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A procura da felicidade vs A procura do propósito

de Viktor Frankl
Publicado em 12 de abril de 2013 por Cesar A O Coelho

“O rei, em sua riqueza e saciedade dos prazeres da vida, percebia-se ainda em uma
infelicidade que nenhuma comida, bebida, mulher ou maravilha do leste poderia dar fim.
Pergunta a seu conselheiro “Não há, no reino, posição maior que a minha, ninguém pode
mais, ou tem mais motivo que eu para estar bem. E por que eu não estou? Por que me
sinto assim? E o conselheiro lhe diz “V. Majestade é um homem bom. Olhe pelo povo e
encontrará um fim à sua infelicidade”.

Em 1942, o renomado psiquiatra e neurologista Viktor Frankl foi preso nos campos de
concentração nazistas. Lá, ele atuou como psiquiatra por três anos antes do campo ser
liberado. No seu livro “Man’s search for Meaning”, no qual descreve sua experiência nos
campos, ele conta que, muitas vezes, a diferença entre as pessoas que sobreviveram e
as que acabaram morrendo (não por execução, mas por outros motivos) era basicamente
uma: um propósito, um significado na vida.

Viktor Frankl

Frankl se deparou com alguns casos em que as pessoas estavam


totalmente sem esperanças e não encontravam mais sentido em
continuar vivendo. Toda a dinâmica da vida já não mais lhes valia a
pena. A tentativa de Frankl era mostrar-lhes que, de alguma forma, a
vida ainda esperava algo deles, que eles ainda tinham algo a cumprir
em suas vidas. Em um trecho do livro, ele diz:

“Essa singularidade e singeleza que distingue cada indivíduo e dá


um propósito a sua existência tem uma influencia tanto no trabalho
criativo quanto tem no amor humano. Quando a impossibilidade de se substituir uma
pessoa é compreendida, a responsabilidade que um homem tem por sua existência e
continuação aparece em toda sua magnitude. Um homem que é consciente da
responsabilidade que carrega por ter alguém que espera afetuosamente por ele, ou por
um trabalho inacabado, jamais será capaz de tirar a própria vida. Ele sabe o “porque” de
sua existência, e será capaz de suportar quase qualquer ‘meio’.” [tradução minha]
Confrontando essa perspectiva de Viktor Frankl com a nossa atual cultura da
felicidadeindividual, Frankl escreve em seu livro que “Para o europeu, é cultura do
americano que, de novo e de novo, se é comandado a ser feliz. Mas felicidade não pode
ser buscada [diretamente], ela deve seguir-se a algo. E só o faz como um efeito colateral
não intencionado […]”

Segundo a Organização Gallup Healthways, os americanos nunca estiveram tão felizes,


atingindo o 4º ano seguido de alta nos índices de Bem Estar da população (baseados em
mais de 30 mil ligações a residências aleatórias ao longo do ano). Além disso, quase 60%
dos americanos se sentem felizes, sem muito estresse ou preocupações. Contudo, de
acordo com um estudo do Center dor Disease Control, 4 em cada 10 americanos ainda
não descobriram um propósito na vida que os satisfaça. Quase 40% não pensam que
suas vidas tenham um sentido claro de propósito ou são neutros sobre se suas vidas tem
algum propósito. Aproximadamente um quarto dos americanos são neutros ou não tem
uma ideia clara do que faz suas vidas ter um significado. Resumindo, os americanos
estão mais felizes, mas muitos não tem um propósito guiando sua vida.
Viktor Frankl, além de definir felicidade como uma das
consequências de uma ação que teve outro objetivo, também diz
que esse objetivo tem que, necessariamente, abranger algo maior
do que nós mesmos, ou seja, não poderíamos atingir a felicidade
fazendo coisas somente para nós próprios. Problema:
experimentamos e agimos cotidianamente atingindo objetivos que
se remetem somente a nós e isso nos deixam muito felizes. Quando compramos um
chocolate na doceira, conseguimos guardar dinheiro para comprar aquele carro ou
conseguimos o emprego que sempre quisemos, por exemplo. Haveriam então dois tipos
de felicidades? Ou dois níveis comportamentais que levam o ser humano àquele estado
[quase mágico] de completude? Para investigar isso, o laboratório do pesquisador Roy
Baumeister, da Stanford University, realizou um estudo com quase 400 pessoas tentando
acessar esses dois conceitos ou conjuntos de comportamentos e verificar se existem
diferenças entre pessoas que buscam ou cultivam cada um.

Para testar esses conceitos de forma mais concreta, os pesquisadores definiram


Felicidade como a satisfação das necessidades e vontades, algo mais fisiológico, como
um bem-estar subjetivo, que pode vir à tona por motivos como ganhar um jogo, conquistar
uma mulher, sucesso no trabalho ou uma vida boa; e definiram Propósito (do inglês
Meaningfulness) como uma ideia simbólica (como o significado de uma palavra), mas que
afeta a realidade biológica. Complicado né? Pensa assim, é uma idéia que você tem e
você luta para fazer sua ideia se tornar real, como homossexuais que lutam pelo direito de
casar, mártires que morrem por um ideal ou idealistas de uma revolução, por ex. Um
propósito envolve uma avaliação cognitiva e emocional na qual se questiona se se tem
objetivos e valores. Pessoas pensam ter uma vida com propósito se elas vêem que isso é
consistentemente recompensador de algum modo, mesmo que não possam articular o
significado de tudo envolvido. Por exemplo, você pode não entender a lógica de por que
sua ideia é certa, mas em achando que ela é certa, luta por ela simplesmente por lhe
parece certa.

Apesar de os pesquisadores partirem dessas definições, eles deixavam os voluntários


descreverem definições próprias para cara um desses conceitos, invés de impor-lhes
definições específicas.

Além disso, os pesquisadores assumiram que muitas características da Felicidade e do


Propósito se sobrepõem. Por exemplo, ver um ideal cumprido traz as mesmas
sensações de completude que ter uma vida que lhe permite comprar uma Ferrari. Podem
ser em intensidades diferentes para cada pessoa, mas acontece. De qualquer modo, a
hipótese do estudo foi de que há diferenças reais entre esses conceitos e que as pessoas
poderiam refletir isso. Por exemplo, pode-se ter uma vida com um grande propósito sem,
necessariamente, ser feliz, como um missionário religioso, um ativista político ou um
terrorista.

Examinando os questionários sobre Felicidade e Propósito – entre outros como estresse


-, os pesquisadores encontraram que uma vida feliz e uma vida com propósito, como
esperado, se sobrepõem em muitas características, porém são, em última instância,
MUITO diferentes. De fato, pôde-se traçar dois perfis diferentes de pessoas. Aqueles que
guiam suas vidas pelo conceito da Felicidade, chamados no estudo de “captor” (do inglês
Taker), e aqueles que guiam suas vidas pelo Propósito, chamados de “doador” (do inglês
Giver).

Os pesquisadores mostraram que uma vida “Feliz” foi mais associada a uma vida fácil,
saudável, a sentir-se bem, ser capaz de comprar o que precisa e o que quer, além de falta
de estresse, preocupações e não-engajamento em desafios ou pensamentos profundos.
Contudo, em uma perspectiva social, pessoas que buscam uma vida mais feliz tendem a
ter comportamentos mais centrados em si mesmos – captores –, sendo menos propensas
a tomar decisões sociais em prol do grupo, mas tomando decisões sociais em prol de si.
A psicologia evolutiva teoriza que a Felicidade é um movimento de redução. Se há uma
necessidade ou desejo – como sede – satisfaz-se isso e torna-se feliz. Contudo, o estado
fisiológico da felicidade é compartilhado com outros animais. Como nós, eles sentem
fome, sede, saciam-na e sentem-se feliz por isso.

Já o estilo de vida centrada em um Propósito não mostrou muita associação com as


variáveis referentes a bem estar ou ao impacto do bem estar. Contudo, as maiores
associações foram com as variáveis sociais, como presentear os outros, cuidar de
crianças (ou outros) e… discutir [exato discutir!]. Além disso, pessoas guiadas por um
propósito tendem a tomar decisões sociais com o referencial no grupo e não em si –
doadores – , fazendo sacrifícios em prol do grupo, mesmo que isso venha às custas de
sua própria felicidade [no caso o estado fisiológico]. O estudo também mostrou que
pessoas com propósito se preocupam e se estressam mais e são mais ansiosos que
pessoas felizes. Isso é interpretado como causado pelo fato de eles investirem suas vidas
em uma causa maior que eles mesmos.

Contudo, o resultado mais considerado como mais importantes pelos pesquisadores é


outro. Felicidade, enquanto um estado fisiológico e emoção, é sempre sentida no aqui e
agora. É sempre algo relacionado ao presente e, invariavelmente, passa, como toda
emoção. São coisas fugazes! Mas o propósito transcende o momento presente, assim
como transcende o estado do sujeito. No estudo, a quantidade de tempo que os
voluntários reportaram se sentindo bem ou mal se correlacionou muito com o perfil da
Felicidade, mas em nada com o perfil do propósito. Além disso, pessoas que reportaram
pensarem mais focadamente no presente eram mais felizes, e pessoas que reportaram
pensar nas lutas e sofrimentos do passado e futuro se sentiam com um propósito maior
na vida delas, embora pudessem ser menos felizes. Segundo os próprios pesquisadores,
“felicidade geralmente não é encontrada ao contemplar o passado ou futuro” (só
desgraça?).

Além disso, os pesquisadores também encontraram que a ocorrência de eventos


negativos na vida diminuem a felicidade (ÓBVIO), mas também aumentam os
comportamentos que lhe encaixam no perfil de uma pessoa com propósito. O interessante
é que um estudo de 2011 do mesmo grupo confirmou isso mostrando que pessoas que
tem um propósito na vida, definido como um objetivo claro, reportam uma maior
satisfação com a vida, mesmo que estejam se sentindo mal ou sob estresse, do que
pessoas sem um objetivo claro. É interessante ver que Viktor Frankl já havia escrito que
“se há um propósito na vida…. então tem que haver um propósito no sofrimento”.
Uma parte interessante (mas polêmica, confesso) da discussão desse estudo diz que uma
das coisas que separa os seres humanos dos outros animais não é a procura da
felicidade, mas a procura de um propósito, pois [acho que, por ser um traço cultural] é
único ao ser humano.

Sei que, para alguns que valorizam a felicidade acima de tudo esse texto e estudo podem
causar revolta e até confusão por que, como eu disse no texto, esse dois traços do ser
humano se confundem na maioria das vezes. Mas há momentos da vida em que um dos
‘perfis’ se sobressai e isso é fato estudado, assim como a característica de cada perfil.

Referências:

Man’s Search for a Meaning. Viktor Frankl. Beacon Press, 2006.


Baumeister, R. F. et. al. Some Key Differences between a Happy Life and a Meaningful
Life. Journal of Positive Psychology (versão eletrônica anterior à Publicação)
Fonte: Disponível em <http://www.institutogeist.com.br/artigos/a-procura-da-felicidade-versus-a-
procura-do-proposito-de-viktor-frankl/> em 30 de outubro de 2017.

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