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A ESCOLA DE FRANKFURT LUZES E TREVAS DO ILUMINISMO

1. O que foi a escola de Frankfurt?

Movimento do pensamento alemão que tem sua origem em Frankfurt, 1923, de um


Instituto para a Pesquisa Social. O movimento é bastante influenciado por Freud, Nietzsche,
Heidegger, Husserl, Kierkegaard e pelo marxismo, muito embora sejam extremamente
críticos de Marx e, sobretudo, dos marxistas e do socialismo autoritário e tecnicista dos
soviéticos. Os expoentes do movimento são Walter Benjamin, M. Horkheimer, T. Adorno, E.
Bloch, E. Fromm, H. Marcuse, F. Pollock e, atualmente, J. Habermas. A primeira guerra
mundial, a República de Weimar, ascensão do nazismo, a crise de 1929 e o stalinismo
marcaram a época desses autores.
Os frankfurtianos eram críticos ao dogmatismo dos marxistas de sua época, os quais
viam uma possibilidade de emancipação do homem por meio da razão e da ciência tais
quais estabelecidos pelo mundo burguês. Marx escreveu: “os filósofos até agora se
limitaram a interpretar o mundo; trata-se, agora, de transformá-lo.” Pessimista, Adorno
observou: “posto que a filosofia não conseguiu transformar o mundo, cabe continuar a
interpretá-lo.”
A Teoria Tradicional (iniciada com Descartes), enxerga o pensamento, a razão, como
uma base segura para erigir a filosofia. Para Descartes, tudo que é contraditório, tudo que
é confuso, é irracional, é errado. A Teoria Tradicional considera que homem, graças à
técnica e por meio dela, deveria se tornar senhor da natureza. Por meio da matemática, o
homem pode controlar a natureza. A Teoria Tradicional considera, então, a paixão como o
erro, os sentidos como engano, e a razão como a verdade. A razão é calculadora, e se
empenha em fazer previsões.
A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt considera a realidade como contraditória
(dialética) e, em vários aspectos, irracionais; mesmo a nossa razão possui, em muitos
momentos, traços irracionais. A dialética é um pensamento da contradição: uma afirmação
é ultrapassada por sua negação, e esta, por sua vez, pela negação da negação, isto é, uma
nova afirmação. Eles se revoltam, nas palavras de Adorno, “contra a doutrina, arraigada
desde Platão, segundo a qual o mutável, o efêmero, não seria digno da filosofia”

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2. Do Iluminismo a Auschwitz – a razão, bárbara por natureza?

Como a humanidade, depois do Iluminismo do século XVIII e do formidável avanço da


ciência no século XIX, conseguiu produzir coisas terríveis como a Guerra Mundial e o
nazismo? Como, aliás, o nazismo ganhou força (lembre-se que Hitler foi eleito) numa nação
com as melhores universidades do mundo e com a população mais alfabetizada do mundo?
Por que as promessas iluministas de boa vontade e paz perpétua não se concretizaram?
Por que os séculos mais esclarecidos da história foram também os mais bárbaros?
A tese de Adorno e Horkheimer é que a razão ocidental, que não é passiva nem
atemporal, é na verdade instrumental. Em outras palavras, a própria razão,
instrumentalizando-se, tornou-se perversa, responsável pela alienação e pelas novas
formas de barbárie. Por quê? O homem negou-se como ser natural, esqueceu sua natureza
interior, seu corpo, tornou-se um indivíduo abstrato. Técnica e cálculo a serviço de
interesses privados. A razão ocidental é dominadora: ela ordena o espaço, esquadrinha-o.
A razão ocidental considera a paixão, o impulso algo ruim, que deve submeter-se ao cálculo.
Fanática e violenta, a razão ocidental destrói a natureza e o homem em nome de princípios
como o progresso, a eficiência e o sucesso. É uma razão violenta consigo mesma, pois não
objetiva a felicidade, mas sim a precisão – para ela, só é racional aquilo que é útil. Eficiência,
“sucesso”, produção, são mais importantes que a vida (alguns engenheiros, militares,
administradores, donos de escolas, gerentes, políticos e professores não pensam assim?).
Ela também reprime a natureza interior do homem, suas paixões, impulsos, mitos e
vontades.
FRIA, CALCULISTA, DOMINADORA, TOTALITÁRIA, A RAZÃO INSTRUMENTAL QUER
TRANSFORMAR TUDO EM “ÚTIL”, DESVALORIZA OS SENTIMENTOS E SACRIFICA O
HOMEM EM NOME DE FINALIDADES.

Este impulso pela dominação nasce, segundo Horkheimer e Adorno, do medo da perda
do próprio Eu, medo que se revela em toda situação de ameaça do sujeito em face do
desconhecido. Em outras palavras, tanto o mito/religião, quanto a ciência, têm origem
comum: controlar as forças desconhecidas da natureza. Ulisses, na Odisseia, decidiu que,
para não ser seduzido pelo belo e encantador canto das sereias, ele seria amarrado ao

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mastro do navio. Entretanto, enquanto os homens de Ulisses taparam os ouvidos, ele
próprio ouviu o canto. Ulisses reprimiu o desejo, transformando-o em espetáculo; Ulisses
renunciou ao seu sonho, e sua razão reprimiu seu espírito “dionisíaco”. Ulisses é a
expressão da razão ocidental. Os progressos da razão se fazem contra a felicidade do
indivíduo.
Na racionalidade ocidental, tudo pode ser comparado, pode ser trocado, tudo tem um
preço. O que não tem preço é o que tem dignidade: o homem. Para que o homem, então,
pudesse também ser trocado, foi necessário que a técnica e a ideologia do progresso o
tornassem também um número, algo calculado, uma estatística: “O Número tornou-se o
cânon do Esclarecimento. As mesmas equações dominam a justiça burguesa e as trocas
mercantis.”
Em resumo, a racionalidade instrumental ocidental é: razão de dominação, de controle
da natureza exterior e interior, de renúncia e ascetismo. É uma razão totalitária. Marx já
falava dessa visão de mundo e comparava o Capital ao Vampiro, Moloch, Jugernaut, que
nos rouba a vida, a luz, o sol e o sangue. Mas o que renunciou continua a ser desejado, e
aquilo que foi reprimido retorna na forma de violência e barbárie. O ascetismo do mundo
interior, quero dizer, a repressão dos nossos desejos e impulsos criam a volta do reprimido
na forma da destrutividade, dado o caráter sadomasoquista da civilização contemporânea.
Eis a dialética do esclarecimento/iluminismo: a razão, na forma como conhecemos, isto é,
na forma instrumental, acaba dando origem ao irracional, ao destrutivo. O irracional no
interior da própria razão se converte em violência histórica. As coisas tornam-se seu
oposto. A livre troca vira aumento da desigualdade social. A economia livre vira monopólio.
O trabalho produtivo sufoca a produção. O desenvolvimento tecnológico transforma-se em
pauperização.

Freud já dizia: o excesso de razão dominadora estimula impulsos destrutivos


(Tânatos): é o retorno bárbaro da razão esclarecedora. Claro que, entende Freud, o ser
humano não pode fazer tudo o que quer; um pouco de repressão é necessária para a vida
social. O excesso de repressão, entretanto, é a destruição desta mesma sociedade –
repressão excessiva do impulso de vida (eros), como um pistão, libera nosso impulso
destrutivo, de morte (tânatos). Se a repressão dos nossos impulsos não for compensada,

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devemos estar preparados para severas perturbações. A civilização, nesse sentido, é uma
luta entre nosso impulso erótico (desejo) e nossas necessidades (repressão), ou, em
outras palavras, entre o desejo de felicidade dos indivíduos e a submissão a certos limites.
Nesse sentido, para Freud, a análise, ao ajudar-nos a nos autoconhecer, nos ajuda a nos
autodeterminar e, assim, emanciparmo-nos. A propagada e a publicidade são uma
psicanálise às avessas: promovem o autoengano e, por conseguinte, o sofrimento. A
filosofia e a psicanálise acabam lutando contra tudo o que é construído pela indústria do
consumo e do entretenimento.
Hannah Arendt (liberal, não participante da Escola de Frankfurt) falava, por sua vez,
em banalidade do mal.
As guerras mundiais e o fascismo, assim, seriam fruto do “progresso” tecnológico-
científico, e não a sua negação. A história não é um continuum de progresso e linearidade,
no qual a ciência melhora nossa existência. Existe, assim, uma continuidade entre o
iluminismo e o totalitarismo fascista e o totalitarismo soviético.

História não é progresso


“Não existe nenhuma linha reta que conduza a humanidade da barbárie à civilização.
Mas existe uma linha reta que conduz do estilingue a bomba dos megatons” Adorno,
Dialética Negativa.

A repressão dos impulsos por meio da razão engendra o totalitarismo – o excesso


de culpa é uma agressão contra si mesmo. Quando você agride muito a si mesmo, você
compensa tal agressão a si com a agressão ao outro. Por isso, uma cultura muito
repressiva (como a alemã da época) torna-se uma cultura violenta e doentia.
"A ideia de que a virilidade consiste no mais alto grau em suportar a dor foi durante
muito tempo a imagem encobridora de um masoquismo que, como demonstrou a
psicologia, tão facilmente roça o sadismo. A pessoa dura consigo mesma arroga-se o
direito de ser dura também com os demais e se vinga neles da dor cujas emoções não
pode manifestar, que deve reprimir (...) A angústia não deve ser reprimida. Quando a
angústia não é tolhida, quando o indivíduo se permite ter tanta angústia quanto essa
realidade merece, então, provavelmente, desaparecerá grande parte do efeito destruidor
da angústia reprimida e desviada" Adorno - A educação depois de Auschwitz

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A razão instrumental ocidental foi construída a partir da negação da integração do
homem e natureza; pelo contrário, o homem domina a natureza e a esquadrinha por meio
de sua técnica.
“Toda a natureza começaria por se lastimar se lhe fosse dada a palavra” Walter
Benjamin, Drama barroco alemão

Crítica à noção de progresso: não é por meio da razão instrumental ocidental que
virá a salvação da humanidade.
“Marx diz que as revoluções são as locomotivas da história; talvez seja o contrário.
Elas são os freios de emergência da humanidade que viaja nesse trem” Walter Benjamin

O que é preciso fazer? Re-encantar o mundo! Reinterrogar a razão para ela cumprir as
suas tarefas não-efetivadas, tudo o que ficou a dever às suas próprias esperanças. É
preciso que a razão, mantendo o que nos legou o cálculo, concilie-nos com a incerteza da
realidade. É preciso uma nova apreensão do tempo e da fruição da vida, que não seja o
tempo industrial. Marcuse disse: “é preciso que as leis da razão sejam conciliadas com os
interesses dos sentidos.” Sensação, sensualidade e sensibilidade; eis os três “S” que podem
nos salvar. Aristóteles acertou em cheio: a arte tem um potencial catártico. É preciso saltar
para fora do progresso!

“O poder sobre a natureza não é a única condição da felicidade humana” Freud

Conhecer e encarar os nossos problemas é um passo fundamental para solucioná-


los
“A doença não deve ser um objeto de desprezo, mas, ao contrário, um adversário
respeitável, uma parte do seu ser que tem boas razões de existir e que lhe deve permitir
obter ensinamentos preciosos para o futuro” Sigmund Freud

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Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus.
Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que
ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca
dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse
aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós
vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe
única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as
dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os
mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em
suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele
irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas
cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso (Walter Benjamin) – não
se esqueçam, alunos do poli, a cultura atual (e todas as nossas felicidades) é resultado
de um passado pavoroso.
Dica de exercício filosófico: assista ao filme ou leia ao livro O Senhor dos Anéis e
compare Saruman a razão instrumental e os Hobbits ao projeto de reencantamento do
mundo.
3. A indústria cultural – a mitologia do capitalismo
“O papel da câmera no embelezamento do mundo foi tão bem-sucedido que as fotos,
mais que o mundo, tornaram-se o padrão do belo”. Susan Sontag
Walter Benjamin, em seu clássico “a obra de arte na época de sua reprodutibilidade
técnica”, dizia que a grande novidade do século XX era a produção de imagens e sons em
massa. Fotos coloridas, atraentes outdoors, revistas semanais, telenovelas, filmes,
videoclipes: vivemos numa sociedade em que a imagem é onipresente, intensa. Os
problemas a se destacar são basicamente dois: essas “imagens” (filmes, propagandas,
telenovelas) são controlados por um grupo, uma agência capitalista, o grupo que domina a
cultura; a grande maioria das pessoas não refletem sobre essas imagens que chegam até
elas, sobre suas origens, suas razões de ser, suas intenções. Em suma, com a indústria
cultural, a cultura tornou-se artigo de consumo – a cultura precisa ser “consumida”,
“vendida”, ou seja, submeteu-se à razão instrumental.

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