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O MOVIMENTO DE ALIENAÇÃO POPULAR NO BRASIL, ATRAVÉS DA

FILOSOFIA DE THEODOR W. ADORNO

THE POPULAR ALIENATION MOVEMENT IN BRAZIL, THROUGH THE


PHILOSOPHY OF THEODOR W. ADORNO

João Victor de Sousa Pinho1


Fátima Maria Nobre Lopes2
RESUMO

Este estudo centra-se em analisar o atual contexto da população brasileira, com um


recorte específico para a conjuntura política entre eleitores e algumas de suas ideologias
nocivas para a sociedade democrática, partindo da ideia de alienação analisada por Adorno
em seus escritos filosóficos. O estudo propõe analisar a trajetória da humanidade, suas
concepções históricas e filosóficas que lhes estimularam a compreender a natureza e seus
semelhantes como inimigos em potencial. Trata-se de uma pesquisa baseada nos livros
“Educação e Emancipação” e “Dialética do Esclarecimento” voltadas ao entendimento do
movimento político alienador em camadas populares da sociedade brasileira.

Palavras-chave: alienação; dominação; política; ideologias; Brasil

ABSTRACT

This study focuses on analyzing the current context of the Brazilian population, with a
specific focus on the political situation between voters and some of their harmful ideologies
for a democratic society, based on the idea of alienation analyzed by Adorno in his
philosophical writings. The study proposes to analyze the trajectory of humanity, the
historical and philosophical conceptions that stimulated them to understand nature and their
fellow human beings as potential enemies. This is a research based on the books “Education
and Emancipation” and “Dallectics of Enlightenment” aimed at understanding the alienating
political movement in popular layers of brazilian society.

Keywords: alienation; domination; politics; ideologies; Brazil

1. INTRODUÇÃO

1
Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará. Membro-Pesquisador do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Ontologia do Ser Social, Ética e Formação Humana — GEPOS (certificado pelo CNPq). Bolsista
PIBIC. Editor da Revista Educação em Debate do Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFC.
E-mail: jv.14pinho@outlook.com
2
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Na atual realidade brasileira, observa-se grupos populares aderindo ideais políticos
que condenam sua própria existência, qualidade de vida e direitos. Na tentativa de entender os
possíveis motivos dessa abstração, este estudo utiliza como ferramenta de análise os escritos
de Adorno que abordam explicações acerta da alienação do proletariado pela dominação da
burguesia.

Entende-se, também, que ideais de extremo tradicionalismo e conservadorismo


existem a épocas, no entanto, é curioso pensar que antes das eleições de 2018, tais ideais
encontram-se “adormecidos” e, então, ganharam força e aceitação em massa da população.
Assim, tendo em vista que a maioria da população brasileira é composta por indivíduos de
classe média e classe baixa, podemos denominação como “movimento de alienação popular”,
já que as propostas da gestão governamental eleita não contemplam a realidade da maioria
dos brasileiros, pois seu teor é elitista e excludente, ou seja, não visa incluir, mas sim excluir.

Em suas obras filosóficas, Adorno sintetiza o que a histologia, filosofia e sociologia


buscam entender como alienação da classe trabalhista. O foco do filósofo é mostrar seu
conceito de esclarecimento, compreendido como forma de desmistificação de crenças: um
olhar crítico e científico acerca da sociedade e suas dependências. Entretanto, Adorno e
Horkheimer na Dialética do Esclarecimento afirmam que os conhecimentos científicos, em
seu princípio, deveriam oferecer a emancipação do homem, no entanto, os saberes
transformaram-se em técnica pelos ideais capitalistas, distanciando-se de sua essência
emancipadora:

“A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o
prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o
capital.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 16)

Dessa forma, com a tecnificação do trabalho, da educação e dos conhecimentos


científicos, o esclarecimento perde sua força, possibilitando que dominação em massa
aconteça e que a alienação sob as camadas populares continue, visto que essa camada social
não tem as ferramentas emancipatórias para enxergar o meio em que vive através de lentes
críticas, pautadas no conhecimento das ciências.

Em vista disso, Adorno destrincha alguns fatores que direcionam à alienação das
massas e as afastam ainda mais do esclarecimento. Tais fatores que serão analisados nos
tópicos a seguir.

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2. A BARBÁRIE

No contexto da Segunda Guerra Mundial, a humanidade passou por um período


obscuro marcado por guerras, mortes, perseguições e destruições, devido a uma bipolarização
político-ideológica poderosa entre duas superpotências EUA e URSS, que no final da guerra
aliaram-se para contra a Alemanha Nazista, a qual Hitler impôs uma ditadura que perseguiu,
torturou e assassinou milhões de judeus, em nome da supremacia da “raça ariana”. Após anos
deste massacre, os escritos históricos nos induzem à autorreflexão: Como um movimento de
tamanha barbárie obteve o apoio de inúmeros cidadãos alemães?

Acontece que, segundo Adorno, a razão do apoio popular à ideais extremistas, que em
um passado caótico promoveu o genocídio de inúmeros inocentes, e hoje ainda recebem
aprovação, decorre devido à ruptura da autonomia do indivíduo, que reconhece como
medíocre a habilidade nata em questionar e refletir através suas próprias estruturas psíquicas,
já que insistem em permanecer em estado de menoridade e submissão à dominação de seus
dominantes, em conformidade com o que Immanuel Kant afirmou na obra “Crítica da Razão
Prática”:

“É a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A


menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção
de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado desta menoridade se a
causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e
coragem de servir de si mesmo sem a direção de outrem.”
(KANT, 1788, p. 63).

Em dias atuais, apesar de vivermos em tempos de tecnologias e informações


massificadas, existe a dicotomia de certa parcela da população brasileira em proferir falas de
teor ufanista, disseminadas abertamente pelo atual Presidente Jair Messias Bolsonaro, como
“Deus acima de tudo, Brasil acima de todos” ou de extremo conteúdo fascista, como “Deus,
pátria, família e armas” — jargões também adotados pela Ação Integralista Brasileira (AIB),
apoiadores do Governo Vargas, e no Terceiro Reich Nazista que são “ [...] uma espécie de
idealismo dinâmico que, de fato, anima o bando organizado dos ladrões assassinos. Eles saem
a pilhar e constroem uma ideologia grandiosa para isso, e falam disparatadamente da salvação
da família, da pátria, da humanidade” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 145) — apenas
denotam a resistência do conservadorismo em manter seu domínio através de memórias de um
passado catastrófico vívidas na alienação de seus pensamentos, sem quaisquer tentativas de
superá-las, para que não se repitam.
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“O desejo de libertar-se do passado justifica-se: não é possível viver à sua
sombra e o terror não tem fim quando culpa e violência precisam ser pagas
com culpa e violência; e não se justifica porque o passado de que se quer
escapar ainda permanece muito vivo. O nazismo sobrevive, e continuamos
sem saber se o faz apenas como fantasma daquilo que foi tão monstruoso a
ponto de não sucumbir à própria morte, ou se a disposição pelo indizível
continua presente nos homens bem como nas condições que os cercam.”
(ADORNO, 1995, p. 29)

Nesse contexto, a preocupação de Adorno é que a abominável barbárie, uma vez


vivenciada pelos judeus nos campos de concentração de Auschwitz, retornem, já que tais
ideais nocivos à existência humana continuaram a ser propagados e, atualmente, ganharam
visibilidade e aceitação de boa parte de eleitores brasileiros, pois “A cegueira alcança tudo,
porque nada compreende” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 145).

Entendemos como barbárie, portanto, o instinto primitivo destrutivo do ser humano


disforme à sua capacidade racional e evolutiva em adaptar-se a um modelo civilizatório de
uma sociedade. Para o filósofo Theodor W. Adorno, a barbárie conecta-se ao processo de
coisificação da consciência dos indivíduos que desde seus primórdios pretendem dominar o
meio em que vive, e neste mesmo processo, confundem-se com o próprio meio e dominam a
si mesmos. Assim, “[...] estando na sociedade do maior desenvolvimento tecnológico, as
pessoas se encontram atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação à sua própria
civilização” (ADORNO, 1995, p. 115). Além disso, em conformidade com os estudos
psicanalistas de Freud, Adorno considera que atitudes bárbaras são, na verdade, a vazão de
traços sadistas reprimidos na psique de seus feitores, que projetam traumas, medos e
inseguranças escondidas nas camadas mais profundas de seu interior: “A projeção patológica
é um recurso desesperado do ego que, segundo Freud, proporciona uma proteção
infinitamente mais fraca contra os estímulos internos do que contra os estímulos externos”
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 162), e ainda ilustra como exemplo: “Sob a pressão da
agressão homossexual represada, o mecanismo psíquico esquece sua mais recente conquista
filogenética, a percepção de si, e enxerga essa agressão como um inimigo no mundo para
melhor enfrentá-lo” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 162). Assim, após entender esse
contexto, é de fácil compreensão analisar que indivíduos ditos como “tradicionais e
conservadores”, em seus preconceitos, que por exemplo, maltratam verbal ou fisicamente
membros da comunidade LGBTQIA+, pois são desiludidos em sua trajetória e, portanto, “[...]
não se satisfazem nem econômica nem sexualmente, têm um ódio sem fim; não admitem
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nenhum relaxamento, porque não conhecem nenhuma satisfação”, visto que se auto
incapacitam pela crença alienadora da Indústria Cultural – que será tratada no tópico a seguir.

3. O FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO COMO INSTRUMENTO DE


DOMINAÇÃO

De fato, a histologia expõe a poderosa influência da Igreja Católica sobre todas as


esferas sociais durante a Idade Média, sendo apenas questionada por Martinho Lutero em suas
95 teses a favor da Reforma Protestante, que ainda assim possuíam o teor do fundamentalismo
religioso cristão. Assim, fica nítido observar que apesar de reformas e contrarreformas, os
religiosos cristãos sempre procuraram manter a influência do Cristianismo sobre tudo o que
existe. A herança social do Cristianismo ainda é visível em dias atuais, pois conseguimos
observar que, apesar do acesso amplo às tecnologias de informação, presenciamos indivíduos
que defendem com convicção ideais feudais: a família tradicional, a submissão da mulher ao
homem, a aversão a quaisquer expressões ou identidades de gênero desvinculadas da
heteronormatividade, o menosprezo da ciência em função da fé, o repúdio à outras religiões
etc. Embora a oportunidade de ressignificar e adaptar fundamentos excludentes das religiões
abraâmicas, os fundamentalistas exigem em permanecer estáticos ao modelo medieval
formulado pela Igreja Católica para que esta conseguisse manter seu domínio, poder e
riqueza, principalmente, sobre o campesinato (hoje chamado de proletariado). Tal dominação
religiosa degrada completamente as bases de uma sociedade democrática, a qual deveria
proteger os direitos de existência e sobrevivência de todos, independente de classe social,
gênero, sexualidade, etnia etc. Por isso, ainda vemos na Constituição Federal, leis que
excluem completamente a realidade de muitas famílias brasileiras, como o Art. 1° da Lei Nº
9.278:

“Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura,


pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo
de constituição de família.” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Dessa forma, famílias de diferentes configurações impostas pela heteronormatividade pautada


no fundamentalismo religioso cristão, não são reconhecidas nem protegidas pela Justiça
Brasileira.

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Em vista disso, em Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer salientaram a
criação dos mitos pela humanidade, que mais tarde foram utilizados como instrumento de
dominação.

“O sobrenatural, o espírito e os demônios seriam as imagens especulares dos


homens que se deixam amedrontar pelo natural. Todas as figuras míticas
podem se reduzir, segundo o esclarecimento, ao mesmo denominador, a
saber, ao sujeito.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.17)

Após a leitura do tópico O conceito de esclarecimento, entende-se que o homem,


desde os primórdios, na tentativa de entender o meio em que vivia e, através de um
conhecimento primitivo, criou o mito, uma falsa clareza, como tentativa de proteger-se dos
perigos que o cercava. Dessa forma, “O mito queria relatar, denominar, dizer a origem, mas
também expor, fixar, explicar. Com o registro e a coleção dos mitos, essa tendência reforçou-
se. Muito cedo deixaram de ser um relato, para se tornarem uma doutrina” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 18), portanto, o homem criou deidades para representar os
elementos básicos da natureza e dessa forma personificá-los, como forma de atribuir controle
e consciência à natureza, para não que assim não se preocuparem tanto com a força entrópica
da natureza.

A doutrina advinda do mito, trouxe arquétipos e estereótipos que ditam um modelo de


vida a ser vivido, para que assim o ser humano viva em paz com a natureza e não desperte a
ira de seus deuses. Entretanto, a doutrina mítica foi criada e formulada por homens, estes que
podem escrever ou reescrever o que querem para seu próprio benefício, seja material, cultural
ou social — a Bíblia Sagrada, por exemplo, foi alterada diversas vezes para se adaptar às
numerosas vertentes do cristianismo. Logo, a dominação pelos mitos é evidente, já que:

“O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com


relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias
relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada
indivíduo consigo mesmo.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 34)

Diante disso, doutrina aliena tudo aquilo ou aqueles que atinge, no sentido de modificar a real
essência das coisas, algo que Adorno denota como coisificação do espírito do homem, que
consiste no homem perder a noção de si mesmo e transformar-se em “coisa”, renegando sua
própria singularidade, e assim, as demais coisas que os cercam permanecem as mesmas —
isso explica o motivo pelo qual fundamentalistas religiosos insistem em permanecerem
resistentes a ideais tão ultrapassados.
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Nesse viés, na tentativa de entender a natureza, o homem buscou controlá-la. Através
do medo do que não compreendia, pois, “A duplicação da natureza como aparência e
essência, ação e força, que torna possível tanto o mito quanto a ciência, provêm do medo do
homem, cuja expressão se converte na explicação” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.
24), então, criou os mitos: divindades responsáveis pela força da natureza, porém com
características humanas, para que pudesse se espelhar numa força ao mesmo tempo mística e
humana. E por serem figuras humanas, os deuses possuíam emoções e sentimentos, sendo
necessário, portanto, oferendas e sacrifícios. Assim, alienado pela própria doutrina, o homem
perdeu a consciência de si mesmo e julgou aceitável sacrificar seus semelhantes para
conquistar a misericórdia e dispersar a ira de suas divindades.

Mediante a essa cultura de fundamentalismo religioso, a Igreja Católica medieval


validou o genocídio de inúmeros indivíduos por meio da Santa Inquisição, definindo os
“hereges” como merecedores da morte por não possuírem a mesma crença, ou simplesmente
por pensarem e agirem diferente do que era imposto pela doutrina cristã. Esse egoísmo radical
ainda reflete atualmente ao vermos os mesmos fundamentalistas interferindo na existência de
outros indivíduos que também não são de acordo com sua doutrina. E por isso, tal
fundamentalismo religioso é tão nocivo para o contexto de uma sociedade democrática, ao
mesmo tempo que impulsiona diretamente a alienação das massas populares, assim como fez
a Igreja Católica em tempos de monarquia.

4. A INDÚSTRIA CULTURAL

Como integrante da Escola de Frankfurt, Adorno e outros estudiosos analisaram o


contexto cultural da sociedade e suas diversas facetas. Assim, desenvolveram uma rica
filosofia voltada a explicar a Indústria Cultural: mais uma ferramenta utilizada pelo homem
para dominar e alienar uns aos outros. Se antes a dominação através do mito era mediada pelo
sentimento de medo, na sociedade capitalista, esta mesma dominação é imposta por
intermédio dos meios digitais (televisão, computador, celular, rádio, mídias sociais etc.),
movida pelo sentimento consumista e imediatista que o Capitalismo propõe.

As Artes, apesar de sua proposta criativa e lúdica, muitas vezes podem condicionar
comportamentos e pensamentos padronizados pelo contexto sociocultural:

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“O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade
de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia
destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a
si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus
diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus
produtos.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101)

Portanto, no contexto capitalista, o teor de alienação e dominação através do setor


midiático: uma iniciativa da burguesia de manter sua influência e poder sob o proletariado, em
vender bens materiais e ideologias que vão de acordo com seus interesses individuais. Por
isso, notamos indivíduos da classe proletária apoiando vertentes completamente elitista, que
debilitam sua própria existência.

“O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre
a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a
sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria
dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma.
Os automóveis, as bombas e o cinema mantêm coeso o todo e chega o
momento em que seu elemento nivelador mostra sua força na própria

injustiça à qual servia.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101)

Dessa forma, a burguesia vai de encontro com seu objetivo: a reificação do


trabalhador, ou seja, transformando-o em uma propriedade, uma coisa, um bem. A cultura,
antes entendida como instrumento de significância para um povo, hoje é comercializada para
gerar lucro aos donos dos meios de produção. A maquiagem, por exemplo, antes vista como
forma artística de expressão dos povos, atualmente é amplamente divulgada pelos sites e
revistas de beleza como um padrão a ser seguido, e o trabalhador, sem as ferramentas de
conhecimento necessárias para entender o sentido amplo e crítico desse recurso, apenas o
consume unicamente por diversão. Resgatando o que foi mencionado por Karl Marx, em O
capital, o trabalhador, em seus primórdios, era dono dos meios de produção ao produzir
artesanatos e manufaturas, e participava de todos os estágios de produção e tinha total
consciência sobre seu valor de produção, porém, com a Revolução Industrial, o Trabalhador
passa ser alheio a seu próprio trabalho — fenômeno reconhecido por Marx como alienação do
trabalho —, passando a ser propriedade de um pequeno grupo social: a burguesia. Portanto,
Marx afirma que:

“Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na


fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio de trabalho parte

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dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o movimento. Na
manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo.
Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são
incorporados como apêndices vivos.” (MARX, 1867, p. 332)

O trabalhador alienado de sua força de produção, para fugir desse mecanismo de


trabalho desgastante, procura meios de diversão, sendo o cinema o mais acessível e viável, e
nesta mesma sessão de cinema, o trabalhador é novamente alienado pela Indústria Cultural,
pois, como abordou Adorno, a grande tela exibe clichês prontos, diferenciados apenas em
aparência: o amor verdadeiro, a vitória do bem contra o mal, a família perfeita, a superestima
dos padrões de beleza etc. Portanto, para Adorno e Horkheimer, a Indústria Cultural interfere
diretamente no controle daquilo que produz e vende, impondo disciplina e desejo aos
expectadores, para que seus produtos sejam lucrativos. Em função disso, o proletariado fica
omisso à essa mentalidade, pois os filmes exibidos prezam muito mais por efeitos sonoros e
visuais grandiosos que induzir seus expectadores ao pensamento crítico e reflexivo.

Então, trabalhador alienado pela Indústria Cultural no momento de trabalho e no de


diversão, passar a enxergar o mundo através das lentes de seus dominadores. Por essa razão,
camadas populares passaram a adotar e apoiar tantas ideologias elitistas, pois com o controle
dos meios de produção pela burguesia e sem o acesso a uma educação emancipatória, fica
evidente a coisificação de seu espírito e o movimento de alienação popular ganha sua força.
Logo,

“O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha


experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um
prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio
reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a
norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas
duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que
o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre
no filme.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 105)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista ao contexto histórico da trajetória humana, percebemos numerosos fatores


que contribuíram para a alienação da mente humana, com um recorte específico para as
camadas populares. Entendemos como barbárie o instinto destrutivo dos seres humanos com

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seus semelhantes, pautado na incapacidade de viver em uma sociedade harmônica, isso acaba
por cercear a autonomia dos indivíduos, que por sua vez desacreditam de sua própria
capacidade de refletir e criticar os fatos pré-existentes.

Além disso, foi evidenciado, que desde os primórdios, os seres humanos buscaram
formas de identificar e se relacionar com o meio em que vivia, nisso, deu origem aos mitos.
As mitologias, portanto, serviram para acalentar o medo existente dos homens com a força da
natureza que o cercava. No entanto, a necessidade de dominar a natureza para que eles
mesmos não fossem dominados por ela, fez com que fossem criadas divindades com
características humanas, para que se pudesse estabelecer controle e segurança. Assim, dos
mitos vieram as doutrinas, que mais tarde foram utilizadas pela Igreja Católica Medieval
como fundamentalismo religioso, o qual a permitiu cometer atrocidades em nome de uma
vontade divina, criada e reformulada diversas vezes ao encontro de seus próprios interesses.
Com isso, a alienação dos indivíduos através dos mitos ainda perdura em dias atuais, devido a
essa influência primitiva do ser humano em querer entender o mundo, para que pudesse
dominá-lo e, por conseguinte dominar seus semelhantes através do sentimento de medo,
oficializado na escatologia judaico-cristã.

Séculos adiante, a humanidade passou pelo processo de industrialização na Idade


Moderna, acompanhada com um novo modelo social, o capitalismo. Tal modelo, alterou
rigorosamente as organizações sociais, políticas e econômicas, pois agora, os indivíduos eram
divididos em classes, status e poder, originando uma desigualdade na aquisição propriedades
privadas e ao acesso de recursos básicos de sobrevivência. Nesse contexto, o Capitalismo
baseia-se principalmente no lucro, portanto, os setores que compõem a sociedade começaram
a ser comercializados por um pequeno grupo, a burguesia, impondo sua forma de enxergar e
se comportar no meio social. Essa imposição é um conjunto cultural de valores,
comportamentos e matéria produzidos por esse grupo, chamado de Indústria Cultural, criada
especificamente para dominar as camadas sociais populares e assim manter sua influência e
poder. Dessa forma, o proletariado aliena-se em seu trabalho e lazer, visto que tudo que se é
mostrado pelas mídias sociais existentes são controladas e manipuladas por seus dominadores.

Em vista disso, essas camadas populares entram em um estado profundo de alienação,


já que não possuem as ferramentas emancipatórias necessárias para praticarem o pensamento
crítico. Adorno concluiu em sua obra literária Educação e Emancipação que a Educação é a
principal ferramenta que possamos combater esse movimento alienador, para isso ele propõe:

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“Para nos expressarmos em termos corriqueiros, isto não significa
emancipação mediante a escola para todos, mas emancipação pela
estruturação vigente em três níveis e por intermédio de uma oferta formativa
bastante diferenciada e múltipla em todos os níveis, da pré-escola até o
aperfeiçoamento permanente, possibilitando desse modo, o desenvolvimento
da emancipação em cada indivíduo.” (ADORNO, 1995, p. 170)

No ensaio Educação e Emancipação, Adorno e Becker apontam que “[...] as pessoas


aceitam com maior ou menor resistência aquilo que a existência dominante apresenta à sua
vista e ainda por cima lhes inculca à força, como se aquilo que existe precisasse existir dessa
forma.” (ADORNO, 1995, p.178). E deste modo, percebemos o motivo pela apreciação e
apoio popular a barbáries, como aconteceu no Terceiro Reich, e hoje no Brasil, acontece
como banalização das mortes pela Covid-19 e pelo negacionismo, legitimadas pela própria
gestão governamental de uma sociedade democrática, que em suma deveria preocupar-se em
proteger e cuidar do bem-estar social. No entanto, a força alienadora é imensurável,
alimentada por um sistema social voltado para sua existência e por uma herança cultural
trágica, sendo a Educação a única ferramenta com poder de transformação e emancipação das
massas.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor. Educação e emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. São Paulo:
Paz e Terra, 1995.

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradução de


Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente


da República, [2016]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 15 jun. 2022.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5ª Edição. Trad.: Manuela Pinto e Alexandre
Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do


capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013

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