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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE

(NUTES/UFRJ)

Disciplina: Teorias do Conhecimento Científico

Discente: Élida Santos Ribeiro

ATIVIDADE DA AULA DE 12 DE DEZEMBRO DE 2023 – PENSAMENTO


DESCOLONIAL

MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade


em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, no 34, p. 287-
324, 2008.

Walter Mignolo é um semiólogo argentino, professor de literatura na Universidade de Duke,


nos Estados Unidos, expoente do pensamento decolonial latino-americano e membro fundador do
Grupo modernidade/colonialidade, junto com Aníbal Quijano (1930-2018), Enrique Dussel (1934-
2023), Ramón Grosfoguel (1956- ), Catherine Walsh (?- ), Nelson Maldonado-Torres (?- ) 1, entre
outros(as). Segundo o pensamento decolonial construído coletivamente neste grupo, não há
modernidade sem colonialidade, e o paradigma colonial ramifica-se em modos de agir, pesquisar,
educar e ver o mundo instaura uma lógica eurocêntrica, que postula verdades totalizantes,
conhecimentos que se pretendem universais, ambos cúmplices de preconceitos (como o racismo e o
sexismo) que nos impedem de ver o mundo a partir epistemes próprias ou saberes locais. Também
evidenciam as relações de poder e hierarquizações dos conhecimentos, constituintes da ciência
moderna (CASTRO e MONTEIRO, 2019).
No texto em questão, o autor ressalta a urgência de rompimento com a teoria política
moderna que nega, segundo ele, o agenciamento político de pessoas consideradas inferiores por
raça, gênero, sexualidade; bem como nega seu agenciamento epistêmico dessas pessoas sendo,
portanto, a desobediência epistêmica um caminho necessário para inserir essas identidades na
política. Argumenta que essas identidades marginais e dissidentes, quando afirmadas ou atendidas,
são consideradas essencialistas ou fundamentalistas para o paradigma hegemônico – que, embora
branco, masculino e heterossexual, não se afirma enquanto tal, não se mostra como identidade, mas

1 Informações retiradas do site Wikipedia.


como algo “natural”, transparente e neutro. Ao afirmar-se como identidade superior (sem afirmar),
exclui os “similares” ou “opostos” para fora da esfera normativa do “real” (p. 291).
A própria ideia de “desenvolvimento” (potencializada no período da Guerra Fria), segundo
ele, é chave nas novas estratégias de controle, exploração e racialização, já que instaura locais,
corpos e mentes subdesenvolvidos: indígenas, negros, femininos, latinoamericanos, muçulmanos –
do segundo ou terceiro mundo. Para o autor, a razão e racionalidade ocidentais, mesmo quando
especialmente críticas como no marxismo (incluindo a Escola de Frankfurt), freudismo,
foucaultianismo ou mesmo em Nietzche, ainda operam nos fundamentos categoriais gregos e
latinos, eurocêntricos e que, embora sejam abordagens necessárias, não se descoloniza o saber e o
poder a partir das ruínas da civilização ocidental.
O autor evoca o conceito de consciência mestiça obra de Rodolfo Kusch (1922-1979),
argumentando que conceitos elaborados nos projetos descoloniais são pluritópicos e pluri-versais,
já que a cosmovisão ocidental e a ferida colonial – incluindo linguagem, subjetividade, expressão
artística, comunicação de massa – chegaram a diferentes espaços geográficos e geopolíticos,
incluindo povos indígenas, “negros da África subsariana e das Américas; árabes e berbers da África
do Norte e no Oriente Médio; Indianos na pós-separação da Índia e até chineses, japoneses e russos
e suas colônias” (p. 304), lidando assim com epistemologias de fronteira. O autor coloca ainda que,
embora em escalas desiguais, essa ausência de “consciência pura” estaria tanto em um indígena
quanto em um argentino de ascendência europeia, ambos sendo atravessados por essa consciência
mestiça ou fronteiriça. Busca, assim, oferecer saídas para a questão: “como pode um europeu para
quem sua língua não é aymara e cuja pele não é negra e cujos ancestrais não são da África, se
comprometer com o pensamento descolonial e avançar na opção descolonial?” (p. 309).
Ainda nessa direção, reitera que “Descolonial significa pensar a partir da exterioridade e em
uma posição epistêmica subalterna vis-à-vis à hegemonia epistêmica que cria, constrói, erege[sic]
um exterior a fim de assegurar sua interioridade.” (p. 304). Sem reforçar o “ser”, mas sublinhando o
“estar”, ou seja, estar na Latinoamérica, exige e/ou oferece um modo de pensar latino-americano,
um pensar na exterioridade, levando a sério, por exemplo no caso de Kush, o pensamento aymara
para compreender os problemas sociais, históricos, subjetivos locais. O autor faz uma imersão na
seara da economia política em relação a diferentes governos latinoamericanos, contrapondo Perón,
Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales, em diferentes escalas de populismo e de potência
descolonizadora, com destaque para a inserção das identidades em política no caso dos dois últimos.
Na sequência, sistematizando, afirma que descolonizar tem dois aspectos: reconhecer a
colonialidade do poder – e, com isso, a economia capitalista; e “desconectar-se dos efeitos
totalitários das subjetividades e categorias de pensamento ocidentais” (p. 313).
Na sequência, argumenta que disseminam-se “fraturas epistêmicas”, incluindo o crescimento
de comunidades intelectuais indígenas, afro-andinas e afro-caribenhas, que resistem à fetichizaçao
do poder concentrado no Estado, recolhendo o nacionalismo e abrindo espaço para
plurinacionalidades, projetos pluritópicos e pluri-versais, interculturais (inter-epistêmicos). Assim
como Patzi Paco (1967- ) argumenta a persistência dos sistemas comunitários – em que o poder não
está no Estado ou no proprietário, mas na comunidade –, Nina Pacari (1961- ) descreve o caminho
interno de sobrevivência das nações e cosmologias indígenas ou originárias (de uma forma mais
ampla), que inclui a persistência e coexistência de costumes, mitos, ritos, na reconstrução de
memória ancestral e coletiva, do princípio da diversidade. Tal ou tais caminhos são invisibilizado,
como se não restasse nada que não tenha sido conquistado pela colonialidade do ser, saber, poder.
Finaliza seu texto com algumas advertências, dentre elas, de que o sistema comunal e as visões de
poder oferecidas pelas cosmologias originárias não se pretendem um “sonho totalitário” destinado a
substituir o modelo capitalista dominante. Justamente há a proposta de ruptura com o universal,
propor descolonialidades em que caibam pluri-versidades; “um ato de desobediência epistêmica
que afeta o estado e a economia” (p. 324).

Referências Bibliográficas

CASTRO, D. J. F. A., & MONTEIRO, B. A. P. (2019). A decolonialidade no Ensino de Ciências


através da análise dos trabalhos publicados no ENPEC. In XII Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação em Ciências, Natal, RN.

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