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O VAZIO EXISTENCIAL E A BUSCA DE SENTIDO: Como

evitar o primeiro e encontrar o segundo?

O cotidiano é o lugar onde a vida realmente acontece. Nele vivemos


nosso dia-a-dia, nos relacionamos, realizamos nossas atividades e existimos.
Entretanto, muitas vezes tal realidade se mostra a nós como uma pesada
rotina. Os dias parecem que começam e terminam sem deixar nenhum
vestígio importante em nossa memória, e temos a impressão de que a
maioria deles não tem impacto no decorrer de nossa vida. Tal situação nos
faz experimentar certo desânimo e dissabor na existência, como se as
coisas cotidianas fossem perdendo sentido. Na verdade, nos encontramos
frente à experiência do tédio ou vazio existencial. Experiência esta que nos
descreve Erich Fromm em seu livro “A Vida Autêntica”: “O tédio é a
sensação de futilidade vital, de que vivemos na abundância e carecemos de
alegria, de que a vida nos escapa pelas mãos como areia, de que não sabemos
aonde vamos, de que prevalece a confusão e a perplexidade” . 1[1]
No entanto, a constatação desta experiência de vazio existencial em
nossas vidas nos leva a reflexão de um tema muito mais profundo. Faz-nos
perceber a existência de um forte desejo presente no interior de cada
homem: a vontade de sentido . Paradoxalmente, quando nos percebemos
submersos no tédio e experimentando a sensação de vazio existencial, surge
também dentro de nós o desejo ardente de encontrar um sentido a vida, de
encontrar-nos com uma realidade que possa fazer-nos simplesmente mudar
e recuperar o brilho e a esperança que antes movia nossas ações e que
agora, por vários motivos, parece que está adormecida. Você já parou para
pensar sobre esta realidade que nos afeta no mais profundo de nosso ser?
Você já se per guantou sobre essa vontade de sentido? Esta reflexão terá
como objetivo esclarecer a problemática da busca de sentido,
fundamentando-se nos estudos do psiquiatra e criador da Logoterapia,
Viktor Frankl.
Este pensador era discípulo de Sigmund Freud, porém, ao viver três
anos nos campos de concentração de Auschwitz, começou a discordar de seu
mestre em alguns pontos de suas teorias. Em seu livro “ Busca de sentido”, o
autor nos descreve os horrores que viveu nos campos de concentração, mas
principalmente, ressalta que somente sobreviveram aquelas pessoas que
tinham algo por viver, uma esperança, um valor, um sentido... e neles se
agarraram até o fim. Enquanto que aqueles que perdiam a esperança e que
não encontravam um sentido para seguir em frente em meio a tantos
sofrimentos, acabaram definhando. Tal constatação o levou a discordar das

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teorias materialistas de Freud, afirmando: “Alguns autores sustentam que
os sentidos e os princípios não são outra coisa que ‘mecanismos de defesa’,
formações e sublimações das relações’. Quanto a mim, não gostaria de viver
simplesmente por amor de meus ‘mecanismos de defesa’, nem estaria
disposto a morrer por minhas ‘formações das reações’. O homem, não
obstante, é capaz de viver, e inclusive morrer, por seus ideais e princípios!”.
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[2]
A partir disso, Frankl afirma que além das “pulsações eróticas e
destrutivas” que apontava Freud, o ser humano também possui um desejo
fundamental, uma vontade tão intensa como tais pulsações: a vontade de dar
sentido à vida, de ter uma existência com significado, de encontrar uma
razão, um motivo, no qual possa valer a pena viver. Como o próprio autor
escreve: “A busca do homem pelo sentido da vida constitui uma força
primária e não uma racionalização secundária dos seus impulsos instintivos.
Esse sentido é único e específico enquanto é sozinho que se deve encontrá-
lo; unicamente assim o homem consegue alcançar um significado que
satisfaça sua própria vontade de sentido”. 3[3]
Sendo assim, a busca de sentido não é um produto cultural, nem um
fenômeno artificial. Emerge do mais profundo de nosso ser, como uma
necessidade primária, como uma pulsação fundamental. Tal necessidade
pode ficar em estado latente, inclusive pode ser rejeitada e colocada em
segundo plano. No entanto, em determinados contextos sempre brota com
força, provocando-nos a nos posicionar frente a existência, buscando um
sentido à vida, um motivo pelo qual se mereça viver. Caso contrário,
deparamo-nos com a experiência do vazio existencial e a ausência de
sentido. Somente o quando temos a experiência de viver a vida, a de todos
os dias, com sentido, é que encontramos a felicidade e o prazer de existir.
Porém, quando rejeitamos tal problemática inerente e percebemos que
nossa vida carece de sentido, que se apresenta como uma mera rotina de
fatos e acontecimentos no trabalho, na família ou em grupos sociais, vivemos
o tédio e a infelicidade.

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Segundo Viktor Frankl,
existem três caminhos para encontrar um sentido para a vida: a) fazer ou
produzir algo; b) vivenciar algo ou amar alguém; c) afrontar um destino
inevitável e fatal com atitude de firmeza. Estas três vias possuem uma
característica comum fundamental que o fundador da Logoterapia chama de
autotranscendência, que consiste no movimento de sair de si mesmo, de
deixar o próprio ego e seus desejos, para entregar-se totalmente a uma
realidade exterior, seja uma ideia, um projeto ou alguém. Como o próprio
autor afirma: “entendo por autotranscendência o fato antropológico
fundamental de que o ser humano se remete sempre, mais além de si
mesmo, a algo que não é ele: a algo ou alguém, a um sentido que o homem
busca ou a um semelhante com quem se encontra. E o homem se realiza si
mesmo na medida em que se transcende: ao serviço de uma causa ou no amor
a outra pessoa. Em outras palavras, o homem só é plenamente homem
quando se sacrifica por algo ou se entrega por outro. E é verdadeiramente
homem quando se deixa em segundo plano e se esquece de si mesmo”. 4[4]

Desta maneira, a questão do sentido de nossas vidas está


intimamente ligada com a questão de dar-se aos demais e a realidades
exteriores a nós mesmos. Desde uma postura egoísta e centrada somente
nos próprios desejos de auto-realização, é impossível encontrar sentido à
vida e, consequentemente, a felicidade. Isso explica porque atualmente
existem tantas pessoas que experimentam uma ausência de sentido e são

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infelizes. Isso ocorre devido ao fato de que o sistema no qual vivemos nos
ensina que a felicidade está justamente na auto-realização, na satisfação
dos próprios desejos pessoais e na busca pelo prazer. Tais realidades não
trazem a felicidade, pelo contrário, levam-nos a experiência de vazio
existencial e ausência de sentido. Sendo assim, o sentido da vida e a
felicidade estão justamente na ação de dar-se e entregar-se pelos demais.
Cada ser humano está chamado a dotar de sentido sua existência desde
este parâmetro da autotranscendência. Você já parou para refletir se em
sua vida o primordial é a entrega pelos outros e a autotranscendência? Ou
você se locomove mais desde padrões egocêntricos e de auto-realização? É
o sentido de sua vida que está em jogo! Pense sobre isso.

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