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FICHAMENTO_03

Caio Menezes Arruda


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F / ADORNO, T.; HORKEIMER M. O Conceito de Esclarecimento. In: Dialética do Esclarecimento. Rio de


Janeiro: Zahar, 1985 (1944), pp. 17-46.

Assistindo à derrota iminente do III Reich e o fim da guerra, Max Horkheimer e Theodor
W. Adorno, se propõe a pensar como que a racionalidade ocidental e seu inédito e impetuoso
avanço da técnica, ao invés de conduzirem para um horizonte de emancipação e realização
humana, produziram a barbárie. O impulso racista de aniquilação do nazismo e a indústria
cultural de massas, que, ao digerir tudo como mercadoria e produzir puramente pela eficiência,
aniquilam o pensamento objetivo, substituindo-o por uma mitologia vazia. Na Dialética do
Esclarecimento (1944) os pensadores da Escola de Frankfurt se debruçam sobre a racionalidade
ocidental e sua contradição intrínseca, um pensamento formalizado e pragmático que perdeu
sua relação com a verdade e, usado como instrumento de dominação da natureza, volta-se
contra si mesmo. No primeiro capítulo, “O conceito de Esclarecimento”, os autores partem para
uma reconstrução do esclarecimento até suas origens históricas, dissociadas da racionalidade
ocidental contemporânea, para mostrar como não só o esclarecimento sempre gestou essa
contradição autodestrutiva, mas também que o mito já era esclarecimento, e a negação da
metafísica e das estruturas racionais objetivas foi o que engendrou a crise do pensamento
ocidental.
Na sua exaltação ao saber como forma de emancipação do indivíduo dos grilhões do
mito obscurantista, o Iluminismo trouxe a superfície e catalisou o processo de subjetivação e
formalização da razão. Adorno e Horkheimer concentram suas críticas na obra de Francis Bacon
(1521-1626), tido como um dos maiores defensores e propagadores da racionalidade
instrumentalizada, seminal ao pensamento científico moderno. Bacon atacava acintosamente a
tradição, que, através da entrega de uma resposta sólida e acabada para o mundo, com
conceitos vazios, impedia a união eficiente do homem com a natureza. Essa servia ao
pensamento humano meramente para fornecer elementos para que possa ser dominada. O fim
último do saber era o controle absoluto da natureza, um instrumento de dominação, “para
melhor prover e auxiliar a vida”, rejeitando o discurso e qualquer reflexão sobre o saber em si.
A ciência se expande universal, e tudo o que não pode ser racionalizado pelos ditames da
causalidade, do cálculo e da utilidade é descartado dessa unidade, portanto não existe; ou existe
como engano.
O esclarecimento procedeu buscando extirpar os deuses, mas também os mitos já eram
produto do próprio esclarecimento. Para os autores, para todos os povos os mitos sempre
serviram não só para ordenar e dizer a origem, mas também explicar os fenômenos, mas
estabelecem uma distinção antropológica entre a “magia” do homem primitivo e a racionalidade
subjetiva e dominadora da ciência. A primeira concebe uma natureza qualificada, e se interage
com ela por meio da mimese para atingir seus fins. Quando o homem passa a não enxergar a
manifestação dos deuses diretamente nos elementos da realidade mas significado, sentido e
ordem, atribuídos por um deus externo, a essência das coisas se torna homogênea; o sujeito se
distancia dos objetos e se aproxima de deus, à sua imagem e semelhança, e se vê soberano; o
caminho está aberto para a conquista. O mundo se torna submisso a um eu sem caráter, porque
o ser é todo ter. A escrita possibilitou a coleção e organização dos mitos, o que só acentuou essa
tendência. O mito, na atribuição do animado ao inanimado, assim como o esclarecimento,
aplicando o inverso, são ambos motivados pelo pavor atávico do desconhecido. Daí a
necessidade de compreensão absoluta tanto do mito como da ciência, nada lhes escapa, e tudo
que é apreendido como novidade, logo cai na teia da predictibilidade e se torna velho.
Nesse ímpeto universalizante e desencantador, o pensamento esclarecido se limita
àquilo que é imediatamente dado, e é condenado à conformidade e à autoconservação, se
encerrando ele próprio no mito. Ao se basear na dominação da natureza e na racionalização
subjetiva absoluta, o pensamento reconhece apenas a repetição infinita da realidade. A
linguagem se reduz ao signo e o pensamento perde o seu caráter objetivo, se acomodando à
reprodução de uma ordem estabelecida a partir da dominação. O avanço da máquina andou
junto com o avanço da maquinaria de dominação, sobre a natureza e, naturalmente, sobre os
indivíduos. Assim, o sujeito se reifica, imerso em uma realidade inevitável e contra a qual nada
pode fazer a não ser se adequar funcionalmente a à estrutura de classes e a divisão do trabalho.
O percurso da razão ocidental, condenando o mito e se distanciando da natureza, se aprofunda
na submissão e na inverdade — pelas leis objetivas do mercado, a homogeneização do indivíduo
pela igualdade, a ratificação do destino — culminando em uma outra forma de mitologia. Os
autores ainda pontuam que o socialismo tampouco escapou desses fundamentos da filosofia
burguesa, ao se render à satisfação da necessidade, um processo objetivo mecânico de evolução
material da história e uma racionalidade subjetiva centrada na técnica, nos meios,
comprometendo a sua própria estrutura teórica objetiva.
Consumada a primazia do saber de Bacon, nas mãos da burguesia, a humanidade se vê
imersa em um sistema de violência e submissão estrutural. O que impera é a racionalidade que
se diz imparcial, pura e absoluta mas que, engendrada em desequilíbrio, acaba ela mesma
reproduzindo a dominação da qual buscava escapar. O pensamento se volta contra si mesmo.
Os autores não propõem uma saída prática para a crise, se limitando a colocar que a inversão
do curso do “espírito do progresso” depende de uma teoria que não se comprometa pela
tendência “enrijecedora” da sociedade.

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