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Revista ex-isto
Há pouco mais de dois anos surgiu a ideia
de criar uma revista sobre existencialismo,
fenomenologia, filosofia e psicologia,
relacionando com a história, as artes e a
vida. Contudo, para colocá-la em prática,
foi preciso tempo e amadurecimento dessa
proposta, assim como somar interessados
em difundir tais temáticas. Enfim, aqui
estamos com o primeiro número da
revista ex-isto em formato digital.
Conteúdo
Não há fatos, apenas interpretações | p. 2
O dia em que procurei um terapeuta existencial
| p. 5
Existencialismo: doutrina de ação | p. 7
Essência, existência, gênero | p. 11
Um “demônio” trágico | p. 15
A era da estupidez, George Christian | p. 17
O que é 'ex-isto'? | p. 34
_____________________________________________ Este trabalho está licenciado com uma Licença
Imagem da capa: Lago antes do nascer do sol, Creative Commons - Atribuição-NãoComercial
Ferdinand Hodler, 1918. 4.0 Internacional.
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revista ex-isto no. 1 | p. 2
Filosofia
Não há fatos, apenas interpretações
O que Nietzsche quis dizer com Para entendê-la, penso ser
"Não há fatos, apenas interpretações"? importante conhecer um pouco a respeito
Muitos são aqueles que criticam essa da filosofia nietzschiana, em especial o
sentença, defendendo os fatos como modo como esse pensador entende o
inquestionáveis, criticando e classificando conhecimento e a verdade. Para Nietzsche,
esta ideia como absurda e sem sentido, a verdade e o conhecimento não
enquanto outros a enaltecem enquanto correspondem a algo único, acabado ou
característica da filosofia pós-moderna. absoluto, mas sim como elementos
determinados por interesses e
perspectivas distintas.
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modo que não há conhecimento absoluto, verdade absoluta, mas como uma
neutro ou objetivo. possibilidade, um caminho. Examinemos,
então, essa frase contextualizada em seu
O pluralismo corresponde às
fragmento póstumo:
tendências filosóficas que constatam a
coexistência de variados princípios que
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interpretação se dá, inevitavelmente, opera com um desejo de domínio,
dependendo de um momento histórico, de buscando impor sua perspectiva como
condições, interesses, situações e norma sobre os outros, onde não há
circunstâncias específicas, tal como verdades absolutas.
comenta em 'Humano, demasiado
Psicologia
O dia em que procurei um
terapeuta existencial
sentei, e aí, a partir desse momento Ao contrário do que eu esperava,
comecei uma das melhores experiências não houveram muitas perguntas, mesmo
da minha vida. estudando psicologia, eu ainda carregava
o estereótipo das mídias de que o
Conversei por uma hora com outra
terapeuta vai te aplicar “zilhões” de
pessoa que realmente me ouviu, que
perguntas, de que ele iria querer invadir
estava atento a cada palavra, que
meus mais profundos segredos e que de
demonstrou profundo interesse por cada
alguma forma poderia até mesmo saber
banalidade ou “besteira” que eu contava e
se eu estivesse mentindo em algum
que fui percebendo não ser tão banal
momento, mas não as poucas perguntas
assim, e que nem era tanta “besteira”,
que vieram foram simples, diretas e
que ali haviam coisas importantes que
cirúrgicas, e talvez nem fossem bem
precisavam sair de dentro do meu
perguntas, era o famoso “fale mais sobre
imaginário, que precisavam ser ditas em
isso” ou “como é isso pra você”, mas foi
voz alta, não para o psicólogo, mas para
tão bem aplicado, que me levava a pensar
mim mesmo.
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Existencialismo
Existencialismo: doutrina de ação
Como estudante de Psicologia, antes de nascer, o homem é “nada” e,
buscava uma vertente que viesse de somente a partir do momento em que se
encontro com minhas ideias e percepções coloca no mundo, em contato com outros
de indivíduo e de mundo para o homens e na ocasião de suas primeiras
atendimento clínico futuro. Quando, escolhas, é que esse homem se torna um
brevemente, tive contato com o conceito indivíduo capaz de construir sua essência
de que “o homem é o único responsável (valores, ideais, projetos).
por seu caminho” e li, pela primeira vez, O homem, tal como o existencialista o
Jean Paul Sartre sentenciar que “não concebe, só não é passível de uma
importa o que a vida fez de ti, e sim o que definição porque, de início, não é nada: só
você faz com o que a vida fez de você”, posteriormente será alguma coisa e será
aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim,
percebi que havia encontrado algo que,
não existe natureza humana, já que não
finalmente, fazia sentido. Era o existe um Deus para concebê-la. O homem
Existencialismo. é tão-somente, não apenas como ele se
concebe, mas também como ele se quer;
A escola ou doutrina existencialista como ele se concebe após a existência,
surge entre os séculos XIX e XX na Europa como ele se quer após esse impulso para a
e tem entre seus principais expoentes existência (SARTRE, p. 10, 2014).
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angústia na concepção existencialista, o Cada homem deve perguntar a si próprio:
pensador propõe o seguinte: sou eu, realmente, aquele que tem o
direito de agir de tal forma que os meus
O homem que se engaja e que se dá conta
atos sirvam de norma para toda a
de que ele não é apenas aquele que
humanidade? E, se ele não fazer a si
escolheu ser, mas também um legislador
mesmo esta pergunta, é porque estará
que escolhe simultaneamente a si mesmo
mascarando sua angústia. Não se trata de
e a humanidade inteira, não consegue
uma angústia que conduz ao quietismo, à
escapar ao sentimento de sua total e
inação. Trata-se de uma angústia simples,
profunda responsabilidade. É fato que
que todos aqueles que um dia tiveram
muitas pessoas não sentem ansiedade,
responsabilidades conhecem bem. (...)
porém nós estamos convictos de que estas
Veremos que esse tipo de angústia – a que
pessoas mascaram a ansiedade perante si
o existencialismo descreve – se explica
mesmas, evitam encará-la; certamente
também por uma responsabilidade direta
muitos pensam que, ao agir, estão apenas
para com os outros homens engajados
engajando a si próprios e, quando se lhes
pela escolha. Não se trata de uma cortina
pergunta: mas se todos fizessem o
entreposta entre nós e a ação, mas parte
mesmo?, eles encolhem os ombros e
constitutiva da própria ação (SARTRE, p.
respondem: nem todos fazem o mesmo.
14-16, 2014).
Porém, na verdade, devemos sempre
perguntar-nos: o que aconteceria se todo
mundo fizesse como nós? e não podemos
escapar a essa pergunta inquietante a não “Doutrina de ação”
ser através de uma espécie de má fé (p.
14, 2014).
Posso finalizar o texto com a
Diferentemente da ideia do afirmação sartreana de que, acima de
senso-comum, para o pensamento tudo, o Existencialismo é uma “doutrina
existencialista a má-fé acontece quando de ação” (p. 48, 2014). Pois se trata de
um homem “mente para si mesmo”, não colocar o sujeito como centro do seu
reconhecendo sua liberdade de fazer universo, um “universo humano” ou
escolhas e se autodeterminar. Tentando “universo da subjetividade humana” (p.
mascarar sua angústia por ter de escolher 46, 2014), em que a relação dialética de
a todo momento, o indivíduo abre mão ser-no-mundo (in Ser e Tempo,
de sua autenticidade, de uma vida HEIDEGGER, 1927), em que o homem
autêntica, passando a viver escolhas de existe, nasce no mundo e, só depois,
outros – vivendo de maneira inautêntica, constrói sua subjetividade, sua essência,
fingindo crer que as escolhas já estão por meio de escolhas que transformam
postas, sendo impossível, assim, de não apenas a si, mas a todos em
serem transformadas. determinado local, determinada época e
O indivíduo que se submete às contexto histórico, gera responsabilidade
regras e normas sociais, sem e uma angústia propulsora de ações e
questioná-las ou mesmo sem acreditar no mudanças significativas tanto
que vive; aquele Homem que mente para individualmente, como coletivamente.
si mesmo, seria o indivíduo que vive na Por perseguir “objetivos
má-fé existencialista. transcendentes é que ele (o homem)
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Gênero
Essência, existência, gênero
Aristóteles defendia que Além de garantirem a
compreender a verdadeira causa de um continuidade da vida, estarão cumprindo
evento era intuir sua essência, com as normas religiosas e
especificidade e necessidade. Outro mandamentos sociais estabelecidos.
filósofo que corroborou com as idéias de Aristóteles ainda dizia que tudo é
Aristóteles foi o alemão Gottfried Wilhelm composto de uma substância, o termo
Leibniz (1646–1716). Para ele, o mundo significa literalmente o que está por baixo
foi criado para um determinado fim. Tudo de. Não possui uma existência acidental e
o que existe tem uma causa final que eventual. Ela existe para si. Tem vida
define o seu propósito e a sua existência. própria e goza de determinadas
Nada acontece sem uma razão profunda propriedades possuindo apenas uma
suficiente. Agir para um fim e, em relação essência. Substância e essência
a este, avaliar os próprios meios é típico coincidem.
da natureza humana. Conforme a
Nesse caso podemos pensar na
hipótese finalista, a natureza também
“essência masculina” e na “essência
seria movida por análogo critério de
feminina”. Essas, por sua vez, são
intencionalidade. O cristianismo fez do
compostas de comportamentos
finalismo sinônimo de providência divina.
normatizados e específicos para cada
Influenciada pelo pensamento gênero em questão. Tal forma de
essencialista e finalista, as questões de raciocinar ficou conhecida na filosofia
gênero foram sendo construídas pelas como essencialismo. As essências são
normas religiosas, médicas, políticas e produzidas através de respostas dadas à
jurídicas. Portanto, o raciocínio seguinte pergunta: o que é isto ou aquilo?
estabelecido foi o seguinte: aquele que é Quando se pergunta, por exemplo, o que
definido como homem biológico foi feito é o gênero, a mulher, o homem, o idoso
com um pênis. Depois foi dotado de uma ou a travesti, está se perguntando pela
“essência masculina”. Sua finalidade é definição desses entes.
buscar uma mulher biológica que foi feita
Para Aristóteles pode-se descrever
com uma vagina e dotada de uma
a essência como aquilo que permanece e
“essência feminina”. A partir desse
se conserva imutável, apesar da mutação
encontro, os dois estabelecerão uma
aparente. Definir a essência da vida é
relação complementar e serão os
mais difícil do que definir a essência de
responsáveis pela perpetuação da
um triângulo, por exemplo. Em oposição
espécie humana (Abbagnano, 2007;
ao essencialismo, há outra corrente na
Chauí, 2003; Nicola, 2005 apud Antunes,
filosofia denominada de existencialismo.
2017).
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Essa linha de pensamento diz que o ser estado em que as possibilidades estão
humano não é um conjunto de teorias. sempre irrealizadas.
Há uma preocupação com o sentido ou o
Para Sartre só nos tornamos algo
objetivo das vidas humanas, mais que
acabado quando morremos. O homem
com verdades científicas ou metafísicas
passa toda sua existência em um
sobre o universo.
processo de devir. Estamos sempre
Assim, o existencialismo foi abertos às novas possibilidades de
influenciado pela fenomenologia do reinvenção partindo de um determinado
filósofo alemão Edmund Husserl (1859- contexto existencial possível. Sartre
1938). Tal pensamento dizia que a chamou isso de facticidade. Ela diz
experiência interior ou subjetiva é respeito às resistências e objetos que a
considerada mais importante do que a liberdade necessariamente se defronta
verdade “objetiva”. O existencialismo diz quando cria nova situação. Como
que o homem não foi planejado por exemplo de facticidade, podemos pensar
alguém para uma finalidade, como os no sexo biológico, família, país, cidade,
objetos que o próprio homem cria. O cultura, época e condição socioeconômica
homem se faz em sua própria existência. que nascemos.
Não havendo tal essência, todos são
As condições impostas pela
iguais e igualmente livres para se fazerem
facticidade conjugadas ao significado
em relação a determinado contexto.
dado pela liberdade se combinam para
Afirma o primado da existência sobre a
criar uma nova situação. Sartre defende
essência.
que não importa o que foi feito do
Não há afirmações gerais e indivíduo, e sim o que o indivíduo faz com
verdadeiras sobre o que os homens aquilo que foi feito dele. A resistência é
devem ser. Um de seus principais intrínseca à liberdade e ao humano.
representantes é o filósofo francês Travestis nasceram biologicamente
Jean-Paul Sartre (1905-1980) que leva homens. Podemos pensar que esse fato
esse indeterminismo às suas mais remete à facticidade ou àquilo que foi
radicais consequências. Para Aristóteles, feito delas. Alteram seus corpos com
e muitos outros filósofos, a essência de signos considerados culturalmente
ser humano era ser racional. Mas para próprios do feminino. Esse fato remete à
Sartre, a pessoa deve produzir sua liberdade ou ao que fazem com aquilo
própria essência. A existência precede a que foi feito delas.
essência. Como seres conscientes,
No entender de Sartre estamos
estamos sempre querendo preencher o
condenados à liberdade. Cada ato
“vir a ser” que na realidade é a verdadeira
contribui para definir como nos
“essência” do nosso ser consciente.
apresentamos ao mundo. Em qualquer
Queremos nos transformar em coisas em
momento podemos começar a agir de
vez de permanecer perpetuamente num
modo diferente e desenhar um retrato
diferente de nós mesmos. Há sempre
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uma possibilidade de mudança, de existencialismo ateu de Sartre. Sem
começar a fazer um tipo diferente de diretrizes absolutas, nós devemos sofrer
escolha. Temos o poder de nos a agonia de nossa tomada de decisão e a
transformar indefinidamente, tendo angústia de suas consequências.
sempre como ponto de partida, nossa
A angústia é, então, a consciência
facticidade. Não há nenhuma “essência”
da própria liberdade e a consciência da
determinada que oriente a priori o
imprevisibilidade última do nosso
comportamento de ninguém. Porém, há o
comportamento. Sartre define como “má
que Sartre chama “projeto original”.
fé” a tentativa de fugir da angústia
Como uma pessoa é uma unidade, fingindo que não somos livres. Tentamos
e não apenas um amontoado de desejos nos convencer que as nossas atitudes e
ou hábitos sem relação, deve haver para ações são determinadas pela nossa
cada uma delas uma escolha personalidade, horóscopo, situação ou
fundamental por um papel ou script de por qualquer outra coisa fora de nós
vida, o qual dá o significado de qualquer mesmos. Segundo Sartre, nenhum
aspecto específico de seu motivo ou resolução passada determina o
comportamento. Essa escolha nem que fazemos agora. Cada momento
sempre acontece de forma consciente. requer uma escolha nova ou renovada.
Saber sobre o “projeto original” de Mesmo que não fizermos nada, uma
alguém demanda cuidadosa análise de escolha já está sendo realizada: o não
sua trajetória existencial. Sartre agir.
acreditava que não há nenhum deus e,
Negar a liberdade é uma tomada
portanto, não há qualquer plano divino
de posição covarde, a fim de fugir da
que determine o que deve acontecer. Não
angústia da escolha, e achar o repouso e
há um sentido ou propósito último
a segurança na confortável ilusão de ser
inerente à vida humana. Logo ela é
uma essência acabada. Portanto, o
absurda.
existencialismo se contrapõe ao
Isto significa que o indivíduo foi essencialismo, à medida que defende que
jogado de fato na existência sem não somos determinados. Para essa
nenhuma razão real para ser. corrente filosófica, podemos nos
Simplesmente descobrimos que reinventar a cada momento. Inicialmente,
existimos e temos então que decidir o as ideias essencialistas se tornaram mais
que fazer de nós mesmos. O homem não expressivas que as ideias existencialistas
é mais do que aquilo que ele faz de si (Perdigão, 1995; Sartre, 2005 apud
mesmo. Se não há nenhum deus, não há Antunes, 2017).
nenhum padrão objetivo de valores.
Portanto, as primeiras
Consequentemente, devemos estabelecer
influenciaram mais as ciências biológicas
ou inventar, a partir da liberdade e
do que as ciências humanas. Logo, para
facticidade nossos próprios valores
as ciências médicas e biológicas, assim
particulares. Tal é o primeiro princípio do
como todos os entes, homens e mulheres
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Literatura
Um “demônio” trágico
A literatura russa nos legou O personagem de Kiríllov é belo
grandes escritores, dentre tantos deles porque trágico, trágico à la Sófocles
Fiódor Dostoiéviski (1821-1881) se (497-405 a.C.). Kiríllov é um personagem
destaca como um dos mais densos febril, que se consome em seus
filosoficamente e psicologicamente. pensamentos, num raciocínio constante
Em sua obra “Os demônios” sobre suas ideias que o levará a um
encontram-se diversos personagens, um destino trágico. Kiríllov quer provar que
deles me recordou o filósofo Friedrich Deus morreu! Grande missão este
Nietzsche (1844-1900), o personagem personagem se impõe! Mas como, como
Aleksiei Kiríllov incorpora o apolíneo e o provar a morte de Deus? Em seu estado
dionisíaco da filosofia de Nietzsche e nos febril Kiríllov decide que está disposto a
remonta a uma tragédia grega antiga do levar às últimas consequências para
período pré-socrático. tentar provar a inexistência desse “ser”,
deus.
Kiríllov raciocina: “...se crê, crê que
não crê. Mas se não crê, então crê que
não crê.” Não há saída, para Kiŕillov é
impossível deixar de acreditar em algo,
mesmo não crendo em nada se crê
sempre em algo, constata. A “salvação”
para seus dilemas, e seu trunfo enquanto
herói, é se matar por um ideal, matar-se
em defesa do Ateísmo, que ele diz
ninguém ainda o ter feito, ninguém se
matou em defesa da “não-crença” e ele
seria o primeiro! Grande constatação!
Matando a si ele demonstra a todos que
quem tem o poder sobre a vida, é ele, e
não Deus. Kiríllov almeja a independência
de sua existência, sem submissão a nada
transcendente.
Fiódor Dostoiévski
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Esse “herói trágico moderno” -
assim como nas tragédias gregas antigas -
vence todas as circunstâncias colocadas
pela sua razão pela tragicidade de seu
ato, o suicídio. Seu ato é dionisíaco, pois é
a desintegração do “eu”, um somar com a
natureza, e também apolíneo por ser um
ato individual (principium individuationis)
mesmo que para dar término da própria
vida culminando numa tragédia. Como
afirma Roberto Machado em seu livro
Nietzsche e a verdade:
Para o herói trágico é necessário perecer,
por onde ele deve vencer.
(pág.38)
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Galeria Independente
George Christian
A Era da Estupidez
Seu álbum mais recente, 'A Era da
Estupidez', é o álbum mais progressivo
em sua discografia. Trata-se de um
trabalho conceitual em que se observa,
paradoxalmente, uma narrativa que se
inicia como um lamento solitário e vai se
desdobrando num cataclisma ultra
psicodélico de timbragens ao observar a
estupidez no mundo.
O compositor se assume solista e
multiinstrumentista, onde o corpo da
George Christian é compositor, improvisação e da composição
multiinstrumentista e cantor, residente espontânea percorre contornos mais
em Salvador (BA), fortemente engajado estruturados e desafiadores. Das dores
na produção e difusão de sua música secretamente autobiográficas às dores do
independente por distintos meios online, mundo ao redor. O álbum é um
tendo produzido diversos EPs e álbuns manifesto contra uma época de
lançados, utilizando como principal retrocessos éticos e um elogio à loucura
instrumento o violão elétrico, juntamente criativa.
com explorações instrumentais.
Também atua como compositor de
Link para escutar o disco:
trilhas sonoras, tendo em seu currículo os
hamfuggirecords.bandcamp.com/album/
filmes "Imagens", de Luiz Rosemberg
a-era-da-estupidez
Filho, e a série "No Icons" (inédito), de
Alexandre Guena. Seus trabalhos
trafegam nos campos tanto da música George Christian:
experimental, quanto da música de georgechristianmusic.wixsite.com
concerto, realizando esporádicas instagram.com/gc.soundartifacts
performances ao vivo. fb.com/georgechristianmusic
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cotidiano / junho 2020 Guto Nunes
pastel seco em papel kraft instagram.com/gggguto/
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Artigo
Fundamentos da psicoterapia
fenomenológico existencial
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Segundo Foulquié (1975), o como as considero, ou, no dizer dos
existencialismo também se coloca existencialistas, eu as assumo. (FOULQUIÉ,
1975, 46p.)
contrário ao racionalismo e ao
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momento, de acordo com nossas modos de viver, não há também nenhum
condições e possibilidades. Porém, não sentido previamente estabelecido sobre
temos nenhuma garantia sobre o que como viver a vida. Essa constatação pode
pode acontecer por conta de um caminho parecer angustiante, mas é também
que escolhemos seguir, de modo que libertadora. Para o existencialismo, o
toda escolha é um risco, e isso nos gera sentido da vida pode ser acolhido,
uma sensação de angústia. abraçado ou criado.
Por não termos uma essência que
estamos sendo.
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ciências naturais na psicologia e nas A fenomenologia tem por objeto as coisas
que se manifestam ou se mostram, tais
ciências humanas, a fenomenologia
como se manifestam os fenômenos; neste
aparece como um contraponto e uma sentido, as coisas constituem aquilo que é
nova perspectiva de se fazer ciência, rigorosamente dado, aquilo que eu
contrariando o entendimento objetivista encontro e que é, para mim, originalmente
presente. (...) É a filosofia do
e as teorizações metafísicas, propondo
inacabamento, do devir, do movimento
encarar as coisas tal como aparecem, constante, onde o vivido aparece e é
retornando ao mundo da vida. sempre ponto de partida para se chegar a
algo. (LIMA, 2014, 12-13p.)
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em minha mão. É um calor que se retomando a si mesma em meio a
aproxima, então um intenso sabor confusão de suposições ideais e racionais
carregado em minha língua, começando
com um impacto levemente austero e
sobre si mesma.
então se distendendo num calor Essa análise parte das coisas tal
reconfortante, que se espalha da xícara
como são percebidas enquanto vivências
para meu corpo, trazendo a promessa de
um estado duradouro de alerta e para a pessoa que as experimenta. Os
revigoramento. A promessa, as sensações objetos percebidos nunca são "objetos
antecipadas, o cheiro, a cor e o sabor em si", com valores em si próprios,
fazem, todos eles, parte do café como
independente dos indivíduos que os
fenômeno. Todos emergem ao serem
experimentados. (BAKEWELL, 2017, 46p.) percebem, mas são sempre "objetos para
uma consciência", pois sempre aparecem
A fenomenologia nos possibilita enquanto objeto que é percebido,
tratar de qualquer objeto enquanto pensado, rememorado, imaginado, entre
experiência subjetiva, do modo como é tantas outras possibilidades.
sentida e captada por uma consciência, A consciência e o objeto não são
voltando-se, portanto, para as vivências duas instâncias separadas, mas estão em
de uma pessoa. De acordo com Dartigues constante relação, e essa relação
(2008), os fenômenos ocorrem para nós estabelece o que entendemos por "real",
enquanto experiências que se dão por sendo uma possibilidade captada por
meio dos sentidos, as vivências sempre meio da correlação entre a consciência e
estão dotadas de sentido, e o sentido do o objeto. A análise fenomenológica busca
fenômeno pode ser percebido por meio a compreensão dessa correlação, que
da análise intencional. constitui o "real", e que se apresenta de
diferentes maneiras em cada sujeito e
O princípio da intencionalidade é que a circunstância.
consciência é sempre “consciência de
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seus sentidos, enfim, se aproximando da A pessoa, no processo diagnóstico, deve
ser apreendida como sendo um fenômeno
totalidade de suas experiências, inclusive
único e, como tal, respeitada em sua
da relação que estabelece com sua totalidade; não deve, portanto, ser
história de vida. Por meio dessa abertura, avaliada segundo normas e padrões de
é possível desvelar suas características comportamento preestabelecidos, numa
existenciais, compreendendo seu papel total revelia a sua própria existência. Seu
nível de crescimento ou de maturidade
nas decisões e escolhas de sua vida, deve ser dimensionado por meio dos
promovendo uma maior autonomia projetos de vida por ela própria
consigo mesmo e com os outros. idealizados e de acordo com seu próprio
mundo e contexto existencial. (TENÓRIO,
Estes pressupostos existencialistas 2003, 41p.)
tornam-se fundamentais na construção da
postura do psicólogo e dos objetivos de Deste modo, a psicoterapia
um processo diagnóstico. Dentro dessa
fenomenológico existencial não trabalha
abordagem, o psicólogo não tenta explicar
e enquadrar a pessoa examinada em com classificação de modos de ser em
categorizações e parâmetros “doenças” ou “patologias”, pois encara a
arbitrariamente teorizados, pois ele existência de maneira singular, não
acredita que a vivência dessa pessoa é sua atuando para uma ou outra doença, mas
própria explicação, sendo ela a melhor
interprete de si mesma. (TENÓRIO, 2003,
buscando captar a existência como um
41p.) todo, em seus distintos modos de ser, de
se expressar, em suas dificuldades e em
É por meio da aproximação da suas possibilidades.
pessoa atendida, do modo como esta se Trata-se de um processo que
sente e se mostra que o psicoterapeuta possibilita uma revisão sobre suas
poderá proporcionar uma maior escolhas e seus modos de existir, de
aceitação de si mesma, incentivando a modo a assumir sua existência como
liberdade de ser e fazer escolhas protagonista de sua história, encontrando
autênticas, possibilitando assim uma novos meios para lidar com dificuldades e
abertura a novas maneiras para lidar com se abrindo à novas experiências.
a vida e com suas questões.
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O que é ‘ex-isto’?
Objetivos:
Ex-isto é um projeto dedicado ao ● Promover estudos e pesquisas sobre
estudo e pesquisa sobre o o existencialismo, a fenomenologia, a
existencialismo, a fenomenologia, a filosofia contemporânea e a
filosofia antiga e contemporânea, e a psicologia, relacionando com a
psicologia, relacionando essas temáticas história, a literatura e as artes;
com a história, a literatura e as artes, ● Oferecer conteúdos sobre os temas
iniciado no final de 2016. estudados de maneira didática e
Tem como intuito oferecer acessível para estudantes de
conteúdos e materiais como textos, psicologia, de filosofia e interessados;
vídeos, aulas e cursos, que abordam as ● Aproximar pessoas interessadas nos
temáticas relacionadas, priorizando uma temas abordados, possibilitando a
linguagem acessível, visando possibilitar troca de conhecimentos e de
reflexões sobre a existência em seus experiências;
distintos modos de se expressar. ● Oferecer cursos, minicursos, livros,
e-books, oficinas e palestras sobre os
Existencialismo é uma vertente de temas pesquisados.
filosofia contemporânea que reflete
sobre a existência humana em seus
aspectos concreto, singular, afetivo, Criado e mantido por Bruno Carrasco,
temporal e histórico, valorizando a fenomenólogo existencial e professor,
liberdade de escolha, a responsabilidade graduado em psicologia, licenciado em
e as diferenças entre os indivíduos. filosofia e pedagogia, pós-graduado em
O nome "ex-isto" é um jogo com a ensino de filosofia, especializado em
palavra "existo". O prefixo "ex", separado psicoterapia fenomenológico existencial.
de "isto", representa algo que já foi ou
deixou de ser, entendendo a existência Links:
como um vir-a-ser, onde a todo momento www.ex-isto.com
deixamos de ser algo para nos tornar www.fb.com/existocom
outro, num constante movimento e www.youtube.com/existo
transformação. www.instagram.com/existocom
nov.2020 | e
x-isto.com