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Resenha

NOGUEIRA, Simone Gibran.


Libertação, descolonização e africanização da psicologia:
breve introdução à psicologia africana.
São Paulo: EdUFSCAR, 2019.

Lígia Mayra Amaral Lima¹

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Graduanda em História no Libertação, descolonização e africanização da Psicologia é uma
Centro Universitário Unisa- obra de autoria de Simone Gibran Nogueira, formada em Psicolo-
grado. RESENHA realizada gia e mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos,
para a disciplina de História
da África II, sob a orientação
doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católi-
da Prof. Drª Lourdes M. G. ca de São Paulo, com pós-doutorado em Psicologia pela Pontifícia
C. Feitosa. Universidade Católica de Campinas. A autora tem experiencia de
pesquisa e trabalho em Psicologia Social, Educação das Relações
Étnico-Raciais, Pertencimento Étnico-Racial, Culturas Populares,
Capoeira Angola e Tradições Afro-brasileiras. O tema central do
livro é a reflexão e crítica sobre a herança política e histórica greco-
-romana na construção de conhecimentos em Psicologia, sendo a cri-
ticidade desta o processo de “descolonização” dentro da perspectiva
da libertação da Psicologia, valorizando a perspectiva afro-centrada.
O prefácio foi realizado por Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva,
graduada em letras e com uma longa trajetória no campo educacio-
nal. Além deste, há uma breve apresentação na qual a autora expõe
a finalidade do livro apresentando seus quatro capítulos, que são:
“Colonização e descolonização da psicologia”, no qual há uma refle-
xão crítica sobre a colonialidade do poder, saber e ser na Psicologia
Tradicional e na vida cotidiana; “Enegrecer, africanizar, aquilombar:
processos históricos, políticos e científicos”, sobre a compreensão
da parte de construção da história política e científica inovadora de
pensamentos, pesquisadores e psicólogos negros que produzem co-
nhecimentos há mais de cinco décadas; “Bases filosóficas e episte-
Recebido em: 10/10/2020
Aceito em: 30/11/2020 mológicas da psicologia africana”, que trata da construção dos novos

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horizontes pela visão de mundo africana valorizando conhecimen-
tos dos povos; e “Libertação, descolonização e africanização da
psicologia”, que finaliza a reflexão a respeito da importância de se
reconhecer as limitações imperialistas da psicologia tradicional e a
abertura para diálogos diferentes de perspectivas do ser humano.
Na primeira parte do livro a autora explica que nesta obra sua
proposta de libertação tem como referência os movimentos de des-
colonização e indigenização da Psicologia. Há a crítica à Psicolo-
gia Tradicional, que é baseada na visão eurocêntrica de mundo, a
qual, nos últimos cinco séculos de História, influenciou boa parte
do mundo e serviu como instrumentos de dominação e opressão a
outros povos. A colonialidade seria a suposta racionalidade, prove-
niente da colonização da Europa, das relações sociais que se ma-
nifestam em todos os aspectos da sociedade, sendo reproduzidas
diariamente, de acordo com Nogueira e Guzzo, pelas principais
instituições sociais. É apresentado também uma crítica sobre como
a colonização moldou a mente das pessoas brancas perpetuando
uma relação desumana com o Outro (indígenas e afrodescenden-
tes), ideia ratificada pelo citado Roberto Jensen, pesquisador esta-
dunidense crítico da branquitude.
A partir dessa visão eurocêntrica, há a análise de que essa pers-
pectiva causou uma desigualdade e injustiça social profunda. A
autora utiliza as perspectivas crítica da decolonialidade, pós-colo-
nialidade e afrocentrada para confirmar que a visão eurocêntrica
é parte dessa problemática. Movimentos de construção epistemo-
lógicas de perspectiva sulista têm emergido e como exemplos de
ascensão de novas perspectivas são citados Santo e Meneses na Eu-
ropa, Hountondji na África e no campo da Psicologia Martin-Baró,
Pedro Guarenschi, Porto-Gonçalves, Bento e Carone, Wade Nobles
e Na’im Akbar, psicólogos da ABPsi/EUA (Associação Nacional de
Psicólogos Negros nos Estados Unidos), criada no contexto do Mo-
vimento por Direitos Civis, em 1968. De acordo com esses psicólo-
gos, os afrodescendentes têm suas identidades duplamente negadas,
pois são instigados a internalizar costumes e o modo de vida do
grupo dominante, sendo necessário passar por uma libertação da
colonialidade. A autora expõe que a a escolha de sua perspectiva
crítica foi a afrocentrada, pois seu trabalho não diz respeito somente
a descolonizar a perspectiva psicológica, mas também a africanizar
as suasvisões de mundo.
No capítulo “Enegrecer, africanizar, aquilombar: processos his-
tóricos, políticos e científicos”, a autora apresenta um panorama his-
tórico da criação de uma “resistência histórica” por parte de pesqui-
sadores africanos. Esta resistência, desde a década de 1960 e 1970

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na região norte-americana, tem produzido, segunda ela, uma ciência
histórica de acordo com a visão de mundo africana. A autora cita
Karanja Keita Carroll para ratificar o conceito de resistência; Elisa
L.Nascimento e Charles S.Finch III para refletir que essa resistência
começou há muito tempo com o Quilombo dos Palmares, a poesia
de Phillis Wheatley, a carta de Esperança Garcia e outros mais; e
alguns intelectuais do século XX dos E.U.A, Gana, Guiné-Bissau,
Brasil, Jamaica, França, Martinica, Cuba, Nigéria, Congo para mos-
trar como essa resistência se tornou mais forte no século passado.
Há um trecho contextualizando a psicologia negra na diáspora
americana, fazendo uma crítica àqueles que ainda vêem esse estudo,
embora norte-americano, como uma Epistemologia do Sul. A autora
contextualiza os estudos negros e políticas públicas de ação afirma-
tiva no Brasil, refletindo sobre como a resistência acadêmica cultural
persiste mesmo em face a tantos ataques à ela. Analisa a psicologia
em termos das relações étnico-raciais e da população afro-brasileira,
apresentando marcos históricos para a reflexão sobre a psicologia
africanizada, expondo os avanços da psicologia da temática étnico-
-racial no Brasil e as limitações, diálogos e desafios da psicologia nos
EUA e no Brasil.
Na penúltima parte do livro intitulada “Bases filosóficas e episte-
mológicas da psicologia africana”, a autora utiliza alguns resultados
de sua tese de doutorado “Psicologia crítica africana e descolonização
da vida na prática da capoeira Angola” como referência para a expo-
sição teórica sobre o tema. Inicia as primeiras considerações sobre o
rumo do conhecimento da psicologia africana e seus desafios. Argu-
menta sobre os fundamentos da psicologia africana citando aspectos
como religião e filosofia, noção de unidade, noção de tempo, noção de
morte e imortalidade e o parentesco como unidade coletiva.
Há a conceitualização da Psicologia africana sobre a orientação
do que é normal ou patológico, a axiologia de quais são os valores
importantes, o conceito de self ou pessoa, a orientação do tempo, o
propósito de vida e a epistemologia de qual conhecimento é válido e
como adquiri-lo. Termina esse capítulo com considerações a respei-
to dos componentes da personalidade africana nos aspectos físicos,
mental e espirituais, que interagem entre si para a autopreservação
do indivíduo.
A última parte “Libertação, descolonização e africanização da
psicologia” é uma síntese do pensamento e objetivo central do livro,
que é a proposta de libertação da psicologia da epistemologia eu-
rocentrista, brancocentrista, do patriarcado e etc. A autora termina
instigando os leitores a refletirem, repensarem e a refazerem a aca-
demia com uma visão mais plural da psicologia.

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A obra é reflexiva e de muito valor para o estudo da Psicologia.
É destinada ao público acadêmico de Psicologia, Estudos Sociais,
História e áreas afins que deseja ter uma introdução à abordagem da
Psicologia africana e à visão epistemológica afrocentrada, crítica à
percepção eurocentrista desta área.

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