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Christopher Bollas na SBPdePA

SBPdePA – Queremos pergun-


tar-lhe um pouco sobre a sua vida; sa-
bemos que nasceu na Califórnia e que
não viveu lá toda sua vida. Gostaría-
mos de saber um pouco a respeito de
sua particular trajetória: da História
na América do Norte à Psicanálise,
na Inglaterra.

Christopher Bollas – Fui um es-


tudante da Universidade da Califórnia
nos anos 60, onde fiz análise pessoal
na universidade, porque havia um
Christopher Bollas, Ph. D. Centro para Estudantes, e eu tive um
psicanalista mexicano. Estava estu-
dando História, naquela época, e não
me sentia atraído pela Psicanálise, de
forma que decidi estudar outra coisa
antes. Então, naquela mesma época,
eu estava fazendo um trabalho sobre a
psicologia de alguns personagens no
século XVII. Busquei escritos psica-
nalíticos para ajudar-me a pensar em
quais eram as dificuldades daquelas pessoas. E então comecei a interessar-me
mais e mais pela Psicanálise, até o final de meu curso na Universidade da
Califórnia. Após a minha graduação, trabalhei dois anos no East Bay Activity
Center, que era um centro clínico do distrito onde tive um treinamento, traba-
lhando com crianças esquizofrênicas. Tive muito trabalho, pois eram crianças
com extrema perturbação.
A partir dessas experiências, resolvi aprofundar meus conhecimentos e,
assim, descobri a Psicanálise britânica. Li, então, Winnicott, Klein e também
muitos novelistas para entender a maneira como eles pensavam e, por outro
lado, resultaram profundamente ricos e úteis ao meu entendimento de crianças
autistas e esquizofrênicas. Depois, fui à Escola de graduados para estudar Lite-
ratura, na Universidade de Búfalo, porque, naquele tempo, eles tinham o me-
lhor departamento de inglês nos Estados Unidos. Muitos novelistas, alguns
poetas, grandes professores de literatura e pessoas do estrangeiro concentra-
vam-se nesse grupo. E desta forma eu continuava com o meu interesse pela
Psicanálise, porque havia todo um grupo de pessoas com grande interesse psi-
canalítico. Dei um curso chamado “Loucura e Ficção Temporária” (Madness
and Temporary Fiction) e pensei que iria ter ao redor de 40 alunos, no entanto,
250 se inscreveram.
Após a primeira aula, 10 a 12 estudantes demonstraram estar muito per-
turbados, muito, muito doentes. No dia seguinte fui ao departamento de Psi-
quiatria para discutir isso e para descobrir de que forma eu poderia ajudar esses
alunos doentes. Eu disse: sabes, eu gostaria de fazer um treinamento para ser
um psicoterapeuta. Person era o encarregado do departamento e sua resposta
foi: por que não? Isso ocorreu no final dos anos 60. Assim, trabalhei todos os
dias com diferentes psicoterapeutas e outros alunos de Psicoterapia e em três
dias dava aulas de literatura inglesa. Assim, decidi solicitar meu ingresso numa
Sociedade Psicanalítica. Apresentei-me para a Sociedade Britânica e a respos-
ta foi afirmativa, fui aceito. Em 1973, cruzei o oceano.

SBPdePA – Como foi a sua formação analítica? Com quem se analisou e


fez as suas supervisões iniciais?
Christopher Bollas na SBPdePA
Christopher Bollas – Meu primeiro analista foi Masud Khan e minha pri-
meira supervisora foi Paula Heiman. Minha segunda supervisora foi Marion
Milner e então continuei minha análise com Khan; houve um interrupção de,
creio, aproximadamente cinco anos, e mais tarde tive análise com Adam
Limetani. Durante minha preparação, para tornar-me Full Member da Socie-
dade Britânica, tive Clifford York e Farah Brandt como meus consultores.

SBPdePA – O senhor é considerado como um pensador independente e


que remarca, em sua trajetória, pensadores como Winnicott, Bion, Lacan e um
regresso a Freud. Também defende a idéia de que os movimentos psicanalíti-
cos antagonizam o pensamento e o desenvolvimento da Psicanálise. Poderia
falar-nos um pouco mais a respeito?

Christopher Bollas – Eu penso que as escolas psicanalíticas de pensamen-


to são muito importantes. Não estou fazendo uma crítica das escolas de pensa-
mento. Penso que existem muitos escritores psicanalistas importantes depois
de Freud, tais como: Melanie Klein, Jacques Lacan, Heinz Kohut, Winnicott,
Bion e outros. É muito importante as pessoas estudarem sua obra para conhecê-
los bem, para saber como interpretá-los e como criar, a partir disto. Assim,
foram essas concentrações em cada escola que levaram a uma evolução das
mesmas, promovendo, assim, um ensino talentoso e informativo. No entanto,
eu faço uma diferenciação bem distinta entre uma escola e sua evolução dentro
de um movimento, porque, infelizmente, se nós olharmos para trás, na história
da Psicanálise, quando as escolas se tornam movimentos, quase sempre um
tipo de fascismo entra em cena. Uma espécie de genocídio intelectual, no qual
outros movimentos são desacreditados, distorcidos levando a uma expressão
de desprezo. Isso não é novo; verdadeiramente, é típico de quase todos os
movimentos intelectuais da história. O que é importante a este respeito, para a
Psicanálise, é que nós supostamente deveríamos ser analisados para estar aten-
tos a nossos próprios processos destrutivos e, por isso, o efeito da Psicanálise
mesmo deveria ser tal, que nós não quereríamos tomar parte de tal
“denegrição” e genocídio contra outras escolas intelectuais.
É de grande valor ter aquisições de diferentes escolas, mas os movimen-
tos não operam desta forma e, infelizmente, eles são quase organizações para-
militares com generais, tenentes e soldados, que enxergam as outras pessoas
como inimigos. E isto pode ser algo muito nefasto, mas especialmente penoso
para a Psicanálise, porque invalida o trabalho da análise pessoal. Debilitando,
a meu ver, a auto-estima em nível inconsciente. Mas o analista, em tal grau, crê
no seu movimento psicanalítico, e deveria ser sua preocupação se isso vai em
direção a um caminho destrutivo.
Há demasiada destruição nos movimentos psicanalíticos que atacam a
auto-estima e, infelizmente, também levam ao silêncio (“silenciamento”) da
contestação, sua relativa ausência de protesto contra esta mentalidade de um
movimento. Por isso tomei a decisão, há alguns anos, de “abrir”, conforme
eles dizem, ainda que eu me tenha beneficiado de forma enorme daquelas es-
colas de pensamento, especialmente dos Kleinianos e Winnicottianos, inicial-
mente nos Estados Unidos, Psicologia do Ego e leitura de Lacan. Mesmo sa-
bendo que eu tenha me beneficiado imensamente dessas escolas de pensamen-
to, eu, evidententemente, me oponho a esses movimentos. E eu estimulo os
analistas a abandonarem os movimentos Kleiniano, Lacaniano, Winnicottiano,
Kohutiano, porque é antitético para psicanalistas serem membros de um des-
ses exércitos. É algo que deveria nos envergonhar, que desacredita a Psicanáli-
se, mas devo dizer que tenho tido sorte, tenho sido afortunado em ser bem
considerado até o momento e espero sobreviver a esse uso político de meu
nome, porque eu creio profundamente que essa situação está causando dano à
Psicanálise, e desta forma estou preparado para falar claro.
Nem todo mundo, que está aqui, sente-se na posição de fazer isso, porque
se opor a esse tipo de dimensão dentro de uma sociedade talvez seja um fator
de muita força na sociedade que poderia conduzir a uma marginalidade; um
isolamento seria muito decepcionante e lamentável para o indivíduo. Mas eu
tenho a sorte de ser independente dessa dependência. E desta forma penso que
vou seguir fazendo estas declarações.

SBPdePA – Neste momento, existem muitos congressos de cada escola e


dentro de cada Sociedade Psicanalítica existem departamentos como o de
Lacan, departamento de Klein, etc. Eu creio que se aproxima muito desse
Christopher Bollas na SBPdePA
movimento essa idéia que o senhor comentou, que isola, que fragmenta a Psi-
canálise no mundo.

Christopher Bollas – Eu penso que está bem, para diferentes escolas, te-
rem seus próprios congressos. Eu acho que é uma boa idéia para os grupos de
estudos Kleinianos, para os Lacanianos, para os Kohutianos e outros realiza-
rem seus congressos, uma vez ao ano, e convidar pessoas para que apresentem
estudos especiais sobre essas concentrações. Penso, também, que é importante
ter especialistas, o que requer preparar o texto a ser estudado. Mas eu também
penso que é importante entender que, quando alguém imerge numa escola de
pensamento, há uma evidente canalização de propósitos, uma perda de espec-
tro; o que se ganha na intensidade se perde em perspectiva. Mas cada pessoa
pode recuperar isso, movendo-se continuamente ou criando um mesmo fenô-
meno em diferentes perspectivas. Ver um mesmo fenômeno a partir de uma
perspectiva Lacaniana, de uma perspectiva Kohutiana, de uma perspectiva da
Psicologia do Ego e assim por diante.
Em meus escritos, eu argumento que cada uma dessas perspectivas está
mostrando um ponto importante. Nenhuma delas é um sistema total de
conceitualização. Assim, portanto, no crescimento da Psicanálise há um de-
senvolvimento intelectual que está aumentando. Diferentes pensadores sur-
gem, conceitualizam coisas de diversas formas, proporcionando-nos uma nova
perspectiva que pode ser útil. Assim penso o desenvolvimento do psicanalista:
acredito especialmente que as pessoas deveriam começar a estudar Psicanálise
na Universidade, durante sua formação, quando elas são jovens. Assim, po-
dem iniciar com Freud na juventude e não na meia idade, no tempo em que
elas estão estudando Klein, Lacan, Kohut e outros. Eles são uma parte de múl-
tiplas perspectivas: do self, da natureza, da vida psíquica e sua complexidade,
porque a realidade psíquica é extremamente complexa e é melhor, para nós,
vê-la em múltiplas perspectivas. Por isso, qualquer escola, ao tornar-se
totalística, está eliminando outras perspectivas. E esta é uma forma indesejá-
vel de destruição, e não está a favor, a meu ver, do acolhimento de um pacien-
te, em termos de recebimento da transferência, em toda a sua complexidade.
Eu sei que alguns analistas se referem ao que deveria ser pluralismo, como
terapias diferentes. Eu não penso que isto poderia tornar-se um problema, isto
é, alguém poderia ter uma relação superficial em relação a cada uma destas
escolas. Desta forma eu reconheço, aprecio e penso que é preciso que um pen-
sador se aprofunde, ele mesmo, numa escola específica. Mas então sair disso e
ir para outro tipo de concentração. Eu não acho que estas imersões devam
durar 5, 8 ou 10 anos, eu penso que um estudante de Psicanálise pode ter bom
proveito com um supervisor, em um ano. E assim, se alguém faz seminários e
supervisões poderia estar comprometido com um estudo valoroso e muito in-
tenso: o movimento Kleiniano, Lacaniano ou Kohutiano, de aproximadamente
três anos cada. Assim, dentro de um prazo de 10, 12 ou 13 anos, incluindo
especialmente o período de formação universitária, pode-se, num tempo razo-
ável, estar informado sobre estas três, quatro ou cinco perspectivas majoritári-
as, incluindo, certamente, Freud. Dessa forma, eu penso que isto seja possível.
A única coisa que se opõe a isso são os movimentos que pregam que os
membros devem ser verdadeiramente leais. E ser leal significa que, quando se
chega à leitura ou citações, se deve citar, especialmente, os membros de seu
próprio partido. E tudo o que se deve fazer para ver o efeito desafortunado
dessa dimensão particular dos movimentos psicanalíticos é ir a qualquer des-
tes movimentos, ler os trabalhos e ver as referências. Eles somente fazem refe-
rência aos membros de seu próprio exército. E isto é algo que é profundamente
desafortunado e vai contra o que a Psicanálise representa. Assim, a esse respei-
to, o movimento segue se opondo ao significado da Psicanálise. Isto é
preocupante. Muito preocupante. Nós temos que parar com isto. Temos que
insistir para que isto pare.

SBPdePA – Nós sabemos que seus vínculos com a América Latina são
antigos, que sua família paterna viveu na Argentina, por alguns anos. Nós o
ouvimos falar que a América Latina desempenhou um papel importante para
o desenvolvimento da Psicanálise mundial. Numa certa oposição aos movi-
mentos recém mencionados. Poderíamos dizer que a América Latina teve a
função de um terceiro elemento ou de um terceiro objeto, nessa mudança?
Christopher Bollas na SBPdePA
Christopher Bollas – Sim. Eu estive ministrando um seminário nos últi-
mos sete anos, chamado “A Visão Européia da Psicanálise”, algo que eu não
creio ter podido ensinar há dez anos atrás. Eu não tinha claro qual era a visão
européia. Agora eu penso que tem algo surgindo: uma sensibilidade especial,
uma relação especial com a teoria, a multiplicidade de teorias de diferentes
terapeutas que me agradam, a posição de teorias, do que eu gosto, porque eu
não creio na integração delas. Não é possível integrar teorias. Elas sempre
estão justapostas. Cada uma é um ponto diferente de perspectiva.
Eu penso que o elemento que tem sido mais importante no desenvolvi-
mento da visão européia da Psicanálise é o espelho latino-americano, porque a
sociedade latino-americana já está no movimento há bastante tempo, convi-
dando psicanalistas europeus pelos quais tem especial interesse. Muitas vezes,
eram convidados membros de um movimento em particular, pela necessidade
de aprender, pelo desejo de saber, a curiosidade. O desejo de estar familiariza-
do com idéias que interessam aos grupos latino-americanos conduziu a uma
espécie de (“roofliness”/“open mind”) “abertura”/“despertar” intelectual, que
não caiu em associações políticas.
A sociedade latino-americana tem convidado pessoas pelas quais se inte-
ressa e têm trazido pessoas das sociedades européias, como da França, Grã-
Bretanha e outras partes, para as sociedades latino-americanas. Fazendo isto,
os visitantes também recebiam perguntas sobre outros analistas europeus, so-
bre suas orientações teóricas. E quando isto acontecia, implicava que os ana-
listas dos grupos europeus deveriam estar familiarizados com as principais
idéias de seus vizinhos, que estavam sendo discutidas, e assim eles eram força-
dos a entrar em contato com esses pensamentos. Agora, poder-se-ia dizer, que
isto foi no passado e foi uma evolução de geração. Eu penso que podemos ver,
agora, a emergência de um novo psicanalista, que é estrangeiro, mas que tem
verdadeiro apreço e compreensão por Klein, Winnicott, Bion, Lacan e isso é
alguém, penso eu, que encontrou, na diversidade, a riqueza de perspectiva. Do
meu ponto de vista, veria essas evoluções como certas elaborações de perspec-
tivas particulares sugeridas por Freud, que foram prioridade nessa epoca
marcada por movimentos totalísticos, mas que agora estão sendo pontos de
perspectiva de retorno e assim, penso eu, isto é encorajante. Por exemplo, o
psicanalista da América Latina, além de conhecer Freud, também tem passado
pela apreciação dos trabalhos de Klein, e o psicanalista Kleiniano também tem
feito uma imersão nos trabalhos de Lacan e Winnicott, naturalmente por Bion,
e isso tem levado, penso eu, a uma diversidade de perspectivas para os psica-
nalistas latino-americanos. Na realidade, se olharmos para Bion, a meu ver, ele
emergiu como um pensador majoritário na Psicanálise, muito estimado, pri-
mordialmente, pela maneira como foi celebrado na América Latina, nas suas
entrevistas que foram publicadas. Isto foi o que estimulou, impeliu, efetiva-
mente, o que forçou a revisão do estudo de Bion em Londres. É importante ver
que os psicanalistas sul-americanos não fazem exclusão do trabalho de outras
pessoas.

SBPdePA – O senhor se referiu, hoje, que a teoria do sonho de Freud é


mais complexa que a de Bion...

Christopher Bollas – Mas a pergunta hoje foi, acho eu, sobre a teoria de
alfa e beta de Bion no desenvolvimento da teoria da compreensão do sonho e
eu disse que pensava que esse período de alfa e beta nos ajudava a entender
uma importante dimensão da realização do sonho, mas que eu não a via tão
rica e complexa como formulação teórica do sonho, como é a teoria do traba-
lho do sonho de Freud. Assim, a este respeito, eu não penso que Bion, de forma
nenhuma e ninguém mais, nos tenha dado um entendimento mais sofisticado
do sonho do que o que Freud nos tem dado.

SBPdePA – A pergunta se refere exatamente a isto: se isso não seria algo


natural, já que Bion não formulou a teoria do sonho, no sentido de que Freud
formulou. Assim como todos os desenvolvimentos, complementos posteriores
à teoria freudiana são incomparáveis com a teoria freudiana, como eixo
central.

Christopher Bollas – Sempre existe o risco, nos escritos de alguém, inclu-


indo os meus próprios; eu, por exemplo, refiro-me ao trabalho do sonho sem
discutir as diferentes dimensões, cada vez mais além do universo do trabalho
Christopher Bollas na SBPdePA
do sonho. Mas nós podemos desenvolver uma tentativa de um único trabalho
vir a ser significativo para toda uma teoria, a qual usamos freqüentemente, e
então se torna a substituição para a complexidade da teoria de Freud. E eu vi
isto como um problema. E assim penso, ao olhar para trás, para a interpretação
dos sonhos de Freud, que fiz anteriormente, eu me movia sendo o personagem,
ao mesmo tempo em que eu estava lendo os diários sobre pintores, escritores e
compositores musicais, lendo sobre a teoria da pintura e da composição musi-
cal; eu me dei conta de que havia falhado em ver como a teoria da interpreta-
ção dos sonhos de Freud é incrível e sofisticada.
Freud encontra a rota da intensidade psíquica, durante o dia, para sua co-
leta e demanda, para representação à noite, seguida pela associação livre que
destroi os aspectos manifestos para entender os pensamentos latentes. Eu pen-
so que só tomando aquele modelo por si mesmo, poderia se passar anos pen-
sando e fazendo reflexões, discutindo as implicações. Devo dizer que depois
de haver lido aquele livro, a distinção de Winnicott sobre verdadeiro e falso
self, inclusive a posição paranóide e depressiva de Klein se tornam tão impor-
tantes como são, e é importante ver que elas são significativas. No entanto, são
termos binários simplistas; a teoria de Freud sobre o sonho é uma teoria de
funções múltiplas que descreve, penso eu, o caminho em que o inconsciente
trabalha, e em mais escritos muito mais sofisticados do que modelos
Kleinianos, Lacanianos ou Winnicotianos, entre outros descobrimentos.
A esse respeito, eu não penso que possamos celebrar em demasia que a
Psicanálise tenha chegado mais além de Freud, ou que tenha melhorado depois
de Freud porque, de alguma forma, nós realmente sabemos, ou talvez não, que
declinamos a modelos mais simplistas. E o livro dos sonhos de Freud ainda
levanta grandes questões para nós, as quais temos que voltar a discutir. Em sua
linguagem, na linguagem de Freud, não na nossa. Não é, não vai dar em nada,
regressar aos escritos de Freud a partir de Klein, de Winnicott ou de Kohut;
não é bom regressar à interpretação dos sonhos, entendo-a através da posição
esquizo-paranóide ou depressiva, ou simbólico imaginária, ou do conceito de
falso ou verdadeiro self. Este não é o modo de ler Freud, no meu ponto de
vista. É o modo errado de apreciá-lo e de aprender dele e de aprender de seus
textos. Mas, lamentavelmente, parte do problema realmente tem tomado
direcionamentos realmente catastróficos no grupo clássico, o qual presumía-
mos ser o dos guardiões da teoria de Freud. Isto é uma falha catastrófica de
ensino.
O grupo Kleiniano tem grandes professores, assim como o grupo
Lacaniano, com ensinamentos criativos desses trabalhos e, desta forma, eles
têm estado aptos a trazer isto aos grupos que não estão familiarizados com
estes trabalhos, de forma bem leve, trabalhos muito interessantes. O grupo
clássico de Psicanálise não transmite Freud, de forma que tem havido um inte-
resse, de algum modo, pelos grupos clássicos, estando eles na França ou na
América do Norte, que na realidade têm se inclinado em adotar o mais mecâni-
co da Psicanálise de Freud, especialmente na América do Norte, onde há uma
deserção, inclusive, por pessoas do movimento Freudiano. Há um interesse em
um grupo chamado de “Psicanálise Relacional”, que é um grupo que está va-
zio de Freud (não tem nada de Freud).

SBPdePA – O modelo do capitão Ahab, em Moby Dick, não seria o opos-


to ao modelo de Keats da capacidade negativa? O primeiro, Ahab, poderia
estar vinculado à dimensão de um segredo que deve ser esclarecido? Ver para
crer. Enquanto o segundo poderia vincular-se a uma dimensão do mistério, do
tipo: crer para ver, onde o inconsciente, verdade, jamais seria conhecido como
coisa em si mesma, somente através de seus derivados?

Christopher Bollas – O livro Moby Dick é muito complicado. Em outras


palavras, dos livros mais complicados que tenho lido. Bem no principio do
livro, quando Melville está escrevendo sobre Ismael e Ismael está fugindo de
sua casa para ir ao oceano por causa dos conflitos..., enquanto ele está dentro,
em um quarto, e vê uma pintura e ele não pode dizer o que a pintura representa,
ele está pensando consigo mesmo, parecem insetos incomodando, mutantes;
inclusive suas palavras estão sendo usadas, mais como caricaturas poéticas,
onde a palavra é quase uma coisa em si. Depois de algum tempo, ele diz: “Ah,
é uma fotografia de uma baleia!”, impulsionando a si própria num barco.
Melville fornece, através do personagem de Ismael, a transição do encontro
com a coisa em si mesma a uma linguagem que vai transportá-la para a repre-
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sentação e perspectiva. Ahab entra, então, num domínio autista, sempre abaixo
de Dick, então ele sobrevém.
Antes da jornada, está a questão: Como te aproximas do objeto? É neces-
sário que te encontres com o objeto? Ou como acharia o escritor: tomas a
ausência do objeto em si? Isso cria a possibilidade da criação do objeto em sua
ausência, o que leva a uma liberdade de representação, sendo esta uma liberda-
de particularmente humana e é o que gera o significado. Ahab insiste em en-
contrar a coisa em si mesma, os outros membros da tripulação estão de dife-
rente maneira tentando sobreviver a tal demanda. Por outro lado, é interessan-
te, porque eu pensei que se Ahab não encontrou sua baleia, se ele, explorando
o mundo, nunca encontrou a sua Moby Dick, ele seria uma pessoa muito infe-
rior? Há um momento abençoado em seu encontro com o real, que o leva à
morte porque ele e a baleia estão envolvidos um no outro. Eu penso, natural-
mente, que isto é a fusão de Ahab com o real. Em um sentido psicanalítico, nós
poderíamos dizer que existe alguma memória, em todos os seres humanos, de
viver dentro da mãe, que é profundamente como uma memória que patrocina o
desejo de regressar ao real, sim ou não. Mas não o podemos fazer. Nós pode-
mos representar o desejo de fazê-lo. E Melville mostra isto várias vezes; na
novela, por exemplo, ele ilustra as baleias fêmeas dando leite a seus bebês,
amamentando-os com seu leite, sempre de novo, as baleias... o leite e Melville
diz, bem, isto é um oceano de leite. De forma que ele, logicamente, sabia isso.
Foi consciente, estava jogando com o significado, com as diferentes possibili-
dades da vida e, ao mesmo tempo, usando ficção, como meio através do qual
trabalhar grandes diferenças psicológicas.
Depois de ter escrito Moby Dick, Melville tinha que romper com isso. E
ele estava escrevendo sua novela Pier, a que começou imediatamente após
terminar Moby Dick. Uma novela sobre sua mãe, seu filho e irmã ilegítima e o
pai ausente numa pequena cidade da Nova Inglaterra, onde há intensa concen-
tração de vida doméstica; não há mar, não há oceano, não há baleias, isto é,
vida em família. E ele trabalha, à sua maneira, o intenso conflito da existência
do ego. Depois de Pier, escreve uma confidência, para celebrar a capacidade
do viajante, eu creio que do escritor, para total encobrimento do self, se assim
o desejou. O escritor descobriu a liberdade de representação que representaria
ou não o self, de acordo com seu desejo.

SBPdePA – Mais uma pergunta sobre o sonho: O sonho é uma represen-


tação psíquica que indica uma tendência de passagem do imaginário para o
simbólico. Conta com uma possibilidade de contatar com o conhecido não
pensado, de transformar o trauma em “genera”, de acordo com o livro “Being
a Character”. O senhor relacionou este movimento na primeira conferência,
com o trabalho do pintor, do escritor. Os filmes estariam incluídos nesta cate-
goria? Um filme pode exercer uma função psicanalítica importante; a proje-
ção de um filme ocorre num container, e o sonho não deixa ter semelhanças
com o filme. É feito de imagens faladas e movimento?

Christopher Bollas – Eu acho que, em relação à experiência do sonho e à


experiência do filme, apesar de serem eventos diferentes, mas no espírito de
sua pergunta, pelo fato de o espectador ser um participante e testemunhar uma
seqüência de imagens, depois do sonho ou depois do filme, isso pode ser rece-
bido como uma vista visual da linguagem, mas é uma vista visual da seqüên-
cia. No entanto, no momento em que um fala a outro, sobre o sonho ou sobre o
filme, nossa linguagem nos surpreende, nos leva a outro lugar, nos move das
imagens a mudanças, rompe-as, e nós vamos embora, vamos a outro lugar. Eu
penso que o método psicanalítico, ao dar importância ao sonho e à sua destrui-
ção através da livre associação, como Freud disse, reconhece a necessidade de
movimento da imagem através do mundo. Assim, nós temos uma criação, uma
experiência do tempo visual, e então tu separas (rompes) de repente, rompen-
do suficientemente dois tipos de conhecimento, que te levam a algum outro
lugar em categoria diferente: fora do imaginário em direção ao simbólico,
usando Lacan; transportando a representação de coisa para representação de
palavra, usando Freud. Eu mesmo não tenho feito declarações teóricas sobre
isto. De tal modo que minha própria teoria do trauma em geral está incomple-
ta. Eu deveria algum dia complementá-la, mas isto realmente não é algo que eu
tenha que fazer.
Eu diria que o sonho é o trabalho de formar a inteligência do ego, e que a
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forma de livre associação é uma forma de rompimento. Assim eu penso que os
modelos de condensação e deslocamento são úteis para diferenças fundamen-
tais. Condensar significa unir (aproximar), é combinar para deslocar estas rup-
turas e “send ups”. Então, minha teoria é uma teoria de condensação. Seu rom-
pimento é para disseminação. O que fez com que Freud não direcionasse na
teoria da interpretação dos sonhos foi o processo de livre associação, que ele
diz, libera trens de pensamento. Move ao infinito, a um número infinito de
dispersões, porque cada parte da condensação forma o sonho, qualquer objeto
de sonho é uma condensação de vários fenômenos, que são destruídos através
da livre associação; cada um dos elementos isolados se torna uma condensação
de outro fenômeno que por associação se destrói em uma infinita fragmenta-
ção da condensação, através da associação livre.
Eu penso que este modelo de coletar...... no dia do sonho, antes de que o
sonhador o tenha sonhado, ele ou ela está coletando o sonho. Sua coleta é no
inconsciente, criando gravidades psíquicas, que é o que eu chamo de “genera”.
O sonho é a evidência da “genera”, e, então, o rompimento dessas perspectivas
que saem dessa criação. Mas, por outro lado, eu penso que isto é ver os diários
dos pintores, escritores e compositores. De diferente maneira eles descrevem o
processo criativo em termos muito, muito simbólicos. Todos eles escrevem
sobre conhecimento, que é uma forma de trabalho inconsciente tomando lugar,
que aproxima as coisas sem saber o que toma o lugar. Então eles encontram o
objeto, eles criam, por isso mal e mal é suficiente para eles, e muitos pintores,
músicos, compositores e escritores dizem que isto é horrível, porque tu fazes a
criação, mas então isso te inspira a ir por outros novos e longos caminhos de
pensamento. Então isso se rompe e segue adiante, em direção a novas formas
de pensar.

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