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INSTITUTO DE PSICOLOGIA E LOGOTERAPIA

PROFESSOR: DR. ALBERTO NERY

ALUNA: LÍCIA LEDSS SANTOS DA CUNHA

DATA: 24/10/20

Ensaio

ENCONTROS, RECURSOS E POSSIBILIDADES

Introdução

Dentre os meus encontros com a Logoterapia de Viktor Frankl, nenhum


deles foi menos especial. Na faculdade de Psicologia, em meados de 2000,
conheci a Fenomenologia, período que me agradou a ideia de perceber e estudar
um fenômeno tal qual este aparece na consciência. Mas era apenas uma
disciplina no início do curso. Ali, não tive acesso aos desdobramentos deste
estudo. Avalio que, naquele momento da minha vida, não tivesse maturidade ou
mesmo responsabilidade para ir além do que era estudado. Avançar um pouco
além da fenomenologia veio pelas mãos do meu pai, um leitor impecável, que
amava nos presentear com livros. Talvez ele estivesse muito além daquela
minha psicologia, quando me deu o livro Em busca de sentido. Porém, apesar
de ter lido e ter registrado uma memória do texto, a faculdade não nos oferecia
esta opção de abordagem. Tive que decidir! Lá fui pela psicologia analítica, pelos
contos de fadas e pela mitologia, lugar de aprofundamento e realização. Passei
uns bons 13 anos apenas por ali.

Ocorreu que me tornei docente de uma faculdade de psicologia e, num


fim de ano apertado para a coordenação curso, fui convocada a trabalhar numa
disciplina que apresentava o pensamento analítico-existencial e a Logoterapia.
Com esta experiência, passei a afirmar que se um dia não fosse mais da linha
junguiana, já teria para onde ir. O nome Viktor Frankl começava a aparecer na
minha linha do tempo com uma frequência grande. Benditos algoritmos!
Apesar da Psicologia Analítica apresentar uma visão mais prospectiva da
vida, acho que eu queria ir às alturas. Só não tinha o transporte. Foi então que a
ação dos algorítimos foi sendo mais agressiva e eu me rendi a um curso básico
de Logoterapia. Fiquei encantada e comecei a ler outros livros do Frankl, reli o
Em busca de Sentido e pude me ver e ver meus pacientes na mesma condição:

“Em princípio, portanto, toda pessoa, mesmo sob aquelas


circunstâncias, pode decidir de alguma maneira no que ela
acabará sendo, em sentido espiritual: um típico prisioneiro de
campo de concentração, ou então uma pessoa, que também ali
permanece sendo humano e conserva sua dignidade. ” (Frankl,
p. 89)

Quanta beleza e quanta esperança reside neste texto! Jung fez uma
consideração sobre a espiritualidade que já havia me tocado quando fazia a
defesa da espiritualidade como ferramenta para melhorar a saúde psíquica do
homem moderno. Para ele, a espiritualidade é um aspecto essencial da sua
psicoterapia, compondo sua esfera mais profunda na medida em que acolhia a
dimensão coletiva humana. Daí, percebemos o seu inconsciente coletivo, lugar
que contém os arquétipos. Segundo Corbett (2017), é o lugar onde nascem os
deuses de todas as nossas tradições religiosas e é do contato com este nível
que são produzidas as experiências numinosas que são conhecidas como
aquelas sensações incríveis de maravilhamento, espanto, êxtase, mistério,
reverências e alteridade. Elas representam uma forma distinta de sensações que
pareciam direcionar o indivíduo para uma busca mais profunda de si mesmo.
Para ele, a espiritualidade confere o lugar de destaque no desenvolvimento da
psique. E não apenas isso: a espiritualidade é quem dirige este processo.

Jung considerava que o desenvolvimento psicológico estava


muito próximo do desenvolvimento moral e espiritual. Jung descobriu
que, para a maior parte dos seus pacientes, a cura e a globalidade eram
geralmente acompanhadas por experiências religiosas de uma espécie
ou de outra. Na sua opinião, a religião era importante para o
desenvolvimento adulto porque afetava a pessoa como um todo onde
processos essenciais de desenvolvimento ocorriam no inconsciente.
(STAUDE, 1995, p. 102).

Foi justamente pela tônica dada à espiritualidade que Frankl me soou mais
completo. Segundo Aquino (2013, p. 43), Frankl apresentou uma nova dimensão
a ser integrada ao ser humano. Assim, amplia-se o horizonte da existência
humana através conceito da dinâmica espiritual que “não se fundamenta
partindo do instintivo, mas partindo da aspiração aos valores”. A ontologia
dimensional trouxe a compreensão de um método terapêutico baseado em uma
cosmovisão, na antropologia e na psicopatologia. Acrescenta que há uma
espiritualidade inconsciente no ser humano. Por isso, percebe o homem em uma
totalidade antes não mencionada por outras escolas da psicologia. O espiritual
de Frankl ocorre também nas ações concretas, não apenas no sobrenatural.
Importa saber que o entendimento humano passa pela compreensão da
singularidade humana. Sob esta compreensão é que não julgar, observar o
fenômeno, de ver o ser humano como ser de possibilidades foi ganhando nitidez.
Posso dizer que minha terapia pessoal foi acrescida de amadurecimento a partir
do momento em que compreendi o conceito de autotranscedência.

“Em outras palavras, o interesse preponderante do homem não


é por quaisquer condições internas dele próprio, sejam elas prazer ou
equilíbrio interior, mas ele é orientado para o mundo lá fora, e neste
mundo procura um sentido que pudesse realizar ou uma pessoa que
pudesse amar. E, com base em sua autocompreensão ontológica pré-
reflexiva, tem conhecimento de que ele se autorrealiza precisamente na
medida em que se esquece a si próprio; novamente na mesma medida
em que se entrega a uma causa a qual serve, ou a uma pessoa a quem
ama. Frankl, 2019, p. 99)

Desenvolvimento

Os encontros com a Logoterapia continuaram! Agora, não apenas pelos


algoritmos, mas pela minha decisão de buscar. Foram livros, textos, artigos,
aulas e cursos pela internet. O interesse foi aumentando até que encontrei o
@logoterapiabr: um curso que cabia na realidade de uma adventista: não ter
aulas aos sábados. E mais: não teria que viajar.

Assim, voltei-me à história da humanidade, suas guerras, suas conquistas


e quedas, à ciência e Deus, Husserl, Heidegger, Sartre, Rogers, Frankl etc.
Nascia ali a estudante de primeiro semestre com a experiência dos quase 16
anos de formatura. Aos poucos meu consultório não era apenas um lugar de
realização pessoal: era lugar de estudo e de pesquisa. O contato com a
logoterapia pareceu um evento numinoso em minha vida. Tão simples e tão
profundo. Houve um acréscimo à minha atividade profissional. Passei de viver
de empregos diversos a viver bem apenas com a psicologia clínica. De tanto ler:
você é responsável, sentido potencial em todas as circunstâncias,
autotranscedência etc, fui percebendo a possibilidade da escolha - sair da escola
que trabalhava havia um bom tempo, do respeito e das amizades que conquistei
lá – para dispor de tempo e ânimo para uma entrega maior: levar as pessoas a
atuarem responsavelmente em suas vidas apenas com a prática clínica. É bem
a reflexão do “encontrei sentido para minha vida ajudando as pessoas a
encontrarem o sentido da vida delas.” Mas também no ‘Como minha vida seria
se eu estivesse cuidando dela adequadamente?” (Peterson, 2018).

A logoterapia, ao conduzir o ser humano à consciência de seu ser


responsável, fazendo-o consciente da responsabilidade de sua própria
existência, fez com que minha prática clínica apresentasse um fenômeno:
aumento nas altas clínicas. E antes que isso fosse um problema financeiro, havia
gente na espera. Embora não faça proposta de fim da terapia para os pacientes,
mas ela começava a surgir num horizonte visível no ser responsável pela sua
vida todos os dias. Experimentava ali o esta vida lhe foi dada, faça algo de bom
com ela!

Conclusão

E porque a vida se dá também no sofrer, entendi o sofrimento não apenas


como uma das garantias que teremos. Mas como recurso! Diante das dores dos
pacientes e das minhas, o dizer sim à vida estava ali pulsando intensamente pela
escolha sobre de que forma atravessaríamos o sofrimento.

A resposta sobre o sentido do trágico é encontrada na


atitude mesma que elegemos ante uma situação que se nos
apresenta tragicamente. Só o ser humano tem o privilégio de
eleger uma atitude frente ao sofrimento que se apresenta como
fatal. (Xausa, 2019, p. 84)

Em outras palavras, o sofrimento também faz parte da nossa vida. E uma


vez que na vida há sentido, também no sofrimento deve haver. O padecer,
enquanto necessário é uma possibilidade de algo pleno de sentido. Sofrer de
forma desnecessária é sofrimento sem sentido. Por outro lado, sofrimento
necessário significa sofrimento permeado de sentido.
“Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para
a sobrevivência, mesmo nas piores condições, como saber que
a vida da gente tem sentido. (Frankl, 2019)

Na sequência da conceituação da tríade trágica da existência humana,


me detenho sobre a culpa também. É nela que residem uma das nossas
possibilidades de mudança e de crescimento. O arrepender-se de uma culpa tem
o seu sentido na história interior do ser humano. Frankl (2003) coloca que tornar
alguém culpável implica em responsabilidade para aquele que é culpado. Na
culpa, pode-se extrair a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor.

O sentimento de culpa depende da liberdade de decisão


e do reconhecimento do sentido de um ato, o que constitui algo
especificamente humano. Na concepção da Análise Existencial,
a culpabilidade, tem dois pressupostos: “liberdade para decidir e
conhecimento de sentido. Se alguém, no momento da sua
escolha, não tiver escolha, ou se não puder reconhecer o que
tem sentido, não pode tornar-se culpado” (LUKAS, 2012, p. 64).

E para finalizar, da tão temida e mal falada morte que para Viktor Frankl,
nos incentiva a realizar ações responsáveis na vida, vide que esta é transitória.
Em resumo, é no conhecimento da morte enquanto garantia da existência
humana que nos conduz a uma presença responsável no agora.

“Dei a entender que a vida humana tem sentido sempre e em


todas as circunstâncias, e que este infinito significado da
existência também abrange sofrimento, morte e aflição. Frankl,
2019

Foi então que precisei me resolver com o tempo, aquele que me resta e
oferece possibilidade de realizar sentido. E vou aqui refletindo sobre a
importância de promover recursos de sobrevivência às pessoas, numa
perspectiva consciente e otimista, visto a responsabilidade que temos em cada
situação. Impera aqui a importância dos encontros e de tudo aquilo que eles nos
possibilitam.

O encontro, no sentido mais amplo do termo, leva-nos a


compreender a humanidade do parceiro, enquanto o amor
permite-nos, a mais, conhecer sua essencial unicidade. Esta
unicidade é a característica constitutiva da personalidade.
Quanto à autotranscedência, ela está igualmente implicada, seja
quando o homem transcende a si mesmo ao buscar um
significado, seja quando acontece um encontro de amor: no
primeiro caso está envolvido um logos impessoal, no segundo,
um pessoal – um logos, por assim dizer, encarnado.
(Frankl,2019)

Registro aqui todos os meus agradecimentos aos transportes que


impactaram a em minha vida pessoal e profissional, uma vez que ela foi nutrida
pelos encontros, recursos e possibilidades da Logoterapia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Thiago Antônio Avellar de. Logoterapia e análise existencial: uma


introdução ao pensamento de Viktor Frankl. São Paulo: Paulus, 2013.
CORBETT, Lionel Entrevista Espiritualidade e psicologia junguiana. 33
Congresso de Psiquiatria. Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da
UFJF, 2017. https://www.youtube.com/watch?v=4piebk5zKgs
FRANKL, V. E. A presença ignorada de Deus.19.ed.rev. São Leopoldo:
Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2019.
FRANKL. V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de
concentração. 45. Ed. – São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2019.

FRANKl, V. E. (2003). Psicoterapia e sentido da vida. São Paulo: Quadrante

FRANKL, V. E. Um sentido para vida. Trad. Pe. Victor H. S. Lapenta. Aparecida,


SP: Santuário, 1989.

JUNG, C.G. Psicologia e Religião. Obras completas de C. G. Jung, v. 11/1.


Vozes, Petrópolis, 1978.

LUKAS, Elizabeth. Psicologia espiritual: fontes de uma vida plena de sentido. 1.


ed. São Paulo: Paulus, 2012.195 p.

PETERSON, Jordan B. 12 Regras Para a Vida: Um Antídoto Para o Caos. 2018.


STAUDE, J. R. O desenvolvimento adulto de C. G. Jung. 9. ed. São Paulo:
Cultrix, 1995.

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