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CAPOEIRA

EXU NAS ESCOLAS:


UMA PROPOSTA DIDÁTICO-
METODOLÓGICA
____________________________________
RESUMO
Revista de Humanidades e Letras Abrir caminhos através das tramas da ciência nos faz chegar a essa en-
ISSN: 2359-2354
Vol. 7 | Nº. 1 | Ano 2021
cruzilhada epistêmica, um local de novas possibilidades para traçar re-
flexões e ações de reposicionamento cognitivo dos saberes trazidos do
Linconly Jesus Alencar Pereira continente africano e que foram/são ressignificados nos terreiros. Neste
ensaio, aponto novas perspectivas de rupturas didático metodológicas
diretamente direcionadas à estrutura racista que ainda é muito bem ali-
cerçada nas escolas e que engessa, silencia e impede que os conteúdos
referentes à implementação da Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003) adentrem
ao currículo e as práticas pedagógicas. Traço como objetivo central des-
ta produção, a ação de evidenciar referenciais exuísticos com a perspec-
tiva de transgredir as barreiras didático-metodológicas a partir da chave
de virada, Exu nas escolas. Considero que, na atualidade, é uma ação
necessária e urgente elaborar e potencializar as epistemologias de terrei-
ro. Dessa forma, decidi organizar este texto em dois momentos, primei-
ro reposicionando cognitivamente a imagem do orixá Exu e a constru-
ção da exuística e, na segunda parte, evidenciar um novo contexto didá-
tico-metodológico para as escolas, compreendendo tamanho desafio.
PALAVRAS-CHAVE:. Exu. Exuística. Exu nas Escolas. Epistemolo-
gias de Terreiro. Didático-Metodológicas
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ABSTRACT
. Opening paths through the weft of science brings us to this epistemic
crossroads, a place of new possibilities for tracing reflections and ac-
tions of cognitive repositioning of knowledge brought from the African
continent and that were/are re-signified in terreiros. In this essay I point
out new perspectives of didactic and methodological ruptures directly
aimed at the racist structure that is still very well established in schools
and that stifles, silences, and prevents the contents related to the imple-
mentation of Law 10.639/2002 from entering the curriculum and peda-
gogical practices. I trace as the main goal of this production, the action
of highlighting exuistic references with the perspective of transgressing
the didactic-methodological barriers from the turning key, exu in
schools. I consider that nowadays it is a necessary and urgent action to
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elaborate and potentiate the epistemologies of the terreiro. In this way, I
decided to organize this text in two moments, firstly by cognitively re-
www.capoeirahumanidadeseletras.com.br
capoeira.revista@gmail.com positioning the image of the orixá Exu and the construction of exuistics
and, in the second part, to evidence a new didactic methodological con-
Editores
text for schools, understanding the great challenge.
Fábia Barbosa Ribeiro
fabiaribeiro@unilab.edu.br

Marcos Carvalho Lopes


KEY-WORDS: Exu. Exuistics. Exu in Schools. Terreiro Epistemologi-
marcosclopes@unilab.edu.br es. Methodological Didactics.
Pedro Acosta-Leyva
leyva@unilab.edu.br
Exu nas escolas
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EXU NAS ESCOLAS:


UMA PROPOSTA DIDÁTICO-METODOLÓGICA
Linconly Jesus Alencar Pereira1

INTRODUÇÃO

Mojubá Exu, laroye! Peço licença para abrir caminhos através das tramas da ciência, ain-
da tão fechadas, protegidas e muito bem estruturadas na lógica eurocêntrica e no paradigma new-
toniano-cartesiano que limita, enquadra e estigmatiza aqueles(as) que não se enquadram em seus
padrões. Esse é o meu caso, e acredito que é também o de milhares de pessoas de terreiro que
não se sentem representadas nos ambientes escolares e universitários, tendo em vista que centra-
rei minhas análises neste ensaio apenas para o viés da educação formal. Desse modo, trago, co-
mo objetivo central desta produção, a ação de evidenciar referenciais exuísticos com a perspecti-
va de transgredir as barreiras didático-metodológicas a partir da chave de virada, Exu nas esco-
las.
Sou um babalorixá2 atravessado pela academia e, dessa forma, vivo em uma intensa di-
nâmica entrecruzada entre a sala de aula no ensino superior, o terreiro de candomblé e a pesquisa
e extensão que desenvolvo na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
brasileira (UNILAB). A ancestralidade me proporcionou o equilíbrio para chegar a essa encruzi-
lhada epistêmica, que considero como um local de novas possibilidades para traçar reflexões e
ações de reposicionamento cognitivo dos saberes trazidos do continente africano e que foram/são
ressignificados nos terreiros.
As rupturas didático-metodológicas que proponho são diretamente direcionadas a estrutu-
ra racista que ainda é muito bem alicerçada nas escolas e que engessa, silencia e impede que os
conteúdos referentes a implementação da Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003) adentrem ao currículo e
as práticas pedagógicas. Essa lei foi promulgada no ano de 2003, culminando em um marco his-
tórico de luta dos diversos movimentos sociais negros, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) de 1996 (BRASIL, 1996) e trata da inclusão dos conteúdos referentes à história
e à cultura africana e afro-brasileira na Educação Básica e Ensino Superior. Com a perspectiva

1
Professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2003), em Licenciatura em Física pela Universidade Federal
do Ceará (2006), mestrado em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (2012) e doutorado em
Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2018). E-mail: linconly@unilab.edu.br.

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de reparação histórica e potencialização da vida da população negra, a Lei n. 10.639 (BRASIL,


2003) possibilita a criação de pontes entre o passado mítico ancestral com as dinâmicas sociais
do presente, nos dando base para a estruturação de um futuro que vise possibilitar a garantia da
autonomia e protagonismo daqueles(as) que, até então, estavam em uma condição de subalterni-
zação, sempre na periferia da produção do conhecimento e que, hoje, reivindicam suas epistemo-
logias.
Abrir esse caminho é uma ação necessária e urgente para a elaboração e potencialização
das epistemologias de terreiro, dessa forma, decidi organizá-lo em dois momentos: primeiro, re-
posicionar cognitivamente a imagem do orixá Exu e a construção da exuística e, na segunda par-
te, evidenciar a chave de virada que é a estruturação de um novo contexto didático-metodológico
para as escolas, onde busco me aprofundar logo em seguida, compreendendo tamanho desafio.

EXU, O POTENCIALIZADOR DA VIDA

Na cosmologia Nagô-ioruba, o orixá Exu é o responsável pela fiscalização dos desígnios


de Olodumaré, a porção primordial de energia, deus supremo, aquele que está em toda a parte.
Segundo as mitologias ancestrais dos diversos grupos étnicos chegados ao Brasil no contexto da
diáspora, Olodumaré, no ato da criação do universo, desprendeu uma esfera de energia do seu
próprio corpo para a trazer à ordem a criação que seria desenvolvida, designando-o como o orixá
responsável pela comunicação entre os orixás e a humanidade. Exu tornou-se, então, o primeiro
orixá a ser cultuado antes de qualquer outro orixá ou, em um momento ritual, sempre é o primei-
ro a receber sua oferenda, justamente por tornar-se o responsável por ir na frente, abrindo os ca-
minhos de todos os trabalhos e, com isso, levar as oferendas do Aiye (plano material) para o
Orun (planos espirituais).
Exu tornou-se o orixá dono dos desejos humanos, passando a ser o mais conhecido no
contexto da diáspora e, consequentemente, o menos compreendido. Os primeiros europeus que
chegaram à África atribuíram a esse Orixá as concepções de maldade e demonização, sincroni-
zando-o com a figura do Diabo cristão.
Podemos observar isso muito bem a partir dos escritos do padre católico R. P. Baudin, da
Sociedade das Missões Africanas de Lyon, que foi missionário na Costa dos Escravos e publi-
cou, na França, o livro Fétichisme et Féticheurs (Fetichismo e Feiticeiros) (PRANDI, 2001).
Baudin, em 1884, no seu primeiro livro, associou sistematicamente a religião dos iorubás e cons-
truiu um relato detalhado de informações sobre o panteão dos orixás nos aspectos básicos do cul-

2
O autor do texto é Babalorixá (sacerdote), iniciado no Candomblé Ketu e preside o Ile Axé Oba Oladeji – a Casa
do Rei que veio para multiplicar a riqueza situada na cidade de Maracanaú, região metropolitana da grande
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Exu nas escolas
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to. As interpretações que o padre constrói em torno da imagem de Exu no sistema religioso dos
povos iorubás, a partir das observações feitas numa perspectiva cristã do século XIX, são devas-
tadoras e infelizmente essas imagens povoam o imaginário popular no Brasil até os dias de hoje.
Todo esse cenário foi fortalecido, também, com a obra de Samuel Ajayi Crowther, lin-
guista nigeriano de formação britânica que, na década de 1880, traduziu a bíblia cristã para a lín-
gua Yorubá e aproximou as narrativas de personagens bíblicos à tradição yorubana dos Orixás
(PRANDI, 2001). Nessa perspectiva de ordenação, Exu teve, de forma escrita e material, sua
imagem atribuída ao Diabo. Assim começou o processo de contenção da energia de Exu, que se
tornou peça fundamental para as estratégias de dominação e colonização no período da escrava-
tura. Através dessas amarras, o corpo e a mente dos(as) escravizados(as) foram colonizados, do-
mados, acorrentados.
O acorrentamento de Exu geraria o impedimento do seu trânsito e com isso os desejos da
humanidade não mais seriam levados para o Orun, tornando os corpos africanos e de seus des-
cendentes escravizados, ou seja, estava estruturado um plano nefasto de esvaziamento da energia
vital, de desencantamento do Axé. A perspectiva era de criação de uma grande massa humana de
corpos esvaziados, escassos e consequentemente sem alma, como foi tão frisado e, por isso, es-
tamos nos desfazendo desse carrego colonial (RUFINO, 2019) e exigimos o reposicionamento
cognitivo da imagem de Exu.
A retroalimentação do seu Axé pessoal e coletivo minimizaria as culturas, tradições, de-
sejos e conhecimentos; nessa perspectiva colonial, os sonhos e ideais de vida estariam impedidos
de serem escutados pelo Orun, não sendo mais realizados, desestruturando as civilizações africa-
nas na tentativa de apagá-los(as). Essa trama foi muito bem pensada, montada e executada, mas
os europeus não conheciam as mandingas de Exu, que equilibra a vida desequilibrando, o que
deu sustentação para a sobrevivência daqueles(as) que abriram caminhos para que estejamos
aqui.
Nos corpos africanos, ou seja, no Ara, Exu Bará está vivo, ele é o meu Exu pessoal, por
isso saúdo o Exu pessoal de todos(as) que aqui chegaram. Falo da energia dos meus desejos, o
potencializador da minha vida, e quando começo a materializar essa ponte entre o passado e o
presente, falo dos saberes e conhecimentos que foram guardados e dinamizados ao longo do pro-
cesso de luta e resistência dos nossos ancestrais. Nas senzalas, foram estruturadas as formas de
sobrevivência das religiões tradicionais africanas que se transfiguraram em afro-brasileiras. Mas
a história, durante muito tempo, foi contada pelos colonizadores, ocasionando o apagamento da
cultura e de manifestações religiosas de muitos grupos étnicos, gerando massivo processo de
epistemicídio. Esse sistema nefasto atribuiu o estereótipo que as religiões de matrizes africanas e

Fortaleza, estado do Ceará.

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afro-brasileiras carregam até hoje e que busco desconstruir na estruturação de minhas reflexões,
só que, agora, com o peso de uma construção epistemológica que parte da África e se ancora nos
terreiros como espaço de referência no contexto brasileiro.
Exu é o Orixá dinamizador dos sistemas e da vida. Com base nessa compreensão, perce-
bemos que o impedimento do transitar de Exu pelos sistemas de opressão gera o desequilíbrio,
seja ele pessoal ou coletivo. É com base nessa ideia que os sistemas de exploração capitalista
nascentes na Europa estruturaram-se na exploração do contexto africano, escravizando homens e
mulheres com o intuito de transformá-los(as) apenas em braços, pernas e ventres que alimentari-
am o desenvolvimento das colônias no Novo Mundo.
No Brasil e na África, atualmente, essa lógica predatória é impulsionada pela superexplo-
ração da produção capitalista, minando os recursos naturais e, com isso, promovendo o afasta-
mento da humanidade do seu compromisso estabelecido com os ancestrais, de sacralização da
natureza, respeito e convívio pacífico com os ecossistemas. As grandes fazendas de monocultu-
ras e a pecuária extensiva têm o papel de gerar a acumulação de renda para os escravocratas que
deixam essa herança maldita para as famílias abastadas até os dias atuais.
Diante desse panorama aqui posto, apresento as primeiras discussões que nos possibili-
tam começar a vislumbrar a exuística, as quais abrem caminhos para pensarmos um novo para-
digma científico com a perspectiva de romper com os grilhões que ainda amarram os nossos cor-
pos, mentes e as tramas da ciência contemporânea que desconsideram e desqualificam outras ba-
ses epistemológicas que não sejam as advindas do continente europeu.

O QUE É EXUÍSTICA? EXU TEM TUDO A VER COM A EDUCAÇÃO

Exuística é a ciência que estuda o orixá Exu, suas origens, funções, caminhos e possibili-
dades de transformação do mundo, das existências e da humanidade, com o intuito de reposicio-
nar de forma positiva a sua imagem, com a perspectiva de romper barreiras sociais, culturais,
políticas, epistêmicas e cognitivas. Essa ciência transgressora, necessária e urgente visa reparar
todas as atrocidades promovidas ao longo do contexto histórico, desde a chegada dos primeiros
colonizadores no continente africano, até a potencialização da luta antirracista.
Essa ciência tem como objetivo central reposicionar Exu, diante das injustiças cognitivas
que o associaram à figura maligna e diabólica presente nas religiões judaico-cristãs, evidencian-
do a sua verdadeira função como dinamizador da existência humana e mensageiro sagrado entre
o Orun e Aiye. Com o intuito de escurecer as tramas da ciência, Exu nos abriu caminhos para a
compreensão da sua real face como o orixá da verdade, potencializador da vida, da energia vital,

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Exu nas escolas
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aquele que torna possível o impossível, que transforma o caos em ordem e a ordem em caos, re-
parando o real sentido da existência humana.
No que concerne ao cenário educacional formal, nas escolas, a Exuística nos possibilita
intensificar, a partir das análises que serão explicitadas na segunda parte desse texto, os proces-
sos de descolonização didático-metodológica, centrando forças para a potencialização do desen-
volvimento cognitivo dos(as) estudantes por meio de práticas pedagógicas transgressoras que
ultrapassem as barreiras da educação bancária, conteudista e normatizadora. Guiado por Exu,
esse processo seguirá com o intuito de provocar rupturas nos padrões e amarras estabelecidas
pela colonialidade, pelo eurocentrismo, pelo patriarcado e pelo fetichismo capitalista que adoe-
cem, alienam e manipulam a raça humana.
Promover um processo de reconexão de Exu com a humanidade, que antes o via apenas
como inimigo, calunioso ou promotor de maldades, nos possibilita projetar novos caminhos para
os conhecimentos ancestrais que basilarão um novo mundo. Falamos de processos educativos
antirracistas para a implementação da Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003) e as atuações de reparação
e respeito da relação da humanidade com a natureza e a ancestralidade. O amadurecimento dessa
compreensão e do respeito, pautado na diversidade de culturas oriundas dos povos originários e
tradicionais, possibilitará uma nova compreensão de respeito, e não mais de medo, em relação à
imagem de Exu, possibilitando, também, a projeção da estruturação de caminhos para a constru-
ção de um novo mundo a partir do reposicionamento do Orixá Exu e dos conteúdos de base an-
cestral através da Exuística.

REFERENCIAIS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS EXUÍSTICOS

Por que Exu nas escolas? A luta antirracista é um dever de todos(as), tendo em vista a ne-
cessidade de ressignificação urgente da humanidade diante das estruturas que ainda reforçam o
racismo religioso na contemporaneidade. Qualquer pessoa que se ligue à ancestralidade negra ou
afro-indígena tem que estar diretamente ligada à luta antirracista. Compreendo que esse espaço
deve ser afirmado como lugar de transformação social, em que as epistemologias de terreiro pos-
sam contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e plural, também com base nos
valores civilizatórios africanos que foram ressignificados no Brasil, projetando a sobrevivência
da população negra e seus descendentes.
Trago o orixá Exu para as escolas, evidenciando que essa ação não é estruturada em cima
de um contexto proselitista como as práticas religiosas judaico-cristãs que, até hoje, estão presen-
tes no cenário escolar, como as imagens de santos católicos, símbolos ou orações “ditas” univer-
sais como o Pai Nosso, mas que, ao mesmo tempo, não representam a cosmologia afro-brasileira

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presente dentro dos terreiros, nem o budismo, islamismo ou demais manifestações religiosas que
não partem dessas matrizes.
Lanço mão da Exuística para evidenciar que, na educação, a potência de Exu o transfor-
ma no grande libertador das falhas didático-metodológicas, pois nós, professores(as), consegui-
mos rapidamente nos reinventar e traçar novas estratégias diante dos conflitos e das questões que
surgem no cotidiano escolar. Mal sabem os(as) colegas educadores(as) que quem nos possibilita
esse processo é Exu, o dono das encruzilhadas, aquele que fala a partir do local de não finitude e
nos mostra novas possibilidades.
Exu é a gargalhada, a brincadeira, a ação lúdica que conquista o olhar infantil, seduzindo,
encantando e fazendo sonhar. É aquele que mostra ao jovem que as ações de rebeldia e trans-
gressão são cruciais para as rupturas do que ainda está no subterrâneo da incompreensão lógica e
racional do mundo branco, eurocêntrico, binário e patriarcal, não permitindo que os saberes que
estão nas periferias do conhecimento potencializem o protagonismo das vozes presentes nos cor-
pos negros.
Cobro, sim, o reposicionamento cognitivo dos saberes e tradições africanas que basilaram
a construção do nosso país afirmando que Exu será posicionado no portão das escolas para que
todos os conhecimentos dos povos originários e tradicionais adentrem no currículo, na sala de
aula e nas práticas pedagógicas com o intuito de promover a identificação com a ancestralidade e
contarmos a real história da construção da sociedade brasileira.
Apresento um referencial didático-metodológico reparatório com base na desobediência e
transgressão de barreiras cognitivas da educação tradicional, bancária e branca, transformando-a
em dialógica, que visa potencializar as inteligências múltiplas, não apenas a lógico-matemática
ou linguístico-verbal. Insisto em ações contextualizadas que me possibilitem convidar a to-
dos(as) que tiverem acesso a esse ensaio a adentrarem para essa encruzilhada do conhecimento
em que ações de crítica e reflexão podem promover a ruptura e a transformação para que possa-
mos estruturar uma ciência lógico-ancestral que carregue o potencial de ressignificação do Axé
planetário.

DIDÁTICA DA CIRCULARIDADE

A circularidade é a interconexão de Axé nos momentos rituais em que estamos organiza-


dos(as) em formato circular; seja através de um ritual de xiré ou gira de umbanda, para nós, po-
vos de terreiro, essa ação coletiva nos une em expansão de força vital. Ao direcionarmos esse
olhar de análise para o cenário educativo, expandimos essa interpretação quando visualizamos o
potencial do Axé pessoal e o coletivo com o valor atribuído ao conhecimento, tendo em vista a

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Exu nas escolas
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relação estabelecida entre todos(as) que estão presentes em sala de aula em virtude da grande
falha, ainda tão desenvolvida pela maioria dos(as) professores(as), que é a exclusão.
A educação bancária promove a opressão e o silenciamento, tendo em vista potencializar
apenas a participação dos(as) estudantes que demonstram habilidades necessárias para absorve-
rem os conteúdos que estão sendo trabalhados, não promovendo a reflexão nem a crítica, dei-
xando de lado a grande maioria que não consegue acompanhar o que está sendo desenvolvido em
sala de aula ou, simplesmente, não tem afinidade nenhuma com o conteúdo porque este não é
contextualizado com a sua realidade.
Apenas o potencial de reprodução dos(as) melhores estudantes que se destacam é explo-
rado enquanto os outros permanecem silenciados, meramente reproduzindo conteúdos, reforçan-
do a massa de alienação presente nas escolas. Destaco o tamanho do desafio que nós professo-
res(as) temos que enfrentar tendo em vista a manutenção da colonialidade em que a diferença de
classe aumenta o abismo existente entre as escolas dos ricos que estão diretamente ligadas ao
acesso à informação, mantendo a cadeia de dominação, enquanto a escola dos pobres está dire-
tamente relacionada ao acolhimento social.
Para provocarmos a ruptura dos processos educativos bancários, a didática da circulari-
dade deve ser desenvolvida de forma orgânica e ancestral. Dessa forma, a circularidade como
princípio filosófico africano e afro-brasileiro nos permite ir além do isolamento disciplinar e
mergulhar nas tamanhas diversidades existentes, criando elos de promoção e potencialização dos
saberes que já estão presentes na sala de aula, porém, que estão silenciados, promovendo a inte-
ração entre os conhecimentos contextualizados da realidade local/populares com os saberes cien-
tíficos trabalhados não mais de forma fragmentada.
A potencialização desse formato se dá quando o(a) professor(a) transforma-se em Exu, o
Orixá dinamizador do movimento, Axé e energia vital e a sala de aula torna-se uma encruzilha-
da, um território de novas possibilidades, uma realidade que aprofundaremos logo a seguir. Nes-
sa encruzilhada os(as) estudantes assumem a transformação das novas bases civilizatórias a par-
tir do processo de promoção do seu próprio conhecimento, assumindo os papéis de autores(as) e
atores/atrizes das suas próprias epistemologias.
Um dos maiores desafios para a implementação da Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003) é jus-
tamente a falta de compreensão de caminhos para o trabalho interdisciplinar, tendo em vista a
complexidade dos conteúdos de base africana e afro-brasileira que não são de forma alguma sec-
tarizados e nem distribuídos em caixinhas disciplinares, necessitando de um processo de com-

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preensão orgânica em cosmobiointeração3, pois estes não estão desconectados da mente, do cor-
po, da natureza e muito menos do nosso pilar básico de análise que é a ancestralidade.
A didática da circularidade vai além do ato de ensinar, ou como ensinar, pois envolve as
atividades práticas em cosmobiointeração, que estabelecem a conexão, descolonizando, rompen-
do com as amarras da colonialidade, potencializando a libertação do carrego colonial. Através
das vivências dos(as) estudantes e dos conhecimentos presentes em seus cotidianos, compreen-
demos que os corpos são microcosmos de energia vital pulsantes que estão diretamente conecta-
dos ao Axé planetário. Com a inversão dessa chave de virada, podemos potencializar a vida,
alargar os cosmossentidos, desenlaçar as cosmopercepções, permitindo a reflexão em um contex-
to amplo que emerge da transformação proporcionada por esse processo transgressor.
Abrir caminhos para essa contextualização nos permite evidenciar a afetividade, a socia-
bilidade e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo. Na didática da circularidade, os
processos educativos estão estruturados em começo, meio e começo (SANTOS, 2015), sem a
ideia de finitude, devido à interconexão de vida e Axé, com a realidade mente-corpo-natureza-
ancestralidade. Potencializar práticas pedagógicas antirracistas, ligadas diretamente ao Axé pla-
netário, nos proporciona a base para criarmos subsídios para um projeto de sociedade que parta
diretamente do berço da humanidade e do conhecimento, o continente africano, ou seja, em uma
perspectiva afrocentrada.
Lanço mão da necessidade urgente de trabalharmos a partir da projeção de um método
educativo exuístico afirmando a nossa intencionalidade, sim, reparando as atrocidades causadas
pela escravização dos nossos ancestrais, o epistemicídio dos nossos saberes e o combate severo
ao racismo estrutural, religioso, ao patriarcado, o sexismo e o binarismo. Afirmamos a vidas
dos(as) nossos(as) diante de um método exuístico de ensinar, aprender, refletir e transformar a
didática, tendo em vista que não existe neutralidade e sim potência de vida através da educação
antirracista.
A afirmação da ruptura epistêmica provocada pelo método exuístico nos possibilita mer-
gulhar na relação teoria e prática que a didática da circularidade propõe e, com isso, estamos
abrindo caminhos para o (re)encantamento do mundo, devolvendo a humanidade para o princípio
da magia preta ancestral4. O intuito é conectar a humanidade com Exu subvertendo a lógica car-

3
A manutenção do Axé negro africana, transfigurado no cenário afro-brasileiro dos terreiros através do processo de
cosmobiointeração, nos permite perceber como a energia vital é imantada na realidade material através dos rituais
cotidianos, ou pelo compartilhamento de conhecimentos ancestrais, potencializando a vida. A ausência da circulação
de Axé, da troca ou retroalimentação, provoca a perda de potência ou desencanto e abre caminho para a
negatividade, ocasionando uma série de problemas, sejam eles de afinidades energéticas com entidades que vão
confundir os caminhos de vida, indecisões, incompreensões dos caminhos de vida ou o próprio adoecimento, seja
ele físico, emocional ou espiritual.
4
Magia preta ancestral – reposicionamento do conceito de magia, estruturado por militantes do movimento negro e
iniciados no candomblé como o Babalorixá e professor Dr. Sidney Nogueira, Babalorixá e Antropólogo Rodney
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Exu nas escolas
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tesiana e afirmando a necessidade da compreensão de uma lógica científica orgânica e ancestral


que nos contemple.
Nós, o povo das encruzas, quando nos posicionamos nesses lugares de novas possibilida-
des e insurgências, nos preocupamos sim com o modelo de sociedade que vivemos, por isso
apontamos o que queremos construir, pois o futuro é ancestral e é gingando com a malícia de
Exu que fazemos a nossa luta.

A MINHA SALA DE AULA É UMA ENCRUZILHADA DE POSSIBILIDADES

A sala de aula não deve ser um lugar de exclusão das populações de terreiro, mas terá de
ser compreendida como uma encruzilhada onde as possibilidades de novos processos de educa-
ção contextualizados através da exuística possam ser desenvolvidos para ressignificar as existên-
cias. Ao posicionarmos Exu na porteira das escolas, estamos reivindicando que todos os conhe-
cimentos e tecnologias dos povos originários e tradicionais adentrem nas salas de aulas evidenci-
ando de forma reparatória, que todos(as) os(as) responsáveis pela estruturação e desenvolvimen-
to da sociedade brasileira tenham o seu devido valor, não permitindo mais que a contação dessa
história seja de forma única, a dos colonizadores.
É preciso promover uma série de questionamentos que nos ajudarão a abrir caminhos di-
ante da trama da descolonização das salas de aula com a perspectiva de aparar as raízes doentias
da colonialidade presente nesse espaço de tantas possibilidades. Dessa forma, lanço os seguintes
questionamentos: como a sala de aula pode promover a pertença dos saberes do terreiro promo-
vendo a inclusão e a manutenção dessas populações nos ambientes escolares? Como promover o
diálogo entre os saberes ancestrais dos povos de terreiro diante de uma ciência que ainda não os
compreende e que é pautada em bases racistas? Como a sala de aula pode ser um lugar de reco-
nexão e promoção dos saberes orgânicos e ancestrais?
Se a sala de aula não for um lugar que acolha a nossa ancestralidade, as crianças de terrei-
ro vão se sentir intimidadas de dizer quem elas são. O terreiro faz o papel de promoção do prota-
gonismo de identidades afro-religiosas potentes, principalmente com as crianças que crescem em
cosmobiointeração com o universo presente nesses territórios. Nas salas de aula, que agora con-
figuramos como uma encruzilhada de possibilidades, a inclusão pautada na diversidade de sabe-
res é referência para não mais perpetuar a retração e o desencantamento, e esse espaço deve aco-
lher toda a gama de saberes que já está presente ali. O papel do professor(a) será o de promover a
mediação do diálogo para que as crianças de terreiro se tornem protagonistas dos seus próprios

William e tantos outros(as) que desenvolvem trabalho entrecruzando suas vivências religiosas e acadêmicas,
construindo novas possibilidades educativas a partir do seu protagonismo.

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processos educativos, reconfigurando os conhecimentos ancestrais com os saberes científicos,


para que permaneça dentro do universo escolar.
A sala de aula transforma-se em um cenário propício para a potencialização das inteli-
gências múltiplas, em que o aprender brincando pode atrair a felicidade e promover o encanta-
mento. A descolonização dos corpos e das mentes é perpassada pela ousadia e pela novidade;
dessa forma, a desobediência epistêmica acontece quando o(a) professor(a), compreende que o
corpo também é produtor do conhecimento e a sala de aula é o espaço para ousar, para transfor-
mar todos os nossos sentidos em componentes para a o desenvolvimento cognitivo.
Potencializar a diversidade de saberes ancestrais e das epistemologias de terreiro no chão
das escolas configura-se como um caminho para que outras narrativas entrem nesses espaços, de
forma a evidenciar não apenas as eurocêntricas. A permanência e a valorização dos saberes da
população de terreiro no contexto escolar possibilitam a transformação através de práticas peda-
gógicas antirracistas, fazendo com que, ao invés de medo e silenciamento, as crianças de terreiro
tenham orgulho de quem são, de onde elas vêm e das relações que elas estabelecem com a socie-
dade. Dar voz às pessoas que até hoje são silenciadas por conta do racismo, construindo boas
relações dentro do ambiente escolar, com a família e, consequentemente, com a ancestralidade, é
prerrogativa urgente para que as outras crianças também cresçam aprendendo a ser antirracista.
As crianças de terreiro não estão vazias de conhecimento, pois carregam no seu corpo, na
sua estética, nas suas palavras e nas suas cosmopercepções outras formas de lerem o mundo, ou
seja, saberes que a escola precisa acolher, pois compõem a base de formação da sociedade brasi-
leira que precisa ser evidenciada.
Exu já está dentro da sala de aula, os(as) professores(as) têm que aprender a libertá-lo,
tendo em vista que, nessa encruza, o seu papel é o de intensificar as rupturas dos processos edu-
cativos alienantes e retrógrados. Sua atuação versa principalmente com a reprodução do conhe-
cimento para que possamos criar os nossos próprios conhecimentos, por isso devemos pensar e
materializar a exuística em nossas práticas pedagógicas.
Exu é o comunicador, é ele quem planta a dúvida para que possamos avançar com a pro-
dução das nossas próprias epistemologias. É ele quem vai permitir que esse movimento aconteça,
por isso, devemos pensar também os espaços escolares como projeção de todos e as bases teóri-
cas e práticas de estruturação a partir de reposições e reelaborações culturais negras na diáspora.

O(A) PROFESSOR(A) SE TRANSFORMA EM EXU

Exu é um(a) professor(a) reflexivo e desenvolve sua ação educativa a partir do processo
de interação que está diretamente associado à transformação estabelecida pela métrica começo-

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Exu nas escolas
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meio-começo, tendo em vista esse orixá ser o próprio princípio de multiplicação ao infinito. Por
ser o dono da comunicação, Exu consegue entender todas as línguas, utiliza todas as estratégias
necessárias para atingir os seus objetivos, aplica de forma fluida todas as estratégias possíveis,
superando as impossibilidades, mas nunca coloca um ponto final, nos fazendo entender que
quando o(a) professor(a) trabalha os processos educativos, estes estão em construção e em dinâ-
mica expansão.
O mesmo papel que Exu executa nos terreiros, o de potencialização da vida, o(a) profes-
sor(a) desenvolverá com a produção dos conhecimentos no chão escolar, pois estes também po-
tencializarão as projeções de vidas que antes estavam em desencantamento. A alienação, ainda
tão fortemente reforçada pela educação pautada em conteúdos mínimos que atua de forma com-
pensatória, reforça os processos educativos bancários e conteudistas, atendendo às prerrogativas
dos grandes conglomerados internacionais e das instituições que as ditam. Dessa forma, o(a) pro-
fessor(a) exuista nos proporciona a percepção das artimanhas da colonialidade para que possa-
mos promover as rupturas desses padrões padecedores. Nessa perspectiva, somos convidativos
quando apontamos a necessidade urgente de aprendermos a ler e interpretar o mundo, promo-
vendo a sua transformação com base nos conhecimentos ancestrais. Essa dinâmica de transgres-
são nos permite escrever os nossos próprios caminhos, pautando a equidade como pilar de sus-
tentação da luta antirracista.
A transgressão e as microrrevoluções que desenvolveremos nas nossas salas de aula serão
mediadas pelo(a) professor(a) que se transformou em Exu. Através do diálogo, contextualizando
com o cenário histórico e a realidade encontrada na sala de aula, será potencializado o protago-
nismo dos(as) estudantes que se transformarão nos exus do amanhã, levando esse conhecimento
produzidos por eles mesmos para serem aplicados nas suas próprias vivências cotidianas.
Dividir e dominar foram as metas estabelecidas pelos colonizadores, os(as) professo-
res(as) exuistas promoverão o fazer coletivo, potencializando a relação ensino aprendizagem a
partir das inteligências múltiplas, fazendo com que o aprender seja pautado na circularidade e a
inclusão de todo(as). A quebra do modelo de história única de base eurocêntrica é peça funda-
mental para o fazer educativo dos(as) exus professores(as) que gerarão o diálogo em sala de aula,
trazendo, para essa encruzilhada de possibilidades, novas formas de vivermos nesse planeta e,
com isso, transformá-lo.
Para nós, povos de terreiro, a palavra é sagrada, aprendemos isso com os(as) mais ve-
lhos(as) que tem mais axé, vivência e conhecimento aprendidos através da oralidade; é dessa
forma que acontece na educação dos terreiros. Nas salas de aula, as formas de interpretarmos o
mundo parte da leitura, da palavra escrita que, na maioria das vezes, não tem confluência com a
realidade que os(as) estudantes estão inseridos(as), projetando a criação de um grande abismo de

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Linconly Jesus Alencar Pereira

identificação, dificultando as transformações necessárias. O diálogo torna-se estratégia das popu-


lações que até hoje são/foram oprimidas, impulsionando essas populações para se organizarem
contra os opressores e quebrarem as barreiras impostas pela colonialidade, o racismo, o patriar-
cado e as ações do capitalismo predatório.

CONCLUSÕES PARCIAIS

As ações contra-hegemônicas nos ambientes educacionais formais são fundamentais para


a luta contra a manutenção da colonialidade, do racismo estrutural, religioso e dos demais siste-
mas de dominação que fortalecem os laços de opressão e subalternização das populações africa-
nas e seus descendentes. Especificamente, os povos de terreiro contribuíram intensamente com a
luta e resistência da população negra e de todos(as) aqueles(as) que pelas suas portas entrassem,
nos fazendo evidenciar, neste texto, o tamanho das contribuições que deram para a sociedade
brasileira, fortalecendo seu protagonismo e evidenciando as inúmeras possibilidades de imple-
mentação da Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003) a partir das epistemologias de terreiro.
Consideramos que posicionar Exu nas escolas para que, por meio da exuística, possamos
possibilitar a potencialização das epistemologias de terreiro nos ambientes educacionais e, com
isso, fortalecer a luta antirracista, projetando a desconstrução de todo o carrego colonial que foi
projetado pelo eurocentrismo. A fim de atuar sem um contexto proselitista, mas afirmando a ne-
cessidade outra projeção da ciência, sem a sectarização do conhecimento, conseguimos compre-
ender que um aspecto orgânico e ancestral pode, sim, promover a construção de identidades po-
sitivas para os povos originários, as comunidades tradicionais e a população negra em todo o
contexto escolar.
A leitura desse cenário, dentro da escola, requer a projeção de um novo referencial didá-
tico-metodológico que apontamos ainda em construção no decorrer deste ensaio e que será apro-
fundado em investigações futuras. Dessa forma, convido a todos(as) para se juntarem a esse
grande movimento de reposicionamento cognitivo dos saberes ancestrais africanos e afro-
brasileiro que militantes do movimento negro, povos de terreiro e intelectuais estão promovendo
em cenário nacional. Pedimos aos ancestrais e a Exu que sempre abram os caminhos e nos deem
o seu Axé para fortalecermos essa luta.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Presidência da República, 1996.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 19 abr. 2021.

Capoeira – Revista de Humanidades e Letras | Vol.7 | Nº. 1 | Ano 2021 | p. 121


Exu nas escolas
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BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Brasília: Presidência da República, 2003. Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 19 abr.
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PETIT, S. H. Pretagogia: pertencimento, corpodança afroancestral e tradição oral africana na


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SANTOS, J. E. Os Nagô e a morte: Padè, àsèsè e o culto a ègun na Bahia. Petrópolis: Vozes,
1986.

Linconly Jesus Alencar Pereira

Professor da Universidade da Integração


Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Possui
graduação em Pedagogia pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú (2003), em Licenciatura
em Física pela Universidade Federal do Ceará
(2006), mestrado em Educação Brasileira pela
Universidade Federal do Ceará (2012) e doutorado
em Educação pela Universidade Federal da
Paraíba (2018). E-mail: linconly@unilab.edu.br.

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