Você está na página 1de 8

Curso de Formação Fundamental em Logoterapia

Instituto de Psicologia e Logoterapia

Atividades de Avaliação do Módulo 3

LÍCIA LEDSS SANTOS DA CUNHA

A IMPORTÂNCIA E O USO DOS SONHOS NA LOGOTERAPIA

No decorrer da história muito vem sendo falado sobre os sonhos. Temos registros
de sonhos proféticos, premonitórios, mensagens de pessoas que já morreram, de
indicações simbólicas que apontavam para um determinado fazer na vida. Na perspectiva
bíblica, Deus havia dado a José e a Daniel a capacidade de interpretar os conteúdos
oníricos. (Gênesis 40 e 41e Daniel 7: 1-7). Quando da batalha entre Gideão, seus 300
homens e os midianitas, a Bíblia apresenta o propósito de encorajar aquele grupo a
enfrentar a batalha, certos da vitória dita pelo Senhor através do sonho. (Juízes, 7:13-15)
Também seriam um alerta e uma indicação sobre o que fazer, quando numa manifestação
onírica os reis magos foram orientados a não retornarem a Herodes. (Mateus 2:12). A
filosofia também se propôs a estudar e a emitir considerações sobre os sonhos, sendo que
Platão e Aristóteles apresentaram algumas considerações sobre o tema. Na obra Odisséia,
Penélope, ao apresentar um sonho a Odisseu, este lhe diz que o sonho já carrega sua
própria interpretação, já teria uma explicação clara. (Homero, 2001). Sigmund Freud em
sua obra A Interpretação dos Sonhos, apresentou os sonhos como reflexos do nosso
cotidiano inconsciente, sendo que as imagens apresentadas ali se referem a questões que
não foram resolvidas anteriormente e como elas nos afetam.
Sobre os sonhos, Freud (2019) disse:
“Nossos sonhos se associam regularmente às representações que estiveram
em nossa consciência pouco antes.”

“O conteúdo de um sonho é, invariavelmente, mais ou menos determinado


pela personalidade individual daquele que sonha, por sua idade, sexo, classe,
padrão de educação e estilo de vida habitual, e pelos fatos e experiências de
toda a sua vida pregressa.”

“O sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente.”


As considerações do pai da Psicanálise abriram as portas para um estudo mais
profundo e sistemático sobre estas manifestações no ser humano, a quem as informações
serviam, o seu significado e os caminhos que apontavam. Carl G. Jung (2008) considerava
que os sonhos se referiam a uma esfera da psique que não fora contaminada pela
intencionalidade humana. Tratava-se de uma abordagem mais aberta através dos símbolos
mitológicos e antropológicos. Para ele, os sonhos eram processos psíquicos naturais e
reguladores da psique e que tinha ênfase no inconsciente coletivo.

A logoterapia não poderia ficar de fora de um tema tão importante. Isar Xausa (2019),
grande expoente da abordagem no Brasil escreveu O Sentido dos Sonhos na Psicoterapia
em Viktor Frankl.“ A logoterapia revelou-se não só como uma psicologia que investiga as
profundezas do homem, mas também como a psicologia das alturas.” Ela conta do seu
encantamento com a linguagem dos sonhos e do quanto ela sabia que poderia se conectar
com o paciente e de que, juntos, poderiam realizar grandes descobertas do mundo
inconsciente, revelando mensagens contidas ali.

“Procurei encontrar o inconsciente espiritual não visto como um porão


de quinquilharias e resquícios da memória humana, mas como um tesouro
escondido de que cada pessoa é possuidora.” (Xausa, 2019)

À psicoterapia, Xausa inseriu em seu trabalho com os pacientes a análise dos


sonhos. Nesta perspectiva, aumentava o esclarecimento e autocompreensão da maneira
de ser no mundo, da problematização da sua vida, bem como o seu sentido, possibilidades
e ideais. Nesta abordagem dos sonhos percebeu os valores, os afetos e potencialidades
do ser humano. Ela foi uma das poucas seguidoras de Frankl que escreveu sobre o
assunto, sendo que sua obra foi bem comentada e recomendada pelo próprio Frankl.

A análise dos sonhos é coerente com o reconhecimento da humanidade e dignidade


do ser humano, além da consideração da sua liberdade e responsabilidade. O material
onírico é visto e utilizado como recurso terapêutico.

Dentro dos recursos metodológicos, observa-se o registro o mais fidedigno possível,


seguido de associações e interpretações, buscando pelo significado. O diálogo socrático é
utilizado como técnica que visa apreender o conteúdo do sonho, sua mensagem e o seu
valor. Tal proposta é realizada através de perguntas e visa a descoberta dos significados,
mensagens e estados anímicos dos sonhos. Importa colocar que os achados são
percebidos pelo próprio paciente. É uma técnica verbalizada e maiêutica.

Procurei usar, na análise dos sonhos, o diálogo socrático a fim de que


o paciente descobrisse, por si, só o conteúdo, a mensagem e o valor do
sonho” Xausa, 2019

Os sonhos, bem como os mitos revelam a linguagem simbólica dos homens. De


acordo com Boss (1965, p.93-100, conforme citado por Xausa 2019, p.53), é preciso que
os envolvidos na relação terapêutica deem seriedade aos sonhos, visto que representam
um dos enfoques mais integrais da existência humana. Acrescenta que a sua análise dispõe
de valor terapêutico.

Nas mãos de um terapeuta experiente, os sonhos são amiúde


claramente apropriados para alertar o paciente em seu estado desperto mais
perceptivo, a um significado idêntico de possibilidades de viver irrealizadas
na própria existência. Isto ajuda o paciente a clarificar sua relação com sua
maneira de viver desperta e, consequentemente, também a realização
consigo próprio e com o mundo que o cerca. (Boss, 179:204)

Frankl (2019, p. 37) afirmava que o seu método ia além da interpretação dos sonhos
de Freud, pois além da perspectiva de trazer à consciência e à responsabilidade
inconsciente, incluía a elementos também da espiritualidade inconsciente. Visava a
descoberta deste inconsciente espiritual de modo a dizer que marcava os passos em
separados com a psicanálise, mas que a logoterapia caminhava junto a ela. Relata utilizar
o método do pai da psicanálise para acessar o inconsciente impulsivo, mas que se dirige a
outro fim.

Para Frankl (apud Xausa, 2019 p. 60) afirma que é o insconsciente espiritual que
revela todos os elementos que dele fazem parte, ainda que estes tenham sido reprimidos.
Neste contexto, ao inconsciente espiritual cabem a criatividade quanto à religiosidade.
Encontrou em sua história clínica elementos religiosos em grandes proporções, incluindo
aqueles em estado latente e em pessoas irreligiosas.

“Como a logoterapia é menos retrospectiva e mais prospectiva,


considerando este aspecto, a análise dos sonhos, por este prisma, aumenta
as possibilidades terapêuticas para o paciente.” (Xausa, 2019)
Pela orientação analítico-existencial, não são necessários conhecimentos prévios
sobre mitologia, folclore ou psicologia primitiva e outras. Os conteúdos dos sonhos e sua
mensagem surgem ao se oportunizar que o paciente encontre o sentido existencial de seu
sonho. Por isso, cada sonho é apresentado de modo simples para que seus conteúdos
sejam compreendidos, não de forma padronizada, única e preestabelecida. É na história
de cada sonho que o significado de cada símbolo se revela e se relaciona com a situação
existencial de cada pessoa.

“...em Logoterapia o que importa não é descobrir um símbolo e seu


significado por meio de uma análise de sonho, mas que esta análise, mas
que esta análise e este sonho sejam integrados e aproveitados como recurso
terapêutico eficaz.” (Xausa, 2019)

TRÍADE TRÁGICA

Ao se levar em consideração a tríade trágica da existência humana, percebe-se que


nos sonhos também é possível facilitar o encontro de sentido existencial seguindo a
perspectiva de Viktor Frankl:

1. Sofrimento: Diante do sofrimento inevitável, se é livre para adotar a atitude


responsável diante da fatalidade apresentada. O sofrimento permite que a
pessoa, ao lidar com conteúdos de sofrimento em seus sonhos, escolher como
atravessar as suas dores de cabeça erguida.
“O que é, então, um ser humano? É o ser que sempre decide o que
ele é. É o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele
ser que entrou nas câmaras de gás, ereto, com uma oração nos
lábios.” (Frankl, 2019)

2. Culpa: Resposta dada à liberdade não assumida, apresenta a possibilidade de


se tornar melhor e responsável justamente pela culpa. Os sentimentos de culpa
estão intimamente ligados com a liberdade, responsabilidade e valores morais”.
(Xausa, 2019). Nos sonhos, o significado da culpa poderá ser entendido a partir
da experiência desperta, o que expressa a necessidade de ao reconhecer ali a
sua culpa, descobrir maneiras de realizar reparações.

A logoterapia proporciona a coragem de deixar a culpa como culpa, não no


sentido de acusação e repreensão, mas como oportunidade para uma nova
reflexão sobre as possibilidades positivas de uma mudança de atitude e para
oportunizar o amadurecimento pessoal.” (Xausa, 2019)

3. Morte: Revela a finitude e transitoriedade na vida, ao mesmo tempo que


possibilita que o homem assuma atitudes responsáveis frente ao que ele precisa
realizar em sentido existencial. A morte nos sonhos fala do sentimento de perda
e em todo processo de aceitação da morte de alguém que nos foi especial.

“O homem primitivo apela para o mito e a magia para


resolver o problema da morte; o homem materialista esbarra
num fim nu, despido de toda concepção ou crença na
imortalidade do espírito e o homem religioso pela fé. De
qualquer maneira, a morte apresenta-se como algo imutável
e fatal e necessariamente gera angústia no homem.

RELAÇÃO TERAPEUTA- PACIENTE

A logoterapia propõe um encontro existencial entre terapeuta e paciente. Fala-se de


uma postura por parte do primeiro no sentido de oferecer respeito à dignidade humana a
partir do uso do método e das técnicas e o próprio encontro terapêutico. Ao terapeuta,
espera-se abertura à busca de sentido e valor. É um observador- participante que “capta
as modificações que ocorrem no paciente e nele mesmo, integrando assim um novo campo
bipessoal psicoterápico no qual, sem dicotomias, ambas as pessoas caminham para se
encontrar.”

“Também os sonhos poderão expressar, sob as mais diferentes formas, esta


relação paciente-terapeuta e poderão ser expressões de uma avaliação
simbólica ou real da mesma” (Xausa, 2019 p. 77)

O INCONSCIENTE ESPIRITUAL

Para a análise existencial da Logoterapia, o ser humano é visto como uma unidade
antropológica, uma entidade bio-psico-espiritual, sendo que este último alude ao noos. É
denominado noético, existindo para além do religioso. Frankl menciona que o noético ou
espiritual está presente em uma dimensão superior e especificamente humana. Isto porque
a psique produz fenômenos que escapam ao biológico e ao psíquico. O conhecimento da
espiritualidade inconsciente, ao ser agregada ao conceito de homem na Logoterapia,
aponta para a reabilitação inconsciente. (Xausa,2019)

“Assim, novamente verificamos que o espiritual não somente pode ser


inconsciente, em diferentes graus, mas necessariamente deve ser
inconsciente, tanto na sua instância última quanto na sua origem”. (Frankl,
2019 p.28)
O SENTIDO ÚLTIMO DA EXISTÊNCIA HUMANA

Para Frankl (2019), há um sentido último e amplo. É o sentido do todo, do sentido


da vida como um todo. “Quanto mais amplo for, menos compreensível será”. Completa
dizendo que “o sentido último escapa totalmente à nossa apreensão, pelo menos
intelectual”. O suprassentido pode ser entendido pela fé religiosa, uma vez que nela as
pessoas confiam naquilo que não veem ou poderiam compreender. Em outras palavras,
trata-se da dimensão mais elevada da existência.

A partir deste conceito entende-se que o logos é mais complexo do que a lógica. Em
linhas gerais, o que se apresenta é o fato de que a existência tem um sentido incondicional
ainda que tenhamos que suportar o fato de que não temos recursos intelectuais para
compreendê-lo. Assim, nutro a ideia de que quando a ciência ou a experiência não puderem
responder às nossas indagações e aflições, um sentido maior, algo para além de qualquer
explicação, nos auxilia a dar respostas à vida. E segundo Frankl, imagino que as respostas
sejam aquelas do dizer sim à vida seja em quaisquer circunstâncias.

“O caminho para o homem encontrar o sentido de sua vida ou o sentido último


pode ser tanto por meio de situações vitais como pela análise existencial,
embora somente cada pessoa, individualmente possa encontrá-lo.”
(Xausa,2019)

CONCLUSÃO

“O terapeuta e o paciente deverão estar afinados, existencialmente, no modo


de existir, o que constitui um estar-juntos de ambos num encontro existencial.
“(Xausa,2019)

Nas palavras de Freud, os sonhos como via régia para o inconsciente sempre
causaram fascínio à humanidade. Nós, psicólogos, não ficaríamos de fora! A minha
avaliação neste estudo é de uma logoterapia mais humanizada e prospectiva, melhor
percebida pela dinâmica dos fenômenos que se apresentam do que pelos símbolos
mitológicos folclore ou psicologia primitiva entre outras.
A obra da Professora Isar Xausa é, de fato, uma grande contribuição ao nosso fazer
de cada dia a partir de uma abordagem terapêutica acessível que nos traz e faz com que
também sejamos veículos da mensagem do dizer sim à vida, do dotá-la de sentido, do
apesar da dor, podemos atravessar de cabeça erguida, do ser melhor com a compreensão
da culpa, do apesar da morte, vale a pena responder à vida.

Agora, os sonhos me parecem mais singulares, mesmo aqueles que muitas pessoas
possam ter experimentado. Assim, a relação terapeuta-paciente parece mais eficaz,
levando o paciente a desenvolver a esperança quando se descobre um sentido. Também
soa mais leve trabalhar com os sonhos dos meus pacientes.

Sempre trabalhei com sonhos a partir da perspectiva junguiana, porém vivia tensa
na busca pelo entendimento dos símbolos na história da humanidade. Parecia haver um
molde que regulava tudo isso...

Depois de entrar nesta jornada logoterapeutica, outras possibilidades foram se


descortinando e havia um aceno, não apenas na terapia em si, mas na localização dos
sonhos na vida de cada pessoa. Conceitos sobre liberdade, responsabilidade, vontade de
sentido, suprassentido, dimensão ontológica, inconsciente espiritual etc. foram sinalizados
nos sonhos dos pacientes. Percebo que consigo entregar mais, porque percebo o
fenômeno em cada um especificamente e quero continuar a entregar mais.
Referências Bibliográficas

ALMEIDA, João Ferreira de. Trad. A Bíblia Sagrada (revista e atualizada no Brasil) 2 ed.
São Paulo. Sociedade Bíblica Brasileira, 1993.
FRANKL, V. E. A presença ignorada de Deus.19.ed.rev. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis:
Vozes, 2019.
FRANKL. V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 45. Ed. –
São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2019.
FREUD, Sigmund, 1856-1939. Obras completas, volume 4: A interpretação dos sonhos
(1900) / Sigmund Freud; tradução Paulo César de Souza. — 1a ed. — São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
HOMERO. Odisseia. Trad. Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ed. Ediouro, 2001.
JUNG, C.G. O Homem e seus Símbolos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
XAUSA, Isar Aparecida. de Moraes – O sentido dos sonhos na psicoterapia em Viktor
Frankl. Belo Horizonte: Editora Artesã, 2019

Você também pode gostar