrombaram a despensa...Não restou nada.
Quando se pensou, Nilson estava de volta.Fora expulso do
colégio.Sempre foi rebelde, só ele era capaz de enfrentar papai.
Às vezes subia no trem até São Caetano, uma cidade cerca de
uns 20 quilômetros de Caruaru, saltava lá e voltava correndo
para casa.
Fugia de casa e à noite, como o homem aranha, subia até o
telhado, entrava em casa, comia e voltava para rua.Só se sabia
porque se encontrava a petisqueira onde era guardada a comida
arrombada.
Estudava no melhor colégio da cidade, cujo diretor era muito
severo.
Os colegas sabendo do quanto ele era peralta fizeram-lhe uma
aposta: se ele tirasse a roupa ali, ganharia 5 mil réis.Ele olhou,
não viu nenhuma menina, tirou a roupa e ainda saiu correndo em
círculo gritando de alegria.
Quando o diretor soube, chamou papai, deu a Nilson uma
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suspensão e avisou:
-Que um outro fato desse tipo, o mano seria expulso do colégio.
A psicologia era mesmo o cinturão.
Quando eu o via apanhando, chorava como uma louca.
Mamãe, para controlá-lo, pegava uma corda bem grande,
amarrava-o pelo tornozelo na mesa onde trabalhava, dava-lhe
alguns brinquedos e, assim, passava grande parte do dia
tranqüila.
Lembro-me perfeitamente do sorriso que ele dava, quando eu o
olhava, seus olhos brilhavam. Era como se me dissesse: estou
aqui porque fiz uma trela, mas fiz o que queria fazer, quando me
soltarem vão ver! E eu retribuía-lhe o sorriso como uma
afirmação apoiando-o sempre estaria do lado dele.
Foi o irmão que mais amei.

CAPÍTULO 10

Nasci na rua do Comércio, portanto, quase dentro da feira de


Caruaru.
Meu pai ia comprar a carne do dia no açougue, não existia
refrigerador,chegava feliz com a carne fresquinha a empregada
fazia um guisado com a própria gordura da carne que sobre o
feijão era extremamente saboroso. As frutas e verduras eram
fresquinhas e o leite, o leiteiro o trazia na porta, não havia leite
pasteurizado e vendido em caixinhas. O nosso iogurte era um
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belo prato de coalhada misturado com açúcar ou farinha.
Na véspera da feira, à noite, os barraqueiros armavam suas
barracas, colocavam tudo que iriam vender. A feira era mais ou
menos dividida. Verduras, frutas, tubérculos etc. Havia o
mercado de farinha, de feijão e os açougues de carne fresca e de
sol e no mais, é como um compositor disse: “De tudo que há no
mundo há na feira”.
Os feirantes geralmente se dirigiam ao Magasin, para comprar o
enxoval do batizado do seu filho ou do seu afilhado.
Eu aproveitava de tudo que havia. Pequena, amiga dos feirantes,
ao percorrer a feira, recebia: pitomba, ingá, jabuticaba,
manguito, araçá etc. Creio, que para agradar papai, pois, às
vezes eles guardavam algum terem na loja, coisas que não
podiam deixar na rua.
Lembro-me daquelas mãos grossas e calejadas dos feirantes que,
segurando as frutas, enchiam um saquinho e me davam com
muito carinho.
Na feira de artesanato, recebia uma quantidade enorme de
bruxinhas de pano (mamãe doava os retalhos para as
confeccionadoras das bonequinhas).Comprava então as
panelinhas de barro e tudo o mais que complementava uma
casinha de bonecas; as mesinhas, camas, armários de madeira
etc. Tudo isto, eram brinquedos artesanais.Com as amiguinhas,
brincávamos horas e horas, arrumando a casinha ou vestindo as
bonequinhas, fazendo batizado, aniversários, etc... isso, quando
eu era ainda criança.
Eu fui ficando mais “velhinha” e passei a trabalhar no Magasin.
Nas férias, ganhava uma mesada, Cinco mil réis que dava para
comprar a entrada da matinê e alguns confeitos.
Como eram bonitas aquelas artistas! Gostaria de ser como elas!
Muitas vezes, eu dizia que ia rezar o terço na igreja e ia para o
cinema.No final do filme, já ficava na porta, para sair rápido e
chegar sem meus pais desconfiarem.Uma amiga trabalhava na
bilheteria e me colocava para dentro.
Antes de começar o filme, se ouviam ao longe as canções do
momento, cantadas por cantores da época como: Carlos
38
Galhardo, Orlando Silva, Francisco Alves e outros. Havia o
cinema Santa Rosa, o mais novo, com suas laterais como se
fosse um teatro e o cinema Santino que era o mais antigo. Nas
suas paredes, ladeando o palco, havia a figura de duas grandes
máscaras.
Eu e os irmãos menores não perdíamos uma matinê sequer,
principalmente pelos seriados que acompanhávamos toda
semana. Flash Gordon no planeta Marte, A ilha do
tesouro,Zorro etc.
Quando fazia algo que minha mãe não gostava e era castigada e
não ia ao cinema era para mim uma punição inimaginável.
Fiz o jardim da infância no Colégio de freiras foi um período
lindo.Adorava a irmã Ignês vez por outra nós íamos até a horta,
lá revolvíamos a terra e fazíamos a mudança de algumas mudas.
Em alguns dias da semana, as crianças eram postas em fila e
saíamos cantando Ave Maria e rezando,como em procissão,
íamos até a gruta onde havia a imagem de Nossa Senhora. Lá
nos púnhamos de joelhos e fervorosos rezávamos e cantávamos.
A fé, que se tem na infância, é uma coisa divina transcendental,
principalmente porque Deus era um Senhor que vivia sobre as
nuvens, de longas barbas, arrodeado de anjos sempre cantando a
observar tudo que se fazia na terra...não se podia pecar! Ele
estava sempre vigiando.Na década de 40, 50 tudo era pecado:
um mal pensamento, falar mal de alguém, ter raiva dos pais,
brigar com os irmãos, um desejo, ter inveja, roubar uma
moedinha, enganar os pais, etc...
No outro dia, quem se sentia com pecado, corria e ia se
confessar, caso contrário, estaria condenado, pois Deus, lá de
cima das nuvens estava vendo e um anjo anotando nosso
currículo. Se nos confessássemos e pedíssemos perdão
estaríamos perdoados. Só que, no outro dia pecávamos
novamente e aí voltávamos a nos confessar.

39
CAPÍTULO 11

Caruaru, não tinha água suficiente para abastecer toda a cidade,


a roupa era lavada no rio. Um belo dia, eu fui com a lavadeira, e
mamãe autorizara, queria brincar. Enquanto a lavadeira lavava a
roupa, sem saber nadar, entrei no rio, pensando ser raso. No
entanto, caí num buraco e comecei a me afogar.
Havia duas meninas de cócoras em cima de uma espécie de ilha
no meio do rio,não sabia eu que elas estavam ali porque sabiam
nadar,por isso me atrevi a entrar na água para ir ao encontro
delas.
Quando eu comecei a subir e descer me afogando uma pessoa
percebeu e me retirou do rio.Ao ser colocada fora d’água,
vomitei muita água e, ao abrir os olhos, estava uma grande
quantidade de pessoas ao meu redor.Ao voltarmos para casa,
esse pessoal me acompanhava e ao chegar, pensando que seria
acariciada, mamãe deu-me foi uma boa surra!
40
Mesmo assim, eu fazia das minhas tinha muito medo de
apanhar, mas, quando podia, não deixava de trelar.Novamente
me envolvera numa peraltice. Em determinado ponto do rio
Ipojuca, fizeram uma barragem, as águas ficavam represadas, e
mais pareciam um lago.Alguém teve a idéia de alugar barcos
para passeios pelo rio.
Nos domingos, muitas famílias se reuniam e iam passear de
barco.Papai não gostou da idéia, nunca levava seus filhos e
recomendava que não os queriam lá.
Édson sempre à procura de algo para fazer, instigava-me
chamando-me para passear de barco. Eu tinha um dinheirinho,
tio Luiz dava-me sempre um trocadinho. Édson sabendo disso
vinha buscar-me para que eu pagasse o passeio.Os dois então,
combinávamos e fugíamos. Íamos passear durante a semana,
para que meus pais não soubessem. Era um passeio
extraordinário: o barqueiro remava e nós no auge da felicidade
sentados, gargalhávamos, deslizávamos com o barco nas águas
levadas pelo vento sob o remo do barqueiro.
Que tarde maravilhosa! No entanto, tínhamos o cuidado de
chegarmos cedo em casa para que meus pais não soubessem.
Um dia, Edelson viu e ameaçou contar a papai. Eu nunca mais
cai na tentação de Édson.Quase toda peraltice que eu fazia, meu
irmão estava por trás, como aquela em que berramos na igreja
Presbiteriana.O pastor da igreja fora falar com mamãe: quando
ele estava no culto fazendo sua pregação, eu e Édson
chegávamos à porta, berrávamos como um bode e saíamos
correndo.Dessa vez, só fomos de castigo. Creio que eles
acharam graça. No domingo seguinte não iríamos à matinê. Foi
pior que uma surra, nunca mais nós repetimos a cena. Perdemos
o seriado!
Fui durante cinco anos caçula, portanto, durante esse tempo fui
muito mimada, Clarice era minha madrinha de apresentar e me
fazia muito carinho. Com a chegada de minha irmã Eliane,
passei a dormir no outro quarto. Antes dormia no quarto de
meus pais.De repente, simplesmente fora posta de lado,aquele
carinho especial, aquele mimo Eliane tinha ocupado meu lugar.
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Foi um choque muito grande, apesar de mamãe dizer que ia
chegar um bebê e eu ter dito que iria tomar conta dele. Senti-me
rejeitada e por muito tempo tive muito ciúmes de Eliane.
Ela ocupara meu berço, mamãe me chamou e disse: Venha vê
sua irmãzinha, a cegonha a trouxe, agora você vai dormir com
Brígida.
Brígida, minha madrinha querida, cuidou de mim e me deu
muito amor,mas ninguém mais teve para comigo atenção
especial,eu perdera a gracinha.
Clarice, por sua vez, fora embora estudar fora. Sentia sua falta!
Lembro-me ainda de alguma cena. Quando dormia com meus
pais, dentro do berço, fui acordada por eles para receber o
presente de Natal. Ainda guardo o sorriso dos dois me
chamando e dizendo-me que papai Noel havia trazido meu
presente. Porém o sono me dominou e só no dia seguinte,
recebi-o.
Era uma linda boneca de louça branquinha que eles mandaram
buscar nos USA por uma amiga que morava lá e viera passar o
Natal com sua família.
Adorava adoecer, só assim, recebia atenção especial! Comia
maçã, uva, guaraná e canja de galinha na cama, (uva e maçã, na
época, eram coisas raras).Quando eu estava doente, sentia dores
nas pernas ou dor de dente,quem cuidava de mim era meu pai
com todo o carinho, procurava de alguma forma minimizar
minha dor.Minha mãe me mandava ao dentista,mas com medo
eu fazia de tudo para não ir,porém quando eu sentia dor ela
dizia:
-Deixe esta bichinha sofrer para que aprenda a ir ao
dentista,mas meu pai ficava ao meu lado,colocava remédio fazia
de tudo para livrar-me da dor,no outro dia me levava ao dentista.
Quando eu tinha dois aninhos, aconteceu um acidente horrível:
fui até a cozinha e puxando o paninho que coava o café,
pensando ser cuscus, me queimei toda.
Meus pais ficaram muito aflitos, foi um sofrimento muito
grande. Passavam a noite com um abano como se fosse um
leque, para diminuir-me a dor.
42
O médico Dr. Ramos ia todo dia lá em casa fazer-me
curativo.Muitas promessas foram feitas e graças ao tratamento,
me restabeleci sem seqüelas.
Brígida minha madrinha cuidou muito de mim.Existem pessoas
que não podem deixar de ser mencionadas, Brígida, minha doce
madrinha era uma dessas, era uma criatura pobre de recursos,
mas rica na alma.Sempre meiga e carinhosa.Tive a sorte de
conviver por muito tempo com ela e, com ela, aprendi muitas
coisas que tenho de bom. Sempre foi muito meiga e paciente o
carinho que faltava da minha mãe, a doçura ao falar comigo ela
me deu.
Papai sempre foi um homem determinado. Quando Édson era
ainda bebê, estava sentado à mesa para o café, papai pediu o
leite dele e a empregada o trouxe, mas ela o trouxera muito
quente e ao colocá-lo na boca o queimou e ele gritou chorando.
Papai indignado gritou:
- Você deu leite quente ao menino e o queimou!
-O que ela respondeu:
-É manha deste menino.
Papai não teve dúvida pegou o resto do leite e sacudiu em cima
dela, pelo que ela gritou:
-O senhor me queimou toda! Ele então disse-lhe:
-O leite agora já está mais frio, é manha sua!

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CAPÍTULO 12

Os amigos dos meus pais, geralmente os chamava para


padrinhos de seus filhos. Conseqüentemente eu também. Sr
Raimundo e D. Estelita eram uns de seus compadres mais
queridos.
Vez por outra papai e mamãe iam visitar um afilhado, passavam
o dia no sítio para felicidade nossa. Eu e Édson ficávamos quase
sem dormir diante da expectativa da viagem. Em cima de uma
charrete, o charreteiro dirigia por uma estrada de barro que nos
levariam até lá. Eliane era pequenininha, geralmente ficava com
a empregada.
O sítio “Estrela da Luz” era localizado numa região de brejo,
portanto muito verdinho e com muita água.
Que dia maravilhoso! Enquanto nossos pais se deitavam na rede
para aproveitarem o dia de descanso, nós com os filhos dos
compadres, corríamos pelo sítio, subíamos nas fruteiras,
tomávamos banho de bica, assávamos castanhas e chupávamos
44
as frutas da época.
Por volta das 17 horas, voltávamos para casa, cheios de frutas,
ovos, galinhas etc. Chegávamos mortos de enfadados e, logo
após o café, íamos dormir. Era um descanso para meus pais.
No casamento da filha do Sr Raimundo, mamãe fizera-lhe o
vestido. O presente fora à confecção. Foi uma grande festança.
Começara pelo almoço regado a Peru recheado, porco assado e
grande quantidade de bolo, Pão-de-ló, Bolo Cabano e doces à
vontade. O chão da casa era todo coberto de folhas de eucalipto
e de folhas de canela para que ao pisá-las exalassem o cheirinho
cítrico daquelas folhas.( não havia produtos para por no chão e
torná-lo cheiroso)
Os carros para acompanhar o casamento eram alugados com
antecedência, os noivos iam para a igreja e nós os
acompanhávamos.
Os noivos e convidados dançavam até o raiar do dia. Quem não
viveu esses acontecimentos não pode saber o prazer de desfrutá-
los!
Como nossos pais tinham contato com muitas pessoas, eram
sempre convidados para as comemorações.
Num São João, fomos para um dos sítios da periferia da
cidade.Era um forró de pé de serra de verdade, uma grande
fogueira ardia em chamas em frente da casa.Um conjunto de
sanfoneiros tocavam o forrozinho e dançava-se a noite toda.
O pátio, todo enfeitado de bandeirinhas, folhas de coqueiro e pés
de milho. Vários balões eram acesos e soltos. Ficávamos
contemplando até sumirem no céu.
Em seguida íamos para o terreiro acender os fogos ao redor da
fogueira e ali nos tornávamos compadres. Arrodeávamos a
fogueira e dizíamos:
-São João dormiu, São Pedro acordou, vamos ser compadre que
São João Mandou e assim ficávamos compadres.
A sala da casa era muito grande e fora destinada para dançar.
Um corredor comprido atravessava os quartos e saía na sala de
jantar, onde estava uma mesa cheia de comida própria do São
João.
45
Eu depois de um tempo, peguei no sono e fui levada para
cama.O quarto ficava perto do conjunto que tocaria à noite toda,
eu deveria ter uns 5 aninhos, só acordei no outro dia.Ao procurar
meus pais, chorei sem parar. Tiveram que levar-me
imediatamente a eles.
A vida em família era tranqüila..., brigarem os irmãos na sua
frente, nem pensar! Papai fazia questão de que todos estivessem
à mesa nas horas das refeições, portanto, no mínimo três vezes
ao dia, estávamos todos juntos. Eles procuravam não discutir
diante dos filhos.Percebia-se que eles não estavam bem porque
ficavam calados sem se falarem.
Aos domingos o almoço era sempre galinha capoeira à cabidela
ou então um belo de um cozido com aquele osso do joelho, o
qual, papai batia nele com um martelo e escorria de dentro do
osso um tutano que ele colocava sobre o pirão.
Papai não bebia, no entanto, aos domingos mandava comprar
uma cervejinha bem gelada, cerveja Antártica Pilser para
saborear no almoço.
Os maiores provocadores de discussão eram Édson e Edelson,
um, porque era muito desesperado e o outro porque não quis
estudar, não era responsável no trabalho, embora muito
inteligente. Aprendera inglês com os marinheiros americanos
que estavam no Brasil durante a segunda guerra mundial e era
protegido de mamãe.
Papai e mamãe estavam sempre na loja durante a semana.
Edelson era muito mulherengo. Havia um senhor chamado seu
Priquito que trazia recados para os freqüentadores do Night
Clube, cabaré freqüentado pelos homens da cidade.Lá se
encontravam lindas prostitutas que faziam a alegria da
rapaziada. Sr Priquito era um senhor bem vermelho com
aparência meio esquisita, parecia mesmo com o apelido que lhe
puseram. Chegava sempre escondidinho para que ninguém
percebesse, vinha trazer recado para Edelson.
Edelson se casou muito cedo,antes de se casar com Helena foi
apaixonado por uma moça chamada Tetè, no entanto, mamãe e
papai não queriam: a moça era falada.Por isso, fizeram então o
46
casamento com Helena o mais rápido possível. Foi uma loucura!
Papai comprou uma grande quantidade de remédios a fim de que
ele negociasse.Quando menos se viu, era remédio fora de
validade e solto pelo meio da casa.
O mesmo aconteceu com a representação de queijo parmesão:
era queijo para todo lado.
Colocou também um atelier numa outra cidade, pois, sua
mulher era modista.Nada dava certo para desespero de papai.
Viveu uma vida conturbada depois de alguns anos separou-se e
casou-se novamente. Edelson era uma pessoa muito engraçada,
solteiro, nunca foi doente, contava histórias das aventuras que
tivera com mulheres, sua freqüência nos cabarés e todos
morriam de rir.
Era muito desbocado, mas um cara superlegal e emotivo. Tinha
um coração de ouro era muito saudosista lembrava-se dos
artistas e filmes que assistira na sua infância e juventude como
também da cidade em que viveu. Morreu na casa de uma de
suas filhas, Maria José aos 60 anos, de infarto fulminante.Falar
sobre Edelson só ele mesmo. Sua vida certamente daria uma
grande novela. Depois que papai morreu, viveu sempre com
problemas de nervos.

CAPÍTULO 13

Papai era um homem voltado para a família, muito austero e


trabalhador, predominante no seu ponto de vista. Mamãe se
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amoldava ao seu modo de ser, embora fosse de temperamento
diferente.
Quando passou no rádio a novela “O Direito de Nascer”
Solange nos emprestava umas revistinhas que continham o
desenrolar da história. Era uma espécie de romance contado em
capítulos. Mamãe saía comigo muitas vezes para ir buscar a
revistinha para ler.
Era muito romântica, lia muitos romances. Entre eles, o que
mais lhe emocionou foi “A Vingança do Judeu”.
Quando estávamos todos juntos, papai sentava-se no meio dos
filhos e contava sua própria vida. Ficávamos todos calados e
admirados.
Nasceu na cidade de Bom Conselho, filho de camponeses,
perdeu o pai Sr João Tenório Cavalcanti de Albuquerque,
(Janjão), ainda muito criança, quando este por discussão de terra
matou uma pessoa, vindo a desaparecer pouco tempo depois.
Supõe-se que fora assassinado, por vingança.
Sua mãe Dona Ana ficou com quatro filhos, três homens e
uma mulher.Logo em seguida morreu acometida por uma
doença chamada cólera, e as crianças foram levadas para casa
dos padrinhos. Papai era o mais velho de todos. Teve que cedo
ganhar a vida para sobreviver.
Desde pequeno, era muito destemido e respeitado pelos
colegas, porque dizia não ter medo de nada.
Na estrada, havia uma cruz sobre a cova de um homem que foi
muito temido da região pelas maldades que fizera. À noite,
ninguém tinha coragem de passar por perto.Fizeram então uma
aposta: iria até a cova e gritaria o nome dele três vezes.Assim o
fez papai, embora estivesse morrendo de medo.Ganhou o
dinheiro e saiu como herói.
Já rapazinho, adorava dançar e para isto andava léguas e léguas
montado em seu cavalo. Certo dia atrasara-se e para chegar mais
cedo teria que passar embaixo de uma árvore, segundo diziam,
mal assombrada.
A noite estava escura, quando passou debaixo da árvore, ouviu
uma voz que disse: Deus te guie, Deus te acompanhe. O cavalo
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disparou e ele ficou todo arrepiado.Não mais passou nesse lugar.
Talvez tivesse sido a imaginação dele.
Era simplesmente maravilhoso ouvi-lo falar: passavam-se
horas e horas. Muitas vezes pegávamos no sono e ele colocava o
filho nos braços e levava o dorminhoco para cama.
Outros dias, depois do jantar, deitado na rede, era instigado
pelos filhos a contar histórias. Ele aproveitava e contava de sua
própria vida.
Contava que nunca frequentou uma escola, tinha loucura para
aprender a ler, embora não gostasse muito de uma mocinha, lhe
fazia a corte para que ela lhe ensinasse. Todos os dias debaixo
da sombra de uma árvore frondosa ia namorar e aprender a ler.
Aprendeu rápido, pegava a cartilha do alfabeto e decorava-a
cantando o bê-a-ba todo. Tornara-se um leitor, tudo que via
lia.Apesar de não ter tido uma educação formal, era um homem
de muito conhecimento e sabia se conduzir em qualquer lugar.
Assinava os dois jornais, Diário de Pernambuco e Jornal do
Comércio. Lia-os todos os dias depois do almoço.
Para ganhar a vida fizera de tudo, fora feirante, mascateava e
com tropa de burro levava a mercadoria que iria vender em
outras cidades. Montou barracas de jogos nas
festas.Comercializou com tudo que se pode imaginar. Montou
uma Padaria em Bom Conselho e se apaixonou por mamãe, uma
mocinha linda, de seus 14 anos, que fora Miss Bom Conselho
na festa da cidade .Ela tinha ficado de olho no seu irmão José,
mas ele ao saber do interesse de Edmilson por ela, caiu fora.
D. Luziatinha por ele grande admiração. Quando ele pediu a
mão de sua filha foi de muito gosto. Dada a sua mão, ela e sua
irmã Merandolina, cujo apelido era Duum, viravam em cima da
cama bunda canastra e mamãe dizia toda feliz:
-Ele é rico e gosta de dançar, vou casar para viver dançando.
Um dia, estavam na sala com um dos irmãos e ela sem querer,
soltara um pum; não teve dúvidas, passou a tapa na cabeça de
Luiz e todos ficaram pensando que foi ele o autor do pum.
Chegou o dia do casamento, o ano era de 1925, fizeram uma
grande festa.Mamãe só falava na dança. Esse foi o último dia
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que dançou; dançou a noite toda. Essa também foi à última vez.
Nunca mais papai dançou ou a levou para dançar.
O casamento foi terrível para mamãe,simplesmente ela casou
com um senhor que nunca teve contato com ela,chamava-o de
Sr. Edmilson. Ela ao ficar a sós com papai se apavorou e gritou
que ele era um safado, que iria voltar para casa da mãe, nunca
pensou que ele seria capaz de tamanha safadeza!
D. Luziateve que convencê-la que era assim mesmo, ela teria
que viver com o seu marido.
As mocinhas casavam sem nenhuma noção de que iriam fazer
sexo e como fazê-lo.
Levou todas suas bonecas, ainda brincava com elas, quando já
esperava o primeiro filho.

CAPÍTULO 14

Dionísio irmão de papai havia sido marinheiro, viajou o mundo


inteiro e era muito polido e educado um homem muito bom e
extremamente temente a Deus, no entanto desertara para ficar
com seu irmão na Padaria. Depois da guerra fora indultado.
Tio Dionísio foi criado por sua madrinha, uma mulher muito
religiosa, chamavam-na de beata.
Até se fixarem em Alto da Cruz, papai tivera vários negócios,
sociedade com seus cunhados em um comércio de estivas
espalhado no Piauí, Maranhão e Pernambuco. Morava em
Campo Grande quando a sociedade foi à falência.
Mudaram-se para Alto da Cruz, tiveram um dancing, que
recebera numa dívida cuja administração deram a um primo de
mamãe Delmiro,que depois se tornou dentista e finalmente
padre.
Papai foi dono de uma fábrica de caroá para fabricação de
sacos no alto sertão, teve caminhão para o transporte, mas não
50
dirigia. Resolveu vender tudo e ficar em Alto da Cruz. Montou
um Magasin com comércio de armarinhos e também um
armazém de sucata. Assim se estabeleceu definitivo e teve êxito.
Madame Cleide, como era chamada minha mãe, era romântica,
mas era contida por papai.Na minha mente de mocinha, eu via
mamãe como uma pessoa satisfeita com a vida. Ela não se abria,
não dizia das suas ansiedades, dos seus desejos, não conversava
com suas filhas sobre seus problemas, me parecia uma pessoa
realizada.
Existia na loja uma mesa grande, onde ela cortava os vestidos
que as costureiras iriam confeccionar, ali ela passava o dia e
suas pernas bonitas, viviam sempre inchadas.Administrava toda
à parte de costura, bordados, flores, pintura, etc, só ía em casa
almoçar. Depois do almoço se recostava por uns 15 minutos e
voltava para o trabalho. Papai administrava a parte
correspondente ao armarinho e vendas, como também a
transações bancárias.
Era uma mulher muito determinada e dinâmica. Pode-se dizer
que ajudou muito seu marido.
Quando os filhos reclamavam da falta de atenção e paciência
dela para com eles, ela dizia:
-Ou trabalho ou paparico vocês, o que vocês têm e vivem no
conforto, deve-se também ao meu trabalho. Não tinha essa
história de conversar para entender as peripécias dos filhos, se
fizessem errado, era cacete!
Quanto a mim, nunca respondi a minha mãe, às vezes tinha
carência do carinho dela, gostaria de ouvir que ela me amava,
sentir seu carinho, suas mãos nos meus cabelos, deitar-me no
seu colo, o que eu necessitava de material tinha, mas quem
cuidava de mim e dos outros filhos eram as empregadas, ela
atuava quando era preciso reclamar ou mesmo castigar. Se eu
não gostava de alguma coisa, ficava apenas magoada ou triste.
Ela não tinha a menor preocupação quanto a papai, ele lhe era
muito fiel e apaixonado.
Todas as quintas-feiras, sábados e domingos, iam ao cinema e
quando era em janeiro saiam de férias para o Rio de Janeiro e
51
São Paulo, quase sempre de navio.
Rio e São Paulo eram o máximo que se poderia conhecer.As
pessoas sonhavam com o Rio de Janeiro; lá era a capital do
Brasil. Aos domingos, visitavam os compadres ou os
amigos.Iam à missa na igreja da Matriz, levavam os filhos.
Todos eram obrigados a ir: era pecado mortal se não fossemos.
Eu muitas vezes acompanhava meus pais. Havia um casal de
idosos com os seus 80 anos ou mais, que moravam perto da
igreja,eles sempre eram visitados.Eu ficava brincando do lado
da casa onde havia um lindo parreiral, recebia da velhinha um
punhado de confeitos e aguardava o término da visita
impaciente. Não gostava de ir lá, achava-os muito velhos, no
entanto eles eram muito bonzinhos.
Quando papai morreu, mamãe resolveu casar-se, tinha ficado
viúva aos 46 anos e, aos 52 casou-se com um primo.Ficou um
tempo em Alto da Cruz, vendeu a loja e passou a morar numa
casa grande no Recife. O primo era uma pessoa muito pacífica e
boa, tocava violão e gostava de telequete.
Toda a família gostava muito dele.Só tinha um defeito, não
gostava de trabalhar.José morreu 6 anos depois. Tinha varizes
de esôfago por conta de equistosomose que pegou quando
criança tomando banho no rio.
Quando adoeceu foi ao médico, depois dos exames disse:
- O que tenho é besteira, só uns vermezinhos.
Quando José estava bem doente, só esperando a morte, mamãe
mandou fazer um vestido preto. Esperava a todo o momento a
notícia do falecimento dele, para surpresa sua, ele demorou a
morrer e o vestido ficou pendurado por muito mais de uma
semana.
No Natal, ela foi até ao túmulo dele e colocou flores e uma faixa
com os seguintes dizeres: Feliz Natal!
Resolvera ir morar no Rio de Janeiro, pois seus filhos já
moravam lá. Edelson, Édson e Arnaldo tinham uma casa de
negócio na cidade maravilhosa.
Vendeu tudo o que tinha, comprou um apartamento e pôs o
dinheiro a disposição dos filhos, a fim de participar da
52
sociedade. Mas antes comprou uma casinha para Edelson, o
filho do coração dela e o que mais precisava.
Acho que ela poderia ter-se dado bem melhor, se tivesse ficado
no Recife ou mesmo em Alto da Cruz.Sonhou com a cidade
grande.
Passou a viver uma vida totalmente diferente da que havia
vivido. Trancada em um apartamento, sem muitas amizades,
aposentada, e sem muito dinheiro.
Ela vivera livre, dona de seu próprio negócio, não dependia de
ninguém. Era dona absoluta de si mesmo.
Passou a viver dependendo de um dinheirinho contado e apenas
na companhia de Clara, a filha mais novinha.
Na última vez que fui visitá-la, senti que ela já não era a mesma,
com seus cabelos brancos, frágil e sem muitos recursos.
De repente, ao olhá-la não sei porque, senti um imenso carinho e
desvelo por ela. Voltei pensando na figura dela enfraquecida.
Faleceu aos 67 anos, depois de ter vindo dos USA onde fora
visitar Eliane. Morreu sem saber que havia perdido tudo. A
firma veio à falência.
Chorei muito quando soube de sua morte,havia em mim um
pouco de revolta,um pouco de raiva,um sentimento que eu
mesma me admirei, sentia a falta do amor que ela não soube
dar.

53
CAPÍTULO 15

Caruaru era uma cidade pequena, mas considerada já naquela


ocasião uma excelente cidade.Distanciava-se do Recife uns
120 quilômetros por uma estrada de barro, muito perigosa.A
serra das Russas era temida pelos inúmeros acidentes que
ocorriam lá. Havia três formas de se ir para o Recife, de
ônibus, denominado de sopa, (tinha uma tromba na frente e
era pintado de azul) e também de trem ou de carro.
A viagem de trem era mais segura e mais bonita, a paisagem
era linda e a passagem por dentro dos túneis dava-lhe um
encanto especial, parecia mais um filme de faroeste, era
fascinante!
Para se viajar de trem, precisava-se acordar de madrugada, o
trem partia às 5 horas da manhã.
Os viajantes chegavam aconchegados nos seus casacos de lã.
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A cidade ainda dormia, o silêncio era total.
Em frente da estação ferroviária, havia um quiosque onde se
tomava um bom café. Galhos de uma castanheira
debruçavam-se sobre o quiosque, as pessoas de pé, tomavam
um delicioso café com leite bem quentinho com pão doce.Os
viajantes saíam de casa muito cedo e ali saciavam sua fome.
Sentados nos bancos da estação, os passageiros aguardavam
o trem.Ainda com sono e com frio com seus casacos
fechados eram despertos quando se ouvia o som
característico do movimento do trem e o apito anunciando
sua chegada.
O trem parava na estação para se abastecer de água que
produzia o vapor a fim de movimentá-lo com os passageiros
e a carga que deveria levar.Um novo apito anunciava sua
saída e os passageiros se dirigiam ao vagão de primeira ou
segunda classe, conforme bilhetes comprados.
Eu adorava ir para o Recife, era uma cidade muito bonita,
grande, cheia de placas coloridas, iluminadas pelo gás
neón.Geralmente, me hospedava na casa da tia Meranda,
irmã de mamãe, e minha madrinha.
Um acontecimento inesperado favoreceu minha ida imediata
ao Recife. Correndo pela calçada, em direção à loja, por
volta das 18 horas, fui mordida por um cachorro. Levada ao
Posto de Saúde, papai foi aconselhado de que deveria enviar-
me ao Recife imediatamente, pois, no momento, o Posto não
dispunha do soro anti-rábico para ser aplicado.
No dia seguinte, eu já estava viajando no primeiro horário da
manhã (de sopa) para Recife. Estava sob a responsabilidade
do motorista que iria entregar-me a minha irmã.
Ah! Bendita mordida!Estava indo para o Recife, pouco
importava se iria ser vacinada ou não.
No local combinado Clarice estava me esperando, e
imediatamente me levou ao Pronto Socorro, para que fosse
aplicada a vacina. Ensinara todo o percurso, como ir e vim,
qual o ônibus que deveria pegar etc.
Eu, não me fiz de rogada, segui a risca todas as orientações e
55
sozinha, fiz exatamente o que me fora ensinado. Clarice, não
podia me acompanhar porque estudava durante todo o dia.
A viagem de sopa tinha uma parada em Vitória para que se
fizesse um lanche. De trem, havia o vagão restaurante onde
se poderia solicitar um lanche, que seria servido. Era uma
viagem longa, de 5 horas.
Titia morava num 2º andar de um sobrado da rua do Rangel.
Era uma rua estritamente comercial, à noite ficava totalmente
xdeserta.
Todos os dias, por volta das 18 hora, titia, levava os filhos
para passearem de bonde, eram 4 crianças eu esperava
ansiosa esse momento.
Descrever esse passeio é impossível, me sentia maravilhada,
o bonde passava próximo à rua e, encantada, junto aos
primos, subia para o passeio.
Na frente do bonde, ia o motorneiro com sua farda cáqui e
seu quépi. Orgulhosamente no comando e circulando entre
os passageiros passava o cobrador, também caracteris-
ticamente fardado. Nas paradas, subiam e desciam os
passageiros, cujo cobrador se dirigia a fim de cumprir seu
ofício, receber o dinheiro da passagem.
Sentados no banco, comendo pipoca, olhávamos
embevecidos as casas bonitas, as praças e as ruas iluminadas.
Iam até Casa Amarela e fazíamos o percurso de volta por
Casa Forte. Era realmente um passeio encantador.
O bonde, na sua lentidão com suas laterais abertas,
possibilitava uma visão bem ampla das ruas que ladeavam e
das casas bonitas que não se encontravam nas cidades
pequenas.
Chegávamos em casa cedo, 9 horas era o máximo permitido,
todos se comportavam bem, pois, assim iríamos passear no
outro dia,caso contrário, o castigo seria ficar em casa.
Às 10: horas, deveríamos estar dormindo, tomávamos banho
e ao som de brasileirinho ou um de um tango, Vermelho 27,
pegávamos no sono.
Quando já adultos, soubemos que havia um prostíbulo na rua
56
de trás do sobrado e todas as noites havia dança para os
freqüentadores, porém nunca se percebia nada. Titia, tinha o
cuidado de que seus filhos não soubessem o porquê
daquela dança diária, de sua música e da luz vermelha que se
via através da vidraça.
Perto dali, havia o Mercado de São José, bonito, imponente,
com sua estrutura de ferro. Dava um toque majestoso e
especial. Era onde se faziam compras mais baratas. Tinha de
tudo que se podia imaginar. Ah! que cocadas saborosíssi-
mas!
Toda tarde, a babá (era uma cria de casa, pele morena,
magra, cabelos pretos bem escorridos, se dizia filha de índia)
nos levava a passear e saborear as guloseimas que o mercado
oferecia.
Recife tinha um cheiro especial de maçã. Quando estava de
volta à minha cidade, o cheiro fazia lembrar Recife, talvez
porque houvesse muitos vendedores dessa fruta. No interior,
era difícil, maçã era importada.
Um dia, faltou água no sobrado, teríamos então que descer e
encher algumas vasilhas. Todas as crianças desceram felizes
a fim de cumprir a tarefa encher de água um depósito. Ao pé
da escada, havia uma torneira em que nunca faltava água.
Era aí que deveríamos encher suas vasilhas.
Já com as vasilhas cheias, começamos a subir a escada.
Todos ríamos muito. Púnhamos o pequeno depósito na
cabeça, Wilson se desequilibrou e o pote que carregava caiu,
derramando toda a água,
Eu, que gargalhava à vontade, não consegui sustentar minha
vasilha, como o primo, deixei-a cair, vindo a se quebrar, já
que, a vasilha era de barro.
Titia ficara feroz: Que fazer agora, se nem vasilha tinha
mais?
Aos domingos, tia Meranda ia com seus filhos, para a missa
na igreja da Penha, localizada perto do mercado.Pertencia ao
convento dos frades franciscanos, uma igreja imensa.
Eu a acompanhava e procurava não dá muito trabalho, pois
57
queria que ela gostasse de minha presença para que sempre
pudesse voltar.

CAPÍTULO 16

Clarice, durante um período, viveu na casa de titia. Um dia,


resolveu ir com o namorado ao Horto de Dois Irmãos, me
levou para que conhecesse o horto. Foi realmente um
passeio inesquecível. Eu deveria ter uns 09 anos, ficara
deslumbrada com os animais, a beleza das árvores, o rio com
o barquinho, a venda de pipoca, algodão doce etc. Tiramos
algumas fotos embaixo das árvores vendo o rio com suas
águas tranqüilas cobertas pelas algas que lhe dava uma
beleza impar.Alguns locais cobertos de vitória régia e plantas
aquáticas.
Sentados na grama, comemos o lanche que havíamos
levado.Nunca esqueci aquele passeio! Era um piquenique,
como via nos filmes!
Naquele dia, custei a pegar no sono, dormi com a imagem de
tudo que havia visto. Como era bonita a cidade grande!
Clarice era muito carinhosa comigo e, embora não tivesse
idade, se considerava como minha mãe. Por minha vez, eu
lhe tinha um carinho especial e nunca a contradizia ou fazia
algo que a desagradasse. Mesmo depois de passados alguns
anos, quando nos tornamos adultas, sempre tive para com ela
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o maior respeito.
Clarice tentava de tudo para proporcionar-me os melhores
passeios.Foi assim que conheci o Teatro Santa Isabel a Festa
da Mocidade, o Restaurante Leite, as praias de Olinda, o
Convento Sta Gertrudes, Boa Viagem, etc... O carinho que
ela me dispensava era algo que encantava a todos, por meu
lado eu lhe tinha um grande amor fraternal.
Nunca esqueci os livros de histórias que recebi quando ela
estava no Rio e me enviava. Eram livros coloridos, cujas
figurinhas poderiam se mover e entre eles o que mais me
encantou foi “A Bela Adormecida do Bosque”. Em Cruz
Alta não havia nenhum desse tipo que só se encontrava na
capital do país e eu mostrava para todos orgulhosa o que
minha irmã mandara.
A imagem de Clarice quando voltou do Rio ficou gravada
em minha mente.
Todos nós fomos esperá-la na estação. Vinha de trem, o
apito denotando que o trem se aproximava deixava todos
ansiosos ante a expectativa da chegada.
Os nossos olhos se dirigiam para o trem a fim de identificá-la
entre os outros passageiros que desciam.
Lá estava ela, com um sorriso meigo, muito elegante, num
vestido azul-marinho transparente. Uma orquídea de cor lilaz
do lado direito da blusa dava o toque colorido ao vestido.
Um chapéu de abas largas da cor do vestido, tornava-a
distinta e bela,parecia uma linda princesa aos meus olhos,
que embevecidos a admirava!
Era uma grande recepção entre nós: chegara a mais bonita a
mais intelectual que morara no Rio de Janeiro de quem papai
e mamãe tinham muito orgulho. Só por isso, ela já impunha
respeito.
Foi servido um almoço especial e ela em pouco tempo teve
que nos por a par do que queríamos saber.
A medida que o tempo foi passando e eu me tornando
mocinha, se via a diferença entre as duas irmãs.
Clarice era estudiosa e perfeccionista. Estudara o segundo
59
grau num colégio interno, no Rio de Janeiro, ”Notre Dame”,
era um colégio de irmãs francesas localizado em Ipanema.
Também tinha tendência artística, participava do teatro do
colégio, montava pequenas peças, pintava, etc.. Lá aprendeu
com esmero, etiqueta, como se comportar socialmente bem e
o gosto fino pelas coisas.
Desejava fazer medicina, no entanto, papai preferiu que ela
fizesse odontologia medicina não era profissão para mulher!
Nunca a vi com grupo de colegas, só me lembro dela
estudando, também era muito seleta, suas amizades passava
pelo seu crivo.Sua letra era linda, como também nunca a vi
doente, era uma moça muito sadia.
Fez odontologia em Recife, morando na casa de titia.
Muito bonita e elegante sua pele parecia de seda, se vestia
muito bem.Quando saía, chamava atenção,suas pernas
sempre cobertas com meias finíssimas e sapato alto de bico
fino,davam-lhe um porte clássico.
Muito educada, enquanto eu dava largas gargalhadas e não
me preocupava de manter uma postura de educação
esmerada.
Eu fui uma pessoa de excelente temperamento, não tinha
mal-humor e aceitava tudo sem restrições, a única coisa que
importava era viver feliz.Já bem mais velha Clarice me
perguntou:
-Por que concordas com tudo?
-Não sei, sou assim mesma.
O que me pedes, ou dizes, sempre me satisfaz. Realmente
éramos muito diferentes, mas nos amávamos muito.
Nas bodas de prata de mamãe, foi ela que organizou toda a
festa, ela mesma confeccionou o bolo, perfeitamente
confeitado. Um bolo de 3 andares, cuja escadinha continha
25 degraus e em cada degrau uma velinha.A minha
incumbência foi de entregar os convites.

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CAPÍTULO 17

Era quase impossível o meu casamento com o galante e


elegante Aroldo, bonitão, viril e imprevisível.Com os seus 25
anos, encantava a todos com sua maneira de falar.Muito
comunicativo, vivia sempre bem vestido e perfumado.Era
uma pessoa muito envolvente e querida.
Parecia um artista de cinema, moreno, rosto longo, cabelos
pretos penteados para trás, era alto, esguio e encantador,eu o
achava parecido com um artista.Aroldo fora jogador de
futebol amador; Goleiro jogara pelo Amadorense; não quis
terminar seus estudos, embora seus pais tudo tenham feito
para que ele o concluísse.
Eles o internaram no Americano Batista,um colégio
evangélico, mas ele fugiu e resolveu viver numa das
fazendas do seu pai. Nos encontramos numa bela tarde de
sol, dia primeiro de maio de 1952.
O time do Amadorense iria jogar contra o da Universidade
61
de Medicina. A cidade era pequena, e poucas eram as
atrações vindas de fora, o jogo, seria então, algo interessante
de se ver.
Eu era uma jovem sonhadora, transbordava alegria, gostava
muito de dançar, ir ao cinema, cantar, jogar vôlei, participar
das festinhas da igreja, do colégio e de tudo que me
trouxesse alegria.
Nesse dia, resolvi ir ao campo com minha irmã mais nova,
Eliane.
Foi decidido de repente. Já havia marcado com uma amiga,
para ir ao cinema, a matinê, contudo para fugir do assédio de
um rapaz, que me queria fazer a corte de qualquer maneira,
decidi então pelo futebol, afinal, poderia encontrar o jovem
Henrique que jogava pela Universidade com quem tive um
flerte, quando estivera de férias em Recife.Possivelmente
seria uma tarde divertidíssima!.
Os times entraram no Campo, os jogadores começaram a
ser fotografados, de longe se observava toda a movimentação
em torno. De repente, um fato chamou minha atenção: um
rapaz que fazia pose para ser fotografado.
De bruços, sobre a cerca que contornava a área onde
jogavam, nós duas eu e minha irmã esperávamos que se
iniciasse o jogo.
Aroldo estava apenas sendo fotografado
- Que rapaz bonito! Disse para minha irmã e, para surpresa
nossa, ele se aproximou.
Quando iniciou o jogo, o meu coração já batia mais forte,
percebi através do olhar, que ele me correspondia e se
aproximava, para poder iniciar uma conversa. Nesse dia, ele
não iria jogar...
Já saímos do campo nos enamorando, pediu para me
acompanhar até minha casa e juntos conversando, descemos
até a rua principal. Ali, nos despedimos e marcamos um
encontro no próximo domingo em frente da igreja.
A espera seria longa. Disse às minhas amigas que havia
encontrado um rapaz que mexera com o meu coração, ao
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falar o nome dele.
-Você deve estar ficando louca!
-disse-me Jaci, uma amiga de infância.
-Aroldo é um rapaz muito conquistador, a fama dele na
cidade é a pior possível!
Nesse momento, fiquei um pouco desencantada.
-Seria mesmo verdade?
-Não! Isso era inveja, possivelmente ela gostava dele, e
pensando assim, fui ao encontro marcado, depois de
pequenos encontros pela cidade ele resolveu falar com meus
pais.
Esse era realmente o primeiro namorado que ira apresentar
aos meus pais, tinha 15 anos, iria completar 16, poucos dias
depois.
Não sabia ao certo a reação deles. Falei com minha mãe
sobre Aroldo, como foi o encontro, e que ele estava
interessado em fazer-me à corte. Para isso, precisava da
autorização para vir namorar em casa.
Para surpresa de mamãe papai já o conhecia. Todos os
domingos, depois da missa papai ia para um bilhar,
localizado na esquina da rua da Matriz chamado A Esquina
do Barbosa, ia observar os jogadores até às 12: horas,
quando se dirigia para casa a fim de almoçar com a família.
Papai era um bom jogador, até quando um dia Edelson, seu
filho mais velho o vira jogando e ao chegar em casa disse à
mamãe. Diante disso, nunca mais ele veio a jogar.
Aroldo fez amizade com ele, no entanto não falou nada a
respeito.
Quando mamãe falou para papai que viria um rapaz falar
sobre a possibilidade de me namorar, depois de dizer-lhe
quem era, as portas lhes foram abertas.
Todos os dias, até ás 22 horas, lhe era permitido namorar.
A princípio o namoro foi muito calmo, até Aroldo ganhar a
confiança de todos.Era sempre muito respeitador e fazia
questão de falar sobre seus propósitos e sua honestidade.
Assim, aos pouquinhos ele foi se chegando e daí em diante o
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namoro tornou-se um namoro muito apimentado para a
época, começando a preocupar mamãe.
Eu me apaixonei perdidamente, ele era um amante realmente
a moda antiga. Eu não queria mais estudar, só pensava nele!
Era a realização do sonho de qualquer mulher
romântica.Estava na idade da Cinderela, idade das
ilusões,afinal tinha um príncipe encantado aos meus pés.

CAPÍTULO 18

Todos os dias incansavelmente lá estava Aroldo. A princípio


foi um namoro agradável, ele se mostrou educado e muito
comunicativo, conseguira a amizade de todos.
No entanto, depois de algum tempo, apesar de ser uma
pessoa muito agradável, começou a apresentar aspectos de
sua personalidade que constrangia a todos, com suas
insinuações de ciúmes.Também começou a restringir tudo de
que eu gostava: a maneira de me vestir, rir, brincar, minha
espontaneidade e, para surpresa de todos, eu me submetia.
Fiquei triste e arredia.Ninguém podia falar nada contra ele,eu
estava simplesmente anestesiada.
Depois de um ano, aniversário de dezessete anos, fiquei
noiva. Papai estava fazendo a barba, quando impaciente, fui
várias vezes chamá-lo.
Houve uma pequena comemoração. Um almoço para a
família e alguns poucos amigos.
Agora estava realmente noiva, tinha no dedo a confirmação.
À noite, fui dormir pensando na data do meu casamento que
provavelmente seria dali a um ano, maio de 1954.
Todavia, mudei de comportamento antes, alegre e
64
espontâneo, vivia agora encerrada em meu quarto, não ia
mais para lugar algum. Papai observou a mudança que se
operara. Sabendo que eu vivia triste, chorando, indagou:
-O que está se passando com esta menina, que só a vejo triste
ultimamente?
-Mamãe disse-lhe:
-Você não sabe o que se passa com minha filha, antes tão
alegre?
-Desde que ela conheceu este rapaz, que a vida dela se
transformou.
Aroldo aquele rapaz que nos pareceu tão bom, tem se
revelado ciumento, vive prendendo nossa filha e ela se
submete a tudo, inclusive não a leva para canto algum.
-A Alegria de minha filha está se acabando!
Papai que admirava o rapaz mandou chamá-lo.
Eram umas 20 horas quando ele chegou. Vinha muito bem
vestido, todo garboso e imponente, quando se dirigiu a sala.
Papai o estava esperando.
-E aí, meu rapaz?
Pois é, aqui estou!
O Sr. deseja falar comigo?
Longe, curiosa, eu observava o que se passava.
-Realmente preciso falar com você.
-Sou de poucas palavras meu rapaz,não gosto de arrodeio o
que tenho a dizer-lhe é o seguinte:
-Quando você falou para namorar minha filha você se
apresentou como um rapaz de bom relacionamento e simples
por isso lhe dei permissão, mas vejo que você não é a pessoa
que pensei ser.
-Minha filha é muito nova, muito alegre e cheia de vida,
nada lhe falta.Nunca lhe proibi nada. Soube que você vive
fazendo minha filha infeliz; tenho observado a tristeza que
lhe invadiu a alma. Aroldo quis interromper, mas papai firme
e forte lhe disse:
-Vocês estão noivos, mas você casa com ela se quiser, uma
coisa eu lhe digo:
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-Se vocês se casarem, se você continuar assim a prender
minha filha em casa, fique certo de que eu a trago de volta e
bem contundente disse-lhe:.
-Não ouse nunca mais infernizar a vida dela!
Depois desta advertência desculpando-se e prometendo
mudar, foi para sua casa.
Também me tornei um pouco voluntariosa e por isso levei
duas belas surras.
A primeira estava sentada à mesa na hora do almoço quando
papai falou alguma coisa de que não gostei e, fiz sinal com a
cabeça levantando-a para cima com desdém, essa foi a
primeira e a única vez que afrontei papai. Quando menos
pensei, já havia levado um murro que caí da cadeira, no
terceiro já estava me trancando no quarto.
Na segunda vez saí e fui até a fazenda onde iria morar a
procura de Aroldinho, só que não o encontrei. Essa foi
mamãe que me deu e me disse:
- Moça é moça, não é prostituta para ir atrás de rapaz!.Assim
era a educação que recebi, nada de conversa,fez errado
levava uma sova e isto já mocinha.

66
CAPÍTULO 19

Um fato inesperado veio para alterar a data programada


para a realização do casamento. Papai adoeceu. Depois de ter
ido ao médico, pediu para antecipar a data do casamento para
dezembro de 1953, tínhamos planejado para maio de 1954.
Eu e Clarice combinamos nos casar num dia só, mas a mãe
de Aroldo se opôs, em vista de que, de acordo com sua
crença, quando duas irmãs se casam juntas, uma rouba a
felicidade da outra.
A contra gosto, acatamos a proposta. Ficou decidido que: os
casamentos seriam em Recife, nada de festa, apenas uma
simples comemoração.
As cerimônias foram realizados na igreja do Espinheiro.
Uma grande amiga ofereceu a casa onde seria realizada a
recepção para a família e alguns convidados.
Eu me casei no dia 19 de dezembro, às 19 horas de 1953
vestia um bonito vestido de renda francesa, salpicado de
pérolas. Em minhas mãos cobertas por luvas de renda fina,
um lindo ramalhete de copos de leite realçava a beleza do
vestido.Do meu cabelo ornado com flores, descia um véu
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fino e longo.
Me olhei no espelho e gostei do meu visual,não era bem
como sonhei, não teria dama de honra nem a festa que
idealizei; Não fui eu que providenciou nada tudo foi feito
pelas amigas de mamãe, mas deveria considerar que papai
estava se sentindo doente portanto eu me dei por satisfeita.
Logo após o casamento, na casa de Domênica, foi realizada
uma pequena comemoração,apenas para alguns amigos e os
parentes mais intimos.
Dormi essa noite com minha mãe, pois, no outro dia, seria o
casamento de Clarice e para isso, segundo meus pais, eu
deveria continuar virgem. Mesmo assim, Aroldo se
aproveitou de uns momentos em que nos encontramos a sós
e quando estávamos nos beijando, mamãe chegou e acabou
toda a euforia do momento.
O casamento de Clarice foi realizado no dia seguinte,
durante a missa, pela manhã. Foi cerimônia rápida e simples.
Ela estava linda, o vestido de cetim, bordado e coberto de
pérolas, fora escolhido por ela.
Do seu vestido, saía uma calda que caindo sobre o tapete
vermelho vinha realçá-lo ainda mais.Dois belos arranjos
seguravam o véu que lhe caia da cabeça.
Seu noivo, Pedro, fora seminarista por longo tempo, chegou
a fazer alguns votos, sendo, portanto, um rapaz muito
religioso e recatado.Muito tímido, era totalmente o oposto de
Aroldo.Sua lua de mel seria em Recife e Olinda.

68
CAPÍTULO 20

Dia oito de janeiro, morreu papai. Quanto a Clarice o


casamento dela e a morte de papai nos separaram por um
determinado tempo. Ela teve seu primeiro filho a 19 de
novembro de 1954 e esteve doente dos nervos. A morte de
papai a abalara profundamente. Longa foi a agonia de toda a
sua vida. Períodos imensos de depressão lhe tiraram a alegria
de viver e de seus projetos de vida.
Logo após o casamento de Clarice fui convidada para
almoçar na casa da minha tia seu marido Sr Maciel era um
português típico e meu padrinho. Só ele sabia fazer uma bela
de uma bacalhoada. Queria homenagear sua afilhada e para
isto, se esmerara na cozinha.
À tarde, depois de um rápido descanso, regressamos para
nossa cidade, viajamos de trem. O percurso era muito bonito
e romântico: através da janela, se via a paisagem que se
descortinava à nossa frente.
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Nós dois, juntinhos e nos enamorando, acompanhávamos
enlevados, o passar do trem por dentro dos túneis, tornando,
a viagem agradável e encantadora. Um turbilhão de pensa-
mentos passava pela minha cabeça. Tudo era sonho!
Ao cair da tarde, chegamos em Alto da Cruz, tomamos um
táxi e fomos para a fazenda, onde iríamos morar.Seria o
primeiro dia em que, ficaríamos a sós na casa.
Era uma casinha muito simples. Não era uma casa bonita,
porém cheirava a tinta (havia sido reformada). Localizada na
parte alta, se via toda a paisagem da fazenda. A casa, toda
arrodeada de alpendre, tinha duas redes e um conjunto de
cadeiras para o repouso diário.
Dentro, tudo era muito bem decorado, das janelas caiam
lindas cortinas finas, que amarradas ao lado, davam um ar
romântico. Meu enxoval foi feito com muito carinho,
camisolas, robes, colchas e lençóis de linho com o
monograma das nossas letras bordadas a mão, davam um
toque de finura e beleza.
Minha mãe havia feito uma poupança para mim e eu pedi
que comprasse minhas cortinas e uma máquina de costura
com esse dinheiro.
O tilintar do chocalho e o cheiro forte de estrume lembravam
que ao lado havia um curral.
Foi aí que um frio gélido se apossou de mim que, até então,
não me havia apercebido da mudança que iria se operar em
minha vida.
O silêncio da noite, o frio, o som do vento que batia forte, o
isolamento a que seria submetida, gelaram minha alma e aí
tive medo! Um medo que não sei bem definir,era como se
fosse um vento frio gélido que entrara em mim esvaziava o
meu ser,a minha alegria,a minha liberdade o meu viver..
Que sentimento estranho!...Iria romper com minha forma de
ser, seria um corte brusco e drástico: mudar totalmente
minha personalidade! Renegar tudo que havia sonhado,
aprendido e vivido.
Passei um olhar ao meu redor e, por pouco tempo contemplei
70
toda a paisagem.
Divisava ao longe fileiras e fileiras de palmas, para o
alimento do gado. Pareciam soldadinhos esperando o corte.
Os pés de eucaliptos altos e garbosos ladeavam o curral, na
lateral da casa. Ao bater forte do vento, deixavam cair suas
folhas e que mais parecia de propósito, a fim de que, depois
de caídas ao chão, formassem um tapete e, pisoteadas,
exalassem o característico cheiro.
Ao aspirar o ar sentia-se o perfume cítrico do eucalipto.
Não muito longe, havia a casa do morador. Era uma casa
branquinha de um único cômodo, onde vivia uma família
com dois filhos.
A essa altura, o sol se escondia no horizonte e as nuvens
vermelhas tornavam a paisagem mais bonita!
De repente, a voz forte de Aroldo me fez voltar a realidade.
-Noemia, vamos entrar!
Girando a chave na porta, pôs as maletas para dentro,
colocou o braço por cima de mim, deu-me um beijo e
adentramos na casa.
Fôra uma lua de mel sem graça, apesar da paixão que nos
envolvia. Meu pai adoeceu e morreu logo em seguida.
Naquela noite, cheia de sonhos me preparava para amá-
lo.Precisava tomar banho e, me dirigi ao banheiro que ficava
fora da casa, ligado ao terraço. Peguei o candeeiro, minha
lingerie que tanto sonhara vestir, e me enderecei para lá.Ao
abrir a porta da casa senti uma rajada de vento corri e entrei
no banheiro precisava acender o candeeiro, pequei o fósforo
acendi-o e ao retirar a roupa olhei em volta e tive uma visão
terrível, as paredes estavam cobertas de rãs.Um grito de
pavor fez Aroldo correr para ver o que estava acontecendo e
eu, despida, enrolada na toalha, me negava a tomar banho.
Aroldo conseguiu com jeito, que eu, apesar do pavor,
tomasse o meu banho cheia de medo, com o coração
batendo comecei a chorar. Não havia na casa eletricidade
nem água encanada; a água era trazida do açude por um
morador que enchia o tanque.
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Na casa dos meus pais saía da torneira a água que queríamos
quente ou fria e eu geralmente tomava banho morno.
Não foi assim que sonhei a minha primeira noite na minha
casa,por longo tempo me vi com aquele desabié sendo
admirada e amada.
Era uma vida totalmente diferente da que até agora tinha
vivido. Uma vida sem o menor conforto, por um momento
pensei:
-O que fiz de minha vida? Enxuguei minhas lágrimas e
entrei em casa.

CAPÍTULO 21

A casa de meus pais era uma das mais bonitas da cidade, na


época.Localizada no centro, havia sido construída por eles
(enquanto esperavam a construção da casa, morávamos em
um sobrado em cima da loja).
Todo o entorno da casa tinha um jardim muito bonito,
coberto de rosas. Das janelas, sobre as jardineiras, caiam os
cachos de gerânios vermelhos que o cultivo do jardineiro
deixava-os tão belos!
O meu quarto era dividido com Eliane. Continha duas lindas
camas, dois armários, mesinhas laterais, cada uma com seu
abatjour e sobre elas os porta-retratos, por fim, um
penteador. Os porta-jóias e os perfumes sobre o penteador
72
eram refletidos pelos espelhos.O paninho de renda que caia
sobre ele, dava-lhe um toque de fina beleza. As camas,
sempre muito bem forradas, eram cobertas por colchas de
cetim alcochoadas e da janela caía uma cortina de cor
creme,bem fininha. A janela do lado do quarto dava para o
jardim.
Aroldo era muito romântico. Durante o namoro, antes de sair
à noite, dirigia-se ao jardim, colhia uma rosa, beijava-a e eu,
debruçada sobre a janela, a recebia enlevada e, depois de
beija-la, guardava-a numa caixinha, tipo baú, sobre meu
penteador, não sem antes tocá-la junto de meu coração.
Muitas foram às poesias, feitas por ele, dedicadas a mim. Eu
as guardava, como se fossem jóias preciosas.Uma música
cantada por Carlos Galhardo, ”Prefiro sofrer te amando”, era
o tema assobiado e cantado, por ele, quando se aproximava
da casa, para que eu, percebesse que ele estava chegando.
O texto da música dizia mais ou menos assim:

Eu não quero saber quem tu és,


De onde vens, nem para onde tu vais,
Eu só sei que são tão cruéis,
Os teus lábios me beijam-me mais.

Eu não quero saber qual o fim


Que terei nos teus braços fatais,
Tu és para mim, sou feliz assim,
Sou feliz, por te amar demais.

Se é mentira, os teus olhos,


Que me olham, que fazer...?
Eu prefiro sofrer te amando,
a deixar de te amar e sofrer!
73
Aroldo era um conquistador, homem da noite, freqüentador
de cabarés, sabia como enfeitiçar uma mulher!
Era muito brusca a mudança de vida que eu me dispus a
viver. Tinha apenas dezessete anos, era terrivelmente
apaixonada... Como não sê-lo, se o homem sabia encantar
minha alma adolescente!
Com todas as restrições que ele me fazia, jamais pensei que
minha vida iria ser assim. Sonhava ter muitos filhos, amar
intensamente, correr, cantar, brincar, como se fosse um filme
de Hollywood.Na minha imaginação passava o meu próprio
filme, onde cheia de filhos sairíamos cantando como nos
musicais.Tinha apenas 17 anos.

CAPÍTULO 22

Dezoito dias depois de casada meu pai faleceu, sofreu muito,


tinha um aneurisma na horta, morreu em casa.
Seu genro Victor ficara com ele até os últimos momentos,
orando, até que ele partiu. Foi um golpe terrível, jamais tinha
visto a morte de perto, até a morte me fora ensinado de
maneira sonhadora, era como se fosse alçar um vôo para um
lugar lindo, cheio de flores silvestres, onde se veria Deus e aí
ao som das harpas tocadas pelos anjos, viveriam as pessoas
do bem. Meu pai era do bem!
Mas estava ali, no caixão, no meio da sala, frio e inerte, tinha
apenas 56 anos.
74
Dias antes, já doente, fui visitá-lo e aquele homem forte,
imbatível, quando me viu, em prantos, disse-me:
-Minha filha, vou morrer!
Chorei copiosamente, sentei-me em uma cadeira que estava
perto da cama e não pronunciei uma única palavra. Estava
chocada, não era possível, aquele não era meu pai, meu pai
não chorava, ele era meu herói!
Então, a morte não era como me ensinaram, era feia e cruel!
Antes do funeral Arnaldo, abalara todo mundo, chorava
desesperadamente lamentando sua morte, seu lamento nunca
foi esquecido.
Tristes foram os dias que se seguiram. Logo após o funeral,
fomos para a casa dos pais de Aroldo. Sr. Aroldo Silva era
um senhor forte, alto, de pele avermelhada, cabelos brancos,
voz forte, tinha seus 55 anos.Boiadeiro ganhava muito
dinheiro com a venda de gado.
Lembro-me de que a compra e venda do gado era em
espécie, haja vista que o dinheiro era guardado no cofre, em
casa. Os bancos quase não eram utilizados.
Viajava com a mala cheia de dinheiro para pagar o gado que
comprava, não havia outra forma de efetuar o pagamento.
Depois de um tempo, teve um grande prejuízo ao negociar
uma venda de gado. Fora lesado, o que lhe causou sérios
problemas financeiros.
A esposa dele, D. Antonia, era morena, cabelos bem pretos,
escorridos, mais parecia uma índia.Os dois eram muito
diferentes: ele era muito alegre e espontâneo, ela, muito
calada, desconfiada, comedida, de olhar penetrante difícil de
relacionamento. Eram paraibanos.
Tiveram 18 filhos, 10 estavam vivos.
Recordo-me de cada um deles, sentados ao redor de uma
mesa grande, à espera do jantar.
Francisca, empregada da casa, fazia uma panela imensa de
sopa de feijão e outra de papa de maizena as quais eram
servidos a todos.
Cada um tinha uma personalidade diferente. Celma, sempre
75
muito disposta e trabalhadora; e muito determinada! Ilma,
preocupada com sua vaidade; Josué, esquisito e respeitado
por isto; Anita, a mais querida do seu pai; Roberto, Raquel e
Aldo os mais jovens; Aroldo, este voltado para seu próprio
deslumbramento e Ricardo filosofando.Elenilda, era casada e
vivia no engenho.
Muitos foram os questionamentos que se operaram no meu
pensamento,muita foi a angústia daquele momento.
-Como seria minha vida de agora em diante, já que meu pai
era quem comandava tudo?
-Estaria entregue à própria sorte?Como seria meu destino?

CAPÍTULO 23

Os meus sogros e cunhados tudo fizeram para aliviar a


saudade e a incerteza que arrasavam a minha alma.
Seis dias já se haviam passado e eu não tinha visto ninguém
de minha família. Foi aí que comecei a conhecer e viver com
a família de meu marido.
Ele se negou a levar-me para casa de minha mãe,deveria
ficar esta semana na casa dos seus pais,mesmo a contra gosto
sem conhecê-los direito, muito acanhada tive que ficar lá.
Desejava está com minha família onde poderia conversar a
vontade e nos consolarmos mutuamente. Sem dizer nada a
ninguém só fazia chorar, sentia muitas saudades era uma
saudade imensa.Teria que ir a missa de sétimo dia e
precisava de um vestido preto. Que fazer?
Eu não tinha dinheiro suficiente, tinha vergonha de pedir,
76
Aroldinho não se pronunciava.
Uma idéia veio à minha mente: comprar tinta preta e tingir
um vestido meu.Essa seria a única solução.
Estávamos todos à mesa para o café da manhã, era uma mesa
muito grande e farta, quando o meu sogro, dirigindo-se a
mim, perguntou-me:
-Comprou seu vestido para ir à missa, amanhã?
-Não, respondi, não tenho dinheiro suficiente, vou tingir um
dos meus vestidos.
-De forma nenhuma!
-Respondeu Sr. Aroldinho, vou comprar-lhe um.
Antes do almoço, olhava através da janela as crianças que
brincavam na praça, em frente da casa.Olhos parados, fixos,
só meu pensamento povoava minha mente. De repente, ouvi
uma voz que me disse:
-Aqui está um corte de fazenda, faça seu vestido!
Abri o pacote, era de crepe preto, pesado, muito bonito, de
muito boa qualidade.Abracei meu sogro e chorei, estava
muito agradecida e com esse gesto, iniciou-se aí uma grande
e respeitosa amizade!
Durante toda à tarde, fiquei costurando o vestido, vez por
outra, enxugava as lágrimas que me escorriam pela face.
Aroldinho e toda sua família foram à igreja. Lá encontrei
minha mãe, meus irmãos, meus parentes e amigos,nos
abraçamos e choramos juntos.
Foi mais um triste adeus àquele que agregava e amava
verdadeiramente sua família.Todos estavam consternados,
ninguém estava preparado para aceitar a morte.
Clarice, minha irmã mais velha, não conseguia se conformar.
Abatida, dizia ter visto papai e que ele falara com ela.Estava
sentada na cama quando ele sentou-se junto a olhou e
telepaticamente conversou com ela.Essa noite, passamos
todos juntos.
De volta para a fazenda, teria que enfrentar a dura realidade e
viver a vida. Lembro-me que era uma tarde de domingo
quando cheguei a fazenda, tudo era muito sombrio,eu uma
77
adolescente que iria fazer ali? Estava sendo muito difícil: não
tinha mais meu pai a quem poderia recorrer, caso
necessitasse.
Aroldinho iria partir, negociava comprando gado bovino
saía de Alto da Cruz e ia até o alto sertão e buscava o gado
de melhor qualidade, e transportava-os em cima de um ou
dois caminhões e os vendia na feira de gado.Passava 10 ou
15 dias fora.
Chegou o dia da viagem, ele partia e eu fiquei só, o único
contato era com os moradores da fazenda,não tinha
conseguido empregada. À noite, uma moça que morava
perto, vinha dormir comigo.
Foram muito dolorosos os dias que se seguiram. A
lembrança bem viva de papai e o isolamento a que estava
submetida transformaram minha vida radicalmente. Não
poderia sair e ir até a casa de minha mãe, ele me
impedira.Não existia telefone, televisão nem sequer um rádio
em que pudesse ouvir notícias. Passava o dia dormindo ou
então com a moradeira dona Amara ou com Edleusa, a moça
que vinha dormir comigo.
Para passar o tempo, jogávamos pedrinhas, um jogo,
composto de cinco pedras, seixo, que sacudia uma para cima
e em seguida apanhava as que ficavam em baixo.
Muitas vezes, sentadas no chão até as pernas adormecerem,
passávamos o dia todo nesse lazer. Entrava a noite a dentro e
sob a luz do candeeiro, colocado junto às pedrinhas, para que
pudéssemos ver,jogávamos até sentir sono e dormir.
Eram dias longos e solitários, muito tristes! Para mim
acostumada com muita gente, o silêncio era desolador e a
solidão terrível!
Quando ele estava para voltar, dois eram os sentimentos que
me tocavam a alma.De felicidade pela chegada dele: não
estaria sozinha, iria rever meu amor, minha paixão.
Juras e juras de amor foram trocadas antes de sua partida,
agora, iria viver este sentimento profundo que me fazia
renunciar a tudo, para que pudesse estar a seu lado.
78
O outro sentimento era de medo: qual seria sua reação ao
ver-me? De amor? De alegria? Ou explosão de ciúmes?
Nunca se sabia ao certo como se portava.
Aroldinho chegara, ao ouvir seus passos corri ansiosa para
abraçalo, trazia uma valise com roupas sujas, pacotes de
queijo de coalho, garrafas de manteiga, carne de bode etc.
Lancei-me ao seu pescoço e nos beijamos apaixonada-mente.
Depois do banho, sem nos contermos, nos dirigimos ao
quarto e ali longas horas de amor, amor profundo que
avassalava meu coração.
Eu adorava tudo que era dele; ao tocar-lhe, tragava com
ânsia o cheiro ardente do seu corpo que invadia meus
sentidos e dominava minha alma.
-Ele era bom! Não iria ouvir nada que dissesse contra ele, ele
me amava, estava certa disso, essas horas de amor não
poderiam ser mentira!
( muitas vezes ainda solteira,fui alertada sobre a
personalidade conturbada e doentia de Aroldinho)
Ao acordar, o cântico dos pássaros nas árvores parecia mais
uma sinfonia para os ouvidos de quem estava disposta a
apostar nesse grande amor. O dia amanheceu lindo, o sol
começava a despontar no horizonte e me sentia muito feliz.
Nos abraçamos com paixão,havia colocado minha camisola
mais bonita e ao levantar-me fiz questão de
dissimuladamente mostrar-lhe minha silhueta que sob a
camisola transparente aparecia o contorno do meu corpo de
adolescente,nesse momento ele se atirou da cama me enlaçou
e novamente fizemos amor. A insinuação dera resultado.
Após o café da manhã, Aroldinho saiu para vender o gado.
Passou o dia fora. Aguardei-o para sair um pouco, precisava
ver minha família, ir a um cinema, tomar um sorvete etc..Por
isso, preparei um jantar com muito esmero,passei o dia
trabalhando na casa.A mesa muita bem posta, como ele
gostava,coloquei na mesa minha louça que ganhara de meus
padrinhos de casamento.Toda faceira coloquei meu vestido
mais bonito e ansiosa esperei sua chegada.
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Estava realmente linda, levara muitos vestidos no meu
enxoval. Eram vestidos de organdi, linho, cambraia bordada,
todos muito bonitos e enfeitados de gripi, bico francês
etc.Minha mãe teve a preocupação de me deixar com um
enxoval completo.
Mais ou menos às 18: horas ele chegou, antes mesmo de
jantar, colocou-me nos braços e aí nós dois, beijando-nos
loucamente prometendo amor eterno nos dirigimos para o
quarto, e ali, nada existia, a não ser o momento de entrega
mútua.
Durante o jantar, conversamos sobre a viagem e a venda do
gado, depois nos levantamos e fomos até o terraço.
A noite estava muito bonita, a lua cheia tornava-a mais linda
ainda seus raios de luz caía sobre a paisagem e o céu estava
um esplendor, demoramos um pouco a contemplando, o
silêncio fazia com que se ouvisse o cri, cri dos grilos e o
coaxar dos sapos. Ele então, pôs o braço sobre mim,
acariciou-me, se pôs a bocejar e fomos dormir. Mais uma
vez, ficara em casa, e eu não tivera nem coragem de pedir-
lhe para sair um pouco.
Esta noite apesar da paixão que estava envolvida faltava
algo,não consegui dormir direito,acordada me sentia só,tinha
medo daquele homem que era o amor da minha vida mas que
não me deixava ser eu mesma,me tolhia a liberdade, eu não
tinha querer,portanto não conseguia dialogar com ele,pois se
assim o fizesse ele iria se sentir agredido,iríamos discutir e
esta noite perderia todo o encanto.

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CAPÍTULO 24

As viagens se sucediam, passava uma semana em casa e uma


ou duas fora. Dependia de encontrar gado gordo que valesse
a pena comprar. Me levava poucas vezes na casa dos meus
sogros ou raramente na casa de minha mãe.Aí via meus
irmãos minhas irmãs e ríamos e conversávamos até ele
chegar e irmos embora. Meu irmão tinha um gravador e
fazia-nos contar piadas, cantar ou mesmo falar alguma coisa
referente a família por isso ríamos tanto.
Ele então saía me puxando e começava a discutir, discussão
séria como se eu tivesse feito algo muito errado.
-O que eu tinha tanto para rir? Perguntava ele -precisava ter
uma postura de uma senhora casada e assim brigava até altas
horas.onde eu esgotada implorava para dormir, aí então me
beijava,pedia perdão e fazíamos amor.Como era dolorido
para mim ter que mudar se eu era o riso em pessoa!
Quando estava sozinha eu sentia muitas saudades do meu pai
e da vida que vivia com meus irmãos e minhas amigas.
Aroldo continuava viajando e eu nunca sabia como seria a
reação dele quando chegava.
81
Comecei a me sentir infeliz e sufocada,muito infeliz
mesmo,não entendia o que estava se passando.
Quando ele voltava eu me atirava em seus braços e parecia
que ficava anestesiada com seus beijos e promessas de amor.
Dizia que só pensava em mim, que não olhava para mulher
nenhuma.
Além dos dias que passava fora quando ele estava em casa
ele me deixava na fazenda e dizendo que ia resolver negócios
muitas vezes só voltava a noite.( depois soube que ele ficava
nas casas das muitas amantes que tinha.)
Mesmo assim sempre estava querendo sexo, era uma
necessidade insaciável e eu já comecei a ficar apavorada com
a freqüência que ele me procurava.
Não parecia um ato de amor normal e sim um ato
simplesmente animal, compulsivo.
Quando já não agüentava mais aquele tipo de vida,as vezes
me munia de coragem e dizia:
-Vamos sair, ir ao cinema?
Ele não me dava nenhuma esperança que íamos sair,no
entanto de repente ele dizia:
-Vamos, então me levava a um cinema que funcionava na
Difusora local.Eu não gostava,não era uma sala de projeção
apropriada, mas era onde íamos assistir qualquer filme, o que
importava era aonde ele queria ir eu não tinha o direito de
assistir o filme que estava em cartaz nos cinemas da
cidade,aliás eu não tinha direito de querer nada.
Muitas foram às vezes que o implorei para sair um pouco e
muitas foram as discussões que tivemos por isso,eram brigas
sérias me detratava com as maiores ofensas e na sua falácia
dizia:
-Mulher casada é para viver em casa.
-O que é que você quer da vida, viver como uma vagabunda?
-Vá fazer o que lhe compete,cuidar da casa!
Viver na fazenda não era o problema, desde que pudéssemos
sair, me comunicar, dialogar, ter direito de viver e de querer,
a fazenda era quase na cidade, ficava na periferia.
82
Não era o bastante viver esse amor. Embora eu o amasse
profundamente, precisava de valorização de liberdade e de
alimentar minha auto-estima,algo me deteriorava.
Meu Deus! Eu não conseguia entender esta necessidade que
ele tinha de me depreciar,eu era quase uma criança.
Uma coisa que também veio mexer com minha vida, foi logo
após a morte de papai, o desencanto que se abateu sobre
minha mãe, em relação aos filhos.
Ela não mais se envolveu nas nossas vidas. Quase não nos
visitava. Eu comecei a me sentir abandonada e com isso
passei a ter queixa dela e por mais que tentasse compreendê-
la não conseguia.
Gostava de seus filhos à sua maneira, mas nunca fora
amorosa, não tinha psicologia nem amor suficiente para
perceber a necessidade de manter um diálogo com as filhas
naquela fase.
Era uma boa mulher, vivera para o trabalho, muito dinâmica
e honesta, porém me parecia que se bastava a si mesma,
filhos foi uma conseqüência e creio que um fardo.
Continuava trabalhando na loja, mas sem o apoio do marido,
ficou difícil.
Muito determinada e dona de si, os filhos por sua vez, não a
ajudavam, nem compreendiam que justamente naquele
momento era que precisavam de união de apoio. Não havia o
envolvimento mútuo.
Vinha o problema da herança, havia a loja, a casa onde
morava etc..., Ao todo, eram sete filhos vivos; três filhos
haviam morrido. A última morreu já com dois aninhos; eram
três homens e quatro mulheres.
Quando Necy morreu eu ainda não existia, mamãe chorou
tanto que caíram todos os seus cílios,(nesta época ela ainda
não trabalhava e só tinha até então 3 filhos).
Clarice era uma criança um ano mais velha, tinha muito
ciúme de Necy, (isto foi ela que me contou) ao vê-la morta
disse:
-Bem feito!
83
Mamãe não teve dúvidas, passou-lhe uma cinturãozada.
A mais novinha não havia sido incluída na escritura do
último prédio, pois o mesmo havia sido registrado para os
filhos e Aline, (nome dado em homenagem a uma das filhas
que morrera) ainda não havia nascido e nem era esperada.
Os filhos se juntaram e concordaram em incluí-la, não houve
nenhuma objeção.
Clarice, depois de casada, foi morar no primeiro andar do
prédio que papai havia construído, fora cedido por papai. Os
laços de cumplicidade entre mamãe e meus irmãos estavam
um pouco estremecidos. O que dava sustentação à união da
família, era papai. Ela não soube sozinha, administrar o
relacionamento da família (o que, vamos falar a verdade, é
muito difícil em qualquer família.)
Clarice, saiu do prédio porque mamãe usou uma estratégia e
disse para ela que os irmãos e principalmente eu comentava
que ela não tinha o direito de ocupar um dos andares do
prédio( isto não foi verdade), ela então foi morar numa casa
perto do trabalho do seu marido.Tudo isso, gerou muita
mágoa, o estado emocional de Clarice também a afastou um
pouco e nós, pela própria circunstância, também nos
distanciamos, cada uma vivendo sua própria vida e os três
menores sobre o domínio de mamãe,
Clarice casou-se com um professor. Depois do primeiro
filho, logo que surgiu uma oportunidade, se mudaram e
foram morar em Recife. Depois ele se formou em direito e se
tornou promotor. Ela conseguiu um emprego no estado e foi
exercer odontologia nas escolas públicas.
Antes de Clarice ir morar em Recife, Aroldo começou a
aparecer na casa dela quase toda tarde sem me levar, eu não
sabia de nada nem ele me dizia.Um dia ela chamou seu
marido e disse que gostaria de contar-lhe algo,mas que não
queria escândalo pois eu ia sofrer muito.Contou-lhe da
constante presença de Aroldo e que na última vez que ele
esteve lá roçou-lhe a pele de forma que foi muito
desagradável o que se passou, tendo ela imediatamente posto
84
o filho nos braços, pediu licença e se retirou,esperava que ele
não fosse mais na casa dela,mas se assim o fosse gostaria da
intervenção dele.Dois dias mais tarde meu cunhado estava
ainda em casa e ele não percebeu, se fazendo que não
entendera nada, entrou e chamou minha irmã pelo nome,só
que quem veio foi meu cunhado e com muita sutileza disse-
lhe que por favor ele só viesse na casa dele na minha
companhia ou quando ele estivesse presente. Nunca mais ele
apareceu por lá, no entanto nunca me falou nada.Só vim
saber deste episódio muito tempo depois.

CAPÍTULO 25

Era tão terrível a solidão e o silêncio que reinava na fazenda,


eu só ouvia o som do vento, batendo nos pés dos eucaliptos,
o mugir do gado e o relinchar do cavalo.
Na escuridão da noite, só a luz do candeeiro, vista através da
janela, denotava a existência de alguma pessoa em casa.
Minha cabeça vivia a mil, meu pensamento não parava,
estava sempre sentindo um cansaço mental. Lembrava-me de
papai constantemente, queria voltar a viver, conversar com
alguém, visitar minha família, vestir uma roupa bonita,
gargalhar, expressar meu pensamento, etc...
-Por que não poderia ir e dormir em casa de mamãe?
-Por que não poderia ser eu mesma? Ter uma amiga ou
mesmo ir até a cidade?
Não me sentia feliz, onde estavam as pessoas que amava?
Às vezes, ao cair da tarde, deitada na rede, ficava a
contemplar o campo, a observar o caminhar pausado do gado
que voltava do pasto, acompanhado pelo vaqueiro rumo ao
curral.
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O abrir e fechar da porteira era percebido pelo ranger das
dobradiças.
O sol iniciava sua descida no horizonte e deixava vermelhas
as nuvens; seus raios dourados transluziam.
O silêncio pairava sobre a bela paisagem, era bonito de ver!
Quando já era quase noite, precisava entrar em casa. A
empregada fizera o café. Eu ia para a mesa, comia em
silêncio,mandava esquentar água no fogão, tomava banho e
em seguida rezava e ia dormir apenas com o grande vazio
que sentia dentro de mim mesma.
Ao amanhecer do dia, resolvi uma vez conhecer o
funcionamento da fazenda.Teria que fazer alguma coisa.
Era uma manhã fria e a névoa encobria a paisagem. Dirigi-
me ao curral e juntamente com dona Amara( mulher do
vaqueiro) e seus 3 filhos pequenos, observei como o
vaqueiro cuidava da ordenha das vacas, ouvíamos o som do
leite que saía de suas tetas puxadas pelas mãos hábeis do
vaqueiro que caía no balde se enchendo de espuma.
Aproveitamos e colocando açúcar, chocolate ou canela
tomamos um copo de leite quentinho ao pé da vaca até
ficarmos com a boca toda marcada pela espuma e assim vez
por outra íamos lá.
À tarde, as vacas leiteiras eram separadas dos bezerros, para
que elas, pudessem produzir mais leite.
O vaqueiro vendia o leite que acondicionados em caçambas
colocadas em cima do burro, ao passar na rua, era entregue
pelo leiteiro, nas casas, previamente anotadas.
Esse leite garantia o pagamento do vaqueiro e a compra de
ração para o gado.Era retirada também uma quantidade para
o vaqueiro e para mim.Com a minha porção fazia doces
maravilhosos.
O chacoalhar dos chocalhos, pendurados no pescoço do
gado, o bater do vento nos galhos das algarobas, produzia
um ruído característico e gostoso de ouvir.O vento, ao bater
nas algarobas, fazia cair às vagens que serviam de
alimentação para o gado.
86
Muitas vezes, passeava pela fazenda: era muito bonito,
principalmente, o nascer do sol.A paisagem era maravilhosa
e repousante, própria para meditação!
Entediada pela inércia, sem saber muito o que fazer, montava
o cavalo,percorria toda a nossa fazenda,ia de uma ponta a
outra através da pequena estrada que separava as
propriedades.
Era muito prazeroso, mas Aroldo não poderia saber.Um dia,
montada no cavalo o animal acelerou o trote e de repente
virou a patinha e quase caiu ao chão. A partir desse dia,
deixei de andar a cavalo. Fiquei com medo.
A cerca que contornava a fazenda, era de aveloz, uma
plantinha, como se fosse feita de dedinhos e que, ao ser
cortada pingava um líquido branco e viscoso.O contato com
a pele produzia queimadura.
Dona Amara a mulher do vaqueiro eu e seus filhos quase
sempre ficávamos debruçados sobre a cerca do curral para
vermos o movimento do gado,ela era mais velha que eu e
nos dávamos muito bem,morava na casinha que era
destinada ao morador,isto é, ao vaqueiro, era uma pessoa
muito agradável e tudo fazia para me ver contente, tinha
muita pena de mim,dizia não saber como eu vivia ali como
eu me adaptava aquela vida tão simples.
O que seu marido ganhava era um salário muito pequeno que
mal dava para a alimentação da família o que basicamente
eles se alimentavam era de feijão, farinha e charque(carne
seca) o que os salvava era o leite que abundante
complementava sua alimentação ou de umas verdurinhas
quando tínhamos a horta e das galinhas que criavam.
Ela era uma mulher um pouco gordinha,porém bonita,
morena escura, cabelos pretos com cachos largos,nariz
afilado e boca carnuda, não era uma pessoa qualquer, tinha
estudado até a quarta série do primeiro grau e foi criada com
muito amor pelo pai.Quando ele morreu ela casou-se com
seu Luiz que veio a ser apenas um vaqueiro.
Como a casa dela ficava pertinho nas noites de lua nos
87
sentávamos a beira da calçada de minha casa que era alta e
ficávamos conversando, balançando as pernas, apreciando a
lua,ou muitas vezes cantando e olhando as estrelas que
brilhavam no firmamento, ficávamos até chegar o sono e
irmos dormir.Não considerava dona Amara uma pessoa que
me prestava serviço e sim uma boa companheira,até quando
ia rezar ela me acompanhava,era um período que eu tinha
muita fé.Ela seu marido os filhos e eu rezávamos durante o
mês de maio,colocávamos uma santinha que eu tinha sobre
uma pequena mesa,seus filhos buscavam flores silvestres
acendíamos velas e juntos rezávamos e cantávamos em
louvores a nossa Senhora eu puxava o terço e eles me
acompanhavam.
Um dia Aroldo estava conosco no terraço da casa quando se
aproximou um senhor com uma cobra enroscada em seu
braço dizendo que curava toda doença que por acaso alguém
tivesse, com ele estava eu, dona Amara e o senhor Luiz seu
marido.O vaqueiro afirmava ser verdade o que o tal homem
dizia, já ouvira falar das curas que a cobra produzira.
Aroldo de repente disse:
-Pode botar a cobra para morder o vaqueiro!
Ao aproximar a cobra do braço do vaqueiro este
desmaiou,neste instante Aroldo gritou:
-Você matou o vaqueiro!
E o homem apavorado disse:
-Não, a cobra não tem dente!
Precisamos acordar o vaqueiro abanando-lhe o rosto e dizer-
lhe que a cobra não o havia picado,ela não tinha dente.
Depois disto só fazíamos rir nos lembrando do pavor do
homem dizendo que a cobra não tinha dente e do vaqueiro
desmaiado.

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CAPÍTULO 26

Nunca lidara com o campo, precisava passar o tempo


fazendo alguma coisa útil. Para isso, comprei algumas
galinhas, que iriam produzir ovos para meu próprio consumo
e conjuntamente com dona Amara aprendi também a colocá-
las no ninho. Não havia coisa mais linda como os pintinhos
saírem de dentro da casca e depois desfilarem piando e
ciscando, em torno da mãe.
Todos os dias de manhã, saía até o terreiro da casa e
distribuía o milho para as galinhas, que vinham correndo
pelo meu chamado, ti, ti, ti, ti...
Também fiz uma horta ao lado da casa. Mandei fazer uma
cerca, para que as galinhas não tivessem acesso.De posse de
uma enxada mandei preparar a terra. Estrume tinha com
abundância, pedi e comprei algumas sementes.
Eu mesma plantei cebolinha, coentro, alface, tomate etc,
todos os dias, ficava horas e horas cultivando minha horta,
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dona Amara me ajudava. No inverno a chuva banhava a terra
e eu não precisava aguar; no verão, o morador as aguava com
um regador. Era maravilhoso revolver a terra, fazer as
mudas.Vibrava, quando as via crescerem e quando colhia as
verduras fresquinhas de que necessitava. Cada pessoa que ia
à fazenda levava um pouco de minhas hortaliças.
Era um excelente passatempo, contudo, no verão tornava-se
difícil tal cultivo, haja vista a dificuldade de acesso à água e
o sol escaldante que queimava as folhas.
Havia também minhas plantinhas, samambaias, comigo
ninguém pode, palmeiras, etc...que enfeitavam minha casa e
meu terraço.
De longe, se viam as avencas bem verdinhas que caiam das
cestas penduradas no alpendre.
Embaixo, grandes e largos jarros ornamentavam os cantos da
casa.As palmeiras davam o toque de beleza a algum recanto.
Durante o inverno, os agricultores plantavam seus roçados,
alguns alqueires de terra eram distribuídos entre eles, a fim
de que limpassem a palma e plantassem milho, feijão etc...
Dona Amara, seu Luiz e seus filhos ainda pequenos
cultivava um roçado para seu consumo, às vezes de manhã
quando eu acordava observava da janela,enquanto seu Luiz
estava no curral ordenhando as vacas, lá estava ela cuidando
do roçado,com uma enxada limpava o mato.
Nem sempre o inverno era bom, mas quando chovia o
suficiente, enchia os açudes e a abundância da lavoura era
grande.
A água que batia na telha escorria por uma bica e caía num
reservatório o que garantia durante algum tempo água
potável para o consumo.
Aroldo separava para ele alguns alqueires mandava plantar
milho, feijão, jerimum etc...
Era muito bonito olhar o roçado e .Muitas vezes, sem fazer
nada, ia ajudar no plantio.
Na terra, depois de limpa e molhada pela chuva, o
trabalhador que era designado por Aroldo para o plantio
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fazia os buracos com a enxada, onde se iriam colocar as
sementes e eu saía atrás colocando 3 sementinhas,cobrindo-
as de terra com os pés até me cansar e deixar que o agricultor
terminasse seu serviço.
Quando cresciam, de longe se via o milharal com suas
espigas grandes e viçosas balançando suas folhas ao vento. O
feijão, enroscado nos pés de milho, deixava cair suas hastes
com o peso de suas vagens.O jerimum cobria o solo,
destacando-se pelos bonitos jerimuns grandes e verdes que
floriam em cima da terra.
Eu muitas vezes ia ao roçado, colhia algumas espigas e
punha-as para cozinhar ou mesmo assar. Sentada no
alpendre, comia ávida o milho delicioso que colhera.
Durante a colheita, aproveitava e fazia as comidas
características do milho.
O café da manhã era realmente nordestino: sobre a mesa
destacava-se o jerimum com leite puro da vaca, queijo de
manteiga ou de coalho, carne de bode seca assados na brasa,
produtos que Aroldo trazia de suas viagens.A pamonha,
canjica e o pão de milho,como também o bolo de mandioca,
faziam o complemento dessa alimentação tão própria da
terra.
Meus irmãos Édson e Arnaldo, quando sabiam, vinham
dormir na fazenda à espera desse café delicioso: Juntos,
comiam e conversavam sobre os problemas da família ou
sobre nossas vidas de quando éramos crianças.
O milho e feijão depois de colhidos e secos eram
acondicionados num depósito, onde iriam servir de alimento
para casa e para as galinhas.
Era muito bonita a fazenda no inverno! Seca e triste no
verão.
No verão sentia aquele ar parado abafado e quente, quase
sempre sem ter o que fazer deitava-me na rede que ficava
sempre no alpendre da casa,observava o sol escaldante que
me fazia tremer a vista,uma sonolência e lentidão que me
pesava nos ombros. O clima era totalmente diferente do
91
inverno eu observava tranqüila a poeira que vez por outra
uma rajada de vento fazia subir do solo,era um silêncio
imenso parecia que a terra estava parada.Às vezes lia um
livro uma revista ou algo que me fizesse passar o tempo.
Deitada naquela rede observava a natureza inóspita, parecia
que o sol queimara tudo e devastara os pequenos arbustos
que ainda se mantinham em pé,seus galhos secos estalavam
quando cortados, os açudes secavam e o céu ficava de um
azul límpido perfeito.
Junto de mim embaixo da rede Totó um cachorro preto tipo
vira lata,me fazia companhia, sentia vez por outra sua
respiração denotando que dormia. Dormia eu e o cachorro.
Quando despertava não sabia bem o que fazer, pensava na
vida solitária que estava levando e muitas vezes chorei
convulsamente, dona Amara chegava sentava no chão do
terraço,colocava minha cabeça em seu colo e ficava me
fazendo cafuné, eu adorava!... era um colo
gostoso,aconchegante,seus dedos acariciando minha cabeça
me enternecia,sentia o carinho que aquela mulher fazia como
se fosse minha mãe, um sono bom me fazia cochilar e ao
mesmo tempo ouvia as histórias que ela contava, era como se
sua voz estivesse muito distante.
Comecei também a fazer tricot, crochet e costurar alguns
vestidos para algumas camponesas que me pediam, era uma
forma de me manter ocupada, eu os fazia com muita
satisfação e realmente ficavam muito bonitos.Fazia também
roupinhas de bebê para as pessoas mais pobres. Quando eu
terminava que os entregava elas saiam radiantes e sempre me
agradeciam com alguma coisa como: uma planta
especial,uma galinha ou algumas frutas.
Também já não desejava tanto a presença de Aroldo, apesar
de ficar só eu tinha paz,quando ele estava para chegar meu
coração disparava de medo e angústia pois sabia que iria
viver entre o céu e o inferno.

92
CAPÍTULO 27

Uma manhã, enquanto Aroldo esperava o dia de viajar,


peguei a roupa que deveria mandar para a lavadeira tendo
para isso que revirar os bolsos e aí encontrei um papel: nele
havia um acróstico com o nome de Evalda, minha futura
cunhada, noiva do meu irmão.Ele havia viajado para o Rio, a
fim de tentar a vida lá.
Era uma linda declaração de amor feita por Aroldo para ela.
Não acreditei no que estava lendo era a primeira vez que
sabia que ele me traía.Que dor imensa! Ele amava esta
mulher, tudo que ele me falava era mentira! As muitas
poesias que ele fizera quando solteiro e que as guardava com
desvelo, nesse momento, me dirigi ao quarto e, num ímpeto
de revolta, rasguei-as todas.Abri então, meu baú, retirei as
rosas que guardara, já amarelecidas e desidratadas pelo
tempo, pisei-as, destruindo-as, uma a uma. (Hoje, me
arrependo, poderia tê-las como recordação).
Me senti terrivelmente injustiçada principalmente pelo
isolamento em que me via obrigada, este homem eu não o
conhecia,como ele poderia me trancafiar nesta fazenda,me
maltratar e viver com outras mulheres,sim porque certamente
esta não seria a única,eu realmente era uma grande idiota!
Dona Edília a mãe de Evalda era muito minha amiga, quando
podia ia me fazer companhia na fazenda, passávamos a tarde
conversando e jogando baralho, era uma boa mulher.Quando
Aroldo estava em casa a filha dela a acompanhava e muitas
vezes ela ficava conversando com ele ou visitando a fazenda,
jamais passara pela minha cabeça que eles estavam tendo um
romance.
A descoberta deste romance foi o principio do maior
desencanto que poderia se abater sobre mim, até então eu
93
não sabia quem era Aroldo que sempre fazia questão de se
dizer super honesto e fiel ,ele insistia muito em se dizer
fidelíssimo até era chato esta afirmação constante,não era
uma coisa normal,pois sem mais nem menos ele entre uma
conversa e outra falava dando ênfase a sua lealdade.
Desesperada, louca da vida disse-lhe do abandono em que
estava vivendo, de como ultimamente ele vinha me
ignorando, parecia que tinha repulsa de mim sempre irritado
e eu vinha suportando tratamento pior do que normalmente
me tratava com seu temperamento cruel que me desnudava a
minha alma, arrancara-me tudo que dava vida a minha
existência só me trazendo tristeza e solidão.
Chorei muito,chorei pela perda de tudo quanto tinha
renunciado até então,chorei pela falta de perspectiva de vida.
Começou aí um lento processo de depressão.
Minha vida tornara-se melancólica, sem sentido!
Este homem que eu amava era um pessoa descontrolada não
só pelo fato de ter se enamorado desta mulher mas
principalmente pela sua maneira de me tratar estava
aniquilando minha juventude, tentando roubar o meu bem
mais precioso,minha liberdade, minha alegria, meus
sonhos,minha vontade de viver!.
Meu irmão se encontrava no Rio de Janeiro fiz uma carta e
relatei o que se passara, ele terminou o noivado.
Me afastei de dona Edília sem dizer-lhe nada,sabia do amor
que ela tinha a sua filha,com pouco tempo ela mudou-se e foi
morar em Recife.
Nossa relação ficou terrível eu não mais fui aquela de
antes,apesar de continuar submissa não tinha confiança
nele,olhava para ele com muito rancor.Comecei a perceber
que toda empregada que eu tinha de repente eles se davam
muito bem,olhares furtivos me fazia perceber que algo estava
se passando, eu então punha a empregada para fora e ficava
sozinha.
Um dia fiz uma reclamação por um serviço que a empregada
tinha feito, já reclamara com ela várias vezes,ela então olhou
94
para mim e com voz desdenhosa me disse:
-Quanta arrogância! Pensa que é melhor que eu? Faça que
está dormindo vá hoje a noite no meu quarto que seu marido
está fazendo amor comigo.
Com certeza a pus para fora no mesmo instante.
Que ódio meu Deus e que amor também! No dia anterior ele
havia me detratado da maneira pior possível na frente
dela,como se eu fosse a pior das vagabundas me chamava de
prostituta, que o que eu queria era cair na lama etc...etc...
Eu me sentia a mais reles das criaturas, eu era uma mocinha
quase criança quando ele me conheceu e casou comigo,de
boa família,este homem não me levava para canto algum eu
vivia em casa, sem dinheiro e encarcerada,não tinha direito
de me expressar,tinha que ser o que ele quisesse ,uma
palavra que não fosse do seu agrado era uma explosão de
impropérios contra mim.
Porque não deixar este homem se nem filhos tinha ainda?
Eu não falava nada para meu irmão,aliás para ninguém.
Antes dele ir embora para o Rio de Janeiro meu irmão Édson
vinha dormir comigo, fazer-me companhia, nós dois nos
recordávamos de nossa infância e nos púnhamos a rir muito.
Era um momento de grande descontração e alegria para nós
dois.
Como foi boa a nossa infância! O apelido que ele me pusera,
fora motivo de muitas brigas. Quem quisesse me ver irritada,
louca da vida, me chamasse de Noemia-de-aço... Eu era
muito dengosa e chorona, chamavam-me de manteiga
derretida.
As lembranças eram muitas.Lembrávamos com saudades do
dia em que eu estava brincando com minhas amiguinhas,
subi numa caixa de madeira e comecei a cantar. Quando
Édson me viu, começou a gritar meu apelido bem alto,
interrompendo, assim, nossa brincadeira, minha apresen-
tação. Saí chorando e fui reclamar aos meus pais.
Papai que já estava aborrecido com ele, pois, era um garoto
muito levado, foi-lhe ao encontro para dar-lhe um corretivo,
95
mas eu, ao perceber o que iria acontecer, me pus a implorar
por meu irmão. Não era aquilo que queria, mas não teve
pedido que desse jeito: nesse dia, ele levou uma bela surra!
A fim de me irritar ainda mais, ele fez uma música que dizia
assim:

Noemia de aço
Ela é muito interesseira,
Quem quiser
Noemia de aço
Caia logo na besteira.

Noemia de aço
Não vale mais que um tostão...
Quem quiser
Noemia de aço,
Compre-a, com um pedaço de sabão.

E, ao ouvi-lo cantando, me punha a chorar desespera-


damente, mas tive o cuidado de não mais dizer aos meus
pais, não queria que ele apanhasse.
Édson era muito peralta, para desespero de todos.
Um dia, vinha na rua e deparei com meu irmão amarrado
num poste.Ele havia sido amarrado pelos amigos, a fim de
que ele mesmo, sozinho, se desamarrasse, e aí, seria
considerado um super -herói.
Ao vê-lo amarrado, gritei e chorei, dizendo que iria chamar
meus pais, até que, tiveram de desamarrá-lo, para desencanto
de Édson que ficara com muita raiva, pois frustrara sua
aventura.
Muitas e muitas foram às aventuras de que nós dois
participamos. Depois das recordações, já pelas tantas da
noite, fazíamos um lanche e íamos dormir.

96
CAPÍTULO 28

Da forma em que estava vivendo,era impossível,me sentia


angustiada de viver fora do mundo, totalmente isolada, mas
quando ele chegava fazia de tudo para agradá-lo,para ver se
podia viver uma vida normal. Quando já não agüentava mais
solicitava a Aroldo:
-Vamos a casa de minha mãe ou então a um cinema!
-Sinto muito,estou cansado,dizia ele,começava a bocejar e ia
para a cama. Comecei a me apavorar.
Quando insistia para sair dizia ele:
-Você não está feliz?
-Você quer é viver de rua!
E a discussão seguia por várias horas.Era impressionante
como ele transformava o que eu dizia. Depois de algum
tempo, de muita discussão ele se aproximava, começava a
acariciar meu corpo e como sempre, terminava na cama. Era
como se naquele momento nada existisse, só eu e ele.
-Seria isso realmente amor ?
-Pensava em me separar mas não tinha como, onde ia viver
como ia me manter? O medo de me arrepender e que ele não
me quisesse mais, o que seria de mim?
Era um conflito horrível!
Precisava conviver com outras pessoas, me distrair, passear,
sexo seria uma conseqüência de um dia bem amado, de
ternura, de carinho, era tudo que eu queria um amor
tranqüilo e fiel.
Não tinha como avaliar corretamente seu comportamento:
97
uma hora era um amante extremamente apaixonado, outra
hora, um homem que eu não sabia bem definir,me dava
medo.
Mais uma vez, ele partiu. Antes de sair, havia me pedido
perdão. Era sempre assim!
Às vezes eu ficava na companhia de uma empregada, não
tinha nem um rádio, onde pudesse ouvir música. Numa
dessas idas e vindas me muni de coragem e pedi um.Depois
de algum tempo ele chegou com o rádio.
Meu cunhado, o mais novinho, vez por outra, vinha à
fazenda. Era muito bom, porque me fazia companhia. Nós
dois tínhamos muito medo de alma. Quando anoitecia
ficávamos fora da casa, com medo.
Um dia resolvemos fazer uma fogueira, começamos então, a
juntar uns bastões de milho seco, que serviriam de comida
para o gado.
Estávamos na traseira da casa.Depois que acendemos a
fogueira, nos sentamos e ficamos contemplando a beleza das
chamas ardentes que iluminavam a noite escura.No céu não
havia estrelas. Era um contraste de uma beleza ímpar.Nós
dois nos divertíamos!
Aconteceu então, um fato interessante!
Aldo entrara na casa e fora até o quarto, para isto, teria que
passar pelo corredor. Sentindo-me só, resolvi entrar também,
quando dei de encontro com Aldo.
Nós dois assombrados nos entreolhamos e, aos gritos, saímos
correndo como se tivéssemos visto um fantasma!
Essa noite dormimos com muito medo, cada um enrolado no
seu cobertor: o frio gelava-nos a alma. Aldo foi um cunhado
irmão que sempre me teve amor e consideração.
Com o decorrer dos anos, solidificou-se ainda mais essa
amizade.Na comemoração dos meus 62 anos, eu recebi dele,
um álbum com músicas românticas, no qual, oferecia-me a
canção “Rosa de maio” e nele continham-se os seguintes
dizeres: Uma amizade não oferece um tesouro maior do que
ela mesma. E citando Santo Agostinho disse: “Que a medida
98
do amor é amar sem medir”.Esse cunhado irmão e amigo
tem sempre um lugar especial no meu coração.

Capítulo 29

Comecei a pensar numa possibilidade de solucionar o


problema de meu isolamento, do meu confinamento, teria
que ter uma solução! Iria ficar doida se continuasse assim.
Teria que falar com minha mãe como tornar minha vida mais
dinâmica. No entanto, não poderia deixar que ela percebesse
o quanto vivia triste e perturbada.Todos iriam falar dele, e
isso eu não queria. Minha vida na fazenda sem poder sair, ter
contato com outras pessoas, as viagens sucessivas de
Aroldinho e sem ter o bebê que tanto almejava, me fez cair
numa verdadeira apatia.
Ele me decepcionara muito, era extremamente egoísta e não
compartilhava nada comigo, nada, absolutamente nada
Comecei então a pensar em trabalhar falei então com minha
mãe, que me sugeriu colocar na cidade próxima um Atelier.
Ela me emprestaria algumas máquinas.
Cheia de ânimo, esperei-o com ansiedade, iria propor-lhe o
que já tinha como certo em minha mente, afinal, ele não
estava satisfeito com o resultado financeiro das suas viagens.
Receava falar do meu projeto havia tido um sério
aborrecimento antes dele viajar, estava cheia de mágoa.
-Será que ele iria concordar?
-Pensava ansiosa!
Eu era muito habilidosa sabia como funcionava um Atelier
aprendera com minha mãe.
Deixei que ele chegasse de viagem, como sempre, nos
dirigimos para o quarto e nos amamos muito! No entanto, a
99
proposta que iria fazer-lhe, não saia de minha mente, dormi
só pensando como abordá-lo. Iria aproveitar um momento
oportuno.
Amanheceu o dia. Aroldo foi para o curral observar o gado,
enquanto isso, eu lhe preparava o café e rezava com muita fé
para ter coragem de falar-lhe.
Era muito difícil, nada que lhe propunha ele aceitava,não
compartilhava nada comigo,tinha vida totalmente
individual,eu ainda não compreendia que eu não existia nos
seus projetos de vida,eu era apenas um apêndice.
Abri a janela que dava para o curral e anunciei que a mesa
estava posta.
Sentamos à mesa, cheia de hesitação e de medo, com o
coração batendo forte, tomei-me de coragem e disse-lhe:
-Tenho algo a lhe dizer que será maravilhoso para nós dois.
–O que será?
- Perguntou ele, já sei que vem coisa por aí!.
Só Deus sabe minha ansiedade, o quanto meu coração batia!
-Minha mãe esteve aqui e ao me ver só e com dificuldade de
dinheiro sugeriu que puséssemos um Atelier em outra
cidade; será uma coisa maravilhosa, trabalharemos juntos,
tenho certeza que vai dar certo!
-Não agüento mais viver tão sozinha e sem dinheiro! Pelo
amor de Deus!
-Antes que pudesse falar sobre como seria minha idéia, ele
me retrucou dizendo-me:
Nunca vou sair daqui!E assunto encerrado, eu já sei o que
você quer, e além do mais não vou dar asas a cobra!
Naquele momento, o mundo desabou sobre mim, não vi
saída para meu problema, não falei uma só palavra, apenas o
olhei fixamente por alguns segundos demonstrando-lhe
absoluta reprovação; baixei a cabeça e, em silêncio, retirei-
me e sai em direção ao açude. Lá iria meditar sobre o que
fazer de minha vida.
Realmente estava tudo errado,tentei viver com ele sem lhe
falar sobre os constrangimentos que havia passado e que
100
ainda passava, vi nesta possibilidade uma forma de iniciar
minha libertação e ele sabia disso!
Como esquecer o que se passou quando ele esteve em casa
da última vez que viajou?
Eu não tinha coragem o seu semblante carregado os seus
gritos me apavorava e eu tudo fazia para contornar qualquer
situação para não ouvi-lo gritar, me detratar. Sempre
procurei saber a mim mesmo o porque que eu me deixava
sofrer daquele jeito? Porque ele tomou conta da situação e
me aniquilou?
Tentava achar uma resposta, será que foi porque fui muito
reprimida, muito dócil? Será porque eu ainda o amava ?
Um dia lendo uma revista li um texto de um poeta russo que
se chamava Marakovski creio que ele o fez se referindo a
revolução russa e aí transportando para a revolução que se
passava na minha própria vida pois era uma guerra
constante em que eu me debatia comecei a entender o que se
passava comigo,o porque eu aceitava e me curvava diante de
tanta humilhação.
O texto dizia mais ou menos assim:
“Na primeira noite
Eles se aproximam e
Colhem uma flor de
Nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite,já não


Se escondem,pisam
As flores,matam nosso cão.E
Não dizemos nada.

Até que um dia,o


Mais frágil deles,entra
Sozinho em nossa
Casa,rouba-nos a lua,
E, conhecendo o nosso
101
MEDO,arranca-nos a
Voz da garganta.E
Porque não dissemos
Nada, já não podemos dizer nada.

Sim, era exatamente isso o que se passava comigo,entrou


sorrateiro,foi delicado e percebeu a princípio que podia pisar
em mim e como eu tinha medo e não lhe dissera nada, ele
entrou na minha vida, roubou-me a dignidade e por fim
arrancou a minha voz.
Meus sentimentos se misturavam entre o amor o ódio e a
revolta.
Antes dele viajar estava eu na cozinha quando ele se
aproximou de mim e perguntou se o almoço estava pronto,eu
então lhe respondi que mais 40 minutos o colocaria na
mesa.Estava sem empregada.
Não sei porque havia algo estranho na sua pergunta,me deu
um toque e eu fui olhar o que ele estava fazendo, ao me
aproximar eu vi que alguém deu uma carreira era uma
menina filha de um compadre dele de mais ou menos 12
anos que corria da sala e ele apavorado abotoava a braguilha,
Horrorizada comecei a gritar e chorar, quando menos pensei
ele avançou sobre mim me derrubou no sofá e aos gritos me
chamava de caluniadora até eu me apavorar e me calar,eu
tinha medo,muito medo dele e de tanto ele gritar fiquei em
dúvida,será que eu estava realmente enganada?
Corri dali sai pela fazenda e fui até o açude,era um lugar que
certamente ele não iria me encontrar eu desejava ficar
sozinha,não tinha com quem desabafar.
Sentada sobre uma pedra, contemplei a água parada; o vento
frio batia no meu corpo,as lágrimas escorriam pela minha
face, peguei um galho e comecei a mexer com a água
fazendo um círculo e, sem querer pensar em nada, fiquei ali
por algumas horas, ouvindo apenas o som do vento e o ar
frio que batia no meu rosto,eu então me encolhi toda me
sentindo uma desgraçada me agachei junto a uma árvore e
102
deixei o tempo passar,quando voltei para casa já era tarde,ele
já havia saído.
Claro que não iria agüentar viver assim com este homem
que já não sabia mais quem era, só me humilhava me
reprimia e me desrespeitava,precisava buscar algo que ainda
existisse dentro de mim para me dar alento, coragem e
vontade de viver, o que seria da minha vida,do meu destino?
Um filho certamente iria preencher os momentos de solidão
que me devoravam a alma.Deus haveria de dar-me um.Por
que não? Até as cobras têm filhos.A árvore que não dá frutos
tem que ser cortada e jogada fora (frase da Bíblia).Resolvi
então escrever uma carta, esta carta, continha um pedido a
Deus, pedia e lhe implorava um filho.

103
APÍTULO 30

Existem fatos que não têm explicação, a ansiedade de ter um


filho era imensa, a fé que tinha também.Esperei que ele
viajasse e nessa mesma noite, iniciei uma novena a N.
Senhora do Sagrado Coração.
Todas as noites, antes de dormir, ajoelhava-me, acendia uma
vela e rezava a oração que continha um pedido pessoal.Toda
noite, durante 9 dias rezava e fazia o mesmo pedido.No
último dia da novena, fui dormir com muita fé.Tive então,
um sonho. N. Senhora apareceu e se aproximou. De suas
mãos saiam raios de luz.
Trêmula, toda me arrepiando, olhava-a e implorava por um
filhinho.Os olhos da virgem me fixavam firmes, como se me
dessem uma resposta. Foi uma visão, no sonho, lindíssima e
um alento para meu coração desolado.
Depois de uns dias, comecei a ter umas crises de angústia, a
cabeça me doía, não parava de pensar, o corpo me tremia
todo, meu coração acelerava e as lágrimas me escorriam da
face como se fosse uma fonte que jorrava água ininterrup-
tamente.
Estava realmente em depressão.Precisava ir ao médico!Meu
sogro financiou minha viagem a Recife e meu tratamento.
Hospedei-me na casa de meu tio, irmão de papai. Fui então
a um psiquiatra. Ele me encaminhou a um ginecologista.
Eu continuava chorando, meus nervos estavam em
frangalhos. Gostaria de sumir, desaparecer da terra!
Quando pensava em voltar me desesperava; não queria viver
104
naquela solidão, tinha medo dele! Sentia ali o gosto da
liberdade, no entanto, não poderia viver sem ele,
compreender este sentimento é impossível. Mesmo quando
viemos a nos separar a sua sombra me dava medo.
Fui então ao ginecologista, falei de minha ansiedade em ter
um filho; logo após a consulta, ele me disse:
-Você vai ter o seu filho!
-Daqui a três meses você estará grávida.
Voltando para Alto da Cruz, uma esperança me invadia a
alma.Meu pensamento borbulhava.Certamente, Deus iria
atender-me; fora N. Senhora que intermediara.
Depois de tomar a medicação, fiquei na expectativa da
gravidez, na certa, minha vida iria mudar.
Foi realmente incrível, com três meses estava grávida.Cheia
de ansiedade e expectativa olhava todos os dias se havia
menstruado e quando via que não agradecia a virgem
santíssima. Ah! Finalmente iria ter meu filho!
Durante nove meses foi uma expectativa enorme, não havia
ultra-som, não se sabia o sexo da criança.Cheia de esperança
fui ao comércio e comprei algum tecido,bico e linha para
bordar,ao chegar em casa iniciei com muito carinho cada
roupinha do bebê, tudo foi feito por mim, comecei então, a
ter um objetivo na vida e finalmente sorrir.
Vim ter meu filho na casa de minha mãe, que vendera o
Magasin e agora, estava morando em Recife.
No dia cinco de maio de 1957, no Hospital Português, nascia
meu primeiro filho de cesariana. Clarice me acompanhou até
a sala de cirurgia, depois saiu estava grávida de três meses de
Evaldo.
Quando acordei da cesariana a primeira coisa que fiz foi
perguntar por meu filho, se era perfeito. Ao vê-lo senti uma
emoção imensa ali estava meu filho agora iria colocá-lo no
peito senti-lo corpo a corpo, aí se dava o encontro
maravilhoso entre mãe e filho.
Passei 13 dias em Recife aos cuidados de minha
família,minha avó fazia minha alimentação, era preciso ter
105
cuidado com o resguardo, dizia ela.
Chegamos em Alto da Cruz na casa da minha sogra com meu
bebê, a cidade estava em festa, era o dia do aniversário da
cidade. Clarice o trouxera nos braços, viemos de carro
dirigido por meu tio. Minha cunhada Anita veio receber-me.
Havia dado o nome ao meu filho em homenagem ao avô e ao
pai. Sem querer chamá-lo de Aroldo porque achava um
nome muito rude, passei a chamá-lo apenas de meu bebê.
Foi quando Arnaldo deu a sugestão de chamá-lo de Junior.
Aroldo esteve em Recife e depois de olhar o bebê e passar
um dia conosco voltou a viajar, iria comprar gado,chegou
todo de terno branco,olhou o menino e disse:
-O cabra é macho mesmo!.
Para ir para a fazenda com a criança veio morar comigo uma
senhora chamada Emília.Era uma pessoa de responsabilidade
já com os seus 40 anos, me ajudou a cuidar da criança.
Júnior passava as noites acordado e dormia de dia as vezes
eu chorava com vontade de dormir,porém estava muito
feliz.Aroldo viajava e eu ficava cuidando do meu filho.

106
CAPÍTULO 31

A vida na fazenda melhorou, já não sentia tanta solidão.


Passava o dia com o bebê. Era inacreditável, meu sonho se
realizara!Muitas vezes, olhava para meu filhinho, acariciava-
o com tanto amor, nada mais tinha importância. Agradecia à
Virgem Santíssima, o presente que me deu.
Não trabalhava fora, curti cada passo, cada sorriso, como se
fosse um tesouro e sonhei vê-lo homem realizado e feliz. A
casa já não estava à luz de candeeiro, passou a ter energia.
Todos os dias agradecia a Deus a bênção de ser mãe.
Com pouco tempo, foi vendida uma parte da fazenda para a
CAGEP. O movimento dos tratores limpando a área
levantava muita poeira. Isso veio prejudicar a saúde de
Junior, a criança teve uma alergia enorme, obrigando a
Aroldo a concordar com a mudança para uma casinha que ele
havia construído numa rua perto dali. O primeiro aniversário
de Junior, foi comemorado nessa casa, como também foi ali
que ele deu os primeiros passos.
Foi nessa casa que num belo dia de domingo em pleno
carnaval ( Aroldo não estava,havia viajado),apareceu minha
grande amiga Alba e seu marido ela veio me visitar, sabia
que eu não podia sair e lembrando-se dos carnavais que
brincamos juntas tivera saudades.Ao vê-la trocamos um
grande abraço e ela me disse:
-Estamos saindo com uns amigos para brincarmos em um
bloco, vim para levarmos você que sempre foi a alegria de
nossos carnavais. Alegando que não tinha com quem deixar
107
a criança disse que não poderia ir.
Seu marido era um cara alegre, bonachão, enquanto
conversávamos saiu em direção do seu carro alteou o som,
pegou uma garrafa de wisk e começou a beber e assim
passamos algumas horas, pulávamos como crianças.Certos
que eu não poderia ir, se despediram prometendo voltar
outro dia,pegou então Alba colocou-a nas suas costas e saiu
pulando.Como eu senti saudades! Fiquei triste, mas tinha
meu filho que me fazia companhia e foi justamente neste dia
que ele deu os primeiros passos.
Raramente nos víamos então nos abraçávamos com muito
carinho e prometíamos nos ver mais vezes.conheci Alba
quando éramos ainda crianças,muito bonita, cabelos pretos
fazia uns cachinhos que lhes caía sobre os ombros,sua pele
cor de jambo da verdadeira morena brasileira.Alba era muito
alegre muito feliz,nos encontrávamos para ir ao
matinê,passear nas festas ou passarmos as tardes juntas
falando dos nossos sonhos,dos sonhos possíveis e dos
impossíveis.Às vezes ficávamos até tarde da noite olhando
revistas,fotos de artistas famosos, queríamos ser um
deles,exuberantes, criar e recriar momentos de amor e de
prazer ou apenas só contando piadas e rindo.Quando estava
lá em casa vestíamos os robes de cetim de mamãe e
cantávamos diante do espelho, um dia seríamos umas
cantoras famosas!
Quando me casei fiquei um pouco distante de Alba,pouco
nos víamos não havia telefone e eu morava longe.Nesse
período ela começou a cantar na rádio,perseguia seu sonho
eu abandonara o meu.Uns anos depois Alba se suicidou ,tive
um choque terrível,não podia acreditar numa coisa tão
contraditória,uma pessoa que amava tanto a vida e a partir
daí comecei a ver que a vida não só tem sonhos bons existe
também os terríveis pesadelos.
Numa rua um pouco adiante havia uma casa em construção,
ele a fizera com o dinheiro da herança de papai, a fazenda já
não era a mesma, a cerca lhe fora arrancada, foi loteado
108
alguns terrenos foram vendidos e novas construções
apareceram. Depois de uns meses, antes de terminar a casa,
nos mudamos para lá.
Dois anos depois, nascia meu segundo filho Gilson era uma
criança linda, veio para completar minha família. Nasceu em
Alto da Cruz, seu nascimento foi com fórceps.
Nessa época Aroldo foi diminuindo suas viagens, a compra
de gado já não era compensatória.
Quando fui para a maternidade foi minha sogra que me
acompanhou, fui para um simples quarto, não tinha plano de
saúde e sabia que ele não dispunha de dinheiro suficiente
para pagar um quarto melhor,por isso fui para o mais
simples.
Quando acordei da anestesia já estava instalada no melhor
quarto e ele a me dizer que eu merecia coisa melhor.
Fiquei preocupada porque ele tinha rasgos de superioridade
de mostrar riqueza, poder, onde ele chegava aparentava uma
pessoa de posses,sempre elegantemente vestido e sua postura
denotava isto.
Quando ele chegou trouxe Júnior para nos visitar,este, olhou
para o bebê que estava no bercinho se aproximou e quis
tocar-lhe, minha sogra o afastou dizendo-lhe que depois ele
pegaria no bebê.
Ele vinha com um casaquinho que dias antes havíamos
comprado e todas as vezes que eu tentava tirar ele não
deixava e dizia:
-Não! é bopa nova! E quando ele dormia eu retirava o
casaquinho.
O médico tinha colocado um tampão na minha vagina e creio
que demorou a tirá-lo o que provocou uma grande infecção
tive que tomar muito antibiótico e fazer um longo
tratamento.
Quando saí da maternidade pensei que ele havia pago todas
as despesas. Indo fazer o tratamento no consultório do
médico devido a infecção ele me cobrou o que devíamos a
maternidade.
109
Fiquei revoltada, não gostava de exibicionismo, porque ele
me tirou do pequeno quarto que eu estava se nem este ele
podia pagá-lo?
Quando o forcei a dar-me o dinheiro ele revoltado sacudiu
no chão a importância que eu deveria pagar, apanhei o
dinheiro e chorando fui a maternidade e paguei
envergonhada
Neste dia caminhando em direção a casa de saúde disse para
mim mesma, Vou ter que ter meu próprio dinheiro, custe o
que custar!
Durante o período que estava de resguardo passei muita
necessidade, a comida era escassa e de pouca
qualidade,quando estamos neste período estamos fragilizada
e desejamos um tratamento especial,um denguinho e isto eu
não tive, no entanto estava super feliz agora tinha dois filhos,
agradecia a Deus a bênção de possuí-los.Ele não me ajudava
com as crianças, quando os meninos choravam a noite eu os
levava para o outro quarto para não incomodá-lo,caso
contrário ele ficava extremamente irritado e aborrecido,não
que ele não gostasse dos filhos,ele gostava,mas era um
machão e não cuidava de crianças,este deveria sermeu
serviço.
Gilson ao contrário de Júnior era muito quietinho e dormia
muito,acostumada com Júnior que trocava a noite pelo dia
me apavorava quando o via dormir tanto,pois pensava que
algo tinha acontecido com ele.Quando ia dar-lhe a
mamadeira ele ao sugar começava a dormir e para que ele se
alimentasse eu lhe tirava a roupinha, o deixava nu para que
ele se sentisse desprotegido, não dormisse e tomasse todo o
seu leite.
Vivia agora para eles, passava horas e horas brincando
vestindo suas roupinhas, curtindo suas gracinhas, cada
palavrinha etc...
Quando estavam mais grandinhos, deitava-os na cama e
quando chovia e os relâmpagos pipocavam, imitava a noviça
rebelde, cantando com eles uma das canções do filme. Junior
110
nunca conseguiu esquecer esse filme, assistiu admirado tanta
beleza e inocência. Ainda hoje o assiste.
Algumas vezes, punha um lençol na porta do quarto, fazia
dali um palco para os meninos se apresentarem cantando; a
platéia éramos nós. Cada um se revezava, dançando e
cantando “Ô véio macho”. Nós os aplaudíamos com
entusiasmo.
No São João, era Aroldo que fazia a fogueira diante da casa.
À noite acendia e soltava fogos com os meninos. Isso ele
nunca deixou de fazer, acreditava que no ano que ele não
fizesse o demônio passaria por nossa casa. Ali se brincava de
compadre. Sr Dalton marido de D.Edleusa, e Cosma ficaram
compadres de Gilson. Eu enfeitava toda a casa com
bandeirinhas de papel de seda e balões coloridos.
Aroldo tinha as horas de descontração com os filhos, se fazia
passar por um bandido que procurava o mocinho, e os
meninos se escondiam e ficavam atirando mutuamente, até
que ele era atingido e finalmente morto.
Também brincavam de jogo de botão, principalmente com
Júnior que tinha várias coleções com a figura dos jogadores,
Júnior colecionava no álbum figurinhas dos jogadores. Às
vezes elas se repetiam e ele as trocava com seus coleguinhas.
Quando íamos para a fazenda Bela Vista e passávamos na
estrada, nos lugares mais íngremes, com pedras enormes,
Aroldo dizia que ali morava Chaiene, um personagem de um
seriado americano. E os meninos ficavam olhando a fim de
ver Chaiene montado em seu cavalo a procura dos homens
brancos que o perseguiam. Também era morada de Bat
Masterson e assim saíamos cantando todos juntos a música
do seriado e aí fantasiávamos e dávamos vida aos
personagens.Na minha lembrança estes foram os momentos
que o vi brincar com os meninos.

111
CAPÍTULO 32

Ricardo casou com Nadir e vieram passar a lua de mel em


nossa casa. Todos os dias eu perguntava: tudo OK?
Ao que Nadir respondia:
– Nada feito, está difícil!.Resolvi então ensiná-la a resolver o
problema.Vão à farmácia e comprem anestesiól que tudo se
resolve. No outro dia estava Nadir com um belo sorriso no
rosto.
O mesmo aconteceu com uns primos meus, (filho de Diana)
eu novamente mediquei o analgésico e tudo se resolveu.
Nadir era casada com um irmão de Aroldo.Cozinheira de
mão cheia fazia bolo como ninguém.Éramos muito amigas,
embora tivéssemos nossas diferenças. Moramos vizinhas por
longo tempo.
Ela era muito envaidecida de sua família, dizia descender de
família de renome, seu sobrenome era “e Silva e não da
Silva”.
Vivia me convidando para ir a Palmares conhecer a casa de
sua mãe, era quase uma imposição.
Eu, havia tido Gilson e ele tinha mais ou menos três
meses.Depois do nascimento dele eu tive uma infecção
urinária como já falei e como já tinha um problema na
bexiga, por qualquer coisa eu me urinava, bastava sorrir
muito.(Depois fiz uma cirurgia)
Deixei Gilson com uma empregada, levei Junior comigo e
viajei com ela para Palmares a fim de conhecer a casa da
mãe dela.Era só uma noite que passaríamos lá.
Eliane, minha irmã, trouxera o que tinha de melhor, suas
112
jóias, camisola, seu vestido mais bonito, a fim de me
apresentar bem, já que ela tinha o propósito de mostrar sua
riqueza. Assim fui eu, ricamente bem vestida e ornamentada
de jóias.
Palmares só tinha energia até 9 horas, depois seria a luz de
vela.
Puseram-me num quarto só para mim. Uma cama muita bem
forrada, colchão de mola e os lençóis de percal, grossos e
grandes.
Lá para tantas da noite, acordei apavorada, havia feito xixi na
cama.
Louca da vida acendi a vela, peguei um dos lençóis e fui ao
banheiro (que era no corredor) tentar lavá-lo.Por mais que eu
tentasse não conseguia, pois para que ninguém percebesse,
fazia tudo em profundo silêncio.
Peguei então um dos lençóis e o pus debaixo da cama, a fim
de lavá-lo logo que o dia amanhecesse.
Mas, qual nada! Ana, irmã de Nadir, iria viajar para Recife e
cedinho entrou no quarto para retirar algum pertence.
Fiz que estava dormindo, de repente começou um entra e sai
de gente, isto para ver o tal do bendito lençol e a poça do
mijo.
Ao me levantar toda envergonhada, chamei Nadir e disse o
acontecido. Creio que foi motivo de muita fofoca o ano todo.
Hoje, Nadir já é falecida, boa gente, foi uma boa esposa, mãe
e amiga.
A situação financeira piorara, as viagens que Afonsinho
fazia, já não davam lucro suficiente para se viver com
dignidade, à situação mudara bastante...
Agora tinha os filhos que ocupava meu tempo e me faziam
companhia. Apesar da ausência de Aroldo e continuar sem
poder ter contato com as pessoas amigas e familiares, já não
era tão isolada assim, podia ver pessoas passando pela rua,
movimento dos carros, ônibus, etc...
Meu irmão Edelson trabalhava numa editora no Rio de
Janeiro, vez por outra me mandava livros; eram romances
113
que, pode-se dizer, me fizeram companhia. Ao lê-los o
tempo passava e já não sentia o vazio de antes. Devorava
ansiosa cada página. Às vezes, me deitava na rede, colocava
um menino em cada lado, dava um pequeno impulso com os
pés e, no pequeno vai-e-vem, lia enternecida os romances.
As viagens se tornaram menos constantes, os negócios não
estavam tão bem.
Sempre recebi em minha casa os parentes meus e de
Aroldo.Era uma forma de motivar minha vida. Já que não
podia me distrair lá fora, procurava movimentar minha
própria casa.
Todo ano vinham de outras cidades parentes de Aroldo para
o São João de Alto da Cruz. Eram irmãs e sobrinhos. Eu
preparava a casa, enfeitava-a com balõezinhos e
bandeirinhas, fazia as comidas típicas do momento e com
muita satisfação recebia a todos.Era uma verdadeira festa,
sempre muito alegre e receptiva.
Vários colchões espalhados pelo chão denotavam a
quantidade de pessoas que se agrupavam na minha
casa.Adorava minhas cunhadas e sobrinhas do meu marido,
como também de meus parentes que chegavam,com isto
poderia fazer uma festa. Ele não fazia objeção, tratava a
todos muito bem.
Existem pessoas que se instalam no coração da gente pela
personalidade cativante e admirável. Entre estas está Nilza,
de uma beleza interior inigualável. Quem dela se aproximava
recebia sempre uma palavra de ternura e carinho. Nilza, para
quem convive com ela é uma dádiva divina.
Lembro-me dela com seus oito ou dez anos,veio passar um
ano na casa de sua avó,uma menina tranqüila,não sei como
não se apavorava entre tanta gente adulta e
temperamentais.Seus quinze anos não sei bem porque, não
pude comparecer, mas estava orgulhosa já que o vestido de
baile tinha sido eu que o fizera era cheio de nesgas todas
bordadas por mim.Ela é uma pessoa que não morrerá jamais,
estará sempre na lembrança dos que tiveram a sorte de
114
conhecê-la,é aquela que na hora precisa orienta todos os seus
familiares.Seus filhos todos formados e agora casados nos
passa a sensação que esta família foi formada em muito
sólida base espiritual e com certeza ela é a rocha onde foi
edificado seu lar.
Edna uma de suas irmãs sempre alegre irradiava felicidade;
guardo dela excelentes recordações,uma jovem cheia de
sonhos quando chegava eu ficava muito feliz porque ela me
trazia alegria,hoje é uma guerreira,casou-se sofreu muito
com o marido, uma lutadora, sempre teve tino
comercial,procurava de todos os meios o melhor para sua
família,hoje seus filhos são todos formados.Refez sua vida e
vive com um companheiro que tem lhe dado muitas
alegrias,nos encontramos geralmente nos eventos da família
e aí nos reunimos e usufruímos do contato uma da outra.
Fernandinha sua irmã é um doce,meiga e afetuosa e Nildinha
a candura em pessoa.Todos os filhos de Elenilda são
excepcionalmente maravilhosos!Interessante todos eles são
da família de Aroldo e quanto eu gosto deles!
Quando eles eram crianças, Elenilda vinha com o marido
tanto no final de ano como no carnaval para casa de sua
mãe.Chegavam com uma quantidade enorme de inhame que
cultivavam no engenho pertencente a eles, queijos e outros
tipos de alimentação. Para mim, era uma maravilha,
aproveitava e ia brincar carnaval ou passear com eles. Ilma
irmã de Elenilda sempre tive por ela muito carinho, sempre
muito vaidosa e bonita,parece que nasceu para sofrer,sua
vida foi pontilhada por muita luta, são recordações vivas de
um período que todas nós precisávamos umas das outras e
nesta troca só saímos enriquecidas, pois aprendemos a lição
que só o amor constrói.
Ilma era muito alegre e vaidosa,casou-se cheia de ilusão,
teve cinco filhos,amava muito seu marido, mas um problema
muito sério destruiu sua vida familiar, seu marido teve que
viver errante quase abandonou sua casa e por isso todos
passaram por muito sofrimento e necessidade financeira.
115
Uma briga entre a família de Jaime seu marido com uma
outra família levou a alguns familiares a se matarem por
vingança restringindo a família de Jaime a quase nada. Ilma
se tornou uma mulher valente, muito trabalhadora foi a luta e
sozinha trabalhou como uma desesperada vendendo
mercadoria de casa em casa para mantê-los.Sua filha Janete é
seu tesouro, companheira inseparável de sua mãe,muito
comunicativa e vaidosa se destaca socialmente onde vive
com sua bela família,ela é a peça fundamental, o apoio que
todos precisavam,creio que só a graça de Deus deu tanta
força. Ilma era muito sonhadora,mas a realidade que teve
que enfrentar foi muito cruel porém não lhe roubaram seus
sonhos.Hoje já com seus 80 anos fala da vida com a mesma
animação projeta para seus netos os sonhos que foram
dela,seus filhos se formaram e estão razoavelmente bem,uns
mais que outros, Janete é a realização das suas
aspirações,uma criatura alegre,lutadora,vencedora,resgatou o
que a vida havia roubado de sua mãe.

116
CAPÍTULO 33

Minha vida com meu marido era terrível,ele era muito


possessivo só pensava em mulher,era realmente
compulsivo,não tinha iniciativa nem coragem para
trabalho.Infelizmente, surgiu um problema que fez com que
nós tivéssemos de sair de nossa casa e irmos morar numa
bem inferior, atrás da casa de minha sogra.(era uma casa
doada pelo pai de Aroldo).
Novamente ele teve um caso com uma mulher casada perto
de minha casa,era um escândalo atrás do outro e por mais
incrível que pareça e por mais casos que ele tivesse, chegava
em casa e a qualquer hora do dia tivesse quem tivesse ele me
levava para cama e eu apesar de detestar não lhe negava,
caso assim o fizesse ele começa a me detratar com os piores
impropérios dizendo que eu estava pensando e desejando
outro homem, não teria sossego até dizer que lhe amava e
117
fazer sexo com ele,além do mais deveria mostrar-me
satisfeita. Sim, ele realmente roubara minha dignidade,
subserviente calara minha voz, já não me restava nada,
estava vazia, me alimentava de uma grande mágoa .
Antes desta casa, morei em outra rua, no entanto o aluguel
estava difícil de pagar. Fui morar numa casa que não tinha
cerâmica nem estuque,as telhas ficavam visíveis. Eram
meias-paredes que dividiam os cômodos. Sempre com
dificuldades financeira,mas sua casa e sua família não era
prioridade. Quando chovia era terrível,havia muitas goteiras
molhava até os colchões,colocava então algumas vasilhas
para aparar a água,às vezes até em cima da cama.A água
entrava pela frente da casa pois a casa era conjugada e a
porta e janela ficava diante da calçada , entrava água cheia de
detritos que descia de morro abaixo, eu mesma precisei fazer
um batente para impedir a enxurrada de entrar em casa.
Eu morria de vergonha quando chegava alguém,a porta do
banheiro tinha caído e ele não providenciara outra,eu então
coloquei uma cortina. Alto da Cruz era muito frio no inverno
para tomar banho morno eu teria que esquentar a água
colocar numa bacia e tomar banho de cuia.A quantidade de
muriçoca era enorme não tínhamos dinheiro para comprar
mosquiteiro eu então improvisei um de umas cortinas velhas
que ainda restavam, dava para proteger meus filhos.Durante
aquele período, eu costurava e bordava enxovaizinhos de
bebê para ter algum dinheiro e costurava para fora. Às vezes,
os levava para Recife e vendia à minha irmã Clarice e à
minha prima Cláudia.Numa dessas minhas idas e vindas para
Recife encontrei uma moça,estava sentada na cadeira do
ônibus ao lado, ao ouvi-la ela me fez raciocinar que na nossa
caminhada pela terra nos deparamos com pessoas que sabem
viver, que sua meta é ser feliz,deixam cair em meio ao vão os
problemas que chegam e os administram muito bem e outras
dão importância exagerada diante de fatos muitas vezes
irrelevantes,não sabem qual a diferença entre a sensação
maravilhosa de perdoar,poder dar a mão e fazer levantar ou
118
então só sabem destruir,derrubar,aniquilar,pois não tem a
consciência que derrubando também cai.
Assim foi com a jovem que conheci ,ela não soube dar a mão
e levantar falou de sua vida como se me conhecesse,queria
desabafar.
O nome dela era Helena muito bonita,moreninha,de estatura
mediana,cabelos lisos amarrados em rabo de cavalo, olhos
negros muitos expressivos, pálpebras com cílios grandes
quando olhava parecia dois cristais negros que brilhavam ao
efeito da luz no entanto era um olhar muito triste.
Me disse que estava indo para o plantão,era médica e
trabalhava numa clínica,naquele dia não estava bem
emocionalmente fazia cinco anos que uma notícia havia
transformado sua vida totalmente.
Quase sem parar de falar tinha uma necessidade enorme de
por para fora sua angustia contida, eu só ouvia.
No momento estava casada ele também era médico e o
conheceu quando fazia residência em São Paulo,no entanto
achava que seu casamento estava desgastado por
interferência de sua sogra,ele era filho único,a relação dele
com a mãe a irritava,haja vista, que ele só dormia depois dele
telefonar para ela contando sobre seu dia e assim ela se
sentia secundária nessa relação já que ela não era sua única
confidente e amiga.
Sua infância foi muito boa e tranqüila como também sua
adolescência até que um dia já fazendo medicina ouviu uma
discussão entre seus pais no qual sua mãe dizia que ele a
obrigara a criar os dois filhos que eram dele.Louca,
alucinada,o coração em disparada, entrou na sala onde
estavam seus pais e exigiu que lhes contassem toda a
verdade.Sem saber o que fazer apavorados diante da
revelação foram obrigados a contar.
Seu pai havia tido um casal de filhos que viviam com a mãe
biológica, porém ela teve um câncer e morreu e ele já casado
obrigou a Eulália sua mulher a ficar com eles,caso ela se
recusasse ele teria que sair de casa e ir morar com seus
119
filhos. Numa discussão foi revelado o fato,aí então Helena e
Adelmo que fazia engenharia se revoltaram. Tomou então
uma decisão estava terminando o curso,logo após a
formatura iria fazer residência em São Paulo,ali casou-se e
veio para Recife com o marido,havia muita mágoa ao
descrever a história de sua vida.Quando ela terminou
estávamos chegando.Depois que nos despedimos não a vi
mais,não me deu seu telefone e endereço,saí dali com muita
pena de Helena transformou sua vida num inferno por não
saber compreender,por não saber perdoar, por não saber
amar.Foi mais uma lição de vida,a mágoa não leva a nada, é
um veneno que mata aos pouquinhos.
Quando ia a Recife, muitas vezes me hospedava na casa de
Cláudia.Nunca a esquecerei e lhe serei eternamente grata,
pelo apoio que recebi dela e do seu marido. Foi minha
grande amiga, quando adolescente.
Foi uma criatura que passou por muitos sofrimentos:
morreram dois dos seus filhos, quase na mesma hora, de
meningite. Nunca ouvi um lamento de revolta de sua boca.
Lembro-me da noite triste da morte dos meninos, ela
conosco, sentada e chorando, oferecia seu sofrimento pela
recuperação de seu sobrinho,(ele vivia drogado) Falar sobre
ela, sua generosidade para com seus familiares, daria um
longo capítulo.
Um dia, Clarice percebendo a carência em que eu vivia, foi
comigo até a Malharia Imperatriz e comprou várias roupas.
Eram roupinhas modernas e lindas que eu tanto desejava e
não podia comprar. De outra feita, juntou-se a meus irmãos e
compraram uma televisão para doar-me, eles pagariam
mensalmente as prestações. Despacharam a televisão no
trem.
A felicidade dos meninos ao receber a televisão, não existe
palavras que a descreva. No entanto, com o dinheirinho das
costuras, paguei todas as prestações seguintes.
A casa passou a ser atração para alguns vizinhos; as crianças
da rua que não tinham televisão vinham assistir aos seriados
120
da época. Hercules, DanielBoon, BatMasterson, Tandebird,
etc...A pobreza nos torna solidários.
A casa, localizada no pé de um morro, facilitava aos
meninos jogarem bola na rua,pouco movimentada quase que
não passava carro por lá.Ficavam brincando e de olho,
quando Aroldo despontava, corriam para dentro de casa.
Teria que viajar para Recife, Cosma a moça que trabalhava
comigo ficava com os meninos, eu voltaria no outro dia.À
noite convidadas por meu marido duas mocinhas vieram
assistir televisão,neste dia ele ficou em casa e não saiu.
Quando cheguei de viagem Cosma me chamou e disse:
-Dona Noemia tenho algo a dizer-lhe,não posso me calar
diante do que vi, no entanto Sr Aroldo não deve saber que
lhe falei,caso contrário ele me põe para fora.
-Ontem ele dormiu na sua cama com duas moças que ele
mesmo trouxe para cá.Pensando que eu estava dormindo
foram para o quarto e às 6 horas da manhã,saíram sem per-
ceber que eu estava acordada.
O que fazer meu Deus? Não podia nem lhe falar porque
senão ele saberia que foi ela que me contou.
O que estava acontecendo comigo era uma conformação que
eu não sabia entender, só sei que eu já não me importava
tanto, me sentia sim muito mal por saber que mais uma vez
eu não poderia fazer nada, só desejava que ele não me
procurasse mais, não gostaria que ele se encostasse em
mim,passei a ficar com nojo.
Ficava por uns dias muito triste com um pouco de depressão,
voltava ao médico e tomava meus remédios,eu não haveria
de perder minha alegria, amanhã seria um outro dia e com
certeza um dia isto teria um fim.
Uma vez, fiquei sabendo que estava passando um filme
muito engraçado. Era uma comédia, desejava levar meus
filhos, no entanto Aroldo estava fora e se fosse a um cinema
sem ele saber, seria um caos.O filme era “ Deu a louca no
mundo.”Chamei minha irmã Eliane e juntas fomos ao
cinema com os meninos, Foi uma maravilha,riram tanto, que
121
ainda hoje se lembram disso.
Clarice passou um período nos USA. De volta os filhos
vieram passar uns dias com ela em Alto da Cruz.Ela trouxe
muitos presentes.Eram presentes lindos, eletrônicos; eles
ficaram super felizes e os meus filhos receberam também
alguns.Só assim puderam ter presentes tão caros, talvez os
mais caros de sua infância os mais bonitos também.
Um dia, deixei-os só e sai até a casa de minha sogra. Quando
voltei, estava um verdadeiro pandemônio: eles pegavam
aviãozinho de papel tocavam fogo e sacudiam um no outro.A
minha chegada, evitou um incêndio.

CAPÍTULO 34

No Natal, levava meus filhos para Recife a fim de


comprarem seus presentes e avisava: Nós não temos muito
dinheiro, procurem presentes que sejam baratinhos.Assim, os
meninos faziam: escolhiam aqueles que estavam dentro das
possibilidades.
Na Viana Leal, subiam e desciam a escada rolante, atração
da época.Quando chegavam em casa corriam para rua e
munidos dos presentes de plástico, escudos e espada de
Hércules, se punham a duelar, dando um verdadeiro show,
como se aqueles presentes fossem os mais caros do mundo.
Não podia faltar a árvore de Natal, mas não havia dinheiro
122
para comprá-la. Então pegava um galho enrolava-o de
algodão, enfeitava-o com algumas bolas e o colocava numa
vasilha com areia. Nunca deixei de fazer a ceia de Natal ou
os aniversários dos meninos, coisa simples. Chamava às
vezes alguns poucos parentes. Na primeira comunhão de
Júnior, Alda e seus filhos, estiveram presentes. Gentil foi
padrinho de crisma dele. Tanto Júnior como Gilson mesmo
depois de grandes, já morando em Recife, no dia do
aniversário vinham sempre comemorar comigo.
Dentro das minhas poucas possibilidades, procurava tornar a
vida dos meus filhos felizes. Levava-os por exemplo, a
FECIM. Era uma festa com muitos carrosséis diferentes, os
meninos adoravam.
Um dia chegou um Circo em Alto da Cruz eram
apresentações belíssimas. Queria que meus filhos vissem,
pois tinha certeza de que eles iam se deslumbrar.Certa de que
Junior iria delirar, para surpresa minha, ele, não deu a
mínima e saí frustradissima! Depois, ele me disse que havia
adorado!
Muito poucos eram os recursos de que dispúnhamos.
Aroldinho pouco se importava, vivia como um príncipe,
sempre muito bem vestido, de terno e muito perfumado.
Cada dia eu tinha mais fé, me apegava a Deus para suportar
os problemas da vida.
Embora já tivesse conquistado alguma liberdade, havia ainda
muita opressão e pobreza e eu sofria muito por isso,tinha
vergonha daquela situação,afinal fui uma menina rica e vivia
na mesma cidade onde nasci.
Cada semana procurava viver um trecho do evangelho, que
sempre era baseado no amor, no perdão e na renúncia.
Frequentava um grupo religioso e aprendi a técnica do amor.
Li muitos livros de auto-ajuda, fiz muito relax mental.
Percebi que para sair daquele estado, poderia viver dentro de
meu próprio mundo, isolando-me mentalmente .
Então, valorizei a importância do pensamento, pois a minha
atitude mental, certamente, iria determinar meu destino.
123
Lembrando-me do texto do evangelho em que Jesus dizia:
”Eu vos deixo a minha paz, Eu vos dou a minha paz”.
Agarrei-me a essa afirmação.Quando ficava perturbada
lembrava-me que Jesus havia afirmado que deixava Sua paz
e então relaxava minha mente e o meu corpo.
Todos os dias Aroldo saía e, segundo ele ia para seu
“escritório”.Junior e Gilson foram estudar na Escola Divina
Maria, uma escola muito conceituada pelo zelo que tinha a
Diretora. Fizeram o primário lá.
Júnior foi um aluno muito aplicado e tirou o primeiro lugar
no admissão. Em seguida, foi estudar no colégio público;
Gilson foi para um colégio particular.
Lembro-me de que um dia, tivemos de ir até ao centro fazer
umas compras e levei comigo Júnior. Ele tinha uns 6
aninhos,porém eu avisara que não dissesse a seu pai que
havíamos saído.
Quando Aroldinho chegou, ele olhou bem rápido para o pai e
disse:
-Papai, mamãe não saiu não!
Foi tão chocante e inesperado que Aroldinho riu. Gilson era
muito traquino e não se podia deixá-lo só, a casa em que
morávamos tinha um quintal que dava com o de minha
sogra, todos estavam ausentes nesse dia.
Gilson pegou um fósforo e ateou fogo num caixão cheio de
sarrafo de madeira, esse caixão chegava até o telhado... À
felicidade é que Cosma viu as chamas já no telhado e
corremos todos para apagar o fogo. Caso não estivéssemos
em casa, toda a casa teria pegado fogo.
Existe gente nesta face da terra muito boa e especial. Uma
delas foi Edleusa minha vizinha,foi uma amiga de verdade,
inesquecível!
A situação financeira nossa era terrível uma vez nossa água
foi cortada e por mais de um mês não foi paga, Edleusa
colocava uma mangueira da casa dela para minha e
enchíamos um tonel que tínhamos,isto ela fazia escondido de
seu marido. Ela com certeza, deve fazer parte da turma do
124
bem, lá no céu.Foi uma mulher admirável, doou sua vida aos
seus filhos, fez tudo o que uma mãe poderia fazer. Fez todo o
possível para que eles estudassem, filhos queridos, de quem
ela muito se orgulhava. Dois deles moram em Andorra, na
Europa. Estivemos na casa de João onde fomos
excepcionalmente recepcionados.
Eu ficava extremamente envergonhada, como fazer para ligar
a água se o meu marido nem se importava? Quando eu falava
ficava irritado e dizia:
-Está achando ruim, vá embora!
E eu passivamente o via sair e ir muito bem vestido com
perfume francês para o bendito escritório,onde lá ele fazia
seu próprio motel.
De outra vez cortaram a luz e por algum tempo eu vivi a luz
de candeeiro.
Não suportava tamanha vergonha, à noite de tanto me
contrariar eu tinha pesadelos horrorosos!
Para poder não enlouquecer vivia no psiquiatra a tomar
tranqüilizantes para suportar a vida que eu achava tão cruel.
O loteamento que o pai lhe deu servia para pegar o dinheiro
e gastar com as muitas amantes que tinha, dava-lhes terrenos,
comprava-lhes feiras comprava-lhes remédios, ajudava nas
construções de suas casas o pouco que sobrava era para
nossa casa.
Não provia a casa de nada a não ser de alimentação o
mínimo necessário para viver.
Como tínhamos leite vindo das poucas vacas que ainda
sobrara era o suporte para alimentar meus filhos,de manhã
dava-lhes uma vitamina de banana.Um dia uma vizinha
estava falando comigo quando Júnior disse não querer a
vitamina queria pão e eu não tinha dinheiro para comprar,ele
insistia e minha vizinha perguntava porque eu não dava o
pão a ele.Morta de vergonha disse para meu filho que iria
comprar, quando a vizinha saiu expliquei para ele que não
tinha dinheiro e meu filho compreendeu a situação.
Outra coisa que provava sua insensibilidade era durante as
125
refeições, o que existia de melhor era para ele,nós ficaríamos
com o que restasse, primeiro era o prato dele o resto seria
para nós.
No entanto onde ele estava parecia um lorde.
Nós não saíamos juntos,ele sempre saía sozinho, não levava
os filhos para canto algum, um jogo,uma praia,um
passeio,nada e quando íamos para algum canto se assim
fosse preciso voltávamos brigando, um verdadeiro inferno!
A esta altura eu pouco me importava, eu é que não queria
mais sair com ele, quando ele falava era puro exibicionismo
e eu passei a me envergonhava dele.
Cosma ficava em casa com os meninos, enquanto eu
trabalhava, mas eu tinha um sonho, eu haveria de criar
coragem e deixá-lo,os meus filhos eram pequenos eu não
tinha condições financeiras,mas com certeza um dia eu iria
achar o caminho.
É incrível como as coisas acontecem independe do que se
planeja: um dia, simplesmente, inesperadamente, chegou
Eliane minha irmã; veio falar com Aroldo.
Seu marido dissera que:
-Se Aroldinho concordasse que eu voltasse a estudar, ele
também a deixaria.
Para surpresa nossa, ele concordou. Boquiabertas, no mesmo
instante, antes que ele desistisse, fomos ao colégio que eu
havia estudado quando tinha meus 15 anos,passei um olhar
ao redor enquanto aguardava ser atendida,um silêncio de paz
pairava no ar,tudo era tranqüilo o que me fez reviver o tempo
que ali passei quando adolescente.O colégio permanecia
intacto sempre limpo e bem conservado.Ao fechar os olhos
ouvi o murmúrio das vozes de todas nós alunas quando
chegávamos no início ou no término das aulas e ao mesmo
tempo um silêncio das salas de aula ministradas pelas irmãs
beneditinas e o som vindo da igreja onde as freiras entoavam
em uníssono os cantos gregorianos. Respirei fundo e aquela
recordação me transportava aqueles dias maravilhosos onde
eu só sonhava e brincava com as minhas amigas mais
126
chegadas,uma voz me fez voltar a realidade,quem me
atendeu foi uma freira que se tornou minha amiga por muitos
anos com ela participei de alguns projetos sociais.De posse
dos documentos,me dirigi ao colégio onde iria estudar e nos
matriculamos.
Só Deus pode dizer o que se passou daí em diante. Pode-se
dizer que a partir daí, a minha vida tomou outro rumo.Esse
acontecimento viria determinar a mudança que se iria operar
na minha vida e na de meus filhos.
Nunca teria coragem de pedir-lhe para estudar, no entanto
Eliane, sem nem me consultar pediu e ele, num ímpeto de
exibição aprovou.
Foi uma luta titânica para continuar estudando.Todos os dias
levava um dos meus filhos para me fazer companhia até o
colégio. Às vezes deixava-os na casa de minha irmã.
Precisou a intervenção de minha sogra, para que ele
realmente permitisse que eu continuasse estudando.
Para pagar meus estudos, continuava costurando e bordando
para fora.Muitas vezes, enchia uma mala de roupinhas de
criança, confeccionadas por mim e ia vendê-las em Recife,
na Malharia Imperatriz ou Mesbla. Eliane às vezes ajudava
também na confecção e a vender as roupas que eu fabricava.
Minha vida no entanto continuava a mesma o que havia
modificado era a luta que agora eu travava para estudar.
Um dia surgiu um convite para uma festa que iria acontecer
no melhor clube da cidade e eu fiquei louca para ir, eu
adorava dançar e esta era a oportunidade de me divertir um
pouco,sabia que ele iria resistir mas iria tentar.Quando ele
chegou fui muito amável com ele pus a mesa e durante o
almoço falei que havia recebido um convite era de minha
irmã, no entanto ela não ia e tinha repassado para mim,para
surpresa minha ele disse:
-Tudo bem,nós iremos a festa!
Fui para cama e fizemos sexo(para mim era puro sexo,não
amor)
Fiquei louca de felicidade, peguei um dinheirinho que tinha
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de minhas costuras e fui comprar um tecido para fazer um
vestido,era habilidosa e com pouco dinheiro iria fazer um
vestido lindo!
O meu vestido ficou realmente belíssimo,no dia da festa
avisei-o que deveria chegar cedo para que chegássemos
descansados ao local,deixei meu vestido em cima da cama
passadinho, tomei de minha irmã as jóias emprestadas um
sapato alto e uma bolsa preta.
Quando deu 8 horas da noite comecei a ficar angustiada, ele
não chegara ainda deveria então me maquiar ajeitar os
cabelos que quando ele chegasse só era colocar o vestido,ele
se aprontaria logo.Quando ele veio chegar foi por volta de 9
horas,não quis jantar,sentou-se em frente da televisão e ficou
assistindo o programa,vez por outra bocejava.
Perguntei a ele:
-Como é não vai trocar de roupa? Está na hora da
festa,vamos chegar atrasados.
Ele se retirou e foi para o quarto,esperei que ele saísse
pronto,a esta altura eu já me vestira e estava só lhe
esperando,me olhei no espelho e me achei bonita.Com a
demora entrei no seu quarto e ele deitado fazia que estava
dormindo, eu então não agüentei e falei:
-Porque tamanha maldade, porque você faz isso comigo?
Chorava copiosamente, com desespero pela covardia que ele
estava fazendo, eu não merecia tamanha desconsideração!
Meu primeiro filho que viu tudo me chamava aos gritos para
que eu fosse para junto dele,pois a esta altura ele se punha
como uma fera capaz de bater em mim.Fui ao seu encontro e
lhe disse:
-Não se preocupe,meu filho! Eu não vou lhe dizer mais
nada,agora sou eu que não quero mais ir.
Hoje volto ao passado e revivo estes e outros momentos
através de uma novela que estou assistindo chama-se “A
FAVORITA”, é uma novela que retrata a história de uns dos
casais cujo marido não tem nenhum respeito pela esposa,a
despersonaliza,lhe tira-lhe a auto-confiança, destrói sua
128
estima e finalmente sua dignidade, o pior que ela é
subserviente, passiva, com alguns lapsos de reação,assim foi
minha vida por longos anos.

CAPÍTULO 36

Como morávamos perto, tanto eu como Eliane,quase todos


os dias nos encontrávamos.Eram momentos maravilhosos e
de descontração total, ríamos contando piadas e manifes-
tando nossos interesses.
Só nós duas ficamos em Alto da Cruz, cada dia mais amigas,
unidas na alegria e na dor.
Eliane se formou antes. Fez um concurso e foi
imediatamente nomeada, ela também tinha seus problemas
conjugais.
-Ela foi morar numa casa que foi dada a ela por herança.
Depois venderam, acabaram com o dinheiro e ficaram sem a
casa.Tiveram dois filhos. Com pouco tempo as desavenças
começaram e sem se suportarem, tiveram que se separar. Foi
um período terrível eu agora não tinha mais ninguém de
minha família em Alto da Cruz. Ela foi morar no Rio, na
129
casa de mamãe e depois foi para New York. Deixou seus
filhos com mamãe, até poder vir buscá-los.
Eliete foi uma criança sem muito atrativos, tanto é, que
mamãe dizia: ”O boi deu, deu, chegou nesta e ficou,” mas se
tornou uma mulher muito bonita,olhos esverdeados,pernas
grossas,cintura fina.Era uma mulher exótica!
Sempre foi mais determinada que eu, embora tivesse cinco
anos a menos. Quando ouço a música de Dancin Days que as
Frenéticas cantavam, só me lembro dela, bonita remexendo
seus quadris, quando das nossas reuniões.
Estudou e trabalhou incansavelmente, queria conquistar o
que todos desejam, equilíbrio financeiro e emocional. Por
isto, partiu a fim de ganhar a vida, longe de um marido que
não tinha nada a lhe oferecer.Sofreu muito com a separação,
depois de uns anos, casou-se nos USA.
Antes de se casar, veio ao Brasil, visitar seus filhos e veio
até Recife me rever. Foi um encontro inesquecível!
Conseguimos matar as saudades!Hospedou-se na casa de um
tio, mas precisávamos ficar sozinhas, fomos então para o
apartamento de minha cunhada e lá, demos largas garga-
lhadas. Nunca, nunca esquecerei minha irmã querida,
companheira de infância e de adolescência.
Seus filhos foram morar com ela, mamãe levara-os. Mamãe
passou uma temporada nos USA, voltou e pouco tempo
depois veio a falecer.
Eliete morreu muito cedo, levou consigo um pouco da
alegria e dos meus sonhos... Ela era alegre, cheia de vida,
saudável, dinâmica, bonita e inteligente.
Deixou muitas saudades!
Não existe nada que traduza a dor que senti quando soube de
sua morte.Era um sentimento de perda triste e profundo que
dilacerava meu coração.Existem feridas que não saram
nunca! Minha irmã querida havia precocemente partido!
Deixou a lição de que nada é permanente, as pessoas que
mais amamos podem ser tiradas de nós,muito rapidamente,
sem explicação. Simplesmente, somem! Compreendi aí a
130
dimensão da morte!
A música de Tim Maia retrata bem a dor da separação de
uma pessoa que amamos. “Gostava tanto de você” Não foi
uma filha que se foi, mas foi uma irmã que amava muito. A
ela dedico esta canção como se fora eu a autora.
Seus dois filhos vieram para o Brasil. Seu filho Carlos
estudou e hoje é um funcionário graduado da Petrobrás, um
rapaz muito competente, estudioso, bonito, de um sorriso
encantador e muito educado.Tem três filhas muito lindas,
que são os amores da vida dele, tenho grande admiração por
sua luta, pelas suas conquistas e sua vitória.
Sua filha Isabel passou um tempo no Brasil. Sempre foi
muito gaiata teatral e despretensiosa, voltou para os USA
estudou turismo, foi aprovada com louvor. Quando criança
subiu no muro de sua casa e caiu dentro do tanque da casa
vizinha.Corremos todas apavoradas, no entanto, não houve
nada.
Ultimamente depois de 30 anos que morava nos USA
resolveu vir morar no Brasil, veio para Recife,no entanto não
se adaptou,aconteceu então um fato interessante.
Resolveu ir trabalhar no Chile,recebeu um convite para ser
dama de companhia e foi,no entanto não se adaptou e voltou
para o Brasil.No aeroporto do Chile foi chamada para
comparecer a uma sala, lhe esperava uns policiais federais e
alguns cachorros que fussava suas malas e o policial dizia ser
preciso abri-las pois os animais haviam detectado droga em
sua maleta .Como havia deixado suas maletas em um recanto
da casa de uma amiga pensou que haviam colocado drogas
em sua mala,então ficou louca e tentava justificar aos
policiais em espanhol que nem a ouvia,lembrou-se então aí
do filme expresso da meia noite pensou que iria ser presa e
torturada.
Ao abrir a mala havia uma enorme quantidade de remédio
para ansiedade e depressão e como ela ia passar uma
temporada no Chile levou um suprimento para dois anos.
Os policiais a pressionava para ela dizer se estava traficando
131
medicação pois ela não tinha nenhuma autorização médica,aí
ela se apavorou começou a chorar e dizer que era uma
estúpida! repetia que havia cometido uma grande
estupidez,realmente não havia nenhuma autorização nem o
laudo médico.Depois de assinar alguns papéis,ficaram com
os remédios e a liberaram. Se fosse contar as peripécias dela,
não teria como parar.Quando nos encontramos passamos
horas nos divertindo ante os acontecimentos que ela conta de
si e de suas amigas.Ela dramatiza tudo.Vez por outra
telefona e passamos horas conversando.Ouço através do
telefone, as belas risadas que ela dá. Ela é para mim a própria
Eliane.
Como explicar os mistérios da vida, os encontros e
desencontros?

CAPÍTULO 37

Ah! E o Brasil na copa de 70? Fiz uma bandeira e junta aos


meus filhos vibrava com cada vitória do Brasil.Assistíamos a
todos os jogos e cada dia vibrávamos mais. Quando o Brasil
sagrou-se campeão, os fogos pipocando, a televisão passando
o jogo, a euforia tomava conta de todos. Nós três corríamos
como loucos para a rua ou para o quintal da casa, a fim de
comemorarmos. Sacudíamos a bandeira e gritávamos:
É campeão!É campeão! Aroldo destoava pela impassividade,
parecia que algo o deixava parado, sentado, inerte, lívido,
não bebia nada, nem mesmo uma cerveja.
A felicidade nossa não o contagiava,aliás nunca gostou de
132
me ver feliz, não movia um só músculo de contentamento.No
entanto, foi um dia de glória para nós, assistimos à repetição
do jogo várias vezes e tivemos momentos de extrema
felicidade.
Nada, nada me tirava a alegria de viver com os meus
filhos,Aroldo agora era uma pessoa que não fazia parte do
contexto de nossa felicidade de nossos projetos de vida.
Eu e os meninos gostávamos de quando íamos para Fazenda
Bela Vista. Meus sogros viviam entre Alto da Cruz e a
Fazenda localizada na Paraíba. Vez por outra, Aroldo por
minha insistência ia visitá-los. A casa da fazenda era muito
grande: havia três salas enormes, numa delas era depositado,
grande quantidade de agave ou cisal, uma planta que depois
de processada, se tornava fibra e era vendida para ajudar no
custeio da fazenda.Meu sogro era muito animado.Quando a
família chegava lá, nos finais de semana, convidava os
moradores, chamava os tocadores e a noite toda era só forró.
Dançava com todas as noras e netas e com as moradoras e as
filhas delas também.Pegava um desodorante e saia colocando
nas caboclas como se fosse perfume e dizia alto:
- Eita bicha boa danada!
Minha sogra cuidava da casa, fazia queijo, criava galinhas,
porcos, etc, não era expansiva, mas gostava também de
dançar.
Numa destas festas faltou carne suficiente para os tocadores
durante a noite, se pensou: que fazer?
A tarde haviam matado uma raposa e ainda não a tinham
posto fora, pegaram a raposa temperaram bem
temperada,ficou bonita e cheirosa feito carne de porco e
quando os tocadores já estavam bêbados lá para tantas da
noite serviram a raposa que segundo eles estava uma
delícia(só que eles não sabiam que era de raposa.).No outro
dia foi motivo de riso,só falávamos na raposa que eles
haviam devorado.
Todos os dias, ele ligava o radinho e, arrastando os pés,
sozinho, se punha a dançar e dizia:
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- Ô bicha boa danada!Todos pensávamos que ele estava com
companhia; o arrastar de seus pés denotava que ele estava
dançando. Sua mulher dizia:
- Quando ele morrer, vai ficar por aí besuntando.
A criançada adorava, principalmente, quando os primos
chegavam.Todos os dias, os meninos iam para o curral
tomarem leite no pé da vaca.
Meu sogro foi uma pessoa muito boa e gentil, sempre muito
bem humorado e era também altamente irritado quando se
sentia lesado.Nunca precisei dele sem que ele não me
ajudasse.Gilson estudava no Colégio particular.Uma vez,
perto de encerrar o ano, vi que não tinha o dinheiro para
saldar a dívida do colégio. Escrevi para o meu sogro,
pedindo, no que logo fui atendida.
Quando voltei a estudar, estava decidida a estudar de
verdade,precisava resgatar os anos que havia
perdido.Lembro-me que naquele dia em que fui a aula depois
de tantos anos,foi um dia muito especial para mim, era como
se naquele momento os meus pulmões que estavam
obstruídos de repente voltassem a respirar,passava a divisar
um futuro digno para mim.
Passei a estudar com afinco, tinha só uma coisa em mente;
estudar e estudar. Aroldo depois do almoço se deitava,
dormia a tarde toda,não deveríamos incomodá-lo e durante o
tempo que ele dormia eu teria que me virar porque se ele me
visse estudando arranjava um motivo para dizer que
abandonei meus afazeres domésticos e meus filhos. Eu ia
para o colégio à noite e tinha que conciliar tudo,acompanhar
meus filhos nas tarefas da escola,fazer os meus trabalhos
como costurar e bordar que resultava em algum dinheiro para
pagar meu colégio e tudo mais que necessitasse, precisava
também estudar e estudar muito pois a princípio tive muitas
dificuldades, não me lembrava das regras gramaticais e
muito menos de matemática Para isto, contei com o apoio de
uma pessoa extraordinária, Cosma. Ela me ajudou na criação
dos meus filhos e na administração da casa. Hoje, ela mora
134
em São Paulo. Quando nos telefonamos nos lembramos dos
tempos que passamos juntas e eu sempre lhe digo:
- Obrigada, por ter sido meu Cireneu, você me ajudou a levar
minha cruz, não sei como alguém diz que nunca recebeu
ajuda de ninguém eu recebi e foram de pessoas simples.
Um dia, fomos à missa com Gilson. Estávamos todos
concentrados, quando ele disse:
-Mamãe, por que aquela mulher está chorando? Ao
levantarmos os olhos em direção à mulher, percebemos que
ela não estava chorando ela era tão feia, que dava essa
impressão.
Quase íamos embora, pois não conseguíamos parar de rir.
Logo que me formei, me submeti a dois concursos um foi
para a prefeitura e outro para o estado, fui nomeada para os
dois. Que dia bendito e maravilhoso aquele! De posse do
jornal não acreditava, ali estaria minha redenção! Fora minha
irmã Eliane que por ter pedido a Aroldo, eu pude estudar. A
ela devia tudo!
Como fui uma das primeiras classificadas no estado, escolhi
o lugar onde deveria ensinar era em um povoado perto de
Alto da Cruz, era ali que gostaria de ficar.Foi lá que minha
irmã ensinara.O da prefeitura fui imediatamente chamada
para ser diretora da escola em que fui lotada.
Quando Eliane ensinava lá queria levar Gilson para fazer
companhia a Carlos filho dela . Ela levaria os dois para a
escolinha, eu a adverti de que ele era muito impossível e que
iria fazer alguma trela. Quando ela voltou, veio pasma: ele
com o primo haviam ido para o rio sozinhos, poderiam ter
morrido! Nunca mais tentaria levá-lo.
O local era encantador, uma escolinha nova, com uma sala
de aula, um pátio que a separava da casa onde seria a morada
da professora, se assim o quisesse.
Por trás da escola passava o rio . Nas suas margens, se via os
coqueiros, como também plantações de tomate, a água
bombeada do rio irrigava toda a área plantada. Que bonita a
paisagem dos tomates vermelhos, que caiam sobre as
135
folhagens em forma de cachos!Fui uma professora
vocacionada, amava o que fazia principalmente trabalhar
com crianças, sabia lidar com elas.Não era um simples
ensinar era realizar um sonho e ao contato com cada criança
sentir suas pequenas e grandes manifestações simples e
singelas. Eu acreditava nisso,na simplicidade dos gestos.
Muitas vezes, sentada na calçada da escola, (a calçada era
alta) arrodeada de alunos, contemplava a beleza do lugar, a
ouvir o som do tear na fabricação de fibras para confecção de
redes e peças de couro cru usados nas bainhas e arreios a
serem vendidos para o sustento das famílias.
Todo dia, com um grupo de professoras, tomávamos um
carro, já previamente contratado para ir e vir.
Eram professoras recém-formadas ansiosas por ensinar.
Jovens, cheias de ideal, assim como eu. A classe se
compunha de 35 alunos divididos em 4 séries e idades
diferentes.
Como fazer? Resolvi então dividir a classe em 2 turmas,
primeira com segunda série e terceira com quarta. Cada dia
ensinava-se a duas séries, as outras duas ficavam em
atividades previamente preparadas.
Ensinar na zona rural foi à coisa mais gratificante possível.
Dediquei-me de corpo e alma, amava minha sala de aula e
aquelas crianças ali extravasava todo meu potencial criativo
e humano,ali esquecia meus problemas e realizava meu
sonho.
Procurei ter uma escola bonita e sedutora para meus alunos.
Eles seriam sim, o centro de minhas atenções. Procurava
atender a polivalência de minha classe.Juntava-me aos mais
velhos e pintávamos a sala quando necessário, para que
estivesse sempre limpa e atrativa.
Selecionava os ajudantes do dia. Nela, punha cartazes
coloridos.
Havia o cantinho da ciência, da matemática etc. Saía com
meus alunos até o rio e com eles juntava material para o
estudo do solo e das plantas.
136
Elaborava com os alunos um jornalzinho com as notícias que
as rádios transmitiam.Era realmente uma escola participativa,
tanto para os alunos como para os pais.
Promovi muitos eventos, entre eles: Exposição de trabalhos
realizados durante o ano, teatrinho de fantoche( eu mesma
fazia os fantoches de papel machet), desfile de 7 de setembro
com os alunos caracterizados,procissão com o andor e
lanternas feitas pelas crianças mais o acompanhamento da
banda dos meninos do juizado de menores (vindos de Alto
da Cruz), biblioteca, distribuição da merenda com a
participação dos alunos etc.
Fora isso, ia à prefeitura de Alto da Cruz e conseguia
transporte para que as crianças conhecessem clubes, a
cidade, o circo, com os respectivos lanches que lhes seriam
servidos.
Tudo isso, era feito em conjunto com outras professoras que
ensinavam em outros povoados, entre elas Celeste Almeida,
uma professora maravilhosa, dinâmica e humana. Ninguém
pode avaliar o amor contido nesse trabalho, como também a
realização pessoal de cada uma.
As crianças e os pais eram muito bons e participativos.
O Núcleo de Supervisão Pedagógica levava diretores de
escolas para presenciarem o trabalho realizado por todas nós.
Quando se tem amor quanto se pode fazer com tão pouco!
Eram crianças simples da roça.
Um dia, estava dando aula de religião, quando um aluno de
mais ou menos 6 anos,olhando para as nuvens, através da
janela me perguntou:
“-Professora, qual a nuvem em que Deus está?” Foi a
pergunta mais inocente que ouvi; me aproximei do aluno e o
beijei na cabeça com muita ternura.
Outro fato chamava a atenção, havia dois irmãos que
estudavam em séries diferentes, e eram filhos do mesmo pai,
mas tinham mães diferentes, no entanto, todos moravam
juntos e se davam muito bem.Quando uma delas dava à luz,
a outra cuidava do bebê e da mãe. A comunidade aceitava o
137
convívio com muita naturalidade. Vivi intensamente para
essa escola era ao mesmo tempo psicóloga, médica e
delegada.
Todo o período que lá vivi me trouxe muita satisfação e
movida pelo amor das crianças e dos pais me dediquei
integralmente. Posso dizer que minha experiência mais rica e
realizadora foi o tempo que ensinei na zona rural, convivi
com a pureza, a inocência, a boa vontade,lá eu vi bem de
perto o resultado do meu trabalho,aquilo que eu queria como
proposta de vida.Alí precisamente nesta escola plantei o meu
jardim e colhi as minhas flores. Como professora, pude
semear sonhos, resgatar a capacidade de ser também uma
transformadora da sociedade na construção da alma humana.
Quando passei no concurso estadual passei também no
municipal, como meu marido era político fui logo exercer a
função de diretora da escola,(não havíamos pedido)com isso
o prefeito queria conseguir aprovação de alguns projetos já
que meu marido era da oposição,éramos tão sem experiência
que não nos demos por conta.
Foi lá que conheci Euzanete, era professora e como eu estava
sendo localizada nesta escola.Com pouco tempo pude
observar o lado humano dela,morava em uma casinha perto
da delegacia da cidade,vez por outra ouvia-a dizer:
-Noemia,não pude dormir esta noite,bateram tanto nos
presos só ouvimos gritos, ainda vou sair deste lugar
miserável!
Muitas vezes os presos fugiam atravessando seu quintal,
nunca os denunciou, se o policial perguntava se eles haviam
passado por lá,ela respondia:
-Não os vi..
Logo que surgiu uma oportunidade saiu de lá,com os poucos
recursos de que dispunha reformou sua nova casa e
transformou-a numa bela construção.
Euzanete era uma pessoa que eu podia contar a qualquer
hora,éramos amigas, estudamos o curso superior juntas
muitas tardes íamos para casa uma da outra,cada uma
138
chorando suas mágoas e também rindo da vida.Aroldo não se
importava com nossa amizade,gostava do marido dela.José
era um homem muito bom e simples,barbeiro conhecia todo
mundo da cidade,baixinho, reconchudinho,com sua voz de
língua presa era muito simpático e atencioso,eu adorava
conversar com ele.Quando eu chegava lá ele vinha,mandava
colocar um cafezinho e aí conversávamos falando dos
políticos,tinha predileção por um que Euzanete não gostava.
Ele era uma figura,meus filhos o queria muito bem,quando
fazia cabelo com ele chegavam rindo pelas histórias contadas
por ele.
Euzanete tinha um casal de filhos,duas lindas
crianças,Wellinghton e Edna, muito inteligentes sabiam
como ninguém contestar quando as coisas estavam erradas
com muita firmeza e eram muito espirituosos e
gaiatos,gostava de conversar com eles ,tinham opinião
própria dos conflitos que a vida gerava.
Wellinghton não quis estudar, acompanhava o pai,vivia solto
pela rua e Euzanete brigava muito com José porque ele dizia:
-Homem é para viver na rua., ela trabalhava o dia todo.
E assim causou-lhes muitos problemas.
Edna, uma menina doce e responsável, muito amiga de sua
mãe e muito estudiosa.
José e Euzanete formava um casal interessantíssimo,tinha
suas divergências assim como qualquer casal,vez por outra
ele fazia das dele gostava de uma pingazinha nas horas
vagas, eu morria de rir quando o via tentando a reconciliação
com Euzanete, chegava dava-lhe um cheiro no seu cangote,
dizia que a amava e que ela era a mulher da vida dele,ela
com raiva se esquivava e fazia de conta que não ligava para
ele. Ela trabalhava muito,almejava o melhor para sua
família. Tentou a vida em São Paulo, vendeu o que pôde e
partiu com a família, percebeu que o seu filho vivia com mal
companhia, iria afastá-lo dali, no entanto,não se
adaptaram,José seu marido queria voltar e assim passaram
pouco tempo e eles voltaram e reconstruíram sua vida
139
novamente, voltaram para sua casa,ela voltou a ensinar e
José voltou a cortar cabelo.
Presenciei sua grande agonia quando ela percebeu que seu
único filho já adolescente era usuário de droga,amava seu
filho e tudo fez para tirá-lo do vício.
Era um verdadeiro suplício quando o via chegar
drogado,sempre atenta procurava dar-lhe apoio nas horas de
lucidez,as vezes mesmo contra sua natureza tomava atitudes
severa em benefício dele.Vi esta mulher lutar,compreender e
rezar,uma mãe extraordinária.Com os anos ele foi
abandonando as drogas não convencionais,mas não deixava
de beber e seu fígado não agüentou,com cirrose veio a
falecer com os seus mais de 40 anos. Antes de morrer,
sabendo da gravidade de sua doença,compreendendo sua
fragilidade teve uma atitude racional, soube que precisava de
transplante disse:
-Minha mãe,Deus me deu tudo,quem estragou minha vida fui
eu,vamos deixar que ELE saberá quando devo partir.
Vendo seu filho no leito de morte aquele que ela tanto
lutara,aquele menino bom que tanto amava,era como ter-lhe
arrancado seu próprio coração e o sepultado com ele,sua dor
era imensa e sua fé em Deus ainda maior,passaria por mais
esta aprovação (seus netos filhos dele) precisavam dela e
assim como Deus o entregou ela o devolvia para que Ele o
cuidasse,o tomasse em seus braços e aliviasse suas dores
físicas e espirituais,dores inerentes a todos os seres humanos.
Sua filha uma criatura maravilhosa, só lhe deu prazer.
O que sei da vida de Euzanete é que foi uma pessoa que
lutou muito pela sua cidadania,estudou,se formou,trabalhou
incansavelmente para dar aos filhos uma melhor qualidade
de vida.Sua vida é um exemplo de luta e coragem,faz parte
da pastoral e presta grande serviço a população
carente.Euzanete foi muito importante para mim durante um
período.Quando me viu aflita depois que me separei me
disse:
É melhor um jantar de ervas onde haja paz que um boi gordo
140
sem tranqüilidade.Estas palavras foram como uma alavanca
que me impulsionou numa hora de maior decisão de minha
vida.Sei que pessoa humana é Euzanete ,convivi o suficiente
Para ver que ela lutou bravamente pela família que construiu,
amou a cada um em especial e se a vida não saiu totalmente
como idealizou,tenho certeza que hoje,já no meado da
vida,com a saúde um pouco fragilizada,dentro de sua
limitação,está pronta o suficiente para recomeçar.
A vida de Euzanete me lembra Fernão Capelo Gaivota quando
diz: “Descobrir aquilo que mais desejamos fazer; fazê-lo,
aconteça o que acontecer; e ao fazê-lo garantir-se uma vida
muito difícil e muito feliz.”

CAPÍTULO 39

Aroldo diante do conhecimento que fez no loteamento em


que vivia e como era um benfeitor para esta gente se dedicou
a política, seu temperamento favorecia o convívio com seus
possíveis eleitores.Não foi um político ideológico,nem
apegado a partido foi simplesmente uma pessoa que gostava
de viver em comunidade carente porque aí satisfazia seu ego
era o senhor absoluto.Fazia toda espécie de atendimento,não
lhe importava se iria tirar proveito político ou não,importava
sim, sua consagração como aquele que resolvia os problemas
de todos.Vivia no hospital levando pessoas para serem
atendidas e na delegacia para soltar presos de pequenos
delitos,esta era a porta aberta para entrar em qualquer casa e
daí conseguir todas as mulheres que desejasse,era este seu
objetivo.Para mim era terrível a casa cheia de gente de toda
espécie.Nunca gostei da prática dos políticos, convivi com
141
alguns obrigada pela circunstância e me parecia tudo muito
falso, cujos interesses o faziam prestadores de serviço.Lá no
fundo, no fundo,os que os movem é a promoção pessoal,as
manchetes nos jornais,as vaidades pessoais,eu realmente
abominava este tipo de vida.Geralmente os políticos não têm
uma boa relação com a família,são relações extremamente
conflitantes, a dedicação compreensão que têm para seus
eleitores,falta para seus familiares.Embora não suportasse
esta prática tive que viver um tempo no meio,participei de
comícios muitas vezes era obrigada a acompanhá-
lo,participei de campanhas e aí me sentia mal era uma
verdadeira vendedora de ilusões,Sim! Ilusões sim! Porque o
que se promete não se pode cumprir.
Meu marido quase que abandonou sua casa,sua família, fez
do seu carro uma ambulância de seu reduto eleitoral o seu
mundo.Continuava o mesmo,era o maior garanhão com
relação as mulheres. Foi eleito vereador. No dia do resultado,
faltavam poucos votos para determinar se realmente havia
ganho.Quando o resultado saiu, foi tão desgastante que, ele
como no dia da vitória do Brasil, ficou inerte, não
demonstrou sentimento algum, estava impávido.Chegou uma
amiga correndo, toda eufórica, para parabenizá-lo. Quando o
viu, ficou sem graça e espantada ante sua reação.
Com o tempo conseguiu ser diretor da Escola Politécnica,
fez o supletivo, estudou e terminou o curso de Pedagogia.
Trabalhei muito na campanha, foi uma luta enorme,pensei
que economicamente quando eleito poderia melhorar nossa
situação.Subia e descia o morro à procura de eleitores.
Comprara logo após ser eleito, uma Rural novinha, esperava
pagar com o salário de vereador. Para seu espanto, o
Marechal Castelo Branco determinara que a partir dali,
vereador cuja cidade não tivesse a cota x de eleitores não
perceberia nada e Alto da Cruz não tinha a cota exigida.
Não era o dinheiro que o fazia político era sua própria índole
no trato com as pessoas,o deslumbramento dos aplausos, o
glamour dos palanques era o que o encantava.Em nome deste
142
povo doou vários terrenos, remédios, tijolos, cimento etc,
isto mesmo antes de ter pretenções políticas,durante e
depois, se descuidou dos seus bens, sacrificou econômica e
emocionalmente sua família.Apesar de não ser “aquele”
político quando subia num palanque com o microfone nas
mãos se transfigurava,era seu momento de glória.Muito
inteligente usava várias figuras de retórica, citava pensadores
como: Sócrates, Platão, Montesquier, Robespierre,Rousseau
etc era um grande admirador da história da frança, baseado
nos livros que falavam na revolução francesa discursava
roubando aplausos de um público semi-analfabeto
entusiasmado e sedento de justiça embora não entendessem
nada, satisfaziam e massageavam o ego dele.
Durante o período de eleição, Clarisse minha irmã que era
dentista, vinha do Recife e passava o dia ajudando na
campanha e Edelson meu irmão, de posse de um carro fez
transporte de eleitores.
Aroldo vivia no bairro onde tinha o loteamento, era um
homem totalmente livre era como se não tivesse família e
vivia como queria, eu já não queria nada com ele,passou a
ser indiferente sua presença, melhor seria não tê-lo presente .
Quando vereador desempenhou sua função apenas por
prazer,não ganhou nenhum dinheiro como político, ao
contrário, perdeu muito,(motivo de muitas brigas entre nós)
fez uma política independente e individualista,afinal não
soube fazer política partidária.Minha casa era sempre cheia
de pessoas que estavam sempre pedindo algo, embora eu
detestasse procurava ter sempre um sorriso nos
lábios.Conviver com a miséria humana e não ter como
solucionar seus problemas, só viver de promessas é
intragável porque o mundo real é terrível, o básico para sua
sobrevivência lhes falta,aliás tudo que é indispensável para
se viver com dignidade e quando isto falta o ser humano se
torna bruto na forma de ser,sem o mínimo de trato necessário
para o convívio humano, e era exatamente pessoas como
estas que eu tinha que conviver.
143
Depois de eleito resolvi voltar para minha antiga
casa.No entanto estava ocupada. Decidi então ficar
numa casa que estava sendo construída. Para lá me
mudei, iria com o tempo, terminá-la.
Já havia saído da zona rural e estava agora numa escola
pública perto de casa,de certo modo foi muito diferente para
mim porque me deram uma turma de terceira série e podem
crer os alunos mais mal comportados da escola,nela havia
três irmãos insuportáveis,aí percebi que haviam selecionado
os mais problemáticos eu estava chegando e se livrariam
deles.
Ali estava um grande desafio,eu era novata e não poderia
decepcionar.Os alunos subiam em cima das bancas, corriam
pela classe,sacudiam bolinhas de papel,afinal bagunçava
tudo.
Nesta noite perguntei a mim mesma que fazer,será que agi
certo ao deixar a zona rural e vir para uma escola na
periferia da cidade?Quantos problemas meu Deus!
Vim para esta casa e para a escola a contra gosto dele,eu que
me virasse.falei com a diretora da escola e esta me disse que
eu havia chegado por ultimo e as professoras já tinham feito
suas escolhas.
Dormi mal,mas como fui sempre muito habilidosa no trato
com as crianças montei um esquema e parti para luta.
Neste dia ao chegar a sala tomei de princípio o mais rebelde
como meu ajudante,para isso lhe fiz um carinho especial e
disse-lhe que a partir dali ele seria meu ajudante, que ele
estaria ao meu lado pois só confiaria nele,que todas as
atividades seriam distribuídas por ele..Com um cartaz que
havia confeccionado coloquei o nome dele em destaque o
que lhe dava um certo grau de importância.A partir daí ele
que era o líder da bagunça começou a se sentir
prestigiado.Aos três procurei dar-lhes atividades e com o que
conquistei suas amizades.
A inquietude deles me tornou curiosa e daí procurei saber o
porquê daquele comportamento.
144
Sua mãe tinha saído de casa, se prostituído e não se tinha
notícias dela, seu pai vivia constantemente embriagado se
sentindo perseguindo por ratos que lhe roia os pés, moravam
com a avó que já tinha seus 60 anos e não sabia lidar com a
situação.
A mais velha tinha uns 11 anos, era muito exibida, gostava
de aparecer e não gostava de estudar.Preparei então uma
pecinha de teatro e a pus como protagonista principal,foi
uma mudança extraordinária ela se tornou uma menina muito
participativa,poderia contar com ela para tudo, no pastoril ela
foi a diana.
Um dia o pai dela invadiu a sala de aula ,estava totalmente
embriagado e alucinado,se escondia atrás da porta dizendo
que um bando de ratos estavam roendo seus pés.Todos
ficamos perplexos,era um senhor ainda jovem de aspecto
velho destruído pela bebida, ela tinha pavor ao pai.
O nome dela era Eliane,muito bonitinha era uma garota
muito desconfiada.
Um dia percebi-a triste,estávamos a sós na sala chamei-a e
perguntei o porquê daquela tristeza,ela então debulhou-se em
lágrimas e me disse:
-Professora, ninguém imagina meu sofrimento,o que tenho
passado, aí então iniciou um relato estarrecedor.
Em prantos me revelou que era abusada sexualmente pelo
pai desde os 6 anos de idade,dormia em uma rede e era
bolinada por ele, inclusive as vezes acordava com o pênis
dele na sua boca.Abracei-a efusivamente sem saber o que
fazer, chorando fui para casa como se aquele abraço pudesse
abafar todo aquele tormento e horror de ter um pai assim.
Em casa fiquei pensando o que fazer, no outro dia fui falar
com avó dela.Ao bater a porta apareceu uma senhora
acabada pelo tempo e sofrimento,disse-lhe ter o que lhe
falar.
Com muita sutileza falei sobre Eliane e o que ela me dissera,
a senhora enxugava com um lenço as lágrimas que escorria
daqueles olhos tristes e conformados.Dizia mais ou menos
145
saber o que se passava mas o filho sempre embriagado,
chegava em casa e destruía tudo,ela tinha medo e pena dele.
Estava esperando o final do ano,já estávamos em outubro
iria voltar para seu sítio,seu filho ficaria na casa e com o
dinheirinho da aposentadoria iria recomeçar uma vida
nova,embora que ao abandonar o filho era uma atitude muito
difícil,como lhe arrancar o coração.Realmente no final do
ano partiram para um sítio que foi de seu avó.Um ano depois
me fizeram uma visita, pareciam outros,o pai havia morrido,
foi encontrado morto dentro de casa.Não pretendiam voltar.
Vi e ouvi muitos relatos que me fazia conformar com meus
problemas.Me preparei estudando muito com um grupo de
amigas e fiz o vestibular de história precisava aprimorar
meus estudos, depois de formada consegui na escola onde
ensinava, umas aulas no ensino médio.
Para minha formatura, chamei a família dele para as
comemorações, minha família e meu filho viriam de
Recife.Tive então um grande aborrecimento.
Na semana que antecedeu a formatura mandei pintar a casa,
peguei um conjunto de sofá e mandei recobri-lo, havia
comprado de uma amiga que ia viajar para São
Paulo.Preparei a casa com esmero,distribuí pelos cantos da
casa jarros de plantas que eu cultivava belíssimos, eram
meses e meses de cultivo,cada folhinha que brotava me
encantava.Comprei tecido e em todas as paredes do meu
quarto coloquei cortinas,revesti o solo com carpete marron
claro contrastando com o beje das cortinas e da colcha da
cama que eu mesma costurei.
A sala com estes sofás revestidos, os tapetes, as plantas
espalhadas pelos cantos ficou muito bonita,o tecido de listras
que comprei para cobri-la combinava com as almofadas
colocadas em seu encosto.
Há uns três dias antes da comemoração recebi um
telefonema de uma das muitas mulheres dele o que veio a me
aborrecer muito, neste momento ele vinha chegando, eu
então falei sobre o quanto era desagradável esta situação, de
146
repente parecia que ele havia se possuído se endemoniado,
foi na cozinha, pegou uma faca peixeira cortou o sofá,
quebrou os jarros com um chute e rasgou a parede com a
faca como se tivesse tido vontade de fazer este ato comigo ao
mesmo tempo gritava como um louco.
Diante de tal cena me calei e saí para fora da casa
aterrorizada.
- Meu Deus, que fazer se já convidei tanta gente para minha
formatura! Deixei tudo como estava que vissem que tipo de
homem era este,antes escondia tinha vergonha de tudo e de
todos.
No outro dia ele mandou a empregada chamar o mesmo
homem que havia coberto os sofás,comprou o tecido e
restaurou-o.
A esta altura eu não o suportava mais, não seria ele que
estragaria aquele momento meu e de meus filhos.
Assim comemorei minha formatura como se nada tivesse
acontecido.
Quando passei a ensinar no ensino médio peguei umas aulas
em um colégio noturno era de pessoas que trabalhavam
durante o dia e já tinham passado da idade de fazer um curso
normal.
Para ensinar neste colégio enfrentei sérios aborrecimentos,
quase todas as noites brigávamos, ele dizendo que eu estava
me enamorando de alguns alunos, se ele visse um aluno se
aproximar de mim para fazer alguma pergunta com certeza
eu iria responder por isso.As vezes eu vinha para casa por
volta de 10:30 a 11:00 horas da noite de volta das aulas com
fome, havia umas barraquinhas de cachorro quente e eu
comprava escondida e saia comendo ainda quente dirigindo
quase me queimando porque se ele visse seria um inferno.
Foi neste colégio que conheci Aline uma aluna minha,
cursava a primeira série do segundo grau,muito bonita, bem
feita de corpo, cabelos pretos longos e olhos castanho-escuro
era sempre muito quieta e calada o que me chamava
atenção,sentava-se na primeira fila encostada a parede do
147
lado esquerdo da sala,tinha uma única amiga,não encarava
ninguém, sempre olhava para baixo, foi esta maneira de ser
que me deu inquietação.Tentei me aproximar dela e com
dificuldade quase sempre no término da aula ficávamos
conversando, ela sempre muito tímida e introvertida.Depois
de um certo tempo, já nos tornamos mais amigas perguntei o
que ela desejaria fazer quando terminasse o segundo grau.
- Estou estudando apenas para ocupar meu tempo,não sei
bem o que vou fazer,preciso sair da depressão que me
encontro já há três anos.
Questionei que ela era muito inteligente e que teria grandes
perspectivas pela frente,vários seriam os cursos que poderia
fazer.
Surpreendentemente ela me falou:
-Professora, sente-se que vou contar minha história.
Nos sentamos numa mesinha da lanchonete da escola.
Ela então me disse, a senhora tem tempo?
-Todo tempo do mundo!falei, mas eu não tinha este tempo se
eu chegasse fora do horário teria que dar grandes explicações
,no entanto queria ouvir o relato de sua história,algo me dizia
que era no mínimo interessante e aí me atrevi a ficar.
Disse-me então que havia se casado com um rapaz que
amava muito,ele era alto,forte, corpo atlético, era gerente de
um armazém na cidade de Cruz Alto e ela morava no sítio.
Havia conhecido ele quando veio fazer compras no armazém
do qual ele era gerente.Ao avistá-lo de repente se enamorara
dele.
Voltou para casa só pensando nele e assim voltou no
armazém várias vezes a fim de vê-lo.
Iniciaram aí um namoro, este era seu primeiro namorado e as
vezes se perguntava:
Como era que um rapaz tão bonito,bem de vida poderia se
interessar por ela?
Seu namoro e noivado foi relâmpago,se viam apenas de 15
em 15 dias e a tratava com muito respeito sem nenhuma
intimidade.
148
Quando se aproximava dela dizia:
-Quero-a cândida e pura e não como estas moças de hoje que
não se dão ao respeito.
Toda família gostava muito dele,tinha todos os requisitos
para fazê-la feliz.
Com 6 meses se casaram, o casamento foi muito bonito, no
entanto havia algo no ar,ele estava um pouco triste.
Foram morar em Cruz Alto numa casa que ele preparara para
ela e o fez com muito bom gosto.
Ao chegarem em casa ela se sentiu muito envergonhada em
vista de que ele não a deixava espontânea,ele então beijando-
a muito docemente lhe falou:
-Aline, o casamento não se resume só em sexo, mas há muito
mais que isto, o amor, a compreensão, o carinho e tantas
coisas a mais que completa uma união você será a partir de
agora minha rainha, minha santa.
Isto incomodava um pouco ela queria que ele a visse como
uma mulher desejada e não uma santa.
Neste momento olhei para o relógio e disse-lhe que
infelizmente não poderia ficar mais tempo,no outro dia
continuaríamos nossa conversa,aí então me despedi e saí
lamentando não poder ficar.
Cheguei em casa e não consegui tirar Aline da minha
cabeça,graças a Deus ele ainda não havia chegado,me deitei
e demorei a pegar no sono.
Meus filhos estavam na fazenda, era dia de receber dinheiro,
quis fazer-lhes uma surpresa: fui à loja e comprei uma sala
de jantar muito bonita, neste dia eles estavam voltando.
Quando os meninos chegaram que olharam, pensaram que
havíamos nos mudado de tão bonita que estava a casa, eu
independente do marido construía minha felicidade. Dois
dias depois ia me encontrar com Aline, dei a aula mas
terminei mais cedo para ficarmos conversando,ela se
aproximou de mim e eu notei que ela queria contar-me tudo
o que havia se passado no seu casamento.Nos sentamos na
lanchonete coloquei os cotovelos na mesinha e com a mão
149
apoiando meu rosto ouvi o final de sua história.Ela então me
disse que depois do que ele havia lhe falado, tudo ficou
muito cerimonioso lhe tirando a espontaneidade,mesmo
assim como toda mulher sonhou com este momento, para
este dia havia comprado uma linda camisola de cor vermelha
um pouco transparente, entrou no quarto tomou seu banho
vestiu sua camisola ,olhou-se no espelho e ficou satisfeita
ante a imagem refletida de seus seios e suas nádegas que
realçavam ante a camisola que lhe aderia ao corpo,estava
consciente que estava linda.
Seu coração batia forte era a primeira vez que ficaria a sós
com ele em plena intimidade, iria sentir o toque de suas
mãos e seus beijos ardentes. Deitou-se na cama e o esperou
com ânsia,ofegante esperou a realização material do seu
amor,torná-lo parte de seu eu,tê-lo dentro de si. Para surpresa
sua quando ele entrou no quarto já vestido de pijama se
aproximou dela e beijando-a na testa com muita
ternura ,acariciou-lhe, passou as mãos por seus cabelos
alegou cansaço e foi dormir.Não estava entendendo
nada,levantou-se bebeu um copo dágua, deitou-se do seu
lado e tentou dormir,que coisa estranha! Eu estava tão
embevecida que não vi as horas se passarem,sua narrativa me
prendia.Custou a pegar no sono.
Acordou cedo e fez o café, a expectativa era enorme ele iria
falar alguma coisa.Quando ele acordou beijou-lhe a face e
alegando que acordara tarde tomou um simples cafezinho e
foi embora.A mesa estava completa de tudo,ele não tocou em
nada.
Sem ter explicação, chorei muito, comi alguma coisa e
pensei: certamente o cansaço o vencera hoje iriam fazer
amor. Como ele voltaria apenas para o jantar, iria prepará-lo
da melhor maneira possível.
A noite ele voltou eu o estava esperando, atirei-me em seus
braços e ele com muita ternura me beijou.
Depois do banho ele veio jantar eu estava com o melhor
vestido, me preparei para ele, a mesa estava posta da maneira
150
mais romântica possível, liguei o som suavemente e de mãos
dadas nos sentamos a mesa.
Ele foi muito carinhoso,falou sobre o seu dia que não havia
tido como tirar licença do trabalho.
Eu então me levantei, passei os braços sobre seus ombros o
acariciei beijei-o na cabeça e no pescoço, seu cheio
impregnara minhas narinas,sentamo-nos no sofá,ligamos a
televisão e aí ele começou a bocejar e dizendo que passara
um dia de muito trabalho,pediu licença e foi dormir.
Eu não acreditava no que estava ouvindo, segurei as mãos de
Aline, estavam frias,perguntei se ela queria continuar,se não
queria deixar para outro dia.
Ela então me disse:
-Não professora, pode acreditar, eu preciso falar,me livrar
desse fantasma.
Já passava das 10 horas e eu sabendo que iria ter problemas
mesmo assim deixei que ela continuasse.
Assim foram se sucedendo dias e noites,sempre cordial me
fazia carinho
Calada,decepcionada,me sentindo rejeitada,cada dia era um
tormento,ao ficar só eu só fazia chorar me deitava na cama
abraçava seu pijama apertava-o de encontro ao meu corpo e
ao meu peito como se fosse ele, sentia com isso sua presença
física,sentia o seu cheiro que entrava pelas narinas e que me
levava ao êxtase. Amanhã será diferente, acreditava que era
só uma fase,algo dera errado.
Passei a viver em casa como um robô, quando lhe pedia
explicação me beijava e me pedia paciência,dizia que me
amava.
Uma tristeza imensa tomara conta de mim,comecei a ficar
silenciosa e minha família começou a perceber que algo não
estava bem
Recebi após 3 meses uma visita da família dele e chorando
muito desabafei.No outro dia pela manhã chegaram o irmão
dele ,sua esposa e sua mãe me dizendo que eu o estava
caluniando me levaram ao médico.Depois do exame o
151
médico disse que eu estava com a razão, continuava virgem e
que ninguém poderia fazer isso com uma pessoa ingênua se
era homosexual, ele tinha todo o direito de sê-lo mas não me
usar para esconder sua preferência sexual.
Mesmo assim eu não queria me separar dele, ao nos separar-
mos ele me pediu perdão, que gostava muito de mim, estava
tentando mudar ,porém já fazia dois anos que gostava de um
rapaz e não conseguia viver sem ele.
Ela se abraçou comigo e eu quase não tive o que dizer-lhe
apenas o meu abraço afetuoso. Neste dia fui para casa com
muita pena dela, eu também iria enfrentar uma barra,já era
quase 11 horas e iria ter que rebolar para convencer Aroldo
que não estava fazendo nada de mal,apenas estava ouvindo a
história de uma aluna.
Uma moça tão bonita,jovem com todo vigor físico,mas com
a auto-estima aniquilada.Quando me separei e vim morar em
Recife,perdi o contato com ela,não sei o que foi feito de
Aline.

Gilson era meu companheiro, ajudava em tudo que eu fazia


em casa, no jardim e muitas vezes até na cozinha.
Júnior só pensava em duas coisas: estudo e futebol.
Quando estavam em Recife, meu cunhado às vezes inventava
de ir para o clube assistir partidas de futebol, creio que
pressionado pelos filhos e com eles, levava Júnior e Gilson,
fazendo uma bela tropa.Um dia, ao entrar no Arruda, recebeu
uma escarrada bem em cima do rosto; segundo ele, parecia
uma renda.
Outro fato engraçadíssimo foi ao carnaval de 84, (já estava
separada): estávamos todos em Itamaracá uma ilha perto de
Recife, havíamos juntos com Clarisse alugado uma
casa.Gilson era um rapazinho de seus 16 anos, nunca bebia,
no entanto, se embriagara e chegou nos braços dos meninos e
dizia:
-Eu me abro todo!(expressão usada na época), precisava
tomar glicose na veia, meu cunhado apesar de achar
152
engraçado disse:
-Vou a farmácia comprar sobre protesto! Foi um carnaval
excelente,
Clarisse estava conosco, sempre preocupada com a
alimentação dos filhos.
Fazia panelas e mais panelas de comidas e a casa de praia
estava sempre cheia de gente.
Outra vez, Gilson inventou de querer um cachorro a todo
custo,devia ter uns 12 anos de idade, Aroldo não queria por
hipótese alguma, porque dizia que ele latia e iria perturba-lo.
Mesmo assim, Gilson conseguiu um, era um vira lata
novinho e realmente o cachorro ao sair da mãe, passou a latir
sem parar.
Gilson e eu tivemos uma idéia: pegamos um comprimido de
ansiolítico, dividimos ao meio o amassamos e com água
demos ao cachorrinho.Com pouco tempo ele se calara.
Nós dois, depois de um tempo, fomos vê-lo com medo de
telo matado.Ele estava em pé, dormindo.Nunca mais ele se
lembrou da mãe! Ao contar isso ao meu cunhado veterinário,
ele não se conteve, arqueou a sobrancelha e se pôs a sorrir
com aquele sorriso enigmático característico dele.
Quando Júnior foi estudar em Recife, Gilson começou a me
influenciar para aprender a dirigir.Ele sabia que só com a
permissão minha poderia tirar o carro.Já sabia de antemão
que o pai não lhe permitiria dirigir.
Todo dia, depois do almoço, fechávamos o quarto, puxava a
cortina para ficar escurinho e dizendo que ele precisava
relaxar dava-lhe um comprimido de diazepam.
Quando ele pegava no sono, nós dois saíamos com o
fusquinha e íamos para um local deserto.
Lá, Gilson ensinava a passar marcha e como sair com o
carro.
A coisa mais emocionante foi quando percebi que poderia
dirigir.
Júnior chegou de Recife e ficou sabendo. Quando Aroldo foi
dormir, nós três saímos para que ele aprendesse também. Foi
153
assim que todos nós nos iniciamos na direção.Depois, fomos
para auto-escola e nos habilitamos.
Havia realmente uma cumplicidade muito grande entre mim
e meus filhos. No entanto, era muito estressante tudo que
quiséssemos fazer tería que ser escondido e a responsa-
bilidade ficava por minha conta.Se algo acontecesse com
eles, eu seria a responsável!
Resolvi comprar um carro. Apesar da resistência, tomei um
empréstimo e comprei um fusquinha verde, já usado. A
pessoa que me vendera era o marido de uma amiga, portanto,
uma pessoa que julgava ser de confiança.Quando percebi, o
carro tinha um buraco que quando passava na água se enchia
de lama, parecia o carro dos Flisttons.Por isso, tive que
trocar a parte de baixo do carro e tive um bruto prejuízo.
Meu sonho era ter uma casa bonita e arrumada, sempre fui
muito jeitosa e com a mínima coisa tornava-a atraente só era
colocar as mãos que parecia que tinha o toque de Midas.O
meu dinheiro passou a ser para arrumar minha casa.
O jardim era de admirar a quem via. Com três árvores de
Flamboyant, quando floriam era belíssima.No seu tronco
subiam enroladas folhas largas chamadas costelas de Adão.
Cultivava outras plantas que tornavam um jardim lindo e
encantador
Na primavera, quando brotavam os cachos de flores dos
flamboyant, o sentimento de satisfação me fazia mais
feliz.Ficava horas contemplando tamanha beleza.Minha casa
estava mais bonita, minha alma também.
Conversava com minhas plantinhas, cuidava dos meus
gerânios e crisântemos, acariciava-os e nessa doação mútua
era uma forma de dar e receber, pois elas respondiam
florindo abundantes e viçosas.
Júnior foi para casa de minha prima estudar,muito estudioso
desejava cursar faculdade como também desejava
ardentemente sair de casa(não suportava o temperamento do
pai),como não podíamos comprar um apartamento ou mesmo
pagar-lhe uma pousada Carmem nos ofereceu sua casa.
154
Para mim foi maravilhoso,só assim dizendo ser necessário
acompanhar meu filho quase todo final de semana ia passar
com eles e desta forma se estreitou os laços de amizades que
já tínhamos.
Interessante é que Aroldo não se importava que eu fosse, me
levava no ônibus eu passava o final de semana na casa de
minha prima e ao voltar ele estava me esperando na
rodoviária,às vezes cismava e lá vínhamos nós brigando
porque ele dizia que alguém olhou para mim.
Quando ia para casa dela ficávamos desabafando nossas
mágoas, nossos problemas e assim éramos psicólogas uma
da outra, às vezes chorávamos, outras vezes sorríamos muito,
ficávamos tentando descobrir a inquietude que havia dentro
de nós. E também o que havia de contentamento.
Carmem e seu marido passaram a fazer parte de minha
vida,tornaram-se uns irmãos queridos para mim,Aroldo
gostava muito dele, ficávamos admiradas porque ele não
tinha ciúmes de Leôncio.Eu era muito descontraída, contava
piadas e alegrava a todos onde chegasse, gargalhava embora
estivesse chorando por dentro e para mim era uma felicidade
imensa conviver com eles.Tanto Carmem como Leôncio
adoravam passear e assim eu desfrutava da companhia deste
casal amigo.Quando eles vinham a Cruz Alto Leôncio
cansado da semana de trabalho, deitava-se no chão frio do
terraço de minha casa e fumando seu cigarrinho dormia
aproveitando o vento frio da cidade.
A amizade deles me trouxe alento e abriu um novo mundo
para mim,meu filho passou a conviver com eles e admirá-los.
Nessa época eu já havia mudado muito,já sabia mais ou
menos o que queria,embora continuasse tendo muito medo
dele eu já esboçava reação.
Gilson o meu filho mais novo já um rapaz não suportando
mais a implicância de Aroldo porque todos os dias por mais
que eu me esforçasse e tentasse fazer uma comida saborosa
ele dizia que o bife ou seja a comida que fosse estava ruim
não tinha tempero,isto me deixava realmente aborrecida e
155
descontente,estava sem empregada, ao chegar do meu
trabalho ainda ia fazer-lhe a comida e ele se portava sem
nenhum reconhecimento do meu esforço.No outro dia meu
filho me disse:
-Mamãe, hoje quem tempera a comida sou eu!
Pegou um saquinho de cominho e pimenta e o pôs nos
poucos bifes que tinha,ficaram envolvidos numa papa de
tempero.Aguardamos sua reação.
Ao chegar,sempre com ares de importância,sentou-se a mesa
e se serviu.Ficamos calados esperando seu estouro,mas que
nada! Ele percebendo o que havíamos feito não falou nada e
comeu a comida caladinho.Eu e meu filho depois que
ficamos sozinhos rimos tanto que gargalhávamos.
Sempre que ele chegava era muito mau humorado e
procurava qualquer coisa para reclamar e daí explodia eu
sempre procurava contornar a situação, era uma coisa
terrível,sua presença era no mínimo constrangedora.
Gilson novamente disse:
-Mamãe porque a senhora suporta isso? Quando ele chegar
assim sacuda qualquer coisa no chão como se fosse para
bater nele e grite mais alto que ele.
Assim o fiz, ele chegou cheio de impáfia gritando, eu peguei
um jarro que estava na minha frente e dizendo alguma coisa
revoltada sacudi-o nos pés dele que se espatifou todo.
Sua reação foi surpreendente,baixou a voz e perguntou se eu
estava nervosa.Aprendi aí com o meu filho a saber me
defender. E assim se passaram coisas que não sei nem
descrever, ele era uma pessoa muito difícil,suas atitudes era
de extremo egoísmo,e de desequilíbrio,cada palavra que ele
me dizia era tão agressiva que eu não sabia como fazer ao
mesmo tempo voltava, me beijava no pescoço e dizia:
-Só estando doido dizer o que disse, eu te amo!
E aí me apertava para que eu o sentisse excitado e me levava
para cama.
Não sei contar das vezes que ocorreu isto.
No princípio eu até achava bom, era romântico me pegar
156
levar-me para o quarto eu fazendo resistência, tirar-me a
roupa e fazer amor, com o tempo fui me sentindo usada, e
achando aquele comportamento esquisito,me enojei de mim
mesma.Nesta época meus filhos já estavam grandes,uns
rapazinhos e eu me envergonhava de minha
subserviência,queria por um fim nisso. No entanto,Aroldo
era muito querido por todos os que o conheciam.Muito
benquisto e influente na cidade em que viveu, quando saia
comigo me chamava de Noeminha minha filha e quem
observava se encantava com aquele homem que tratava tão
bem sua esposa.Um dia uma aluna o observando disse-me
que gostaria de um dia ter um marido como ele.
Os anos passam, as pessoas amadurecem e tomam atitudes e
rumos diferentes.O que dizemos hoje, não é o que pensamos
amanhã, as adversidades, experiências,o desencanto,muda
nossa maneira de pensar e olhamos o mundo as pessoas com
mais realidade,nos retraímos porque embora sejamos muito
bem intencionadas achamos sempre alguém que na rudeza de
sua natureza não consegue ver que você possa ser
diferente,ter um bom caráter,ser maleável,discreta,amiga.
Aroldo foi político, estudou, foi diretor de Escola, mas sua
personalidade continuou a mesma.
Voltei a estudar, fiz concursos e fui exercer o magistério,
mas os conflitos entre nós continuaram. A verdade é que
cansei, já não era sem tempo, até que tomei a decisão de me
separar,não foi uma decisão precipitada,foi uma decisão
muito consciente,mas muito sofrida.
A gota dágua foi um novo envolvimento dele com uma
garota de 13 anos, sua maneira de me tratar,senti claramente,
com toda a intensidade de minha alma, que não mais poderia
viver daquela forma.
Possivelmente ainda gostava dele, mas teria que tentar viver,
sentir a vida,o domínio sobre mim mesma;era preciso sentir
a sensação que viver vale a pena e desfrutar, ao máximo, a
sensação de felicidade,sem culpas,sem medo.
Passei a vida indo a psiquiatras, tomando remédio controlado
157
para poder agüentar os troncos e barrancos, esperando a hora
certa onde poderia me separar sem precisar viver com meus
filhos em casa dos outros e sem ter o mínimo necessário para
vivermos com dignidade. Ao me separar, fui morar com o
meu filho Júnior ele já estava casado, fui eu e meu filho
Gilson e recebi de minha nora Leila o maior apoio. Foi um
período de adaptação, separação é terrível!
Há um poema árabe que traduzia bem o sentimento que me
invadira a alma; afinal, foram 28 anos que vivera dentro de
uma muralha.Dizia mais ou menos assim:
Al Mustafá esperava havia 12 anos, o regresso do seu navio,
que o levaria de volta à ilha onde nascera.Viu então o seu
navio e fechando os olhos orou no silêncio de sua alma.
Mas ao descer o monte, foi invadido pela tristeza e pensou
no seu coração.
Como poderei ir em paz e sem pena? Não será sem um
ferimento na alma que deixarei esta cidade.
Longos foram os dias de amargura que passei dentro de suas
muralhas, e longas as noites de solidão e quem pode
despedir-se sem tristeza de sua amargura e de sua solidão?
Muitos foram os pedaços de minha alma que espalhei nestas
ruas e muitos são os filhos de minha ansiedade que
caminham desnudos, entre estas colinas e não posso
abandoná-los sem me sentir oprimido e entristecido.
Não é uma simples vestimenta que dispo hoje, mas a própria
epiderme que arranco com as minhas mãos.
-Como seria possível me libertar de tudo isso, sem me sentir
como Al Mustafá, entristecida?Estava sentindo meu coração
e meu espírito dilacerados.
Recomeçaria a viver, este seria meu lema.Esquecer o
passado esta seria minha luta!
O mais importante era tirar proveito de minhas perdas e para
isso, teria que buscar oportunidades que estavam no
presente e não no passado.

158
CAPÍTULO 41

Leila se tornou uma companheira e amiga, trabalhava no


Banco do Brasil e começara a exercer medicina.Todas as
oportunidades que tínhamos saíamos juntas, fazíamos
compras idealizávamos juntas, tornando-nos muito amigas e
fiéis.
Leila ficou grávida. Para mim, era um renascer, era sonhar
novamente.
Sempre fui muito positiva e bem humorada, lia tudo que
viesse ajudar-me a transformar o meu inferno em paraíso.
Onde trabalhava, se percebia minha presença pelas piadas e
gargalhadas que dava.
Agora estava esperando a chegada do meu neto, novamente
se repetia através de Leila e Júnior, a vinda de um bebê que
iria preencher a minha vida e aplacar minha carência.
Acompanhava minha nora, em todas as compras do bebê, fiz
todo o enxovalzinho e Leila soube apreciar o meu gesto,
159
guardou consigo algumas peças, que depois de vinte anos,
foram utilizadas por Gabriel meu netinho filho de Gilson.
Os sonhos são a seiva da vida, voltei a sonhar!Voltei a viver!
Sugava a liberdade! A liberdade de ir e vir, de pensar, de
dizer, de querer, de ser!
Saía pela rua olhando para todos os lados, vendo a beleza da
vida e dizia:
Deus! Você está me devolvendo o direito de ser livre!O
direito de viver! O direito de ser dona de mim mesma!
Mas, vez por outra, como Mustafá, me sentia
entristecida.Não era bem isso o que eu queria,queria estar na
minha casa com meu marido, envelhecermos juntos.
Como sair das muralhas que me prenderam, sem deixar que a
noite escura de minha vida, apagasse o meu amanhecer!
Compreendi, então, que poderia ser amiga de mim própria,
enfrentar desafios, superar os obstáculos e manter acesos os
sonhos que no alvorecer de minha vida me fizeram caminhar
em direção a eles.
Fiz uma terapia através dos livros de auto-ajuda e da
orientação religiosa.
Varri do coração toda mágoa e fiquei a pensar, como dizia o
poeta: Minha alma tem levado vida de escrava durante
muitos anos.Deverei ficar assim até me consumir?Para que
vou perder tempo lamentando o que passou? Vou sim,
dedicar minha energia ao que ainda Deus me reservar.
E assim, pautei minha vida daí em diante.
Tanto Leila, como Júnior, trabalhavam muito. Tomei para
mim a incumbência de ajudar a criar meu neto.Não queria
nem ouvir falar de viver com outro homem.
Leila nos acolheu na sua casa e nós nos sentimos como se
assim a fosse.A ela devo ter permanecido junta aos meus
filhos e com o meu neto.Participei ativamente da vida de
Rafael.
Rafael passou então a ser o objetivo principal de minha
vida, acompanhei todos os seus passos, o vi crescer e tornar-
se homem! Ali encontrei o meu caminho e para isto me
160
dediquei. Amava meu neto como se fora meu próprio filho.
(Aplacava aí minha carência).
Adorava quando ele dizia:
-Estou com triste! quando queria uma coisa e não
obtinha.Com ciúmes quando alguém se aproximava da vovó,
dizia:
A vovó é meu!
Ou quando participava dos desfiles promovidos pelo
colégio e todos tinham que ficar olhando-o, sem poder tirar o
olho de sua exibição.
Hoje, recebo gratificada o desvelo e a ternura que ele tem
para comigo,seja na doçura do seu olhar ou num gesto de
carinho. Está concluindo o curso de direito. Rafael não nos
tem dado problemas, dizer seus predicados, naturalmente o
coração da vovó iria falar bem alto, mas tudo que se disser
sobre ele, é pouco, diante da pessoa maravilhosa que ele é.
Eu agradeço a Deus por ele ter existido e com isso dar
sentido à minha vida!.
Gilson, sempre foi estudioso, ele sabia que para sair de casa
precisava estudar, só assim, ele poderia viver sua própria
vida e eu fazia questão de que ele soubesse disto.
Ele assim o fez, viveu um período na casa de Carmem e
Leôncio que lhe deram acolhida quando precisou vir estudar
em Recife,na época não dispúnhamos de dinheiro que
possibilitássemos pagar uma pousada ou mesmo um
apartamento,daí dizendo que deveria acompanhar meu filho
quase todo final de semana vinha passar com eles desta
forma se estreitou os laços de amizade que já
tínhamos.Quando ia para sua casa ficávamos desabafando
nossas mágoas nossos problemas e assim éramos psicólogas
uma da outra, as vezes chorávamos outras vezes sorríamos,
ficávamos descobrindo a inquietude que havia na nossa alma
e também o que havia de contentamento,éramos ainda jovens
beirando os 40 anos e tínhamos muitos sonhos.
Tudo que havia no mundo da moda Jane sabia,tinha muito
bom gosto,passávamos a semana bordando camisetas ,eram
161
desenhos cheios de lantejoulas que davam um toque especial
tornando-a chic e muito bonita.
No dia que meu filho passou no vestibular, saí de casa cedo
para pegar o jornal e saber da notícia. Estava na rua centro da
cidade(não havia internet) quando chegou o jornal na banca
ao lado.Ao ver seu nome entre os melhores classificados saí
como louca de alegria;ali estava o início de uma vida de luta
e posso dizer de minha redenção.
Nós seremos eternamente gratos a Leôncio e Carmem Ele
partiu desta vida muito cedo, mas deixou a lição de que o
bem vale a pena!Ele deixou um legado de benquerença, de
um ser desprovido de egoísmo, sempre alegre e
principalmente muito justo e humano. Uma criatura
totalmente diferente de Aroldo, valorizava a família,amava
sua mulher e seus filhos,era descomplicado, bom, terno, sem
malícia,tinha sabedoria nata e era desejoso de viver.Apesar
de não ser uma pessoa de grandes posses todo ano durante
suas férias ia viajar.Lembramo-nos dele com muito carinho e
respeito, pela magnífica pessoa que o foi. Pelo que ele
representou na nossa vida, se tornou imortal.
Carmem, minha prima, era aquela criatura meiga sonhadora
afinal eles formavam um casal que com o pouco que tinham
desfrutavam dos maiores prazeres da existência humana,o
desprendimento, a paz, a lealdade a contemplação da
natureza e assim com eles seguíamos por este país afora
rindo e cantando como se estivéssemos no mais confortável
dos transportes admirando a beleza das paisagens,nos
hospedávamos em simples hotéis nas estradas era como se
fora de cinco estrelas,pois não era o ter que nos importava
mas o ser o viver aquelas experiências únicas, desbravar
aqueles lugares desconhecidos.Muitas foram as viagens que
fizemos juntas,tínhamos poucos recursos, no entanto
desconheço que o mais rico dos homens possam ter sido tão
felizes e desfrutado tanto quanto nós.Eu era muito
descontraída, contava piadas e histórias que todo mundo
ria,nunca tinha mau humor apesar dos problemas transmitia
162
alegria,gargalhava mesmo que por dentro estivesse
chorando. Passei dias e dias maravilhosos em sua casa,
fomos companheiras e grandes amigas, conversávamos e
participávamos dos nossos sonhos perdidos ou ainda por
realizar.
Quantos episódios interessantes!
No Rio, nos hospedávamos no apartamento de mamãe,
Carmem se punha a comprar quase toda Copacabana.Íamos
aos teatros que adorávamos freqüentar, principalmente o
teatro dos travestis.Ríamos tanto que ao sairmos, Leôncio
não tinha condições de pegar no volante.Vivemos momentos
extraordinariamente felizes.

CAPÍTULO 42

Júnior foi um desportista, jogava futebol e vôlei, desde


muito cedo, fazia isso sem que o pai soubesse.
Era um excelente jogador, participava dos jogos
estudantis.Um dia, foi designado para bater um pênalti, mas
errou e o radialista que estava transmitindo o jogo, disse:
- Por mais incrível que pareça, o homem dos 7 instrumentos
acaba de errar o pênalti!
No entanto, no outro pênalti, o técnico mandou de novo que
ele batesse e aí, ele fez o gool da vitória.
Parece incrível, mas eu não podia ir assistir nem sequer a um
jogo, a não ser pelo rádio.Aroldo não permitia e nem ia, eu
ficava em casa, tomava um tranqüilizante e ia dormir.
Essa noite ele veio para casa radiante de felicidade, eu lhe
disse que havia ouvido pelo rádio a narrativa do locutor. Essa
noite, quase não dormiu, fora um dia de glória para ele.
Os jogos a que assisti era quando vinha para casa de Carmem
que ia prestigiá-lo, isso quando ele já era rapazinho.
Meu filho era muito sério, carregava no ombro a carga dos
163
meus problemas.
Júnior se formou em engenharia elétrica, se graduou já
casado. Antes de se formar, já estava ensinando, substituíra
um colega no colégio denominado Historiador que
funcionava no Salesiano. Quando foi visto dando aula pelo
coordenador, um francês chamado Bardan o convidou para
ensinar no Salesiano.
Muito feliz da vida por estar trabalhando, comprou seu
primeiro carro, um fusquinha e, depois uma Brasília 0 km.
Daí em diante não parou mais, ensinou em vários colégios.
Quando se formou, resolveu exercer sua profissão. Seu
amigo de universidade, saíra para trabalhar em outra usina e
o indicara.Este amigo dele e sua esposa quero-os com muito
carinho lá bem dentro do meu coração,nunca deixaram de
estar presentes em nossos momentos alegres e tristes.Têm
sido realmente nossos companheiros na jornada da vida.
Júnior resolveu deixar os colégios e ir para usina.O salário
era bem inferior ao que ganhava como professor e, além
disso, não se adaptou ao tipo de trabalho.
Ao sair da usina, fez dois concursos, um para professor da
URPE, outro para o Ministério do Trabalho. Em ambos foi
aprovado. Fizemos uma festa para comemorar. No
apartamento em que moravam em Piedade, reunimos a
família e demos graças a Deus.
Meu filho realizava o seu e o meu sonho, era agora aquele
que vencera, era como a espada de Hércules “A minha força
e o meu poder”.
Sempre fomos muito amigos, dividimos nossas alegrias,
nossas tristezas e também os nossos sonhos.Você, meu filho
amado, é a Ancora da minha vida.Te amo muito!
Compreendo-o perfeitamente, nos seus acertos e erros e
sempre digo a ele:
- Meu filho, para onde você for estarei lá.Se for para o
inferno, irei lá para buscá-lo.
Leila não ficava atrás. Muito estudiosa desde criança, fizera
o concurso do Banco do Brasil, trabalhava a noite na
164
compensação e de dia fazia medicina.
Quando se formou, pôs seu consultório.Ainda trabalhou na
Gerdau e noutros empregos.
Lutaram muito, viveram intensamente, também
conquistaram muito até que o destino os separou.
Leila se tornou uma filha querida para mim. Fez o curso de
Direito e está fazendo Magistratura, tenho muito orgulho
dela.
Sempre vivi com ela, compartilhamos tudo juntas, me
acolheu no momento mais difícil de minha vida, não seria
agora que iria abandoná-la! Amo você Liana, pela pessoa
que você sempre foi para comigo.Temos temperamentos
diferentes, você é muito autêntica, eu mais jogo de cintura,
mas talvez, esta seja a mágica que nos une até hoje.
Gilson veio também para Recife, se hospedou na casa de
uma prima, à qual lhe tenho toda consideração.(irmã de
Carmem).
Helena é uma pessoa extraordinária, está beirando os 80
anos, mas continua alegre e descontraída. Passar uma tarde
com ela é se renovar, ouvir com carinho os acontecimentos
interessantes de sua vida e o relato da vida do seu pai
querido.Homem extremamente humano. Adorava meu tio,
sempre que ele ia à Alto da Cruz ia a nossa casa. Um dia
estava eu e Gilson e ao passarmos pelo Night Club quem
saiu de lá? Tio Edmundo, cabelinho molhado e todo
sorridente. Pegamos no fraga!
Gostava também de um joguinho de gamão, quando Gilson
estava na casa de Helena dizia:- Onde está o menino?
E assim jogavam até ele dizer que o menino estava
roubando, não voltaria mais a procura-lo! Só que, no outro
dia chegava com o jogo na mão e voltavam a jogar. Morreu
com mais de 90 anos, sereno, como um santo!
Mário se formou em veterinária, mas não exerceu.
Fez um concurso para o INSS, casou e foi morar em
Caruaru. Depois de alguns anos de casado, se separou e
hoje é casado novamente com Geórgia.Tem um filho do
165
primeiro casamento, Mário César Filho.É um menino bonito
e de uma índole muito boa. E há outro do segundo
casamento, Gabriel.No momento, ela está esperando Arthur;
este foi o nome que decidiram colocar no menino, antes fora
Manoel Camilo, depois Vitor Daniel e finalmente
Arthur.Seja bem-vindo Arthur! Já lhe queremos muito!
No nascimento de Gabriel eu, já não era tão nova.Mesmo
assim, procurei dentro do possível dar-lhes aconchego e
amor. Como para Augusto, preparei com muito carinho um
enxovalzinho. Sentada em frente da televisão, já com a vista
um pouco turva, dediquei-me com amor à sua confecção.
Já não tinha tanta habilidade com a agulha, mas estava
contida ali, toda dedicação, não no luxo, nem na beleza dos
detalhes, mas no despojamento da ação.
Tento dar a Geórgia à certeza de que ela é muito bem-vinda,
pelo amor que ela demonstra ter por Mário e por nossa
família. Muito estudiosa, passou no concurso do TRT e hoje
vive entre Campina Grande e Caruaru.
Gabriel é um presente de Deus, alegre, bem humorado, já
tem mais de 2 aninhos.É sem proteção da vovó, uma
pessoazinha extraordinária.
No reveillon, fomos para o clube da ABB e para encanto de
todos ele dançou diante da orquestra todo o período em que
estivemos lá. Com o decorrer do tempo, apesar das perdas e
desilusões que sofri durante a vida, não deixei nem permiti
que meus sonhos morressem.
Para isso, me reciclei, transformei os acontecimentos que me
fizeram sofrer, em fonte de alegria e tentei ser feliz, não
apenas no que me dava prazer, mas principalmente nas
experiências doloridas, que não foram poucas!
Alguns fatos no decorrer de minha vida me deram muita
satisfação, entre eles a surpresa que Júnior me fez, quando
comprou um barco e nele gravara Norma-de-aço.Ao deixar
gravado no barco o meu nome, gravara-o também em meu
coração.
Foram meus filhos amados, pedaços de minha vida,
166
companheiros que me fizeram continuar a sonhar, que deram
sentido à minha vida, porque certamente sem eles minha
vida não teria sido a mesma.
Agradeço-lhes pelos momentos que passamos juntos, pelo
amor que nos uniram num só ideal.Quebramos muitas
barreiras, mas aqui estamos.
Em 1999, quando completei 62 anos, Júnior e Leila me
ofereceram uma festa surpresa.
Como gratidão, escrevi uma carta na qual, entre outras coisas
disse-lhes:
-Pequenos e grandes são os sonhos dos homens, os meus se
tornaram imensos quando vocês foram se tornando dignos e
principalmente humanos.Esta forma de enxergarem, de
verem o que está além do visível é que faz de vocês a
diferença!
Não poderia esquecer, também, a surpresa que Geórgia e
Gilson prepararam para mim.Estava eu na casa deles; quando
de repente chegaram cantando e declamando para mim duas
pessoas.Era uma serenata. Fiquei a ouvir enlevada, foi um
momento lindo realmente inesquecível!
Cada filho é único indivisível e especial. Gilson tem me
surpreendido, acaba de se formar no curso de Direito com
muito entusiasmo (quando criança me deu muito trabalho
para estudar). Jamais pensei que a esta altura de minha vida,
pudesse ter esta imensa alegria.
Fui sua madrinha em todos os eventos e muito orgulhosa e
agradecida a Deus, senti sua realização. Volto a ter novos
sonhos, e em cada canto me surpreendo, porque quando
penso que já não há mais nada de novo, eis que surge uma
nova fonte de alegria.
Gilson, companheiro e amigo, detentor de uma alma
belíssima, foi durante a vida inteira a representação viva do
próprio amor.Ele é alegre, e essencialmente bom!
Sempre com um sorriso nos lábios, vemos na expressão do
seu rosto, que é realmente um cara do bem. No discurso de
sua formatura ouvi de seu professor:-
167
“Nunca vá caçar borboletas, deixe que elas venham para seu
jardim”.(Mário Quintana)
E eu lhe digo meu filho,
-Procure sempre ter um jardim dentro de sua alma, faça florir
a sua vida como você sempre o fez, que com certeza não
faltarão revoadas de borboletas!

CAPÍTULO 43

A vida é difícil, foi feita unicamente para ser vivida, no


entanto, não conseguimos entendê-la, apesar da luta diária
para manter a positividade.
Hoje, busco aquela alegria que vinha de dentro de minha
alma inocente e livre, aquele sorriso fácil, aquela confiança
plena nas pessoas, as gargalhadas que saiam sem qualquer
motivo, as piadas, o interesse por qualquer coisa que viesse
nos trazer alegria ou mesmo a motivação para me dedicar a
alguma obra social.
No entanto, a minha maior realização como mãe posso dizer
que é o amor que existe entre os meus dois filhos.Fico às
vezes contemplando a beleza do sorriso de Netinho, um
sorriso largo e encantador, quando Mário está a dizer
qualquer coisa que o faz rir. Não é um simples sorriso, é um
sorriso de admiração mesclado de muito amor e de muita
ternura.
Embevecida, degusto esse momento, como quem saboreia o
168
vinho mais delicioso e digo para mim mesma; Essa é com
certeza minha grande conquista.
Augusto segue o mesmo caminho, num misto de afeto e
carinho entre seu pai, sua mãe, seu tio Gilson e seus primos,
Mariozinho e Gabriel e, por que não dizer por mim.
Sempre fomos muito alegres, Júnior chegava em casa, e tudo
era motivo de alegria. Cantávamos com o dedilhar do seu
violão ou no videokê que ele comprara. Um dia ele chegou
com o videokê e a partir daí começamos a cantar,ele sempre
tirava as melhores notas,era eu, Augusto,Gilson, ele tanto em
casa como nas festinhas ou na praia em Serrambi, ou quando
criança fazíamos um trio, eu, ele e Júnior, ou nas festas que
promovíamos.
Sinto saudades sim! Pois, tanto ele como Gilson, pegavam o
violão e cantavam para deleite de todos nós.Sempre fui
muito festeira, tudo aproveitava para fazer uma festinha.
Júnior também!
Tivemos nas nossas festinhas por muitos anos a presença da
família de Leila, de minha família, de Ariosto, de Geraldo e
família (a quem sempre dedicamos uma amizade especial) e
muitos outros amigos que não dá para enunciar aqui.
Amanhecíamos na praia, na primeira casa de Serrambi,
cantando e contando piadas que nos faziam morrer de
rir.Ângelo, Meneláu e Clésia foram nossos primeiros
companheiros.
A primeira casa de Serrambi, quando a vendemos, sentimos
muito.
Nela, havia uma história. O terreno que fora comprado a um
amigo de Leila, a construção pré-moldada, o sacrifício dos
dois para fazê-la e os muitos encontros que fizemos lá com
nossos familiares e amigos...
Nos despedimos da casa com muita tristeza, embora Júnior
tivesse comprado um terreno à beira mar que era um dos
sonhos dele.
A casa, ele a construiu muito rápido e sempre orgulhoso
dizia:
169
- Fui eu que administrei a construção!.
Quando a terminou, me abraçou com os olhos cheios de
lágrimas e junto a Leila, disse:
-Realizamos nosso sonho!
Daí em diante, tanto eu como Leila passamos a decorar a
casa e esta se tornou parte da nossa vida. Durante anos
festejamos lá, nossos natais e ano novo e acolhemos nossos
amigos e parentes.
Lembro-me também de Clóvis Cordeiro, das tardes
maravilhosas em que ficávamos na praia de Boa Viagem até
18:00 horas, bebendo cerveja e ouvindo os relatos da vida
dele, que nos fazia tanto rir até que Laura, já esgotada
(estava grávida) dava o ultimato e íamos embora. Tenho
saudades dele e vontade de revê-lo! Pois ele nos
proporcionou muitos dias de alegria, alegria simples sem
malícia, apenas risadas soltas ao vento.
Falar em Ari,meu cunhado e amigo é falar sobre um fato
muito inusitado, aliás, com ele aconteceram vários,mas este
foi especial.
Ele sempre foi um boêmio, no bom sentido; munido do seu
violão, saia fazendo serenata para as moças de que ele
gostava e para as dos amigos, quando solicitado. Uma vez,
diante da casa da namorada de um deles, pegou seu violão e
crente que estava abafando, cantou a música do momento,
cuja estrofe dizia o seguinte: Quem és tu, quem foste tu, não
és nada, se na vida fui errado tu foste errada também.De
repente, a porta se abriu e saiu o pai da moça querendo bater-
lhe.Todos saíram correndo e o namorado da moça indignado
pela música escolhida.
Os acontecimentos que surgem nos envolvem e, muitas
vezes, abatem e corroem a nossa esperança.
Cada ano que vivemos a mais, são novos desafios que
surgem.O que se constrói durante toda uma vida, pode ser
destruído num único momento, e assim foi com alguns
acontecimentos e com a morte de meus familiares.

170
CAPÍTULO 44

Morreu quase toda minha família; cada membro que morria,


era um pedaço de mim mesma que estava indo embora. O
último e inesperado foi Armando.Ele foi um dos mais
jovens, deixou 2 filhos,um casal representado por Nandinho,
um jovem alegre e sorridente, e Cláudinha.
Armando ficou em São Paulo, montou uma pequena fábrica,
lutou muito, passou uma temporada longe da família.Perto
de morrer, estive com ele, conversamos muito e voltamos a
nos lembrar dos belos tempos de infância.Armando fora um
menino tão maravilhoso, tão sentimental que só quem
conviveu com ele quando criança e adolescente, sabe.
Disse-me que pretendia escrever um livro; lamentavelmente
não deu tempo.Morreu de um aneurisma abdominal.
Afinal, ficamos eu e Neide, a mais nova das irmãs. Ela tem
171
17 anos de diferença, poderia ser minha filha, nasceu três
meses antes do meu casamento. O seu nascimento foi em
casa.
Eu e Clarice aguardávamos ansiosas o nascimento do bebê.
Logo que ouvimos o choro, nos abraçamos emocionadas, era
uma menina! Papai rejubilava-se!
Quando ele ia trabalhar, saía da loja de três em três horas
vinha fazer a comidinha dela. Às vezes, pegava-a no colo e
ficava cantando, dançando e fazendo-a rir. Tanto eu como
Eliane o acompanhávamos.
À noite acordava para trocar-lhe a fraldinha ou dar-lhe a
mamadeira. Era um pai extremamente dedicado. Infeliz-
mente morreu poucos meses depois do seu nascimento.
Esta, pode-se dizer que não conviveu comigo nem com
papai, como os outros irmãos.
Durante os dois primeiros aninhos, ela foi nosso mimo tanto
para mim como para Clarice e tudo que ela dizia era motivo
de deleite e encantamento. Chamava-me de dadinha, falava a
baca, o degue, era realmente uma gracinha!
Com a ida dela para o Recife e depois para o Rio de Janeiro
houve um distanciamento.
Sempre fui muito gaiata, ela embora bem mais nova, era
mais séria, menos descontraída. Fizemos algumas viagens
juntas. Na primeira viagem que fiz à Europa, ela me ajudou
na compra da passagem.
Foi uma viagem deslumbrante: de trem, me encantava com
os lugares, com as paisagens, com o mundo que jamais
sonhei conhecer. Estivemos hospedadas em albergues da
juventude e em casa de alguns maravilhosos amigos, entre
eles, Demóstenes Veras, que nos levou para os mais lindos e
indecifráveis lugares, como também, Conceição e Valdson,
Teresa e outros.
Um fato interessante: foi quando fomos a Disney, estávamos
assistindo um show, quando caí de uma
arquibancada.Imediatamente chegaram os funcionários, me
puseram numa cadeira de roda e me levaram para ser
172
atendida; eu não sofrera nada.
Muito palhaça achei uma cena digna de ser registrada.Saí
sorrindo e pedindo que me fotografasse, pelo que ela
imediatamente me repreendeu.Fiquei sem essa foto histórica!
Durante o período de criança viveu em Recife, em seguida,
foi com mamãe para o Rio de Janeiro. Lá, com mamãe,
viveu sua vida, estudou, tornou-se independente, casou, teve
dois filhos: Leonardo, um amor de rapaz e Ângela uma moça
muito bonita
Atualmente tem uma netinha, Gabriela, uma criança linda,
que a vovó ama de paixão. Hoje, é adepta da dança de salão.
É uma exímia dançarina.
Algumas vezes nos encontramos nas férias, matamos as
saudades e conversamos sobre nossas vidas.Temos passeado
muito, conheci museus, teatros, praias etc... na companhia
dela. Hoje somos muito mais amigas e carinhosas; acho que
aprendemos que devemos aproveitar esses momentos únicos
de encontros, dádiva inexplicável e podermos melhor
aproveitar a felicidade de termos ainda uma a outra.
Seu marido, Abraão, filho de italianos, sangue muito quente,
é uma pessoa excelente! Não esqueço de sua mãe D. Biba,
sempre com um docinho especial para mim.
Quando estou em casa deles sou sua companheira de TV dos
programas jornalísticos. Ficamos indignados ante os
famigerados políticos que roubam e sucateiam a nação em
detrimento dos milhares de miseráveis brasileiros.
Quando falamos sobre mamãe, Neide diz:
-Certamente esta não é a mesma, porque vocês falam de uma
pessoa de temperamento diferente, minha mãe era amorosa e
doce.
Chegamos à conclusão de que a dedicação ao trabalho e
muitos filhos, não davam possibilidades, que as duas
tiveram, ao ficar mamãe viúva, sozinha e já idosa.

173
CAPÍTULO 45

Clarice procurava unir a família. Os natais, carnavais e,


aniversários, eram celebrados na sua casa, tinha seis filhos e
só eles e os familiares já era uma festa.
Mesa farta e coração aberto para todos.
Apesar de doente, sempre tinha um sorriso aberto e franco
era elegante e discreta! Sua casa era cheia, como cheio era
seu coração.
Clarice sofreu muito durante sua existência, com problemas
de saúde.Não soube lidar com os reveses da vida.
Muitas vezes caía em depressão profunda. Só quem sabe o
que é uma depressão é quem já a teve.Sabe que é a
experiência mais amarga do sofrimento humano.Teve sete
filhos, um dos quais nascera morto.
Lendo um livro de Augusto Cury “O Futuro da humanidade”
me surpreendeu a descrição de um personagem que bem
174
retratava o que Carice vivera, quando dizia que a idéia de
perseguição que sofre uma pessoa é inimaginável.
“Ter um inimigo fora de si é perturbador, ter dentro da
própria mente é apavorante”.
Nessa luta delirante, ela perdeu a maior dádiva de um ser
humano a sua consciência crítica.
Mesclava idéias coerentes com delírios.
Quando uma vez foi levada sem seu consentimento ao
hospital, fui visitá-la; as lágrimas corriam de nossas faces.
Ela com um semblante triste sentindo-se injustiçada disse-
me:
-Você sabia o que iam fazer comigo?
-Entre lágrimas, balancei a cabeça afirmando.
Vez por outra voltava ao hospital. Impregnada de
medicamentos sua mente adormecida não foi mais a mesma.
Iniciou-se um processo de Mal de Parkson, suas mãos
tremiam. Quando a via nesse estado, me dava pena, porque
ela tinha sido brilhante nas suas idéias e nos seus ideais.
Mesmo assim,voltou a viver,quando ficou mais velha,
melhorou,não foi mais ao hospital e tentou levar uma vida
normal.
Numa das vezes, conversando no seu leito de hospital, perto
de morrer, estávamos chorando juntas, enxugou de repente
as lágrimas e disse:
_ Minha filha está para chegar, tenho que ser forte!
Passou uma borracha no período em que tivera saúde, beleza,
alegria!
Fora uma lorde!
Nunca a vi dizer um palavrão ou coisa que o valha, mas
adorava minhas palhaçadas e minhas piadas, dava aquele
sorriso discreto e aprovador.
Viveu entre a casa e hospitais, seus filhos foram seus
amores.Talvez, nenhum deles saiba mensurar o tamanho do
amor que ela lhes devotava.
Meus sobrinhos queridos, Ângelo, Ivo, Marcus, Concinha,
Turuta e Neusinha, certamente sua mãe queria que
175
soubessem: Que os amava muito e creio com certeza que em
cada um de vocês existe um pedacinho do amor dela.
Ela está viva, na essência do que existe em cada um de
vocês!Infelizmente sua doença, lhe tirara a possibilidade de
ter sido a mãe que ela sonhara ser.
Segundo Augusto Cury, psiquiatra de renome e escritor, o
que lhe faltou foi uma psiquiatria moderna e mais humana,
em vez de tantas drogas, mais troca de idéias, para saber o
“como” e o porquê “dos seus delírios”.
Um poema de Matos Sache me faz lembrar Clarice, quando
ele diz:
Cada pessoa é única para nós, e passa sozinha, mas não vai
sozinha nem nos deixa sós.
Leva um pouco de nós mesmos.Há os que levam muito, mas
não há os que não deixam nada.Ela me deixou muito:
hombridade, amor, ternura,carinho,solicitude,exemplo de
uma vida de renúncia e altivez.Deixou o orgulho de tê-la
como irmã.Amor puro, sem cobrança, amor-doação.
Amor não se compra, amor se sente!É doação recíproca.
Cada um dos meus sobrinhos, filhos de Neusa, é bem
diferente. Foram muito levados, uns mais que outros.Uns são
mais lordes, outro não liga para nada, outro um filósofo
poeta, fundador do cicloísmo, outro é um artista e assim,
nesta miscelânea tem um componente que os nivelam, um
coração grandioso.
O importante é que eles fiquem certos de que, os amo muito
e nunca me fizeram uma só coisa que me deixasse
triste.Quando eles me abraçam, sinto a energia gostosa que
vem de dentro dos seus corações.
Quando Clarice faleceu, eu estava chorando convulsamente.
Não a vi morta, recusei vê-la sem vida.
(também devo ter meus fantasmas!).
Nunca visitei seu túmulo, porque nunca a considerei morta.
Gilson estava do meu lado, quando, de repente, me lembrei
de um túmulo que tenho em Caruaru, onde foi enterrado
papai.
176
Como achei que ele não tinha utilidade para quem morava
em Recife, e só Gilson morava em Caruaru, me voltei para
ele chorando e disse:
-Gilson, aquele túmulo de Caruaru pode ficar para você,É
SEU!
Imediatamente, ele olhou para mim e disse-me:
-MEU! Deus que me livre desse presente, pode ficar com
ele!
Percebendo o que havia sugerido, comecei a chorar e sorrir
ao mesmo tempo sem parar, aliás, todos rimos muito. Foi
uma trági-comédia!

CAPÍTULO 46

Eu me aproximo dos meus 70 anos, nasci em 1937.Jamais


pensei que chegaria a essa idade.
Pensamos em fazer uma festinha, reunir nossos amigos,nossa
família. Fizemos tudo para que saísse certo,o local,o tipo de
comida,a decoração(que foi um presente de uma amiga)os
convites,a banda e tudo mais.Iniciei este livro e escrevi-o
ansiosa, teria que terminá-lo para o dia da festa,Júnior me
levou a gráfica,levamos os disquetes e as fotografias.Tinha
sido feito a correção do livro,creio no entanto como o tempo
foi exíguo não foi suficiente para revê-lo e alguns erros de
português foram deixados,já que eu só sei escrever a
linguagem corriqueira, por isto estou reescrevendo a história
de minha vida e reeditando-a acrescentando muitos dos fatos
e pessoas que passaram por minha vida, aos personagens
coloquei nomes fictícios.
177
Apesar de não ter dado tempo para uma nova correção
entreguei-o assim mesmo, estavam ali pessoas que foram
testemunhas da minha vida, pessoas que eu queria que
naquela data recebesse o meu livrinho,o resto pouco
importava.
Cada pessoa que leu o livro me parabenizou pela
simplicidade que descrevi os fatos e da emoção que os
levaram até as lágrimas e ao riso como também com alguns
episódios transcorridos da época.As pessoas mais velhas
reviviam o passado com fatos dos anos que caracterizaram
suas infâncias e adolescências.
O salão de festa estava muito bem decorado,as mesas com
toalhas finas de renda por cima de uma de cetim de cor
creme que eu havia previamente escolhido,os jarros de vidro
com flores tropicais sobre as mesas dava um colorido
especial e os lustres caídos do teto iluminavam todo o salão.
Estavam presentes meus parentes,amigos mais
chegados,filhos,netos e noras,em algum momento eles
pediram a palavra e me homenagearam .
Voltei neste dia para casa muito feliz,70 anos que nunca
pensei vivê-los,já era três da madrugada quando consegui
conciliar o sono,revivi momentos inesquecíveis,o
pensamento voltava ao passado e na minha cabeça se
passava cenas de um filme cuja protagonista era eu. Aí então
relaxei e satisfeita peguei no sono.Tio José e esposa vieram
de Aracaju como também Neide minha irmã.
Analisando o tempo vivido, pergunto a mim mesma:
-O que fiz de minha vida?
-Valeu a pena?
Claro que sim!Reescrevi minha história.
Chorei muito. Chorei por mim mesma, mas não só por mim,
também por meus familiares. Tive muitos momentos felizes
e de extremo contentamento.
Não posso dizer que me arrependi de ter me casado com o
homem que amava, apesar de descrever os acontecimentos
que se passaram, porque não teria como não fazê-lo, porque
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assim foi minha vida. Meu neto me disse: Escreva sua vida
vovó; eu assim o fiz.Esta é a pura verdade daquilo que pude
contar.Construí meu caminho, sem fugir, nem desertar da
luta e, acreditem, foi uma grande batalha. Pode não significar
para alguns, mas para mim o foi.As vezes fico sozinha
falando comigo mesma,reflito sobre o rumo dos
acontecimentos e as surpresas que a vida nos reserva,viver
70 anos é uma longa estrada,meu físico me alerta sobre
isto,no entanto meu Espírito está bem vivo parece que tenho
30 anos,sonhos e desejos como toda jovem.Este relato é mais
que um hino de amor,é o que tenho dentro de mim de
emoções,sentimentos de amor e carinho pelos meus
filhos,netos noras e pessoas que tive a sorte de tê-las comigo.
Viajei por todo o país, conheci quase todo o Brasil e grande
parte do mundo.
Hospedei-me em hotéis de luxo, em albergues, em simples
hospedarias e em casa de parentes e amigos.
Fiz algumas excursões e algumas caminhadas.Viajei de
avião, de trem, de carro, de navio.As muitas viagens que fiz,
se deveram em grande parte, à minha sobrinha querida,
Mercês, que estimulava e conseguia passagens accessíveis.
Mercês tem sido uma sobrinha muito carinhosa e amiga. Ela
também é para mim uma pessoa maravilhosa e muito
especial no meu coração. Quando estamos juntas ou nos
telefonamos, passamos horas conversando e ela me dando
força para que eu prossiga na luta da vida.
Na Grécia, visitando a ilha de Miknos,entrei sem saber numa
praia de nudismo.
Parada, inerte, fiquei admirada vendo as pessoas desnudas,
sem malícia, sem maldade.Era um choque de civilização!
Um fato inesquecível é que numa das viagens de navio em
direção a uma ilha do Caribe, o navio foi acometido por um
pequeno tornado, os tripulantes nos davam orientação de
como proceder, caso necessitássemos abandonar o navio.
Eu e Leila apavoradas vimos que iríamos passar a noite
observando o balançar e as ondas enormes que vinham sobre
179
o navio. Então tive uma idéia:
Tomei um comprimido de dormir e disse para Leila:
-Vou dormir!
Só acordei, quando o dia amanheceu, já avistando a costa da
Flórida.O tornado havia passado e muitos barcos revirados.
Para Miami realizei várias viagens, fiz lá muitas compras ao
lado de minha sobrinha amada Andréa.Conheci a Disney e
todos os seus brinquedos por três vezes. Em Nova York, me
hospedei em casa de outra sobrinha linda que adoro, Luzia.
Conheci também o Canadá.
Passei então a sair para teatros, cinemas, shows etc. Dancei,
cantei e sorri para a vida.
Viajei para o Chile, para casa de uma amiga a quem
considero como filha. Sonia Lizana mora em Santiago.
Conheci-a quando fiz uma viagem para o leste europeu.
Fizemos várias viagens através do Chile, um país
encantador! Conheci os mais belos lagos, acampei, comi as
mais saborosas frutas e os mais saborosos peixes.Subi ao
cume de um vulcão extinto, visitei local de águas térmicas e
fui até o início da região da Patagônia, onde um letreiro
dizia: “Quem não conhece os bosques do Chile, não conhece
a beleza do mundo”. (Pablo Neruda)
Aos meus companheiros de viagem, Sonia, Tõno,Gualcolda,
Joel, José, Sarita principalmente a Esteban e Claudinha,
obrigada pela companhia e pela possibilidade de conhecer
aqueles lagos lindos que não me saem do pensamento.
Tornei-me artista plástica, participei de algumas exposições,
vendi alguns quadros e distribuí com meus filhos e parentes
alguns preferidos.
A experiência dos anos vividos fizera ver que:
A Vida devolve o que tira de você!
Esta é a mais pura expressão da verdade.
Devolveu-me, Sim!
A recuperação de minha auto-estima e dos meus sonhos
perdidos.
A vida é um eterno jogo: ou você joga para ganhar ou sai
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perdendo.
Contabilizei então minhas perdas e ganhos e vi que o saldo
me foi muito favorável.
Agradeci a Deus o dom da vida e a sabedoria de lidar com os
conflitos.
Este livro é uma pequena e simples descrição de alguns fatos
de minha vida
Ao descrevê-los e analisá-los, percebi que minha vida foi tão
simples, tão banal e tão cheia de conflitos como a da maioria
das pessoas!Nada de extraordinário!
Cada pessoa tem sua história, se contada, veríamos a
diversidade de acontecimentos, tristezas e alegrias que giram
em torno de cada um.Éramos sete irmãos e cada irmão teve
seu próprio destino e sua própria história.
Tive por alguns anos a companhia amiga de Miracy,
viajamos juntas e fazíamos companhia uma a outra.Hoje, ela
com a ida dos filhos para a Europa, vive entre o Brasil e
Portugal, portanto a vida nos ofereceu outros caminhos a
perseguir e com isso não temos a disponibilidade de antes.
Maria José tem sido outra boa amiga, morre de rir comigo,
éramos chefe de alguns setores eu, de merenda,livros
didáticos e manutenção física das escolas e ela o setor
financeiro,lá nossa relação foi puramente de trabalho,foi
depois de aposentadas que nos aproximamos mais,fizemos
algumas viagens juntas e sempre que podemos nos
encontramos.Quando estamos conversando falamos de
nossas vidas,temos mais ou menos a mesma idade.
Falando sobre esta minha narrativa a ela,disse-lhe: Procurei
um defeito para pôr em mim e não achei.Ela não se conteve,
deu uma boa gargalhada e conta isto a todo mundo.
Falando nisso, estava eu com Leila na cozinha, quando ela
me ofereceu um Yogurte, falando sobre as propriedades do
produto para o funcionamento do intestino, ao que logo
respondi:
Não gosto! E fiz uma cara de desdém.Ela imediatamente me
disse:
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Assim mesmo, diz que não tem defeito!Chata que só vendo!
Foi um momento em que rimos pra valer!Depois disso,
aproveita tudo, para me dizer dos meus defeitos.Claro que os
tenho e sei quais são; vocês que os vejam e os aguentem!
São Paulo, o maior dos apóstolos, disse que não era perfeito,
imagine eu!
Começamos a ter mais intimidade agora que já estamos
aposentadas,não vivi o tempo da grande luta dela porque
hoje ela desfruta de uma vida boa recompensa pela luta que
travou.
Foi uma moça pobre morava em bezerros interior de per
nambuco, mas diferente dos irmãos gostava de estudar e teve
sempre muito bom gosto pelas coisas boas da vida,tinha
cinco irmãos.
Sempre teve tendência artística, gostava de cantar e fazia
teatro nas igrejas ou mesmo na escola, como excelente aluna
era vista de maneira especial.
Fazia sua mãe costurar os vestidos que ela desenhava nas
vitrines, quando não saia como ela achava que queria se
aborrecia.Hoje ela diz:
- Meu Deus como eu aperriava minha mãe!
Sempre foi muito determinada, começou a trabalhar muito
cedo em pequenas coisas que lhe desse um
dinheirinho,porém nunca descuidava dos estudos.
Por insistência dela veio fazer o admissão com um grupo de
amigas no IEP,colégio público,mas de renome pela
qualidade do ensino e dos professores,foi onde teve a maior
decepção de sua vida,foi reprovada e não sabia o
porquê,porque todas suas colegas passaram e não eram tão
boas alunas quanto ela.Teria suas amigas passado apenas
pela influência do nome de família?
Não deixaria isto em vão,iria fazer a segunda época e assim
fez,tendo sido aprovada em primeiro lugar para orgulho dela
e de toda família.
Convenceu seu pai e a família veio morar em Recife.
Antes mesmo de se formar conheceu um rapaz da
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aeronáutica, por ele se apaixonou, se casou e em vez de
prosseguir nos estudos foi morar em São Paulo e ter
filhos,duas mulheres e três homens.
Ao voltar de São Paulo, o marido abandonou a família e ela
teve que trabalhar e voltar a estudar.
Maria José é uma mulher que podemos chamar de fibra,
professora de português ensina hoje em cursos preparatório
para concursos.
Totalmente diferente de mim quanto a maneira de ser,cada
uma com uma personalidade, no entanto nos entendemos, e
nos respeitamos.
Não poderei deixar de citar Nice, Fernando, Júlia que têm
sido meus bons e queridos amigos quando necessito.
Lendo umas mensagens no meu e-mail, uma me chamou
atenção no que diz respeito as pessoas que passam na nossa
vida.
Dizia mais ou menos assim:Existem pessoas que passam na
nossa vida por apenas um dia, outras, por alguns momentos
ou por muitos dias,outras, por toda a vida. Umas vêm e
outras se vão.Mas todas são importantes, porque aquele era
exatamente o momento necessário em que precisávamos uns
dos outros.
Agradeço a Deus ter-me dado minha Lana e o meu Luffy,
meus dois cachorrinhos,pois o amor que recebo deles, me fez
saber que, além de nós racionais,existem seres muito
melhores que o ser humano. De lado, deitados junto a mim
ou no aconchego do meu colo, quando estou só, não me
deixam ter medo de ficar sozinha. Não me acham feia nem
velha, gostam de mim como sou.
Hoje,quando vou a Caruaru, olho em volta e já não vejo
quase nada da maravilhosa cidade bucólica do passado, onde
nasci e vivi com minha família.As pessoas já se dispersaram
ou morreram.O progresso é bom pelo que ele oferece de
evolução, mas mata o sentimento de ternura e respeito pelas
pessoas com que convivemos e destroem a nossa história
comunitária.
183
Da casa que papai construira com tanto amor, já não resta
nada; o Atelier, que durante tanto tempo foi tido como o
ponto chique, onde as senhoras mais ricas faziam lindos
vestidos com os quais desfilavam também não existe mais.
Na minha mente, passam as imagens, onde revivo a minha
família como um todo: meu pai e minha mãe trabalhando
incansavelmente na rotina diária e meus irmãos que seguiam,
cada um, para suas tarefas ou brincadeiras. O vai-e-vem das
pessoas na loja, funcionários trabalhando e, finalmente do
aconchego do nosso lar, onde sob a proteção de papai, nem
sequer sonhava que poderia ter outro tipo de vida.
Ouço com saudades os conselhos sábios de papai e as firmes
recomendações de mamãe.
E sigo saudosa, porém não melancólica, porque a melancolia
nos tira a visão e alegria maravilhosa do presente.
Fui criada com muita simplicidade, devo isso aos meus
pais.Posso freqüentar o mais luxuoso dos lugares e o mais
simples de todos, sem nenhum problema.Eles diziam: Você
não sabe do seu amanhã.
Muitos fatos, principalmente os que foram mais doloridos,
não foram descritos.
Não existem CULPAS!
Apenas temos o direito de preservar nosso sossego.
Sinto que tomei o caminho certo nesta vida, penso que nada
mais poderia fazer dentro do contexto que vivi e convivi e
levemente deixo tranqüila que a suave brisa me leve ao meu
destino maior.
Sei que estou perto de chegar ao final do caminho que
deverei percorrer. Que Deus me ajude!
Esta narração foi feita para meus familiares e amigos, nada
tem a ver com a pretensão de ser uma escritora, dedico
simplesmente a:
Minha família amada, meus antepassados, dos quais sou
fruto e produto de cada um, trazendo no sangue um pouco de
sua genética, o resto a ficar por conta do meio ambiente e da
formação que tive.
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Meus avós, meus pais queridos, irmãos, filhos, noras, netos,
cunhados, sobrinhos em geral, e amigos especiais.
Obrigada por ter tido a oportunidade de compartilhar dos
seus e dos meus momentos alegres e tristes e de fazerem
parte de minha história.
E principalmente por pertencer a esta família de sangue ou à
que escolhi, que segundo dizem:
Não nos encontramos por ACASO.

Sonho impossível

Sonhar mais um sonho impossível,


Lutar quando é fácil ceder,
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar no limite improvável
Tocar o inacessível chão
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É minha lei
É minha questão
Virar este mundo
Crivar este chão
Não importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei de vencer
Por um pouco de PAZ

E amanhã
Se este chão que beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for,
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver
Uma flor
Brotar
Do impossível chão.
(Chico Buarque de Holanda)

Este hino é um grito de luta e paixão pelo incansável


trabalho realizado pela ADUSEPS, em prol da inclusão
social.

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