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Resenhas
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A propósito de
‘O fim do império
cognitivo’, de
Boaventura de
Sousa Santos
Marcos de Jesus Oliveira
PPGIELA-UNILA
Ensaios
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Foto: Fran Rebelatto. Belém, Brasil
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Resenhas
Ademais do prefácio, o livro conta com uma introdução, doze capítulos e uma conclusão,
totalizando 478 páginas, impossíveis de serem aqui sumarizadas. Os capítulos estão organiza-
dos em três partes intituladas “Epistemologias pós-abissais” (capítulos de 1 a 5), “Metodologias
pós-abissais” (capítulos de 6 a 9) e “Pedagogias pós-abissais” (capítulos de 10 a 12). Já na intro-
dução, Boaventura esclarece que as epistemologias do Sul se referem
sal que divide o mundo em dois – de um lado, os considerados totalmente humanos e, de ou-
tro, os não humanos ou sub-humanos – é fundamental para compreender os mecanismos de
produção da exclusão social no mundo desde o processo de colonização da América até os dias
de hoje. Ciente dessa exclusão, a sociologia das ausências se esforça no sentido de cartografar a
172 produção social e histórica dessas não existências, das existências tomadas como não humanas
ou sub-humanas, ao passo que a sociologia das emergências visa a valorizar as formas de ser e
de saber identificadas pela sociologias das ausências, potencializando-as para a luta e transfor-
mação políticas.
Os dois capítulos seguintes que fecham a primeira parte da discussão – “O que é a luta? O
que é a experiência” e “Corpos, conhecimento e corazonar” – apontam para os desafios de pen-
sar o conhecimento e a luta como corpóreos contra a epistemologia branco-europeia que os
supõe desencarnados das experiências vividas pelos sujeitos. No que diz respeito à luta, Boaven-
tura destaca a experiência de Mahatma Gandhi que propôs a noção de não violência (ahimsa)
pautada por princípios como a não cooperação, a desobediência civil e o conhecimento de si
(satya). E, em relação ao conhecimento, aproxima a ideia de corazonar das comunidades indí-
genas andinas à de sentipensar do sociólogo colombiano Orlando Fals Borda, numa pretensão
de fusionar razão e emoção, inserindo o afeto como um componente fundamental do pensar e
da luta por transformação política.
“Descolonização cognitiva: uma introdução” abre a segunda parte do livro na qual Boa-
ventura apresenta dois problemas principais: “como descolonizar o conhecimento e as meto-
dologias através das quais ele é produzido” e “como produzir conceitos e teorias híbridos pós-a-
bissais, na linha de uma mestiçagem descolonizada cuja mistura de conhecimentos, culturas,
subjetividades e práticas subverta a linha abissal em que se baseiam as epistemologias do
Norte” (SANTOS, 2019, p. 161). Trata-se de um desafio ao qual se lança em diálogo com uma
diversidade de pensadores/as, tais como Aimé Césaire, Ngugi wa Thiong’o, Valentin Mudimbe,
Paulin Hountondji, Achille Mbembe, Sabelo J. Ndlovu-Gatsheni, Ranajit Guha, Sujata Patel, Syed
Alatas, Ali Shariati, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Orlando Fals Borda, Pablo González Casanova,
Roberto Retamar, Enrique Dussel, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Nelson Maldonado-Torres,
Catherine Walsh, Ramón Grosfoguel, María Lugones, Sylvia Wynter, Lewis Gordon, Édouard
Glissant, Raewyn Connell, Jean e John Comaroff, entre tantos/as outros/as. No capítulo, a ex-
pressão “epistemologias do Sul” deixa de designar apenas a perspectiva teórica pela qual o
trabalho de Boaventura é conhecido para também descrever uma sensibilidade compartilha-
da por um conjunto de pensadores/as preocupados/as em descolonizar, despatriarcalizar e/ou
desmercantilizar o conhecimento.
Referências
MARX, K. Teses sobre Feuerbach. In: A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MIGNOLO, W. The darker side of Western modernity: global futures, decolonial options.
Durham & London: Duke University Press, 2011.
SANTOS, B.S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, B.S. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2019.
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ISSN 2526-7655
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